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ano IV • n.

7 • novembro 2010
ISSN 1982-2766

Domínios da Imagem
Revista do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História (LEDI)
do Departamento de História e vinculada ao Programa de Pós-graduação em
História Social da Universidade Estadual de Londrina

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, novembro 2010


Universidade
Estadual de Londrina

Reitora: Nádina Aparecida Moreno

Vice-ReitorA: Berenice Quinzani Jordão

DIRETORA DO CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS: Mirian Donat

CHEFE DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA: Edméia Ribeiro

COORDENADOR DO MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL: Silvia Cristina Martins de Souza

EDITOR RESPONSÁVEL: Alberto Gawryszewski – UEL • Edméia Ribeiro – UEL



COORDENADOR DO LEDI: Alberto Gawryszewski – UEL

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PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO: Edições Humanidades


IMAGEM DA CAPA: Maurício Pestana

TIRAGEM: 500 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Domínios da imagem / Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e Ciências Humanas.


Departamento de História. Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História. Programa de
Pós-Graduação em História Social. Londrina, PR.

Ano I – n. 1 – nov. 2007


Semestral

ISSN 1982-2766

1. Imagem – Estudos – Periódicos. 2. Imagem – História Periódicos. I. Universidade Estadual de


Londrina. II. Centro de Letras e Ciências Humanas. III. Programa de Pós-Graduação em História Social.
CDU 2

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Sumário

Imagens da Infância e do Trabalho Infantil na Imprensa Manauara (1890-1920)................ 7


Alba Barbosa Pessoa

La Exposición Agricola e Industrial del Centenario Colombiano y la Idea de Progreso en


1910............................................................................................................................................... 21
Alexander Cano Vargas

Os Caminhos da Perfeição Franciscana na Franceschina (1474)...........................................33


Angelita Marques Visalli

A Vivência do Morto: a preservação de monumentos histórico-culturais em ruínas...........45


Anna Maria de Lira Pontes

A Fotografia nas Revistas Culturais Latino-Americanas: as experiências das


revistas S. Paulo (Brasil, 1936) e Rotofoto (México, 1938)....................................................53
Carlos Alberto Sampaio Barbosa

Fotografia: Arte ou Ciência?........................................................................................................63


Fabiane Muzardo

Imagens das Mulheres na Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)..............................77


Juliana Dela Torres

Corações na Curva do Rio: a imagem do inimigo no western................................................97


Lúcio Reis Filho

Beleza de Moça: nação e publicidade de cosméticos........................................................... 109


Mara Rúbia Sant’Anna

Memória e Política: o confronto simbólico sobre as representações da


Guerra do Paraguai (1865-1870)............................................................................................ 121
Maria da Conceição Francisca Pires

resenha
PARANHOS, K.; LEHMKUHL. L.; PARANHOS, A. (Org.). História e Imagens................... 135
por Terezinha Oliveira
Imagem da capa

A charge que ilustra a capa da Domínios da Imagem 7, denuncia a condição de parte das
pessoas de descendência africana, 500 anos após o encontro entre portugueses e habitantes
deste espaço, hoje denominado Brasil. Esta imagem foi feita por ocasião das comemorações
do Descobrimento do Brasil, em 2000. Trata-se de uma das inúmeras charges produzidas por
Maurício Pestana, cartunista brasileiro natural de Santo André/SP. Ele iniciou seu trabalho nos
anos de 1980 no jornal O Pasquim como assistente de Henfil que o motivou a direcionar seu
trabalho para a área dos Direitos Humanos. Pestana é reconhecido como o primeiro e mais
importante cartunista negro do Brasil; boa parte de seus trabalhos estão voltados à produção
de materiais educativos que tratam da discriminação racial e, atualmente, preside o Conselho
Editorial da Revista Raça Brasil – onde também publica suas charges.
Sobre a função e o sentido da sua produção, nada melhor do que o próprio artista para
apresentá-la:

Optei por uma linha polêmica provocando risos em situações em que não se deve rir. Concebi
ao meu trabalho uma careta indignada e singularíssima da sociedade brasileira. Defini um
indiscutível traço de uma contraposição estética e política ao radiografar a intolerância,
a ação perversa da introjeção da miséria, a violência policial acasalada, a impunidade, o
preconceito institucionalizado, a cidadania incompleta, o peso do desemprego e a ausência
dos iguais direitos de opções. Neste contexto, meus cartuns ou tiras e ilustrações passaram a
ser, às vezes, palco, outras vezes, palanques e até púlpitos profanos. [...] o processo evolutivo
do meu trabalho não poderia ser diferente da minha arte, na medida em que a condição
político existencial torna inseparáveis a forma e o conteúdo, criatura e o criador, a arte e a
vida (PESTANA, 30 anos de arte pela igualdade, 2010).

Edilaine Aparecida de Araújo


Edméia Ribeiro
Apresentação

É com prazer que apresentamos mais um número da revista Domínios da Imagem,


publicação esta que se tornou um veículo importante para aqueles que pesquisam, estudam
e lêem sobre a utilização das imagens na produção acadêmica. Este número traz trabalhos
com temáticas e fontes imagéticas diversas de pesquisadores do Brasil e na Colômbia.
Encontraremos nas próximas páginas, trabalhos que utilizaram como fonte ilustrações
publicadas em periódicos. Entre eles, está o artigo de Alba Barbosa Pessoa que problematizou
as imagens da infância no final do século XIX e início do XX, registradas na imprensa de Manaus,
assim como o de Juliana Della Torres, que analisou as temáticas femininas apresentadas na
arte visual de jornais comunistas. Diferente, mas ainda na seara dos veículos impressos de
comunicação, estão os trabalhos de Carlos Alberto Sampaio Barbosa, que analisou fotografias de
duas revistas culturais da década de 1930, a mexicana Rotofoto e a brasileira S. Paulo, tecendo
uma comparação entre elas e seu respectivo uso para estruturar formas de comunicação.
Em outro artigo, produzido por Mara Rúbia Sant’Anna, encontraremos uma reflexão sobre
um anúncio de batom publicado na revista O Globo, e os meios utilizados pela publicidade
para agenciar modelos de beleza e juventude num contexto de promoção de sentimento de
identidade nacional. Seguindo por este mesmo caminho, mas tendo a Revista como meio e
a caricatura como objeto, Maria da Conceição Francisca Pires examina em seu trabalho as
representações humorísticas sobre a Guerra do Paraguai produzidas pelo caricaturista italiano
Ângelo Agostini e publicadas nas revistas Diabo Coxo e Cabrião, evidenciando as disputas
simbólicas e ideológicas que se efetivaram por meio de suas estampas.
Tocar os imaginários sociais através de produções grandiosas é o ponto que aproxima os
trabalhos Alexander Cano Vargas, Lúcio Reis Filho e Angelita Marques Visalli. O primeiro, em
seu artigo, analisa os meios utilizados para forjar sentimento de pertencimento nacional e
ideia de progresso, perceptíveis nos preparativos e eventos realizados durante a celebração do
primeiro centenário da independência da Colômbia. O segundo escreve sobre a representação
do índio americano no gênero western, tomando como fonte de pesquisa obras de quatro
cineastas norte-americanos, que, com suas produções filmográficas, contribuíram com
o fortalecimento do mito americano, qual seja, dos índios cruéis e impiedosos. Já Visalli,
passando pelos séculos XIII, XIV e XV, desenvolve em seu artigo uma análise sobre as imagens/
iluminuras que acompanham o texto da Franceschina, uma obra composta no século XV por
Giacomo Oddi, na qual são apresentadas as vitae de Francisco de Assis e outras “figuras
ilustres” da Ordem dos Frades Menores. Reflete sobre a simplicidade das formas e da técnica
destas iluminuras que registram e divulgam experiências, mas também buscam despertar
uma sensibilidade.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, novembro 2010 5


Também encontraremos neste número da Revista Domínios, trabalhos que foram ancorados
em reflexões de cunho teórico e conceitual. Anna Maria de Lira Pontes buscou compreender
as ruínas enquanto um patrimônio histórico-cultural e o debate a partir do pensamento de
alguns autores acerca da sua preservação e, Fabiane Muzardo, pautou-se em produções que
teorizaram sobre a fotografia para mostrar-nos algumas discussões geradas sobre ela desde
seu surgimento no século XIX, e a forma como aparecem no discurso historiográfico.
Na sessão de resenhas, Terezinha Oliveira apresenta-nos sua leitura de História e Imagens:
Textos Visuais e Leituras, obra organizada por Luciene Lehmkuhl e Kátia e Adalberto Paranhos,
obra esta que conta com grande número de colaboradores(as), todos(as) estudiosos(as) da
imagem.
Por fim, concluímos esta apresentação, com o desejo de que todos(as) apreciem este
sétimo número da nossa Domínios da Imagem.

Edméia Ribeiro

6 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, novembro 2010


Imagens da Infância e do Trabalho Infantil
na Imprensa Manauara (1890-1920)

Alba Barbosa Pessoa


Mestre em História, pesquisadora do Laboratório de História da Imprensa no Amazonas, ligado ao
departamento de História da Universidade Federal do Amazonas.

Resumo
A cidade de Manaus durante o seu primeiro processo de urbanização passou por transformações
que modificaram sua arquitetura e suas relações sociais. O comércio de exportação da borracha
lhe propiciou intenso contato com as novas ideias trazidas pela modernidade, impondo mudanças
não só arquitetônicas da cidade, bem como nos costumes e hábitos da população. À imprensa
coube o importante papel na função de propagar esse novo modelo de sociedade que se desejava.
À criança foi dedicada atenção especial nessas redefinições de papéis sociais que estava a se
estabelecer. Entendendo imagem não apenas como registro fotográfico, mas também como a
forma de representar algo, este artigo procura demonstrar as imagens da infância Manauara
no período entre 1890 a 1920.
Palavras-chave: Infância; trabalho; imprensa.

Abstract
The first period of urbanization in Manaus city has brought change both in architecture and
social relations. The business of rubber export brought an intense contact with new ideas of
modernity, imposing changes not only architectural but also in customs and habits of people.
The press has acted decisively as propagator of this new model of society desired. There was
special attention to children in the process of redefinition of social roles that was developing
and the press contributed by propagating the desired new model of childhood. Understanding
“image” not only like picture register, but a representation form too. This article research images
of childhood manauara between 1890 a 1920.
Keywords: Childhood; work; press.

Recebido em: 05/10/2010 Aprovado em: 01/11/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 7-20, novembro 2010 7


Alba Barbosa Pessoa

Imagens da Infância e do Trabalho Infantil na


Imprensa Manauara (1890-1920)1

Nas últimas décadas do século XIX, de sociedade que se desejava. As páginas


Manaus estava passando pelo seu primeiro dos periódicos desse período são ricas
processo de urbanização. O crescente em informações, nelas podemos perceber
comércio da borracha possibilitou que esta não só a fala da população excluída, mas
viesse a se tornar o centro exportador do principalmente a fala da camada dirigente
látex. Frente a esse novo papel diante do que orquestrava tal processo. As reportagens,
mercado internacional, fazia-se necessário que aparentemente apenas informavam ao
tornar Manaus uma cidade apta a instalar leitor sobre as últimas notícias, camuflavam
os novos empreendimentos atraídos pelo um discurso muitas vezes imbuído de
Capital. Desta forma, a camada dirigente iria preconceitos que, preconizados pela elite
colocar em prática seu projeto de construção local, reverberavam em diversos setores da
de uma nova cidade, onde avenidas largas e sociedade.
prédios suntuosos a deixariam com feições Aos jornais desse período, uns com
semelhantes às cidades europeias. Contudo, mais veemência e outros com bem menos,
não era somente a arquitetura que deveria ser atribuiu-se a tarefa de levar à população
substituída; os costumes da população, como os valores da civilização. Caberia a eles, a
assar peixe nas ruas, tomar banho nos igarapés função de iluminar os caminhos do homem
e tantos outros considerados atrasados, em direção ao progresso. Eles se afirmavam
deveriam ser extirpados e substituídos de como porta-vozes do processo civilizador que
acordo com o modelo burguês. Portanto, o se tentava implantar na cidade de Manaus,
projeto de construção de uma nova cidade propagando a necessidade de a população
implicava um projeto de uma nova sociedade. adquirir novas formas de viver.2
Para tanto, novas posturas e novos costumes Esse é o caso do jornal intitulado A Voz de
foram impostos, ocasionando um longo Loriga, publicado em Manaus pela Colônia
processo de exclusão da grande maioria Loriguense, que afirmava ter como programa
da população, principalmente para os que a “regeneração da moralidade, esperando
ficaram à margem desse “período faustístico” um porvir moral, intelectual e material”.3 De
(DIAS, 1999; PINHEIRO, 1999). forma semelhante, o periódico O Combate
A imprensa assume importante papel propagava em seu edital, intitulado “A LUZ”,
na função de propagar esse novo modelo ser papel da Imprensa ensinar o caminho a

1
Parte de minha dissertação de Mestrado em História intitulada Infância e Trabalho: dimensões do trabalho infantil na cidade de
Manaus (1890-1920). 2010. (Dissertação de Mestrado) UFAM-Manaus, 2010.
2
As práticas tradicionais da população como cozinhar, estender roupas, brincar e gritar nas ruas, tomar banho nos igarapés, entre
outros costumes, passaram a ser vistos como sinônimo de atraso, sendo denunciados constantemente pelos periódicos locais. A
frequência de tais denúncias revela a resistência por parte da população em adquirir os novos hábitos impostos.
3
A Voz de Loriga: Órgão da Colônia Loriguense em Manaus. Manaus, 1 de agosto de 1909. p. 1.

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Imagens da Infância e do Trabalho Infantil na Imprensa Manauara (1890-1920)

ser trilhado pelo homem civilizado em direção atraia inúmeros urubus, incomodando
ao progresso.4 os moradores; a presença de vendedores
No entanto, a adesão da imprensa a nas ruas da cidade que, ao exporem suas
esse projeto não foi homogênea, não foi mercadorias, atrapalham o trânsito se
unívoca, distanciando em muito dos povos de bons
costumes;7 contra a presença de portadores
diversas folhas locais colocaram-se critica- de doenças contagiosas, como a lepra, que
mente frente às mudanças, principalmente
denunciando os limites estreitos e os compro-
trabalhavam em alguns comércios retalhistas,
metimentos dessa ‘modernidade’ manauara ou andavam nos bondes e frequentavam os
(PINHEIRO, 2001, p.94). botequins junto às pessoas sãs. Neste artigo,
o autor reconhece que o local existente para
Dentre os vários jornais que tomaram para confinamento desses doentes não é dos
si a missão de livrar a população menos culta mais adequados, mas que ainda assim sejam
dos costumes primitivos e vícios degradantes, tomadas providências para que eles sejam
destacamos o Jornal do Commercio. Sua internados, pois era constrangedor tanto para
atuação foi emblemática na divulgação eles, portadores da doença, quanto para o
de novos valores, talvez por pertencer a resto da população.8
uma classe conservadora e fazer parte da Enfim, esses e muitos outros temas foram
elite que propunha um novo modelo de alvos de campanhas por parte deste jornal,
cidade, tenha se empenhado de forma mais uns com menos frequência, outros quase
categórica numa campanha higienizadora da que diariamente. Percebe-se que embora se
cidade. No ano de sua fundação,5 o Jornal proclamasse paladino das causas populares,
do Commercio já começa a pregar novas defensor da moral e dos bons costumes, tais
posturas a favor da moral, cobrando da discursos mascaravam toda uma carga de
polícia ações contra o aumento de casas de tensão e preconceito existente na cidade. Seus
tolerância na cidade. Da mesma forma, virá a discursos nos possibilitam entrever a exclusão
ser alvo de denúncias desse jornal a presença dos segmentos que não se adequavam
de inúmeros cachorros pela cidade que ao novo modelo de sociedade o qual a
durante a noite, quando a população se deita modernidade estava a exigir (PINHEIRO,
para descansar das atividades diárias, tinha 1999, p.50). Era necessário sanear a cidade
o sono perturbado pelo “ladrar irritante das da prostituição, ou pelo menos que ela não
matilhas vagabundas. É um barulho infernal, ficasse tão visível; tirar os vendedores com
em todos os trechos da cidade, em todos os suas mercadorias das ruas ficando apenas
recantos da urbs [...] tudo gane, tudo uiva e as casas comerciais; não mostrar, à luz do
ladra, num choro diabólico ensurdecedor”;6 as dia, o lixo produzido pela cidade; confinar
buzinas persistentes dos carros que insistiam os doentes de lepra e outras doenças
em acioná-las, mesmo sem necessidade; contagiosas. Mais que se mostrar preocupado
a limpeza do lixo que deveria ser feita com a saúde dos doentes ou da população
durante a noite e não durante o dia, pois sã, o jornal revelava o quanto incomodava a

4
O Combate, nº1. Manaus, 25 de julho 1915. p. 1.
5
Para estudos sobre a trajetória do Jornal do Commercio consultar: ALVES, 2009; SOUZA, 2005.
6
Jornal do Commercio, nº 4405. Manaus, 30 de julho de 1916. p. 1
7
Jornal do Commercio, nº4464. Manaus, 29 de setembro de 1916. p. 1
8
Jornal do Commercio, nº4423. Manaus, 19 de agosto de 1916. p. 1.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 7-20, novembro 2010 9


Alba Barbosa Pessoa

presença dessas pessoas nas ruas do centro destaque na sociedade local. Isso pode ser
da cidade, não sendo este um cartão de visita ilustrado pela notícia publicada no jornal
adequado a uma cidade que havia se tornado Diário de Manáos informando que “batizou-
cosmopolita e estava a receber milhares de se anteontem a interessante menina..., dileta
visitantes. Era uma paisagem que causava filha do ilustre sr. capitão...”.11 Ou ainda as
mais repugnância que caridade. felicitações pelo aniversário do pequeno
Sendo assim, será nessa imprensa que “William, um encanto a florir, uma formosa
tentaremos captar as imagens retratadas das inteligência que se abre no lar amantíssimo
crianças na cidade de Manaus (CHARTIER, do capitão..., estimado escriturário do Banco
2002). 9 Uma imprensa que embora se do Brasil... conta, hoje, o terceiro aniversario
afirmasse defensora das causas populares de seu natal”.12
teve papel fundamental no processo de Esse tratamento diferenciado também
exclusão dessa classe. Da mesma forma como pode ser percebido nas notas fúnebres, nas
na estrutura física da cidade, que estava a quais os filhos das famílias ricas também
ser construída, havia lugares distintos para recebem tratamento distinto. A notícia vem
as famílias pobres e para as famílias ricas, sob o título “os mortos”, sendo composta
os jornais desse período, em suas páginas, de adjetivos elogiando as qualidades do
também reservavam lugares distintos para morto, bem como evidencia o pesar e a
elas. Em Manaus, a exemplo de outras cidades consternação causada pelo falecimento. A
brasileiras, a representação feita da criança elas se fazia referências tais como “o enterro
terá como pilar o grupo econômico a qual da inocente...” ou “a pequenita extinta...” 13.
esta faz parte, (PEREIRA, 2006; MOURA, A fim de propagandear o perfil de criança
2003)10, retratando duas imagens distintas: que se queria para a cidade que estava sendo
a criança rica e a criança pobre. construída, o Jornal do Commercio passa
As crianças ricas passeiam pelas primeiras a publicar em suas páginas domingueiras
páginas do jornal. São encontradas nas um álbum infantil destinado a divulgar
colunas sociais, sendo motivo de felicitações fotos de crianças menores de sete anos de
pelo seu batizado, pelo seu aniversário e idade14. Em todos os domingos, a primeira
outras datas festivas. A elas são dirigidos página deste jornal estampa cerca de doze a
adjetivos carinhosos e todo um tratamento dezenove fotos de crianças nas mais diversas
diferenciado, que de imediato nos faz perceber poses. Sentadas em cadeiras, deitadas em
se tratar de filho (a) de algum cidadão de almofadas, em pé ao lado dos móveis pousam

9
Para além do registro fotográfico, entendemos por imagem a forma de retratar ou representar algo. E por representação,
comungamos com o conceito de Chartier para quem as representações são apresentações de uma dada realidade social, não
sendo neutras ou estáticas, visto atenderem interesses de grupos sociais, tendo sido, portanto, criadas a partir da percepção, da
visão de mundo dos grupos que as representam. (CHARTIER, 2002).
10
Para trabalhos abordando as representações das crianças na cidade de Florianópolis e em Pernambuco, respectivamente: PEREIRA,
2006; MOURA, 2003. Para Moura, as crianças de Pernambuco eram representadas “a partir de vários signos e normatizações
dependendo da categoria social a qual pertenciam” (MOURA, 2003, p. 26).
11
Diário de Manaus. Manaus, 26 de agosto de 1892. p.1
12
Jornal do Commercio, nº4000. Manaus, 15 de junho de 1915. p.1. Tal tratamento foi encontrado em todo o período
pesquisado.
13
Quando se tratava da morte de uma pessoa pobre, esta era noticiada sob o título de “obituário” e constava apenas do nome do
morto, sua origem e a causa da morte. É frequente encontrarmos em uma mesma página de jornal os dois tipos de notas fúnebres.
Tal distinção foi encontrada em todo o período pesquisado.
14
Em nossa pesquisa encontramos o álbum a partir do nº 3991 publicado no mês de maio de 1915 até o nº 4095 de 19 de setembro
de1915.

10 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 7-20, novembro 2010


imagens Da infância e Do TrabaLho infanTiL na imprensa manauara (1890-1920)

graciosamente para a máquina fotográfica. se fazem presentes. A grande maioria das


Os trajes são os mais variados, desde bebês fotos enviadas era de crianças nascidas no
usando apenas meias e sapatinhos, até estado.
crianças usando ricos vestidos ornados com Caso fosse suprimida a legenda que
bordados, babados, laços e rendas. tais identifica o nome dos pais dos referidos
vestimentas são acompanhadas de chapéus menores, ainda assim as aparências de
e sapatos adequados. Os pequerruchos crianças saudáveis, nutridas e bem cuidadas
vestidos de marinheiros e fantasiados de evidenciariam tratar-se de filhos da elite
palhacinhos, ricamente trajados, também manauara.

Álbum Infantil publicado no Jornal do Commercio.

Podemos inferir que estes álbuns do amanhã.” Entendemos que essa evidência
retratavam a imagem da criança que se se concretiza nas notas que antecedem
queria, devendo, portanto, ser propagada. o encerramento da publicação do álbum
“Tais crianças de bons costumes e hábitos infantil, nas quais o Jornal do Commercio
saudáveis é que se tornariam bons cidadãos afirma que o referido álbum

Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 7-20, noVembro 2010 11


aLba barbosa pessoa

é um meio de se mostrar lá por fora, em em suas páginas, além do idioma português,


outros meios, que o amazonas também, nas os idiomas francês e inglês. Além de conter
gerações que vão surgindo, possui perfeitas
criações, cheias de todos os traços exigidos o histórico da cidade e o crescimento
pela beleza15. econômico da região, suas páginas estavam
repletas de imagens mostrando o quão a
Tal observação deixa evidente que o cidade vinha mudando de feições, com
álbum tinha como finalidade propagar a a construção de prédios luxuosos, com
imagem da criança moderna, sem os traços a pavimentação do aglomerado urbano,
da descendência indígena da região. E que construção de praças e implantações de
nesse período, uma parte da população já lojas comerciais que operavam com produtos
poderia ser apontada como moderna, dentro importados diretamente da Europa. tais
dos moldes que a modernidade estava a representações demonstravam que a cidade
impor. estava apta aos investimentos estrangeiros e
Imagens de crianças sadias, cheias de graças às atrações turísticas.
e encantos não eram divulgadas somente nos Nas páginas dos referidos álbuns,
jornais, elas também se faziam presentes nos podemos identificar vários segmentos
álbuns de fotografias da cidade bem como sociais. alguns desses segmentos aparecem
nas revistas de variedades 16. tais álbuns, apenas como transeuntes anônimos, outros
encomendados pela administração pública, como coadjuvantes de um plano maior da
tinham como finalidade atrair investimentos fotografia. Outros segmentos, no entanto,
do capital nacional e internacional, para aparecem como enfoque principal da
tanto, em alguns anos, eles apresentaram imagem, dentro destes encontramos as
crianças filhas da elite.

Ánnuario de Manáos (1913-1914) Revista Cá e Lá, nº 8. (1917) Revista Cá e Lá, nº 6. (1917)

15
Jornal do Commercio, nº 4055. Manaus, 10 de agosto de 1915. p.1.
16
Para a presente pesquisa, utilizamos os seguintes álbuns: Álbum da Cidade de Manaus (1848-1948), Álbum do Amazonas (1901-
1902), Indicador Ilustrado do Estado do Amazonas (1910), Álbum Municipal de Manaus (1929), Annuario de Manaus (1913-1914),
Manaus 310 Anos.

12 Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 7-20, noVembro 2010


Imagens da Infância e do Trabalho Infantil na Imprensa Manauara (1890-1920)

São crianças que portam roupas de seda, contrário destas, aquelas não são encontradas
rendas, cambraias e cetins. Tais figurinos, em colunas sociais, em felicitações de
pertencentes aos requintes da moda parisiense, aniversários nem em batizados.
demonstram que tais pequenos pertencem a A elas são legadas as notas policiais,
famílias de destaque na sociedade local. as colunas de queixas e as colunas de
Ainda que desconsiderássemos a mobília que chamada para emprego. Em todo o período
compõe a foto, visto esta ser, possivelmente, pesquisado, as crianças pobres são notícias
produzida em um estúdio fotográfico, e as em reportagens sobre espancamentos,
legendas que identificam estes menores, acidentes de trabalho, furtos e fugas, o que
pelos seus trajes, não seria difícil inferir a que nos leva a afirmar que a imagem da criança
extrato social pertenciam. pobre retratada na imprensa manauara
Nas revistas de variedades eram retratadas estava relacionada ao trabalho infantil, ao
comemorando aniversário, participando vício, aos pequenos delitos, a ociosidade e
de concursos de robustez ou simplesmente vadiagem.
pelo fato de serem filhos de personalidades A vadiagem, nas últimas décadas da
da cidade. 17 Sempre acompanhadas de passagem do século XIX para o século XX,
tratamentos afetuosos, suas imagens em todo o Brasil passou a ser motivo de
desfilavam pelas páginas das revistas, sérias preocupações por parte do Estado.
distribuindo graça e beleza. Uma intensa campanha foi deflagrada
A análise de tais imagens de crianças no sentido de incutir o valor do trabalho
na cidade de Manaus nos leva a acreditar na população brasileira. Esta, saindo do
que tais representações não eram feitas ao contexto de um sistema escravista, via o
acaso, elas visavam preencher uma ausência. trabalho como algo degradante e sem valor
Assim, a divulgação de fotos de crianças (KOWARICK, 1982, p.10). Foi necessário
limpas, saudáveis e bem cuidadas, muito todo um processo coercitivo, a fim de atrair
provavelmente poderia ter a intenção de as camadas populares para o trabalho
ocultar outro tipo de infância vivenciada regular, para o trabalho “disciplinado”. A
em Manaus, a infância a qual estava sujeita ociosidade passou a ser vista como desvio de
a criança pobre. Em outras palavras, a conduta, sendo imperativo introjetar o amor
representação da criança rica teria o papel de pelo trabalho. Leis e Códigos de Posturas
ocultar a imagem da criança pobre, devendo passam a combater a vadiagem exigindo
este espaço vir a ser ocupado pelas imagens uma ocupação produtiva. O trabalho passa
das crianças mais favorecidas. Seria a ausência a ser visto como a regeneração do homem,
da criança que se queria, sendo preenchido passando a ser associado à moral e ao caráter
por uma minoria de crianças que viviam em do cidadão.
condições consideradas ideais. Pautado nesse novo valor de trabalho,
Os espaços reservados pelos jornais às na cidade de Manaus, o comércio da
crianças pobres, na cidade de Manaus, difere borracha, nas últimas décadas do século
dos espaços destinados às crianças ricas. Ao XIX, possibilitou o contato da elite local com

No caso, trabalhamos especificamente com a Revista Cá e Lá de nº 6 e nº8 do ano de 1917. Tal revista, destinada aos segmentos
17

privilegiados da sociedade local, tratava de assuntos variados tais como notas sociais, humor, poemas e fatos políticos envolvendo
personalidades.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 7-20, novembro 2010 13


Alba Barbosa Pessoa

um modelo de vida europeu, que se impunha O periódico retrata a imagem da criança


não só em seus traçados arquitetônicos e pobre, sem ocupação e ofício como criminosos
traçados urbanos, mas em toda uma visão em potencial, necessitando de corretivos
de mundo. Eram os ventos da modernidade por parte da polícia, pois, na sociedade
soprando sobre Manaus, que iria exigir todo moderna, o trabalho passou a ser visto
um reordenamento dos seus espaços, que iria como regeneração de todos os males da
normatizar a postura de seus cidadãos, de seus humanidade. Não trabalhar era estar exposto
costumes e suas tradições. E no bojo dessas a todos os vícios.
transformações, a imprensa desempenhou Essa preocupação dos jornais em sanear
papel fundamental como propagadora dos as ruas de um segmento social que teimava
ideais do novo modelo de sociedade que se em não se enquadrar no modelo de sociedade
estava a aspirar. Códigos de posturas serão que se queria, corroborava com a postura das
criados na tentativa de extirpar a vadiagem, autoridades locais. Isso pode ser observado
ações policiais tentam colocar tais leis em no Código Municipal de 1893, em que ficava
prática, porém será a imprensa que terá proibido correr, dar gritos, chamar palavras
o papel mais eficaz nessa empreitada. que atentassem contra a moralidade nas
É ela que irá difundir, conforme os seus ruas, praças estradas de Manaus sob pena
interesses políticos e econômicos, projetos de de multa ou reclusão.19 Essa postura pode
intervenção social que solidificarão os valores ser observada no jornal Gazeta da tarde,
econômicos do grupo dominante (PINHEIRO, por meio da notícia que irá comparar as
2001, p.17). crianças pobres que perambulavam pelas
Assim como em outras cidades do país, ruas a cães sem donos, que ficavam até altas
a presença de crianças nas ruas de Manaus horas da noite a fazerem barulhos com latas,
passou a ser motivo de preocupação por chamando obscenidades e riscando com giz
parte das camadas dirigentes e por parte da e carvão as portas e calçadas dos moradores.
imprensa que vão retratá-las como vadias e Como solução, o jornal indica o recurso
ociosas e com grandes possibilidades de se à polícia.20 Tal imagem também pode ser
tornarem delinquentes. percebida no Jornal do Commercio.

É uma pena ver-se algumas pobres creanças Chegou a vez dos garotos, dos viciados em
que andam por ahi pelas ruas vagabundean- miniaturas, dos que não recuam á pratica da
do, habituando-se ao vício, esquecidas do mais torpe acção. Juntam-se, como os cães,
trabalho, sem um officio, sem um meio certo e vão pelas praças e pelas ruas á cata de
de subsistência. uma festa, ou de uma reunião qualquer [...]
Muitas vezes formam grupos nos logares de O molecório, nessas excursões arrasta em
mais movimento da cidade e é de ver-se então sua companhia innumeras creanças que pelo
o desbragamento da linguagem, o palavreado contacto, vão assimilando e desenvolvendo
garoto, a gyria a que já estão acostumando. tais immundices. É para isso que os particulares
Um bom correctivo para esses candidatos do e as autoridades devem olhar energicamente,
vicio certo que seria uma obra digna e mere- para que as creanças educadas pela religião do
cedora de applausos... lar, não fiquem pervertida com a leitura, que
Avançamos mais: serão alguns criminosos de
menos em dias futuro.18

Commercio do Amazonas, nº 404. Manaus, 24 de fevereiro de 1899, p.1.


18

Código Municipal de 1893. Ofensas a moral pública. Artigo 109, capítulo VII, de 23 de maio de 1893.
19

Gazeta da Tarde, nº 832. Manaus, 9 de junho de 1916. p. 2.


20

14 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 7-20, novembro 2010


Imagens da Infância e do Trabalho Infantil na Imprensa Manauara (1890-1920)

da cartilha do desrespeito, da zombaria e da Essa imagem relacionando a criança


immoralidade. 21 com a vadiagem também foi frequente em
outras cidades do país. Em Florianópolis,
A reportagem demonstra que há total segundo Juliana Sardá (2005), diariamente os
intolerância por parte dos dois periódicos periódicos noticiavam com muita frequência
em relação às crianças pobres que teimam a presença de crianças e jovens que se
em transitar pelas ruas de Manaus. Os reuniam nas ruas (SARDÁ, 2005, p.93). Em
adjetivos depreciativos que os jornais utilizam importante estudo sobre a vadiagem na Bahia,
demonstram a ameaça com que eram vistas. Walter Fraga Filho afirma que um jornal local
Tal notícia não as acusa de furto ou algo denunciava os meninos que frequentemente
semelhante, mas deixam evidente a repulsa estavam à porta da igreja fazendo deboches
que causam. O fato de não seguirem as com os transeuntes (FILHO, 1989, p.114).
normas estabelecidas, de não trabalharem, Na cidade de São Paulo, as autoridades
não seguirem as regras consideradas de policiais também estavam preocupadas com
acordo com a moral além de não estarem no as crianças nas ruas. Heloisa de Faria Cruz
domínio familiar as tornava seres execráveis, aponta que, desde a virada do século XIX
alvos da contínua preocupação em corrigir para o século XX, o elevado índice de crianças
defeitos e extirpar vícios.22 Para o jornal, a maltrapilhas mendigando pela cidade era
criança que estivesse sob o domínio familiar motivo de reuniões entre as autoridades
poderia seguir as normas de boa conduta policiais (CRUZ, 1991, p.66). E ainda para
para com a família e sociedade. Em outras São Paulo, a pesquisa de Gislane Campos
palavras, haveria a maior possibilidade de vir a de Azevedo destaca que “até mesmo o
tornar-se um cidadão de bem voltado para os ajuntamento de crianças ou brincadeiras de
valores do trabalho. Enquanto que as crianças rua eram tidos como perigosos” (AZEVEDO,
vivendo a perambular pelas ruas, não iriam 1995, p.62).
adquirir os preceitos da moral, estando assim Na cidade de Manaus, destoando
sujeitas aos vícios que a rua oferecia. dos grandes jornais que quase sempre
Não era levado em consideração o fato representavam as vozes do poder, os pequenos
de que essas crianças tinham, assim como a jornais como O Papagaio demonstravam um
maior parte da população pobre, uma relação olhar diferenciado em relação às crianças
particular com a rua. A rua para eles estava como podemos observar pelo poema.
para além de uma via de trânsito, sendo o
lugar onde criavam laços mais sólidos na Nunca vistes pellas ruas
busca pela sobrevivência. O ficar na rua das sonoras capitaes,
enguedelhados, e aos ais,
também pode ser visto como uma forma
pequeninos de pés nus...
de estas crianças negarem regras que lhes as carnes transidas nuas,
estavam sendo impostas, uma não aceitação Nunca vistes os passarinhos,
do enquadramento social. que choram longe da luz?
O’ Homens do mundo novo,
São elles – filhos do povo.23

Jornal do Commercio, nº4415. Manaus, 10 de agosto de 1916. p. 1.


21

Jornal do Commercio, nº441. Manaus, 07 de agosto de 1916, p.1 e nº4419 de 15 de agosto de 1916, p.1.
22

O Papagaio, nº 2. Manaus, 13 de agosto de 1899. Parte da poesia sem autoria, Baladas dos Filhos do Povo.
23

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 7-20, novembro 2010 15


aLba barbosa pessoa

Sob esta ótica, os menores vivem a vagar cantos da cidade. Caminhando pelas ruas
pelas ruas, descalços e maltrapilhos não da cidade a carregar doces, jornais ou outra
por vadiagem, mas sim por serem levados mercadoria. Muitas vezes descalços, o que
pela pobreza. Deixadas ao abandono pelo pode ter relação com o estado de pobreza
Estado, eles levam uma vida sofrida. Os em que viviam, como também, a um antigo
homens com suas ideias de modernidade, hábito da população mais humilde.24
portadores de projetos de cidade e sociedade, Seus trajes aparentam ser de material
referenciados pelo poema como homens do grosseiro e sem aprimoramento na sua
mundo novo, não percebem que os filhos das confecção. Alguns com a perna da calça
famílias pobres estão sendo excluídos em tal comprida rasgada, outros com camisas por
processo. dentro das calças, usando suspensórios,
Entretanto, não é apenas nos jornais que parecendo um pequeno adulto. também
as imagens de crianças pobres podem ser podem ser vistos ora encostados aos muros
encontradas. Elas também estão presentes das lojas de confecções, ora pousando junto
em revistas de variedades e nos álbuns ao corpo de funcionários a frente ou dentro
de fotografias da cidade. Diferente do dos estabelecimentos comerciais; trabalhando
observado nas imagens dos filhos das famílias em hotéis, gráficas ou servindo bebidas em
mais favorecidas, a criança pobre não é o bares e cafés, ou ainda com vassoura nas
foco principal da fotografia. Ela aparece mãos. Em frente a moinhos, alfaiatarias,
como coadjuvante ou parte do cenário que docerias e outros estabelecimentos. Seus
compõe a fotografia. Da mesma forma, nos tamanhos são variados, muitos com as feições
álbuns da cidade, as crianças pobres não são de crianças entre seis a oito anos.
fotografadas em estúdios, elas aparecem Tais imagens não eram exclusivas da cidade
como transeuntes ou trabalhadores anônimos de Manaus. No município de Itacoatiara,
cujos rostos não eram o alvo principal das os menores também eram retratados nas
máquinas fotográficas. Tais impressos nos fotografias de forma semelhante.25
revelam a sua presença nos mais variados

Indicador Ilustrado do Estado do


amazonas – 1910

24
andar descalço era um costume que a população pobre manteve por muito tempo, sendo que a partir dos processos de urbanização
esse hábito passou a ser visto como primitivo pelos segmentos sociais que passaram a adotar o estilo de vida burguês. Hoje não
é raro encontrar nos bairros mais afastados moradores que saem descalços às ruas.
25
Indicador Illustrado do Estado do Amazonas - 1910.

16 Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 7-20, noVembro 2010


imagens Da infância e Do TrabaLho infanTiL na imprensa manauara (1890-1920)

A foto anterior tinha como finalidade muito significativas. Enquanto percebemos


divulgar o estabelecimento comercial que que, com o passar dos anos, a cidade vai
trabalhava com confecções de paletós. A mudando de feições com a construção de
presença de crianças na fotografia deve-se avenidas e prédios elegantes, as imagens
ao fato dessas provavelmente trabalharem das crianças pobres retratadas são muito
no estabelecimento ou serem vendedores de semelhantes entre si, o que evidencia
rua. No canto esquerdo da foto, uma criança um descompasso entre o crescimento
bem pequena que provavelmente aguarda econômico da cidade e as condições de vida
para fazer algum mandado. da maior parte da população, como pode ser
As imagens da criança pobre no período observado nas imagens abaixo referente aos
pesquisado não apresentam mudanças anos de 1893 e1910.

Estabelecimentos comerciais próximos a Praça dos Crianças entre os adultos no trabalho avulso.
Remédios (1893). Álbum de Manaus- 1848/1948. Indicador Ilustrado do Estado do amazonas – 1910

como podemos observar na imagem à as crianças pobres também estão


esquerda, a criança provavelmente aguarda presentes nas revistas, contudo esses menores
sentada a chegada de novos fregueses para podem ser percebidos apenas nas páginas
atender, não muito diferente da imagem ao destinadas a propagandas comerciais. 26
lado, em que percebemos crianças com menos assim como nos álbuns, eles são personagens
idade ainda a trabalhar no café, enquanto anônimos aparecendo próximos à fábrica de
outras possivelmente exerçam outras gelo, tabacarias e outras lojas. Geralmente
atividades nas ruas. comparando as duas estão entre adultos parecendo compor
fotos, embora se trate de lugares diferentes, o quadro de funcionários dos referidos
podemos perceber a transformação pela qual estabelecimentos.
a estrutura física da cidade está passando, Chama à atenção, a quase ausência
o que, contudo, parece não refletir nas de meninas pobres nessas imagens. Só as
condições de vida desses menores. encontramos em ambiente familiar, em

26
Revista Cá e Lá nº8, de 12 de maio de 1917 e nº9, de 26 de maio de 1917.

Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 7-20, noVembro 2010 17


Alba Barbosa Pessoa

imagens que podem indicar estar a trabalhar Essa era a vida diária dessas duas
em casa de famílias ricas, o que era frequente personagens, que segundo nosso pequeno
nesse período. O que, no entanto, não significa autor viveram felizes para sempre.
que o espaço doméstico fosse o único espaço A imagem da criança pobre retratada
social ocupado por elas. Os jornais desse nessa pequena e inocente história é de
período revelam sua presença nas fábricas e no menores contribuindo para o sustento da
comércio, exercendo atividades diversas tais família. Para tanto, eles utilizavam os mais
como empacotadora de cigarros, manuseio variados recursos como venda em mercados
de máquinas registradoras, atendente em e outros expedientes. Tal percepção parece
botequins e outras mais (PESSOA, 2010). ter se formado a partir de algo que parecia
Para finalizar, apresentamos a imagem que comum aos seus olhos, ou seja, famílias
uma criança rica possivelmente fazia sobre pobres que precisavam recorrer à ajuda dos
a criança pobre. Trata-se de uma historinha filhos pequenos para garantir o sustento.
publicada no jornal Pontos nos ii, em uma Crianças que passavam o dia nas ruas a
seção que premiava as historietas enviadas fim de conseguir uns trocados para a sua
por crianças com até quatorze anos de sobrevivência. Enquanto esse pequeno
idade. Ao anunciar a referida seção, o jornal escritor podia se dedicar à produção de
publica uma pequena história produzida por história para enviar as seções infantis dos
um menino de oito anos de idade, filho de jornais, o que só seria possível se possuísse o
um conhecido comerciante local. Nas breves conhecimento da leitura e da escrita, o que é
linhas, essa criança expõe a sua percepção muito provável, visto ser filho de comerciante
sobre a criança pobre. de destaque, as crianças pobres passavam o
dia a criar estratégias de sobrevivência a fim
Era uma vez um menino que todo santo dia de garantir o sustento da família.
sahia com sua irmanzinha que tanto amava.
Ella levava uma cestinha com flores para o
A análise das diversas fontes relacionadas
mercado, e elle um balainho com passarinhos às imagens de criança por nós, encontradas
que caçava, e quando vendiam tudo iam na imprensa da cidade de Manaus, leva-nos a
para a casa levar o dinheiro a sua mãi, e que
inferir que a exclusão a que as famílias pobres
coitada estava, sempre doente. [...] seus dois
filhinhos se esforçavam para o seu sustento estavam submetidas estava para além dos
e de sua mãi, á tarde sahiam cada um para o espaços geográficos, chegando a atingir todo
seu lado; o menino ia caçar alguns pássaros, o seu modo de viver. Sendo assim, a Manaus
e a menina com seu terçado capinava um ro-
çado que havia próximo e como recompensa
que estava sendo construída reservava
de seu trabalho lhe davam umas moedinhas às crianças dessas famílias um espaço
e depois apanhava umas flores que havia na diferenciado do espaço destinado aos filhos
mata e ia vender á cidade no dia seguinte, e
da elite. Enquanto a estes últimos estavam
lá iam todos os dias levar ao mercado suas
mercadorias [...].27 reservados os espaços privilegiados da cidade,
às crianças pobres estavam destinados os
espaços dos mundos do trabalho.

Pontos nos ii, nº5. Manaus, 11 de agosto de 1906, p.3


27

18 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 7-20, novembro 2010


Imagens da Infância e do Trabalho Infantil na Imprensa Manauara (1890-1920)

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Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 7-20, novembro 2010 19


La Exposición Agricola e Industrial del
Centenario Colombiano y la Idea de
Progreso en 1910

Alexander Cano Vargas


Graduado en Historia por la Universidad Nacional de Colombia (2003), magíster en Historia de la Universidad
Nacional de Colombia (2007), candidato a doctor em Historia de la Universidad Nacional de Colombia
(2009). Desde 2008 se ha desempeñado como profesor de Historia de Colombia V y actualmente dicta el
curso Siglo XX colombiano en la Universidad Nacional de Colombia, sede Medellín.Tiene experiência como
ponente y conferencista especializado en la historia política y econômica colombiana de la primera mitad
del siglo XX. Ha publicado artículos en varias revistas nacionales e internacionales como Historias, Semana
y actualmente en Dominios da imagem.

Resumen
El 20 de julio de 1910, Colombia celebró su primer siglo como país soberano. El Estado, la Iglesia,
la prensa, los partidos y organizaciones e instituciones gubernamentales y privadas se dieron a la
tarea de hacer de esta fecha uno de los días más memorables en la historia del país. Un sinnúmero
de actos conmemorativos, donde sobresalió la exposición Agrícola e Industrial del Centenario,
fueron realizados a lo largo y ancho del territorio colombiano. Comisiones organizadoras de
carácter nacional, regional y local se encargaron de preparar hasta el más mínimo detalle. Con
este artículo, se busca analizar los preparativos y eventos realizados durante la celebración del
primer Centenario de la independencia nacional, para mostrar las lógicas subyacentes en ella,
su significación, sus contenidos simbólicos orientados a recrear una idea de progreso y de forjar
una pertenencia nacional.
Palabras clave: Colombia; celebración; Centenario; Independencia; comisiones; exposición;
simbólicos; forjar; progreso; pertenencia; nacional.

Abstract
On July 20, 1910, Colombia held their first century as a sovereign country. The State, the Catholic
Church, the press, the political parties and organizations and governmental and private institutions
were given the task of making this date one of the most memorable days in the history of the
country. A number of commemorative events, where he excelled the Agricultural exhibition and
Industrial of the Centenary, were made to the length and breadth of the Colombian territory.
Organizing committees of national character, regional and local were commissioned to prepare to
the smallest detail. This article is intended to discuss preparations and events during the celebration
of the Centenary of national Independence, to show the underlying logic in it, its significance, its
symbolic content designed to recreate an idea of progress and forging a national affiliation.
Keywords: Colombia; celebration; Centenary; Independence; commissions; exposure; symbolic;
forge; progress; membership; national.

Recebido em: 10/06/2010 Aprovado em: 05/07/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 21-32, novembro 2010 21


Alexander Cano Vargas

La Exposición Agricola e Industrial del Centenario


Colombiano y la Idea de Progreso en 1910

La celebración del 20 de Julio como el día El 20 de julio de 1910,1 siguiendo con


de la Independencia nacional en Colombia, la tradición del siglo XIX, Colombia celebró
tuvo origen en 1811 durante un acto público su primer siglo como país soberano. En
de agradecimiento realizado a la patrona esta ocasión el Estado, la Iglesia, la prensa,
católica de los liberados, Santa Librada, los partidos y muchas organizaciones e
cuya imagen y advocación religiosa existía instituciones gubernamentales y privadas se
en Bogotá, la capital de Colombia, desde el dieron a la tarea de hacer de esta fecha uno
período de la Colonia, cuando el territorio de los días más memorables en la historia del
colombiano hacía parte de los dominios de país. Un sinnúmero de actos conmemorativos
la corona española. La conmemoración de fueron organizados a lo largo y ancho
la Independencia nacional el 20 de julio de del territorio nacional. A diferencia de las
cada año se consolidó en Bogotá durante las celebraciones realizadas durante el siglo XIX,
décadas siguientes. Sin embargo, dicha fecha se establecieron comisiones organizadoras
se pondría en tela de juicio y vería debilitada su de carácter nacional, regional y local las
tradición durante el siglo XIX, dado que varias cuales se encargarían de preparar, con mucha
ciudades provinciales reclamaron otras fechas antelación, hasta el más mínimo detalle.
conmemorativas. Por ejemplo, Pamplona De esta manera, en los centros urbanos y
reclamó el 4 de julio y Cartagena el 11 de en las zonas rurales, no se ahorró esfuerzo
noviembre. Para contrarrestar este conflicto alguno para conmemorar el Centenario de
por el reconocimiento de la fundación de la la emancipación colombiana.
república, el Estado colombiano creó la ley En el marco de los festejos del Centenario
del 8 de mayo de 1873, sancionada por el nacional, se realizaron diferentes actos
presidente Manuel Murillo Toro, quien declaró conmemorativos como la inauguración de
el 20 de julio como día de fiesta patriótica estatuas, bustos y placas a los próceres de la
para toda la república. Desde entonces, se Independencia colombiana, entre los cuales se
impuso la celebración del 20 de julio en todos destacan Simón Bolívar y Francisco de Paula
los poblados del país. Dicha fiesta patriótica, Santander como precursores de la libertad y
cumplirá un papel destacado en la formación padres de la patria. Dentro de los actos de
del sentimiento de identidad y de pertenencia celebración también sobresale la exposición
nacional entre los colombianos. Agrícola e Industrial del Centenario, la cual se

Es bueno anotar que si bien la conmemoración centenaria de 1910 se realizó durante el gobierno de Ramón González Valencia, fue
1

en la presidencia de Rafael Reyes que se decretó la Ley 39 de 1907 la cual ordenó celebrar solemnemente en toda la república el
centenario de la independencia, véase Primer centenario de la independencia de Colombia 1810-1910, Bogotá, Escuela Tipográfica
Salesiana, 1911, p.I. En adelante Centenario…

22 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 21-32, novembro 2010


La Exposición Agricola e Industrial del Centenario Colombiano y la Idea de Progreso en 1910

convirtió en un acontecimiento excepcional la conmemoración.


por su convocatoria nacional. A continuación, Sin embargo, a pesar de lo elitista que
plantearemos una mirada a dicho evento resultó la selección de sus integrantes, se
ferial para mostrar su importancia dentro de encomendó a esta Comisión Nacional del
la fiesta de identidad nacional referida. Centenario la coordinación de la exposición
Agrícola e Industrial que tuvo lugar en
La exposición agricola e industrial del terrenos del recién inaugurado parque de la
centenario Independencia. De esta manera, el sábado
23 de julio de 1910 en Bogotá, el presidente
A principios del siglo XX la idea progreso, de la república Ramón González Valencia y su
que estaba acompañada de avances técnicos comitiva ocuparon la parte alta del Pabellón
y de infraestructura, determinaba el horizonte de la Industria para disponerse a inaugurar la
de Colombia como país latinoamericano que exposición Agrícola e Industrial del Centenario,
deseaba superar su condición marginal. Para junto a él, Carlos Michelsen, presidente de
mostrar estos avances el Estado, a través de la la Junta organizadora de dicho evento ferial,
Comisión Nacional del Centenario, construyó pronunció un discurso de apertura, en el que
en Bogotá el parque de la Independencia, denunció al elemento de la vida social que,
lugar que sirvió de escenario para la Exposición en su opinión, siempre se había opuesto al
Agrícola e Industrial de 1910. En dicho progreso material de la nación colombiana:
parque, fueron construidos los pabellones
de Bellas Artes, de la Música, Agrícola, de la [...] Para realizar completo progreso
necesitamos únicamente un elemento que,
Industria, de las Máquinas, Egipcio y Japonés, durante el siglo de independencia, no nos ha
además del kiosco de la Luz, el Bolívar sido posible adquirir, y cuya privación es causa
ecuestre de Frémiet y el monumento a los de atraso y miseria, me refiero a la falta de
seguridad, proveniente de constantes luchas
Héroes Anónimos o Ignotos. Los diferentes
políticas”.2
pabellones de la Exposición reunieron una
muestra de animales, máquinas, objetos
Este discurso se caracterizó por su
artesanales, industriales y artísticos que
vehemente reclamo contra la inseguridad
pretendía representar las capacidades
pública permanente, la cual era producto de
industriales y culturales del país.
la constante confrontación verbal bipartidista
Los integrantes de la Comisión del
por la disputa sobre el control estatal del país.
Centenario tenían en común su origen
En un discurso de respuesta aceptando la
social ya que hacían parte de las familias
crítica formulada, Ramón Gonzáles Valencia,
más adineradas e influyentes de la capital
presidente de la república en ese entonces,
de Colombia. Muchos habían estudiado en
expresó lo siguiente:
el exterior y trabajaban en puestos públicos
importantes, además hacían parte de la elite [...] encierra un reproche por haber malgastado
política gobernante del país. Los miembros de tantos y tan preciosos elementos, una
dicha Comisión, siguiendo modelos foráneos, amonestación severa para que cambiemos
de rumbo. Hemos visto impasibles rodar al
idealizaron la forma como se representaría lo abismo de lo que fue, cien años de vida”.3
nacional durante las dos semanas que duró
2
Centenario..., p. 210.
3
Centenario..., p. 211.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 21-32, novembro 2010 23


aLexanDer cano Vargas

Esta autocrítica hecha por el primer de la producción fabril nacional . Dicho


mandatario del país, líder del partido edificio, heredero arquitectónico de los
conservador, es una muestra del impacto pabellones colombianos en las exposiciones
político que trajo a Colombia tanto la guerra universales de París en 1889 y de Chicago
civil de los Mil Días como la separación de en 1893, contaba con una nave central y
Panamá. No obstante, como presidente de la dos laterales aparentemente construidas en
república, Ramón González Valencia agregó hierro pero donde la madera fue el material
palabras de optimismo para el porvenir de predominante. La madera como tal era de
Colombia que según él inexorablemente lo fácil adquisición y ensamblaje lo cual permitió
conducirían hacia el progreso. una construcción rápida de dicha edificación.
Los pabellones de la industria y de las Sin embargo, a pesar de la corta durabilidad
máquinas eran una prueba de la confianza de los materiales utilizados en su ensamblaje,
que renacía en el progreso material que sacaría el pabellón de las Máquinas contaba con dos
al país del atraso en que se encontraba. La pisos donde un par de relojes para catedral
idea de progreso se ve representada en esta ubicados en la parte anterior de sus naves
fotografía (veáse imagen 1) que da cuenta laterales le daban un toque de sofisticación.
de la majestuosidad del pabellón de las todo esto, generó admiración en los visitantes
Máquinas, en el cual se expuso lo mejor locales y foráneos.

Imagen 1. Tomado de Colección particular. Pabellón de las Máquinas. Vista frontal. Ca. 1910.
Fotografía sobre papel

24 Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 21-32, noVembro 2010


La Exposición Agricola e Industrial del Centenario Colombiano y la Idea de Progreso en 1910

De esta manera, tanto el pabellón de la La primera emana de la magnitud del éxito


Industria como el de las Máquinas eran toda alcanzado: si se tiene en cuenta la postración
económica del país, resulta digno de todo
una revelación de productos y de riquezas encomio y profundamente alentador el
nacionales; unas riquezas que demostraban esfuerzo que se ha hecho, que casi puede
que el fértil territorio colombiano nada calificarse de gigantesco. La segunda nace de la
confianza íntima que tengo en el impulso que
tenía que envidiarle a cualquier otro país.
de hoy en adelante va a darse en el país a todo
Todo estaba dispuesto y organizado en cada lo que signifique progreso y bienestar.4
una de las galerías. Dentro de los objetos
artesanales e industriales más representativos El ideal de progreso que se hizo presente
del pabellón de las Máquinas estaban: en los innumerables discursos se vio reflejado
relojes de Antioquia, despulpadoras de café, en la adecuación y construcción de los
alambiques, máquinas para hacer fideos, pabellones en el parque de la Independencia.
estufas, herraduras, una máquina piladora y Éstos constituían la prueba por excelencia del
pulidora de café, otra para aserrar madera, avance industrial y arquitectónico que estaba
motores de vapor, relojes eléctricos, un arado alcanzando la joven nación colombiana.
para sacar papas, balanzas, columnas, pilares Enrique Olaya Herrera, destacado político
de hierro y alcohol, las aguas gaseosas de liberal y opositor del gobierno, asombrado
Posada y Tobón de Medellín. Mientras que en con el parque, anotó lo siguiente:
el pabellón de la Industria se destacaban: los
tejidos producidos por las fábricas de Samacá La obra más digna de aplauso, realizada para
y Medellín, paños, driles, tapices, telas, el Centenario en el breve término de cuatro
meses, ha sido el arreglo del parque de la
productos de cabuya, maderas, zapatos, velas, Independencia y la construcción allí de cuatro
sombreros de Medellín, los baldosines Sámper sólidos y artísticos edificios destinados para la
de Bogotá, fósforos, molinos de trigo, locerías Exposición Industrial y la de Bellas Artes. Estos
pabellones por su elegancia arquitectónica,
de Bogotá (Etruria y Faenza) y Antioquia
por su magnitud, por su apropiación al objeto
(Corona), petróleo del señor Virgilio Barco, a que se le destina, dan idea muy ventajosa de
gasolina, bencina, lámparas, agua de quina los adelantos que en materia de construcción
para el pelo, yodo incoloro, botiquines de hemos alcanzado. Sin hipérbole puede decirse
que el parque presenta un aspecto europeo.5
Medellín, jarabes, sal de frutas, cosméticos,
muestras de café, abonos artificiales, muebles
La apertura de la Exposición fue cerrada
estilo Luis XV, mazorcas de cacao, peras,
por la intervención de uno de los principales
ciruelas, harinas, pastas y galletas de los molinos
actores de la organización del Centenario,
nacionales, minerales, vidrios, fotografías y
Lorenzo Marroquín, el alma de la Comisión
cigarros de Bucaramanga.
Nacional. Su alocución hizo referencia al
Lo expuesto ante el público en estos
progreso nacional que se esperaba para el
pabellones llenaba de satisfacción al presidente
segundo siglo de vida republicana:
González Valencia. Podía así, al declarar
abierta la Exposición Agrícola e Industrial del La Exposición de 1910 está probando que
Centenario, mencionar dos consideraciones la raza colombiana, la raza nueva, la raza
que llenaban de júbilo su espíritu: neolatina es capaz de usar el hierro en ambas
formas: es apta para el combate y apta para

4
Centenario..., p. 211.
5
Centenario..., p. 27.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 21-32, novembro 2010 25


Alexander Cano Vargas

la industria, capaz de conquistar la libertad La implementación de toda esta


por la espada y la naturaleza por el arado. simbología, me refiero a la bandera y a todas
Esta ostentación de fuerza creadora es una
revelación: la revelación de la intensidad de la las placas y lugares que fueron bautizados
vida nacional, de la dirección que deben tomar con el nombre de próceres o de batallas de la
nuestras energías, el faro que anuncia el puerto independencia, pretendía crear un sentimiento
del bienestar y del reposo.”6
de propiedad y, por ende, de adhesión y de
reconocimiento en los nacionales de este país.
Con el optimismo de dicha alocución, se
Parafraseando al historiador Eric Hobsbawm
cerró el primer día del evento ferial que tuvo
diríamos que Colombia, en especial la capital
lugar en el parque de la Independencia. Sitio
de la república, experimentaron una especie
donde fue expuesto lo mejor de la producción
de estatuomanía 9 o producción masiva
artesanal e industrial del país. Dentro de esta
de monumentos públicos, entre los que
solemne conmemoración, el parque de la
sobresalen, la inauguración en Bogotá del
Independencia también sirvió de escenario
parque de la Independencia con la exposición
para la inauguración de varios monumentos
Agrícola e Industrial del Centenario. Obras
destinados a perpetuar la memoria de los
similares, aunque en menor escala, se
héroes de la emancipación nacional.
inauguraron a lo largo y ancho del territorio
nacional.
Monumentos del Centenario en el parque
La inauguración de estos monumentos
de la Independencia
pretendía honrar y preservar la memoria
de algunos héroes de la Independencia que
La inauguración de cada monumento
hasta entonces estaban condenados al olvido
conmemorativo del Centenario en el parque
unas veces por desidia gubernamental y otras
de lndependencia estuvo acompañada de
veces por sectarismo político como es el caso
una gran fiesta cívica y patriótica, donde se
de los generales Antonio Nariño, Francisco
utilizaron símbolos e íconos referentes a la
José de Caldas y Antonio José de Sucre, ya
identidad colombiana y a la consolidación
que su imagen fue reconfigurada al pasar
de su imagen como nación bolivariana. Fue
de simples promotores de la Independencia
así como el escudo y la bandera nacional,
a verdaderos héroes de la gesta libertadora,
entre otros, con sus alegorías7 a la libertad,
merecedores incluso de aparecer como tales
el orden, la tenacidad y la riqueza del país,
en el manual de Historia colombiana de
sumados al culto rendido al Libertador8 y
Henao y Arrubla con el cual fueron educadas
a todos los héroes de la independencia, se
varias generaciones de colombianos. Con
convirtieron en un referente de lo nacional.
la expansión de los centros urbanos, dichas
Además, otros actos de índole religiosa, como
construcciones conmemorativas fueron
es el caso de las misas fueron la constante
trasladadas de su lugar original lo cual generó
dentro de los actos públicos conmemorativos
deterioro no sólo en su estructura sino
del Centenario.
también en la apropiación y representación

6
Centenario..., p. 214.
7
“Las alegorías pueden ser definidas como combinaciones de personificaciones o símbolos, o ambas cosas a la vez,” tomado de
Panofsky Erwin, Estudios sobre iconología, Madrid, Alianza, 1980, p.16.
8
La imagen de Simón Bolívar en cualquier estandarte, se constituía en la representación de un ser emancipado y libertario.
9
Hobsbawm Eric and Terence Ranger, The invention of tradition, Cambridge, Cambridge University Press, 1983, p.78.

26 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 21-32, novembro 2010


La exposición agricoLa e inDusTriaL DeL cenTenario coLombiano y La iDea De progreso en 1910

que de ellas se tenía por parte de los sino también por características como su
ciudadanos. vestuario. Por ejemplo, en dos fotografías que
Dentro de los monumentos inaugurados se tomaron el mismo día de la inauguración de
en el parque que el Estado colombiano abrió la estatua ecuestre del Libertador es evidente
en Bogotá con motivo del primer centenario un gran contraste social. En la primera de ellas,
de la Independencia sobresalen, entre otros, tomada desde la parte central del parque
la estatua ecuestre de Bolívar 10. Fue así es posible ver (veáse imagen 2) a las elites
como el 15 de julio de 1910, en el acto de sociales vestidas con finos sombreros de copa
inauguración, el general Ramón González y trajes de paño quienes se encuentran cerca
Valencia, quien ejercía entonces la presidencia del presidente de la República, encargado del
de la república, pronunció un extenso discurso discurso, dicha imagen fue publicada en las
con motivo de dicho evento. La estatua, obra memorias oficiales del Centenario que aquí
del escultor Frémiet, reposa sobre un pedestal reproducimos. Mientras que en la segunda
de piedra, en cuyo frente se ve una corona de fotografía (veáse imagen 3), tomada desde
laurel en bronce y al pie la más sencilla de las un ángulo lateral pueden distinguirse las
inscripciones, que en dos palabras resumen clases populares, quienes rodeaban a la elite
la vida del héroe: ¡Fiat Patria! (¡Hágase la social y cuyos vestuarios eran muy distintos:
patria!) en seguida se lee: Bolívar libertador los hombres con ruanas de lana y sombreros
1783-1830. de fique y las mujeres con poncho y faldones
En las fotografías tomadas durante grandes. Así, en pleno evento ferial, durante la
dicho acto inaugural, las personas de origen inauguración de la estatua ecuestre de Bolívar,
humilde son fácilmente diferenciables, no se mostró una idea amañada de lo que se
sólo por el lugar que ocupan en la celebración quería hacer ver como lo nacional lo cual esta
representado en estas dos fotografías.11

Imagen 2. Tomado de Colección particular. Inauguración de la estatua ecuestre de Bolívar. Vista frontal. Ca. 1910.
Fotografía sobre papel

10
La Comisión Nacional del Centenario contrató al escultor francés Emmanuel Frémiet para fabricar la estatua en bronce del Bolívar
ecuestre, tomado de Archivo General de la Nación (AGN), Bogotá-Colombia, Sección Ministerio de Gobierno, Fondo 1 (Negocios
Generales) Festejos Patrios, Archivo de la Comisión Nacional del Centenario de la Independencia de 1910, Caja 001, Carpeta
001, f. 18.
11
Centenario…, p. 293.

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aLexanDer cano Vargas

Imagen 3. Tomado de Colección particular. Inauguración de la estatua ecuestre de Bolívar. Vista lateral. Ca. 1910.
Fotografía sobre papel

Del monumento como tal, incluso más a Los Héroes al norte de Bogotá, y fue
que la imagen de Bolívar, sobresale la trasladada de su lugar original en el parque
figura del caballo ya que hasta entonces de la Independencia por motivos de la
el francés Emmanuel Frémiet se había ampliación vial de la carrera séptima y la
destacado artísticamente como experto construcción de los puentes de la calle 26.
escultor de figuras de animales. De esta otro de los monumentos inaugurados en
manera, la estatua Ecuestre de Bolívar recrea el parque de la Independencia con motivo
al Libertador colombiano en el campo de del Centenario fue el denominado kiosco
batalla esgrimiendo su espada al infinito de a Luz inaugurado el 28 de julio de 1910.
como símbolo del coraje libertario encima El evento estuvo presidido por alberto
de su valiente equino. Dicho binomio, jinete Sámper, representante y copropietario de la
y caballo, descansan sobre un pedestal de Compañía de Energía, el cual, al momento de
mármol importado desde Europa al igual que la inauguración, afirmó lo siguiente:
el resto de la escultura. Esta primera estatua
Ecuestre de Bolívar en Bogotá, luego sería No tiene otro merito que de haber sido
edificado con los productos de esa fábrica y
tomada como referente en muchas ciudades de ser la primera construcción que en cemento
provinciales de colombia al punto que armado se hace entre nosotros.12
actualmente varios parques del país cuentan
con una replica de dicho monumento. Incluso, Sámper también era copropietario de la
dichos parques se convirtieron en lugares de compañía de cementos Sámper Hermanos la
congregación social y cultural para las clases cual donó dicha obra a Bogotá.
populares. De esta manera, el pequeño kiosco de
actualmente la estatua Ecuestre fundida la Luz, se convirtió en uno de los principales
por Frémiet se encuentra en el monumento referentes de la exposición Agrícola e Industrial

12
Centenario…, p.341.

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La exposición agricoLa e inDusTriaL DeL cenTenario coLombiano y La iDea De progreso en 1910

del centenario ya que representaba dos de los para la época se constituía en una muestra
principales avances industriales de la época en de civilización y cultura lo suficientemente
el país, por un lado, la aparición de la energía atractiva para llevarse la atención de propios
eléctrica como fuente de luz y generadora de y extraños. Cuando se inauguró el kiosco de
potencia para la incipiente industria nacional la Luz, se dijo que era una copia de un kiosco
y, por el otro, el cemento como elemento del palacio de Versalles a raíz de su forma
dinamizador de la construcción en colombia. octogonal, con ornamentos similares como las
Esta fotografía (véase imagen 4) nos muestra figuras en alto relieve de las cuatro estaciones.
el buen estado arquitectónico en que se “Es así como podemos afirmar que el uso del
encuentra actualmente el kiosco de la Luz kiosco en la Exposición Agrícola e Industrial
en Bogotá, cuya edificación posee un estilo del centenario, fue el de servir de símbolo
neoclásico basado en las construcciones de la modernización urbanística que ofrecía
ornamentales de la Roma clásica. Por ende, es el concreto.” 13
una construcción inspirada en lo europeo que

Imagen 4. Tomado de Colección particular. Kiosco de la Luz. Vista frontal. Ca. 2008. Fotografía sobre papel

13
tomado de Zambrano Pantoja, Fabio, El Kiosco de la luz y el discurso de la modernidad, Bogotá, Alcaldía local de Santa Fé - Instituto
Distrital de Cultura y Turismo: Alcaldía Mayor de Bogotá D.C., 2005.p.22.

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Alexander Cano Vargas

Esta novedosa construcción, sobrevivió estadistas y presidentes de la república,


a las intervenciones viales por su reducido entre ellos: Carlos Eugenio Restrepo, Pedro
tamaño y ubicación lateral en el intercambio Nel Ospina, Enrique Olaya Herrera y Rafael
vial de la calle 26. El kiosco de la Luz, en el Uribe Uribe, se volvieron tributarios de
parque de la Independencia es, sin duda, uno este pensamiento. Dicho imaginario se
de lo últimos testimonios de la celebración generó a partir del ambiente intelectual de
del Centenario de la emancipación nacional inconformismo y erudición en el cual vivieron
colombiana en Bogotá. dichos personajes, recordemos que a ellos
El parque de la Independencia fue les correspondió actuar en el más sangriento
reducido a una tercera parte de su tamaño conflicto bélico colombiano a fines del siglo
original. En el actual parque, a un costado de XIX y comienzos del XX causado por el
la calle 26, sólo queda el kiosco en mención. sectarismo político entre los partidos Liberal
Dicha intervención que redujo la extensión y Conservador denominado como guerra
de este lugar responde a una nueva visión civil de los Mil Días, además, padecieron
de progreso, de lo moderno, que cambió las el intervencionismo estadounidense que
nociones de progreso de décadas anteriores. derivó en la separación de Panamá, en un
Así, el parque de la Independencia, que en su país pobre y rural que reclamaba fuerzas de
momento fue lo más cercano al imaginario de renovación. Por ello, su principal problema fue
progreso europeizante, cedió ante el empuje modernizar a Colombia y transformarla de un
modernizador de mediados del siglo XX, mundo rural a un mundo urbano; así mismo,
especialmente con la construcción, desde el tecnificarla para llegar a la era del progreso y
año 1954, de los puentes de la calle 26. La el desarrollo económico.
necesidad de ampliar vías y construir puentes
para mejorar la movilidad en la capital A modo de conclusión
de Colombia, acabó con el referente de
recreación y esparcimiento más importante La construcción del parque de la
que tenían los bogotanos de la primera mitad Independencia en Bogotá, lugar que sirvió
del siglo pasado. de escenario para la exposición Agrícola
De esta manera, la celebración del e Industrial y para la inauguración de
Centenario generó una reflexión sobre el monumentos alegóricos al primer siglo
desenvolvimiento histórico de Colombia de la emancipación nacional, sumados a
en sus cien años de vida nacional la idea de progreso materializados en el
independiente para, con ello, buscar el desarrollo de la industria y la agricultura,
camino de la renovación y el despertar en el marco de la fiesta patriótica del 20 de
hacia la modernización, para llevar al país a julio durante la celebración del Centenario
una verdadera era del progreso económico de la Independencia de Colombia en 1910,
y material. Los hombres de la generación jugó un papel destacado en la edificación de
del Centenario, que posteriormente fueron un sentimiento nacional14 adscrito al nation
building o forjar patria15, que empezó en la
Periódico El Centenario, Bogotá, julio 22 de 1910, p.1.
14

Citando a Benedict Anderson, Alan Knight expresa lo siguiente: “forjar patria quiere decir inculcar lealtades nacionales y asegurar
15

que la “comunidad imaginada” (que es la nación) penetre la imaginación no sólo de las élites, de los intelectuales, de los que saben
leer y escribir, sino también del populacho, de los analfabetas, de los campesinos e indígenas(...)” tomado de Knight Alan, Pueblo,
política y nación, siglos XIX y XX, en: Uribe Urán Víctor Manuel y Ortíz Mesa Luís Javier, Naciones, gentes y territorios: ensayos
de historia e historiografía comparada de América Latina y el Caribe, Medellín, Facultad de Ciencias Humanas y Económicas de la
Universidad Nacional de Colombia, Sede Medellín, U. de A., Colección Clío, 2000, p.373.

30 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 21-32, novembro 2010


La Exposición Agricola e Industrial del Centenario Colombiano y la Idea de Progreso en 1910

capital de Colombia y luego se extendió al Burke, Peter. Visto y no visto: el uso de la imagen
resto del país. como documento histórico, Barcelona, Crítica,
2001.
Como ya se dijo, la celebración del
Centenario colombiano sirvió para reafirmar la Cortázar, Roberto. Monumentos, estatuas,
bustos, medallones y placas existentes en Bogotá
creencia en un proyecto de construcción de una
en 1938, Bogotá, Selecta, 1938.
nación y una nacionalidad; representaciones del
Escovar Wilson-White, Alberto. Atlas
pasado y de la memoria colectiva, conducentes histórico de Bogotá: 1528-1910, Bogotá, Planeta,
a consolidar una mitología fundacional 2004.
hispanista, centralista y católico-conservadora, Hobsbawm, Eric; Terence, Ranger. The
basada en la glorificación de los héroes de la invention of tradition, Cambridge, Cambridge
emancipación nacional y en un imaginario University Press, 1983.
político repúblicano. Knight, Alan. Pueblo, política y nación, siglos XIX
y XX, en: Uribe Urán Víctor Manuel y Ortíz Mesa
Luís Javier, Naciones, gentes y territorios: ensayos
Bibliografía general de historia e historiografía comparada de América
Latina y el Caribe, Medellín, Facultad de Ciencias
Fuentes documentales Humanas y Económicas de la Universidad Nacional
Archivo General de la Nación (AGN), Bogotá- de Colombia, Sede Medellín, U. de A., Colección
Colombia, Sección Ministerio de Gobierno, Clío, 2000, p.373.
Fondo 1 (Negocios Generales) Festejos Patrios, Medina de Pacheco, Mercedes. Las estatuas
Archivo de la Comisión Nacional del Centenario de Bogotá Hablan, Bogotá, Prolabo, 2002.
de la Independencia de 1910, Caja 001, Carpeta
001, f. 18. Mejía, Pavony; Germán, Rodrigo. Los años del
cambio: Historia urbana de Bogotá 1820-1910,
Memorias del Primer centenario de la independencia Bogotá, instituto de cultura hispánica, 1999.
de Colombia 1810-1910, Bogotá, Escuela
Tipográfica Salesiana, 1911. Panofsky, Erwin. Estudios sobre iconología,
Madrid, Alianza, 1980.
Periódico El Centenario, Bogotá, julio 22 de
1910. Sánchez, Gonzalo. Memorias de un país en
guerra: Los Mil Días 1899-1902, Bogotá, editorial
Planeta, 2001.
Fuentes bibliográficas Zambrano Pantoja, Fabio. El Kiosco de la luz
Bergquist, Charles. Café y conflicto en Colombia, y el discurso de la modernidad, Bogotá, Alcaldía
1886-1910, Medellín, FAES; 1981. local de Santa Fé – Instituto Distrital de Cultura y
Turismo: Alcaldía Mayor de Bogotá D.C., 2005.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 21-32, novembro 2010 31


Os Caminhos da Perfeição
Franciscana na Franceschina (1474)

Angelita Marques Visalli


Possui graduação em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (1988), mestrado em História
Antiga e Medieval na Universidade Federal do Rio de Janeiro (1995) e doutorado em História Social pela
Universidade de São Paulo (2004). Professora no Departamento de História da Universidade Estadual de
Londrina, na área de História Antiga e Medieval, tem sua atuação de docência e pesquisa voltada para o estudo
da Idade Média, particularmente para a religiosidade. Atualmente dirige o Museu Histórico de Londrina.

Resumo
Pretendemos nesse estudo lançar nosso olhar sobre as imagens, iluminuras, que acompanham o
texto da Franceschina, obra composta no século XV por Giacomo Oddi, na qual são apresentadas
as vitae de Francisco de Assis e outras “figuras ilustres” da Ordem dos Frades Menores entre os
séculos XIII e XV. O texto em dialeto umbro possui uma linguagem simples e cotidiana, assim
como um caráter  dramático e heróico, remetendo-se especialmente  à recusa do mundo, à
dedicação às práticas caritativas e religiosas e ao martírio dos frades. Apesar da simplicidade das
formas e da técnica, estas iluminuras registram e divulgam experiências, mas buscam despertar
uma sensibilidade. Neste caso esta é provocada, por um lado, por uma representação mística
e, por outro, pela exacerbação da violência sofrida pelos frades, apresentando o caminho do
martírio como a principal expressão de exaltação dos menores após a morte de Francisco, em
contraste com o franciscanismo dos “primórdios”.
Palavras-chave: Iconografia franciscana; Franceschina; iluminura

Abstract
In this study we intend to pay close attention to the images, illuminations that appear in the
text Franceschina, a work from the fifteenth century written by Giacomo Oddi, in which the
vitae of Francis of Assisi and other “renowned people” of the Order of Friars Minor between
the thirteenth and fifteenth centuries, are presented. The text in the Umbrian dialect has a
simple, everyday language, as well as a dramatic and heroic character, referring in particular to
the refusal of the world, the dedication to charitable and religious practices and the martyrdom
of the brothers. Despite the simplicity of form and technique, these illuminations record and
disseminate experiences, but seek to awaken a sensibility. In this case it is caused firstly, by a mystic
representation and, secondly, by the exacerbation of violence suffered by the friars, showing the
path of martyrdom as the main expression of exaltation of the minors after Francis death, in
contrast to the early years of Franciscanism.
Keywords: Franciscan iconography; Franceschina; illumination.

Recebido em: 20/07/2010 Aprovado em: 15/08/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010 33


Angelita Marques Visalli

Os Caminhos da Perfeição Franciscana na


Franceschina (1474)1

Os estudos de imagens entre historiadores As soluções apresentadas tanto se


têm provocado certa agitação no meio fundamentam em território novo que é
historiográfico. Apesar do reconhecimento exatamente a inexatidão que nos demarca
do valor da imagem como documento, a o início do trabalho. Um pré-requisito que
reticência, o receio, e mesmo a inabilidade adotamos, contudo, e que nos possibilita um
têm sido alvos de críticas, por vezes ferozes. exame sobre as imagens que elegemos é o de
Não queremos remontar aos usos e desusos que estas são, antes de tudo, objetos, coisas
das imagens como referência histórica, mas que se prestam a vários usos e, inclusive,
gostaríamos de apresentar algumas questões como documento. Uma imagem se torna
que envolvem o uso das imagens na pesquisa documento na medida em que fornece
histórica. Elegemos as observações do informação a um observador, não é assim
historiador Ulpiano Bezerra de Meneses para antes disso. Sua funcionalidade é múltipla:
matizar essas discussões que são, contudo, as além de fonte de informação, pode assumir
mais correntes nos estudos sobre a questão. vários papéis, produzindo diversos efeitos,
(MENESES, 2003, p. 11-36) inclusive sendo reciclada. Assim, é de fato
A ironia do autor frente ao diminuto ilusória a idéia de que basta nomear o que
espaço do estudo da imagem entre os novos ela representa, decodificá-la para esclarecer
objetos e abordagens da Nova História, sua representação. Sua função é menos
revela uma relação ainda pouco resolvida. representar uma realidade exterior do que
Nós historiadores não estamos acostumados construir o real (uma imagem de algo) de
a utilizar as imagens como documento, um modo próprio, tão particular que não
apesar dos consensos. Um problema quanto se encaixa em nossas classificações como
ao seu uso está no fato de que ainda se as características dos estilos e modelos
constitui como a testemunha muda de artísticos.
conhecimento produzido por outras fontes, No caso dos estudos medievais, os
mero repositório especular de informação últimos anos têm sido pródigos de trabalhos
empírica. (MENESES, 2003, p. 20) Tendemos que nos fizeram avançar teoricamente.
a procurar nas imagens a comprovação de Os estudos de Jean-Claude Schmitt são
idéias já constituídas, fundadas na tradição referência fundamental. O pesquisador
escrita, na historiografia. evidenciou um conceito mais abrangente para
o Medievo, muito além do lugar comum da

Este estudo é um desdobramento de um projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido há alguns anos na Universidade Estadual
1

de Londrina, com apoio, atualmente, da Fundação Araucária, intitulado “A Devoção Mariana e a morte na Idade Média: estudo
sobre a religiosidade laica através das laudas”. Inicialmente nos debruçamos sobre alguns capítulos específicos da Franceschina,
particularmente sobre os referentes ao compositor de laudas Jacopone da Todi. Esse texto foi, em parte, apresentado do II
ENEIMAGEM.

34 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010


Os Caminhos da Perfeição Franciscana na Franceschina (1474)

funcionalidade didática e religiosa inspirada elegia aos franciscanos, tendo São Francisco
na correspondência de Gregório Magno, que como protagonista, sendo bem demarcado
reverbera, ainda, nos manuais de estudo das o tom de epopéia, na medida em que os
imagens do período: essas seriam para os frades são apresentados como verdadeiros
iletrados (laicos) o que a escrita seria para os heróis, seja pela superação pela penitência,
clérigos, um meio de instrução (SCHMITT, seja pelo martírio. O caráter religioso e de
2007, p. 60). A evidência da cultura medieval disseminação de modelos é patente, mas
frente ao interdito bíblico veterotestamentário podemos desenvolver sobre ele um exercício
quanto ao uso das imagens, pelo contrário, de olhar que ultrapasse a intenção primeira
possibilitou o reconhecimento de uma de seu autor. A observação de suas imagens,
questão mais complexa e uma compreensão na verdade, pode nos apresentar elementos
mais profunda sobre a verdadeira revolução outros de reflexão.
visual que no ocidente cristão implicou na Na medida em que entre essas imagens
proliferação das imagens. possuímos referências ao período identificável
A dissipação do medo do paganismo, no à comunidade primitiva franciscana (durante
período central da Idade Média, possibilitou o período de vida de seu fundador) e ao
maior liberdade quanto ao uso das imagens, período posterior, podemos apresentar aqui
inclusive tridimensionais. Sociedade fundada um estudo introdutório sobre os modelos de
na visualidade, a sociedade moderna observa vida franciscana a partir dessas miniaturas.
o desenvolvimento da idéia da imagem como Afinal, o que será iluminado? Consideramo-
representação e fixa seu olhar sobre o milagre las primeiramente destacadas do objeto
eucarístico nos séculos XIII e XIV, a partir do que as abriga, o livro. Seu conjunto, por um
qual se desenvolve uma “vitória extraordinária lado, pode nos apontar para uma lógica
da abstração”, segundo Carlo Ginzburg: “na própria. Na análise das miniaturas, faz-se
medida em que negava os dados sensíveis em sempre necessário o exame de seu conjunto,
nome de uma realidade profunda e invisível” considerando-se toda a série, pois estas não
(GINZBUG, 2001, p. 102). podem ser examinadas isoladamente. O
A pluralidade de usos e variação dos isolamento é sempre arbitrário e incorreto
suportes na apresentação das imagens são (SCHMITT, 2007, p. 41). Não perdemos de
fundadas num princípio de liberação que vista, contudo, o exame de suas interações
precisa ser valorizada, ainda que se considere particulares com o texto: a correspondência
tantos elementos redutores e limitadores da ou não de cada uma com os temas tratados
liberdade de criação, tal como concebemos por escrito, as possíveis contradições ou
em nossa concepção hodierna de produção discrepâncias quanto ao conteúdo e, enfim,
artística. as escolhas, pois as imagens apresentam
Pretendemos nesse estudo lançar cenas recortadas num universo bem maior
nosso olhar sobre imagens, iluminuras, que de possibilidades.
acompanham o texto da Franceschina, obra A vasta obra apresenta treze capítulos
composta no século XV por Giacomo Oddi, que trazem dados biográficos dos primeiros
na qual são apresentadas as biografias de irmãos e daqueles que teriam se sobressaído
Francisco de Assis e outras “figuras ilustres” devido a determinadas virtudes que, inclusive,
da Ordem dos Frades Menores entre os intitulam os capítulos: a obediência, a pobreza,
séculos XIII e XV. Trata-se de um texto de a castidade (tripé da ordem dos frades

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010 35


Angelita Marques Visalli

menores), a recusa do mundo, a caridade, • códice de Santa Maria dos Anjos ou


humildade, oração, paciência, penitência, a Porciúncula (A), conservado no convento
virtude em geral, assim como um capítulo de mesmo nome, com maior número de
voltado para a anulação de si mesmo, outro imagens – 152 no total;
para a danação aos que não respeitam a • códice de Perúgia (P), com 45 imagens,
regra e ainda outro sobre o prêmio para os pertencente inicialmente às freiras de
que a seguem. Esta organização apresenta Monteluce. Com a supressão do convento,
um caráter didático, pois a obra é voltada foi transportado para a Biblioteca Comunal
para os próprios discípulos de Francisco, de Perúgia;
apresentando-lhes modelos de conduta. • códice de Nórcia (N), pertencente ao
Alguns frades menores têm para si dedicadas convento de Nossa Senhora Annunciata
várias páginas, e os acontecimentos são – e hoje à municipalidade de Norcia –,
descritos em forma de episódios; outros com 8 imagens;
podem ser citados anonimamente, como nas • códice de Monteluce (M), inicialmente
várias narrativas sobre os martírios sofridos. destinado às freiras de Monteluce – hoje
O próprio título já denuncia sua finalidade. no convento de santo Ermínio –, em
Originalmente a obra se denominava Perúgia, com 41 imagens.
Specchio de l´Ordine Minore. Este “espelho”
passou a ser conhecido como Franceschina A autoria do texto é atribuída a Giacomo
a partir da edição de 1931, por Nicolla Oddi. Ocupante de cargos públicos em
Cavanna (OFM), mudança justificada pelo Perúgia, este entrou na Ordem dos Frades
editor para diferenciá-la mais facilmente Menores provavelmente após a passagem de
de outros espelhos e porque representaria pregadores franciscanos, em 1448, e faleceu
melhor uma verdadeira epopéia, aos moldes em 1488. Giacomo teria ingressado no
de títulos expressivos e clássicos com a convento de Porciúncula, em Assis, e apesar
“Ilíada”. Utilizamos esta edição, a primeira de especulações acerca de outras possíveis
a apresentar a integralidade do texto. As obras, não temos outras identificadas como
imagens do manuscrito são, em grande parte, sendo de sua autoria.
reproduzidas ao fim do segundo volume, mas Desenvolvemos nosso estudo sobre
esta edição é acompanhada por inúmeras o códice perugino, por ser o mais antigo
ilustrações, gravuras sem identificação de dos três. O estado de conservação é por
autoria. si uma preciosidade. Escrito em 1474,
A obra se apresenta dividida em treze conforme indicado no próprio manuscrito, na
capítulos: segundo o autor, sua divisão se genealogia dos códices é apresentado como
reporta aos treze primeiros frades menores o protótipo.
– Francisco e doze companheiros. Escrita em Quanto à autoria das imagens, entramos
dialeto umbro, a Franceschina é uma preciosa num terreno mais lodoso. Há indicação, pelo
fonte literária, um manancial de referências editor Nicolla Cavanna, de que o autor seja
acerca da expressão religiosa e da construção Nicollò Liberatore, de Foligno, renomeado
da santidade dos frades menores, além como Nicollò Alunno por Vasari.
de apresentar um dos mais ricos e antigos O mestre pintor de Foligno por várias vezes
conjuntos de iluminuras franciscanas. trabalhou nos conventos e para os conventos
Da Franceschina temos quatro códices: franciscanos, mas a identificação da autoria

36 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010


Os Caminhos da Perfeição Franciscana na Franceschina (1474)

está longe de ser segura, pois a simplicidade “graça alcançada pelo iluminador”, segundo
dos desenhos na Franceschina, a princípio, palavras de Nicolla Cavanna.
não sintoniza com o refinamento apresentado Entre as 45 imagens, podemos identificar
em outras obras. A comparação das rústicas alguns conjuntos: 13 com presença de
e simplórias imagens da Franceschina com Francisco de Assis, alguns com cenas
as obras mais refinadas de Alunno tende, biográficas; 3 cenas sem identificação de
num primeiro momento, a distanciá-las. personagens específicos, relativas ao modo de
Outra possibilidade apontada, nesse caso, vida franciscano; 1 cena da Paixão de Cristo; 1
pela própria Biblioteca Augusta de Perugia, de frade menor em sofrimento; e 24 cenas de
é a confecção por três miniaturistas e a martírio de frades menores, em grande parte,
participação de Mariano di Antonio di entre sarracenos.
Francesco di Nutolo e Fiorenzo do Lorenzo, As imagens de Francisco o apresentam
ambos do ambiente de Alunno. como modelo de conduta, sempre rodeado
Nas ilustrações da obra, os traços mais de seguidores. Somente a imagem relativa ao
definidos convivem com a técnica da aquarela tema da oração o apresenta sozinho. Nesse
e, em termos estéticos, podemos perceber a caso, cabe ressaltar a sutileza do iluminador
simplicidade das formas, uma ingenuidade quanto às características marcantes da
na apresentação de seus conceitos, apesar da expressividade religiosa de Francisco e as
formas de representação da cruz:

Imagem 1. Oração

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010 37


Angelita Marques Visalli

As cenas são inspiradas nas referências seja para considerar sua sintonia, seja para
dadas pelas fontes franciscanas à intensidade atestar sua autonomia. Devemos considerar
dos sentimentos que envolviam a meditação uma tradição de relação com o livro que
sobre a paixão de Cristo: gemidos, choros não percebia uma diferenciação clara entre
e súplicas em voz alta. A busca por lugares o objeto, suporte, o livro, e o seu conteúdo.
solitários como bosques, à noite, também Bem sabemos que o conteúdo poderia
encontra correspondência nos textos mesmo elevar o que consideramos como
hagiográficos (LM 10, 3). Percebamos, no suporte à esfera do sagrado, como no caso
entanto, que quando Francisco de Assis ora, da Bíblia. Nesse caso cabe considerar que
com as mãos postas, a imagem é a da cruz, o vocabulário familiar, por vezes, mesmo
assim como quando se põe em adoração, chulo, a descrição de cenas domésticas e
na terceira cena. Na cena central, quando mesmo burlescas, como é comum no texto
se apresenta em lágrimas, a imagem é da Franceschina, não têm o mesmo acento no
a do crucifixo. Podemos entender essas material imagético. Tomando como exemplo
diferenças no quadro das diferentes formas o texto dedicado a Jacopone da Todi (1236-
de representação do maior símbolo do 1306), sobre o qual particularmente já nos
cristianismo: o signum da cruz e a imago debruçamos, podemos perceber elementos
crucifixi. Esta última se dissemina a partir do bem distintos que nos remetem a situações
século XII e não temos dúvida de que essa “carnavalizadas” (VISALLI, 2005, 134).
“mudança plástica” traduz uma mudança Assim, Giacomo Oddi, o autor do texto
na sensibilidade religiosa, como afirmou da Franceschina, chegou a descrever uma
Jean Claude Schmitt, e, além disso, que a hesitação dos frades menores em receber
espiritualidade franciscana possui grande Jacopone na Ordem (este viveu como
importância nesse processo da promoção da penitente por muitos anos). Segundo a
figura humana do Cristo (SCHMITT, 2007, Franceschina, temiam os menores que fosse
p. 68). um fantástico, diante das suas excentricidades,
Na medida em que não temos como sendo esta descrita pormenorizadamente,
considerar a apreensão destas imagens para ainda que com a pretensa finalidade de
seus consumidores, podemos evidenciar demonstrar a sabedoria do frade por trás
algumas questões que nos acerquem da das situações estranhas. (Franceschina, 12) A
intencionalidade do seu autor. Certamente acusação de pazzia (loucura) também cerca
não buscamos resgatar “o que se passou na outros frades, como Junípero, contemporâneo
cabeça do pintor quando as executou, mas de Francisco, único menor referido em
elaborar uma análise que considere seus fins imagem, sem Francisco de Assis e fora do
e seus meios” (BAXANDAL, 2996, p. 162). contexto de martírio.2
Neste caso, consideramos absolutamente Este recurso retórico, a apresentação de
fundamental o trabalho sobre as imagens situações burlescas, comum nos sermões dos
acompanhado do estudo do texto escrito, pregadores, particularmente dos franciscanos,

A cena que o apresenta é aquela em que, após um grande equívoco promovido pelo demônio, o frade foi atado a um cavalo e
2

arrastado pela cidade, acusado de traição e tentativa de assassinado. A virtude apresentada foi a da paciência, pois não reclamou
da situação. O pazzo Junípero, contudo, em tudo favoreceu a confusão, estimulando seus algozes com respostas evasivas ao
interrogatório.

38 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010


Os Caminhos da Perfeição Franciscana na Franceschina (1474)

que marca também o texto da Franceschina, espera dos primeiros frades. Com exceção
não é encontrado nas imagens. Com da cena da estigmatização, as imagens
relação às imagens com caráter biográfico que referenciam a primeira comunidade
ou de apresentação do modo de vida franciscana não apresentam aspectos
franciscano, essas investem no envolvimento miraculosos, mas cenas que pretendem
do observador em contexto mais íntimo, mais sensibilizar pela singeleza, simplicidade e
próximo, ancorado no cotidiano dos frades, emotividade.
sem a exploração de situações maravilhosas Tomemos a imagem do cuidado com os
ou extraordinárias, apesar das imagens leprosos:
corresponderem à aura de santidade que se

Imagem 2. Leprosos

Na imagem, o atributo da humildade é mãos juntas, cujo semblante indica consolação.


particularmente ressaltado pela atividade Outros dois frades limpam as feridas do
de conjunto dos frades, entre os quais doente deitado, enquanto outro, ainda, não
identificamos Francisco de Assis, acima somente oferece alimento, mas escuta o
e à esquerda, reconhecido pela diferente leproso. Interessante a inversão: enquanto
coloração e auréola. Todos se dedicam a Francisco tem algo a dizer a um leproso, outro
alimentar e medicar os doentes. Francisco doente é quem fala ao frade. O exercício
tem a mão estigmatizada levantada e fala da humildade não se estabelece a partir de
ao doente, o qual estende a mão à escudela. ação caritativa numa perspectiva unilateral e
Outro doente também o escuta, este com as ritualística, mas aproxima irmãos.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010 39


Angelita Marques Visalli

Entre as iluminuras, esta é a única “ação” de mendigos (RNB, IX, 3). Uma doença
reconhecida na experiência primitiva que particularmente marcada pela infâmia, que
relaciona os religiosos a não-religiosos. A aflorava nos corpos a estigmatização, era
relação dos homens medievais para com os especialmente atraente para o convívio de
leprosos era bastante ambígua: o doente quem desejava anular a si mesmo e aos
deveria sensibilizar o cristão para a prática valores divididos com o mundo profano,
da caridade, mas, por outro lado, o medo do pretendendo fazer da extrema humildade
contágio e a constituição de um imaginário uma bandeira de seu apostolado (VISALLI,
acerca da origem da lepra levaram ao seu 2003, p. 122-137).
afastamento, ao temor, à repulsa, condição Ao examinarmos o conjunto das imagens
especialmente interessante, portanto, para da Franceschina, o espírito daquelas
a aproximação daqueles que se pretendiam referentes à primeira comunidade contrasta
“menores”. com a violência que caracteriza as que
A importância dos doentes de lepra se reportam aos frades após a morte de
no processo de conversão de Francisco Francisco. As cenas que apresentam as
foi evidenciada por ele próprio no seu gerações seguintes dos frades são muito
Testamento: violentas, e exploram o drama do martírio de
franciscanos. O acento das cenas dramáticas
O Senhor concedeu a mim, frei Francisco, a e violentas das expressões imagéticas é uma
começar a fazer penitência assim: quando
estava em pecado, parecia-me coisa muito
peculiaridade que apresenta exatamente a
amarga ver os leprosos; e o Senhor mesmo sua independência frente ao texto, ao escrito.
me conduziu entre eles e tive misericórdia Percebamos que das 36 páginas iluminadas,
com eles. E, afastando-me destes, isto que me
11 se referem à comunidade primitiva,
parecia amargo converteu-se em doçura de
alma e corpo. E, depois, só demorei um pouco apresentando cenas cotidianas, de cunho
e abandonei o mundo. (Testamento, 1-3) ascético, penitencial e místico; as 7 últimas
retornam ao tema, apresentando Francisco
Aos primeiros seguidores de Francisco em seus últimos momentos, tendo seu corpo
também coube o cuidado dos leprosos, transladado, assim como cenas que remetem
atividade que se constituiu numa espécie de ao modo de vida dos menores. Entre estas
noviciado, segundo o qual os que quisessem últimas, é interessante observar que os frades,
abraçar a penitência como ele, deveriam numa das iluminuras, são apresentados em
também se superar, testando a convicção que leitura e debate, tendo os pés descalços,
tivessem na sua opção de vida. Na “Regra característica que marca todas as imagens.
Não-Bulada”, Francisco definiu de que forma As 18 páginas restantes são voltadas para
deveriam viver seus “irmãos” – em meio à cenas de martírio, sendo que algumas delas
gente desprezada, aos pobres e fracos – e apresentam 2 ou mesmo 3 imagens.
referiu-se a “enfermos” e “leprosos”, além

40 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010


Os Caminhos da Perfeição Franciscana na Franceschina (1474)

Imagem 3. Martírio Decapitados

As cenas são dotadas de grande força. contrastam com a alvura dos corpos desnudos
Plenas de energia ascética, as imagens têm dos mártires, a partir da qual sobressai o
proporções variadas: por vezes ocupam vermelho de seu sangue e das auréolas.
toda a página, destinadas a um só episódio, Santidade forjada no martírio. Percebamos,
outras vezes se apresentam bem recortadas, ainda, o volume dos corpos e maleabilidade
com a cena de um único martirizado e seu das vestimentas estabelecidos através do
algoz. Esta, acima, ocupa a parte de baixo da traço e do dégradé da coloração, sinais da
página, aproveitando todo o espaço deixado maior atenção às realidades sensíveis que
pelo texto. se difunde, sobretudo, a partir do século XIII
Nesta, dois frades jazem decapitados (BASCHET, 2006, p. 51).
ao chão, um está para receber a espada A imagem se reporta ao texto que narra
em seu pescoço, em posição de prece, o martírio de Daniel, ministro da ordem, que
a mesma de outros três que aguardam com seis frades menores, sob autorização
o martírio. Estes estão desnudos, sem do ministro geral – condição repetidamente
seus trajes característicos. Essa forma de colocada no texto –, buscou o “santo martírio
apresentação dos martirizados é comum em nome de Cristo”. A pregação em terra
nessas iluminuras: despidos, identificados infiel acompanhada do desmerecimento da
pela tonsura e gestos de resignação frente à religião muçulmana os levou frente ao rei e à
morte, quase sempre pela decapitação. Outro condenação à morte. A virtude evidenciada é
personagem franciscano, à direita, mais velho sempre a aceitação pacífica e a alegria diante
que os outros, encontra-se vestido e morre a do sacrifício em nome de Deus. Ao examiná-
pauladas e pedras. las em conjunto, mas em separado do texto,
Os espaços são organizados através desfila-se uma série de desenhos monótonos
dos planos e cores mais salientes. As cores de cenas de morte, muitas vezes lenta e
mais fortes das vestimentas dos soldados torturante. O exame junto aos textos aponta

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010 41


Angelita Marques Visalli

para escolhas insólitas, na medida em que freis são identificados especialmente pela barba
anônimos têm seus sacrifícios materializados e cabelos longos.
em imagens em detrimento de tantas outras Na cena abaixo, conforme o texto em que
personagens mais insignes. Nas iluminuras os se insere a imagem, dois frades, pelo “zelo da
frades martirizados são semelhantes, assim santa fé e desejo de martírio” foram para o
como os soldados sarracenos entre eles, Oriente pregar a palavra de Deus e colocaram
traço comum à pintura do período. Frente à prova seu amor em morte com suplício:
ao desconhecimento de uma indumentária tiveram sua pele retirada dos pés à cabeça
mais característica para os sarracenos, estes (Franceschina, p. 259 v).

Imagem 4. Martírio Escalpe

Este episódio se coloca entre outros tantos, traço está demarcado nas hagiografias de
numa galeria anônima de horrores sofridos Francisco de Assis, particularmente quanto à
em demonstração de entrega absoluta. Os sua intenção de viagem ao Marrocos (Tomás
frades não têm como serem identificados de Celano, Vita Prima, 56, p. 4-6).
na imagem ou no texto e o contexto toma O modo de vida dos franciscanos desde
posição secundária, pois somente o ato de seu início apontou para o caráter penitencial
imposição da morte sofrida e a abnegação da expansão pela palavra:
dos frades importam.
O martírio marcou ou primeiros santos Diz o Senhor: Eis que eu vos envio como
ovelhas no meio de lobos. Sede, portanto,
do cristianismo, no período anterior à sua prudentes como as serpentes e simples como
absorção pelo Império Romano e, no decorrer as pombas’. Por isso qualquer frade que quiser
da expansão da religião, foi associado à ir entre os sarracenos e outros infiéis, vá com
a licença de seu ministro e servo [...] E por
prática missionária, sendo identificável, ainda,
seu amor devem se expor aos inimigos tanto
como expressão penitencial. Este último

42 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010


Angelita Marques Visalli

visíveis como invisíveis, porque diz o Senhor: dos franciscanos, mas uma trajetória que,
‘Quem perder a sua alma por mim, vai salvá- por sua vez, representa duas possibilidades
la para a vida eterna’ (Regra Não-Bulada, 16,
p. 1-3). de reconhecimento da fortuna da glória
celeste: pelo rigor do seguimento da forma
As imagens da Franceschina não somente de vida para a comunidade primitiva ou, para
registram e divulgam experiências, mas as gerações seguintes, através do martírio, do
buscam despertar uma sensibilidade. Neste sofrimento.
caso, esta é provocada, por um lado, por Isto nos remete à questão dos conflitos
uma representação que identifica uma internos da Ordem do Frades Menores que
santidade de uma primeira comunidade que, levaram a uma ramificação definitiva em 1517
simplesmente, por seguir a forma de vida através da identificação de frades conventuais
“primitiva” tem sua elevação apontada. Os e de observantes. Estes últimos destacaram-
modelos da comunidade primitiva são aqueles se, desde o século anterior, pela tentativa de
que cuidam de leprosos, seguem Francisco no resgate da forma de vida primitiva franciscana,
exercício da obediência (retratado numa fila buscado através de atenção maior à pobreza
de frades encabeçada por Francisco, todos e ao rigor penitencial.
portando um instrumento humilhante no As discordâncias ou releituras entre os
pescoço, como uma canga) e da castidade seguidores de Francisco de Assis quanto às
(representada pelos lírios carregados pelos características de sua forma de vida, marcam
frades e pobres damas da segunda ordem) até hoje a trajetória da Ordem e podem ser
e meditam sobre a palavra de Deus. O identificados não somente nos textos que
isolamento da oração e a autoflagelação manifestam estes litígios, mas na sutileza das
(com o refinamento da cena da busca das iluminuras.
plantas ideais e confecção do cilício), trabalho
manual e pregação completam o quadro de Referências
atividades que definem o modo de vida santo
BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano
dos franciscanos. mil à colonização da América. São Paulo: Globo,
Por outro, a identificação pelas imagens, 2006.
da santidade dos frades, num segundo BAXANDALL, Michael. Padrões de Intenção – a
momento, não identificável à comunidade explicação histórica dos quadros. São Paulo:
primitiva, passa pela exacerbação da violência Companhia das Letras, 2006.
sofrida, desvalorizando outros modelos GINBURG, Carlo. Olhos de Madeira – nove
ou possibilidades apontadas pelo próprio reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.
texto. Isto remete à sua independência e a
falta de paralelismo entre as linguagens que MENESES, Ulpiano T. B. Fontes visuais, cultura
visual, História visual. Balanço provisório, propostas
compõem um único objeto, nesse caso, o livro cautelares. Revista Brasileira de História, vol. 23,
(SCHMITT, 2007, p. 32).3 n. 45, 2003.
As imagens da Franceschina se compõem ODDI, Giacomo. Franceschina. (Edito dal Nicola
de narrativas que não vem somente Cavanna, OFM). Firenze: Leo S. Olschki, 1931.
apresentar as características da santidade

3
A única possibilidade de exceção seria a imagem de frei Junípero, mas esse não foi apresentado em cena de martírio, mas de
sofrimento físico que lhe exercitou a paciência e do qual saiu ileso.

43 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010


Angelita Marques Visalli

RECHT, Roland. Le croire et le voir – l´art des VISALLI, Angelita Marques. Cantando até que a
cathedrales (XIIe-XVe siècle). S/L: Gallimard, morte nos salve: estudo sobre laudas italianas dos
1999. séculos XIII e XIV. Tese de Doutorado. Universidade
de São Paulo, 2004.
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens –
Ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. VISALLI, Angelita Marques. O corpo no pensamento
Tradução de José Rivair Macedo. Bauru, São Paulo: de Francisco de Assis. Bragança Paulista: Editora
EDUSC, 2007. Universitária São Francisco; Curitiba: Faculdade
São Boaventura, 2003.
SILVEIRA, Ildefonso (OFM) & REIS, Orlando
(seleção e organização). São Francisco de Assis: IV Jornada de Estudos Antigos e Medievais.
Escritos e Biografias de São Francisco de Assis, Trabalhos Completos. Universidade Estadual de
Crônicas e outros Testemunhos do Primeiro Século Maringá, 6 e 7 de outubro de 2005. Maringá,
Franciscano. Petrópolis: Vozes/CEFEPAL, 1988. 2005.

VAUCHEZ, Andre. L’Ascention des laics à la vie Franceschina, Biblioteca Augusta de Perugia,
religieuse. In: MAYEUR, Jean-Marie; PIETRI, acesso 20/01/2008, site http://cdwdoc.demo.
Charles; VAUCHEZ, André; VENARD, Marc (sous alchimedia.it
la direction de). Histoire du christianisme des
origines à nos jours. Paris: Desclée, 1993.

44 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 33-44, novembro 2010


A Vivência do Morto:
a preservação de monumentos
histórico-culturais em ruínas

Anna Maria de Lira Pontes


Graduada em História pela Universidade Federal da Paraíba (2009), mestre em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade Federal da Paraíba (2010). Atualmente, é professora efetiva de História pela Secretaria
de Educação do Estado do Ceará. Tem experiência na área de Patrimônio Histórico Cultural, com ênfase
em ruínas patrimoniais, atuando principalmente nos seguintes temas: memória, identidades culturais e
preservação patrimonial.

Resumo
As ruínas emergem enquanto alegoria pro meio da representação do que a edificação uma
vez foi, contudo não mais o é. Também é um monumento do presente e por isso existe em
correlação com a vivência das cidades e suas memórias. As ruínas, deste modo, apresentam-
se como um fator de afirmações coletivas, individuais e/ou nacionais a partir de sentimentos
despertados por este “morto” que luta por sobrevivência e vida na sociedade a qual pertence.
Neste trabalho, buscamos, então, compreender o patrimônio histórico-cultural e o debate de
sua preservação a partir do pensamento de John Ruskin, Eugène Viollet-le-duc e Cesare Brandi
em relação com a ação prática voltada, mais especificamente, para a ruína. A fim de, com isto,
entender até onde se pode ter e vivenciar as ruínas na sociedade – um morto que vive na mesma
mediante a alegoria.
Palavras-chave: Patrimônio histórico-cultural; preservação; ruínas.

Abstract
The ruins emerge as an allegory through representation of what the building once was, but now
it isn’t anymore. Also, they are a monument of the present and, therefore, exist in relation with
the quotidian of cities and its memories. The ruins present themselves as an element of the
collective, individual and national affirmations from the feelings brought up by this “dead” that
struggles for survival and life in its society. In this work, we search to understand the historical
and cultural patrimony and its preservation debate through the studies of John Ruskin, Eugène
Viollet-le-duc and Cesare Brandi in relation to the practical action towards, specifically, the ruins.
It’s aimed, in this paper, to comprehend the limits and implications in the existence of ruin in the
society – the dead that lives through allegory.
Keywords: Historical and cultural patrimony; preservation; ruins.

Recebido em: 25/07/2010 Aprovado em: 10/08/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 45-52, novembro 2010 45


Anna Maria de Lira Pontes

A Vivência do Morto:
a preservação de monumentos histórico-culturais em ruína

O estudo dos monumentos histórico- A beleza que dura é um objeto do saber.


culturais dentro de suas respectivas sociedades Podemos questionar se a beleza que dura
ainda merece esse nome; o que é certo é
é essencial para o entendimento da formação que nada existe de belo que não tenha em
e andamento das memórias locais, sejam seu interior algo que mereça ser sabido
elas relativas às estratégias de poder ou às (BENJAMIN, 1984, p. 204).
coletividades, e da própria organização da
cidade. E também, ao entender mais sobre E o conhecimento na ruína se faz justamente
tais memórias, passamos a compreender o pelo fragmento que, apesar de mutilado,
posicionamento desta sociedade frente às conta com seu peso de representação. Não é
influências e fenômenos sociológicos que esta mais apenas algo que sucumbiu com o tempo,
viveu ao longo do tempo – algo de grande mas um meio de se obter conhecimento de
importância para o próprio entendimento da um passado que se intenta examinar ou
cidade e sua configuração espacial. mesmo rememorar. Além de documento,
Entre a memória e a preservação de as ruínas são representações do que foram;
espaços que se fazem de algum modo do que passaram – de sua construção até
representativos para as sociedades a que o momento presente – e do que são. E por
pertence, o patrimônio em ruínas é, por si isso apresentam toda essa poeticidade em
só, contraditório, já que reúne num único torno de si e de suas interpretações – diversas
bem destruição e preservação. Ao olhar o já que, pela ausência, pode-se imaginar e
fragmento, percebe-se o encanto dos restos interpretar.
que, mesmo em tal estado, contam com algo As ruínas, por si próprias, conotam a
a dizer e a representar. Aquilo que foram e conservação, como Brandi (2004) ressalva.
aquilo que são no presente desperta toda Entretanto, sua manutenção na sociedade
uma poética que exaltam os sentidos. E, neste implica também a conservação de seu aspecto
meio, o próprio conceito de ruínas é algo característico: despedaçado. E nos fragmentos
complexo e digno de análise. que as constituem, as ruínas aparecem como
Ao correlacionar a ideia de ruína com o espaços dignos de rememoração. Por isso,
teatro barroco alemão, Benjamin (1984) a neste trabalho, intentamos analisar o que há
expõe enquanto alegoria. Alegoria produzida de peculiar na visão das ruínas e no próprio
pelo fragmentado, pelo incompleto do pensamento em torno da preservação do
edifício que não existe mais. Na visão de patrimônio histórico-cultural a partir de três
Benjamin (1984), a ruína é suscetível à teóricos essenciais para a história do restauro
variadas interpretações, cujos resquícios de monumentos, são eles: John Ruskin,
rememoram o que ela um dia foi, contudo Eugène Viollet-le-Duc e Cesare Brandi.
não mais o é. E é por estes vestígios que a Ao longo dos anos, vários arquitetos e
ruína torna-se bela e fascinante, pois pensadores em geral lançaram suas opiniões

46 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 45-52, novembro 2010


A Vivência do Morto: a preservação de monumentos histórico-culturais em ruínas

e teorias sobre restauração de monumentos, Uma vez que, para Ruskin, as ações
indicando, segundo uma linha histórica de de restauração são malvistas, a ruína,
atuação destes, uma evolução da teoria da subentende-se, é, deste modo, um caminhar
restauração até a que temos atualmente. Mas, pelo próprio fim do monumento. O bem,
apesar de ampla discussão, monumentos são com uma temporalidade determinada, é vivo
restaurados até hoje segundo pensamentos enquanto vive, mas irá morrer em seu trajeto
diferentes e divergentes, de Viollet-le-Duc existencial.
a Cesare Brandi. Sem contar ainda com a De outro lado, temos teóricos que, sob
própria discordância de atitudes sobre o variadas dimensões de ação, apresentam sua
próprio benefício ou não da restauração. posição quanto à preservação, aceitando-a,
Tais teóricos apresentam argumentos são eles: Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc
diferenciados tanto a favor como contra e Cesare Brandi, entre outros. Apesar de
a restauração ou qualquer outra ação aceitarem a restauração como uma atitude
interventiva no monumento. Podemos em prol do monumento, eles também
colocá-los em dois grupos, são eles: aqueles apresentam discordâncias de pensamento.
que são contra a restauração e aqueles Viollet-le-Duc (1814-1879) defende a
que são a favor dela. E a sua visão, mais obra de arte seguindo para um caminho ideal
especificamente para este trabalho, é em
não concernente a sua história e estrutura
torno da ruína e sua manutenção.
original. Segundo ele, “Restaurar um edifício
Um representante dos pensadores que
quer dizer reintegrá-lo em um estado
são contra qualquer tipo de intervenção,
completo, que pode não ter existido nunca
salvo a manutenção, é no monumento
em um dado tempo” (VIOLLET-LE-DUC,
John Ruskin (1819-1900). Ele defende que
2000, p. 29). Uma remodelação do antigo,
o monumento siga seu rumo natural sem
que pode vir a tornar-se uma nova construção
maiores preocupações em ações para conter
pensada pelo arquiteto do presente num
um possível arruinamento.
esforço por um modelo melhor que o anterior,
Ruskin destacou-se por sua posição
a fim de embelezar, tornar mais eficiente e/ou
considerada reacionária quanto à conservação
fortalecer estruturalmente a obra.
de monumentos históricos ao afirmar
E m s e u e s c r i t o s o b re o ve r b e t e
sua trajetória como uma história, no qual
intervenções humanas não seriam necessárias “restauração” no Dictionnaire raisonné
– sendo preferível a estas a própria morte de l’architecture française du XIe au XVIe
do bem. Esta opinião também pode ser siècle, Viollet-le-Duc critica o fanatismo com
exemplificada por meio de seu livro Pedras que se passa a tratar o passado, em que o
de Veneza, no qual se apresenta contra o novo por vezes é visto como a quebra das
advento do Renascimento enquanto arte em tradições. Segundo ele, para o sucesso de
Veneza, como uma forma de decadência e uma restauração, é preciso a execução de
perda de fé da própria cidade. um relatório detalhado sobre o bem, que o
Para ele, a estética e a execução da obra arquiteto estuda previamente para só assim
tem uma forte correlação com a moralidade, poder atuar neste. E, se o monumento pode
em que o aspecto tremido advindo do ser embelezado e contar com maior eficiência
artesanal é a própria presença da mão estrutural com a adição de novos elementos
humana, que se faz na obra de arte pelo numa restauração, assim deve-se renunciar
prazer e demonstração de fé do operário. o primitivo e fazê-lo (VIOLLET-LE-DUC,

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 45-52, novembro 2010 47


Anna Maria de Lira Pontes

2000, p. 50-67). Sobre a ação do arquiteto, seu livro Teoria da Restauração, discute
conclui: os parâmetros em torno do processo de
restauração e o estudo prévio que deve
Deve agir como o cirurgião habilidoso e
antecedê-la.
experimentado, que somente intervém em
um órgão após ter adquirido o conhecimento De acordo com Brandi, a restauração tem
completo de sua função e depois de ter como objetivo o restabelecimento material do
previsto as conseqüências imediatas ou futuras suporte da obra de arte. Até porque o que faz
de sua operação. Se for aleatório, mais vale
que se abstenha. Mais vale deixar morrer o a ela é sua representatividade e isto não pode
doente do que o matar (VIOLLET-LE-DUC, ser subjugado na restauração – ou, então,
2000, p. 68). toda a obra de arte estará comprometida. É
por isso também que na restauração, para o
Este conhecimento por parte do arquiteto autor, o que se deve ter como foco é a obra
será diferenciado conforme o espaço e a época de arte em si, que regerá todas as ações de
do monumento, em que o próprio estilo ou a preservação.
escola artística são modificados de local para Por menor grau de ação que a restauração
local. Além de certificar que o monumento implique, será sempre uma mudança para
seja restaurado no estilo ao qual pertence, é a história da obra, e por isso esta deve
importante que o arquiteto seja também um ser meticulosamente analisada para só
bom construtor e conhecedor das formas e assim poder ser executada. Conforme seu
maneiras de construção de cada época, além pensamento, a obra de arte deve ser vista
do conhecimento sobre os diversos períodos em sua unidade, em que cada parte é um
da arte e suas escolas (seguidas de cada estilo) componente essencial do todo. A obra,
dentro da arquitetura. assim, deve ser vista qualitativamente e
Em relação às ruínas, Viollet-le-Duc trata conforme o inteiro. O aspecto da imagem
da restauração como uma forma de evitá- não deve ser mexido, o único elemento
las – como o ato de salvar-se das ruínas em que se pode intervir um pouco é em
– e, em caso de edificações neste estado sua estrutura e, mesmo assim, por medidas
ou sob ameaça de assim o ficar, admite conservativas. Ainda, é imprescindível uma
a reconstrução. Entretanto, para que isto análise sobre o tempo e o espaço da obra
ocorra, é preciso cuidado a fim de que o para a restauração.
monumento não seja falseado. A restauração não é um elemento ou
fase do processo artístico. Ela é algo a parte,
[...] é necessário, antes de começar, tudo buscar,
não comum à obra de arte e que deve ser
tudo examinar, reunir os menores fragmentos
tendo o cuidado de constatar o ponto onde precedido de análises e pesquisas para só
foram descobertos, e somente iniciar a obra assim agir, considerando as instâncias estética
quando todos estes remanescentes tiverem e histórica do monumento – uma mais do que
encontrado logicamente sua destinação e
seu lugar, como os pedaços de um jogo de a outra segundo os critérios de valor. Na ruína,
paciência (VIOLLET-LE-DUC, 2000, p. 69- a instância que prevalece é a histórica – pelo
70). que foi e pelo que representa no presente.
Ao tratar as ruínas enquanto testemunho
Dentre os teóricos que abordam o tema do tempo para o ser humano – incompleto
da restauração, é imprescindível considerar em seu aspecto físico, mas representativo em
Cesare Brandi (1906 – 1988) que, em sua historicidade – Brandi (2004) afirma a

48 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 45-52, novembro 2010


A Vivência do Morto: a preservação de monumentos histórico-culturais em ruínas

visão da ruína enquanto resquício com apelo enquanto símbolos do tempo que se passou
intrínseco a si por ações de conservação. até o momento presente. Um exemplo disto
Ruína são as ruínas da Igreja de Nossa Senhora do
Nazaré do Almagre, em Cabedelo-PB, que
[...] será, pois, tudo aquilo que é testemunho representam não apenas o centro conversor
da história humana, mas com um aspecto
bastante diverso e quase irreconhecível
indígena colonial, mas também a evolução
em relação àquele de que se revestia antes e ocupação do bairro em que se localiza, o
(BRANDI, 2004, p. 65). bairro do Poço.
Teoricamente, no imaginário social o
A ruína, considerada enquanto resquícios desejo mais fácil de ser percebido é o da
e testemunho mutilado do monumento, perenidade dos monumentos, que em nada
conota por si própria ações de conservação. são eternos. Se sua morte é natural para
A sua restauração é, contudo, restrita apenas seguidores de Ruskin, outros preferem o seu
a ações de consolidação e conservação tratamento e recuperação num plano de
do contexto do monumento, uma vez fundo em que os vários “re” são constantes.
que a preservação destas também implica Preservação, assim, é posta aqui como o
a priorização de sua instância histórica referencial atual do que se quer do passado via
(BRANDI, 2004, p. 65-77). monumentos e sua exposição às sociedades.
Com relação à restauração, concordamos E deste passado, nada mais do que uma
com Boito ao colocar que “[...] nenhum seleção no presente por meio de intenções e
campo é tão difícil operar e tão fácil refletir mensagens subliminares por entre, no caso
quanto naquilo que se refere à restauração desta discussão, os monumentos histórico-
dos monumentos arquitetônicos” (BOITO, culturais. E nessas negociações pela memória,
2003, p. 53). Assim como é uma das facetas apesar das ruínas lembrarem a morte também
mais polêmicas das ações preservacionistas suscitam força pela resistência e vontade de
e, por isso, passível de debate também sobre viver. Afinal, já poderiam ter ruído, mas ainda
a própria preservação da memória e suas encontram-se de pé, lutando por um último
implicações em meio à sociedade. Afinal, a suspiro que se pode fazer mais necessário do
restauração é o exemplo mais claro e tangível que seu aspecto fragilizado aparenta.
de uma modificação que por si própria
permite a continuidade do monumento, seja Os homens não se sentem mortos face à
limpeza dos locais e aos objetos conservados.
transformando-se numa nova construção
Eles precisam das ruínas. [...] Esse desejo de
pelo método de Viollet-le-Duc, seja por ruínas não se refere somente a uma estética
meio de uma restauração que respeite a da existência, ele está presente nas construções
representatividade e historicidade do bem, de memória. Mesmo o edifício mais cuidado,
mais preservado só ganha sentido se mostrar a
como em Brandi. imagem de seu duplo, a transparência secreta
As mudanças e intervenções também da ruína (JEUDY, 1990, p. 2-3).
fazem parte da história do monumento pelo
fato de que tudo é história – e nada é mais Ao surgir enquanto imaginação e
importante para a compreensão atual do representação, a ruína mexe com os sentidos
monumento do que sua trajetória histórica. e permite à sociedade a qual pertence uma
As ruínas, em si, representam o seu uso fruição do passado mediante a própria
e edifício inicial, mas emergem também referência ao destruído. Para além de

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 45-52, novembro 2010 49


Anna Maria de Lira Pontes

seu aspecto físico, assim, mais uma vez BENJAMIN, Walter. Alegoria e drama barroco.
é a representação que emerge enquanto In: ______. Origem do drama barroco alemão.
Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo, SP:
elemento definidor da ruína – que, para
Editora Brasiliense, 1984.
Jeudy, está mais presente do que apenas nos
BOITO, Camilo. Os Restauradores: Conferência
fragmentos de edifícios, aparece também
na Exposição de Turim (07/06/1884). 2ed. São
enquanto ideia e contraponto. Até porque Paulo, SP: Ateliê Editorial, 2003.
“O que seria do monumento sem a ruína?” BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução
(JEUDY, 1990, p. 3). Beatriz Mugayar Kühl. 2ed. São Paulo, SP: Ateliê
Enquanto elemento em si, as ruínas Editorial, 2004.
despertam polêmicas entre opiniões e atitudes CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio.
diversas sobre elas. Numa recapitulação entre Tradução Luciano Vieira Machado. São Paulo, SP:
Estação Liberdade/ Editora da UNESP, 2001.
os pensadores da restauração, podemos,
por exemplo, elencar três diferentes FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio
em processo: trajetória da política federal de
direcionamentos possíveis acerca do preservação no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Editora
tratamento dessas, que seguem da ausência UFRJ; MINC/ IPHAN, 2005.
de ações/manutenção à recomposição e à GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O Patrimônio
restauração do monumento (limitada apenas como categoria de pensamento. In: ABREU,
à consolidação das estruturas e a manutenção Regina; CHAGAS, Mário (org.). Memória e
patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de
do aspecto da ruína). Ao se tratar delas, assim,
Janeiro, RJ: DP&A, 2003.
é preciso um cuidado particular a cada caso
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Tradução Cid
– para que não se subscreva seu valor ou
Knipel Moreira. São Paulo, SP: Companhia das
mesmo consuma o uso do espaço. Afinal, Letras, 1998.
em cada caso, todas as opções podem, de JEUDY, Henri-Pierre. Memórias do social. Tradução
fato, ser cabíveis. Márcia Cavalcanti. Rio de Janeiro, RJ: Forense
Para além da visão negativa da ruína, Universitária, 1990.
enquanto o perdido, ela também evoca LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução de
aquilo que se mantém – que se recusa a ser Irene Ferreira, Bernardo Leitão e Suzana Ferreira
Borges. 3ed. Campinas, SP: Editora UNICAMP,
esquecido, mesmo que sob fragmentos. E,
1994.
nesta alusão à própria memória, que vive no
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento,
limiar entre manutenção e esquecimento, as
silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
ruínas se fazem necessárias em si e, como Fundação Getúlio Vargas, v. 2, n. 3, 1989, p.
afirmado por Jeudy (1990), em todos os 3-15.
monumentos histórico-culturais. Afinal, REIS, Nestor Goulart. Por uma nova política de
as sociedades precisam do passado para preservação. In: O Estado de São Paulo digital.
Caderno Opinião. São Paulo, 09 de janeiro de
referenciarem enquanto grupos sociais e,
2009. Artigo disponível em: <http://www.
neste raciocínio, precisam das ruínas. estadao.com.br/estadaodehoje/20090109/
not_imp304607,0.php>. Acesso em 13 de
Referências janeiro de 2009.
RUSKIN, John. As Pedras de Veneza. São Paulo,
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como SP: Martins Fontes, 1992.
história da cidade. Tradução Pier Luigi Cabra. São
Paulo, SP: Martins Fontes, 1998.

50 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 45-52, novembro 2010


A Vivência do Morto: a preservação de monumentos histórico-culturais em ruínas

RYKWERT, Joseph. A Sedução do lugar: a história (org.). Intervenções em centros urbanos: objetivos,
e o futuro da cidade Tradução Valter Lellis Siqueira. estratégias e resultados. São Paulo, SP: Manole,
São Paulo, SP: Martins Fontes, 2004. 2006.
VASCONCELLOS, Lélia Mendes; MELLO, Maria VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração.
Cristina. Re: atrás de, depois de... In: VARGAS, Tradução Beatriz Mugayar Kühl São Paulo, SP:
Heliana Comim; CASTILHO, Ana Luisa Howard Ateliê Editorial, 2000.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 45-52, novembro 2010 51


A Fotografia nas Revistas
Culturais Latino-Americanas:
as experiências das revistas S. Paulo (Brasil, 1936)
e Rotofoto (México, 1938)
Carlos Alberto Sampaio Barbosa
Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo, professor de História da América
na Universidade Estadual Paulista, Câmpus Assis. Autor de A fotografia a serviço de Clio: uma
interpretação da história visual da Revolução Mexicana (1900-1940) e A Revolução Mexicana,
ambos pela Editora da UNESP.

Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar uma comparação entre duas revistas culturais que tiveram
vida efêmera na década de 1930 em seus respectivos países. Um ponto em comum é que ambas
utilizaram a fotografia como elemento central em sua estrutura de comunicação. Será abordada
a revista São Paulo, editada no Brasil no ano de 1936, em contraponto com a revista Rotofoto,
publicada no México apenas durante o ano de 1938. Esta pesquisa faz parte de um projeto mais
amplo, em que se procura refletir com relação à circulação de ideias culturais e políticas entre o
México e o Brasil, na primeira metade do século XX. Procurou-se examinar, em especial, como
repertórios visuais comuns entre os dois países se constituíram, no que diz respeito à produção
de imagens carregadas com uma retórica do engajamento político que contribuíram para a
construção do imaginário político latino-americano.
Palavras-chave: Fotografia; revistas; cultura visual; comparação.

Abstract
The aim of this paper is to present a comparison between two cultural magazines that had a short
life in the 1930s in their respective countries. A point in common is that both used photography
as a central element in its communication structure. Discuss the magazine São Paulo, published
in Brazil in 1936, against Rotofoto magazine published Mexico only during 1938. This research
falls within a broader project in which I reflect with the movement of cultural ideas and policies
between Mexico and Brazil in the first half of the twentieth century. I seek in particular to examine
whether common visual repertoires formed between the two countries, both in the production
of images loaded with rhetoric of political engagement and contributed to the construction of
the Latin American political imagination.
Keywords: Photography; magazines; visual culture; comparison.

Recebido em: 15/10/2010 Aprovado em: 10/11/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010 53


Carlos Alberto Sampaio Barbosa

A Fotografia nas Revistas Culturais Latino-Americanas:


as experiências das revistas S. Paulo (Brasil, 1936) e
Rotofoto (México, 1938)1

Introdução principalmente entre redes de sociabilidade


de artistas e intelectuais. Dentro desta
O objetivo deste artigo é apresentar uma problemática mais ampla é que se insere a
comparação entre duas revistas culturais que comparação entre essas duas revistas.
tiveram vida efêmera na década de 1930 Cabe dizer, com relação às balizas
em seus respectivos países: a revista São temporais, que este período foi marcado
Paulo, editada no Brasil no ano de 1936, em pela fundação de diversas revistas culturais
contraponto com revista Rotofoto, publicada (Amauta – Peru, Avance – Cuba, Martin Fierro,
no México apenas durante o ano de 1938. Nueva Revista – Argentina) (SCHWARTZ,
Busco examinar em especial como repertórios 1995). As revistas culturais, a propósito,
visuais comuns entre os dois países que foram os grandes veículos das vanguardas
contribuíram para a construção do imaginário e, na dimensão visual, suporte de novas
político latino-americano se constituíram. experiências imagéticas sempre com forte
Esta pesquisa faz parte de um projeto mais conteúdo político. As revistas terão um papel
amplo, no qual procuro refletir com relação à decisivo para a fotografia e as imagens de
circulação de ideias culturais e políticas entre uma forma geral. No caso da fotografia, cabe
o México e o Brasil na primeira metade do lembrar que é nesse período que surge o
século XX. Embora minha intenção não seja fotojornalismo moderno com o advento das
de uma análise exaustiva, procuro averiguar grandes revistas ilustradas como a Vu (1928)
diferentes suportes imagéticos, como, por francesa e a Life (1936) norte-americana
exemplo, as fotografias estampadas na (SOUGEZ, 2007). Nos âmbitos dos países
imprensa diária, assim como nas revistas que averiguamos neste artigo, surge no
ilustradas, cartazes, gravuras e demais México em 1927 a revista Todo, dirigida
expressões artísticas que subsidiaram essa por Félix Palavicini, e na década posterior
circulação de ideias estéticas e políticas entre com as revistas Hoy (1937) e Rotofoto em
ambos os países. Parto da hipótese de que 1938, ambas dirigidas pelos irmãos Regino e
embora as dificuldades de contatos existentes José Pagés Llergo. Foram nestas publicações
entre o México e o Brasil, devido à diferença que surgiu o advento de um fotojornalismo
linguística, distância e falta de um contato moderno naquele país (MONROY NARS,
maior entre seus intelectuais, ocorreram 2003). No caso brasileiro, mais próximo do
intercâmbios de propostas políticas e culturais nosso leitor, a grande referência foi a revista
O Cruzeiro (1928).2
1
Este artigo foi apresentado em forma de comunicação no 9º. Encontro Internacional da Associação Nacional de Pesquisadores
de História das Américas, numa Mesa Redonda denominada “Cultura Visual e Imaginário Político nas Américas”, evento realizado
nas dependências da UFG, na cidade de Goiânia em 2010.
2
Para um aprofundamento da discussão sobre a estética moderna e o fotojornalismo, assim como a revista O Cruzeiro, veja COSTA,
Helouise. Um olho que pensa: estética moderna e fotojornalismo. 1998. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da USP, São Paulo, 1998.

54 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010


A Fotografia nas Revistas Culturais Latino-Americanas: as experiências das revistas...

Veremos também o surgimento de visual que se estabeleceu nessas duas


revistas populares e engajadas politicamente, sociedades. Meu objetivo é flagrar como duas
tais como a Arbeiter Illustrierte Zeitung – AIZ revistas culturais, voltadas para um público
na Alemanha em 1921. Este magazine de mais amplo, veicularam em suas páginas o
sensibilidade comunista estampava em suas momento político dos dois países.
páginas fotomontagens antifascistas como,
por exemplo, os trabalhos do alemão John Revista S. Paulo
Heartfield. Enquanto que, do outro lado do
Reno, na França surgia a revista Regards em A Revista S. Paulo circulou apenas ao
1932, publicação de linha comunista, que longo do ano de 1936. Periódico mensal
tornou público fotografias de Robert Capa, foi lançado em 31 de dezembro de 1935
Gerda Taro e Henri Cartier-Bresson. São dois e publicou somente 10 números, sendo o
exemplos de revistas que impulsionaram o último referente aos meses de novembro
fotojornalismo moderno e, neste sentido, e dezembro de 1936. Revista de grande
anteciparam-se à revista Life e Vu e mesmo formato (45 cm por 33 cm) era impressa
à Paris Match (1949). no sistema de rotogravura.4 Este sistema
As revistas S. Paulo e Rotofoto circularam permitia uma excelente qualidade para as
em momentos de ascensão de governos que imagens fotográficas estampadas em suas
adotaram a política de massas nos dois países. páginas. Algumas imagens podiam ser
No Brasil, Getúlio Vargas assumiu o poder em inseridas em páginas que se desdobravam
1930 com um golpe de Estado, instituindo no sentido horizontal, tornando-as duplas
o Estado Novo em 1937. No México, Lázaro (45 x 66 cm.). Alguns números possuíam
Cárdenas chegou ao poder em 1934, com versões de pequenos trechos para o inglês.
o apoio do “Chefe Máximo”, Plutarco Elias Era vendida em banca e por assinatura, sua
Calles, título conferido ao ex-presidente pelo primeira tiragem atingiu a cifra de 40.000
controle que exercia tanto sobre o Partido exemplares, número grandioso para a época,
Nacional Revolucionário, como sobre a e o sucesso fez com que seus organizadores
estrutura burocrática do Estado mexicano e lançassem uma segunda tiragem.5
dos próprios presidentes que o sucederam.3 A direção da revista coube a Cassiano
Entretanto, Cárdenas em 1935 rompeu com Ricardo (1895-1974) e Menotti Del Picchia
Calles e a partir deste momento realizou um (1892-1988). A dupla participou da Semana
governo de reformas radicais que concluiu o de Arte Moderna e posteriormente fundou
projeto da Revolução Mexicana. os grupos Verde Amarelo e Anta, juntamente
Ambas as revistas apresentam-se como com Plínio Salgado e Raul Bopp. Intelectuais
plataformas privilegiadas para o estudo com importante atuação cultural e política
comparativo destes dois países e a cultura nas décadas de 1920 e 1930, participaram

3
Plutarco Elias Calles foi presidente mexicano entre 1924 e 1928, neste ano fora eleito Álvaro Obregón, mas durante as
comemorações de sua escolha foi assassinato por um militante católico radical. Com o vazio no poder, a Assembleia Nacional
escolhe Emilio Portes Gil, sucedido por Pascual Ortiz Rubio e Abelardo Rodrigues, entretanto, Calles permaneceu como o verdadeiro
chefe máximo do poder no México até a eleição de Lázaro Cárdenas em 1934.
4
Rotogravura é um processo de heliogravura que utiliza fôrma cilíndrica de cobre para impressão rotativa, ou seja, uma heliogravura
rotativa. Uma das primeiras publicações em rotogravura em São Paulo foi o Suplemento em Rotogravura distribuído pelo O Estado
de S. Paulo, que circulou entre 1930 e 1944, exemplo seguido pelo Diário de S. Paulo. Estes suplementos procuravam fazer frente
às revistas ilustradas da época como A Cigarra e Fon-Fon, embora se diferenciem pelo projeto gráfico.
5
As referências que utilizo neste artigo para discutir a revista S. Paulo são tributárias do artigo de Ricardo Mendes (1994) e Boris
Kossoy (2004).

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010 55


Carlos Alberto Sampaio Barbosa

Capa da revista S. Paulo, dez. 1935

da fundação e edição de outros jornais e Elfride Koesewitz, com quem teve três filhos.
revistas. As fotografias foram feitas por Com a deflagração da Primeira Grande
Benedito Junqueira Duarte (1910-1995) em Guerra, foi convocado para servir no Exército,
conjunto com o fotógrafo alemão radicado período em que sua esposa manteve em
no Brasil Theodor Preising. funcionamento o estabelecimento. Diante da
Cabe falar destes fotógrafos, mesmo que recessão econômica e crescente inflação que
brevemente. Theodor Preising6 nasceu em assolava a Alemanha do pós Primeira Guerra
Hildesheim, na Saxônia (Alemanha), em 3 Mundial, ele decidiu emigrar para a América
de janeiro de 1882. Sabemos pouco de seu do Sul. Viajou primeiro só, em 1923, e após
aprendizado fotográfico, apenas que iniciou uma breve passagem pelo Rio de Janeiro
o ofício fotografando turistas em cidades resolveu conhecer São Paulo, cidade que
balneárias como Baden-Baden e, para além de lhe pareceu promissora. Entre 1923 e 1924
suas atividades como retratista, interessava- preparou a viagem de sua esposa e filhos,
se pelo registro da natureza. Fundou seu ateliê enquanto dedicava-se ao ofício fotográfico.
em Berlim em data possivelmente anterior a Por volta de 1926 ou 1927, Elizabeth Slavick,
1914 e em seguida casou-se com Elizabeth sua antiga laboratorista de Berlim, decide

6
Estes dados foram retirados de Boris Kossoy, que condensou informações de entrevista concedida a ele por Sibile Preising, filha
do fotógrafo.

56 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010


A Fotografia nas Revistas Culturais Latino-Americanas: as experiências das revistas...

emigrar para o Brasil e torna-se a principal de Andrade estava à frente do Departamento


auxiliar no trabalho de Preising no Brasil. de Cultura, e também esteve ligado ao
Toda a família era participativa na montagem Foto Cine Clube Bandeirante. Em paralelo
e acabamento dos álbuns de vistas que as suas atividades como fotógrafo, realizou
produzia. Benedito Junqueira Duarte, em documentários cinematográficos de temas
seu depoimento ao Museu da Imagem e do médicos além de crítica de cinema.
Som, refere-se a Preising como um fotógrafo É difícil a caracterização da revista S. Paulo,
extremamente técnico e muito influenciado pois não existem informações suficientes
pelos modernistas. Teria sido o responsável para afirmarmos que era um órgão de
pela introdução e difusão da câmara Leica propaganda política do governo Armando
e do formato 35 mm na cidade (KOSSOY, Salles Oliveira. Entretanto Cassiano Ricardo
2004, 404). havia sido auxiliar de gabinete e depois
Benedito Junqueira Duarte (1910-1995) secretário do governador e contribuiu
nasceu em França no interior de São Paulo para a organização da propaganda oficial
em 1910, e era irmão de Paulo Duarte, com a criação do Serviço de Publicidade e
importante intelectual com participação Informação. Mas os exemplares da revista não
ativa na vida política e cultural brasileira do trazem nenhuma informação da participação
século XX. Com onze anos foi para Paris direta da máquina estatal, embora a temática
morar com seus tios, onde aprendeu o seja a modernização do Estado e nos quais
oficio de fotógrafo no estúdio montado na textos do governador apareçam publicados.
residência deste. Após trabalhar em estúdios Provavelmente serviria como um instrumento
parisienses, retornou para o Brasil em 1929 e de propaganda para sua candidatura à
rapidamente se inseriu no mundo cultural da presidência da república planejada para o
cidade. Trabalhou no jornal Diário Nacional e ano seguinte.
também foi contratado pela Prefeitura para Contava com um projeto gráfico
ser responsável pela Seção de Iconografia da ousado, em que era privilegiada a imagem
Divisão de Documentação Social e Estatísticas e especialmente a fotografia. Algumas
Municipais do Departamento Municipal características do projeto gráfico da revista
de Cultura. Era encarregado do registro era a subordinação do texto à imagem; a
fotográfico das atividades desenvolvidas dissolução dos artigos dentro das imagens
pelo Departamento de Cultura e da própria (imagens vazadas); o uso de grades flexíveis
prefeitura (KOSSOY, 2004, 435). (vinhetas, contornos); a diagramação em
Foi o responsável pela localização, páginas duplas e triplas com dobras e página
organização, conservação, preservação cartaz; a manipulação do texto como objeto
e identificação de fotografias de Aurélio visual (letras cursivas e tradicionais, textos
Becherini, produzidas entre 1870 e 1930, vazados, textos em negativo e positivo); e a
material que se encontrava esquecido nos fotomontagem (MENDES, 1994).
porões da prefeitura. Para este trabalho, A fotomontagem ocupou um papel
contou com a ajuda do historiador Nuto importante dentro deste projeto gráfico.
Sant’Anna. Trabalhou no Departamento até Recurso já conhecido de editores, fotógrafos
1951 e aposentou-se da Prefeitura em 1965. e público em geral, desde o final do século
BJ Duarte, como também era conhecido, XIX e início do XX, em especial a partir dos
trabalhou nos mesmos anos em que Mário anos 1910. Lembremos que o fotógrafo

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010 57


Carlos Alberto Sampaio Barbosa

Valério Vieira já havia utilizado esta técnica imagens de chaminés e fábricas. As fotografias
em sua famosa fotografia Os Trinta Valérios estampadas, que remetem à ferrovia e ao
(1900). Também podíamos encontrá-las em porto, estão ligadas ao transporte, e por que
reportagens esportivas e revistas ilustradas. não à velocidade, tema caro aos movimentos
Jorge de Lima utilizava-se desta técnica de vanguardas, mas também ao comércio e
desde final dos anos 1930 e a prática ficou circulação de mercadorias e, portanto, ao
materializada na publicação do livro A pintura progresso econômico.
em pânico de 1943. Em termos verbais, algumas dessas
O projeto gráfico se aproxima de outras recorrências são reforçadas como a inserção
experiências visuais da época, em especial das expressões: “edifícios modernos”, “maior
do cinema. Uma citação clara de afinidades centro industrial da América Latina”, uma
no tratamento da imagem visual da cidade das poucas cidades com mais de um milhão
é o filme São Paulo, a sinfonia da metrópole de habitantes e a cidade que constrói “três
(1929) de Adalberto Kemeny e Rodolfo Rex casas por hora”. Tal síntese foi aglutinada no
Lustig. Benedito Bastos Barreto, Belmonte Manifesto Bandeirante, publicado na revista.
(1896-1947) afirma a respeito da revista S. Entretanto, enquanto a imagem da indústria
Paulo, comparando-a com outras experiências é exaltada, não há fotografias da produção, e
da época que “Faltava-nos a revista-cinema mesmo as imagens coletivas de trabalhadores
[...] Nós queríamos ‘ver para crer’, isto é ou da população, em geral, aparecem apenas
queríamos ser homens do nosso século, em manifestações políticas, desfiles, eventos
folheando uma revista como se estivéssemos públicos e carnavais. As imagens recorrentes
assistindo a um filme cinematográfico” são das obras, de construção, da engenharia
(MENDES, 1994, 92). civil, da verticalidade que a cidade ganha e
A autoria do projeto gráfico é uma que denotam o caráter empreendedor do
incógnita. No Expediente da revista não se paulista (MENDES, 1994).
indica um responsável. Em memórias e outras A revista estava inserida na proposta
publicações de Cassiano Ricardo e Menotti de propaganda da ideia do moderno
del Picchia, mencionam a participação de de viés nacionalista, materializados no
Lívio Abramo (1903-1992) como ilustrador manifesto Bandeira e no livro Marcha para
e participante das fotomontagens, embora o Oeste de Cassiano Ricardo. Vai destacar
não o citem como responsável pelo projeto a valorização de São Paulo e seus políticos e
como um todo. Supõe-se provavelmente que pujança econômica com termos como “Raça
seja um projeto coletivo com influências das Paulista” e apoio à administração estadual,
fotomontagens dadaístas da época. o desenvolvimento da indústria, comércio e
Um dos temas mais relevantes na revista, agricultura, como demonstram a afirmação
como indica Ricardo Mendes, é a própria de que a revista era “Órgão documental das
cidade de São Paulo, principalmente nas realizações paulistas”. O projeto editorial e
imagens de edifícios em obras, de cenas de os recursos visuais buscam reforçar o apelo
multidões e as ações do Estado. Mesclam-se político-ideológico em torno da figura do
também imagens do bandeirante, e seu valor governador Armando de Salles Oliveira com
de liderança que denota o papel do Estado forte tom épico. Foi um instrumento de
no desenvolvimento nacional. Marcantes propaganda política, baseado na construção
também são as indústrias representadas pelas gráfica do moderno em torno dos recursos

58 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010


A Fotografia nas Revistas Culturais Latino-Americanas: as experiências das revistas...

visuais vanguardistas, mas não encobre seu peculiares para a época em termos de
tom ambíguo e mesmo conservador. formato e conteúdo. Privilegiou a imagem
e a fotografia em seu discurso gráfico. A
Revista Rotofoto fotografia era um elemento central além de
possuir um forte tom irônico e do humor
Foi publicada entre maio e junho de 1938, como crítica política e cultural. Sua proposta
e saíram à luz apenas 11 números. Possuía editorial privilegiava o discurso visual como
uma periodicidade semanal e sua dimensão fator central de comunicação jornalístico.
era de 19,5 x 27,5 cm. Portanto, era um Os fotojornalistas adquiriam papel central
pouco menor que a Revista S. Paulo. A capa nesse discurso, com destaque para Enrique
era em papel rústico e saia com 32 páginas. Diaz, Antonio Carrillo Jr., Enrique Delgado,
Seu fundador foi José Pagés Llergo, que Luis Farías, Luis Olivares, Luis Zendejas,
em conjunto com seu irmão Regino foram Ismael e Gustavo Casasola. Este último foi
responsáveis por vários projetos editorias do responsável por uma inovação no discurso
México dos 1930, tais como as revistas Hoy, com a “entrevista fotográfica”, consistindo
Mañana e Sempre!. Possuía características em documentar visualmente quadro a

Capa do primeiro número da revista Rotofoto, maio/junho de 1938

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010 59


Carlos Alberto Sampaio Barbosa

quadro as atitudes e gestos dos entrevistados, privada de importantes personagens da vida


quando estes respondiam as perguntas política e cultural mexicana. Inaugurou um
do entrevistador. Enrique Diaz foi outro caminho novo no fotojornalismo mexicano,
fotógrafo fundamental no projeto da revista na medida em que procura incorporar uma
Rotofoto. Iniciou seu trabalho fotográfico nos fotografia com característica da caricatura
periódicos El País, El Heraldo e El Democrata, política e do humorismo político. Algo
e esteve presente nas principais publicações inusual para a fotografia da época. Buscou
ilustradas mexicanas, algumas junto com os surpreender os personagens públicos
irmãos Pagés Llergo como a Hoy e Siempre!. (políticos ou culturais) em atitudes incomuns,
Fundou uma agência de imagens ainda nos fazendo uma crítica relacionada ao contexto
anos 1920, a Fotografías de Actualidades. político, social e intelectual do momento.
Retomando a discussão do projeto gráfico Com a utilização de aspectos jocosos, buscou
da revista, a fotografia era o eixo central da desmistificar e desconstruir o jornalismo da
estratégia de comunicação e subordinava o grande imprensa que não ousava criticar
texto aos ditames da imagem. Entretanto, os esses mesmos personagens. Assumiu então
textos possuíam uma importância dentro da uma atitude anticonvencional, antissolene
estratégia narrativa da publicação, pois davam e irreverente. Tal atitude leva a considerar
um complemento à informação visual. Os a revista como de oposição ao governo, o
textos eram escritos pelo próprio José Pagés que se soma à posição de centro direita dos
Llergo, Salvador Novo e René Capistrán Gaza. irmãos Pagés Llergo.
Salvador Novo foi um personagem destacado Tal atitude já está explícita em seu primeiro
da vida intelectual mexicana de então. Poeta, número, quando coloca o presidente Lázaro
ensaísta, dramaturgo e historiador, participou Cárdenas comendo com a mão, sentado em
da fundação da revista Contemporáneos um petate8 com camponeses. Outro exemplo
em 1928,7 e se contrapunha ao grupo dos desta abordagem foi quando realizaram uma
Estridentistas liderados por Manuel Maples reportagem do gabinete presidencial, e do
Arce, Leopoldo Méendez, Germán List próprio presidente Cárdenas, na praia de
Arzubide, entre outros. Ambos os grupos Acapulco deitados na areia com roupas de
foram responsáveis pela renovação da banho, como se fossem cidadãos comuns
cultura e das artes mexicanas nas décadas em um momento de descanso em suas
de 1920 e 1930, período conhecido como férias no litoral. Em outra fotorreportagem
de institucionalização da Revolução e de que se tornou famosa, flagram o presidente
embates em torno do que seria a “cultura e seu gabinete banhando-se em um rio
revolucionária”. com trajes sumários. As legendas em tom
A fotografia na revista Rotofoto assumiu irônico, como era o costume da publicação,
uma atitude de crítica cultural, ao abordar fazem comparações dos membros do
a imagem com humor e ironia. As imagens gabinete e do presidente com Fadas e Ninfas;
estampadas nas páginas da publicação vão faziam relações entre os aspectos físicos dos
destacar a relação entre vida pública e vida personagens e ao trabalho político destes

7
Participou em conjunto com outros intelectuais como Xavier Villaurrutia, Jaime Torres Bodet, José Gorostiza, Carlos Pellicer, Jorge
Cuesta e Bernardo Ortiz Montellano.
8
Esteira feita de palha muito usada no México como uma espécie de colchão ou para sentar.

60 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010


A Fotografia nas Revistas Culturais Latino-Americanas: as experiências das revistas...

(MONROY NARS, 2003, p.217). As imagens extinto depois de uma reportagem sobre o
apresentam uma intimidade pouco usual para caudilho Saturnino Cedillo que rompeu com
época, e seu impacto visual era carregado de Cárdenas e pegou em armas.10 O importante
uma significação simbólica e política. é que a revista foi fechada devido à censura
Outras reportagens que obtiveram grande política, depois de reportagens críticas que
repercussão foi o registro de deputados atingiram políticos e sindicalistas e em função
dormindo durante sessões da câmara, e do posicionamento político dos irmãos Pagés
quando surpreende o chefe de polícia Federico Llergo, mais à direita no espectro político
Montes Alanís em um cochilo. A metáfora da mexicano da época.
reportagem levava imediatamente a uma
pergunta: Como o principal responsável Conclusão
pela segurança da capital dormia em suas
funções? As reportagens e, principalmente, as Ambas as revistas circularam em uma
fotografias revelam as debilidades humanas época marcada pelo auge das revistas
dos respectivos protagonistas, deputados ilustradas e da ascensão da indústria cultural
e chefe de segurança, que deveriam estar de massas, assim como estavam inseridas em
atentos às atividades legislativas ou à momentos políticos marcantes na história
segurança da Cidade do México, acarretando dos dois países. No caso brasileiro, durante o
um descrédito dos funcionários e órgãos período varguista, a revista S. Paulo era porta
públicos. voz do governador Armando Salles Oliveira
Outra reportagem de capa, que utiliza- e servia como veículo de propaganda para
se de uma imagem da cotidianidade, mas uma possível candidatura presidencial que,
que carrega um forte conteúdo crítico, ao final, não aconteceu devido ao golpe e
é a foto do Senador Padilla mordendo instauração do Estado Novo e à suspensão
um típico taco e com o uso das legendas das eleições. No caso mexicano, o ano
estabelece uma ironia com o posto político de 1938 representou o auge da política
e a corrupção. A legenda diz “O Senador reformista de Cárdenas com a nacionalização
Padilha resolve aferrar-se ao osso”. Devido à das ferrovias e da indústria petrolífera, a
contundência de suas reportagens, sofreram reforma agrária, com a implantação em larga
um ataque dos militantes da Confederación escala dos ejidos coletivos, e a aproximação
de Trabajadores de México9 que queimaram dos sindicatos trabalhistas.
suas instalações. Ambas as revistas utilizaram a fotografia
A revista teve uma vida curta, e existem e as imagens como elemento central de
duas versões acerca dos motivos de sua seu projeto gráfico. As publicações se
extinção: a primeira argumenta que foi devido aproximavam por caminhos distintos de
à fotorreportagem em que flagra Cárdenas uma proposta inovadora de uso dos recursos
e seu gabinete banhando-se no rio; uma iconográficos. A publicação brasileira mais
segunda versão dá conta que o periódico foi por um viés modernista, e por que não dizer,

9
Comandada por Vicente Lombardo Toledano, importante líder sindical e político mexicano entre os anos 1930 e 1950.
10
Saturnino Cedillo foi um importante caudilho do estado de San Luis Potosi. Apareceu no cenário nacional a partir da Revolução
Mexicana, de posturas ambíguas e contraditórias lutou contra Porfírio Diaz, aproximou-se do Zapatismo e do Villismo e depois
dos presidentes da chamada “dinastia sonorense” (Álvaro Obregón e Plutarco Elias Calles). Chegou a ser Ministro da Agricultura
no governo Cárdenas, mas rompeu com este e se rebelou. As tropas federais debelaram o conflito e num enfretamento com as
forças oficiais foi morto em janeiro de 1939.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010 61


Carlos Alberto Sampaio Barbosa

vanguardista. Utilizou ferramentas como BARBOSA SÁNCHEZ, Alma, “Rotofoto, humor e


as fotomontagens e recursos visuais para ironia periodística”. In: ELIZALDE, Lydia (coord.).
Revista culturales latinoamericanas 1920-1960.
enaltecer o desenvolvimento do estado México: Conacultua, 2008, p.177-198.
de São Paulo e de seus políticos numa
COSTA, Helouise. Um olho que pensa: estética
possível disputa com Getúlio Vargas. A moderna e fotojornalismo. 1998. Tese de
revista mexicana inovou principalmente na Doutorado. São Paulo: Faculdade de Arquitetura
abordagem das fotografias de características e Urbanismo da USP, São Paulo, 1998.
mais testemunhal e realista, mas numa F E R N A N D E S J R , R u b e n s, “ Fo t o g ra f i a e
aproximação de uma estética da caricatura Modernidade: referências e experiências isoladas”.
In:FACOM Revista da Faculdade de Comunicação
e de uma crítica política ao governo Lázaro da FAAP, n. 10, 2º. Semestre de 2002. Disponível
Cárdenas. Seus editores de tendências de em: <http://www.faap.br/revista_faap/revista_
centro-direita colocavam-se em oposição ao facom/ facom_10/fotografia_01.htm.>. Acesso
em 15 de dezembro de 2010.
presidente mexicano.
As duas experiências estavam inseridas KOSSOY, Boris, “Luzes e sombras da metrópole:
um século de fotografias em São Paulo (1850-
numa cultura visual moderna que se pautava
1950)”. In: PORTA, Paulo (org.) História da cidade
pela utilização das imagens como expressão de São Paulo: a cidade no império 1823-1889. v. 2.
de projetos políticos e culturais. As duas se Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, p.387-456.
dispunham nos polos oposicionistas de seus MENDES, Ricardo, “A revista S. Paulo – a cidade
respectivos governos, mesmo que de forma nas bancas”. In: Revista Imagens, n.3, dez, 1994,
p.91-97.
ambígua. Experiências efêmeras, foram
expoentes de divulgação de uma proposta de MONROY NASR, Rebeca. Historias para ver:
Enrique Díaz, fotorreportero. México: UNAM/
informação cultural e visual representativas
Instituto de Investigaciones Estéticas/INAH,
de grupos políticos oposicionistas e foram 2003.
projetos caudatários de experiências visuais
______. “Del olor a pólvora a la luz del rascacielos:
modernas e vanguardistas. tres décadas de fotoperiodismo mexicano”. In:
ACEVEDO, Esther. Hacia otra historia del arte en
Referências México. México: Consejo Nacional para la Cultura
y las Artes, 2004, p.170-189.

BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A fotografia a SCHWARTZ, Jorge. Vanguardas latino-americanas.


serviço de Clio: uma interpretação da história visual Polêmicas, manifestos e textos críticos. São Paulo:
da Revolução Mexicana (1900-1940). São Paulo: Iluminuras/Edusp, 1995.
Editora da UNESP, 2006. SOUGEZ, Marie-Loup. (coord). Historia general de
______. “Imagens em Diálogo: Cultura Visual la fotografia. Madrid: Cátedra, 2007.
no Brasil e México em Perspectiva Comparada”.
In: revista Patrimônio e Memória, Assis, CEDAP/
UNESP, v. 6, n. 1, jun. 2010, p.105-120.

62 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 53-62, novembro 2010


Fotografia:
Arte ou Ciência?

Fabiane Muzardo
Possui graduação em História pela Universidade Estadual de São Paulo – Unesp – e mestrado em História
pela Universidade de Londrina – UEL. Atualmente é professora de História Moderna na Universidade Norte
do Paraná – Unopar.

Resumo
O presente artigo aborda as discussões sobre a fotografia, desde seu surgimento, no século XIX,
quando era vista ora como arte, ora como ciência; e seu uso no discurso historiográfico. Aborda,
também, possíveis metodologias de análise, tendo como base a criada por Boris Kossoy.
Palavras-chave: Fotografia; representação; história cultural.

Abstract
This article deals the discussions about photography, since its emergence in the nineteenth century,
when it was sometimes as art, sometimes as a science, and its use in the historiographic discourse.
Also addresses possible methods of analysis, based on the created by Boris Kossoy.
Keywords: Photography; representation; cultural history.

Recebido em: 10/07/2010 Aprovado em: 15/08/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 63-76, novembro 2010 63


Fabiane Muzardo

Fotografia: Arte ou Ciência?

Introdução a ser anunciado, o qual estaria relacionado,


como afirma Francesca Alinovi,
A proposta central do presente artigo é a
[...] com a dupla natureza de arte mecânica: a
discussão sobre a possibilidade da fotografia
de ser um instrumento preciso e infalível como
alinhavar um debate entre os historiadores da uma ciência e ao mesmo tempo, inexata e falsa
arte e os historiadores da cultura. É necessário como a arte (apud FABRIS, 1998, p. 173).
salientar que o referido artigo situa-se no
âmbito da história cultural e, portanto, traz Segundo Annateresa Fabris, a fotografia
para si suas metodologias e conceitos. representava, paralelamente, uma cópia
O caminho escolhido para fornecer da realidade, fato que é posto em dúvida
escopo para tal debate foi o de analisar o atualmente; e uma criação artística: a razão
surgimento da fotografia já em um espaço e a emoção. Encarnaria, portanto, “a forma
dicotômico, ou seja, em uma linha tênue híbrida de uma ‘arte exata’ e, ao mesmo
entre ciência e arte. Posteriormente, traçar tempo, de uma ‘ciência artística’” (FABRIS,
uma espécie de percurso histórico, trazendo 1998, p. 173).
para a discussão a postura de diversos O discurso defendido era que uma
pesquisadores a respeito da fotografia. máquina não possibilitava interferência
A análise, então, tem como foco principal intelectual sobre sua representação, não
a descoberta da medida na qual a fotografia devido, necessariamente, ao fato de não
pode ser parte da construção do discurso haver interferência manual do operador, do
histórico. fotógrafo, mas por estar muito mais voltada
para o mecânico do que para o intelecto.
Fotografia, a “Arte Mecânica” ou “Ciência A discussão quanto a ser uma arte
Artística” ou uma ciência exata nos leva a várias
possibilidades. Primeiramente, não se pode
Na metade do século XIX, quando a abolir o caráter artístico da fotografia, visto
fotografia surgiu, a ciência e a arte traçavam que ela envolve construção, fantasia, desejos,
percursos distintos. Enquanto aquela enaltecia maneiras de manipular e registrar a realidade,
o rigor metodológico e técnico, esta se abria elementos como cores, luz, sombra, planos
para a subjetividade e livre criação, uma vez e calor, portanto, não lhe faltam o “sopro
que havia sido liberada do trabalho de imitar da inspiração” e o “fogo do pensamento”
a natureza e as demais coisas existentes. – expressão utilizada por Francis Wey para
Nesse meio, surgia a fotografia, que ora se caracterizar sua percepção sobre a exatidão
assemelhava com a ciência, ora com a arte. e falta de emoção do ato fotográfico. Para
Um problema, portanto, estava prestes ele, a fotografia é “uma fiel representação

64 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 63-76, novembro 2010


Fotografia: Arte ou Ciência?

dos objetos exteriores”, longe da verdadeira percepção segue sempre a ideia que ela nos
natureza da arte (apud FABRIS, 1998, trouxe, dito em outras palavras, passamos
p.179). a analisar todas as imagens, alegóricas
Seu caráter científico, contudo, também e analógicas, seguindo os ditames desta
não pode ser descartado, pois a evolução última.
tecnológica influencia a maneira de se Pode-se dizer que a própria história da
realizarem as fotografias, sua construção e fotografia confunde-se com as diferentes
disseminação, entretanto, mesmo as ciências abordagens aplicadas em sua análise, ora
mais exatas, como a matemática, possuem encarando-a como uma transformação do real
uma dimensão social, a qual é cada vez mais – o discurso do código e da desconstrução –,
analisada por sociólogos, que verificam os ora como um vestígio do real, uma referência,
“processos implicados na construção social ou seja, algo que não é uma cópia perfeita
do conhecimento científico” (CHALMERS, do concreto, do real, visto que o modifica
1994, p. 13). e possui características distintas, como a
Ainda no século XIX, a difusão da fotografia bidimensionalidade e o fato de selecionar
provocou um forte abalo no meio artístico. pontos no espaço e no tempo; além de ser
Primeiramente achava-se que a fotografia e um resíduo da realidade impresso em uma
sua capacidade de reproduzir o real tinham imagem, e, portanto, uma transformação da
relegado a um segundo plano qualquer tipo realidade, uma interpretação desta (MAUAD,
de pintura. Mais tarde, acreditava-se que o 1996).
mesmo fato tinha liberado a “verdadeira arte” Como afirma William Meirelles, em
da necessidade de ser uma cópia do real, História das Imagens: uma abordagem,
dando-lhe espaço para a criatividade, ideia múltiplas facetas,
que foi defendida por artistas e intelectuais da
época, como o poeta Baudelaire, o qual [...] uma imagem não é apenas um conjunto
composto por linhas, cores, luz ou sombra;
uma imagem não é apenas uma questão de
[...] enfatiza a separação arte/fotografia,
forma. Assim como as formas moldam, elas
concedendo a primeira um lugar na imaginação
são moldadas pelas configurações históricas
criativa e na sensibilidade humana, própria à
da cultura, através de uma complexa rede de
essência da alma, enquanto à segunda é
relações (MEIRELLES, 1995 p. 101).
reservado o papel de instrumento de uma
memória documental da realidade, concebida
em toda a sua amplitude (MAUAD, 1996 Ou seja, assim como os textos escritos são
p. 2). constituídos por jogos de palavras, as imagens
são formadas a partir de jogos de elementos
Analisada dessa maneira, a fotografia que influenciam sua leitura, direcionam o
incumbia-se do real e do racional, e as demais pensamento, sem, contudo, determinar a
artes encarregavam-se do emocional e do maneira como ela será interpretada.
criativo, ou seja, não necessariamente ligados Segundo Roland Barthes (1984), um
ao mundo real. Note-se, nesse momento, a texto escrito não é somente o que se tem em
crença na ligação entre fotografia e realidade, mãos, algo físico, uma simples montagem de
a imagem produzida pela câmera como palavras, e sim uma construção que depende
sendo um espelho do que de fato aconteceu. do autor, do leitor e do meio, formando
Interessante ressaltar, quanto a isso, que uma espécie de tripé. Teoria essa também
quando a imagem analógica é criada, nossa defendida por Mauad, a qual ressalta a

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 63-76, novembro 2010 65


Fabiane Muzardo

integração desses três elementos no resultado leitura variam também de acordo com cada
final: o locus de produção e um produtor, um indivíduo.
leitor ou destinatário, e por fim um significado Discorrendo sobre o papel do leitor da
aceito socialmente como válido. imagem, Mauad afirma que:
Quanto à imagem, pode-se, portanto,
dizer algo semelhante, afinal ela depende da [...] a compreensão da imagem fotográfica
pelo leitor/destinatário dá-se em dois níveis,
visão do autor que vai produzi-la; do leitor a saber:
que vai olhá-la e interpretá-la a sua maneira; - nível interno à superfície do texto visual,
e do meio, visto que este influencia tanto originado a partir das estruturas espaciais que
constituem tal texto, de caráter não-verbal; e
no momento de sua constituição quanto - nível externo à superfície do texto visual,
nas futuras análises que serão feitas sobre originado a partir de aproximações e inferências
ela. Com isso, é correto afirmar que tanto a com outros textos da mesma época, inclusive
de natureza verbal. Neste nível, podem-
construção da imagem quanto sua análise se descobrir temas conhecidos e inferir
são interpretações do real, maneiras de se informações implícitas (MAUAD, 1996 p. 9).
registrar e de enxergar um momento vivido.
Outra observação pode ser feita quanto Kossoy também aborda a questão da
a isso. Como afirma Peter Burke, pode-se recepção das imagens por outras gerações,
dizer que: dizendo que elas seguem sendo interpretadas
muito depois de realizadas, sendo que seus
[...] leitores de imagens que vivem numa significados oscilam de acordo com
cultura ou num período diferente daqueles
no qual as imagens foram produzidas se
[...] a ideologia de cada momento e a
deparam com problemas mais sérios do que
mentalidade de seus usuários. Muitas vezes
leitores contemporâneos à época da produção.
– as imagens – são ocultadas ou omitidas
Entre os problemas está o da identificação das
por longos períodos. Desaparecem dos
convenções narrativas ou ‘discurso’ (BURKE, diálogos, permanecem no silêncio; ou então
2004, p. 180). são adoradas nas sombras, nos submundos,
crescem de importância com as mudanças
Assim, as relações sociais, o pensamento e políticas, saem às ruas com os fanatismos, são
louvadas pelas massas, outra vez (KOSSOY,
a conduta de cada momento, dentre outros, 2005 p. 39).
estão inseridos em suas imagens, e são mais
perceptíveis para seus coetâneos do que para Assim como pode ser vista como uma
pessoas de fora desse meio, os quais possuem representação do real, a fotografia pode
outras linguagens, outras maneiras de ver o simbolizar a necessidade de prolongar uma
mundo e de representá-lo. existência, prolongando o contato com algo
Como ressalta Schaeffer, temos de ter em que deixará de existir em instantes. Pode-se
conta que dizer, portanto, que o ato fotográfico, ao
mesmo tempo em que representa o real,
[...] a recepção das imagens depende
seleciona o que será recordado, ou, até
essencialmente de nosso conhecimento do
mundo, sempre individual, diferente de uma mesmo, influencia os acontecimentos que
pessoa para outra, e não possuindo traços de se tornarão significativos posteriormente.
codificação (apud GONÇALVES, 2001 p. 1). Todavia, como afirmar que o objeto
registrado possuía realmente significância?
Dito em outras palavras, além de variar Ou que, pelo contrário, seu registro produziu
de acordo com a época, as maneiras de tal significado?

66 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 63-76, novembro 2010


Fotografia: Arte ou Ciência?

Segundo Kossoy e Chartier – buscando enquadramento, e sim um esconderijo; o


a origem filológica do termo – vê a personagem que sai dela continua a viver,
representação como algo que substitui um campo cego duplica incessantemente a
aquilo que se encontra ausente. Para Kossoy, visão parcial. Na fotografia, enquanto isso,
contudo, a fotografia não é mera substituição uma vez ultrapassado o enquadramento por
do objeto ou do ser ausente: ela imposto, tudo nela representado morre
de maneira absoluta:
É necessário compreender que a representação
fotográfica pressupõe uma elaboração na qual Quando se define a foto como uma imagem
uma nova realidade é criada em substituição imóvel, isso não quer dizer apenas que os
‘daquilo que se encontra ausente’; tal se dá ao personagens que ela representa não se mexem;
longo de um complexo processo de criação do isso quer dizer que eles não saem, estão
fotógrafo (KOSSOY, 2005 p. 41). anestesiados e fincados, como borboletas
(BARTHES, 1984, p. 86).
Como afirma Ana Maria Mauad, deve-se
compreender a fotografia como uma escolha Para ele, a fotografia comprova a existência
efetuada em um conjunto de escolhas então dos acontecimentos registrados, algo que só
possíveis, o que também é defendido por não acontece no caso de fotomontagens, as
Susan Sontag, que vê a maneira como, quais chama de trapaceiras. Ou seja, o objeto,
na câmara, a realidade é apenas uma das no caso a fotografia, pode influenciar com
possibilidades dentre tantas outras (apud sua representação, contudo, ela comprova
BORGES, 2003 p. 85). que os fatos registrados aconteceram não
Michel de Certeau ressalta a importância necessariamente da maneira como foram
de se trabalhar com o não dito, com o silêncio retratados; assim como as pessoas, que de
das obras (1982), algo que é de possível fato viveram em algum momento.
percepção nas imagens fotográficas, já estas
podem ser emolduradas de acordo com a A fotografia é indiferente a qualquer
revezamento: ela não inventa, é a própria
vontade existente, ignorando certos aspectos autenticação, os raros artifícios por ela
e ressaltando outros. Nas obras analisadas permitidos não são probatórios; são, ao
isto é mais visível nas fotos de manifestações, contrário, trucagens: a fotografia só é laboriosa
quando trapaceia. Trata-se de uma profecia ao
nas quais os participantes não carregam
contrário: como Cassandra, mas com os olhos
nenhum tipo de objeto de ataque, como fixos no passado, ela jamais mente: ou antes,
armas e objetos cortantes, por exemplo, o que pode mentir quanto ao sentido da coisa, na
não significa a inexistência destes, podendo medida em que por natureza é tendenciosa,
jamais quanto a sua existência. Impotente
simplesmente ter sido ignorados, retirados do para as idéias gerais (para a ficção), sua força.
enquadramento da fotografia. Todavia, é superior a tudo o que o espírito
Podemos levantar hipóteses para tentar humano pode e pôde conceber para nos dar
garantia da realidade – mas também essa
explicar o motivo que leva um fotógrafo
realidade é sempre apenas uma contingência
a escolher determinado objeto e não (BARTHES, 1984 p. 129).
outro qualquer, a ressaltar determinadas
características e a ignorar outras. Dito em outras palavras, citando Lewis
Segundo Barthes (1984), pode-se dizer Hine, pode-se ressaltar que as fotografias não
que, à primeira vista, o cinema tem um poder mentem, mas mentirosos podem fotografar
que a fotografia não tem: a tela não é um (apud BURKE, 2004 p. 25), ou seja, a

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 63-76, novembro 2010 67


Fabiane Muzardo

fotografia jamais mente no que diz respeito as produziu e consumiu. Um dia já foram
à existência do objeto capturado, de fato ele memória presente, próxima àqueles que as
possuíam, as guardavam e colecionavam
esteve lá, mas pode mentir quanto ao que como relíquias, lembranças ou testemunhos.
nos é dito sobre o que representa. No processo de constante vir a ser recuperam
Como afirma Mauad, a facilidade de o seu caráter de presença, num novo lugar,
num outro contexto e com uma função
mentir da imagem fotográfica é algo que
diferente. Da mesma forma que seus antigos
aumenta a cada dia, visto que donos, o historiador entra em contato com
este presente/passado e o investe de sentido,
[...] a revolução digital, provocada pelos um sentido diverso daquele dado pelos
avanços da informática, torna cada vez maior contemporâneos da imagem, mas próprio à
esta possibilidade, permitindo até que os problemática a ser estudada (MAUAD, 1996,
mortos ressurjam para tomar mais um chope, p.10)
tal como a publicidade já mostrou (MAUAD,
1996 p. 15).
Para Kossoy, a fotografia é sempre
ambígua, independentemente de ser digital
Contudo,
ou analógica, visto que ao mesmo tempo
em que pode servir como uma evidência, ou
[...] não importa se a imagem mente; o
importante é saber por que mentiu e como como denunciadora de algo, pode ser uma
mentiu. O desenvolvimento dos recursos ferramenta de propaganda.
tecnológicos demandará do historiador uma
nova crítica, que envolva o conhecimento O documento fotográfico se presta à denúncia
das tecnologias feitas para mentir (MAUAD, social como também à publicidade; foi
1996 p. 15). usado pela antropologia física do século XIX
(no contexto dos preceitos positivistas, do
O congelamento de objetos por meio darwinismo social e do colonialismo), para
documentar os seres primitivos das terras
da fotografia faz com que objetos, mesmo
“exóticas”, como também no ateliê dos
ausentes, sejam (re)apresentados eternamente, artistas-fotógrafos, para o registro desses
por meio da reconstituição de histórias mesmos seres posando enquanto modelos
contadas a partir de imagens fragmentadas. diante de cenários europeus para coleções
iconográficas. Uma imagem-‘testemunho’
Segundo Kossoy, pela fotografia, podemos que, dependendo das palavras que a rodeiam,
dialogar com o passado: aprender, recordar transforma-se em imagem ‘comprobatória’ de
e criar novas realidades, tornando-nos pseudo-inferioridades raciais, sociais, religiosas.
Temos visto ao logo da história como se
verdadeiros “interlocutores das memórias
constroem esses estigmas. Assim construímos
silenciosas que ela mantém em suspensão” realidades — e, portanto, ficções documentais
(KOSSOY, 2005, p. 49.). Suspensão esta que, (KOSSOY, 2005 p. 39-40).
às vezes, deixa essas imagens esquecidas por
algum tempo, para, num segundo momento, Apesar das ambiguidades, reconstituir é
retornarem com o mesmo significado ou preciso, daí a necessidade de metodologias
com modificações, “num fascinante processo para podermos nos comunicar com a
de criação/construção de realidades – e de imagem, decifrar seus códigos e analisar seus
ficções” (KOSSOY, 2005 p. 36). silêncios.
Segundo Mauad, Em meio a tantas construções
e representações, como sustentar que
[...] as fotografias guardam, na sua superfície uma fotografia possa ser um objeto de
sensível, a marca indefectível do passado que
análise notório e digno de confiança? Ou,

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Fotografia: Arte ou Ciência?

como indaga Ulpiano Bezerra de Meneses, Diz-se agora que um homem avisado
qual a natureza do objeto material como possui visão, numa explícita valorização de
documento, em que reside sua capacidade um dos sentidos. Contudo, numa sociedade
documental, como pode ele ser suporte de consumidora de imagens como a nossa, o
informação? (MENESES, 2003). Parte daí próprio conceito de imagem, por ser tão
os questionamentos quanto à possibilidade abrangente, acaba sendo vago em inúmeras
de se trabalhar tal objeto e até sobre que situações. Tudo é imagem, uma propaganda é
ponto ele é realidade ou ficção, dentre outras imagem, assim como um filme, um desenho;
indagações. de acordo com a tradição cristã o próprio
É fato que a linguagem visual tem uma Deus nos criou a sua imagem e semelhança.
grande importância para a análise histórica, Em meio a um horizonte tão vasto, percebe-
afinal a linguagem é a base do discurso se um sentimento de vazio.
histórico, e esta compreende a escrita, a fala Desde cedo convivemos com imagens
e a visão. Aristóteles trabalhou com a ideia de e por isso acreditamos ter um tipo de
que o conceito é a própria existência, isto é, o conhecimento natural sobre elas, a capacidade
ato de se conceituar torna a coisa passível de de identificá-las e interpretá-las ao vê-las,
ser estudada, transforma algo em fenômeno, devido, principalmente, a sua universalidade,
independentemente de sua existência. Ora, sem necessitar de um maior conhecimento
o conceito nada mais é do que linguagem; o sobre o assunto. Crença que fez com que,
mundo é, portanto, aquilo que a linguagem por exemplo, o cinema mudo fosse encarado
pode perceber. muitas vezes como uma linguagem universal,
Outro fato é que a disseminação cada e o cinema falado como uma particularização
vez maior das imagens impede que se ignore e uma espécie de isolamento (JOLY, 1996).
esse campo de investigação, aumentando, Essa ideia de conhecimento natural,
assim, o campo de análise dos historiadores, intrínseco às pessoas, é descartada por
incluindo objetos que antes não faziam parte Martine Joly, em seu livro Introdução à Análise
do que era considerado importante para a da Imagem, no qual afirma que existe uma
averiguação, como o cinema, festas populares diferença sensível entre identificar, saber do
e a própria fotografia. que se trata; e interpretar, pelo simples fato
A independência da história em relação de a arte ser mais voltada para o emocional
aos textos escritos e a busca por abordagens do que para o racional, ressaltando, inclusive,
não tradicionais levaram os historiadores que nem os próprios autores conseguem
a ampliarem seu universo de fontes. Isso identificar todas as possíveis interpretações
aumentou gradativamente à medida que tais de suas obras, surgindo muitas vezes a
pesquisadores se aproximavam das demais pergunta fatídica: será que o autor quis dizer
ciências, como a sociologia ou a antropologia, tudo isso? (JOLY, 1996).
por exemplo. Como afirma Roger Chartier, os Pode-se dizer que reconhecer e interpretar
historiadores incorporaram objetos de outras são duas ações complementares, mas
disciplinas: vida/morte, relações familiares, nunca simultâneas, visto que a análise e
sociabilidade e atitudes religiosas; numa a interpretação exigem um aprendizado,
verdadeira constituição de novos territórios tanto do assunto quanto da própria obra,
por meio da anexação de territórios outros da sua constituição. No caso da imagem, há
(CHARTIER, 1990). aspectos como profundidade, utilização de

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 63-76, novembro 2010 69


Fabiane Muzardo

cores, dimensões, movimentos ou ausência congelado de uma realidade passada”


deles, alusões à temperatura ou até mesmo (KOSSOY, 1989 p. 22). Devido a isso, é
a cheiros. Enquanto, no que se refere à correto afirmar que o mesmo objeto pode
interpretação, por ninguém dominar toda ser representado sob diferentes pontos de
a significação da imagem representada, vista. Provavelmente é esse um dos maiores
analisá-la consiste mais em tentar buscar o encantos da imagem, senão o maior deles.
que ela significa no presente, ressaltando Da mesma forma, o objeto podendo
suas influências no aqui e agora, do que ser produzido de diversas formas também
tentar esgotar todas as possíveis visões da pode ser analisado de diferentes formas,
obra, algo impossível, por sinal. Isso, claro, sem perder, contudo, um padrão de análise
sem perder de vista as circunstâncias em e um objetivo final. Se interpretar é atribuir
que ela foi produzida; ou seja, assim como um significado, como afirma Joly, é também
qualquer mensagem não pode arrogar uma atribuir um significado claro a algo obscuro,
interpretação unívoca, a interpretação desta ou seja, a interpretação de mensagens,
não pode ser ilimitada, pois tem limites e visuais e audiovisuais em particular,
regras de funcionamento. abrange decifrações e explicações, a fim de
É possível afirmar, como o faz Mirzoeff, compreender e/ou fazer compreender.
tornando a cultura o traço definidor de seu Entretanto, o uso de fontes iconográficas
estudo, que a visualização caracteriza o por historiadores, como ressalta Ciro Flamarion
mundo contemporâneo, não significando, Cardoso em Iconografia e História,
contudo, que conheçamos aquilo que
observamos. [...] tem estado quase sempre vinculado ao
estudo das mentalidades, das ideologias
do imaginário. Isto, todavia, nada tem de
A distância entre a riqueza da experiência visual
necessário. Feitas as críticas externa e interna
na cultura contemporânea e a habilidade para
dos documentos iconográficos, é perfeitamente
analisar esta observação cria a oportunidade
possível e útil empregar fontes assim também
e a necessidade de converter a cultura visual
em análises econômico-sociais de tipo histórico
em um campo de estudo (apud SARDELICH,
(CARDOSO, 1990 p. 17).
2006 p. 211).

A fonte iconográfica, assim como as


Vale lembrar também que, apesar de
demais, necessita ser confrontada com os
muitas imagens representarem o mundo
documentos de todos os tipos a que se
real, elas foram criadas por mãos humanas,
tiver acesso, deve ser analisada a partir
que capturam a realidade de acordo com seu
de determinada metodologia, deve ser
enfoque, sua escolha, dando maior ou menor
questionada quanto a suas intenções, autores
ênfase ao que desejarem, sendo literalmente
e público alvo, dentre outros. Porém, não pode
uma imagem em construção, passível de
se limitar a aspectos tidos como ficcionais,
diferentes determinações e influências.
afinal ela possui partes reais e ficcionais,
Afinal, toda fotografia é um congelamento
assim como quaisquer outros documentos, e
de determinado episódio numa certa época
pode fazer parte da construção do discurso
e local, realizado a partir do desejo de um
histórico em todos os seus aspectos, incluindo
indivíduo ou de um conjunto de indivíduos.
o político e o econômico. Além do que,
Como diz Kossoy, “a imagem fotográfica
como afirma Jorge Meyer, tão pouco são
é o que resta do acontecido, fragmento
os temas o que define a história cultural,

70 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 63-76, novembro 2010


Fotografia: Arte ou Ciência?

e sim os modos de situar-se e de tratar as e a tecnologia. A escolha do assunto a ser


fontes (MEYER, 2005). Tal posicionamento retratado, a organização dos detalhes que
também é defendido por Bourdieu, o qual compõem o assunto selecionado, a utilização
consagra a ideia de que o valor de um objeto de recursos para seu enquadramento,
de investigação depende dos interesses tudo influi no resultado final e configuram
do investigador, ou seja, da análise e do a atuação do fotógrafo enquanto filtro
questionamento deste (BOURDIEU, 1979). cultural. As crenças e ideologias do fotógrafo
Note-se, com isso, que o uso de imagens transparecem em sua obra, ora de maneira
na historiografia, apesar de estar em contínuo facilmente detectada, ora com maior
crescimento, sofre demasiadas restrições no dificuldade de percepção.
âmbito acadêmico, muitas vezes ligadas, Por ser um fragmento congelado do
segundo Cunha (apud SARDELICH, 2001), passado, toda fotografia tem atrás de si uma
à resistência de alguns teóricos em aceitar história, e daí advém a necessidade de se
a aproximação, o rascunho, o movente, a considerar informações fundamentais que
criação, a imaginação e os sentimentos como responderiam indagações do tipo: como as
campos que tecem o itinerário argumentativo imagens foram geradas? Por quem? Para
do conhecimento. quem? Por quê?
Historicamente, ler uma imagem é mais Como afirma Mauad, o papel e
do que apreciá-la superficialmente, analisar o importância do fotógrafo numa imagem,
seu esqueleto, visto que ela é uma construção assim como a influência das técnicas
realizada em determinado momento e empregadas, são evidentes,
lugar, quase sempre pensada e planejada, e,
portanto, manipulada, visando um público [...] porém, há que se concebê-lo como
uma categoria social, quer seja profissional
específico. Para isso, um cenário é montado autônomo, fotógrafo de imprensa, fotógrafo
para representar uma realidade ou alterar oficial ou um mero amador “batedor de chapas”.
uma realidade de acordo com os desejos O grau de controle da técnica e das estéticas
fotográficas variará na mesma proporção
em jogo.
dos objetivos estabelecidos para a imagem
Contudo, sendo real ou artificial, final. Ainda assim, o controle de uma câmara
verdadeira ou falsificada, a imagem construída fotográfica impõe uma competência mínima,
não existe fora de um contexto, o qual é por parte do autor, ligada fundamentalmente
à manipulação de códigos convencionalizados
encontrado tanto no interior quanto no social e historicamente para a produção de
exterior da imagem. O interior corresponderia uma imagem possível de ser compreendida.
aos próprios elementos da imagem, o No século XIX, este controle ficava restrito a
um grupo seleto de fotógrafos profissionais
vestuário, a postura dos retratados, o cenário,
que manipulavam aparelhos pesados e tinha
dentre outros. O exterior, por sua vez, seria de produzir o seu próprio material de trabalho,
representado pelas técnicas empregadas – as inclusive a sensibilização de chapas de vidro.
quais podem ser inovadoras ou não – que Com o desenvolvimento da indústria ótica
e química, ainda no final dos Oitocentos,
dariam o próprio suporte da imagem. ocorreu uma estandardização dos produtos
Surgiria assim a metodologia utilizada fotográficos e uma compactação das câmaras,
para a realização e a interpretação de possibilitando uma ampliação do número de
profissionais e usuários da fotografia. No início
uma fotografia, na qual, como afirma
do século XX, já era possível contar com as
Kossoy, existem três elementos básicos a indústrias Kodak e a máxima da fotografia
serem analisados: o assunto, o fotógrafo amadora: “You press the botton, we do the

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Fabiane Muzardo

rest”. É importante levar em conta também autonomía. Comprender adecuadamente


que o controle dos meios técnicos de produção una fotografía, ya sea su autor un campesino
cultural envolve tanto aquele que detém o corso, un pequeñoburgués de Boloña o un
meio quanto o grupo ao qual ele serve, caso profesional parisino, no es solamente recuperar
seja um fotógrafo profissional. Nesse sentido, las significaciones que proclama, es decir, en
não seria exagero afirmar que o controle dos cierta medida, las intenciones explícitas de su
meios técnicos de produção cultural, até por autor; es, también, descifrar el excedente de
volta da década de 50, foi privilégio da classe significación que traiciona, en la medida en
dominante ou frações desta (MAUAD, 1996, que participa de la simbólica de una época, de
p. 8-9). una clase o de un grupo artístico (BOURDIEU,
1979 p. 4).
Kossoy, por sua vez, também analisando
a influência do fotógrafo e das técnicas Comparando as artes tidas como
empregadas, afirma que consagradas e a fotografia, Bourdieu ainda
afirma que
[...] a manipulação é inerente à construção da
imagem fotográfica. Isto é verdadeiro para a Teniendo en cuenta que a diferencia de las
fotografia dos dias de hoje, de base digital, actividades artísticas plenamente consagradas,
como, também, para as imagens do passado, como la pintura o la música, la práctica
elaboradas pela técnica do colódio úmido. fotográfica es considerada como accesible a
Nos conteúdos dos documentos fotográficos todos —tanto desde el punto de vista técnico
se agregam e se mesclam informações e como económico— y que quienes se entregan a
interpretações: culturais, técnicas, estéticas, ella no se sienten condicionados por un sistema
ideológicas e de outras naturezas que se acham de normas explícitas y codificadas, y definiendo
codificadas nas imagens. Essas interpretações la práctica legítima en su objeto, sus ocasiones
e/ou intenções são gestadas (antes, durante y su modalidad, el análisis de la significación
e após a produção da representação) em subjetiva u objetiva de los objetos confieren
função das finalidades a que se destinam as a la fotografia como práctica o como obra
fotografias, e refletem a mentalidade de seus cultural, aparece como un medio privilegiado de
criadores (KOSSOY, 2005, p. 39). aprehender en su expresión más auténtica, las
estéticas (y las éticas) propias de los diferentes
grupos o clases y, particularmente, la “estética”
Dessa maneira, como afirma Bourdieu, popular que puede, excepcionalmente, ponerse
pode-se dizer que de manifiesto en ella. En efecto, cuando todo
haría esperar que esta actividad sin tradiciones
[...] la fotografía más insignificante expresa, y sin exigencias pudiera abandonarse a la
además de las intenciones explícitas de quien anarquía de la improvisación individual, resulta
la ha tomado, el sistema de los esquemas de que nada tiene más reglas y convenciones
percepción, de pensamiento y de apreciación que la práctica fotográfica y las fotografías de
común a todo un grupo (BOURDIEU, 1979. aficionados: las ocasiones de fotografiar, así
p. 4). como los objetos, los lugares y los personajes
fotografiados o la composición misma de las
imágenes, todo parece obedecer a cánones
Ainda segundo Bourdieu, implícitos que se imponen muy generalmente
y que los aficionados advertidos o los estetas
Las normas que organizan la captación perciben como tales, pero solamente para
fotográfica del mundo, según la oposición denunciarlos como falta de gusto o de torpezas
entre lo fotografiable y lo no-fotografiable, son técnicas (BOURDIEU, 1979, p. 4-5).
indisociables del sistema de valores implícitos
propios de una clase, de una profesión o de
una capilla artística, de la cual la estética
Vale sempre ressaltar, ainda, a necessidade
fotográfica no es más que um aspecto, aun de se acabar com a ideia de que a fotografia
cuando pretenda, desesperadamente, la é um documento do real, uma cópia perfeita

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Fotografia: Arte ou Ciência?

e inquestionável do passado. Muitas vezes [...] na qualidade de texto, que pressupõe


deixa-se de lado a compreensão das competências para sua produção e leitura,
a fotografia deve ser concebida como uma
particularidades da imagem e da linguagem mensagem que se organiza a partir de
fotográfica, reforçando assim o equívoco de dois segmentos: expressão e conteúdo. O
que os homens e mulheres viviam exatamente primeiro envolve escolhas técnicas e estéticas,
tais como enquadramento, iluminação,
da maneira como foram retratados, por
definição da imagem, contraste, cor etc. Já
exemplo. Vista desse modo, a fotografia o segundo é determinado pelo conjunto de
ascende a uma posição de testemunho pessoas, objetos, lugares e vivências que
puro do real, transforma-se num verdadeiro compõem a fotografia. Ambos os segmentos
se correspondem no processo contínuo de
espelho do passado. Fala por si só, não produção de sentido na fotografia, sendo
necessitando do emprego de metodologias possível separá-los para fins de análise, mas
para dialogar com o presente, como se nos compreendê-los somente como um todo
integrado (MAUAD, 1996 p. 10).
mostrasse o passado de maneira objetiva,
autoelaborando-se, sem nenhum tipo de
Continuando sua análise sobre técnicas
intervenção humana, desejo ou tendência.
de apreciação de uma fotografia, Mauad cria
Pode-se dizer que esse tratamento dado à
uma lista de aspectos a serem abordados, que
fotografia é idêntico ao que os historiadores
comporiam a estruturação final da análise,
deram aos documentos considerados como
a saber:
fonte de pesquisa histórica no século XIX.
Dentro da história narração, somente
- espaço fotográfico: compreende o recorte
cabia aos historiadores a tarefa de espacial processado pela fotografia, incluindo
coletar documentos oficiais, verificar sua a natureza deste espaço, como se organiza,
autenticidade e colocá-los dentro de uma que tipo de controle pode ser exercido na
sua composição e a quem este espaço está
sequência temporal e espacial, sem nenhum vinculado – fotógrafo amador ou profissional
tipo de questionamento e de análise. Se hoje a –, bem como os recursos técnicos colocados
fotografia é utilizada como fonte, documento à sua disposição. Nesta categoria estão
sendo consideradas as informações relativas
e objeto de análise é porque os historiadores
à história da técnica fotográfica e os itens
não mais se orientam pelos fundamentos contidos no plano da expressão – tamanho,
metódicos dessa história positivista. enquadramento, nitidez e produtor – que
As noções de denotação e conotação consubstanciam a forma da expressão
fotográfica;
teriam sido introduzidas no modelo de - espaço geográfico: compreende o espaço
leituras de imagens pela faceta semiótica. físico representado na fotografia, caracterizados
A denotação diria respeito ao que se vê na pelos lugares fotografados e a trajetória de
mudanças ao longo do período que a série
imagem, a sua, pode-se dizer, objetividade, a
cobre. Tal espaço não é homogêneo, mas
descrição dos seus elementos representados, marcado por oposições como campo/cidade,
como situações, cenários, pessoas, ações e fundo artificial/natural, espaço interno/
tempo. Já a conotação corresponderia às externo, público/privado etc. Nestas categorias
estão incluídos os seguintes itens: ano,
possíveis interpretações da obra, àquilo que local retratado, atributos da paisagem,
a imagem sugere e/ou faz pensar o leitor. objetos, tamanho, enquadramento, nitidez
No que diz respeito à análise de imagens, e produtor;
- espaço do objeto: compreende os objetos
Mauad afirma que fotografados tomados como atributos da

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 63-76, novembro 2010 73


Fabiane Muzardo

imagem fotográfica. Analisa-se, nesta categoria, Até porque, de acordo com Maria Eliza
a lógica existente na representação dos objetos, Linhares Borges, a dimensão analógica
sua relação com a experiência vivida e com o
espaço construído. Neste sentido, estabeleceu- da fotografia não faz de suas imagens
se uma tipologia básica constituída por fotográficas uma mera reprodução do real,
três elementos: objetos interiores, objetos tendo em vista que as imagens fotográficas
exteriores e objetos pessoais. Na composição
são representações bidimensionais de uma
do espaço do objeto estão incluídos os itens
tema, objetos, atributo das pessoas, atributo realidade tridimensional. Esse aspecto,
da paisagem, tamanho e enquadramento; por si só, insere a fotografia no universo
- espaço da figuração: compreende as representacional próprio dos signos visuais
pessoas e animais retratados, a natureza do
espaço (feminino/masculino, infantil/adulto), fixos (BORGES, 2003).
a hierarquia das figuras e seus atributos, Para Boris Kossoy, a relação entre verdade
incluindo-se aí o gesto. Tal categoria é formada e mentira na fotografia é muito complexa
pelos itens pessoas retratadas, atributos
e ambígua, pois o pesquisador entende a
da figuração, tamanho, enquadramento e
nitidez fotografia como um registro e não como um
- espaço da vivência (ou evento): nela estão detector de verdades.
circunscritas as atividades, vivências e eventos
que se tornam objeto do ato fotográfico. O A matéria prima da imagem fotográfica
espaço da vivência é concebido como uma é a aparência — selecionada, iluminada,
categoria sintética, por incluir todos os espaços maquilada, produzida, inventada, reinventada
anteriores e por ser estruturada a partir de — objeto da representação. A fotografia se
todas as unidades culturais. É a própria síntese refere, portanto, à realidade externa dos fatos,
do ato fotográfico, superando em muito o das fantasias e das coisas do mundo e nos
tema, à medida que, ao incorporar a idéia mostra uma determinada versão iconográfica
de performance, ressalta a importância do do objeto representado, uma outra realidade:
movimento, mesmo em imagens fixas. Ou, a realidade fotográfica, isto é, uma segunda
para utilizar-se a terminologia de Cartier- realidade (KOSSOY, 2005 p. 40).
Bresson, trata-se do movimento de quem
posa ou é flagrado por um instantâneo e do
movimento de quem monta a cena ou capta O que se percebe, segundo Ulpiano,
o “momento decisivo” (MAUAD, 1996 p. contudo, é a utilização de imagens, na maior
13-14).
parte das vezes, como mera ilustração, de

Cabe-nos perguntar quais são os [...] confirmação muda de conhecimento


questionamentos e as dúvidas levantadas produzido a partir de outras fontes, ou o que é
quando o objeto a ser analisado constituiu- pior, de simples indução estética em reforço ao
texto, ambientando afetivamente aquilo que
se de fotografias. Afinal, em que medida a de fato contaria (MENESES, 2003, p. 21).
fotografia pode nos ajudar a promover um
diálogo entre os historiadores da arte e os da Entretanto, Ulpiano, assim como
cultura? Aliás, até que ponto essas ciências questiona a utilização de imagens como mera
não se misturam? ilustração, ressalta exceções importantes no
W. Benjamin sugeriu que em vez de se trabalho com esse objeto, como as iniciativas
refletir sobre “a fotografia como arte” – da história da fotografia e da imagem
debate que, segundo ele, estava em pauta fotográfica em
desde a criação desse tipo de imagem –, os
estudiosos passassem a pensar a “arte como [...] absorver problemáticas teórico-conceituais,
a sensibilidade para a dimensão social e
fotografia”, quer dizer, reconhecessem a
histórica dos problemas introduzidos pela
arte enquanto um tipo de representação.

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Fotografia: Arte ou Ciência?

fotografia, multiplicando-se os enfoques: Por não ter um sentido intrínseco, as


ideologias, mentalidades, tecnologia, imagens só o produzem via interação social,
comercialização, difusão, variáveis políticas,
instituição do observador, estandardização ou seja, por meio do tempo, espaço, lugares,
das aparências e modelos de apreensão visual, circunstâncias e agentes. Não há, portanto,
quadros do cotidiano, marginalização social, como se limitar a procura do sentido próprio
etc (MENESES, 2003 p. 21).
da imagem, de uma significação original, ou
seja, buscar o que o autor quis dizer, suas
O autor ressalta ainda o investimento em
subjetivações. É necessário fazer a imagem
documentação, com a organização de bancos
falar, por meio de seu emprego em situações,
de dados, a maioria já informatizados.
retraçar sua biografia, carreira e trajetória. Ou
Assinala também pontos positivos no
seja, analisá-la como algo construído com
estudo da imagem, levantando insuficiências
objetivos específicos numa dada sociedade,
da prática atual da História no referido
para ser vista por contemporâneos seus, mas
campo, em especial o da fotografia, como
também por outras gerações. Isso significa a
o desconhecimento da problemática da
existência de um direcionamento de leitura,
representação, o teto limitado às questões
não um manual preestabelecido e imutável.
da mentalidade e do imaginário, como já
Ainda segundo Ulpiano, deve-se tomar
mencionado, e o uso de uma semiótica
as coisas visuais antes de mais nada como
a-historicizada, dentre outras (MENESES,
coisas, que se podem prestar a usos muito
2003).
diversificados, de acordo com a situação em
Pode-se transformar as imagens em
que estiverem inseridas (MENESES, 2003,
reais objetos de pesquisa, papel que ela
p. 29). A mesma imagem pode, portanto,
não desempenha. As imagens não devem
ser reciclada, assumir vários papéis, possuir
constituir objetos de investigação em si, mas
inúmeras conotações e efeitos distintos.
vetores para a análise da sociedade: armas
Dessa forma, é possível concluir que
utilizadas para exprimir aspectos relevantes
assim como os demais tipos de documentos,
de sua organização, funcionamento e
a fotografia e outras fontes iconográficas,
transformação. Segundo Ulpiano,
demandam uma análise metodológica
específica. Qualquer fonte exige um olhar
[...] estudar exclusiva e preponderantemente
fontes visuais corre sempre o risco de que desmistifique a ideia de que exista uma
alimentar uma ‘História Iconográfica’, de representação perfeita e fechada do passado.
fôlego curto e de interesse antes de mais nada Ficção e realidade são componentes de
documental. Não são pois documentos os
objetos da pesquisa, mas instrumentos dela: quaisquer fontes documentais.
o objeto é sempre a sociedade (MENESES, Sendo assim, derrubar as fronteiras que
2003, p. 28). ainda distanciam os historiadores da arte e
os da cultura só pode ser enriquecedor, ainda
Instrumento este que não busca que gere polêmicas, para a construção de um
substituir a linguagem escrita, e sim ser discurso histórico consistente.
adicionado a ela, para intensificar a análise
do objeto desejado. No entanto, às vezes, tal Referências
postura é negligenciada por uma formação
essencialmente logocêntrica. BARTHES, R. A Câmara clara: nota sobre a
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Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 63-76, novembro 2010 75


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Testemunhas da História. Estudos Históricos. Rio
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Imagens das Mulheres na Imprensa
Comunista Brasileira (1945/1957)

Juliana Dela Torres


Possui graduação em História e Mestrado em História Social pela Universidade Estadual de Londrina.

Resumo
A imprensa comunista brasileira, com a legalidade do Partido Comunista do Brasil em 1945,
passou a contar com vários jornais, revistas, romances e panfletos, entre outras formas
impressas. Em suas publicações, foram utilizados diversos recursos imagéticos: ilustrações,
gravuras, caricaturas, charges e histórias em quadrinhos. Tais imagens, assim como os textos, são
interessantes meios de evidência histórica, pois suas representações trazem indícios a respeito
de determinado período, grupo ou sociedade. Verifica-se que a presença de imagens femininas
nas publicações comunistas mostra a importância desse segmento para os projetos do PCB.
Neste artigo, analisam-se as constantes temáticas apresentadas na arte visual das páginas dos
periódicos comunistas que focalizaram a mulher. Comenta-se sobre a ênfase em desenhos do
cotidiano delas diante dos problemas rotineiros e sobre o destaque para a necessidade de melhor
organização entre elas. Observa-se que, a partir das figuras expressivas de tristeza e de desânimo,
frente às dificuldades e também das imagens de mulheres engajadas, o PCB procurava causar
reflexão e conscientização nas mulheres a fim de que elas agissem.
Palavras-chave: Imagem; representação; mulher; Imprensa Comunista Brasileira.

Abstract
The Brazilian Comunist Press, under the legality of the Brazilian Comunist Party in 1945,
started to count on various newspapers, magazines, romances and handouts, among other
kinds of companies. In their publications, many image resources were used such as: ilustrations,
prints, caricatures, charges and comics. Such images, as well as the texts, are interesting means
of historical evidences, because their representations bring marks of a determinned period,
group or society. The presence of female images verified in comunist publications exposes the
importance of this segment for the PCB project. In this article, the constant thematics presented
in the visual art from the pages of comunist newspapers which focus on women are analised.
The emphasis on women’s daily drawings showing their routine problems and the focus on the
necessity of a better organization among them are commented. It is observed that, starting
from their expressive figure of sadness and discourage in face of the difficulties contrasted with
the images of socially integrated women, the party aimed to cause refletion and awarness on
women so they would act.
Keywords: Image; representation; women; Brazilian Comunist Press.

Recebido em: 10/05/2010 Aprovado em: 15/06/2010

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Juliana Dela Torres

Imagens das Mulheres na


Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)1

Introdução do PCB contaram com tal contribuição,


principalmente de artistas, os quais, por meio
As constantes veiculações das imagens de de seus traços, demonstravam a preocupação
mulheres na imprensa comunista brasileira com uma arte de caráter crítico-social e
são evidências de sua importância para os “realista”. Em meio a um número expressivo
projetos do Partido Comunista do Brasil (PCB). de imagens, encontramos uma quantidade
Neste artigo, temos como objetivo analisar as significativa de referências à mulher e a sua
temáticas constantemente trabalhadas pelos importância nos movimentos relativos ao
artistas, os quais colaboraram com seus traços partido e a sua ideologia.
para os periódicos comunistas. Para realizar a análise a que nos propomos,
O recorte temporal em questão abarca neste trabalho usamos cinco jornais editados
o período de maior produção dessa no Rio de Janeiro e uma revista editada em
imprensa. Em 1945, o PCB foi legalizado São Paulo, todos de circulação nacional e
e era considerado um partido das massas; pertencentes à imprensa comunista brasileira:
conseguiu, por essa razão, conquistar espaço os jornais A Classe Operária, Voz Operária,
considerável no cenário político nacional. No Tribuna Popular, Imprensa Popular e Momento
período de sua legalidade, de 1945 a1947, Feminino, e a revista Fundamentos. Buscamos
sua imprensa contava com uma grande rede observar a representação visual da mulher,
de jornais, revistas, romances, panfletos sobretudo no que se refere a sua participação
e outros materiais. Naquele momento, nas atividades e ideais comunistas, difundida
muitos intelectuais brasileiros contribuíram pelos referidos periódicos por meio de seus
para essa rede de imprensa. A participação recursos imagéticos.
dos intelectuais e artistas nas páginas dos Como os jornais selecionados foram
periódicos comunistas só diminuiu depois, editados na cidade do Rio de Janeiro,
entre 1956 e 1957. Muitos militantes muitas reportagens destacavam assuntos
e simpatizantes romperam com o PCB relacionados aos problemas vividos pela
em virtude da divulgação do relatório do população carioca na época, mas que
dirigente do Partido Comunista da União também eram sentidos em outros Estados:
Soviética, Nikita Kruschev, denunciando a a falta de gêneros alimentícios de primeira
intolerância, a repressão e o abuso de poder necessidade, de moradia, de transporte, de
da “Era Stalin”. educação, entre outros temas. Apesar disso,
Durante vários anos, entretanto, as edições sendo publicações produzidas na então

As ideias apresentadas neste artigo foram baseadas na Dissertação de Mestrado A representação visual da mulher na imprensa
1

comunista brasileira (1945/57), sob orientação do professor Dr. Alberto Gawryszewski.

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Capital Federal, local sede do partido, com documento parte material das relações
vistas a circular por todo o Brasil, os periódicos sociais, evidência. Abordamos também a
enfatizavam as principais propostas do PCB e necessidade de trabalharmos com conceitos
traziam orientações e assuntos relacionados como representação e imaginário ao efetivar
ao movimento comunista mundial. a análise proposta.
A História das mulheres, a História de Embora o trabalho tenha como objeto
gênero, já atingiu um respeitável espaço na central a imagem, não podemos esquecer
historiografia. Tendo como objeto de estudo que se trata de um recurso visual presente
as mulheres, é importante ficarmos atentos em periódicos; em virtude disso, é necessário
às questões de gênero. Joan Scott (1990, localizarmos as imagens a partir do contexto e
p.14) destaca que imaginário da imprensa política em que eram
veiculadas. Sendo assim, posteriormente à
o gênero é um elemento constitutivo das discussão sobre a imagem como fonte de
relações sociais fundadas sobre as diferenças
percebidas entre os dois sexos, e o gênero é um
pesquisa, comentamos acerca da imprensa
primeiro modo de dar significado às relações comunista brasileira e do debate artístico na
de poder. busca de uma arte para o povo. Na sequência,
analisamos a visualização das mulheres,
Dentro do contexto pesquisado, as focalizando as diferentes imagens as quais
representações de gênero apresentado pelo mostraram seus problemas cotidianos
discurso da “grande imprensa” atribuíam na época e a ênfase em desenhos cujo
ao feminino a maternidade e os cuidados objetivo era promover a organização e a
com o lar. Em nossa abordagem estaremos participação das mulheres brasileiras nas lutas
observando quais foram os referenciais empreendidas pelo partido.
utilizados pela imprensa comunista com
relação às mulheres. A imagem como fonte de pesquisa
Vale dizer também que estamos
trabalhando com um período pós-guerra. Como nos ensina Ulpiano T. Bezerra
Durante a segunda guerra, objetivando suprir de Meneses (2003, p.14), é importante
a falta de mão de obra masculina ou até incluir a materialidade das representações
mesmo na busca de dar conta das despesas visuais nas pesquisas, pois elas participam
do lar, pudemos assistir a inserção de um das relações sociais. Peter Burke (2004, p.
número expressivo de mulheres no mercado 11), nessa esteira, mostra que, assim como
de trabalho. Sendo assim, além do trabalho textos e testemunhos orais, as imagens
do lar, as mulheres passaram a ocupar cada constituem-se numa interessante forma de
vez mais o espaço fora do lar, como, por evidência histórica. Dentro dessa perspectiva,
exemplo, as fábricas. o pesquisador pode observar os traços,
Visando a entender a importância da sinais, detalhes, ou seja, indícios de sentidos,
representação da mulher na arte visual da decifrando e interpretando uma realidade
imprensa comunista brasileira, desenvolvemos, opaca (GINZBURG, 1989, p.177).
primeiramente, importantes considerações Como as imagens de nosso estudo são
teóricas sobre a imagem e a imprensa como parte integrante de materiais jornalísticos,
fonte histórica. Para tanto, apresentamos é importante lembrarmos Maria Helena
abordagens que consideram esse tipo de Rolim Capelato (1988, p. 13). Segundo ela,

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Juliana Dela Torres

a imprensa permite amplo conhecimento social opera por intermédio dos sistemas
do passado, visto que “registra, comenta simbólicos construídos a partir de desejos,
e participa da história”. Para Ana Cristina aspirações e motivações (BACZKO, 1985, p.
Teodoro da Silva (1998, p. 2), o estudioso, ao 311). Podemos afirmar, então, que a imprensa
usar a imprensa como fonte de pesquisa, deve comunista brasileira foi um importante canal
estar com seu olhar atento, utilizando como para a apresentação das figuras simbólicas de
aparato conceitual as representações. seus guias e líderes, visando a “instruir” e a
Ao analisarmos a imprensa como “conduzir” a massa.
representação histórica, é necessário perceber Após esta breve apresentação das
o jogo pelo poder presente nessas relações. considerações teóricas, passaremos a uma
Como ressalta Roger Chartier (1985, p. abordagem sobre a imprensa comunista
17), as representações do mundo social são brasileira e à discussão do meio artístico por
determinadas pelos interesses dos grupos uma arte realista.
que produzem estratégias e práticas, sociais,
escolares, políticas, para legitimar um projeto Imprensa Comunista e a arte “Realista”
reformador ou justificar suas escolhas e
condutas. Desse modo, ao estudar as imagens Desde sua fundação em 1922, o Partido
de uma imprensa política, estamos verificando Comunista do Brasil defendia a existência
formas, motivos e representações as quais de periódicos como forma de propaganda,
traduzem posições político-ideológicas. de fazer chegarem às massas a orientação,
Conforme nos mostra Sandra Jatay as palavras de ordem, as posições tomadas
Pesavento (2005, p. 86), a imagem é uma pelo partido. Lênin considerou a imprensa
mediação entre o mundo do espectador importante ferramenta do partido, lembrando
e o do produtor, tendo como referência a necessidade de ela estar voltada para três
a realidade; é forma de representação do pressupostos básicos: educar as massas
mundo que constitui o imaginário. Diante da visando a elevar o nível de consciência
ligação entre o imaginário e a representação, política, organizar a classe operária ao redor
é importante a discussão realizada por do partido e propagar a linha ideológica
Bronislaw Baczko (1985). De acordo com o (MORAES, 1994, p. 63).
autor, por meio dos imaginários sociais: No que concerne às mulheres, vale
destacar a conversa de Lênin com a
[...] uma coletividade designa a sua identidade; representante da organização das mulheres
elabora uma certa representação de si;
estabelece a distribuição dos papéis e das
na Alemanha, Clara Zetkin. Ele ressaltou a
posições sociais; exprime e impõe crenças importância de organizar um movimento
comuns; constrói uma espécie de código de feminino internacional, do qual as comunistas
“bom comportamento”, designadamente
deveriam fazer parte, realizando um trabalho
através da instalação de modelos formadores
tais como o do chefe, o bom súdito, o guerreiro sistemático para sua elevação; o movimento
corajoso; corresponde a formar as imagens estaria “transportando-as do mundo da
dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados maternidade individual para o da maternidade
(BACZKO, 1985, p. 309).
social” (ZETKIN, 1934, p. 133). Características
como a “energia”, o “espírito de abnegação”,
O mesmo autor aponta a relação existente
a “coragem” e a “inteligência das mulheres
entre o imaginário e o símbolo: o imaginário
comunistas” deveriam ser usadas para o

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Imagens das Mulheres na Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)

movimento “apoderar-se das massas e as suas aspirações e lutas na busca do “belo e


organizar a sua ação”. Como veremos, em sublime” projeto socialista (MORAES, 1994,
razão de os periódicos comunistas serem p. 123).
baseados nos princípios leninistas, o jornal O realismo socialista soviético apresentava
comunista Momento Feminino também uma organização social vitoriosa em
surgiu com vistas a educar e a organizar as construção. Nas imagens, apresentavam-
mulheres e a propagar a linha do partido se operários formidáveis, musculosos,
entre as brasileiras. bem vestidos, o homem e a mulher feliz
Especialmente após a segunda grande trabalhando no campo, ou seja, cenas que
guerra, os artistas gráficos brasileiros expressam otimismo, um povo que agia. A
procuravam desenvolver arte engajada, arte socialista requeria heróis, guias para
de caráter crítico-social. As temáticas levar a “massa desorientada” rumo a um
desenvolvidas abordavam o homem como ser “futuro resplandecente” de “igualdade”.
social, em cenas recorrentes: a vida cotidiana Dessa maneira, desenvolveu-se o que ficou
no espaço do lar e do trabalho; o drama em conhecido por “culto à personalidade”,
consequência da guerra e da perseguição; caso de Stalin, mostrado como o “salvador
a mobilização do trabalhador nas lutas de da humanidade”, e de Luiz Carlos Prestes,
classe; as assembleias, as associações e as considerado o grande líder brasileiro.
greves. Como a orientação comunista era Os debates dos artistas apresentados
que as ilustrações deveriam estar afinadas pela revista Fundamentos demonstram a
com essa “arte realista”, muitos artistas preocupação de uma “arte para o povo”,
encontraram nas publicações do PCB espaço tendo as imagens função de síntese, não
para a realização de seus trabalhos. devendo suscitar dúvidas no receptor. Em
Nesse sentido, a revista Fundamentos, vista disso, a imprensa comunista, além
editada em São Paulo, permitiu ampla do recurso textual, recorria aos diferentes
discussão dos artistas cujo sentimento era formatos da arte visual, como a ilustração,
de integrar-se à sociedade e compreendê-la a charge, a caricatura, a gravura e a história
amplamente, haja vista que, para eles, esse em quadrinhos.
era o posicionamento mais adequado: As mulheres foram constantemente
representadas nas páginas dos periódicos
[...] fora disso caímos no cerebralismo caótico mencionados. O jornal Tribuna Popular, ao
dos abstracionistas. O que é norma em arte
é a representação da realidade: a figura
apresentar notícia referente aos Comitês,
humana, os objetos de uso, os animais e a demonstrou interesse em integrá-las nos
natureza que é o meio em que vive o homem movimentos e projetos do partido. No artigo
(FUNDAMENTOS, 1953, p. 20).
de Wagner Cavalcanti, entre as sugestões
e orientações, é indicada a necessidade da
Também devemos mencionar a linha “mobilização das mulheres visando (sic)
do “realismo socialista”, tão divulgada nos integrá-las na vida política da nação”, com
periódicos da imprensa comunista brasileira, a intenção de educar e tornar as mulheres
vinda da URSS, a qual teve como principal politizadas. Cavalcanti enfatizava:
mentor Andrey Jdanov. De acordo com essa
diretriz, o artista deveria demonstrar a atitude [...] as mulheres devem ser especialmente
do proletariado frente à realidade, apresentar convocadas, no maior número possível, a

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participarem de todas as atividades do Comitê, a mulher nas atividades do partido, mas,


inclusive nas tarefas relativas à propaganda; ao enfatizar a sua “condição”, o partido
novas adesões ao Comitê, alfabetização;
coleta de fundos; festividades; levantamento comunista revela uma visão tradicional
e debate das reivindicações econômicas e do feminino, tomando o lar como espaço
locais, sobretudo às que se liguem ao nível por excelência da mulher. Desta forma,
de vida, que as mulheres, por sua própria
em muitos momentos a luta das mulheres
condição de donas-de-casa sentem e refletem
melhor e mais intensamente (CAVALCANTI, esteve associada ao bem do lar, dos filhos,
21/07/1945, p. 5). da família.
No gênero figurativo, elas eram mostradas
Os Comitês eram organismos de base integrando o espaço público em movimentos,
do PCB, em atividade durante o período como podemos visualizar na ilustração que
de legalidade do partido (1945-1947). acompanha os temas sobre os Comitês
Organizados em bairros, fábricas, favelas Populares (Figura 1). Entre um grande
etc., discutiam os problemas da população número de homens, vemos a figura de duas
(habitação, crise de gêneros alimentícios, mulheres; uma delas caminha segura à frente
transporte, entre outros), buscando resolvê- do movimento.
los. Observamos a preocupação em inserir

Figura 1. Tribuna Popular, 09/06/ 1945, p. 5. Autoria: Paulo Werneck.

Em 1945, no contexto de legalidade em de várias placas, as quais reforçavam o evento


que o partido se encontrava, Tribuna Popular que seria realizado em São Paulo. Entre
mostrou a mulher pintando uma faixa para três homens, apenas uma mulher aparece
o “Grande comício de Luiz Carlos Prestes” na figura. Importante observarmos que,
(TRIBUNA POPULAR, 14/07/1945, p. 1). apesar de várias mulheres terem se tornado
Diante da imagem (Figura 2), percebemos comunistas ou simpatizantes, o seu número
como o uso desse recurso visual tinha objetivo em relação aos homens ainda era bem menor.
informativo. O desenho apresenta um De qualquer maneira, os artistas tiveram o
homem que chama a atenção para a escrita cuidado de frequentemente retratá-las entre
seus trabalhos.

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Imagens das Mulheres na Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)

de vida, salários), e lutas engajadas do partido


(campanha da paz, político-partidária etc.).
Arcelina Mochel, diretora do jornal, escreveu
no primeiro número:

Precisamente quando avultam os problemas


do povo brasileiro e sua solução econômica
encontra obstáculos cada vez maiores, aparece
Momento Feminino, órgão de luta auxiliar de
todas as mulheres para cumprir uma tarefa
no seio da coletividade brasileira para ajudar
o erguimento intelectual, político e econômico
em nossa pátria (MOCHEL, 25/07/1947,
Figura 2. Tribuna Popular, 14/07/1945, p. 1. Autoria: p. 2).
Paulo Werneck.

Em seu primeiro número, esse jornal


Em 1947, Tribuna Popular fazia referência destacava as palavras de ordem pertencentes
ao novo periódico a circular: “O Momento à imprensa comunista, apresentando-se
Feminino, um jornal para todas as mulheres”. como um órgão auxiliar que desejava educar
Na imagem (Figura 3), que ilustrava a seu público.
chamada, podemos visualizá-las concentradas Na primeira capa, Momento Feminino
fazendo a leitura do periódico. trazia a seguinte frase: “Momento Feminino:
Um jornal para o seu lar” (Figura 4). No
desenho de Paulo Werneck, artista autor de
diversas obras para a imprensa comunista,
a mulher representada é a que aparece em
diferentes cenas do cotidiano, trabalhando
no lar ou fora dele.

Figura 3. Tribuna Popular, 02/02/1947, p.2

Momento Feminino surgiu em 25 de


julho de1947, editado na cidade do Rio
de Janeiro, pelas comunistas, voltado para
todas as mulheres. Em suas páginas trazia
artigos sobre costura, culinária, arranjos do
lar e crianças, além de assuntos sociais e Figura 4. Momento Feminino, 25/07/1947, p. 1. Autoria:
políticos, como educação, economia (custo Paulo Werneck

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Diante do desenho (Figura 4), observamos repetidamente enfatizadas nas páginas


diferentes espaços onde as mulheres dos periódicos comunistas. Desta forma,
trabalham. Ao fundo, vemos uma vendedora poderemos visualizar imagens as quais
com o cesto na cabeça, sendo possível demonstram o cotidiano das mulheres
também verificar que está descalça; a negra diante das dificuldades encontradas em seu
pode ser a mãe ou quem está trabalhando dia a dia, assim como também será possível
cuidando da criança; a personagem da observarmos o destaque para a necessidade
direita segura papéis, podendo trabalhar no de uma melhor organização entre elas,
escritório ou ser professora; à frente e no visando à luta contra problemas cotidianos
centro, a figura feminina passa a roupa; uma e à participação ativa em movimentos
mulher caminha. empreendidos pelo partido.
Nessa imagem, observamos o trabalho
com os vários perfis femininos, sendo possível A luta cotidiana da mulher trabalhadora
identificar a diferença social existente entre
as mulheres a partir de elementos como o Conforme vimos na primeira capa do
modelo dos vestidos, o uso da bolsa, os pés jornal Momento Feminino, as mulheres
descalços. Identificamos o primeiro número são desenhadas em diferentes espaços de
do jornal feminino como um periódico o trabalho. A partir da análise das imagens e dos
qual procurou envolver seu público-alvo textos que ilustram a imprensa comunista, foi
com um desenho na capa em que há várias possível verificar que as trabalhadoras sofriam
mulheres. A imagem conjugava-se com o com diferentes situações em seu dia a dia.
slogan “Momento Feminino – um jornal para No primeiro número de Momento
todas as mulheres”. Feminino, seguindo o tema de capa, há a
Podemos afirmar, pois, que a imprensa referência às mulheres em diferentes cenas
comunista brasileira, partindo de seu projeto de trabalho nas imagens que ilustram “A luta
político educativo, atribuía visualidade cotidiana das mulheres”, sendo constante
à mulher comum e real, trabalhadora o uso das mesmas figuras (Figura 5) em
no espaço do lar ou fora, participante outros números do periódico (MOMENTO
de movimentos segurando faixa, placas. FEMININO, 25/ 07/ 1947, p. 12). A mulher
Neste artigo, priorizamos as temáticas pendura roupa no varal, segura a criança e
costura.

Figura 5. Momento Feminino, 25/07/1947, p. 12.

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Imagens das Mulheres na Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)

Diante das imagens (Figura 5), notamos um futuro mais digno para suas crianças
a representação das mulheres trabalhadoras (MOMENTO FEMININO, 25/07/1947,
p.12).
dentro dos “padrões do gênero feminino”
na figura de dona do lar ou fora do lar. A
As imagens com cenas da mulher
mulher é quem cuida da casa, lavando e
representada em seu cotidiano e o título
estendendo a roupa; é quem segura a criança
“A luta cotidiana das mulheres” poderiam
com toda a delicadeza, envolvendo-a com seu
chamar a atenção para a leitura do texto
olhar de ternura; é quem auxilia o marido,
e para a proposta de a mulher solucionar
trabalhando, costurando roupas para a
seus problemas com a tomada de ação, a
família ou para fora.
formação de uma “frente única”. Conforme
O texto ilustrado pelas imagens ressalta a
observamos, os jornais, além de destacar os
mulher com a função de cuidar do conforto
informes do partido, apresentavam os vários
e da felicidade do lar, mas trabalhando o dia
problemas encontrados pela população
todo sem hora para chegar a casa. Ela sofria
carioca e pelos outros estados: a crise de
com a falta de água e conhece a tortura das
gêneros alimentícios de primeira necessidade,
filas, as quais existiam, na época, em virtude
a falta de água, de moradias, transporte e de
do mercado negro, pois era difícil conseguir
educação, os problemas no trabalho, entre
o pão, o leite, a carne e outros gêneros
outros temas.
indispensáveis para a casa. Porém, no mesmo
As imagens a seguir são desenhos que
artigo diz-se que:
repetidamente ilustravam as páginas do
A dona de casa vai adquirindo a consciência jornal Momento Feminino quando este se
de que deve formar, com todas as mulheres, referia à questão da falta de água. A mulher
uma frente única de combate à crise, à falta representada é a trabalhadora, rodeada por
de habitações e transportes, ao câmbio negro,
crianças, a qual sofre subindo e descendo o
às filas, à sonegação dos gêneros de primeira
necessidade; uma frente única para a conquista morro na busca da água, cena representada
de um mundo melhor para sua família, de por diferentes artistas.

Figura 6. Momento Feminino


F i g u ra 7 . Momento Feminino. Autoria: Hilda
Campofirito

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A imagem à esquerda (Figura 6) focaliza e também pela pobreza.


uma mulher lavando roupa, enquanto outra Os ilustradores procuraram trabalhar
sobe o morro com a lata de água na cabeça. com traços expressivos nos gestos e faces,
No desenho à direita (Figura 7), podemos chamando a atenção do receptor para um
visualizá-las acompanhadas de crianças; a problema de grande parte da população
grávida cruza os braços e olha triste para daquela cidade. Como é possível visualizar
baixo; algumas voltam com as latas de água na Figura 8, a qual ilustra um artigo sobre
na cabeça; ao fundo da imagem, vemos um “famílias ameaçadas de ficar sem teto”,
varal com roupas penduradas. A presença da a mulher tem um gestual voltado para
criança no colo ou ao lado da mãe aponta admiração, ou o desespero; dá a impressão
para outro problema enfatizado nos jornais: de lamentar e pedir proteção ao Senhor ou
a falta de creches. Os corpos magros são de não acreditar naquilo que se apresenta
sinais que enfatizam a subnutrição, problema diante de seus olhos (TRIBUNA POPULAR,
causado pela carestia de gêneros alimentícios 09/08/1946, p. 3).

Figura 8. Tribuna Popular, 09/08/1946, p. 3. Autoria: Figura 9. Tribuna Popular, 25/01/1945, p. 8. Autoria:
Paulo Werneck Paulo Werneck

Tendo por fim demonstrar toda a Trata-se da representação do grande


dificuldade para encontrar gêneros problema vivido por muitas mulheres, as
alimentícios de primeira necessidade, a quais tinham de aguardar a possibilidade
mulher é representada nas filas, como mostra de encontrar o produto pretendido (a
a ilustração à direita (Figura 9), que apareceu farinha de trigo, o pão, o leite, a carne, entre
nos periódicos Momento Feminino e Tribuna outros). Estes produtos eram facilmente
Popular, acompanhada pela legenda “As encontrados fora da tabela, mas difíceis de
filas aumentam com a fome”. O artista deixa serem comprados nos armazéns, quitandas,
bem demarcada a expressão de tristeza, os padarias ou açougues, dentro dos preços de
olhares pensativos; uma mulher se senta tabela. Desta maneira, podemos perceber
demonstrando o cansaço; também aparece que a representação imagética do feminino
uma criança na fila; algumas pessoas estão esteve constantemente ligada às questões de
descalças e tanto a mulher branca como a uma vida pública com dificuldades.
negra são mostradas na imagem.

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Imagens das Mulheres na Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)

Atentemo-nos para os sentimentos dono do armazém e a mulher (Figura 10). A


que esses desenhos podem provocar no figura masculina tem o gesto de mandar para
público leitor ao tratarem de temáticas fora, expressão facilmente compreendida
referentes ao cotidiano sofrido. As ilustrações pelo receptor (MOMENTO FEMININO,
destacam elementos com vistas a fazer o 10/10/1947, p. 8). Ela, de frente para o leitor,
leitor associar sua condição ao mostrado e é desenhada com ar de tristeza, cabeça baixa,
identificar-se com o jornal e com os ideais do encolhida, resignada diante da situação.
movimento comunista; era possível incitar o Podemos dizer que é a representação de
questionamento e a conscientização para uma grande parte das mulheres, sem o dinheiro
ação. Nesse sentido, percebemos as imagens para comprar o produto ou sofrendo com a
como materialidade das representações falta dos artigos necessários à alimentação.
visuais, participantes das relações sociais, A observação do desenho poderia conduzir
produzidas para provocar efeitos (MENESES, o público à leitura da legenda, um convite
2003). para a participação nas “Uniões Femininas”.
A mulher foi, como podemos notar, o Estas foram organizações incentivadas
público a que eram direcionadas as discussões pelo partido a partir de 1946, dirigidas e
sobre a crise de gêneros alimentícios. No compostas, embora não necessariamente,
jornal Momento Feminino, há o desenho do por mulheres comunistas.

Figura 10. Momento Feminino, 10/10/1947, p. 8.


Autoria: Quirino Campofiorito

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Juliana Dela Torres

Diante das imagens as quais retratam seria um espaço para se tentar solucionar os
o desespero, o desânimo, a tristeza, ou problemas diários e poderia ser um local para
a submissão, podemos pensar que esses auxiliar na organização dos movimentos.
traços artísticos contrariavam o princípio Como parte do projeto político e
do “realismo socialista”, porque estariam educacional do PCB, o jornal Momento
enquadrados dentro de um realismo crítico- Feminino apresentou em suas páginas a
social. Por outro lado, é interessante perceber tese intitulada “Imprensa Feminina, fator de
que tais desenhos tinham a finalidade de tocar educação”, defendida por Ana Montenegro
a sensibilidade da mulher receptora diante de na mesa redonda do Distrito Federal. Na
um problema que a atingia, procurando levá- ocasião, foi destacado por ela que:
la à reflexão e à luta por melhorias.
As dificuldades encontradas no trabalho A importância da imprensa com seu poder
de penetrar, com a sua possibilidade de
também foram ressaltadas, assim como a fazer-se ouvida, mesmo pelos surdos, com
união e a importância da organização no a sua capacidade de percorrer distâncias
sindicato, associação, ou “União Feminina”. sem cansaço, é mais do que nenhum outro
o meio de levar a todos os lugares, a todas
É o que veremos a seguir.
as casas a palavra de esclarecimento, o apelo
à luta e, portanto, deve ser considerado por
A necessidade da organização feminina todas as mulheres, um dos caminhos que se
abrem para chegarem a resultados concretos
(MONTENEGRO, 05/12/1947, p. 5).
Como já citamos, a imprensa comunista
brasileira se baseava nos pressupostos
Constatamos, diante do exposto, a
leninistas. A fim de evitar movimentos
constância da ênfase na importância da
desorganizados, a importância do trabalho
imprensa feminina como material necessário
de organizar os movimentos para agir e
para o esclarecimento das mulheres, sendo
alcançar as propostas da luta era reforçada
uma forma de ligação com as massas
nos periódicos. Nessa perspectiva, colocava-
femininas, visando à organização e à ação.
se, como solução para os trabalhadores, a
A necessidade da leitura do jornal feminino
união e organização nas associações, uniões,
pelas mulheres aparecia até mesmo nas
sindicatos ou locais de trabalho. No caso
histórias em quadrinhos, como podemos
das mulheres, existia muita ênfase na sua
visualizar na Figura 11.
participação nas “Uniões Femininas”, pois ali

Figura11. Momento Feminino, 02/04/1948, p. 3. Autoria: Quirino Campofiorito

88 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 77-96, novembro 2010


Imagens das Mulheres na Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)

Em “Zezé, vende o seu jornal” (Figura quadrinhos como uma mulher que ajudava
11), no primeiro quadrinho, a personagem na educação e organizava as mulheres nas
faz a leitura do jornal Momento Feminino.2 “Uniões Femininas”.
No segundo quadrinho, ela está no salão de Os trabalhos das organizações femininas
beleza vendendo o periódico. No terceiro se intensificaram e resultaram em uma
quadro, Zezé distribui o jornal no ônibus. Este “Conferência Nacional Feminina”, realizada
é apresentado como um espaço ocupado por na cidade do Rio de Janeiro. Nas próximas
homens e mulheres; quem aparece lendo imagens (Figuras 12 e 13), as quais ilustram
são as mulheres, pois os homens leem a o tema deste evento, observamos a intenção
Gazeta Sindical, a Voz Operária ou a Tribuna de expressar as mulheres conversando,
Popular. No quarto quadrinho, a personagem discutindo problemas relacionados ao
entrega o periódico feminino no trabalho, seu cotidiano (MOMENTO FEMININO,
demonstrando a utilidade de sua leitura. 20/05/1949, p. 6). Os mesmos desenhos
Zezé formava uma série de histórias em foram usados diversas vezes para acompanhar
as notícias das “Uniões Femininas”.

Figura 12. Momento Feminino, 20/05/1949, p. 6. Figura 13. Momento Feminino, 20/05/1949,
Autoria: Quirino Campofiorito. p. 6. Autoria: Ediria.

Legenda de “Zezé, vende o seu jornal”: I – Zezé quer tornar conhecido o “Momento Feminino”. Ela gosta do seu
2

jornal e considera sua leitura útil à tôdas as mulheres. II – Zezé vai ao cabelereiro, Mme. XX está no secador vendo
velhas revistas. Zezé vende-lhe o último número de “Momento Feminino”. III – No ônibus Zezé encontra muitas
mulheres que vão para o batente. E não perde tempo vai vendendo o “Momento Feminino”. IV – No trabalho Zezé
já mostrou às colegas a utilidade da leitura de “Momento”. E tôdas o compram com prazer. Imita Zezé, amiga.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 77-96, novembro 2010 89


Juliana Dela Torres

Na imagem à esquerda (Figura 12), de apontar a integração entre a mulher de


vemos um grupo de mulheres conversando, chapéu, elegante, no centro, a operária de
discutindo problemas relacionados ao seu macacão e outra mulher trabalhadora, com
cotidiano. Elas estão de vestido, cabelos uma pasta; todas parecem interessadas em
bem penteados, e a expressão facial é de participar da luta.
olhares de satisfação pelas ideias colocadas.
Outras ouvem com admiração a mulher
que está falando e, no fundo, uma delas se
diferencia das demais pelo avental e pelos
sinais de tristeza ou reflexão, com o olhar
direcionado para baixo. Nesse desenho,
podemos observar a importância dada para
a mulher engajada, apresentada como mais
feliz do que a mulher alienada, fechada em
seus problemas no lar. Isso porque, segundo
a ideologia comunista, as mulheres deveriam
ser despertadas para ação, conversar entre
elas, como as personagens Irene e Idealina
(Figura 13). São ilustrações que serviam
Figura 14. Voz Operária, 04/1955, p. 4
principalmente para expor signos de união
e organização.
Em fevereiro de 1950, foram realizadas O desenho ilustra o texto que ressalta
reuniões para a discussão do problema da a importância do trabalho do Partido
miséria e a elaboração de um plano de ação Comunista do Brasil na tarefa de despertar
comum das “Associações Femininas” de para a luta as grandes massas femininas,
vários Estados. O jornal Momento Feminino organizando-as e unindo-as em um amplo
apresentou um plano nacional contra a movimento popular, sob a liderança do
carestia, elaborado pela “Federação das partido. A matéria enfatiza o PCB como guia,
Mulheres do Brasil”, propondo “Convenções defensor, procurando demarcar sua diferença
Femininas Estaduais”, debates com mesas com relação aos demais partidos:
redondas em municípios, distritos e bairros,
O Partido Comunista do Brasil encarna as
concentração de protestos contra a alta de aspirações mais nobres da mulher, expressa
preços, campanha para barateamento dos suas esperanças de uma vida livre e feliz.
gêneros alimentícios mais sentidos em cada Só o Partido Comunista em seu Programa
indica à mulher o caminho de sua completa
Estado e a realização de uma semana nacional emancipação. Só o Partido Comunista orienta
contra a carestia. e dirige a luta das mulheres pela conquista de
No jornal Voz Operária, a imagem de seus direitos como mãe, trabalhadora e cidadã
três mulheres juntas simbolizando a união, e pela defesa da felicidade de seus filhos e da
paz (VOZ OPERÁRIA, 04/1955, p. 4).
acompanha a manchete “Despertar para a
luta política as massas femininas exploradas”
A imprensa partidária mostrava o partido
(VOZ OPERÁRIA, 04/1955, p. 4-5). Em
como aquele que “indica”, “orienta” e “dirige”
razão de o partido dirigir as propostas a toda
a luta feminina na “busca pela felicidade”.
a massa feminina, percebemos a intenção

90 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 77-96, novembro 2010


Imagens das Mulheres na Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)

Como já discutido, intencionava, por meio movimento e da participação comunista nele.


das imagens, provocar efeitos no público a Vemos um homem apontando para a escrita
fim de que ele tomasse parte das lutas do em destaque “Constituinte”; os outros três
PCB e a fim de tornar empíricas as propostas parecem clamar, pois as pessoas, na imagem,
de organização. olham, ajoelham-se e erguem os braços no
Em várias ocasiões, o Jornal Voz Operária sentido de pedir por aquilo que está escrito
enfatizou a importância da criação das (TRIBUNA POPULAR, 21/10/45, p. 9).
“Organizações Femininas” com a diretiva do
partido. Após o surgimento das associações, a
maioria das mulheres que se movimentavam
de uma maneira mais ou menos espontânea
foi ganha para as “Uniões Femininas”, o que
resultou em “grandes movimentos femininos”
(VOZ OPERÁRIA, 10/04/1954, p. 6). Em
vista disso, o princípio da união e organização
continuava sendo difundido por intermédio
do periódico.
Figura 15. Tribuna Popular, 21/10/45, p. 9. Autoria:
Além das várias imagens enfatizando
Paulo Werneck
a presença das mulheres em movimentos
locais, verificamos ainda que a participação
O desenho é composto por quatro
feminina em lutas de âmbito nacional e
homens e uma mulher. Esta é desenhada
internacional da época também foram temas
descalça, cabelos esvoaçantes, indicando
trabalhados pelos artistas colaboradores da
uma mulher de ação. A imagem ilustrava um
imprensa comunista. É o caso do movimento
poema sobre a Constituinte. Nas imagens do
pela Constituinte e pela Paz.
artista Paulo Werneck, notamos o uso de um
O Partido Comunista, numa linha de
fundo preto com destaques para as letras
“união” com o governo, esteve ligado ao
garrafais. Devemos perceber que o artista
movimento de apoio a Getúlio Vargas
geralmente procura dar ênfase para os gestos
(“Constituinte com Getúlio”). Integrar o
como o ato de indicar ou de chamar.
movimento, naquele contexto, significava
Em relação ao movimento pela paz a
apoiar principalmente a convocação de uma
que aludimos, começamos a percebê-lo
Assembleia Nacional Constituinte, por meio
no decorrer das análises das imagens com
da qual se reorganizaria o “novo Estado”,
a temática de pedido de paz. No período
tendo como motivação a elaboração de uma
pós-guerra, havia o constante perigo de
nova Constituição, o que ocorreu em 1946.
eclosão de um novo conflito. Era a Guerra
Ampla campanha com pedidos para a
Fria que apresentava para todo o mundo a
realização da assembleia visando à elaboração
disputa político-ideológica e militar entre as
da Constituição foi organizada pelo PCB,
duas grandes potências, Estados Unidos e
sendo as imagens fundamentais para chamar
União Soviética. Em razão do medo o qual se
as pessoas a participarem do movimento. Na
instalou, a discussão pela necessidade de se
imagem reproduzida na sequência (Figura
proclamar e se garantir a paz cresceu.
15), observamos a representação desse

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 77-96, novembro 2010 91


Juliana Dela Torres

Na esteira desses anseios, a “luta pela a tarefa do movimento comunista estava


paz”, declarada em 1949 pelo Kominform centrada na alternativa encontrada para
(Escritório de Informações dos Partidos colocar fim à guerra: a coleta de assinaturas
Comunistas), foi definida como tarefa pela proibição das armas atômicas.
primordial ao movimento comunista. Embora No Brasil, com a notícia de ser necessário
existissem manifestações contra a guerra irem soldados àquela região, intensificaram-
desde o segundo grande conflito mundial se os pedidos veiculados na imprensa para
em 1945, foi especialmente a partir dessa haver participação na luta pela paz, assim
nova linha lançada que os novos apelos para como atos considerados heroicos. Um
a paz mundial se tornaram temas frequentes exemplo é o da brasileira que ficou conhecida
na imprensa comunista. como heroína da paz: Elisa Branco. Ela foi
O início do confronto que opôs o norte presa porque abriu uma faixa no desfile de
(comunista) e o sul (capitalista) da Coreia, 7 de setembro em São Paulo em 1950 com
em 1949, foi, para os comunistas, uma os seguintes dizeres: “Os soldados nossos
grande ameaça de um combate direto entre filhos não irão para a Coreia!”. Esse episódio
os Estados Unidos e a União Soviética. Isso foi representado por artistas, como vemos
resultaria, caso ocorresse, em mais uma na imagem bastante repetida em A Classe
desastrosa guerra mundial. Sendo assim, Operária e Imprensa Popular (Figura 16).

Figura 16. Imprensa Popular, 03/08/1952, p. 10.

92 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 77-96, novembro 2010


Imagens das Mulheres na Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)

Diante da imagem, notamos que Elisa O pedido pela paz foi o movimento com
Branco está com seus olhos voltados para o maior número de imagens nas quais havia
o receptor e tem um leve sorriso. Ela, à personagens femininas. Com os desenhos,
frente, é seguida por outras mulheres com em meio aos textos, procurava-se sensibilizar
ar altaneiro, segurando placas de paz. Os as mulheres, e seu instinto materno, a
traços que formam o desenho destacam uma aderir à campanha. O importante papel a
mulher real, do povo. O cabelo esvoaçante, ser desenvolvido pelas mães e esposas e
em movimento, pode significar que a mulher mulheres em geral era muito reforçado pela
participativa não perde a feminilidade, mas imprensa comunista.
age, representando a força de todas aquelas
que a seguem e de todos que desejam a paz. Considerações Finais
Dessa forma, observamos que a referida
mulher é mostrada como uma heroína, um A finalidade do PCB, como partido
símbolo da paz, uma inspiração para todas de massas, era atingir o máximo da
as mulheres na luta pela paz mundial. população. Para veicular a propaganda e a
A imagem da mulher mãe, reproduzida orientação política, o partido contava com
na Figura 17, acompanha o lançamento as publicações de sua imprensa. Os recursos
da Campanha contra a Guerra Atômica, imagéticos, ilustração, gravura, charge,
resultante da reunião do “Conselho da Paz” caricatura e histórias em quadrinhos são
em Viena, janeiro de 1955 (VOZ OPERÁRIA, indícios que tornam evidentes os motivos,
08/01/1955, p. 11). as representações, as posições e o imaginário
dos militantes do Partido Comunista.
A repetida figuração das mulheres nas
imagens e a existência de um periódico
direcionado ao público feminino nos dizem
muito sobre como o partido tratava a
participação das mulheres nos seus projetos.
Analisando a representação destas na
imprensa comunista brasileira, verificamos
que os artistas deram maior ênfase à imagem
da mulher comum, real, sofrida. A mulher
Figura 17. Voz Operária, 08/01/1955, p. 11. trabalhadora, a dona de casa e a mãe
aparecem representadas, bem como a que se
A figura feminina segurando a criança, a mostra politicamente engajada nas lutas do
palavra Paz e o papel com a escrita pedindo a Partido (segurando faixas, placas e bandeiras
proibição da bomba atômica são recorrentes no movimento). Isso representa a intenção de
na imprensa comunista; tal conjunto de o partido ampliar sua base de apoio popular,
figuras reforçava a importância da coleta de fortalecendo suas lutas e ideias.
assinaturas para o apelo da paz. É importante As imagens, conforme vimos, eram
atentarmos para o uso da criança pelo artista. elaboradas a fim de provocar sensações
Por ser inocente e indefesa, a criança serve em seus receptores. Entendemos que, ao
como recurso apelativo, para emocionar o focalizar a representação da mulher triste,
leitor e conseguir sua adesão à causa da paz. desanimada, procurava-se causar reflexão

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 77-96, novembro 2010 93


Juliana Dela Torres

e conscientização para a ação. A presença Este artigo procurou contribuir para


das mulheres nos espaços propagados pela o debate sobre o uso de imagens e da
imprensa, como a “União Feminina”, levaria imprensa política como fonte de pesquisa
as mulheres à organização e ao ingresso histórica. São evidências e representações
em movimentos. Verificamos ainda que a de um período histórico e do imaginário de
imprensa partidária também atribuiu grande um grupo social que envolveu militantes,
ênfase à consciência de luta, ao engajamento, simpatizantes e leitores. Além dos homens,
representando as mulheres com a cabeça as mulheres também estiveram presentes
erguida, sorriso, seriedade e concentração e foram constantemente representadas nas
nas passeatas, de punho cerrado, segurando páginas da imprensa comunista brasileira.
placas e faixas. Essas imagens emanam signos Como diz Maria Izilda S. de Matos (1997,
da força, do poder e da felicidade em fazer p.107), “existem muitos gêneros, femininos
parte dos movimentos. e masculinos e temos que reconhecer a
Os desenhos de personagens femininos diferença dentro da diferença.” Por meio de
em tarefas como a entrega do jornal ou nosso trabalho, procuramos dar visibilidade
participando de movimentos são indícios a essas representações, seus motivos e
de um grupo que acreditava na força das significados.
mulheres – ou delas necessitava – para
as lutas do partido. Com vistas à adesão Referências
das mulheres, foi essencial a divulgação de
figuras exemplares, como o caso de Zezé ou AMARAL, Aracy A. A arte para quê?(A preocupação
social na arte brasileira, 1930/1970). São Paulo:
Elisa Branco. Estas foram representadas nas Nobel, 1987.
imagens focalizando segurança, solidariedade
BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In:
e serenidade. Enciclopédia Einaudi. Antropos-Homem. v.5.
Diante dos jornais comunistas, foi Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
possível observar que em muitos momentos 1985.
reproduziam o discurso naturalista, da BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e
sociedade burguesa, onde às mulheres imagem. São Paulo: EDUSC, 2004.
caberiam os cuidados com o lar, filhos e CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e
família. Desta forma, a presença delas no História do Brasil. São Paulo: Contexto/Edusp,
1988.
espaço público esteve em muitos momentos
associada às “condições determinadas ao CAVALCANTI, Wagner. Comitês Democráticos
e Populares. Tribuna Popular, Rio de Janeiro,
gênero feminino”. 21/07/1945.
Por outro lado, também percebemos que
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre
muitas delas encontraram no PCB um espaço práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand,
para a luta por sua emancipação social, 1985.
econômica e política. O jornal comunista FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito: Cultura
Momento Feminino deu lugar às vozes e imaginário político dos comunistas no Brasil
de mulheres de outras vertentes, como, (1930-1956). Rio de Janeiro: EDUFF, 2002.
por exemplo, Alice Tibiriçá e Bertha Lutz. GAWRYSZEWSKI, Alberto. A Caricatura e a
Lembramos ainda que, com grande influência charge na imprensa comunista (1945/1957).
(Pós-doutorado). Programa de Pós-graduação em
do partido e das comunistas, em 1949 foi História Social, UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.
criada a Federação de Mulheres do Brasil.

94 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 77-96, novembro 2010


Imagens das Mulheres na Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São TAVARES, Rodrigo Rodrigues. Desenhando
Paulo: Companhia das Letras, 1989. a Revolução: a luta de imagens na imprensa
MATOS, Maria Izilda S. de. Outras histórias: as comunista (1945-1964). Tese (Doutorado)
mulheres e estudos dos gêneros – percursos e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
possibilidades. In: SAMARA, E. M; SOIHET, R.; História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e
MATOS, M. I. (Org.). Gênero em Debate: trajetória Ciências Humanas da Universidade Estadual de
e perspectivas na historiografia contemporânea. São Paulo – USP, 2010.
São Paulo: EDUC, 1997. TORRES, Juliana Dela. O Momento Feminino e o
MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Fontes visuais, Partido Comunista do Brasil (1947/1950). Trabalho
cultura visual, História visual. Balanço provisório, de conclusão de curso (Bacharelado em História).
propostas cautelares. Revista Brasileira de História, UEL, Londrina, 2000.
São Paulo. v. 23, n.45, p. 11-36. 2003. ______. A representação visual da mulher na
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento imprensa comunista brasileira (1945/1957).
Feminino, Rio de Janeiro, 25/07/1947. Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História Social da
MONTENEGRO, Ana. Imprensa Feminina: fator Universidade Estadual de Londrina – UEL, 2009.
de educação. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
05/12/1947. ZETKIN, Clara. Notas do meu diário, Assim foi
Lenin, Moscou, 1934. In: MARX-ENGELS-LENIN.
MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado (a Sobre a mulher. 1.ed. São Paulo: Global, 1979, p.
imprensa comunista e o realismo socialista no 124-138.
Brasil – 1947/1953). Rio de Janeiro: José Olympio,
1994.
SILVA, Ana Cristina Teodoro da. Metodologia de
análise de fontes: o jornal contemporâneo sob FONTES
a luz do conceito de representação. In: SILVA,
Ana Cristina Teodoro da; ASSIS, Valéria Soares; JORNAL A CLASSE OPERÁRIA, 1946/1951.
BELINNI, Luiza Marta. (Org.). Experiências em JORNAL IMPRENSA POPULAR, 1947/1956.
metodologia de pesquisa. São Paulo: Gráfica,
1998. p. 1-14 JORNAL MOMENTO FEMININO, 1947/1956.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História JORNAL TRIBUNA POPULAR, 1945/1947.
Cultural. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. JORNAL VOZ OPERÁRIA, 1946/1957.
SCOTT, JOAN, Gênero um categoria útil de análise REVISTA FUNDAMENTOS, 1948/1955.
histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre
16(2), p. 5-22, jul/dez. 1990.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 77-96, novembro 2010 95


Corações na Curva do Rio
a imagem do inimigo no western

Lúcio Reis Filho


Graduado em História pela Universidade do Estado de Minas Gerais (2008), especialista em Jornalismo
Científico pela Universidade Estadual de Campinas (2010) e mestrando do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Nesta instituição, é integrante do “Laboratório
de Estudos em Ficção Científica Audiovisual” e do grupo de pesquisa “Cinema e Mídias Digitais”. Também
participa do grupo “Formas e Imagens na Comunicação Contemporânea”, da Universidade Anhembi
Morumbi.

Resumo
O presente artigo discute a representação do índio americano no western. Esse gênero surge
ainda nos primeiros anos do século XX, e suas produções costumam ser ambientadas no
período de destruição das culturas nativas dos Estados Unidos (1860-1890). Diversos filmes
de faroeste apresentam uma visão de mundo fundamentada no etnocentrismo e no discurso
conservador da ideologia dominante. O índio surge enquanto um obstáculo à conquista de
território, representante selvagem e incivilizado de uma minoria incômoda para a expressão
desenvolvimentista de uma nação em progresso. Nesse sentido, serão analisados alguns dos
trabalhos mais representativos de quatro cineastas americanos: Ford, Sturge, Eastwood e
Peckinpah. Pretende-se inferir se tais obras contribuíram com o fortalecimento daquele que se
tornou um estereótipo central no mito americano, dos índios cruéis e impiedosos.
Palavras-chave: Cinema de faroeste; etnocentrismo; índios americanos.

Abstract
This paper analyzes the representation of Native Americans in the western film. This genre emerges
in the first half of the 20th century, with stories generally set between 1860 and 1890, period of
the destruction of Native American culture. Several western films reproduce a worldview based
on ethnocentrism and the conservative ideology, depicting Native Americans as an obstacle for
territorial conquest, as savage and uncivilized beings, an inconvenient minority that blocks the
expression of a nation in progress. Hence, films from four American directors – Ford, Sturge,
Eastwood and Peckinpah – will be carefully studied in order to confirm whether these movies
had contributed for the construction of a central stereotype in the American mythology, the
portray of Native Americans as merciless savages.
Keywords: Western cinema; ethnocentrism; american indians.

Recebido em: 03/10/2010 Aprovado em: 05/11/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 97-108, novembro 2010 97


Lúcio Reis Filho

Corações na Curva do Rio


a imagem do inimigo no western1

Introdução Morais (2007, p. 113), a localização das


nações indígenas tornou-se um problema para
Este trabalho propõe uma discussão a o governo. Surgiu, então, um questionamento:
respeito da imagem do índio nos filmes de “o que fazer com os nativos americanos,
faroeste. O western existe desde o início [...] vistos como obstáculos à conquista de
do século XX, e as suas produções têm territórios e aos interesses de pequenos e
sido comumente ambientadas entre os grandes proprietários?”.
anos de 1860 e 1890, período marcado
Entre 1860 e 1880, metade da atual área de
pela destruição da cultura e da civilização
país já estava ocupada e era explorada. Em
nativas dos Estados Unidos. Primeiramente, 1860, colonos povoaram rapidamente as zonas
será fundamental percorrer os caminhos da orientais do Kansas e Nebraska. San Francisco
construção da imagem indígena ao longo do e Sacramento eram cidades movimentadas,
e a agricultura estava bem estabelecida no
século XIX, partindo da literatura. Em seguida, vale do Willamette, no Oregon. Entre essas
observaremos se determinados estereótipos duas distantes fronteiras – os povoados na
raciais e aspectos do etnocentrismo estão costa do Pacífico e os estados imediatamente
a oeste do Mississipi – estendia-se uma vasta
presentes em algumas produções do gênero.
região de planícies e montanhas, praticamente
Foram selecionados filmes de quatro diretores intocada pela civilização européia (SELLERS;
do cinema americano, sendo eles John Ford, MAY; McMILLEN, 1990, p. 224).
John Eliot Sturge, Clint Eastwood e Sam
Peckinpah. Alguns territórios do Oeste despertavam
especial interesse econômico. Interesse que
Malvados peles-vermelhas? se traduziu em poder político durante mais
de meio século. A penetração nas planícies
A partir de 1830, enquanto os Estados e montanhas por mineiros, migrantes e
Unidos vivenciavam um clima de embate diligências, as novas populações que se
político entre os estados escravistas, do Sul, espalhavam por toda a região, tornaram
e não escravistas, do Norte, enfrentavam inevitáveis os problemas com os índios
também os problemas de outra região, explica (SELLERS; MAY; McMILLEN, 1990). Os filmes
Charles Sellers (1990, p. 224). Segundo Luiz de faroeste partem desse contexto para
Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de representá-los como uma minoria incômoda

Versão revista de trabalho apresentado no III Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais
1

(III Ecomig), evento integrante do 8º Encontro Regional de Comunicação, realizado na Faculdade de Comunicação Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora, em outubro de 2010. Agradeço a colaboração do Prof. Alfredo Paes de Oliveira Suppia, do
Mestrado em Comunicação da UFJF.

98 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 97-108, novembro 2010


Corações na Curva do Rio: a imagem do inimigo no western

para a expressão desenvolvimentista da Para Sheridan, qualquer índio que resistisse ao


nação em progresso, que precisava de terras ataque era um “selvagem”. Então, no fim de
para ampliar seu território, para fazer estradas dezembro de 1868, o general pronunciaria as
e colonizar o interior. Segundo o historiador palavras imortais: “os únicos índios bons que
Dee Brown (2009), o cinema muitas vezes já vi estavam mortos”. Mais tarde, o tenente
explorou uma imagem estereotipada no Charles Nordstrom, presente na ocasião,
mito americano, a imagem dos índios lembrou-se das palavras e as passou adiante,
como selvagens impiedosos. No western, a até o tempo transformá-las em um aforismo
representação do índio parece seguir uma americano: “o único índio bom é um índio
fórmula padrão: morto”.
Brown (2009) argumenta que essa e
Nos velhos tempos em que o mocinho ganhava outras máximas, como as ordens proferidas
do bandido e casava com a mocinha, ninguém
era mais bandido que o índio. Quando os
pelo coronel John M. Chivington – “matem
pacíficos colonos vinham falando de uma nova todos os índios que encontrarem” – e pelo
terra prometida, a câmera ia para os altos das general Patrick Connor – “[os índios] devem
escarpas próximas e era inevitável: lá estavam
ser caçados como lobos” –, favoreceram
as silhuetas odiadas.
Confusão. Berros. O mocinho dava as ordens, atrocidades contra os nativos por parte dos
os carroções ficavam em círculo. Corte. Um soldados. Depois de uma reunião com os
índio velho, cheio de penas, dava um berro cheyennes, em meado da década de 1860,
ou agitava uma lança. Lá ia o bando de gente
pintada berrando. Corte. O mocinho, fazendo o major Edward Wynkoop declarou-se na
careta, dizia para o idiota ao lado que não presença de uma raça que, antes, sempre
devia atirar. “Espere! Temos pouca munição!” considerara cruel, traiçoeira e sanguinária,
Lá vinham os índios, o mocinho dizia: “agora!”
desprovida de sentimentos ou afeições para
e começava a cair gente pintada do cavalo.
Mas a pouca munição provocava caretas com amigos ou parentes. Percebe-se que a
desesperadas no mocinho, cercado de gente representação hollywoodiana do índio se
ferida. Até o idiota estava ferido. Quando assentou sobre todos esses estereótipos,
a mocinha (que estava carregando os rifles)
dizia que era a última carga, soava o clarim ou seja, sobre a imagem de um índio
salvador da Cavalaria e milhões de Casacos “selvagem” e “sanguinário”. Tal visão parece
Azuis encurralavam um punhado de índios, ter predominado no gênero western durante
acabando com todos. Beijo final. The End
algum tempo.
(BROWN, 2009, p. 5).
Em contraponto à visão formulada pelos
ideais da “democracia branca”, nas palavras
As raízes desse estereótipo podem ter
de Fernandes e Morais, as pesquisas de
origem no embate entre índios e soldados
Brown propõem que os americanos voltem
federais. Como nos lembra Charles Sellers,
os olhares para o Leste, quando defrontados
a luta duradoura teve início no Minnesota,
com a sua história, e não apenas para o Oeste.
no ano de 1862. Porém, a tal “gente que
Com relação à “epopeia” da conquista, o
berrava” era um povo altivo, nobre, com uma
autor busca narrar uma história índia do
cultura própria, que só entrava em guerra
Oeste, uma história em que os “mocinhos”,
defendendo o direito de viver nas terras que
sempre foram suas (BROWN, 2009). Durante de repente, não têm a pele branca e possuem
o inverno de 1867-68, de acordo com Brown, nomes que nos filmes eram perseguidos por
o general Philip Henry Sheridan liderou os John Wayne, Henry Fonda ou James Stewart:
soldados que caçavam os índios cheyennes. “Cochise, Gerônimo, Nuvem Vermelha,

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 97-108, novembro 2010 99


Lúcio Reis Filho

Cavalo Doido, Victorio, Touro Sentado, conter aspectos bastante particulares e


Galha,”2 entre outros. característicos, como a ação conflituosa por
A revisão histórica realizada por Dee motivos definidos em determinado espaço-
Brown fundamentará nosso trabalho. A tempo. Conforme explicam Wellek e Warren
partir deste ponto, analisarei o etnocentrismo (apud BUSCOMBE, 2004, p. 305), o senso
fisionômico, responsável pela construção comum sugere a possibilidade de estabelecer
da “imagem do inimigo”, e a idealização uma lista de elementos encontrados nos filmes
cinematográfica maniqueísta, que subverteu de western e afirmar que qualquer filme que
a expansão para o Oeste e os massacres possua um ou mais desses elementos pode
nas aldeias indígenas, desfigurando-os, ser considerado um western, embora não
reduzindo-os ao mito de um confronto entre necessariamente idêntico a outros exemplos
civilização e barbárie. do formato.
Staples (1973) complementa: para
O western e as heranças da fronteira entender o western enquanto linguagem
artística deve-se observar o recorrente
Segundo Donald Staples (1973, p. 327), padrão imagético do gênero, que persiste
“o western é tão antigo quanto Hollywood e por décadas e forma a sua iconografia.
o próprio cinema. Um dos primeiros filmes Fala-se, aqui, do artista e do papel que
do gênero [...] foi O Grande Roubo do Trem ele desempenha. Certos personagens são
(The Great Train Robbery, 1903), de Edwin recorrentes nos gêneros fílmicos, e o próprio
S. Porter”. Uma vez que a tradição básica western comprova essa proposição com seus
do faroeste tem origem no romance, em pistoleiros, populações citadinas, cavalarias,
particular nos romances baratos do século índios, xerifes fracos, andarilhos maus,
XIX, foram os contos de James Fenimore senhoras delicadas, comerciantes corruptos
Cooper – denominados Leatherstocking e bêbados cômicos. Grande parte dos filmes
Tales – que estabeleceram a fórmula clássica: de faroeste foi ambientada no tumultuoso
o herói do interior, evidentemente moldado período de 1860 a 1890, pouco antes da
em Daniel Boone,3 que salva uma donzela do fronteira americana4 ser fechada, quando
Leste das mãos dos índios, antes de perdê-la praticamente todos esses mitos do Velho
para um rival mais refinado, de estrato social Oeste foram engendrados.
superior. De acordo com Fernandes e Morais
De acordo com Guido Bilharinho (2001), (2007, p. 106), o século XIX proporcionou
cada gênero ficcional possui características e rápida expansão e desenvolvimento
elementos peculiares, que não só o compõem econômico para os Estados Unidos, que
como o singularizam e o distinguem dos atingiram um patamar antes inimaginável
demais. Dessa maneira, o western não de crescimento. As estradas de ferro, por
fugiria à regra e só o é justamente por exemplo, proporcionaram uma revolução

2
BROWN, Dee. Enterrem meu coração na curva do rio. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 5.
3
O americano Daniel Boone foi desbravador, explorador e destacado silvícola da história dos Estados Unidos. Ele deixou para trás
muitas terras que descobriu, protegeu, assentou e cultivou. Disponível em: <http://www.notablebiographies.com/Be-Br/Boone-
Daniel.html>. Acesso em: 17 ago. 2010.
4
Em 1893, o historiador Frederick Jackson Turner disse que um período da história norte-americana se encerrava em 1890, com
o fim da fronteira. O censo daquele ano, pela primeira vez, não encontrou fronteira contínua além da qual o país não estivesse
colonizado. In: SELLERS, Charles; MAY, Henry; McMILLEN Neil R. Uma reavaliação da história dos Estados Unidos: de colônia a
potência imperial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 233.

100 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 97-108, novembro 2010


Corações na Curva do Rio: a imagem do inimigo no western

nos meios de transporte por aumentar O hábito da violência, um legado de


a eficiência da locomoção de pessoas e Oeste, foi largamente explorado nos filmes
mercadorias. Aliás, Edward Buscombe (2005, de western. De acordo com Sellers, May e
p. 308) sugere que os trens façam parte do Mcmillen (1990, p. 236), o Oeste criou uma
vasto grupo de objetos variados que, sendo tradição de justiça rude por meio de seus
recorrentes, acabam por assumir funções vigilantes, xerifes de fronteira e associações
formais no western. Sabe-se que as grandes de criadores de gado. O costume da rixa
linhas que ligavam o Leste ao Oeste foram de vida ou morte veio dos acampamentos
completadas no início da segunda metade do de garimpeiros, das cidades pecuárias e
século. Ao mesmo tempo, Brown considera o dos povoados de pontas de trilhos. “Talvez
intervalo de trinta anos entre 1860 e 1890 a a violência fosse inseparável de um dos
época de destruição da cultura e da civilização traços mais atraentes da lenda da fronteira
indígena. Reafirma, ainda, que – o devotamento à liberdade individual e à
igualdade, consideradas como características
[...] é dessa época que vieram praticamente
todos os grandes mitos do Oeste Americano do Oeste”.
– histórias de negociantes de peles, homens
das montanhas, pilotos de vapores, mineiros, Pintando a imagem do inimigo
jogadores, pistoleiros, soldados da cavalaria,
vaqueiros, prostitutas, missionários, professores
e colonizadores (BROWN, 2009, p. 8). De acordo com William Brandon (1974,
p. 249), o nativo americano foi tomando a
Portanto, esse breve momento na história carga da afeição comovente causada por
dos Estados Unidos forneceu a estrutura sobre um moribundo. Conforme desaparecia dos
a qual se assenta a tradicional representação estados do Leste, tornava-se uma figura
do período: os últimos dias da Guerra Civil, o envolta pela narração alegórica, nostálgica.
incremento da mineração, a construção das Em alusão aos índios, Lydia Sigourney, “a doce
ferrovias, as guerras índias e de cavalaria, as cantora de Hartford”, poetisa americana mais
grandes manadas de gado, a chegada dos popular do século XIX, entoou o seguinte
agricultores e criadores de ovelhas e os fora- poema:
da-lei (STAPLES, 1973). Contudo,
Dizeis que todos já se foram,
[uma] razão para que os americanos sintam A raça nobre e varonil
hostilidade com relação ao western é a Que suas leves canoas sumiram
percepção de como o mesmo distorce a Para longe da crista do rio;
realidade sócio-histórica da qual se aproxima. Que dentre as florestas que percorreram,
O extermínio dos índios – o ataque genocida Lá grito de caçador algum irá ressoar;
dos colonos contra os nativos altamente Mas seu nome está em suas águas,
civilizados do país torna-se o épico esforço Não podeis rejeitar…
do Povo Escolhido contra os selvagens. Os Dizeis que suas cônicas cabanas
fora-da-lei do Oeste – brutos, bestiais e burros Que se apinham sobre o vale
– tornam-se heróis de lenda. Considerando-o Sumiram como folhas secas
em termos políticos, o western pode parecer Antes da outonal tempestade:
opressivo – um mito chauvinista, machista e Mas sua memória habita suas colinas…5
nacionalista (STAPLES, 1973, p. 329).

Livre tradução de: “Ye say that all have passed away, / The noble race and brave / That their light canoes have vanished / From off
5

the crested wave; / That’mid the forests where they roamed, / There rings no hunter’s shout; / But their name is on your waters, / Ye
may not wash it out… / Ye say their cone-like cabins / That cluster o’er the vale, / Have disappeared as withered leaves / Before the
autumn gale: But their memory liveth on your hills…” In: BRANDON, William. The American heritage book of Indians. New York: Dell,
1974, p. 249.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 97-108, novembro 2010 101


Lúcio Reis Filho

William Brandon sugere que a imagem do a partir dos fortíssimos componentes ainda
índio tenha enfatizado, ao longo da história, uma vez etnocêntricos, cuja realidade é
ora o total desaparecimento das tribos, ora reproduzida por um médium intrinsecamente
a erradicação dos “selvagens” como meras cêntrico (CANEVACCI, 1990).
pragas agrícolas. Em fins do século XIX, “a
guerra havia terminado, a conquista fora A dissonância na música, a dimensão
da memória na literatura, o cubismo, o
vencida, e uma curiosa cegueira obscureceu expressionismo e o surrealismo na pintura
o longo e importante papel do índio na expressam a crise de um modelo de civilização
história americana, relegando o mesmo a que, em vez de conseguir socializar o belo,
produz a amplificação do horror. O cinema
uma parcela menor da atividade comercial
reage à difusão da crítica que busca desmascarar
[...]” (BRANDON, 1974, p. 250). O autor a ideologia harmonicista de nossa civilização; e
continua a argumentação: essa reação assume a forma da ilusão realista
(CANEVACCI, 1990, p. 93).
Os fantasmas das confusas imagens dos
índios ocuparam a fantasia popular em um No cinema, ainda segundo Canevacci
grau surpreendente na literatura, nas leis e na
prática da moralidade do século XIX. Em sua
(1990, p. 95), “[...] nazistas, vietcongues,
imagem oficial, o problema indígena era de índios, generais, simples soldados, camponeses
ordem econômica e deveria ser tratado o mais [...] sofrem uma modificação fisionômica que
economicamente possível. Mas todos esses
está de acordo com o ponto de vista da
fantasmas das confusas imagens não podiam
atravessar o abismo rumo à compreensão ideologia [...] por trás de sua representação”.
dos índios enquanto pessoas que pudessem Dessa maneira, o etnocentrismo fisionômico
ser levadas a sério, enquanto pessoas que reproduzido pela cinematografia teve a
fizessem parte da história e da vida da nação
(BRANDON, 1974, p. 250).
responsabilidade de fazer com que se
expandissem a desconfiança, a hostilidade,
Pode-se dizer que a representação do índio o tédio, o antagonismo popular de massa,
em muitos filmes de faroeste segue o princípio em face de tudo o que não se conforma à
da “modificação fisionômica”, subjugada ao assonância dominante.
etnocentrismo da cultura dominante. De De acordo com Leif Furhammar (2001),
acordo com Massimo Canevacci (1990, p. para a propaganda que se dedica em grande
88), “a crueldade do homem deve continuar parte à imagem do inimigo, é fundamental
a ser projetada em outro que não ele durante que a mensagem seja expressa de um modo
todos os séculos futuros”. De modo geral, a que não convide à discussão. Em filmes dessa
deturpação das proporções faciais e corporais natureza, os clichês são inevitáveis. Geralmente
deve ter imprimido publicamente as leis da os estereótipos já vêm prontos, depois de
assimetria, na medida em que trata de uma terem se desenvolvido por um longo período,
evocação do primitivo, do arcano, do torpe, do às vezes como parte de mitos relacionados
satânico, do ridículo, até mesmo do inimigo. com outras raças, nações ou grupos sociais.
Assim como nas culturas ditas “arcaicas”, Também podem passar de geração em
o xamã busca expulsar a doença imitando geração pela tradição oral, ou podem estar
o mal, do mesmo modo a civilização pós- latentes em um subconsciente nacional, para
industrial, fundada na imagem, busca reduzir serem reavivados pela propaganda quando o
o mal ao feio. Desse ponto de vista, o cinema Estado precisa de um inimigo. Os estereótipos
significou uma incrível regressão planetária, roubam a humanidade dos outros reduzindo

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Corações na Curva do Rio: a imagem do inimigo no western

os indivíduos a uma homogeneidade sem para com os americanos nativos deram


vida. “Embora tais clichês possam ser origem a campanhas de protesto. No final
inofensivos e às vezes divertidos [...], também do século XIX, simpatizantes idealistas do
podem ajudar a preparar o caminho para o Leste, muitos deles membros da Associação
genocídio” (FURHAMMAR, 2001, p. 187). dos Direitos dos Índios, argumentaram que
era intolerável uma política que implicava
Qualquer método de separação eficiente conquista, pauperismo e, em alguns casos,
– legal, linguístico ou físico – entre “nós” e
“eles” abre caminho para que “nós” façamos
genocídio virtual. A maioria dos reformadores
qualquer coisa contra “eles”. Não precisamos acreditava que os benefícios da civilização
mais considerá-los como seres humanos; não “branca” deveriam ser levados aos índios, para
enxergamos sua semelhança conosco. Alguns
que estes pudessem ser assimilados à cultura
dos clichês cinematográficos para povos e
relações humanas são do próprio cinema, dominante, em lugar de permanecerem em
enquanto outros parecem herdados [...] condições tribais primitivas. Essa proposta
(FURHAMMAR, 2001, p. 187-8). agradava o etnocentrismo em voga no
período e os desejos dos brancos famintos
Nicolau Sevcenko (1996) sugere que pelas terras das reservas indígenas (SELLERS;
o modo pelo qual uma sociedade dita MAY; McMILLEN, 1990).
“civilizada” vê, ou representa o que vê, na Pa r t i n d o d e u m p o n t o d e v i s t a
presença da imagem daquele que é o seu antropológico, Canevacci considera o
outro, costuma ser fortemente calcado no etnocentrismo a “absolutização” de uma
princípio da alegoria. Em relação às primeiras particularidade relativa a um povo, a uma
projeções que as elites europeias formularam raça, a uma estrutura social etc., que se eleva
a respeito do continente americano e dos a modelo indiscutível, aparecendo como uma
povos americanos em geral, o conceito de dilatação do “eu” mais singular, cuja crise
História era profundamente unilateral e poderia produzir a própria autodestruição
centrado na Europa do Renascimento. A (CANEVACCI, 1990). Dessa maneira,
própria forma de expressão da sociedade
moderna renascentista era de mediação o etnocentrismo – que estigmatiza o diverso e
das relações sociais e das noções de poder. difunde personalidades autoritárias – penetra
cada vez mais facilmente no “público”, que, em
Destaca-se a situação em que europeus e seu significado mais amplo, compreende não
não europeus se viram frente a frente. “O apenas o “espectador”, mas também o “ator”
elemento representativo dessas mediações, em sua versão deteriorada, daquele que “atua”
com base em solicitações conscientemente
seu modo de representação simbólica, é
organizadas segundo as necessidades técnicas
exatamente a arte, em sua forma de alegoria. do roteiro, do cenário, da representação, da
[...] O princípio da representação alegórica filmagem, da montagem: da estrutura fílmica
[...] é a função política que ela comporta” (CANEVACCI, 1990, p. 106).
(SEVCENKO, 1996, p. 119).
Segundo Charles Sellers, Henry May e Como nos lembra Canevacci (1990),
Neil R. McMillen, a longa e sanguinolenta esse mecanismo não se limita às chamadas
história da luta pelo Oeste conforma um sociedades “primitivas”, mas se estende
dos episódios menos agradáveis da história também às mais “civilizadas”. Dessa maneira,
americana. Entretanto, no devido tempo, o cinema, em vez de ajudar didaticamente
as políticas inábeis e cruéis do governo a compreender, amplia desmesuradamente

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 97-108, novembro 2010 103


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o mecanismo de nós e os outros, graças ao tanta frequência em romances, em filmes e na


poder persuasivo da imagem. Aliás, a cultura televisão, os índios americanos permanecem,
ocidental em seu conjunto aperfeiçoou a provavelmente, como os americanos menos
fixação dessas fronteiras da humanidade por entendidos e mais incompreendidos [...]”.
meio da organização científica do estigma Suas palavras justificam o presente estudo,
impresso sobre tudo o que se presume uma vez que a nossa análise da representação
“diverso”. O autor ainda sugere que o cinema do índio nos filmes de faroeste constitui uma
de ficção não contribua para a difusão de tentativa de lançar luz sobre um tema ainda
um conhecimento que legitime a aceitação pouco estudado.
da diversidade por aqueles valores, hábitos, Em primeiro lugar, voltaremos nossa
fisionomias e fisiologias que podem/devem atenção para o cineasta John Ford, cuja
ser reciprocamente concedidos quando importância dentro do western não pode
diversos. “Em vez de ser pacificação e ser esquecida. Ford é considerado um dos
legitimação das diversidades, o cinema [...] grandes diretores dos Estados Unidos, “uma
foi o amplificador do etnocentrismo [...]” das figuras respeitadas do cinema” (STAPLES,
(CANEVACCI, 1990, p. 106). 1973, p. 340). Iniciada em 1914, sua
Em seguida, o estudo sobre os filmes carreira percorre meio século e compreende,
de faroeste será mais detalhado, mediante virtualmente, a própria história do filme – seus
a leitura de obras selecionadas de quatro períodos de silêncio e som, a introdução das
cineastas americanos: John Ford, John Eliot cores e do widescreen. De acordo com Guido
Sturge, Clint Eastwood e Sam Peckinpah. Bilharinho, Ford realizou diversos faroestes
Sabe-se que o apogeu do western se deu nas décadas de 1940, 1950 e 1960. Dentre
antes dos anos 1960, ao lado de gêneros as suas produções, No Tempo das Diligências
cinematográficos igualmente expressivos e (Stagecoach, 1939) salta à vista como o
notáveis como o musical e o film noir. Segundo seu grande western, levando em conta o
Bilharinho, essa categoria fílmica declina nas dinamismo, a tensão e a caracterização das
décadas seguintes, embora não deixe de ser personagens.
cultivada, e surge em seu lugar o malfadado
[...] Alguns dos mais importantes elementos
western-spaghetti, com faroestes artificiais,
que forjam a saga do oeste, configurando o
essencialmente comerciais, produzidos na que se convenciona denominar opera horse,
Itália e geralmente filmados na Espanha, aqui se plasmam [...]: o heroísmo, o destemor,
cujas áreas de paisagem semidesértica eram o acerto de contas mais do que simples ato
de vingança, a ameaça do índio rebelado,
propícias a esse fim. Portanto, estudaremos seu ataque, a corrida vertiginosa de cavalos,
exemplares do western durante o seu auge, o clássico perfil da diligência cercada pela
período no qual estão inseridos os trabalhos fúria indígena em desabalada carreira pela
planície [...] Nesse filme, o índio é enigma e
desse quarteto de diretores.
não se o julga [...] É um dado da realidade
com o qual mais do que lidar precisa-se lutar,
De Ford a Peckinpah: a América dos índios face à exacerbação e paroxismo que atinge
na óptica de quatro realizadores (BILHARINHO, 2001, p. 18-9).

Em prefácio à obra de William Brandon Segundo Donald Staples (1973, p. 341),


(1974, p. 11), John F. Kennedy sugere que em filmes como No Tempo das Diligências,
“para um assunto visitado e revisitado com O Cavalo de Ferro (The Iron Horse, 1924),

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Corações na Curva do Rio: a imagem do inimigo no western

Sangue de Herói (Fort Apache, 1948) e O dos atos e da conduta dos indivíduos, não
Homem Que Matou o Facínora (The Man apenas seu perfil intelectual, moral e social,
Who Shot Liberty Valance, 1962), Ford bem como a essência humana. Por essa
encontrou a estrutura ideal para expressar razão, a personagem fordiana é talhada
a sua visão poética da América, uma nova autenticamente em sua integralidade.
nação que esculpiu, a grande custo, a terra No enredo de Rastros de Ódio (The
selvagem. “Um preço – como o diretor Searchers, 1956), por exemplo, a busca do
sugeriu em trabalhos posteriores – demasiado protagonista Ethan (interpretado por John
alto considerando o que os Estados Unidos Wayne) pela sua sobrinha é entremeada de
verdadeiramente se tornaram”. Sean Cubitt acidentes e incidentes razoáveis e plausíveis.
(2004) considera os faroestes fordianos a A busca fundamenta-se em um entranhado
representação em escala do mito nacional, ódio racista, movido pelo sentimento de
porém numa modalidade identificada como resgate de seu sangue. Esse desígnio implica
conservadora. O heroísmo de Ringo Kid, em a eliminação física do ente familiar (e racial)
No Tempo das Diligências, seria um recurso em decorrência da miscigenação resultante
do qual o diretor lançou mão, pois o destino do impositivo e, para Ethan, inadmissível
dos Estados Unidos dependeria da fidelidade contato interracial. Nesse filme,
do personagem para com os valores basilares
O índio, elemento onipresente [...], mais
da nação.
presente quando ausente fisicamente, é
Para Bilharinho, o western de John Ford apresentado [pelo cineasta] com dignidade e
não se reserva à simples e descompromissada imparcialidade, até mesmo quando autor de
diversão – constitui obra autoral no sentido inominável atrocidade. Como contraponto
a isso, [...] é mostrada [...] a extremada
em que expressa uma visão de mundo crueldade da dizimação de aldeias indígenas
determinada e pessoal que o cineasta elege (BILHARINHO, 2001, p. 28).
como tema de seus filmes (BILHARINHO,
2001). Nesse sentido, é importante retomar O Homem Que Matou o Facínora, quinto
o argumento de Canevacci (1990) sobre filme de faroeste da carreira de Ford, parece
o ponto de vista da ideologia por trás ter sido “mais do que puro western, já que
de uma representação. Leif Furhammar extrapola os limites e parâmetros do gênero
complementa: sugere que a velha ideia para inserir-se na categoria mais ampla de
de considerar os filmes como diversão ou drama humano individual, econômico-social
arte, ou eventualmente ambos, tem sido e histórico” (BILHARINHO, 2001, p. 29).
encarada com crescente ceticismo. “É Nele Ford pode exercitar adequadamente as
amplamente reconhecido que os filmes possibilidades do gênero, cristalizando a saga
refletem também as correntes e atitudes do Oeste em uma narrativa linear, por meio
existentes numa determinada sociedade, sua do embate entre civilização/barbárie, lei/
política” (FURHAMMAR, 2001, p. 6). crime, honra/ despudor, convívio/violência,
Bilharinho (2001, p. 28) explica que em honestidade-idealismo/desonestidade-
Sangue de Herói, como em muitas obras de brutalidade, bondade/maldade. Logo, a
Ford, o cineasta não se limita a construir idealização cinematográfica própria dessa
cinematograficamente uma realidade e fase histórico-geográfica dos Estados Unidos
estampá-la imageticamente. Vai além, ao faz-se maniqueísta e nitidamente exposta.
fixar de maneira analítica e crítica, por meio Bilharinho reforça a presença do

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Lúcio Reis Filho

maniqueísmo e da visão mítica do Oeste irradiam uma propriedade que será essencial
nos filmes de western, sublinhando outros para o filme, bem como para o novo faroeste
exemplos. Segundo o autor, Duelo de Titãs como um todo: a percepção da feiúra. Esta
(Last Train From Gun Hill, 1959), de John não denota o vil ou o abjeto. Conforme
Eliot Sturge, é um filme calcado na ambiência sugere o título original de um dos westerns de
peculiar do Oeste – aquela que foi mitificada Sergio Leone (The Good, the Bad and the Ugly,
e transmitida pelos meios de comunicação, 1966),6 cuja tradução seria “O Bom, o Mau
desde a tradição oral, passando pelos e o Feio”, a feiúra existe numa relação entre
inúmeros livretos de escritores que percorriam o bom e o mau, enquanto uma categoria
a região à cata de histórias, até explodir no étnica. Nesse sentido, Peckinpah pretende
século XX por meio do cinema. avançar além da amoralidade dolorosa e fora
Josey Wales, O Fora da Lei (The Outlaw de propósito do western televisivo (CUBITT,
Josey Wales, 1976), de Clint Eastwood, 2004).
é espetaculoso, maniqueísta e repleto
d e e s t e re ó t i p o s e c l i c h ê s, a l é m d e Apontamentos finais
caracterizadamente naturalista ou mimético.
O personagem que empresta o nome ao A escritora nigeriana Chimamanda
título é interpretado pelo próprio Eastwood. Adichie alerta sobre os perigos de uma única
Não se pode deixar de notar, como lembra história, pois ela pode roubar das pessoas sua
Bilharinho (2001, p. 123), o viés racista dos dignidade. Torna difícil o reconhecimento
acasalamentos entre índio e índia / branco e da humanidade compartilhada. Enfatiza
branca, quando o dado inicial do encontro a diferença, em vez da semelhança. Com
entre indígena e protagonista propiciaria uma única história, não há possibilidade de
desenvolvimento diverso do adotado, não conexão entre os humanos. E tudo depende
fosse sua depreciação humana. do poder, que é a habilidade não apenas
Por outro lado, os westerns de Sam de contar a história de outra pessoa, mas
Peckinpah, ao serem comparados com de torná-la a sua história definitiva. Assim,
os de seus pares, estiveram dispostos a criam-se os estereótipos. E o problema
hibridizar. Quando Peckinpah se volta dos estereótipos, segundo Adichie, não é
para o Oeste americano, não contempla a que eles sejam mentira, mas que sejam
homogeneidade purista de um agrupamento incompletos. Fazem uma história tornar-
humano monocultural, e sim a mestiçagem, a se uma única história. “Mostre um povo
combinação das culturas hispânica, europeia como uma coisa, como somente uma coisa,
e indígena em seu ponto de origem [...] “O repetidamente, e isso ele se tornará”, diz
mito fundador de Peckinpah é uma lenda de a escritora. “Comece uma história com as
hibridação cultural e não de pureza racial” flechas dos nativos americanos e não com
(CUBITT, 2004, p. 193). a chegada dos britânicos, e você terá uma
Em Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild história totalmente diferente”.7
Bunch, 1969), determinadas sequências Nos filmes de faroeste da primeira metade

6
Sean Cubitt refere-se a The Good, the Bad and the Ugly (1966), western de Sergio Leone, cuja tradução literal seria “O Bom, o
Mau e o Feio”. Entretanto, o filme foi traduzido para o português como Três Homens em Conflito.
7
CHIMAMANDA, Adichie. O perigo de uma única história. TED Global. Out. 2009. Disponível em: <www. ted.com/talks/lang/
por_br/chimamanda_adichie_the_danger_of _a_single_story.html>. Acesso em: 14 de maio de 2010.

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Corações na Curva do Rio: a imagem do inimigo no western

do século XX, e do início da segunda, a Referências


representação do índio fundamentou-se,
muitas vezes, na imagem estereotipada BILHARINHO, Guido. O filme de faroeste.
do selvagem impiedoso e incivilizado. Uberaba: Instituto Triangulino de Cultura, 2001.

O modelo a partir do qual os nativos BRANDON, William. The American heritage book of
Indians. New York: Dell, 1974.
são exibidos nessas produções deriva de
clichês preexistentes, muitos dos quais se BROWN, Dee. Enterrem meu coração na curva
do rio. Tradução de Geraldo Galvão Ferraz. Porto
desenvolveram durante um longo período,
Alegre: L&PM, 2009.
a partir de mitos eurocêntricos, e foram
BUSCOMBE, Edward. A idéia de gênero no cinema
transmitidos por gerações pela tradição oral. americano. In: Teoria contemporânea do cinema.
Também podem ter origem naquele velho São Paulo: Editora Senac São Paulo, v. II, 2005.
aforismo americano inspirado nas palavras CANEVACCI, Massimo. Antropologia do cinema:
do general Sheridan, “o único índio bom é do mito à indústria cultural. São Paulo: Brasiliense,
um índio morto”. Ou mesmo no medo que os 1990.
“brancos” sentiam dos nativos, por considerá- CHIMAMANDA, Adichie. O perigo de uma única
los uma raça cruel, traiçoeira e sanguinária, história. TED Global. Out. 2009. Disponível em:
<www.ted.com/talks/lang/por_br/chimamanda_
desprovida de sentimentos ou afeições.
adichie_the_danger_of _a_single_story.html>.
Entretanto, embora a representação Acesso em: 14 de maio de 2010.
estereotipada do índio pareça predominante CUBITT, Sean. The cinema effect. Cambridge: MIT
no gênero western, é importante destacar Press, 2004.
que o cinema hollywoodiano ofereceu DANIEL Boone. Disponível em: <http://www.
uma diversidade de visões e de outras notablebiographies.com/Be-Br/Boone-Daniel.html>.
histórias a respeito dos nativos, sempre Acesso em: 17 ago. 2010.
conectadas à óptica de seus diretores acerca FERNANDES, Luiz Estevam; MORAIS, Marcus
da América. Enquanto os filmes selecionados Vinícius de. Os EUA no século XIX. In: História
dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São
de Ford são exemplos do conservadorismo,
Paulo: Contexto, 2007, p. 99-172.
por apresentarem um Oeste calcado nos
FURHAMMAR, Leif; ISAKSSON, Folke. Cinema &
estereótipos racistas, por reforçarem mitos política. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
depreciativos ao índio e estabelecerem a
SELLERS, Charles; MAY, Henry; McMILLEN Neil.
relação maniqueísta “civilização” versus Uma reavaliação da história dos Estados Unidos: de
“barbárie”, Sam Peckinpah, por sua vez, colônia a potência imperial. Rio de Janeiro: Jorge
propôs a hibridação cultural em lugar da Zahar, 1990.
pureza racial. Já os trabalhos de Eastwood SEVCENKO, Nicolau. As alegorias da experiência
e Sturge precisam ser observados mais marítima e a construção do europocentrismo. In:
Raça e diversidade. São Paulo: Edusp, 1996.
detidamente, para que se possa inferir se
representam ou não a visão etnocêntrica. STAPLES, Donald (ed.). The American cinema.
Washington: Voice of America, 1973.
A imagem do índio no western ainda tem
sido pouco estudada. Novas pesquisas
são necessárias. Essas são apenas algumas
anotações.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 97-108, novembro 2010 107


Beleza de Moça:
nação e publicidade de cosméticos

Mara Rúbia Sant’Anna


Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Realizou estágio de
doutoramento na École des Hautes Études en Sciences Sociales (FR). É líder do grupo de pesquisa “Sociedade
e Moda” e coordenadora de atividades de Extensão. Atualmente é professor titular da Universidade do
Estado de Santa Catarina e membro permanente do Mestrado em História da mesma instituição. Professora
associada da Equipe d’Acueil 3400, filiada à Universidade de Strasbourg (FR).

Resumo
Estudo de um anúncio de batom, da marca Colgate, publicado na revista O Globo, em 1940.
A partir deste anúncio, é analisado como a publicidade realizada em torno de um cosmético
agencia modelos de beleza e juventude, num contexto de promoção de um forte sentimento
de identidade nacional. Utilizam-se, principalmente, as ferramentas da análise imagética,
considerando os processos de recepção implícitos na composição imagem/texto e sua relação
com o conjunto do suporte de sua aparição.
Palavras-chave: Publicidade; aparência; nação.

Abstract
Study of how a cosmetic advertisement operates models of beauty and youth, in a context of
promoting a strong sense of national identity. For that, it’s used mainly the tools of imagery
analysis, considering the implicit reception processes of the composition image/text and its
relation with the entire support of her appearance.
Keywords: Advertising; appearance; nation.

Recebido em: 01/09/2010 Aprovado em: 14/10/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 109-120, novembro 2010 109


Mara Rúbia Sant’Anna

Beleza de Moça: nação e publicidade de cosméticos1

Agenciada pelo consumo, a beleza beleza propostos, seja em seus discursos


tornou-se possível a todos, e “só é feio(a) visuais e/ou textuais e, consequentemente,
quem quer” tornou-se axioma de depreciação identificar as possibilidades de agenciamento
social na sociedade moderna. Cada produto destes modelos para as mulheres das
ligado à aparência corporal carrega em si diferentes épocas, vivendo sob a égide de
esse gatilho de recepção estética, constrói diferentes projetos de nação ou de identidade
e reconstrói sentidos para os gêneros, para nacional para o Brasil.
as diferentes faixas etárias e para os grupos Este artigo apresenta uma pequena parcela
sociais. Tudo que é moderno torna-se belo, e desse projeto de pesquisa que contempla a
todo belo torna-se bom e superior. análise das publicidades de cosméticos no
Por outro lado, a rede de transmissão de século XX, considerando-a como mediadora
significados, liderada pela Indústria Cultural, entre os padrões comportamentais, instituídos
na qual todo o moderno torna-se belo, tem como desejados pela cultura geral, e a sua
como um dos principais agentes difusores aquisição, que ocorre via consumo. É oportuno
a publicidade. O sistema perito, codificado salientar que o consumo é entendido, nas
nas fichas simbólicas (GIDDENS, 1991), palavras de Baudrillard:
distribuídas em cada anúncio, propõe uma
manipulação que passa, necessariamente, [...] o consumo é um modo ativo de relação
(não apenas com os objetos, mas com a
pelo consumo. Não apenas de um produto, coletividade e com o mundo), um modo de
mas de um corpo e de uma estratégia de atividade sistemática e de resposta global
inserção no mundo social, que depende no qual se funda todo nosso sistema cultural
(BAUDRILLARD, 1995, p. 22).
fortemente da beleza que se expõe, entendida
como coroamento de um sucesso sobre si
realizado (SANT’ANNA, 2007). A publicidade Metodologicamente, foi operada a leitura
é analisada como mediadora entre os padrões e a análise da imagem usando das ferramentas
comportamentais, instituídos como desejados da semiologia e apontando as composições
pela cultura geral, e a sua aquisição, que gráficas e textuais dos anúncios, conforme
ocorre via consumo. as orientações de Martine Joly (1996)
Assim pressuposto, o objetivo do projeto para, posteriormente, analisar a retórica da
de pesquisa do qual resultou este estudo foi conotação, entendida como o conjunto posto
analisar como os anúncios de cosméticos, à leitura e suas relações de interconicidade
levados ao público em diferentes anos, e intertextualidade (elementos gráficos,
apontavam para alterações nos padrões de escritos, posição em relação ao suporte,

Projeto financiado pelo Fundo de Apoio à Pesquisa (FAP), da Universidade do Estado de Santa Catarina.
1

110 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 109-120, novembro 2010


Beleza de Moça: nação e publicidade de cosméticos

cores e texturas), levando em conta as teses A partir da década de 1930, a publicidade


de Roland Barthes (1997) e Jean Pirotte sofreu uma grande transformação no Brasil,
(2002), por fim, identificando a poética do acompanhando mudanças internacionais. A
ter, proposta por George Péninou (1972). partir deste período, a publicidade deixou de
ser um serviço para se tornar uma estratégia,
A Publicidade e o Agenciamento de importantíssima, de Marketing. Abandonou,
Subjetividades pouco a pouco, a atividade exclusiva
de propaganda, na qual não fazia uma
Estudos socioantropológicos feitos sobre segmentação de mercado nem de veículos de
o impacto das campanhas publicitárias, comunicação criteriosa. Seu consumidor, ou
na reprodução de valores e ações sociais, público alvo, era indiscriminado, e o pequeno
enfatizam que os publicitários não fazem mais número de fabricantes de um mesmo
do que manipular desejos, comportamentos produto, com acesso à determinada região,
e valores, já consagrados socialmente, e que fazia com que a função da publicidade fosse
habilmente associados a uma mercadoria mais de anunciar a existência do produto do
transformam-na em representação direta que de acirrar a concorrência entre produtos
daqueles. Publicitários conceituados no de mesma categoria. Nesse contexto, oferta
mundo atual afirmam, por sua vez, que a de preços, vantagens promocionais e mesmo
publicidade “é o mais acreditado modelo de brindes eram as estratégias mais usadas para
vida para milhões e milhões de seres humanos” o fortalecimento de empresas e produtos
(MENNA BARRETO, 1978) e, como elucida divulgados. Posteriormente, quanto mais
Finco: “a pretensão é a de que a publicidade fabricante e consumidor se distanciavam no
possa alterar comportamentos; a crença é a de processo de expansão do sistema capitalista,
que consiga” (FINCO, 1996). Entre estudos mais se tornavam necessárias outras formas
sociológicos e afirmações dos profissionais, de persuasão do consumidor (MARTIN,
sabe-se que a publicidade não serve apenas 1992; LEVY; LOISEAU, 2006).
para vender um produto, o que seria seu Quando a modernização se realiza de
primeiro e evidente objetivo de existência. forma mais abrangente, tendo a indústria
Ao ser montada uma campanha publicitária, e o comércio capacidade de oferecer mais
na medida em que é selecionado um público produtos do que a demanda exige numa
alvo, um modelo de comportamento região, a publicidade, propriamente dita, é
é vendido conjuntamente. Portanto, o que passa a ser desenvolvida. O estímulo
consumo acionado pela publicidade é, permanente ao consumo e à constituição
antecipadamente, possibilitado por um da ideia de marca, como diferencial de
comportamento êmulo, que é constituído por qualidade, mas também de segmentação
cenários significacionais de diversas ordens. social, é o que se torna a maior estratégia
Nessa estratégia, na qual o consumo de algo a aplicar. São traçados “perfis semânticos”,
funciona como meio de transformação de si, ou, em termos mais comuns, nichos de
está o nexo da emulação2 estimulada pela mercados (LAGNEAU, 1981; OGILVY,
publicidade. 1984). Disputando esses nichos particulares,

Emulação: sentimento que nos leva a igualar ou exceder outrem; competição; rivalidade, estímulo. Derivado do verbo emular,
2

cujo adjetivo correto é êmulo (m) e êmula (f). O termo é comumente utilizado nas análises de publicitários sobre a repercussão da
publicidade no meio social. Contudo, o adjetivo é formulado como “emulador”, o que do ponto de vista vernáculo está incorreto.
Cf. HOLLANDA, 2008.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 109-120, novembro 2010 111


Mara Rúbia Sant’Anna

diferentes fabricantes de um mesmo produto Globo, produzida pelas Edições Globo, uma
precisam colocar-se como sendo um superior sólida empresa do ramo editorial instalada em
a outro e, a partir daí, construírem um discurso Porto Alegre desde 1883 e que contou, nas
capaz de representar determinadas marcas décadas de 1930 e 1940, com a assessoria
como melhores e, claro, destinadas a pessoas de Erico Veríssimo.
de igual “superioridade”. Essas “distinções O Globo começou suas atividades
significantes” concretizam-se como diferenças comerciais como uma simples papelaria da
sociais ou signos diferenciadores e, como Rua da Praia. Desde 1926, tendo como
Bourdieu defende, do consumo daqueles proprietário José Bertaso, as publicações
constituídos estilos de vida (BOURDIEU, de O Globo ocuparam o mercado editorial
1985; BOURDIEU; SAINT-MARTIN, 1976). riograndense com grande destaque, e sua
A publicidade, como o cinema, as revistas, revista, publicada desde 03 de janeiro de
as transmissões televisivas e radiofônicas 1920, congregava os escritores gaúchos
e os jornais, é instrumento da cultura de de renome e contava com o apoio político
massa. Todos esses instrumentos colaboram irrestrito de Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha.
e interseccionam na elaboração da poética Inicialmente, a revista teve como diretor
da aparência. A recepção desta se realiza Mansueto Bernardi e, em 1940, exemplar
no consumo das imagens postas à venda, em análise, era dirigida por Justino Martins.
sendo, porém, ainda mais efetiva no processo Em 1937, a Revista, como toda a empresa,
de subjetivação, quando da aquisição dos já havia ultrapassado as fronteiras do Rio
seus ícones, ou seja, dos produtos que a Grande do Sul e estava estabelecida no
publicidade teve a função de propor como mercado nacional (TORRESINI, 1999).
meio e rito de constituição de um outro O exemplar em análise é o nº 280,
desejado, como uma ponte ao moderno datado de 14 de setembro de 1940, com
(SANT’ANNA, 2007). formato da revista A4, 21 cm x 28,2 cm.
O papel utilizado é do tipo jornal, com
Lendo anúncios exceção de 1/10 da folhas que é em papel
couchê, em que se apresentam os encartes
O trabalho investigativo do historiador especiais. As ilustrações e fotografias são em
a partir de imagens deve considerar, como preto e branco, sendo que apenas a capa e
pressuposto básico, o processo gerativo de contracapa utilizam-se de cores. A tipografia
sentidos que a imagem proporcionou no utilizada é de tamanho pequeno, entre 8 e 6
contexto de sua aparição e apreensão pelo para o corpo de texto. Podemos encontrar,
leitor. Para tal, a análise da imagem por si neste exemplar, diversos anúncios: pneu,
só é sempre precária. Torna-se necessário remédio, objetos de escritório, de pontos
compreender o entorno da imagem e o comerciais, cosméticos, roupas e bancos.
conjunto de informações que circulavam ao A diagramação é submetida à necessidade
lado dela (SEMPRINI, 1996). de rendimento do espaço nas chapas de
Considerado nestes termos, é fundamental reprodução.
analisar que força discursiva e em quais fileiras Em sua capa está estampado o clichê da
ideológicas o periódico, jornal ou revista, em artista Jean Arthur, em cores (Ilustração 2).
que apareceu o anúncio, se filiava. O anúncio A estrela do filme A mulher faz o homem
aqui trabalhado foi encontrado na revista O está sorridente, com cabelos de um louro

112 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 109-120, novembro 2010


Beleza de Moça: nação e publicidade de cosméticos

intenso, bem arrumados, com cachos na sem ser exclusiva de um único gênero, e
altura dos ombros; mostra-se numa posição voltada para os interesses dos grupos sociais
jovial e descontraída. A plástica facial é urbanos intelectualizados e que partilhavam
equilibrada, marcada pela assimetria dos das sociabilidades promovidas pelos Clubes
olhos e sobrancelhas numa proporção clássica e espaços de exibição das elites locais.
da boca, nariz e maçãs do rosto. No pé da O anúncio em análise encontra-se na
capa as manchetes principais do exemplar: página 16, ao lado direito, canto inferior
(Ilustração 1). Possui uma moldura que o
O QUE SIGNIFICARIA PARA OS ESTADOS destaca em relação aos demais textos e usa
UNIDOS A VITÓRIA DE HITLER... Submarino
contra submarino – Uma descrição de Frank
de variações do preto e cinza para dar relevo
Bowen. E, ENTÃO, O ESPELHO QUEBROU- a este. O movimento do olhar provocado
SE... – NOVELA DE RAMÓN DEL VALLE- pelo relevo é original, pois é constituído de
INCLAN. COMPLETA REPORTAGEM DOS
tarjas pretas retangulares, de igual tamanho,
FESTEJOS DA “SEMANA DA PÁTRIA”
no alto e embaixo do anúncio, mas que são
contrabalanceadas por duas caixas de texto
Tal como escrito acima, a diferença dos
de fundo branco e letras pretas, contendo suas
tipos e o uso do negrito é que destacava o que
próprias molduras. Em destaque, a propósito,
havia de mais importante para o leitor apreciar
as figuras da mulher e do baton e rouge estão
na revista. No próximo gesto de leitura, o
recortadas e possuem um contorno natural
leitor, ultrapassando a capa, via na contracapa
dos limites de suas figuras o que, vibrando nas
fotos de caráter social, provavelmente pagas
diferentes graduações de cinza, as coloca em
para saírem naquela posição, pois, abaixo
evidência sobre os demais planos.
do sumário, na página ao lado, os editores
Na página ao lado, nº 17, um artigo de
destacavam que “a publicação de fotografias
Aldous Huxley traz como título “procura-se um
de interesse pessoal constitui matéria paga”.
novo prazer” e, ilustrando-o, são colocadas as
Na primeira folha propriamente dita,
figuras de dois homens e duas mulheres, todos
encontra-se a comunicação da revista com
de perfil, evidenciando o olhar para algo além
seu leitor, descrevendo a autoria da capa e
do desenho. Eles, as figuras masculinas, têm
respostas às cartas enviadas à redação.
olhos compenetrados, e as femininas olhos
O sumário é encabeçado por
de fascinação e ternura. Este título usa uma
informações que atestam a expressão da
tipografia da norma estética futurista: linhas
revista no mercado nacional. Abaixo do
paralelas perfeitamente simétricas, o que se
seu título está a frase “Revista Moderna,
relaciona diretamente ao tema do artigo, no
de grande tiragem e circulação no Sul do
qual Huxley defende que a velocidade “é o
Brasil”. O sumário é organizado por temas
único prazer moderno”.
e não pela sequência das páginas, reunindo
Partilhando da página 16, encontra-se
assim: cinema; artigos, crônicas, humorismo;
um longo texto ilustrado por uma pequena
contos e novelas; reportagens; literatura e
fotografia de Antônio Barata, autor do livro
“mais uma série de fotografias dos últimos
O Livro dos Piratas, resenhado por Manoel
acontecimentos ocorridos na Capital, no
Domingues. A resenha de Domingues
Estado e no País”.
destaca que o livro é dirigido às crianças
Dessa forma, podemos considerar que
maiores de nove anos e ao público juvenil,
a revista era destinada à família em geral,
tendo como maior qualidade a de “desfazer,

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 109-120, novembro 2010 113


mara rúbia sanT’anna

na imaginação das crianças e dos jovens, a Em plena 2ª Guerra Mundial, a revista


auréola de fama que envolve o pirata” que ocupa muitas páginas para especular e
o cinema e outros romances enalteceram. o noticiar o conflito, trazendo várias fotografias
anúncio, com os recursos gráficos utilizados, de aviões, soldados, armamento, navios e
dispersa a atenção que poderia ser dada à submarinos e, inclusive, anuncia o filme O
resenha e somente após a atenção cativada Grande Ditador de Charles Chaplin. Porém,
pelo anúncio, o leitor ou leitora iria deslizar a maior parte da revista é composta de
os olhos pelas letras miúdas e as frases textos literários e de notícias de cunho social,
rebuscadas do texto ao lado. incluindo-se aqui as notícias de Hollywood.

Ilustração 1. Anúncio Baton Colgate, 1940. Fotografia da autora


do texto

o anúncio é lido a partir das duas termo “embelleza” (sic) todo em caixa alta.
molduras, a superior e inferior que se Na moldura inferior, as figuras do batom
destacam do restante pela cor preta de seu e do rouge, com um pequeno retângulo
fundo e o tamanho das letras em branco. informando o preço para o mercado de
Reticências antecedem e finalizam a primeira Porto Alegre, são acompanhadas das palavras
frase: “embelleza os labios”, (sic) estando o “Baton e Rouge colgate”, também escritas

114 Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 109-120, noVembro 2010


Beleza de Moça: nação e publicidade de cosméticos

em caixa alta, e o nome da marca com e alvos também testemunham a higiene e


letras mais largas, o que a faz a principal o cuidado “natural” da moça consigo. O
palavra. Assim, “embelleza” do topo, com sorriso, por sua vez, faz as maçãs do rosto
suas reticências anteriores e posteriores, dá e o queixo adquirirem contornos suaves
margem para ser associada diretamente ao e expressam, com a simetria dos dentes e
nome da marca, criando uma circularidade lábios, mais uma vez, a serenidade e beleza
na leitura e interpretação da frase, mesmo feminina padronizada (RIFFEL, 2011). Os
que entre o topo e o fim do anúncio haja lábios, em tom mais escuro, evidenciam o uso
muitas outras coisas ditas e para serem vistas. do batom, vermelho, forte, porém, como eles
Também as reticências permitem que, além não são carnudos, volumosos e nem sugerem
dos lábios, o leitor pense que os produtos a volúpia das pin-ups, estão autorizados,
Colgate embelezam muitas coisas mais no neste conjunto facial, a expressar a “natural”
corpo feminino. O recurso das reticências é beleza da mocidade.
recorrente no anúncio, especialmente para Todavia, diante da proposta de análise
dar efeito de emoção e suspense, imitando, deste anúncio, o que se destaca é que a maior
talvez, o anúncio radiofônico da mesma qualidade que o produto possui é manter a
época (BLANC; VIDAL, 2009). naturalidade da beleza das “moças brasileiras”,
Ilustrando o anúncio, destaca-se a figura pois o baton Colgate “embelleza os lábios de
feminina desenhada com perfeição, deixando maneira surpreendentemente natural”, como
mesmo a dúvida se se trata de uma fotografia afirmado no quadro esquerdo do anúncio,
retocada ou de um desenho. O rosto colocado ao lado da figura feminina, pois
encontra-se de lado, o que sugere que a esta afirmação teria sido feita por “milhares
figura não está se expondo, exibindo-se, de lindas moças brasileiras”. No quadro maior,
como não caberia a uma moça comportada abaixo, e ocupando a maior parte do anúncio,
fazer, mas sim, fora chamada, convocada o valor da “natural beleza” é ressaltado
a dar seu testemunho a outras moças, mais uma vez: “Sim! Lábios femininos são
senhoras ou senhores, de que a maquiagem lindos, por natureza!... Mas veja: quer fazel-
é recomendada às moças de família também, os mais expressivos... cheios desse colorido
como se diria à época. Ocupada com seus natural e encantador da mocidade?”(sic).
afazeres, a moça foi chamada e se vira, Mesmo dando conhecimento da base
atendendo, delicadamente, o convite. A figura do batom Colgate, uma substância ou
atrai pelo olhar límpido, bem acentuado pelas elemento químico chamado “Karanuva”, o
sobrancelhas desenhadas simetricamente e que importava era que a naturalidade dos
pelo posicionamento das íris que, voltadas lábios, e consequentemente da beleza da
para cima e à direita, sugerem ao leitor uma mocidade, seriam evidenciadas mesmo que
posição de subordinação. A testa larga e alta, o produto prometesse “lábios mais cheios
emoldurada pelo penteado volumoso, porém de vida e de uma cor seductora, dando-lhes
recatado, equilibra a figura, dividindo, na linha aquella belleza, maciez e irresistivel seducção,
das sobrancelhas, as duas partes do rosto. O que os homens tanto apreciam...” (sic).
cabelo é a própria expressão da obediência: Portanto, outros lábios deveriam ser
nenhum fio fora do lugar e todos os cachos, desejados: macios, cheios de vida, de cor
em pares, posicionam-se perfeitamente em sedutora, para tornarem-se irresistíveis aos
torno do rosto. Orelhas e pescoço limpos homens, porém, isso deveria acontecer de

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 109-120, novembro 2010 115


mara rúbia sanT’anna

forma que tudo passasse como fosse natural, mostra, porque domados perfeitamente
casto e próprio a uma moça, o que está ainda para serem molduras da beleza sem disfarce.
reforçado pela interconicidade (PIROTTE, Algumas diferenças estão postas na maneira
2002) possível de ser estabelecida com a atriz mais descontraída da artista, cujo sorriso
estampada na capa. é mais largo, reforçado pelo queixo mais
Jean Arthur não se mostra como uma proeminente e pela luminosidade que, sendo
pin-up, somente alegre e descontraída, com colocada do fundo, à esquerda, ilumina os
uma blusa de listras azuis finas sobre um olhos com mais intensidade, assim como aos
fundo branco e de mangas curtas. As duas dentes. O olhar da atriz também é menos
figuras estão de lado, trazendo a simetria submisso, pois olha na altura do fotógrafo,
como regra da composição facial. Os cabelos estando seu pescoço menos contorcido para
são ondulados, deixando o rosto bem à trás, apenas de lado.

Ilustração 2. Capa da Revista “O Globo”. Fotografia da autora

A artista norte-americana que havia tanto ao escotismo fortalecido no entre-


sido a protagonista do filme A mulher faz o guerras como na ideologia fascista que se
homem, conecta-se à moça do anúncio tanto firma na adulação de uma geração que
por sua imagem como por seu discurso, cujo renovaria o Estado e expurgaria os vicios do
teor centra-se na jovialidade com alegria passado (BANCEL, 2010; TRAVERSO, 2006;
e moderação, pois firma-se num contexto MaLVaNo, 1996).
maior de promoção da juventude casta e três termos se destacavam no corpo do
obediente, cujas origens estão relacionadas anúncio, evidenciado a proximidade com uma

116 Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 109-120, noVembro 2010


Beleza de Moça: nação e publicidade de cosméticos

ideologia de maior controle social e político: empreendedora de uma vida coletiva superior
natural – moça – brasileira. (BANCEL, 2010, p. 568). O fascismo e depois
A natureza, sinônimo de uma condição o Nazismo defenderam energicamente
incontestável, porque posta pelo mundo, princípios ideológicos que colocaram a
advinda de um saber e autoridade absolutos, juventude ao centro da construção da Nação
seria a entidade capaz de dar a cada coisa e a almejada, explorando a imagem de um
cada um aquilo que realmente merece ou é. corpo jovem, sadio e atlético como modelo
De profundo cunho agostiniano, a afirmação de uma superioridade racial incontestavel
sanciona a autoridade do que está posto e (MALVANO, 1996, p. 285).
desconfia de toda diferença ou excentricidade. O termo gentílico tem, por sua vez, a força
De igual forma, o governo Ditatorial do das ideias nacionalistas, sintonizando com
Estado Novo, há quase três anos em exercício a juventude edílica dos regimes totalitários
na ocasião da publicação, colocou-se como do século XX. A Nação, mais do que nunca,
uma saída natural e incontornável diante construir-se-ia pela força de seus moços,
de uma ameaça “antinatural” da sociedade estes jovens ordeiros e trabalhadores que,
brasileira – o comunismo -, tanto como orgulhando-se de sua Pátria, faziam a sua
promoveu uma série de leis, instituições e Nação resplandecer sobre todas as demais.
ações que creditavam à saúde e à educação Segundo Bonemy (1999, p.139), o Estado
a “cura” da nação, devendo ser esta feita a Novo aspirava a implantação de um grande
partir da formação dos jovens (SILVA, 1991). programa de reformas, por meio do qual se
O comunismo assim como todos os outros formaria “um homem novo para um Estado
perigos da sociedade moderna e desajustada Novo: criar um sentimento de brasilidade,
eram tão impuros e perigosos quanto um fortalecer a identidade do trabalhador,
rosto feminino disfarçado e mascarado difundir um espírito de civismo e amor a
pela maquiagem. Baton e rouge, nesta pátria”. Por isso, mais do que moças que
ordem discursiva, só eram lícitos quando apreciavam o natural de suas belezas, elas
deixassem o rosto, mesmo maquiado, ainda eram brasileiras que sabiam dos seus deveres
“surpreendemente natural”. com a Pátria, com seus destinos de mães
A moça ou a mocidade são termos e esposas e seus deveres de seduzir bons
caros aos regimes ditatoriais do século XX. maridos e não amantes, pois as paixões são
Diferente da juventude, sempre irreverente, enganosas assim como a maquiagem que
disposta a mudar o mundo e a natureza, mascara.
a mocidade é formada pelos jovens que, No conjunto da leitura, as moças retêm
antevendo a vida adulta desde já, colocam- sua atenção sobre o anúncio, antes ou
se como previdentes, respeitam as tradições após se ilustrarem com a nova publicação
e autoridades e, sem contestar os adultos e da Livraria do Globo: O Livro dos Piratas, e,
seus valores, esperam sua vez de tomar em ainda, antes ou depois de concordarem com
mãos os rumos da sociedade. O escotismo o conhecido autor Aldous Huxley, de que
criado na Inglaterra por Baden Powell, todos os prazeres mundanos são antigos
no começo do século XX, tem em sua e deprimentes para a natureza humana e
estrutura organizacional, como em seus que o único verdadeiramente moderno é o
princípios filopedagogicos, a promoção prazer da velocidade, porém muito perigoso
de uma juventude sã porque ordeira e e mesmo fatal.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 109-120, novembro 2010 117


Mara Rúbia Sant’Anna

Dessa forma, a leitura do anúncio, um bem a uma afirmação motivada por um


pautada no conjunto dos valores e imagens consumidor, do caráter objetivo ao desejo
subjetivo, e, transformação não menos
que a revista expõe, reafirma, pela retórica importante, do valor anônimo à apropriação
da conotação, que uma moça, singela e privada do valor (PÉNINOU, 1972, p. 125).
pura, patriota e ciente de seus deveres como
mulher, cultiva uma beleza natural, mesmo Esclarece, assim, o autor, que o valor
se usa maquiagem para atrair com mais intrínseco e funcional de um anúncio é
facilidade o futuro marido, sem se promiscuir sempre conservado, porém, ao mesmo
nem nas ilusões de Hollywood, nem nos tempo é também convertido, abandonando
excessos que os tempos modernos propõem. a abstração conceitual da propriedade do
A figura, com sua serenidade e sugestão de produto para revestir-se de toda a sedução da
submissão, faz entender com clareza que figura, o que implica um processo de mimese
esta seria a posição recomendada a uma e catarse, ou, em outros termos, um processo
moça que pode, sim, usar de maquiagem, de transferência de “conformidade” para
desde que preserve sua “natural” condição “conformação”, ou seja, a transformação
feminina. do que era uma informação num modelo de
Pois, afinal, como Barthes esclarece, a ação pautado pelo desejo de ser um outro,
retórica da conotação centra-se na condição aquele que o produto, ao ser consumido,
que os anúncios possuem de provocar promete nascer.
uma significação segunda, a partir de uma A poética do ter, no anúncio da Colgate
significação primeira, aquela dada por cada de 1940, consiste em se fazer bela, atraente,
signo componente da imagem em recepção cheia de vida e com um ar saudável,
que, por sua vez, no conjunto se posta como demonstrado nos lábios viçosos e nas maças
um signo pleno. Isto é possível porque do rosto rosadas, o que os produtos da
há uma segunda mensagem (conotada), marca garantiam. Consumi-los, a despeito
na qual os segundos sentidos derivam da de qualquer outro, permitia que a moça se
cultura partilhada e de disposições variáveis colocasse bela, como seria recomendável,
segundo os leitores. Estruturalmente, essa para que o futuro marido fosse atraído com
possibilidade de abordagem do anúncio presteza, sem ameaçar suas qualidades
publicitário é mais importante do que a fundamentais: a suavidade das formas, a
mensagem literal (denotada), pois “é ela naturalidade de seu rosto e a castidade de
que articula todo o anúncio e, como um sua alma.3
eixo, possibilita estabelecer uma relação
de equivalência entre a imagem literal e o
produto” (BARTHES, 2005, p. 106).
Referências
Por outro lado, como afirma Péninou:
BANCEL, Nicolas. Mouvements de Jeunesses. In: LE
Pa s s a r d a l e t ra ( p ro c e s s o ve r b a l d a BRETON, David ; MARCELLI, Daniel. Dictionnaire
conformidade) à figura (invenção de de l’adolescence et de la jeunesse. Paris: Quadrige/
uma conformação) equivale a passar do PUF, 2010. p. 564 -569.
entendimento à sensibilidade, de uma
afirmação motivada pelas propriedades de

3
Texto revisado e adequado à nova norma ortográfica por Léa Indrusiak.

118 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 109-120, novembro 2010


Beleza de Moça: nação e publicidade de cosméticos

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Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 109-120, novembro 2010 119


Memória e Política:
o confronto simbólico sobre as
representações da Guerra do Paraguai
(1865-1870)

Maria da Conceição Francisca Pires


Doutora em História, Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Federal de Viçosa.
O artigo é parte da pesquisa “Centenário do Traço: o humor político de Ângelo Agostini na Revista Illustrada
(1876-1888)”, financiada com bolsa de pesquisa da Fundação Biblioteca Nacional.

Resumo
O seguinte artigo examina as representações humorísticas sobre a guerra do Paraguai produzidas
pelo caricaturista italiano Ângelo Agostini (1843-1910) e publicadas nas revistas Diabo Coxo
(1864-1865) e Cabrião (1866-1867). A análise contempla as disputas simbólicas e ideológicas
que se efetivaram por meio das estampas de Agostini. Com isso, pretende-se assinalar os recursos
visuais e discursivos acionados pelo caricaturista para representar a negação das imagens
oficiais acerca da guerra e a batalha de símbolos e alegorias que se desenvolveu entre a criação
humorística e a memória oficial promovida pelo Estado Imperial.

Abstract
The article examines the humoristics representations on the war of Paraguay produced by the
Italian caricaturist Ângelo Agostini (1843-1910) and published in the magazines Diabo Coxo
(1864-1865) and Cabrião (1866-1867). The analysis contemplates the symbolic and ideological
disputes that if they had accomplished through the prints of Agostini. With this I intend to
designate the visual resources and discursivos defendants for the caricaturist to represent the
negation of the official images concerning the war and the battle of symbols and alegorias that
if developed between the humoristic creation and the official memory promoted by the Imperial
State.

Recebido em: 20/10/2010 Aprovado em: 18/11/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 121-132, novembro 2010 121


Maria da Conceição Francisca Pires

Memória e Política: o confronto simbólico sobre as


representações da Guerra do Paraguai (1865-1870)

A Guerra do Paraguai e a construção da notória a preocupação em evocar o tema


Identidade Nacional da nação brasileira e estimular a ideia de
unidade nacional que se organizaria contra
No interior da historiografia sobre a guerra o inimigo externo. Dessa forma, a produção
do Paraguai, identifica-se um grande número cultural desempenhou um papel importante
de trabalhos que defende o argumento de na construção de ideário patriótico e na
que a guerra constituiu, ao mesmo tempo, o construção de novos símbolos nacionais que
apogeu do poder do Estado monárquico e o superassem os heróis do passado:
prenúncio de sua decadência. Com a guerra,
A nação era representada não mais pelos
o Império brasileiro conseguiu estabelecer
grandes heróis do seu período constitutivo,
exércitos nacionais permanentes, importantes nobres portugueses ou caciques indígenas,
por serem independentes das influências [...]. Eram modestos soldados, oficiais quase
regionais e por interferirem nos sistemas de adolescentes, ex-escravos e índios; [...] a guerra
deixava de ser uma causa do governo e passava
clientela que faziam parte das organizações a ser um problema de todos, fazendo parte da
militares (IZECKSOHN, 2001). Conforme Rui construção de imagens de cidadania (TORAL,
Barbosa (1949), esse acontecimento tornou- 2001, p. 18).
se um marco referencial para as futuras
gerações de oficiais do exército brasileiro. O Estado Imperial, por sua vez, apoiado
A guerra também foi fundamental para na crença da função educativa das imagens,
“o despertar da consciência nacional” (SILVA soube se valer da produção artística e
apud LEMOS, 1999, p.176). Segundo visual para fomentar um patriotismo e
Carvalho, a Guerra do Paraguai superou propor uma redefinição identitária não
“as proclamações da Independência e da fragmentada, estabelecer interpretações
República”, no papel de construir uma históricas que legitimassem a existência da
identidade brasileira, tornando-se um marco nação independente, ressaltar a “missão
fundador importante, uma vez que até a civilizatória”, em que se baseava o Império,
metade do século XIX “a idéia e o sentimento e, finalmente, garantir símbolos que
de Brasil eram limitados à pequena parcela da inaugurassem a nova história gerada no
população.” (CARVALHO, 1997, p.05). pós-independência.
No limiar da guerra, em 1865, identifica- Desse modo, a veneração cívica que
se na produção cultural de Norte a Sul do constituía o discurso acerca da guerra fazia
país a emergência de um grande número de parte do processo de fortalecimento de
manifestações literárias, teatrais, musicais uma memória nacional construída durante
e pictóricas que tomaram a guerra como o Segundo Reinado. A guerra do Paraguai
fonte de inspiração. Nestes trabalhos, é foi utilizada, pelo governo e seus partidários,

122 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 121-132, novembro 2010


Memória e Política: o confronto simbólico sobre as representações da Guerra do Paraguai (1865-1870)

como uma espécie de instrumento político Entendo que, embora coubesse ao Estado
que teria a função de Imperial o papel principal na definição dos
temas, eventos e personagens a serem
[...] legitimar o poder monárquico, fomentar celebrados e no fornecimento de padrões
laços de união e de comunhão em torno da
nação, conquistar a adesão da população e
valorativos para a apreensão desses eventos,
cultivar as virtudes cívicas nos limites da ordem não se pode desconsiderar, na análise desse
celebrada. (BASILE, 2006, p.494). processo, como o humor interveio no trabalho
de constituição de uma memória da guerra.
Apesar do empenho para a propagação A apropriação humorística dos símbolos
de um sentimento de harmonia e união, estas e das imagens de personagens centrais na
não alcançaram o consenso. Entre os anos de guerra serviu para integrá-los ao cotidiano dos
1866 e 1867, após a derrota em Curupaiti leitores dos periódicos ilustrados e popularizar
que resultou na perda de quase 4.000 mil imagens, nem sempre positivas, que por vezes
soldados aliados, proliferaram-se nos jornais transcendiam as representações criadas pelo
manifestações de repúdio à guerra. Com o próprio Império. Tratava-se, portanto, de uma
exame cuidadoso dos debates desenvolvidos disputa pelo poder simbólico que, por sua vez,
no interior da imprensa ilustrada do período, serve de suporte e fundamento para legitimar
identifica-se o crescimento das objeções o poder político.
a continuidade da guerra, bem como de Com essa análise, aspiro vislumbrar de
formas plurais e sutis de expressar a recusa que forma tais críticas, ao lado dos problemas
em interagir com os ritos políticos fundados inerentes à guerra – como os altos custos
a partir desta. financeiros, humanos, sua longa duração e
É sobre esse aspecto, do dissenso e as suas consequências externas e internas –1,
não do consenso, que resolvi me dedicar. colaboraram para dar visibilidade aos conflitos
Mais especificamente, realizo a apreciação sociopolíticos internos que se desenvolviam
das disputas simbólicas e ideológicas que e para colocar em dúvida a legitimidade do
se efetivaram por meio dos desenhos Estado Imperial.
humorísticos do caricaturista Ângelo Agostini, Essa investigação mostra-se proveitosa
que circularam nas revistas Diabo Coxo por favorecer a compreensão e visualização
(1864-1865), Cabrião (1866-1867) e Vida das ideias e valores que nortearam alguns
Fluminense (1868). Com isso, pretendo grupos, à época, considerados marginais, e
assinalar os recursos visuais e discursivos dos procedimentos estéticos, discursivos e
acionados pelo caricaturista para representar políticos eleitos para conferir legitimidade aos
a negação das imagens oficiais acerca da seus projetos e à sua produção humorística.
guerra e a “batalha de símbolos e alegorias” Acredito que por meio do exame das
(CARVALHO, 1990) que se desenvolveu imagens humorísticas produzidas para
entre a criação humorística e a memória legitimar, criticar ou reivindicar um projeto de
oficial. sociedade e de Estado, em conjunto com a

Estima-se que 614 mil contos de réis foram investidos na guerra. Algo exorbitante quando se compara com o orçamento anual do
1

governo imperial em 1864, que girava em torno de 57 mil contos de réis. Quanto aos custos humanos é importante atentar para
o fato de que a guerra ocorreu num momento de expansão da atividade agro-exportadora. Isso significou uma perda expressiva
de trabalhadores jovens – a idade para o alistamento obrigatório era entre 15 e 39 anos – que eram convocados para assumir os
batalhões de combate.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 121-132, novembro 2010 123


Maria da Conceição Francisca Pires

observação das formas de compartilhamento e pelo Império foi incorporado e ressignificado


transmissão, identificam-se alguns elementos pelo discurso humorístico, apresentando-
(mitos, ideologias, tradições) que fizeram se carregado de significados políticos que
parte do imaginário político da segunda abalavam, simbólica e empiricamente, sua
metade do século XIX. legitimidade. Essa abordagem valorizou,
Na abordagem proposta, os desenhos portanto, “outras de suas facetas, funções
de Agostini foram tratados como recursos e movimentos diferentemente políticos”
empregados para potencializar a mobilização (SEIXAS, 2001, p.44).
política contrária ao Império, mediante a Dediquei-me especificamente para
negação e do questionamento das formas a apropriação, por parte da produção
políticas imperiais, do seu corpo político e humorística, dos símbolos e imagens dos
de suas práticas. A sua produção humorística personagens políticos centrais do Império
tornou-se, portanto, meio de expressão e de e como, por meio desse processo, esses
veiculação das ideias e opiniões dos grupos grupos puderam desvelar rupturas e
contestadores, que se avolumaram desde os contradições. Ao realizar essa análise na
anos 1860 e que radicalizaram sua ação na esteira epistemológica da micro-história,
passagem para os anos 1880. o debate político desenvolvido por esse
Com essa análise, a imprensa humorística, movimento político-intelectual, torna-se
assim como as associações, as sociedades e cognoscível a partir da interpretação de suas
os meetings, foram verificados não só como partes, ou seja, dos diferentes locais onde se
locais ecléticos de produção de cultura, mas manifestou, das novas práticas associativas
como um espaço público alternativo utilizado ensejadas, dos novos veículos de expressão
por grupos marginalizados politicamente para utilizados e do repertório empregado para
encenação de práticas políticas e culturais alcançar seu objetivo.
novas e diversificadas. Partilho da premissa de que “a ação
A nova imprensa fez parte das redes de política coletiva além de criar e/ou fortalecer
comunicação utilizadas por intelectuais e laços comunitários, engendra também novas
grupos de diferentes tendências políticas. formas culturais” (ALMEIDA, 2008). No caso
Embora distintos, esses grupos formaram em questão, estamos diante de uma forma de
redes sociais interdependentes e um ação política que enredava multiplas leituras
movimento político intelectual, na medida do passado, denotando uma consciência
em que partilhavam dois aspectos: uma histórica no discurso humorístico.
experiência de marginalização política e A análise das representações humorísticas
um mesmo repertório crítico em relação ao de Agostini, sobre as disputas do poder
Império (ALONSO, 2002). político, possibilitou vislumbrar as formas
A partir dos repertórios político-intelectuais de ação política, levadas a frente via humor,
disponíveis, esses grupos produziram, por meio o papel relevante que a sua produção
das controvérsias propagadas na microesfera humorística teve na microesfera pública,
pública em formação, alteridades e, ao os projetos políticos os quais se associou e,
mesmo tempo, definiram as fronteiras de seus finalmente, oferece condições para que se
pertencimentos (BARTH, 1976). O trabalho tenha acesso à compreensão que aquele
analítico que desenvolvi perquiriu as formas intelectual humorista tinha de seu papel
plurais com que o universo simbólico projetado político.

124 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 121-132, novembro 2010


Memória e Política: o confronto simbólico sobre as representações da Guerra do Paraguai (1865-1870)

Os primórdios da Guerra na cobertura do A guerra logo se tornou o principal


Diabo Coxo tema abordado no Diabo Coxo, sobretudo
depois de sua fase inicial patriótica e
O italiano Ângelo Agostini chegou ao quando ganhou destaque na imprensa
Brasil em 1859. Embora não disponha de com os problemas relativos ao decréscimo
dados muito precisos acerca de sua biografia, no número de voluntários para servir no
sabe-se que passou sua adolescência em Paraguai. Apesar dos esforços do governo
Paris onde, certamente, alimentou seu imperial para estimular o empenho patriótico
conhecimento no campo da pintura e dos brasileiros e das medidas tomadas
das artes gráficas. No Brasil, começou sua visando resolver esse problema,1 tais ações
carreira artística como pintor retratista, mas se mostraram insuficientes. Diante dos
consolidou seu espaço artístico atuando como problemas ocasionados pela crescente
caricaturista nas revistas Diabo Coxo (1864- necessidade de ampliação do seu exercito,
1865) e no Cabrião (1866-1867), ambas e dada a ausência de uma burocracia
produzidas na cidade de São Paulo (RIBEIRO, governamental para organizar o recrutamento
1988). Essa é uma coincidência que merece militar, o recrutamento forçado, previsto na
destaque: foi durante os movimentados constituição do Império foi a opção final
anos da guerra que Agostini solidificou seu adotada e a que mais gerou polêmica por
espaço na imprensa humorística paulistana, lançar luz sobre questões relacionadas à
especificamente com a abordagem das cidadania, a escravidão e sobre a relação
questões relacionadas à guerra, e, ao mesmo entre Estado e sociedade.
tempo, definiu seu posicionamento político, Eram recrutados prioritariamente homens
na maior parte dos casos, crítico das ações e livres solteiros, em seguida eram chamados os
práticas do governo imperial. casados sem filhos, os casados com filhos e,
O primeiro número do domingueiro finalmente, os viúvos com filhos. Ficavam de
Diabo Coxo saiu no dia 17 de setembro de fora desta lista mulheres e escravos, embora
1864. Redigido por Luiz Gama, dispunha as primeiras pudessem acompanhar os seus
ainda da colaboração de Sizenando Barreto esposos no front. Em virtude da ampliação
Nabuco de Araujo, na redação dos textos, das necessidades de homens, tornaram-se
e de Ângelo Agostini, com um traço ainda recrutáveis também aqueles considerados
pouco rebuscado, na parte ilustrativa. Em “vadios, bêbados e valentões”, além de
seu editorial de lançamento, apresenta-se homens pertencentes às hierarquias sociais
como uma tentativa de utilizar a imprensa, mais altas.
“maior inimiga dos maus”, como uma Com o desenrolar da guerra,
forma de “desmascarar e castigar a esses a imprevisibilidade dos seus rumos e o
entes criminosos ou ridículos estúpidos alargamento dos critérios para o recrutamento,
ou orgulhosos”. Afirma-se, portanto, este se tornou um dos maiores temores dos
como portador de uma cobertura política homens livres que buscavam diferentes
pretensamente independente (CAGNIN, pretextos (doenças, súplicas, filhos) para
2005). alcançar a isenção. Como resposta à essas

Foram dois os decretos criados pelo governo imperial com esse fim: o primeiro foi o decreto n. 3371, de janeiro de 1865, que
2

criou o corpo de Voluntários da Pátria; no segundo, decreto n. 3383 de 21 de janeiro de 1865, enviou cerca de 14.000 guardas
nacionais para o front. Em 1866, o governo imperial determinou a compra e alforria de escravos para servir na guerra.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 121-132, novembro 2010 125


MARIA DA CONCEIÇÃO FRANCISCA PIRES

práticas, os encarregados do recrutamento discurso nacionalista oficial como um ato


(delegados e chefes de polícia) faziam uso patriótico, à violência e à ilegalidade.
de argumentos legais e morais, também Três desenhos, publicados no Diabo Coxo,
diversificados e duvidosos, para recusar a fazem menção a esse problema e lançam luz
dispensa. sobre temas como escravidão, cidadania e a
A ampliação das prerrogativas do Estado relação entre Estado e sociedade, ao mesmo
imperial para o recrutamento forçado tornou- tempo em que coloca em xeque o caráter
se o alvo das polêmicas levantadas por liberal do Estado Imperial ao apresentar as
Agostini. Especificamente, o desenvolvimento ações como abusivas e tirânicas.
de ações abusivas por parte do Estado que No primeiro, publicado no Diabo Coxo
implicavam a violação dos direitos individuais em 15 de outubro de 1865, denomina-se
dos homens livres do Império brasileiro. de “Scenas Liberais” a entrada de recrutas
O debate que se estabeleceu relacionou o brancos algemados e descalços na cidade,
recrutamento forçado, antes concebido pelo numa condição que iguala o recrutamento à
escravidão de homens brancos e livres.

Figura 1. Diabo Coxo, 15/10/1865. Scenas Liberaes. Entrada de recrutas na capital. Que escândalo!...

126 DOMÍNIOS DA IMAGEM, LONDRINA, ANO IV, N. 7, P. 121-132, NOVEMBRO 2010


memória e poLíTica: o confronTo simbóLico sobre as represenTações Da guerra Do paraguai (1865-1870)

a posição dos personagens da revista, que como um símbolo da família que parece
assistem a tudo da janela, oferece um sentido não poder contar mais com a proteção do
de cotidianidade à cena. Vários papéis são marido e tampouco do Estado; finalmente, o
invertidos nessa cena: os que aparecem com caricaturista investiu na inversão do sentido
pés descalços e em condição de subjugação do recrutamento, concebido inicialmente
não são escravos, mas homens brancos e como expressão do patriotismo que incitava
livres; ao Estado, a quem caberia o dever de os brios do cidadão brasileiro, é apresentado
proteger os direitos individuais do cidadão, na imagem como uma ação de captura que
cabe o papel de tirano que escraviza não só fere sua integridade e sua honra.
homens brancos, mas também a mulher que Na segunda imagem, que consta na edição
carrega uma criança no colo, aumentando de 03 de setembro de 1865, Agostini faz um
assim o escândalo. trocadilho na legenda que anuncia “Caça de
A sua figura, apartada da fileira, descalça patriotas para voluntários involuntários.”
e sem algemas, nos remete a pensá-la

Figura 2. Diabo Coxo, 03/09/1865 caça de patriotas para voluntários involuntários

com essa legenda, somada a postura de de 1865, no Correio Paulistano em que


resistência dos personagens, o autor reforça consta a tentativa de minimizar os boatos
a associação entre recrutamento, escravidão negativos sobre o recrutamento forçado e
e violência, ao mesmo tempo em que lança de reforçar a preocupação do Estado em
dúvida sobre os limites que o Estado estaria garantir a legalidade de suas ações. Conforme
disposto a manter para garantir a preservação o texto:
dos direitos individuais.
O desenho parece se contrapor ao texto [...] não se trata (ainda) de suspensão de
publicado anteriormente, no dia 09 de agosto garantias, não se há de curar disso de certo
[...] Há exageração, entretanto, no que se

Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 121-132, noVembro 2010 127


maria Da conceição francisca pires

diz a respeito dos meios de que os poderes chama os paraguaios de “bárbaros” e


do Estado vão lançar mão para acudir às afirma estarem ali os responsáveis pela sua
precisões da atual luta em que nos vemos
empenhados. [...] Esses contingentes serão libertação, a tropa que o acompanha vem
tirados, consoante as determinações da lei, por acorrentada pelo pescoço e de mãos atadas.
meio de conselhos designadores [...] (Correio Pelo exposto, a barbárie estaria dos dois lados.
Paulistano, 09/08/1865).
Na verdade, a barbárie parece fazer parte de
um ethos próprio da sociedade escravista
Finalmente na terceira imagem, publicada
brasileira, representado pelo açoite de um
na ultima edição do Diabo Coxo, em 31 de
recruta ao fundo da imagem. As ações dos
dezembro de 1865, e que, ao contrário das
responsáveis pelo recrutamento desmentem
demais, aparece um negro, a ironia refere-se à
o seu discurso salvacionista, patriótico e
ideia de civilização e barbárie apresentada.
pretensamente civilizador.
observe-se que enquanto o soldado

Figura 3. Diabo Coxo, 31/12/1865 – Barbaros paraguayos! Aqui vos trago uma cohorte de voluntários, para libertar-vos

as imagens ressaltam a violência e a geralmente diluídas ou minimizadas pelo


ilegalidade que acompanha o recrutamento discurso oficial, como os desmandos do
e o consequente desrespeito às noções de Estado para a concretização da campanha
cidadania e liberdade, reforçam a associação contra Solano Lopez e os problemas derivados
deste com a escravidão, e, ao mesmo tempo, da longa duração do conflito.
desvirtuam o discurso nacionalista oficial.
Não há objetivamente um questionamento Caxias: um líder em xeque nas páginas do
dos fins da guerra, mas das ações do Estado Cabrião
em função da guerra, bem como percebe-se
o esforço em atrelar os problemas vividos a Num segundo momento da guerra, entre
partir da guerra com questões mais amplas os anos de 1866 e 1867, já fazendo parte
que compreendem as estruturas econômicas, do Cabrião, agostini dedicou grande parte
sociais e políticas da sociedade brasileira. dos seus desenhos para discutir a liderança
o cerne da questão abordada por agostini do Marquês de Caxias, futuro Duque, que
referiu-se a nuances políticas da guerra, assumiu o comando da guerra em outubro

128 Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 121-132, noVembro 2010


memória e poLíTica: o confronTo simbóLico sobre as represenTações Da guerra Do paraguai (1865-1870)

de 1866, após o desastre da batalha de considerada mais crítica por não dispor
curupaiti. Não se tratava apenas de discutir, de uma estratégia e uma liderança que
por meio do humor, as estratégias adotadas alcançasse o consenso entre brasileiros e
pelo novo comando, mas de ilustrar o argentinos. os problemas se acirraram em
despreparo do comandante-em-chefe e da 1867, quando os argentinos se voltaram para
própria nação brasileira para o enfrentamento os seus conflitos internos, nas províncias de
na guerra e, ao mesmo tempo, direcionar Corrientes e La Rioja, e as tropas enfrentaram
tais críticas ao gabinete conservador ao qual intensas dificuldades pela região pantanosa
Caxias estava vinculado. em que se encontravam.
Deste modo, abordar a guerra, naquele Foi para superar esse quadro de crise
momento, tratou-se de uma forma de que foi designado o Marquês de Caxias, um
fazer menção ao modo como Caxias, do conservador, em meio a um gabinete liberal.
partido conservador, soube utilizar a guerra Nos desenhos, apresenta-se um líder patético
para defender os interesses do seu partido, e afeito a detalhes, cuja inércia se tornou
entrelaçando o jogo político nacional com responsável pela longa duração da guerra.
a guerra. É o que consta na representação abaixo,
Conforme Schulz (1994), em 1866 publicada no número 25, de 24 de março de
a guerra entrara em sua segunda fase, 1867, no Cabrião:

Figura 4. Cabrião, n. 25, 24/03/1867

Victoria: Se a cousa vae assim meu Marte, estou vendo que quando deixarmos
a campanha estaremos de cabellos brancos!
Marte: Que queres minha filha?! o general não decidio-se ainda. Esta
instruindo-se nos livros...agora mesmo esta elle agarrado ao D. Quixote;
ainda lhe falta ler a historia de cento e tantos heroes!
Victoria: os soldados brasileiros são valentes e eu tenho grande desejo de
acompanha-los aos combates...mas se a amolação continua...raspo-me!

Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 121-132, noVembro 2010 129


maria Da conceição francisca pires

o diálogo entre a vitória e um soldado- gabinete conservador ao qual Caxias estava


mártir, pertencente aos quadros militares que vinculado.
atuavam na Guerra do Paraguai, tem como tratava-se, pois, do desenvolvimento de
tema as ações ou, para ser mais específica, a uma crítica política mediante a apropriação
suposta falta de ação do Marquês de Caxias. jocosa dos símbolos e personagens que,
Ao fundo da figura, o Marquês é retratado naquele momento, estariam vinculados ao
lendo, em pleno acampamento de guerra, interesse, por parte do Império brasileiro. com
livros que tratam de histórias de guerras ou a utilização da imagem do comandante das
dos heróis de grandes batalhas, enquanto os tropas brasileiras no confronto, as referências
soldados aguardam suas ordens. à guerra adquirem um caráter enfaticamente
Essa não foi a primeira, nem a última, político, uma vez que se reforça a associação
imagem produzida por agostini utilizando a entre o general conservador e a ideia de
figura do Marquês para fazer uma crítica às inação que tomava conta não só da guerra,
lideranças, políticas ou militares, da guerra do mas do país.
Paraguai e aos rumos tomados pelo combate. No desenho abaixo, publicado no número
Não se tratava apenas de discutir, por meio seguinte do Cabrião, em 31 de março de
do humor, as estratégias adotadas pelo 1867, o país, representado na figura do índio,
aparece em luta não contra o inimigo distante
novo comando, mas de ilustrar o despreparo
– a fortaleza de Humaitá que consta no fundo
do comando-chefe e da própria nação
direito –, mas contra suas representações
brasileira para o enfrentamento na guerra e,
políticas, no caso os saquaremas e os
ao mesmo tempo, direcionar tais críticas ao
progressistas.

Figura 5. Cabrião 31 de março de 1867


Extenuado de forças, sempre envolvido nas lutas dos partidos que debalde intenta acalmar, eis a posição do Brasil
em relação a guerra do Prata.

130 Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 121-132, noVembro 2010


memória e poLíTica: o confronTo simbóLico sobre as represenTações Da guerra Do paraguai (1865-1870)

a mesma ideia está presente na ilustração


abaixo:

Figura 6. Cabrião, n. 48 de 08/09/1867 – Festejos do dia 07 de setembro. O Brasil terá consciencia do papel que
representa?

Nesta imagem, a guerra e a política representações não eram formas isoladas


atrasam o país diante do gabinete liberal de contestação, mas que o seu conteúdo
de Zacarias de Góes e Vasconcelos e do discursivo partilhava do mesmo repertorio
Imperador, que parecem distraídos na político intelectual crítico do Império. Podem
valorização do apelo patriótico da guerra, ser definidas como parte de um movimento,
ignorando suas implicações para o país. na medida em que se entende por movimento
As representações humorísticas sobre “grupos de pessoas identificadas por seu
a guerra do Paraguai apontam para os vínculo a um conjunto particular de crenças.”
problemas inerentes às ações desenvolvidas (TILLY apud aLoNSo, 2002, p.268).
pelo Estado Imperial. contestam não só a Desse modo, a produção humorística
monarquia, mas a tradição imperial, as formas de Agostini fez parte de um movimento
políticas e simbólicas de legitimação do coletivo, ao mesmo tempo cultural e político,
regime e aos limites do liberalismo imperial, desenvolvido em espaços não partidários, as
indicando os aspectos a serem superados. revistas ilustradas, mas que se configuram
Talvez seja até possível afirmar que estas como redes informais de solidariedade e de
auferiram significados antitradicionais a ação política que unem grupos diferenciados
tradição imperial. e interdependentes.
Minha preocupação é mostrar que essas Finalmente, interessa-me ressaltar que

Domínios Da imagem, LonDrina, ano iV, n. 7, p. 121-132, noVembro 2010 131


Memória e Política: o confronto simbólico sobre as representações da Guerra do Paraguai (1865-1870)

essa rede de manifestação parainstitucional CAGNIN, Antonio Luiz. “Foi o Diabo!”. In: Diabo
reforçou formas de ações políticas Coxo. Ed. Fac-similar. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2005.
coordenadas com sentido semelhante,
integrando-se, dessa forma, à dinâmica CARVALHO, Jose Murilo de. A Formação das
Almas: o imaginário da República no Brasil. São
política do período.
Paulo: Cia das Letras, 1990.
______. Brasileiros: uni-vos. Folha de São Paulo,
Referências 09/11/1997, Caderno Mais, p. 05.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. “O Lugar IZECKSOHN, Vitor. “Resistência ao recrutamento
dos Índios na História entre múltiplos usos do forçado para o exercito durante as guerras civil e
passado: reflexões sobre cultura histórica e cultura do Paraguai. Brasil e Estados Unidos na década
política”. 2008 (mimeo). de 1860”. In: Estudos Históricos, n. 27, Rio de
Janeiro, 2001.
ALONSO, Ângela. Idéias em Movimento: a geração
de 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz LEMOS, Renato. Benjamin Constant: vida e
e Terra, 2002. história. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.

BARBOSA, Rui. Rui Barbosa e o Exercito: SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos de Memórias
conferências as classes armadas. Rio de Janeiro: em Terras de História: problemáticas atuais. In:
Casa de Rui Barbosa, 1949. BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia. (org.).
Memória e (res) sentimento: indagações sobre uma
BARTH, Fredrik. “Introducción” Em Barth (org.). questão sensível. Campinas: Editora da Unicamp,
Los grupos étnicos y sus fronteras – La organización 2001, p. 44.
de las diferencias culturales. México: Fundo de
Cultura Econômica, 1976. SCHULZ, John. O Exercito na Política – origens
da intervenção militar – 1850-1894. São Paulo:
BASILE, Marcelo Otavio Néri C. Festas Cívicas na Edusp, 1994.
Corte Regencial. Varia História, Belo Horizonte, v.
22, n. 36, jul/dez 2006, p. 494-516. TORAL, Andre. Imagens em Desordem – a
iconografia da Guerra do Paraguai (1864-1870).
São Paulo: Humanitas/FFCLH/USP, 2001.

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 121-132, novembro 2010 132


resenhas
PARANHOS, K.; LEHMKUHL. L.; PARANHOS, A. (Org.).
História e Imagens. Textos Visuais e Leituras. Campinas:
Mercado das Letras, 2010, 191p.

Terezinha Oliveira
Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1997). Realizou, em
2005, estágio de Pós-Doutorado em História e Filosofia da Educação, na Faculdade de Educação da USP.
Publicou 46 artigos em periódicos especializados. Possui 14 Livros publicados e 39 capítulos. Atualmente é
professora associada nível C da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em Fundamentos da Educação, especialmente em Filosofia e História da Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: transformação social, história da educação na Idade Média, escolástica,
filosofia da educação na Idade Média, Intelectuais e Instituiçoes Educacionais na Idade Média e formação
de professores.

Recebido em: 25/10/2010 Aprovado em: 15/11/2010

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 135-142, novembro 2010 135


Terezinha Oliveira

PARANHOS, K.; LEHMKUHL. L.; PARANHOS, A. (Org.). História e


Imagens. Textos Visuais e Leituras. Campinas: Mercado das Letras,
2010, 191p.

A Coletânea organizada por Paranhos, do Grupo e destaca esta característica: “A


Lehmkuhl e Paranhos constitui-se em um proposta de arte operária – encampada
conjunto de estudos que privilegiam, com por muitos grupos teatrais que atuavam
o olhar da história e da imagem, o teatro, na periferia – ligava dois pólos: política e
a fotografia, o ensino da história, o filme, estética” (p. 23). Um dos aspectos mais
enfim, a imbricada e complexa relação entre relevantes deste modelo de encenação reside
as linguagens humanas. A obra é composta no fato de que é basicamente uma proposta
por oito (8) textos e uma seção crítica de de arte operária, na qual, visivelmente,
cinema. Os escritos que constituem a obra observa-se a ação política do povo. De
são de professores de diversas Universidades acordo com a autora, especialmente pós
do país. Em cada um dos capítulos, observa-se 1964, verificou-se o surgimento de grupos
o trato com a fonte da pesquisa de um modo teatrais de rua com o fito de produzir uma
específico, mas um tecido de dois fios os une. arte engajada, em que se explicitava a
Indubitavelmente, o estudo da imagem e a crítica à sociedade burguesa brasileira e ao
perspectiva da história cultural perpassam capitalismo. Suas reflexões apontam os elos
de um modo pendular cada um dos estudos. existentes entre o texto escrito, a encenação,
Em todos os artigos há a presença destes a imagem representada da encenação e as
dois fios. movimentações políticas. Sob este aspecto,
No primeiro texto, ‘O Grupo de Teatro o texto revela as ações sociais populares
Galpão e os espetáculos de rua: imagens por meio de diversas linguagens: o texto, a
leituras e cenas’, de Kátia Rodrigues Paranhos, representação e as imagens provenientes das
a autora inicia o discurso destacando o fato de cenas teatrais. Nesse sentido, ela demonstra
que sua abordagem é no âmbito da história que o fazer história a partir destas diferentes
cultural pelo fato desta permitir o diálogo linguagens é possível em decorrência das
com uma multiplicidade de interlocutores “[...] transformações que abalaram tanto a
como a ‘antropologia, a literatura, a história escrita da história quanto a eleição de novos
da arte’. Do ponto de vista de Rodrigues objetos a serem estudados [...]” (p. 21). Essas
Paranhos, este diálogo é decisivo para a mudanças proporcionadas pela abordagem
compreensão do entrelaçamento entre cultural colocaram na ordem do dia ‘múltiplas
o texto escrito, as peças de teatro e suas possibilidades’ de leituras do passado.
respectivas encenações. No segundo texto, de Ernani Maletta,
O objeto de análise da autora são as ‘Imagens Sonoras: a música no Grupo Galpão
encenações de rua promovidas pelo grupo de como criadora de espaços cênico-dramáticos’,
teatro ‘O Galpão’. Rodrigues Paranhos analisa o autor apresenta uma instigante e original
o conteúdo político de algumas encenações pesquisa acerca dos possíveis estreitamentos

136 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 135-142, novembro 2010


Resenha

entre a sonoridade da música e a imagem. como objeto de análise um quadro de René


O estudo apresenta uma reflexão sobre a Magritte, Le retour. A partir do quadro,
forma imagética que a música pode assumir a autora tece seu discurso debatendo
quando da sua representação em teatros importantes temas da história e do ‘ofício’ do
populares de rua. O autor se propõe a tecer historiador. Um dos aspectos salientados por
um quadro de como se processa a polifonia – Lehhmkuhl relaciona-se às possibilidades de
‘coexistência de várias vozes’ – em quatro (4) construir a história para além dos documentos
peças encenadas do Grupo Galpão. Em cada escritos e das narrativas orais. A autora toma
uma delas, Maletta demonstra as a imagem do artista como fonte de seu
estudo. Para construir seu tear histórico,
[...] construções polifônicas na qual o discurso ela traz à mesa, tal como Dante, na Divina
da música afeta o espectador não apenas
por intermédio dos parâmetros sonoros,
Comédia, diferentes autores com os quais
mas também pela sua capacidade de sugerir dialoga para construir seu discurso. Foucault,
imagens e ressignificar espaços e lugares, Gervereau, Gombrich, Schorske participam
criando espaços cênicos-dramáticos (p. 35).
de seu banquete. Ao tomar de Schorske a
comparação que ele faz entre o historiador
Seu texto, tal como a de Kátia Paranhos, e o tecelão, Lehhmkuhl define o fazer do
reflete as múltiplas possibilidades de leituras histórico como
dos objetos da e na história. Ao dar imagem
à sonoridade das cenas das peças do Grupo [...] a busca desse fio de cor firme é que
Galpão, Maletta proporciona ao leitor uma proponho, neste texto, percorrer alguns passos
que considero fundamentais para a utilização
leitura ímpar das encenações do Grupo, pois
de imagens na operação historiográfica, tanto
não se trata de ver a imagem no texto escrito, em pesquisa quanto em sala de aula (p. 57).
mas ela é criada e encenada a partir da sua
musicalização. A partir desta premissa, o autor Para construir o ‘fio firme’, a autora busca
tece um belo histórico sobre as encenações explicitar como a imagem é construída,
teatrais, as manifestações populares que o como ela é lida pelo artista, pelo espectador,
Grupo apresenta e brinda o leitor com uma pelo historiador, pelo aluno, como esta
interpretação acurada do sentido profundo imagem pode ser usada para a construção
da música, analisando partituras, os discursos de novos discursos nos processos de ensino
encenados, as letras e, fundamentalmente, na sala de aula. Lehhmkuhl destaca que um
refletindo sobre a profundidade da imagem dos aspectos essenciais para transformar a
transmitida pela sonoridade e vozes dos imagem em objeto do fazer história reside no
atores que representam na peça. O texto olhar com que se dirige à imagem. Segundo
de Maletta aponta para uma nova leitura ela, uma imagem não é ‘simplesmente
da imagem e da história, na medida em que vista’: ela deve ser contemplada, pois, tal
transforma a polifonia das peças em objeto como o documento escrito e o discurso oral,
do estudo da história, da imagem, das ações a imagem possui uma materialidade que
do povo. Torna, assim, a leitura do objeto da precisa ser analisada. Essa materialidade é
história múltipla. construída, para o espectador, historiador,
O terceiro texto, de Luciene Lehhmkuhl, em diferentes aspectos, seja no momento
‘Fazer história com imagem’ se dispõe a de sua construção pelo artista, seja quando
construir uma abordagem histórica, tendo de sua preservação nos museus, arquivos,

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 135-142, novembro 2010 137


Terezinha Oliveira

bibliotecas etc. O discurso da autora nos nativos. Outras cenas que destacadas como
remete a Michelet, quando, no século XIX, recorrentes nas imagens do Brasil são as
afirmou, ao adentrar em um arquivo, que que retratam episódios nos quais as três
os documentos falam e têm vida. A imagem raças são reproduzidas, o branco, o índio e
também tem vida e linguagem própria e cabe o negro. Contudo, Marliz de Christo salienta
a nós, historiadores, saber apreendê-la. que a figura mais exposta no período é a do
O quarto capítulo, de Marliz de Castro indígena. Ela nos chama a atenção para o
Vieira Christo, ‘Representações oitocentistas fato de que este personagem é retratado com
dos índios no Brasil’, elabora sua análise por melancolia, apatia e, por vezes, uma imagem
meio de imagens de artistas que retrataram morta. Para Castro, as imagens do período
o período colonial brasileiro, especialmente colonial, particularmente as do século XIX,
as figura dos nativos, da natureza e dos explicitam a ideia que se pretendia construir
colonizadores. Sobre estas reproduções, dos índios, dos colonizadores, em suma, do
destaca a recorrência com que as imagens Brasil. Elas tinham como finalidade forjar uma
dos indígenas, da natureza (flora, fauna), identidade. Essa deve ser uma das razões
foram reproduzidas na Europa, inclusive em pelas quais a autora afirma que “A pintura
objetos de uso cotidiano, como em louças. histórica foi até o final do século XIX o gênero
Segundo a autora, logo após a descoberta, artístico mais valorizado” (p. 83).
houve um uso, em profusão, de imagens Um último aspecto do texto sobre as
que retratassem o novo continente. Um imagens do Brasil, no século XIX, deve ser
dos seus focos de reflexão são os desenhos destacado: as considerações da autora sobre
feitos por viajantes, no século XIX, quando a forma como os bandeirantes são retratados
de suas passagens pelo país. Marliz de na pintura de Bernadelli. Segundo Christo,
Christo apresenta algumas hipóteses que são este artista apresenta um bandeirante
bastante interessantes para a (re) construção ‘animalizado’, diferente daquele apresentado
da história do Brasil no período. Uma delas pela historiografia do período. Ao trazer à
vincula-se à possibilidade destas imagens tona e valorizar esta imagem, ela explicita sua
reproduzirem imagens idealizadas que posição de historiadora comprometida com
estão, de certo modo, comprometidas com as mudanças no fazer da história: voltar-se
a maneira como os europeus viam o novo para o povo e para as minorias, por meio da
continente. Neste sentido, estas imagens utilização da imagem.
estariam eivadas de estereótipos que, em O quinto texto da Coletânea, de Ana
última instância, não retratavam os nativos, Heloisa Molina, ‘Da marcenaria de uma
mas o que se concebeu, a priori, ser o nativo. pintura: elementos de análise de um quadro
Ao longo do texto, são analisadas diferentes em uma aula de História’, propõe-se a analisar
imagens e as respectivas funções que elas as estruturas internas de uma imagem em
ocuparam nos discursos do período colonial. aula. A autora se dispõe a fazer este estudo
Marliz de Christo observa que uma das minucioso de uma pintura tendo como
imagens mais usadas para retratar o período referenciais ilustrações em livros didáticos
colonial brasileiro foi a da primeira missa. entre os anos de 2000 a 2007. Ainda que
Segundo ela, as inúmeras representações Ana Molina observe que não é “[...] sua
deste episódio serviram para explicitar o intenção nesse texto eleger o livro didático
processo de conquista e catequização dos como instrumental de análise [...]” (p. 112),

138 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 135-142, novembro 2010


Resenha

ela o toma como referência por reconhecer um universo, o da sala de aula, no qual há o
que o (a) professor (a), na maioria das vezes, predomínio constante da linguagem escrita e
só tem as imagens do livro didático para usar oral, o uso da linguagem imagética é muito
como pintura na sala de aula. importante, mas o (a) professor (a) precisa
Para Ana Molina, ao tornar uma imagem estar atento (a) para que, no ensino, a imagem
objeto de ensino de história, é preciso não seja
considerar todas as particularidades que
envolvem tal ação. No âmbito da imagem [...] somente para motivar e envolver, mas,
ressignificar e organizar conceitos, retomando
é preciso considerar inúmeros aspectos. Em e recolocando esse documento como um
primeiro lugar, não há uma uniformidade, nas lugar privilegiado para perceber intercâmbios
pinturas reproduzidas nos livros didáticos, das experiências e sensibilidades humanas,
construídas historicamente (p. 121).
quanto à representação de um mesmo
episódio histórico. Logo, é preciso considerar
a pintura à luz da imaginação do artista, O sexto texto, ‘Ensaios sobre distâncias
do seu conhecimento do retratado, da – imagem e sujeito’, de Maria Bernardete
concepção que ele tem do acontecimento, Ramos Flores e Ana Lúcia Vilela, traz à luz uma
das dimensões que esta imagem está bela análise sobre a imagem apresentada no
reproduzida, do espaço, da luz, das posições retrato. As autoras constroem suas reflexões
da imagem, do estilo do artista, dentre outros a partir do distanciamento existente entre a
aspectos. imagem que é registrada em uma foto, em
Um segundo aspecto, acerca do uso da uma pintura, em uma cena fílmica e o sujeito,
pintura como recurso na sala de aula, diz em tese real, que é representado. O texto, a
respeito à própria atenção que se deve ter em partir de cenas de filmes, de romances, de
relação à reprodução da imagem no livro. Sob fotos, de pinturas, trabalha as diferenças e
este momento da aprendizagem, a autora separações no âmbito da materialidade da
salienta alguns cuidados que se deve ter imagem que é representada e o sujeito real.
para a leitura das reproduções. Nas imagens Dentre as inúmeras situações analisadas
utilizadas por Ana Molina, destaca-se o fato pelas autoras, destacamos um exemplo que
de que poucas são as informações sobre julgamos importante para compreender a
a pintura, não há descrições, por exemplo, dimensão e atualidade do estudo destas,
de seu contexto e do estilo do autor. Além pois é uma situação na qual vivenciamos,
da ausência de informações sobre a origem com radicalidade, a ausência do sujeito na
da obra e do artista, outro problema ronda imagem de si mesmo, ou seja, a imagem não
as imagens que são os seus subtítulos. Para está separada, o sujeito da imagem não existe.
a autora, essas duas situações exigem uma Trata-se dos reality shows. “Cada participante
percepção muito atenta do (a) professor (a), representa a si mesmo nas situações criadas
pois, a ausência de informação, de um lado, pelo jogo. Do que estão desprovidos é
e o destaque (pelo autor do livro didático) justamente da imagem de si que o Outro
para uma dada informação, por outro lado, deveria oferecer, e somente oferece em
podem levar a interpretações equivocadas momentos esporádicos e limites como o
da história. momento do paredão” (p. 135). Ramos
Em virtude destas situações, Molina Flores e Vilela explicitam tal sensibilidade nas
chama a atenção para o fato de que em suas reflexões sobre a imagem, que apontam

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 135-142, novembro 2010 139


Terezinha Oliveira

para uma perspectiva da história que muito No oitavo texto, ‘Cinema na pesquisa
nos aproxima da subjetividade da psicanálise. e no ensino da história: dos dilemas às
Assim, mais uma vez, nesta Coletânea, o possibilidades’, Ana Paula Spini reflete sobre
fazer da história é aliado a outros campos do as influências das novas mídias no ensino,
conhecimento, o que seria impensável antes seja na escola, seja na universidade. A autora
da história cultural. destaca o fato de que não se pode mais
O sétimo capítulo, ‘Imagens desconsiderar a linguagem fílmica, a internet
contemporâneas: experiências fotográficas e os diferentes recursos de áudio existentes.
e memória no século XX’, de Ana Maria O problema, do seu ponto de vista, é que
Mauad, apresenta uma análise sobre as muitos destes instrumentos continuam
complexas e dialógicas relações existentes sendo considerados como acessórios e não
entre as imagens e as demais linguagens da como passíveis de interagir diretamente
história. Esse diálogo complexo preencheu as na produção de novos saberes, de novos
arestas que existiam entre os discursos visuais, modos de ensino. O objeto de análise da
escritos, orais, fílmicos, tornando ambiência autora é o filme, portanto, o apresenta como
da história todos os múltiplos discursos. Essa uma das possibilidades de produção do
amplidão do diálogo possibilita ao historiador conhecimento e, por conseguinte, também
compreender, elaborar, construir e interpretar do fazer da história. Spini está atenta às
as redes sociais que compõem o todo da dificuldades inerentes ao ensino nacional
sociedade. Diante deste cenário, a imagem e explicita que a escola está enfrentando
adquire característica de sujeito no fazer grandes dificuldades diante das mudanças
história. É em virtude deste novo status da que estão ocorrendo no cotidiano social. Em
imagem que a autora afirma que face disso, a autora apresenta o filme como
um dos caminhos viáveis para o ensino e para
Não se busca mais apenas a história por detrás a pesquisa. De acordo com Spini, em virtude
das imagens, mas a história das imagens e dos
sujeitos que, atentos às transformações do
da beleza, da sensibilidade, da sonoridade,
mundo, produziram estas mesmas imagens do enredo, das cenas, o filme deixa de ser um
(p. 145). recurso ilustrativo e transforma-se em uma
possibilidade de ressignificação da história
No cenário do texto, a fotografia “[...] de ferramenta, o cinema passa a ser
transforma-se, como imagem que é, em tratado como linguagem [...]” (p. 167). Sob
objeto da história e o ator principal na esta perspectiva, a autora apresenta e analisa
produção desta imagem, o fotógrafo, passa algumas situações nas quais a linguagem
a ser um sujeito da e na história. Tendo fílmica é um caminho para o saber histórico,
como parâmetro esta percepção da história particularmente quanto à construção da
e da fotografia, Mauad constrói seu texto memória. Um dos exemplos considerados
explicitando diferentes perspectivas da por ela são os filmes produzidos a partir
fotografia no século XX, brinda-nos com uma dos anos 1980 e 1990 sobre a guerra do
bela narrativa acerca de grandes nomes da Vietnã, nos quais as narrativas de veteranos
fotografia do período e, nesta tela, evidencia possibilitam outros cenários da guerra. Desse
como estes fotógrafos-sujeitos tornaram-se modo, Spini constrói uma leitura da história
importantes personagens para a história. que perpassa diretamente pela linguagem/
imagem fílmica.

140 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 135-142, novembro 2010


Resenha

O nono texto, ‘Moscou, ensaios e cenas de [...] advento da história cultural, ou seja, o
Tchekhov: os impasses de um documentário’, reconhecimento de uma outra dimensão ou
característica inerente à realidade histórica: a
de Eduardo Escorel, é uma análise crítica do dimensão cultural” (FALCON, 2006, p. 332).
filme/documentário Moscou, baseado na
peça “As Três Irmãs”, de Eduardo Coutinho. Por fim, que os leitores saibam apreciar
Assim, ao apresentarmos os textos e apropriar-se destas múltiplas linguagens e
que compõem a obra História e Imagens, olhares que teceram os escritos desta obra,
procuramos explicitar que esta Coletânea que amalgamaram a história e a imagem.
aponta um caminhar para a história e
para imagem: o profundo estreitamento
existente entre ambas. Este caminhar não Referências
seria possível se não existisse uma sintonia
entre as diferentes leituras que aqui foram FALCON, F. J. C. História Cultural e história da
apresentadas pelos autores. Como um Educação. Revista Brasileira de Educação, v. 11, n.
32, p. 328-339.
grande e belo mosaico bizantino, cada um
dos autores apresentou suas reflexões sobre SCHMITT, Jean-Claude. Imagens. In: LE GOFF,
Jacques e SCHMITT, Jean-Claude (Coord.).
a história e a imagem, conscientes ou não, Dicionário temático do Ocidente Medieval. Bauru/
mostrando que “As imagens são inseparáveis SP: EDUSC; São Paulo/SP: Imprensa Oficial do
de seus usos” (SCHMITT, 2002, p. 598), bem Estado, 2002, v. I., p. 591-605.
como, apropriaram do

Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, p. 135-142, novembro 2010 141


Normas para Publicação

A Revista Domínios da Imagem é uma publicação dirigida pelo Laboratório de Estudos


dos Domínios da Imagem na História – LEDI, um projeto integrado (pesquisa/extensão) do
Departamento de História e está vinculada ao Programa de Pós-graduação em História Social
da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Paraná – Brasil.
Tal iniciativa tem como objetivo difundir o diálogo intelectual entre pesquisadores que
atuam em diferentes regiões do país e no exterior, bem como fomentar a interlocução entre
distintas áreas que tratam dos domínios da imagem.
A Revista Domínios da Imagem tem periodicidade semestral, com fluxo contínuo para
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respeitando a legislação em vigor;
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Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, novembro 2010 143


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144 Domínios da Imagem, Londrina, ano IV, n. 7, novembro 2010


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