7 • novembro 2010
ISSN 1982-2766
Domínios da Imagem
Revista do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História (LEDI)
do Departamento de História e vinculada ao Programa de Pós-graduação em
História Social da Universidade Estadual de Londrina
CONSELHO CONSULTIVO
Célia dos Reis Camargo – UNESP • Daniel Russo – Université de Borgnone • Darío Acevedo Carmona – Universidad
Nacional de Colombia • Eddy Stols – Katholieke Universiteit Leuven – Bélgica • Francisco Alambert – USP • Mauro
Guilherme Pinheiro Koury – UFPB • Patrice Olsen – Illinois State University • Renato Lemos – UFRJ • Rodrigo Patto
Sá Motta – UFMG • Stella Maris Scatena Franco – UNIFESP • Terezinha Oliveira – UEM
Ailton José Morelli – UEM • Ana Cristina Teodoro da Silva – UEM • Ana Maria Mauad – UFF • Annateresa Fabris
– USP • Annie Duprat – Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines • Áureo Busetto – Unesp • Cláudia
Musa Fay – PUC / RS • Luciene Lemkhul – UFU • Luis Felipe Viel Moreira – UEM • Luiz Guilherme Sodré Teixeira
– Fundação Casa de Rui Barbosa / RJ • Manoel Dourado Bastos – UDESC • Maria Cristina Pereira – USP • Maria
Paula Costa – UNICENTRO • Miriam Nogueira Seraphim – Unicamp • Miriam Paula Manini – UnB • Rejane Barreto
Jardim – UFPEL • Renata Senna Garraffone – UFPR • Solange Lima Ferraz – Museu Paulista • Vânia Carneiro
Carvalho – Museu Paulista
ISSN 1982-2766
Todos os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não cabendo qualquer responsabilidade
legal sobre seu conteúdo à revista.
Pede-se permuta • Pédese canje • On demande échange • We wask for exchange • Si richiedle lo scambio
Sumário
resenha
PARANHOS, K.; LEHMKUHL. L.; PARANHOS, A. (Org.). História e Imagens................... 135
por Terezinha Oliveira
Imagem da capa
A charge que ilustra a capa da Domínios da Imagem 7, denuncia a condição de parte das
pessoas de descendência africana, 500 anos após o encontro entre portugueses e habitantes
deste espaço, hoje denominado Brasil. Esta imagem foi feita por ocasião das comemorações
do Descobrimento do Brasil, em 2000. Trata-se de uma das inúmeras charges produzidas por
Maurício Pestana, cartunista brasileiro natural de Santo André/SP. Ele iniciou seu trabalho nos
anos de 1980 no jornal O Pasquim como assistente de Henfil que o motivou a direcionar seu
trabalho para a área dos Direitos Humanos. Pestana é reconhecido como o primeiro e mais
importante cartunista negro do Brasil; boa parte de seus trabalhos estão voltados à produção
de materiais educativos que tratam da discriminação racial e, atualmente, preside o Conselho
Editorial da Revista Raça Brasil – onde também publica suas charges.
Sobre a função e o sentido da sua produção, nada melhor do que o próprio artista para
apresentá-la:
Optei por uma linha polêmica provocando risos em situações em que não se deve rir. Concebi
ao meu trabalho uma careta indignada e singularíssima da sociedade brasileira. Defini um
indiscutível traço de uma contraposição estética e política ao radiografar a intolerância,
a ação perversa da introjeção da miséria, a violência policial acasalada, a impunidade, o
preconceito institucionalizado, a cidadania incompleta, o peso do desemprego e a ausência
dos iguais direitos de opções. Neste contexto, meus cartuns ou tiras e ilustrações passaram a
ser, às vezes, palco, outras vezes, palanques e até púlpitos profanos. [...] o processo evolutivo
do meu trabalho não poderia ser diferente da minha arte, na medida em que a condição
político existencial torna inseparáveis a forma e o conteúdo, criatura e o criador, a arte e a
vida (PESTANA, 30 anos de arte pela igualdade, 2010).
Edméia Ribeiro
Resumo
A cidade de Manaus durante o seu primeiro processo de urbanização passou por transformações
que modificaram sua arquitetura e suas relações sociais. O comércio de exportação da borracha
lhe propiciou intenso contato com as novas ideias trazidas pela modernidade, impondo mudanças
não só arquitetônicas da cidade, bem como nos costumes e hábitos da população. À imprensa
coube o importante papel na função de propagar esse novo modelo de sociedade que se desejava.
À criança foi dedicada atenção especial nessas redefinições de papéis sociais que estava a se
estabelecer. Entendendo imagem não apenas como registro fotográfico, mas também como a
forma de representar algo, este artigo procura demonstrar as imagens da infância Manauara
no período entre 1890 a 1920.
Palavras-chave: Infância; trabalho; imprensa.
Abstract
The first period of urbanization in Manaus city has brought change both in architecture and
social relations. The business of rubber export brought an intense contact with new ideas of
modernity, imposing changes not only architectural but also in customs and habits of people.
The press has acted decisively as propagator of this new model of society desired. There was
special attention to children in the process of redefinition of social roles that was developing
and the press contributed by propagating the desired new model of childhood. Understanding
“image” not only like picture register, but a representation form too. This article research images
of childhood manauara between 1890 a 1920.
Keywords: Childhood; work; press.
1
Parte de minha dissertação de Mestrado em História intitulada Infância e Trabalho: dimensões do trabalho infantil na cidade de
Manaus (1890-1920). 2010. (Dissertação de Mestrado) UFAM-Manaus, 2010.
2
As práticas tradicionais da população como cozinhar, estender roupas, brincar e gritar nas ruas, tomar banho nos igarapés, entre
outros costumes, passaram a ser vistos como sinônimo de atraso, sendo denunciados constantemente pelos periódicos locais. A
frequência de tais denúncias revela a resistência por parte da população em adquirir os novos hábitos impostos.
3
A Voz de Loriga: Órgão da Colônia Loriguense em Manaus. Manaus, 1 de agosto de 1909. p. 1.
ser trilhado pelo homem civilizado em direção atraia inúmeros urubus, incomodando
ao progresso.4 os moradores; a presença de vendedores
No entanto, a adesão da imprensa a nas ruas da cidade que, ao exporem suas
esse projeto não foi homogênea, não foi mercadorias, atrapalham o trânsito se
unívoca, distanciando em muito dos povos de bons
costumes;7 contra a presença de portadores
diversas folhas locais colocaram-se critica- de doenças contagiosas, como a lepra, que
mente frente às mudanças, principalmente
denunciando os limites estreitos e os compro-
trabalhavam em alguns comércios retalhistas,
metimentos dessa ‘modernidade’ manauara ou andavam nos bondes e frequentavam os
(PINHEIRO, 2001, p.94). botequins junto às pessoas sãs. Neste artigo,
o autor reconhece que o local existente para
Dentre os vários jornais que tomaram para confinamento desses doentes não é dos
si a missão de livrar a população menos culta mais adequados, mas que ainda assim sejam
dos costumes primitivos e vícios degradantes, tomadas providências para que eles sejam
destacamos o Jornal do Commercio. Sua internados, pois era constrangedor tanto para
atuação foi emblemática na divulgação eles, portadores da doença, quanto para o
de novos valores, talvez por pertencer a resto da população.8
uma classe conservadora e fazer parte da Enfim, esses e muitos outros temas foram
elite que propunha um novo modelo de alvos de campanhas por parte deste jornal,
cidade, tenha se empenhado de forma mais uns com menos frequência, outros quase
categórica numa campanha higienizadora da que diariamente. Percebe-se que embora se
cidade. No ano de sua fundação,5 o Jornal proclamasse paladino das causas populares,
do Commercio já começa a pregar novas defensor da moral e dos bons costumes, tais
posturas a favor da moral, cobrando da discursos mascaravam toda uma carga de
polícia ações contra o aumento de casas de tensão e preconceito existente na cidade. Seus
tolerância na cidade. Da mesma forma, virá a discursos nos possibilitam entrever a exclusão
ser alvo de denúncias desse jornal a presença dos segmentos que não se adequavam
de inúmeros cachorros pela cidade que ao novo modelo de sociedade o qual a
durante a noite, quando a população se deita modernidade estava a exigir (PINHEIRO,
para descansar das atividades diárias, tinha 1999, p.50). Era necessário sanear a cidade
o sono perturbado pelo “ladrar irritante das da prostituição, ou pelo menos que ela não
matilhas vagabundas. É um barulho infernal, ficasse tão visível; tirar os vendedores com
em todos os trechos da cidade, em todos os suas mercadorias das ruas ficando apenas
recantos da urbs [...] tudo gane, tudo uiva e as casas comerciais; não mostrar, à luz do
ladra, num choro diabólico ensurdecedor”;6 as dia, o lixo produzido pela cidade; confinar
buzinas persistentes dos carros que insistiam os doentes de lepra e outras doenças
em acioná-las, mesmo sem necessidade; contagiosas. Mais que se mostrar preocupado
a limpeza do lixo que deveria ser feita com a saúde dos doentes ou da população
durante a noite e não durante o dia, pois sã, o jornal revelava o quanto incomodava a
4
O Combate, nº1. Manaus, 25 de julho 1915. p. 1.
5
Para estudos sobre a trajetória do Jornal do Commercio consultar: ALVES, 2009; SOUZA, 2005.
6
Jornal do Commercio, nº 4405. Manaus, 30 de julho de 1916. p. 1
7
Jornal do Commercio, nº4464. Manaus, 29 de setembro de 1916. p. 1
8
Jornal do Commercio, nº4423. Manaus, 19 de agosto de 1916. p. 1.
presença dessas pessoas nas ruas do centro destaque na sociedade local. Isso pode ser
da cidade, não sendo este um cartão de visita ilustrado pela notícia publicada no jornal
adequado a uma cidade que havia se tornado Diário de Manáos informando que “batizou-
cosmopolita e estava a receber milhares de se anteontem a interessante menina..., dileta
visitantes. Era uma paisagem que causava filha do ilustre sr. capitão...”.11 Ou ainda as
mais repugnância que caridade. felicitações pelo aniversário do pequeno
Sendo assim, será nessa imprensa que “William, um encanto a florir, uma formosa
tentaremos captar as imagens retratadas das inteligência que se abre no lar amantíssimo
crianças na cidade de Manaus (CHARTIER, do capitão..., estimado escriturário do Banco
2002). 9 Uma imprensa que embora se do Brasil... conta, hoje, o terceiro aniversario
afirmasse defensora das causas populares de seu natal”.12
teve papel fundamental no processo de Esse tratamento diferenciado também
exclusão dessa classe. Da mesma forma como pode ser percebido nas notas fúnebres, nas
na estrutura física da cidade, que estava a quais os filhos das famílias ricas também
ser construída, havia lugares distintos para recebem tratamento distinto. A notícia vem
as famílias pobres e para as famílias ricas, sob o título “os mortos”, sendo composta
os jornais desse período, em suas páginas, de adjetivos elogiando as qualidades do
também reservavam lugares distintos para morto, bem como evidencia o pesar e a
elas. Em Manaus, a exemplo de outras cidades consternação causada pelo falecimento. A
brasileiras, a representação feita da criança elas se fazia referências tais como “o enterro
terá como pilar o grupo econômico a qual da inocente...” ou “a pequenita extinta...” 13.
esta faz parte, (PEREIRA, 2006; MOURA, A fim de propagandear o perfil de criança
2003)10, retratando duas imagens distintas: que se queria para a cidade que estava sendo
a criança rica e a criança pobre. construída, o Jornal do Commercio passa
As crianças ricas passeiam pelas primeiras a publicar em suas páginas domingueiras
páginas do jornal. São encontradas nas um álbum infantil destinado a divulgar
colunas sociais, sendo motivo de felicitações fotos de crianças menores de sete anos de
pelo seu batizado, pelo seu aniversário e idade14. Em todos os domingos, a primeira
outras datas festivas. A elas são dirigidos página deste jornal estampa cerca de doze a
adjetivos carinhosos e todo um tratamento dezenove fotos de crianças nas mais diversas
diferenciado, que de imediato nos faz perceber poses. Sentadas em cadeiras, deitadas em
se tratar de filho (a) de algum cidadão de almofadas, em pé ao lado dos móveis pousam
9
Para além do registro fotográfico, entendemos por imagem a forma de retratar ou representar algo. E por representação,
comungamos com o conceito de Chartier para quem as representações são apresentações de uma dada realidade social, não
sendo neutras ou estáticas, visto atenderem interesses de grupos sociais, tendo sido, portanto, criadas a partir da percepção, da
visão de mundo dos grupos que as representam. (CHARTIER, 2002).
10
Para trabalhos abordando as representações das crianças na cidade de Florianópolis e em Pernambuco, respectivamente: PEREIRA,
2006; MOURA, 2003. Para Moura, as crianças de Pernambuco eram representadas “a partir de vários signos e normatizações
dependendo da categoria social a qual pertenciam” (MOURA, 2003, p. 26).
11
Diário de Manaus. Manaus, 26 de agosto de 1892. p.1
12
Jornal do Commercio, nº4000. Manaus, 15 de junho de 1915. p.1. Tal tratamento foi encontrado em todo o período
pesquisado.
13
Quando se tratava da morte de uma pessoa pobre, esta era noticiada sob o título de “obituário” e constava apenas do nome do
morto, sua origem e a causa da morte. É frequente encontrarmos em uma mesma página de jornal os dois tipos de notas fúnebres.
Tal distinção foi encontrada em todo o período pesquisado.
14
Em nossa pesquisa encontramos o álbum a partir do nº 3991 publicado no mês de maio de 1915 até o nº 4095 de 19 de setembro
de1915.
Podemos inferir que estes álbuns do amanhã.” Entendemos que essa evidência
retratavam a imagem da criança que se se concretiza nas notas que antecedem
queria, devendo, portanto, ser propagada. o encerramento da publicação do álbum
“Tais crianças de bons costumes e hábitos infantil, nas quais o Jornal do Commercio
saudáveis é que se tornariam bons cidadãos afirma que o referido álbum
15
Jornal do Commercio, nº 4055. Manaus, 10 de agosto de 1915. p.1.
16
Para a presente pesquisa, utilizamos os seguintes álbuns: Álbum da Cidade de Manaus (1848-1948), Álbum do Amazonas (1901-
1902), Indicador Ilustrado do Estado do Amazonas (1910), Álbum Municipal de Manaus (1929), Annuario de Manaus (1913-1914),
Manaus 310 Anos.
São crianças que portam roupas de seda, contrário destas, aquelas não são encontradas
rendas, cambraias e cetins. Tais figurinos, em colunas sociais, em felicitações de
pertencentes aos requintes da moda parisiense, aniversários nem em batizados.
demonstram que tais pequenos pertencem a A elas são legadas as notas policiais,
famílias de destaque na sociedade local. as colunas de queixas e as colunas de
Ainda que desconsiderássemos a mobília que chamada para emprego. Em todo o período
compõe a foto, visto esta ser, possivelmente, pesquisado, as crianças pobres são notícias
produzida em um estúdio fotográfico, e as em reportagens sobre espancamentos,
legendas que identificam estes menores, acidentes de trabalho, furtos e fugas, o que
pelos seus trajes, não seria difícil inferir a que nos leva a afirmar que a imagem da criança
extrato social pertenciam. pobre retratada na imprensa manauara
Nas revistas de variedades eram retratadas estava relacionada ao trabalho infantil, ao
comemorando aniversário, participando vício, aos pequenos delitos, a ociosidade e
de concursos de robustez ou simplesmente vadiagem.
pelo fato de serem filhos de personalidades A vadiagem, nas últimas décadas da
da cidade. 17 Sempre acompanhadas de passagem do século XIX para o século XX,
tratamentos afetuosos, suas imagens em todo o Brasil passou a ser motivo de
desfilavam pelas páginas das revistas, sérias preocupações por parte do Estado.
distribuindo graça e beleza. Uma intensa campanha foi deflagrada
A análise de tais imagens de crianças no sentido de incutir o valor do trabalho
na cidade de Manaus nos leva a acreditar na população brasileira. Esta, saindo do
que tais representações não eram feitas ao contexto de um sistema escravista, via o
acaso, elas visavam preencher uma ausência. trabalho como algo degradante e sem valor
Assim, a divulgação de fotos de crianças (KOWARICK, 1982, p.10). Foi necessário
limpas, saudáveis e bem cuidadas, muito todo um processo coercitivo, a fim de atrair
provavelmente poderia ter a intenção de as camadas populares para o trabalho
ocultar outro tipo de infância vivenciada regular, para o trabalho “disciplinado”. A
em Manaus, a infância a qual estava sujeita ociosidade passou a ser vista como desvio de
a criança pobre. Em outras palavras, a conduta, sendo imperativo introjetar o amor
representação da criança rica teria o papel de pelo trabalho. Leis e Códigos de Posturas
ocultar a imagem da criança pobre, devendo passam a combater a vadiagem exigindo
este espaço vir a ser ocupado pelas imagens uma ocupação produtiva. O trabalho passa
das crianças mais favorecidas. Seria a ausência a ser visto como a regeneração do homem,
da criança que se queria, sendo preenchido passando a ser associado à moral e ao caráter
por uma minoria de crianças que viviam em do cidadão.
condições consideradas ideais. Pautado nesse novo valor de trabalho,
Os espaços reservados pelos jornais às na cidade de Manaus, o comércio da
crianças pobres, na cidade de Manaus, difere borracha, nas últimas décadas do século
dos espaços destinados às crianças ricas. Ao XIX, possibilitou o contato da elite local com
No caso, trabalhamos especificamente com a Revista Cá e Lá de nº 6 e nº8 do ano de 1917. Tal revista, destinada aos segmentos
17
privilegiados da sociedade local, tratava de assuntos variados tais como notas sociais, humor, poemas e fatos políticos envolvendo
personalidades.
É uma pena ver-se algumas pobres creanças Chegou a vez dos garotos, dos viciados em
que andam por ahi pelas ruas vagabundean- miniaturas, dos que não recuam á pratica da
do, habituando-se ao vício, esquecidas do mais torpe acção. Juntam-se, como os cães,
trabalho, sem um officio, sem um meio certo e vão pelas praças e pelas ruas á cata de
de subsistência. uma festa, ou de uma reunião qualquer [...]
Muitas vezes formam grupos nos logares de O molecório, nessas excursões arrasta em
mais movimento da cidade e é de ver-se então sua companhia innumeras creanças que pelo
o desbragamento da linguagem, o palavreado contacto, vão assimilando e desenvolvendo
garoto, a gyria a que já estão acostumando. tais immundices. É para isso que os particulares
Um bom correctivo para esses candidatos do e as autoridades devem olhar energicamente,
vicio certo que seria uma obra digna e mere- para que as creanças educadas pela religião do
cedora de applausos... lar, não fiquem pervertida com a leitura, que
Avançamos mais: serão alguns criminosos de
menos em dias futuro.18
Código Municipal de 1893. Ofensas a moral pública. Artigo 109, capítulo VII, de 23 de maio de 1893.
19
Jornal do Commercio, nº441. Manaus, 07 de agosto de 1916, p.1 e nº4419 de 15 de agosto de 1916, p.1.
22
O Papagaio, nº 2. Manaus, 13 de agosto de 1899. Parte da poesia sem autoria, Baladas dos Filhos do Povo.
23
Sob esta ótica, os menores vivem a vagar cantos da cidade. Caminhando pelas ruas
pelas ruas, descalços e maltrapilhos não da cidade a carregar doces, jornais ou outra
por vadiagem, mas sim por serem levados mercadoria. Muitas vezes descalços, o que
pela pobreza. Deixadas ao abandono pelo pode ter relação com o estado de pobreza
Estado, eles levam uma vida sofrida. Os em que viviam, como também, a um antigo
homens com suas ideias de modernidade, hábito da população mais humilde.24
portadores de projetos de cidade e sociedade, Seus trajes aparentam ser de material
referenciados pelo poema como homens do grosseiro e sem aprimoramento na sua
mundo novo, não percebem que os filhos das confecção. Alguns com a perna da calça
famílias pobres estão sendo excluídos em tal comprida rasgada, outros com camisas por
processo. dentro das calças, usando suspensórios,
Entretanto, não é apenas nos jornais que parecendo um pequeno adulto. também
as imagens de crianças pobres podem ser podem ser vistos ora encostados aos muros
encontradas. Elas também estão presentes das lojas de confecções, ora pousando junto
em revistas de variedades e nos álbuns ao corpo de funcionários a frente ou dentro
de fotografias da cidade. Diferente do dos estabelecimentos comerciais; trabalhando
observado nas imagens dos filhos das famílias em hotéis, gráficas ou servindo bebidas em
mais favorecidas, a criança pobre não é o bares e cafés, ou ainda com vassoura nas
foco principal da fotografia. Ela aparece mãos. Em frente a moinhos, alfaiatarias,
como coadjuvante ou parte do cenário que docerias e outros estabelecimentos. Seus
compõe a fotografia. Da mesma forma, nos tamanhos são variados, muitos com as feições
álbuns da cidade, as crianças pobres não são de crianças entre seis a oito anos.
fotografadas em estúdios, elas aparecem Tais imagens não eram exclusivas da cidade
como transeuntes ou trabalhadores anônimos de Manaus. No município de Itacoatiara,
cujos rostos não eram o alvo principal das os menores também eram retratados nas
máquinas fotográficas. Tais impressos nos fotografias de forma semelhante.25
revelam a sua presença nos mais variados
24
andar descalço era um costume que a população pobre manteve por muito tempo, sendo que a partir dos processos de urbanização
esse hábito passou a ser visto como primitivo pelos segmentos sociais que passaram a adotar o estilo de vida burguês. Hoje não
é raro encontrar nos bairros mais afastados moradores que saem descalços às ruas.
25
Indicador Illustrado do Estado do Amazonas - 1910.
Estabelecimentos comerciais próximos a Praça dos Crianças entre os adultos no trabalho avulso.
Remédios (1893). Álbum de Manaus- 1848/1948. Indicador Ilustrado do Estado do amazonas – 1910
26
Revista Cá e Lá nº8, de 12 de maio de 1917 e nº9, de 26 de maio de 1917.
imagens que podem indicar estar a trabalhar Essa era a vida diária dessas duas
em casa de famílias ricas, o que era frequente personagens, que segundo nosso pequeno
nesse período. O que, no entanto, não significa autor viveram felizes para sempre.
que o espaço doméstico fosse o único espaço A imagem da criança pobre retratada
social ocupado por elas. Os jornais desse nessa pequena e inocente história é de
período revelam sua presença nas fábricas e no menores contribuindo para o sustento da
comércio, exercendo atividades diversas tais família. Para tanto, eles utilizavam os mais
como empacotadora de cigarros, manuseio variados recursos como venda em mercados
de máquinas registradoras, atendente em e outros expedientes. Tal percepção parece
botequins e outras mais (PESSOA, 2010). ter se formado a partir de algo que parecia
Para finalizar, apresentamos a imagem que comum aos seus olhos, ou seja, famílias
uma criança rica possivelmente fazia sobre pobres que precisavam recorrer à ajuda dos
a criança pobre. Trata-se de uma historinha filhos pequenos para garantir o sustento.
publicada no jornal Pontos nos ii, em uma Crianças que passavam o dia nas ruas a
seção que premiava as historietas enviadas fim de conseguir uns trocados para a sua
por crianças com até quatorze anos de sobrevivência. Enquanto esse pequeno
idade. Ao anunciar a referida seção, o jornal escritor podia se dedicar à produção de
publica uma pequena história produzida por história para enviar as seções infantis dos
um menino de oito anos de idade, filho de jornais, o que só seria possível se possuísse o
um conhecido comerciante local. Nas breves conhecimento da leitura e da escrita, o que é
linhas, essa criança expõe a sua percepção muito provável, visto ser filho de comerciante
sobre a criança pobre. de destaque, as crianças pobres passavam o
dia a criar estratégias de sobrevivência a fim
Era uma vez um menino que todo santo dia de garantir o sustento da família.
sahia com sua irmanzinha que tanto amava.
Ella levava uma cestinha com flores para o
A análise das diversas fontes relacionadas
mercado, e elle um balainho com passarinhos às imagens de criança por nós, encontradas
que caçava, e quando vendiam tudo iam na imprensa da cidade de Manaus, leva-nos a
para a casa levar o dinheiro a sua mãi, e que
inferir que a exclusão a que as famílias pobres
coitada estava, sempre doente. [...] seus dois
filhinhos se esforçavam para o seu sustento estavam submetidas estava para além dos
e de sua mãi, á tarde sahiam cada um para o espaços geográficos, chegando a atingir todo
seu lado; o menino ia caçar alguns pássaros, o seu modo de viver. Sendo assim, a Manaus
e a menina com seu terçado capinava um ro-
çado que havia próximo e como recompensa
que estava sendo construída reservava
de seu trabalho lhe davam umas moedinhas às crianças dessas famílias um espaço
e depois apanhava umas flores que havia na diferenciado do espaço destinado aos filhos
mata e ia vender á cidade no dia seguinte, e
da elite. Enquanto a estes últimos estavam
lá iam todos os dias levar ao mercado suas
mercadorias [...].27 reservados os espaços privilegiados da cidade,
às crianças pobres estavam destinados os
espaços dos mundos do trabalho.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da SOUZA, Leno José Barata. Vivência Popular na
violência nas prisões. 36.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, Imprensa Amazonense: Manaus da borracha
2009. (1908-1917). 2005. (Dissertação de Mestrado)
PUC, São Paulo, 2005.
Resumen
El 20 de julio de 1910, Colombia celebró su primer siglo como país soberano. El Estado, la Iglesia,
la prensa, los partidos y organizaciones e instituciones gubernamentales y privadas se dieron a la
tarea de hacer de esta fecha uno de los días más memorables en la historia del país. Un sinnúmero
de actos conmemorativos, donde sobresalió la exposición Agrícola e Industrial del Centenario,
fueron realizados a lo largo y ancho del territorio colombiano. Comisiones organizadoras de
carácter nacional, regional y local se encargaron de preparar hasta el más mínimo detalle. Con
este artículo, se busca analizar los preparativos y eventos realizados durante la celebración del
primer Centenario de la independencia nacional, para mostrar las lógicas subyacentes en ella,
su significación, sus contenidos simbólicos orientados a recrear una idea de progreso y de forjar
una pertenencia nacional.
Palabras clave: Colombia; celebración; Centenario; Independencia; comisiones; exposición;
simbólicos; forjar; progreso; pertenencia; nacional.
Abstract
On July 20, 1910, Colombia held their first century as a sovereign country. The State, the Catholic
Church, the press, the political parties and organizations and governmental and private institutions
were given the task of making this date one of the most memorable days in the history of the
country. A number of commemorative events, where he excelled the Agricultural exhibition and
Industrial of the Centenary, were made to the length and breadth of the Colombian territory.
Organizing committees of national character, regional and local were commissioned to prepare to
the smallest detail. This article is intended to discuss preparations and events during the celebration
of the Centenary of national Independence, to show the underlying logic in it, its significance, its
symbolic content designed to recreate an idea of progress and forging a national affiliation.
Keywords: Colombia; celebration; Centenary; Independence; commissions; exposure; symbolic;
forge; progress; membership; national.
Es bueno anotar que si bien la conmemoración centenaria de 1910 se realizó durante el gobierno de Ramón González Valencia, fue
1
en la presidencia de Rafael Reyes que se decretó la Ley 39 de 1907 la cual ordenó celebrar solemnemente en toda la república el
centenario de la independencia, véase Primer centenario de la independencia de Colombia 1810-1910, Bogotá, Escuela Tipográfica
Salesiana, 1911, p.I. En adelante Centenario…
Imagen 1. Tomado de Colección particular. Pabellón de las Máquinas. Vista frontal. Ca. 1910.
Fotografía sobre papel
4
Centenario..., p. 211.
5
Centenario..., p. 27.
6
Centenario..., p. 214.
7
“Las alegorías pueden ser definidas como combinaciones de personificaciones o símbolos, o ambas cosas a la vez,” tomado de
Panofsky Erwin, Estudios sobre iconología, Madrid, Alianza, 1980, p.16.
8
La imagen de Simón Bolívar en cualquier estandarte, se constituía en la representación de un ser emancipado y libertario.
9
Hobsbawm Eric and Terence Ranger, The invention of tradition, Cambridge, Cambridge University Press, 1983, p.78.
que de ellas se tenía por parte de los sino también por características como su
ciudadanos. vestuario. Por ejemplo, en dos fotografías que
Dentro de los monumentos inaugurados se tomaron el mismo día de la inauguración de
en el parque que el Estado colombiano abrió la estatua ecuestre del Libertador es evidente
en Bogotá con motivo del primer centenario un gran contraste social. En la primera de ellas,
de la Independencia sobresalen, entre otros, tomada desde la parte central del parque
la estatua ecuestre de Bolívar 10. Fue así es posible ver (veáse imagen 2) a las elites
como el 15 de julio de 1910, en el acto de sociales vestidas con finos sombreros de copa
inauguración, el general Ramón González y trajes de paño quienes se encuentran cerca
Valencia, quien ejercía entonces la presidencia del presidente de la República, encargado del
de la república, pronunció un extenso discurso discurso, dicha imagen fue publicada en las
con motivo de dicho evento. La estatua, obra memorias oficiales del Centenario que aquí
del escultor Frémiet, reposa sobre un pedestal reproducimos. Mientras que en la segunda
de piedra, en cuyo frente se ve una corona de fotografía (veáse imagen 3), tomada desde
laurel en bronce y al pie la más sencilla de las un ángulo lateral pueden distinguirse las
inscripciones, que en dos palabras resumen clases populares, quienes rodeaban a la elite
la vida del héroe: ¡Fiat Patria! (¡Hágase la social y cuyos vestuarios eran muy distintos:
patria!) en seguida se lee: Bolívar libertador los hombres con ruanas de lana y sombreros
1783-1830. de fique y las mujeres con poncho y faldones
En las fotografías tomadas durante grandes. Así, en pleno evento ferial, durante la
dicho acto inaugural, las personas de origen inauguración de la estatua ecuestre de Bolívar,
humilde son fácilmente diferenciables, no se mostró una idea amañada de lo que se
sólo por el lugar que ocupan en la celebración quería hacer ver como lo nacional lo cual esta
representado en estas dos fotografías.11
Imagen 2. Tomado de Colección particular. Inauguración de la estatua ecuestre de Bolívar. Vista frontal. Ca. 1910.
Fotografía sobre papel
10
La Comisión Nacional del Centenario contrató al escultor francés Emmanuel Frémiet para fabricar la estatua en bronce del Bolívar
ecuestre, tomado de Archivo General de la Nación (AGN), Bogotá-Colombia, Sección Ministerio de Gobierno, Fondo 1 (Negocios
Generales) Festejos Patrios, Archivo de la Comisión Nacional del Centenario de la Independencia de 1910, Caja 001, Carpeta
001, f. 18.
11
Centenario…, p. 293.
Imagen 3. Tomado de Colección particular. Inauguración de la estatua ecuestre de Bolívar. Vista lateral. Ca. 1910.
Fotografía sobre papel
Del monumento como tal, incluso más a Los Héroes al norte de Bogotá, y fue
que la imagen de Bolívar, sobresale la trasladada de su lugar original en el parque
figura del caballo ya que hasta entonces de la Independencia por motivos de la
el francés Emmanuel Frémiet se había ampliación vial de la carrera séptima y la
destacado artísticamente como experto construcción de los puentes de la calle 26.
escultor de figuras de animales. De esta otro de los monumentos inaugurados en
manera, la estatua Ecuestre de Bolívar recrea el parque de la Independencia con motivo
al Libertador colombiano en el campo de del Centenario fue el denominado kiosco
batalla esgrimiendo su espada al infinito de a Luz inaugurado el 28 de julio de 1910.
como símbolo del coraje libertario encima El evento estuvo presidido por alberto
de su valiente equino. Dicho binomio, jinete Sámper, representante y copropietario de la
y caballo, descansan sobre un pedestal de Compañía de Energía, el cual, al momento de
mármol importado desde Europa al igual que la inauguración, afirmó lo siguiente:
el resto de la escultura. Esta primera estatua
Ecuestre de Bolívar en Bogotá, luego sería No tiene otro merito que de haber sido
edificado con los productos de esa fábrica y
tomada como referente en muchas ciudades de ser la primera construcción que en cemento
provinciales de colombia al punto que armado se hace entre nosotros.12
actualmente varios parques del país cuentan
con una replica de dicho monumento. Incluso, Sámper también era copropietario de la
dichos parques se convirtieron en lugares de compañía de cementos Sámper Hermanos la
congregación social y cultural para las clases cual donó dicha obra a Bogotá.
populares. De esta manera, el pequeño kiosco de
actualmente la estatua Ecuestre fundida la Luz, se convirtió en uno de los principales
por Frémiet se encuentra en el monumento referentes de la exposición Agrícola e Industrial
12
Centenario…, p.341.
del centenario ya que representaba dos de los para la época se constituía en una muestra
principales avances industriales de la época en de civilización y cultura lo suficientemente
el país, por un lado, la aparición de la energía atractiva para llevarse la atención de propios
eléctrica como fuente de luz y generadora de y extraños. Cuando se inauguró el kiosco de
potencia para la incipiente industria nacional la Luz, se dijo que era una copia de un kiosco
y, por el otro, el cemento como elemento del palacio de Versalles a raíz de su forma
dinamizador de la construcción en colombia. octogonal, con ornamentos similares como las
Esta fotografía (véase imagen 4) nos muestra figuras en alto relieve de las cuatro estaciones.
el buen estado arquitectónico en que se “Es así como podemos afirmar que el uso del
encuentra actualmente el kiosco de la Luz kiosco en la Exposición Agrícola e Industrial
en Bogotá, cuya edificación posee un estilo del centenario, fue el de servir de símbolo
neoclásico basado en las construcciones de la modernización urbanística que ofrecía
ornamentales de la Roma clásica. Por ende, es el concreto.” 13
una construcción inspirada en lo europeo que
Imagen 4. Tomado de Colección particular. Kiosco de la Luz. Vista frontal. Ca. 2008. Fotografía sobre papel
13
tomado de Zambrano Pantoja, Fabio, El Kiosco de la luz y el discurso de la modernidad, Bogotá, Alcaldía local de Santa Fé - Instituto
Distrital de Cultura y Turismo: Alcaldía Mayor de Bogotá D.C., 2005.p.22.
Citando a Benedict Anderson, Alan Knight expresa lo siguiente: “forjar patria quiere decir inculcar lealtades nacionales y asegurar
15
que la “comunidad imaginada” (que es la nación) penetre la imaginación no sólo de las élites, de los intelectuales, de los que saben
leer y escribir, sino también del populacho, de los analfabetas, de los campesinos e indígenas(...)” tomado de Knight Alan, Pueblo,
política y nación, siglos XIX y XX, en: Uribe Urán Víctor Manuel y Ortíz Mesa Luís Javier, Naciones, gentes y territorios: ensayos
de historia e historiografía comparada de América Latina y el Caribe, Medellín, Facultad de Ciencias Humanas y Económicas de la
Universidad Nacional de Colombia, Sede Medellín, U. de A., Colección Clío, 2000, p.373.
capital de Colombia y luego se extendió al Burke, Peter. Visto y no visto: el uso de la imagen
resto del país. como documento histórico, Barcelona, Crítica,
2001.
Como ya se dijo, la celebración del
Centenario colombiano sirvió para reafirmar la Cortázar, Roberto. Monumentos, estatuas,
bustos, medallones y placas existentes en Bogotá
creencia en un proyecto de construcción de una
en 1938, Bogotá, Selecta, 1938.
nación y una nacionalidad; representaciones del
Escovar Wilson-White, Alberto. Atlas
pasado y de la memoria colectiva, conducentes histórico de Bogotá: 1528-1910, Bogotá, Planeta,
a consolidar una mitología fundacional 2004.
hispanista, centralista y católico-conservadora, Hobsbawm, Eric; Terence, Ranger. The
basada en la glorificación de los héroes de la invention of tradition, Cambridge, Cambridge
emancipación nacional y en un imaginario University Press, 1983.
político repúblicano. Knight, Alan. Pueblo, política y nación, siglos XIX
y XX, en: Uribe Urán Víctor Manuel y Ortíz Mesa
Luís Javier, Naciones, gentes y territorios: ensayos
Bibliografía general de historia e historiografía comparada de América
Latina y el Caribe, Medellín, Facultad de Ciencias
Fuentes documentales Humanas y Económicas de la Universidad Nacional
Archivo General de la Nación (AGN), Bogotá- de Colombia, Sede Medellín, U. de A., Colección
Colombia, Sección Ministerio de Gobierno, Clío, 2000, p.373.
Fondo 1 (Negocios Generales) Festejos Patrios, Medina de Pacheco, Mercedes. Las estatuas
Archivo de la Comisión Nacional del Centenario de Bogotá Hablan, Bogotá, Prolabo, 2002.
de la Independencia de 1910, Caja 001, Carpeta
001, f. 18. Mejía, Pavony; Germán, Rodrigo. Los años del
cambio: Historia urbana de Bogotá 1820-1910,
Memorias del Primer centenario de la independencia Bogotá, instituto de cultura hispánica, 1999.
de Colombia 1810-1910, Bogotá, Escuela
Tipográfica Salesiana, 1911. Panofsky, Erwin. Estudios sobre iconología,
Madrid, Alianza, 1980.
Periódico El Centenario, Bogotá, julio 22 de
1910. Sánchez, Gonzalo. Memorias de un país en
guerra: Los Mil Días 1899-1902, Bogotá, editorial
Planeta, 2001.
Fuentes bibliográficas Zambrano Pantoja, Fabio. El Kiosco de la luz
Bergquist, Charles. Café y conflicto en Colombia, y el discurso de la modernidad, Bogotá, Alcaldía
1886-1910, Medellín, FAES; 1981. local de Santa Fé – Instituto Distrital de Cultura y
Turismo: Alcaldía Mayor de Bogotá D.C., 2005.
Resumo
Pretendemos nesse estudo lançar nosso olhar sobre as imagens, iluminuras, que acompanham o
texto da Franceschina, obra composta no século XV por Giacomo Oddi, na qual são apresentadas
as vitae de Francisco de Assis e outras “figuras ilustres” da Ordem dos Frades Menores entre os
séculos XIII e XV. O texto em dialeto umbro possui uma linguagem simples e cotidiana, assim
como um caráter dramático e heróico, remetendo-se especialmente à recusa do mundo, à
dedicação às práticas caritativas e religiosas e ao martírio dos frades. Apesar da simplicidade das
formas e da técnica, estas iluminuras registram e divulgam experiências, mas buscam despertar
uma sensibilidade. Neste caso esta é provocada, por um lado, por uma representação mística
e, por outro, pela exacerbação da violência sofrida pelos frades, apresentando o caminho do
martírio como a principal expressão de exaltação dos menores após a morte de Francisco, em
contraste com o franciscanismo dos “primórdios”.
Palavras-chave: Iconografia franciscana; Franceschina; iluminura
Abstract
In this study we intend to pay close attention to the images, illuminations that appear in the
text Franceschina, a work from the fifteenth century written by Giacomo Oddi, in which the
vitae of Francis of Assisi and other “renowned people” of the Order of Friars Minor between
the thirteenth and fifteenth centuries, are presented. The text in the Umbrian dialect has a
simple, everyday language, as well as a dramatic and heroic character, referring in particular to
the refusal of the world, the dedication to charitable and religious practices and the martyrdom
of the brothers. Despite the simplicity of form and technique, these illuminations record and
disseminate experiences, but seek to awaken a sensibility. In this case it is caused firstly, by a mystic
representation and, secondly, by the exacerbation of violence suffered by the friars, showing the
path of martyrdom as the main expression of exaltation of the minors after Francis death, in
contrast to the early years of Franciscanism.
Keywords: Franciscan iconography; Franceschina; illumination.
Este estudo é um desdobramento de um projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido há alguns anos na Universidade Estadual
1
de Londrina, com apoio, atualmente, da Fundação Araucária, intitulado “A Devoção Mariana e a morte na Idade Média: estudo
sobre a religiosidade laica através das laudas”. Inicialmente nos debruçamos sobre alguns capítulos específicos da Franceschina,
particularmente sobre os referentes ao compositor de laudas Jacopone da Todi. Esse texto foi, em parte, apresentado do II
ENEIMAGEM.
funcionalidade didática e religiosa inspirada elegia aos franciscanos, tendo São Francisco
na correspondência de Gregório Magno, que como protagonista, sendo bem demarcado
reverbera, ainda, nos manuais de estudo das o tom de epopéia, na medida em que os
imagens do período: essas seriam para os frades são apresentados como verdadeiros
iletrados (laicos) o que a escrita seria para os heróis, seja pela superação pela penitência,
clérigos, um meio de instrução (SCHMITT, seja pelo martírio. O caráter religioso e de
2007, p. 60). A evidência da cultura medieval disseminação de modelos é patente, mas
frente ao interdito bíblico veterotestamentário podemos desenvolver sobre ele um exercício
quanto ao uso das imagens, pelo contrário, de olhar que ultrapasse a intenção primeira
possibilitou o reconhecimento de uma de seu autor. A observação de suas imagens,
questão mais complexa e uma compreensão na verdade, pode nos apresentar elementos
mais profunda sobre a verdadeira revolução outros de reflexão.
visual que no ocidente cristão implicou na Na medida em que entre essas imagens
proliferação das imagens. possuímos referências ao período identificável
A dissipação do medo do paganismo, no à comunidade primitiva franciscana (durante
período central da Idade Média, possibilitou o período de vida de seu fundador) e ao
maior liberdade quanto ao uso das imagens, período posterior, podemos apresentar aqui
inclusive tridimensionais. Sociedade fundada um estudo introdutório sobre os modelos de
na visualidade, a sociedade moderna observa vida franciscana a partir dessas miniaturas.
o desenvolvimento da idéia da imagem como Afinal, o que será iluminado? Consideramo-
representação e fixa seu olhar sobre o milagre las primeiramente destacadas do objeto
eucarístico nos séculos XIII e XIV, a partir do que as abriga, o livro. Seu conjunto, por um
qual se desenvolve uma “vitória extraordinária lado, pode nos apontar para uma lógica
da abstração”, segundo Carlo Ginzburg: “na própria. Na análise das miniaturas, faz-se
medida em que negava os dados sensíveis em sempre necessário o exame de seu conjunto,
nome de uma realidade profunda e invisível” considerando-se toda a série, pois estas não
(GINZBUG, 2001, p. 102). podem ser examinadas isoladamente. O
A pluralidade de usos e variação dos isolamento é sempre arbitrário e incorreto
suportes na apresentação das imagens são (SCHMITT, 2007, p. 41). Não perdemos de
fundadas num princípio de liberação que vista, contudo, o exame de suas interações
precisa ser valorizada, ainda que se considere particulares com o texto: a correspondência
tantos elementos redutores e limitadores da ou não de cada uma com os temas tratados
liberdade de criação, tal como concebemos por escrito, as possíveis contradições ou
em nossa concepção hodierna de produção discrepâncias quanto ao conteúdo e, enfim,
artística. as escolhas, pois as imagens apresentam
Pretendemos nesse estudo lançar cenas recortadas num universo bem maior
nosso olhar sobre imagens, iluminuras, que de possibilidades.
acompanham o texto da Franceschina, obra A vasta obra apresenta treze capítulos
composta no século XV por Giacomo Oddi, que trazem dados biográficos dos primeiros
na qual são apresentadas as biografias de irmãos e daqueles que teriam se sobressaído
Francisco de Assis e outras “figuras ilustres” devido a determinadas virtudes que, inclusive,
da Ordem dos Frades Menores entre os intitulam os capítulos: a obediência, a pobreza,
séculos XIII e XV. Trata-se de um texto de a castidade (tripé da ordem dos frades
está longe de ser segura, pois a simplicidade “graça alcançada pelo iluminador”, segundo
dos desenhos na Franceschina, a princípio, palavras de Nicolla Cavanna.
não sintoniza com o refinamento apresentado Entre as 45 imagens, podemos identificar
em outras obras. A comparação das rústicas alguns conjuntos: 13 com presença de
e simplórias imagens da Franceschina com Francisco de Assis, alguns com cenas
as obras mais refinadas de Alunno tende, biográficas; 3 cenas sem identificação de
num primeiro momento, a distanciá-las. personagens específicos, relativas ao modo de
Outra possibilidade apontada, nesse caso, vida franciscano; 1 cena da Paixão de Cristo; 1
pela própria Biblioteca Augusta de Perugia, de frade menor em sofrimento; e 24 cenas de
é a confecção por três miniaturistas e a martírio de frades menores, em grande parte,
participação de Mariano di Antonio di entre sarracenos.
Francesco di Nutolo e Fiorenzo do Lorenzo, As imagens de Francisco o apresentam
ambos do ambiente de Alunno. como modelo de conduta, sempre rodeado
Nas ilustrações da obra, os traços mais de seguidores. Somente a imagem relativa ao
definidos convivem com a técnica da aquarela tema da oração o apresenta sozinho. Nesse
e, em termos estéticos, podemos perceber a caso, cabe ressaltar a sutileza do iluminador
simplicidade das formas, uma ingenuidade quanto às características marcantes da
na apresentação de seus conceitos, apesar da expressividade religiosa de Francisco e as
formas de representação da cruz:
Imagem 1. Oração
As cenas são inspiradas nas referências seja para considerar sua sintonia, seja para
dadas pelas fontes franciscanas à intensidade atestar sua autonomia. Devemos considerar
dos sentimentos que envolviam a meditação uma tradição de relação com o livro que
sobre a paixão de Cristo: gemidos, choros não percebia uma diferenciação clara entre
e súplicas em voz alta. A busca por lugares o objeto, suporte, o livro, e o seu conteúdo.
solitários como bosques, à noite, também Bem sabemos que o conteúdo poderia
encontra correspondência nos textos mesmo elevar o que consideramos como
hagiográficos (LM 10, 3). Percebamos, no suporte à esfera do sagrado, como no caso
entanto, que quando Francisco de Assis ora, da Bíblia. Nesse caso cabe considerar que
com as mãos postas, a imagem é a da cruz, o vocabulário familiar, por vezes, mesmo
assim como quando se põe em adoração, chulo, a descrição de cenas domésticas e
na terceira cena. Na cena central, quando mesmo burlescas, como é comum no texto
se apresenta em lágrimas, a imagem é da Franceschina, não têm o mesmo acento no
a do crucifixo. Podemos entender essas material imagético. Tomando como exemplo
diferenças no quadro das diferentes formas o texto dedicado a Jacopone da Todi (1236-
de representação do maior símbolo do 1306), sobre o qual particularmente já nos
cristianismo: o signum da cruz e a imago debruçamos, podemos perceber elementos
crucifixi. Esta última se dissemina a partir do bem distintos que nos remetem a situações
século XII e não temos dúvida de que essa “carnavalizadas” (VISALLI, 2005, 134).
“mudança plástica” traduz uma mudança Assim, Giacomo Oddi, o autor do texto
na sensibilidade religiosa, como afirmou da Franceschina, chegou a descrever uma
Jean Claude Schmitt, e, além disso, que a hesitação dos frades menores em receber
espiritualidade franciscana possui grande Jacopone na Ordem (este viveu como
importância nesse processo da promoção da penitente por muitos anos). Segundo a
figura humana do Cristo (SCHMITT, 2007, Franceschina, temiam os menores que fosse
p. 68). um fantástico, diante das suas excentricidades,
Na medida em que não temos como sendo esta descrita pormenorizadamente,
considerar a apreensão destas imagens para ainda que com a pretensa finalidade de
seus consumidores, podemos evidenciar demonstrar a sabedoria do frade por trás
algumas questões que nos acerquem da das situações estranhas. (Franceschina, 12) A
intencionalidade do seu autor. Certamente acusação de pazzia (loucura) também cerca
não buscamos resgatar “o que se passou na outros frades, como Junípero, contemporâneo
cabeça do pintor quando as executou, mas de Francisco, único menor referido em
elaborar uma análise que considere seus fins imagem, sem Francisco de Assis e fora do
e seus meios” (BAXANDAL, 2996, p. 162). contexto de martírio.2
Neste caso, consideramos absolutamente Este recurso retórico, a apresentação de
fundamental o trabalho sobre as imagens situações burlescas, comum nos sermões dos
acompanhado do estudo do texto escrito, pregadores, particularmente dos franciscanos,
A cena que o apresenta é aquela em que, após um grande equívoco promovido pelo demônio, o frade foi atado a um cavalo e
2
arrastado pela cidade, acusado de traição e tentativa de assassinado. A virtude apresentada foi a da paciência, pois não reclamou
da situação. O pazzo Junípero, contudo, em tudo favoreceu a confusão, estimulando seus algozes com respostas evasivas ao
interrogatório.
que marca também o texto da Franceschina, espera dos primeiros frades. Com exceção
não é encontrado nas imagens. Com da cena da estigmatização, as imagens
relação às imagens com caráter biográfico que referenciam a primeira comunidade
ou de apresentação do modo de vida franciscana não apresentam aspectos
franciscano, essas investem no envolvimento miraculosos, mas cenas que pretendem
do observador em contexto mais íntimo, mais sensibilizar pela singeleza, simplicidade e
próximo, ancorado no cotidiano dos frades, emotividade.
sem a exploração de situações maravilhosas Tomemos a imagem do cuidado com os
ou extraordinárias, apesar das imagens leprosos:
corresponderem à aura de santidade que se
Imagem 2. Leprosos
Entre as iluminuras, esta é a única “ação” de mendigos (RNB, IX, 3). Uma doença
reconhecida na experiência primitiva que particularmente marcada pela infâmia, que
relaciona os religiosos a não-religiosos. A aflorava nos corpos a estigmatização, era
relação dos homens medievais para com os especialmente atraente para o convívio de
leprosos era bastante ambígua: o doente quem desejava anular a si mesmo e aos
deveria sensibilizar o cristão para a prática valores divididos com o mundo profano,
da caridade, mas, por outro lado, o medo do pretendendo fazer da extrema humildade
contágio e a constituição de um imaginário uma bandeira de seu apostolado (VISALLI,
acerca da origem da lepra levaram ao seu 2003, p. 122-137).
afastamento, ao temor, à repulsa, condição Ao examinarmos o conjunto das imagens
especialmente interessante, portanto, para da Franceschina, o espírito daquelas
a aproximação daqueles que se pretendiam referentes à primeira comunidade contrasta
“menores”. com a violência que caracteriza as que
A importância dos doentes de lepra se reportam aos frades após a morte de
no processo de conversão de Francisco Francisco. As cenas que apresentam as
foi evidenciada por ele próprio no seu gerações seguintes dos frades são muito
Testamento: violentas, e exploram o drama do martírio de
franciscanos. O acento das cenas dramáticas
O Senhor concedeu a mim, frei Francisco, a e violentas das expressões imagéticas é uma
começar a fazer penitência assim: quando
estava em pecado, parecia-me coisa muito
peculiaridade que apresenta exatamente a
amarga ver os leprosos; e o Senhor mesmo sua independência frente ao texto, ao escrito.
me conduziu entre eles e tive misericórdia Percebamos que das 36 páginas iluminadas,
com eles. E, afastando-me destes, isto que me
11 se referem à comunidade primitiva,
parecia amargo converteu-se em doçura de
alma e corpo. E, depois, só demorei um pouco apresentando cenas cotidianas, de cunho
e abandonei o mundo. (Testamento, 1-3) ascético, penitencial e místico; as 7 últimas
retornam ao tema, apresentando Francisco
Aos primeiros seguidores de Francisco em seus últimos momentos, tendo seu corpo
também coube o cuidado dos leprosos, transladado, assim como cenas que remetem
atividade que se constituiu numa espécie de ao modo de vida dos menores. Entre estas
noviciado, segundo o qual os que quisessem últimas, é interessante observar que os frades,
abraçar a penitência como ele, deveriam numa das iluminuras, são apresentados em
também se superar, testando a convicção que leitura e debate, tendo os pés descalços,
tivessem na sua opção de vida. Na “Regra característica que marca todas as imagens.
Não-Bulada”, Francisco definiu de que forma As 18 páginas restantes são voltadas para
deveriam viver seus “irmãos” – em meio à cenas de martírio, sendo que algumas delas
gente desprezada, aos pobres e fracos – e apresentam 2 ou mesmo 3 imagens.
referiu-se a “enfermos” e “leprosos”, além
As cenas são dotadas de grande força. contrastam com a alvura dos corpos desnudos
Plenas de energia ascética, as imagens têm dos mártires, a partir da qual sobressai o
proporções variadas: por vezes ocupam vermelho de seu sangue e das auréolas.
toda a página, destinadas a um só episódio, Santidade forjada no martírio. Percebamos,
outras vezes se apresentam bem recortadas, ainda, o volume dos corpos e maleabilidade
com a cena de um único martirizado e seu das vestimentas estabelecidos através do
algoz. Esta, acima, ocupa a parte de baixo da traço e do dégradé da coloração, sinais da
página, aproveitando todo o espaço deixado maior atenção às realidades sensíveis que
pelo texto. se difunde, sobretudo, a partir do século XIII
Nesta, dois frades jazem decapitados (BASCHET, 2006, p. 51).
ao chão, um está para receber a espada A imagem se reporta ao texto que narra
em seu pescoço, em posição de prece, o martírio de Daniel, ministro da ordem, que
a mesma de outros três que aguardam com seis frades menores, sob autorização
o martírio. Estes estão desnudos, sem do ministro geral – condição repetidamente
seus trajes característicos. Essa forma de colocada no texto –, buscou o “santo martírio
apresentação dos martirizados é comum em nome de Cristo”. A pregação em terra
nessas iluminuras: despidos, identificados infiel acompanhada do desmerecimento da
pela tonsura e gestos de resignação frente à religião muçulmana os levou frente ao rei e à
morte, quase sempre pela decapitação. Outro condenação à morte. A virtude evidenciada é
personagem franciscano, à direita, mais velho sempre a aceitação pacífica e a alegria diante
que os outros, encontra-se vestido e morre a do sacrifício em nome de Deus. Ao examiná-
pauladas e pedras. las em conjunto, mas em separado do texto,
Os espaços são organizados através desfila-se uma série de desenhos monótonos
dos planos e cores mais salientes. As cores de cenas de morte, muitas vezes lenta e
mais fortes das vestimentas dos soldados torturante. O exame junto aos textos aponta
para escolhas insólitas, na medida em que freis são identificados especialmente pela barba
anônimos têm seus sacrifícios materializados e cabelos longos.
em imagens em detrimento de tantas outras Na cena abaixo, conforme o texto em que
personagens mais insignes. Nas iluminuras os se insere a imagem, dois frades, pelo “zelo da
frades martirizados são semelhantes, assim santa fé e desejo de martírio” foram para o
como os soldados sarracenos entre eles, Oriente pregar a palavra de Deus e colocaram
traço comum à pintura do período. Frente à prova seu amor em morte com suplício:
ao desconhecimento de uma indumentária tiveram sua pele retirada dos pés à cabeça
mais característica para os sarracenos, estes (Franceschina, p. 259 v).
Este episódio se coloca entre outros tantos, traço está demarcado nas hagiografias de
numa galeria anônima de horrores sofridos Francisco de Assis, particularmente quanto à
em demonstração de entrega absoluta. Os sua intenção de viagem ao Marrocos (Tomás
frades não têm como serem identificados de Celano, Vita Prima, 56, p. 4-6).
na imagem ou no texto e o contexto toma O modo de vida dos franciscanos desde
posição secundária, pois somente o ato de seu início apontou para o caráter penitencial
imposição da morte sofrida e a abnegação da expansão pela palavra:
dos frades importam.
O martírio marcou ou primeiros santos Diz o Senhor: Eis que eu vos envio como
ovelhas no meio de lobos. Sede, portanto,
do cristianismo, no período anterior à sua prudentes como as serpentes e simples como
absorção pelo Império Romano e, no decorrer as pombas’. Por isso qualquer frade que quiser
da expansão da religião, foi associado à ir entre os sarracenos e outros infiéis, vá com
a licença de seu ministro e servo [...] E por
prática missionária, sendo identificável, ainda,
seu amor devem se expor aos inimigos tanto
como expressão penitencial. Este último
visíveis como invisíveis, porque diz o Senhor: dos franciscanos, mas uma trajetória que,
‘Quem perder a sua alma por mim, vai salvá- por sua vez, representa duas possibilidades
la para a vida eterna’ (Regra Não-Bulada, 16,
p. 1-3). de reconhecimento da fortuna da glória
celeste: pelo rigor do seguimento da forma
As imagens da Franceschina não somente de vida para a comunidade primitiva ou, para
registram e divulgam experiências, mas as gerações seguintes, através do martírio, do
buscam despertar uma sensibilidade. Neste sofrimento.
caso, esta é provocada, por um lado, por Isto nos remete à questão dos conflitos
uma representação que identifica uma internos da Ordem do Frades Menores que
santidade de uma primeira comunidade que, levaram a uma ramificação definitiva em 1517
simplesmente, por seguir a forma de vida através da identificação de frades conventuais
“primitiva” tem sua elevação apontada. Os e de observantes. Estes últimos destacaram-
modelos da comunidade primitiva são aqueles se, desde o século anterior, pela tentativa de
que cuidam de leprosos, seguem Francisco no resgate da forma de vida primitiva franciscana,
exercício da obediência (retratado numa fila buscado através de atenção maior à pobreza
de frades encabeçada por Francisco, todos e ao rigor penitencial.
portando um instrumento humilhante no As discordâncias ou releituras entre os
pescoço, como uma canga) e da castidade seguidores de Francisco de Assis quanto às
(representada pelos lírios carregados pelos características de sua forma de vida, marcam
frades e pobres damas da segunda ordem) até hoje a trajetória da Ordem e podem ser
e meditam sobre a palavra de Deus. O identificados não somente nos textos que
isolamento da oração e a autoflagelação manifestam estes litígios, mas na sutileza das
(com o refinamento da cena da busca das iluminuras.
plantas ideais e confecção do cilício), trabalho
manual e pregação completam o quadro de Referências
atividades que definem o modo de vida santo
BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano
dos franciscanos. mil à colonização da América. São Paulo: Globo,
Por outro, a identificação pelas imagens, 2006.
da santidade dos frades, num segundo BAXANDALL, Michael. Padrões de Intenção – a
momento, não identificável à comunidade explicação histórica dos quadros. São Paulo:
primitiva, passa pela exacerbação da violência Companhia das Letras, 2006.
sofrida, desvalorizando outros modelos GINBURG, Carlo. Olhos de Madeira – nove
ou possibilidades apontadas pelo próprio reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.
texto. Isto remete à sua independência e a
falta de paralelismo entre as linguagens que MENESES, Ulpiano T. B. Fontes visuais, cultura
visual, História visual. Balanço provisório, propostas
compõem um único objeto, nesse caso, o livro cautelares. Revista Brasileira de História, vol. 23,
(SCHMITT, 2007, p. 32).3 n. 45, 2003.
As imagens da Franceschina se compõem ODDI, Giacomo. Franceschina. (Edito dal Nicola
de narrativas que não vem somente Cavanna, OFM). Firenze: Leo S. Olschki, 1931.
apresentar as características da santidade
3
A única possibilidade de exceção seria a imagem de frei Junípero, mas esse não foi apresentado em cena de martírio, mas de
sofrimento físico que lhe exercitou a paciência e do qual saiu ileso.
RECHT, Roland. Le croire et le voir – l´art des VISALLI, Angelita Marques. Cantando até que a
cathedrales (XIIe-XVe siècle). S/L: Gallimard, morte nos salve: estudo sobre laudas italianas dos
1999. séculos XIII e XIV. Tese de Doutorado. Universidade
de São Paulo, 2004.
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens –
Ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. VISALLI, Angelita Marques. O corpo no pensamento
Tradução de José Rivair Macedo. Bauru, São Paulo: de Francisco de Assis. Bragança Paulista: Editora
EDUSC, 2007. Universitária São Francisco; Curitiba: Faculdade
São Boaventura, 2003.
SILVEIRA, Ildefonso (OFM) & REIS, Orlando
(seleção e organização). São Francisco de Assis: IV Jornada de Estudos Antigos e Medievais.
Escritos e Biografias de São Francisco de Assis, Trabalhos Completos. Universidade Estadual de
Crônicas e outros Testemunhos do Primeiro Século Maringá, 6 e 7 de outubro de 2005. Maringá,
Franciscano. Petrópolis: Vozes/CEFEPAL, 1988. 2005.
VAUCHEZ, Andre. L’Ascention des laics à la vie Franceschina, Biblioteca Augusta de Perugia,
religieuse. In: MAYEUR, Jean-Marie; PIETRI, acesso 20/01/2008, site http://cdwdoc.demo.
Charles; VAUCHEZ, André; VENARD, Marc (sous alchimedia.it
la direction de). Histoire du christianisme des
origines à nos jours. Paris: Desclée, 1993.
Resumo
As ruínas emergem enquanto alegoria pro meio da representação do que a edificação uma
vez foi, contudo não mais o é. Também é um monumento do presente e por isso existe em
correlação com a vivência das cidades e suas memórias. As ruínas, deste modo, apresentam-
se como um fator de afirmações coletivas, individuais e/ou nacionais a partir de sentimentos
despertados por este “morto” que luta por sobrevivência e vida na sociedade a qual pertence.
Neste trabalho, buscamos, então, compreender o patrimônio histórico-cultural e o debate de
sua preservação a partir do pensamento de John Ruskin, Eugène Viollet-le-duc e Cesare Brandi
em relação com a ação prática voltada, mais especificamente, para a ruína. A fim de, com isto,
entender até onde se pode ter e vivenciar as ruínas na sociedade – um morto que vive na mesma
mediante a alegoria.
Palavras-chave: Patrimônio histórico-cultural; preservação; ruínas.
Abstract
The ruins emerge as an allegory through representation of what the building once was, but now
it isn’t anymore. Also, they are a monument of the present and, therefore, exist in relation with
the quotidian of cities and its memories. The ruins present themselves as an element of the
collective, individual and national affirmations from the feelings brought up by this “dead” that
struggles for survival and life in its society. In this work, we search to understand the historical
and cultural patrimony and its preservation debate through the studies of John Ruskin, Eugène
Viollet-le-duc and Cesare Brandi in relation to the practical action towards, specifically, the ruins.
It’s aimed, in this paper, to comprehend the limits and implications in the existence of ruin in the
society – the dead that lives through allegory.
Keywords: Historical and cultural patrimony; preservation; ruins.
A Vivência do Morto:
a preservação de monumentos histórico-culturais em ruína
e teorias sobre restauração de monumentos, Uma vez que, para Ruskin, as ações
indicando, segundo uma linha histórica de de restauração são malvistas, a ruína,
atuação destes, uma evolução da teoria da subentende-se, é, deste modo, um caminhar
restauração até a que temos atualmente. Mas, pelo próprio fim do monumento. O bem,
apesar de ampla discussão, monumentos são com uma temporalidade determinada, é vivo
restaurados até hoje segundo pensamentos enquanto vive, mas irá morrer em seu trajeto
diferentes e divergentes, de Viollet-le-Duc existencial.
a Cesare Brandi. Sem contar ainda com a De outro lado, temos teóricos que, sob
própria discordância de atitudes sobre o variadas dimensões de ação, apresentam sua
próprio benefício ou não da restauração. posição quanto à preservação, aceitando-a,
Tais teóricos apresentam argumentos são eles: Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc
diferenciados tanto a favor como contra e Cesare Brandi, entre outros. Apesar de
a restauração ou qualquer outra ação aceitarem a restauração como uma atitude
interventiva no monumento. Podemos em prol do monumento, eles também
colocá-los em dois grupos, são eles: aqueles apresentam discordâncias de pensamento.
que são contra a restauração e aqueles Viollet-le-Duc (1814-1879) defende a
que são a favor dela. E a sua visão, mais obra de arte seguindo para um caminho ideal
especificamente para este trabalho, é em
não concernente a sua história e estrutura
torno da ruína e sua manutenção.
original. Segundo ele, “Restaurar um edifício
Um representante dos pensadores que
quer dizer reintegrá-lo em um estado
são contra qualquer tipo de intervenção,
completo, que pode não ter existido nunca
salvo a manutenção, é no monumento
em um dado tempo” (VIOLLET-LE-DUC,
John Ruskin (1819-1900). Ele defende que
2000, p. 29). Uma remodelação do antigo,
o monumento siga seu rumo natural sem
que pode vir a tornar-se uma nova construção
maiores preocupações em ações para conter
pensada pelo arquiteto do presente num
um possível arruinamento.
esforço por um modelo melhor que o anterior,
Ruskin destacou-se por sua posição
a fim de embelezar, tornar mais eficiente e/ou
considerada reacionária quanto à conservação
fortalecer estruturalmente a obra.
de monumentos históricos ao afirmar
E m s e u e s c r i t o s o b re o ve r b e t e
sua trajetória como uma história, no qual
intervenções humanas não seriam necessárias “restauração” no Dictionnaire raisonné
– sendo preferível a estas a própria morte de l’architecture française du XIe au XVIe
do bem. Esta opinião também pode ser siècle, Viollet-le-Duc critica o fanatismo com
exemplificada por meio de seu livro Pedras que se passa a tratar o passado, em que o
de Veneza, no qual se apresenta contra o novo por vezes é visto como a quebra das
advento do Renascimento enquanto arte em tradições. Segundo ele, para o sucesso de
Veneza, como uma forma de decadência e uma restauração, é preciso a execução de
perda de fé da própria cidade. um relatório detalhado sobre o bem, que o
Para ele, a estética e a execução da obra arquiteto estuda previamente para só assim
tem uma forte correlação com a moralidade, poder atuar neste. E, se o monumento pode
em que o aspecto tremido advindo do ser embelezado e contar com maior eficiência
artesanal é a própria presença da mão estrutural com a adição de novos elementos
humana, que se faz na obra de arte pelo numa restauração, assim deve-se renunciar
prazer e demonstração de fé do operário. o primitivo e fazê-lo (VIOLLET-LE-DUC,
2000, p. 50-67). Sobre a ação do arquiteto, seu livro Teoria da Restauração, discute
conclui: os parâmetros em torno do processo de
restauração e o estudo prévio que deve
Deve agir como o cirurgião habilidoso e
antecedê-la.
experimentado, que somente intervém em
um órgão após ter adquirido o conhecimento De acordo com Brandi, a restauração tem
completo de sua função e depois de ter como objetivo o restabelecimento material do
previsto as conseqüências imediatas ou futuras suporte da obra de arte. Até porque o que faz
de sua operação. Se for aleatório, mais vale
que se abstenha. Mais vale deixar morrer o a ela é sua representatividade e isto não pode
doente do que o matar (VIOLLET-LE-DUC, ser subjugado na restauração – ou, então,
2000, p. 68). toda a obra de arte estará comprometida. É
por isso também que na restauração, para o
Este conhecimento por parte do arquiteto autor, o que se deve ter como foco é a obra
será diferenciado conforme o espaço e a época de arte em si, que regerá todas as ações de
do monumento, em que o próprio estilo ou a preservação.
escola artística são modificados de local para Por menor grau de ação que a restauração
local. Além de certificar que o monumento implique, será sempre uma mudança para
seja restaurado no estilo ao qual pertence, é a história da obra, e por isso esta deve
importante que o arquiteto seja também um ser meticulosamente analisada para só
bom construtor e conhecedor das formas e assim poder ser executada. Conforme seu
maneiras de construção de cada época, além pensamento, a obra de arte deve ser vista
do conhecimento sobre os diversos períodos em sua unidade, em que cada parte é um
da arte e suas escolas (seguidas de cada estilo) componente essencial do todo. A obra,
dentro da arquitetura. assim, deve ser vista qualitativamente e
Em relação às ruínas, Viollet-le-Duc trata conforme o inteiro. O aspecto da imagem
da restauração como uma forma de evitá- não deve ser mexido, o único elemento
las – como o ato de salvar-se das ruínas em que se pode intervir um pouco é em
– e, em caso de edificações neste estado sua estrutura e, mesmo assim, por medidas
ou sob ameaça de assim o ficar, admite conservativas. Ainda, é imprescindível uma
a reconstrução. Entretanto, para que isto análise sobre o tempo e o espaço da obra
ocorra, é preciso cuidado a fim de que o para a restauração.
monumento não seja falseado. A restauração não é um elemento ou
fase do processo artístico. Ela é algo a parte,
[...] é necessário, antes de começar, tudo buscar,
não comum à obra de arte e que deve ser
tudo examinar, reunir os menores fragmentos
tendo o cuidado de constatar o ponto onde precedido de análises e pesquisas para só
foram descobertos, e somente iniciar a obra assim agir, considerando as instâncias estética
quando todos estes remanescentes tiverem e histórica do monumento – uma mais do que
encontrado logicamente sua destinação e
seu lugar, como os pedaços de um jogo de a outra segundo os critérios de valor. Na ruína,
paciência (VIOLLET-LE-DUC, 2000, p. 69- a instância que prevalece é a histórica – pelo
70). que foi e pelo que representa no presente.
Ao tratar as ruínas enquanto testemunho
Dentre os teóricos que abordam o tema do tempo para o ser humano – incompleto
da restauração, é imprescindível considerar em seu aspecto físico, mas representativo em
Cesare Brandi (1906 – 1988) que, em sua historicidade – Brandi (2004) afirma a
visão da ruína enquanto resquício com apelo enquanto símbolos do tempo que se passou
intrínseco a si por ações de conservação. até o momento presente. Um exemplo disto
Ruína são as ruínas da Igreja de Nossa Senhora do
Nazaré do Almagre, em Cabedelo-PB, que
[...] será, pois, tudo aquilo que é testemunho representam não apenas o centro conversor
da história humana, mas com um aspecto
bastante diverso e quase irreconhecível
indígena colonial, mas também a evolução
em relação àquele de que se revestia antes e ocupação do bairro em que se localiza, o
(BRANDI, 2004, p. 65). bairro do Poço.
Teoricamente, no imaginário social o
A ruína, considerada enquanto resquícios desejo mais fácil de ser percebido é o da
e testemunho mutilado do monumento, perenidade dos monumentos, que em nada
conota por si própria ações de conservação. são eternos. Se sua morte é natural para
A sua restauração é, contudo, restrita apenas seguidores de Ruskin, outros preferem o seu
a ações de consolidação e conservação tratamento e recuperação num plano de
do contexto do monumento, uma vez fundo em que os vários “re” são constantes.
que a preservação destas também implica Preservação, assim, é posta aqui como o
a priorização de sua instância histórica referencial atual do que se quer do passado via
(BRANDI, 2004, p. 65-77). monumentos e sua exposição às sociedades.
Com relação à restauração, concordamos E deste passado, nada mais do que uma
com Boito ao colocar que “[...] nenhum seleção no presente por meio de intenções e
campo é tão difícil operar e tão fácil refletir mensagens subliminares por entre, no caso
quanto naquilo que se refere à restauração desta discussão, os monumentos histórico-
dos monumentos arquitetônicos” (BOITO, culturais. E nessas negociações pela memória,
2003, p. 53). Assim como é uma das facetas apesar das ruínas lembrarem a morte também
mais polêmicas das ações preservacionistas suscitam força pela resistência e vontade de
e, por isso, passível de debate também sobre viver. Afinal, já poderiam ter ruído, mas ainda
a própria preservação da memória e suas encontram-se de pé, lutando por um último
implicações em meio à sociedade. Afinal, a suspiro que se pode fazer mais necessário do
restauração é o exemplo mais claro e tangível que seu aspecto fragilizado aparenta.
de uma modificação que por si própria
permite a continuidade do monumento, seja Os homens não se sentem mortos face à
limpeza dos locais e aos objetos conservados.
transformando-se numa nova construção
Eles precisam das ruínas. [...] Esse desejo de
pelo método de Viollet-le-Duc, seja por ruínas não se refere somente a uma estética
meio de uma restauração que respeite a da existência, ele está presente nas construções
representatividade e historicidade do bem, de memória. Mesmo o edifício mais cuidado,
mais preservado só ganha sentido se mostrar a
como em Brandi. imagem de seu duplo, a transparência secreta
As mudanças e intervenções também da ruína (JEUDY, 1990, p. 2-3).
fazem parte da história do monumento pelo
fato de que tudo é história – e nada é mais Ao surgir enquanto imaginação e
importante para a compreensão atual do representação, a ruína mexe com os sentidos
monumento do que sua trajetória histórica. e permite à sociedade a qual pertence uma
As ruínas, em si, representam o seu uso fruição do passado mediante a própria
e edifício inicial, mas emergem também referência ao destruído. Para além de
seu aspecto físico, assim, mais uma vez BENJAMIN, Walter. Alegoria e drama barroco.
é a representação que emerge enquanto In: ______. Origem do drama barroco alemão.
Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo, SP:
elemento definidor da ruína – que, para
Editora Brasiliense, 1984.
Jeudy, está mais presente do que apenas nos
BOITO, Camilo. Os Restauradores: Conferência
fragmentos de edifícios, aparece também
na Exposição de Turim (07/06/1884). 2ed. São
enquanto ideia e contraponto. Até porque Paulo, SP: Ateliê Editorial, 2003.
“O que seria do monumento sem a ruína?” BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução
(JEUDY, 1990, p. 3). Beatriz Mugayar Kühl. 2ed. São Paulo, SP: Ateliê
Enquanto elemento em si, as ruínas Editorial, 2004.
despertam polêmicas entre opiniões e atitudes CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio.
diversas sobre elas. Numa recapitulação entre Tradução Luciano Vieira Machado. São Paulo, SP:
Estação Liberdade/ Editora da UNESP, 2001.
os pensadores da restauração, podemos,
por exemplo, elencar três diferentes FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio
em processo: trajetória da política federal de
direcionamentos possíveis acerca do preservação no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Editora
tratamento dessas, que seguem da ausência UFRJ; MINC/ IPHAN, 2005.
de ações/manutenção à recomposição e à GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O Patrimônio
restauração do monumento (limitada apenas como categoria de pensamento. In: ABREU,
à consolidação das estruturas e a manutenção Regina; CHAGAS, Mário (org.). Memória e
patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de
do aspecto da ruína). Ao se tratar delas, assim,
Janeiro, RJ: DP&A, 2003.
é preciso um cuidado particular a cada caso
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Tradução Cid
– para que não se subscreva seu valor ou
Knipel Moreira. São Paulo, SP: Companhia das
mesmo consuma o uso do espaço. Afinal, Letras, 1998.
em cada caso, todas as opções podem, de JEUDY, Henri-Pierre. Memórias do social. Tradução
fato, ser cabíveis. Márcia Cavalcanti. Rio de Janeiro, RJ: Forense
Para além da visão negativa da ruína, Universitária, 1990.
enquanto o perdido, ela também evoca LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução de
aquilo que se mantém – que se recusa a ser Irene Ferreira, Bernardo Leitão e Suzana Ferreira
Borges. 3ed. Campinas, SP: Editora UNICAMP,
esquecido, mesmo que sob fragmentos. E,
1994.
nesta alusão à própria memória, que vive no
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento,
limiar entre manutenção e esquecimento, as
silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
ruínas se fazem necessárias em si e, como Fundação Getúlio Vargas, v. 2, n. 3, 1989, p.
afirmado por Jeudy (1990), em todos os 3-15.
monumentos histórico-culturais. Afinal, REIS, Nestor Goulart. Por uma nova política de
as sociedades precisam do passado para preservação. In: O Estado de São Paulo digital.
Caderno Opinião. São Paulo, 09 de janeiro de
referenciarem enquanto grupos sociais e,
2009. Artigo disponível em: <http://www.
neste raciocínio, precisam das ruínas. estadao.com.br/estadaodehoje/20090109/
not_imp304607,0.php>. Acesso em 13 de
Referências janeiro de 2009.
RUSKIN, John. As Pedras de Veneza. São Paulo,
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como SP: Martins Fontes, 1992.
história da cidade. Tradução Pier Luigi Cabra. São
Paulo, SP: Martins Fontes, 1998.
RYKWERT, Joseph. A Sedução do lugar: a história (org.). Intervenções em centros urbanos: objetivos,
e o futuro da cidade Tradução Valter Lellis Siqueira. estratégias e resultados. São Paulo, SP: Manole,
São Paulo, SP: Martins Fontes, 2004. 2006.
VASCONCELLOS, Lélia Mendes; MELLO, Maria VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração.
Cristina. Re: atrás de, depois de... In: VARGAS, Tradução Beatriz Mugayar Kühl São Paulo, SP:
Heliana Comim; CASTILHO, Ana Luisa Howard Ateliê Editorial, 2000.
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar uma comparação entre duas revistas culturais que tiveram
vida efêmera na década de 1930 em seus respectivos países. Um ponto em comum é que ambas
utilizaram a fotografia como elemento central em sua estrutura de comunicação. Será abordada
a revista São Paulo, editada no Brasil no ano de 1936, em contraponto com a revista Rotofoto,
publicada no México apenas durante o ano de 1938. Esta pesquisa faz parte de um projeto mais
amplo, em que se procura refletir com relação à circulação de ideias culturais e políticas entre o
México e o Brasil, na primeira metade do século XX. Procurou-se examinar, em especial, como
repertórios visuais comuns entre os dois países se constituíram, no que diz respeito à produção
de imagens carregadas com uma retórica do engajamento político que contribuíram para a
construção do imaginário político latino-americano.
Palavras-chave: Fotografia; revistas; cultura visual; comparação.
Abstract
The aim of this paper is to present a comparison between two cultural magazines that had a short
life in the 1930s in their respective countries. A point in common is that both used photography
as a central element in its communication structure. Discuss the magazine São Paulo, published
in Brazil in 1936, against Rotofoto magazine published Mexico only during 1938. This research
falls within a broader project in which I reflect with the movement of cultural ideas and policies
between Mexico and Brazil in the first half of the twentieth century. I seek in particular to examine
whether common visual repertoires formed between the two countries, both in the production
of images loaded with rhetoric of political engagement and contributed to the construction of
the Latin American political imagination.
Keywords: Photography; magazines; visual culture; comparison.
3
Plutarco Elias Calles foi presidente mexicano entre 1924 e 1928, neste ano fora eleito Álvaro Obregón, mas durante as
comemorações de sua escolha foi assassinato por um militante católico radical. Com o vazio no poder, a Assembleia Nacional
escolhe Emilio Portes Gil, sucedido por Pascual Ortiz Rubio e Abelardo Rodrigues, entretanto, Calles permaneceu como o verdadeiro
chefe máximo do poder no México até a eleição de Lázaro Cárdenas em 1934.
4
Rotogravura é um processo de heliogravura que utiliza fôrma cilíndrica de cobre para impressão rotativa, ou seja, uma heliogravura
rotativa. Uma das primeiras publicações em rotogravura em São Paulo foi o Suplemento em Rotogravura distribuído pelo O Estado
de S. Paulo, que circulou entre 1930 e 1944, exemplo seguido pelo Diário de S. Paulo. Estes suplementos procuravam fazer frente
às revistas ilustradas da época como A Cigarra e Fon-Fon, embora se diferenciem pelo projeto gráfico.
5
As referências que utilizo neste artigo para discutir a revista S. Paulo são tributárias do artigo de Ricardo Mendes (1994) e Boris
Kossoy (2004).
da fundação e edição de outros jornais e Elfride Koesewitz, com quem teve três filhos.
revistas. As fotografias foram feitas por Com a deflagração da Primeira Grande
Benedito Junqueira Duarte (1910-1995) em Guerra, foi convocado para servir no Exército,
conjunto com o fotógrafo alemão radicado período em que sua esposa manteve em
no Brasil Theodor Preising. funcionamento o estabelecimento. Diante da
Cabe falar destes fotógrafos, mesmo que recessão econômica e crescente inflação que
brevemente. Theodor Preising6 nasceu em assolava a Alemanha do pós Primeira Guerra
Hildesheim, na Saxônia (Alemanha), em 3 Mundial, ele decidiu emigrar para a América
de janeiro de 1882. Sabemos pouco de seu do Sul. Viajou primeiro só, em 1923, e após
aprendizado fotográfico, apenas que iniciou uma breve passagem pelo Rio de Janeiro
o ofício fotografando turistas em cidades resolveu conhecer São Paulo, cidade que
balneárias como Baden-Baden e, para além de lhe pareceu promissora. Entre 1923 e 1924
suas atividades como retratista, interessava- preparou a viagem de sua esposa e filhos,
se pelo registro da natureza. Fundou seu ateliê enquanto dedicava-se ao ofício fotográfico.
em Berlim em data possivelmente anterior a Por volta de 1926 ou 1927, Elizabeth Slavick,
1914 e em seguida casou-se com Elizabeth sua antiga laboratorista de Berlim, decide
6
Estes dados foram retirados de Boris Kossoy, que condensou informações de entrevista concedida a ele por Sibile Preising, filha
do fotógrafo.
Valério Vieira já havia utilizado esta técnica imagens de chaminés e fábricas. As fotografias
em sua famosa fotografia Os Trinta Valérios estampadas, que remetem à ferrovia e ao
(1900). Também podíamos encontrá-las em porto, estão ligadas ao transporte, e por que
reportagens esportivas e revistas ilustradas. não à velocidade, tema caro aos movimentos
Jorge de Lima utilizava-se desta técnica de vanguardas, mas também ao comércio e
desde final dos anos 1930 e a prática ficou circulação de mercadorias e, portanto, ao
materializada na publicação do livro A pintura progresso econômico.
em pânico de 1943. Em termos verbais, algumas dessas
O projeto gráfico se aproxima de outras recorrências são reforçadas como a inserção
experiências visuais da época, em especial das expressões: “edifícios modernos”, “maior
do cinema. Uma citação clara de afinidades centro industrial da América Latina”, uma
no tratamento da imagem visual da cidade das poucas cidades com mais de um milhão
é o filme São Paulo, a sinfonia da metrópole de habitantes e a cidade que constrói “três
(1929) de Adalberto Kemeny e Rodolfo Rex casas por hora”. Tal síntese foi aglutinada no
Lustig. Benedito Bastos Barreto, Belmonte Manifesto Bandeirante, publicado na revista.
(1896-1947) afirma a respeito da revista S. Entretanto, enquanto a imagem da indústria
Paulo, comparando-a com outras experiências é exaltada, não há fotografias da produção, e
da época que “Faltava-nos a revista-cinema mesmo as imagens coletivas de trabalhadores
[...] Nós queríamos ‘ver para crer’, isto é ou da população, em geral, aparecem apenas
queríamos ser homens do nosso século, em manifestações políticas, desfiles, eventos
folheando uma revista como se estivéssemos públicos e carnavais. As imagens recorrentes
assistindo a um filme cinematográfico” são das obras, de construção, da engenharia
(MENDES, 1994, 92). civil, da verticalidade que a cidade ganha e
A autoria do projeto gráfico é uma que denotam o caráter empreendedor do
incógnita. No Expediente da revista não se paulista (MENDES, 1994).
indica um responsável. Em memórias e outras A revista estava inserida na proposta
publicações de Cassiano Ricardo e Menotti de propaganda da ideia do moderno
del Picchia, mencionam a participação de de viés nacionalista, materializados no
Lívio Abramo (1903-1992) como ilustrador manifesto Bandeira e no livro Marcha para
e participante das fotomontagens, embora o Oeste de Cassiano Ricardo. Vai destacar
não o citem como responsável pelo projeto a valorização de São Paulo e seus políticos e
como um todo. Supõe-se provavelmente que pujança econômica com termos como “Raça
seja um projeto coletivo com influências das Paulista” e apoio à administração estadual,
fotomontagens dadaístas da época. o desenvolvimento da indústria, comércio e
Um dos temas mais relevantes na revista, agricultura, como demonstram a afirmação
como indica Ricardo Mendes, é a própria de que a revista era “Órgão documental das
cidade de São Paulo, principalmente nas realizações paulistas”. O projeto editorial e
imagens de edifícios em obras, de cenas de os recursos visuais buscam reforçar o apelo
multidões e as ações do Estado. Mesclam-se político-ideológico em torno da figura do
também imagens do bandeirante, e seu valor governador Armando de Salles Oliveira com
de liderança que denota o papel do Estado forte tom épico. Foi um instrumento de
no desenvolvimento nacional. Marcantes propaganda política, baseado na construção
também são as indústrias representadas pelas gráfica do moderno em torno dos recursos
visuais vanguardistas, mas não encobre seu peculiares para a época em termos de
tom ambíguo e mesmo conservador. formato e conteúdo. Privilegiou a imagem
e a fotografia em seu discurso gráfico. A
Revista Rotofoto fotografia era um elemento central além de
possuir um forte tom irônico e do humor
Foi publicada entre maio e junho de 1938, como crítica política e cultural. Sua proposta
e saíram à luz apenas 11 números. Possuía editorial privilegiava o discurso visual como
uma periodicidade semanal e sua dimensão fator central de comunicação jornalístico.
era de 19,5 x 27,5 cm. Portanto, era um Os fotojornalistas adquiriam papel central
pouco menor que a Revista S. Paulo. A capa nesse discurso, com destaque para Enrique
era em papel rústico e saia com 32 páginas. Diaz, Antonio Carrillo Jr., Enrique Delgado,
Seu fundador foi José Pagés Llergo, que Luis Farías, Luis Olivares, Luis Zendejas,
em conjunto com seu irmão Regino foram Ismael e Gustavo Casasola. Este último foi
responsáveis por vários projetos editorias do responsável por uma inovação no discurso
México dos 1930, tais como as revistas Hoy, com a “entrevista fotográfica”, consistindo
Mañana e Sempre!. Possuía características em documentar visualmente quadro a
7
Participou em conjunto com outros intelectuais como Xavier Villaurrutia, Jaime Torres Bodet, José Gorostiza, Carlos Pellicer, Jorge
Cuesta e Bernardo Ortiz Montellano.
8
Esteira feita de palha muito usada no México como uma espécie de colchão ou para sentar.
(MONROY NARS, 2003, p.217). As imagens extinto depois de uma reportagem sobre o
apresentam uma intimidade pouco usual para caudilho Saturnino Cedillo que rompeu com
época, e seu impacto visual era carregado de Cárdenas e pegou em armas.10 O importante
uma significação simbólica e política. é que a revista foi fechada devido à censura
Outras reportagens que obtiveram grande política, depois de reportagens críticas que
repercussão foi o registro de deputados atingiram políticos e sindicalistas e em função
dormindo durante sessões da câmara, e do posicionamento político dos irmãos Pagés
quando surpreende o chefe de polícia Federico Llergo, mais à direita no espectro político
Montes Alanís em um cochilo. A metáfora da mexicano da época.
reportagem levava imediatamente a uma
pergunta: Como o principal responsável Conclusão
pela segurança da capital dormia em suas
funções? As reportagens e, principalmente, as Ambas as revistas circularam em uma
fotografias revelam as debilidades humanas época marcada pelo auge das revistas
dos respectivos protagonistas, deputados ilustradas e da ascensão da indústria cultural
e chefe de segurança, que deveriam estar de massas, assim como estavam inseridas em
atentos às atividades legislativas ou à momentos políticos marcantes na história
segurança da Cidade do México, acarretando dos dois países. No caso brasileiro, durante o
um descrédito dos funcionários e órgãos período varguista, a revista S. Paulo era porta
públicos. voz do governador Armando Salles Oliveira
Outra reportagem de capa, que utiliza- e servia como veículo de propaganda para
se de uma imagem da cotidianidade, mas uma possível candidatura presidencial que,
que carrega um forte conteúdo crítico, ao final, não aconteceu devido ao golpe e
é a foto do Senador Padilla mordendo instauração do Estado Novo e à suspensão
um típico taco e com o uso das legendas das eleições. No caso mexicano, o ano
estabelece uma ironia com o posto político de 1938 representou o auge da política
e a corrupção. A legenda diz “O Senador reformista de Cárdenas com a nacionalização
Padilha resolve aferrar-se ao osso”. Devido à das ferrovias e da indústria petrolífera, a
contundência de suas reportagens, sofreram reforma agrária, com a implantação em larga
um ataque dos militantes da Confederación escala dos ejidos coletivos, e a aproximação
de Trabajadores de México9 que queimaram dos sindicatos trabalhistas.
suas instalações. Ambas as revistas utilizaram a fotografia
A revista teve uma vida curta, e existem e as imagens como elemento central de
duas versões acerca dos motivos de sua seu projeto gráfico. As publicações se
extinção: a primeira argumenta que foi devido aproximavam por caminhos distintos de
à fotorreportagem em que flagra Cárdenas uma proposta inovadora de uso dos recursos
e seu gabinete banhando-se no rio; uma iconográficos. A publicação brasileira mais
segunda versão dá conta que o periódico foi por um viés modernista, e por que não dizer,
9
Comandada por Vicente Lombardo Toledano, importante líder sindical e político mexicano entre os anos 1930 e 1950.
10
Saturnino Cedillo foi um importante caudilho do estado de San Luis Potosi. Apareceu no cenário nacional a partir da Revolução
Mexicana, de posturas ambíguas e contraditórias lutou contra Porfírio Diaz, aproximou-se do Zapatismo e do Villismo e depois
dos presidentes da chamada “dinastia sonorense” (Álvaro Obregón e Plutarco Elias Calles). Chegou a ser Ministro da Agricultura
no governo Cárdenas, mas rompeu com este e se rebelou. As tropas federais debelaram o conflito e num enfretamento com as
forças oficiais foi morto em janeiro de 1939.
Fabiane Muzardo
Possui graduação em História pela Universidade Estadual de São Paulo – Unesp – e mestrado em História
pela Universidade de Londrina – UEL. Atualmente é professora de História Moderna na Universidade Norte
do Paraná – Unopar.
Resumo
O presente artigo aborda as discussões sobre a fotografia, desde seu surgimento, no século XIX,
quando era vista ora como arte, ora como ciência; e seu uso no discurso historiográfico. Aborda,
também, possíveis metodologias de análise, tendo como base a criada por Boris Kossoy.
Palavras-chave: Fotografia; representação; história cultural.
Abstract
This article deals the discussions about photography, since its emergence in the nineteenth century,
when it was sometimes as art, sometimes as a science, and its use in the historiographic discourse.
Also addresses possible methods of analysis, based on the created by Boris Kossoy.
Keywords: Photography; representation; cultural history.
dos objetos exteriores”, longe da verdadeira percepção segue sempre a ideia que ela nos
natureza da arte (apud FABRIS, 1998, trouxe, dito em outras palavras, passamos
p.179). a analisar todas as imagens, alegóricas
Seu caráter científico, contudo, também e analógicas, seguindo os ditames desta
não pode ser descartado, pois a evolução última.
tecnológica influencia a maneira de se Pode-se dizer que a própria história da
realizarem as fotografias, sua construção e fotografia confunde-se com as diferentes
disseminação, entretanto, mesmo as ciências abordagens aplicadas em sua análise, ora
mais exatas, como a matemática, possuem encarando-a como uma transformação do real
uma dimensão social, a qual é cada vez mais – o discurso do código e da desconstrução –,
analisada por sociólogos, que verificam os ora como um vestígio do real, uma referência,
“processos implicados na construção social ou seja, algo que não é uma cópia perfeita
do conhecimento científico” (CHALMERS, do concreto, do real, visto que o modifica
1994, p. 13). e possui características distintas, como a
Ainda no século XIX, a difusão da fotografia bidimensionalidade e o fato de selecionar
provocou um forte abalo no meio artístico. pontos no espaço e no tempo; além de ser
Primeiramente achava-se que a fotografia e um resíduo da realidade impresso em uma
sua capacidade de reproduzir o real tinham imagem, e, portanto, uma transformação da
relegado a um segundo plano qualquer tipo realidade, uma interpretação desta (MAUAD,
de pintura. Mais tarde, acreditava-se que o 1996).
mesmo fato tinha liberado a “verdadeira arte” Como afirma William Meirelles, em
da necessidade de ser uma cópia do real, História das Imagens: uma abordagem,
dando-lhe espaço para a criatividade, ideia múltiplas facetas,
que foi defendida por artistas e intelectuais da
época, como o poeta Baudelaire, o qual [...] uma imagem não é apenas um conjunto
composto por linhas, cores, luz ou sombra;
uma imagem não é apenas uma questão de
[...] enfatiza a separação arte/fotografia,
forma. Assim como as formas moldam, elas
concedendo a primeira um lugar na imaginação
são moldadas pelas configurações históricas
criativa e na sensibilidade humana, própria à
da cultura, através de uma complexa rede de
essência da alma, enquanto à segunda é
relações (MEIRELLES, 1995 p. 101).
reservado o papel de instrumento de uma
memória documental da realidade, concebida
em toda a sua amplitude (MAUAD, 1996 Ou seja, assim como os textos escritos são
p. 2). constituídos por jogos de palavras, as imagens
são formadas a partir de jogos de elementos
Analisada dessa maneira, a fotografia que influenciam sua leitura, direcionam o
incumbia-se do real e do racional, e as demais pensamento, sem, contudo, determinar a
artes encarregavam-se do emocional e do maneira como ela será interpretada.
criativo, ou seja, não necessariamente ligados Segundo Roland Barthes (1984), um
ao mundo real. Note-se, nesse momento, a texto escrito não é somente o que se tem em
crença na ligação entre fotografia e realidade, mãos, algo físico, uma simples montagem de
a imagem produzida pela câmera como palavras, e sim uma construção que depende
sendo um espelho do que de fato aconteceu. do autor, do leitor e do meio, formando
Interessante ressaltar, quanto a isso, que uma espécie de tripé. Teoria essa também
quando a imagem analógica é criada, nossa defendida por Mauad, a qual ressalta a
integração desses três elementos no resultado leitura variam também de acordo com cada
final: o locus de produção e um produtor, um indivíduo.
leitor ou destinatário, e por fim um significado Discorrendo sobre o papel do leitor da
aceito socialmente como válido. imagem, Mauad afirma que:
Quanto à imagem, pode-se, portanto,
dizer algo semelhante, afinal ela depende da [...] a compreensão da imagem fotográfica
pelo leitor/destinatário dá-se em dois níveis,
visão do autor que vai produzi-la; do leitor a saber:
que vai olhá-la e interpretá-la a sua maneira; - nível interno à superfície do texto visual,
e do meio, visto que este influencia tanto originado a partir das estruturas espaciais que
constituem tal texto, de caráter não-verbal; e
no momento de sua constituição quanto - nível externo à superfície do texto visual,
nas futuras análises que serão feitas sobre originado a partir de aproximações e inferências
ela. Com isso, é correto afirmar que tanto a com outros textos da mesma época, inclusive
de natureza verbal. Neste nível, podem-
construção da imagem quanto sua análise se descobrir temas conhecidos e inferir
são interpretações do real, maneiras de se informações implícitas (MAUAD, 1996 p. 9).
registrar e de enxergar um momento vivido.
Outra observação pode ser feita quanto Kossoy também aborda a questão da
a isso. Como afirma Peter Burke, pode-se recepção das imagens por outras gerações,
dizer que: dizendo que elas seguem sendo interpretadas
muito depois de realizadas, sendo que seus
[...] leitores de imagens que vivem numa significados oscilam de acordo com
cultura ou num período diferente daqueles
no qual as imagens foram produzidas se
[...] a ideologia de cada momento e a
deparam com problemas mais sérios do que
mentalidade de seus usuários. Muitas vezes
leitores contemporâneos à época da produção.
– as imagens – são ocultadas ou omitidas
Entre os problemas está o da identificação das
por longos períodos. Desaparecem dos
convenções narrativas ou ‘discurso’ (BURKE, diálogos, permanecem no silêncio; ou então
2004, p. 180). são adoradas nas sombras, nos submundos,
crescem de importância com as mudanças
Assim, as relações sociais, o pensamento e políticas, saem às ruas com os fanatismos, são
louvadas pelas massas, outra vez (KOSSOY,
a conduta de cada momento, dentre outros, 2005 p. 39).
estão inseridos em suas imagens, e são mais
perceptíveis para seus coetâneos do que para Assim como pode ser vista como uma
pessoas de fora desse meio, os quais possuem representação do real, a fotografia pode
outras linguagens, outras maneiras de ver o simbolizar a necessidade de prolongar uma
mundo e de representá-lo. existência, prolongando o contato com algo
Como ressalta Schaeffer, temos de ter em que deixará de existir em instantes. Pode-se
conta que dizer, portanto, que o ato fotográfico, ao
mesmo tempo em que representa o real,
[...] a recepção das imagens depende
seleciona o que será recordado, ou, até
essencialmente de nosso conhecimento do
mundo, sempre individual, diferente de uma mesmo, influencia os acontecimentos que
pessoa para outra, e não possuindo traços de se tornarão significativos posteriormente.
codificação (apud GONÇALVES, 2001 p. 1). Todavia, como afirmar que o objeto
registrado possuía realmente significância?
Dito em outras palavras, além de variar Ou que, pelo contrário, seu registro produziu
de acordo com a época, as maneiras de tal significado?
fotografia jamais mente no que diz respeito as produziu e consumiu. Um dia já foram
à existência do objeto capturado, de fato ele memória presente, próxima àqueles que as
possuíam, as guardavam e colecionavam
esteve lá, mas pode mentir quanto ao que como relíquias, lembranças ou testemunhos.
nos é dito sobre o que representa. No processo de constante vir a ser recuperam
Como afirma Mauad, a facilidade de o seu caráter de presença, num novo lugar,
num outro contexto e com uma função
mentir da imagem fotográfica é algo que
diferente. Da mesma forma que seus antigos
aumenta a cada dia, visto que donos, o historiador entra em contato com
este presente/passado e o investe de sentido,
[...] a revolução digital, provocada pelos um sentido diverso daquele dado pelos
avanços da informática, torna cada vez maior contemporâneos da imagem, mas próprio à
esta possibilidade, permitindo até que os problemática a ser estudada (MAUAD, 1996,
mortos ressurjam para tomar mais um chope, p.10)
tal como a publicidade já mostrou (MAUAD,
1996 p. 15).
Para Kossoy, a fotografia é sempre
ambígua, independentemente de ser digital
Contudo,
ou analógica, visto que ao mesmo tempo
em que pode servir como uma evidência, ou
[...] não importa se a imagem mente; o
importante é saber por que mentiu e como como denunciadora de algo, pode ser uma
mentiu. O desenvolvimento dos recursos ferramenta de propaganda.
tecnológicos demandará do historiador uma
nova crítica, que envolva o conhecimento O documento fotográfico se presta à denúncia
das tecnologias feitas para mentir (MAUAD, social como também à publicidade; foi
1996 p. 15). usado pela antropologia física do século XIX
(no contexto dos preceitos positivistas, do
O congelamento de objetos por meio darwinismo social e do colonialismo), para
documentar os seres primitivos das terras
da fotografia faz com que objetos, mesmo
“exóticas”, como também no ateliê dos
ausentes, sejam (re)apresentados eternamente, artistas-fotógrafos, para o registro desses
por meio da reconstituição de histórias mesmos seres posando enquanto modelos
contadas a partir de imagens fragmentadas. diante de cenários europeus para coleções
iconográficas. Uma imagem-‘testemunho’
Segundo Kossoy, pela fotografia, podemos que, dependendo das palavras que a rodeiam,
dialogar com o passado: aprender, recordar transforma-se em imagem ‘comprobatória’ de
e criar novas realidades, tornando-nos pseudo-inferioridades raciais, sociais, religiosas.
Temos visto ao logo da história como se
verdadeiros “interlocutores das memórias
constroem esses estigmas. Assim construímos
silenciosas que ela mantém em suspensão” realidades — e, portanto, ficções documentais
(KOSSOY, 2005, p. 49.). Suspensão esta que, (KOSSOY, 2005 p. 39-40).
às vezes, deixa essas imagens esquecidas por
algum tempo, para, num segundo momento, Apesar das ambiguidades, reconstituir é
retornarem com o mesmo significado ou preciso, daí a necessidade de metodologias
com modificações, “num fascinante processo para podermos nos comunicar com a
de criação/construção de realidades – e de imagem, decifrar seus códigos e analisar seus
ficções” (KOSSOY, 2005 p. 36). silêncios.
Segundo Mauad, Em meio a tantas construções
e representações, como sustentar que
[...] as fotografias guardam, na sua superfície uma fotografia possa ser um objeto de
sensível, a marca indefectível do passado que
análise notório e digno de confiança? Ou,
como indaga Ulpiano Bezerra de Meneses, Diz-se agora que um homem avisado
qual a natureza do objeto material como possui visão, numa explícita valorização de
documento, em que reside sua capacidade um dos sentidos. Contudo, numa sociedade
documental, como pode ele ser suporte de consumidora de imagens como a nossa, o
informação? (MENESES, 2003). Parte daí próprio conceito de imagem, por ser tão
os questionamentos quanto à possibilidade abrangente, acaba sendo vago em inúmeras
de se trabalhar tal objeto e até sobre que situações. Tudo é imagem, uma propaganda é
ponto ele é realidade ou ficção, dentre outras imagem, assim como um filme, um desenho;
indagações. de acordo com a tradição cristã o próprio
É fato que a linguagem visual tem uma Deus nos criou a sua imagem e semelhança.
grande importância para a análise histórica, Em meio a um horizonte tão vasto, percebe-
afinal a linguagem é a base do discurso se um sentimento de vazio.
histórico, e esta compreende a escrita, a fala Desde cedo convivemos com imagens
e a visão. Aristóteles trabalhou com a ideia de e por isso acreditamos ter um tipo de
que o conceito é a própria existência, isto é, o conhecimento natural sobre elas, a capacidade
ato de se conceituar torna a coisa passível de de identificá-las e interpretá-las ao vê-las,
ser estudada, transforma algo em fenômeno, devido, principalmente, a sua universalidade,
independentemente de sua existência. Ora, sem necessitar de um maior conhecimento
o conceito nada mais é do que linguagem; o sobre o assunto. Crença que fez com que,
mundo é, portanto, aquilo que a linguagem por exemplo, o cinema mudo fosse encarado
pode perceber. muitas vezes como uma linguagem universal,
Outro fato é que a disseminação cada e o cinema falado como uma particularização
vez maior das imagens impede que se ignore e uma espécie de isolamento (JOLY, 1996).
esse campo de investigação, aumentando, Essa ideia de conhecimento natural,
assim, o campo de análise dos historiadores, intrínseco às pessoas, é descartada por
incluindo objetos que antes não faziam parte Martine Joly, em seu livro Introdução à Análise
do que era considerado importante para a da Imagem, no qual afirma que existe uma
averiguação, como o cinema, festas populares diferença sensível entre identificar, saber do
e a própria fotografia. que se trata; e interpretar, pelo simples fato
A independência da história em relação de a arte ser mais voltada para o emocional
aos textos escritos e a busca por abordagens do que para o racional, ressaltando, inclusive,
não tradicionais levaram os historiadores que nem os próprios autores conseguem
a ampliarem seu universo de fontes. Isso identificar todas as possíveis interpretações
aumentou gradativamente à medida que tais de suas obras, surgindo muitas vezes a
pesquisadores se aproximavam das demais pergunta fatídica: será que o autor quis dizer
ciências, como a sociologia ou a antropologia, tudo isso? (JOLY, 1996).
por exemplo. Como afirma Roger Chartier, os Pode-se dizer que reconhecer e interpretar
historiadores incorporaram objetos de outras são duas ações complementares, mas
disciplinas: vida/morte, relações familiares, nunca simultâneas, visto que a análise e
sociabilidade e atitudes religiosas; numa a interpretação exigem um aprendizado,
verdadeira constituição de novos territórios tanto do assunto quanto da própria obra,
por meio da anexação de territórios outros da sua constituição. No caso da imagem, há
(CHARTIER, 1990). aspectos como profundidade, utilização de
imagem fotográfica. Analisa-se, nesta categoria, Até porque, de acordo com Maria Eliza
a lógica existente na representação dos objetos, Linhares Borges, a dimensão analógica
sua relação com a experiência vivida e com o
espaço construído. Neste sentido, estabeleceu- da fotografia não faz de suas imagens
se uma tipologia básica constituída por fotográficas uma mera reprodução do real,
três elementos: objetos interiores, objetos tendo em vista que as imagens fotográficas
exteriores e objetos pessoais. Na composição
são representações bidimensionais de uma
do espaço do objeto estão incluídos os itens
tema, objetos, atributo das pessoas, atributo realidade tridimensional. Esse aspecto,
da paisagem, tamanho e enquadramento; por si só, insere a fotografia no universo
- espaço da figuração: compreende as representacional próprio dos signos visuais
pessoas e animais retratados, a natureza do
espaço (feminino/masculino, infantil/adulto), fixos (BORGES, 2003).
a hierarquia das figuras e seus atributos, Para Boris Kossoy, a relação entre verdade
incluindo-se aí o gesto. Tal categoria é formada e mentira na fotografia é muito complexa
pelos itens pessoas retratadas, atributos
e ambígua, pois o pesquisador entende a
da figuração, tamanho, enquadramento e
nitidez fotografia como um registro e não como um
- espaço da vivência (ou evento): nela estão detector de verdades.
circunscritas as atividades, vivências e eventos
que se tornam objeto do ato fotográfico. O A matéria prima da imagem fotográfica
espaço da vivência é concebido como uma é a aparência — selecionada, iluminada,
categoria sintética, por incluir todos os espaços maquilada, produzida, inventada, reinventada
anteriores e por ser estruturada a partir de — objeto da representação. A fotografia se
todas as unidades culturais. É a própria síntese refere, portanto, à realidade externa dos fatos,
do ato fotográfico, superando em muito o das fantasias e das coisas do mundo e nos
tema, à medida que, ao incorporar a idéia mostra uma determinada versão iconográfica
de performance, ressalta a importância do do objeto representado, uma outra realidade:
movimento, mesmo em imagens fixas. Ou, a realidade fotográfica, isto é, uma segunda
para utilizar-se a terminologia de Cartier- realidade (KOSSOY, 2005 p. 40).
Bresson, trata-se do movimento de quem
posa ou é flagrado por um instantâneo e do
movimento de quem monta a cena ou capta O que se percebe, segundo Ulpiano,
o “momento decisivo” (MAUAD, 1996 p. contudo, é a utilização de imagens, na maior
13-14).
parte das vezes, como mera ilustração, de
BORGES, M. História & Fotografia. Belo Horizonte: KOSSOY, B. Fotografia e História. São Paulo:
Autêntica, 2003. Editora Ática, 1989.
BOURDIEU, P. Introcucción Del texto Um
______. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica.
art moyen. Essai sur lês usages sociaux de La São Paulo: Ateliê, 2000.
photographie. Paris, Les Editions de Minuit,
______. O relógio de Hiroshima: reflexões sobre
1965. Edición em espanõl, La fotografia: um arte
os diálogos e silêncios das imagens. Revista
intermédio. Trad. Tununa Mercado, México, Nueva
Brasileira de História. São Paulo, v. 25, nº 49, p.
Imagen, 1979.
35-42 – 2005.
BURKE, P. Testemunha ocular: história e imagem.
MAUAD, A. Através da Imagem: Fotografia e
Bauru: EDUSC, 2004.
História Interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n
CARDOSO, C. Iconografia e História. Campinas: °. 2, 1996, p. 73-98.
Unicamp, 1990, volume 1 p. 9-17.
______. Imagens da Terra: Fotografia, Estética e
CERTEAU, M. A Escrita da História. Rio de Janeiro: História. Primeiros Escritos, n.7- julho de 2001.
Forense Universitária, 1982.
MEIRELLES, W. História das imagens: uma
CHALMERS, A. A fabricação da ciência. São Paulo: abordagem, múltiplas facetas. Assis: Pós-História,
Edunesp, 1994. 1995.
CHARTIER, R. História Cultural, entre práticas e MENESES, U. Fontes visuais, cultura visual, História
representações. Lisboa: DIFEL, 1990 visual. Balanço provisório, propostas cautelares.
Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 23, nº
FABRIS, A. (Org.). Fotografia: usos e funções no
45, p. 11-3, 2003.
século XIX. São Paulo: USP, 1998.
SARDELICH, M. Leitura de imagens e cultura
______. Um olhar sob suspeita. In: Museu Paulista,
visual: desenredando conceitos para a prática
Anais... São Paulo. v.14. n.2.p. 107-140. jul.-dez.
educativa. Educar, Curitiba, n. 27, p. 203-219.
2006.
Editora UFPR, 2006.
GONÇALVES, C. O nome das coisas: algunas
SONTAG, S. Ensaios sobre a fotografia. Tradução
considerações sobre a leitura de fotografias. Revista
Joaquim Paiva. Rio de Janeiro: Editora Arbor Ltda,
Studium, n. 5, outono de 2001. Campinas – SP,
1983.
Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.
SORLIN, P. Indispensáveis e Enganosas, as Imagens
JOLY, M. Introdução à Analise da Imagem.
Testemunhas da História. Estudos Históricos. Rio
Campinas/SP: Papirus, 1996.
de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 81-95.
Resumo
A imprensa comunista brasileira, com a legalidade do Partido Comunista do Brasil em 1945,
passou a contar com vários jornais, revistas, romances e panfletos, entre outras formas
impressas. Em suas publicações, foram utilizados diversos recursos imagéticos: ilustrações,
gravuras, caricaturas, charges e histórias em quadrinhos. Tais imagens, assim como os textos, são
interessantes meios de evidência histórica, pois suas representações trazem indícios a respeito
de determinado período, grupo ou sociedade. Verifica-se que a presença de imagens femininas
nas publicações comunistas mostra a importância desse segmento para os projetos do PCB.
Neste artigo, analisam-se as constantes temáticas apresentadas na arte visual das páginas dos
periódicos comunistas que focalizaram a mulher. Comenta-se sobre a ênfase em desenhos do
cotidiano delas diante dos problemas rotineiros e sobre o destaque para a necessidade de melhor
organização entre elas. Observa-se que, a partir das figuras expressivas de tristeza e de desânimo,
frente às dificuldades e também das imagens de mulheres engajadas, o PCB procurava causar
reflexão e conscientização nas mulheres a fim de que elas agissem.
Palavras-chave: Imagem; representação; mulher; Imprensa Comunista Brasileira.
Abstract
The Brazilian Comunist Press, under the legality of the Brazilian Comunist Party in 1945,
started to count on various newspapers, magazines, romances and handouts, among other
kinds of companies. In their publications, many image resources were used such as: ilustrations,
prints, caricatures, charges and comics. Such images, as well as the texts, are interesting means
of historical evidences, because their representations bring marks of a determinned period,
group or society. The presence of female images verified in comunist publications exposes the
importance of this segment for the PCB project. In this article, the constant thematics presented
in the visual art from the pages of comunist newspapers which focus on women are analised.
The emphasis on women’s daily drawings showing their routine problems and the focus on the
necessity of a better organization among them are commented. It is observed that, starting
from their expressive figure of sadness and discourage in face of the difficulties contrasted with
the images of socially integrated women, the party aimed to cause refletion and awarness on
women so they would act.
Keywords: Image; representation; women; Brazilian Comunist Press.
As ideias apresentadas neste artigo foram baseadas na Dissertação de Mestrado A representação visual da mulher na imprensa
1
Capital Federal, local sede do partido, com documento parte material das relações
vistas a circular por todo o Brasil, os periódicos sociais, evidência. Abordamos também a
enfatizavam as principais propostas do PCB e necessidade de trabalharmos com conceitos
traziam orientações e assuntos relacionados como representação e imaginário ao efetivar
ao movimento comunista mundial. a análise proposta.
A História das mulheres, a História de Embora o trabalho tenha como objeto
gênero, já atingiu um respeitável espaço na central a imagem, não podemos esquecer
historiografia. Tendo como objeto de estudo que se trata de um recurso visual presente
as mulheres, é importante ficarmos atentos em periódicos; em virtude disso, é necessário
às questões de gênero. Joan Scott (1990, localizarmos as imagens a partir do contexto e
p.14) destaca que imaginário da imprensa política em que eram
veiculadas. Sendo assim, posteriormente à
o gênero é um elemento constitutivo das discussão sobre a imagem como fonte de
relações sociais fundadas sobre as diferenças
percebidas entre os dois sexos, e o gênero é um
pesquisa, comentamos acerca da imprensa
primeiro modo de dar significado às relações comunista brasileira e do debate artístico na
de poder. busca de uma arte para o povo. Na sequência,
analisamos a visualização das mulheres,
Dentro do contexto pesquisado, as focalizando as diferentes imagens as quais
representações de gênero apresentado pelo mostraram seus problemas cotidianos
discurso da “grande imprensa” atribuíam na época e a ênfase em desenhos cujo
ao feminino a maternidade e os cuidados objetivo era promover a organização e a
com o lar. Em nossa abordagem estaremos participação das mulheres brasileiras nas lutas
observando quais foram os referenciais empreendidas pelo partido.
utilizados pela imprensa comunista com
relação às mulheres. A imagem como fonte de pesquisa
Vale dizer também que estamos
trabalhando com um período pós-guerra. Como nos ensina Ulpiano T. Bezerra
Durante a segunda guerra, objetivando suprir de Meneses (2003, p.14), é importante
a falta de mão de obra masculina ou até incluir a materialidade das representações
mesmo na busca de dar conta das despesas visuais nas pesquisas, pois elas participam
do lar, pudemos assistir a inserção de um das relações sociais. Peter Burke (2004, p.
número expressivo de mulheres no mercado 11), nessa esteira, mostra que, assim como
de trabalho. Sendo assim, além do trabalho textos e testemunhos orais, as imagens
do lar, as mulheres passaram a ocupar cada constituem-se numa interessante forma de
vez mais o espaço fora do lar, como, por evidência histórica. Dentro dessa perspectiva,
exemplo, as fábricas. o pesquisador pode observar os traços,
Visando a entender a importância da sinais, detalhes, ou seja, indícios de sentidos,
representação da mulher na arte visual da decifrando e interpretando uma realidade
imprensa comunista brasileira, desenvolvemos, opaca (GINZBURG, 1989, p.177).
primeiramente, importantes considerações Como as imagens de nosso estudo são
teóricas sobre a imagem e a imprensa como parte integrante de materiais jornalísticos,
fonte histórica. Para tanto, apresentamos é importante lembrarmos Maria Helena
abordagens que consideram esse tipo de Rolim Capelato (1988, p. 13). Segundo ela,
a imprensa permite amplo conhecimento social opera por intermédio dos sistemas
do passado, visto que “registra, comenta simbólicos construídos a partir de desejos,
e participa da história”. Para Ana Cristina aspirações e motivações (BACZKO, 1985, p.
Teodoro da Silva (1998, p. 2), o estudioso, ao 311). Podemos afirmar, então, que a imprensa
usar a imprensa como fonte de pesquisa, deve comunista brasileira foi um importante canal
estar com seu olhar atento, utilizando como para a apresentação das figuras simbólicas de
aparato conceitual as representações. seus guias e líderes, visando a “instruir” e a
Ao analisarmos a imprensa como “conduzir” a massa.
representação histórica, é necessário perceber Após esta breve apresentação das
o jogo pelo poder presente nessas relações. considerações teóricas, passaremos a uma
Como ressalta Roger Chartier (1985, p. abordagem sobre a imprensa comunista
17), as representações do mundo social são brasileira e à discussão do meio artístico por
determinadas pelos interesses dos grupos uma arte realista.
que produzem estratégias e práticas, sociais,
escolares, políticas, para legitimar um projeto Imprensa Comunista e a arte “Realista”
reformador ou justificar suas escolhas e
condutas. Desse modo, ao estudar as imagens Desde sua fundação em 1922, o Partido
de uma imprensa política, estamos verificando Comunista do Brasil defendia a existência
formas, motivos e representações as quais de periódicos como forma de propaganda,
traduzem posições político-ideológicas. de fazer chegarem às massas a orientação,
Conforme nos mostra Sandra Jatay as palavras de ordem, as posições tomadas
Pesavento (2005, p. 86), a imagem é uma pelo partido. Lênin considerou a imprensa
mediação entre o mundo do espectador importante ferramenta do partido, lembrando
e o do produtor, tendo como referência a necessidade de ela estar voltada para três
a realidade; é forma de representação do pressupostos básicos: educar as massas
mundo que constitui o imaginário. Diante da visando a elevar o nível de consciência
ligação entre o imaginário e a representação, política, organizar a classe operária ao redor
é importante a discussão realizada por do partido e propagar a linha ideológica
Bronislaw Baczko (1985). De acordo com o (MORAES, 1994, p. 63).
autor, por meio dos imaginários sociais: No que concerne às mulheres, vale
destacar a conversa de Lênin com a
[...] uma coletividade designa a sua identidade; representante da organização das mulheres
elabora uma certa representação de si;
estabelece a distribuição dos papéis e das
na Alemanha, Clara Zetkin. Ele ressaltou a
posições sociais; exprime e impõe crenças importância de organizar um movimento
comuns; constrói uma espécie de código de feminino internacional, do qual as comunistas
“bom comportamento”, designadamente
deveriam fazer parte, realizando um trabalho
através da instalação de modelos formadores
tais como o do chefe, o bom súdito, o guerreiro sistemático para sua elevação; o movimento
corajoso; corresponde a formar as imagens estaria “transportando-as do mundo da
dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados maternidade individual para o da maternidade
(BACZKO, 1985, p. 309).
social” (ZETKIN, 1934, p. 133). Características
como a “energia”, o “espírito de abnegação”,
O mesmo autor aponta a relação existente
a “coragem” e a “inteligência das mulheres
entre o imaginário e o símbolo: o imaginário
comunistas” deveriam ser usadas para o
Diante das imagens (Figura 5), notamos um futuro mais digno para suas crianças
a representação das mulheres trabalhadoras (MOMENTO FEMININO, 25/07/1947,
p.12).
dentro dos “padrões do gênero feminino”
na figura de dona do lar ou fora do lar. A
As imagens com cenas da mulher
mulher é quem cuida da casa, lavando e
representada em seu cotidiano e o título
estendendo a roupa; é quem segura a criança
“A luta cotidiana das mulheres” poderiam
com toda a delicadeza, envolvendo-a com seu
chamar a atenção para a leitura do texto
olhar de ternura; é quem auxilia o marido,
e para a proposta de a mulher solucionar
trabalhando, costurando roupas para a
seus problemas com a tomada de ação, a
família ou para fora.
formação de uma “frente única”. Conforme
O texto ilustrado pelas imagens ressalta a
observamos, os jornais, além de destacar os
mulher com a função de cuidar do conforto
informes do partido, apresentavam os vários
e da felicidade do lar, mas trabalhando o dia
problemas encontrados pela população
todo sem hora para chegar a casa. Ela sofria
carioca e pelos outros estados: a crise de
com a falta de água e conhece a tortura das
gêneros alimentícios de primeira necessidade,
filas, as quais existiam, na época, em virtude
a falta de água, de moradias, transporte e de
do mercado negro, pois era difícil conseguir
educação, os problemas no trabalho, entre
o pão, o leite, a carne e outros gêneros
outros temas.
indispensáveis para a casa. Porém, no mesmo
As imagens a seguir são desenhos que
artigo diz-se que:
repetidamente ilustravam as páginas do
A dona de casa vai adquirindo a consciência jornal Momento Feminino quando este se
de que deve formar, com todas as mulheres, referia à questão da falta de água. A mulher
uma frente única de combate à crise, à falta representada é a trabalhadora, rodeada por
de habitações e transportes, ao câmbio negro,
crianças, a qual sofre subindo e descendo o
às filas, à sonegação dos gêneros de primeira
necessidade; uma frente única para a conquista morro na busca da água, cena representada
de um mundo melhor para sua família, de por diferentes artistas.
Figura 8. Tribuna Popular, 09/08/1946, p. 3. Autoria: Figura 9. Tribuna Popular, 25/01/1945, p. 8. Autoria:
Paulo Werneck Paulo Werneck
Diante das imagens as quais retratam seria um espaço para se tentar solucionar os
o desespero, o desânimo, a tristeza, ou problemas diários e poderia ser um local para
a submissão, podemos pensar que esses auxiliar na organização dos movimentos.
traços artísticos contrariavam o princípio Como parte do projeto político e
do “realismo socialista”, porque estariam educacional do PCB, o jornal Momento
enquadrados dentro de um realismo crítico- Feminino apresentou em suas páginas a
social. Por outro lado, é interessante perceber tese intitulada “Imprensa Feminina, fator de
que tais desenhos tinham a finalidade de tocar educação”, defendida por Ana Montenegro
a sensibilidade da mulher receptora diante de na mesa redonda do Distrito Federal. Na
um problema que a atingia, procurando levá- ocasião, foi destacado por ela que:
la à reflexão e à luta por melhorias.
As dificuldades encontradas no trabalho A importância da imprensa com seu poder
de penetrar, com a sua possibilidade de
também foram ressaltadas, assim como a fazer-se ouvida, mesmo pelos surdos, com
união e a importância da organização no a sua capacidade de percorrer distâncias
sindicato, associação, ou “União Feminina”. sem cansaço, é mais do que nenhum outro
o meio de levar a todos os lugares, a todas
É o que veremos a seguir.
as casas a palavra de esclarecimento, o apelo
à luta e, portanto, deve ser considerado por
A necessidade da organização feminina todas as mulheres, um dos caminhos que se
abrem para chegarem a resultados concretos
(MONTENEGRO, 05/12/1947, p. 5).
Como já citamos, a imprensa comunista
brasileira se baseava nos pressupostos
Constatamos, diante do exposto, a
leninistas. A fim de evitar movimentos
constância da ênfase na importância da
desorganizados, a importância do trabalho
imprensa feminina como material necessário
de organizar os movimentos para agir e
para o esclarecimento das mulheres, sendo
alcançar as propostas da luta era reforçada
uma forma de ligação com as massas
nos periódicos. Nessa perspectiva, colocava-
femininas, visando à organização e à ação.
se, como solução para os trabalhadores, a
A necessidade da leitura do jornal feminino
união e organização nas associações, uniões,
pelas mulheres aparecia até mesmo nas
sindicatos ou locais de trabalho. No caso
histórias em quadrinhos, como podemos
das mulheres, existia muita ênfase na sua
visualizar na Figura 11.
participação nas “Uniões Femininas”, pois ali
Em “Zezé, vende o seu jornal” (Figura quadrinhos como uma mulher que ajudava
11), no primeiro quadrinho, a personagem na educação e organizava as mulheres nas
faz a leitura do jornal Momento Feminino.2 “Uniões Femininas”.
No segundo quadrinho, ela está no salão de Os trabalhos das organizações femininas
beleza vendendo o periódico. No terceiro se intensificaram e resultaram em uma
quadro, Zezé distribui o jornal no ônibus. Este “Conferência Nacional Feminina”, realizada
é apresentado como um espaço ocupado por na cidade do Rio de Janeiro. Nas próximas
homens e mulheres; quem aparece lendo imagens (Figuras 12 e 13), as quais ilustram
são as mulheres, pois os homens leem a o tema deste evento, observamos a intenção
Gazeta Sindical, a Voz Operária ou a Tribuna de expressar as mulheres conversando,
Popular. No quarto quadrinho, a personagem discutindo problemas relacionados ao
entrega o periódico feminino no trabalho, seu cotidiano (MOMENTO FEMININO,
demonstrando a utilidade de sua leitura. 20/05/1949, p. 6). Os mesmos desenhos
Zezé formava uma série de histórias em foram usados diversas vezes para acompanhar
as notícias das “Uniões Femininas”.
Figura 12. Momento Feminino, 20/05/1949, p. 6. Figura 13. Momento Feminino, 20/05/1949,
Autoria: Quirino Campofiorito. p. 6. Autoria: Ediria.
Legenda de “Zezé, vende o seu jornal”: I – Zezé quer tornar conhecido o “Momento Feminino”. Ela gosta do seu
2
jornal e considera sua leitura útil à tôdas as mulheres. II – Zezé vai ao cabelereiro, Mme. XX está no secador vendo
velhas revistas. Zezé vende-lhe o último número de “Momento Feminino”. III – No ônibus Zezé encontra muitas
mulheres que vão para o batente. E não perde tempo vai vendendo o “Momento Feminino”. IV – No trabalho Zezé
já mostrou às colegas a utilidade da leitura de “Momento”. E tôdas o compram com prazer. Imita Zezé, amiga.
Diante da imagem, notamos que Elisa O pedido pela paz foi o movimento com
Branco está com seus olhos voltados para o maior número de imagens nas quais havia
o receptor e tem um leve sorriso. Ela, à personagens femininas. Com os desenhos,
frente, é seguida por outras mulheres com em meio aos textos, procurava-se sensibilizar
ar altaneiro, segurando placas de paz. Os as mulheres, e seu instinto materno, a
traços que formam o desenho destacam uma aderir à campanha. O importante papel a
mulher real, do povo. O cabelo esvoaçante, ser desenvolvido pelas mães e esposas e
em movimento, pode significar que a mulher mulheres em geral era muito reforçado pela
participativa não perde a feminilidade, mas imprensa comunista.
age, representando a força de todas aquelas
que a seguem e de todos que desejam a paz. Considerações Finais
Dessa forma, observamos que a referida
mulher é mostrada como uma heroína, um A finalidade do PCB, como partido
símbolo da paz, uma inspiração para todas de massas, era atingir o máximo da
as mulheres na luta pela paz mundial. população. Para veicular a propaganda e a
A imagem da mulher mãe, reproduzida orientação política, o partido contava com
na Figura 17, acompanha o lançamento as publicações de sua imprensa. Os recursos
da Campanha contra a Guerra Atômica, imagéticos, ilustração, gravura, charge,
resultante da reunião do “Conselho da Paz” caricatura e histórias em quadrinhos são
em Viena, janeiro de 1955 (VOZ OPERÁRIA, indícios que tornam evidentes os motivos,
08/01/1955, p. 11). as representações, as posições e o imaginário
dos militantes do Partido Comunista.
A repetida figuração das mulheres nas
imagens e a existência de um periódico
direcionado ao público feminino nos dizem
muito sobre como o partido tratava a
participação das mulheres nos seus projetos.
Analisando a representação destas na
imprensa comunista brasileira, verificamos
que os artistas deram maior ênfase à imagem
da mulher comum, real, sofrida. A mulher
Figura 17. Voz Operária, 08/01/1955, p. 11. trabalhadora, a dona de casa e a mãe
aparecem representadas, bem como a que se
A figura feminina segurando a criança, a mostra politicamente engajada nas lutas do
palavra Paz e o papel com a escrita pedindo a Partido (segurando faixas, placas e bandeiras
proibição da bomba atômica são recorrentes no movimento). Isso representa a intenção de
na imprensa comunista; tal conjunto de o partido ampliar sua base de apoio popular,
figuras reforçava a importância da coleta de fortalecendo suas lutas e ideias.
assinaturas para o apelo da paz. É importante As imagens, conforme vimos, eram
atentarmos para o uso da criança pelo artista. elaboradas a fim de provocar sensações
Por ser inocente e indefesa, a criança serve em seus receptores. Entendemos que, ao
como recurso apelativo, para emocionar o focalizar a representação da mulher triste,
leitor e conseguir sua adesão à causa da paz. desanimada, procurava-se causar reflexão
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São TAVARES, Rodrigo Rodrigues. Desenhando
Paulo: Companhia das Letras, 1989. a Revolução: a luta de imagens na imprensa
MATOS, Maria Izilda S. de. Outras histórias: as comunista (1945-1964). Tese (Doutorado)
mulheres e estudos dos gêneros – percursos e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
possibilidades. In: SAMARA, E. M; SOIHET, R.; História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e
MATOS, M. I. (Org.). Gênero em Debate: trajetória Ciências Humanas da Universidade Estadual de
e perspectivas na historiografia contemporânea. São Paulo – USP, 2010.
São Paulo: EDUC, 1997. TORRES, Juliana Dela. O Momento Feminino e o
MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Fontes visuais, Partido Comunista do Brasil (1947/1950). Trabalho
cultura visual, História visual. Balanço provisório, de conclusão de curso (Bacharelado em História).
propostas cautelares. Revista Brasileira de História, UEL, Londrina, 2000.
São Paulo. v. 23, n.45, p. 11-36. 2003. ______. A representação visual da mulher na
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento imprensa comunista brasileira (1945/1957).
Feminino, Rio de Janeiro, 25/07/1947. Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História Social da
MONTENEGRO, Ana. Imprensa Feminina: fator Universidade Estadual de Londrina – UEL, 2009.
de educação. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
05/12/1947. ZETKIN, Clara. Notas do meu diário, Assim foi
Lenin, Moscou, 1934. In: MARX-ENGELS-LENIN.
MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado (a Sobre a mulher. 1.ed. São Paulo: Global, 1979, p.
imprensa comunista e o realismo socialista no 124-138.
Brasil – 1947/1953). Rio de Janeiro: José Olympio,
1994.
SILVA, Ana Cristina Teodoro da. Metodologia de
análise de fontes: o jornal contemporâneo sob FONTES
a luz do conceito de representação. In: SILVA,
Ana Cristina Teodoro da; ASSIS, Valéria Soares; JORNAL A CLASSE OPERÁRIA, 1946/1951.
BELINNI, Luiza Marta. (Org.). Experiências em JORNAL IMPRENSA POPULAR, 1947/1956.
metodologia de pesquisa. São Paulo: Gráfica,
1998. p. 1-14 JORNAL MOMENTO FEMININO, 1947/1956.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História JORNAL TRIBUNA POPULAR, 1945/1947.
Cultural. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. JORNAL VOZ OPERÁRIA, 1946/1957.
SCOTT, JOAN, Gênero um categoria útil de análise REVISTA FUNDAMENTOS, 1948/1955.
histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre
16(2), p. 5-22, jul/dez. 1990.
Resumo
O presente artigo discute a representação do índio americano no western. Esse gênero surge
ainda nos primeiros anos do século XX, e suas produções costumam ser ambientadas no
período de destruição das culturas nativas dos Estados Unidos (1860-1890). Diversos filmes
de faroeste apresentam uma visão de mundo fundamentada no etnocentrismo e no discurso
conservador da ideologia dominante. O índio surge enquanto um obstáculo à conquista de
território, representante selvagem e incivilizado de uma minoria incômoda para a expressão
desenvolvimentista de uma nação em progresso. Nesse sentido, serão analisados alguns dos
trabalhos mais representativos de quatro cineastas americanos: Ford, Sturge, Eastwood e
Peckinpah. Pretende-se inferir se tais obras contribuíram com o fortalecimento daquele que se
tornou um estereótipo central no mito americano, dos índios cruéis e impiedosos.
Palavras-chave: Cinema de faroeste; etnocentrismo; índios americanos.
Abstract
This paper analyzes the representation of Native Americans in the western film. This genre emerges
in the first half of the 20th century, with stories generally set between 1860 and 1890, period of
the destruction of Native American culture. Several western films reproduce a worldview based
on ethnocentrism and the conservative ideology, depicting Native Americans as an obstacle for
territorial conquest, as savage and uncivilized beings, an inconvenient minority that blocks the
expression of a nation in progress. Hence, films from four American directors – Ford, Sturge,
Eastwood and Peckinpah – will be carefully studied in order to confirm whether these movies
had contributed for the construction of a central stereotype in the American mythology, the
portray of Native Americans as merciless savages.
Keywords: Western cinema; ethnocentrism; american indians.
Versão revista de trabalho apresentado no III Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais
1
(III Ecomig), evento integrante do 8º Encontro Regional de Comunicação, realizado na Faculdade de Comunicação Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora, em outubro de 2010. Agradeço a colaboração do Prof. Alfredo Paes de Oliveira Suppia, do
Mestrado em Comunicação da UFJF.
2
BROWN, Dee. Enterrem meu coração na curva do rio. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 5.
3
O americano Daniel Boone foi desbravador, explorador e destacado silvícola da história dos Estados Unidos. Ele deixou para trás
muitas terras que descobriu, protegeu, assentou e cultivou. Disponível em: <http://www.notablebiographies.com/Be-Br/Boone-
Daniel.html>. Acesso em: 17 ago. 2010.
4
Em 1893, o historiador Frederick Jackson Turner disse que um período da história norte-americana se encerrava em 1890, com
o fim da fronteira. O censo daquele ano, pela primeira vez, não encontrou fronteira contínua além da qual o país não estivesse
colonizado. In: SELLERS, Charles; MAY, Henry; McMILLEN Neil R. Uma reavaliação da história dos Estados Unidos: de colônia a
potência imperial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 233.
Livre tradução de: “Ye say that all have passed away, / The noble race and brave / That their light canoes have vanished / From off
5
the crested wave; / That’mid the forests where they roamed, / There rings no hunter’s shout; / But their name is on your waters, / Ye
may not wash it out… / Ye say their cone-like cabins / That cluster o’er the vale, / Have disappeared as withered leaves / Before the
autumn gale: But their memory liveth on your hills…” In: BRANDON, William. The American heritage book of Indians. New York: Dell,
1974, p. 249.
William Brandon sugere que a imagem do a partir dos fortíssimos componentes ainda
índio tenha enfatizado, ao longo da história, uma vez etnocêntricos, cuja realidade é
ora o total desaparecimento das tribos, ora reproduzida por um médium intrinsecamente
a erradicação dos “selvagens” como meras cêntrico (CANEVACCI, 1990).
pragas agrícolas. Em fins do século XIX, “a
guerra havia terminado, a conquista fora A dissonância na música, a dimensão
da memória na literatura, o cubismo, o
vencida, e uma curiosa cegueira obscureceu expressionismo e o surrealismo na pintura
o longo e importante papel do índio na expressam a crise de um modelo de civilização
história americana, relegando o mesmo a que, em vez de conseguir socializar o belo,
produz a amplificação do horror. O cinema
uma parcela menor da atividade comercial
reage à difusão da crítica que busca desmascarar
[...]” (BRANDON, 1974, p. 250). O autor a ideologia harmonicista de nossa civilização; e
continua a argumentação: essa reação assume a forma da ilusão realista
(CANEVACCI, 1990, p. 93).
Os fantasmas das confusas imagens dos
índios ocuparam a fantasia popular em um No cinema, ainda segundo Canevacci
grau surpreendente na literatura, nas leis e na
prática da moralidade do século XIX. Em sua
(1990, p. 95), “[...] nazistas, vietcongues,
imagem oficial, o problema indígena era de índios, generais, simples soldados, camponeses
ordem econômica e deveria ser tratado o mais [...] sofrem uma modificação fisionômica que
economicamente possível. Mas todos esses
está de acordo com o ponto de vista da
fantasmas das confusas imagens não podiam
atravessar o abismo rumo à compreensão ideologia [...] por trás de sua representação”.
dos índios enquanto pessoas que pudessem Dessa maneira, o etnocentrismo fisionômico
ser levadas a sério, enquanto pessoas que reproduzido pela cinematografia teve a
fizessem parte da história e da vida da nação
(BRANDON, 1974, p. 250).
responsabilidade de fazer com que se
expandissem a desconfiança, a hostilidade,
Pode-se dizer que a representação do índio o tédio, o antagonismo popular de massa,
em muitos filmes de faroeste segue o princípio em face de tudo o que não se conforma à
da “modificação fisionômica”, subjugada ao assonância dominante.
etnocentrismo da cultura dominante. De De acordo com Leif Furhammar (2001),
acordo com Massimo Canevacci (1990, p. para a propaganda que se dedica em grande
88), “a crueldade do homem deve continuar parte à imagem do inimigo, é fundamental
a ser projetada em outro que não ele durante que a mensagem seja expressa de um modo
todos os séculos futuros”. De modo geral, a que não convide à discussão. Em filmes dessa
deturpação das proporções faciais e corporais natureza, os clichês são inevitáveis. Geralmente
deve ter imprimido publicamente as leis da os estereótipos já vêm prontos, depois de
assimetria, na medida em que trata de uma terem se desenvolvido por um longo período,
evocação do primitivo, do arcano, do torpe, do às vezes como parte de mitos relacionados
satânico, do ridículo, até mesmo do inimigo. com outras raças, nações ou grupos sociais.
Assim como nas culturas ditas “arcaicas”, Também podem passar de geração em
o xamã busca expulsar a doença imitando geração pela tradição oral, ou podem estar
o mal, do mesmo modo a civilização pós- latentes em um subconsciente nacional, para
industrial, fundada na imagem, busca reduzir serem reavivados pela propaganda quando o
o mal ao feio. Desse ponto de vista, o cinema Estado precisa de um inimigo. Os estereótipos
significou uma incrível regressão planetária, roubam a humanidade dos outros reduzindo
Sangue de Herói (Fort Apache, 1948) e O dos atos e da conduta dos indivíduos, não
Homem Que Matou o Facínora (The Man apenas seu perfil intelectual, moral e social,
Who Shot Liberty Valance, 1962), Ford bem como a essência humana. Por essa
encontrou a estrutura ideal para expressar razão, a personagem fordiana é talhada
a sua visão poética da América, uma nova autenticamente em sua integralidade.
nação que esculpiu, a grande custo, a terra No enredo de Rastros de Ódio (The
selvagem. “Um preço – como o diretor Searchers, 1956), por exemplo, a busca do
sugeriu em trabalhos posteriores – demasiado protagonista Ethan (interpretado por John
alto considerando o que os Estados Unidos Wayne) pela sua sobrinha é entremeada de
verdadeiramente se tornaram”. Sean Cubitt acidentes e incidentes razoáveis e plausíveis.
(2004) considera os faroestes fordianos a A busca fundamenta-se em um entranhado
representação em escala do mito nacional, ódio racista, movido pelo sentimento de
porém numa modalidade identificada como resgate de seu sangue. Esse desígnio implica
conservadora. O heroísmo de Ringo Kid, em a eliminação física do ente familiar (e racial)
No Tempo das Diligências, seria um recurso em decorrência da miscigenação resultante
do qual o diretor lançou mão, pois o destino do impositivo e, para Ethan, inadmissível
dos Estados Unidos dependeria da fidelidade contato interracial. Nesse filme,
do personagem para com os valores basilares
O índio, elemento onipresente [...], mais
da nação.
presente quando ausente fisicamente, é
Para Bilharinho, o western de John Ford apresentado [pelo cineasta] com dignidade e
não se reserva à simples e descompromissada imparcialidade, até mesmo quando autor de
diversão – constitui obra autoral no sentido inominável atrocidade. Como contraponto
a isso, [...] é mostrada [...] a extremada
em que expressa uma visão de mundo crueldade da dizimação de aldeias indígenas
determinada e pessoal que o cineasta elege (BILHARINHO, 2001, p. 28).
como tema de seus filmes (BILHARINHO,
2001). Nesse sentido, é importante retomar O Homem Que Matou o Facínora, quinto
o argumento de Canevacci (1990) sobre filme de faroeste da carreira de Ford, parece
o ponto de vista da ideologia por trás ter sido “mais do que puro western, já que
de uma representação. Leif Furhammar extrapola os limites e parâmetros do gênero
complementa: sugere que a velha ideia para inserir-se na categoria mais ampla de
de considerar os filmes como diversão ou drama humano individual, econômico-social
arte, ou eventualmente ambos, tem sido e histórico” (BILHARINHO, 2001, p. 29).
encarada com crescente ceticismo. “É Nele Ford pode exercitar adequadamente as
amplamente reconhecido que os filmes possibilidades do gênero, cristalizando a saga
refletem também as correntes e atitudes do Oeste em uma narrativa linear, por meio
existentes numa determinada sociedade, sua do embate entre civilização/barbárie, lei/
política” (FURHAMMAR, 2001, p. 6). crime, honra/ despudor, convívio/violência,
Bilharinho (2001, p. 28) explica que em honestidade-idealismo/desonestidade-
Sangue de Herói, como em muitas obras de brutalidade, bondade/maldade. Logo, a
Ford, o cineasta não se limita a construir idealização cinematográfica própria dessa
cinematograficamente uma realidade e fase histórico-geográfica dos Estados Unidos
estampá-la imageticamente. Vai além, ao faz-se maniqueísta e nitidamente exposta.
fixar de maneira analítica e crítica, por meio Bilharinho reforça a presença do
maniqueísmo e da visão mítica do Oeste irradiam uma propriedade que será essencial
nos filmes de western, sublinhando outros para o filme, bem como para o novo faroeste
exemplos. Segundo o autor, Duelo de Titãs como um todo: a percepção da feiúra. Esta
(Last Train From Gun Hill, 1959), de John não denota o vil ou o abjeto. Conforme
Eliot Sturge, é um filme calcado na ambiência sugere o título original de um dos westerns de
peculiar do Oeste – aquela que foi mitificada Sergio Leone (The Good, the Bad and the Ugly,
e transmitida pelos meios de comunicação, 1966),6 cuja tradução seria “O Bom, o Mau
desde a tradição oral, passando pelos e o Feio”, a feiúra existe numa relação entre
inúmeros livretos de escritores que percorriam o bom e o mau, enquanto uma categoria
a região à cata de histórias, até explodir no étnica. Nesse sentido, Peckinpah pretende
século XX por meio do cinema. avançar além da amoralidade dolorosa e fora
Josey Wales, O Fora da Lei (The Outlaw de propósito do western televisivo (CUBITT,
Josey Wales, 1976), de Clint Eastwood, 2004).
é espetaculoso, maniqueísta e repleto
d e e s t e re ó t i p o s e c l i c h ê s, a l é m d e Apontamentos finais
caracterizadamente naturalista ou mimético.
O personagem que empresta o nome ao A escritora nigeriana Chimamanda
título é interpretado pelo próprio Eastwood. Adichie alerta sobre os perigos de uma única
Não se pode deixar de notar, como lembra história, pois ela pode roubar das pessoas sua
Bilharinho (2001, p. 123), o viés racista dos dignidade. Torna difícil o reconhecimento
acasalamentos entre índio e índia / branco e da humanidade compartilhada. Enfatiza
branca, quando o dado inicial do encontro a diferença, em vez da semelhança. Com
entre indígena e protagonista propiciaria uma única história, não há possibilidade de
desenvolvimento diverso do adotado, não conexão entre os humanos. E tudo depende
fosse sua depreciação humana. do poder, que é a habilidade não apenas
Por outro lado, os westerns de Sam de contar a história de outra pessoa, mas
Peckinpah, ao serem comparados com de torná-la a sua história definitiva. Assim,
os de seus pares, estiveram dispostos a criam-se os estereótipos. E o problema
hibridizar. Quando Peckinpah se volta dos estereótipos, segundo Adichie, não é
para o Oeste americano, não contempla a que eles sejam mentira, mas que sejam
homogeneidade purista de um agrupamento incompletos. Fazem uma história tornar-
humano monocultural, e sim a mestiçagem, a se uma única história. “Mostre um povo
combinação das culturas hispânica, europeia como uma coisa, como somente uma coisa,
e indígena em seu ponto de origem [...] “O repetidamente, e isso ele se tornará”, diz
mito fundador de Peckinpah é uma lenda de a escritora. “Comece uma história com as
hibridação cultural e não de pureza racial” flechas dos nativos americanos e não com
(CUBITT, 2004, p. 193). a chegada dos britânicos, e você terá uma
Em Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild história totalmente diferente”.7
Bunch, 1969), determinadas sequências Nos filmes de faroeste da primeira metade
6
Sean Cubitt refere-se a The Good, the Bad and the Ugly (1966), western de Sergio Leone, cuja tradução literal seria “O Bom, o
Mau e o Feio”. Entretanto, o filme foi traduzido para o português como Três Homens em Conflito.
7
CHIMAMANDA, Adichie. O perigo de uma única história. TED Global. Out. 2009. Disponível em: <www. ted.com/talks/lang/
por_br/chimamanda_adichie_the_danger_of _a_single_story.html>. Acesso em: 14 de maio de 2010.
O modelo a partir do qual os nativos BRANDON, William. The American heritage book of
Indians. New York: Dell, 1974.
são exibidos nessas produções deriva de
clichês preexistentes, muitos dos quais se BROWN, Dee. Enterrem meu coração na curva
do rio. Tradução de Geraldo Galvão Ferraz. Porto
desenvolveram durante um longo período,
Alegre: L&PM, 2009.
a partir de mitos eurocêntricos, e foram
BUSCOMBE, Edward. A idéia de gênero no cinema
transmitidos por gerações pela tradição oral. americano. In: Teoria contemporânea do cinema.
Também podem ter origem naquele velho São Paulo: Editora Senac São Paulo, v. II, 2005.
aforismo americano inspirado nas palavras CANEVACCI, Massimo. Antropologia do cinema:
do general Sheridan, “o único índio bom é do mito à indústria cultural. São Paulo: Brasiliense,
um índio morto”. Ou mesmo no medo que os 1990.
“brancos” sentiam dos nativos, por considerá- CHIMAMANDA, Adichie. O perigo de uma única
los uma raça cruel, traiçoeira e sanguinária, história. TED Global. Out. 2009. Disponível em:
<www.ted.com/talks/lang/por_br/chimamanda_
desprovida de sentimentos ou afeições.
adichie_the_danger_of _a_single_story.html>.
Entretanto, embora a representação Acesso em: 14 de maio de 2010.
estereotipada do índio pareça predominante CUBITT, Sean. The cinema effect. Cambridge: MIT
no gênero western, é importante destacar Press, 2004.
que o cinema hollywoodiano ofereceu DANIEL Boone. Disponível em: <http://www.
uma diversidade de visões e de outras notablebiographies.com/Be-Br/Boone-Daniel.html>.
histórias a respeito dos nativos, sempre Acesso em: 17 ago. 2010.
conectadas à óptica de seus diretores acerca FERNANDES, Luiz Estevam; MORAIS, Marcus
da América. Enquanto os filmes selecionados Vinícius de. Os EUA no século XIX. In: História
dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São
de Ford são exemplos do conservadorismo,
Paulo: Contexto, 2007, p. 99-172.
por apresentarem um Oeste calcado nos
FURHAMMAR, Leif; ISAKSSON, Folke. Cinema &
estereótipos racistas, por reforçarem mitos política. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
depreciativos ao índio e estabelecerem a
SELLERS, Charles; MAY, Henry; McMILLEN Neil.
relação maniqueísta “civilização” versus Uma reavaliação da história dos Estados Unidos: de
“barbárie”, Sam Peckinpah, por sua vez, colônia a potência imperial. Rio de Janeiro: Jorge
propôs a hibridação cultural em lugar da Zahar, 1990.
pureza racial. Já os trabalhos de Eastwood SEVCENKO, Nicolau. As alegorias da experiência
e Sturge precisam ser observados mais marítima e a construção do europocentrismo. In:
Raça e diversidade. São Paulo: Edusp, 1996.
detidamente, para que se possa inferir se
representam ou não a visão etnocêntrica. STAPLES, Donald (ed.). The American cinema.
Washington: Voice of America, 1973.
A imagem do índio no western ainda tem
sido pouco estudada. Novas pesquisas
são necessárias. Essas são apenas algumas
anotações.
Resumo
Estudo de um anúncio de batom, da marca Colgate, publicado na revista O Globo, em 1940.
A partir deste anúncio, é analisado como a publicidade realizada em torno de um cosmético
agencia modelos de beleza e juventude, num contexto de promoção de um forte sentimento
de identidade nacional. Utilizam-se, principalmente, as ferramentas da análise imagética,
considerando os processos de recepção implícitos na composição imagem/texto e sua relação
com o conjunto do suporte de sua aparição.
Palavras-chave: Publicidade; aparência; nação.
Abstract
Study of how a cosmetic advertisement operates models of beauty and youth, in a context of
promoting a strong sense of national identity. For that, it’s used mainly the tools of imagery
analysis, considering the implicit reception processes of the composition image/text and its
relation with the entire support of her appearance.
Keywords: Advertising; appearance; nation.
Projeto financiado pelo Fundo de Apoio à Pesquisa (FAP), da Universidade do Estado de Santa Catarina.
1
Emulação: sentimento que nos leva a igualar ou exceder outrem; competição; rivalidade, estímulo. Derivado do verbo emular,
2
cujo adjetivo correto é êmulo (m) e êmula (f). O termo é comumente utilizado nas análises de publicitários sobre a repercussão da
publicidade no meio social. Contudo, o adjetivo é formulado como “emulador”, o que do ponto de vista vernáculo está incorreto.
Cf. HOLLANDA, 2008.
diferentes fabricantes de um mesmo produto Globo, produzida pelas Edições Globo, uma
precisam colocar-se como sendo um superior sólida empresa do ramo editorial instalada em
a outro e, a partir daí, construírem um discurso Porto Alegre desde 1883 e que contou, nas
capaz de representar determinadas marcas décadas de 1930 e 1940, com a assessoria
como melhores e, claro, destinadas a pessoas de Erico Veríssimo.
de igual “superioridade”. Essas “distinções O Globo começou suas atividades
significantes” concretizam-se como diferenças comerciais como uma simples papelaria da
sociais ou signos diferenciadores e, como Rua da Praia. Desde 1926, tendo como
Bourdieu defende, do consumo daqueles proprietário José Bertaso, as publicações
constituídos estilos de vida (BOURDIEU, de O Globo ocuparam o mercado editorial
1985; BOURDIEU; SAINT-MARTIN, 1976). riograndense com grande destaque, e sua
A publicidade, como o cinema, as revistas, revista, publicada desde 03 de janeiro de
as transmissões televisivas e radiofônicas 1920, congregava os escritores gaúchos
e os jornais, é instrumento da cultura de de renome e contava com o apoio político
massa. Todos esses instrumentos colaboram irrestrito de Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha.
e interseccionam na elaboração da poética Inicialmente, a revista teve como diretor
da aparência. A recepção desta se realiza Mansueto Bernardi e, em 1940, exemplar
no consumo das imagens postas à venda, em análise, era dirigida por Justino Martins.
sendo, porém, ainda mais efetiva no processo Em 1937, a Revista, como toda a empresa,
de subjetivação, quando da aquisição dos já havia ultrapassado as fronteiras do Rio
seus ícones, ou seja, dos produtos que a Grande do Sul e estava estabelecida no
publicidade teve a função de propor como mercado nacional (TORRESINI, 1999).
meio e rito de constituição de um outro O exemplar em análise é o nº 280,
desejado, como uma ponte ao moderno datado de 14 de setembro de 1940, com
(SANT’ANNA, 2007). formato da revista A4, 21 cm x 28,2 cm.
O papel utilizado é do tipo jornal, com
Lendo anúncios exceção de 1/10 da folhas que é em papel
couchê, em que se apresentam os encartes
O trabalho investigativo do historiador especiais. As ilustrações e fotografias são em
a partir de imagens deve considerar, como preto e branco, sendo que apenas a capa e
pressuposto básico, o processo gerativo de contracapa utilizam-se de cores. A tipografia
sentidos que a imagem proporcionou no utilizada é de tamanho pequeno, entre 8 e 6
contexto de sua aparição e apreensão pelo para o corpo de texto. Podemos encontrar,
leitor. Para tal, a análise da imagem por si neste exemplar, diversos anúncios: pneu,
só é sempre precária. Torna-se necessário remédio, objetos de escritório, de pontos
compreender o entorno da imagem e o comerciais, cosméticos, roupas e bancos.
conjunto de informações que circulavam ao A diagramação é submetida à necessidade
lado dela (SEMPRINI, 1996). de rendimento do espaço nas chapas de
Considerado nestes termos, é fundamental reprodução.
analisar que força discursiva e em quais fileiras Em sua capa está estampado o clichê da
ideológicas o periódico, jornal ou revista, em artista Jean Arthur, em cores (Ilustração 2).
que apareceu o anúncio, se filiava. O anúncio A estrela do filme A mulher faz o homem
aqui trabalhado foi encontrado na revista O está sorridente, com cabelos de um louro
intenso, bem arrumados, com cachos na sem ser exclusiva de um único gênero, e
altura dos ombros; mostra-se numa posição voltada para os interesses dos grupos sociais
jovial e descontraída. A plástica facial é urbanos intelectualizados e que partilhavam
equilibrada, marcada pela assimetria dos das sociabilidades promovidas pelos Clubes
olhos e sobrancelhas numa proporção clássica e espaços de exibição das elites locais.
da boca, nariz e maçãs do rosto. No pé da O anúncio em análise encontra-se na
capa as manchetes principais do exemplar: página 16, ao lado direito, canto inferior
(Ilustração 1). Possui uma moldura que o
O QUE SIGNIFICARIA PARA OS ESTADOS destaca em relação aos demais textos e usa
UNIDOS A VITÓRIA DE HITLER... Submarino
contra submarino – Uma descrição de Frank
de variações do preto e cinza para dar relevo
Bowen. E, ENTÃO, O ESPELHO QUEBROU- a este. O movimento do olhar provocado
SE... – NOVELA DE RAMÓN DEL VALLE- pelo relevo é original, pois é constituído de
INCLAN. COMPLETA REPORTAGEM DOS
tarjas pretas retangulares, de igual tamanho,
FESTEJOS DA “SEMANA DA PÁTRIA”
no alto e embaixo do anúncio, mas que são
contrabalanceadas por duas caixas de texto
Tal como escrito acima, a diferença dos
de fundo branco e letras pretas, contendo suas
tipos e o uso do negrito é que destacava o que
próprias molduras. Em destaque, a propósito,
havia de mais importante para o leitor apreciar
as figuras da mulher e do baton e rouge estão
na revista. No próximo gesto de leitura, o
recortadas e possuem um contorno natural
leitor, ultrapassando a capa, via na contracapa
dos limites de suas figuras o que, vibrando nas
fotos de caráter social, provavelmente pagas
diferentes graduações de cinza, as coloca em
para saírem naquela posição, pois, abaixo
evidência sobre os demais planos.
do sumário, na página ao lado, os editores
Na página ao lado, nº 17, um artigo de
destacavam que “a publicação de fotografias
Aldous Huxley traz como título “procura-se um
de interesse pessoal constitui matéria paga”.
novo prazer” e, ilustrando-o, são colocadas as
Na primeira folha propriamente dita,
figuras de dois homens e duas mulheres, todos
encontra-se a comunicação da revista com
de perfil, evidenciando o olhar para algo além
seu leitor, descrevendo a autoria da capa e
do desenho. Eles, as figuras masculinas, têm
respostas às cartas enviadas à redação.
olhos compenetrados, e as femininas olhos
O sumário é encabeçado por
de fascinação e ternura. Este título usa uma
informações que atestam a expressão da
tipografia da norma estética futurista: linhas
revista no mercado nacional. Abaixo do
paralelas perfeitamente simétricas, o que se
seu título está a frase “Revista Moderna,
relaciona diretamente ao tema do artigo, no
de grande tiragem e circulação no Sul do
qual Huxley defende que a velocidade “é o
Brasil”. O sumário é organizado por temas
único prazer moderno”.
e não pela sequência das páginas, reunindo
Partilhando da página 16, encontra-se
assim: cinema; artigos, crônicas, humorismo;
um longo texto ilustrado por uma pequena
contos e novelas; reportagens; literatura e
fotografia de Antônio Barata, autor do livro
“mais uma série de fotografias dos últimos
O Livro dos Piratas, resenhado por Manoel
acontecimentos ocorridos na Capital, no
Domingues. A resenha de Domingues
Estado e no País”.
destaca que o livro é dirigido às crianças
Dessa forma, podemos considerar que
maiores de nove anos e ao público juvenil,
a revista era destinada à família em geral,
tendo como maior qualidade a de “desfazer,
o anúncio é lido a partir das duas termo “embelleza” (sic) todo em caixa alta.
molduras, a superior e inferior que se Na moldura inferior, as figuras do batom
destacam do restante pela cor preta de seu e do rouge, com um pequeno retângulo
fundo e o tamanho das letras em branco. informando o preço para o mercado de
Reticências antecedem e finalizam a primeira Porto Alegre, são acompanhadas das palavras
frase: “embelleza os labios”, (sic) estando o “Baton e Rouge colgate”, também escritas
forma que tudo passasse como fosse natural, mostra, porque domados perfeitamente
casto e próprio a uma moça, o que está ainda para serem molduras da beleza sem disfarce.
reforçado pela interconicidade (PIROTTE, Algumas diferenças estão postas na maneira
2002) possível de ser estabelecida com a atriz mais descontraída da artista, cujo sorriso
estampada na capa. é mais largo, reforçado pelo queixo mais
Jean Arthur não se mostra como uma proeminente e pela luminosidade que, sendo
pin-up, somente alegre e descontraída, com colocada do fundo, à esquerda, ilumina os
uma blusa de listras azuis finas sobre um olhos com mais intensidade, assim como aos
fundo branco e de mangas curtas. As duas dentes. O olhar da atriz também é menos
figuras estão de lado, trazendo a simetria submisso, pois olha na altura do fotógrafo,
como regra da composição facial. Os cabelos estando seu pescoço menos contorcido para
são ondulados, deixando o rosto bem à trás, apenas de lado.
ideologia de maior controle social e político: empreendedora de uma vida coletiva superior
natural – moça – brasileira. (BANCEL, 2010, p. 568). O fascismo e depois
A natureza, sinônimo de uma condição o Nazismo defenderam energicamente
incontestável, porque posta pelo mundo, princípios ideológicos que colocaram a
advinda de um saber e autoridade absolutos, juventude ao centro da construção da Nação
seria a entidade capaz de dar a cada coisa e a almejada, explorando a imagem de um
cada um aquilo que realmente merece ou é. corpo jovem, sadio e atlético como modelo
De profundo cunho agostiniano, a afirmação de uma superioridade racial incontestavel
sanciona a autoridade do que está posto e (MALVANO, 1996, p. 285).
desconfia de toda diferença ou excentricidade. O termo gentílico tem, por sua vez, a força
De igual forma, o governo Ditatorial do das ideias nacionalistas, sintonizando com
Estado Novo, há quase três anos em exercício a juventude edílica dos regimes totalitários
na ocasião da publicação, colocou-se como do século XX. A Nação, mais do que nunca,
uma saída natural e incontornável diante construir-se-ia pela força de seus moços,
de uma ameaça “antinatural” da sociedade estes jovens ordeiros e trabalhadores que,
brasileira – o comunismo -, tanto como orgulhando-se de sua Pátria, faziam a sua
promoveu uma série de leis, instituições e Nação resplandecer sobre todas as demais.
ações que creditavam à saúde e à educação Segundo Bonemy (1999, p.139), o Estado
a “cura” da nação, devendo ser esta feita a Novo aspirava a implantação de um grande
partir da formação dos jovens (SILVA, 1991). programa de reformas, por meio do qual se
O comunismo assim como todos os outros formaria “um homem novo para um Estado
perigos da sociedade moderna e desajustada Novo: criar um sentimento de brasilidade,
eram tão impuros e perigosos quanto um fortalecer a identidade do trabalhador,
rosto feminino disfarçado e mascarado difundir um espírito de civismo e amor a
pela maquiagem. Baton e rouge, nesta pátria”. Por isso, mais do que moças que
ordem discursiva, só eram lícitos quando apreciavam o natural de suas belezas, elas
deixassem o rosto, mesmo maquiado, ainda eram brasileiras que sabiam dos seus deveres
“surpreendemente natural”. com a Pátria, com seus destinos de mães
A moça ou a mocidade são termos e esposas e seus deveres de seduzir bons
caros aos regimes ditatoriais do século XX. maridos e não amantes, pois as paixões são
Diferente da juventude, sempre irreverente, enganosas assim como a maquiagem que
disposta a mudar o mundo e a natureza, mascara.
a mocidade é formada pelos jovens que, No conjunto da leitura, as moças retêm
antevendo a vida adulta desde já, colocam- sua atenção sobre o anúncio, antes ou
se como previdentes, respeitam as tradições após se ilustrarem com a nova publicação
e autoridades e, sem contestar os adultos e da Livraria do Globo: O Livro dos Piratas, e,
seus valores, esperam sua vez de tomar em ainda, antes ou depois de concordarem com
mãos os rumos da sociedade. O escotismo o conhecido autor Aldous Huxley, de que
criado na Inglaterra por Baden Powell, todos os prazeres mundanos são antigos
no começo do século XX, tem em sua e deprimentes para a natureza humana e
estrutura organizacional, como em seus que o único verdadeiramente moderno é o
princípios filopedagogicos, a promoção prazer da velocidade, porém muito perigoso
de uma juventude sã porque ordeira e e mesmo fatal.
3
Texto revisado e adequado à nova norma ortográfica por Léa Indrusiak.
LEVY, Maurice; LOISEAU, Marc. Née en 1842: Une TORRESINI, Elizabeth Rochadel. Editora Globo:
histoire de la publicité. Paris: Mundocom, 2006. uma aventura editorial nos anos 30 e 40. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo:
MALVANO, Laura. Le mythe de la jeunesse à Com-Arte; Porto Alegre: Editora da Universidade/
travers l’image. Le fascisme italien. In: LEVI, UFRGS, 1999.
Giovanni, SCHMITT, Jean-Claude. Histoire des
jeunes en occident. Paris: Seuil, 1996. Tomo II, TRAVERSO, Enzo. Fascisme. In: MESURE, Sylvie;
p.277-308. SAVIDAN, Patrick (org.). Le dictionnaire des
sciences humaines. Paris: Presses Universitaire de
MARTIN, Marc. Trois siècles de publicité en France. France, 2006. p.441-443.
Paris: Jacob, 1992.
Resumo
O seguinte artigo examina as representações humorísticas sobre a guerra do Paraguai produzidas
pelo caricaturista italiano Ângelo Agostini (1843-1910) e publicadas nas revistas Diabo Coxo
(1864-1865) e Cabrião (1866-1867). A análise contempla as disputas simbólicas e ideológicas
que se efetivaram por meio das estampas de Agostini. Com isso, pretende-se assinalar os recursos
visuais e discursivos acionados pelo caricaturista para representar a negação das imagens
oficiais acerca da guerra e a batalha de símbolos e alegorias que se desenvolveu entre a criação
humorística e a memória oficial promovida pelo Estado Imperial.
Abstract
The article examines the humoristics representations on the war of Paraguay produced by the
Italian caricaturist Ângelo Agostini (1843-1910) and published in the magazines Diabo Coxo
(1864-1865) and Cabrião (1866-1867). The analysis contemplates the symbolic and ideological
disputes that if they had accomplished through the prints of Agostini. With this I intend to
designate the visual resources and discursivos defendants for the caricaturist to represent the
negation of the official images concerning the war and the battle of symbols and alegorias that
if developed between the humoristic creation and the official memory promoted by the Imperial
State.
como uma espécie de instrumento político Entendo que, embora coubesse ao Estado
que teria a função de Imperial o papel principal na definição dos
temas, eventos e personagens a serem
[...] legitimar o poder monárquico, fomentar celebrados e no fornecimento de padrões
laços de união e de comunhão em torno da
nação, conquistar a adesão da população e
valorativos para a apreensão desses eventos,
cultivar as virtudes cívicas nos limites da ordem não se pode desconsiderar, na análise desse
celebrada. (BASILE, 2006, p.494). processo, como o humor interveio no trabalho
de constituição de uma memória da guerra.
Apesar do empenho para a propagação A apropriação humorística dos símbolos
de um sentimento de harmonia e união, estas e das imagens de personagens centrais na
não alcançaram o consenso. Entre os anos de guerra serviu para integrá-los ao cotidiano dos
1866 e 1867, após a derrota em Curupaiti leitores dos periódicos ilustrados e popularizar
que resultou na perda de quase 4.000 mil imagens, nem sempre positivas, que por vezes
soldados aliados, proliferaram-se nos jornais transcendiam as representações criadas pelo
manifestações de repúdio à guerra. Com o próprio Império. Tratava-se, portanto, de uma
exame cuidadoso dos debates desenvolvidos disputa pelo poder simbólico que, por sua vez,
no interior da imprensa ilustrada do período, serve de suporte e fundamento para legitimar
identifica-se o crescimento das objeções o poder político.
a continuidade da guerra, bem como de Com essa análise, aspiro vislumbrar de
formas plurais e sutis de expressar a recusa que forma tais críticas, ao lado dos problemas
em interagir com os ritos políticos fundados inerentes à guerra – como os altos custos
a partir desta. financeiros, humanos, sua longa duração e
É sobre esse aspecto, do dissenso e as suas consequências externas e internas –1,
não do consenso, que resolvi me dedicar. colaboraram para dar visibilidade aos conflitos
Mais especificamente, realizo a apreciação sociopolíticos internos que se desenvolviam
das disputas simbólicas e ideológicas que e para colocar em dúvida a legitimidade do
se efetivaram por meio dos desenhos Estado Imperial.
humorísticos do caricaturista Ângelo Agostini, Essa investigação mostra-se proveitosa
que circularam nas revistas Diabo Coxo por favorecer a compreensão e visualização
(1864-1865), Cabrião (1866-1867) e Vida das ideias e valores que nortearam alguns
Fluminense (1868). Com isso, pretendo grupos, à época, considerados marginais, e
assinalar os recursos visuais e discursivos dos procedimentos estéticos, discursivos e
acionados pelo caricaturista para representar políticos eleitos para conferir legitimidade aos
a negação das imagens oficiais acerca da seus projetos e à sua produção humorística.
guerra e a “batalha de símbolos e alegorias” Acredito que por meio do exame das
(CARVALHO, 1990) que se desenvolveu imagens humorísticas produzidas para
entre a criação humorística e a memória legitimar, criticar ou reivindicar um projeto de
oficial. sociedade e de Estado, em conjunto com a
Estima-se que 614 mil contos de réis foram investidos na guerra. Algo exorbitante quando se compara com o orçamento anual do
1
governo imperial em 1864, que girava em torno de 57 mil contos de réis. Quanto aos custos humanos é importante atentar para
o fato de que a guerra ocorreu num momento de expansão da atividade agro-exportadora. Isso significou uma perda expressiva
de trabalhadores jovens – a idade para o alistamento obrigatório era entre 15 e 39 anos – que eram convocados para assumir os
batalhões de combate.
Foram dois os decretos criados pelo governo imperial com esse fim: o primeiro foi o decreto n. 3371, de janeiro de 1865, que
2
criou o corpo de Voluntários da Pátria; no segundo, decreto n. 3383 de 21 de janeiro de 1865, enviou cerca de 14.000 guardas
nacionais para o front. Em 1866, o governo imperial determinou a compra e alforria de escravos para servir na guerra.
Figura 1. Diabo Coxo, 15/10/1865. Scenas Liberaes. Entrada de recrutas na capital. Que escândalo!...
a posição dos personagens da revista, que como um símbolo da família que parece
assistem a tudo da janela, oferece um sentido não poder contar mais com a proteção do
de cotidianidade à cena. Vários papéis são marido e tampouco do Estado; finalmente, o
invertidos nessa cena: os que aparecem com caricaturista investiu na inversão do sentido
pés descalços e em condição de subjugação do recrutamento, concebido inicialmente
não são escravos, mas homens brancos e como expressão do patriotismo que incitava
livres; ao Estado, a quem caberia o dever de os brios do cidadão brasileiro, é apresentado
proteger os direitos individuais do cidadão, na imagem como uma ação de captura que
cabe o papel de tirano que escraviza não só fere sua integridade e sua honra.
homens brancos, mas também a mulher que Na segunda imagem, que consta na edição
carrega uma criança no colo, aumentando de 03 de setembro de 1865, Agostini faz um
assim o escândalo. trocadilho na legenda que anuncia “Caça de
A sua figura, apartada da fileira, descalça patriotas para voluntários involuntários.”
e sem algemas, nos remete a pensá-la
Figura 3. Diabo Coxo, 31/12/1865 – Barbaros paraguayos! Aqui vos trago uma cohorte de voluntários, para libertar-vos
de 1866, após o desastre da batalha de considerada mais crítica por não dispor
curupaiti. Não se tratava apenas de discutir, de uma estratégia e uma liderança que
por meio do humor, as estratégias adotadas alcançasse o consenso entre brasileiros e
pelo novo comando, mas de ilustrar o argentinos. os problemas se acirraram em
despreparo do comandante-em-chefe e da 1867, quando os argentinos se voltaram para
própria nação brasileira para o enfrentamento os seus conflitos internos, nas províncias de
na guerra e, ao mesmo tempo, direcionar Corrientes e La Rioja, e as tropas enfrentaram
tais críticas ao gabinete conservador ao qual intensas dificuldades pela região pantanosa
Caxias estava vinculado. em que se encontravam.
Deste modo, abordar a guerra, naquele Foi para superar esse quadro de crise
momento, tratou-se de uma forma de que foi designado o Marquês de Caxias, um
fazer menção ao modo como Caxias, do conservador, em meio a um gabinete liberal.
partido conservador, soube utilizar a guerra Nos desenhos, apresenta-se um líder patético
para defender os interesses do seu partido, e afeito a detalhes, cuja inércia se tornou
entrelaçando o jogo político nacional com responsável pela longa duração da guerra.
a guerra. É o que consta na representação abaixo,
Conforme Schulz (1994), em 1866 publicada no número 25, de 24 de março de
a guerra entrara em sua segunda fase, 1867, no Cabrião:
Victoria: Se a cousa vae assim meu Marte, estou vendo que quando deixarmos
a campanha estaremos de cabellos brancos!
Marte: Que queres minha filha?! o general não decidio-se ainda. Esta
instruindo-se nos livros...agora mesmo esta elle agarrado ao D. Quixote;
ainda lhe falta ler a historia de cento e tantos heroes!
Victoria: os soldados brasileiros são valentes e eu tenho grande desejo de
acompanha-los aos combates...mas se a amolação continua...raspo-me!
Figura 6. Cabrião, n. 48 de 08/09/1867 – Festejos do dia 07 de setembro. O Brasil terá consciencia do papel que
representa?
essa rede de manifestação parainstitucional CAGNIN, Antonio Luiz. “Foi o Diabo!”. In: Diabo
reforçou formas de ações políticas Coxo. Ed. Fac-similar. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2005.
coordenadas com sentido semelhante,
integrando-se, dessa forma, à dinâmica CARVALHO, Jose Murilo de. A Formação das
Almas: o imaginário da República no Brasil. São
política do período.
Paulo: Cia das Letras, 1990.
______. Brasileiros: uni-vos. Folha de São Paulo,
Referências 09/11/1997, Caderno Mais, p. 05.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. “O Lugar IZECKSOHN, Vitor. “Resistência ao recrutamento
dos Índios na História entre múltiplos usos do forçado para o exercito durante as guerras civil e
passado: reflexões sobre cultura histórica e cultura do Paraguai. Brasil e Estados Unidos na década
política”. 2008 (mimeo). de 1860”. In: Estudos Históricos, n. 27, Rio de
Janeiro, 2001.
ALONSO, Ângela. Idéias em Movimento: a geração
de 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz LEMOS, Renato. Benjamin Constant: vida e
e Terra, 2002. história. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
BARBOSA, Rui. Rui Barbosa e o Exercito: SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos de Memórias
conferências as classes armadas. Rio de Janeiro: em Terras de História: problemáticas atuais. In:
Casa de Rui Barbosa, 1949. BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia. (org.).
Memória e (res) sentimento: indagações sobre uma
BARTH, Fredrik. “Introducción” Em Barth (org.). questão sensível. Campinas: Editora da Unicamp,
Los grupos étnicos y sus fronteras – La organización 2001, p. 44.
de las diferencias culturales. México: Fundo de
Cultura Econômica, 1976. SCHULZ, John. O Exercito na Política – origens
da intervenção militar – 1850-1894. São Paulo:
BASILE, Marcelo Otavio Néri C. Festas Cívicas na Edusp, 1994.
Corte Regencial. Varia História, Belo Horizonte, v.
22, n. 36, jul/dez 2006, p. 494-516. TORAL, Andre. Imagens em Desordem – a
iconografia da Guerra do Paraguai (1864-1870).
São Paulo: Humanitas/FFCLH/USP, 2001.
Terezinha Oliveira
Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1997). Realizou, em
2005, estágio de Pós-Doutorado em História e Filosofia da Educação, na Faculdade de Educação da USP.
Publicou 46 artigos em periódicos especializados. Possui 14 Livros publicados e 39 capítulos. Atualmente é
professora associada nível C da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em Fundamentos da Educação, especialmente em Filosofia e História da Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: transformação social, história da educação na Idade Média, escolástica,
filosofia da educação na Idade Média, Intelectuais e Instituiçoes Educacionais na Idade Média e formação
de professores.
bibliotecas etc. O discurso da autora nos nativos. Outras cenas que destacadas como
remete a Michelet, quando, no século XIX, recorrentes nas imagens do Brasil são as
afirmou, ao adentrar em um arquivo, que que retratam episódios nos quais as três
os documentos falam e têm vida. A imagem raças são reproduzidas, o branco, o índio e
também tem vida e linguagem própria e cabe o negro. Contudo, Marliz de Christo salienta
a nós, historiadores, saber apreendê-la. que a figura mais exposta no período é a do
O quarto capítulo, de Marliz de Castro indígena. Ela nos chama a atenção para o
Vieira Christo, ‘Representações oitocentistas fato de que este personagem é retratado com
dos índios no Brasil’, elabora sua análise por melancolia, apatia e, por vezes, uma imagem
meio de imagens de artistas que retrataram morta. Para Castro, as imagens do período
o período colonial brasileiro, especialmente colonial, particularmente as do século XIX,
as figura dos nativos, da natureza e dos explicitam a ideia que se pretendia construir
colonizadores. Sobre estas reproduções, dos índios, dos colonizadores, em suma, do
destaca a recorrência com que as imagens Brasil. Elas tinham como finalidade forjar uma
dos indígenas, da natureza (flora, fauna), identidade. Essa deve ser uma das razões
foram reproduzidas na Europa, inclusive em pelas quais a autora afirma que “A pintura
objetos de uso cotidiano, como em louças. histórica foi até o final do século XIX o gênero
Segundo a autora, logo após a descoberta, artístico mais valorizado” (p. 83).
houve um uso, em profusão, de imagens Um último aspecto do texto sobre as
que retratassem o novo continente. Um imagens do Brasil, no século XIX, deve ser
dos seus focos de reflexão são os desenhos destacado: as considerações da autora sobre
feitos por viajantes, no século XIX, quando a forma como os bandeirantes são retratados
de suas passagens pelo país. Marliz de na pintura de Bernadelli. Segundo Christo,
Christo apresenta algumas hipóteses que são este artista apresenta um bandeirante
bastante interessantes para a (re) construção ‘animalizado’, diferente daquele apresentado
da história do Brasil no período. Uma delas pela historiografia do período. Ao trazer à
vincula-se à possibilidade destas imagens tona e valorizar esta imagem, ela explicita sua
reproduzirem imagens idealizadas que posição de historiadora comprometida com
estão, de certo modo, comprometidas com as mudanças no fazer da história: voltar-se
a maneira como os europeus viam o novo para o povo e para as minorias, por meio da
continente. Neste sentido, estas imagens utilização da imagem.
estariam eivadas de estereótipos que, em O quinto texto da Coletânea, de Ana
última instância, não retratavam os nativos, Heloisa Molina, ‘Da marcenaria de uma
mas o que se concebeu, a priori, ser o nativo. pintura: elementos de análise de um quadro
Ao longo do texto, são analisadas diferentes em uma aula de História’, propõe-se a analisar
imagens e as respectivas funções que elas as estruturas internas de uma imagem em
ocuparam nos discursos do período colonial. aula. A autora se dispõe a fazer este estudo
Marliz de Christo observa que uma das minucioso de uma pintura tendo como
imagens mais usadas para retratar o período referenciais ilustrações em livros didáticos
colonial brasileiro foi a da primeira missa. entre os anos de 2000 a 2007. Ainda que
Segundo ela, as inúmeras representações Ana Molina observe que não é “[...] sua
deste episódio serviram para explicitar o intenção nesse texto eleger o livro didático
processo de conquista e catequização dos como instrumental de análise [...]” (p. 112),
ela o toma como referência por reconhecer um universo, o da sala de aula, no qual há o
que o (a) professor (a), na maioria das vezes, predomínio constante da linguagem escrita e
só tem as imagens do livro didático para usar oral, o uso da linguagem imagética é muito
como pintura na sala de aula. importante, mas o (a) professor (a) precisa
Para Ana Molina, ao tornar uma imagem estar atento (a) para que, no ensino, a imagem
objeto de ensino de história, é preciso não seja
considerar todas as particularidades que
envolvem tal ação. No âmbito da imagem [...] somente para motivar e envolver, mas,
ressignificar e organizar conceitos, retomando
é preciso considerar inúmeros aspectos. Em e recolocando esse documento como um
primeiro lugar, não há uma uniformidade, nas lugar privilegiado para perceber intercâmbios
pinturas reproduzidas nos livros didáticos, das experiências e sensibilidades humanas,
construídas historicamente (p. 121).
quanto à representação de um mesmo
episódio histórico. Logo, é preciso considerar
a pintura à luz da imaginação do artista, O sexto texto, ‘Ensaios sobre distâncias
do seu conhecimento do retratado, da – imagem e sujeito’, de Maria Bernardete
concepção que ele tem do acontecimento, Ramos Flores e Ana Lúcia Vilela, traz à luz uma
das dimensões que esta imagem está bela análise sobre a imagem apresentada no
reproduzida, do espaço, da luz, das posições retrato. As autoras constroem suas reflexões
da imagem, do estilo do artista, dentre outros a partir do distanciamento existente entre a
aspectos. imagem que é registrada em uma foto, em
Um segundo aspecto, acerca do uso da uma pintura, em uma cena fílmica e o sujeito,
pintura como recurso na sala de aula, diz em tese real, que é representado. O texto, a
respeito à própria atenção que se deve ter em partir de cenas de filmes, de romances, de
relação à reprodução da imagem no livro. Sob fotos, de pinturas, trabalha as diferenças e
este momento da aprendizagem, a autora separações no âmbito da materialidade da
salienta alguns cuidados que se deve ter imagem que é representada e o sujeito real.
para a leitura das reproduções. Nas imagens Dentre as inúmeras situações analisadas
utilizadas por Ana Molina, destaca-se o fato pelas autoras, destacamos um exemplo que
de que poucas são as informações sobre julgamos importante para compreender a
a pintura, não há descrições, por exemplo, dimensão e atualidade do estudo destas,
de seu contexto e do estilo do autor. Além pois é uma situação na qual vivenciamos,
da ausência de informações sobre a origem com radicalidade, a ausência do sujeito na
da obra e do artista, outro problema ronda imagem de si mesmo, ou seja, a imagem não
as imagens que são os seus subtítulos. Para está separada, o sujeito da imagem não existe.
a autora, essas duas situações exigem uma Trata-se dos reality shows. “Cada participante
percepção muito atenta do (a) professor (a), representa a si mesmo nas situações criadas
pois, a ausência de informação, de um lado, pelo jogo. Do que estão desprovidos é
e o destaque (pelo autor do livro didático) justamente da imagem de si que o Outro
para uma dada informação, por outro lado, deveria oferecer, e somente oferece em
podem levar a interpretações equivocadas momentos esporádicos e limites como o
da história. momento do paredão” (p. 135). Ramos
Em virtude destas situações, Molina Flores e Vilela explicitam tal sensibilidade nas
chama a atenção para o fato de que em suas reflexões sobre a imagem, que apontam
para uma perspectiva da história que muito No oitavo texto, ‘Cinema na pesquisa
nos aproxima da subjetividade da psicanálise. e no ensino da história: dos dilemas às
Assim, mais uma vez, nesta Coletânea, o possibilidades’, Ana Paula Spini reflete sobre
fazer da história é aliado a outros campos do as influências das novas mídias no ensino,
conhecimento, o que seria impensável antes seja na escola, seja na universidade. A autora
da história cultural. destaca o fato de que não se pode mais
O sétimo capítulo, ‘Imagens desconsiderar a linguagem fílmica, a internet
contemporâneas: experiências fotográficas e os diferentes recursos de áudio existentes.
e memória no século XX’, de Ana Maria O problema, do seu ponto de vista, é que
Mauad, apresenta uma análise sobre as muitos destes instrumentos continuam
complexas e dialógicas relações existentes sendo considerados como acessórios e não
entre as imagens e as demais linguagens da como passíveis de interagir diretamente
história. Esse diálogo complexo preencheu as na produção de novos saberes, de novos
arestas que existiam entre os discursos visuais, modos de ensino. O objeto de análise da
escritos, orais, fílmicos, tornando ambiência autora é o filme, portanto, o apresenta como
da história todos os múltiplos discursos. Essa uma das possibilidades de produção do
amplidão do diálogo possibilita ao historiador conhecimento e, por conseguinte, também
compreender, elaborar, construir e interpretar do fazer da história. Spini está atenta às
as redes sociais que compõem o todo da dificuldades inerentes ao ensino nacional
sociedade. Diante deste cenário, a imagem e explicita que a escola está enfrentando
adquire característica de sujeito no fazer grandes dificuldades diante das mudanças
história. É em virtude deste novo status da que estão ocorrendo no cotidiano social. Em
imagem que a autora afirma que face disso, a autora apresenta o filme como
um dos caminhos viáveis para o ensino e para
Não se busca mais apenas a história por detrás a pesquisa. De acordo com Spini, em virtude
das imagens, mas a história das imagens e dos
sujeitos que, atentos às transformações do
da beleza, da sensibilidade, da sonoridade,
mundo, produziram estas mesmas imagens do enredo, das cenas, o filme deixa de ser um
(p. 145). recurso ilustrativo e transforma-se em uma
possibilidade de ressignificação da história
No cenário do texto, a fotografia “[...] de ferramenta, o cinema passa a ser
transforma-se, como imagem que é, em tratado como linguagem [...]” (p. 167). Sob
objeto da história e o ator principal na esta perspectiva, a autora apresenta e analisa
produção desta imagem, o fotógrafo, passa algumas situações nas quais a linguagem
a ser um sujeito da e na história. Tendo fílmica é um caminho para o saber histórico,
como parâmetro esta percepção da história particularmente quanto à construção da
e da fotografia, Mauad constrói seu texto memória. Um dos exemplos considerados
explicitando diferentes perspectivas da por ela são os filmes produzidos a partir
fotografia no século XX, brinda-nos com uma dos anos 1980 e 1990 sobre a guerra do
bela narrativa acerca de grandes nomes da Vietnã, nos quais as narrativas de veteranos
fotografia do período e, nesta tela, evidencia possibilitam outros cenários da guerra. Desse
como estes fotógrafos-sujeitos tornaram-se modo, Spini constrói uma leitura da história
importantes personagens para a história. que perpassa diretamente pela linguagem/
imagem fílmica.
O nono texto, ‘Moscou, ensaios e cenas de [...] advento da história cultural, ou seja, o
Tchekhov: os impasses de um documentário’, reconhecimento de uma outra dimensão ou
característica inerente à realidade histórica: a
de Eduardo Escorel, é uma análise crítica do dimensão cultural” (FALCON, 2006, p. 332).
filme/documentário Moscou, baseado na
peça “As Três Irmãs”, de Eduardo Coutinho. Por fim, que os leitores saibam apreciar
Assim, ao apresentarmos os textos e apropriar-se destas múltiplas linguagens e
que compõem a obra História e Imagens, olhares que teceram os escritos desta obra,
procuramos explicitar que esta Coletânea que amalgamaram a história e a imagem.
aponta um caminhar para a história e
para imagem: o profundo estreitamento
existente entre ambas. Este caminhar não Referências
seria possível se não existisse uma sintonia
entre as diferentes leituras que aqui foram FALCON, F. J. C. História Cultural e história da
apresentadas pelos autores. Como um Educação. Revista Brasileira de Educação, v. 11, n.
32, p. 328-339.
grande e belo mosaico bizantino, cada um
dos autores apresentou suas reflexões sobre SCHMITT, Jean-Claude. Imagens. In: LE GOFF,
Jacques e SCHMITT, Jean-Claude (Coord.).
a história e a imagem, conscientes ou não, Dicionário temático do Ocidente Medieval. Bauru/
mostrando que “As imagens são inseparáveis SP: EDUSC; São Paulo/SP: Imprensa Oficial do
de seus usos” (SCHMITT, 2002, p. 598), bem Estado, 2002, v. I., p. 591-605.
como, apropriaram do
Obs: para documentos on-line, são essenciais as informações sobre o endereço eletrônico -
apresentado entre sinais < >, precedido da expressão “disponível em” - e a data de acesso
ao documento, antecedida da expressão “acesso em”.
Os textos deverão ser enviados para o seguinte endereço: