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Encontro Nacional de Políticas Públicas (2 : 2016 : Araraquara, SP)

II Encontro Nacional de Políticas Públicas : A Multidisciplinaridade das Políticas


Públicas : da constituição do campo às formas de análise / II Encontro Nacional de Políticas
Públicas; Araraquara, 2016 (Brasil). – Documento eletrônico. - Araraquara : FCL-UNESP,
2016. – Modo de acesso: <www.enpp.com.br/anais>.

ISBN online: 978-85-8359-040-8

1. Políticas públicas. 2. Ciência política. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da FCLAr – UNESP.


APRESENTAÇÃO
Comitê Organizador

Coordenação Geral II ENPP


Felipe Gonçalves Brasil

Coordenação Científica do II ENPP


Profa. Dra. Ana Cláudia Niedhardt Capella
Profa. Dra. Priscila Riscado
Prof.Dr. Ricardo Agum Ribeiro
Júlio César Vieira (graduando)

Comitê organizador local:


Profa. Dra. Ana Cláudia Niedhardt Capella
Profa. Dra. Patricia Borba Marchetto
Alessandra Guimarães Soares (doutoranda)
Andréia Di Camilla Ghirghi Pires Sudano (doutoranda)
Felipe Gonçalves Brasil (doutorando)
Flávia Sanches de Carvalho (mestranda)
Guilherme Efraim Vergili (doutorando)
João Vitor Andrade (graduando)
Renan do Prado Alves (doutorando)
Rossane Nascimento (mestranda)
Samira Chedid (mestranda)

Realização:
Departamento de Administração Pública da UNESP Araraquara
Curso de Administração Pública da UNESP Araraquara
PET – Administração Pública da UNESP Araraquara
CAAP – Centro Acadêmico de Administração Pública da UNESP Araraquara
GETAPP- Grupo de Pesquisa em Teorias da Administração e Políticas Públicas (CNPQ)
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGPol/UFSCar)

Comitê organizador I ENPP


Profa. Dra. Priscila Riscado
Prof.Dr. Andres del Rio
Prof.Dr. Marcos Marquês
Júlio César Vieira (graduando)

Comitê organizador Pré II ENPP


Profa. Dra. Priscila Riscado
Prof.Dr. Andres del Rio
Profa.Dra. Soraia Marcelino Vieira
Lucas Soares (graduando)
APRESENTAÇÃO
O II ENPP – Encontro Nacional de Políticas Públicas
A organização da II ENPP teve como função contribuir não apenas para
o fortalecimento e promoção da instituição que abrigará o evento, mas também
suprir uma lacuna de espaços de debate sobre pesquisas, ensino e formação
dos alunos e profissionais do campo das políticas públicas. É inevitável
considerar o crescimento nas últimas décadas da utilização e promoção do termo
Políticas Públicas no debate social e político, com destaque para o surgimento e
expansão de novos cursos de graduação e pós-graduação que se
estabeleceram com a nomenclatura “Políticas Públicas”; “Gestão de Políticas
Públicas”; “Gestão Social”, “Política Social”, entre outros. Esse aumento se
reflete na demanda por espaços de debate e de trocas que coloquem questões
importantes aos participantes como a Multidisciplinaridade do campo, as
possibilidades de atuação e pesquisa, as múltiplas lentes analíticas e os
processos de compreensão das políticas públicas. O fortalecimento dessa
temática em outros fóruns mais consolidados de pesquisa, tais como a ABCP,
ANPOCS, ANPAD, no entanto, não são suficientes para abarcar toda a demanda
e, principalmente, a de quem está iniciando a carreira acadêmica. Toma-se como
ponto de partida, também, a contínua e profunda exigência de arenas de
discussão, atualização e reflexão – pertinentes e essenciais na área da produção
acadêmica no campo de públicas, em especial, na área de Políticas Públicas.

O ano de 2014 marcou o surgimento do Encontro Nacional de Políticas


Públicas, organizado e realizado no IEAR – Instituto de Ensino de Angra dos
Reis da Universidade Federal Fluminense/RJ. Considerando este cenário de
sucesso, e atendendo aos pedidos de continuidade, a Comissão Organizadora
teve como objetivo, por meio da II Encontro Nacional de Políticas Públicas,
contribuir com o aumento dos espaços de debate e estreitamento das relações
entre alunos dos diversos programas de graduação e de pós-graduações, dos
mais diversos campos do conhecimento que se dedicam ao estudos e análise
das políticas públicas, oferecendo espaço para apresentação e discussão de
suas pesquisas, mesas de debate com profissionais renomados e trocas de
conhecimento.

O II ENPP teve como tema principal a importância da multidisciplinaridade


e das múltiplas dimensões teóricas e empíricas que constituem a área de
Políticas Públicas. Assim, o evento visa promover as conexões entre os
pesquisadores de diversas áreas correlatas, como Ciência Política,
Administração Pública, Sociologia, Economia, Direito, bem como os novos
profissionais, alunos e acadêmicos do próprio campo das Políticas Públicas,
trazendo como título-tema do evento “A Multidisciplinaridade das Políticas
Públicas: da constituição do campo às formas de análise ”.

O II Encontro Nacional de Políticas Públicas foi composto para além de


conferências, de seis Grupos de Trabalhos que receberam propostas de autores de
diversas regiões do país. Ao todo foram aproximadamente 350 inscrições de
resumos entre os seis grupos apresentados pelo evento. Cada GT foi composto por
dois coordenadores discentes e dois coordenadores docentes que fizeram, em
conjunto, a análise dos trabalhos recebidos. Ao final, foram selecionados entre 12 e
21 trabalhos em cada GT, com participantes de várias universidades – USP,
UNESP, UFSCar, FESP/SP, UFPA, UFPR, UFG, UNB, apenas para citar algumas
– distribuídos em todos eles. Inicialmente os autores enviaram os resumos para
aprovação e, na sequência, enviaram os papers completos que fazem parte deste
documento publicado como anais do evento.

Felipe Gonçalves Brasil1

Coordenador Geral do II ENPP

1 . Foi professor substituto do Departamento de Administração Pública da UNESP.


Doutorando e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFSCar,
com estágio internacional na North Carolina State University (USA). Graduado em
Gestão de Políticas Públicas pela USP e membro do Laboratório de Estudos sobre
Agenda Governamental e do Comparative Agendas Project.
O ENPP – Encontro Nacional de Políticas Públicas.

O I Encontro Nacional de Políticas Públicas (I ENPP) foi realizado em


Angra dos Reis (IEAR/UFF) entre os dias 16 a 18 de setembro de 2014. O
evento, organizado pelo Instituto de Educação de Angra dos Reis (IEAR/UFF) e
desenvolvido a partir do curso de graduação (Bacharelado) Políticas Públicas
presente no mesmo Instituto apresentou os principais aspectos presentes no
debate acerca do tema do desenvolvimento e implementação das políticas
públicas no contexto brasileiro. Ademais, o evento teve como objetivo central
promover ampla reflexão acerca da elaboração de políticas públicas no Brasil,
privilegiando o enfoque em trabalhos e apresentações que tiveram como foco de
análise ações que se relacionem a construção e implementação de políticas
públicas de caráter social – tais como saúde, educação, trabalho etc – que
buscam contemplar as demandas da sociedade de forma profunda,
compreendendo seus dilemas e suas controvérsias.
Concomitantemente, pretendeu-se também destacar a urgência na
interação entre a universidade e a comunidade. A temática relacionada a
Políticas Públicas ocupa, de forma crescente, espaço e importância central no
debate recente em diversas esferas- tais como a academia, o Estado e a própria
sociedade civil. Esta emergência acerca do debate sobre o tema pode ser
observada no contexto mundial - e no contexto brasileiro. O evento proposto
toma como ponto de partida esta “urgência” analítica, além da necessidade de
criação de espaços de debates sobre o campo de públicas específicos sobre a
temática e que, concomitantemente, comtemplasse discentes de graduação. O
ENPP tem por objetivo central ampliar e aprofundar o debate acerca da referida
temática, promovendo ampla reflexão acerca da elaboração de políticas públicas
no Brasil, privilegiando o enfoque em trabalhos que tenham como tema de
análise central ações que se relacionem a construção e implementação de
políticas públicas.
Os números do I ENPP demonstra um pouco sua abrangência: o evento
teve 320 inscritos, sendo estes compostos em sua maioria por alunos de
diversas universidades do país. Entre estes, tivemos presentes no evento
estudantes das seguintes universidades: Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (Unila), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB),
Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), Universidade Federal do Norte Fluminense (UENF) Universidade
Federal Fluminense (UFF). O evento foi realizado pelo Instituto de Educação de
Angra dos Reis (IEAR/UFF) e pela pró-reitoria de extensão (PROEX) da
Universidade Federal Fluminense (UFF). O evento contou com o apoio da a
Fundação Euclides da Cunha (FEC) e da Prefeitura de Angra dos Reis (PMAR).

Priscila Ermínia Riscado2

Coordenadora Geral do I ENPP


Membro do Comitê Organizador do ENPP

2 Doutora e Mestra em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política


da Universidade Federal Fluminense (PGCP/UFF), além de Bacharel em Ciências Sociais pela
Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Professora Adjunta do Instituto de Educação de
Angra dos Reis, da Universidade Federal Fluminense (IEAR/UFF). Professora nos cursos de pós
graduação Lato Sensu "Gestão em Administração Pública" e "Gestão Pública Municipal",
organizado pela Universidade Federal Fluminense (CEAD).
GRUPO DE TRABALHO 1 ............................................................................................................................. 12
A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM BUSCA DE NOVOS APORTES ........................... 13
AS PROPOSTAS DO JUDICIÁRIO PARA SUPERAÇÃO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL A PARTIR
DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009 .......................................................................................... 47
RESUMO ..................................................................................................................................................... 48
ABSTRACT................................................................................................................................................... 48
DISCURSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186 ............. 84
IMPLICAÇÕES DA DENOMINAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO COMO ATOR NO PROCESSO DE FORMAÇÃO E
IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL .................................................... 111
INTERIORIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL: MUNICÍPIOS NA ENCRUZILHADA? ................................... 135
OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO E O INTERVENCIONISMO DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS
PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO ............................................................................................. 172
POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS, ESTADO E DIREITOS SOCIAIS ................................................... 203
POLÍTICAS PÚBLICAS LGBT: UMA REFLEXÃO ACERCA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO ......................... 218
PROPOSIÇÕES DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL – FORMAÇÃO DE AGENDA ............................... 251
SISTEMAS INTERNACIONAIS DE APRENDIZAGEM PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA EM
ALGUNS PAÍSES DESENVOLVIDOS E EMERGENTES .............................................................................. 266
TENDÊNCIAS DO CONTROLE SOBRE A DISCRICIONARIEDADE DOS BUROCRATAS DE NÍVEL DE RUA E OS
EFEITOS NÃO PREVISTOS: ESTUDO DE CASO SOBRE A POLÍTICA DE DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS
DE ALTO CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO (SES-SP) ................................. 300
UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE ....................................... 326
GRUPO DE TRABALHO 2 ........................................................................................................................... 352
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE O
PODER EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP .................... 353
A REDE SOCIAL FACEBOOK® E A PERSPECTIVA DE INTERESSE DE USUÁRIOS POR TEMAS ELEITORAIS NA
CIDADE DE MONTE ALTO – SP .............................................................................................................. 388
O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E SUA RELAÇÃO NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO A PARTIR DA
REFORMA POLÍTICA EM 2003 E 2014 ................................................................................................... 417
FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA. CÂMARA DOS DEPUTADOS. LEI Nº 13.165,
DE 29 DE SETEMBRO DE 2015. DISPONÍVEL EM:
<HTTP://WWW2.CAMARA.LEG.BR/CAMARANOTICIAS/NOTICIAS/70184.HTML>
ACESSADO EM 30/05/2016................................................................................................................ 439
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DISPONÍVEL EM:
<HTTP://WWW.TSE.JUS.BR/IMPRENSA/NOTICIAS-TSE/2015/JANEIRO/PRESIDENTE-DO-
TSE-FALA-SOBRE-FINANCIAMENTO-DE-CAMPANHA-ELEITORAL-EM-EVENTO-NA-
REPUBLICA-DOMINICANA> ACESSADO EM 31/05/2016. .......................................................... 439
O PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL DE VARGINHA – MG: A PERCEPÇÃO DOS VEREADORES FRENTE ÀS
ATIVIDADES PARLAMENTARES ............................................................................................................ 440
PADRÕES E DINÂMICAS DE ATUAÇÃO DOS POLÍTICOS EGRESSOS DAS FORÇAS REPRESSIVAS DO
ESTADO E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO DA AGENDA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL 464
POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE
UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS .................... 496
GRUPO DE TRABALHO 3 ........................................................................................................................... 522
A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO DO BULLYING..................................................................... 523
A GESTÃO DA INTERSETORIALIDADE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS
............................................................................................................................................................. 552
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ESTUDO DE CASO DA
INICIATIVA SÃO PAULO ABERTA ........................................................................................................... 576
GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3 ................................................................................................................. 607
PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS ..................................................................... 607
A RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA DIGITAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: ANÁLISE DO MUNICÍPIO DE CANOAS
E SUA INICIATIVA DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ ...................................................................................... 607
ABSTRACT................................................................................................................................................. 608
THIS RESEARCH IS BASED ON A PERSPECTIVE THAT EMPHASIZES THE CORRECTION, SUPPLEMENTATION
AND PARTICIPATION OF CITIZENS IN THE STATE, ANALYZING, THEREFORE, HOW DIGITAL DEMOCRACY
ACTS TOWARDS THE DEMOCRATIC DEFICIT. THEREBY, WE EXPLORE SOME HYPOTHESIS ABOUT THE
FORMATION OF A PUBLIC POLICY OF CITIZEN PARTICIPATION, THE ÁGORA EM REDE, A DIGITAL
DEMOCRACY INITIATIVE IN THE MUNICIPALITY OF CANOAS (RS), IN WHICH WE CAN COLLECT ITS DATA
AND TEST ITS EFFICACY. THE CORE OF THIS STUDY IS THE USAGE OF THE MULTIPLE STREAM MODEL OF
KINGDON (2003) TO EXPLAIN THE RELATION BETWEEN DIGITAL DEMOCRACY AND PUBLIC POLICY IN
THIS CITY. THE PAPER PRESENTS AUTHORS WHO ADVOCATE FOR DEMOCRATIC GAINS WITH THE USE OF
TICS AND ATTEMPTS TO EXPLAIN THE FORMATION OF THE INITIATIVE ÁGORA EM REDE. .................... 608
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS
POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA DO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM PLANO NACIONAL DE CULTURA
............................................................................................................................................................. 646
CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: ANÁLISE DO SEU PAPEL SOBRE A POLÍTICA
PÚBLICA DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ........................................................................ 673
CULTURA E PROFISSIONALIZAÇÃO DA CRIATIVIDADE PARA JUVENTUDE ............................................ 705
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS ................................................................ 733
O PROGRAMA CULTURA VIVA: UMA ANÁLISE DA FORÇA DAS COMUNIDADES POLÍTICAS E DO
PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS ................................................................................... 766
O RECONHECIMENTO DA CULTURA PARA A SAÚDE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS: ANÁLISE DAS
POLÍTICAS E PROJETOS ASRTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL NO TERRITÓRIO ................. 798
OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” ......... 830
SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI): EXPERIÊNCIA
NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP ............................................................................................................. 859
TENSÕES DA POLÍTICA PÚBLICA PARA EMPODERAMENTO JUVENIL NA BAIXADA FLUMINENSE – RJ .. 885
TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL SOB O OLHAR DO OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE PIRACICABA . 909
GRUPO DE TRABALHO 4 ........................................................................................................................... 940
ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DA CIDADE DE SÃO PAULO 2013-2016 ....................................... 941
ATIVIDADE TURÍSTICA E CRESCIMENTO POPULACIONAL NA VILA DO ABRAÃO: NOVOS DESAFIOS E
VELHAS DEMANDAS PARA O PODER PÚBLICO ..................................................................................... 965
FINANCIAMENTO PÚBLICO À CULTURA NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PADRÃO INSTITUÍDO
PELA LEI ROUANET ............................................................................................................................. 1023
HOSPITAIS FILANTRÓPICOS E SUA RELAÇÃO COM O SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO: DEPENDÊNCIA E
LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE SERVIÇOS DE SAÚDE ............................................ 1060
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRIBUTAÇÃO: O PAPEL DOS INCENTIVOS FISCAIS ................................. 1094
ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO: UM ESTUDO DE CASO DA GESTÃO DA UNESP, CAMPUS DE
TUPÃ/SP ............................................................................................................................................. 1118
REFORMAS ADMINISTRATIVAS DO GOVERNO FEDERAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA: UNIVERSALISMO
DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO ............................................................ 1157
GRUPO DE TRABALHO 5 ......................................................................................................................... 1194
A AGENDA CLIMÁTICA E A AGENDA URBANA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE CONVERGÊNCIAS E
DESARTICULAÇÕES ............................................................................................................................ 1195
ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E DE SAÚDE NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES............................................................................................................................... 1230
ANÁLISE DO PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO DA SERRA
........................................................................................................................................................... 1265
COMBINAÇÃO DE METODOLOGIAS PARA COMPREENSÃO DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO
BRASILEIRO ........................................................................................................................................ 1291
DE QUE FORMA IDEIAS, INTERESSES E INSTITUIÇÕES PODEM INFLUENCIAR A DINÂMICA DE UMA ÁREA
DE POLÍTICA PÚBLICA: O PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA .................................................... 1321
O PAPEL DO MUNICÍPIO NA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS ......................................... 1352
O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO SUDESTE
NOS ANOS DE 2011-2014 ................................................................................................................... 1376
OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À
GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA........................................................................... 1407
PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS: INCIDÊNCIAS E DISPUTAS NA PRODUÇÃO
DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC ..................................................................... 1446
POLÍTICA INDUSTRIAL E POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
DURANTE OS GOVERNOS LULA E DILMA ............................................................................................ 1479
REFLEXÕES SOBRE A CONFERÊNCIA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DE 2010 E A
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................................................................. 1504
REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A
UTOPIAS E RISCOS .............................................................................................................................. 1534
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS POR MEIO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS – ESTUDO DE CASO DA CIDADE DE
SÃO CARLOS/SP ................................................................................................................................. 1557
URBANIZAÇÃO NO BRASIL: A RELAÇÃO ENTRE DIREITO DE PROPRIEDADE E BEM-ESTAR SOCIAL À
LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ......................................................................................... 1591
GRUPO DE TRABALHO 6 ......................................................................................................................... 1627
A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES............................................................................................................................... 1628
AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL: ANÁLISE DAS PUBLICAÇÕES DE 2003 A 2014 NO PORTAL DE
PERIÓDICOS DA CAPES ....................................................................................................................... 1658
CLASSES SUBALTERNAS: O PAPEL DO ENSINO TÉCNICO E PROFISSIONALIZANTE NA DIVISÃO SOCIAL DO
TRABALHO ......................................................................................................................................... 1683
CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO INTERMUNICIPAL DO VALE DO RIBEIRA: INSTRUMENTO DE AÇÃO
PÚBLICA E DISPOSITIVO ..................................................................................................................... 1718
BRAGA, R. PLANEJAMENTO REGIONAL NO ESTADO DE SÃO PAULO: A EXPERIÊNCIA
DO VALE DO RIBEIRA NAS DÉCADAS DE 1970 E 1980. 1998. 226 P. (DOUTORADO EM
GEOGRAFIA HUMANA). FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. 1998. ....................................................................................... 1742
DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS
DA REGIÃO DE SÃO CARLOS ............................................................................................................... 1747
ECONOMIA, POPULARIDADE PRESIDENCIAL E POLÍTICAS ECONÔMICAS: UM BALANÇO SOBRE OS
GOVERNOS ARGENTINOS ENTRE 1984 E 2010 ................................................................................... 1780
DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS .......................................................................................... 1810
NEODESENVOLVIMENTISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO REGIONAL BRASILEIRA:
UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE .............................................................. 1810
FONTE: ELABORAÇÃO PRÓPRIA, COM BASE EM INFORMAÇÕES DO IBGE (2016). ................................ 1829
QUADRO I – CONTRAPARTIDAS E FINANCIAMENTOS PARA O POLO AUTOMOTIVO DE
GOIANA. ............................................................................................................................................... 1836
O CONCEITO DO TRABALHO DECENTE DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) .... 1846
CONFORME A MATÉRIA: BRASIL PODE TER QUASE 1 EM CADA 5 NOVOS DESEMPREGADOS
DO MUNDO EM 2017, DIZ OIT, DISPONÍVEL EM:
<HTTP://G1.GLOBO.COM/ECONOMIA/NOTICIA/2016/01/BRASIL-PODE-TER-QUASE-1-EM-
CADA-5-NOVOS-DESEMPREGADOS-DO-MUNDO-EM-2017-DIZ-OIT.HTML>ACESSO EM
14/03/2016. ........................................................................................................................................... 1870
O PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL DO NOVO DESENVOLVIMENTISMO DEMOCRÁTICO: AUGE E
DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016) ......................................................................... 1871
BELLUZZO, LUIZ G. DE M. (2013), “GOVERNO PERDE BATALHA PARA MERCADO FINANCEIRO, E PAÍS ESTÁ
EM CAMISA DE 11 VARAS, DIZ BELLUZZO”, FOLHA DE SÃO PAULO, 29/12/2013. DISPONÍVEL EM:
HTTP://WWW1.FOLHA.UOL.COM.BR/MERCADO/2013/12/1391113-GOVERNO-PERDE-BATALHA-PARA-
MERCADO-FINANCEIRO-E-PAIS-ESTA-EM-CAMISA-DE-11-VARAS-DIZ-BELLUZZO.SHTML. ACESSO EM:
13/01/2014. ............................................................................................................................................ 1918
OS IMPACTOS DA INSTALAÇÃO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS DA UNICAMP EM LIMEIRA/SP
– PERCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DO ENTORNO E DEMAIS ATORES ...................................................... 1930
PARTICIPAÇÃO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS NA ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
........................................................................................................................................................... 1972
POLÍTICA PÚBLICA COMO PARADIGMA: A QUESTÃO DA MERENDA ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE
ATIBAIA – SP ....................................................................................................................................... 1995
POLÍTICAS PÚBLICAS E COMPETITIVIDADE NA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: OS CASOS DO BRASIL E DA
ÍNDIA .................................................................................................................................................. 2016
O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA .................................................................................... 2020
................................................................................................................................................................ 2043
POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL: CONTRIBUIÇÕES DO PRONAF NO LITORAL DO
PARANÁ, BRASIL ................................................................................................................................ 2044
PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS (PROUNI): PESQUISA NA BIBLIOTECA ELETRÔNICA SCIELO E
NA BILIOTECA BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES ....................................................................... 2073
PRONATEC – DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM UMA INSTITUIÇÃO DE
ENSINO PROFISSIONAL ...................................................................................................................... 2103
GRUPO DE TRABALHO 1
12
Página
ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO
A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM BUSCA DE NOVOS APORTES

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL:


EM BUSCA DE NOVOS APORTES

ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO


Bacharel em Direito pela UFRJ, Mestre em Direito
13

pela UGF e Doutora em Direito pela Universidade


Página

A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM


ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO
BUSCA DE NOVOS APORTES
ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO
A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM BUSCA DE NOVOS APORTES

Estácio de Sá. E-mail:


apaula_delgado@yahoo.com.br

RESUMO

A partir da reflexão sobre a corrente migratória de haitianos para o Brasil após o


terremoto de 2010 e da falência do Estado do Haiti, busca-se ampliar a proteção
jurídica àqueles que migram em decorrência de semelhante situação, por meio
de análise da normativa e da releitura da política migratória brasileira. Embora o
Brasil tenha se tornado um referencial imaginário para boa parte dos haitianos,
a condição de refugiado não lhes foi reconhecida pelo Comitê Nacional para
Refugiados, apesar de existirem os requisitos legais e constitucionais para tal. A
proteção aos migrantes involuntários encontra respaldo no âmbito interno pela
incorporação dos princípios constitucionais da dignidade, da solidariedade e da
tolerância. Inequivocamente, do ponto de vista constitucional, há arcabouço
normativo que tanto fundamenta a proteção interna ao refugiado como a Lei
9.747/1997, através da qual foi implementada a Convenção sobre Estatuto do
Refugiado de 1951.

ABSTRACT

The work addresses the legal character of the protection granted to groups of
Haitians who migrated to Brazil after the earthquake of 2010. It is one of the
largest migratory movements received by Brazil, because of the Haitian state
failure and its consequent inability to provide the dignity of the people themselves.
Brazil has become an imaginary reference for most Haitians, however, they were
14

not granted the refugee status by the National Committee for Refugees, despite
Página

the existence of legal and constitutional requirements for its recognition. The

A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM


ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO
BUSCA DE NOVOS APORTES
ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO
A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM BUSCA DE NOVOS APORTES

protection of involuntary migrants is supported internally by incorporating the


constitutional principles of the dignity of solidarity and tolerance. Unequivocally,
from a constitutional point of view, there is a normative framework underlying the
internal protection to refugees and Law 9.747 / 1997, through which the
Convention on Refugee Status of 1951 was implemented. I take the Haitian case
as a starting point in order to reflect upon the extension of legal protection to
those who migrate as a result of the aforementioned situations, through the
analysis of the normative and of Brazilian immigration policy.
15
Página

A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM


ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO
BUSCA DE NOVOS APORTES
ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO
A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM BUSCA DE NOVOS APORTES

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é devotado à análise da tutela jurídica aos grupos de


haitianos que migraram para o Brasil após o terremoto de 2010. Tal análise é
realizada sob a perspectiva do ordenamento interno, por meio da releitura da
política e normativa migratória brasileira. O tema se revela de grande relevância
por tratar-se de um dos maiores fluxos migratórios recebidos pelo Brasil, em
razão da falência do Estado do Haiti. O Brasil tornou-se um referencial imaginário
para grande parte dos haitianos, os quais vieram em busca de novo recomeço;
mas a condição de refugiados não lhes foi reconhecida, a despeito de estarem
presentes os requisitos legais para sua concessão, o que contribuiu para torná-
los cada vez mais invisíveis aos olhos da sociedade e das instituições brasileiras,
o que viola o princípio da dignidade de pessoa humana. Verifica-se a
necessidade de estender o conceito teórico de refugiado à luz das novas
características e riscos apresentados pela globalização. A ortodoxia
interpretativa e o formalismo normativo afetam a efetividade dos instrumentos
jurídicos internacionais e nacionais, além de se constatar que no plano interno o
não reconhecimento da condição de refugiados para este segmento contradiz
obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro ferindo o princípio
pacta sunt servanda.

A admissão desses imigrantes caribenhos no Brasil e a maneira como


esta situação têm sido tratadas, revela a fragilidade das instituições públicas
nacionais no que concerne a lidar com questões imigratórias, além de traduzir a
debilidade da política migratória no Brasil. Apesar da grave situação, observa-se
que este tema não tem merecido a relevância que lhe é devida. A literatura
jurídica analítica é escassa e não tem dispensado atenção à presente temática,
16

seja como objeto de construção teórica ou mesmo na prática. Depreende-se daí


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a necessidade de se proceder a uma investigação da proteção jurídica dos


migrantes haitianos, nos seus aspectos internos e externos.

Acredita-se que cada nova abordagem referente à dinâmica das


migrações forçadas, em especial, ao caso singular do fluxo de haitianos no
Brasil, ampliará mais os parâmetros de compreensão acerca de suas
consequências e dos desafios trazidos por tão instigante tema, que reclama mais
do que figuras retóricas.

A DIÁSPORA HAITIANA PARA O BRASIL

A imigração haitiana para o Brasil constitui um caso atípico, pois sua


causa não remonta à ocorrência de conflitos armados ou à perseguição por
razões de ordem política, religiosa ou étnica, mas à própria falência do Haiti
enquanto Estado, que demonstrou a incapacidade de zelar pela dignidade de
seu povo, quadro que se agravou sobremaneira após o terremoto de 2010.

O fluxo migratório de haitianos para o Brasil teve início em 2010, após o


terremoto ocorrido em janeiro, e começou a adquirir maior expressão do final de
2011 até início de 2012, por meio das fronteiras do Acre e Amazonas, embora
as rotas existentes nos estados de Amapá, Roraima, Rondônia e Mato Grosso
não sejam desprezíveis. Dados apontam que, de 2010 até 2014, haviam
ingressado no Brasil cerca de 40 mil haitianos, com a perspectiva de atingir o
número de 50 mil até o final de 2015.1

Do número de imigrantes haitianos que ingressou no Brasil até julho de


2015, foram emitidos aproximadamente 26 mil vistos humanitários, dos quais 20
mil foram emitidos na embaixada em Porto Príncipe e outros seis mil através do
17

Consulado do Brasil em Quito, no Equador. Vale destacar que, segundo dados


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oficiais, o Ministério da Justiça emite mensalmente da Embaixada em Porto


Príncipe cerca de dois mil vistos para imigrantes haitianos.2 Há diversos
aspectos que justificam a migração haitiana para o Brasil, a começar pela
influência da MINUSTAH, liderada pelo Brasil desde 2004.

Além disso, a presença de Organizações Não Governamentais, tais como


Viva Rio, Pastoral da Criança, Diaconia, Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS
(GAPA), K9 Creixell, Action Aid, dentre outras, acabaram por aproximar cada vez
mais a cultura e as referências brasileiras, além da própria projeção internacional
que o Brasil adquiriu há alguns anos com o seu crescimento econômico (Moraes;
Andrade; Mattos, 2013, p.97).

Outro fator a contribuir para a formação desse imaginário foi a atuação do


governo brasileiro no Haiti em projetos com vistas ao desenvolvimento do país.
Segundo o Acordo Básico de Cooperação Técnica e Científica entre o Governo
da República Federativa do Brasil e o Governo do Haiti, promulgado em
novembro de 2004, cerca de quinze projetos de cooperação foram
implementados em prol do desenvolvimento em diferentes áreas, tais como
agricultura, saúde, infraestrutura, esportes, nutrição e desenvolvimento social,
área sanitária, além de ações em caráter emergencial e humanitário.

A área da saúde constitui atualmente um dos principais eixos da


cooperação com o país. Há vários projetos nesta área, por estar entre os temas
prioritários para a reconstrução e a estabilização do Haiti, a exemplo do
“Programa de Fortalecimento da Autoridade Sanitária do Haiti”, além do projeto
concernente à gestão do lixo em Porto Príncipe, visando à melhoria da coleta de
resíduos e o fornecimento de equipamentos, bem como a capacitação
profissional. No tocante à saúde, o Brasil mantém hospitais de campanha do
18

Exército e celebrou acordo com o Canadá em 2004, o qual criou o Programa


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Nacional de Imunização do Haiti, para vacinação no país.

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Na questão social merecem relevo também as ações de capacitação em


matéria de promoção da atenção e defesa dos direitos das pessoas com
deficiência e dos direitos das mulheres. O Ministério da Saúde em parceria com
a Secretaria Especial de Políticas Públicas para Mulheres, ambos do Brasil,
contribuem para a elaboração de um plano de prevenção à violência de gênero.

Atualmente, o Programa Bilateral Brasil-Haiti é composto por três projetos


em execução na área de saúde. Outros projetos trilaterais são desenvolvidos por
meio de parcerias com organismos internacionais, como a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), na área de combate ao trabalho infantil, o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), na área de segurança pública e o
Fundo das Nações Unidas para as Populações (UNFPA), na área de demografia.

Há programas voltados à capacitação profissional também em


importantes setores do Programa de Cooperação Brasil-Haiti, a exemplo do
centro profissional instalado pelo governo brasileiro em parceria com o SENAI
em Porto Príncipe, incumbido de promover a qualificação profissional para o
setor da construção civil.

O Brasil também elaborou o projeto de construção da Usina hidrelétrica


do Rio Arbonite e auxiliou a construí-la, além de ter assinado acordo com o
Governo da Espanha, em 2007, para recuperar a cobertura vegetal de uma das
principais bacias hidrográficas do país, a Bacia de Mapou. Além disso, a
EMBRAPA desenvolve o programa Embrapa Hortaliças, em parceria com a
Agência Brasileira de Cooperação (ABS) para incentivar a produção de
hortaliças. No Quadro 1, abaixo, podem ser observados os projetos em que o
Brasil participa, visando ao desenvolvimento e à reconstrução do Haiti.
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Quadro 1. Projetos em que o Brasil participa para a reconstrução do Haiti

TRILATERAIS
1. Trilateral BRASIL – OIT – HAITI - Cooperação Técnica para Proteção de Crianças contra o
Trabalho Infantil
2. Trilateral BRASIL – UNFPA – HAITI - Cooperação Técnica para Apoio ao V Recenseamento
Geral de População e Habitação no Haiti
3. Trilateral BRASIL – PNUD - HAITI - Fortalecimento da Autoridade Sanitária do HAITI
(implementado no âmbito do Acordo Tripartite Brasil-Haiti-Cuba).

BILATERAIS
1. Instituto Haitiano de Reabilitação de Pessoas com Deficiência
2. Programa de Capacitação em Reabilitação de Pessoas com Deficiência
3. Apoio à Implantação e Implementação de Banco de Leite Humano no Haiti
4. Cooperação Técnica para o Fortalecimento da Polícia Rodoviária no Haiti e Implementação
do Plano de Redução de Acidentes
5. Cooperação na área de turismo e hotelaria

CONCLUÍDOS DESDE 2009


1. Estudo para a Promoção de Ações de Fortalecimento da Agricultura Familiar e da
Segurança Alimentar e Nutricional
2. Revitalização da Fazenda do Ministério da Agricultura, Recursos Naturais e
Desenvolvimento Rural do Haiti (MARNDR) em Fond des Nègres
3. Promoção da Sustentabilidade da Produção de Hortaliças na Região de Kenscoff, Haiti
4. Polícia Federal Fase III - Capacitação técnica para formação de instrutores de táticas
defensivas: defesa pessoal policial
5. Fortalecimento da capacidade política institucional de agentes governamentais e não
governamentais do Haiti para a promoção de defesa dos direitos das pessoas com deficiência
6. Recuperação de infraestrutura rodoviária da zona metropolitana de Porto Príncipe, Haiti -
Fase III
7. Pavimentação da via de acesso ao projeto de reciclagem de detritos sólidos, desenvolvido
pelo Fundo IBAS
20

8. Recuperação de infraestrutura rodoviária da zona metropolitana de Porto Príncipe, Haiti -


Fase I
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9. Recuperação de infraestrutura rodoviária da zona metropolitana de Porto Príncipe, Haiti -

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Fase II
10. Capacitação da Polícia Nacional Haitiana – PNH fase II (Armamento e Tiro) 11. Construção
de Cisternas para Captação e armazenamento de água de chuva no Haiti
Fonte: Agência Brasileira de Cooperação.
Disponível em: <http://www.abc.gov.br/Projetos/CooperacaoSulSul/Haiti>. Acesso em:
13.09.2015

A rota mais utilizada de migração para o Brasil parte da capital Porto


Príncipe, passando pela República Dominicana, seguindo para o Panamá e
Equador por via aérea. A partir daí, os haitianos dirigem-se pela via terrestre ao
Peru ou à Bolívia, seguindo em direção ao Acre ou ao Amazonas. Todo o trajeto
é permeado pela ação de quadrilhas de coiotes, que se locupletam da situação
de vulnerabilidade destes imigrantes que, em sua maioria, reuniram todos os
recursos de que dispunham para custear o deslocamento do Haiti até o Brasil.
De acordo com o Ministério Público do Trabalho do Acre, as rotas clandestinas
abastecem uma rede estruturada de tráfico internacional de pessoas que
movimentou, nos últimos anos, nas fronteiras do Acre, cerca de 6 bilhões em
pagamentos3.

A RECEPÇÃO EM TERRITÓRIO BRASILEIRO

Diante do grande fluxo de haitianos na região Norte, o governo brasileiro


envidou esforços para reprimir a entrada através da via diplomática. Para tanto,
exigiu o compromisso do Equador e do Peru no sentido de solicitarem visto para
o ingresso de haitianos em seus territórios. No ano de 2012, o Peru passou a
fazê-lo, porém o Equador não o exige para qualquer estrangeiro,
fundamentando-se na tradição de cidadania global. Em que pese a preocupação
21

do Governo brasileiro em coibir a ação de coiotes e resguardar a segurança dos


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haitianos, esta ação diplomática acabou por dificultar a situação daqueles que já

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se encontravam a caminho do Brasil nos países vizinhos, porque encontraram


as fronteiras fechadas. A ação que deveria, em tese, resguardar os imigrantes,
acabou por prejudicá-los ainda mais.

Em 2010, após o tremor, a delegacia da polícia Federal em Brasileia, no


Acre, recebeu 37 haitianos e no ano de 2011 estima-se que o Brasil tenha
recebido por volta de 982 migrantes, segundo dados do Ministério da Justiça,
alcançando, desta forma, contornos dramáticos face à falta de assistência e de
infraestrutura para atendê-los.4

Na maioria dos casos, o serviço eclesial realizou a primeira acolhida, com


destaque para a Arquidiocese de Manaus, Diocese de Alto Solimões (Tabatinga),
Paróquia N. Sra. das Dores (Brasiléia, AC), Pastoral do Migrante de Porto Velho,
de Manaus, a Pastoral da Mobilidade Humana (Milesi, 2012).

O número de refugiados continuou aumentando, sem que houvesse o


desenvolvimento de políticas para acolhimento e assimilação dos migrantes
caribenhos, tampouco ações para inibir as rotas clandestinas, o que levou à
superlotação dos abrigos de Brasiléia, Epitaciolândia e Assis Brasil, no Acre,
bem como em Tabatinga, no Amazonas. Dados do Ministério da Justiça estimam
que somente no período entre o Natal e o Ano Novo de 2011 chegaram a essas
cidades em torno de 500 haitianos. Dadas as condições sub-humanas dos
abrigos, a imprensa passou a noticiar e foi investigada pelo Ministério Público,
que constatou a situação degradante dos haitianos que estavam nos abrigos,
ginásios e hotéis subsidiados exclusivamente pelo Governo do Acre, sem a
estrutura mínima para oferecer os serviços mais básicos de saúde e higiene.

No início de 2014, segundo dados da Secretaria de Direito Humanos do


22

Acre, havia 1.100 imigrantes haitianos em abrigos nas cidades de fronteira,


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lugares estes que não oferecem infraestrutura necessária ao acolhimento. A falta

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de condições adequadas nos municípios fronteiriços levou a problemas


relacionados à questão sanitária e à saúde pública, já que muitos chegam
doentes em virtude das condições enfrentadas ao longo do trajeto ao Brasil e os
municípios não dispõem de hospitais e postos de atendimento, bem como de
medicamentos suficientes para atender ao grande número de pessoas (Falcão;
Urtibe, 2014, p.4).

A gravidade da situação no Acre culminou em nova diáspora dentro do


Brasil, quando o Governo do Estado do Acre fechou o abrigo de Brasiléia e
transferiu 1.700 haitianos para a cidade de São Paulo, sem que houvesse prévia
comunicação ao prefeito para que fossem propiciadas condições aos abrigos e
fossem construídos novos locais de acolhida (Gaspari, 2014, p.6).

A despeito da situação nos abrigos do Acre e, por conseguinte, dos


impactos trazidos ao estado, essa “deportação” dentro do próprio território
brasileiro constituiu ato grave e demonstra que o problema não se restringe ao
norte do país. Ao contrário, a questão da imigração haitiana é problema de A
ordem nacional e traduz o amadorismo das instituições públicas no que toca ao
desenvolvimento responsável de políticas de imigração.

Em São Paulo, os haitianos foram recebidos pela Igreja Católica (Oliveira,


2014, p.7)5 e por algumas organizações da sociedade civil, o que se deu de
maneira desordenada e, por que não dizer, indigna, dadas as condições em que
foram recepcionados, (Dantas, 2014, p. 8) uma vez que o município não havia
tido a oportunidade de desenvolver uma estrutura para recepcioná-los. Aqueles
que possuíam condições de custear suas passagens, ao chegarem à cidade de
São Paulo dirigiram-se aos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul em
busca de melhores condições de vida.
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Não bastasse a situação de falência do Haiti, e as agruras das rotas


clandestinas para o Brasil, os imigrantes são transferidos do Acre para outros
estados, de maneira totalmente indigna, conforme descreve o imigrante Demet
Debulier: “Estamos passando uma humilhação muito grande. Viemos para o
Brasil em busca de uma vida melhor, mas isso não me parece ser muito melhor
do que eu tinha no Haiti. Na última noite dormi na chuva. Estou sem tomar banho
e sem comer desde que cheguei, há três dias” (Dantas, 2014, fl.8).

A inserção no mercado de trabalho é realizada por igrejas e congregações


religiosas na maioria das vezes, mas também por organizações da sociedade
civil a exemplo da Cáritas e do Instituto de Migrações e Direitos humanos, posto
que não há um serviço público específico que os encaminhe. No Acre, empresas
realizam a seleção em galpões, verificando as condições dos dentes, da pele,
dos músculos e de outros atributos físicos, práticas que remetem ao mercado de
escravos existente no Brasil de outrora.

Em São Paulo, a fim de evitar a reprodução do comércio de escravos dos


séculos passados, assistentes sociais contratadas pelas igrejas e entidades
sociais reúnem-se com empresários, objetivando-se mitigar o preconceito com
relação aos imigrantes caribenhos, realizando o que denominam de “cursinho
para tirar preconceito” (Sanches, 2014, p.15).

A falta de serviços para imigrantes aliada à demora na emissão das


carteiras de trabalho são fatores que contribuem para a morosidade na
assimilação dos haitianos pelo mercado de trabalho. Segundo a ONG Missão
Paz, que acolhe imigrantes refugiados e imigrantes em São Paulo, as carteiras
de trabalho não são emitidas no Acre, estado por onde ingressaram no Brasil
(Fernandes, 2014). Os imigrantes transferidos para outros estados ainda devem
24

aguardar a emissão das carteiras, processo lento, notadamente em São Paulo,


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o que aumenta o tempo de permanência nos abrigos, que por sua vez, têm
capacidade reduzida.

As “deportações”, a falta de infraestrutura para acolhimento dos


imigrantes, desde a sua entrada em território nacional e o não reconhecimento
da condição de refugiado, aliado à falta de políticas públicas para a assimilação,
revelam um problema de má gestão migratória no Brasil, que reflete o descaso
em lidar com essa questão de projeção nacional.

Embora haja preocupação dessas entidades quanto à inserção em


empregos que estejam em consonância com a legislação trabalhista, ainda
persistem situações de abusos por parte de empregadores que ignoram a
legislação, locupletando-se da vulnerabilidade econômica desses grupos. É
válido destacar que, em que pese um possível preconceito em contratá-los,
segundo o Relatório sobre Imigração Haitiana no Brasil, realizado pelo Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE, 2014), numerosos haitianos que migram para o
Brasil possuem curso superior e falam, no mínimo, três idiomas. Muitos acabam
por aceitar empregos incompatíveis com o seu nível de formação por precisarem
sustentar a si mesmos e às suas famílias no Haiti, pois ficaram completamente
fragilizados economicamente devido aos valores pagos às quadrilhas de
“atravessadores”, estimados em torno de dois mil dólares.

Parte significativa daqueles que se dirigiram ou foram transferidos para a


região sul e sudeste desempenham trabalhos insalubres ou penosos, com
baixíssima remuneração, em frigoríficos e carvoarias, trabalhos que não
interessam mais aos brasileiros pelas más consequências trazidas à saúde.
Além de frigoríficos e carvoarias, também começaram a ser empregados no setor
da construção civil, no qual muitos são submetidos à fraude, posto que o
25

trabalhador não foi registrado efetivamente, embora as folhas de suas carteiras


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de trabalho tenham sido preenchidas, pelo que acaba desprovido dos direitos

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trabalhistas, prática ilegal que está sendo investigada pelo Ministério Público do
Trabalho do Paraná.

Com vistas a se proteger da exploração no trabalho, cerca de mil haitianos


criaram, em 2014, a Associação de Defesa dos Direitos dos Imigrantes
Haitianos, que já ganhou ação contra um frigorífico pela violação de direitos
trabalhistas (Sanches, 2014, p.14). No final de 2014, foi ajuizada ação de treze
haitianos contra empresas curitibanas por não cumprimento da legislação e por
exploração de trabalho de migrantes.

O destino de alguns haitianos também é o trabalho escravo. Estima-se


que mais de 200 imigrantes haitianos foram resgatados de condições análogas
à escravidão. Em agosto de 2014, a Superintendência Regional do Trabalho e
Emprego de São Paulo (SRTE) resgatou um grupo de doze haitianos que foram
contratados nas proximidades da Missão Paz por uma oficina de costura no
bairro do Bom Retiro, onde eram mantidos em cativeiro (Mota, 2014).

Além da sonegação de direitos trabalhistas, não raro os haitianos são


vítimas de atos de xenofobia no Brasil. Apesar da suposta cordialidade com os
estrangeiros, verifica-se que a sociedade brasileira é refratária à recepção de
imigrantes, em especial nos últimos anos, o que leva à dificuldade de integração
e assimilação cultural destes grupos de pessoas. No caso dos haitianos, o
preconceito e a xenofobia estão presentes e têm sido verificadas em diversas
situações, como na cidade de Curitiba, em que houve diversos registros de
haitianos agredidos verbalmente e fisicamente neste ano.6 No município de Nova
Odessa no Estado de São Paulo, uma suástica foi pintada em um muro,
acompanhada com as inscrições “Back to Haiti” e “fora macacos” (Bezerra,
2015).
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As agressões em São Paulo e no Paraná aumentaram após o surto de


Ebola na África, devido à confusão geográfica pela qual os haitianos são
associados aos africanos e estigmatizados (Bezerra, 2015). Em agosto de 2015
houve dois atentados contra seis imigrantes haitianos na região central da cidade
de São Paulo: dois foram baleados nas imediações da Rua do Glicério e os
demais próximos à Missão Paz. O atentado está sendo investigado pela Polícia
Federal, e há indícios de que tenha sido motivado por xenofobia7, o que está
sendo acompanhado pela Organização dos Estados Americanos.

A aversão aos haitianos e aos imigrantes desmistifica a concepção do


“homem cordial brasileiro” de Sergio Buarque de Holanda, como legado a ser
deixado pela sociedade brasileira para o mundo. Na formulação de Holanda
(1995, p.209-11), o homem cordial brasileiro é aquele que apresenta “lhaneza
no trato, a hospitalidade, a generosidade”, interpretada como sendo a fineza no
tratamento aparente, ou a “técnica da bondade”, já que tal “polidez é, de algum
modo, organização de defesa ante a sociedade”, mais por hábito do que por
sentimento. Nesta perspectiva, a cordialidade é apenas aparente, pois o
brasileiro é “avesso à disciplina, assimilando com frequência novas ideias,
gestos e formas sem maiores dificuldades”.

O historiador destaca ainda que a simples cordialidade não cria bons


princípios, pois é necessário um elemento normativo sólido, inato na alma do
povo, ou mesmo implantado pela tirania, para que possa haver cristalização
social. Apesar de o Brasil ter sido formado por povos de diferentes
nacionalidades e etnias, a cordialidade não foi suficiente para formar uma força
aglutinadora que unisse os diversos elementos que formaram a sociedade
brasileira, inclusive os imigrantes estrangeiros, que fazem parte desta formação.
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Trata-se, assim, de simpatia superficial.


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A equivocada visão da tradicional “cordialidade” do brasileiro e sua


relação com os imigrantes é destacada por Pacheco Pacífico em arguta
observação:

Parece-nos que o conservadorismo continuísta da


sociedade brasileira se perpetua. As relações desiguais
entre as classes dominantes e dominadas, de mandonismo
retratada por Holanda e a vida privada patriarcal, elitizada
e excludente pintada por Freyre se perpetuam na
sociedade brasileira atual. As transformações de
monarquia a império, de império a república fizeram
apenas mudarmos de amo, mas não de deixarmos de ser
escravos. E, os imigrantes, ou melhor, os estrangeiros,
aqueles indivíduos que se encontram em terra alheia, alvos
de violência, xenofobia, preconceito e outras tantas
dificuldades de adaptação à nova sociedade, são os que
mais sofrem8.

Para o sociólogo espanhol Manuel Castells, a violência e a intolerância


sempre foram características da sociedade brasileira ao longo de sua História:

A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no


samba. Na relação entre as pessoas, sempre foi violento.
A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade
que se mata. Esse é o Brasil que vemos hoje na internet. É
o que sempre existiu (Castells, 2015).

Segundo Castells (2013), a demasiada violência e a intolerância na


28

Internet apenas traduz que as sociedades não são tão boas e angelicais. O uso
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da internet apenas contribuiu para expressar abertamente o que é a sociedade

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em sua diversidade, tratando-se de um verdadeiro espelho. Se na rede são


articuladas formas de racismo, de xenofobia, de violência e de sexismo, tal
ocorre porque essas opiniões existem na sociedade, e na rede é possível
encontrar mais facilmente interlocutores, que em seu entorno social não podem
se declarar tão abertamente.

O Brasil sempre foi visto como país acolhedor, o que também constituiu
fator a contribuir para que os estrangeiros busquem o país. Entretanto observa-
se que a sociedade brasileira é dotada de cordialidade superficial, o que dificulta
a assimilação dos estrangeiros e sua adaptação. Não são raros os casos em que
se verificam as enormes diferenças jurídico-sociais entre nacionais e imigrantes,
não obstante haja a previsão constitucional de que brasileiros e estrangeiros são
igualmente protegidos pelos direitos fundamentais, o que se reveste de função
retórica, visto que a igualdade não se conforma na prática.

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS PARA CONCESSÃO DE REFÚGIO NO


BRASIL

No que concerne ao refúgio no Brasil, encontram-se fundamentos


constitucionais para sua concessão. Conforme mencionado, a cláusula geral de
proteção à pessoa humana contida no art.1º, III, norteia todo o direito ao refúgio,
bem como quaisquer diplomas normativos que com ela não se coadunem. Nesse
passo, Pietro Alarcón sustenta que qualquer ato ou norma que mitigue o direito
ao refúgio poderá ser declarado inconstitucional:

(...) duas questões devem ser frisadas: a) o princípio da


dignidade humana, consagrado na CF de 1988, rejeita
29

qualquer pretensão de vir a converter a migração em um


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delito. Assim, será inconstitucional qualquer ato normativo

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que determine o delito de migração ou que pretenda tornar


ao migrante, pelo fato de ser migrante, um delinquente; b)
O direito ao refúgio deve ser interpretado de maneira que
não caberá uma decisão negativa ao requerimento quando
esta coloque em risco a vida e liberdade do indivíduo, é
dizer, quando a negação conduza à pena de morte ou à
prisão juridicamente injustificada (Ramos; Rodrigues;
Almeida, 2011, p.123).

O princípio constitucional da solidariedade também fundamenta a


proteção jurídica interna aos refugiados. A solidariedade está presente do art. 3º,
I, que prevê a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil. A solidariedade implica o dever
de cooperação de todos como poderoso instrumento para eliminar os obstáculos
que obstem o desenvolvimento humano, com vistas a mitigar a pobreza e todas
as iniquidades sociais. Nesse passo, a despeito de a solidariedade ser
mencionada apenas no inciso I, depreende-se também da leitura dos demais
incisos – garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, reduzir as
desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem quaisquer
preconceitos e discriminação.

Para que todos os objetivos fundamentais elencados no art. 3º do texto


constitucional sejam alcançados é indispensável que haja responsabilidade
recíproca entre as pessoas, não individualmente, mas para com o coletivo, o que
reflete uma perspectiva distributiva e includente do ponto de vista social e,
também, registre-se, implica a aceitação das diversidades, conforme preceitua o
inciso IV do citado dispositivo - “promover o bem de todos, sem preconceitos de
30

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.


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Anthony Giddens (1996, p.21) destaca a necessidade de reconstrução da


solidariedade social como meio para possibilitar a aquisição do poder. Para
Giddens, o Estado de Bem-Estar desenvolvido após a segunda grande guerra,
revestiu-se de importância no combate à pobreza e à redistribuição de renda. No
entanto, as diversas medidas praticadas com o fito de distribuir a renda nas
sociedades não foram suficientes para reconciliar a autonomia e a
interdependência nos campos social e econômico, uma vez que a sociedade
continua a ser caracterizada por classes. Tal reconciliação só pode ser obtida
por meio de elevado sentimento de solidariedade social, que será capaz de
despertar maior consciência nos cidadãos de seu papel na sociedade,
conduzindo assim à aquisição do poder.

A solidariedade que se extrai do texto constitucional incorpora o dever de


auxiliar os menos favorecidos e de olhar e respeitar o outro como igual, apesar
das diferenças que existem. Neste contexto, a solidariedade e a aceitação da
diversidade são indissociáveis. Não há que se falar em solidariedade sem que
haja o reconhecimento da pluralidade. Em sociedades marcadas pela
desigualdade, o respeito à solidariedade e às diferenças é requisito para que
haja maior harmonia e desenvolvimento, considerados aí todos os seus
aspectos. Deste modo, o respeito à pluralidade é condição de possibilidade para
que seja alcançada uma sociedade livre, justa e solidária.

Para Giddens, a diferença entre os sexos, cultura, etnia, cultura,


comportamento e personalidade constitui uma forma de hostilidade. Nesse
diapasão, todo meio de discriminação e intolerância aos migrantes – voluntários
ou não – é uma forma de constrangimento e viola a Constituição da República.
Nesse passo, ele afirma que o diálogo é um antídoto contra a violência. A
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necessidade de uma democracia dialógica se faz premente para criação de


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entendimentos e do desenvolvimento de solidariedade mútuos (Giddens, 1996,


p.275).

O princípio constitucional da solidariedade é corolário do princípio da


dignidade, pois sem a solidariedade nas relações humanas não há que se falar
em respeito ao outro, em justiça social e desenvolvimento em seus diversos
aspectos (cultural, social e econômico). A solidariedade no caso específico do
refúgio permite ações para além da proteção, como a implementação de
mecanismos de integração por parte do Governo e da sociedade brasileira.

Nessa óptica, também é preciso agregar a tolerância à solidariedade,


implícita ao art. 1º, V, da Constituição, que estabelece o respeito ao pluralismo
como fundamento do Estado, além do mencionado art. 3º, IV, que define a
promoção do bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação, como um
dos objetivos fundamentais da República. Pela interpretação do texto
constitucional, infere-se que a falta de aceitação daquele que é diferente e, no
caso aqui abordado, o migrante, é totalmente refutada.

Argumentos contra a tolerância e a aceitação são construídos com base


em crises econômicas e políticas, contudo não encontram amparo constitucional
para justificar atos e medidas que impliquem em discriminação a quaisquer
pessoas e grupos, sobretudo aqueles considerados minoritários e vulneráveis,
como é o caso de refugiados recebidos em nosso país, que objetivam reconstruir
suas vidas com um mínimo de condições de dignidade.

Em julho de 1997, a lei foi promulgada e publicada, representando um


marco na proteção dos refugiados no Brasil. Sua principal característica é a
ampliação da definição de refugiado, dando um passo além em direção à maior
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proteção, comparativamente à Convenção de 1951. Imbuída do “espírito de


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Cartagena”, a lei exterioriza a necessidade de protegerem-se também as

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pessoas vítimas de graves e generalizadas violações de direitos humanos, além


das causas clássicas mencionadas na Convenção de 1951que levam à
solicitação de refúgio. Neste contexto, durante a apreciação do pedido individual
de refúgio, confere-se maior importância à análise da conjuntura política e
institucional do país.

Diante destas considerações, Almeida destaca que a conjugação da


definição clássica com a definição ampliada “tornou a lei uma das mais
avançadas e generosas do continente americano em relação à temática dos
refugiados” (Araújo; Almeida, 2001, p. 165). Boa parte dos países da América do
Sul que participaram da Convenção de 1951 e do Protocolo de 67 promulgaram
normas sobre os mecanismos de implementação destes documentos, a saber:
Venezuela (2001), Paraguai e Peru (2002), Bolívia (2005), Argentina e Uruguai
(2006), Colômbia (2009) e Chile (2010). O Equador aprovou o Decreto n° 3.301
de 1992 para a aplicação das normas da Convenção de 1951 e do Protocolo de
1967. O Suriname, embora tenha ratificado a Convenção de 1951 e do Protocolo
de 1967, não possui normas internas para a implementação da Convenção. No
continente sul-americano, somente a Guiana e a Guiana Francesa
(Departamento da França) não ratificaram os aludidos documentos de proteção
internacional9.

Apesar de muitos países do continente terem implementado a convenção


através de normativas internas, constata-se que, em termos comparativos, a lei
brasileira avançou ao prever garantias mais dilatadas de proteção ampla aos
refugiados, tais como o estabelecimento de regras para o ingresso em território
nacional, o estabelecimento de procedimento para determinação da condição de
refugiado, bem como os direitos e obrigações dos refugiados, incluindo ainda em
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seu bojo a busca de soluções duradouras.


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Isso denota a posição de vanguarda do Brasil, sob uma perspectiva


comparada no âmbito da América Latina, no tocante à proteção legal dos
refugiados. Além de constituir um país que ocupa posição de destaque em
termos geopolíticos na região, o Brasil apresenta a legislação mais avançada
nessa temática, podendo servir de modelo em alguns aspectos para os demais
países da região.

Além da definição ampliada de refugiados, o art. 2º também prevê a


extensão da condição de refugiados aos familiares: “Os efeitos da condição dos
refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes,
assim como aos demais membros do grupo familiar que do refugiado
dependerem economicamente, desde que se encontrem em território nacional”.
Este dispositivo colaciona o princípio da unidade familiar, em consonância à
recomendação da Ata Final da Conferência que adotou a Convenção de 1951,
apesar desta não tê-la positivado. Tal como o Brasil, no que toca aos países sul-
americanos, a Argentina, Bolívia Chile, Venezuela, Colômbia, Equador,
Paraguai, Uruguai e Peru a inseriram em suas legislações internas sobre refúgio
(Jubilut, 2007, p.102).

A lei é bem organizada do ponto de vista estrutural e está dividida em oito


títulos. O Título I estabelece os aspectos caracterizadores do refúgio (do
conceito, da extensão, da exclusão e da condição jurídica do refugiado); o Título
II trata do ingresso no território nacional e do pedido de refúgio; o Título III cria o
Conselho Nacional para Refugiados (CONARE) − outra característica de
destaque desta lei −, que é o órgão responsável pelo reconhecimento do status
de refugiado, e estabelece as suas competências; o título IV apresenta as regras
do processo de refúgio; o título V dedica-se aos efeitos do Estatuto de Refugiado
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sobre a extradição e a expulsão; o Título VI estabelece as hipóteses de cessação


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e de perda da condição de refugiado; o Título VII trata das soluções duráveis

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(integração local, repatriação e reassentamento) e o Título VIII é devotado às


disposições finais.

Outro diferencial desta lei é a possibilidade de solicitação de refúgio a


qualquer autoridade imigratória a qualquer tempo, conforme colacionado no
artigo 7º, bem como a impossibilidade de deportação do solicitante de refúgio, o
que exprime a observância do princípio internacional do non-refoulement,
colacionado na Convenção de 51. Estes dispositivos refutam assim a
possibilidade de a migração forçada ser tratada como infração no sistema
jurídico brasileiro.

A DECISÃO DO CONARE SOBRE OS HAITIANOS

Os primeiros grupos de haitianos que chegaram à Região Norte em 2010


solicitaram refúgio com base na Convenção de 1951 sobre Estatuto de
Refugiados e no art.1º, III, da Lei 9.474/97, que estabelece o reconhecimento de
refugiado àquela pessoa vítima de grave e generalizada violação de direitos
humanos.

O CONARE indeferiu os pedidos de refúgio com base no aludido no do


art. 1º, III da Lei 9.474/97, destacando que “para ser reconhecido como
refugiado, o solicitante deve apresentar um fundado temor de perseguição
causado pelo seu Estado de origem em função de sua raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”. Pode, ademais, ser
reconhecido por ser nacional de um Estado que experimenta uma situação de
grave e generalizada violação de direitos humanos. Aliás, “todos os casos
resolvidos pelo CONARE materializam, em maior ou menor grau, a importância
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crucial da perseguição materializada e/ou o fundado temor de perseguição


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consubstanciado por parte do solicitante para a concessão do refúgio face à Lei


9.474/97” (CONECTAS, 2012).

O não reconhecimento pelo CONARE do status de refugiados aos


haitianos foi grave e revelou um retrocesso do Brasil quanto à causa dos
refugiados. Não reconhecer a migração dos haitianos como forçada é negar a
recuperação da dignidade deste grupo, que tem passado por situações adversas
desde sua terra natal, o que atingiu proporções sem precedentes após o
terremoto, culminando na trágica diáspora rumo ao território nacional. Diante da
recusa em reconhecer a materialidade do art. 1º, III da lei ao caso dos haitianos,
o CONARE transferiu a competência para tratar do assunto ao Conselho
Nacional de Imigração, que criou o visto humanitário aos nacionais do Haiti,
através da Resolução n. 97/2012.

Cabe destacar que o visto de residência por questões humanitárias surgiu


através da Resolução Recomendada 8 do Conselho Nacional de Imigração
(CNIg), de dezembro de 2006, que foi acatada pelo CONARE em março de 2007,
por meio da Resolução nº13. Esta Resolução propõe que o CONARE encaminhe
ao CNIg casos que não preencham os requisitos de elegibilidade previstos na
Lei 9.474/97, mas que, devido a questões humanitárias, o CONARE entenda
como adequada a concessão de autorização de permanência legal no Brasil:

Art. 1º O pedido de refúgio que possa não atender aos


requisitos de elegibilidade previstos na Lei nº 9.474, de 22
de julho de 1997, poderá, a critério do CONARE, ser
sobrestado para que possa a permanência do estrangeiro
no País ser apreciada pelo Conselho Nacional de
Imigração, com base na Resolução Normativa CNIg nº 27,
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de 25 de novembro de 1998, que dispõe sobre situações


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especiais e casos omissos (CONECTAS, 2012).

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A Resolução 97/2012 é devotada especificamente ao visto humanitário


para nacionais do Haiti. Nos termos desta resolução, é permitido aos haitianos,
desde que munidos deste visto, estudar e trabalhar no Brasil. Com o advento da
emissão do visto, é possível obter Cadastro de Pessoa física (CPF) e Carteira
de Trabalho e Previdência Social (CTPS). A permanência em território nacional
é condicionada ao prazo de cinco anos, contados da emissão do documento,
para que a situação de emprego e de residência junto às autoridades brasileiras
seja comprovada.

Diferentemente dos demais vistos previstos na Lei 6.815/80, o visto


humanitário somente pode ser demandado pelo CONARE no caso de situações
consideradas excepcionais, como foi o juízo feito com relação aos haitianos. A
interpretação conservadora do CONARE não permitiu reconhecer aos haitianos
o status de refugiados, contrariando o art. 1º, III que trouxe a definição ampliada
de refugiados, uma das inovações da Lei 9.474/97.

Neste ponto, há duas observações a serem registradas. Primeiramente, é


paradoxal não reconhecer o instituto do refúgio com fundamento em violações
de direitos humanos a nacionais de um país que se encontra oficialmente sob a
intervenção humanitária da ONU sob o argumento de segurança humana, com
missão de paz comandada pelo Brasil. Em seguida, na concepção do CONARE,
o inciso III é independente do requisito de fundado temor de perseguição, o que
não se caracteriza no caso dos haitianos que migraram para o país a partir de
2010.

Conforme salientado, a lei foi imbuída do “espírito de Cartagena” e, ao se


espelhar na Declaração de 84, não prevê a necessidade do fundado temor para
caracterização da situação de refúgio por violações de direitos humanos. Trata-
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se assim de entendimento equivocado, posto que não há base legal para a


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exigência deste requisito. Mais que isso, a utilização de um conceito obsoleto

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para qualificar refugiados viola a Lei 9.474/97 e compromete sua própria


efetividade.

A postura do CONARE representa uma visão ortodoxa sobre


deslocamentos forçados, ignorando-se os valores constitucionais que permeiam
o instituto do refúgio. Pensar qualquer instituto à luz da realidade atual é
condição para que haja a adequada aplicação da norma. Necessário, pois, se
faz atribuir sentidos ao texto da norma que permitam aplicá-la de maneira
coerente, em respeito às condições presentes. A adequada interpretação da
norma reflete o respeito à tradição, à coerência e à integridade do direito. A
interpretação assim deve ser feita em consonância às condições presentes e às
situações que se impõem ao intérprete para produzir sentidos adequados, de
modo que o texto esteja sempre atualizado, sem que haja a perda da coerência
(Dworkin, 2005).

Fora das condições de refúgio, os estrangeiros são regidos pela Lei


6.815/80, elaborada durante o período autoritário, e que não é suficiente para
tutelar os grupos de estrangeiros que se encontram em situação de extrema
vulnerabilidade econômica e social, tal como os tradicionalmente concebidos
como refugiados. Trata-se assim, de situação de extrema gravidade, pois tratá-
los como meros imigrantes retira-lhes a possibilidade de inclusão e de real
assimilação no Brasil. Na falta do reconhecimento e da proteção jurídica, são
subjugados ao assistencialismo do Estado, o que é constatado pela concessão
do visto humanitário, que sequer existe na legislação.

Em dezembro de 2015, a despeito de os Ministros do Trabalho e


Previdência Social e da Justiça terem assinado ato conjunto, dando o visto de
permanência a 43.781 haitianos que ingressaram pelo Acre a partir de 2010, a
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situação de vulnerabilidade extrema continua. Neste sentido, argumenta-se que


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o ato consiste em medida paliativa, pois tem o objetivo de coibir os fluxos

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migratórios irregulares, mas não se ocupa de incluir os migrantes haitianos, uma


vez que a medida confere apenas a permanência regular no Brasil, tal como
ocorre em relação a qualquer estrangeiro que preencha os requisitos legais e
não se encontre na condição de refugiado.

CONCLUSÃO

É imperioso ressaltar que estender o conceito ‘refugiado’ de modo a


abarcar pessoas com necessidades similares ou, até mesmo, maiores de
proteção é apenas o próximo passo para devolver-lhes sua humanidade,
conforme a construção harendtiana. O processo de inclusão e de aceitação não
pode ser paradoxal, de modo a deixar migrantes à margem da sociedade, não
lhes reconhecendo direitos.

No entanto, não basta reconhecê-los juridicamente. É imprescindível que


os Estados busquem soluções de cunho social por meio de políticas públicas de
inclusão e de cunho político-jurídico, garantindo-lhes direitos fundamentais e
vinculação à comunidade política no Estado que os recebe. A reestruturação
jurídica deve vir acompanhada inevitavelmente de mudança na política
migratória, a despeito de novos riscos que possam vir a surgir.

Nesse passo, torna-se necessária uma contínua repolitização dos riscos


e, como se sabe, para a política é arriscada tanto a situação em que se decide,
como a situação em que não se decide. Trata-se aqui de um processo de
contínua construção.

A postura do Brasil diante dos migrantes haitianos evidencia grave lacuna


legal e representa uma visão ortodoxa sobre deslocamentos forçados,
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ignorando-se os valores constitucionais que permeiam o instituto do refúgio.


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Pensar qualquer instituto à luz da realidade atual é condição para que haja
adequada aplicação da norma. Necessário, pois, se faz atribuir sentidos ao texto
da norma que permitam aplicá-la de maneira coerente, em respeito às condições
presentes.

No caso do ingresso dos haitianos em território brasileiro, o não


reconhecimento da condição de refugiado acaba por fragilizar o próprio instituto
do refúgio no Brasil, que se torna refém de decisões administrativas incoerentes,
além de constituir violação à lei que incorporou instrumentos jurídicos
internacionais.

Decisões como esta impactam diretamente a vida de seres humanos, que


têm novamente a dignidade violada, e traduz o amadorismo das instituições
públicas no que toca ao desenvolvimento responsável de políticas de imigração.

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ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO
A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM BUSCA DE NOVOS APORTES

4 Disponível em: <http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2013/09/triplica-em-2013-


numero-de-haitianos-ilegais-que-entram-pelo-acre.html>. Acesso em:
24.12.2014.

5 A Igreja Nossa Senhora da Paz no centro de São Paulo que acolheu


inicialmente 240 imigrantes, só possui capacidade para abrigar 60 pessoas. O
grupo dormia em colchões, passava frio à noite e só possuíam uma refeição por
dia. Os banhos eram tomados com água do mictório.

6 “Seis imigrantes haitianos são baleados em São Paulo”. Revista Carta Capital,
edição de 8.8.2015. Disponível em:
<http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/seis-imigrantes-haitianos-sao-
baleados-em-sao-paulo-9027.html>.

7 “Seis imigrantes haitianos são baleados em São Paulo”. Revista Carta Capital,
edição de 08.08.2015. Disponível em:
<http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/seis-imigrantes-haitianos-sao-
baleados-em-sao-paulo-9027.html>.

8 Pacheco Pacífico, Andrea Maria Calazans. Os migrantes nas relações de


trabalho no Brasil. Revista Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6642>.

9 Base de dados disponível em: <www.acnur.org>. Acesso em: 23.07.2015.


46
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A TUTELA DOS MIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL: EM


ANA PAULA TEIXEIRA DELGADO
BUSCA DE NOVOS APORTES
VANESSA GENÍCIA DUARTE
AS PROPOSTAS DO JUDICIÁRIO PARA A SUPERAÇÃO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL
A PARTIR DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

AS PROPOSTAS DO JUDICIÁRIO PARA SUPERAÇÃO


DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL A PARTIR
DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009

VANESSA GENÍCIA DUARTE

Advogada, graduada em Direito pela PUC-


47

MINAS, mestranda em Ciências Humanas e


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Sociais Aplicadas pela Faculdade de Ciências

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JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL A PARTIR DA VANESSA GENÍCIA DUARTE
AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009
VANESSA GENÍCIA DUARTE
AS PROPOSTAS DO JUDICIÁRIO PARA A SUPERAÇÃO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL
A PARTIR DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009

Aplicadas da UNICAMP. E-mail:


vanessaduarte88@gmail.com

RESUMO

A pesquisa tem como objeto analisar as alternativas propostas pelo judiciário


para diminuição dos impactos negativos do fenômeno da judicialização da saúde
no Brasil a partir da Audiência Pública nº04 de 2009 no Supremo Tribunal
Federal. Para enfrentar de forma interdisciplinar o tema, considera a
judicialização da saúde como um fenômeno complexo que atinge não só a
observância do ordenamento jurídico como também o planejamento e a gestão
de políticas públicas. Trabalhando com a hipótese de que a articulação entre
diferentes setores envolvidos na efetivação do direito e da política pública de
saúde pode diminuir os impactos do fenômeno da judicialização, objetiva-se por
meio de uma metodologia descritiva e exploratória analisar a existência de
propostas com articulação intersetorial e de trocas de conhecimento a partir da
concepção de sociedade em rede.

ABSTRACT

The study aims at analyzing the alternatives proposed by the judiciary to


reduction from the negative impacts of the judicialization of health phenomenon
in Brazil from the Public Hearing nº04 2009 in the Supreme Court. To tackle the
issue an interdisciplinary approach, considers the judicialization of health as a
complex phenomenon that affects not only the observance of the legal order as
also planning and policy management. Working with the hypothesis that the
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articulation between different sectors involved in the execution of law and health
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policy can mitigate the impact of the judicialization phenomenon, the objective is

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by means of a descriptive and exploratory methodology analyze the existence of


proposals for intersectional articulation and knowledge exchange from the
network society.

INTRODUÇÃO

Este estudo parte da compreensão de que a sociedade atual se organiza


por meio de redes e que, apesar de nem todas as coisas estarem incluídas nelas,
esta nova organização social se impõe como desafio do ponto de vista político
na medida em que a atuação estatal se vê compelida a cumprir os projetos
individuais e coletivos expressos pelas necessidades sociais em novas
condições estruturais (CASTELLS, 2006, p.26).

Apresentam-se brevemente as contribuições de Manuel Castells (2010)


na análise dessa nova morfologia social baseada na lógica das redes, utilizando-
se de suas incursões teóricas como subsídio para o entendimento do perfil das
políticas públicas de saúde após os anos 90, identificando principalmente as
tendências de descentralização, regionalização e articulação intersetorial.

Analisando brevemente a “Audiência Pública” de 2009 como uma


proposta de articulação de diferentes saberes para propostas de superação do
fenômeno da judicialização no Brasil objetiva-se identificar um novo perfil de
integração do judiciário às sistemáticas de articulação intersetorial nas políticas
públicas.

Procura-se demonstrar, portanto, que a organização administrativa das


políticas públicas de saúde incorpora a lógica de redes e que a judicialização da
saúde, identificada como um fenômeno complexo no Brasil, começa também a
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ser pensada sob estas novas condições estruturais a partir da Audiência Pública
de Saúde de 2009.

O DESTAQUE DO PODER JUDICIÁRIO APÓS 1988

A Constituição da República promulgada em 1988 no Brasil marca


formalmente a emergência de uma estrutura de pensamento e de organização
política voltada para a promoção de direitos e proteção de garantias
fundamentais. É com ela que se verifica, no Brasil, a assunção dos
compromissos de efetivação de direitos sociais.

Contudo, apesar da dimensão do direito à saúde como um direito social


de todos, a efetivação de tal direito, nos termos enunciados pela Constituição
Federal, depende cada vez mais de decisões políticas adequadas para aplicação
de recursos financeiros que se tornam cada vez mais escassos frente o aumento
das necessidades de atendimento e as inovações tecnológicas em saúde
(AMARAL, 2001; SCAFF, 2006; SILVA, 2007).

No Brasil, a insuficiência de recursos e de uma estrutura administrativa


capaz de efetivar os direitos sociais previstos na Constituição desencadeou um
movimento de provocação do judiciário enquanto órgão de garantia de direitos
fundamentais para assegurar as promessas do texto constitucional e assim
interferir na implementação de políticas públicas de saúde.

Segundo Lopes (2006, p.163) desde os anos 70 desenvolve-se no Brasil


um movimento de judicialização de questões tradicionalmente tidas como
50

políticas. Um movimento de judicialização que consiste na transferência, para o


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judiciário, de decisões coletivadas.

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O Supremo Tribunal Federal, ao decidir a Ação de Descumprimento de


Preceito Fundamental nº45 afirmou a dimensão política da jurisdição
constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal, alegando que aquela
Corte não poderia demitir-se do importantíssimo encargo de tornar efetivos os
direitos econômicos, sociais e culturais, “sob pena de o Poder Público, por
violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo
inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional” (BRASIL, STF. ADPF
45/MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 05/05/2004).

A judicialização da saúde e os impactos orçamentários desse fenômeno


nas contas públicas é incontestável1, e apesar de ter se tornado uma alternativa
atraente para quem individualmente pleiteia a efetivação do direito a saúde não
tem comprovações de que irá resolver a demanda, tão somente tumultua-la.

Diante disso é que se pode afirmar que os direitos garantidos em uma


sociedade não podem ser alcançados observando-se apenas a Constituição
daquela sociedade, mas dependem de uma conjectura de fatores que envolvem
também decisões políticas adequadas para alocação de recursos. (HOLMES;
SUNSTEIN, 2011, p. 15; REISSINGER, 2008).

É nesse contexto de avanço dos casos pleiteando acesso a serviços de


saúde públicos que o Poder Judiciário, usando da sua função administrativa e
jurisdicional, convocou para uma Audiência Pública a sociedade e os diferentes
setores envolvidos na complexa teia que desencadeou o fenômeno da
judicialização da saúde no Brasil para que discutissem e propusessem
alternativas de superação daquele fenômeno. Trata-se da Audiência Pública de
51

Saúde ocorrida no Supremo Tribunal Federal no ano de 2009.


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A AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009

No ano de 2009 o Supremo Tribunal Federal convocou uma “Audiência


Pública” com objetivo de trazer ao poder judiciário diferentes conhecimentos,
análises e perspectivas acerca da intervenção judicial nos litígios que
demandavam medicamentos e serviços de saúde de alto custo, intencionando
que a questão fosse debatida entre advogados, defensores públicos, promotores
e procuradores de justiça, magistrados, professores, médicos, técnicos de
saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde.

A “Audiência Pública” que fora prevista já nas leis 9.868/99 e 9.882/99 as


quais disciplinam o processo e julgamento das ações diretas de
inconstitucionalidade, declaratórias de inconstitucionalidade e arguições de
descumprimento de preceito fundamental, havia sido regulamentada pela então
recente Emenda Regimental nº 29/2009 e dava competência ao Presidente ou
Relator para convocar e ouvir depoimento de pessoas com experiência em
determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de
questões com interesse público relevante.

No despacho de convocação a necessidade e o interesse público da


realização da discussão foram apresentados considerando a existência de
diversos pedidos de suspensão de medidas cautelares que determinavam o
fornecimento de diferentes prestações de saúde por meio do Sistema Único de
Saúde. As pretensões expostas no documento variavam entre medicamentos,
vagas em UTI’s, cirurgias, tratamentos no exterior; contratação de funcionários
dentre outros serviços. Todas elas tinham um elemento em comum: o pedido era
52

feito em desfavor do poder público sob o argumento do dever de garantia de um


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direito fundamental.

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Diante da variação de pleitos que chegaram a eclodir no Supremo Tribunal


Federal a audiência pública foi aberta à sociedade civil em geral com a
convocação de especialistas em matéria de Sistema Único de Saúde,
“objetivando esclarecer as questões técnicas, científicas, administrativas,
políticas, econômicas e jurídicas relativas às ações de prestação de saúde”
(BRASIL, 2009, p.2. Despacho de Convocação).

As linhas de discussão foram assim definidas:

a) Responsabilidade dos entes da federação em matéria


de direito à saúde; b) Obrigação do Estado de fornecer
prestação de saúde prescrita por médico não pertencente
ao quadro do SUS ou sem que o pedido tenha sido feito
previamente à Administração Pública; c) Obrigação do
Estado de custear prestações de saúde não abrangidas
pelas políticas públicas existentes; d) Obrigação do Estado
de disponibilizar medicamentos ou tratamentos
experimentais não registrados na ANVISA ou não
aconselhados pelos Protocolos Clínicos do SUS; e)
Obrigação do Estado de fornecer medicamento não licitado
e não previsto nas listas do SUS; f) Fraudes ao Sistema
Único de Saúde (BRASIL, 2009, p.2. Despacho de
Convocação).

Como é possível observar, já pela fixação dos eixos temáticos para a


discussão proposta, a iniciativa dedicou-se a problematizar as funções e
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obrigações estatais e a organização do Sistema Único de Saúde sob aspectos


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diversos, ficando de fora da proposta debates acerca de demandas de saúde


que envolvessem organizações privadas de proteção.

Importa destacar que já para organizar os debates o Supremo Tribunal


Federal fixou um ponto de limitação da discussão, e ao fazê-lo assumiu uma
posição no diálogo que desde a abertura da audiência pública refutou o que o
Ministro Gilmar Mendes, então Presidente do Supremo Tribunal federal, definiu
como “posições radicais que neguem completamente a ação do Poder Judiciário
ou que preguem a existência de um direito subjetivo a toda e qualquer prestação
de saúde” (BRASIL, 2009, p.10, notas taquigráficas de abertura).

Diante deste ponto de partida limitador colocado para a discussão, restou


claro que todo conteúdo e debate da audiência pública não estava aberto a
problematizar a legitimidade da atuação judicial em si nas demandas de saúde,
vez que como fixado, nestes casos o Supremo Tribunal Federal já tinha como
certa a inafastabilidade da jurisdição, no sentido de que não poderia o poder
judiciário se eximir de atuar quando provocado pelo pleito de um direito a saúde.

Como incontestável também foi dada a posição de que nem toda e


qualquer prestação de saúde levada ao judiciário figuraria como um direito
subjetivo passível de tutela e sobre este ponto esperava-se a contribuição dos
gestores, profissionais e especialistas sobre o Sistema Único de Saúde.

Na abertura da audiência pública o Presidente do Supremo Tribunal


Federal, deixa evidentes as contribuições esperadas pelo debate da organização
política da saúde no Brasil:

Uma questão de fundamental importância diz respeito à


54

divisão de competências no SUS. Quais são as


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consequências práticas do reconhecimento da


responsabilidade solidária dos entes federados em matéria
de saúde para a estrutura do Sistema e para as finanças
públicas?

Em relação à própria gestão do SUS e ao princípio da


universalidade do Sistema, questionam-se se prescrições
de medicamentos, subscritas por prestadores de serviços
privados de saúde podem subsidiar as ações judiciais, ou
se não se deveria exigir que a prescrição fosse de autoria
de médico credenciado junto ao SUS e que o processo
judicial fosse antecedido por pedido administrativo.

São questionamentos que comumente se colocam.

Quanto ao princípio da integralidade do Sistema, importa


analisar as consequências do fornecimento de
medicamentos e insumos sem registro na ANVISA, ou não
indicados pelos Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do
SUS. Porque razão os medicamentos prescritos ainda não
se encontram registrados? Haverá um descompasso entre
as inovações da medicina e a elaboração dos Protocolos e
Diretrizes Terapêuticas?

Há realmente eficácia terapêutica nos medicamentos não


padronizados que vêm sendo concedidos pelo Poder
Judiciário? Esses medicamentos possuem equivalentes
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terapêuticos oferecidos pelos serviços públicos de saúde


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capazes de tratar adequadamente os pacientes? Há


resistência terapêutica aos medicamentos padronizados?

Por que, muitas vezes, os próprios profissionais de saúde


do SUS orientam os pacientes a procurar o Poder
Judiciário? São casos de omissão de política pública, de
inadequação da política existente ou há outros interesses
envolvidos?

O estudo da legislação do SUS permitirá distinguir as


demandas que envolvem o descumprimento de uma
política pública de saúde, das demandas que buscam
suprir uma omissão do gestor de saúde, e como isso pode
interferir na atuação do Poder Judiciário (BRASIL, 2009,
p.8-9, notas taquigráficas de abertura).

Há, portanto, nítidas intenções de aproximação entre as contribuições da


política pública de saúde e do Direito, deixando-se evidente, a princípio, que a
discussão não deveria ser direcionada a uma incidência puramente política ou
puramente jurídica que pudesse fundamentar ou não a falta de legitimidade
política do poder judiciário ao tratar da questão, ou mesmo a necessidade
jurídica de uma atuação constante e permanente.

Isto é, não caberia na discussão aquelas posições que em dois extremos


de todo debate acerca do tema retirassem do poder judiciário o poder ou a
função de intervir quando demandando por uma prestação de saúde, e, nem
mesmo aquelas que defendam que toda prestação de saúde levada ao litígio se
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configuraria como um direito, e que assim sendo deveria ser garantido


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judicialmente sem objeções.

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Essa limitação às posições extremas do debate apenas refletem o próprio


fundamento da abertura de uma audiência pública. Nesta altura de posição
institucional, o poder judiciário já se via não só legitimado a atuar nos casos que
demandavam prestações de saúde, como se deparava com inúmeros casos já
decididos ou a decidir que envolvem na maioria das vezes “situações trágicas no
julgamento do pedido de cada cidadão que reclama um serviço ou um bem de
saúde, muitas vezes extremamente urgentes e imprescindíveis” (BRASIL, 2009,
p.6, notas taquigráficas de abertura).

Em alguns casos, satisfazer as necessidades das pessoas


que estão à sua frente, que têm nome, que têm suas
histórias, que têm uma doença grave, que necessitam de
um tratamento específico, pode, indiretamente, sacrificar o
direito de muitos outros cidadãos, anônimos, sem rosto,
mas que dependem igualmente do sistema público de
saúde (BRASIL, 2009, p.6, notas taquigráficas de
abertura).

Os debates foram organizados em 06 (seis) dias divididos por pertinências


temáticas. No primeiro dia, o tema de debate foi o “Acesso às prestações de
saúde no Brasil – Desafios ao Poder Judiciário” tendo sido conduzido os debates
por representações jurídicas do poder executivo; representações da gestão da
saúde pública e do poder judiciário.

No segundo dia o tema colocado como eixo foi a “Responsabilidade dos


entes da federação e financiamento do SUS” verificando-se nesta fase maior
57

representação por gestores de saúde pública bem como integrantes de


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conselhos representativos em saúde. O próximo eixo de discussão foi a “Gestão

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do SUS – Legislação do SUS e universalidade do sistema”, onde os debates


tiveram representações de vários setores, mas majoritariamente de
representantes de setores executivos da política de saúde.

O quarto dia com o tema de “Registro na Anvisa e protocolos e diretrizes


terapêuticas no SUS” contou com especialistas e profissionais da área da saúde
junto com representantes do poder executivo de diferentes setores visando
levantar especificamente a incorporação de novos tratamentos e tecnologias
pelo SUS e a articulação do sistema com a Agência Reguladora.

O quinto dia foi dedicado a discutir a relação entre a política pública e o


direito ganhando o eixo temático de “Políticas Públicas de Saúde – Integralidade
do Sistema” e o sexto dia dedicou-se à “Assistência Farmacêutica do SUS” onde
a participação de organizações não governamentais se manifestou pela
defasagem da lista de medicamentos do Sistema Único de Saúde e os órgãos
governamentais após explicarem o procedimento de inclusão de novos
medicamentos relataram a necessidade de avanços neste ponto.

Todas as variadas e algumas vezes divergentes falas e argumentos dos


diferentes atores da discussão empreendida encontram-se disponíveis na
página do Supremo Tribunal Federal na internet. Na busca de sintetizá-los,
vários foram os estudos que analisaram os argumentos levantados naquela
ocasião e a influência que os mesmos tiveram na tomada de decisões do
judiciário após 2009.

Santos, A.O., (2013), por exemplo, empreendeu uma extensa análise dos
argumentos contidos nos 63 discursos proferidos na Audiência Pública de Saúde
58

por meio da identificação de teses, proposta e dilemas levantados naquela


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ocasião, compilados a partir da reunião de argumentos idênticos em

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subcategorias e microcategorias com o objetivo de confrontar cada um destes


argumentos com as decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal a partir
daquela ocasião, bem como com a Resolução 31 do CNJ.

Naquele estudo, os 63 discursos analisados originaram 300 fragmentos


que por sua vez geraram 705 argumentos, dos quais 146 foram considerados
“fortes” por terem sido incorporados nas decisões judicias e os demais
considerados “não fortes” haja vista a não incidência nos argumentos de tomada
de decisão judicial (SANTOS, A.O., 2013).

Analisando os dados obtidos a partir da “Teoria dos Sistemas” de Niklas


Luhman, Santos, A.O., (2013) identifica que a Audiência Pública trouxe reflexos
ao subsistema jurídico e provocou acoplamento estrutural de algumas irritações
apresentadas na medida em que “houve, parcialmente, a absorção de
fundamentos acerca do sistema público de saúde” (SANTOS, A. O., 2013,
p.159).

O “acoplamento estrutural” apontado por Santos, A. O., (2013) é dado


como parcial uma vez que após a quantificação dos argumentos levantados em
audiência e a confrontação dos mesmos com as principais decisões posteriores
sobre o tema, verificou-se que 20% dos argumentos expostos foram
incorporados à prática decisória do judiciário, inferindo ainda “que muitos deles
estavam nitidamente revestidos da formalidade exigida pelo código do
subsistema jurídico direito/não direito”.

Valle e Camargo (2011, p.21) lembram que após a realização da


audiência pública as decisões2 do Supremo Tribunal Federal firmaram o
59

entendimento de que todos os entes políticos que compõem, no plano


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institucional, a organização federativa do Estado brasileiro devem garantir o

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direito à saúde conforme art. 196 da Constituição Federal de 1988 sendo que o
deferimento dos pedidos de prestações de saúde devem ser analisados de forma
a considerar as especificidades do caso concreto levado ao judiciário e à
existência ou não de uma política estatal que abranja a prestação de saúde
pleiteada pela parte de forma a preservar a separação de poderes.

Em um estudo descritivo-analítico para identificar o conteúdo dos


discursos proferidos na audiência Pública de Saúde Gomes et.al (2014, p.144)
classificou os palestrantes da audiência pública por setor de representação,
verificando que os gestores da saúde possuíam maior representação, sendo 10
(dez) de instituições federais, 03 (três) de instituições estaduais e 2 (dois)
municipais. Os considerados operadores do direito foram 14 (quatorze), a
assistência privada possuía 1 (um) representante, assim como a indústria. A
sociedade civil foi considerada representada por usuários dos serviços de saúde
em número de 7 (sete), de 5 (cinco) representantes das associações de
profissionais de saúde e 8 (oito) representantes das instituições de ensino e
pesquisa.

Analisando os discursos, a partir de três dos pontos de vista: favoráveis,


contrários e aqueles que levantaram pontos negativos e positivos, Gomes et.al
(2014, p.145) observa uma dicotomia de posicionamento entre usuários e
gestores do SUS vez que os usuários se mostraram essencialmente favoráveis
a judicialização, enquanto que, dos quinze representantes da gestão, onze se
mostraram essencialmente contrários (Tabela 1).

Tabela 1. Posicionamento em relação à judicialização na Audiência Pública de Saúde, em


valores absolutos.
60

Posicionamento em relação à judicialização


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Representação Essencialmente Essencialmen Levanta pontos Total


a Favor te Contra negativos e
positivos

1. Usuário 6 - 1 7
2. Indústria - - 1 1
3. Gestor federal 1 7 2 10
4. Gestor estadual - 2 1 3
5. Gestor municipal - 2 - 2
6. Academia 3 2 2 8*
7. Operador de direito 5 4 5 14
8. Associação de 1 - 4 5
profissionais
9. Assistência privada - 1 - 1
Total 16 18 16 21*

Fonte: GOMES, Dalila F. et al. Judicialização da saúde e a audiência pública convocada


pelo Supremo Tribunal Federal em 2009: o que mudou de lá para cá. Saúde Debate. Rio de
Janeiro, v. 38, n. 100, p. 139-156, 2014. (Com adaptações)
Nota: *Um representante da academia não trouxe argumentos, nem a favor nem contra.

Ainda utilizando-se do estudo de Gomes et.al (2014), percebe-se que


muitas foram as alternativas propostas para contornar as causas e os efeitos da
judicialização no Brasil. O estudo revela que foram identificados 29 pontos de
propostas de enfrentamento da judicialização, os quais, em conjunto foram
citados 115 vezes por diferentes atores envolvidos.

Da análise dos pontos levantados para contornar a judicialização se infere


que as ações levantadas demandam a atuação dos três poderes: Executivo,
61

Judiciário e Legislativo, apesar de não ter havido participação do órgão


legislativo nos debates.
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Gomes et.al (2014, p.148) mostram que as duas propostas mais citadas,
mencionadas por aproximadamente um terço dos palestrantes, são aquelas
“relacionadas aos papéis desempenhados pelos órgãos federais de regulação
da saúde (Anvisa e MS) e pelo Judiciário” identificando que os dois órgãos
tomaram medidas intencionadas a considerar alguns dos argumentos citados.

Destes pontos, destacam-se para o objeto desse estudo as propostas


dirigidas ao Poder Judiciário, especialmente a de “fornecer assessoria técnica
ao Judiciário” para melhor tomada de decisões bem como a articulação de
“diálogo permanente entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo em relação à
saúde”, porque tais propostas incorporadas formalmente na Recomendação 31
do Conselho Nacional de Justiça para todos os tribunais do país revelam a
tendência de um tratamento intersetorial como alternativa a judicialização da
saúde (GOMES, 2014).

A “SOCIEDADE EM REDE” NA POLÍTICA PÚBLICA E NA JUDICIALIZAÇÃO


DA SAÚDE

É importante destacar que apesar do conceito de redes estar presente na


área de saúde tanto em estudos teóricos e políticas governamentais quanto em
estratégias privadas de articulação e integração de unidades de serviços como
lembram Fleury & Ouverney (2007), esse estudo pretende analisar a
contribuição e o uso do conceito especialmente para a gestão das políticas
públicas de saúde e sua relação com o movimento de judicialização apresentado
no capítulo anterior.
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AS PROPOSTAS DO JUDICIÁRIO PARA SUPERAÇÃO DA


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AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009
VANESSA GENÍCIA DUARTE
AS PROPOSTAS DO JUDICIÁRIO PARA A SUPERAÇÃO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL
A PARTIR DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009

Para apresentar a concepção de que a sociedade atual se organiza de


um modo cada vez mais horizontal e baseado em redes, bem como a relação
dessa perspectiva sociológica com as políticas públicas e a judicialização da
saúde, parte-se inicialmente da inafastável proposição científica de que as
diferentes formas de conhecimento têm uma vinculação específica a diferentes
práticas sociais. Portanto, uma transformação profunda nos modos de conhecer
está relacionada, de uma maneira ou de outra, com uma transformação
igualmente profunda nos modos de organizar a sociedade, e,
consequentemente, na forma com que suas instituições se organizam (SANTOS,
B. S., 2013).

É preciso considerar, amparando-se nas incursões de Castells (2012),


que o paradigma da tecnologia da informação fornece bases materiais para uma
nova morfologia social, de maneira que, nossas sociedades que passam a se
organizar sob a lógica de redes3. Verifica-se como uma tendência histórica que
as funções e os processos dominantes na era da informação estão cada vez
mais dominados em torno de estruturas abertas que se integram e se comunicam
através do compartilhamento de códigos comuns (CASTELLS, 2012).

Essa nova forma de organização social, dentro de sua


globalidade que penetra em todos os níveis da sociedade,
está sendo difundida em todo o mundo, do mesmo modo
que o capitalismo industrial e seu inimigo univitelino,
estatismo industrial, forma disseminados no século XX,
abalando instituições, transformando culturas, criando
riquezas e induzindo a pobreza, incitando a ganância, a
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inovação e a esperança, e ao mesmo tempo impondo o


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rigor e instilando o desespero. Admirável ou não, trata-se


na verdade de um mundo novo (CASTELLS, 2010 p. 17).

Dentro desse contexto, Castells (2010, p.296) observa que globalização


da produção e do investimento tem representado uma constante ameaça às
promessas de um Estado de bem-estar-social, um dos principais componentes
das políticas dos Estados- nação dos últimos 50 anos, haja vista que as
empresas, com poder de atuação e investimento global, estão cada vez menos
interessadas a arcar com grandes diferenciais de custos em termos de
benefícios sociais.

Analisando a crescente destituição de poder do Estado nessa nova


morfologia social de redes, Castells (2010, p.296) identifica que os esforços do
Estado para restaurar sua legitimidade tem ocorrido por meio da
descentralização do poder administrativo, delegando-o às esferas regionais e
locais.

Assim ele identifica o comportamento Estatal em face das exigências


sociais:

A incapacidade cada vez mais acentuada de o Estado-


Nação atender simultaneamente a essa ampla gama de
exigências [exigências e reinvindicações da sociedade
civil] leva ao que Habermas denomina crise de legitimação,
ou, segundo a análise de Richard Sennett, à “decadência
do homem público”, a figura que representa as bases da
cidadania democrática. Para superar tal crise de
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legitimação, os Estados descentralizam parte de seu poder


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em favor de instituições políticas locais e regionais. Essa

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transferência de poder decorre de duas tendências


convergentes. De um lado, dada a diferenciação territorial
entre as instituições do Estado, as identidades das
minorias regionais e nacionais conseguem se manifestar
com maior desenvoltura em níveis local e regional. Por
outro lado, os governos nacionais tendem a concentrar-se
na administração dos desafios impostos pela globalização
das riquezas, da comunicação e do poder, permitindo,
portanto, que escalões inferiores do governo assumam a
responsabilidade pelas relações com a sociedade tratando
das questões do dia-a-dia, com o objetivo de reconstruir
sua legitimidade por meio da descentralização do poder.
Contudo, uma vez instaurado tal processo de
descentralização, os governos locais e regionais podem
tomar iniciativas em nome de suas respectivas populações
e até mesmo elaborar estratégias de desenvolvimento
distintas do sistema global, o que faz com que concorram
diretamente com seus próprios Estados centrais
(CASTELLS, 2010 p. 317).

Diante da impossibilidade de atender todas as demandas sociais na


sociedade em rede, o Estado encontra como alternativa de reafirmar sua
legitimidade a descentralização de seus poderes, de forma a localizar de maneira
próxima aos cidadãos (ao menos idealmente) quais as exigências sociais serão
priorizadas, haja vista que sendo os recursos naturalmente escassos, a
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descentralização e a regionalização se apresentam como uma alternativa


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atraente para a seleção de prioridades.

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O surgimento das redes na gestão política surge, assim, da incapacidade


do Estado em responder a complexidade das demandas sociais, processo que
foi favorecido no Brasil pela democratização, o alargamento constitucional do rol
de direitos assegurados e o surgimento de organizações sociais para defesa dos
direitos sociais e para gestão das políticas públicas (FLEURY; OUVERNEY,
2007; JUNQUEIRA; DAPUZZO, 2010).

Nesse sentido, Arretche (2006) lembra que os constituintes de 1988


optaram pelo formato das competências concorrentes para a maior parte das
políticas sociais brasileiras, apesar da Constituição de 1988 não ter alterado a
estrutura institucional da gestão de políticas sociais herdadas do regime militar.

Na política pública de saúde, verifica-se a participação de Estados e


Municípios no processo de formulação por meio da institucionalização de
espaços de negociação, que suprimiram do Ministério da Saúde a possibilidade
de estabelecer unilateralmente as regras de funcionamento do SUS
(ARRETCHE, 2006, p.23).

Estes espaços de negociação apresentam-se como mecanismos de


descentralização em contrapeso com a concentração de poderes do executivo
federal demonstrando a tendência de aproximação das políticas aos interesses
locais, característica do comportamento de legitimação estatal na sociedade em
rede.

A descentralização política-administrativa torna mais complexo o contexto


da coordenação por aumentar os elos de articulação entre as esferas federal,
estadual e municipal. No campo das políticas sociais, o processo de
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descentralização ampliou de modo considerável as transferências


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intergovernamentais e a responsabilidade no atendimento das demandas sociais


passou a ser compartilhada entre as diferentes esferas (LEITE, 2011, p.2).

Nesse rompimento com um modelo altamente centralizado de gestão de


políticas públicas as transformações no sistema de saúde pretenderam
acompanhar a lógica de estruturação em rede ao introduzirem novas instâncias
e atores no processo de gestão e também ao ampliarem os vínculos e as
relações interorganizacionais no campo das políticas de saúde (FLEURY;
OUVERNEY, 2007, p.111).

A emergência do conceito de redes no contexto da


administração pública atual, cuja intensificação se deu nos
anos 90, veio revelar as deficiências de uma série de
abordagens teóricas tradicionais que, aplicadas às
diversas dimensões de atuação do Estado, buscavam
inferir e explicar padrões de comportamento dos atores
envolvidos. Na medida em que tais paradigmas não mais
ofereciam explicações convincentes diante de novos
padrões de organização marcados pela crescente
fragmentação e interdependência dos formatos
organizacionais e inter-relacionais, o conceito de redes se
mostrava como a abordagem mais promissora, justamente
por fornecer as bases teóricas mais apropriadas à
descrição e análise desses novos elementos (DIAS, 2011,
p.6).
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Apesar do processo de descentralização das políticas públicas de saúde


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ser complementado pela edição de normas regulamentadoras do Ministério da

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Saúde (ARRETCHE, 2006; FLEURY; OUVERNEY, 2007), a criação do Sistema


Único de Saúde, regido pelas Leis 8.008/90 e 8.142/90 demonstrou a adoção de
uma rede intergovernamental de gestão da política ao definir os critérios para as
transferências de recursos bem como as características gerais do sistema e os
atores nele inseridos, sendo perceptível atribuições diferentes para diferentes
níveis de governo.

Com a instituição do Sistema Único de Saúde ocorreram inovações


gerenciais da política de saúde que apesar da coordenação federal através da
fixação de diretrizes conferiram à esfera municipal competência para adoção de
estratégias de trabalho de forma a priorizar os interesses locais e a participação
social. Esse sistema descentralizado e permeado pela possibilidade de
inferência da sociedade civil converge com o “padrão de ação de Estado
difundido internacionalmente pela teoria de redes de políticas desenvolvida nas
décadas de 1990” (FLEURY; OUVERNEY, 2007, p.119).

O texto constitucional no artigo 1984 já havia fixado as bases de


organização descentralizada do SUS e determinado a interdependência de suas
partes na formação de um sistema único, mas a Lei 8.080 de 1990 reforçou essa
gestão descentralizada e aberta a organização em rede em vários pontos.
Destaca-se a previsão de que os municípios podem constituir consórcios para
desenvolver em conjunto as ações e serviços de saúde que lhes correspondem
(Art.10 da Lei 8080 de 1990) (MELO; CUNHA; TONINE, 2012).

A instituição do SUS tenta romper com a lógica hierarquizada de “esferas


do governo” e “níveis de atenção” e introduz-se a necessidade de pactos
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coletivos.
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Nesses pactos, renovados periodicamente, gestores e


trabalhadores de saúde se comprometem, através de seus
processos de trabalho, como desenvolvimento de uma
malha de cuidados ininterruptos progressivos. Sustentam-
se esses pactos com processos de cogestão, onde se
implicam autonomia e fluxos matriciais de conhecimento,
práticas e responsabilidades (JUNIOR; ALVES; ALVES,
2010, p.85).

Portanto, a instituição do SUS revela a abertura de possibilidade de se


trabalhar uma gestão de política em saúde descentralizada e organizada em
rede envolvendo mais de um ator na sua implementação e mais de um setor
público, inclusive para setores privados.

O SUS rompeu com o paradigma de políticas fragmentadas e legitimou


mudanças na atuação do papel do Estado, que foi obrigado a reconhecer saúde
como um direito de todos os cidadãos e de fundamental importância para o ser
humano (ANDRADE, 2006).

Encontra-se assim, já na instituição de um Sistema Único de Saúde, a


proposta de articulação de saberes e experiências no planejamento, execução e
avaliação de ações políticas, visando o desenvolvimento da sociedade e
inclusão social. Isso significa falar em intersetorialidade como uma tentativa de
reverter o quadro de exclusão social, promover melhorias na qualidade de vida
da população e superar a fragmentação das políticas (JUNQUEIRA; INOJOSA,
1997).
69

Mesmo que a política pública de saúde seja organizada de forma


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intersetorial, a intervenção judicial com condenações individuais e até mesmo

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coletivas não observa o planejamento e a execução dessas políticas, mas tão


somente pretende garantir o direito social a saúde, sem adentrar na forma como
a efetivação desse direito encontra-se planejada pelas diretrizes políticas.

Há então a transferência de questões políticas de alocação de recurso


que deveriam ser tradicionalmente planejadas pelos gestores públicos para o
poder judiciário, que decide em boa parte casos individuais de forma isolada e
sem conhecimento da organização política de implementação social da política
pública de saúde.

Como já apresentado, essa transferência de atribuição política a qual se


denomina judicialização tem constituído um problema que afeta não só a gestão
e os orçamentos públicos, mas também o próprio poder judiciário e suas
atribuições administrativas, que se vê cada vez mais abarrotado de casos que
litigam pela implementação de políticas de saúde seja com a concessão de
tratamentos ou medicamentos.

Essa preocupação do Poder Judiciário brasileiro foi formalmente


percebida com a Audiência Pública de n. 04/2009 no Supremo Tribunal Federal,
onde foram abordados os desafios do Poder Judiciário na efetivação do direito à
saúde e a responsabilidade dos entes da federação. Naquela ocasião, como já
delineado anteriormente, representantes de vários setores sociais ofereceram
contribuições para enfrentamento da judicialização no Brasil.

Considerando as contribuições dessa Audiência Pública, o Conselho


Nacional de Justiça editou a Recomendação nº31 de 2010, onde restou evidente
a preocupação institucional com a judicialização da saúde e a necessidade do
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Poder Judiciário se integrar a uma articulação com outros atores institucionais


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para “assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo


a assistência de saúde” (BRASIL, 2010).

Das recomendações elencadas pode-se extrair a seguinte abertura para


o discurso intersetorial:

I. Recomendar aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos


Tribunais Regionais Federais que:

a) até dezembro de 2010 celebrem convênios que


objetivem disponibilizar apoio técnico composto por
médicos e farmacêuticos para auxiliar os magistrados na
formação de um juízo de valor quanto à apreciação das
questões clínicas apresentadas pelas partes das ações
relativas à saúde, observadas as peculiaridades regionais.

b) orientem, através das suas corregedorias, aos


magistrados vinculados, que:

b.1) procurem instruir as ações, tanto quanto possível, com


relatórios médicos, com descrição da doença, inclusive
CID, contendo prescrição de medicamentos, com
denominação genérica ou princípio ativo, produtos,
órteses, próteses e insumos em geral, com posologia
exata;

(...)

b.3) ouçam, quando possível, preferencialmente por meio


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eletrônico, os gestores, antes da apreciação de medidas de


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urgência;

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(...)

d) promovam, para fins de conhecimento prático de


funcionamento, visitas dos magistrados aos Conselhos
Municipais e Estaduais de Saúde, bem como às unidades
de saúde pública ou conveniadas ao SUS, dispensários de
medicamentos e a hospitais habilitados em Oncologia
como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em
Oncologia - UNACON ou Centro de Assistência de Alta
Complexidade em Oncologia - CACON; (BRASIL, 2010,
grifos nossos).

Percebe-se, através destes marcos formais, que o Poder Judiciário


brasileiro, apesar de ainda alimentar muitas vezes a judicialização da saúde e
de reconhecer seus nefastos efeitos, encontra-se ciente de que se trata de uma
questão complexa que não será resolvida de maneira solipsista e por isso
começa a abrir suas portas ao diálogo com outros atores institucionais.

Bergallo (2005), tomando como base o contexto Argentino pós 19945,


aborda a questão da legitimidade e da capacidade institucional do judiciário em
atuar ativamente em tais casos, abordando inclusive, a função e os tipos de
soluções que o judiciário pode (ou deve) promover para contribuir (BERGALLO,
2005).

E, em face dos problemas enfrentados, a autora sugere a estrutura do


modelo experimentalista de litigância, que, configura-se como uma forma de
governança em rede e multinivelada cujos processos decisórios são
72

configurados de forma que qualquer pessoa possa colaborar, rompendo assim


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a estrutura hierarquizada e fechada (BERGALLO, 2005; SABEL & SIMON,


2004).

Com efeito, consolidado nos pressupostos de negociação; fluidez,


continuidade e provisionalidade das decisões, e ainda, da transparência, o
modelo de medidas experimentalistas contempla um processo permanente de
múltipla participação e autorrevisão em vez de um procedimento único de
reajuste com base em critérios fixos e predeterminados (BERGALLO, 2005, p.
19; SABEL & SIMON, 2004, p. 1018-1019).

Para Castells (2010, p.287), “o desafio à soberania e a legitimidade dos


Estados em todo o mundo parece advir da incapacidade de o Estado-Nação
moderno navegar por águas tempestuosa e desconhecidas entre o poder das
redes”. O judiciário brasileiro, nesse sentido, dá indício de que pretende se
ajustar a essa lógica de organização social em rede para enfrentar a
problemática da judicialização.

É inegável que o nível de diálogo gerado tem o condão de fortalecer as


relações entre as organizações civis e institucionais e, como consequência,
podem resultar no fortalecimento de suporte político, maior mobilização social
para as discussões que a efetivação do direito à saúde conclama.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A judicialização da saúde é um fenômeno complexo e ainda sem soluções


no contexto brasileiro. Seus efeitos e sua legitimidade ainda são objeto de
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grandes debates em diversas áreas de conhecimento, havendo aqueles que o


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reconhecem como benéfico e os que não veem suporte para uma atuação
judicial política.

Entretanto, este breve estudo não pretendeu entrar nesse debate de ricas
e variadas argumentações, teve por intuito apresenta-lo como um fenômeno
atual e corrente que se coloca aos olhos dos gestores públicos e do judiciário
conclamando por um enfrentamento do conflito entre efetivação de um direito
social que demanda recursos escassos frente à higidez das contas públicas e do
gerenciamento das políticas de saúde.

A nova morfologia social baseada na intercomunicação entre diferentes


setores e a estruturação em rede já foi adotada pelas políticas públicas de saúde,
como manifestação de um Estado que por ter se tornado grande demais teve de
pulverizar sua gestão de forma a se fazer mais perto dos destinatários daquela
política.

Apesar do poder judiciário ter assumido paternalmente a função de


garantia dos direitos constitucionais sociais, o que intensificou o fenômeno da
judicialização da saúde, assiste-se a um momento em que este órgão
institucionalmente reconhece suas limitações para enfrentar sozinho as
demandas de saúde e busca a comunicação com o outros setores, integrando-
se a lógica atual das sociedades em rede.

Assim, o tratamento intersetorial das políticas públicas se apresenta como


uma alternativa interessante para minimização dos problemas, na medida em
que pode contribuir com a redução de demandas e com melhores decisões
judiciais que passariam a ser fundamentadas com base nos conhecimentos de
74

mais de um setor social, além de se alinharem a lógica por trás da organização


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das políticas públicas de saúde após os anos 90.

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AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009
VANESSA GENÍCIA DUARTE
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NOTAS

1O Estado de São Paulo, por exemplo, somente no ano de 2008, gastou


R$400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) no atendimento às demandas
judiciais de saúde. Esse gasto é 567% maior do que o gasto de 2006, que foi de
81

60 milhões. Já no ano de 2010, os gastos chegaram a quase R$700 milhões


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(BRASIL, 2013).

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2AI nº 553.712/RS-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo


Lewandowski, DJ de 19/6/09; Suspensões de Tutela (STA) nº 175, 211 e 278;
Suspensões de Segurança nº. 3724, 2944, 2361, 3345 e 3355; Suspensão de
Liminar (SL) n. 47, todas julgadas em 2010 e relatas pelo Ministro Gilmar
Mendes.

3A conceituação de “rede” adotada nesse trabalho tem inspiração na teoria de


Manuel Castells (2012) para o qual “Rede é um conjunto de nós interconectados.
Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que um nó é
depende do tipo de redes concretas de que falamos. (...) A topologia definida por
redes determina que a distância (ou intensidade e frequência da interação) entre
dois pontos (ou posições sociais) é menor (ou mais frequente ou mais intensa),
se ambos os pontos forem nós de uma rede do que se não pertencerem à mesma
rede. Por sua vez, dentro de determinada rede os fluxos não têm nenhuma
distância, ou a mesma distância entre os nós. Portanto, a distância (física, social,
econômica, política, cultural) para um determinado ponto ou posição varia entre
zero (para qualquer nó da mesma rede) e infinito (para qualquer ponto externo a
rede). A inclusão/exclusão em redes e a arquitetura das relações entre redes,
possibilitadas por tecnologias da informação que operam á velocidade da luz,
configuram os processos e funções predominantes na nossa sociedade. Redes
são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos
nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que
compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou
objetivos de desempenho)” (CASTELLS, 2012 p. 566).
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A PARTIR DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE DE 2009

4“Art. 198. As ações e ser viços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (...)”
(BRASIL, 1988).

5A reforma Constitucional Argentina de 1994 inaugurou um novo tipo de litigância


no país, na medida em que ressaltou a importância do judiciário no processo de
transição democrática de implementação de direitos e garantias fundamentais.
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BRUNA CRUZ DE ANHAIA
DISCRUSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

DISCURSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS


MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

BRUNA CRUZ DE ANHAIA

Bacharela em Ciências Sociais pela UFRGS,


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Mestra em Sociologia pela UFRGS, Graduanda


Página

em Políticas Públicas e Doutoranda em

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DISCRUSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

Sociologia na UFRGS. Bolsista da CAPES. E-


mail: bruna.anhaia@ufrgs.br

RESUMO

A adoção de políticas públicas voltadas à inclusão de pessoas com baixa renda,


negros e indígenas no ensino superior brasileiro é objeto de intensas disputas e
debates. Dentre estas medidas inclusivas, citam-se as ações afirmativas (AAs),
as quais comumente tomam a forma de cotas. Destaca-se um marco na
discussão dos aspectos constitucionais das AAs: o julgamento da Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental 186 pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) em 2012, que alegava a inconstitucionalidade destas medidas. Entende-
se que ao discutir os aspectos constitucionais e inconstitucionais dos elementos
estruturantes desta política se contribui para dar forma ao seu texto em
diferentes âmbitos, logo se percebe a relevância deste acontecimento jurídico e
dos ministros como atores a serem investigados a fim de melhor compreender
as AAs atualmente em vigor. O objetivo deste trabalho é analisar os discursos
dos ministros do STF no julgamento da Ação, cuja decisão se deu pela
permissibilidade da adoção de AAs e viabilizou a implementação de cotas no
setor público federal, averiguando-se suas visões de mundo, fundamentação de
argumentos etc.
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INTRODUÇÃO

As primeiras experiências de ação afirmativa (AA) no ensino superior


brasileiro voltadas à inclusão de negros, indígenas e pessoas com baixa renda
datam do início dos anos 2000. Em 2001, registra-se a adoção de um programa
de ações afirmativas por parte da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; e,
em 2003, pela Universidade de Brasília (UnB). A voluntariedade de adesão a
este tipo de medidas em universidades públicas federais se deu até o ano de
2012, quando o governo federal sancionou a lei 12.711 que institui a
obrigatoriedade de cotas em suas universidades e institutos técnicos.

No decorrer de todos estes anos, acirradas discussões no âmbito do


Direito, sobretudo, no que diz respeito à constitucionalidade das políticas de
ações afirmativas marcaram o contexto da produção de seus textos. Conforme
Ball e Bowe (1992), esse contexto corresponde à segunda etapa do ciclo de
elaboração e de implementação de políticas, no qual os textos políticos tomam
forma – seja como textos legais oficiais, seja como comentários formais e etc. –
, eles são resultados de disputas e acordos. Ele é o foco deste trabalho.

O objetivo é analisar os discursos dos ministros do Supremo Tribunal


Federal (STF) no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 186, ajuizada contra a política de cotas raciais da UnB,
cuja decisão se deu pela permissibilidade da adoção de AAs no ensino superior
brasileiro e viabilizou a implementação de cotas no setor público federal. Para
tal, faz-se a análise deste tipo textual que é a argumentação, na perspectiva da
análise do discurso. Nela, o discurso possui importância central na construção
da vida social, visto que busca estabelecer uma versão do mundo diante de
versões competitivas. A linguagem, portanto, não é um meio neutro de refletir ou
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descrever o mundo (GILL, 2002).


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Os materiais em análise consistem nos registros do julgamento em vídeo


e no documento do acórdão, publicado em 2014. Ambos os materiais estão
disponíveis na internet, respectivamente, na plataforma YouTube e no sítio oficial
do Supremo.

DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

O fenômeno da atuação crescente das cortes judiciais na democracia tem


sido designado como “judicialização da política” e é um objeto de estudo que
vem despertando o interesse de cientistas sociais e juristas. Dentre outros
aspectos, visa-se avaliar como o processo judicial interage com o sistema
político democrático e quais os seus efeitos nos processos de formulação e
implementação de políticas públicas (BARROSO, 2009; CASTRO, 1997).

É neste movimento que se pode afirmar que, se por um lado, verifica-se um


progressivo crescimento das competências da jurisdição constitucional e então
o surgimento de um novo padrão de interação entre os Poderes, decorrente da
judicialização da política; por outro, verifica-se também a “politização da justiça”
(CASTRO, 1997). Como destaca o autor:

A judicialização da política ocorre porque os tribunais são


chamados a se pronunciar onde o funcionamento do
Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes
ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre certa
aproximação entre Direito e Política e, em vários casos,
torna-se mais difícil distinguir entre um "direito" e um
"interesse político" (CASTRO, 1994), sendo possível se
88

caracterizar o desenvolvimento de uma "política de


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direitos" (TATE, 1995) (CASTRO, 1997, s.p.).

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Esse fenômeno de judicialização, que vem sendo observado em diversas


sociedades contemporâneas, também é registrado no Brasil: é notável o papel
ativo desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal nos últimos anos.
Diferentes circunstâncias, relativas à Constituição, à realidade política e às
competências dos Poderes demandaram posicionamento do Supremo, questões
que alçaram o STF às manchetes dos jornais. Sua visibilidade pública e
influência resultam ainda das transmissões diretas dos julgamentos do Plenário
da Corte pela TV Justiça (BARROSO, 2009). Resulta daí um processo de
mudança no significado cultural e na determinação do papel institucional do
judiciário.

De acordo com Castro (1997), no Brasil,

A atuação dos tribunais, em sua interação com o sistema


político, têm se dado em dois planos: (a) o plano das ações
políticas ou não jurisdicionais, definidas pelo exercício
informal (ou institucionalmente marginal) do poder; e (b) o
das ações jurisdicionais, caracterizadas pelo exercício
formal da autoridade judicial. No primeiro caso, encontram-
se pronunciamentos de juízes (discursos de posse,
declarações à imprensa) distintos dos que decorrem do
exercício da autoridade judicial, mas que são
frequentemente complementares a ela, do ponto de vista
político. Por outro lado, as ações jurisdicionais compõem-
se de pronunciamentos oficiais dos juízes, no exercício de
sua autoridade judicial (despachos, sentenças, votos,
acórdãos, decisões liminares) (s.p.).
89

Este trabalho enfoca ações jurisdicionais executadas por membros do


Página

Supremo em 2012, nomeadamente, os votos dos ministros relativos à Ação de

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Descumprimento de Preceito Fundamental 186. Entende-se que, ao promover o


debate sobre os aspectos constitucionais e inconstitucionais dos elementos
estruturantes desta política, o julgamento contribuiu não apenas para a sua
continuidade naquela universidade, mas também para dar forma às ações
afirmativas em diferentes instituições de ensino superior (IES) e criou a
permissibilidade para o sancionamento da Lei 12.711/2012.

Antes de se passar à análise do discurso dos ministros, porém, cabe


ressaltar um antecedente do julgamento da Ação: a audiência pública realizada
pelo Supremo em 2010.

A AUDIÊNCIA PÚBLICA E AS AÇÕES AFIRMATIVAS

Realizada entre os dias 3 e 5 de março de 2010, a audiência pública teve


como objetivo ouvir especialistas e representantes da sociedade civil a respeito
de suas opiniões quanto à pertinência ou não das AAs e outros pontos de sua
fundamentação e, em especial, as opiniões quanto à ADPF 186. Embora
ajuizada pelo Partido Democratas (DEM), em julho de 2009, contra o Conselho
de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB e questionasse os atos administrativos
e normativos do Conselho que determinavam a reserva de vagas a candidatos
pretos e pardos naquela instituição, pode-se dizer que a Ação questionava a
constitucionalidade da criação de todo e qualquer programa de AAs com
provisão de cotas raciais para negros.

A estratégia do Partido foi tomar por base o programa implementado por


aquela universidade, o qual havia sido amplamente divulgado na mídia devido à
existência de uma comissão de verificação da pertença étnico-racial dos
90

candidatos. Nesse sentido, pode-se afirmar que se, por um lado, o DEM buscou
Página

mobilizar a principal corte do país, bem como as principais controvérsias entre

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contrários e favoráveis à política; por outro, o Supremo respondeu com a


realização da audiência pública (SILVÉRIO, 2012).

De acordo com a informação disponibilizada no sítio do


Supremo Tribunal Federal [...], o número de requerimentos
[de inscrição de participação] foi de 252, dentre os quais
foram selecionados para a participação na audiência
pública um total de 43 representantes [de instituições da
sociedade civil] e especialistas [- dentre estes depoentes,
27 realizaram depoimentos favoráveis e 16 realizaram
depoimentos contrários às cotas raciais]. Os critérios
adotados para a seleção dos habilitados tiveram como
objetivo garantir, ao máximo, (i) a participação dos diversos
segmentos da sociedade, bem como (i) a mais ampla
variação de abordagens sobre a temática das políticas de
ação afirmativa de acesso ao ensino superior.

Um dado importante é que todos os requerentes,


habilitados ou não, puderam enviar documentos com a tese
defendida para o endereço eletrônico
<acaoafirmativa@stf.jus.br>. O material enviado foi
disponibilizado no portal eletrônico do Supremo Tribunal
Federal (SILVÉRIO, 2012, p. 12).

Em análise dos depoimentos realizados na audiência, Pinto (2012) afirma


que a resistência às cotas raciais apresentava-se a partir de duas diferentes
perspectivas: a primeira baseava-se no não reconhecimento dos negros como
um grupo sobre o qual atuam exclusões específicas. Para sustentar esta
91

posição, seus defensores se utilizavam da tese da miscigenação e da não


Página

existência de racismo no país. A segunda posição se ancorava no temor que

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essas políticas criassem um país racializado, introduzindo no país um racismo


que não existia anteriormente.

Pode-se dizer que tanto o partido político através da ação ajuizada, quanto
os depoentes contrários às AAs com critério racial em falas na audiência pública,
realizaram ataques a essas políticas que implicavam em tentativas de mudança.
Cabe destacar que Marshall (1967) já alertava para o fato de que cada tentativa
de mudança em uma sociedade contará com uma espécie de retórica contrária:
a retórica da intransigência. Essa retórica, segundo Hirschmann (1992), toma a
forma de 3 teses: (1) a tese da perversidade ou tese do efeito perverso, que
sustenta que ações para melhorar a ordem econômica, social ou política só
servem para exacerbar a situação que se deseja remediar; (2) a tese da
futilidade, que defende que as mudanças são sempre ilusórias, já que as
estruturas profundas da sociedade permanecem intactas; e, (3) a tese da
ameaça, que argumenta que o custo da determinada reforma é muito alto,
porque coloca em perigo outra realização anterior.

Nas duas posturas anteriormente apresentadas, observam-se duas destas


teses. A primeira postura assentava-se na tese da futilidade uma vez que,
mesmo entre aqueles que admitiam haver desigualdades entre negros e
brancos, não entendiam que se tratassem de desigualdades decorrentes do
racismo. E, tendo em vista que a raiz do problema seria outro, a adoção de
programas de AAs com provisão de cotas raciais resultaria numa tentativa inútil
de resolvê-lo. Já a segunda postura assentava-se na tese da ameaça, pois, para
os depoentes contrários adotar essas políticas significaria colocar em xeque uma
conquista de nosso país – a inexistência de racismo – e introduzir um novo
problema em nossa sociedade (ANHAIA, 2013).
92

De acordo com Pinto (2012), os temas que centralizavam os argumentos


Página

de defesa também eram dois. O primeiro se referia à questão da reparação à

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escravidão: sustentava-se que existe uma dívida por parte do Estado com as
populações que tiveram seus antepassados escravizados. O segundo tema se
referia à própria natureza da instituição universitária: os defensores das cotas
raciais, muitas vezes, preocupavam-se em demonstrar que nada será mudado
com o ingresso dos cotistas, que o mérito será garantido, que a autonomia
universitária seria respeitada e que a instituição se manteria intacta. Esta
concepção de universidade como instituição imutável segue o mesmo tipo de
construção discursiva que se faz sobre o mérito. O significado da política então
poucas vezes teria entrado em disputa. Entretanto, um pequeno grupo também
introduziu o debate em torno do conhecimento produzido na universidade.
Centravam-se na diversidade, não apenas das pessoas que frequentam a
instituição, mas a diversidade provocada pela presença dessas pessoas, de
origens diversas e com experiências culturais diferenciadas.

Os pontos de concordância entre favoráveis e contrários às cotas raciais


na audiência pública diziam respeito: ao reconhecimento de que há grandes
desigualdades sociais quanto ao acesso à universidade pública, decorrente da
pobreza e da desigualdade na distribuição de renda; e também na identificação
da educação como uma importante via para a superação dessas condições
(PINTO, 2012).

De maneira geral, destacam-se como os pontos centrais no debate


desenvolvido nos dias de audiência:

i) a presença de um debate entre os que veem o Brasil


como uma democracia racial, mesmo que imperfeita, e os
que apontam para uma situação de injustiça
profundamente calcada na condição racial de parte da
93

população; ii) uma grande dificuldade de reconhecer a


Página

existência do racismo que chega ao extremo na afirmação

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de que é impossível identificar no Brasil que é negro e


quem é branco; iii) um consenso sobre a desigualdade
social existente no país expressado nas oportunidades
hierarquicamente diferenciadas de educação; iv) a
presença da universidade pública como uma instituição
não passível de ser posta em discussão; v) a naturalização
da noção de mérito; vi) a presença de uma postura que
entenda as ações afirmativas como uma necessidade para
reparar os efeitos da escravidão; vii) o aparecimento, ainda
que esporádico, de uma postura crítica sobre o
conhecimento que se produz na universidade; e viii) a
percepção de que as políticas afirmativas se inserem em
uma problemática mais ampla do aprimoramento do regime
democrático no Brasil (PINTO, 2012, p. 147-148).

Os debates estabelecidos na audiência pública forneceram elementos para


a elaboração dos votos dos ministros do STF no julgamento, em 2012, sobre a
constitucionalidade do programa de AAs com recorte racial na Universidade de
Brasília.

OS DISCURSOS SOBRE A AÇÃO

O julgamento da ADPF 186 se deu nos dias 25 e 26 de abril de 2012,


contando com transmissão direta do Plenário da Corte pela TV Justiça e
transmissão online em tempo real, bem como com a disponibilização posterior
dos vídeos através da plataforma do YouTube. Sob a coordenação do então
presidente do Supremo, o ministro Ayres Britto, as sessões contaram com a
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participação de outros 9 ministros1, do representante do requerente (DEM), do


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representante da requerida (UnB) e de especialistas e representantes da


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sociedade civil na condição de amicus curiae2. A relatoria do processo foi de


responsabilidade do ministro Ricardo Lewandowski.

A ADPF em julgamento alegava que a política de cotas adotada pela UnB


feria diferentes preceitos fundamentais da Constituição Federal, dentre os quais:
o princípio republicano (artigo 1º, caput) e da dignidade da pessoa humana
(inciso III); o repúdio ao racismo (artigo 4º, inciso VIII); a igualdade (artigo 5º,
incisos I) e a legalidade (inciso II) (STF, 2012). A ação considerava, ainda, que
havia:

[...] ofensa aos princípios da impessoalidade, da


razoabilidade, da publicidade e da moralidade, além de
dispositivos que estabelecem o direito universal à
educação (artigo 205); à igualdade nas condições de
acesso ao ensino (artigo 206, caput e inciso I); à autonomia
universitária (artigo 207, caput) e ao princípio meritocrático
– acesso ao ensino segundo a capacidade de cada um
(artigo 208, inciso V) (STF, 2012, s.p.).

Conforme mencionado anteriormente, pode-se dizer que o partido


requerente (DEM), cujas ideologias norteadoras são o liberalismo e o
conservadorismo liberal, buscava se contrapor não apenas às cotas
implementadas na UnB, mas a este tipo de política como um todo. Ele então se
utilizou desta oportunidade para realizar confrontações institucionais, agindo
através do Judiciário, o que provocou a necessidade de ações jurisdicionais
deste Tribunal quanto ao tema em questão.

Considerados os argumentos que balizavam o texto da Ação ajuizada


pelo Partido Democratas contra o Cepe da Universidade de Brasília e os
95

argumentos apresentados pelos amicus curiae na ocasião do julgamento, o


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ministro relator apresentou o seu voto e, na sequência, os demais ministros do


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BRUNA CRUZ DE ANHAIA
DISCRUSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

Supremo. Em análise realizada dos votos, verificou-se que se utilizam dos


argumentos da igualdade, da justiça distributiva, do mérito, da proporcionalidade,
da diversidade, da reparação e da exequibilidade da medida para sustentar sua
permissibilidade (ANHAIA, 2013).

Entende-se que a igualdade possui duas dimensões (formal e material),


as quais são também referidas na Constituição, e que cabe ao Estado criar
condições para a sua efetivação na realidade através da adoção de políticas
públicas. Reconhece-se que existem diferenças entre os indivíduos, as quais
podem determinar suas oportunidades sociais, razão pela qual políticas
focalizadas podem ser uma estratégia mais acertada. Políticas de cunho
universalista ignorariam este princípio e poderiam incorrer no equívoco de
contribuir para a reprodução de desigualdades.

Percebe-se, assim, o discurso orientado por uma dimensão do princípio


da igualdade conhecida como “obrigatoriedade da diferenciação”, que estimula
o estabelecimento de distinções legais entre os indivíduos. Nesse rol de
mecanismos, encontram-se as ações afirmativas, “as quais têm por escopo tratar
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, posto ser o
indivíduo um ser relativizado pelas condições adversas a que está submetido”
(BELLINTANI, 2006, p. 3).

Como alerta Amartya Sen (2008):

Ainda que [...] [a] retórica (p. ex. “todos os homens nascem
iguais”) seja em geral considerada parte essencial do
igualitarismo o efeito de ignorarem-se as variações
interpessoais pode ser, na verdade, profundamente não
igualitário, ao esconder o fato de que a igual consideração
96

de todos pode demandar um tratamento bastante desigual


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em favor dos que estão em desvantagem. As exigências


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de igualdade substantiva podem ser especialmente


rigorosas e complexas quando existe uma boa dose
anterior de desigualdade a ser enfrentada (p. 28-29).

Neste sentido, emprega-se o argumento da justiça distributiva: é necessário


corrigir desigualdades e, para isso, o Estado deve realocar bens e oportunidades
de modo que todos os grupos possuam oportunidades equivalentes. Justifica-
se, assim, a adoção de ações que busquem garantir a equidade atuando no
sentido de diminuir ou abrandar as desigualdades que determinam e diferenciam
as oportunidades de acesso de negros, indígenas e pessoas de baixa renda à
educação superior (MCCOWAN, 2007; RAWLS, 1997). Esse argumento ganha
ainda mais peso quando se trata da distribuição dos recursos públicos, que
devem ser de alcance possível da população como um todo.

O critério do mérito não é descartado pelas AAs, mas essas medidas


permitem sua problematização. Diferentes ministros alegaram que ele é ainda
respeitado nos processos seletivos de IES que contam com programas de ação
afirmativa, tendo em vista que os candidatos às vagas seguem sujeitos a notas
de corte e necessitam obter aprovação nos exames. O que se problematiza é a
noção de mérito pessoal que ignora obstáculos enfrentados por distintas
camadas populacionais, pois, nas palavras do ministro Marco Aurélio: “a
meritocracia sem igualdade de [pontos de] partida é apenas uma forma velada
de aristocracia”.

Do ponto de vista normativo, não se questiona que o principal critério de


ingresso nas IES deve ser o mérito. Como argumenta Guimarães (2005),
“questiona-se, sim, que o mérito e os dotes intelectuais estejam sendo
empanados por desigualdades raciais e de classe, que podem ser corrigidas por
97

políticas compensatórias” (p. 202-203). Logo, os mecanismos de seleção por


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mérito não são eliminados pelas políticas afirmativas, mas sim corrigidos por
elas.

O argumento da proporcionalidade é evocado pela sub-representação


destes grupos sociais em situação de desvantagem na competição por uma vaga
na educação superior, decorrente também da larga difusão do ideal do mérito
individual. A universidade pública, como espaço de poder e de alocação de
recursos públicos, deve ser então representativa da população brasileira e evitar
contribuir para a concentração de privilégios.

O argumento da diversidade é empregado em duas interpretações: um


discurso de elogio da diferença cultural em si e de relativismo cultural; e, no
entendimento que a diversidade contribui para a qualidade das instituições que
as promovem – “o ensino universitário e a experiência universitária seriam
enriquecidos pela inclusão de pessoas com diferentes histórias de vida, que até
então estavam ausentes desse espaço” (FERES JÚNIOR; DAFLON; CAMPOS,
2012, p. 91). Segundo os autores, esse último argumento coloca a experiência
à frente do princípio e “o que se defende não é o valor da diversidade em si, mas
as consequências benignas que ela traz para a educação” (2012, p. 91).

O argumento da reparação, do mesmo modo, assume dois diferentes


sentidos: um motivado por acontecimentos passados e outro por mudanças
futuras. Correspondem, respectivamente, à perspectiva de que as ações
afirmativas possuem caráter de ação reparatória – considerando-se que existe
uma pessoa que foi vítima de discriminação –; e de que essas políticas têm
caráter preventivo – buscando-se evitar que indivíduos de certos grupos de risco
tenham seus direitos alienados (GUIMARÃES, 2005).

Destacados os argumentos da igualdade, da justiça distributiva, do mérito,


98

da proporcionalidade, da diversidade e da reparação, passa-se a versar sobre o


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argumento da exequibilidade. Conforme Bobbio (2004), ele é o mais forte


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argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do


homem e, particularmente, contra os direitos sociais, segundo o qual não existem
possibilidades reais, práticas para a implementação dessas políticas.

O argumento da exequibilidade no julgamento de ADPF resulta tanto do


somatório de justificativas que alegam a consonância das AAs com a
Constituição – portanto, resultando em sua permissibilidade – quanto do
conjunto das estratégias apontadas pelos ministros como aquelas a serem
adotadas na execução da política (ANHAIA, 2013). Dentre elas, citam-se: as
possibilidades a autoidentificação e a heteroidentificação (identificação por
terceiros) do pertencimento do indivíduo à população negra ou indígena, desde
que considerado apenas o fenótipo (manifestação física da cor) e não o genótipo
(herança genética) dos candidatos; bem como a temporalidade da política, uma
vez que não tem por finalidade manter direitos desiguais depois de atingidos os
seus objetivos – aspecto previsto na Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1969, da ONU.
Resulta daí que é necessária a realização do acompanhamento da
implementação da política e corrigir eventuais distorções.

Tabela 1 – Argumentos utilizados pelos ministros do STF em seus votos:

Just.
Iguald. Mérito Proporc. Diversid. Reparação Exequib.
Argum. Distrib.
Ministr.

Ricardo X X X X x X x
Lewandowski
(relator)
Ayres Britto X X X x X X
(presidente)
99

Luiz Fux X X X X X X
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Rosa Weber X X X X X X X
Cármen X X X x X X
Lúcia

Joaquim X X X X X
Barbosa

Cezar Peluso X X X X X X
Gilmar X X X X
Mendes
Marco X X X X X X
Aurélio

Celso de X X X X X
Mello

Fonte: elaboração própria.

O uso de argumentos de naturezas distintas é também verificado nos


votos dos ministros, sendo os mais recorrentes: os jurídicos, os políticos e os
sociológicos. Do ponto de vista jurídico, aponta-se como exemplo a referência à
previsão de seletividade de acesso ao ensino superior brasileiro na Constituição
(art. 208, inciso V: “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e
da criação artística, segundo a capacidade de cada um”), sempre reafirmada e
não sendo posta em questão quanto à sua pertinência e legitimidade. A justeza
dos mecanismos de seleção, entretanto, é problematizada e se reconhece a
necessidade de correções. Nos termos do relator da ADPF, realizá-las implicaria
na possibilidade de “dar concreção aos objetivos maiores colimados na
Constituição” e viabilizaria a “concretização da justiça social”.

Neste sentido, pode-se afirmar que os operadores de Direito devem


100

observar que a abstração e universalidade são-lhe característicos, porém, há de


se considerar que não basta ao legislador constitucional prever direitos, é
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necessário viabilizar meios para atingir sua efetivação. Ademais, garantias


jurídicas como a da igualdade, por exemplo, não devem se ater apenas ao plano
formal, mas também contemplar o plano material. Decorre daí que, segundo os
ministros, seja necessário realizar a “equiparação” ou “igualação”, “promover a
igualdade de oportunidades”.

No âmbito do discurso político, em especial, no que tange à narrativa sobre


as iniciativas políticas de que se pode fazer uso para o alcance dos objetivos
constitucionais se destaca aqui as que se referem ao acesso à educação
superior. Os critérios de seleção, ora chamados de metodologia de seleção pelos
ministros, devem conjugar distintos elementos para além do conhecimento
técnico do candidato a uma vaga, tal como: a “criatividade intelectual ou artística”
e “a capacidade potencial que ostentam para intervir nos problemas sociais”.
Ainda conforme o relator, a consideração de critérios étnico-raciais ou
socioeconômicos contribui não apenas para a efetivação do princípio
constitucional da pluralidade de ideias como também resulta em benefícios para
a comunidade acadêmica e a sociedade. A universidade é vista, assim, como
um espaço em que deve vigorar a diversidade. Nesta perspectiva, as AAs
contribuem para tornar o acesso às oportunidades e aos recursos públicos mais
equitativo, bem como tornar as universidades como espaços representativos da
população, marcado pela pluralidade. Logo, as AAs contribuem para o
aprimoramento do regime democrático.

Do ponto de vista sociológico, argumenta-se, por exemplo, que as ações


afirmativas contribuem para se romper o ciclo de discriminação histórica de
grupos tradicionalmente excluídos e para a promoção de inclusão dos mesmos
em cargos e funções de destaque na sociedade, assim como para a
101

conformação de novas subjetividades. Isso porque se credita a ela a capacidade


de fomentar outro sentimento subjetivo, positivado, do que significa pertencer a
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determinado grupo social. Verifica-se o entendimento de que a discriminação é


culturalmente arraigada e, por vezes, praticada de forma inconsciente, mas o
Estado é chamado à ação: ele deve promover iniciativas políticas acertadas e
orientadas ao cumprimento dos objetivos maiores da Constituição.

A menção a Convenções e Tratados da Organização das Nações Unidas


(ONU) e da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a
cultura (UNESCO) é feita na fala de diferentes ministros, seja para referir-se ao
significado o termo ação afirmativa (Lewandowski), seja para respaldar a
legitimidade de sua adoção – tendo em vista de esses instrumentos defendem
que as AAs não podem ser consideradas formas de discriminação racial, pois
asseguram a proteção necessária para diferentes grupos (Aurélio) –, seja para
recordar o compromisso assumido pelo Brasil ao ser signatário de diversos
desses instrumentos, o que impõem-lhe a realização responsável das ações
acertadas (Mello). O emprego de tais justificativas demonstra o reconhecimento
da ONU e da UNESCO pelo Supremo – a mais alta Corte do país – como dois
importantes atores no cenário internacional. Atores capazes de definir
significados, influenciar na definição de agendas políticas e pressionar pelo
cumprimento de compromissos – dentre os quais, a implementação de medidas
voltadas ao alcance dos objetivos do Plano de Ação de Durban3 (ANHAIA, 2013).

É de se destacar, ainda, que o princípio da impessoalidade é característico


do Direito e, neste âmbito de atuação do Judiciário (STF), faz-se o uso recorrente
de argumentos com alto grau de abstração. Isso porque suas decisões criam
jurisprudência relativa à temática e, portanto, passam a ser válidas para casos
semelhantes em todo o país. A constituição de um modelo mental sobre os
tópicos em discussão (igualdade, justiça, mérito etc.) como orientadores à ação
102

dos operadores do Direito, entretanto, pode ser tarefa auxiliada pelo uso de
histórias e experiências pessoais a título de ilustração. Assim, no caso em
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análise, os ministros do STF fazem uso destas estratégias discursivas. Ademais,


esta estratégia torna o Direito mais inteligível e possivelmente mais difundido
entre as camadas da população que acompanham os julgamentos do Supremo
através das transmissões do Plenário.

Histórias e experiências pessoais foram mobilizadas, sobretudo, por dois


ministros no decorrer do julgamento da ADPF 186. Por um lado, a menção a elas
reforça o argumento de que a discriminação e o racismo são fenômenos reais e,
portanto, verificáveis na sociedade brasileira. Por outro, o uso de experiências
pessoais na tomada de posicionamento dos ministros evidencia também que
suas vivências constituem fonte de conhecimento sobre a sociedade, para além
dos saberes acadêmicos, jurídicos etc. A vivência pessoal alia-se, por exemplo,
à leitura como fonte de conhecimento e resulta na convicção do voto.

De maneira geral, observa-se que os ministros consideram que a


população negra no Brasil sofre discriminações negativas, é vítima de injustiças
históricas e, por isso, experimenta obstáculos diversos que resultam em seu
déficit educacional, cultural etc. Deste modo, ignorar esta realidade ao prover
oportunidades de acesso à educação superior seria incorrer no erro de contribuir
para a concentração de privilégios de certos grupos. Entende-se que, ao
ingressarem na universidade, os negros contribuirão para a construção do
conhecimento e de novas subjetividades sobre o pertencimento à sua raça. Os
sujeitos a quem se destinam as ações afirmativas raciais então se tratam não
apenas de indivíduos vitimados, mas com grande potencial de mudança e
colaboração para a coletividade.

Finalizadas as arguições dos ministros e declarados seus votos, o resultado


final do julgamento foi de unanimidade dos termos – 10 votos a 0 – rejeitando o
103

cabimento da Ação e julgando-a improcedente. O sistema de cotas raciais da


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Universidade de Brasília foi assim considerado constitucional e pôde ser adotado

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nos mesmos moldes em outras IES brasileiras. Meses depois do julgamento,


após anos de tramitação, o governo federal sanciona a lei 12.711 e passa a
destinar 50% das vagas ofertadas em suas universidades e institutos técnicos
para candidatos negros, indígenas e brancos de baixa renda.

CONCLUSÕES

O julgamento da ADPF 186 pelo STF foi um marco na discussão sobre a


temática das ações afirmativas no Brasil, ele não apenas indicou a solução de
controvérsias em distintas instâncias jurisdicionais, como também influenciou o
desenho de programas de AAs em diferentes IES e criou a permissibilidade para
o sancionamento da Lei 12.711/2012. Observa-se, assim, a interação do
processo judicial com o sistema político democrático e a geração de efeitos no
processo de formulação de políticas públicas.

Ao mobilizar algumas daquelas controvérsias, a ADPF ajuizada pelo DEM


levou à necessidade do posicionamento do Supremo frente a elas e, através dos
votos dos ministros, viabilizou a tomada de conhecimento de visões de mundo
distintas que nortearam os atores envolvidos. Através de seu discurso,
proponente e ministros buscaram estabelecer suas versões de mundo diante de
outras versões competitivas. Para o DEM, a adoção de AAs fere distintos
princípios constitucionais. O Estado deve então ficar atento a estes aspectos e,
por meio do Judiciário, coibir a adoção destas medidas. A universidade deve ser
preservada como espaço de caráter seletivo, em que vigora o princípio
meritocrático (mérito individual).

Nas arguições dos ministros, a sociedade brasileira assume contornos


104

extremamente desiguais e cabe ao Estado brasileiro interferir no processo de


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reprodução desta condição, assumindo assim um papel ativo democratizador e

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admitindo a necessidade de tratamentos diferenciais no sentido de incluir grupos


marginalizados em distintos âmbitos. Partindo-se do princípio da igualdade
conhecido como “obrigatoriedade da diferenciação”, o Estado deve então
realocar bens e oportunidades de modo que todos os grupos possuam
oportunidades equivalentes e assim buscar cumprir os objetivos maiores da
Constituição. Ao executar estas medidas, em especial as de recorte racial, o
Estado atua no sentido da reparação histórica e de forma preventiva a possíveis
alienações de direitos. Ainda que preservada sua autonomia, o Estado pode e
deve observar atores e instituições relevantes às temáticas de seu interesse,
assim como se empenhar na realização de compromissos assumidos.

Constata-se que, na perspectiva dos ministros, a instituição universitária


deve preservar seu caráter seletivo. A exigência do mérito para acessá-la é então
mantida, sua abordagem que é problematizada: o princípio do mérito individual
é substituído por outro de caráter coletivo, considerando-se ainda outras
capacidades para além dos conhecimentos técnicos dos candidatos. Apesar de
sua seletividade, a universidade deve ser representativa da população, sendo
plural e diversa. Já a universidade pública, em especial, deve observar que opera
com recursos públicos e então minorar o risco de contribuir para a perpetuação
de desigualdades na sociedade brasileira.

Apresentados os elementos que levaram ao julgamento da ADPF e os


argumentos que balizaram os distintos atores envolvidos, lança-se uma luz sobre
os fundamentos política de ação afirmativa em andamento no setor público
federal. Sinalizadas possíveis justificativas para o desenho que assume essa
política pública, mantém-se como tarefa dos propositores e analistas de políticas
públicas o acompanhamento da mesma de modo que venha a cumprir seus
105

objetivos.
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DISCURSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186 BRUNA CRUZ DE ANHAIA
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DISCRUSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=205659
Acesso em: 16 de maio de 2016.

TATE, C. N. Why the expansion of judicial power? In: The global expansion of
judicial power. C. N. Tate e T. Vallinde.

NOTAS

1 Além do então presidente do Supremo, estavam presentes no julgamento e


votaram: a ministra Rosa Weber e a ministra Cármen Lúcia; e os ministros
Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco
Aurélio, Celso de Mello e Luiz Fux.

2 No primeiro dia de julgamento, participaram com depoimentos 11 amici curiae


(amigos da Corte, indivíduos que não integram a Corte, mas são convidados a
participar de sessões com depoimentos sobre os casos em julgamento), eram
eles: Luís Inácio Adams (advogado-geral da União), Juliana Ferreira Correia
(Movimento Pardo Brasileiro), Vanda Marisa Gomes Siqueira (advogada), Ophir
Cavalcante (Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil), Haman Tabosa
Córdova (Defensoria Pública da União), Edio Silva (Associação de Direitos
Humanos em Rede – Conectas), Humberto Adami Santos Junior (Instituto de
Advocacia Racial e Ambiental), Sílvia Cerqueira (Movimento Negro Unificado),
Thiago Lopes (Educafro – Educação e cidadania de afrodescendentes carentes),
Márcio Thomaz Bastos (Associação Nacional dos Advogados
Afrodescendentes) e Débora Duprat (vice-procuradora Geral da República).
109
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DISCURSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186 BRUNA CRUZ DE ANHAIA
BRUNA CRUZ DE ANHAIA
DISCRUSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

3 Juntamente com a Declaração, este documento é resultante da III Conferência


Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
Correlata, realizada em Durban (África do Sul) no ano de 2001. Naquela ocasião,
os participantes se comprometeram a adotar e a implementar medidas e políticas
efetivas, além da legislação nacional anti-discriminatória existente e dos
importantes instrumentos e mecanismos internacionais, que incentivem os
cidadãos e as instituições a posicionarem-se contra o racismo, a discriminação
racial, a xenofobia e a intolerância correlata e de reconhecerem e maximizarem
os benefícios da diversidade. No Programa de Ação, destacam-se as
populações para as quais são orientadas as ações afirmativas, dentre as quais,
a africana e afrodescendente e os povos indígenas. O Brasil é um dos
participantes do evento e um dos países signatários dos documentos, argumento
que passa a ser mobilizado nos espaços de discussão das ações afirmativas
para pressionar por iniciativas governamentais.
110
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DISCURSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186 BRUNA CRUZ DE ANHAIA
KEYLA KETLYN PASSOS PIMENTA E OSWALDO GONÇALVES JUNIOR
IMPLICAÇÕES DA DENOMINAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO COMO ATOR NO PROCESSO DE
FORMAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

IMPLICAÇÕES DA DENOMINAÇÃO DO PODER


JUDICIÁRIO COMO ATOR NO PROCESSO DE
FORMAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL

KEYLA KETLYN PASSOS PIMENTA


Advogada. Mestra Interdisciplinar em Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas pela UNICAMP-
FCA. Atualmente é aluna do curso de Gestão de
Políticas Públicas na mesma Universidade. E-
mail: keylapassos@gmail.com
OSWALDO GONÇALVES JUNIOR
111

Professor Assistente Doutor da UNICAMP-FCA.


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Doutor em Administração Pública e Governo pela

IMPLICAÇÕES DA DENOMINAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO


COMO ATOR NO PROCESSO DE FORMAÇÃO E KEYLA KETLYN PASSOS PIMENTA E OSWALDO
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO GONÇALVES JUNIOR
BRASIL
KEYLA KETLYN PASSOS PIMENTA E OSWALDO GONÇALVES JUNIOR
IMPLICAÇÕES DA DENOMINAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO COMO ATOR NO PROCESSO DE
FORMAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL

EAESP-FGV e Mestre em Educação pela


FEUSP. E-mail: oswaldo.junior@fca.unicamp.br

RESUMO

O presente trabalho procurou identificar elementos na atuação do poder


judiciário que convirjam ou não para sua configuração como ator no processo de
formação e implementação das Políticas Públicas de Saúde no Brasil, seja sob
a ótica do próprio órgão, seja sob a ótica da gestão pública. Para tanto, por meio
de uma pesquisa teórica, procurou-se considerar os argumentos do campo
jurídico e do campo da gestão pública a fim de discutir as razões e os efeitos
dessa denominação. Os resultados demonstram que admitir o judiciário como
ator no processo de formação e implementação de políticas públicas é também
admitir uma negativa de competência e uma atribuição de responsabilidades
para as quais o órgão não foi constituído.

ABSTRACT

This paper sought to identify elements in the operation of the judiciary that
converge or not to its configuration as an actor in the formation and
implementation of the Public Health Care Policies in Brazil, from the perspective
of the judiciary and from the perspective of public management. Therefore,
through a theoretical research, the study tried to consider the arguments of the
legal field and the public administration field to discuss the reasons and the
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effects of this denomination. The results shows that to admit the judiciary as an
actor in the formation and implementation of public policies is also to admit a
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negative of competence and the assignment of responsibilities that the judiciary


was not constituted for.

INTRODUÇÃO

A atuação do poder judiciário no campo das políticas públicas é um


fenômeno também conhecido como judicialização. O termo judicialização foi
usado pela primeira vez no trabalho organizado por Tate e Vallinder (1995) na
coletânea The Global Expansion of Judicial Power. Publicada em 1995 pelo New
York University Press, a coletânea constitui-se como uma análise comparada da
expansão da área da atuação das instituições judiciárias em diferentes países.
O trabalho descreve a judicialização da política como o fenômeno de revisão das
decisões de um poder político pelo poder judiciário tomando como base a
Constituição.

Em uma descrição mais contemporânea do fenômeno, Engelmann e


Cunha Filho (2013) definem o termo judicialização da política como a busca pela
resolução de conflitos por meio do judiciário em áreas cuja atuação é
majoritariamente política e tomando por base a constituição.

Cabe ressaltar que o fenômeno da atuação do poder judiciário no campo


das políticas públicas pode também vir revestido por outros nomes na literatura
113

nacional. Ramos (2010), discorrendo sobre Ativismo Judicial, descreve o


fenômeno como a substituição, por parte do poder judiciário, em especial o
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Supremo Tribunal Federal, de ações específicas do poder legislativo ou

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executivo, assumindo a função de ser legislador positivo ou tomador de decisões


políticas e administrativas. Já Dallari (2010) fala em controle judicial, que pode
ser visto como mecanismo de judicialização para determinação de
constitucionalidade ou inconstitucionalidade de certos atos. Outros autores,
ainda, empenham-se na tentativa de diferenciação entre essas denominações,
quais sejam, controle judicial, ativismo judicial e judicialização.

A denominação escolhida para tratar o fenômeno é a da judicialização


porque cada nomenclatura exposta tem o viés próprio conferido pela
comunidade acadêmica que a veicula. Como o termo judicialização nasceu de
um estudo bastante multifacetado em ciência política, acredita-se que seja o
termo mais adequado e adaptável aos códigos jurídicos e não jurídicos do que
as demais denominações, além de ser o conceito mais difundido mundialmente.

No campo da saúde pública no Brasil a judicialização ocorre como a


procura pela garantia de acesso às ações e serviços públicos de saúde por
intermédio de ações judiciais. Assim, pessoas tem usado de ações judiciais para
ter acesso, por exemplo, a medicamentos ou cirurgias que não sejam
disponibilizados administrativamente pelo SUS.

A judicialização da saúde, inserida no fenômeno maior da judicialização


da política, tem grande impacto na seara da administração pública,
principalmente quanto às questões orçamentárias e equitativas (CHIEFFI;
BARATA, 2009).

Tal fenômeno trouxe debate sobre a natureza da interferência do poder


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judiciário na administração pública em saúde e sobre os efeitos dessa


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intervenção. Afinal, poderia o judiciário ser considerado ator no processo de

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formulação e implementação de Políticas Públicas na Saúde no Brasil e o no que


isso implicaria?

A fim de empreender estudo sobre tal questão dividiu-se o trabalho em


quatro frentes:

• A primeira visa à descrição de como se dá a relação entre Poder


Judiciário e Políticas Públicas no setor da saúde na atualidade;
• A segunda, considerando jurisprudência e teoria jurídica, visa
descrever o entendimento majoritário atual do judiciário;
• A terceira visa identificar o entendimento majoritário na área da
Administração Pública quanto ao tema;
• E a quarta, por sua vez, visa comparar as posições dos campos a
fim de obter a conclusão.

Posto isso, inicie-se pela primeira frente:

COMO SE DÁ A RELAÇÃO ENTRE PODER JUDICIÁRIO E POLÍTICAS


PÚBLICAS NO SETOR DA SAÚDE

Recentemente, segundo Machado e Dain (2012), o Brasil tem se


deparado com a crescente expansão do papel do Poder Judiciário em relação
às políticas públicas. Esse novo fenômeno significou uma ampliação da atuação
do Poder Judiciário em decorrência da abertura constitucional. Portanto, a
interferência do poder judiciário em questões que são, primariamente, de
115

competência dos poderes executivos ou legislativos tornou-se cada vez mais


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frequente após a aprovação da Constituição de 1988. No campo específico da

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saúde, a judicialização tem se traduzido como a garantia de acesso às ações e


serviços públicos de saúde por intermédio do recurso a ações judiciais.

A Constituição Federal de 1988, afastando-se do sistema constitucional


anterior (que permitia, por meio da legislação infraconstitucional, limitar a
assistência terapêutica aos segurados da Previdência Social, art. 165, inciso XV,
da Carta Magna de 1967) consagrou a saúde pública como direito social de todos
os brasileiros (art. 6º).

O direito à saúde também veio instituído na Constituição como elemento


da seguridade social. O artigo 194 da Constituição federal define que “a
seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social”. A partir disso já se iniciavam as
discussões jurídicas sobre a natureza da interferência do poder judiciário na
seara da administração pública. Isto porque o título da ordem social (título VIII
onde se inserem disposições sobre a seguridade no capítulo II) prevê no
parágrafo 2º do artigo 195 que:

A proposta de orçamento da seguridade social será


elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis
pela saúde, previdência social e assistência social, tendo
em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de
diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão
de seus recursos.
116

Também o parágrafo 5º do mesmo artigo dispõe que “nenhum benefício


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ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem

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a correspondente fonte de custeio total”. Assim, a questão da dispensação de


recursos públicos em saúde carrega a problemática da necessidade e
capacidade instituição de criação de mecanismos capazes de sustentar o projeto
constitucional de saúde pública universal.

A Carta Magna de 1988, em seu artigo 198, também versou sobre a


organização dos serviços públicos em saúde e suas diretrizes. Em 1990 foi
sancionada a lei 8.080, Lei Orgânica da Saúde, a fim de melhor regular as ações
e serviços de saúde em todo o território nacional e estabelecer, entre outras
coisas, os princípios, as diretrizes e os objetivos do Sistema Único de Saúde.

Assim, observada a legislação exposta, pode-se depreender que a


atuação do poder judiciário no campo das políticas públicas de saúde é um
fenômeno complexo e que só foi possível dada a supracitada legislação.

Pandolfo, Delduque e Amaral (2012) relatam que há discordantes


posições na literatura sobre o tema da judicialização da saúde e que o tema
envolve aspectos políticos, sociais, éticos, jurídicos e sanitários, por isso sua
compreensão demanda, necessariamente, um olhar multidisciplinar.

O tema do acesso às ações e serviços públicos de saúde por meio do


judiciário vem cercado de vários efeitos na seara administrativa e jurídica. Assim
sendo, diz- se que há uma relação de interferência ou de intersecção entre a
atuação do poder judiciário e a atuação da Administração Pública, o que ocorre
das mais diversas formas. Essa afirmação é pacífica na literatura sobre o tema.
Porém, tal constatação não explica a natureza dessa intervenção, ou seja, se
117

essa atuação torna o judiciário ator no processo de formulação e implementação


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de políticas públicas ou se se trata apenas de uma típica atividade do judiciário

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que, como todas as outras devidamente legitimadas pela lei, respinga seus
efeitos sobre outros entes.

Convém lembrar que a ideia de divisão dos poderes nasce na antiga


Grécia por meio de Aristóteles em sua obra “A política”. Caracterizada por
reflexões críticas sobre teoria do Estado, prática política e a política ideal, tal
obra reflete em especial sobre a repartição do poder do Estado em três funções,
a legislativa (confecção de normas), a executiva (execução das normas) e a de
julgar (dissolver conflitos por meio da aplicação de normas). A teoria do filósofo
afirma que estes três poderes poderiam atuar de forma separada, independente
e harmônica. O objetivo da separação seria impedir que o poder se concentrasse
nas mãos de um único sujeito e, portanto, evitar abusos.

Mais tarde, “A Teoria dos Três Poderes” foi consagrada por Montesquieu,
em sua obra “O espírito das Leis”. Baseando-se na obra do filósofo Aristóteles e
na obra “Segundo Tratado do Governo Civil”, escrita por John Locke,
Montesquieu dissertou sobre parâmetros fundamentais da organização política
liberal. Montesquieu foi responsável por sistematizar e ampliar a teoria sobre
divisão dos poderes. Acreditava que, para afastar governos absolutistas e evitar
a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e
os limites de cada poder. O autor estabeleceu que os poderes deveriam ser
independentes, mas também harmônicos entre si. Nasceu, assim, o sistema de
freios e contrapesos, o qual consiste na contenção de um poder pelo outro.

A passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal caracterizou-se


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justamente pela separação de Poderes, denominada como Tripartição dos


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Poderes Políticos. Alguns dos primeiros países a adotar a separação de poderes


foram Inglaterra, Estados Unidos e França.

No Brasil, a tripartição de poderes só não vigorou na Constituição de 1924


porque Dom Pedro I implantou o poder moderador. Vigorou nas demais, mas
apenas a Constituição da República de 1988 estabeleceu, em nível de cláusula
pétrea fundamental (art. 60, § 4º, III), a tripartição de poderes em Legislativo,
Executivo e Judiciário. Cada órgão tem competências determinadas pela própria
Constituição e a estrutura geral de funcionamento é prevista com o fim de
proporcionar um sistema de freios e contrapesos. O problema nacional se
apresenta quando fica nebulosa a linha que separa o sistema de freios de
contrapesos, operado muitas vezes por meio de funções atípicas dos órgãos, no
limite máximo de atuação de cada órgão na seara do outro.

Pinheiro, Vieira e Motta (2011) bem explicam o problema. Eles afirmam


que as atividades necessárias à gestão do Estado em um ambiente de res
pública, difundida como divisão de poderes, com atribuições precípuas, porém
não exclusivas a cada um, é lição antiga deixada por Montesquieu para evitar a
tirania do soberano estatal. Para eles, no caso brasileiro, apesar de a
Constituição Federal de 1988 ser considerada a Constituição Cidadã, ela
apresenta vícios de origem, sendo o de maior repercussão o fato de ter adotado
o sistema presidencialista de governo, mas atribuindo ao Congresso
competências próprias aos sistemas parlamentaristas. Tal desenho, ainda de
acordo como autor, faz com que haja um excesso de competências a cargo da
119

União e, diante desses vícios, a interdependência entre os três poderes acaba


se tornando um processo descontrolado de usurpação das atribuições e
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competências uns dos outros.

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Afirma Pinheiro, Vieira e Motta que o modelo tripartite deveria propagar o


equilíbrio dos poderes, sem concentração nem separação absoluta entre eles, o
que atualmente não vem ocorrendo no Brasil (PINHEIRO; VIEIRA; MOTTA,
2011). Este problema descrito pelos autores provavelmente ocorreu porque a
Constituição brasileira foi inspirada pelas constituições dos países do pós
Segunda Guerra Mundial, em especial Alemanha, Portugal e Itália, que, como o
Brasil, superaram ditaduras, mas eram Estados parlamentaristas.

Já de acordo com Baptista, Machado e Lima (2009) a atuação do Poder


Judiciário traz à tona contradições e dilemas na garantia do direito à saúde no
Brasil, colocando em xeque não apenas o Executivo, mas o contrabalanço
exercido pelo Legislativo e Executivo. Para os autores, ao atuar como árbitro e
defensor dos direitos e exercer sua autonomia e insulamento, o próprio Judiciário
passa a ser questionado, pois encaminha decisões que às vezes colidem com a
própria garantia do direito à saúde.

A desarticulação entre os Poderes revela a importância do aprimoramento


dos mecanismos de “pesos e contrapesos” na saúde e dos canais de diálogo
entre as instituições públicas que operam na garantia dos princípios do SUS
(BAPTISTA; MACHADO; LIMA, 2009).

Entretanto, apesar dos posicionamentos apresentados por Pinheiro e


Baptista, as afirmações dos Tribunais Estaduais e do Supremo Tribunal Federal
quase que desconsideram as discussões neste sentido. Afirma a jurisprudência
dominante que não se trata de indevida ingerência do Poder Judiciário ou de
120

desrespeito à regra de repartição dos poderes republicanos (art. 2º da CF), mas


apenas que é o caso de se assegurar a tutela devida ao cidadão em face da
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injusta e ilegal resistência do Estado em prestá-la, não obstante obrigado a tanto,


conforme determinação do art. 196 da Constituição.

Nos próximos tópicos, segunda e terceira frente, observa-se os diferentes


posicionamentos dos campos da Administração pública e do Direito. Inicia-se
pelo entendimento majoritário atual do Poder Judiciário.

O ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO ATUAL DOS TRIBUNAIS E SUAS


RAZÕES

De acordo com várias obras recentes (MACHADO, 2012; MARQUES,


2007; VIEIRA, 2008; entre outras) existe entendimento consolidado dos tribunais
superiores com relação ao deferimento de bens e serviços na saúde. Entretanto,
percebe-se que a argumentação que sustenta a legitimidade dessa atividade
vem cercada de uma negativa de autodenominação do judiciário como ator no
processo de formação e implementação de políticas públicas.

O STF (Supremo Tribunal Federal) é composto por 11 membros, na sua


composição atual então os Ministros Ricardo Lewandowski (presidente), Cármen
Lúcia (vice-presidente), Celso de Mello (decano), Marco Aurélio, Gilmar Mendes,
Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson
Fachin. É de entendimento majoritário da Corte Suprema o deferimento de
serviços e bens para resguardo do direito Constitucional à saúde.

Embora não haja súmula vinculante sobre o assunto, pesquisa junto ao


121

sitio eletrônico da Suprema Corte3 expõe a existência de cristalizada


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3
www.stf.jus.br

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jurisprudência e que independe da relatoria de cada decisão. A seguir algumas


publicações recentes no diário de justiça eletrônico nesse sentido: DJe-246,
divulgação em 15 de dezembro de 2014 e publicação em 16 de dezembro de
2014; DJe-248, divulgação em 16 de dezembro de 2014 e publicação em 17 de
dezembro de 2014; DJe-236, divulgação em 1º de dezembro de 2014 e
publicação em 2 de dezembro de 2014; DJe-249, divulgação em 17 de dezembro
de 2014 e publicação em 18 de dezembro de 2014.

Veja-se o seguinte trecho de decisão do Supremo Tribunal Federal,


jurisprudência precursora de grande parte das decisões judiciais de instâncias
inferiores:

O direito público subjetivo à saúde representa a


prerrogativa jurídica indisponível assegurada à
generalidade das pessoas pela própria Constituição da
República (art. 196). Traduz bem jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve
velar, de maneira responsável, o Poder Público a quem
cabe formular – e implementar – políticas sociais e
econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso
universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-
hospitalar. O direito à saúde – além de qualificar-se como
direito fundamental que assiste a todas as pessoas –
representa consequência constitucional indissociável do
122

direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera


institucional de sua atuação no plano da organização
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federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao

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problema da saúde da população, sob pena de incidir,


ainda que por censurável omissão, em grave
comportamento inconstitucional. (RE-AgR n° 393175,
julgado em 12/12/2006, Relator Ministro Celso de Mello).

O entendimento majoritário da corte, como também afirma Sarlet (2001),


é o de que o Poder Público, nas suas três esferas, tem o dever de resguardar o
direito à vida, que constitui um dos fundamentos da república e um dos princípios
fundamentais da Constituição Federal, bem como que esse direito deve ser
priorizado diante de quaisquer outros interesses, porquanto sem ele não há
sentido – filosófico, lógico, social, político e jurídico – de assegurar os demais
direitos sociais. O direito à saúde é, então, interpretado em associação à
dignidade da pessoa humana e ao valor-fonte vida, começo e fim do fenômeno
social do Direito.

A doutrina jurídica também é uníssona em admitir que há entendimento


consolidado do STF com relação ao deferimento de bens e serviços na saúde.
Entretanto, a questão aqui levantada é a forma como a ciência jurídica vê a
interação entre Poder Judiciário e Administração Pública, o que pressupõe levar
em consideração não só se há o acolhimento de intervenções por parte do
Judiciário no Executivo, mas também as justificativas pelas quais essas
interversões são legítimas e encerram em si mesmas a declaração dessa
legitimidade por meio do monopólio da interpretação legal.

Observe-se trecho de publicação da Escola da Magistratura no Rio de


123

Janeiro sobre a judicialização da saúde:


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Frise-se que não se trata de um controle judicial de


políticas públicas, mas sim de solução de um conflito de
interesses, de que de um lado está o poder público e de
outro o hipossuficiente, inexistindo violação ao princípio da
separação de poderes.

Ao poder judiciário cabe exigir a observância da


constituição, que na hipótese sob exame, é fazer com que
o Estado garanta o direito à saúde, mesmo que para isso
tenha que se prolatar uma decisão de caráter compulsório.
(LEITE, 2012).

Para o judiciário o enquadramento de sua atuação como ator no processo


de implementação e formulação de Políticas Públicas seria um problema. Tal
consideração é majoritariamente repudiada pelo judiciário. Isso porque discutir a
atuação do judiciário como sendo de natureza público-administrativa implica em
também em discutir a responsabilidade do mesmo sobre os efeitos de suas
decisões na seara administrativa.

Legalmente tal problemática se expressaria na contrariedade aos artigos


2º, 127, 165 e 196 da vigente Constituição Federal, pelas seguintes razões: O
Poder Judiciário não pode interferir na implementação das políticas públicas de
saúde, sob pena de invadir a competência constitucional dos outros Poderes; O
Ministério Público não teria legitimidade ativa para o ajuizamento de ações dessa
natureza; A realização das políticas sociais e econômicas devem ser previstas e
124

organizadas por meio de leis orçamentárias; As decisões acabam por impingir


ônus financeiro que pode prejudicar principalmente os sistemas municipais de
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saúde; Não seria lícito que o magistrado implemente um gasto extraordinário em


favor da saúde de um único cidadão, quando não seja realmente indispensável
à sua sobrevivência; Determinar uma medida que não seja realmente exigível ou
necessária ao mínimo existencial, havendo meio alternativo menos gravoso para
se chegar ao mesmo resultado, fere o princípio da razoabilidade; O artigo 196
da Constituição seria norma de caráter programático.

A forma como o judiciário vê a sua interação com a administração pública


é delicada porque pressupõe levar em consideração não só se há o acolhimento
de intervenções por parte do Judiciário no Executivo, mas também as
justificativas pelas quais essas interversões são legalmente legítimas. Portanto,
tal problemática se expressaria na contrariedade aos artigos 2º, 127, 165 e 196
da Constituição da República.

O judiciário não deseja que sua atuação seja vista como tendo qualquer
natureza administrativa, ao máximo admite sua configuração como órgão de
controle. Isso porque ele possui papel legalmente previsto para controle, não
podendo, entretanto, infligir o princípio da separação de poderes. Além disso, as
decisões que envolvem alocação de recursos deveriam ser reservadas para os
poderes políticos, pois estes foram democraticamente eleitos e estão sujeitos à
accountability4.

Assim, no que concerne ao fenômeno da judicialização, pode haver


também um problema de legitimidade democrática. Essa legitimidade
democrática na alocação de recursos, relativa à proteção dos direitos em saúde,
125

4
Accountability é a responsabilidade pública que remete à obrigação de membros de um órgão
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administrativo ou representativo de prestar contas à população e às instâncias controladoras


(MATIAS-PEREIRA, 2009).

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deveria apenas ser determinada politicamente, por meio do debate democrático


sobre o bem comum e sobre quais seriam as necessidades prioritárias
(SUNSTEIN, 1997).

Por essas razões defende o órgão que sua atuação é atividade típica
inerente à natureza de suas atribuições, que respeita os limites da separação de
poderes e não constitui ingerência do judiciário sobre o poder administrativo. Ou
seja, para o órgão, considera-lo como ator em razão do mero exercício de suas
atribuições seria desvirtuar a Constituição e enfraquecer a instituição.

O ENTENDIMENTO VIGENTE NA SEARA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Inicialmente, pode-se dizer que na teoria da administração pública o ator


no processo de implementação e/ou formação é visto de maneira mais ampla e
esse status é atribuído a todo aquele que de alguma forma participa em algum
momento do desenrolar da política pública, ou seja, por todo aquele que
desempenha algum papal na arena política (FREY, 2000).

Posto isso fica evidente dizer que o judiciário se configura como ator no
processo. Interessante também que a teoria da administração admite de forma
explícita, diferentemente da teoria jurídica, a existência de inúmeros interesses
que movem a ação dos atores nas políticas públicas e a existências de atores
das mais diversas naturezas.

Entretanto, como bem acentua Leal (2006) boa parte das obras da
126

Administração Pública tratam de aspectos burocráticos contidos na análise de


um ou outro órgão, pouco considerando especificamente a relação entre órgãos
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BRASIL
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FORMAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL

diferenciados, principalmente os que fogem da natureza governamental


executiva. Tal constatação culmina em uma bibliografia em construção do campo
da gestão pública com relação à interação entre executivo e judiciário, o que vem
sendo consideravelmente publicado apenas nos últimos anos em razão do
recente desenvolvimento do fenômeno da judicialização após a promulgação da
vigente Constituição Federal.

CONFLITOS

De acordo com Bucci (2006), as políticas públicas constituem temática


oriunda da ciência política e da administração pública, sendo que o campo de
interesse das políticas públicas é a relação entre a política e a ação do poder
público. No campo do Direito, a política pública é tratada no âmbito da teoria do
Estado, do direito constitucional, do direito administrativo, do internacional e do
financeiro. O fenômeno do direito, especialmente o direito público, está
inteiramente permeado pelos valores e pela dinâmica da política.

Ainda de acordo com a autora, a política pública é um movimento que faz


parte da abertura do direito para a interdisciplinaridade. Há uma busca do direito
pelo restabelecimento do contato com outras áreas do conhecimento, das quais
vinha se apartando desde a caminhada positivista que se iniciou no século XIX.
O problema da judicialização da saúde, ou seja, da concretização dos direitos
sociais fundamentais, é um dos temas palco para essa mudança de paradigma
e maior conexão com outras áreas do conhecimento. Lembrando que o direito
opera na conformação dos meios que impulsionam, desenham e realizam as
127

políticas públicas, pois as expressões da ação governamental correspondem, via


de regra, às formas disciplinadas e definidas pelo direito, não obstante a política
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pública carregue também elementos econômicos, históricos e sociais de


determinada realidade e que fogem ao domínio jurídico (BUCCI, 2006).

Silva (2008) diz que o papel do direito é constantemente colocado à prova


na tentativa de concretização dos direitos sociais fundamentais, visto que, na
tradição liberal, a implementação de políticas públicas nunca foi matéria afeita
aos profissionais do direito. A consequência disso pode ser percebida quando
se analisam decisões judiciais e trabalhos jurídico-doutrinários, sendo que o que
geralmente ocorre é a simples transposição de uma racionalidade da tradição
liberal, baseada quase que exclusivamente em relações bilaterais (normalmente
entre um credor e um devedor) para a área dos direitos sociais (SILVA, 2008).

Em consequência, é possível dizer que há incompatibilidades e falta de


considerações da ciência jurídica para com a seara da administração pública.
Entretanto, afirmar o contrário não é correto. A própria construção do campo da
administração pública é responsável por, deferentemente da jurídica, ser mais
aberta na análise de problemas de natureza interdisciplinar.

A tradição da legislação romana introduzida pela colonização portuguesa


no Brasil marcou a administração pública até os anos 30, e essa tradição law
oriented é típica da Europa ocidental. O processo de construção do campo da
administração púbica no Brasil passa desde a tradição law oriented até a tradição
científica vinda dos Estados Unidos (FARAH, 2011). Isso faz com que seja mais
fácil para o campo da administração pública entender com maior universalidade
a implicação de determinadas questões do que a ciência jurídica.
128

Note-se, como raiz do entrelaçamento, que a Constituição de 1988


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instituiu o Sistema Único se Saúde como uma Política Pública de Estado. Como

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bem observa Barcellos (2005) houve a incorporação explícita de valores e


opções políticas nos textos constitucionais, principalmente no que diz respeito à
promoção dos direitos fundamentais. Isso implica em dizer que a própria lei
entrelaça a natureza político decisória desses órgãos (judiciário e executivo).
Embora a carta magna tenha falado também da autonomia e complementaridade
dos poderes, pouco falou mais propriamente de suas intersecções.

No âmbito da judicialização da saúde o próprio judiciário demonstra de


alguma forma estar ciente de suas limitações na intersecção. Por exemplo, a fim
de procurar subsídio e informações de outras áreas sobre sua atuação, o
judiciário foi o principal a provocar a Audiência Pública da Saúde no ano de 2009,
reunião essa em que ouve interação entre profissionais da saúde,
administradores públicos, juristas e outros. O que ocorreu, por derradeiro, foi que
o judiciário pouco se vinculou às conclusões da audiência pública. Alguns
autores explanam que, na realidade, se tratou da bricolagem efetuada pelo
Supremo. Com origem nas ideias de Iorio Filho (2009) a bricolagem pelo
Supremo consiste no uso de um repertório de elementos simbólicos e de
representações limitadas, de significado apenas inerente à seara jurídica e
dentro da corte suprema, que esvazia o significado original dos termos a fim de
atender os interesses do que pretende criar.

Nesse desenrolar o poder judiciário acabou apenas por construir uma


argumentação no sentido de não se denominar ator no processo de formação e
implementação de políticas públicas a fim de encerrar a discussão legal sobre
129

sua competência – única a qual está submetido.


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Como bem acentua Boaventura de Sousa Santos (1989) a crise de


crescimento é uma crise disciplinar.

CONCLUSÃO

Para o Poder Judiciário é um problema se autodenominar ator no


processo de formação e implementação de políticas públicas de saúde. Isso
porque essa denominação implica também discutir a responsabilidade do
mesmo sobre os efeitos de suas decisões na seara administrativa e em forçar a
expansão dos limites de sua linguagem, exigindo, em última instância, a
libertação de uma interpretação dogmática para uma de caráter zetético,
aparentemente não amparada no sistema tradicional.

A administração pública, em oposição, busca o reconhecimento da


interdisciplinaridade inerente à área. Para a administração pública, o judiciário,
da maneira fechada como atua, não é capaz de lidar com a complexidade de
fatores envolvidos na formação e implementação de políticas públicas de saúde.

O poder judiciário, por sua vez, mesmo atuando na seara da


administração pública, acaba por não se submeter à parte das questões
necessárias ao pensamento das políticas públicas de saúde, negando a
natureza de sua atuação. Para as cortes judiciais, admitir a si próprias como
atoras no processo de formação e implementação de políticas públicas é
também admitir uma negativa de competência e uma atribuição de
130

responsabilidades para as quais o órgão não foi constituído.


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ANA CLARA CITELLI E RAFAEL ALVES ORSI
INTERIORIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL: MUNICÍPIOS NA ENCRUZILHADA?

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

INTERIORIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL:


MUNICÍPIOS NA ENCRUZILHADA?

ANA CLARA CITELLI

Graduada em Ciências Sociais na Faculdade de


Ciências e Letras/UNESP-Campus Araraquara.
Mestranda no programa de Ciências Sociais na
Faculdade de Ciências e Letras/Unesp Campus
Araraquara. E-mail: anaclaracitelli@gmail.com
RAFAEL ALVES ORSI
135

Prof. Dr. Rafael A. Orsi - Geógrafo no Depto.


Antropologia, Política e Filosofia, Faculdade de
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ENCRUZILHADA?
ANA CLARA CITELLI E RAFAEL ALVES ORSI
INTERIORIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL: MUNICÍPIOS NA ENCRUZILHADA?

Ciências e Letras/UNESP-Campus Araraquara.


E-mail: r.orsi@fclar.unesp.br

RESUMO

A política de segurança pública no Estado de São Paulo e sua atuação no


universo do sistema prisional é marcada pela descentralização e interiorização
dos presídios pelos municípios do Estado nas últimas décadas – impactando e
modificando suas estruturas, no momento em que passam a abrigar outras mais
complexas (demandando políticas de território e planejamento em diferentes
setores que extrapolam a segurança pública). Sendo assim, este trabalho visa
estabelecer diálogos com autores e trabalhos empíricos que compartilham as
mesmas inquietações a respeito da interiorização dos presídios no Estado. Para
tanto, o debate permeará os conceitos vinculados à geografia da pena,
descentralização política e a interiorização dos presídios e seus impactos;
recorrendo às particularidades que fomentam o debate e auxiliam a
compreensão estrutural dessa ferramenta política intrínseca à esfera econômica.
A partir de tais procedimentos, será possível estabelecer uma visão geral sobre
a problemática apresentada e os caminhos percorridos pelo poder público.

ABSTRACT

The public security policy in São Paulo state and its operation into the prisional
system universe its marked by the decentralization and internalization of the
136

prisons by the State counties in the last decades – impacting and modifying its
structures, when they start sheltering others which are more complex (demanding
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territory policies and planning in different sections that overcome public security).

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INTERIORIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL: MUNICÍPIOS NA ENCRUZILHADA?

Therefore, this work aims to stablish dialogue with authors and empirical works
that share the same concerns about prisons’ internalization in the State. Thus,
the debate will permeate the concepts tied to the sentence geography, politic
decentralization and the prisons’ internalization and its impacts; appealing on the
particularities that instigate the debate and help the structural comprehension of
this politic tool intrinsic to the economic sphere. From these procedures it will be
possible to stablish a general vision on the problem presented here and the paths
coursed by the public power.
137
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INTRODUÇÃO

A política de segurança pública no Estado de São Paulo, no que concerne


ao sistema prisional, é marcada pela descentralização e interiorização dos
presídios pelos municípios do Estado nas últimas décadas. Tal processo impacta
e modifica, em partes, a estrutura sócio espacial dos municípios - que passam a
abrigar estruturas complexas que demandam políticas de planejamento e gestão
territorial em diferentes setores que extrapolam a própria segurança pública. A
segurança no Brasil carece de políticas que se concentrem em novas formas de
contenção da criminalidade, de forma humanizada e interrupta, independente do
jogo e dos atores políticos. O encarceramento massivo coloca no horizonte da
política (que possivelmente não será resolvida através do aprisionamento) uma
crise na efetividade, representatividade da segurança e do sistema carcerário;
as complexidades diante dessas questões apresentam uma amplitude de
problemas que se reverberam na forma de coesão social, cisões urbanas e
resoluções políticas superficiais nos âmbitos jurídicos e econômicos.

Se a perspectiva de construção de novas unidades prisionais progride ano


após ano, em um intervalo de três anos (2012 a 2015) foram inauguradas 14
unidades somente no interior do Estado de São Paulo. É inquestionável, diante
dessa lógica, que o número de presos tende a aumentar como uma ação
mercadológica e econômica. Portanto, diante das expectativas divulgadas pelo
Infopen (Sistema Integrado de Informações Penitenciárias) na data de junho de
2015, a população carcerária do Brasil tem crescido 7% ao ano: isso significa
que se essa estimativa se mantiver em 2022, cerca de um milhão de brasileiros
estarão presos.
138

Considerando os dados quantitativos encontrados, o Estado de São Paulo


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possui uma das maiores populações carcerárias do país (223.931 presos). Isso

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significa uma média de que a cada 100 mil habitantes paulistas, 497 estão
encarcerados. Esse mesmo prisma deficitário e preocupante, ao analisar os
dados, se mantém ao redor das 284 unidades prisionais, que estão espalhadas
pelo interior paulista. Segundo a divulgação das estimativas, concedida pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ)5, em junho de 2015, aponta-se um total de
742.185 mil presos no país, (considerando todos os tipos de regimes penais).
Desse montante, há apenas 380.412 vagas, para 612.903 condenados a
regimes penais de reclusão, reproduzindo, portanto, um déficit de em média
232.491 vagas no país. Através desses dados, pode-se afirmar que a construção
de mais unidades prisionais é inversamente proporcional à capacidade de conter
não somente quantitativamente a população prisional, mas também a
capacidade de resolver qualitativamente os inúmeros problemas que flutuam ao
redor da política de segurança pública brasileira, que optou por investir em
construções prisionais desde 1990.

Sabe-se que uma política pública eficiente deve conter princípios,


planejamento, monitoramento, implementação, avaliação e uma reformulação
conforme as necessidades impostas pela sociedade, periodicamente tratando e
reformulando a agenda política através de uma análise em torno da
complexidade que permeia todo o debate da segurança pública e penal.

Sendo assim, a partir da exposição quantitativa da problemática


apresentada, visa-se estabelecer um diálogo com autores e trabalhos empíricos
que compartilham da mesma inquietação e a respeito da descentralização e
interiorização dos presídios no Estado de São Paulo. Pretende-se expor como
139

5
Os dados informados referentes aos levantamentos da realidade brasileira e seus informes
Página

quantitativos, podem ser encontrados no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>. Acesso em: 15 ago.2015

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as consequências do sistema capitalista e suas modernizações – isolamento


humano, insegurança e medo constante do outro, divisão social e posteriormente
espacial – foram responsáveis por caracterizar os moldes da segurança pública
e seu sistema massivo de encarceramento. Não há formas de tratar do tema,
sem dar a devida importância para o papel da cidade, que abriga as unidades
prisionais. Não há também meios de compreender o espaço público sem dirigir-
lhe os devidos méritos, tanto anteriormente, já que possuía o espírito capaz de
reunir as pessoas, quanto atualmente ao ser um dos elementos de estrutura
espacial para a autoexclusão e anonimato.

O MEDO E AS CONSTRUÇÕES URBANAS

As mudanças estruturais da cosmologia do pensamento e modo de agir


humano fomentaram um processo não somente da desintegração dos laços
sociais, mas também o surgimento de uma sociedade que agora não está
enraizada em um território. De acordo com Harvey (2009), as mudanças
eclodindo cada vez mais rápidas e, - a compressão tempo-espaço, tem
desarticulado o mundo – contraditoriamente ao processo de articulação
provocado pela globalização – deixando de lado, os laços humanos e territoriais,
introjetando nos indivíduos a irresponsabilidade, desinteresse e
desenraizamento com o local, tirando-lhes a necessidade de pertencimento,
origem e relações primárias. Tal movimento desestabiliza os territórios e impacta
de maneira profunda na produção o espaço.

Considerando a cidade, conforme aponta Santos (2008) um espaço


140

cristalizado de tempos desiguais, que conta sua história através de suas


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paisagens, a subversão dos valores (a vida comunitária e responsabilidade com

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o local) - motivados pelo sistema capitalista refletiu-se na estrutura da cidade e


seus habitantes, ao assumir uma postura em que a produção dos espaços são
voltados exclusivamente para o consumo. Quando não se tem condições para
consumir o espaço, não se tem também a garantia de cidadania e nem de
qualificação necessária para ser reconhecido como indivíduo dotado de direitos.
O cenário urbano e cosmopolita que deu os ares da liberdade, como a garantia
de anonimato, posteriormente foi responsável também por aprisionar os
indivíduos em seu próprio mecanismo ultra consumista e antisolidário, trazendo
consigo o individualismo negativo, o isolamento, a desconfiança, a falta de
empatia e por fim, o medo do outro, isto é, o medo constante.

O medo é socialmente criado e culturalmente disseminado, seja através


das mídias sensacionalistas, redes sociais e outros veículos rápidos de
informação, fomentando a sensação de insegurança e vulnerabilidade nos
espaços. Essa dinâmica da informação acerca do perigo humano se concretiza
quando índices de criminalidade são criados para confirmar a necessidade e se
combater o Mal, este deve ser isolado e principalmente vingado. Mas, o Mal
fomentado por esses meios de comunicação, é tudo aquilo que está fora da
cosmologia capitalista, tudo aquilo e aquele que profana o direito da propriedade
privada, a liberdade individual e por sua vez, a vida humana. (BAUMAN).

Quando se propõe a investigar o espaço urbano das metrópoles e das


cidades do interior do estado de São Paulo, com intuito de compreender o que
conduz as práticas de instauração das políticas de segurança pública e penal,
nos deparamos imediatamente com construções arquitetônicas e paisagens da
cidade que se justificam novamente nas questões que permeiam a insegurança
141

e o medo do outro. Então, para que se endosse a problemática questão da cisão


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urbana desde o início do seu processo, pode-se, através de uma breve

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passagem de Caldeira (2000), vislumbrar como a urbanização já nasceu de


modo que promovesse a segregação na cidade:

A segregação – tanto social quanto espacial – é uma


característica importante das cidades. As regras que
organizam o espaço urbano são basicamente padrões de
diferenciação social e de separação [...] Ao longo do século
XX, a segregação social teve pelo menos três formas
diferentes de expressão no espaço urbano de São Paulo.
A primeira estendeu-se do final do século XIX até os anos
1940 e produziu uma cidade concentrada em que
diferentes grupos sociais se comprimiam numa área
urbana pequena e estavam segregados por tipos de
moradia. A segunda forma urbana, a centro-periferia,
dominou o desenvolvimento da cidade dos anos 40 até os
80. Nela, diferentes grupos sociais estão separados por
grandes distâncias: as classes média e alta concentram-se
nos bairros centrais [...] Uma terceira forma (de
segregação) vem se configurando desde os anos 80 e
mudando consideravelmente a cidade e sua região
metropolitana. Sobrepostas ao padrão centro-periferia, as
transformações recentes estão gerando espaços nos quais
os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos,
mas estão separados por muros e tecnologias de
segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas
142

comuns” (CALDEIRA, 2000. p.211).


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INTERIORIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL: MUNICÍPIOS NA


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ENCRUZILHADA?
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Assim, os muros e muralhas carregam um valor social simbólico, mas


possuem a função primordial que é fazer a separação do espaço, seja o espaço
da cidade, da rua e de forma mais problemática, a separação da sociedade. A
construção desenfreada dos muros deu vida aos “enclaves fortificados”, ou seja,
espaços privados, “seguros” que agregam os que abandonaram a esfera pública
para aqueles considerados “marginalizados e perigosos” viverem, logo, a rua é
sinônimo de lugar perigoso, onde o “outro” circula livremente (CALDEIRA, 2000).

Essa perspectiva permite a analise relacional acerca dos moldes das


ações aplicadas pelo Estado e pelos gestores a partir do final da década de 80,
mais intensamente no período atual, os enclaves na cidade, podem ser, portanto
condomínios – para aqueles “de bem” - ou prisões, para aqueles que se
encontram na ilegalidade e incorporaram à marginalidade6, a marginalidade
pode ser compreendida de duas formas, primeiro socialmente – indivíduos que
cometem crimes, seja de qualquer natureza, e são apontados, por exemplo,
como: “aqueles marginais foram presos” – ou geograficamente – que são os
indivíduos estigmatizados por viverem nas margens da cidade, distantes do
centro econômico, isto é, na periferia. Vale ressaltar que, neste momento, usa-
se o senso comum para explicar a banalização do ser humano e do
estranhamento com o semelhante, mas tendo plena consciência de que,
segundo Coelho (1980), utilizar-se ainda desse pré-conceito de desigualdade
econômica para justificar tais medidas preventivas para com o “outro”, é no
mínimo “metodologicamente frágil, politicamente reacionária e sociologicamente
perversa” (COELHO apud SORIANO, 2007. p.19).
143
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. Neste caso, a marginalidade refere-se primeiramente ao sentido geográfico e posteriormente aos
possíveis comportamentos que essa segregação espacial produz no indivíduo.

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O resultado da cisão social, segundo Souza (2009), se articulou de forma


que a fragmentação “sociopolítica-espacial” construiu a seguinte paisagem nas
cidades e, consequentemente, fomentou as políticas implementadas hoje, seja
de segurança ou de intervenção no espaço urbano:

Espaços por excelência da autossegregação


(“condomínios exclusivos” [...]): simbolizam o “possuir-
mais-que-direitos” e mesmo o “estar-acima-da-lei”,
sintetizando a famosa frase “você sabe com quem está
falando?”.

Espaços por excelência da segregação induzida (favelas,


prisões e outros): simbolizam o “não-ter-reconhecidos-
certos-direitos”, o “subcidadão” ou “cidadão da ‘segunda
classe’” (SOUZA 2008. p. 153).

Para delimitar e reforçar ainda mais o panorama em que vivemos no que


tange a violência, Souza nos elucida como as fronteiras criadas no espaço
urbano e na interação social, determinam os valores humanos e sinalizam locais
de desvios praticados na cidade – mapeando e denominando Geografia do
Crime. Essa tipificação de cunho essencialmente geográfico, identifica, a partir
de diversos indicadores, os lugares em que a sensação de vulnerabilidade e
medo são sentidos de forma mais latente, logo incita os habitantes locais, os
transeuntes e a própria administração local, a tomada de providência capazes
de controlar os crimes cometidos e consequentemente, punir os potencialmente
criminosos (SORIANO).
144

“A manifestação espacial do crime modifica os valores e as


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percepções espaciais, deteriora os espaços urbanos,

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altera os níveis de concentração ou esvaziamento e cria


espaços de medo. A relação crime/insegurança (medo de
se tornar vítima) determina uma geometria sócioespacial
que ultrapassa as classes sociais e as condições físicas do
ambiente, relacionando-se especialmente ao modo como
as pessoas sentem o ambiente urbano com as suas
contradições” (SORIANO apud FELIX, 2002, p.138).

Analisar a complexidade acerca dos fenômenos da violência quando feita


de forma profunda, não pode ser desvinculada da questão do planejamento
urbano; o medo do crime passou alterar a rotina da população e
consequentemente os seus espaços de circulação e permanência, isto é, os
espaços “sinalizados” como potencialmente perigosos - delimitados a partir dos
indicadores e mapeamento da violência no espaço urbano -, são os espaços de
medo, que não somente incitam um repúdio da população, mas também
estigmatizam aqueles que vivem nesse local. No cenário atual, esses espaços
de medo são ramificados e sem a devida preocupação do poder público local,
esses espaços passam a ser evitados, abandonados e potencialmente alvo da
população “Nos locais onde essa realidade é observada, este fator acelera os
processos de modificações no uso dos espaços, que através do abandono e da
degradação, tornam-se áreas repulsivas” (SORIANO, 2007. p.17).

A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO E O MEDO DO CRIME: Qual caminho da


segurança pública diante desse cenário
145

Todos esses processos perpassam a questão urbana e, evidenciam o


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enraizamento constante da política de segregação espacial. Pode se afirmar que

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dessas ações, desdobram-se outros fenômenos, tais como, segundo Augusto


(2010) “elastificação dos muros das prisões” isto é, para os que são
“potencialmente perigosos” e “indesejáveis”, a cidade cria uma forma de controle
e confinamento, para além das prisões institucionalizadas, tais como os guetos,
que por definição abrangente do ponto de vista social, político e geográfico são
“são produtos de uma dialética móvel e tensa, entre hostilidade externa e
afinidade interna” isto é, “uma contenção de grupos despossuídos e
desonrados”. (WACQUANT apud Augusto). Cabe destacar ainda que a
sociedade contemporânea se caracteriza também por ser uma sociedade de
controle, que legitima a flexibilização de muralhas e vigília para além das prisões,
clamando por um controle exacerbado advindo de todos os meios institucionais,
Para Sabaini:

Apesar de o espaço ser a cidade, e a imposição dos limites


físicos serem impostos pelas muralhas dos presídios,
valores e práticas relacionadas com o que acontece dentro
da prisão são transferidos para o espaço da sociabilidade
para além dos muros da unidade prisional. Portanto,
características pertencentes ao dentro (prisão) e o fora
(cidade) começam a se interligar (SABAINI, 2011. p.30).

A alusão à prisão se espraia para além da visão clássica de um território


a parte (isolado da sociedade, de constante vigília e controle) estabelece-se,
portanto, vários espaços cercados, controlados, vigiados – e majoritariamente
privados -, não somente nos centros urbanos e suas áreas nobres, mas também,
nas margens do território, isto é, na periferia, pois, ainda que seja evidente, isolar
146

os indivíduos, força-lhes a vivência dentro de um gueto, é aprisioná-los fora da


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prisão, tirando-lhes, por exemplo, a mobilidade urbana (a capacidade

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fundamental de ir e vir) cerceando a possibilidade da experiência, oportunidades


e vivencia nas cidades – daquilo que a cidade representa e se distancia
fortemente da periferia; o processo de segregação sócio territorial implica em
caracterizar e delimitar as possibilidades dos habitantes conforme o seu espaço
de vivência, dando-lhes uma identidade distinta. A cidade, portanto, passa
sufocar os indivíduos, dando-lhes ou não a chancela de realização da vida
material e econômica. Segundo Augusto (2010) “[...] Questiona-se se a cidade
hoje se configura a partir de uma pluralidade de campos de concentração a céu
aberto”.

A analogia breve acerca das configurações de guetos mostra a outra face


da cidade que não mais liberta, mas cria mecanismos que incitam uma forte
violência e guerra simbólica (BOURDIEU, 1989). Os que sentem o medo
apontam e marcam aqueles que provocam o medo, fortalecendo não somente a
expansão dos “guetos” (que possui uma dinâmica de reconhecimento,
sociabilidade e solidariedade para os que vivem limitados a este espaço), mas
também, outra forma de agrupamento e demarcação territorial no ambiente
urbano, que poderá ser notado, segundo Augusto (2010) como “campos de
concentração a céu aberto”, isto é, “um programa da sociedade de controle que
inclui tudo e mais um pouco, infratores ou não, perigosos ou não, sob governo
dos diretos de minorias que não dispensa endurecimento de penas, leis cada
vez mais restritivas [...]”. Esse conceito tem se aplicado tanto para caracterizar a
dinâmica das periferias, quanto os do centro-urbano, neste caso, reafirmam-se
as rupturas espaciais e sociais da sociedade, esta que perpetua a cultura e
construção dos espaços fortificados, como garantia de controle e dominação em
147

relação àqueles considerados perigosos e instáveis.


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Protagonizando o lugar do indivíduo dentro do espaço urbano e


assumindo a existência contínua e sistêmica do medo (daquilo que e daquele)
na rotina da sociedade moderna, é evidente que as Instituições, para se
manterem vivas e legítimas em prol do clamor da sociedade civil, foram
pressionadas a expandirem os mecanismos de contenção do medo, e da
insegurança. Criaram-se demônios internos à própria sociedade que, advêm da
falta de identidade orgânica com o corpo social, de acordo com Durkheim (1893).
Para demonstrar o caráter dominante do mercado que hoje ocupa a cosmologia
de pensamento e comportamento humano, é possível quantificar os espaços e
àqueles que neles circulam, utilizando-se o conceito de “capital espacial” que
segundo Oliva é um “Conjunto de recursos acumulados por um ator social, que
lhe concede estrategicamente meios, como especulação imobiliária ou qualquer
outra forma que tange artifícios urbanísticos que lhe permita vantagens, a
respeito das dimensões espaciais da sociedade.” Tais recursos distribuídos
especificamente e diferentemente a cada “tipo” de classe social:

[...] Capital Espacial faz analogia com capital econômico. A


ideia deriva de trabalhos de sociólogos que procuram e
pretendem dar condição teórica à ideia da dotação desigual
na sociedade de recursos para produzir novos bens. [...]
Nessas duas brechas se introduz a noção de Capital
Espacial. É também um capital, quer dizer: um bem social
cumulativo e utilizável para produzir outros bens sociais.
Ele opera e entra no jogo de trocas com os outros capitais.
- Pode-se reforçar um capital em detrimento de outro (por
148

exemplo, no caso do Capital Espacial, gastando mais para


sua habitação, em busca de uma localização
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supostamente mais rentável). [...] A consideração


do Capital Espacial de um ator social, de um conjunto de
atores, de um grupo social de um bairro, da sociedade
urbana, enfim, é um elemento essencial na avaliação e na
decisão sobre grandes intervenções no espaço urbano. É
um elemento essencial também na concordância ou na
resistência dos atores às grandes transformações urbanas
(OLIVA).

As mazelas criadas pelo modo de produção capitalista refletem nas


formas de convivências e agrupamento social, eclodindo na autossegregação da
classe média em seus condomínios, na periferização da pobreza e na reclusão
dos criminosos nos espaços carcerários. As exclusões sociais e espaciais, não
são mais os problemas da cidade grande (onde, teoricamente, os problemas se
agrupam e ganham maiores proporções), mas, estão pulverizados, em maior ou
menor grau por todas as cidades. Tal problemática tem avançado rapidamente
rumo ao interior do Estado de São Paulo, desdobrando-se em diferentes
problemas, os quais se destacam as construções dos complexos carcerários.

Tratar da segurança pública remete essencialmente discutir a gestão dos


espaços públicos e o desenvolvimento sócio espacial, o Estado deve buscar
mecanismos de combater e enfraquecer a fragmentação da sociedade, em que
cada indivíduo se apropria de um espaço. Além disso, é preciso resinificar o
papel das cidades, dando-lhes a característica pública no sentido positivo,
segundo Lopes (2008) “É preciso resistir ao abandono que esses espaços
públicos, decorrente do clima de insegurança que neles vem se instalando em
149

muitas cidades” algo que se perdeu, tornando apenas mercadoria, reprodução


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do capital e o aprisionamento humano, perdendo seu sentido de obra, como


salienta Lefebvre (2001).

A INTERIORIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO UNIVERSO CARCERÁRIO NO


ESTADO DE SÃO PAULO

A disseminação do medo e as formas de interação social fomentaram uma


nova configuração do uso do espaço urbano. A insegurança naturalizada nessa
sociedade do medo - pressionou as instituições - e o Estado, por sua vez,
respondeu investindo em uma política de segurança pública voltada
intensamente a construção de aparatos repressivo e prisionais, fomentando a
política de execução penal. Isto é: aumentou-se o encarceramento e
consequentemente necessitou-se de mais vagas, em uma estrutura perdulária
e, reconhecidamente, ineficiente. Esse universo fez emergir outro processo que
se intensificou no início da década de 90, o avanço das unidades prisionais rumo
ao interior do estado de São Paulo, dando notoriedade à “interiorização do
sistema prisional”. (SOUZA, 2008).

Definir os motivos exatos que levaram a consolidação desse fenômeno


não é tarefa simples, primeiramente porque há poucos trabalhos disponíveis que
se debruçam exclusivamente nessa causa geográfica, política e social. Em
segundo lugar, há uma complexa lógica por trás dessa expansão, que irá desde
motivações políticas, estratégicas e de gestão territorial. Conforme Sabaini
(2011), um dos motivos iniciais da pulverização das unidades prisionais para o
interior de São Paulo pode ser explicado por acordos políticos realizados, com
150

intuito de reposicionar o Estado como centro de poder dentro das prisões e


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desarticular qualquer tentativa de poder paralelo.

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A institucionalização da LEP 7, entre outras determinações à execução


penal, teve como objetivo dar à pena de prisão mecanismos que possibilitassem
– ao menos teoricamente – reabilitação do réu, logo, sugeriu-se que deslocando
e regionalizando estrategicamente as prisões (e os presos), seria também a
facilitar aproximação do condenado e família, fomentando, portanto, o processo
de ressocialização social. Outra esfera a ser revitalizada, diz respeito ao espaço
físico e acomodações das unidades. Dessa forma, aproveitou-se então a política
de expansão e interiorização dos presídios para modernizar a arquitetura das
novas unidades, focando na expansão da capacidade de vagas e na hipotética
humanização das acomodações. Ao mesmo tempo, como resultado dos traumas
causados pelo Complexo do Carandiru, foi proposta unidades com um número
reduzido de vagas. O Governo do Estado de São Paulo, entre os anos de 1986
e 1992 criou 21 novos estabelecimentos prisionais, distribuídos em várias
cidades do interior e na região metropolitana da capital. Este foi o início do
processo de interiorização do sistema prisional paulista. (SANTOS, 2014).

Ainda que as justificativas para a pulverização e aumento vertiginoso das


unidades prisionais rumo ao interior de São Paulo, tenham se apoiado em uma
política-ideológica e administrativamente necessária, o resultado que se vê
atualmente, é como a política de segurança e do encarceramento massivo ainda
é falha e superficial. A superficialidade dessa política pública é vista – uma entre
tantas outras formas – no momento em que se analisa quantitativamente, por
exemplo, o número de indivíduos condenados da Grande São Paulo (e região
de Campinas) que são alocados, em números significativos para a região Oeste
151

7
A Lei 7.210 institucionalizada em 11 de julho de 1984, passou a atribuir ao preso direitos e tinha como
objetivo principal, ainda que teoricamente, a reinserção do detento na sociedade, após o cumprimento
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da pena. Para isso, o sistema carcerário e toda a dinâmica das políticas públicas envolvidas, teriam
que ser revitalizadas e adequadas à Lei de Execução Penal (LEP).

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do Estado. Ou seja, distante do local de sua origem, forçando um deslocamento


e gastos mais elevados para as famílias, que na grande maioria das vezes, estão
entre as classes sociais mais carentes.

Segundo Souza (2009), o processo de interiorização das unidades


prisionais foi motivado teoricamente por uma política de “humanização dos
espaços carcerários”, mas muito além dessa justificativa “humana”, o apoio dos
municípios se deu principalmente por conta de uma “parceria” entre os poderes
do Estado e município. É sabido que a descentralização dos poderes –
institucionalizado na Constituição de 1988 – deve ter sido uma das principais
influências para que essa política de descentralização territorial dos presídios e,
consequentemente para que a construção de novas unidades se tornasse
legítima e legal perante a sociedade civil. Alegando-se não somente a
segurança, mas também uma espécie de compensação econômica para os
municípios, impactando diretamente aqueles de pequeno e médio porte:

Este chamado processo de interiorização das Unidades


Prisionais no estado foi acompanhado por diversas crises,
violências e rebeliões e, sobretudo, pela descrença no
papel/função das prisões por parte da sociedade. Contudo,
interesses econômicos e políticos também se vincularam
nesse processo de negociação entre estado e municípios.
De acordo com Eda Góes (2004), o contexto econômico do
País neste período da interiorização penitenciária (final da
década de 1990) era de profunda estagnação e crise em
vários setores da economia, materializada, sobretudo, no
152

desemprego. Diversas pequenas e médias cidades do


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interior paulista vivenciaram este cenário, com o

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fechamento de fábricas e empresas. Em contrapartida, a


construção destas novas unidades prisionais no interior do
estado representou a geração de 18 mil novas vagas de
empregos, resultantes de um investimento de 230 milhões
de reais, segundo os dados de Góes (idem). Tais
investimentos assumiram uma dimensão ainda muito mais
significativa no âmbito municipal. Desta maneira, a
implantação destas novas unidades penitenciárias no
interior do estado acabou proporcionando um retorno
financeiro que representou uma compensação material
importante aos municípios, sobretudo para aqueles cuja
economia estava estagnada pela crise econômica
generalizada em que se encontrava o País naquele
período. Todo este processo também foi permeado pelo
discurso da geração de empregos diretos e indiretos e que
foi explorado politicamente como um retorno, ou uma
compensação que equilibraria os supostos malefícios da
presença das prisões nos municípios, além de servir como
peça de marketing para minimizar as possíveis resistências
da comunidade (SOUZA, 2009).

Portanto, diante da exposição de algumas possíveis motivações que


justificaram os investimentos em complexos carcerários, foi possível atribuir
também como esse processo foi responsável por transformar as paisagens das
cidades do interior de São Paulo, tanto pela presença de muralhas quanto pela
153

dinâmica distinta que as unidades trazem para as cidades em que são


instaladas.
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AS UNIDADES

Atualmente, segundo os dados da SAP, o interior do estado conta com


163 unidades prisionais, divididas em cinco secretarias (e cinco regiões) são
elas:

Coordenadoria de Unidades Prisionais da Região Metropolitana de


São Paulo possui em área administrativa oito Penitenciárias, dezesseis Centros
de Detenção Provisória (CDP), três Centros de Progressão Penitenciária (CPP)
e, dois Hospitais Prisionais de Saúde.

Coordenadoria de Unidades Prisionais da Região do Vale do Paraíba


e Litoral são oito Penitenciárias, dois CPP, um Centro de Ressocialização (CR)
e um hospital prisional de saúde. Destaca-se pelo Complexo Prisional de
Tremembé e seu regime de segurança máxima, recebe também os maiores
criminosos de repercussão midiática.

Coordenadoria de Unidades Prisionais da Região Central é


responsável por quinze Penitenciárias, seis CDP, três CPP e nove CR.

Coordenadoria de Unidades Prisionais da Região Noroeste abrange vinte


e duas penitenciárias, seis CDP, quatro CPP e seis CR.

Coordenadoria de Unidades Prisionais da Região Oeste, a quinta e


última região, responsabiliza-se por vinte e cinco Penitenciárias, três CDP, três
CPP, quatro CR e uma unidade de Regime Disciplinar Diferenciado.
154

Diante dessa breve exposição quanto às instalações prisionais, constata-


se que a última região dominada pelas unidades, a região Oeste, possui o maior
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número de penitenciárias, vinte e cinco no total, e predominantemente em

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cidades de pequenos portes (físicos e econômicos) tais como: Presidente


Venceslau possui segundo o censo de 2010 o total de 12.915 habitantes, Irapuru
conta com 7.787 habitantes, Pacaembu contém 12.934 e por fim, Flórida Paulista
com 12.849 habitantes. (IBGE, 2010).

A pulverização dos presídios pelo interior do Estado pode ser observada


no mapa 01.

Mapa 1 – Mapa das Unidades Prisionais no interior do Estado de São Paulo

Fonte: Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) (Jun/2016)

A GEOGRAFIA DA PENA E OS IMPACTOS NA CIDADE

O processo de “interiorização das unidades prisionais” pelo Estado de São


155

Paulo trouxe para as cidades que as receberam inúmeros impactos, os quais


devem ser analisados, pois modificam a dinâmica das cidades que recebem tais
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instalações, bem como afetam de forma direta a qualidade de vida da população:

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São mais de cem unidades prisionais distribuídas pelo


interior de São Paulo, em pequenas e médias cidades, que
acabam por vivenciar os efeitos não planejados da
instalação de uma prisão. Efeitos que vão desde problemas
estruturais, como uma repentina sobrecarga da rede de
esgoto da cidade, até o aumento da sensação de
insegurança da população, muito alimentado pelas
representações dos “criminosos” que ali estão presos.
Nesse contexto, a presença das prisões afeta a vida local
dessas cidades, impactando em setores como a
assistência social, a saúde, a segurança etc., gerando
ainda tensões que excedem a capacidade local de
gerenciar os conflitos. Além dessa dimensão conflitiva, é
possível observar o compartilhamento da gestão do
cotidiano prisional, constantemente negociada fora dos
muros das prisões (SINHORETTO; SILVESTRE; MELO.
2013 p.85).

Para a compreensão acerca da descentralização espacial dos presídios


do Estado, a análise de uma geografia da pena mostra-se bastante útil. Tal termo
pode elucidar um dos desdobramentos da descentralização e interiorização das
unidades prisionais, primeiramente porque o local da pena de um condenado lhe
é designada a partir da qualificação da natureza do crime e com isto, as regiões
e unidades para onde os criminosos são enviados para cumprirem suas penas.
Com isso, o espaço físico e o lugar em que estão localizadas as unidades,
156

passam a serem qualificadas também conforme a tipificação do crime acolhido,


sendo assim, as unidades prisionais e o município acabam incorporando a fama
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conforme os presos que ali abrigam, determinando e compondo uma geografia


penal. Este fenômeno pode explicar porque as mudanças espaciais resultantes
do espraiamento penal pesam tanto na opinião pública. Em uma metrópole como
a de São Paulo (ocupada nas áreas centrais e nobres, por elites conservadores),
não seria bem vista as unidades prisionais e formação de complexos, os quais
não deveriam – nem poderiam – ficarem expostos aos olhos da elite paulistana.
Segundo Biondi, “essa pulverização evitou o impacto visual que o crescimento
da população carcerária poderia causar, camuflando a política de
encarceramento em massa colocada em prática pelo Estado Paulista” (BIONDI,
2010. p.46).

Portanto, no início do processo de construção massiva de penitenciária,


principalmente nas metrópoles brasileiras, procurou-se um local em que pudesse
ter acesso através do transporte público, para que as famílias dos condenados
pudessem visitá-los nos períodos determinados, (considerando a condição
social da maioria dos detentos), mas que a localização fosse primordialmente
afastada; concentrando toda a mazela social distante, a margem do sistema e
daqueles que não queriam “ver” e nem serem “incomodados” pela realidade.

Se tal política foi notória no início das suas execuções, isto é, década de
90 ao ano 2000, atualmente os desdobramentos são fenômenos de tamanha
evidência, que alguns controles e limitações foram necessários, tais como a
criação de projetos, que garantem, de alguma forma, uma compensação para a
cidade receptora dos complexos prisionais, visando – ainda que teoricamente -
minimizar os impactos negativos. Esses projetos e diálogos com a sociedade
civil deveriam, em tese, proporcionar uma nova distribuição de impostos do
157

Estado para os municípios, muito além de uma compensação financeira, mas de


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uma rotatividade econômica, o que seria primordial para a sustentação das


pequenas cidades (DIAS; PRADO, 2014).

Não se pode esquecer, que o processo de interiorização provocou alarde


dos munícipes das cidades escolhidas, a população preocupada com os
possíveis impactos e desdobramentos urbanos que as instalações causariam,
passou a cobrar do Estado respostas alternativas para neutralizar e compensar
o “peso”, ao acomodar em suas cidades os criminosos e as famílias dos
criminosos que passa a frequentar, não só o presídio, mas a cidade aos finais
de semana, gerando insegurança e desconfiança em toda a população local.
(PRADO, 2014). Assim como nos mostra Soriano (2007), as dinâmicas das
cidades são notoriamente modificadas com a presença de unidades, ainda que
haja períodos mais ou menos instáveis, tais como períodos de concessão dos
indultos que coincidem com os feriados nacionais:

De maneira mais detalhada, podemos indicar alguns


exemplos de como a qualidade de vida da população de
determinada área é alterada com a construção das
unidades prisionais, como: a questão dos indultos que os
detentos de bom comportamento recebem em algumas
datas comemorativas do calendário, como o Natal, na
Páscoa, no Dia das Mães, etc.[...] O mais impressionante
é que aproximadamente 10% dos detentos não retornam
ao presídio.

Em um município pequeno característico do interior, onde a sociabilidade


158

guarda características valorativas da proximidade e da comunidade, com a


chegada de novos indivíduos (já carregados de preconceitos e estigmas) a
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interação e a sociabilidade se chocam, configurando agora a desconfiança

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constante com o próximo, e estigmatizando os lugares públicos – principalmente


nas proximidades geográficas às unidades prisionais, configurando-se, portanto,
uma nova paisagem e hierarquia urbana (SABAINI apud CUNHA). É valido
estacar que em momentos de anomia e crises, como aconteceu tanto em 2001
e em meados de 2006 e 2007, a tensão passa a ser muito maior e os espaços
do medo são densificados. Assim como expõe Santos:

[...] Outra consequência vivenciada pela população


interiorana foi o clima hostil existente nas unidades
prisionais. Cabe lembrar que, durante o ano de 2006, o
Estado de São Paulo enfrentou uma das mais graves crises
na área de segurança pública, tendo como centro o sistema
penitenciário. De acordo com Salla (2007, p. 73), rebeliões
em unidades prisionais, mortes de policiais e de agentes
penitenciários, ataques com bombas a estabelecimentos
públicos e privados, ônibus incendiados, tudo
desencadeado por grupos criminosos de dentro do sistema
penitenciário. Pela primeira vez uma crise no sistema
penitenciário transbordava os muros das prisões e atingia
direta e amplamente o cotidiano da população. Conclui-se
que, com a instalação de novas unidades prisionais ao
longo do estado paulista, este sentimento de terror e de
medo foi vivenciado por munícipes de cidades até então
pacatas e de cotidiano tranquilo (SANTOS, 2014, p. 14).

Ainda a respeito dos problemas advindos das unidades prisionais em uma


159

cidade do interior, discutiram-se as medidas de segurança que não são


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completas nem por parte do Estado nem do município – como o aumento do

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policiamento na cidade e nos perímetros próximos às unidades – e por isso, a


vivência da vida e do espaço urbano são modificados, quando os espaços
passam a incorporar os estigmas advindos da dissolução da interação social,
causado pelo medo e pelo estranhamento, assim como já foi exposto
anteriormente a respeito da cisão urbana e social. É viável construir uma ponte
direta entre o planejamento e a gestão urbana e as unidades prisionais de forma
que “ao transformar a paisagem urbana, as estratégias de segurança dos
cidadãos também afetam os padrões de circulação, trajetos diários, hábitos e
gestos relacionados ao uso de ruas, do transporte público, de partes e de todos
os espaços públicos” (CALDEIRA, 2000, p.301).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme aquilo que já foi exposto anteriormente, o medo passou a fazer


parte do imaginário e da rotina de cada ser humano. Esse processo de
afastamento dos indivíduos desencadeou diversas e complexas formas de
ruptura social. Diante disso, os indivíduos se dispuseram a cercear a liberdade
individual em prol da suposta segurança que dispositivos de controle e muros
lhes trazem. O processo de identificação e o sentimento de solidariedade que se
via em uma comunidade desapareceram, tomando posse em seu lugar, uma
sociedade altamente consumista e egoísta, de modo que a propriedade privada
e os bens de consumo resumem tudo àquilo que deve ser protegido, portanto, o
medo constante que fomenta a sensação de um perigo iminente, passou a
controlar a produção da vida humana e a produção das cidades:

[...] O medo é algo fabricado porque é um permanente


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aliado de uma indústria. Essa ideia que temos de reduzir


nossas liberdades e nossa cidadania porque é preciso
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vigiar o outro. Nossa vida passou a ser, a cada minuto,

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ENCRUZILHADA?
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réplica de quando entramos no avião, quando aceitamos


ser revistados e ter um bocado da nossa privacidade
invadida. Nós já fazemos isso, até faço com algum agrado
para que eu viaje mais seguro, mas tem ali uma proposta
de troca. É preciso que você reduza o vosso espaço de
intimidade e de liberdade individual e coletiva em nome de
nossa defesa e dessa construção de que somos essa
entidade chamada “nós” (COUTO, 2015).

Ao demonstrar a interferência do medo latente e pulverizado na sociedade


de controle, confirma-se que a estrutura e a sociedade urbana legitimaram
formas ostensivas das políticas de segurança-pública. De forma dialética
analisa-se que a política da segurança se materializou em obras de unidades
carcerária, salientando alguns motivos quais se baseiam como: 1) A construção
de tantas novas unidades se faz necessária pela quantidade de déficit de vagas,
já que em nível federal “há um aumento de 3.500 presos por dia no sistema
carcerário brasileiro, para os quais seriam necessários sete novos presídios por
mês” (SORIANO, 2007), 2) Deve-se através de estudos posteriores, refletir a
escolha de determinada áreas, mas já podendo adiantar que se baseiam nos
prováveis impactos de cunho econômico, considerados positivos para a cidade
que acolhe uma unidade, tal como aconteceu na cidade de Itirapina, que ao
conceder espaço para a instalação de um complexo prisional no município, foi
observado um aumento de empregos, no caso de agentes carcerários e
rotatividade no pequenos comércios locais, ao redor das unidades prisionais
(SABAINI, 2011). Encontraram-se também estudos feitos nos Estados Unidos
161

referentes ao processo de interiorização, expondo, seguinte percepção:


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[...] Analisaram o fenômeno da interiorização do sistema


prisional no Estado da Califórnia e mostraram como os
municípios do interior buscavam atrais a construção de
unidades prisionais em suas comarcas como forma de
contornar a estagnação econômica e a falta de empregos
nas pequenas cidades. Nesta perspectiva, as unidades,
além dos empregos estáveis e de fonte de arrecadação fixa
para a cidade, impulsionariam o comércio local e
investimentos do município (A EXPANSÃO…, 2014 apud
HULING; GILMORE, 2003).

Segundo o seminário analisado que se apega ao tema prisional (A


EXPANSÃO..., 2014), verificou-se, o que já era esperado, além de todos os
outros motivos expostos e os ainda desconhecidos, a decisão e a localização
das unidades prisionais, dependem de decisões, interesses políticos, mas
principalmente empresariais, que refletem nas decisões econômicas do próprio
crescimento e investimento da cidade “acolhedora”, além de definirem os
interesses e perspectivas políticas do país:

Nesta discussão, é fundamental considerar que as


decisões políticas que definem a localização de uma
instituição prisional, podem ser decisivas para o
estabelecimento (ou não) de empresas e interesses
privados que se articulam em torno do fornecimento de
serviços e/ou materiais para as unidades (A EXPANSÃO...,
2014).
162

Logo, a partir do fragmento acima, é viável perceber que a cidade não é


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o lugar para habitar, no sentido de criar raízes e viver o espaço público, a cidade

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e as obras realizadas nela, tornaram-se fundamentais para o capital, não para a


população. O que se constrói e desconstrói no lugar, é somente o que é de
interesse do sistema capitalista, e no caso, o mundo e a sociedade moderna são
levadas a compactuar com as escolhas impostas a eles, de forma que no plano
micro o fetichismo8 (MARX, 1867) transformou as cidades em meras
mercadorias à mercê do capital, atribuindo aos espaços naturais, aquilo somente
o que é rentável e gerador de lucros.

[...] O medo é algo fabricado porque é um permanente


aliado de uma indústria. Essa ideia que temos de reduzir
nossas liberdades e nossa cidadania porque é preciso
vigiar o outro. Nossa vida passou a ser, a cada minuto,
réplica de quando entramos no avião, quando aceitamos
serem revistados e ter um bocado da nossa privacidade
invadida. Nós já fazemos isso, até faço com algum agrado
para que eu viaje mais seguro, mas tem ali uma proposta
de troca. É preciso que você reduza o vosso espaço de
intimidade e de liberdade individual e coletiva em nome de
nossa defesa e dessa construção de que somos essa
entidade chamada “nós” (COUTO, 2015).
163

8
O termo foi inaugurado por Karl Marx em sua obra: O Capital. Podendo ser definido, de forma sucinta,
“objeto animado ou inanimado, feito pelo homem ou produzido pela natureza, ao qual se atribui poder
sobrenatural”. Ao quantificar àquilo que é de interesse meramente do mercado, para construir algo ou
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não em uma cidade, significa dar a ela a característica de uma simples mercadoria, que não será
medida por seu valor de uso, e sim pelo seu valor de troca, ou seja, lucro.

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ENCRUZILHADA?
LISIANE GRANHA MARTINS DE OLIVEIRA E LUCILLY MARIA CAETANO DE SOUZA
OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO E O INTERVENCIONISMO DO JUCICIÁRIO NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO E O


INTERVENCIONISMO DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS
PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

LISIANE GRANHA MARTINS DE OLIVEIRA

Bacharel em Direito pela Universidade


Presbiteriana Mackenzie, Pós-graduada em
Direito Internacional pela Escola Paulista de
Direito e Mestranda em Ciências Políticas pela
UFSCAR. E-mail: granhamartins@yahoo.com.br
LUCILLY MARIA CAETANO DE SOUZA

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do


Espírito Santo, Pós-graduada em Direito Público
172

pela Universidade Anhanguera-Uniderp e


Mestranda em Ciências Políticas pela UFSCAR.
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E-mail: lucilly.caetano@gmail.com
OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO E O
LISIANE GRANHA MARTINS DE OLIVEIRA E LUCILLY
INTERVENCIONISMO DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS
MARIA CAETANO DE SOUZA
PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO
LISIANE GRANHA MARTINS DE OLIVEIRA E LUCILLY MARIA CAETANO DE SOUZA
OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO E O INTERVENCIONISMO DO JUCICIÁRIO NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

RESUMO

Constantemente o Judiciário é acionado para intervir em questões relacionadas


à formulação de políticas públicas, pondo-se à discussão a relação entre o poder
discricionário estatal e a imposição constitucional de certas políticas,
consubstanciando-se em um dever vinculante ao Estado. Surgem, assim, alguns
questionamentos: normas constitucionais definidoras de políticas públicas
seriam um fator limitador ao poder discricionário do Estado? Quais os limites
desta discricionariedade e em que medida o intervencionismo judicial influencia
essas políticas? Pretende-se demonstrar e identificar que há limites ao poder
discricionário do Estado, assim como há limites à atuação do Judiciário em
aspectos relativos à formatação das políticas públicas. Esta análise é relevante
na medida em que envolve fatores referentes às funções típicas de cada poder
e os possíveis prejuízos que a complexidade da relação entre eles podem
ocasionar na formulação e efetivação dessas políticas públicas.

ABSTRACT

Constantly the judiciary is triggered to intervene in issues related to the


formulation of public policies, bringing to the discussion the relationship between
its discretion state-owned and the constitutional imposition of certain policies,
takes the form of a duty binding on the State. Thus, some questions arise:
defining constitutional requirements of public policy would be a limiting factor to
the discretionary power of the State? What are the limits of this discretion and
what extent the judicial interventionism influence these policies? It is intended to
demonstrate and identify that there are limits to the discretionary State power,
173

just as there are limits on the judicial action, in respect to the format of public
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policy. This analysis is relevant in that it involves factors regarding the typical

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INTERVENCIONISMO DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS
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PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO
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OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO E O INTERVENCIONISMO DO JUCICIÁRIO NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

functions of each power and possible damage to the complexity of the


relationship between them can result in the formulation and execution of their
public policies.
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INTERVENCIONISMO DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS
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PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO
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OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO E O INTERVENCIONISMO DO JUCICIÁRIO NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

INTRODUÇÃO

A temática sobre políticas públicas tornou-se de interesse relativamente


recente para o direito, não havendo um amplo conhecimento teórico sobre suas
questões básicas. Estas, por sua vez, foram mais bem desenvolvidas em áreas
como a administração e o planejamento, mas, no ramo jurídico, ainda é, de certo
modo, algo novo. Um provável fator que pode justificar este lapso de
conhecimento é relativo à própria natureza do tema políticas públicas, que é
bastante complexa e dinâmica, à medida que os instrumentos jurídicos
disponíveis não são os mais ajustáveis para sua compreensão e
desenvolvimento, fazendo, assim, com que a relação entre o direito e as políticas
públicas se torne imprecisa. Outro possível fator é o próprio ensino jurídico
brasileiro que, ao se apresentar mais voltado à formação de técnicos na área
jurídica, por vezes, se mostra insuficiente na formação de profissionais capazes
de operacionalizar e estruturar questões fundamentais, tais como programas de
governo e políticas públicas, o que causa certo espanto, visto que diversos
juristas exercem funções na estrutura estatal, principalmente nos mais altos
escalões da Administração Pública. Diversos outros fatores podem explicar este
distanciamento teórico entre direito e políticas públicas; todavia, este não é o
propósito ora analisado.

Neste trabalho, o objetivo principal é tratar sobre os limites existentes


tanto na relação entre discricionariedade do Estado-Administração no processo
de formulação de políticas públicas, quanto referente ao limite do
intervencionismo judicial neste processo. Pretende-se analisar a relação de
causa e efeito relativamente ao limite do poder discricionário conferido ao Estado
na produção, formulação e/ou execução das políticas públicas, especialmente
quanta àquelas definidoras de direitos fundamentais sociais já estabelecidas na
175

Constituição Federal, cujo caráter é vinculante. Paralelamente, analisar sobre


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quais os limites estabelecidos ao intervencionismo do Poder Judiciário na

OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO E O


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INTERVENCIONISMO DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS
MARIA CAETANO DE SOUZA
PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO
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OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO E O INTERVENCIONISMO DO JUCICIÁRIO NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

efetivação de tais políticas e, para tanto, examinando o posicionamento do


Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima da estrutura judiciária
brasileira, e como ele vem conduzindo estas questões.

Tal análise se mostra relevante à medida que envolve fatores referentes


às funções típicas dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e de
possíveis prejuízos que a complexidade da relação entre eles podem ocasionar
no processo de formulação e efetivação das próprias políticas públicas. Desta
forma, antes de adentrar especificamente na análise proposta, é necessário
rever, de forma mais acurada, certos conceitos e aspectos fundamentais sobre
o Estado, a Administração Pública e o poder discricionário e o modo como estes
conceitos estão relacionados às políticas públicas.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DISCRICIONARIEDADE E POLÍTICAS


PÚBLICAS

O Estado é uma estrutura formada por um povo organizado em um


território, composto por instituições, governos e relações sociais diversas que,
usualmente, intervém e regulam este povo neste território1. Ele está encarregado
de gerir os recursos para que o bem-estar possa ser garantido a todos os
indivíduos reunidos numa coletividade. Para tanto, é necessário que o Estado
esteja estruturado por um conjunto formal de mecanismos para que possa atingir
este objetivo. Sob este prisma, surge a Administração Pública como um conjunto
de diversas atividades desempenhadas pelo Estado através de seus
administradores2 que organizam, planejam e gerenciam recursos, ações e
políticas para promover e satisfazer aos interesses coletivos. Por isto, é de
substancial importância proceder a sua análise, principalmente para se evoluir
176

no entendimento da dinâmica estatal, responsável por garantir o máximo de


harmonia entre todos os indivíduos de uma sociedade organizada.
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PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO
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POLÍTICAS PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

Breve contexto histórico

No início do desenvolvimento da noção de Estado vigorava a ideia de


monarquias absolutistas, do Estado soberano que concentrava todos os poderes
existentes. Neste período, a Administração Pública não estava vinculada a
qualquer tipo de norma limitadora de sua atividade, senão à vontade do monarca,
e seu conceito ainda não era bem definido. Com o desenvolvimento intelectual
e filosófico de novas ideias, instaurou-se o Estado Moderno de Direito,
estruturado com base nos princípios da legalidade, igualdade e separação dos
poderes. Este fenômeno surgiu com os movimentos constitucionalistas iniciados
no final do século XVIII, que viam a Constituição como um instrumento garantidor
da liberdade do homem, impondo limites às prerrogativas dos governantes
(CARVALHO FILHO, 2007, p. 06). Ao Estado foi atribuída a incumbência de
proteção da liberdade dos indivíduos e da propriedade. Ao direito se atribuiu o
papel de garantir as liberdades individuais contra o arbítrio do Estado, limitando
seu poder por meio do direito. Logo, reconhece-se a ideia de que o poder é
limitado por um direito superior inatingível, um direito natural inerente à condição
humana. A vontade do soberano foi substituída pela ideia de que a lei resulta da
vontade geral e deve ser igual para todos3.

Utilizando-se do princípio da separação dos poderes difundida por


Montesquieu, o Estado distribui seu próprio poder político reunindo,
concomitantemente, o sujeito ativo e passivo do controle público, sendo possível
a criação de normas próprias para execução desse controle. Essa percepção
consistia na distinção das funções estatais em três: legislação, execução e
jurisdição, que seriam atribuídas a três órgãos distintos e independentes entre
si. Esta divisão teve fundamental importância, pois funcionou como uma
limitação aos poderes conferidos aos monarcas, significando a garantia dos
177

direitos aos indivíduos. Esta ideia foi difundida em todo o ocidente e também em
Página

declarações de direitos e constituições dos séculos XVIII, XIX e XX.

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Mais tarde, desvinculadas da vontade do soberano e transformados em


jurisdição administrativa, começam a surgir normas especiais diversas das
regras de direito privado para regerem a atuação do poder público. Surge um
princípio composto de normas com caráter autoritário, reconhecendo
prerrogativas à Administração Pública que a posicionavam numa condição de
supremacia sobre o particular, sem observar um controle judicial por parte de um
órgão independente. Por sua vez, este caráter autoritário da Administração foi
abrandado com o surgimento do Estado Liberal, onde a autoridade era limitada
devido ao “[...] reconhecimento de direitos individuais garantidos pelo Poder
Judiciário ou por uma jurisdição administrativa independente do Poder
Executivo” (DI PIETRO, 2001, p. 24-25).

Uma vez instaurado o Estado Liberal, destacou-se a preponderância para


as liberdades individuais, a atuação do Estado passa a ser excepcional,
restringindo-se às atividades essenciais como segurança, ordem pública e
justiça. Todavia, em meados do século XIX, este Estado Liberal começa a
declinar devido à progressiva abstenção estatal, causando graves
consequências para a economia e sociedade, não sendo capaz de aniquilar a
grande desigualdade existente.

Logo após a Segunda Guerra Mundial se consolida, então, o Estado


Social de Direito, com a intervenção deste na ordem econômica e social. O
Estado começa a desenvolver ações voltadas para a coletividade, como as
políticas sociais de saúde, seguridade, educação, moradia, entre outras. Neste
período, as funções estatais estão voltadas para uma série de direitos sociais e
coletivos mais abrangentes, e uma das maneiras como este Estado age para
atingir tais objetivos começa a se estruturar na forma de políticas públicas.
178

A socialização e o fortalecimento do Poder Executivo foram tendências


significativas trazidas por este Estado Social. Com a socialização se observa
Página

uma preocupação com o interesse público e o bem comum, abrangendo, além


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POLÍTICAS PÚBLICAS: RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO

dos direitos individuais, também os sociais e econômicos. Com o fortalecimento


daquele Poder, deu-se o acréscimo de atribuições delegadas ao Estado, fato
este que também gerou sérias consequências ao princípio da separação dos
poderes, visto que o Executivo passa a complementar normas editadas pelo
Legislativo. Sobre determinados aspectos, o Estado Social representou grande
evolução, principalmente por ter colocado a Administração Pública sobre a égide
da lei.

É a partir dos anos 50 do século XX que começa a surgir certa


preocupação com a necessidade de desenvolver uma democracia mais
completa, que transcenderia a ideia apenas de eleições livres. Isto porque, a
democracia começa a ser entendida também como o modo que as decisões são
tomadas e executadas pela Administração (MEDAUAR, 2002, p. 25). Ao Estado
Social de Direito, então, é acrescentada um elemento inovador, qual seja, a
participação popular no processo político de tomada de decisões pelo Estado e
controle de sua administração. Deste modo, volta à tona a ideia de lei vinculada
aos ideais de justiça, submetendo o Estado ao direito e não mais à lei
estritamente formal. Atualmente, fala-se em Estado Democrático de Direito,
concepção adotada pela Constituição Brasileira de 19884.

Legalidade e Poder Discricionário

Fundamental ao Estado Democrático de Direito é o princípio da


legalidade, o qual a Administração Pública foi submetida na estrutura jurídico-
política brasileira. Tal princípio, expresso na Constituição de 1988, condiciona
todos os poderes e entes da federação à sua observância. Esta Administração,
entendida como um aglomerado de tarefas e atividades desenvolvidas pelo
Estado, cujo objetivo principal é gerir e administrar bens, serviços e patrimônio
179

públicos através de ações e políticas públicas, sempre tendo em vista o interesse


da coletividade, conforme já exposto, se submete inteiramente ao princípio da
Página

legalidade, que consiste em fazer aquilo que a lei determina, sob todos os
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aspectos por ela definidos. Tal legalidade é uma garantia de equilíbrio entre os
direitos individuais assegurados pelo ordenamento e a autoridade exercida pelo
Estado-Administração.

À esta Administração, estruturada pelo princípio da legalidade, foram


conferidos poderes que estão à disposição de seus agentes para a realização e
concretização daqueles objetivos. Tais poderes asseguram uma posição de
supremacia sobre o indivíduo, sem os quais não conseguiria atingir os fins
pretendidos. Assim, estes poderes podem ser definidos como um “[...] conjunto
de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes
administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”
(CARVALHO FILHO, 2005, p.38).

É no âmbito do direito público que estes poderes se manifestam como


prerrogativas no sentido de um poder-dever, ou seja, esses poderes são
outorgados aos administradores para que atuem no sentido de atender aos
interesses da coletividade, por isso são irrenunciáveis e obrigatórios, não
podendo o agente se esquivar de exercê-los ou exercê-los em desconformidade
com o interesse público.

Conforme mencionado acima, está no princípio da legalidade o principal


fundamento para o exercício da atividade administrativa. Porém, somente a lei
não é inteiramente capaz de traçar todas as condutas e medidas que devem ser
adotadas pelo administrador e, em diversas situações, ela própria confere certo
grau de valoração diante de um caso concreto. Isto porque, se não for possível
ao agente público certa medida de liberdade de escolha, este estaria obrigado a
agir de forma sistemática e padronizada diante de todas as situações que lhe
ocorressem, fato que prejudicaria e, muitas vezes, impossibilitaria o atendimento
180

do interesse público.
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Nesta perspectiva, surge a discricionariedade administrativa como


prerrogativa concedida pela lei ao administrador de avaliar, dentre as alternativas
pré-estabelecidas, aquela que lhe pareça mais conveniente e oportuna na
resolução de um caso concreto. Assim, o poder discricionário pode ser definido
como aquele “[...] que o Direito concede à Administração, de modo explícito ou
implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua
conveniência, oportunidade e conteúdo” (MEIRELLES, 2005, p. 118)5.

A justificação do poder discricionário, sua importância e necessidade,


pode ser explicada por uma questão incontestável: é impossível ao legislador
enumerar e descrever todas as ações, atos e políticas que podem ser praticados
pelo administrador público ou prever todas as situações que o mesmo enfrentará
em sua gestão e/ou os mecanismos que podem ser utilizados. Haja vista, seria
improvável desempenhar regularmente e de forma hábil as atividades se todas
as possibilidades estivessem preestabelecidas, principalmente diante da
dinâmica que a atividade administrativa requer e as necessidades coletivas
exigem. Assim, tem-se que a discricionariedade administrativa reside no “[...]
cumprimento de um dever jurídico funcional de acertar, na situação concreta, a
providência ideal para atingir a finalidade legal e satisfazer o interesse da
coletividade” (MELLO, 1998, p. 33).

Entretanto, esta discricionariedade não deve ser entendida como absoluta


e total. Todo e qualquer ato administrativo possui elementos e requisitos
fundamentais que devem ser observados em sua edição, como competência,
finalidade, forma, motivo e objeto6. Estes componentes são a infraestrutura do
ato, sua essência, seja ele vinculado7 ou discricionário8, e devem ser
continuamente observados para que o ato produza os efeitos desejados.
181

Dessa forma, entende-se a lógica do poder discricionário como aquele


conferido ao administrador de avaliar sua tomada de decisão, diante do caso
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concreto, utilizando-se do critério de conveniência e oportunidade. Todas as


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definições apresentadas indicam que a discricionariedade é prerrogativa legal e


preestabelecida, não podendo ser entendida como uma escolha livre e sem
limitações, pois discricionariedade sem lei é arbitrariedade, desvio de poder, fato
que não pode coexistir ao exercício da atividade administrativa desenvolvida
pelo Estado.

Direitos Fundamentais, Políticas Públicas e Discricionariedade

Todo o exposto é necessário para que se tenha uma noção ampla do


alcance das ações do Estado e das atividades que este realiza por meio de uma
Administração organizada, especialmente em relação ao modo como ela age. A
base estrutural e complexa deste sistema abarca inúmeras ações que são
praticadas para a efetivação do bem e interesses coletivos. É principalmente
desta Administração que surgem uma das principais ferramentas utilizadas para
o alcance de tais objetivos: as políticas públicas.

Conforme aduzido, foi logo após a Segunda Guerra Mundial, com a


consolidação do Estado Social, que começam a se desenvolver ações focadas
na coletividade, em políticas sociais, de saúde, de seguridade, entre outras, e o
aprofundamento dessas ações se alargam do plano econômico para o plano
social, ampliando a noção de cidadania (DALLARI BUCCI, 1997, p. 90).

O Estado Social passa a ser caracterizado pelo desenvolvimento de uma


nova forma de agir guiada pelas políticas públicas, que é um conceito mais
amplo, abrangendo funções de planejamento, coordenação e fiscalização de
todos os agentes públicos e privados envolvidos na atividade administrativa. De
acordo com a definição de Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 38), as políticas
públicas “[...] são programas de ação governamental visando coordenar os
meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de
182

objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”.


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O conceito de políticas públicas é igualmente utilizado na teoria dos


direitos fundamentais9, principalmente quando se trata de direitos sociais que
são positivados nas normas constitucionais sob o formato de políticas públicas
a serem criadas e implementadas pelos Poderes Executivo e Legislativo (SILVA,
2010, p. 69). Deste modo, uma das razões para a existência dessas políticas se
justifica pelo surgimento dos próprios direitos sociais. Tais direitos, consagrados
como direitos fundamentais pela Constituição 1988, possuem aplicação
imediata10 e se caracterizam como prestações positivas, aquelas a serem
implementadas pelo Estado com o intuito de promover uma isonomia substancial
e social na busca de melhores condições de vida11 (LENZA, 2011, p. 927).

A ideia de políticas públicas e direitos fundamentais, então, estão


diretamente interligadas, especialmente quanto a estes direitos sociais
prestacionais, no qual a doutrina relaciona as políticas públicas com a
possibilidade de implementá-los ampliada pela discricionariedade administrativa
(GOUVÊ A, 2005, p. 325). É nesta discricionariedade que as políticas públicas
encontram bases estruturais especialmente consistentes, tendo em vista a
impossibilidade de o legislador regular todas as circunstâncias nas quais o
administrador poderá agir na elaboração e implementação dessas políticas,
justificando-se pelo fato de que tais direitos possuem uma variação amplíssima,
englobando diversos objetos.

Como dito, elas são ferramentas da ação do Estado, fundamentais na


realização e no cumprimento dos direitos estabelecidos constitucionalmente, e a
discricionariedade é uma prerrogativa para a concessão desses direitos, é um
mecanismo de operacionalização que se coloca à disposição do administrador
para a efetivação do interesse da coletividade através da realização dessas
políticas públicas. Entretanto, apesar desta discricionariedade ser ampla, ela não
183

pode ser entendida como absoluta, tornando-se indispensável verificar sua


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correta utilização e limites.

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Limites à Discricionariedade

Não resta dúvida de que a lei é a principal fonte limitadora à utilização


desmedida do poder discricionário, visto que este sempre observará uma
finalidade legalmente estabelecida. Também os princípios constitucionais, como
os da proporcionalidade, razoabilidade e moralidade são fontes de limitação a
este poder. Por conseguinte, a extrapolação aos limites legais e a atuação
contrária a estes princípios configura flagrante arbitrariedade, passível de
controle judicial, visto que todos os atos praticados pela Administração, tanto
vinculados como discricionários, podem ser submetidos à apreciação judicial de
sua legalidade. E é no âmbito discricionário que aumentam as possibilidades de
práticas abusivas, excessivas, desproporcionais ou ilegais. No contexto atual,
observa-se a necessidade de, por vezes, o Judiciário funcionar como uma
verdadeira barreira aos abusos e arbitrariedades porventura praticados pelo
administrador no proveito equivocado do poder que lhe é conferido.

E sob este mesmo prisma, também a discricionariedade em matéria de


políticas públicas sofre limitações. A Constituição Brasileira, ao estabelecer
diretrizes e metas para o alcance da efetivação dos direitos fundamentais, é o
principal fundamento de validade para o desenvolvimento de políticas públicas
que promovam a concretização de tais direitos12. Assim, é na própria
Constituição que se encontram os elementos que vinculam o Estado para o
desenvolvimento e concretização dessas políticas. Essas determinações
constitucionais não possuem o escopo de embaraçar a ação discricionária do
administrador, tampouco substituir sua atividade política, o intuito é de justificar
estes atos, tornando-os constitucionalmente definidos, fornecendo diretrizes
contundentes, mesmo diante da falta de uma regulamentação normativa
específica.
184

Desse modo, a discricionariedade nunca será plena ou incondicional, pois


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o Estado sempre deverá, ao agir discricionariamente, observar as orientações e


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os limites estabelecidos pela própria Constituição quanto àquelas políticas


públicas definidas para a realização dos direitos fundamentais sociais. Tais
políticas, portanto, vinculam o Estado, delimitando sua atuação discricionária e,
ao se distanciar desses padrões, realizando escolhas que não se coadunem com
aquelas premissas, a discricionariedade estatal pode se configurar em
arbitrariedade ou abuso de poder, sendo possível o controle e/ou intervenção do
Poder Judiciário, pelos motivos que serão apresentados a seguir.

O INTERVENCIONISMO DO PODER JUDICIÁRIO EM MATÉRIA DE


POLÍTICAS PÚBLICAS E SEUS LIMITES

O Poder Judiciário no Controle das Políticas Públicas

A Constituição Federal de 1988 incorporou uma ampla gama de direitos e


garantias fundamentais, especialmente em relação aos direitos coletivos e
sociais, prescrevendo diretrizes e determinações na elaboração de leis e de
políticas públicas específicas, sempre objetivando o bem comum na efetivação
dessas políticas. Desta forma, verifica-se a consagração de direitos que impõe
verdadeiros deveres prestacionais ao Estado13, que deverá, por sua vez, adotar
as medidas e procedimentos necessários à satisfação de um mínimo existencial
aos indivíduos.

Esse mínimo existencial consiste na concretização, por meio de políticas


públicas, de direitos fundamentais mínimos para a satisfação do princípio da
dignidade da pessoa humana14, ou seja, na realização de direitos que
possibilitem condições mínimas para que o indivíduo possa viver com dignidade.
O Estado, portanto, deverá adotar políticas públicas para a satisfação e
efetivação dos direitos fundamentais, sobretudo pela força vinculante e de
185

aplicação imediata das normas constitucionais e, neste sentido, o Poder


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Judiciário poderá promover o controle destas políticas, principalmente em casos

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de omissão, cuja competência de formulação, implementação e/ou execução


cabe, tipicamente, aos Poderes Executivo e Legislativo (PASSOS, 2010, p. 485).

Considerando essa força vinculante e a supremacia das normas


constitucionais, o Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima da
estrutura judiciária brasileira, vem ratificando e conduzindo o seu entendimento
no sentido da legitimidade da atuação ativa deste Poder no controle das políticas
públicas, em especial quanto àquelas voltadas para a saúde e educação.

Assim, o entendimento pacificado desta Corte é de que a imposição


judicial de providências a serem adotadas pelo Poder Executivo, esfera em que
se promove a maioria das políticas públicas, não viola o princípio constitucional
da separação dos Poderes, eis que tal atuação visa satisfazer direitos
fundamentais previstos constitucionalmente, ainda que haja repercussão na
esfera orçamentária do Estado. Logo, o posicionamento no STF é no sentido de
que a intervenção judicial é possível em hipóteses excepcionais, nas quais o
Poder Judiciário não inova na ordem jurídica, mas apenas determina que o Poder
Executivo cumpra as políticas públicas previamente estabelecidas.

Ao longo dos anos, acompanhando os debates e as demandas sociais,


observa-se que o STF foi proferindo decisões diversas sobre o tema.
Inicialmente, verifica-se que esta Corte raramente abordava em suas decisões
as questões orçamentárias que envolvem e respaldam as políticas públicas,
salvo em situações específicas e de forma superficial. Todavia, tal postura foi se
modificando, e o STF passou a avaliar, com uma maior reflexão, as
consequências econômicas e os efeitos práticos das decisões judiciais
proferidas, muitas vezes, decisivas nos programas de políticas públicas
existentes15.
186

Passa-se, então, a considerar que a formulação e implementação dessas


políticas constitucionalmente estabelecidas geram custos significativos para o
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Estado, com um impacto relevante no orçamento, fazendo com que este tenha
o dever legal de se programar e estabelecer metas e procedimentos para atender
às demandas.

Quanto a estes aspectos, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz


Fux, expôs com clareza e síntese as controvérsias que envolvem a atuação do
Judiciário em matéria de políticas públicas e o seu viés orçamentário, sem
afastar a natureza constitucional dos direitos fundamentais a serem
concretizados pelo Estado16. Em decisão de sua relatoria, o Ministro destaca que
a doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação da norma
constitucional do direito à saúde17, por exemplo, frequentemente com teses
antagônicas que se proliferam em todas as instâncias do Poder Judiciário e
também no âmbito acadêmico.

Quanto a estas teses, são duas as perspectivas que devem ser


analisadas. A primeira está no sentido daqueles que defendem que a natureza
das normas constitucionais, que definem os direitos fundamentais sociais, possui
caráter programático, visto a dependência de recursos econômicos para a sua
efetivação. Desta forma, para que estes direitos se tornem exigíveis pelos
indivíduos frente à atuação do Estado, seria necessária a formulação de políticas
públicas, não podendo, pois, serem exigidos de imediato. Prontamente, para os
defensores deste argumento, haveria a violação do princípio da separação dos
Poderes e do princípio da reserva do possível sempre que o Poder Judiciário
interviesse nestas políticas, ante a omissão estatal na sua formulação e
execução. Segundo o Ministro Luiz Fux,

[...] argumenta-se que o Poder Judiciário, o qual estaria


vocacionado a concretizar a justiça do caso concreto
187

(macrojustiça), muitas vezes não teria condições de, ao


examinar determinada pretensão à prestação de um direito
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social, analisar as consequências globais da destinação de


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recursos públicos em benefício da parte, com invariável


prejuízo para o todo [...]18.

A teoria da reserva do possível, trazida nesta argumentação, sobretudo


por parte do Estado, procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos
recursos disponíveis diante das inúmeras necessidades a serem por ele
supridas. Logo, a reserva do possível significa a limitação material dos direitos
fundamentais, especialmente os direitos sociais, que vai além das discussões
jurídicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Estado (BARCELLOS,
2002, p. 236).

Na segunda perspectiva, por outro lado, estão os que defendem a legítima


atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos fundamentais sociais,
sobretudo o relativo à saúde e à educação, eis que direitos indispensáveis para
a realização da dignidade da pessoa, garantindo-se, assim, o já referido mínimo
existencial, e ante à supremacia e à vinculação das normas constitucionais que,
ao invés de programáticas, são, na realidade, imediatas, ou seja, verdadeiros
deveres impostos ao Estado que não pode, por sua vez, se esquivar de cumpri-
los.

Ambas as teses, portanto, procuram definir se como e em que medida o


direito constitucional à saúde ou à educação, como citado, consiste em um direito
público do indivíduo em exigir prestações positivas do Estado, que podem ser
garantidos pela via judicial. Bem ressalta o Ministro que referidas divergências
decorrem, por um lado, da natureza prestacional do direito social e, por outro, da
necessidade de compatibilizar os conceitos do “mínimo existencial” e da “reserva
do possível”; afinal, não se pode afastar o reconhecimento de que todas as
dimensões dos direitos fundamentais têm custos públicos, o que traz relevância
188

significativa ao tema da reserva do possível, especialmente ao evidenciar a


escassez dos recursos e a necessidade de se fazer escolhas alocativas, “[...]
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concluindo, a partir das perspectivas das finanças públicas, que ‘levar a sério os
direitos significa levar a sério a escassez’”19.

No entanto, conforme respaldado pela Suprema Corte, e cujo argumento


é utilizado para embasar inúmeras decisões envolvendo políticas públicas, a
intervenção do Judiciário não ocorre em razão de uma omissão total do Estado,
não agindo, portanto, este Poder, como um formulador de políticas, mas no
sentido de proferir uma indispensável determinação judicial para o cumprimento
de políticas públicas já estabelecidas, e não observadas. Neste ponto, ressalta
Luiz Fux que:

[...] não se cogita do problema da interferência judicial em


âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade
de outros Poderes quanto à formulação de políticas
públicas. [...] o primeiro dado a ser considerado é a
existência, ou não, de política estatal que abranja a
prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma
prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e
econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde
(SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas
apenas determinando o seu cumprimento. [...] a existência
de um direito subjetivo público a determinada política
pública de saúde parece ser evidente. […] A decisão em
apreço convocou os entes da federação a cumprir as
obrigações que lhes são constitucionalmente
determinadas, diante da constatação de deficiências
concretas na prestação dos serviços por uma unidade de
saúde específica, [...]. Conforme relatado na decisão objeto
189

da presente suspensão, a ordem liminar determina,


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apenas, que os réus tomem providências inseridas no


âmbito das suas competências. […]20.

Diante das ponderações feitas, e de acordo com o entendimento


pacificado e atual no Supremo, as normas constitucionais definidoras de políticas
públicas consistem em um verdadeiro fator limitador ao poder discricionário do
Estado, eis que, existindo uma política já estabelecida ou formulada, e não sendo
esta executada ou, ainda, executada com deficiências ou omissões, compete ao
Judiciário determinar o seu cumprimento, sem que este Poder seja um criador
de políticas nesta seara, mas um instrumento de controle e de efetivação.

Os Limites ao Intervencionismo do Poder Judiciário

Todavia, embora haja pacificação no STF sobre o entendimento da


atuação do Poder Judiciário em matéria de políticas públicas, agindo este no seu
controle e não na sua formulação, algumas ponderações são necessárias e é
fundamental o estabelecimento de parâmetros e/ou limites a esta atuação, tendo
em vista a própria natureza das políticas públicas e os seus efeitos ou impactos
nos programas desenvolvidos pelos Poderes Executivo e Legislativo, como
expõe Luís Roberto Barroso,

[...] a questão do controle das políticas públicas envolve,


igualmente, a demarcação do limite adequado entre
matéria constitucional e matéria a ser submetida ao
processo político majoritário. Por um lado, a Constituição
protege os direitos fundamentais e determina a adoção de
políticas públicas aptas a realizá-los. Por outro lado, atribui
as decisões sobre o investimento de recursos e as opções
políticas a serem perseguidas a cada tempo aos Poderes
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Legislativo e Executivo. Para assegurar a supremacia da


Constituição, mas não a hegemonia judicial, a doutrina
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começa a voltar a sua atenção para o desenvolvimento de


parâmetros objetivos de controle de políticas públicas
(BARROSO, 2010, p. 387).

Há, neste ponto, uma reflexão necessária e ao mesmo tempo complexa


da relação entre Constituição, controle jurisdicional e políticas públicas, eis que,
de um lado, em um Estado democrático, não se pode perder de vista que a
Constituição não pode pretender invadir radicalmente, e de forma elitista, o
espaço da política, transferindo as decisões do povo e de seus representantes
aos juristas e operadores do direito. Mas, por outro lado, não se pode
desconsiderar que, se a Constituição prevê normas que estabelecem fins
públicos prioritários, dotadas de superioridade hierárquica no ordenamento
jurídico brasileiro, a definição de políticas públicas justamente para a realização
destes fins, não pode ser afastada do controle jurisdicional. Deve-se observar,
portanto, não a absorção do político pelo jurídico nestes casos, mas tão somente
a limitação das decisões políticas pela norma jurídica, análise nem sempre fácil
na realidade brasileira (BARROSO, 2010, p. 387).

Como visto, para o Supremo Tribunal Federal é possível ao Poder


Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de
políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja interferência na
discricionariedade do Poder Executivo21. Assim, o papel do Judiciário é no
sentido de determinar a implantação de políticas públicas instituídas pela
Constituição e não efetivadas pelo poder público, cuja fórmula da reserva do
possível, conforme visto, não pode ser invocada com o intuito de legitimar o
injusto inadimplemento de deveres de prestação constitucionalmente impostos
ao Estado.
191

Neste sentido, deve haver uma ponderação quanto ao tema da reserva


do possível, notadamente em sede de implementação e efetivação destas
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políticas frequentemente onerosas. Não se pode ignorar a gradualidade do


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processo de concretização dos direitos fundamentais sociais, que dependem,


em grande parte, de um inafastável vínculo financeiro subordinado às
possibilidades orçamentárias do Estado. Desta maneira, quando comprovada de
forma objetiva a alegação de incapacidade econômico-financeira do ente estatal,
não se poderá razoavelmente exigir a sua imediata efetivação como determinada
pela norma constitucional. Entretanto, isso não significa que é lícito ao poder
público criar obstáculos com intuito de fraudar, frustrar ou inviabilizar o
estabelecimento e a preservação de condições materiais mínimas de existência
ao indivíduo. Logo, não é suficiente ao poder público alegar mera conveniência
e/ou oportunidade em um amplo espaço de discricionariedade a ponto de anular
prerrogativas constitucionais fundamentais22.

Por outro lado, no entanto, não se pode afastar o fato de que a


constitucionalização e a judicialização excessiva podem trazer consequências
nocivas para a própria sociedade, eis que, muitas vezes, a escassez obriga o
Estado a verdadeiras “escolhas trágicas”, como já exposto, diante da limitação
de recursos, fazendo com que o administrador seja forçado a eleger prioridades
entre várias demandas que são, por sua vez, igualmente legítimas. Como
ressalta Daniel Sarmento,

[...] os questionamentos não devem conduzir à rejeição da


possibilidade de proteção judicial dos direitos sociais. Este
seria um inadmissível retrocesso no Direito Constitucional
brasileiro, que, em boa hora, passou a reconhecer a força
normativa dos direitos prestacionais. Mas, se não
quisermos que a garantia jurisdicional de tais direitos acabe
comprometendo a possibilidade de que eles sejam
efetivamente fruídos pelos mais necessitados, é essencial
192

traçar critérios racionais para o Judiciário atuar nesse


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domínio, que estejam em conformidade não só com a letra

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da Constituição, mas também com os valores morais que


lhe dão suporte (SARMENTO, 2010, p. 393-394).

Neste sentido, entende-se que a atuação do Judiciário deve ponderar os


aspectos relativos aos recursos econômicos, que são fundamentais ao Estado
para a realização de suas políticas públicas, e que tais recursos são escassos,
devendo haver a preocupação com o impacto econômico e social de suas
decisões. As decisões judiciais deverão ser, assim, ponderadas e baseadas no
princípio da razoabilidade e proporcionalidade.

Um caminho possível, portanto, na busca de parâmetros e limites à


atuação do Judiciário em matéria de políticas públicas, é a análise da efetivação
dos direitos fundamentais, sobretudo no seu núcleo do mínimo existencial, e a
ponderação da cláusula da reserva do possível, entendida esta não apenas no
seu aspecto econômico e de limitação orçamentária, mas, ainda, naquilo em que
o indivíduo pode exigir de forma razoável do Estado e da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constantemente o Poder Judiciário é acionado para intervir em questões


relacionadas ao processo de formulação e execução de políticas públicas
estatais e, neste ponto, põe-se à discussão a complexa relação existente entre
o poder discricionário do Estado e a imposição constitucional de certas políticas
públicas.

Em um Estado Democrático de Direito, concepção adotada pela


Constituição de 1988, a Administração Pública está submetida ao princípio da
legalidade, o qual direciona o exercício da atividade administrativa, submetendo
193

os atos e decisões do Estado ao império da lei. Todavia, conforme exposto no


presente trabalho, a lei não é inteiramente capaz de traçar todas as condutas e
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medidas que devem ser adotadas pelo administrador, conferindo, em diversas


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situações, certo grau de liberdade de escolha, mais conhecido como


discricionariedade. O poder discricionário do administrador, portanto, é a
concessão conferida por lei à Administração Pública para a prática de atos
administrativos com liberdade na escolha de sua oportunidade e conveniência.

Por sua vez, as políticas públicas encontram nesta discricionariedade


suas bases estruturais, consistindo em ferramentas da ação do Estado,
fundamentais na realização e no cumprimento dos direitos estabelecidos
constitucionalmente. No entanto, referido poder discricionário não é absoluto, há
limites para o seu exercício, eis que todo e qualquer ato administrativo possui
elementos ou requisitos fundamentais que devem ser observados em sua
edição. Ademais, a própria lei é fonte limitadora à utilização desmedida deste
poder, além dos princípios constitucionais.

Mais especificamente quanto às políticas públicas, a Constituição Federal


prevê elementos que vinculam o Estado ao desenvolvimento e concretização
dessas políticas, sobretudo com relação aos direitos fundamentais sociais. Há,
pois, igualmente, uma delimitação da sua atuação discricionária. Ao se distanciar
desses padrões limitadores, a discricionariedade estatal pode se configurar
como arbitrariedade ou abuso de poder, sendo possível o controle e/ou a
intervenção do Poder Judiciário.

Referida intervenção, por outro lado, é permeada de discussões com


teses antagônicas, ora brevemente revisadas, no qual se pode concluir pela
existência de razões para ambos os argumentos. Isto porque, se não se pode
ignorar que os Poderes Legislativo e Executivo possuem a competência, em um
Estado Democrático de Direito, de realizar as “escolhas trágicas” que envolvem
os gastos públicos para a concretização de políticas públicas, também não se
194

pode ignorar a natureza vinculante dos direitos fundamentais sociais para estes
Poderes, que não podem ser afastados do controle judicial.
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O entendimento pacificado e atual no Supremo Tribunal Federal é no


sentido de consistirem as normas constitucionais definidoras de políticas
públicas em verdadeiro fator limitador ao poder discricionário do Estado, tendo
em vista que, existindo uma política pública já estabelecida ou formulada e não
sendo ela executada ou, ainda, executada com deficiências ou omissões,
compete ao Judiciário determinar o seu cumprimento, sem que este Poder seja
um criador de políticas nesta seara, mas um instrumento de controle e de
efetivação de tais políticas. Desta feita, o posicionamento da Corte Suprema é
de que a intervenção judicial é possível em hipóteses excepcionais nas quais o
Poder Judiciário não inova na ordem jurídica, mas apenas determina que o
administrador cumpra as políticas públicas previamente estabelecidas.

O questionamento que se coloca, então, é se existem limites a essa


atuação do Poder Judiciário em matéria de políticas públicas, bem como em que
medida o intervencionismo judicial influencia nessas políticas. Logo, da mesma
maneira em que se procurou demonstrar e identificar que há limites ao poder
discricionário do Estado, reconhece-se que também há limites à atuação do
Judiciário em aspectos relativos à formatação das políticas públicas.

Assim, de um lado se reconhece que o legislador e os administradores


dispõem de certa margem de decisão neste âmbito, seu poder discricionário, que
não deve ser excessivamente tolhido pelo Poder Judiciário. Todavia, por outro
lado, em relação às escolhas orçamentárias que respaldam as políticas públicas,
estas não podem ser realizadas em um campo livre ou irrestrito, visto que a
Constituição prevê determinadas prioridades que não podem ser simplesmente
ignoras pelos Poderes Executivo e Legislativo que, em alguma medida, se
sujeitarão ao crivo do Judiciário.
195

Da mesma forma, não se pode ratificar ou concordar com algumas


decisões judiciais que não se preocupam ou não consideram a existência de
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previsão orçamentária na realização de despesas para a concretização de


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direitos fundamentais sociais ou, ainda, com a concepção de que a ausência


desta previsão constituiria uma barreira instransponível para que o juiz possa
conceder tais direitos aos indivíduos. Como exposto ao longo deste artigo, um
caminho factível é a ponderação dos interesses que envolvem a concessão de
direitos fundamentais, sendo a ausência de previsão orçamentária um elemento
que pode ser, eventualmente, superado conforme o caso em análise
(SARMENTO, 2010, p. 394)

Como exposto, deve haver uma análise minuciosa e detalhada quanto ao


tema da reserva do possível, sobretudo em relação à efetivação e
implementação das políticas públicas. Isto porque, deve ser considerada, de um
lado, a gradualidade do processo de concretização dos direitos fundamentais
sociais, que se subordinam, em grande medida, às possibilidades orçamentárias
do Estado e, de outro, que não se pode anular as prerrogativas constitucionais
de um mínimo existencial ao indivíduo. Assim, quando comprovada de forma
objetiva a impossibilidade material do Estado, não se poderá razoavelmente
exigir a imediata efetivação do direito previsto constitucionalmente, não sendo
lícito ao poder público, entretanto, criar obstáculo para esta satisfação com base
apenas em alegações de conveniência e/ou oportunidade.

Desta forma, conclui-se que a atuação do Poder Judiciário deve ser


também pautada por parâmetros objetivos, nos quais são considerados os
aspectos econômicos do Estado, a escassez dos seus recursos e o impacto
econômico e social de suas decisões, sem relevar o caráter vinculante dos
direitos fundamentais sociais, buscando equilíbrio e garantindo aos indivíduos
um mínimo existencial em respeito ao princípio da dignidade humana.
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TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6a ed. São Paulo:


Saraiva, 2002.

NOTAS

Conceito de Estado adaptado do conceito formulado por Guilhermo O’Donnel


em sua obra “Democracia, agência e estado” por se encaixar melhor à proposta
deste trabalho.
2 O termo “administradores” será utilizado em seu sentido mais amplo,
englobando os agentes políticos eleitos ou nomeados e também os servidores
públicos em geral.

3 Nesta perspectiva, somente a lei legitima o poder, conforme determinação


contida no artigo 5º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
marco que consagrou o princípio da legalidade.

4 Esta concepção sofreu influências de outras constituições, como a Espanhola,


Portuguesa e Alemã, surgindo, assim, quatro importantes princípios adotados
pelo direito brasileiro, a saber: o Estado Democrático, o Estado Federativo, o
Estado Social e o Estado de Direito.

5 Esta possibilidade de escolha da conveniência e oportunidade configura-se o


mérito administrativo.
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6 Importante frisar que, na estrutura do ordenamento jurídico brasileiro, é no ramo


do direito administrativo que se encontra o conjunto de normas e princípios
regimentais das atividades do Estado-Administração.

7 Ato administrativo vinculado é aquele praticado pela Administração, no qual a


lei estabelece todos os elementos constitutivos, sem nenhuma margem de
escolha ao administrador. Assim, atendidos os requisitos legais
preestabelecidos, o ato deverá ser praticado impreterivelmente.

8 Ato administrativo discricionário é aquele em que o administrador possui certa


liberdade de escolha quanto ao seu conteúdo, nos termos e limites da lei, com
base em critérios de conveniência e oportunidade.

9 Teoria dos direitos fundamentais desenvolvida por Robert Alexy, segundo o


qual, direitos fundamentais possuem natureza de princípios e são mandamentos
de otimização (ALEXY, 2008, p. 575).

10 Art. 5o, § 1º, CF/88: As normas definidoras dos direitos e garantias


fundamentais têm aplicação imediata.

11 Destaca-se que apenas os direitos sociais não são suficientes para justificar a
existência de tais políticas públicas, visto que a atuação do Estado é muito mais
ampla e complexa, englobando o desenvolvimento de ações e políticas também
em diversos outros setores.

12 Neste trabalho, a Constituição de 1988 é interpretada como social ou dirigente,


nos termos descritos por André Ramos Tavares. (TAVARES, 2002, p. 74)
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13 Constituições sociais ou dirigentes traçam grandes objetivos que nortearão a


atuação positiva do Estado na busca de uma igualdade substancial, bem como,
na realização de direitos sociais, trazendo à baila uma noção de Estado de Bem
comum. (TAVARES, 2002, p. 74).

14 O princípio da dignidade da pessoa humana consiste, inclusive, em um dos


fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1º, inciso III,
da Constituição Federal de 1988.

15 Para uma retrospectiva das decisões do Supremo neste âmbito, ver o trabalho
de Fábio Mazza e Áquilas Mendes, intitulado “Decisões Judiciais e Orçamento:
um olhar sobre a saúde pública”, publicado na Rev. de Direito Sanitário (SP), v.
14, n. 3, p. 42-65, nov. 2013/ fev. 2014.
16 STF. Recurso Extraordinário 642.536-AgR; Primeira turma; Min. Rel. Luiz Fux;
publicado no DJE em 27/02/2013. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3442753.
Acesso em 24/05/2016.
17 Art. 196, CF/88: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação”.

18 STF. Recurso Extraordinário 642.536-AgR; Primeira turma; Min. Rel. Luiz Fux;
publicado no DJE em 27/02/2013. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3442753.
Acesso em 24/05/2016.
201

19 Idem.
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20 Idem

21 STF; Agravo de Instrumento 734.487-AgR, Segunda Turma, Min. Rel. Ellen


Gracie, publicado no DJE de 20-8-2010. STF; Recurso Extraordinário 559.646-
AgR, Segunda Turma, Min. Rel. Ellen Gracie, publicado no DJE de 24-6-2013.

22 STF. ARE 745.745 (AgR), Segunda Turma, Min. Rel. Celso de Melo, publicado
no DJE em 19/12/2014. Disponível em:
http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25338650/agreg-no-recurso-
extraordinario-com-agravo-are-745745-mg-stf/inteiro-teor-159281715. Acesso
em 24/05/2016.
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ALINE ROCHA
POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS, ESTADO E DIREITOS SOCIAIS

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS, ESTADO E


DIREITOS SOCIAIS

ALINE ROCHA
203

Bacharela em Sociologia e Política pela FESPSP.


E-mail: contatoalinerocha@gmail.com
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POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS, ESTADO E


ALINE ROCHA
DIREITOS SOCIAIS
ALINE ROCHA
POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS, ESTADO E DIREITOS SOCIAIS

RESUMO

A habitação é uma necessidade primária de todo ser humano, porém, com a


atuação neoliberal dos Estados, que não se restringe somente ao Brasil,
habitação passa a ser uma mercadoria, muito cara e complexa. Na Constituição
Federal de 1988, o direito à propriedade foi garantido enquanto direito
fundamental (art.5º, XXII), posto ao lado de outros direitos, como a vida, a
liberdade, a segurança e etc. Doze mais tarde, no ano 2000, é feita Emenda
Constitucional nº 26, que insere o termo moradia como um direito fundamental.
O paradoxo da afirmação acima embasada na Constituição é que o direito à
propriedade não está relacionado ao direito de moradia.

ABSTRACT

Housing is a basic need of every human being, however, with the neoliberal
actions of States, which is not restricted only to Brazil, housing becomes a
commodity, very expensive and complex. In the 1988 Federal Constitution, the
right to property is guaranteed as a fundamental right (art.5º, XXII), set alongside
other rights such as life, liberty, security, etc. Twelve later, in 2000, it is made
Constitutional Amendment 26, which inserts the term housing as a fundamental
right. The paradox of the above statement is grounded in the Constitution that the
right to property is not related to the right to housing.
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POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS, ESTADO E


ALINE ROCHA
DIREITOS SOCIAIS
ALINE ROCHA
POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS, ESTADO E DIREITOS SOCIAIS

INTRODUÇÃO

O conceito de habitação nesta pesquisa versa com os direitos sociais, o


direito à moradia e o direito à cidade. Habitação, na prática, não se encerra no
“produto” casa, a temática abrange ainda as necessidades de acessar os
serviços públicos indispensáveis à população. A questão da moradia no Brasil é
enfrentada como uma mera questão de déficit, ou seja, “quantas casas
precisamos construir”? Visão esta que separa, marginaliza e estratifica gerações
e gerações de famílias que, entre outros fatores, pelo alto custo com transporte
público, o longo tempo de deslocamento, não têm direito à cidade.

A urbanização começou efetivamente no Brasil no século XX, logo nas


primeiras décadas, as cidades brasileiras, entre outros fatores, despertavam o
desejo nas pessoas de viverem o “novo”, o “moderno”. O sentimento coletivo de
progresso, prosperidade, oportunidade de trabalho e ascensão social eram
sentimentos que moviam as pessoas em busca de uma vida melhor. A cidade
grande era sinônima de abundância. Já o campo e a cultura rural foram
colocados de lado e tidos como atraso e penúria. Nossa transição de economia
agrária para o processo de modernização do capitalismo e as transações
comerciais financiadas e realizadas fez das cidades o principal cenário da
modernidade. A intensa e rápida industrialização das cidades atraiu um enorme
contingente de pessoas dos estados mais afastados para as cidades grandes
localizadas no sudeste do país, como é o caso de São Paulo. As políticas
públicas de moradia, porém, jamais foram pensadas no mesmo ritmo deste
processo, que trouxe como resultado a grande concentração demográfica no
ambiente urbano. 70% da população brasileira vive em ambiente urbano9,
205
Página

9
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010, Disponível em: HTTP://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-
o-brasil/nosso-povo/caracteristicas-da-populacao.html
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grande parte em condições precárias de favelas, cortiços e bairros


demasiadamente afastados dos centros comerciais e de oportunidades de
trabalho.

Entende-se por “política pública” ações governamentais voltadas ao


enfrentamento dos problemas da sociedade, sobretudo à população mais pobre,
políticas públicas seriam, então, planejamentos estratégicos e decisões que o
Estado escolhe ou não fazer.

Direitos sociais são aqueles que têm por objetivo garantir à população
condições materiais, entendidas como fundamentais para o exercício da
cidadania.

Por meio da medida provisória (MP) número 459 foi criado, em 25 de


março de 2009, o programa Minha Casa Minha Vida, como política pública de
habitação social, do Governo Federal, com o objetivo de financiar moradias
populares em áreas urbanas e rurais para famílias de baixa renda.

Ficha Técnica do Programa Minha Casa Minha Vida

Dos Participantes:

Público alvo – Famílias que possuam renda bruta mensal mínima de R$


1.600,00 reais.

Caixa Econômica Federal – Responsável pelo aporte financeiro e


análise de dados dos interessados em contratar o financiamento, avaliar o
cadastro, renda, acompanhar os processos de trâmites contratuais de adesão
ao imóvel.

Ministério das Cidades – Responsável pelas determinações de diretrizes


e regras do programa.
206

Estados e Municípios – Responsável por indicar áreas para construção


dos empreendimentos, indicação de demandas e de público potencial à
Página

contratação do financiamento.
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Iniciativa Privada – Responsável pelas obras relativas à construção civil


e entrega do imóvel.

Das obrigações:

Aos interessados ou (as) em acessar o programa, o governo delimita


algumas obrigações aos contratantes.

Não é permitida a comercialização do imóvel, venda ou locação, durante


o período de financiamento. O imóvel deve ser utilizado exclusivamente para
moradia. Não é permitido financiamentos anteriores, não é permitido que se
tenha utilizado o FGTS e o interessado ou (a) não deve ter restrições junto ao
nome.10

O PMCMV é considerado o maior programa de habitação social já


executado no Brasil, superando a marca do BNH, a produção e entrega de
moradias do programa reduziu em cinco anos o déficit habitacional brasileiro.11
Habitação/moradia é assunto social, político, constitucional, mas é também,
sobretudo, um assunto econômico. A economia referida está historicamente
inserida em temáticas sociais, a questão está ainda como pauta de
desenvolvimento social e, por ser considerado um direito humano, requer uma
política que considere tais dimensões.

As profundas transformações do padrão de acumulação de


capital nas últimas décadas e a disseminação das finanças,
como matriz de organização da riqueza em escala mundial
impuseram uma nova racionalidade ao desenho
institucional das políticas públicas, tanto nos países de
centro quanto nos países subdesenvolvidos. A crise fiscal
do Estado, associada à reestruturação da apropriação do
excedente no sistema mundial, implicou na trajetória de
207

10
http://www.caixa.gov.br/voce/habitacao/minha-casa-minha-vida/Paginas/default.aspx
Página

11
http://www.valor.com.br/brasil/3733244/fgv-brasil-precisa-de-r-76-bi-ao-ano-para-zerar-deficit-
habitacional
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reconhecimento de direitos e na oferta estatal de bens e


serviços públicos. A política habitacional, como política
pública voltada a efetivação do direito à moradia, não
escapou deste movimento (ROYER, 2014, p.12).

OBJETIVO GERAL

Investigar se o programa Minha Casa Minha Vida, visa uma integração


social dos mais pobres, desde o local aonde são construídas a maioria das casas
do programa à acessibilidade aos serviços públicos, fazendo uma articulação
com o debate dos direitos sociais. Consiste aqui o interesse em investigar quais
são os espaços geopolíticos e sociais fornecidos á este público.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1) Investigar se os empreendimentos ou loteamentos prontos


possuem serviços públicos no seu entorno e, com isso, verificar as
consequências do impacto social;
2) A partir da coleta de dados, de revisão bibliográfica principalmente
de autores como Ermínia Maricato, Raquel Rolnik, Henri Lefebvre, David
Harvey entre outros que, há muito tempo debruçam-se sobre a temática.
Compreender de qual maneira o programa promove uma integração das
famílias contratantes.

PROBLEMATIZAÇÃO
208

Da política habitacional de interesse social à financeirização da moradia,


Página

o “produto” casa própria ainda é algo indisponível para a maioria dos brasileiros.

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Desse modo nota-se que a cidadania brasileira não está acessível para todos os
cidadãos. “Se a moradia digna, de fato, fosse tratada como um direito, ela
deveria ser garantida a todos pelo Estado, sem distinção de renda ou região”
(BOULOS, Guilherme; 2014. P.18).

A problemática questão habitacional consiste, inicialmente, pelo que


chamamos de sociedade de classes, regida pelo capitalismo que tem como
motor lucros, juros, mercado, investimentos, proprietários de terras e etc...

Esse modelo de sociedade em que vivemos resulta em segregação


espacial e desigualdade social, exclusão dos mais pobres e o monopólio das
terras urbanas, em termos marxistas, aos detentores dos meios de produção. A
divisão da sociedade de classes, não se configura somente no poder político e
econômico que cada camada possui, mas se concretiza no uso social dos
espaços urbanos pré-definidos por quem ocupa, de modo que isso se caracteriza
nas localidades onde os equipamentos públicos, propriamente o Estado,
chegam. Esse jogo é bem contornado e visível onde o Estado disponibiliza
infraestruturas como transporte, coleta de lixo, saneamento, saúde, educação,
segurança, cultura e lazer. Bem como negligencia os bairros mais afastados do
centro da cidade, deixando boa parte da população à margem destes serviços.
Neste caso, o Estado é o agente atenuador da segregação espacial. A
importância desse debate se faz pelo fato de que moradia é direito do cidadão e
esse direito vem sendo omitido pelo Estado.

A exclusão social não é passível de mensuração, mas pode ser


caracterizada por indicadores como a formalidade, a irregularidade, a
ilegalidade, a pobreza, a baixa escolaridade, o oficioso, a raça, o sexo, a origem
e principalmente a ausência de cidadania. A carência material é a face externa
da exclusão política (MARICATO, 2003.P.153 Apud: Demo, 1993, p.3).
209
Página

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DÉFICIT HABITACIONAL

Carência de moradia adequada, digna para o cidadão.

É considerado déficit habitacional famílias que moram em condições


precárias como favelas, até àquelas que dividem o imóvel com outros parentes,
pessoas que gastam mais da metade de sua renda com alugueis e que não têm
casa para morar.

O último estudo realizado pela Fundação João Pinheiro (2007/2008), que


é utilizada oficialmente pelo Governo, mostra que o déficit habitacional
quantitativo no Brasil, é de 6.273.000 de famílias, o que representa cerca de 22
milhões de pessoas que não têm uma casa para morar. Os sem-teto são,
portanto, mais de 10% da população do país (BOULOS, 2014. P.14).

Em 2008, dados do IPEA apontavam que os indicadores de pessoas em


situação de domicílios inadequados ou sem-teto ultrapassavam 50 milhões. O
censo 2010 mostrou que o Estado de São Paulo possui o maior número de
domicílios abandonados. O número de casas e apartamentos vazios chega a
1.112 milhão, só na capital o número chega a 290 mil; o censo aponta também
que, no Brasil, o número de casas vazias supera o déficit habitacional brasileiro.

Existem no Brasil, segundo o censo, pouco mais de 6,07 milhões de


domicílios vagos, incluindo os que estão em construção. O número não
considera casas de temporadas (veraneio), mesmo assim esta quantidade
supera em 200mil o número de habitações que precisariam ser construídas para
que todas as famílias brasileiras vivessem em moradias consideradas
adequadas. “Ao contrário do que parece, não faltam casas no Brasil, há mais
casas sem gente do que gente com casa” (BOULOS, 2014.p.17).

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD 2013) calculou uma


210

estimativa de que, até 2024, teremos 16,4 milhões de novas famílias se


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formando e, pelo menos, 10 milhões serão dependentes de políticas públicas


habitacionais.12

Mais de 70% do déficit habitacional brasileiro é composto por coabitação


familiar (43%) em seguida vem o ônus excessivo com aluguel (30,6%). Esses
dois critérios representam déficit de 5,1milhões de unidades. Domicílios
precários, com (19,4%) e adensamento de domicílio alugados (6,9%) são os
componentes que apresentam menos déficit e que, juntos, correspondem a
cerca de 1,8 milhões de unidades, conforme o gráfico.

Componentes que determinam o déficit habitacional

43,1
Déficit Habitacional no Brasil (%)

30,6

19,4

6,9

Coabitação Familiar Ônus exessivo com Domicílios precários Adensamento exessivo


aluguel de domicílios

O déficit brasileiro concentra-se, sobretudo, nos centros urbanos; São


Paulo sai na frente com 474 mil unidades, Rio de Janeiro com 220 mil, Brasília
com 126 mil, Salvador com 106 mil e Manaus com 105 mil unidades.
211

12
http://www.valor.com.br/brasil/3733244/fgv-brasil-precisa-de-r-76-bi-ao-ano-para-zerar-deficit-
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habitacional

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JUSTIFICATIVA

A escolha deste tema se faz pois, apesar do amplo debate em torno do


problema habitação/moradia, há que se trilhar um longo caminho na luta por uma
sociedade menos desigual, “o sonho da casa própria” antes de ser um “sonho”,
é um direito.

Há que despertar nas autoridades governamentais e nos poderes


democráticos a urgência de políticas públicas que sustentem o exercício crítico
da cidadania, à opção e o olhar pelos mais pobres, diante do velho vício do
clientelismo. Sobre uma política decisiva de habitação, segundo LEFEBVRE
(2001, p.123), “a classe operária é a única capaz de pôr fim a uma segregação
dirigida essencialmente contra ela. E apenas ela enquanto classe pode contribuir
decisivamente para reconstrução da centralidade destruída pela estratégia de
segregação e reencontrada na forma ameaçadora dos centros de decisões”. A
partir dessa colocação de LEFBVRE, podemos dizer que há alguns anos,
aproximadamente desde 2003, sobretudo em 2013 com as jornadas de junho,
notáveis foram os avanços nas estruturas organizacionais, na ascensão política
das lideranças dos movimentos sociais, na luta por moradia no Brasil. Como é o
caso do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que atua em São
Paulo. Ainda que criminalizados e mal vistos por grande parte da sociedade e
das autoridades, os movimentos sociais vêm ganhando grande expressão
política.

HIPÓTESE

O déficit habitacional tende a aumentar ao longo dos anos, pois


programas existentes de moradia popular, como o MCMV, ainda que de
interesse social, na prática, funcionam por meio de financiamentos bancários,
212

têm por critério um corte de renda, entre outros fatores já mencionados na


Página

pesquisa, que inviabilizam o direito à moradia a grande parte da população.

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Diante disso, questiona-se aos agentes formuladores de políticas públicas,


situados na estrutura do Estado, responsáveis pelo encaminhamento e
execução das leis, respeitando o longo processo dos ciclos das Políticas
Públicas: é possível enfrentar a problemática situação de moradia por uma
perspectiva menos quantitativa, mais qualitativa e até mesmo antropológica, com
objetivo de promover desenvolvimento humano e inclusão social? Entendendo a
Estrutura do Estado Brasileiro como um Estado capitalista, clientelista, violento
e autoritário. A partir desse referencial é possível transformar o modelo de
formulação de Política Pública? Sabendo que o número de casas vazias e
abandonadas supera o déficit habitacional?

METODOLOGIA

O método adotado para realização desta pesquisa será por meio da


revisão bibliográfica sobre a produção de moradia para população que atinge
renda de R$ 1.600,00 a R$ 3.000,00, na cidade de São Paulo, bairros Itaim
Paulista e Vila Prudente, ambos localizados na Zona Leste da cidade, fazendo
um mapeamento dessas duas regiões aonde foram construídos condomínios de
prédios do programa MCMV, na tentativa de verificar se o mesmo segrega ou
insere e de que forma se dá. Além da pesquisa documental, trabalho de campo
e entrevistas com lideranças locais e famílias contratantes, levantando estudo
comparativo entre os dois bairros, sendo o primeiro Itaim Paulista a 50km de
distância do centro da cidade e a Vila Prudente com 11Km de distancia.
Tomando como ponto de partida questões como o deslocamento/zoneamento
dos empreendimentos, acessibilidade aos equipamentos públicos.

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES
213

Para a execução deste projeto, todos os procedimentos acima descritos


Página

deverão ser realizados conforme o cronograma abaixo, atentando-se sempre ao


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fato de que o prazo máximo estipulado para a realização da pesquisa é de vinte


e quatro meses:

mar/jun jul/dez jan/jun jul/dez


Atividade / mês
2017 2017 2018 2018

1. Cumprimento de créditos

2. Revisão do projeto de pesquisa


3. Leitura e revisão bibliográfica

4. Redação da qualificação

5. Exame de qualificação

6. Redação da dissertação

7. Revisão e conclusão da
dissertação

8. Defesa da dissertação

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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públicas no Brasil. v. 1. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

BOULOS, Guilherme. Por que ocupamos? Uma introdução à luta dos sem-teto.
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Página

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217
Página

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DIREITOS SOCIAIS
PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS SANTOS
POLÍTICAS PÚBLICAS LGBT: UMA REFLEXÃO ACERCA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

POLÍTICAS PÚBLICAS LGBT: UMA REFLEXÃO


ACERCA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

PRISCILA FREIRES ROSSO

Aluna do Bacharelado em Relações


Internacionais da UNESP (Franca), membro do
Núcleo de Estudos em Políticas Públicas
(NEPPs), bolsista FAPESP. E-mail:
prirosso.f@gmail.com
NÍKOLAS CARNEIRO DOS SANTOS
218

Aluno do Bacharelado em Relações


Internacionais da UNESP (Franca), membro do
Página

Núcleo de Estudos em Políticas Públicas


POLÍTICAS PÚBLICAS LGBT: UMA REFLEXÃO ACERCA DO PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SANTOS
PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS SANTOS
POLÍTICAS PÚBLICAS LGBT: UMA REFLEXÃO ACERCA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

(NEPPs), membro do Coletivo LGBT Glitterize. E-


mail: carneiro.nikolas@gmail.com

RESUMO

A representatividade do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,


transexuais e travestis) na esfera pública aumentou, originando Conselhos
Municipais e Conferências, contudo os avanços enfrentam resistência no
Legislativo. Assim, esses grupos são alijados de direitos básicos, o que dificulta
o desenvolvimento do município, já que se relaciona ao bem-estar da população,
e cria uma lacuna entre demandas LGBT e agenda municipal. Considerando-se
que essas questões podem ser observadas na gestão Kassab (2009-2012) e
Haddad (2013-2016), o objetivo é analisar as políticas específicas das gestões
para o seguimento LGBT, através da análise de documentos oficiais (atas das
Conferências Municipais de Políticas LGBT, Diretrizes 2009-2012, etc.)
embasada em revisão bibliográfica sobre desenvolvimento e agenda setting.
Conclui-se que houve avanços com a criação de programas mais
representativos, como o Transcidadania, embora a forte interferência das
disputas políticas e relações de forças prejudique a conversão das demandas
em ações, tornando-as insuficientes para promover o bem-estar.

ABSTRACT

The representative of the LGBT movement (lesbians, gays, bisexuals,


transsexuals and transvestites) in the public sphere increased, resulting in
Municipal Councils and Conferences, however advances face resistance in
Congress. Thus, these groups are priced out of basic rights, which hampers the
development of the municipality, as it relates to the population's welfare and
219

creates a gap between LGBT demands and municipal agenda. Considering that
these issues can be noticed in Kassab (2009-2012) and Haddad (2013-2016)
Página

management, the goal is to analyze the specific policies in efforts to monitor


POLÍTICAS PÚBLICAS LGBT: UMA REFLEXÃO ACERCA DO PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SANTOS
PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS SANTOS
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LGBT, through the analysis of official documents (minutes of the Municipal


Conference LGBT Policies, Guidelines 2009-2012, etc.) grounded in literature
review on development and agenda setting. It follows that there has been
progress in the creation of more programs Representative such as
Transcidadania, although the strong interference political disputes and forces
relations harm the conversion of demands actions, making them insufficient to
promote welfare.
220
Página

POLÍTICAS PÚBLICAS LGBT: UMA REFLEXÃO ACERCA DO PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SANTOS
PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS SANTOS
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INTRODUÇÃO

Neste trabalho estão reunidas algumas reflexões sobre a agenda do


município de São Paulo para a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais e transgêneros) no período que compreende as gestões
de Gilberto Kassab (2006-2012) e Fernando Haddad (2013-atualidade). A
escolha desse recorte foi feita tendo em vista a realização das três Conferências
Municipais de Políticas Públicas com enfoque nesse segmento vulnerável que
foram realizadas no município, bem como pela presença de iniciativas que
podem ser consideradas inovadoras e pelas diferenças existentes entre os dois
programas de governo.

Embora seja possível apontar alguns avanços no sentido de construir


políticas de forma mais participativa a partir da criação do Conselho Municipal
de Políticas LGBT, pelo menos no sentido de apontar questões para o debate,
ainda há uma lacuna considerável entre o que o movimento demanda, ou seja,
os temas que consideram merecedores de atenção e de programas específicos
e aquilo que a Prefeitura realmente incorpora em sua agenda e transforma em
ações. Além disso, as poucas ações executadas muitas vezes não são
transformadas em Políticas de Estado, sofrendo com a intermitência das
mudanças de gestão, especialmente em países de democracia recente como o
Brasil, cujo grande desafio dos gestores é implementar políticas que fomentem
o desenvolvimento e a inclusão da população mais marginalizada (SOUZA,
2003).

Ademais, para embasar essa análise, foram utilizados para indicar as


demandas do movimento os relatórios finais da I Conferência Municipal de
Políticas Públicas para LGBT e da II Conferência, ambos contendo as propostas
221

apresentadas e aprovadas durante o encontro, e as Diretrizes (Plano de Metas,


no caso do Haddad) apresentadas pelos dois prefeitos para suas respectivas
Página

gestões e que estão disponíveis online, bem como as informações contidas no


POLÍTICAS PÚBLICAS LGBT: UMA REFLEXÃO ACERCA DO PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SANTOS
PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS SANTOS
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sítio oficial da Prefeitura, para demonstrar o que foi implantado. Entende-se que
o uso dos planos de governo para a análise é adequada, pois estes buscam
representar os interesses e as intenções de um candidato a prefeito e estarão
presentes na gestão, ainda que de forma difusa. No entanto, é claro que não
asseguram a realização de políticas, uma vez que o gestor, uma vez eleito, está
sujeito às dinâmicas da administração, incluindo as negociações políticas.

Assim, este trabalho está dividido em seis seções, sendo que a primeira
apresenta um breve histórico do movimento de lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais e transgêneros nos Estados Unidos e no Brasil e uma
breve discussão sobre agenda setting. Em seguida, serão apresentadas as
principais deliberações e eixos discutidos em cada conferência municipal,
totalizando três divisões, bem como um espaço dedicado à discussão das
diretrizes de cada gestão, inovações e lacunas que ainda persistiram. Por fim,
são apresentadas algumas considerações finais.

DO MATTACHINE SOCIETY AO GRUPO GAY DA BAHIA: NOTAS SOBRE A


HISTÓRIA DO MOVIMENTO LGBT

Os movimentos de reivindicação de direitos sociais para as minorias são


antigos, como os movimentos por igualdade racial, por igualdade de gênero e
direitos das mulheres e o próprio movimento pelos direitos da população LGBT.
Assim sendo, as pautas e as formas de resistência tiveram diversos avanços,
transformações e retrocessos ao longo do tempo.

De acordo com Facchini (2011), as demandas do movimento arco-íris


estão sendo colocadas para alguns governos desde 1940, quando o movimento
teria surgido na Holanda, sem que nunca tenham sido atendidas. No Brasil, a
222

militância LGBT começa a tomar formas mais claras somente em 1970. Por esta
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razão, faz-se necessária a retomada de sua história para construir o contexto de


sua atuação, ainda que de maneira parcial e longe de esgotar esse debate.

Historicamente, os comportamentos afetivos e sexuais relacionados a


pessoas do mesmo sexo foram mal vistos ao redor do globo, tratados como
fragilidade moral e até mesmo crime, de acordo com o que previam as doutrinas
cristãs. Para Facchini (2011), a própria categoria “homossexual” foi criada a partir
de esforços das áreas médicas e da psicologia para categorizar comportamentos
sexuais, na esteira das práticas legais e médicas do século XIX, e contribuiu para
minimizar a ideia de crime ou de perversão moral, apesar de transformar esses
comportamentos em patologia. Assim, a título de exemplo, de acordo com Mello
(2012), a pena de morte para os sodomitas (gays) foi abolida no Brasil com o
término da inquisição (1821) e não houve a criação de novas legislações
criminalizando as orientações não heterossexuais, embora a homossexualidade
figurasse na lista de doenças do Conselho Federal de Medicina até 1985 e na
Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde,
código 302.0, até 1990.

Estas colocações levam à conclusão de que as conquistas obtidas pelo


movimento ao redor do mundo são recentes, embora seja preciso reiterar que,
da perspectiva de Facchini (2011), a luta pelos direitos LGBT começou a ganhar
força na década de 1940 com a criação do espaço chamado COC - Center for
Culture and Recreation - em Amsterdã, o qual editava uma publicação chamada
Levensrecht (algo como “Direito de viver”) e visava a desconstruir a imagem ruim
que a população no geral possuía da homossexualidade.

Na trilha deste, surgiu nos Estados Unidos em 1950 o Mattachine Society,


grupo clandestino cujas lideranças eram articuladores da esquerda socialista, o
223

que conferia a esse movimento um forte caráter revolucionário. Slogans como “o


movimento homossexual é revolucionário e não apenas reformista!” eram
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comuns nessa primeira geração da militância (FACCHINI; FRANÇA, 2009).


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Importante dizer que o grupo Daugher of Bilitis, voltado para as lésbicas, surgiu
em meados de 1950, ligado ao Mattachine Society.

Nas duas décadas seguintes o movimento estadunidense passou a ser


marcado pelo radicalismo e pelo aumento da visibilidade gay. Foi nesse período
que ocorreu a revolta de Stonewall, especificamente no dia 28 de Junho de 1969,
que consistiu em uma série de confrontos entre os frequentadores do bar
Stonewall, ponto de encontro de transexuais, drag queens, gays afeminados,
lésbicas masculinizadas, prostitutos e jovens sem-teto, e a polícia, que invadiu o
local para prender os clientes. Essa data posteriormente ficou conhecida como
Dia do Orgulho Gay devido à importância que os acontecimentos adquiriram e
deu origem a primeira parada do Orgulho Gay, em 28 de Junho de 1970, quando
cidadãos de Nova Iorque, São Francisco, Los Angeles e Chicago saíram às ruas
comemorando os motins do ano anterior.

Apresentados esses fatos que tiveram repercussão em todo o mundo,


originando as Paradas do Orgulho LGBT e dando visibilidade a várias realidades
sociais que eram até então ignorada pelas autoridades, pode-se passar para a
história do movimento no Brasil. Note-se que, quando o tema são
movimentações sociais na América Latina, é errôneo desconsiderar o fator
externo, pois estes países não estão isolados do restante do cenário
internacional e, mormente no passado, estavam sob a esfera de influência dos
EUA.

É importante ressaltar que várias causas estavam ganhando força nesse


período, com destaque para os movimentos negro, feminista e estudantil,
inclusive no Brasil, marcado nesta época pelo endurecimento da repressão da
Ditadura Militar, especialmente em relação aos questionamentos promovidos
224

pelo movimento estudantil. Não foi coincidência, portanto, que os primeiros


grupos que surgiram no país, especialmente o Somos - Grupo de Afirmação
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Homossexual de São Paulo, buscavam politizar o movimento gay, em


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contraposição ao que já existia nos guetos e nas formas de organização


anteriores, voltadas para a questão da sociabilidade (FACCHINI, 2011).

Ademais, essa articulação brasileira se forjou no meio de um processo de


disputa entre duas formas de enxergar as relações homossexuais, quais sejam,
a tradicional, baseada nos papeis sociais já definidos, ou seja, na dicotomia
ativo/passivo, bicha/bofe, fancha-lady¹, e a moderna, que coloca ambos os
parceiros em posição igualitária, definindo os relacionamentos de acordo com a
orientação do desejo, saindo da hierarquia masculino/feminino. Por essa razão,
era permeado por uma visão de contracultura que se opunha ao tradicional e
que, portanto, excluía vivências muito comuns na época (FACCHINI; FRANÇA,
2009; FACCHINI, 2011). Além disso, também se construiu com um forte teor
antiautoritário, em uma clara resposta ao formato da ditadura.

Como ápice do que Facchini (2011) define como a primeira onda do


movimento LGBT brasileiro, houve o primeiro encontro de homossexuais
militantes no Rio de Janeiro em 1979, impulsionado pelo jornal gay Lampião da
Esquina, e a convocação de um encontro de homossexuais organizados em
1980 em São Paulo. A pauta do momento era a inclusão do respeito à orientação
sexual (ainda chamada de opção nesse período) na Constituição de 1988 e a
despatologização da homossexualidade.

Em seguida, houve o surgimento do Grupo Gay da Bahia (GGB), atuante


até os dias atuais e importante fonte de estatísticas sobre a violência homofóbica
no Brasil. De certa forma, o GGB contribui para mudar o eixo principal da
militância no Brasil, uma vez que o Somos foi diluído em 1983, após dar origem
ao primeiro grupo lésbico em 1980, e o Lampião foi encerrado em 1981. Nesse
período estourou a epidemia de AIDS, doença que ficou conhecida como “câncer
225

gay” e forçou a militância a se reinventar, criando respostas comunitárias ao


surto da doença, uma vez que o Estado demorou a agir.
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Para Facchini (2009; 2011), a luta contra a Aids, a afirmação de uma boa
imagem dos homossexuais e a busca pelos direitos civis e ações contra a
discriminação e a violência são as principais características da segunda onda do
movimento LGBT. Além disso, foi marcado pela adoção do termo “orientação
sexual”, de forma a mostrar que não é uma “escolha”, pela diminuição no
enfoque nas transformações sociais e pela adoção do formato de associação
registrada, com hierarquia interna definida, uma vez que a Ditadura havia
terminado e com ela o modelo auto-organizado anterior, cujo pólo aglutinador
era a rejeição ao sistema autoritário. São exemplos de grupos atuantes desse
período o Triângulo Rosa, no Rio, e GGB, na Bahia.

Por fim, vale destacar que a luta das lésbicas se aproximou muito da luta
feminista, tanto nos EUA, quanto no Brasil, em parte pelo apagamento sofrido
dentro do movimento LGBT, em parte pela convergência de várias pautas, já que
ambas as searas estão voltadas para o empoderamento e melhoria da qualidade
de vida das mulheres - especialmente no que diz respeito às vertentes feministas
que englobam as demandas de mulheres transexuais, além das tradicionais
questões cisgêneras.

A exemplo do que será apresentado na próxima seção deste trabalho,


houve grande articulação para inserir a expressão “orientação sexual” no artigo
5º da Constituição Federal, junto a “origem, raça, cor, sexo e idade”, mas não foi
logrado êxito nesse momento. Posteriormente essa questão foi incorporada na
legislação de municípios e estados federados, a exemplo da Lei 10.948/01² do
Estado de São Paulo. Vale destacar, nessa direção, que boa parte das
demandas que o movimento carrega até a atualidade (direito ao casamento
igualitário, legislação anti-discriminatória, educação para a igualdade nas
escolas, etc.) já estavam presentes nesse momento, como ficou expresso no
226

encontro de ativistas realizado na Bahia em 1984.


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Por fim, a terceira onda, que Facchini (2011) afirma que surgiu em meados
de 1990, foi marcada pelo fortalecimento do movimento, o que levou o Brasil a
ser pioneiro na resposta a epidemia de HIV/Aids, isto é, a articulação entre o
movimento e o governo facilitou o acesso à comunidade e a criação de políticas
mais efetivas de combate. Assim, a entrada do LGBT na agenda do Executivo
se deu pela seara da Saúde e não pelas questões de cidadania pelas quais
lutavam desde o começo.

Esse período, que perdura até a atualidade, foi marcado pela


diversificação dos grupos que o compõem, agregando setoriais de partidos,
Organizações Não Governamentais, grupos religiosos, acadêmicos, dentre
outros, e pelo aumento de sua capilaridade, alcançando um maior número de
estados. A transformação que ocorreu na relação com os partidos políticos a
partir do retorno da Democracia foi notória, fato apontado por Facchini e França
(2009, p.61) “nos anos 1990, assistimos à organização de setoriais LGBT em
partidos como o PT e o PSTU, bem como o lançamento de candidaturas e a
proposição de projetos de lei”.

Além disso, também passou a se valorizar as singularidades de cada


segmento (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros),
com foco em cada uma de suas demandas específicas (FACCHINI, 2011). No
entanto, o apagamento das letras que circundam o G ainda é notório.

Por um lado, o movimento das pessoas transexuais e travestis começou


a ganhar força a partir da segunda metade da década de 1990, pautado
principalmente na obtenção da inovadora cirurgia de transgenitalização, a qual
foi aprovada pelo Conselho Federal de Medicina em 1997 e hoje é garantida pelo
SUS, apesar de todos os problemas que há no acesso à ela³. Por outro lado, a
227

letra L somente foi acrescentada a sigla em 1993, apesar das mulheres estarem
presentes desde o início, enquanto o movimento lésbico começa a se fortalecer
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com a organização dos Seminários Nacionais de Lésbicas (Senales), em 1996.


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Ademais, a letra B, referente às pessoas bissexuais, foi acrescentada em 2005


a sigla, por ocasião do XII Encontro Brasileiro de Lésbicas, Gays e Travestis,
mas é preciso notar que o movimento pelo reconhecimento e legitimação da
bissexualidade e de outra sexualidades não-monossexuais permanece
invisibilizado (FACCHINI; FRANÇA, 2009).

Após 1990 houve também ganhos em termos de institucionalização e


acesso a cargos eletivos. Como exemplo, pode-se citar a criação da Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays e Travestis (ABLGT), maior rede de proteção aos
LGBT da América Latina e a eleição de Harvey Milk, primeiro político gay
assumido a ser eleito nos EUA, em 1997, e que foi assassinado no ano seguinte.

Outrossim, um dos desdobramentos da diversificação das entidades e


órgãos voltados para a população não heterossexual foi o surgimento das
Paradas do Orgulho LGBT em centenas de localidades no Brasil, uma forma de
tornar o movimento visível e afrontar a as normas vigentes baseada na
heterossexualidade (MELLO et. al., 2012). Há um forte debate sobre o caráter
político dessas paradas e da efetividade que possuem em matéria de pressionar
para a criação de leis, mas parece claro que elas mantem latente o
reconhecimento dessas populações. A Parada de São Paulo, considerada a
maior do mundo, chega a reunir 2 milhões de pessoas, o que não pode ser
ignorado.

Uma segunda forma de inserção é a exigência de maior representação na


mídia, especialmente em telenovelas, filmes e séries, para desmistificar a
existência das diversas sexualidades e ajudar a desconstruir preconceitos
(FACCHINI, 2011). O retrato de gays afeminados é geralmente problemático,
associado ao desequilíbrio e a comédia, enquanto lésbicas são fetichizadas e
228

bissexuais e transexuais invisibilizados.


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Para além dessas iniciativas, há uma busca por crescente por ocupar
espaço junto ao Executivo, bem como por sensibilizar o Legislativo e o Judiciário
para as questões LGBT. De acordo com diversos autores (FACCHINI; FRANÇA,
2009; FACCHINI, 2011; MELLO, 2012), o movimento tem investido em eleger
políticos LGBT ou favoráveis a causa, além de construírem espaços de
incidência política (advocacy). O programa Brasil sem Homofobia, lançado em
2004, é um bom exemplo de ação da Presidência da República em favor da
comunidade e sua elaboração contou com a participação de ativistas de
diferentes partes do país (MELLO, et. al., 2012).

Nesse sentido, as arenas de participação têm aumentado, em parte


devido à realização das Conferências Municipais, Estaduais e Nacionais, pois
elas permitem maior interação entre os órgãos executores das políticas e os
interessados em sua implantação (sociedade civil), favorecendo o debate e a
sensibilização dos gestores. As próximas seções desse trabalho farão uma
breve apresentação sobre as três realizadas no município de São Paulo (I
Conferência Municipal de Políticas Públicas para LGBT, 05/04/2008; II
Conferência Municipal de Políticas Públicas para LGBT de Sampa, de
12/08/2011 a 14/08/2011; e III Conferência Municipal de Políticas Públicas para
LGBT, de 04 e 05/03/2016), de forma a angariar elementos para a análise.
Entende-se aqui que os relatórios finais dessas reuniões são suficientes para
apontar quais são as demandas atuais, embora se deva ressaltar que esses
espaços estão sujeitos a certos constrangimentos, justamente por serem arenas
de negociação, e que nem sempre a criação dessas searas significa maior voz
e capacidade de influenciar a agenda.

Especificamente sobre a formação da agenda-setting, segundo BRASIL e


CAPELLA (2015), há duas grandes correntes teóricas, a elitista e a pluralista. Os
229

autores citam Pareto, Mosca, Michels e Mills como os teóricos que versam sobre
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a perspectiva elitista, que seria “todo o processo - quer de “decision making”,

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quer, sobretudo, de “decision taking” - é, apenas e tão somente, uma forma de


garantir o poder das elites” (BALÃO e BRASIL, 2013 apud BRASIL; CAPELLA,
2015, p.42). Dessa maneira, tal perspectiva afirma que o processo de tomada de
decisão, de seleção de determinados temas e a não seleção de outros é o
exercício máximo de poder. Em outras palavras, os temas, questões, alternativas
e soluções se encerram nas aspirações de uma pequena elite.

Mas é na perspectiva pluralista que o presente trabalho encontra maior


folego explicativo para a formação da agenda LGBT da prefeitura de São Paulo.
De acordo com os autores “num sistema político democrático a definição de
questões que ascendem ao governo e o controle de alternativas e soluções não
poderiam ficar nas mãos de um único grupo dominante” (DAHL, 1956 apud
BRASIL; CAPELLA, 2015, p.42). Diferindo de Dahl, Schattschneider entende
que a eleição de determinados temas em detrimento de outros é resultado de
uma luta política, assim “o conflito gerado em torno de uma issue, e a
organização em torno dela, seria capaz de expandir o conflito, transformando-o
em uma questão política, ou de suprimi-lo para que o tema em questão não seja
sequer notado como questão política (SCHATTSCHNEIDER, 1960 apud
BRASIL; CAPELLA, 2015, p.44)”. Dessa forma, os mais variados atores e grupos
organizados buscam influenciar a agenda através de suas definições de
problemas.

Dentro da temática LGBT há grupos de pressão e formadores de opinião


importante aos quais serão trabalhados aqui, como o movimento LGBT
organizado, a ala conservadora do Congresso nacional e os meios de
comunicação em massa.

Sobre os meios de comunicação, segundo McCombs (2006 apud


230

ROSSETTO; SILVA, 2012, p.103), quanto maior é a necessidade de orientação


dos indivíduos no âmbito dos assuntos públicos, maior é a probabilidade de que
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se preste atenção à agenda dos meios de comunicação. Isso porque com o


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modo organizacional das sociedades atuais e suas dimensões dificulta-se ou até


mesmo impossibilita-se que as pessoas enquanto indivíduos tenham acesso aos
fatos das fontes primarias (diretas), não tendo escolha a não ser recorrer às
fontes secundárias, os meios de comunicação. E essa necessidade de se
informar em parte é explicada por Noelle-Neumann (1995) que em sua obra “A
Espiral do Silêncio” afirma que os indivíduos temem o isolamento, o que faz que
em muitos momentos os indivíduos, através desse medo, se calem e uma
opinião comum tende a prevalecer, “la teoría de la espiral del silencio se apoya
em el supuesto de que la sociedad amenaza com el aislamiento y la exclusión a
los individuos que se desvían del consenso.” (NOELLE-NEUMANN, 1995,
p.259).

Contudo, entende-se aqui que esse medo também faz com que as
pessoas busquem se informar cotidianamente, como já exposto acima por
McCombs, o que coloca os meios de comunicação numa posição chave. Por fim,
vale lembrar que “a imprensa pode, na maior parte das vezes, não conseguir
dizer às pessoas como pensar, mas tem, no entanto, uma capacidade espantosa
para dizer aos leitores sobre o que pensar.” (TRAQUINA, 1995, p. 193 apud
BRASIL; CAPELLA, 2015, p.50).

O papel dos meios de comunicação em massa foi lembrado pois, uma vez
que estes decidem o que irão noticiar e como o farão, impactam fortemente na
opinião pública, o que direta ou indiretamente reflete em como e com quais ideias
a população irá dialogar, e muitas vezes comprá-las, assim pode-se traçar uma
relação entre agenda e votos dos eleitores. Entretanto, a melhor maneira de se
versar sobre um determinado fato é muito trabalhado pelos estudos de framing,
que não serão abordados por razões de limitações de espaço e tema.
231

A grande mídia brasileira habitualmente em seu fazer jornalístico apaga e


invisibiliza as questões LGBT, quando não as trata de modo pejorativo ou
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estigmatizante, o que permite que o tema seja preterido pela sociedade. Assim,
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pode-se traçar um paralelo, não somente entre meios de comunicação e opinião


pública, mas entre senso comum, temática LGBT e governantes.

Segundo o jornal impresso Estado de São Paulo, o Congresso eleito em


2014 é o mais conservador desde 1964, época em que teve início a um período
sombrio da história brasileira, a ditadura militar. Entende-se aqui por “ala
conservadora” do Congresso Nacional a chamada bancada “BBB”, termo criado
no seio dos movimentos sociais e usado pela primeira vez pela deputada Érika
Kokay (PT-Distrito Federal), referindo-se as bancadas do Boi (representando os
interesses do agronegócio, composta por ruralistas), da Bala (representando
interesses da indústria armamentista, composta por policiais, militares de
reserva e apresentadores de programa sobre crime) e da Bíblia (representando
interesses religiosos, composta por fundamentalistas cristãos, dentre eles
pastores). Segunda a revista Carta Capital, a bancada representa
aproximadamente 40% da Câmara dos Deputados e uma vez que ocupam
postos-chave na estrutura de poder da casa são capazes de facilmente formar
maioria.

Os deputados que compõem a bancada BBB, mais do que apoiarem as


pautas uns dos outros compartilham da mesma linha de pensamento ideológico
à direita. O que pode ser exemplificado pelo jornal El País (2015) através das
seguintes declarações: O deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP-RS) afirmou
em um vídeo que “quilombolas, índios, gays, lésbicas e tudo que não presta”
estão aninhados no Governo Federal. Na mesma toada, o deputado federal Jair
Bolsonaro (PSC-RJ), dentre tantas afirmações, proferiu que “o respeito à
diversidade é bandeira de quem ‘quer transformar crianças em homossexuais’”
e que “só porque alguém gosta de dar o rabo passa a ser um semideus e não
pode levar porrada[...]”. Do mesmo partido o parlamentar paulista Marco
232

Feliciano publicou em sua conta do Twitter em 2011 que “os africanos


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descendem de ancestral amaldiçoado por Noé”, para justificar as mazelas

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vividas nesse continente. Já o parlamentar (presidente afastado da casa)


Eduardo Cunha (PMDB-RJ) propôs um projeto (em 2006) que torna o aborto um
crime hediondo (mesmo em casos de estupro e quando a vida da mãe corre
risco), criminalizando a mulher e justificando com base no pressuposto de que
“o feto não tem possibilidade de gritar”.

Soma-se aos exemplos acima, segundo o jornal virtual Uol de 19 de maio


de 2016 “deputados de 10 partidos tentam vetar nome social de travestis no
serviço público”, a saber PSDB, DEM, PSB, PSC, PV, PR, PRB, PROS, PTN e
PHS, direito que só foi conquistado através do decreto assinado pela presidenta
Dilma Rousseff, no dia 28 de abril do mesmo ano. Ainda pode-se citar:

No caso específico dos direitos sexuais, a pressão religiosa


foi responsável pela alteração da redação da ação
programática relativa à descriminalização do aborto, mas
não foi capaz de impor retrocessos às ações que preveem
apoio à regulamentação legal da união civil entre pessoas
do mesmo sexo e garan-tia do direito de adoção por casais
homoafetivos, como então demandado por lideranças
religiosas diversas. (MELLO; AVELAR; MAROJA, 2012,
p.308).

Dessa maneira essa realidade pode ser transbordada para todos os níveis
federativos, estados e municípios, em que a questão das políticas públicas para
a população LGBT parece ter maiores dificuldades de ser trabalhada.

O último dos atores, nesse caso o principal, é o movimento LGBT


organizado. O agrupamento em si é complexo e múltiplo, composto por
militantes, estudantes, acadêmicos, pessoas LGBT, dentre outros. Assim, para
233

Facchini e França (2009, p.64)


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O movimento como um ator social complexo,


necessariamente em relação com outros atores, que o
influenciam e são influenciados por ele. Da mesma
maneira, não se pode supor uma homogeneidade do
movimento, considerando-se ser este composto por
organizações de diferentes formatos que, por sua vez,
alternam entre a cooperação e o conflito no trato com
outros grupos.

É dentro desse tecido social que os impactos discriminatórios e as


carências de políticas públicas são sentidas, bem como é nesse mesmo lugar
onde as demandas são engendradas. Porém, para que os movimentos sociais
sejam reconhecidos pelo Estado normalmente se faz necessário um nível de
institucionalização, o que se chama de movimento organizado. Assim, com base
nessa institucionalização, o Estado passa a exercer certo nível de controle dos
movimentos por meio dos editais, mas também “parece depender cada vez mais
da existência da ‘sociedade civil organizada’ para a proposição, a legitimação ou
mesmo a execução de políticas públicas, ou ainda para que, através do ‘controle
social’ os recursos investidos se mantenham em seus destinos originais”.
(FACCHINI, FRANÇA, 2009, p. 73).

I CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA LGBT

Convocada pela Presidência da República, a I Conferência Nacional


LGBT ocorreu entre os dias 5 e 8 de junho de 2008, não tendo força vinculante,
em outras palavras, os municípios não eram obrigados a acompanhar a
iniciativa. Na esteira da iniciativa federal a prefeitura de São Paulo, por meio do
234

Decreto N° 49.312, de março de 2008, convocou a I Conferência Municipal


LGBT, que teve sua realização em 05 de abril. A organização da conferência foi
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uma cooperação entre poder público e sociedade civil (Portaria


041/2008/SMPP).

A capital paulista já contava com dois órgãos que colaboraram para que
houvesse a iniciativa e para que esta pudesse ser concretizada, são eles
Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual e a Coordenadoria de
Assuntos de Diversidade Sexual (Cads). O primeiro foi criado por meio do
Decreto N° 46.037, de 04 de julho de 2005, tendo como uma de suas funções o
de fomentador de discussões na área de diversidade sexual. A gestão do
Conselho era realizada por dois titulares e um suplente das respectivas
categorias da sociedade civil: lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Compunham também um titular e um suplente dos respectivos órgãos públicos:
Comissão Municipal de Direitos Humanos, Secretaria de Segurança Pública
(GCM), Secretaria de Saúde, Secretaria de Educação, Secretaria de Cultura,
Secretaria de Trabalho, Secretaria de Assistência Social, Secretaria de
Participação e Parceria – Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual e
a presidenta do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual.

Enquanto que a Cads foi criada em 10 de fevereiro de 2005 e


institucionalizada por meio da lei de N° 14.667, de 14 de janeiro de 2008, três
anos após sua criação. A Coordenadoria compunha a Secretaria de Participação
e Parceria da Prefeitura de São. Tendo como funções:

Ações sociais de inclusão e proteção à cidadania e contra


a discriminação de lésbicas, gays, bissexuais,
transgêneros, travestis e transexuais que vivem e
convivem na cidade de São Paulo, defendendo os artigos
5° da Constituição Federal e o 3° da Declaração Universal
235

de Direitos Humanos, segundo os quais todos são iguais


perante a lei e toda pessoa tem direito à vida, à liberdade
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e à segurança pessoal (SÃO PAULO, 2008, p.42).


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MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SANTOS
PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS SANTOS
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O estabelecimento do Conselho, da Coordenadoria e da I Conferência


Municipal é considerado marco de conquistas do movimento LGBT no que se
refere à localidade do município de São Paulo.

A I Conferência Municipal de Políticas Públicas para LGBT (5) possuía


como diretrizes e princípios: protagonismo LGBT no acompanhamento das
políticas públicas, intersetorialidade e transversalidade na proposição e
implementação das políticas públicas, defesa e promoção dos Direitos Humanos
e laicidade do Estado.

É com esse olhar que se deve olhar para a elaboração das estratégias de
gestão e ação e as propostas dos grupos de trabalho. A saber, dos grupos de
trabalhos: Segurança Pública e Direitos Humanos, População LGBT em
Situação de Vulnerabilidade e Direito à Habitação e Desenvolvimento Social,
Educação e Cultura, Trabalho e Geração de Renda e Saúde com Direitos
Humanos. Dentre as propostas podemos citar o uso do nome social, no caso das
pessoas trans, o combate a homolesbobitransfobia nas escolas, a capacitação
do corpo de segurança (guarda civil municipal) e demais funcionários públicos e
incentivo a atividades culturais que abordem a temática LGBT com o intuito de
desmistificar o assuntos. Esses são alguns exemplos das demandas da
sociedade civil para os órgãos especializados da prefeitura, que não
necessariamente foram atendidos nesse momento.

II CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS PARA LGBT

Após um intervalo de 3 anos, apenas em agosto de 2011 foi realizada a II


Conferência Municipal LGBT. Além do abandono da realização das conferências
por alguns anos, também ficaram estagnados os avanços, de modo que na
236

realização da II Conferência o documento de propostas volte com muitas


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propostas, demonstrando o grande vão ainda existente entre os munícipes e

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seus direitos enquanto cidadãos. A Conferência foi organizada pela


Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual e contou com os seguintes
eixos: Direitos Humanos e Justiça, Educação, Saúde, Esporte, Turismo e Lazer,
Habitação e Assistência Social, Cultura e Comunicação, Desenvolvimento
Econômico e Trabalho e Segurança Pública. Apesar de os eixos estarem
diferentes da conferência anterior, as demandas não foram atendidas, pois
continuam a ser colocadas, como, por exemplo, capacitação de funcionários
públicos, elaboração de diretrizes que orientem a rede municipal no combate a
homolesbobitransfobia, criação de um festival LGBT a fim de fomentar e divulgar
movimentos artísticos que trabalhem com a temática para desmistificá-la.

Vale citar também as demandas da criação de um decreto municipal que


regulamente o direito das pessoas transexuais possam utilizar os banheiros em
conformidade com a sua identidade de gênero, independentemente do seu
registro civil, implantar um Centro de Referência Municipal para Atenção Integral
a saúde de pessoas travestis e transexuais e também que a Guarda Civil
Municipal encaminhe os registros de atendimento de crimes de intolerância para
o Centro de Referência e Combate a Homofobia.

III CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA LGBT

Após quatro anos de intervalo, a III Conferência Municipal LGBT foi


realizada nos dias 4 e 5 de março de 2016, organizada pelo Conselho Municipal
de Políticas LGBT e pela Coordenação Municipal de Políticas LGBT, ambos
vinculados à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.

O evento ocorre em uma conjuntura diferente, com um orçamento maior


e já com programas inéditos como o Transcidadania (6) e os Centros de
237

Cidadania LGBT (7). Assim terá como metas realizar o balanço do que foi feito
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desde a última conferência e discutir e aprovar propostas que nortearão o

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próximo Plano de Metas e do Plano Plurianual. A conferência do presente ano


também com modificação dos eixos: Políticas Intersetoriais, Pacto Federativo,
Participação Social e Sistema Nacional LGBT; Educação, Cultura e
Comunicação em Direitos Humanos; Segurança Pública e Sistemas de Justiça
na Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da População LGBT; e Marcos
Jurídicos e Normativos para o Enfrentamento à Violência contra a população
LGBT.

Devido ao pouco tempo transcorrido desde a conclusão da III Conferência


Municipal LGBT não há um documento com as propostas sistematizadas ou o
Plano Plurianual. O que há é um documento chamado “Texto Base” que
contextualiza e elenca as propostas da conferência anterior e as propostas da
Conferência Livre LGBT da Zona Sul, das quais citam-se duas a título de
exemplificação: criação de Casas de Passagens, para crianças, adolescentes e
jovens LGBT expulsos e expulsas de casa e o reforço da Campanha de
Despatologização das Identidades Trans. O que demonstra ainda há muitas
demandas não atendidas.

A Conferência Livre da Periferia de São Paulo ocorreu no dia 20 de


fevereiro de 2016, seguindo definição do Conselho Nacional de Combate à
Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT (CNDC/LGBT). Diferentemente
das outras conferências, a Conferência Livre foi realizada pela Sociedade Civil
do Conselho Municipal LGBT em conjunto com a Família Stronger (grupo de
jovens criado em 2006 na capital paulista para se protegerem de agressões
homolesbobitransfóbicas e que atualmente atua como movimento LGBT
organizado), recebendo apoio da Associação Cultural Dynamite e pelo GADVS
(Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero).
238

A Conferência foi convocada, pois parava a desconfiança de que a III


Conferência não fosse ocorrer, para fornecer certificados aos participantes para
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que aqueles que desejassem pudessem participar da Conferência Estadual


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LGBT de São Paulo, que possui como critério de participação a participação


prévia em alguma conferência anterior, e para se votar em propostas que seriam
repassadas às conferências nacional, estadual e municipal. E segundo André
“Pomba”, ex-conselheiro municipal LGBT, o diferencial da Conferência Livre foi
que, ao contrário daquelas chamadas pelo poder público, nessa o microfone
estaria disponível a toda e qualquer pessoa que desejasse realizar uma fala, em
outras palavras, sem limitações de participação.

Depois de uma breve exposição do que foram as Conferências Municipais


LGBT e do que foi a Conferência Livre LGBT ir-se-á analisar o que se constituiu
e no que se constitui as agendas LGBT nas gestões de Gilberto Kassab e
Fernando Haddad no período de 2009 até o presente ano (2016).

AGENDA LGBT? AVALIAÇÃO DAS GESTÕES KASSAB E HADDAD

Após a apresentação do referencial teórico, passaremos a trabalhar com


a análise dos documentos oficiais das gestões de Gilberto Kassab (diretrizes
2009-2012) e Fernando Haddad (Planos de Metas 2013-2016), com o objetivo
de entender como é que as questões LGBT são incluídas e se há propostas de
políticas púbicas específicas, ou não.

O que se pode apreender das Diretrizes da gestão Kassab é que essa


temática é tratada como algo que precisa aparecer no documento oficial, mas
não um tema que mereça o trabalho mais minucioso e dedicado da Prefeitura.
No capítulo dedicado a “Participação e Parcerias” a ação da prefeitura é
resumida em sete linhas, sendo que as três primeiras demonstram o que já foi
feito, a Criação do Centro de Referência da Diversidade, o Centro de Referência
em Direitos Humanos e de Prevenção e Combate à Homofobia. Já nas demais
239

linhas são apresentadas apenas duas propostas: o apoio à agenda cultural e de


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lazer voltada ao público LGBT e melhorar as políticas voltadas à promoção e


prevenção da saúde do público LGBT.

Destaca-se que foi nessa gestão em que ocorreram as duas primeiras


Conferências Municipais LGBT, organizadas pela sociedade civil conjuntamente
com a prefeitura através de seus órgãos especializados como já exposto
anteriormente. Entretanto, pontua-se também que essas conferências
resultaram em uma grande quantidade de propostas reivindicatórias, as quais
não foram atendidas em sua maioria.

Diferentemente do gestor passado, o plano de Governo de Fernando


Haddad possui um capítulo dedicado exclusivamente para esse tema, em que
afirma expressamente que o governo colocará em prática o Plano Municipal de
Combate à Homofobia cujo qual foi elaborado nas Conferências Municipais de
2008 e 2011 (período da gestão anterior), que até então não tinham sido
realizados. O plano contém propostas concretas para as áreas da saúde,
educação, segurança e cultural. Ainda nos pontos de nome social, criação de
Centros de Referência e Combate à Homofobia em todas as regiões de São
Paulo, dotação da Coordenadoria da Diversidade Sexual de recursos (humanos,
materiais e orçamentários) para que possa cumprir a sua missão, ampliação e
análise do mapeamento de ocorrências homofóbicas e fortalecimento do
Conselho Municipal LGBT.

Este governo diferencia-se do anterior por atentar-se mais sobre a


temática, como por efetivar propostas em políticas como as políticas inovadoras
do Transcidadania, programa que começou em janeiro de 2015, que consiste na
reintegração social e o resgate da cidadania para a população Trans (transexuais
e travestis), que segundo os últimos dados conta com 200 participantes. A chave
240

desse programa é a educação, dessa maneira a prefeitura oferece um auxílio


mensal no valor de R$924,00 para que as usuárias do programa possam concluir
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seus estudos (ensino fundamental e médio com carga horária de 6h diárias) e


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também para que obtenham uma qualificação profissional, inserindo-as no


mercado de trabalho, com a finalidade de não relegá-las a prostituição, como
acontece com a maior parte das pessoas transexuais que permanecem
desempregadas. Vale ressaltar que o programa tornou-se referência mundial.

Outro programa é o Centro de Cidadania LGBT, inaugurado em março de


2015, que consiste no atendimento gratuito e especializado à população LGBT.
Os Centros de Cidadania atuam em dois eixos: Direitos Humanos e Promoção
da Cidadania LGBT. O primeiro eixo consiste em atuar na defesa dos direitos
humanos através do atendimento às vítimas de violência, discriminação e
preconceito. Os usuários desse programa contam ainda com o
acompanhamento para realização de boletins de ocorrência, orientações de
como se proceder e atendimento com profissionais de Serviço Social, de
Psicologia e de Direito. Enquanto que o segundo eixo atua no suporte aos
servidores públicos do município da região central, através da sensibilização dos
funcionários, seminários, palestras, debates e mediação de conflitos.

A política pública conta com três Centros de Cidadania: Centro de


Cidadania LGBT Arouche (zona central, inaugurado em 2015), Centro de
Cidadania LGBT Sul (zona sul, inaugurado em 2016) e o mais recente Centro de
Cidadania LGBT Laura Vermont (zona leste, inaugurado dia 01/07/2016).
Destaca-se que existem também três Unidades Móveis de Cidadania LGBT
(sendo a terceira inaugurada juntamente com o Centro Laura Vermont) que
percorrem a cidade de São Paulo levando os serviços para as regiões onde há
demanda e não contam com unidades fixas, o que torna a política pública mais
acessível.

Essas políticas públicas estão previstas na Meta 61 “Desenvolver ações


241

permanentes de combate à homofobia e respeito à diversidade sexual”. Segundo


o endereço virtual “Planejasampa”, a Meta 61, até o presente momento,
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encontra-se com 76% de seus trabalhos realizados. Esse endereço eletrônico


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da Prefeitura de São Paulo disponibiliza a todas as pessoas as informações de


quais são as metas da atual gestão, em quantos por cento as metas foram
efetivadas e um breve explicação do que elas seriam. Desse modo, evidenciam-
se também as Metas 39, 62 e 63. Sendo elas: Meta 39, Capacitar 6 mil agentes
da Guarda Civil Metropolitana em Direitos Humanos e 2 mil em Mediação de
Conflitos, tendo 167,2% de aplicação, em outras palavras, superou as
estimativas oficiais tendo capacitado 6.420 agentes em Direitos Humanos e
4.547 em mediação de conflitos.

Por outro lado a Meta 62 possui uma baixa taxa de implementação


(47,5%), que consiste em Implantar a Ouvidoria Municipal de Direitos Humanos
e Cooperar com a Ouvidoria Nacional e o Disque 100. Por fim, a Meta 63 –
Implementar a Educação em Direitos Humanos na rede municipal de ensino foi
realizada com sucesso (100%), a qual formou 6.016 educadores da rede
municipal em 2015 através de cursos à distância, presenciais e seminários.
Também foram qualificados 650 servidores municipais na área de Educação em
Direitos Humanos e realizados o 2° e 3° Prêmio Municipal de Educação em
Direitos Humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da leitura dos documentos selecionados para a análise, fica claro


que a criação de políticas para a comunidade LGBT não é um tema de destaque
nem na agenda, nem na implementação de políticas na gestão de Gilberto
Kassab. Apesar da realização da Conferência e, portanto, da apresentação clara
das demandas do movimento, não houve grandes avanços em matéria de incluir
essas questões nas políticas planejadas. Dentre as possibilidades que se pode
242

aventar para isso estão o possível não reconhecimento da importância da defesa


dos direitos dessas populações naquele momento e o alinhamento frequente do
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DEM, partido de Kassab, a pautas mais conservadoras. Somente a análise dos


documentos não permitiu chegar a uma conclusão clara sobre o assunto.

Por outro lado, o Plano de Governo do Haddad apresenta proposições


claras e definidas para esse setor da Sociedade, o que, seguindo a linha de
raciocínio anterior, pode ter relação com o alinhamento frequentemente mais a
esquerda do Partido dos Trabalhadores (PT), que tradicionalmente incorporava
a questão das minorias e dos trabalhadores. Além disso, trouxe programas
inovadores para a cidade, buscando combater a homolesbobitransfobia e
abranger outros problemas históricos dos LGBT.

Ainda assim, permanecem latentes as afirmações de Mello e demais


autores (2012a) no sentido de que há muitas dificuldades em se cumprir os
planos e programas de governo, mormente porque tem pouca força normativa.
No entanto, tem a capacidade de prever o que não será feito, ou seja, ao
disporem sobre as direções que a gestão deverá tomar, impõe uma conduta
negativa (não fazer, não dispor sobre). Assim, conservam certo valor, uma vez
que ainda não existem dispositivos legais que versem sobre esses temas e tudo
de que se dispõe são essas Políticas de Governo. E, se já há tantas dificuldades
para cumprir o que já havia sido proposto nos planos e, de certa forma,
referendado pelo eleitorado, o que dizer da possibilidade de inserir novas
questões.

Ademais, também é preciso considerar que há particularidades nas ações


no campo da sexualidade, principalmente porque são implicam em
transformações de crenças, valores e tradições que existem há muito tempo no
imaginário coletivo, a dizer, desde a colonização pelos portugueses. Nesse
sentido, continuar o trabalho de conscientização dos parlamentares é uma
243

estratégia válida, mas não parece estar surtindo os efeitos necessários para
favorecer a elaboração de marcos legais da cidadania LGBT. Assim, a
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diminuição da lacuna existente entre as demandas e a agenda parece longe de


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solução, uma vez que o conservadorismo do Legislativo impede a entrada


dessas questões, barrando o avanço de projetos de lei progressistas, enquanto
a mídia mobiliza a Sociedade contra esses projetos, criando um clima de pânico
geral na população ao distorcer os fatos.

Assim podemos depreender que a formulação de agendas é uma arena


de disputa e que nela estão diversos atores com poderes muito díspares, tendo
grande força e poder de influência, os grandes meios de comunicação, sobretudo
no que concerne na popularidade de determinados temas. O que faz com que o
movimento LGBT organizado tenha que lidar não só os preconceitos e
desconhecimentos presentes da sociedade como também tenham que enfrentar
a oposição ferrenha da ala conservadora dos políticos, com a confusão e falta
de representatividade que os meios de comunicação causam em suas ações.

Além disso, a realização das Conferências parece estar contribuindo para


a redução do vão entre o movimento e a agenda, ao possibilitar a apresentação
das problemáticas à Prefeitura, embora fique a cargo da gestão incorporar ou
não o que é colocado e criar programas para saná-las, ou não. Isso fica explícito
ao se considerar o caráter consultivo dessas reuniões, inclusive.

Enfim, parece possível afirmar que a adoção de políticas de combate à


homofobia não é suficiente para promover a qualidade de vida da população
LGBT, considerando-se a quantidade e o conteúdo das demandas que são
repetidamente apresentadas em todas as Conferências e que existem desde a
década de 1940. Problemáticas como a visibilidade bissexual e o atendimento
psicológico a essa população, direitos civis para a população de travestis e
pessoas transexuais, a criação de programas que atendam adequadamente as
questões de saúde das mulheres lésbicas, dentre outras, ainda estão longe de
244

serem atendidas.
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NOTAS

1 - Entenda-se aqui que a bicha é o gay afeminado, também conhecido como


poc-poc nas gírias atuais, enquanto o bofe é o gay heteronormativo. Da mesma
forma, a fancha, fanchona, caminhoneira, é a lésbica masculina e a lady é a
lésbica cujo papel de gênero é mais próximo ao que se entende como feminino.

2- A Lei 10.948/01 do Estado de São Paulo pune administrativamente a


discriminação contra LGBTs, através de advertência, multa, suspensão ou
cassação de estabelecimentos comerciais. No caso de funcionários públicos
podem ser aplicadas sanções previstas no Estatuto dos Funcionários Públicos.

3 - De acordo com Mello (Mello et. al, 2012), essa política representa um
contrassenso, uma vez que se garante o acesso de pessoas transexuais aos
procedimentos de hormonização e cirurgias, mas não há lei que garanta a
retificação de seus dados civis e considerando-se que a transexualidade ainda
é considerada uma patologia.

4 – No documento não fazem distinção entre as “fobias” (homofobia, lesbofobia,


bifobia e transfobia), citando sempre como homofobia. Dessa maneira,
propomos aqui o emprego do homolesbobitransfobia para ser usado quando no
documento oficial for empregado homofobia com sentido generalizante.
245

5– A Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual costumava utilizar a


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sigla GLBTT, bem como no documento oficial da I Conferência encontram-se as

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siglas LGBT, LGBTTT, GLBT e GLBTTT. No presente artigo adotamos a sigla


LGBT.

6 – Segundo fonte oficial “O Programa Transcidadania promove a reintegração


social e o resgate da cidadania para a população LGBT em situação de
vulnerabilidade. Utilizando o desenvolvimento da educação como principal
ferramenta, os beneficiários recebem a oportunidade de concluir o ensino
fundamental e médio”.

7 – Segundo fonte oficial, os Centros atuam a partir de dois eixos: Defesa dos
Direitos Humanos: atendimento a vítimas de violência, preconceito e
discriminação e Promoção da Cidadania LGBT: apoio aos serviços públicos
municipais da região central, pela mediação de conflitos, palestras e
sensibilização de servidores.

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250
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POLÍTICAS PÚBLICAS LGBT: UMA REFLEXÃO ACERCA DO PRISCILA FREIRES ROSSO E NÍKOLAS CARNEIRO DOS
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SANTOS
FABIANE PENEDO DE ANDRADE
PROPOSIÇÕES DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL – FORMAÇÃO DE AGENDA

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

PROPOSIÇÕES DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL


– FORMAÇÃO DE AGENDA

FABIANE PENEDO DE ANDRADE


Bacharel em Ciências Sociais pela PUC-SP,
Especialista em Políticas Públicas e Gestão em
Segurança Pública pela PUC-SP e
Especializando-se em Administração Pública pelo
251

SENAC-SP. E-mail: bianeandrade@hotmail.com


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RESUMO

O objeto deste estudo analisa as PECs da redução da maioridade penal. Os


objetivos relacionaram as PECs com a influência da opinião pública nas políticas
de segurança pública, relacionando-a às justificativas que embasaram as
proposições de redução da maioridade penal, ou seja, a influência da mídia na
formação da agenda pública. Como metodologia utilizou-se a revisão
bibliográfica e a análise documental. Sugere-se como resultados que os
acontecimentos propalados pela opinião pública têm relação com as proposições
apresentadas pelos parlamentares para a redução da maioridade penal.

ABSTRACT

The object of this study analyzes the PECs reducing the legal age. The objectives
related the PECs to influence public opinion in public security policies relating to
the reasons that supported the reduction of the legal age of propositions, is the
influence of media in shaping the public agenda. The methodology used the
literature review and document analysis. It is suggested that as a result publicized
events by public opinion have to do with the proposals presented by the
parliamentarians to reduce the penal age.
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INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende mostrar que os constantes pedidos de redução


da maioridade penal desde 1993 estão relacionados com a apresentação que a
mídia, sobretudo a televisão, faz de alguns tipos de crimes em que houve o
envolvimento (ou o suposto envolvimento) de menores de idade.

Para isso, inicia mostrando as relações entre opinião pública e políticas


públicas, sobretudo as de segurança pública, indicando alguns crimes
repercutidos massivamente que influenciaram o pensamento dos parlamentares.

Em seguida é feita uma análise das propostas de emendas à Constituição


nas solicitações de redução da maioridade penal, indicando os propositores, os
partidos, os estados e as justificativas para o pedido de redução.

Em seguida há as considerações finais que reafirmam que há


imparcialidade da mídia na veiculação de pessoas relacionadas às vítimas de
crimes com o envolvimento (ou suposto envolvimento) de jovens que favorecem
o encarceramento de segmentos mais vulneráveis da população e que pode ser
ainda mais intensificado caso seja aprovada a proposta de emenda
constitucional que visa à redução maioridade penal, aumentando
substantivamente o número de jovens negros e pobres na massa de
encarcerados brasileiros.

POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURNAÇA E A OPINIÃO PÚBLICA

A relação entre mídia (opinião pública) e políticas públicas é uma via de


mão dupla, no sentido em que uma influencia a outra constantemente. No Brasil
isso é ainda mais intenso quando se considera que grande parte dos
participantes da vida política pública têm algum envolvimento com a grande
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mídia, veiculando nos meios de comunicação o que julgam mais adequado. Além
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disso, conforme relata Campos (2009):

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A relação entre opinião pública e políticas públicas é


complexa, difusa e não linear em sociedades
democráticas. Envolve uma multiplicidade de atores,
ideias, interesses, instituições, demandas da sociedade
civil de cada país (ou, ainda dentre cada país, demandas
de cada unidade federativa), que passam a margem de
fáceis generalizações tentadoras.

Scheufe & Tewksbury (2007) relembram que nos EUA, em


1997, o republicano Frank Luntz, especialista em sondar a
opinião pública, escreveu que o importante não é o que se
diz, mas como se diz. Ou seja, os efeitos de determinadas
mensagens não estão somente localizados na diferença de
conteúdo, mas nas diferenças de modos de apresentação
destes conteúdos. (CAMPOS, 2009, p. 479).

A complexidade da influência da opinião pública pode ser explicada no


modo que esta influência não ocorre de forma direta, mas atua na colaboração
da formação, julgamento e atitude das pessoas. Num Estado responsivo, a
opinião dos cidadãos tem de ser considerada, ou seja, as ações das políticas
públicas precisam responder às demandas da população.

Mecanismos formais influenciam a opinião popular e um


governo forte pode coexistir justamente pela existência de
instituições democráticas, dando um modo formal à opinião
pública, de modo que os cidadãos se posicionem e possam
beneficiar-se de um governo forte. Pode-se assim
transformar a relação entre governantes e governados. A
responsividade pode ser um elemento essencial para o
254

crescimento e a possibilidade de um Estado moderno que


possa oferecer mais serviços aos cidadãos. […] Para
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Ginsberg, os políticos incentivam a opinião pública a


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pressionar o Estado por demandas específicas. No


entanto, nessa segunda grande transformação para servir-
se a si mesmo e fortalecendo o poder estatal, não
necessariamente na direção de políticas mais
democráticas. (CAMPOS, 2009, p. 482-483).

No tema abordado neste estudo a respeito da Proposta de Emenda à


Constituição Federal nº 171/1993 que solicita a redução da maioridade penal,
passando de 18 para 16 anos, percebe-se que tal como outras PECs ou projeto
de lei propostos no Congresso Nacional, muitos estão rodeados do que Cruz,
Souza e Batitucci denominaram de “populismo punitivo”. Para eles este conceito
define a justiça criminal sendo pautada por interesses políticos populistas e por
demandas da opinião pública, sobretudo no que diz respeito à comoção nacional
em crimes violentos isolados, o que gera uma pressão da mídia e da sociedade
nos parlamentares que respondem com a formulação de leis punitivas mais
rígidas. Os autores citam como exemplos a Lei de Crimes Hediondos
(8072/1990) e o Regime Disciplinar Diferenciado (10792/2003) que estabelece
um regime mais rigoroso ao cumprimento da sentença por um apenado, mas
esse cumprimento pode tornar-se mais rígido pelo parecer do funcionário do
sistema penitenciário e não do juiz que decretou a sentença de punição.

Campos analisou 29 propostas de emenda constitucional relacionada à


diminuição da maioridade penal desde seu surgimento inicial em 1993 (PEC
171/1993) até 2007 e, dentre algumas de suas conclusões está a de que destas,
mais da metade foi proposta por deputados representantes da região sudeste e
de partidos com posicionamentos a centro direita e à direita. Além disso,
constatou que, geralmente a proposta ressurgia na mesa da Câmara na
sequência de um crime considerado extremamente violento que teve a
participação (ou a suposta participação) de um jovem menor de idade.
255

O autor estudou dois crimes ocorridos em 2003 e 2007 e sua repercussão


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na mídia, jornal Folha de São Paulo e Revista Veja, e sua influência na agenda
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política para o reaparecimento da PEC sobre a maioridade penal na mesa da


Câmara. O primeiro crime analisado foi o do assassinato de um casal de jovens
de classe média por cinco pessoas, incluindo um adolescente, apelidado de
Champinha, ocorrido na região da grande São Paulo. O segundo caso analisado
refere-se ao assassinato da criança João Hélio, no Rio de Janeiro. Campos
analisa quantas vezes foram noticiados assuntos relacionado a estes crimes e a
repercussão deles, influenciando a Câmara de Deputados. Campos afirma que
a mídia pode alterar a percepção da população por determinado tema e esta, por
conseguinte, pode reivindicar frente a seus representantes políticos, soluções
para as demandas influenciadas pelos meios de comunicação:

[…] Atores estatais, partidos políticos, meios de


comunicação de massa toma a frente nesse processo
[construção da agenda]. No entanto, pesquisas de opinião
pública, mobilização de grupos da sociedade civil e até
cidadãos individualmente, por meio de conselhos
especializados, por exemplo, podem influenciar a
construção da agenda. Aqui os meios de comunicação
desempenham um papel relevante e ativo, aumentando as
percepções públicas, construindo-as e, em alguns casos,
influenciando, o teor das políticas: progressistas ou
conservadores, pessoais ou sociais (CAMPOS, 2009, p.
497).

O autor destaca ainda que, em ambos os meios de comunicação


pesquisados no período em que as notícias foram veiculadas, não houve espaço
para a fala de jovens, adolescentes ou entidades de defesa deste segmento da
sociedade, sobre o assunto propalado, isto significa que não houve igualdade na
representação dos envolvidos, muito pelo contrário. Geralmente, estes crimes
256

ganham status de comoção nacional pela intensidade e pelo número excessivo


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de tempo dado à expressão de pessoas relacionadas à vítima. Campos afirma

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que esta veiculação realizada pela mídia de forma excessiva, havendo seleção,
ênfase, exclusão e elaboração de um conteúdo, de uma perspectiva apenas, é
chamada de media frame.

O público, mesmo influenciando a agenda pública (e sendo influenciado


tendenciosamente a reivindicar determinada pauta na agenda pública):

[…] não é, em geral, representado diretamente na


formulação ou nas propostas de políticas públicas, mas
exerce efeitos indiretos. A representação da opinião pode
ser indireta através de instituições e organizações públicas
representativas, ou seja, pelos representantes eleitos,
grupos de interesse, administradores governamentais e
outros. No entanto, essa representação fica limitada pelos
papéis exercidos pelo poder político e pela burocracia no
processamento de políticas. Nessa etapa, organizações e
instituições públicas são, portanto, os atores principais,
ainda que a opinião pública exerça efeitos relevantes.
Partidos e deputados tiveram maior influência no debate
nesse momento: o PSDB, por exemplo, mobilizou alguns
de seus principais líderes (como José Serra e Alckmin),
para a defesa da redução da maioridade penal ou do
aumento do prazo de internação estabelecido pelo ECA
dos atuais 3 para 10 anos (projeto que tramita no Senado
com grade apoio de diferentes grupos da sociedade civil e
com possibilidades de vir a ser aprovado) (CAMPOS, 2009,
p. 498).

Desta forma, Campos conclui sua análise creditando ao próprio poder


257

público a construção da agenda da redução da maioridade, que, segundo ele,


seria apenas mais uma forma de relegar aos jovens políticas contrárias ao bem
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estar e ao Estado Democrático de Direito:


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Essa perspectiva, no entanto, não inviabiliza o


reconhecimento da receptividade das demandas de
opinião pública e da sociedade civil pelos governos como
uma das grandes virtudes da vida política ocidental e dos
processos políticos. A questão é que, além de favorecer os
interesses dos cidadãos, a ‘opinião pública’ em muitos
casos pode favorecer o interesse do Estado de domesticá-
la, regulá-la, delimitar seu impacto e subordiná-la a seus
propósitos. Utilizando-se dela, o Estado pode fortalecer-se
ao invés do fortalecimento da sociedade civil.

Assim, uma possível aprovação da redução da maioridade penal atua


como uma forma de o Estado servir a si mesmo e enfraquecer a sociedade civil
no Brasil, prendendo cada vez mais os jovens e aumentando a desigualdade de
direitos a que muitos jovens já estão submetidos no Brasil (CAMPOS, 2009, p.
505).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS PEC’S DA REDUÇÃO DA


MAIORIDADE PENAL DE 1993 ATÉ 2015

Para que seja enviada uma proposta de emenda à Constituição Federal,


a proposta tem de ser aprovada em ambas as casas legislativas do Congresso
Nacional com maioria qualificada, conforme preconiza a Carta Magna:

Artigo 60. A Constituição poderá ser emendada mediante


proposta:

I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos


Deputados ou do Senado Federal;
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II – do Presidente da República;
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III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das


unidades da Federação, manifestando-se cada uma delas,
pela maioria relativa de seus membros.

1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência


de intervenção federal, de estado de defesa ou estado de
sítio.

2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do


Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se
aprovada, se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos
respectivos membros.

3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas


Mesas das Câmaras dos Deputados e do Senado Federal,
com o respectivo número de ordem.

4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda


tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação de poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.

5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada


ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova
proposta na mesma sessão legislativa (BRASIL, 1988).

Desde 1993 foram feitas 39 propostas de emenda à Constituição Federal


relativa ao artigo 228 que trata sobre a imputabilidade penal: “Artigo 228. São
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penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da


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legislação especial” (Brasil, 1988).

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Abaixo segue tabela com todas as propostas apresentadas, constando


número da PEC, deputado propositor, seu partido e seu estado, além da idade
mínima proposta para a responsabilização penal:

Tabela 1 – Propostas de Emenda à Constituição relativas à redução da


maioridade penal

PEC/ano Deputado Proponente Idade Penal Partido Estado


171/1993 Benedito Domingos 16 anos PP DF
37/1995 Telmo Kirst 16 anos PPR RS
91/1995 Aracely de Paula 16 anos PFL MG
Menores de 18
386/1996 Pedrinho Abrão PTB GO
anos
426/1996 Nair Xavier Lobo 16 anos PMDB GO
301/1996 Jair Bolsonaro 16 anos PPB RJ
531/1997 Feu Rosa 16 anos PP ES
68/1999 Luiz Antonio Fleury Filho 16 anos PTB SP
133/1999 Ricardo Izar 16 anos PTB SP
150/1999 Marçal Filho 16 anos PMDB SP
167/1999 Ronaldo Vasconcelos 16 anos PTB MG
169/1999 Nelo Rodolfo 14 anos PMDB SP
633/1999 Osório Adriano 16 anos PFL DF
260/2000 Pompeo de Matos 17 anos PDT RS
Avaliação
psicossocial para
avaliar a
321/2001 Alberto Fraga PFL DF
capacidade de
discernimento do
jovem
377/2001 Jorge Tadeu Mudalen 16 anos PMDB SP
582/2002 Odelmo Leão 16 anos PP MG
64/2003 André Luiz 16 anos PMDB RJ
179/2003 Wladmir Costa 16 anos PMDB PA
302/2004 Almir Moura 16 anos PL RJ
242/2004 Nelson Marquezelli 14 anos PL RJ
272/2004 Pedro Correa 16 anos PP PE
345/2004 Silas Brasileiro 12 anos PMDB MG
Avaliação
psicológica aos
489/2005 Medeiros PL SP
menores de 18
anos
48/2007 Rogério Lisboa 16 anos PFL RJ
Avaliação
subjetiva para
73/2007 Alfredo Kaefer PSDB PR
adolescentes entre
260

16 e 18 anos
Menores de 18
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87/2007 Rodrigo de Castro com PSDB MG


especificações

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16 anos em crimes
85/2007 Onyx Lorenzoni dolosos contra a DEM RS
vida
Avaliação
125/2007 Fernando de Fabinho psicossocial e DEM BA
cultural do infrator
Relativizar entre
399/2009 Paulo Roberto PTB RS
os 14 e 18 anos
57/2011 André Moura 16 anos PSC SE
223/2012 Onofre Santo Agostini 16 anos DEM SC
228/2012 Keiko Ota Entre 16 e 18 PSB SP
Emancipação para
273/2013 Onyx Lorenzoni DEM RS
fins penais
279/2013 Sandes Junior 16 anos PP GO
302/2013/devolvida Jorginho Mello 12 anos PR SC
332/2013 Carlos Souza 16 anos PSC AM
Menores de 18
382/2014 Akira Otsubo para crimes PMDB MS
hediondos
Menores de 18
anos em casos
438/2014 Moreira Mendes PSD RO
aprovados pelo
Ministério Público

Como constatado anteriormente por Campos (2009), as propostas


relativas à redução da idade penal estão intrinsecamente relacionadas com
crimes considerados muito violentos pela opinião pública, crimes os quais contou
com a participação (ou suposta participação) de adolescentes e jovens menores
de idade.

Em 1999 foram sugeridas seis propostas de emenda ao artigo 228 da


Constituição Federal, solicitando a redução da maioridade penal. Destas
proposições, quatro foram feitas por deputados paulistas, duas pelo Partido
Trabalhista Brasileiro e as demais pelo Partido do Movimento Democrático
Brasileiro. As outras duas proposições foram feitas por um deputado de Minas
Gerais e outra por um deputado do Distrito Federal.

As Propostas de Emenda Constitucional de 1999 foram estimuladas pelas


261

diversas rebeliões que aconteceram naquele ano em várias unidades da FEBEM


– Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, em São Paulo, dentre elas as que
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ocorreram na Unidade Tatuapé e as da Unidade Imigrantes (que inclusive


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contribuíram para o fechamento da unidade de internação). Outro ponto que


merece destaque é o propositor da PEC 69/1999, o deputado Luiz Antonio Fleury
Filho, pelo PTB. Fleury foi governador por São Paulo, à época pelo Partido do
Movimento Democrático Brasileiro no início dos anos 1990, no período em que
aconteceu o Massacre do Carandiru.

Em 2007 ocorreram cinco proposições acerca de emenda ao artigo 228


da Constituição Federal. Como já destacado acima, Campos (2009) assinala que
este número de proposições relaciona-se a morte da criança João Hélio, no Rio
de Janeiro. Apesar do fato que gerou a comoção nacional ter ocorrido no Rio de
Janeiro, deputados federais de outros estados também propuseram emenda
relativa à redução da maioridade penal – Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do
Sul e Bahia. Diferentemente do que ocorreu em 1999, quando, das cinco
proposições acerca da redução da maioridade penal, quatro foram propostas por
deputados paulistas, enquanto a outra foi por um deputado de Minas Gerais.

Em relação a estes dois períodos, 1999 e 2007, que tiveram um número


de proposições elevado, quando comparado aos demais anos, foi elaborada a
tabela a seguir que indica quais foram as justificativas dos deputados para
defender a redução da maioridade penal.

Tabela 2 – Justificavas a redução da maioridade penal

Deputado
PEC/ano Idade Penal Argumentos para a redução
Proponente
Benedito Religiosos / Discernimento e amadurecimento pelas
171/1993 16 anos
Domingos informações "nem sempre favoráveis" da TV
Certeza da impunidade estimula indivíduos menores
a cometer crimes porque a legislação penal é
protecionista e paternal; má índole desde o berço
Luiz Antonio
68/1999 16 anos (mesmo nas camadas mais altas da sociedade); têm
Fleury Filho
muita informação e por isso têm consciência; outros
países com limite de idade penal menor; influência
262

dos adultos
Certeza da impunidade estimula indivíduos menores
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133/1999 Ricardo Izar 16 anos a cometer crimes; influência dos adultos; ineficiência
das medidas de internação previstas no ECA
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Indivíduos jovens têm consciência de seus atos


150/1999 Marçal Filho 16 anos porque já têm desenvolvimento mental; outros países
com idade penal menor
Ronaldo Mais informação, maturidade mais prematura; podem
167/1999 16 anos
Vasconcelos votar
Altos índices de criminalidade com participação
material ou intelectual de indivíduos entre 14 e 18
169/1999 Nelo Rodolfo 14 anos
anos; consciência do ato e consciência da
impunidade; países com idade penal menor;
Jovens estão maduros suficientemente e são a
maioria que comete crimes urbanos (assaltos,
633/1999 Osório Adriano 16 anos
latrocínios, estupros, desordem pública e danos ao
patrimônio)
Menores no crime; negligência com adolescentes por
parte do Estado e da família; influência negativa da
48/2007 Rogério Lisboa 16 anos
mídia; possibilidade de votar e emancipação para
casar; outros países com idade penal inferior;
Avaliação
subjetiva
Precocidade dos jovens, crianças e adolescentes;
para
73/2007 Alfredo Kaefer atividades sociais praticadas por jovem atualmente,
adolescente
diferentemente de 50 anos atrás;
s entre 16 e
18 anos
Menores de
18 anos
Rodrigo de Discernimento do jovem em suas capacidades civis e
87/2007 com
Castro eleitorais, mais informados
especificaçõ
es
16 anos em
crimes Consciência do ato; outros países com idade penal
85/2007 Onyx Lorenzoni dolosos inferior; mais informado; capacidade para casar e
contra a votar; adolescentes no crime organizado;
vida
Avaliação
Fernando de psicossocial O adolescente tem maturidade e capacidade para
125/2007
Fabinho e cultural do entender a ilicitude do ato
infrator

Foi deixado na tabela também a PEC 171/1993 que foi a primeira proposta
de redução da maioridade penal para efeito de comparação com as demais. A
263

de 1993, ao menos, com estas outras onze proposições feitas em 1999 e 2007
é a única que se utiliza de argumentos religiosos para justificar a redução da
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maioridade penal. As demais, em sua maioria, usa justificativas comparativas às


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legislações penais em outros países, a maturidade de crianças, adolescentes e


jovens ser mais precoce do que a que ocorria em tempos anteriores e alguns se
utilizam da argumentação também de que atualmente os indivíduos possuem
mais informações e, por isso, teriam mais discernimento para distinguir bons atos
de maus atos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto pode-se entender que a opinião pública, influenciada


pela mídia (e pelo próprio poder público, uma vez que diversos políticos mantêm
vínculos com empresas midiáticas) é parcial quando retrata crimes com
envolvimento (ou suposto envolvimento) de jovens, ao veicular apenas imagens
e opiniões de pessoas relacionadas à vítima, sem dar abertura para que jovens
ou organizações sociais que o representem, apresentem outro ponto de vista.

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JOSÉ RODRIGO PAPROTZKI VELOSO E MARTA MARIA ASSUMPÇÃO RODRIGUES
SISTEMAS INTERNACIONAIS DE APRENDIZAGEM PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
EM ALGUNS PAÍSES DESENVOLVIDOS E EMERGENTES

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SISTEMAS INTERNACIONAIS DE APRENDIZAGEM


PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA EM
ALGUNS PAÍSES DESENVOLVIDOS E EMERGENTES

JOSÉ RODRIGO PAPROTZKI VELOSO

Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela


USP. Especialista em educação profissional do
SENAI-SP. E-mail: rodrivel@usp.br
MARTA MARIA ASSUMPÇÃO RODRIGUES
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PhD em Ciência Política pela Universidade de


Notre Dame. Professora no curso de Gestão de
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Políticas Públicas da USP e pesquisadora


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associada no Núcleo de Pesquisa de Políticas


Públicas da USP. E-mail: mmar@usp.br

RESUMO

Este trabalho examina as políticas públicas que articulam educação e trabalho


para a juventude de uma perspectiva comparada, contrapondo as trajetórias de
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Mais especificamente, focaliza a
política de formação de aprendizes (Aprendizagem) nos casos da Alemanha,
Inglaterra, França, Estados Unidos, Brasil, África do Sul e Índia. O objetivo é
revelar que há algo que antecede os formatos atuais que, ao formar imagens
políticas específicas, ilumina os cenários dos sistemas de Aprendizagem dos
países analisados. Lança mão do enfoque da trajetória histórica (path
dependence) para analisar as particularidades de cada caso.

ABSTRACT

This research examines the public policies that articulate education and work for
youth in a comparative perspective, opposing the paths of developed and
developing countries. More specifically, it focuses on apprentices’ education
policy (Apprenticeship) in the case of Germany, England, France, United States,
Brazil, South Africa and India. The purpose is to reveal that there is something
that precedes the current formats that, when forming specific political images,
illuminates the Apprenticeship systems scenarios of the analyzed.
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INTRODUÇÃO

Este trabalho1 visa problematizar os rumos das políticas que articulam


educação e trabalho para a juventude, contrapondo as trajetórias de países
desenvolvidos e em desenvolvimento. O escopo da análise será dirigido
especificamente à política pública que se presta à formação de aprendizes. A
despeito da possibilidade de conceituá-la de diversos modos, convém definir a
política de Aprendizagem2 de forma preliminar, a partir de uma visão ampliada –
i.e., para além da visão restrita ao processo educacional e do aspecto legalista
−, de modo a ressaltar sua relevância multidisciplinar. Neste sentido, empresta-
se a definição de Aprendizagem de Fuller e Unwin (1998, p. 154), para quem

“Apprenticeship is an international concept which provides


a structure within which young people can learn and, most
importantly, demonstrate their abilities and potential whilst,
at the same time, discovering their identity. In traditional
societies, apprenticeship was associated with rites of
passage […]: it includes the cultural and social aspects of
going to, and being at, work which help socialize
apprentices into workplace (and adult) roles”.

O objetivo deste texto é revelar que há algo que antecede os formatos


atuais e que pode explicar os cenários da Aprendizagem dos países analisados,
formando imagens políticas específicas, que se constituem ao longo do tempo.
Assim, em um primeiro momento, serão analisados os modelos de
Aprendizagem europeus, cuja tradição da educação profissional gremista
(caracterizada por conjunturas críticas diversas) resultou em políticas públicas
distintas, marcadas por ampla governança. Tais modelos apresentam
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características aproximadas com os valores da administração pública de seus


respectivos países. Ainda que diferentes entre si, são comumente promovidos
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por agências internacionais como benchmarking à implantação ou correção de


rota das políticas de Aprendizagem de outros países, sobretudo àqueles em
desenvolvimento. Na sequência, serão analisados os modelos de três países
pertencentes ao grupo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICs). Eles
revelam não apenas a necessidade de inserção na agenda da economia global,
mas também os desafios específicos dos países em desenvolvimento, cujas
culturas e histórias são elementos preponderantes que explicam o fato de a
Aprendizagem não se dar da mesma forma como nos países desenvolvidos. Por
fim, será apresentado o modelo norte-americano, que agrega, de certa maneira,
o antigo e o novo, no sentido que traz consigo características próprias de um
país desenvolvido, sem a tradição gremista, mas com a necessidade de
enfrentamento de algumas questões que também são comuns àqueles em
desenvolvimento.

APRENDIZAGEM E SUAS HISTÓRIAS

A Aprendizagem é uma ação pública ordenada que os Estados


desenvolvidos ou em desenvolvimento têm sistematizado, visando não apenas
facilitar a transição dos jovens do mundo da educação para o mundo do trabalho,
mas principalmente qualificar a força de trabalho juvenil, mais exposta ao
desemprego que tem se alastrado rapidamente em diversos países como
consequência das crises econômicas mundiais mais recentes. Sabe-se, porém,
que a eficácia da política de Aprendizagem tem oscilado muito de país para país.
Compreender as causas dessa variância implica o exame das trajetórias de
desenvolvimento dos diversos países de uma perspectiva histórica e comparada.
A trajetória histórica (path dependence) de cada país traz à tona contradições e
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desafios específicos. Partindo dessa perspectiva, recebe-se de Pierson e


Skocpol (2008) a ideia de que a eficácia das políticas depende não apenas dos
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fatos ocorridos em determinado momento do passado que afetam os eventos


presentes, mas principalmente da probabilidade de avançar uma etapa adiante
seguindo o mesmo percurso. Em outras palavras, a eficácia da política pública
(ou seu processo de realimentação positiva) aumenta cada vez que tal caminho
é seguido.

Desta forma, a análise que se segue investiga os rumos e metamorfoses


das políticas públicas nacionais de Aprendizagem para promover uma discussão
que vá além da natureza pedagógica ou da esfera do direito. Negligenciar a
trajetória histórica significa considerar as realidades como dadas e limitadas a
fatores tópicos − como estratégias de ensino, promulgação de leis ou, pior, a
mera incapacidade de alguns Estados de dar conta de seus desafios. No âmbito
da Aprendizagem, especificamente, o argumento é quê cenários históricos
atribuem as características da política pública em cada país.

A evolução das políticas de educação profissional para os jovens tem sido


estudada por cientistas sociais, historiadores e educadores há tempos. Sobre a
composição de forças e governança nos modelos da educação profissional da
Aprendizagem, nos anos 1980, autores europeus, a partir de Wolfgang Streeck,
passam a se referir ao processo de transformação das instituições de formação
institucional em diversos países − como Alemanha e França (SCHRIEWER,
1990), Inglaterra, Estados Unidos e Japão, além de, mais recentemente,
Holanda, Dinamarca e Suécia (THELEN, 2003, 2004).

Estudos mais recentes (ASSUMPÇÃO RODRIGUES, 2013, 2014;


VELOSO, 2015) têm avaliado que a Aprendizagem no Brasil e na África do Sul,
por exemplo, difere dos modelos europeus menos pelo fato de a Europa ter
iniciado sua industrialização mais de um século antes destes, do que pela
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influência negativa que a escravidão e segregação racial impregnaram nas


questões relacionadas ao acesso ao mercado de trabalho formal nestes países.
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Assim, se as iniciativas dos Estados relativas às políticas de educação para o


trabalho compuseram, no Brasil, uma imagem política de opção de segunda
categoria, na África do Sul, ela ficou estigmatizada como política a serviço do
apartheid.

• Alemanha

No caso da Alemanha, por exemplo, a política de Aprendizagem se


sustenta por uma malha de responsabilidades compartilhadas. Dentro do poder
público, o governo federal assume visão estratégica a partir do Ministério de
Economia e Tecnologia, embora haja processos descentralizados de maior
articulação e operacionalização no âmbito das províncias e comunidades.

A política pública de Aprendizagem alemã é especial pela sua tradição −


conferiu, entre 1870 e 1897, papel fundamental às câmaras de comércio e
manufatura − e pela valorização sistemática da formação tradicional. O ponto
central de sustentabilidade deve-se ao papel que o Estado exerceu na mediação
dos interesses entre os grêmios, as indústrias e os sindicatos alemães. O papel
dessas câmaras como mediadoras entre a liberdade econômica individual e a
cooperação institucional resultou em obrigações coletivas que foram respeitadas
sempre que o sistema político foi democrático, assim promoveu aprimoramentos
graduais e constantes do arranjo funcional da Aprendizagem ao longo das
décadas (SCHRIEWER, 1990).

Além disso, a trajetória da Aprendizagem alemã caracterizou-se por


conjunturas críticas marcantes, como as disposições legais em relação ao papel
conferido pelo Estado às câmaras locais no final do século 19, à ascensão do
nazismo e ao marco legal do modelo atual de 1969. Ressalta-se, ainda, que os
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sindicatos de trabalhadores nunca se opuseram à formação de aprendizes nas


fábricas, de forma que o produto dessa iniciativa sempre foi a valorização da
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educação profissional como patrimônio nacional alemão. O arranjo de


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sustentação entre Estado, câmaras, sindicatos e empresas foi emblemático para


superação de problemas conjunturais enfrentados, desde a crise na República
de Weimar até a reunificação nos anos 1990.

O modelo de Aprendizagem alemão é mundialmente conhecido como


sistema dual porque a formação profissional é realizada em dois locais
(empresas e escolas profissionalizantes − berufsschule)3. Tem como objetivo
fornecer, de forma planejada, educação profissional de base ampla para a
prática de uma atividade profissional como um trabalhador qualificado em mais
de 300 famílias ocupacionais reconhecidas, de modo a garantir um padrão
nacional uniforme que corresponda às exigências de cada ocupação e às
qualificações parametrizadas da União Europeia. Em 2011, foram registrados
1,5 milhão de aprendizes (SMITH; KEMMIS, 2013).

• França

Assim como o modelo alemão, a política pública na França se sustenta


por uma malha de responsabilidades compartilhadas. Dentro do poder público,
o governo federal assume visão estratégica a partir do Ministério da Educação
Nacional, cuja responsabilidade recai especificamente no Departamento de
Inspeção da Aprendizagem, o Service Académique d’Inspection de
l’Apprentissage (SAIA). Assume também as diretrizes pedagógicas dos centros
públicos que formam os aprendizes (elemento central na política pública
francesa), embora a gestão operacional se dê em nível regional. Há duas
comissões nacionais para constante atualização dos perfis ocupacionais,
parametrização com as qualificações europeias e assessoria à
operacionalização em âmbito regional. Todavia, como as políticas de
qualificação profissional desempenham papel significativo na malha de relações
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do Estado de bem-estar social francês, há ampla articulação das comissões


consultivas com os parceiros sociais no desenvolvimento da política pública,
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além do papel de destaque que as câmaras de comércio e indústria assumiram


na segunda metade do século 20 para validação dos contratos. Esse arranjo
participativo, porém, nem sempre foi assim.

Historicamente, a legislação sobre a educação profissional (1791), que


resultou da Revolução Francesa, considerava ilegal toda e qualquer forma de
corporação não estatal, bem como a manutenção de privilégios corporativistas,
o que liquidou os grêmios e introduziu a liberdade industrial ilimitada, resultando
em nítida precarização. O radicalismo foi tamanho que associações profissionais
de qualquer tipo eram consideradas como atentado aos princípios
revolucionários. Essa disposição impediu o desenvolvimento de associações,
federações e sindicatos até o fim do século 19 e implicou um problema de
legitimidade no trato com os aprendizes (SCHRIEWER, 1990). Após diversas
rupturas estruturais do modelo de formação francês dirigido aos jovens, em
1878, o Estado passa a ampliar sua responsabilidade com a criação das “écoles
d’apprentissage”. A partir do pós-guerra, como reflexo da defasagem francesa
em relação ao industrialismo alemão, nascem os Centros de Formação de
Aprendizes (CFA), em 1961. Ao traçar um paralelo com o modelo alemão, que
centraliza seu modelo na prática profissional na empresa, o modelo francês
apresenta centralidade nos CFAs. A partir de 1971, para elevar a qualidade dos
programas, a Aprendizagem insere as iniciativas de qualificação profissional
dentro do sistema educacional francês. Entre 1987 e 1992, os programas dos
CFA foram reestruturados para acesso à maior complexidade, implicando, desde
então, o aumento progressivo de jovens interessados na Aprendizagem.

Se comparada aos modelos inglês e alemão, a segunda maior economia


europeia, com 425 mil aprendizes em 2011 (SMITH; KEMMIS, 2013), a França
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desenvolve uma política pública com ênfase acentuada na formação teórica,


valorizada pela etapa no CFA como alicerce significativo do sistema
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educacional4, que é objeto de valorização por atores internacionais quando


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buscam modelos de exportação da Aprendizagem. Porém, os altos índices de


desemprego juvenil (26%, em 2013) têm prejudicado a imagem da política que
o Estado (e isto não é um caso isolado da França) tem buscado valorizar junto à
população jovem.

• Inglaterra

Apesar de a Aprendizagem inglesa compartilhar a longevidade com a


iniciativa alemã, elas têm pouco em comum. Suas trajetórias são distintas e os
atores envolvidos nessa política tiveram objetivos e valores distintos. Isso
também ocorreu com relação ao caso da França. Ao contrário de Alemanha e
França, a Aprendizagem, na Inglaterra, sempre foi um assunto da agenda
sindical e polarizou com os interesses patronais, de forma que o trabalho do
aprendiz, nesse contexto, tornou-se um elemento-chave da precarização do
trabalho juvenil (THELEN, 2004) até as portas da Segunda Guerra Mundial.

Para enfrentar esse problema e remediar o impacto de um treinamento


profissional pobre sobre o desempenho opaco da economia do pós-guerra
(PEMBERTON, 2001), em 1964, a Lei de Treinamento Industrial nasce
atribuindo poderes ao Ministério do Trabalho britânico para compor os
Conselhos de Treinamento Industrial (Industrial Training Boards − ITB) para
empregadores e trabalhadores participarem no desenho da política. A partir de
um sistema de imposto compulsório, os ITBs passaram a se responsabilizar não
só pela supervisão do treinamento nas indústrias, mas também pela oferta de
uma ajuda de custo aos trabalhadores em treinamento. A partir dos anos 1980,
enquanto esse sistema passou a ser considerado uma reforma fracassada, com
impacto de baixa efetividade e que ainda dialogava com o fordismo (PAGE,
1967; KING, 1993; PRAIS, 1995), o modelo de Aprendizagem britânico foi
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reestruturado para um formato mais dinâmico5 e focado no atendimento às


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lacunas de qualificação do mercado de trabalho, dessa vez, inspirando-se nas


premissas do New Public Management (1995).

Mais recentemente, com o objetivo de incrementar a qualidade do


sistema, o governo britânico tem viabilizado a organização de fóruns, comitês e
pesquisas de avaliação, bem como estreitado sua relação com os governos
locais. Ao mesmo tempo, apesar da tradição inglesa de pouca intervenção na
relação empregatícia, tem-se promovido também, desde 2011, maior presença
do Estado na regulamentação das disposições trabalhistas e educacionais da
Aprendizagem. Na atualidade, essa política é responsabilidade do Sistema de
Aprendizagem Nacional (National Apprenticeship System - NAS), subordinado
ao Departamento de Negócios, Inovação e Habilidades, e é vista como positiva
por 90% dos empregadores (STEEDMAN, 2010); os ITBs, por sua vez, atuam
apenas no setor de construção.

Um resultado comemorado pela parceria do governo com a sociedade


civil britânica é o aumento no índice de aprendizes que concluíram seus
programas, ampliado de 36,7%, em 2004/2005 para 73,8% em 2011/2012
(RAIKES, 2015) registrando 457 mil aprendizes em 2011 (SMITH; KEMMIS,
2013). No entanto, um olhar mais detido desses dados vê que esse aumento
está altamente concentrado em grupos de trabalhadores com mais de 25 anos,
motivados pela busca de requalificação de pessoas que já atuam no mercado de
trabalho. Nesses termos, ainda que se argumente tratar-se de um mecanismo
preventivo ao desemprego adulto, perde-se o foco em proporcionar
oportunidades de aprendizado ao público jovem, sobretudo para dinamizar maior
articulação da Aprendizagem ao sistema educacional inglês (DOLPHIN;
LANNING, 2011).
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• Estados Unidos
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Apenas recentemente, a Aprendizagem nos Estados Unidos se sustenta


na condição de efetiva política pública a partir de responsabilidades
compartilhadas. O governo federal norte-americano assume a execução
estratégica a partir do Departamento do Trabalho, assessorado por um comitê
multirrepresentativo formado por trabalhadores, empresários, educadores e
poder público, o Advisory Committee on Apprenticeship (ACA). Embora se trate
de um programa federal, há processos descentralizados de maior
operacionalização no âmbito estadual para controle burocrático e pelas
sucursais locais do ACA para prover assessoria às empresas.

Durante décadas, a Aprendizagem foi considerada no país como uma


iniciativa demasiadamente “europeia” (MARKHAM, 1967) e substituída por
alternativas de formação de mão de obra germinadas no seio do empresariado
local. Até o fim do século 19, não era observada como instrumento de
qualificação de mão de obra pelos sindicatos, mas de controle de disponibilidade
da oferta (compartilhando a mesma visão dos correspondentes ingleses). O
governo só investia em algum tipo de atividade laboral no âmbito da educação
formal nas escolas secundárias, e não na educação profissional per se.
Finalmente, o patronato não havia por que se queixar de ausência de mão de
obra, pois os empresários inovaram justamente em termos da não dependência
de mão de obra aprendiz, valendo-se, de forma articulada, do grande contingente
de mão de obra qualificada disponível (ondas migratórias), da produção em
massa e do desenvolvimento de técnicas relacionadas à administração da
produção6.

Porém, vale observar que, nos Estados Unidos, a aprendizagem informal


sempre foi amparada legalmente. Iniciativas como a School-to-Work
277

Opportunities Act, de 1994, geraram mais jovens em situação de aprendizado


nas empresas sem registro formal, o que incrementou os casos de precarização
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do trabalho juvenil. A conjuntura crítica que implicou uma mudança dos rumos
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da política de Aprendizagem nos Estados Unidos surgiu apenas com a crise de


2008, quando o governo de George W. Bush decidiu revigorar e promover a
Aprendizagem, tendo como influência as experiências recentes de
modernização em países como Canadá, Inglaterra e Austrália que, aliás,
compartilham valores semelhantes da gestão pública. Citada como 21th Century
Registered Apprenticeship, trata-se de uma política de Estado fortalecida
durante a administração de Barak Obama, que visa promover articulação entre
jovens maiores de idade e empresas.

Trata-se de uma estrutura descomplicada que busca a formalização da


contratação dos jovens que tenham acessado a educação profissional em cursos
pós-secundários. Assim, o país emprega a Aprendizagem não só como
ferramenta para incrementar a empregabilidade juvenil, mas também para
apresentar alternativas à trajetória tradicional do jovem norte-americano que vê
a high school (ensino secundário) como preparatória para ser acolhido por uma
universidade. No entanto, assim como na Inglaterra, parte significativa dos
aprendizes adultos norte-americanos possui mais de 25 anos.

Portanto, no caso dos Estados Unidos, há questões na agenda que se


relacionam tanto às problemáticas dos países desenvolvidos (alternativas à
trajetória profissional superior) como dos emergentes (casos de precarização de
trabalho dos jovens decorrentes do modo informal). O que marca sua história,
no entanto, é a ausência de mediação: se comparado ao modelo inglês atual, o
Estado assume um papel menor, praticamente como fomentador de relações de
emprego. No entanto, estimula fortemente a política pública por meio de
incentivos: previsão de investimentos privados na ordem de US$ 2 bilhões pelas
empresas (para salário e infraestrutura), retorno de US$ 50 em impostos para
278

cada dólar investido, bem como índice de retorno sobre o investimento pelo
empregador variando entre 300 e 1.000% (ADVISORY COMMITTEE ON
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APPRENTICESHIP, 2008).
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• Brasil

O governo federal assume visão estratégica a partir do Ministério do


Trabalho, cuja responsabilidade recai na Secretaria de Políticas Públicas de
Emprego. O protagonismo da gestão da Aprendizagem brasileira é
compartilhado também com a Secretaria de Inspeção do Trabalho, vinculada ao
mesmo ministério, abrigando os auditores-fiscais do trabalho, agentes públicos
com alto grau de discricionariedade para fazer cumprir a política pública, porém
baixo conhecimento sobre educação profissional.

A principal diferença da Aprendizagem brasileira, quando comparada às


demais iniciativas de outros países, é seu caráter de obrigatoriedade. No Brasil,
estabelecimentos públicos e privados são obrigados a contratar jovens entre 14
e 24 anos na condição de aprendizes em um sistema de cotas7. Na prática, os
jovens que a política de Aprendizagem busca atingir são provenientes de famílias
de baixa renda, que dificilmente possuem oportunidades para obter uma
educação de qualidade (MATSUZAKI, 2011). Para o desenvolvimento dos
cursos de educação profissional aos jovens8, são habilitadas organizações
paraestatais criadas por lei a partir dos anos 1940, denominadas Serviços
Nacionais de Aprendizagem (SNA)9, bem como entidades sociais e escolas
técnicas públicas.

Verifica-se que a trajetória da Aprendizagem brasileira passou por três


conjunturas críticas importantes. Coincidente com a Aprendizagem não
sistematizada no país até o fim dos anos 1930, o período inicial é marcado com
abundância de mão de obra e restrição à assimilação imediata da população
negra à força de trabalho. A Aprendizagem existia como prática social não
regulamentada, cujo propósito moralizador e correcional era garantir o trabalho
279

como remissão da ociosidade e delinquência infanto-juvenil. O segundo


movimento, transcorrido até meados dos anos 1980, é marcado pelo ciclo
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desenvolvimentista e abundância de mão de obra. A Aprendizagem como


política pública de qualificação para o mercado de trabalho nasce, nesse
contexto, influenciada pela psicotécnica e patrocinada pelo patronato que
estimula a criação dos SNA na condição de monopólio para a formação de
aprendizes.

Já o terceiro momento encontra-se em curso desde a redemocratização.


Coincidente com uma conjuntura crítica articulada entre o esgotamento do
projeto de industrialização nacional, crises políticas e desaceleração econômica,
a política pública incorpora uma identidade moderna, desta vez, como programa
de responsabilidade social das empresas (ASSUMPÇÃO RODRIGUES et al.,
2008). Assim, entidades sociais tornam-se as grandes protagonistas da oferta
de aprendizes ao lado dos SNA. O emprego do terceiro setor não se coaduna
somente com a filosofia da reforma da administração pública (PEREIRA, 1995),
mas com a lógica de modernização conservadora característica do Brasil. Sobre
esse tema, Montaño (2002) afirma que a atuação das entidades sociais é
marcada pelo “possibilismo”, isto é, considera como fato consumado os modelos
excludentes de escola e de atuação dos jovens no mundo do trabalho, temas
sensíveis às questões de formação e empregabilidade.

Logo, não busca a reversão de status quo, e sim uma ação dentro da
ordem, a qual reforça os estigmas dos públicos beneficiários destas políticas
públicas. Persiste, portanto, a ideia da Aprendizagem disponibilizada como
elemento corretivo e moralizador, o autorreforço da trajetória de dependência
brasileira – com característica marcadamente despolitizada. Assim, a noção de
risco social ainda preenche a discussão das políticas públicas dirigidas à
juventude (OLIVEIRA, 2011), neste caso, caracterizada pela desarticulação
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entre os mundos de educação e trabalho, de forma contraditória às demandas


recorrentes por mão de obra qualificada por parte dos empregadores.
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• Índia

Contando com uma força de trabalho que corresponde ao dobro da


população do Brasil e Argentina somados, é natural compreender que a estrutura
de educação profissional indiana não consiga acompanhar tamanhas
dimensões, sobretudo quando se trata de um país com diversidades econômicas
e sociais tão distintas. No entanto, observa-se o dilema de uma política pública
que busca, de forma simultânea, oferecer alternativa aos maiores números
mundiais de trabalho infantil e trabalho precário dos jovens, paralelamente a uma
educação profissional que habilite sua população jovem ao cumprimento das
expectativas de suporte a um desenvolvimento econômico de protagonismo
global.

Em contraste com uma prática cultural sedimentada de longa data em


relação ao trabalho de crianças e jovens, a Aprendizagem indiana foi legalmente
estruturada em 1959 e implementada em 1962. Uma abordagem inicial
privilegiou apenas aprendizes da área comercial, mas, a partir de 1973,
contempla estudantes de áreas tecnológicas. Após alterações de caráter
incremental, a mais recente inovação, datada de 1997, dispôs terminologias
mais claras acerca da definição da prática profissional e responsabilidades das
partes interessadas. Atualmente, a gestão da Aprendizagem indiana é
compartilhada entre o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério para
Desenvolvimento dos Recursos Humanos, que segmentam a política pública
indiana em quatro modalidades, de forma que somente aquela conhecida como
“aprendizagem ocupacional” se dá sob a responsabilidade integral do Ministério
do Trabalho e Emprego.

De modo geral, a Aprendizagem não é bem-recebida pelos jovens, que


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rejeitam a longa duração dos programas, a predominância da orientação


industrial e a baixa remuneração envolvida. Dessa forma, registraram-se apenas
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215 mil aprendizes em 2013 (SMITH; KEMMIS, 2013). Trata-se de um problema


crítico para um país onde a informalidade é realidade para 88,4% dos jovens que
compõem a força de trabalho indiana (OCDE, 2012). Além disso, problemas da
estrutura da mão de obra indiana refletem no desenho de uma política pública
de Aprendizagem que não gera os resultados esperados: excesso de graduados
em cursos superiores para ocupações semiqualificadas; baixa oferta de mão de
obra dirigida aos setores produtivos mais competitivos, a qual impede maior
crescimento econômico nacional; problemas na formação de instrutores dirigidos
à educação profissional; e finalmente, um descompasso entre os interesses das
empresas (que assumem iniciativas próprias de qualificação de mão de obra) e
o sistema de formação nacional segmentado conforme exposto, que impede
maiores articulações e reconhecimento oficial (SMITH; KEMMIS, 2013).

Ao contrário dos modelos brasileiro e sul-africano, a Índia não passou por


transformações da política pública que implicariam em uma nova visão da
Aprendizagem nacional. O que a torna crítica, no entanto, é menos sua
incapacidade de dar respostas ao arranjo produtivo e uma perspectiva de
trajetória profissional mais consolidada aos jovens. É, com efeito, a problemática
de lidar, por gerações, com uma oferta de mão de obra muito superior à
demanda. A educação profissional dirigida em termos de alinhamento à
quantidade e qualidade demandada pelo setor produtivo torna-se uma tarefa
muito complexa em termos de gestão da política pública. Dessa forma, a
precarização quanto à inserção do jovem no mercado de trabalho, bem como o
descompasso entre os universos da educação e do trabalho, caracterizam a
trajetória de dependência indiana.

• África do Sul
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De forma geral, as iniciativas para desenvolvimento de um sistema


nacional de políticas de educação profissional no país, em caráter democrático,
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são relativamente recentes. Somente em 2009, uma estrutura executiva pública


para pensar e gerir essas iniciativas foi constituída: o Departamento de
Educação Superior e Treinamento. No entanto, é importante ressaltar que isso
não significa compreender a Aprendizagem como política pública recente na
África do Sul. Ao contrário, é antiga e tradicionalmente associada ao sistema de
apartheid.

A segunda metade do século 20 apresentou um modelo de Aprendizagem


sul-africana no qual “artisan training was the product of an interventionist state,
and became synonymous with the privileges of white workers and the power of
racially exclusive craft unions” (SMITH; KEMMIS, 2013, p.117). Dessa forma,
sobretudo durante os anos 1960, os politicamente influentes sindicatos operários
eram refratários a qualquer iniciativa de importação de mão de obra qualificada
estrangeira não branca e promoção de mão de obra nacional não branca que
influenciasse a estrutura elitizada dos operários qualificados sul-africanos. O
fomento à contratação de aprendizes brancos era patrocinado por grandes
empresas estatais, chegando à quantidade de 33 mil aprendizes em 1975. De
fato, é possível concluir que a política pública foi empregada no apoio à
sustentação do regime segregacionista.

O fim do apartheid, contudo, acarretou uma nova visão do sistema


educacional do país, a qual ignorou qualquer atenção à educação profissional,
uma vez que essa prática era culturalmente associada ao regime anterior e
gozava de péssima reputação. A Aprendizagem sul-africana praticamente
desapareceu após a privatização das grandes empresas estatais que davam
sustentação à contratação dos aprendizes (sem, no entanto, ter sido abolida, já
que os marcos legais permanecem desde 1981). A discussão sobre a retomada
283

só se deu a partir de 2006, em protocolos nacionalmente firmados para que a


educação profissional do país negasse o legado anterior que pouco contribuiu
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em termos de desenvolvimento econômico. Desde então, o desafio sul-africano


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é erguer uma ideia a partir de novos e significativos investimentos em


infraestrutura dos centros profissionalizantes, recursos humanos habilitados e
coordenação entre empresas e representantes sindicais.

Atualmente, o estágio de fortalecimento do sistema sul-africano revela


carências em termos de averiguação dos currículos, para maior qualidade dos
programas, além de participação mais enfática de empresas e sindicatos. A
despeito da pequena quantidade de aprendizes, o governo pode perceber uma
vitória em termos de mudança de perfil, uma vez que 73% dos jovens são não
brancos (negros e asiáticos). No entanto, os desafios permanecem, afinal, a
África do Sul é um dos países com índices altos de jovens entre 15 e 24 anos
que não trabalham tampouco estudam, os quais chegam a 33% de
representação nessa faixa etária em 2011 (OCDE, 2012).

É notório observar que a Aprendizagem sul-africana apresentou como


grande conjuntura crítica o fim do sistema de apartheid. Diferentemente do
modelo brasileiro, a Aprendizagem não compulsória pelo sistema de cotas pode
se tornar atrativa ao arranjo produtivo, na medida em que o Estado promova
vantagens à contratação de aprendizes, ainda que seja necessária maiores
articulação com as empresas e definição dos marcos legais acerca de
responsabilidades a serem assumidas, o que talvez evidencie a pequena
quantidade de 11 mil registros em 2011 (SMITH; KEMMIS, 2013).

O Quadro 1, a seguir, busca sistematizar as características-chave das


políticas públicas analisadas, buscando, sempre que possível apresentar
conceitos que evidenciem semelhanças e diferenças.
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Quadro 1 - Características da política pública


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em termos educacionais e econômicos, a Aprendizagem nunca foi crítica


para Índia, Brasil e África do Sul. Se esta comparação entre os países permitiu
leituras distintas sobre a política pública, cumpre ressaltar que a legitimidade do
Estado em legislar e gerir, no entanto, não o livra da responsabilidade de
modernizar o sistema educacional dos países em desenvolvimento. Isso é
necessário para maior diálogo com o mundo do trabalho e com as expectativas
da juventude a fim de não se limitar ao preenchimento das lacunas de cidadanias
fragmentadas, precarizadas e excluídas dos processos históricos de seus
países.

A análise revelou que os países desenvolvidos promoveram mudanças na


política pública, de forma articulada às suas iniciativas de reforma do Estado no
fim do século passado, que diferem entre si. Mostrou também que tais mudanças
obedeceram a certos padrões relativos à trajetória de cada país e ao regime de
Estado de bem-estar social ao qual estavam veiculados. Observa-se um padrão
de desenvolvimento da Aprendizagem na Inglaterra e nos Estados Unidos de
forma que o Estado pouco interfere na Aprendizagem nacional em termos
trabalhistas e também na formatação dos programas.

Situação distinta se dá nos casos alemão e francês, onde o Estado é muito


mais presente, ainda que conte com a interlocução necessária da sociedade civil,
por intermédio das câmaras setoriais e, em maior ou menor escala, dos
sindicatos. São reveladores os números na ordem de centenas de milhares de
aprendizes contratados voluntariamente, quando contrastados com os modelos
dos países em desenvolvimento (conforme tabela 1):
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Tabela 1 - Grandezas da política pública

Mais revelador ainda é constatar que a Aprendizagem cumpre, de fato,


um papel na força de trabalho dos países desenvolvidos europeus, uma vez que

a quantidade de aprendizes formalizados sempre representa percentual acima


de 1,5% da força de trabalho, ao passo que os números são insignificantes na
África do Sul e na Índia.

De fato, a Aprendizagem para os países europeus significa, em conjunto


com outras políticas passivas e ativas de emprego e renda, um mecanismo de
sustentação da malha social perante a estrutura dos Estados de bem-estar social
desde o pós-guerra. A educação profissional fora empregada como variante,
mais ou menos articulada ao sistema educacional desses países, para que os
jovens tivessem acesso ao mercado de trabalho após o cumprimento da
escolarização compulsória. A reestruturação da política pública nesses países,
portanto, não significa o declínio dos Estados de bem-estar social, mas um
reflexo das iniciativas de reforma da administração pública para lidar de modo
mais assertivo às expectativas de suas populações que ascenderam à agenda
(KERSTENETZKY, 2012). Dessa forma, a Aprendizagem europeia tem buscado
articular de forma simultânea uma política ativa de trabalho e emprego juvenil,
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assim como a necessidade de fortalecimento da parametrização das


qualificações do continente para garantir trânsito e o padrão de qualidade da
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mão de obra europeia. Portanto, a Aprendizagem foi e continua sendo um


dispositivo a serviço do Estado de bem-estar social europeu que se presta,
fundamentalmente, à transição do jovem do mundo da educação para o mundo
do trabalho, um atributo comum de suas trajetórias de dependência.

O modelo norte-americano, por sua vez, é um caso à parte, que demanda


maior detalhamento. Alicerçado a uma malha de relações muito ampla e
complexa em termos micro e macroeconômicos, a despeito das diferenças dos
modelos europeus, a estrutura que depositou nas empresas a liberdade de
formação de mão de obra promoveu resultados ao Estado de bem-estar social
norte-americano e ao seu sistema produtivo. Assim, onde a Aprendizagem
europeia fez diferença no tecido social e produtivo europeu, bem como na
expectativa de qualificação de mão de obra de gerações, fez-se e continua
fazendo-se desnecessária nos Estados Unidos. Portanto, o renascimento da
Aprendizagem norte-americana não deixa de ser justificado para lidar muito mais
com o desemprego juvenil do que propriamente buscar a qualificação de mão de
obra. E, de uma forma simples, como de fato é o mecanismo da política pública
e os estímulos proporcionados naquele país, registra-se voluntariamente uma
quantidade maior do que é exigido de modo compulsório no Brasil e quase igual
aos números da tradicional Aprendizagem francesa.

No caso da Aprendizagem dos países analisados dos BRICs, há uma


característica comum: uma problemática de imagem política. Nos termos de
Baumgartner e Jones (2009), equilíbrios pontuados consolidam a manutenção
dos monopólios políticos, isto é, arranjos institucionais restritos que reforçam
uma compreensão consensual sobre determinados temas. Essas imagens por
vezes atravessam o tempo (ainda que as arenas políticas se alterem) e são
289

reflexos da trajetória de dependência solidificada por valores ano após ano. Eis
porque, no Brasil, a Aprendizagem caracterizou-se e ainda se caracteriza no
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trato do jovem em “risco social”, “marginalizado”, “vulnerável” etc.


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Historicamente, ela não foi pensada e desenvolvida para integrar uma discussão
mais ampla acerca da formação do tecido social e produtivo do país, tampouco
uma ação objetiva no combate ao desemprego juvenil. Ao contrário, manteve-se
vigente e desarticulada às diversas iniciativas de programas educação
profissional e reformas educacionais que foram e continuam sendo propostas,
embora a premissa da cota se mantenha.

Na Índia, a complexidade de manter uma política pública com gestão


executiva rivalizada entre dois órgãos do Estado é o menos crítico. A dificuldade
maior é tornar a Aprendizagem uma trajetória efetiva de articulação do mundo
da educação ao mundo do trabalho da sociedade indiana, cujo emprego da mão
de obra juvenil de forma precária é visto com naturalidade. Na África do Sul, por
sua vez, o desafio é desenvolver uma política pública que ressalte não apenas
a indispensável perspectiva inclusiva e salutar articulação ao arranjo produtivo
nacional, mas também uma resposta objetiva ao alarmante índice de
desemprego juvenil. No caso da trajetória da política pública nesse país, não
deixa de ser emblemático o contraste com a Alemanha, cuja Aprendizagem se
fortaleceu bastante durante o regime nazista, mas na derrocada, não sucumbiu,
ao contrário, foi acolhida pela sociedade alemã como tradição que supera os
estigmas dos regimes antidemocráticos.

Em contraste, os números significativos de aprendizes formalizados na


Europa refletem a maturidade de uma cultura de formação da iniciativa privada
(em que pese sua heterogeneidade nacional e setorial) e a valorização histórica
da educação pela sociedade civil e política (na condição de direito fundamental
a todos). Reflete, também, a elevação do trabalho, em todos os sentidos, como
parte integrante de um projeto de vida. A trajetória de dependência, nesse caso,
290

mais do que estigmatizar a Aprendizagem, a fez sobreviver e até valorizar-se a


despeito das conjunturas críticas.
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Cumpre, por fim, repassar as disposições referentes aos países em


desenvolvimento no contraste com os modelos europeus, tendo como base o
disposto no Quadro 1. Do ponto de vista histórico e funcional, a Aprendizagem
dos BRICs difere sistematicamente pela desvalorização da educação
profissional, historicamente considerada como variante deslocada da realidade
de ascensão educacional e profissional à qual a população almeja. O grande
desafio dos países desenvolvidos europeus, por sua vez, é valorizar a
Aprendizagem para que ela não se configure social e economicamente da
mesma forma (CENTRO EUROPEO PARA EL DESARROLLO DE LA
FORMACIÓN PROFESIONAL, 2014). Ainda que nos Estados Unidos, por
exemplo, a formação para o trabalho tenha sido um assunto mais pertinente à
dinâmica da empresa que do Estado, essa característica também foi deficitária
no Brasil e na Índia, principalmente pela baixa competitividade empresarial
existente ao longo do século 20 e pela ampla disponibilidade de mão de obra, de
forma que a formação para o trabalho seria pouco crítica.

A análise referente à dinâmica relacional proeminente destaca um modelo


bastante distinto nos casos dos países em desenvolvimento. A Aprendizagem
não se revela como mecanismo à disposição da sociedade para proporcionar
meios de acesso aos atores envolvidos. Justifica-se a afirmação pela ausência
de incentivos do Estado, a baixa disposição das empresas em qualificar pessoas
e a incapacidade das instituições formadoras em prover mão de obra qualificada
e diversificada para atender às lacunas do mercado de trabalho formal de modo
objetivo e integrado a uma agenda compartilhada com o setor produtivo.

Dessa forma, vê-se a grande variação sobre como a política de


Aprendizagem está estruturada nos diversos países. Esta diversidade não
291

resulta de outros fatores senão de suas trajetórias históricas, fatores


constituintes da relação capital-trabalho, e a emergência e recuo de atores
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políticos diversos para compor suas políticas de educação profissional, mais


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especificamente, a Aprendizagem. Assim, se a abordagem histórica é capital


para a análise, a investigação das políticas públicas tem o apoio do
institucionalismo histórico. Esta linha de estudo da ciência política permite que a
análise da trajetória de dependência das instituições, dos fenômenos a ela
relacionados como conjunturas críticas (PIERSON; SKOCPOL, 2008) e
equilíbrios pontuados (KRASNER, 1984) descortine arranjos e fins políticos
estáveis ou distintos ao longo do tempo (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).

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SISTEMAS INTERNACIONAIS DE APRENDIZAGEM


JOSÉ RODRIGO PAPROTZKI VELOSO E MARTA MARIA
PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA EM
ASSUMPÇÃO RODRIGUES
ALGUNS PAÍSES DESENVOLVIDOS E EMERGENTES
JOSÉ RODRIGO PAPROTZKI VELOSO E MARTA MARIA ASSUMPÇÃO RODRIGUES
SISTEMAS INTERNACIONAIS DE APRENDIZAGEM PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
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297
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PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA EM
ASSUMPÇÃO RODRIGUES
ALGUNS PAÍSES DESENVOLVIDOS E EMERGENTES
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SISTEMAS INTERNACIONAIS DE APRENDIZAGEM PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
EM ALGUNS PAÍSES DESENVOLVIDOS E EMERGENTES

NOTAS

Artigo revisado, originalmente publicado no Boletim Técnico do SENAC, volume


42, número 1, janeiro/abril de 2016, disponível em
http://www.senac.br/media/105079/bts_42_6.pdf

2 Aqui disposta com sua inicial maiúscula para ressaltar a política pública de
forma diferenciada à ação no campo conceitual da pedagogia, o processo de
assimilação da instrução e do ensino propriamente desenvolvido.

3 Este sistema dual contempla também outras possibilidades como a vertente no


ensino superior que se divide entre universidades e escolas superiores
tecnológicas e no ensino básico que consiste em três percursos educacionais
possíveis e distintos entre si em relação ao tipo e à qualidade da educação.

4 A Aprendizagem francesa é um ramo do ensino secundário. Os jovens devem


frequentar o nível secundário básico compulsório e ascender ao nível secundário
superior, com duração de três anos, geralmente, frequentado por jovens entre
15 e 18 anos, e permite três percursos: geral, tecnológico e profissionalizante
(DIF, 2011).

5 A Aprendizagem inglesa não demanda requisitos educacionais fixos. Há


relativa flexibilidade no provimento da formação teórica (parcialmente financiada
pelo Estado), que pode ser desenvolvida em centros privados, escolas de
educação profissional públicas, universidades, grupos comunitários etc., que
expedem a certificação.
298

6 A Aprendizagem norte-americana é aquela que teve que conviver com o


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desenvolvimento industrial que a considerava, em sua essência como


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ASSUMPÇÃO RODRIGUES
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SISTEMAS INTERNACIONAIS DE APRENDIZAGEM PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
EM ALGUNS PAÍSES DESENVOLVIDOS E EMERGENTES

viabilizadora de mão de obra qualificada, um elemento a ser evitado. Não à toa,


a racionalização da produção era a antítese de uma ideia tradicional da
Aprendizagem europeia.

7 Nos termos da Lei Federal nº 10.097/2000 e do Decreto Federal nº 5.598/2005.

8 A educação profissional brasileira que se presta à Aprendizagem é normatizada


por uma oferta parametrizada pelo Ministério do Trabalho, por meio de centenas
de cursos com pelo menos 400 horas de formação teórica e 400 horas de
atividades práticas nas empresas.
9 Sustentados por imposto de 1% da folha de pagamento das empresas, são
entidades de direito privado direcionadas à qualificação de mão de obra para um
setor econômico determinado e geridas pela respectiva confederação patronal.
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PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA EM
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CAROLINA CAVANHA DE AZEREDO SANTOS E ESTHER MADELEINE LEBLANC
TENDÊNCIAS DO CONTROLE SOBRE A DISCRICIONARIEDADE DOS BUROCRATAS DE NÍVEL DE
RUA E OS EFEITOS NÃO PREVISTOS: ESTUDO DE CASO SOBRE A POLÍTICA DE DISPENSAÇÃO DE
MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO (SES-
SP)

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

TENDÊNCIAS DO CONTROLE SOBRE A


DISCRICIONARIEDADE DOS BUROCRATAS DE NÍVEL
DE RUA E OS EFEITOS NÃO PREVISTOS: ESTUDO DE
CASO SOBRE A POLÍTICA DE DISPENSAÇÃO DE
MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO DA SECRETARIA
ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO (SES-SP)

CAROLINA CAVANHA DE AZEREDO SANTOS

Bacharel em Relações Internacionais pela USP,


Mestranda em Administração Pública e Governo
pela FGV. E-mail: carolina.cavanha@gmail.com
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ESTHER MADELEINE LEBLANC


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TENDÊNCIAS DO CONTROLE SOBRE A


DESCRICIONARIEDADE DOS BUROCRATAS DE NÍVEL DE RUA
E OS EFEITOS NÃO PREVISTOS: ESTUDO DE CASO SOBRE A CAROLINA CAVANHA DE AZEREDO SANTOS E ESTHER
POLÍTICA DE DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS DE ALTO MADELEINE LEBLANC
CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO
PAULO (SES-SP)
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TENDÊNCIAS DO CONTROLE SOBRE A DISCRICIONARIEDADE DOS BUROCRATAS DE NÍVEL DE
RUA E OS EFEITOS NÃO PREVISTOS: ESTUDO DE CASO SOBRE A POLÍTICA DE DISPENSAÇÃO DE
MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO (SES-
SP)

Bacharel em Relações Internacionais pela PUC,


Mestranda em Administração Pública e Governo
pela FGV. E-mail: estherleblanc@gmail.com

RESUMO

O debate sobre a discricionariedade dos burocratas de nível de rua, literatura


inaugurada por Lipsky ainda em 1980, continua sendo agenda importante de
pesquisa. Como essa literatura trabalha intensamente com estudos de caso,
sente-se a falta de uma organização dos principais achados empíricos. Nesse
contexto, o artigo busca: sistematizar as tendências que restringem a
discricionariedade desses atores; segundo, aplicar essa sistemática a um caso
particular. Para o primeiro objetivo, propõem-se uma taxonomia das tendências
restritivas: automatização dos processos, cultura organizacional e normatização.
Para o segundo objetivo será utilizado um estudo de caso do Estado de São
Paulo, em que o Governo emitiu resolução normativa para restringir a
discricionariedade dos médicos da rede pública de saúde quanto à dispensação
de medicamentos de alto custo. A análise aponta que a tendência normativa
apenas cristalizou uma cultura organizacional, e que ela tende a tornar mais
vulnerável a população dependente exclusivamente de serviços públicos.

ABSTRACT

The debate on the street level bureaucrats’ discretion - literature inaugurated by


301

Lispky back in the 80’s, is still a hot trending within this research agenda. As this
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type of research is highly base on study cases, there is a lack of systematize

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MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO (SES-
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knowledge gathering all these empiric data. Within this context, the present work
aims: first, systematize trends that restrict the discretion of these actors; second,
apply this systematic to a particular case. For the first objective, we propose a
taxonomy of restrictive trends: automation of processes, organizational culture
and creation of norm norms. For the second objective will be used a case study
of Sao Paulo State, where the government issued a rule to limit public physician
discretion when prescribing high cost drugs. The analysis points out that the
issued norm trend only solidified a preexistent organizational culture, and as a
collateral effect, this restriction might deepen the vulnerability of those who
exclusively depends on health public services.
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RUA E OS EFEITOS NÃO PREVISTOS: ESTUDO DE CASO SOBRE A POLÍTICA DE DISPENSAÇÃO DE
MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO (SES-
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INTRODUÇÃO

A literatura de burocracia de nível de rua foi iniciada com a obra seminal


de Michael Lipsky (1980), Street-Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual
in Public Service. Desde então, essa agenda de pesquisa vem ganhando espaço
dentro da ciência política e da administração pública.

A relevância desses atores passa tanto pela sua capacidade de influenciar


os resultados das políticas públicas, característica essa alimentada por uma
perspectiva bottom-up de implementação, quanto pela sua prerrogativa de
“entregar a política” (LIPSKY, 1980). Em outras palavras, são os burocratas de
nível de rua que fazem a intermediação entre o Estado e a população, e portanto,
são blocos construtores da legitimidade política (building block of political
legitimacy), uma vez que o credo dos cidadãos no sistema político depende de
suas experiências com os serviços públicos (JANSSON; ERLINGSSON, 2014).

Ambas as características apontadas anteriormente passam,


necessariamente, por uma discussão apontada já na obra de Lipsky (1980): a
tensão entre controle e discricionariedade. Para o autor, a legitimidade da
burocracia se daria por meio do balanço entre o seguimento de normas e do
princípio da equidade vis-à-vis da necessidade de flexibilização no atendimento
individual e ajuste situacional (discricionariedade).

Embora exista consenso de que não há como avaliar de antemão se a


discricionariedade é positiva ou negativa (LOTTA, 2014), pois essa análise fica
muito circunscrita ao contexto específico em que acontece (EVANS; HARRIS,
303

2004), inúmeros estudos de caso vêm apontando formas pelas quais a


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discricionariedade característica desses burocratas vem sendo restrita. É

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justamente nessa tensão entre controle versus discricionariedade que o presente


trabalho se debruçará.

Será feita uma revisão bibliográfica consolidando as grandes tendências


de como a discricionariedade dos burocratas de nível de rua têm sido
restringidas, isso sem julgamento de valor normativo. Nesse contexto, três
grandes tendências levantadas - automatização dos processos, mudanças pela
cultura organizacional e normatização.

Por fim, tendo extraído as principais contribuições teóricas do debate


acerca da discricionariedade e controle, um estudo de caso da realidade
subnacional será desenvolvido. O objetivo de trazer um estudo de caso é
compreender como a classe médica da rede de saúde pública do Estado de São
Paulo teve sua discricionariedade afetada a partir da publicação de uma
resolução do Governo Estadual sobre a dispensação de medicamentos não
padronizados.

REVISÃO DA LITERATURA – TENDÊNCIAS DE CONTROLE SOB A


DISCRICIONARIEDADE DA BUROCRACIA DE NÍVEL DE RUA

Metodologia da Revisão de Literatura

O levantamento bibliográfico foi realizado pela plataforma Web of Science


tendo em vista sua facilidade de busca, amplitude de resultados, possibilidade
de filtro, bem como criação de relatórios de citações e gráficos.
304

A estratégia de pesquisa buscou fazer o cruzamento entre a literatura de


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burocracia de nível de rua cuja análise no mínimo tangenciou o debate entre

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controle e discricionariedade. Para tanto, foi inserida a seguinte estrutura no


campo de busca por tópico: ("street level bureaucrats" OR "street level
bureaucrat" OR "street level bureaucracy") AND ("reduce" OR "limit" OR
"control"). O resultado desse primeiro protocolo de pesquisa resultou em 56
artigos de 16 países, incluindo o Brasil.

No intuito de refinar ainda mais a base bibliográfica, foi aplicado um


segundo layer de análise: Todos os resumos dos 56 artigos foram submetidos a
uma leitura crítica, e apenas aqueles artigos que se adequavam ao escopo do
projeto foram selecionados. Desse modo, a revisão de literatura apresentada é
composta por uma base de 17 artigos.

Revisão sobre as tendências de controle

Os artigos selecionados trabalham com diversos estudos de caso, que


embora possam se diferenciar dados os contextos circunscritos (países e
setores), trazem um elemento em comum - sendo menos ou mais central à
análise - que é a observação de fenômenos que ameaçam a discricionariedade
dos burocratas de nível de rua.

A partir da classificação dos artigos selecionados, foi possível propor uma


taxonomia das tendências de controle sobre a discricionariedade dos burocratas
de nível de rua em três grandes blocos: automatização dos processos,
mudanças pela cultura organizacional e normatização. Cada um desses blocos
possui uma variedade de ações e instrumentos que podem afetar a
discricionariedade do burocrata.
305

A seguir, serão apresentadas as discussões que a literatura faz acerca


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dessas tendências e um quadro síntese com os principais mecanismos


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mapeados que podem desempenhar uma função restritiva junto à


discricionariedade.

A automatização dos processos e procedimentos vem se desenvolvendo


na administração pública a partir de uma lógica que preza pela maior eficiência,
padronização e imparcialidade na tomada de decisão. A imagem de uma
burocracia weberiana, com indivíduos neutros amontoados em repartições
púbicas e atolados de papeis não faz mais sentido em um mundo que avançou
enormemente do ponto de vista tecnológico (BOVENS; ZOURIDIS, 2002).

A literatura aponta que a automatização dos processos e procedimentos,


possível principalmente graças ao desenvolvimento da tecnologia da
informação, pode acabar funcionando como um limitador da discricionariedade
dos burocratas de nível de rua por inúmeras razões.

Do ponto de vista do monitoramento, a automatização permite que haja


mais controle sobre a performance desse burocrata, a partir da informatização
dos dados de atendimento, tempo consumido, pesquisa de satisfação, entre
outros. Essas informações escancaram a maneira como os burocratas estão
agindo, o que permite ao gerente, de maneira justificada por dados, promover
ações de reconhecimento ou de sanção (WENGER; WILKINS, 2009).

A automatização também restringe a discricionariedade que o burocrata


teria de imputar dados no sistema. Se antes havia certa autonomia para o
preenchimento de documentos e formulários, a partir do desenvolvimento de
programas, softwares e sistemas, a tendência é que haja certa padronização e
306

orientação específica para a elaboração desses papeis. Além do próprio


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preenchimento, o controle do fluxo e da tramitação dos documentos também sai

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das mãos dos burocratas e é regido pela configuração programada pelo sistema
informatizado (WENGER; WILKINS, 2009).

Por fim, a automatização e informatização tendem a diminuir o contato do


cidadão com burocrata de nível de rua, o que alguns autores entendem também
como um limitador da discricionariedade (JANSSON; ERLINGSSON, 2014). É
na interação direta do burocrata com o cidadão que acontece o ajuste
situacional, ou seja, em que há uma leitura do contexto para adaptação da
política a partir das necessidades e limites daquele indivíduo específico. Ao
promover o acesso por sites, formulários eletrônicos, entre outros, o burocrata
perde a interação face-to-face e portanto, a possibilidade de ajuste situacional.

Em conclusão, a literatura revela por um lado ganhos consideráveis


relacionados a acesso e transparência, mas por outro, há certa construção
consensual em torno da ideia de que tais mecanismos tendem a reduzir e
padronizar a discricionariedade dos burocratas de nível de rua.

Uma segunda tendência mapeada a partir do levantamento da literatura


evidencia o papel da cultura organizacional como uma das possíveis maneiras
de orientar a conduta dos burocratas de nível de rua, e portanto, reduzir sua
discricionariedade. Importante salientar que essa tendência já teria sido
apontada pelo próprio Michael Lipsky (1980), quando coloca que esses
burocratas fazem a política não só a partir de sua própria discricionariedade, mas
também quando compreendidos em conjunto, pois suas ações individuais
formam o comportamento da agência. Desse modo, não se pode desconsiderar
307

o burocrata fora de sua posição sistêmica.


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Dentro da organização, a influência da teoria da agência - que pressupõe


uma relação hierárquica entre líderes eleitos e burocratas, que por sua vez são
limitados por contrato e cuja responsabilidade primária é implementar a lei
conforme estabelecida - fez alguns pesquisadores a concluírem que a
manipulação de incentivos ao nível micro pode levar o burocrata a responder à
autoridade política (WOOD; WATERMAN, 1991; WATERMAN et al., 1998).
Embora existam críticas quanto ao alcance do resultado dessas pesquisas, a
lógica de trabalho a partir de um sistema de recompensas e constrangimentos
operando dentro de uma organização não pode ser ignorado (OLIVEIRA, 2012).

Nesse contexto, um dos mecanismos mobilizados para orientar a ação


dos burocratas está ligado ao incentivo econômico, que é vinculado ao
desempenho da agência e/ou do ator. A problematização desse tipo de incentivo
é que por um lado, deve haver um parâmetro muito claro para mensurar os
resultados que serão bonificados - o que nem sempre é possível, e que por outro,
os resultados não são necessariamente o mais importante na implementação de
uma política, já que por vezes, o processo de execução das tarefas pode ser
mais importante que os produtos por ela gerados (OLIVEIRA, 2012).

Dentro da cultura da organização, há também outro fator que funciona


como limitador de discricionariedade: o constrangimento do burocrata de nível
de rua a partir do julgamento de seus pares. Embora não seja possível, pelo
menos pela literatura levantada, traçar uma relação direta entre o alto escalão
da organização e a maneira pela qual os funcionários se comportam, Antonio
Oliveira (2012) aponta que a maneira pela qual o burocrata se sente percebido
308

e julgado pelos seus pares afeta fortemente seu comportamento. Inclusive, a


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tendência é que os incentivos oferecidos percam relevância quando


confrontados com a expectativa dos pares.

Partindo para mecanismos menos tangíveis, alguns autores começam a


trabalhar com o controle exercido pelos gerentes sobre os burocratas de nível
de rua a partir de valores e padrões morais “desejados”. Fineman (1998) explora
em sua pesquisa o papel do rito organizacional, os símbolos e as emoções que
são mobilizadas para funcionarem como mecanismos de controle.

Ainda na linha apresentada anteriormente, cabe colocar que o que a


literatura por vezes trata de maneira independente, julgamos estar também
inserido na cultura organizacional: a tensão entre a orientação de práticas do
profissionalismo e o gerencialismo (EVANS, 2011; AHLBÄCK ÖBERG;
BRINGSELIUS, 2014). A opção por inserir esse mecanismo no bloco relativo à
organização justifica-se pelo fato de o burocrata de nível de rua não estar
descolado de sua posição no sistema, sendo assim, os valores e práticas
relativos ao seu trabalho estão inseridos dentro do contexto organizacional.

Tony Evans (2011) aponta que embora a organização tenha tentado


enraizar a prática do novo gerencialismo, que busca controlar ao máximo a
discricionariedade dos burocratas e ter uma gestão orientada para resultados,
os valores aportados pela ideia de profissionalismo e autonomia levou os
burocratas a desenvolverem outras estratégias para continuarem exercendo
certa margem de discricionariedade.

Em síntese, a cultura organizacional pode trabalhar com elementos mais


309

ou menos tangíveis quando se discute a discricionariedade dos burocratas de


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nível de rua. No mais, o levantamento da literatura mostrou que esse tipo de

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tendência, embora afete em alguma medida a autonomia dos atores da ponta,


tem efeito mais lento e menos seguro, isso porque é composto de uma alta carga
normativa que geralmente é conflitiva, e que portanto, não é necessariamente
incorporada ao modus operandi.

O último bloco de tendências mapeado a partir da revisão de literatura


refere-se à normatização, ou seja, a produção de normas e leis que visam reduzir
formalmente a discricionariedade dos burocratas de nível de rua.

Para tanto, foi realizado um novo levantamento bibliográfico, com recorte


nacional, no intuito de aprofundar a pesquisa e melhor entender o conceito de
“discricionariedade administrativa”, bastante utilizada na literatura do direito.
Mais do que analisar os diferentes mecanismos existentes para o controle da
discricionariedade, a referida literatura traz uma discussão sobre a relação entre
a legislação e o poder discricionário dos agentes públicos.

A principal questão posta pela literatura é o quanto a produção de normas


e leis, cujo objetivo inicial é restringir a autonomia do agente da linha de frente
(OLIVEIRA, 2012) acaba por não necessariamente alcançar o seu objetivo final.
Em outras palavras, o trabalho ao nível de rua é, ironicamente, saturado de
regras, mas não é obrigado por elas (MAYNARD-MOOD; MUSHENO, 2000,
p.334). Ainda, apesar de o funcionário da esquina exercer seu ofício sob o
constrangimento das normas e dos procedimentos, ambos proveem débil
limitação e frágeis parâmetros para os julgamentos na linha de frente (OLIVEIRA,
2012, p. 1556).
310

Com efeito, uma grande quantidade de escritos foi publicada sobre o


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assunto (BANDEIRA, 1998), e duas vertentes principais se destacam: por um

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MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO (SES-
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lado, aqueles que defendem a importância do cumprimento da lei ou “controle


de exercício” dos administradores públicos, sob a responsabilidade do Poder
Judiciário; e por outro, a discricionariedade da administração pública, ou sua
autonomia, que se vê necessária em contextos específicos. Como explica
Juliana M. Daniel (2013, p. 5): “se de um lado não se nega a existência de
atividades administrativas fortemente vinculadas e outras com boa dose de
discricionariedade, por outro seria utópico acreditar na vinculação ou
discricionariedade absoluta do agente público no direito brasileiro”.

Pode-se então localizar a administração pública entre esses dois


extremos: ora o atrelamento total à lei, ora o distanciamento dela, por meio do
exercício da discricionariedade. É justamente conforme a lacuna existente na lei
que: “concede-se amplos espaços de decisão ao administrador para escolher os
meios adequados para a solução dos casos concretos, cujos limites são
pautados pelo princípio da ‘reserva de lei’” (DANIEL, 2013, p. 7).

Em suma, pode-se afirmar que, em se tratar da produção de leis,


regulações e normas, o desafio é entender os limites da normatização na
atuação dos administradores públicos da ponta, cujo conhecimento técnico e
situacional permite tomar a atitude mais apropriada (LOTTA, 2014).

Por fim, para sintetizar os diferentes pontos comentados acima, foi


realizado um quadro demonstrando as tendências e seus respectivos
mecanismos para o controle sobre a discrição dos burocratas de nível de rua,
conforme a literatura mapeada.
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Figura 1. Quadro síntese das Tendências de controle da discricionariedade dos


burocratas de nível de rua.

Fonte: elaboração própria.

ESTUDO DE CASO – POLÍTICA PARA DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTO


DO COMPONENTE ESPECIALIZADO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

O Componente Especializado (alto custo) da Assistência Farmacêutica –


CEAF é regulamentado pelas Portarias GM/MS nº 2.981 de 26 de novembro de
2009 e nº 3.439, de 11 de novembro de 2010, e visa garantir no âmbito do SUS,
o acesso ao tratamento medicamentoso, de doenças cujas linhas de cuidado
estão definidas em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT,
publicados pelo Ministério da Saúde (ESCOLA PAULISTA DE
MAGISTRATURA). Em síntese, o componente especializado é a classificação
para aqueles medicamentos que são de alto custo, e que portanto, representam
uma impacto orçamentário considerável para a Secretaria Estadual de Saúde.
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As próprias portarias federais que regulam o componente especializado


já trazem uma série de condicionantes para que o médico possa solicitar o
medicamento.

São cerca de cinco documentos, alguns de preenchimento bastante


complexo, que se fazem necessário para que um medicamento de alto custo
seja disponibilizado para a população: 1. Laudo para Solicitação, Avaliação e
Autorização de Medicamento do Componente Especializado da Assistência
Farmacêutica (LME), adequadamente preenchido, conforme modelo
padronizado pelo Ministério da Saúde; 2. Três vias de prescrição médica
devidamente preenchida; 3. Termo de esclarecimento e responsabilidade; 4.
Documentos exigidos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêutica.

O Ministério da Saúde, a partir de uma perspectiva top-down provê


diretrizes específicas sobre o procedimento formal a ser cumprido para que um
medicamento de alto custo seja disponibilizado. O detalhamento e inúmeros
documentos exigidos são uma estratégia para padronizar as prescrições
médicas nos estados e municípios e incentivar uma conduta homogênea dos
médicos da rede pública nos três âmbitos federativos.

A preocupação da administração pública para com a dispensação de


medicamentos do componente especializado passa tanto pela necessidade
médica em seguir os protocolos médicos (justificativa clínica) quanto pelo o custo
orçamentário decorrente da aquisição desse tipo de droga pela via judicial.
Apenas na Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo são 43 mil ações
313

judiciais ativas em andamento, e estima-se que os gastos anuais com a


judicialização chega a R$ 1 bilhão.
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Grande parte desses gastos (mais de 80%), se deve à aquisição de


medicamento classificados como de alto custo (SECRETARIA ESTADUAL DE
SAÚDE DE SÃO PAULO, 2015). Para fins comparativos, a SES-SP declarou
que o gasto anual que tem com o Hospital das Clínicas, por exemplo, é de R$
1,5 bilhão, sendo esse um estabelecimento de referência em saúde que atende
a milhares de pessoas todos os meses.

Para além dos gastos com judicialização, a Secretaria ainda destina um


valor alto de seu orçamento com a subfunção de suporte profilático e terapêutico,
que basicamente representa os gastos com medicamentos (embora não
exclusivamente aqueles que compõem o componente especializado). De acordo
com o orçamento do Estado de São Paulo para 2015, estariam previstos mais
de R$ 2 bilhões apenas para os medicamentos de alto custo.

Para além dos trâmites já estabelecidos pelo Governo Federal no que diz
respeito à dispensação de medicamentos de alto custo, o Governo do Estado de
São Paulo publicou em agosto de 2015, a resolução SS n. 83 que “Dispõe sobre
a prescrição de medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS”.
Sinteticamente, a resolução tenta padronizar e homogeneizar a conduta dos
médicos da rede pública.

Em linhas gerais, a resolução define que: 1. Medicamentos sem o registro


junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não podem ser
dispensados; 2. A prescrição de medicamentos fora da lista do SUS deve ser
corroborada não apenas pelo médico prescritor, mas pela instituição a que ele
314

está vinculado; 3. Orientação para que as instituições públicas exijam do médico


prescritor uma declaração de inexistência de conflito de interesses em relação à
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indústria farmacêutica e/ou pesquisa clínica; 4. O custo pela dispensação não


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padronizada poderá recair sobre a intuição a qual pertence o médico; 5. A


Secretaria de Saúde poderá adotar medidas para garantir o ressarcimento do
erário e do custo do medicamento judicializados contra a Fazenda do Estado
originário da prescrição da rede estadual de saúde em desacordo com as normas
e orientações que disciplinam as ações e atividades do SUS.

Em síntese, são no mínimo cinco definições que buscam reduzir o espaço


da discricionariedade do burocrata de nível de rua - nesse caso o médico da rede
pública estadual. Essa postura, tanto do Governo Federal quanto do Governo
Estadual de São Paulo para tentar padronizar a conduta para a prescrição de
medicamentos, está muito relacionada aos gastos crescentes provenientes da
assistência farmacêutica e com o fenômeno da judicialização, que além de
representar um custo adicional, mina a capacidade de planejamento e de
alocação de recursos da administração pública.

A lógica da portaria, a partir da literatura levantada sobre as tendências


de controle da discricionariedade, se enquadraria na normatização, em que a
produção de leis, normas e regulamentações impeçam os burocratas a agirem
de modo diferente daquele que está previsto do ponto de vista legal. Como já
apontado, embora a normatização seja uma tendência cuja expectativa de
resposta é dada no curto prazo, a literatura aponta justamente que os espaços
criados pelo vácuo da lei possibilitam maior autonomia por parte dos burocratas
de nível de rua. Retomando as palavras de Antonio Oliveira (2012, p. 1556), “o
exercício da discrição é inevitável e necessário, porque as regras formais não
podem dar conta de todos os casos concretos e, em geral, os recursos da
315

agência estão aquém dos necessários para atender aos cidadãos e, devido a
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isso, o poder discricionário do agente da base torna-se imprescindível para que


a organização se molde à realidade, funcione a atenda às pessoas”.

No mais, embora seja de natureza normativa, a portaria traz elementos


que tentam transferir o issue de medicamentos não padronizados da
administração pública centralizada, no caso a Secretaria Estadual de Saúde,
para as próprias instituições que têm esses médicos em seus quadros. Das cinco
principais conclusões da portaria, quatro se aplicam diretamente ao próprio
estabelecimento de saúde (exigir documentos dos médicos vinculados, fazer
orientações a esses médicos, possibilidade de custear a droga não padronizada
e por fim, ressarcir a própria Fazenda do Estado em caso de litígio). Em suma,
entende-se que a partir da publicação de uma norma, o Estado busca influenciar
a cultura organizacional dos estabelecimentos de saúde.

No sentido de entender como a publicação dessa norma de fato impactou


os burocratas de nível de rua, foram realizadas duas entrevistas
semiestruturadas com funcionárias do Hospital das Clínicas de São Paulo; uma
médica infectologista e uma farmacêutica.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

As entrevistas com as próprias burocratas de nível de rua trouxeram um


novo elemento para análise: a portaria em si, só teria formalizado uma prática
dentro das organizações que já era abertamente promovida. Os superiores das
316

áreas técnicas do Hospital das Clínicas já tendiam a desencorajar a prática de


prescrição de medicamentos de alto custo que não estivessem padronizados ou
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inclusos no SUS, o que é corroborado pela fala de uma das entrevistadas: “O


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que a gente acaba fazendo é prescrever o que está padronizado. O meu papel
é prescrever o que está padronizado. É o que eu sou orientada, mas às vezes ,
você falar pro paciente que existe tal medicamento e que ele não vai ter acesso,
é muito complicado. E às vezes ele não tem toda informação e o poder de ir atrás
de uma ordem judicial para conseguir isso” (ENTREVISTADA 1, 2015)

Os relatos ainda indicam que o controle da discricionariedade já era


exercido pelos superiores, que se recusavam a encaminhar pedidos não
padronizados sem argumentar o porquê. A autoridade que a literatura coloca
como característica do gerente já então prevalecia sobre o poder de
discricionariedade dos burocratas de nível de rua, prática essa associada ao
gerencialismo (NEWMAN; CLARKE, 2012). Essa falta de argumentação por
parte dos superiores quando da negativa do pedido está presente ao longo do
discurso das entrevistadas: “Então, a gente recebe esse tipo de resposta: não
pode. Você pode levar uma sanção e pronto.” ou “meu paciente tá assim, precisa
dessa droga que é padrão em toda a bibliografia. “Mas não adianta você pedir,
eu vou rasgar esse papel” (entrevistada se apropriando da fala do superior) então
(o pedido) é negado e eu tenho que ficar quieta” (ENTREVISTADA 1, 2015).

O que o trabalho de campo traz é que uma tendência de controle não


exclui a outra, em fato, quando o assunto é sensível para a administração
pública, parece que a combinação de maneiras para reduzir a discricionariedade
é uma estratégia viável. No entendimento das entrevistadas, a publicação da
portaria apenas formaliza uma cultura fortemente promovida: “Já era assim
subliminar, mas agora já fecha. Mas eles estão super atentos e eu não posso
317

nem questionar. Mas assim, já tava assim, não pode e não pode, não tinha
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argumentação. Agora eles têm essa portaria” (ENTREVISTADA 1, 2015).

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Outra problematização que os relatos trouxeram é a clivagem entre o setor


público e o privado. Segundo a entrevistada, o protocolo a ser seguido durante
os atendimentos em hospitais públicos acaba por afetar o próprio código de ética
médica, enquanto em hospitais e consultórios particulares não há padrão para
prescrição de medicamentos. Relata: “(prescrevo) tudo que eu quero, tudo que
eu devo o meu código de ética médica fala “você tem que prescrever o que o
paciente precisa”. (...) Eu já sofri muito com isso, porque você tem um dever
médico de prescrever o que precisa” (ENTREVISTADA 1, 2015).

O trabalho de campo, portanto, trouxe luz sobre duas questões: a relação


entre as tendências de restrição de discricionariedade, nesse caso, foi altamente
complementar; e alguns efeitos não previstos gerados a partir da edição da
resolução tendem a agravar negativamente a situação daqueles que dependem
exclusivamente do SUS.

CONCLUSÃO

A necessidade da administração pública em garantir os princípios


constituintes do Sistema Único de Saúde - integralidade e universalidade - se
torna um desafio, visto que é obrigação do Estado oferecer o tratamento para
todos independentemente do valor e da complexidade, quando obviamente há
uma limitação nos recursos e um agravante denominado judicialização da saúde.
Somado a isso, se faz também a necessidade de garantir a defesa da saúde
pública a partir de informações clínicas. É nesse contexto que orbita o fomento
318

à padronização para dispensar medicamentos: incorporar ao sistema as drogas


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que, e somente que, apresentam uma boa relação custo-efetividade, conjugando


o impacto orçamentário e benefício clínico para o paciente.

As tendências de restrição da discricionariedade, de acordo com o estudo


de caso, são combinadas de maneira a tornar a restrição mais efetiva.

A cultura organizacional, personificada pela figura do gerente, foi a


tendência que mais restringia a discricionariedade que os médicos da rede
pública tinham quando a prescrição de medicamentos não padronizados. A
normatização, por sua vez, foi uma estratégia que garantiu ao gerente uma linha
argumentativa que legitimava suas ações até então previamente não
justificadas.

Embora seja compreensível a visão da administração pública em tentar


controlar a prática de dispensação de medicamentos de alto custo não
padronizados, a restrição imposta à liberdade dos médicos da rede pública no
caso de São Paulo, acaba por tolher a possibilidade de ajuste situacional
(JANSSON; ERLINGSSON, 2014), e portanto, a própria legitimidade da
burocracia, que se dá por meio do balanço entre o seguimento de normas e do
princípio da equidade e a necessidade de flexibilização no atendimento individual
(LIPSKY, 1980).

A tendência é que o médico da rede pública acabe se sentindo ainda mais


coagido do que quando a restrição era feita apenas via cultura organizacional,
agora que ele pode responder legalmente pela prescrição de medicamentos de
alto custo não padronizados. É possível que o médico enfrente o dilema ético,
319

entre receitar o tratamento que julga como o mais adequado, e receitar aquilo
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que está disponível.

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No mais, para além de restringir a capacidade de ajuste situacional do


caso individual, a limitação do médico da rede pública acaba por fomentar uma
desigualdade já percebida pela literatura. Enquanto aqueles que têm condições
de pagar pela saúde particular podem ter acesso a medicamentos possivelmente
mais adequados ao quadro clínico, a população que depende apenas do SUS
tem acesso restrito, podendo usufruir apenas da lista padronizada e que não
necessariamente seria a indicação mais adequada.

Em outras palavras, há um aumento da vulnerabilidade social dessa


população, que corresponde atualmente a 57,05% no Estado de São Paulo,
enquanto 42,95% tem plano de saúde (AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE
SUPLEMENTAR). Além de mais da metade da população do Estado não ter
acesso à saúde suplementar, dependendo exclusivamente do sistema público,
grande parte da judicialização é oriunda de médicos particulares. A publicação
da norma, portanto, não afeta o principal gerador de demanda judicial.

Em suma, embora seja compreensível a necessidade da administração


pública em exercer certo controle sobre as prescrições, parece que nesse caso
em particular, os resultados da decisão causarão impacto menos na burocracia
em si e mais no próprio usuário do sistema público.

REFERÊNCIAS

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324

<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:o8fxqAdNS18J:www
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TENDÊNCIAS DO CONTROLE SOBRE A


DESCRICIONARIEDADE DOS BUROCRATAS DE NÍVEL DE RUA
E OS EFEITOS NÃO PREVISTOS: ESTUDO DE CASO SOBRE A CAROLINA CAVANHA DE AZEREDO SANTOS E ESTHER
POLÍTICA DE DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS DE ALTO MADELEINE LEBLANC
CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO
PAULO (SES-SP)
CAROLINA CAVANHA DE AZEREDO SANTOS E ESTHER MADELEINE LEBLANC
TENDÊNCIAS DO CONTROLE SOBRE A DISCRICIONARIEDADE DOS BUROCRATAS DE NÍVEL DE
RUA E OS EFEITOS NÃO PREVISTOS: ESTUDO DE CASO SOBRE A POLÍTICA DE DISPENSAÇÃO DE
MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO (SES-
SP)

.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/05/51e928b882dc19d7ef3a42
f40f4386e7.pptx+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> Acesso em: 09/11/2015

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325
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TENDÊNCIAS DO CONTROLE SOBRE A


DESCRICIONARIEDADE DOS BUROCRATAS DE NÍVEL DE RUA
E OS EFEITOS NÃO PREVISTOS: ESTUDO DE CASO SOBRE A CAROLINA CAVANHA DE AZEREDO SANTOS E ESTHER
POLÍTICA DE DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS DE ALTO MADELEINE LEBLANC
CUSTO DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE SÃO
PAULO (SES-SP)
BRUNA FERRARI PEREIRA
UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

GRUPO DE TRABALHO 1 – GT1


DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO


NACIONAL DA VERDADE

BRUNA FERRARI PEREIRA

Bacharela e Licenciada em Ciências Sociais pela


UNESP e Mestre em Ciência Política pela
UFSCAR. E-mail: brunaferrari03@gmail.com
326
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BRUNA FERRARI PEREIRA
NACIONAL DA VERDADE
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

RESUMO

Neste trabalho realizamos uma análise documental do relatório final da


Comissão Nacional da Verdade com o objetivo de identificar a forma como o
conceito “ditadura civil-militar” é citado no documento. Para tanto, fizemos
inicialmente uma apresentação do termo analisado, e também dos principais
autores das Ciências Sociais que o abordam. Em seguida, realizamos uma
análise detalhada dos trechos do relatório final em que aparece o conceito
“ditadura civil-militar” e também uma seleção dos membros da Comissão que
optaram pelo seu uso. A partir deste material, o principal objetivo deste trabalho
foi observar a forma como a interpretação de que setores da sociedade civil
apoiaram o golpe militar de 1964 e também o regime ditatorial militar é ou não
aceita e utilizada entre os membros da Comissão Nacional da Verdade.

ABSTRACT

In this article we carried out a documentary analysis of the final report of the Truth
of the National Commission in order to identify how the concept of "civil-military
dictatorship" is quoted in the document. Therefore, initially we made a
presentation of the reporting term, and also the main authors of the social
sciences that address. Next, we performed a detailed analysis of the final report
stretches where it appears the concept of "civil-military dictatorship" and also a
selection of the Commission members who have opted for its use. From this
material, the main objective of this study was to observe how the interpretation
that sectors of civil society supported the military coup of 1964 and also the
military dictatorship or not accepted and used among the members of the
National Truth Commission.
327
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INTRODUÇÃO

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instaurada em Maio de 2012,


pela Presidente Dilma Rousseff, criada pela Lei 12528/2011 e constituída por
sete membros além dos pesquisadores colaboradores. Seu principal objetivo foi
esclarecer as graves violações aos direitos humanos, cometidas entre setembro
de 1946 e outubro 1988. Em dezembro de 2013, pela medida provisória nº 632,
o mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014, quando foi entregue o
relatório final oficial. Entre os objetivos estabelecidos na lei que criou esta
Comissão estiveram a identificação e publicização das estruturas, locais,
instituições e circunstâncias onde ocorreram as violações aos direitos humanos,
incluindo os diversos aparelhos estatais envolvidos e setores da sociedade civil.
O foco da Comissão foram os desaparecimentos políticos e eventos da ditadura
militar (1964-1985).

Conforme estabelecido por lei, a CNV teve o poder de convocar vítimas


ou acusados de violações dos direitos humanos, além de possuir livre acesso a
todos os arquivos do poder público sobre o período, desde documentos que
compõem o acervo do Arquivo Nacional, registros do extinto Sistema Nacional
de Informação (SNI), dos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores, da
Polícia Federal, entre outros órgãos. Além disso, a CNV também solicitou
documentos ao governo dos Estados Unidos para consulta sobre o período da
ditadura militar no Brasil, compostos por memorandos, relatórios e telegramas
que datam entre 1967 e 1977 produzidos por diplomatas que viviam no país.

Apesar destes importantes poderes e funções, a Comissão Nacional da


Verdade não teve o poder de punir ou recomendar que acusados de violar
direitos humanos fossem punidos, pois além do seu caráter não “judiciário”, a Lei
da Anistia (Lei n° 6.683/79) não permite o julgamento de crimes considerados
328

políticos praticados por servidores dos poderes Legislativo, Judiciário e por


militares no período de 2 de setembro de 1961 até 15 de agosto de 1979.
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

As Comissões da Verdade são mecanismos oficiais de apuração das


violações aos direitos humanos, que buscam esclarecer e elucidar
acontecimentos com vítimas e familiares de crimes cometidos em determinado
momento histórico. Essas Comissões trabalham com tempo determinado para
revelar arquivos e fatos desconhecidos sobre as diversas formas de violência
praticadas no passado. Como resultado, elas produzem um relatório que torne
público as violações aos direitos humanos, além de elaborar propostas e
recomendações que possam fortalecer os direitos democráticos e evitar a
repetição destas violações13.

No Brasil o golpe militar ocorreu em 31 de março de 1964 quando o


presidente eleito democraticamente João Goulart foi deposto e chegou ao poder
o general Humberto de Alencar Castelo Branco. Dentre os principais marcos do
caráter arbitrário e ditatorial deste regime esteve a promulgação do Ato
Institucional número cinco (AI-5), o qual prevaleceu até o fim dos anos 1970.
Através dele, o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas foram
colocados em recesso e o poder executivo passou a ter plenos poderes para
suspender direitos políticos dos cidadãos e legislar por decreto, os crimes
considerados políticos começaram a ser julgados em tribunais militares,
mandatos foram cassados, juízes e funcionários públicos foram demitidos ou
aposentados compulsoriamente.

A partir disso, analisamos neste trabalho como o relatório da Comissão


Nacional da Verdade interpreta o apoio de setores da sociedade civil ao regime
ditatorial, principalmente a forma como o conceito de ditadura civil-militar
aparece no relatório e quais membros da Comissão o utilizam. Analisamos
também se há um consenso entre os membros da CNV não apenas sobre o
apoio civil, mas sobre o caráter arbitrário, ditatorial e ilegal do regime que se
instalou no Brasil a partir de 1964.
329
Página

13
POLITI, Maurice. Cartilha: A Comissão da Verdade no Brasil, Por quê? O que é? Como devemos
fazer? Núcleo de Preservação da Memória Política - São Paulo, 2009.
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DITADURA CIVIL-MILITAR

O debate sobre o conceito de ditadura civil militar foi travado na literatura


sobre o período ditatorial e causou muita polêmica. De um lado, há a afirmação
de que não apenas no momento do golpe de estado, mas durante todo o período
ditatorial houve a participação de importantes setores da sociedade civil, o que
justificaria o uso da expressão ditadura civil-militar (DREIFUSS, 1981; REIS,
2012).

De outro lado, estão os críticos deste conceito amplamente difundido


entre intelectuais e ativistas dos direitos humanos, os quais afirmam que atribuir
a toda sociedade civil o apoio ao golpe militar de 1964 e ao período ditatorial é
dirimir a responsabilidade militar sobre a ditadura. (MELO, 2012; MARTINS
FILHO, 2014). Neste sentido, apresentamos nesta seção os principais
argumentos e controvérsias travados por autores das Ciências Sociais no debate
sobre o golpe de 1964.

Apresentamos primeiramente a tese do uruguaio René Armand Dreifuss14


a qual aborda o apoio de setores da sociedade civil ao golpe militar e os papéis
desempenhados por entidades como: Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES), o Movimento Anti-Comunista (MAC); alguns setores da imprensa; a
Associação Comercial do Rio de Janeiro, a Federação Brasileira de Bancos
(FEBRABAN) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). A
partir destes apontamentos, é possível observar que Dreifuss identifica quais
foram os setores da sociedade civil que apoiaram o golpe e a ditadura militar.

Dentre estas organizações, Dreifuss esclarece o importante papel


desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) o qual atuou
como um verdadeiro “partido político” para desestabilizar o governo de João
330
Página

14
DREIFUSS, R. A. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981.
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Goulart, esta instituição era composta majoritariamente por executivos


empresariais e oficiais das Forças Armadas, os quais após o golpe assumiram
cargos estratégicos no governo militar.

Outro autor que fez importantes considerações sobre o conceito de


ditadura civil-militar foi o historiador Daniel Aarão Reis15 Dentre os principais
setores apontados por ele sobre o apoio da sociedade à ditadura civil-militar,
estão lideranças empresariais, políticas e religiosas, conforme podemos notar
abaixo:

No Brasil, estiveram com as Marchas a maioria dos


partidos, lideranças empresariais, políticas e religiosas, e
tradicionais entidades da sociedade civil, como a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), “as direitas”. A favor das
reformas, uma parte ponderável das entidades sindicais de
trabalhadores urbanos e rurais, alguns partidos e
movimentos, “as esquerdas”. Difícil dizer quem tinha a
maioria. Mas é impossível não ver as multidões – civis –
que apoiaram ativamente a instauração da ditadura. (REIS,
2012).

Na opinião do historiador, as manifestações contra as reformas


anunciadas pelo então Presidente João Goulart se posicionavam amedrontadas
pela instauração do comunismo, o que levou a sociedade civil brasileira a acatar
passivamente ao golpe militar como uma possível solução à ameaça comunista
e como forma de salvaguardar a democracia.

Conforme supracitado, o uso do conceito ditadura civil-militar foi alvo de


muitas críticas no debate sobre o período ditatorial no Brasil. Um de seus críticos
331

15
REIS, D. “O sol sem peneira”. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, agosto de
Página

2012. Disponível em http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/o-sol-sem-peneira. Acesso em


17 de agosto de 2015.
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é o historiador e pesquisador colaborador da Comissão Nacional da Verdade


Demian Bezerra de Melo.

Ao retomar a linha argumentativa de René Dreifuss, Melo também


identifica os atores do setor empresarial brasileiro que apoiaram o golpe
militar1617.

Como exemplos eloquentes, pensemos o empresariado


ligado à construção civil (como os grupos Camargo Corrêa,
Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht), à
indústria pesada (Gerdau, Votorantim, Villares, entre
outros), sem esquecer o sistema bancário (de que são
exemplares os grupos Moreira Salles, Bradesco e Itaú),
grupos capitalistas que construíram seus “impérios”
naquele contexto. (MELO, 2012, p. 48).

Assim, o autor propõe que o capitalismo seja recolocado ao centro da


discussão sobre os elementos que propiciaram a tomada de poder pelas Forças
Armadas no Brasil, não de maneira economicista reducionista, mas fornecendo
a devida importância da influência econômica sobre a realidade social do país
nas décadas de 1960 e 1970, argumentando:

As modificações na estrutura do capitalismo brasileiro no


período da ditadura são por demais importantes para que
se negligencie o projeto de classe que tomou o aparelho de
Estado em 1964. Em primeiro lugar, uma das resultantes
do processo de aceleração da acumulação capitalista
conhecido naqueles anos foi, além de uma expansão da
332

17
MELO, D.B. Ditadura “civil-militar”?: controvérsias historiográficas sobre o processo político
Página

brasileiro no pós-1964 e os desafios do tempo presente. Espaço Plural, M. Cândido Rondon (PR),
v.27, 2012.
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fração do capital ligada à indústria de bens duráveis, o


fortalecimento de outras frações das classes dominantes
nacionais cujos agentes teriam maior peso sobre o Estado
no período subsequente. (MELO, 2012, p.48).

Nesta lógica argumentativa, Melo não deixa de fazer referência aos


grandes grupos empresariais do setor de comunicação que se solidificaram no
período da ditadura civil – militar, se referindo a: Organizações Globo, o Grupo
Folha, O Estado de São Paulo e a revista Veja, o autor indica estes atores como
um mercado formado por empresas que produziram, declaradamente, discursos
justificadores do golpe militar de 1964.

Porém, para João Roberto Martins Filho18 é necessário observar


criticamente alguns pontos do conceito de ditadura civil-militar. Dentre os
principais argumentos deste autor, está a heterogeneidade dos civis em
contraposição à maior homogeneidade dos militares.

Neste sentido, Martins Filho argumenta que é preciso ser cauteloso


quando nos referimos ao apoio civil à ditadura militar, considerando que
importantes setores da sociedade civil também se colocaram contra a ditadura,
e nos apresenta alguns fatos: o movimento estudantil de 1964 a 1968, as
eleições de 1974 com significativa derrota dos candidatos da ARENA, as
manifestações empresariais contra a chamada “estatização” a partir de 1974 e a
oposição de setores do movimento operário. Conforme Martins Filho argumenta
abaixo:

On rappellera aussi, bien évidemment, les manifestations


décisives de l’opposition civile au régime. Le mouvement
étudiant de 1964-1968 en fut l’expression la plus radicale.
Mais il ne faut pas oublier non plus les élections de 1974
333
Página

18
MARTINS FILHO, J.R. Adieu à la dictature militaire? Brésil(s). Sciences Humaines et Sociales, 5:17-
32.2014.
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qui se sont soldées par la profonde déroute des candidats


de l’ARENA, le parti civil de la dictature ; les manifestations
d’entrepreneurs contre l’« étatisation » à partir de 1974 ; les
déclarations en 1977 de grands patrons en faveur d’un
retour à l’État de droit (Cruz & Martins 1983, 54 sqq.)9. Est-
il vraiment utile de mentionner en outre l’opposition d’une
partie du mouvement ouvrier et étudiant après 1978 ? Ceci
pointe un second problème : contrairement au monde civil
qui est profondément divisé, le milieu militaire se
caractérise, après les purges qui ont suivi le coup d’État,
par une bien plus grande homogénéité. Le refus d’une
classe politique « corrompue » et « irrationnelle » et la
conviction que seule l’armée peut changer le pays sont des
sentiments très amplement partagés et acceptés au sein
des casernes (Alves 1984, 118-124). Celso Castro a déjà
montré à quel point la construction et la définition de
l’identité militaire s’étaient faites en opposition à celles du
« civil », lequel était envisagé de manière générique.
(Castro 1990). Cette caractéristique a été poussée à son
paroxysme après 1964. (MARTINS, J. 2014, p.15).

Apesar das inúmeras críticas, Aarão Reis segue com o conceito de


ditadura civil-militar e em livro19publicado em 2014, o autor atualiza o debate
através de uma análise dos principais eventos políticos que antecederam o golpe
de 1964.

No livro o autor esclarece que o apoio civil ao golpe militar ocorreu


principalmente em torno do grande medo da ameaça comunista aos valores
334
Página

19
REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio
de Janeiro: Zahar, 2014.
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cristãos e à civilização ocidental, este medo teria promovido a aliança entre civis
e militares, ainda que de forma contraditória e heterogênea:

Todos sentiam obscuramente que um processo de


redistribuição radical de riqueza e de poder, em cuja
direção apontavam as reformas, atingiria suas posições,
rebaixando-as. E nutriam um Grande Medo de que viria um
tempo de desordem e de caos, marcados pela subversão
dos princípios e dos valores vigentes, inclusive dos
religiosos. A ideia de que a civilização ocidental e cristã
estava ameaçada no Brasil pelo espectro do comunismo
ateu assombrava as consciências, trabalhadas há décadas
pela meticulosa e persuasiva propaganda contra a ameaça
vermelha financiada pelo ouro de Moscou. (REIS, 2014, p.
38).

Mais à frente, ele define especificamente quem eram os setores que


apoiavam João Goulart e os setores antirreformistas. No lado dos reformistas, o
autor cita os trabalhadores urbanos e rurais, setores estudantis e os graduados
das Forças Armadas. Enquanto, do outro lado, Aarão especifica que estavam as
elites tradicionais, grupos empresariais, pequenos proprietários, profissionais
liberais, entre outros. O autor esclarece ainda que os dois grupos eram muito
heterogêneos.

De um lado, agitações dos trabalhadores urbanos


(sobretudo os ligados às atividades estatais) e rurais e de
setores estudantis, além dos graduados das Forças
Armadas. A luta pelas reformas haviam lhes conferido força
e influência. Percebiam, com razão, que a concretização
335

delas consolidaria uma repartição de poder e de riqueza


que lhes traria benefícios, materiais e simbólicos.
Página

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(...)

De outro lado, um processo de condensação de várias


correntes de oposição às reformas: das elites tradicionais
– reacionárias – a grupos empresariais modernizantes.
Aliavam-se também nessa ampla frente social boa parte
das classes médias e até mesmo setores populares:
pequenos proprietários, profissionais liberais, homens de
terno e gravata, empregados de colarinho branco, oficiais
das Forças Armadas, professores, estudantes, jornalistas,
trabalhadores autônomos. (REIS, 2014, p. 36 e segs.).

Aarão analisa ainda a importância da reunião da Associação dos


Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), a qual reivindicava melhorias
nas condições de vida e de trabalho dos marinheiros e dos graduados e que
modificou profundamente e divisão social entre reformistas e contrarreformistas.
Na opinião do autor:

O enfrentamento entre as propostas de reforma e


contrarreforma foi substituído por uma luta entre os que
defendiam a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas
e os que desejavam subverter esses valores. Se a
interpretação pegasse, e ela pegou, seria, como foi, um
desastre para Jango e para as forças da esquerda, cujo
dispositivo militar começou a ruir. (REIS, 2014, p. 43).

Ainda buscando definir os setores da sociedade civil que apoiaram o


golpe, e que comemoraram o dia 31 de março, Aarão Reis afirma:

Faziam parte dessa espécie de corrente política – liberal


conservadora - lideranças, como Carlos Lacerda e
336

Magalhães Pinto, a chamada banda de música da UDN,


Página

formada por grandes tenores com voz nas tribunas do


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Congresso Nacional (entre tantos outros Pedro Aleixo,


Bilac Pinto, Adauto Lucio Cardoso, Aliomar Beleeiro), que
haviam infernizado a vida de JK e de Jango e da mídia
impressa de maior influência, como O Estado de S. Paulo,
Jornal do Brasil e Correio da Manhã. Nessa tendência,
apareciam igualmente outros setores, com identidade
própria, que poderiam ser denominados conservadores
arcaicos, nostálgicos de um Brasil rural idealizado, de
vocação agrária. Apegados a valores morais de outra
época, não raro partidários de um clericalismo
ultramontano, posavam de defensores da família e da
Igreja católica (REIS, 2014, p. 49).

A partir dos argumentos e obras apresentados acima, nota-se que há uma


verdadeira cisão na literatura sobre o período ditatorial no que se refere ao uso
do conceito ditadura civil militar para designar o apoio da sociedade civil à
ditadura no país. Neste trabalho, apresentamos os autores inseridos neste
debate e as principais críticas ao conceito.

OS MEMBROS DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

A maioria dos membros designados para compor a Comissão Nacional da


Verdade pertencem ao meio jurídico, este fato se torna curioso ao pensarmos
que a Lei que instituiu a Comissão Nacional da Verdade estabelecia que esta
deveria ser composta de forma pluralista.

Boa parte dos membros da CNV possui alguma atuação política em


resistência à ditadura militar instaurada no Brasil em 1964. Esses apontamentos
são importantes para que possamos analisar de forma crítica e contextualizada
337

o relatório final produzido pelo colegiado.


Página

UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO


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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Outro fato importante a ser considerado é que apenas dois membros da


CNV são mulheres, e dentre elas apenas uma (Rosa Maria Cardoso da Cunha)
ocupou o cargo de Coordenadora, este fato é muito simbólico para a reflexão
sobre a predominância masculina em nossa sociedade em importantes cargos
públicos e de liderança.

No caso de Rosa Maria, destacamos que ela atuou politicamente durante


o período ditatorial no país, dentre as suas atuações mais conhecidas esteve a
advocacia em defesa da Presidente e ex-presa política Dilma Rousseff na Justiça
Militar na década de 70 em Belo Horizonte - Minas Gerais 20.

Maria Rital Kehl também atuou em resistência à ditadura militar, quando


foi Editora do jornal “Movimento” (veículo da imprensa alternativa do período) e
também quando criou o jornal “Em Tempo” no ano de 1978.

É importante destacar também que o processo de escrita do relatório final


da CNV não foi efetuado apenas por seus membros, mas contou com uma
grande e diversificada equipe de pesquisadores, relatores, assessores,
conselheiros e colaboradores, dentre os quais muitos pertencem à
Universidades e órgãos internacionais, como os membros da UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) por
exemplo, os quais tiveram bastante autonomia na escrita do relatório final.

Um bom exemplo da autonomia dos conselheiros da CNV, por exemplo,


é o Volume II do relatório, o qual traz textos produzidos individualmente por eles
e elaborados a partir da atividade de grupos de trabalho da própria Comissão.

Ainda outras desavenças entre os membros da Comissão foram


noticiadas, algumas delas de cunho ideológico, um exemplo foi quando José
Paulo Cavalcanti Filho em reuniões internas da CNV se referiu ao golpe militar
de 1964 como revolução. Apesar de ser corrigido pelos colegas, Cavalcanti
338
Página

20
DUAILIBI. J. Jogo da verdade: As intrigas e os impasses da Comissão que investiga os crimes da
Ditadura. Revista Piauí. São Paulo. n.91.p.17-24, abril 2014.
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afirmou que: “É uma idiotice. Quem fala isso tem espírito pequeno. É uma
questão de nomenclatura. Chamei de revolução e provavelmente vou chamar
outras vezes” 21.

Como é sabido, o fato de se referir ao golpe como revolução é uma das


formas dos militares se referirem ao acontecimento político do golpe, tanto em
iniciativas comemorativas como para argumentarem sobre as causas que a seu
ver justificam a tomada arbitrária de poder em 196422.

Outro desentendimento de cunho ideológico que também envolveu José


Paulo Cavalcanti Filho e outros membros da CNV foi quando este afirmou que
era contra a revisão da Lei da Anistia. Em contraposição Rosa Maria Cardoso da
Cunha e Maria Rita Kehl se posicionaram a favor do relatório final da Comissão
recomendar a revisão da referida lei. A Lei da Anistia é um dos principais
impasses para que haja a responsabilização dos militares que cometeram
atrocidades durante o período ditatorial e significa um considerável atraso do
Brasil com relação às medidas de justiça transicional e direitos humanos no país.

Neste contexto, é importante lembrar que Cavalcanti foi ex-secretário-


geral do Ministro da Justiça durante o governo de José Sarney, o primeiro
Presidente civil a assumir o poder após a ditadura militar e que durante o regime
foi eleito senador pelo partido Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO DA CNV

Já no que se refere ao contexto sociopolítico e ao período em que o


relatório foi escrito, é importante fazermos aqui uma análise crítica sobre as
circunstâncias não só da escrita do documento final da CNV, mas também da
votação no Congresso da lei que a instituiu.
339
Página

21
Ibidem, p.18.
22
Ibidem, p. 19.
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Neste sentido, é importante destacar que dentre os países da América


Latina que passaram por ditaduras militares, o Brasil foi o último a instituir uma
Comissão da Verdade que apurasse as graves violações aos direitos humanos
cometidas no período ditatorial, ainda que outras medidas transicionais fossem
tomadas ao longo dos anos pelo Estado brasileiro.

Ainda no que se refere ao contexto sociopolítico em que a Comissão


Nacional da Verdade foi instituída, vale a pena ressaltar que mesmo após a
aprovação do projeto de lei que instituía a Comissão Nacional da Verdade,
diversas polêmicas foram geradas entre alguns setores das Forças Armadas e
da sociedade civil.

Após a assinatura do decreto presidencial, e diante da polêmica causada


o comandante do Exército Enzo Martins Peri, e o da Aeronáutica Juniti Saito,
ameaçaram pedir demissão. Os comandantes declararam ao então ministro da
Defesa Nelson Jobim, que o Plano Nacional de Direitos Humanos 3 era
insultuoso, agressivo e revanchista contra as Forças Armadas. Na época, Jobim
também ameaçou deixar o governo, ao alegar que não foi consultado sobre o
Plano23.

Um dos principais debates se deu em torno da preocupação dos militares


caso houvesse alteração na Lei da Anistia (Lei nº 6.683 de 28 de agosto de
1979). Assim, diante de uma forte pressão política, o governo recuou e fez
significativas alterações no projeto de lei 7376/10, pelo Decreto 7.037/10.

Dentre as principais alterações promovidas pelo Decreto, esteve a


supressão do termo “repressão ditatorial” em referência à ditadura militar no
Brasil (1964-1985). O texto inicialmente publicado afirmava:

Diretriz 25: Modernização da legislação relacionada com


promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo
340
Página

23
CATANHÊDE. E. Contra ‘Comissão da Verdade’ comandantes ameaçam sair. In.: Folha de São
Paulo. 30 de dezembro de 2009.
UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

a democracia (...)

c) Identificar e sinalizar locais públicos que serviram à


repressão ditatorial, bem como locais onde foram ocultados
corpos e restos mortais de perseguidos políticos.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos
da Presidência da República; Casa Civil da Presidência da
República; Ministério da Justiça; Secretaria de Relações
Institucionais da Presidência da República. (Programa
Nacional de Direitos Humanos III, 2009).

E foi substituído por:

Diretriz 25: Modernização da legislação relacionada com


promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo
a democracia (...)

c) Identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as


instituições e as circunstâncias relacionados à prática de
violações aos direitos humanos, suas eventuais
ramificações nos diversos aparelhos estatais e na
sociedade, bem como promover, com base no acesso às
informações, os meios e recursos necessários para a
localização e identificação de corpos e restos mortais de
desaparecidos políticos. (Decreto nº 7.177, de 21 de
dezembro de 2009).

Ainda o Plano Nacional de Direitos Humanos constava dentre as


atribuições da Comissão Nacional da Verdade a de “colaborar com todas as
instâncias do poder Público para a apuração de violações aos direitos humanos,
observadas as disposições da Lei Nº 6.683, de 28 de agosto de 1979” (Lei de
341

Anistia).
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO


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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Após a alteração, o texto prevê o exame e não mais a apuração de


violações aos direitos humanos. O período analisado pela comissão também foi
alterado: em vez de englobar apenas o regime militar (1964-1985), o grupo tratou
dos fatos ocorridos entre 1946 e 1988.

USO DO TERMO DITADURA CIVIL-MILITAR NO RELATÓRIO FINAL

Já no que se refere à análise da estrutura do documento analisado e dos


principais conceitos utilizados, analisamos a seguir os trechos do relatório final
em que o conceito de ditadura civil-militar é utilizado. Notamos que o termo
aparece especificamente nos três volumes do relatório, porém há discrepantes
diferenças entre um volume e outro.

Ao analisarmos o Volume I do relatório final existe apenas uma referência


ao conceito de ditadura civil-militar, a qual tampouco é citada diretamente. O
conceito aparece em uma nota e pertence à uma referência bibliográfica de um
parágrafo pertencente ao Capítulo 5 intitulado A participação do Estado brasileiro
em graves violações no exterior e especificamente na Seção I de nome O
desvirtuamento da instituição: monitoramento de brasileiros no exterior. Abaixo
seguem o parágrafo e a nota:

Os titulares dos consulados privativos nas cidades de


Artigas, Bella Unión, Chuy, Rio Branco e Rivera, no
Uruguai, enviavam informes circunstanciados sobre os
brasileiros que por lá transitavam à Embaixada e ao
Consulado-Geral em Montevidéu com os quais se
comunicavam, por telefone ou mediante ofícios e cartas
pessoais. Suas informações eram posteriormente
transmitidas à Secretaria de Estado. Esse controle na zona
342

fronteiriça era articulado, no lado brasileiro, com a atividade


Página

dos órgãos de informação e repressão que operavam no


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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Rio Grande do Sul, principalmente o DOPS/RS e o III


Exército. 45 (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE,
2014, p. 193. V.I).

45 – Ver a esse respeito: FERNANDES, Ananda S. Quando


o inimigo ultrapassa a fronteira: as conexões repressivas
entre a ditadura civil-militar brasileira e o Uruguai.
Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2009, em que é analisada,
entre outras, a documentação produzida pelas Seções de
Ordem Política e Social (SOPS) que funcionavam no
interior do estado. (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE,
2014, p. 215. V.I).

Já no que se refere ao Volume II o conceito de ditadura civil-militar


aparece oito vezes, porém, é importante ressaltar que o Volume II traz diversos
textos compilados de autoria dos Conselheiros da Comissão Nacional da
Verdade, de forma que esta atribui toda a responsabilidade do que é dito ali aos
Conselheiros.

Neste sentido o termo ditadura civil-militar aparece nos seguintes textos:


Texto 1 - Violações aos direitos humanos no meio militar, texto elaborado sob a
responsabilidade da conselheira Rosa Maria Cardoso da Cunha.
Especificamente na nota de número 75:

75 – Foram identificados 237 quadros das forças policiais


estaduais (Polícia Militar e Guarda Civil) perseguidos
durante a ditadura civil-militar. Os nomes foram divididos
por estado e posição hierárquica (praças/oficiais) e
apresentados em uma tabela. É importante ressaltar o fato
343

de que não foi possível, devido à existência de lacunas e


imperfeições nos documentos analisados, identificar o
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO


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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

estado de origem de alguns policiais presentes em nossa


lista. Nomes cuja patente não pôde ser localizada foram
contabilizados junto aos praças. (COMISSÃO NACIONAL
DA VERDADE, 2014, p. 53.V. II).

O termo também aparece no Texto 3 - Violações aos direitos humanos


dos camponeses, sob responsabilidade da conselheira Maria Rita Kehl em
quatro momentos distintos:

Parte desse atraso foi mantido, ativamente, pela ditadura


civil-militar de 1964-1985, a revelar uma contradição no
seio de seu projeto: se por um lado os governos militares
investiram na modernização do país, a partir de grandes
obras de infraestrutura e iniciativas de apoio à indústria
nacional, por outro lado trabalharam com o objetivo
evidente de impedir, com brutalidade quando necessário, a
melhoria das relações de trabalho e a democratização das
condições da posse da terra. (COMISSÃO NACIONAL DA
VERDADE, 2014, p. 93. V. II).

(...)

Essa experiência de êxito de Trombas e Formoso durou até


março de 1964, quando se estabeleceu no país a ditadura
civil-militar: a Associação dos Trabalhadores de Trombas e
Formoso e os Conselhos de Córrego foram dissolvidos; os
principais líderes, forçados a fugir e a se esconder; e
dezenas de lavradores foram presos e torturados.
(COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p. 109. V.
II).
344

(...)
Página

O Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), lançado em


UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

1985, ano inicial do mandato do presidente José Sarney,


primeiro civil a ocupar o cargo após 20 anos de ditadura
civil-militar, catalisou as disputas entre essas entidades.
Como consequência, uma nova organização das elites
agrárias tomou a frente no cenário nacional: a União
Democrática Ruralista (UDR). (COMISSÃO NACIONAL DA
VERDADE, 2014, p. b142, V. II).

(...)

Paulo César Fonteles. Nasceu em Belém do Pará, em 11


de fevereiro de 1949. Recebeu da família as primeiras
lições de sua formação política. Seus pais, Benedito
Osvaldo R. de Lima e Cordolina Fonteles de Lima, foram
filiados ao Partido Comunista (PCB). Incutiram no jovem
Paulo o senso de justiça e liberdade. Seus primeiros
contatos com a militância ocorreram quando, ainda
estudante, ligou-se à Ação Popular Marxista-Leninista
(APML). Seu ingresso na vida pública ocorreu ao liderar
manifestações estudantis contra a ditadura civil-militar, em
1968. (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p.
146, V. II).

O termo também é citado no Texto 8 - Civis que colaboraram com a


ditadura sob a responsabilidade da conselheira Rosa Maria Cardoso da Cunha.

57 – CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas


catedrais. As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-
militar, 1964-1988. Niterói: UFF, 2014 (COMISSÃO
NACIONAL DA VERDADE, 2014, p. 336, V. II).
345
Página

UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO


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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

E também encontramos o termo no Texto 9 - A resistência da sociedade


civil às graves violações aos direitos humanos sob a responsabilidade da
conselheira Maria Rita Kehl.

De todas as tradições que participam da construção das


interpretações sobre o país, a imaginação cultural brasileira
compõe um dos seus mais fortes campos reflexivos.
Durante todo o período de vigência da ditadura civil-militar,
as várias linguagens estéticas geradas no interior desse
campo foram capazes de fundir diferentes horizontes de
interpretação e criar narrativas e alegorias destinadas a
opinar sobre o Brasil. (COMISSÃO NACIONAL DA
VERDADE, 2014, p. 344, V. II).

Outra referência ao termo está no Texto 9 - A resistência da sociedade


civil às graves violações aos direitos humanos, o qual foi elaborado sob a
responsabilidade da conselheira Maria Rita Kehl.

Em 1972, a Anistia Internacional publicou o relatório Report


on Allegations of Torture in Brazil. Elaborado a partir de
entrevistas, testemunhos e documentos levantados por
presos e perseguidos políticos da ditadura civil-militar e de
um levantamento documental realizado pela seção
francesa da Anistia Internacional em arquivos de diversas
entidades europeias, o relatório abrangeu denúncias de
tortura no período de dezembro de 1968 a julho de 1972,
apontando que sua prática vinha sendo desenvolvida
sistematicamente pela polícia e pelos órgãos de segurança
brasileiros como forma de investigação e intimidação
346

(COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p. 403. V.


II).
Página

UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO


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NACIONAL DA VERDADE
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

A partir destes excertos apresentados, observamos que dos nove textos


temáticos que compõe o volume II do relatório final da Comissão Nacional da
Verdade, apenas quatro deles fazem referência ao termo ditadura civil-militar,
todos eles sob a responsabilidade das conselheiras Maria Rita Kehl e Rosa Maria
Cardoso da Cunha24.

Outra questão que nos chama atenção é o fato do texto intitulado Civis
que colaboraram com a ditadura o qual se propõe justamente a analisar o apoio
civil à ditadura, não fazer nenhuma referência direta a este conceito, ainda que
em outros momentos do relatório ele tenha sido usado pela autora do texto
temático Rosa Maria Cardoso da Cunha como pudemos notar aqui.

Já no que se refere ao Volume III do relatório final da CNV, o termo


ditadura civil-militar aparece uma única vez, ao tratar da biografia de Ary Abreu
Lima da Rosa, o qual era militante do movimento estudantil gaúcho e estudante
da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e foi morto em
novembro de 1969 no hospital da Base Aérea de Canoas (RS) conforme consta
no relatório final da CNV.

Seu nome consta no Dossiê ditadura: mortos e


desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985), organizado
pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos. Em 2012, a Associação de Pós-Graduandos da
UFRGS, junto à Seção Sindical da Associação Nacional
dos Docentes de Ensino Superior da UFRGS (ANDES), à
Associação dos Servidores da UFRGS (ASSUFRGS) e ao
Diretório Central dos Estudantes da UFRGS (DCE),
criaram o Comitê Ary Abreu Lima da Rosa pela Memória e
a Verdade na UFRGS. A iniciativa teve como objetivo
347

24
Neste contexto é importante destacar que tanto Maria Rital Kehl quanto Rosa Maria Cardoso da
Cunha possuem trajetórias políticas reconhecidas por sua atuação em defesa dos direitos humanos
Página

e também de combate à ditadura militar instaurada no Brasil a partir de 1964, conforme demonstramos
na seção deste trabalho intitulada “Os membros da Comissão Nacional da Verdade”.
UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO
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NACIONAL DA VERDADE
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

promover atividades que visam à preservação da memória


sobre a repressão na UFRGS, bem como ações para
responsabilizar os patrocinadores dos crimes cometidos
durante a ditadura civil-militar no Brasil (COMISSÃO
NACIONAL DA VERDADE, 2014, p. 486. V. III).

CONCLUSÕES

A partir de todas as referências, dados e argumentos apresentados neste


trabalho, podemos considerar que a Comissão Nacional da Verdade no Brasil
empenhou significativos esforços em busca da verdade, memória e justiça pelas
atrocidades cometidas no período ditatorial. Porém estes foram insuficientes
para um real avanço da justiça de transição, dos direitos humanos e do
aprofundamento do regime democrático no país.

Dizemos insuficientes, ao considerarmos que, paralelamente ao trabalho


de resgate da memória na apuração dos fatos e crimes que ocorreram durante
o regime ditatorial, a Comissão da Verdade, enfrentou consideráveis desavenças
entre seus membros, o que obstaculizou significativamente os possíveis ganhos
trazidos por esta Comissão.

Outro dado importante a ser considerado é o fato do membro da Comissão


da Verdade José Paulo Cavalcanti Filho tratar o golpe militar de 1964 como
revolução. Esta é uma forma de tratar o regime político arbitrário, ilegal e
ditatorial que ocorreu entre aqueles anos como um avanço para a sociedade,
sendo que na verdade ele significou retrocesso, tolhimento de direitos civis,
políticos e sociais, além de um grave empecilho ao avanço democrático que
vinha em curso no país.
348

Outro dado que notamos neste trabalho foi o de que apenas dois membros
da Comissão Nacional da Verdade (Maria Rita Kehl e Rosa Maria Cardoso da
Página

Cunha) optaram por utilizar o termo ditadura civil-militar ao referir-se ao regime


UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO
BRUNA FERRARI PEREIRA
NACIONAL DA VERDADE
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

ditatorial militar nos textos temáticos que compõe o volume II do relatório final da
Comissão da Verdade e que é de autoria dos membros da CNV. Este dado
denota a não homogeneidade na opinião dos membros da Comissão Nacional
da Verdade sobre o apoio sistemático e constante de setores da sociedade civil
ao golpe e regime ditatorial.

A partir deste debate ressaltamos que a participação de civis, e


principalmente da comunidade empresarial foi significativa no apoio ao esquema
de controle social estruturado pelos militares o qual exigiu além de armamento,
muito dinheiro. Dentre as empresas e entidades citadas como financiadoras do
golpe e de toda a estrutura repressiva militar constam no relatório final da CNV:
a Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP); o grupo ULTRA (ULTRAGAZ,
ULTRALAR e ULTRAFÉRTIL); a Construtora Camargo Correia.

Além das empreiteiras, as empresas automobilísticas no Brasil


forneceram os carros usados na captura dos militantes, dentre elas: General
Motors, Ford, Willys, Mercedes Benz, Volkswagen, Toyota e Chrysler.

Assim, é possível afirmar que houve sim sistemático apoio do setor


empresarial à ditadura militar no Brasil e à todas as atrocidades e violações aos
direitos humanos praticadas. Este dado é de extrema importância para a reflexão
sobre o uso do termo ditadura civil-militar ao tratar-se do regime instalado no
país a partir de 1964. Porém, este termo deve ser utilizado com a devida
parcimônia para que não se responsabilize erroneamente toda a sociedade civil
pelo apoio ao regime ditatorial.

REFERÊNCIAS

CATANHÊDE. E. Contra ‘Comissão da Verdade’ comandantes ameaçam sair.


In.: Folha de São Paulo. 30 de dezembro de 2009.
349
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COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, Relatório Final da Comissão Nacional


UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO
BRUNA FERRARI PEREIRA
NACIONAL DA VERDADE
BRUNA FERRARI PEREIRA
UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

da Verdade, Brasília, 2014.

DALLARI, P. Relatório Final: 'Comissão da Verdade acaba com qualquer


nostalgia da ditadura', diz Pedro Dallari. Carta Capital. São Paulo. – 10-12-2014.
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/comissao-da-verdade-
acaba-com-qualquer-nostalgia-da-ditadura-diz-pedro-dallari-3513.html. Acesso
em 05 de Outubro de 2015.

DREIFUSS, R. A. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981.

DUAILIBI. J. Jogo da verdade: As intrigas e os impasses da Comissão que


investiga os crimes da Ditadura. Revista Piauí. São Paulo. n.91.p.17-24, abril
2014.

MELO, D.B. Ditadura “civil-militar”?: controvérsias historiográficas sobre o


processo político brasileiro no pós-1964 e os desafios do tempo
presente. Espaço Plural. M. Cândido Rondon (PR), v.27, 2012.

POLITI, M. Cartilha: A Comissão da Verdade no Brasil, Por quê? O que é? Como


devemos fazer? Núcleo de Preservação da Memória Política - São Paulo, 2009.

REIS, D. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de


1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

_________________. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro:


Zahar, 2000.
350

_________________. “O sol sem peneira”. Revista de História da Biblioteca


Nacional, Rio de Janeiro, agosto de 2012. Disponível em
Página

UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO


BRUNA FERRARI PEREIRA
NACIONAL DA VERDADE
BRUNA FERRARI PEREIRA
UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/o-sol-sem-peneira. Acesso em
17 de agosto de 2015.

THOMAZ,L.F; PASSOS.A.M; BURNAT,F.A; OLIVEIRA,R.A.P; JÚNIOR,R.F.S.


As comissões nacionais da verdade: resultados e recomendações. In: Lawinter
review. International Law International Relations. Volume IV – n° 02 – December
2013. Disponível em: http://www.lawinter.com/56lawinterreview.pdf. Acesso em:
26 de outubro de 2015.
351
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UM ESTUDO DO RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO


BRUNA FERRARI PEREIRA
NACIONAL DA VERDADE
GRUPO DE TRABALHO 2
352
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CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES, ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
CASSIANO REIS
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE
O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP

GRUPO DE TRABALHO 2 – GT2


PARTIDOS E POLÍTICAS PÚBLICAS

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES NA


DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE O PODER
EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO
DE SÃO CARLOS-SP
CELSO MARAN DE OLIVEIRA
Bacharel em Direito. Mestre em Direito da
Integração. Doutor em Ciências da Engenharia
Ambiental. Professor do Departamento de
Ciências Ambientais da UFSCar. E-mail:
celmaran@gmail.com
CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA
Bacharel em Direito pelo IPESU. Mestrando em
Ciências Ambientais pela UFSCar. E-mail:
crlshnrq@gmail.com
ALANA PEREIRA
Graduanda em Gestão e Análise Ambiental pela
UFSCar. E-mail: alana2pereira@hotmail.com
ISABELA BATTISTELLO ESPÍNDOLA
Bacharel em Relações Internacionais e Economia
pela FACAMP, Mestranda em Ciências
Ambientais pela UFSCar. E-mail:
isaespindola@hotmail.com
ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES
Bacharel em Direito pela FADISC. Pesquisadora
do Grupo de Pesquisa Novos Direitos da UFSCar.
E-mail: andreaphonda@gmail.com
353

ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY


Página

CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE


A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES
OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE O PODER
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES,
EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO
ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP
CASSIANO REIS
CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES, ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
CASSIANO REIS
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE
O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP

Bacharel em Direito pelo IPESU. Pesquisadora


do Grupos de Pesquisa Novos Direitos da
UFSCar. E-mail: elaine.melnicky@terra.com.br
GIOVANNA CASSIANO REIS
Graduanda em Gestão e Análise Ambiental pela
UFSCar. E-mail: giovannacreis@gmail.com
RESUMO

A pesquisa tem por escopo discutir a democracia representativa diante das


diversas possibilidades de participação popular no processo de urbanização das
cidades, como uma importante ferramenta de planejamento urbano e parte
integrante da funcionalidade social das cidades. Este trabalho apresenta uma
abordagem inovadora que objetiva a produção de um esquema teórico capaz
de nortear os aspectos gerenciais e legislativos em relação às práticas
urbanísticas, especialmente a participação popular nas políticas públicas
urbanísticas. A presente investigação analisa a atuação dos vereadores
perante o poder executivo no momento de discussão do Plano Diretor do
Município de São Carlos-SP. A metodologia será, em geral, de tipo
quantitativo-qualitativo, por meio de análise bibliográfica e entrevistas com os
vereadores da cidade de São Carlos/SP. Por meio dos resultados alcançados,
conclui-se que os representantes legislativos municipais devem se envolver mais
na discussão das políticas públicas, em todas suas fases, em especial o Plano
Diretor Municipal.

ABSTRACT
354

This paper aim to discuss the representative democracy in face of the various
Página

possibilities of popular participation in the process of urbanization, as an


CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES
OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE O PODER
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES,
EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO
ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP
CASSIANO REIS
CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES, ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
CASSIANO REIS
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE
O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP

important tool of urban planning and part of the social functioning of cities. This
study presents an innovative approach that aims to produce a theoretical
framework able to guide the management and legislative aspects in relation to
town planning practices, especially popular participation in urban public policy. It
also analyzes the performance of city councilors in view of the executive power
during the discussion and decision making process of the Master Plan for the
municipality of São Carlos-SP. The methodology will be, in general, quantitative-
qualitative, through literature review and interviews with the São Carlos city
council. Through the achieved results, it is concluded that the municipal
legislative representatives must become more involved in public policy
discussion, in all its phases, especially the Master Plan.
355
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CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE


A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES
OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE O PODER
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES,
EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO
ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP
CASSIANO REIS
CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES, ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
CASSIANO REIS
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE
O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP

INTRODUÇÃO

Com o advento da urbanização das cidades brasileiras, sobretudo na


segunda metade do século XX, houve a necessidade de regular esse processo
de construção e crescimento das cidades. Por esse viés, pode-se dizer, tal como
argumenta Pinheiro e Rodrigues (2012), que se carecia de uma política urbana
nacional para planejar e organizar o desenvolvimento das cidades, de modo que
estas tivessem a capacidade de oferecer o necessário para a sobrevivência de
sua população, assim como assegurar que os direitos fundamentais destes
indivíduos fossem preservados e ampliados.

Sendo assim, esse clamor social de mudanças resultou na elaboração de


leis e normas para a regulamentação da política de expansão e desenvolvimento
das cidades. A legislação urbanística brasileira toma como base tanto a
Constituição da República de 1988, sobretudo em seus artigos 182 e 183, quanto
o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), os quais indicam que a presente
legislação, enquanto instrumento de política urbana, deve sempre buscar a
cidadania por meio da garantia da função social da cidade e do bem-estar de
seus habitantes. Pinheiro e Rodrigues (2012) marcam que a legislação
urbanística encontra:

(...) inspiração e legitimidade na Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988, que inova ao reservar em seu
teto um capítulo específico para tratar de política urbana e
ao trazer institutos importantíssimos de Direito Urbanístico,
a exemplo do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) e do
356

Plano Diretor Municipal (legislação local), que deram novos


contornos à regulamentação das normas jusurbanísticas,
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CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE


A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES
OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE O PODER
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES,
EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO
ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP
CASSIANO REIS
CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES, ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
CASSIANO REIS
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE
O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP

com a missão de promover o desenvolvimento urbano


sustentável e superar a atual crise que degenera o
desenvolvimento das cidades brasileiras. (PINHEIRO;
RODRIGUES, 2012, p. 373).

No entanto, ao contrário dessa orientação, os atuais projetos de


renovação urbana estão voltando-se cada vez mais aos interesses privados do
mercado imobiliário, fundiário e financeiro, atuando, primordialmente, em
benefício das elites dominantes e do capital, causando a perda do valor de uso
da terra, a expulsão da população de baixa renda para a periferia e a
consolidação de enclaves sociais (BOGUS; PESSOA, 2008). Com isso parte da
população, em especial as de áreas urbanas marginais ou aquelas de origem
rural ou semi rural, são desprovidas de proteção e concretização de seus direitos
(PINHEIRO; RODRIGUES, 2012).

O presente estudo é sobre o Plano Diretor de São Carlos, município


localizado no interior do Estado de São Paulo. O Plano Diretor é importante
instrumento para o cumprimento da função social da propriedade, e
consequentemente da cidade, de acordo com o § 1º do Art. 182 do Capítulo Da
Política Urbana. A Constituição brasileira estabelece que ele é uma ferramenta
que irá concretizar a função social da propriedade urbana e da cidade e prevê a
política de desenvolvimento urbano em seu art. 182, atribuindo-lhe a eficácia de
norma programática. Ou seja, prevê que a norma infraconstitucional
estabelecerá quais diretrizes deverão ser observadas pelo Poder Público
Municipal na busca de seus dois objetivos, sendo ele: (i) ordenar o pleno
357

desenvolvimento das funções sociais da cidade; e (ii) garantir o bem-estar de


seus habitantes1.
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A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES
OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE O PODER
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES,
EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO
ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP
CASSIANO REIS
CELSO MARAN DE OLIVEIRA, CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA, ALANA PEREIRA, ISABELA BATTISTELLO
ESPÍNDOLA, ANDREA PEREIRA HONDA DE MORAES, ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
CASSIANO REIS
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE
O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP

No caso da cidade de São Carlos têm-se constatado discrepâncias


sociais, econômicas e ambientais no município. O Poder Executivo, responsável
pelo orçamento participativo e pela ordenação dos trabalhos de discussão e
revisão do Plano Diretor, criou um Núcleo Gestor Compartilhado, visando
aproximar a sociedade civil para que participe da identificação dos problemas e
pontuação das áreas críticas, trazendo propostas e soluções.

Não obstante, cabe ressaltar que a criação deste órgão vai ao encontro
da proposta de gestão democrática da cidade e participação dos cidadãos do
município na condução e elaboração do Plano Diretor (SANTOS et al., 2014).
Uma vez que o processo de elaboração de um Plano Diretor deve envolver todos
os entes que influenciam a realidade do município (SILVA JUNIOR; PASSOS,
2006). Santos et al. (2014) argumentam que a construção deste Plano deve ser
conduzida pelo Poder Executivo e contar com a participação do poder
Legislativo. Em adição, quando apresentamos o argumento de que a
participação dos cidadãos é imprescindível para garantir que sejam atendidas
suas verdadeiras necessidades por meio do Plano, devemos incluir os
representantes do povo junto ao Poder Legislativo, ou seja, os vereadores eleitos
pelo voto direto, os quais têm o direito de participar como cidadãos e o dever de
interferir no processo como representantes da população local.

Nesse sentido, com o escopo de verificar a participação e atuação dos


vereadores da cidade de São Carlos no momento de discussão e elaboração
do Plano Diretor deste município, o presente artigo, apoiado pela FAPESP
(processo nº 2015/16633-8), realiza uma análise bibliográfica de temas
358

pertinentes às políticas urbanas, planejamento e elaboração de Plano Diretor,


participação social, dentro outros, e principalmente, também conta com a de
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aplicação de questionários e entrevistas com os vereadores da cidade, as quais


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NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE O PODER
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EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO
ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
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A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES NA DISCUSSÃO DO PLANO DIRETOR PERANTE
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buscam contemplar as opiniões destes indivíduos acerca de sua participação ou


não na construção e desenvolvimento do Plano Diretor. A metodologia será,
portanto, de tipo quantitativo-qualitativo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Função Social das Cidades e os Planos Diretores Participativos


Nos últimos anos o processo de urbanização tem sido cada vez mais
observado no mundo inteiro, sendo um dos resultados do crescimento da
população e também reflexo dos novos padrões de desenvolvimento adotados
pelos Estados. Esta urbanização da população, apesar dos esforços para que
ela fosse de modo controlado e igualitário, tornou-se um processo de
desigualdade e proliferação de problemas urbanos. A ocupação do espaço
urbano de forma desordenada, onde o foco era o ambiente construído e a
proteção da propriedade, sem o devido planejamento legal e estrutural da
sociedade, trouxe consequências negativas nas mais variadas áreas.

Na maioria dos casos, os padrões de urbanização estão desvinculados de


um desenvolvimento igualitário da sociedade, ocasionando na modificação da
estrutura urbana das cidades. Nestes exemplos, a urbanização não está mais
ligada à industrialização e ao próprio desenvolvimento, ocorrendo então uma
disparidade entre o tamanho da economia de uma cidade e o tamanho de sua
população. A cidade passou a ser caracterizada por áreas desiguais, criando
favelas e marginalizando a população. E no Brasil não foi exceção.
359

A partir da Constituição Federal de 1988, a cidade, independente do


conceito que lhe seja atribuído, passou a obedecer aos parâmetros fixados pelo
Página

Direito Ambiental Constitucional, ou seja, dentro da ordem urbanística


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constitucional como meio ambiente artificial, pertencendo à estrutura jurídica de


bens ambientais disciplinada pelo art. 225 da Constituição Federal (FIORILLO,
2012). Segundo Pinheiro e Rodrigues (2012, p.378) no caso brasileiro, a política
urbanística prevista na Constituição de 1988 concebeu a cidade como espaço
cultural e coletivo, proporcionando aos seus cidadãos “princípios de justiça
social, da função social da cidade e da propriedade”.

Com relação às funções sociais das cidades, é imprescindível considerar


que meio século antes da Constituição brasileira, o urbanismo, na primeira Carta
de Atenas em 1933, estabeleceu quatro conceitos funcionais mínimos capazes
de satisfazer as necessidades biológicas e psicológicas primordiais à sua
população: habitação, trabalho, circulação e recreação (CHOAY, 2000). Estas
funções urbanas descritas na Carta de Atenas de 1933 permanecem atuais e
permitem o preenchimento inicial do conteúdo da expressão inserida no texto
constitucional brasileiro quanto à dimensão espacial urbana. Meirelles (1996, p.
107) compartilha a importância da Carta, a qualificando como essencial para que
a cidade seja humana e funcional, correspondendo “às necessidades materiais
e espirituais do homem, e apta à satisfação de suas quatro funções sociais
precípuas: habitação, trabalho, circulação e recreação”.

Ressalta-se, também, que as funções sociais das cidades transcendem à


própria ciência da arquitetura e do urbanismo, ingressando no mundo jurídico,
com previsão constitucional e infraconstitucional. Este conceito decorre do fato
de que as funções sociais das cidades estão intimamente ligadas às noções de
dignidade humana, solidariedade, justiça social, bem comum e bem-estar dos
360

munícipes, ou seja, orientam o direito brasileiro ao apresentar instrumentos que


facilitam a defesa do direito à cidade como um direito fundamental do ser
Página

humano (PINHEIRO; RODRIGUES, 2012)


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Neste quesito, assevera Fiorillo (2012, p. 52-53) que na execução da


política urbana seria impossível desvincular “o conceito de direito à sadia
qualidade de vida, assim como do direito à satisfação dos valores da dignidade
da pessoa humana e da própria vida”. Ademais, destaca-se que a Constituição
brasileira expressa como segundo objetivo do desenvolvimento urbano das
cidades, e decorrente do cumprimento da própria função social, a garantia do
bem-estar de seus habitantes, além de atribuir ao Poder Público Municipal a
competência para sua execução. Esta garantia está intimamente conectada com
a ideia de direitos e garantias fundamentais elencadas pela própria Constituição
Federal nos artigos 5º e seguintes, sejam eles individuais, sociais ou
metaindividuais. Conclui-se que o Estado tem o dever de garantir um piso vital
mínimo para seus habitantes, oferecendo-lhes condições adequadas de
trabalho, moradia, lazer (recreação) e de circulação. Assim, para que as cidades
cumpram na totalidade sua função social, seja sob a ótica da Carta de Atenas
de 1933 ou da Nova Carta de Atenas 1998-2003 ou do ponto de vista
constitucional, deve implementar uma política de desenvolvimento urbano que
tenha por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade.

De certo que a proposta da Carta de Atenas de 1933 e em um segundo


momento, da Nova Carta de Atenas 1998-2003, é resgatar o ser humano e o seu
bem-estar, cujas propostas inseridas nas referidas Cartas, se atingidas,
proporcionarão às cidades, que sejam reconhecidas como cidades funcionais e
legais, transcendendo a ciência da arquitetura e do urbanismo, abrangendo a
ordem jurídica, com foco na dignidade humana, solidariedade, justiça social, bem
361

comum e bem-estar dos habitantes. Cabe, portanto, ao legislador municipal o


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dever de identificar e elaborar políticas públicas, possibilitando ao administrador

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público implementar à sociedade em geral o acesso à moradia, ao trabalho, ao


lazer, ao transporte, à educação, à saúde, à segurança, disponibilizando à
população infraestruturas básicas para garantir melhor qualidade de vida. Para
Bernardi (2006, p. 36):

Numa sociedade de justiça social a gestão e o


planejamento não podem estar desvinculados do homem e
de seus direitos. Direitos como à vida, a segurança, a
propriedade, da inviolabilidade da moradia, do direito de
propriedade atendendo a função social, a justa e prévia
indenização em dinheiro quando houver necessidade de
desapropriação por necessidade, utilidade pública ou
interesse social. Os direitos sociais de educação, saúde,
trabalho, moradia, lazer entre outros também se constituem
em direitos do ser humano que a gestão e o planejamento
urbano devem considerar e respeitar sob pena se estar
praticando a injustiça.

Porém, para que esse papel seja mais bem desempenhado pelos
legisladores municipais faz-se necessário, primeiramente, uma aproximação
cada vez maior dos temas e aspectos técnicos discutidos na construção dos
planos diretores municipais, ocorridos no âmbito do poder executivo. Em
segundo lugar, de acordo com Oliveira et al. (2016) os Planos Diretores devem
ser elaborados por profissionais de inquestionável capacidade técnica/científica
e com cultura participativa, devendo satisfazer a agenda de necessidades do
362

município e dos munícipes num horizonte normal de vigência do plano de dez


anos. Visando o desenvolvimento de um Plano Diretor integrado e harmônico,
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ainda há a necessidade da participação efetiva dos cidadãos do município em


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conjunto com a equipe técnica encarregada de apresentar soluções urbanísticas,


tornando a participação em um instrumento eficaz de gestão e planejamento
urbanístico. Essa participação é garantida pelo artigo 1º, inciso II, combinado
com artigo 40, § 4º, todos da Lei 10.257/01, por meio das audiências públicas e
debates, publicidade dos documentos e informações produzidas, acessíveis a
todos.

A participação nos Planos Diretores consiste na atuação de forma direta


e decisiva dos cidadãos municipais no estabelecimento das diretrizes,
instrumentos e meios para consecução dos objetivos do planejamento urbano,
ou seja, propiciar uma sadia qualidade de vida a todos os habitantes daquela
porção administrativa determinada, o Município (OLIVEIRA et al., 2016). Essa
participação é garantida pela Resolução nº 25 do ConCidades, de 18 de março
de 2005, ao determinar que o processo de elaboração, implementação e
execução do Plano Diretor deve ser participativo (COLENCI et al., 2015).

A sociedade como um todo, inclusive os representantes eleitos municipais


para o cargo de vereadores, ocupam posição de destaque na aplicação desse
importante instrumento, caracterizado pelo estabelecimento de normas legais e
diretrizes técnicas para o desenvolvimento municipal, visa-se por meio da gestão
democrática da cidade (OLIVEIRA et al., 2016). Tais autores ainda asseveram
que o:

(...) objetivo de integração e inclusão social resguarda a


intenção de atender aos anseios da população a respeito
da ordenação e utilização do espaço urbano, assinalando
363

ao plano diretor cumprir a função de promover o direito à


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cidade para todos sem exclusão (OLIVEIRA et al., 2016, p.


36).

Acreditamos que por intermédio de planos diretores participativos que se


alcança o conceito da função social da cidade e da propriedade, promovendo-se
“melhoria das condições de vida dos cidadãos e uma distribuição equitativa e
equilibrada de todos os benefícios da urbanização” (OLIVEIRA et al., 2016, p.
36). Para tanto, deve haver um engajamento da população na discussão desse
importante instrumento de planejamento urbano (Plano Diretor), em especial
com o envolvimento em todas as fases e momento daqueles que são os
representantes diretos, os vereadores eleitos. Segundo Colenci et al. (2015,
p.21) “o ponto crítico do direito em geral, principalmente o Direito Urbanístico,
está na sua legitimidade, entendida como a projeção do indivíduo à condição de
colegislador às normas a que deverão obediência”. Esse dever de participar é
ancorado nos conceitos de democracia, seja ela representativa ou participava, o
que se verá a seguir.

As democracias representativas e participativas

A compreensão da democracia como objeto de estudo das ciências


políticas depende de um estudo prévio das instituições que nela se sustentam e
que dela se alimentam e passa necessariamente por uma etapa preliminar em
que os elementos jurídicos devem ser conjugados sistematicamente com
institutos não menos elementares, tais quais, política, sociedade, comunidade,
estado, nação, povo, poder, soberania, governo, representação, participação,
deliberação, constituição, sufrágio, conflito, confronto, legalidade, legitimidade,
364

cidadania, enfim, é preciso analisar, além das variáveis históricas (espaciais e


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temporais), os elementos fundamentais e integrativos que compõem este


complexo instituto jurídico.

É preciso desenvolver o trinômio representação-participação-deliberação


e estabelecer comparativos conceituais a fim de promover parâmetros vetoriais
que orientem no sentido de sistematizar as várias dimensões em que a
democracia se manifesta, consubstanciando em uma investigação científica que
tem por finalidade correlacionar a questão ambiental urbana com a atual crise
política vivenciada por boa parte dos países semiperiféricos, a qual, para muito
além de abalar os alicerces da representatividade, compromete a legitimidade
das instituições democráticas, sobretudo, na medida em que os representantes
do povo brasileiro não atendem as expectativas do eleitorado, seus legítimos
representados.

Assim, da primeira meditação cartesiana extrai-se uma das técnicas mais


importantes para a metodologia científica ocidental, vale dizer, a de que, por
vezes, é preciso estabelecer uma dúvida metódica para se desintoxicar do
dogmatismo liberalista amplamente difundido na cultura política da sociedade
brasileira. Como bem afirma Schumpeter (1984, p. 295), “nada é mais traiçoeiro
do que o óbvio”, e, assim sendo, é inadmissível estabelecer como verdade
absoluta o fato de que o regime democrático, fundamentado no princípio da
maioria, é o mais justo de todos; opor-se a essa ideologia, entretanto, com
fundamento na efetividade proporcionada por um poder central desburocratizado
é igualmente inaceitável, visto que tal pensamento não é outra coisa senão uma
posição contra hegemônica com o nítido intuito de se opor diante dos efeitos
365

colaterais provenientes do regime democrático que se forma no seio do


capitalismo liberal.
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A propósito, a democracia consolidada no âmbito do liberalismo capitalista


apresenta sérios problemas que ainda não foram sequer equacionados, como é
o caso, por exemplo, no entender de Santos (2014), das normas impostas pelo
lobby empresarial, cujas práticas abusivas distorcem qualquer noção de cidadão
e cidadania, comprometendo, nessa toada, a efetividade dos direitos
fundamentais assim como todas as organizações que sobrevivem às custas da
democracia representativa. Ora, a sociedade não é regida apenas por leis
emanadas dos órgãos públicos, mas também e principalmente por enunciados
provenientes de entidades privadas, que em suas buscas insanas por lucro a
qualquer custo, ditam normas que na prática possuem muito mais força
sancionatória e por isso são muito mais obedecidas do que as de caráter público.
Santos (2014, p. 89-90) muito bem observa que, por vezes, “é mais fácil
contornar uma determinação burocrática do que infringir uma decisão de um
empresário, tomada em seu próprio benefício individual”.

O Brasil possui uma representatividade enviesada, sobretudo se levarmos


em consideração as formas de distorção sobre a figura do cidadão, porquanto:

As leis eleitorais fazem parte dessa maré enchente de


enganos, desde a forma de investidura dos eleitos, a
mecânica das eleições, a divisão do território nacional em
distritos eleitorais para privilegiar este ou aquele partido,
até a atribuição de peso eleitoral às diversas parcelas do
território e da nação, na composição do Parlamento. A
questão da representatividade é crucial nas democracias,
366

e é por suas distorções que a vontade popular se desfigura.


Se, em todos os países democráticos, os canais pelos
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quais a vontade popular se manifesta tornam-se às vezes


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inadequados, se os partidos no poder às vezes buscam


alterar certos procedimentos em seu próprio proveito,
fazem-no sob a alegação de que pretendem o
aperfeiçoamento do regime, expõem e debatem
longamente as suas propostas e é inconcebível que
pretendam infringir, substancialmente, as regras do jogo
democrático. Uma opinião pública amadurecida na prática
representativa não se deixaria embair, e responderia
negativamente nas urnas (SANTOS, 2014, p. 91-92).

Não se pode, então, de modo algum, fixar, de prima facie, qualquer


conotação de que a democracia necessariamente é uma forma de governo que
estabelece um elo diretamente proporcional à efetividade dos direitos
fundamentais e ao bem comum, muito embora seja certo que o instituto possua
grande aceitação científica e popular. A história mostra que o tema apresenta
inúmeras variáveis e muitas ramificações, devendo, portanto, ser incluído
também e, sobretudo, na pauta das grandes discussões ambientais e
urbanísticas.

O atual cenário democrático brasileiro, conforme descreve Nobre (2004),


apresenta-se de forma bipolar e aponta para duas arenas de disputa: a
democracia macroestrutural e a democracia microestrutural. Assim sendo, a
criação de novos espaços de participação e deliberação desafia a lógica clássica
do arranjo democrático macroscópico. Se por um lado é bem verdade que a
sociedade pós-industrial não procura mais reunir as pessoas e sim as
367

informações (LEFEBVRE, 2008), por outro, é absolutamente razoável


imaginarmos que a sociedade da informação já disponibiliza meios eletrônicos
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suficientes para o exercício de uma democracia local mais ativista e participativa,


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com foco no cidadão e no direito à cidade, aptas a proporcionar maior senso de


coletividade às comunidades locais. Ocorre que essa ideia, qual seja, a de
democracia qualitativa local em contraposição à ideia de democracia quantitativa
nacional, é daquelas que costumam aterrorizar os representantes do povo
brasileiro, vale dizer, os que, via de regra, não permitem que o assunto seja
sequer discutido com a sociedade civil. Tanto isso é verdade que o Congresso
Nacional ficou tomado por uma histeria generalizada na ocasião da promulgação
do Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014, que, dentre outras providências,
institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional
de Participação Social (SNPS).

Para entender a atual conjuntura dos acontecimentos, entretanto, é


necessário compreender alguns dos principais elementos históricos que
ajudaram a compor o Estado Democrático de Direito nos moldes da democracia
que hodiernamente é concebida nos países ocidentais, ou seja, da que
reconhece a proteção dos direitos humanos tanto para as maiorias quanto para
as minorias. Para tanto, há que se analisar, a partir de agora, as dimensões em
que a democracia se manifesta.

Assim, a democracia contemporânea, vale dizer, a que alberga o Estado


Democrático de Direito detentor de personalidade jurídica legalmente constituída
por uma carta de direitos fundamentais ao alcance do povo, de acordo com
Bobbio (1992), é influenciada por três grandes correntes doutrinárias: teoria
clássica, teoria medieval e teoria moderna. A teoria clássica é também conhecida
como democracia aristotélica e vê a democracia essencialmente como uma
368

forma de governo, de modo que monarquia corresponde ao governo de um,


aristocracia ao de poucos, e, democracia, ao de muitos; a teoria medieval possui
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origem romano-germânica e se desenvolve com base em uma contraposição de


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O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS-SP

ideias em torno do poder supremo; a teoria moderna, que surgiu com o estado
moderno absolutista, foi responsável pela propagação dos ideais liberais e
republicanos que emergiram no contexto das revoluções burguesas dos séculos
XVII e XVIII e dos agitos provenientes das manifestações operárias dos séculos
XVIII e XIX.
No entender de Bianchini (2014) a democracia representativa é o
processo político em que indivíduos escolhidos (representantes) exercem
funções estatais em nome dos cidadãos (representados). A democracia
participativa, por sua vez, é um sistema no qual os cidadãos, por intermédio da
sociedade civil organizada, participam de algumas decisões políticas. Para
Nobre (2013), a democracia participativa deriva da democracia representativa,
tendo natureza complementar, sendo constituída de correntes ideológicas que
se contrapõem ao modelo democrático liberal, sobretudo, por entender que o
capitalismo gera desigualdades, que precisam ser supridas por um somatório de
forças entre o Estado e a sociedade civil.

De acordo com Santos (2009) a democracia participativa não é outra coisa


senão uma concepção contra hegemônica de democracia. Ademais, do ponto
de vista da democracia participativa, a democracia representativa é considerada
incompleta; não devendo ser compreendida, em princípio, como um modelo a
ser superado, mas sim, complementado. A democracia participativa aceita a
democracia representativa como seu ponto de partida, sendo que a diferença
entre elas reside no fato de que o pensamento democrático participativo prevê
incompatibilidade entre capitalismo e democracia, logo, havendo colisão entre
os institutos, a democracia deve prevalecer.
369

Nesse sentido, a ideia central da democracia participativa é que o


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capitalismo sistematicamente inflige danos à maioria de populações do mundo,


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EXECUTIVO MUNICIPAL – ESTUDO DE CASO DO
ELAINE CRISTINA DA CUNHA MELNICKY E GIOVANNA
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bem como a natureza e ao ambiente. A democracia participativa é, portanto,


menos processual e mais substantiva do que a democracia representativa, é
menos focada em governança e mais focada na capacidade de conferir mais
poderes aos cidadãos, sobretudo, a fim de alcançar a justiça social. Os critérios
a serem cumpridos pelo Estado de Direito no sentido de atender às demandas
da democracia participativa, dessa forma, são mais rigorosos do que os
aplicados à democracia representativa.

Dallari (2003, p. 152-159) prefere utilizar os termos ‘democracia direta’,


‘democracia semidireta’ e ‘democracia representativa’. O primeiro praticamente
não existe mais, tratando-se tão somente de uma ‘curiosidade histórica’, o
segundo manifesta-se em momentos pontuais, tal como ocorre com os
plebiscitos e referendos, o terceiro, por sua vez, implica necessariamente na
concessão popular de um mandato a alguns cidadãos, que, ao passar para uma
condição de representantes eleitos pelo voto, tomam todas as decisões em nome
do povo que os elegeram.

Nobre (2013) aponta cinco modelos de democracia: elitista, pluralista,


legal, participativa e deliberativa. A democracia elitista pressupõe uma disputa
pelo poder que ocorre entre grupos políticos rivais onde as decisões são
tomadas para atender os interesses de uma oligarquia; enquanto que a
democracia pluralista também pressupõe uma competição, contudo, é baseada
na barganha por intermédio da qual se dá a distribuição do poder; a democracia
legal, por sua vez, possui apego excessivo à codificação escrita, exalta as
liberdades negativas como valor supremo e detém características marcantes do
370

liberalismo na medida em prega um estado minimamente intervencionista; a


democracia participativa deriva da democracia representativa, vale dizer, tem
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natureza complementar, é substancialmente influenciada pela doutrina marxista,


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sendo constituída de correntes ideológicas que se contrapõem ao modelo


democrático liberal, sobretudo, por entender que o capitalismo gera
desigualdades, que precisam ser supridas por um somatório de forças entre o
Estado e a sociedade civil; por fim, a democracia deliberativa fundamenta-se na
justificação política, pressupondo, nesse sentido, uma cultura política e um
sistema normativo dinâmico, onde o direito material se constrói a partir de
discussões públicas regradas por normas de direito procedimental.

Na visão de Rocha (2008), enquanto que a dimensão legal (liberal)


apresenta os direitos individuais com natureza essencialmente negativa, a
dimensão deliberativa é dotada de natureza essencialmente positiva, com fulcro
na solidariedade e no diálogo (teoria do discurso, poder comunicativo) como
formas de integração social.

Ao analisar o pensamento tocquevilliano acerca do tema, Bianchini (2014)


afirma que é preciso superar a visão de que o principal objeto da democracia
consiste simplesmente em encontrar o melhor método para a escolha dos
governantes que devem conduzir o Estado, pois em que pese isto ser fator
relevante, tal aspecto deve ser encarado como fator secundário, haja vista que
a democracia, sob o ponto de vista participativo, necessita ser desenvolvida com
foco subjetivo, isto é, na pessoa humana (sujeito) e não no método (objeto),
enfim, com a nítida intenção de transformar o corpo eleitoral em cidadãos ativos
e virtuosos. Nesse sentido, Bobbio (1998, p. 328) estabelece uma fórmula que
permite comparar a democracia formal com a democracia substancial, sendo
que a primeira é entendida como um governo do povo (democracia como
371

método), enquanto que a segunda é um governo para o povo (democracia como


valor).
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Uma nova concepção de democracia representativa ocorre em torno da


ideia de accountability, que, em apertada síntese, pode ser entendida
grosseiramente como prestação de contas, enfim, trata-se de um pensamento
que tem como premissa o fato de que o poder público deve ser constantemente
fiscalizado e, se for o caso, sancionado. O MP é um típico exemplo de agência
de accountability, pois a Constituição Federal de 1988 lhe atribui competência
para atuar como fiscal da lei. Trata-se, na verdade, de uma trama conceitual que,
na visão de Lavalle (2011), presta-se muito mais a robustecer a obsoleta
estrutura de representação do que para incentivar a participação cidadã. Investir
no fortalecimento das agências de accountability pode trazer graves efeitos
colaterais que de nada contribuem para o melhoramento efetivo da qualidade
democrática. Um exemplo bastante ilustrativo relacionado ao perigo dessa
estratégia ocorreu recentemente na ocasião do julgamento da ADI nº 3943, em
que a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público questionava a
legitimidade da Defensoria Pública para propor ACP (inciso II, art. 5º, Lei nº
7.347/85)2. Nesse julgamento, a Ministra Cármen Lúcia propõe interessantes
questionamentos de efeito reflexivo, senão vejamos:
A quem aproveitaria a inação da Defensoria Pública,
negando-se-lhe a legitimidade para o ajuizamento de ação
civil pública? A quem interessaria restringir ou limitar, aos
parcos instrumentos da processualística civil, a tutela dos
hipossuficientes (tônica dos direitos difusos e individuais
homogêneos do consumidor, portadores de necessidades
especiais e dos idosos)? A quem interessaria limitar os
372

instrumentos e as vias assecuratórias de direitos


reconhecidos na própria Constituição em favor dos
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desassistidos que padecem tantas limitações? Por que


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apenas a Defensoria Pública deveria ser excluída do rol do


art. 5º da Lei n. 7.347/1985? A ninguém comprometido com
a construção e densificação das normas que compõem o
sistema constitucional de Estado Democrático de Direito
(STF, 2015, p. 26).
O que foi esse julgamento senão uma tentativa esdruxula do MP em tentar
restringir os instrumentos e as possibilidades de acesso à Justiça? Mais uma
prova de que o melhoramento da representação democrática não guarda vínculo
com o fortalecimento das agências de accountability.
Essas novas concepções de democracia (dinâmica, participativa), por
conseguinte, ao pregarem uma transformação cidadã amparada pelas virtudes
do ativismo, que, por sua vez, exige necessariamente uma luta contínua em prol
da efetividade dos direitos humanos, de acordo com Santos (2013), também
esbarra em novas formas de autoritarismo respaldado por regimes formalmente
democráticos que disfarçam um verdadeiro fascismo social desenvolvimentista,
obscurecendo os novos valores que militam em favor de novos modelos de
participação popular. A consolidação dos novos paradigmas democráticos na
sociedade da informação não se dará sem uma perturbação violenta na estrutura
da democracia representativa e nas pessoas que dela se alimentam. A luta é
contínua e a militância requer forte dimensão civilizatória, pois convoca
diferentes conceitos de representatividade política, além de proporcionar novas
possibilidades para o exercício de uma cidadania mais participativa.
No campo do planejamento urbanístico por meio do instrumento chamado
Plano Diretor, objeto do presente estudo, torna-se imperativo discutir os modelos
373

de democracia, seja representativa ou participativa, nomeadamente a fim de


verificar a atuação dos vereadores do município de São Carlos na discussão dos
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temas urbanísticos para revisão do Plano Diretor da cidade. Acompanhando o


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posicionamento de Oliveira e Araújo Junior (2007), tem-se que a ideia central de


democracia participativa se apoia na premissa de autonomia política. Para esses
autores “o núcleo central da ideia de autonomia política: aqueles que estão
submetidos às leis devem poder, de algum modo, participar dos processos de
criação das leis às quais estão submetidos” (OLIVEIRA; ARAUJO JUNIOR,
2007, p.6634). Encontra amparo no texto Constitucional, em seu artigo 1º,
parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Esse
princípio democrático acolhe os dois elementos da democracia, representativa e
participativa, que devem estar integrados, como leciona Canotilho (2002, p. 288):

Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais


importantes postulados da teoria democrática
representativa – órgãos representativos, eleições
periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes.
Em segundo lugar, o princípio democrático implica
democracia participativa, isto é, a estruturação de
processos que ofereçam aos cidadãos efetivas
possibilidades de aprender a democracia, participar nos
processos de decisão, exercer controlo crítico na
divergência de opiniões, produzir inputs políticos
democráticos.

Para Canotilho (2002) este sentido participativo aponta o exercício


democrático do poder, a participação democrática dos cidadãos, o
374

reconhecimento constitucional da participação direta e ativa dos cidadãos como


instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático. Sendo assim,
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é inconcebível que os representantes eleitos (vereadores) não se envolvam em


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todas as discussões dos assuntos atinentes aos seus representados, não


cabendo, por conseguinte, a alegação de ingerência nos poderes. Essa
atuação/participação dos vereadores, mesmo diante do poder executivo, é
legalmente possível e desejada, porque um vereador além representar todos os
cidadãos, sem deixar de ser cidadão. Para a sociedade é extremamente benéfico
que os vereadores participem perante o poder executivo, acompanhando os
trabalhos do Núcleo Gestor Compartilhado e das audiências públicas, para que
esteja melhor preparado para o momento de discussão na Câmara legislativa
municipal, bem como para fiscalizar o poder executivo (artigo 31 da Constituição
Federal) para que o processo seja participativo com envolvimento de todos os
setores da sociedade.

A participação dos vereadores no Plano Diretor de São Carlos

No caso em tela, município de São Carlos-SP, o trabalho de discussão


acerca do Plano Diretor no âmbito do poder executivo ficou a cargo do Núcleo
Gestor Compartilhado, que promoveu reuniões e organizou audiências públicas.
Essas audiências públicas são reguladas pelo artigo 40, § 4º, inciso I, do Estatuto
da Cidade, e têm como escopo informar, coletar subsídios, debater, rever e
analisar o conteúdo do Plano. A presente pesquisa verificou a participação dos
vereadores do município de São Carlos e constatou sua participação em poucas
oportunidades, embora tenha sido respondido, por meio de questionário, que
houve uma participação mais efetiva, o que será analisado adiante.

O município de São Carlos-SP conta com vinte e um vereadores,


provindos de diversos partidos políticos: PMDB, PSDB, PV, PT, PSB, PP, PROS,
375

SD, PSC, DEM, REDE, dentre outros. Como demonstrado no Gráfico 1, dos vinte
e um (21) vereadores de São Carlos, 62%, ou seja, apenas treze responderam
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ao questionário aplicado pelos autores desta pesquisa ao longo dos meses de


março, abril e maio de 2016. Até o fechamento deste trabalho, os oito vereadores
restantes não entregaram o questionário respondido.

Gráfico 1 - Porcentagem de participação dos vereadores no questionário

Fonte: Elaborado pelos autores

O questionário aplicado continha somente sete questões a respeito do


Plano Diretor da cidade, indagando se os vereadores tinham conhecimento do
processo de revisão, se estavam participando, se haviam submetido propostas
para o processo, dentre outras.

A primeira pergunta questionava se os vereadores tinham conhecimento


de que a cidade de São Carlos estava em pleno processo de revisão de seu
Plano Diretor Estratégico. Dos treze vereadores que responderam ao
questionário, apenas um vereador (PMDB) informou que não tinha conhecimento
376

de que a cidade de São Carlos estava em processo de revisão de seu Plano


Diretor Estratégico, como pode ser visto no Gráfico 2. Mesmo com um percentual
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tão baixo de desconhecimento, não pode ser concebível que um representante


do povo não esteja atento a um dos instrumentos de planejamento urbanos mais
importantes para toda a sociedade, e que está intimamente ligado ao
cumprimento da função social da cidade.

Gráfico 2 - Quantidade de vereadores que tinham conhecimento do processo de


revisão do Plano Diretor Estratégico do Município de São Carlos

Fonte: Elaborado pelos autores

A segunda questão estava diretamente relacionada a participação dos


vereadores de São Carlos nas reuniões do Núcleo Gestor Compartilhado e das
audiências públicas para a revisão do Plano Diretor. Conforme o gráfico abaixo
377

(gráfico 3) é possível visualizar que dos treze vereadores que responderam ao


questionário, apenas seis participaram de alguma reunião ou audiência pública.
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Gráfico 3 - Participação dos vereadores de São Carlos em reuniões ou


audiências públicas ligadas a revisão do Plano Diretor

Fonte: Elaborado pelos autores

Em relação aos vereadores que afirmaram ter participado de alguma


reunião ou audiência pública, por meio da terceira questão do questionário,
evidenciou-se que alguns dos vereadores não conseguiram quantificar suas
participações, respondendo simplesmente “poucas” (vereador do PT), "participei
em algumas ocorridas nas manhãs de terças feiras no paço" (vereador do
PMDB) ou “tenho participado até o momento nas quais somos convocados e
participado desde o início do mandato, não sabendo ao certo quantas” (resposta
do vereador do PROS). Dos poucos que quantificaram, as respostas ficaram em
378

torno de duas ou uma vez.


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Com a quarta questão, os vereadores que haviam respondido que não


participaram de nenhuma reunião ou audiência pública relativa ao Plano Diretor
deveriam apresentar os motivos pelos quais eles não haviam participado. Dos
sete vereadores que não participaram, grande parte alegou que o processo do
Plano Diretor irá, em um segundo momento, tramitar pelo poder legislativo.
Sendo assim, a participação deles como vereadores da cidade se daria o
processo adentrasse na Câmara legislativa. Outros afirmaram que não haviam
recebido convite ou convocação para participar das reuniões ou audiências
públicas. Com essas respostas vê-se claramente o distanciamento dos
representantes do povo (vereadores) da discussão das políticas públicas
promovidas pelo poder executivo. Imaginar que o papel a ser desempenhado por
um vereador restringe-se à Câmara legislativa é ignorar as fases constitutivas de
políticas públicas, em que todos devem participar. No caso dos vereadores essa
participação deve ser ainda mais presente, porque além de tomar conhecimento
dos assuntos técnicos e das demandas populares, contributivas para uma
discussão mais amadurecida na Câmara legislativa, soma-se o fato de garantir
que o processo seja verdadeiramente participativo, no exercício de fiscalização
do executivo que cabe ao legislativo.

A quinta questão indagava se os vereadores de São Carlos haviam


encaminhado propostas para serem debatidas durante as reuniões do Núcleo
Gestor Compartilhado (NGC). Dos treze vereadores que participaram do
questionário, apenas três chegaram a encaminhar alguma proposta, sendo um
do PROS, um do SD e um do PV (Gráfico 4).
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Gráfico 4 - Quantidade de vereadores que encaminharam propostas para serem


debatidas nas reuniões do NGC

Fonte: Elaborado pelos autores

Com relação ao conteúdo das propostas desses três vereadores, tem-se


que a do vereador do PV era relativa ao "desenvolvimento sustentável de regiões
da cidade e formação de parques estruturados", a do vereador do PROS era
"sobre o crescimento a respeito da região sul - perímetro urbano, ambientais,
macrozoneamento", enquanto a proposta do vereador do SD visava a "região
oeste verificar acesso junto ao plano diretor e mobilidade urbana".

A última pergunta do questionário indagava os motivos que levaram os


vereadores a não encaminhar nenhuma proposta para ser debatidas nas
380

reuniões do NGC. Alguns vereadores, como o do PT, onde afirma que as suas
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propostas "serão apresentadas no legislativo”; ou como o vereador da REDE

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declarou "encaminhar propostas quando das discussões forem na câmara


municipal". Por sua vez, o vereador do PSDB justificou sua atitude pela
"ingerência de um poder em outro", enquanto um do PT defendeu-se pelo fato
de sua "pouca participação".

Para o vereador do PSB os motivos que o levaram a não encaminhar


propostas para o NCG baseavam-se no fato de que "tendo em vista que após o
termino do Plano Diretor terei uma ação efetiva sobre o mesmo". Dois
vereadores do PMDB justificaram que poderiam propor emendas e mudanças
no Plano Diretor, de acordo com a vontade da sociedade. Para um outro
vereador do PMDB, as discussões e encaminhamentos de propostas seriam
feitas após “tomar conhecimento do que já foi elaborado”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As cidades devem propiciar boas condições de vidas à seus munícipes,


tornando a cidade funcional. Isso é possível por meio de um planejamento
eficiente por meio de instrumentos urbanísticos descritos na Constituição
Federal de 1988 e na Lei da Política Urbana. Um componente essencial para
esse planejamento, por meio de Planos Diretores, ocorre com a participação da
sociedade civil, e de seus representantes. Quando falamos em participação dos
cidadãos estamos nos referindo, inclusive, aos representantes do povo no
legislativo (vereadores), e mesmo que não participem nessa qualidade devem
participar como cidadãos municipais.
381

Na fase de aplicação de questionários, constatou-se um distanciamento


entre os vereadores e os membros do Núcleo Gestor Compartilhado, de modo
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que os dados coletados por esta pesquisa revelaram que, em razão de uma ideia
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equivocada acerca da usurpação de competências, os integrantes do Legislativo


não praticam qualquer ingerência em assuntos que extrapolam a restrita
atividade legiferante. Porém, a Constituição Federal (artigo 31) autoriza que o
Poder Legislativo fiscalize o Município por meio de controle externo, de modo
que o acompanhamento por parte dos vereadores das fases do orçamento
participativo e elaboração da minuta da Lei que instituirá o Plano Diretor é
atividade obrigatória, autorizada constitucionalmente. Por esse motivo, deve
haver um compartilhamento de informações entre Poder Executivo, Legislativo
e da sociedade civil na coordenação do processo participativo de elaboração do
Plano Diretor em todas as etapas do processo.

Não se pode conceber que a atuação dos vereadores fique adstrita à


Câmara Municipal, porque todo o embasamento técnico e as demandas
populares que orientaram a construção da proposta de lei do Plano Diretor foi
discutido antes do texto ser elaborado e encaminhado à Câmara Municipal para
votação.

Com essa efetiva participação dos vereadores, acreditamos ser possível


uma compreensão melhor de muitos aspectos técnicos e sociais do plano diretor
para uma melhor tomada de decisão na Câmara legislativa municipal, e o
conhecimento de um número cada vez maior de demandas por parte dos
cidadãos. O exercício da democracia participativa nas cidades deve ser
assegurado, inclusive, pelos representantes do povo no âmbito municipal, os
vereadores eleitos. Esses representantes precisam participar ativamente das
discussões das políticas públicas no âmbito do poder executivo.
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A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS VEREADORES
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386

municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
Página

seus habitantes” (Constituição Federal Brasileira de 1988).


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PARTIDOS E POLÍTICAS PÚBLICAS

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Mestrando em Análise e Planejamento de
Políticas Públicas pela UNESP (Campus de
388

Franca). E-mail:thiagocetroni@gmail.com
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RESUMO

A influência das redes sociais no comportamento e decisões do ser humano está


cada vez mais nítida na sociedade que vivemos, interferindo também na escolha
dos governantes eleitos pela população. Este estudo identificou o contexto
histórico da evolução das redes sociais e a importância do marketing político na
internet, no propósito de avaliar o relacionamento construído virtualmente e as
estratégicas de marketing digital possíveis aos candidatos. Para exemplificar o
conteúdo apresentado foi realizada uma pesquisa com duzentos e dezenove
internautas do município de Monte Alto-SP, através da ferramenta digital Google
Docs, que possibilitou conhecer e avaliar o perfil dos eleitores. Com os
resultados pode-se considerar a rede social Facebook como uma importante
ferramenta de marketing político disponível gratuitamente, o interesse da
população pelo assunto analisado e os anseios políticos de uma nova geração,
altamente conectada e que enxerga nas redes sociais a possibilidade de
conhecer, acompanhar e fiscalizar seus candidatos.

ABSTRACT

The influence of social networks on the behavior and decisions of humans is


increasingly clear in society, also interfering in the choice of rulers elected by the
people. This study identified the historical context of the evolution of social
networks and the importance of political marketing on the Internet, in order to
evaluate the relationship built virtually and the strategy of possible digital
marketing to candidates. To exemplify the content presented a survey of two
389

hundred and nineteen netizens from Monte Alto-SP was performed through
digital tool of Google Docs® , which allowed the knowing and evaluate the profile
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of voters. With the results we can consider the social network Facebook® as an
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important political tool of marketing freely available, public interest in the subject
discussed, and the political desires of a new generation, highly connected, and
who sees the possibility of social networks to understand, to monitor and to
supervise their candidates.
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INTRODUÇÃO

A postagem nas redes sociais das ideias e expressões contribui para o


surgimento de novos modos de pensar e diferentes estilos de vida, que não são
inspirados por filósofos ou pela história, mas sim por produtos da inteligência
social coletiva (CASTELLS, 2014). As redes sociais surgem como uma relevante
forma de socialização e comunicação. O indivíduo ao adentrar em uma rede
social ganha um espaço para novas possibilidades de aprendizado e
disseminação do conhecimento, ali ele deixa de ser um mero consumidor dos
meios de comunicação em massa e por intermédio das ferramentas
disponibilizadas torna-se um produtor de conteúdo, ideias e possibilidades.

Pisani e Piotet (2010, p. 41) lembram que “a web pertence àqueles que a
utilizam, nos dois sentidos: para receber e para criar, para acessar a informação
e compartilhá-la, fazê-la circular”. Souza (2014, p.1) definiu as redes sociais
como sendo uma narrativa inspiradora das múltiplas oportunidades adormecidas
no terreno fértil da internet 2.0, "quando os consumidores de conteúdo voltam os
holofotes da indústria cultural para si mesmo e se tornam inventores de novas
ferramentas comunicacionais".

Esta constante formação de elos de relacionamento no marketing tem nas


redes sociais, o meio ideal para a geração desses pontos de contato e por isso
cada vez mais nos deparamos com empresas que encontram nas mídias sociais
um forte aliado para divulgação de seus produtos e serviços. Da mesma forma,
políticos, candidatos, detentores de mandato e grupos de interesse diversos se
viram obrigados a abrir mão do uso exclusivo dos meios tradicionais do
marketing político e se entregarem as novas formas de marketing digital (AGGIO,
2013).
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Aggio (2013) destaca que esta argumentação é bem representada pelo


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significativo crescimento da comunicação digital nas campanhas políticas das


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últimas duas décadas. Indo de recursos incipientes e pouco eficientes às


ferramentas de web que permitem a construção de perfis públicos, criação de
redes com outros usuários, compartilhamentos de mensagens e conteúdos
próprios e de outros autores.

Este trabalho analisa a utilização das redes sociais como ferramenta de


relacionamento e marketing digital. Especificamente, o trabalho busca avaliar o
grau de influência da utilização do Facebook como instrumento de marketing
político em eleitores da cidade de Monte Alto.

Para tanto, foi realizada uma pesquisa do tipo survey através do software
aplicativo Google Docs por meio de postagens do link na página pessoal do
Facebook do primeiro autor, além do envio do mesmo via mensagem inbox e por
e-mail, com foco no momento presente, tratando situações reais do ambiente de
pessoas residentes na cidade de Monte Alto.

Desta forma, o presente trabalho além da introdução foi estruturado por


mais quatro seções, onde na segunda foi apresentada uma breve revisão teórica
sobre o surgimento do relacionamento virtual e das redes sociais digitais de
maneira especial o Facebook, além de abordar o tema marketing político onde é
trabalhado questões inerentes as mudanças do perfil do consumidor e a
necessidade da construção de um marketing participativo. Na terceira seção é
apresentado o método utilizado para a realização do trabalho. Na quarta seção
são apresentados os resultados da pesquisa que forneceram um diagnóstico do
perfil do usuário do Facebook da cidade de Monte Alto e a influência do
relacionamento virtual por meio da referida rede social na concepção política dos
pesquisados. Por fim, na quinta seção são registrados os aspectos conclusivos
da pesquisa.
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REDES SOCIAIS DIGITAIS

O homem é um animal social. Esta afirmação de Aristóteles deixa clara a


necessidade de se relacionar com o outro que todo ser humano possui. O filósofo
ainda fundamenta a tese dizendo que a união entre os seres humanos é natural
porque o homem é um ser naturalmente carente, que necessita da aproximação,
do contato com outras pessoas para alcançar a plenitude do ser humano (PIRES,
2011).

Esta necessidade de se relacionar é percebida desde os primórdios da


humanidade e permanece até os dias de hoje. Entretanto, se antes os seres
humanos se uniam em torno da beleza do fogo, hoje se unem através das redes
sociais.

Com a necessidade de expansão virtual, sugiram os primeiros programas


para acesso dos internautas como um todo, como o Internet Relay Chat (IRC) e
o I Seek You (ICQ), que permitiam a troca de mensagens instantâneas. Com a
burocracia de que os usuários deveriam estar ligados a um servidor específico,
o IRC perdeu seu espaço para o ICQ, que exigia apenas uma conexão com a
rede de Internet. Por tratar-se de uma ferramenta gratuita e de fácil acesso, o
ICQ conquistou milhões de usuários logo após o seu lançamento (FILHO; FILHO;
HAGUENAUER, 2008).

Além dos mecanismos de comunicação instantânea, as salas de bate-


papo também permitem um relacionamento virtual entre os usuários, porém, de
uma forma mais abrangente, pois várias pessoas podem conversar
simultaneamente em um mesmo espaço e geralmente, sem se conhecerem
(LOPES, 2008). Estes programas e mecanismos contribuíram para atingir da
Internet, ou seja, a criação de uma rede de alcance mundial.
393

As redes sociais surgiram diante da necessidade de compartilhamento


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entre o ser humano, através da criação de laços sociais que são norteados por
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afinidades. Sendo assim, um grupo que tenha interesse pelas mesmas ideias
pode ser considerada uma rede social. A interação de todos os grupos no
ambiente online caracteriza-se como redes sociais digitais, marcadas por
constantes evoluções na atualidade (OLIVEIRA, 2011).

As redes sociais permitem aos seus usuários expressar suas opiniões,


relatar fatos de seu cotidiano, reencontrar pessoas, postar vídeos de seu
interesse e fotos pessoais. Isto é possível através de um perfil próprio, onde é
possível interagir com as pessoas. Esta interação é possível através de
comentários e opiniões, pois cada internauta tem o livre arbítrio de comentar o
assunto disponibilizado.

Outro ponto importante que precisamos levar em conta


nessa discussão é que essas redes sociais, como espaços
de ‘expressão do eu’, são também construídas através da
comunicação. São unicamente as trocas entre os
indivíduos que vão estabelecer as conexões que depois
serão mantidas pelo sistema. Como espaços sociais, as
redes ultrapassam o objetivo da ferramenta. Elas vão além
daquilo que foi pensado como possível. Assim, essas
tecnologias têm seus significados reconstruídos pelos
grupos sociais, que fornecem, através de suas práticas,
sentidos diferentes para cada ferramenta (RECUERO,
2009, p. 1).

De acordo com Recuero (2009), os principais fenômenos responsáveis


pela expansão das redes sociais digitais ocorreram no ano de 2008. O primeiro
marco foi a campanha presidencial dos Estados Unidos, na disputa entre os
394

candidatos Barack Obama e John McCain. Os comentários e vídeos postados


durante o período eleitoral chamaram atenção do mundo todo. Além disto, com
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a mobilização realizada virtualmente, fez com que as eleições atingissem um dos


maiores índices de comparecimento de todos os tempos no território americano.

Outro fenômeno de grande representatividade foram as mobilizações


sociais em torno das catástrofes naturais ocorridas no Brasil em novembro de
2008, no estado de Santa Catarina. Durante a tragédia que chocou o país, as
redes sociais foram utilizadas no sentido de prestar auxílio à população daquela
região, através de campanhas solidárias que protagonizaram a linha de frente
do apoio que o estado recebeu. As ferramentas virtuais também foram utilizadas
como recursos para informar todo o país dos acontecimentos no local
(RECUERO, 2009).

Esses fenômenos criados através das redes sociais representam as


modificações existentes nas formas de organização, contato e mobilização
social, onde as novas tecnologias assumiram o controle, esclarecendo que estas
redes não conectam apenas computadores, mas pessoas (RECUERO, 2009).

Facebook

A variação entre as funções de uma rede e outra são muitas no que diz
respeito à formatação, formas de uso e utilidade para os usuários, porém, todas
elas funcionam com o mesmo intuito: interligar pessoas. Algumas redes sociais
de maior impacto na sociedade atual são: Facebook, Youtube, Twitter, Instagram
e Badoo, Google+. Entretanto, este artigo dará ênfase ao Facebook, devido à
rede social ter o maior número de usuários.

Lançado em fevereiro de 2004 por Mark Zuckerberg, estudante da


universidade de Harvard nos Estados Unidos, como um site de rede social online
apenas para os alunos de Harvard, abrindo-se para o público em geral em 2006.
395

O sucesso chegou porque o Facebook permitia saber quais dos alunos estavam
solteiros ou comprometidos, aumentando a visibilidade do indivíduo na
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universidade (FACEBOOK, 2014).


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O Facebook é uma rede social na qual podem ser identificados diversos


recursos de usabilidade, facilitando, portanto, a aprendizagem do usuário
(FACEBOOK, 2014). Recuero (2009) lembra que o Facebook é gratuito para os
usuários, sua receita é gerada a partir de publicidade incluindo banners e grupos
patrocinados. Os usuários criam perfis contendo fotos e listas de interesses
pessoais, trocando mensagens privadas e públicas entre si e participantes de
grupos de amigos. A visualização de dados detalhados dos membros é restrita
para membros de uma mesma rede ou amigos confirmados, ou pode ser livre
para qualquer um.

De acordo com o Portal de Notícias Uol, o Facebook possuía cerca 1,23


bilhão de usuários em 2013, que utilizam a rede social ao menos uma vez ao
mês. O portal ainda destaca que os Estados Unidos é o país com o maior número
de usuários (146,8 milhões), seguido pela Índia (84,9 milhões), Brasil (61,2
milhões) e Indonésia (60,5 milhões).

O Facebook registrou em 2013 um lucro líquido de US$ 1,5 bilhão, com


um volume de negócios de US$ 7,9 bilhões alcançados essencialmente por meio
de publicidade. No mesmo ano a gigante Facebook captou 5,7% das despesas
mundiais com publicidade na rede, quando abordado a publicidade direcionada
a dispositivos móveis os números chegaram a 18,44% da quota do mercado,
perdendo apenas para o Google (UOL, 2014).

Marketing Político

Muniz (2002) define marketing político como um conjunto de técnicas que


tem como fim moldar um candidato ao seu eleitorado foco, procurando fazê-lo,
a princípio, o mais conhecido possível para o maior número de eleitores e, em
segundo, mostrando o que ele tem de distinção de seus adversários. Já Savigny
396

(2008) afirma que o marketing político serve para expor a profissionalização da


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comunicação política, que inclui o aumento do uso de assessores políticos, de


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campanhas negativas, da publicidade e das técnicas de relações públicas. Neste


sentido o marketing desponta como instrumento de estratégia e parceria do
processo eleitoral.

A ação do buzz marketing é essencial em todo marketing político. Um das


ferramentas de marketing mais conhecidas é o "marketing boca a boca" ou buzz
marketing, que Bentivegna (2002) caracteriza como sendo a divulgação de
produtos e serviços por canais interpessoais, compreendendo um componente
essencial do composto de comunicação de diversas empresas.

O alcance e o crescimento da rede social facebook no Brasil é uma


realidade crescente e não pode ser desprezada por qualquer político do país que
pretenda se utilizar de estratégias de marketing político. Merigo (2008) destaca
que a maneira de fazer campanha adotada por Barack Obama foi uma pequena
grande revolução não só no marketing político, mas na maneira de fazer
comunicação, permitindo a total interação dos eleitores e influenciando sua
intenção de voto por meio das redes sociais.

Apesar dos riscos que o político pode correr com sua constante presença
nas redes sociais é importante que ele não abra mão desta ferramenta, pois
como lembra Telles (2010, p.174) "os candidatos devem estar preparados para
ouvir e reagir de forma estratégica. Cerca de 60% das pessoas afirmam que só
concretizam um negócio após pesquisar na internet, na política não será
diferente”.

MÉTODO DO TRABALHO

Segundo Berto e Nakano (1999), as abordagens de pesquisa são


397

procedimentos que orientam o processo de investigação, ou seja, tratam da


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natureza e formulação do problema que se pretende estudar, levando à

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identificação dos métodos e dos tipos de pesquisa que se enquadra a situações


buscadas.

Este trabalho utilizou, inicialmente, o método de pesquisa bibliográfica que


Michel (2005, p. 32) define como “uma fase da pesquisa, cujo objetivo é auxiliar
na definição de objetivos e levantar informações sobre o assunto objeto de
estudo”. Outro método de pesquisa foi a aplicação de questionários para se
identificar a percepção da população quanto ao uso das redes sociais
(Facebook) como instrumento de marketing político. O público-alvo eram
eleitores do município de Monte Alto.

O questionário buscava informações que demonstrasse a percepção do


eleitor quanto: seu perfil do usuário na internet e no Facebook, utilização das
redes sociais como ferramenta de relacionamento e marketing digital e qual o
grau de influência das informações do Facebook em suas decisões relacionadas
à política. Sua aplicação foi realizada em um período de três semanas por meio
da criação de um formulário eletrônico (Google Docs).

A distribuição do questionário foi realizada em quatro etapas. Primeiro,


através da publicação de post no feed de notícias do perfil do primeiro autor do
trabalho com o chamado para os sujeitos da pesquisa. Nos primeiros seis dias
após a publicação foi possível constatar o registro de quarenta e oito respostas.
Após aquela data, o post foi novamente republicado e ao final deste segundo
ciclo chegou-se à um total de oitenta e dois formulários preenchidos.
Transcorridos doze dias desde a primeira publicação da pesquisa, o link para o
questionário eletrônico foi enviado através de correio eletrônico para 150
contatos (ação da pesquisa), ou seja, eleitores residentes na cidade de Monte
Alto. Ao final desta etapa, chegou-se a um total de 140 questionários
398

preenchidos. A quarta e última etapa, realizada três dias após o ciclo anterior foi
uma nova republicação do post para preenchimento do formulário no timeline do
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primeiro autor e envio, via chat interno do facebook, para usuários residentes no
município de Monte Alto. Passados seis dias desde a execução da quarta etapa
a pesquisa foi encerrada com um total de duzentos e dezenove formulários
respondidos, o que equivale a 0,6% dos eleitores aptos e 0,85% dos votos
válidos do 1º turno das eleições realizadas em outubro de 2014 do eleitorado do
município de Monte Alto.

Os dados da pesquisa são quantitativos. Segundo Lakatos e Marconi


(2001), a pesquisa quantitativa consiste em descobrir quantas pessoas de uma
determinada população, no caso Monte Alto, compartilham uma característica
ou um grupo de características. Ela é utilizada para se fazer medidas precisas e
confiáveis para análises estatísticas, sendo apropriada para medir opiniões,
atitudes e comportamentos.

RESULTADOS

Dentre os pesquisados chegou-se a um percentual de 68% mulheres e


32% homens, dos quais a maioria encontra-se na faixa etária entre 26 e 32 anos
(29%), seguido de 40 à 49 anos (23%), logo após empatados com 18% as faixas
de 17 à 25 e 33 à 39 anos. Por fim com 12% do total entrevistados apontaram
ter 50 anos ou mais. Uma questão interessante quanto aos usuários do
Facebook estão acima dos 40 anos, o que corresponde a um terço dos
pesquisados. Isto evidencia claramente que o uso desta rede social dentre os
pesquisados não é exclusividade da parcela mais jovem da população.

Quando perguntados sobre a escolaridade, estado civil e renda a


pesquisa obteve os seguintes dados: a) ensino superior completo (32%); pós-
399

graduação (30%), ensino médio Completo (18%) e ensino superior Incompleto


(13%). No tocante ao estado civil, a maioria declarou estarem casados (47%),
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seguido pelos solteiros (37%), pelos separados, desquitados, divorciados (11),


outros (4%) tendo por último os viúvos com apenas 1%.

A pesquisa atingiu uma parcela da população com maior renda, uma vez
que apenas 10% do total declaram ganhar até um salário mínimo, os outros 90%
assumiram ganhar acima de um salário mínimo, distribuídos da seguinte
maneira: de 1 à 4 salários (59%), de 5 à 8 (25%) e acima de 8 salários 6% dos
entrevistados.

A figura 1 demonstra que 79% dos pesquisados leem diariamente algum


tipo de notícias, 10% acompanham as notícias de duas a três vezes por semana,
os que leem uma vez por semana ou ocasionalmente empataram com 5% dos
entrevistados, já os que não leem notícias perfazem apenas 1% do total. Já a
figura 2 apresenta o tipo de leitura preferida. Observa-se que os três tipos de
maior preferência são atualidades (25%), educação (21%) e política (12%).

5% 1%
5% Diariamente
10%
De duas a três vezes por
semana
Uma vez por semana
79%
Ocasionalmente

Não lê notícias

Figura 1 – Percentual da frequência de leitura de notícias.


400
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1% 2% Esporte
12% 8% Comportamento
4% 11%
5% Moda
Economia
21% 11%
Atualidades
Educação
25% Artes
Política
Terceiro setor
Outros

Figura 2 – Notícias que mais chamam a atenção.

Quando perguntado sobre qual a principal mídia de informação utilizada


para encontrar notícias, observa-se que a internet (incluindo sites e blogs) obteve
o maior número de indicações (85%). A Figura 3 apresenta a influência dos
demais meios de comunicação.

Outros 1%
Não sabe 0%
Nenhum 0%

Jornal impresso 29%

Revista 11%

TV assinatura 34%
Internet (sites e blogs) 85%

Facebook 63%
24%
Rádio
TV aberta 52%
401

Figura 3 – Principal mídia de informação.


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A figura 4 apresenta os resultados quanto à frequência com que os


entrevistados se mantêm conectados à internet. Observa-se que a porcentagem
de pessoas que utilizam a internet diariamente e ou que ficam sempre
conectados é superior a 90%, o que demonstra o impacto desse meio em nossa
sociedade.

1%0% Fico conectado o tempo todo


10%
26%
Utilizo todos os dias

De uma a três vezes por


semana
63% Utilizo somente nos finais de
semana
Utilizo raramente

Figura 4 – Frequência do Uso da Internet.

Ao serem inquiridos sobre qual o principal motivo para o uso do facebook


35% revelaram ser pelo fato da rede social possibilitar a comunicação, partilha e
interação de ideias, notando-se que 19% utilizam por passatempo; 7% para tratar
de assuntos de interesse comum; 6% como ferramenta para fins profissionais;
4% para ler notícias; 3% jogar online; 3% pesquisar sobre
empresas/produtos/serviços; 1% divulgação de conteúdo próprio e 1%
justificaram o uso por outros motivos.

Na questão sobre como definiam seu perfil no facebook metade dos


pesquisados (50%) declaram ser participante, ou seja, compartilha conteúdo e
interage, notando-se que: 29% declarou-se expectador que só olha o que está
acontecendo; 19% todas as opções mencionadas e 2% criador que declara
402

publicar conteúdo próprio nas redes.


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Quando perguntados se as informações obtidas nas redes sociais


influenciam ou já influenciaram suas decisões de compra, a grande maioria dos
pesquisados (71%) afirmou que sim. Cerca 27% disseram não ser influenciados
por essas informações e apenas 2% afirmaram que sempre são influenciados.
Quanto ao acompanhamento de páginas e perfis de empresas, produtos e
serviços, 54% responderam que acompanham, 17% disseram não e 29%
relataram que às vezes acompanham (Figura 5).

29% Sim
Não
54%
Às vezes
17%

Figura 5 – Acompanhamento de páginas e perfis de


empresas/produtos/serviços.

Outros questionamentos indagavam aos pesquisados sobre sua


participação em grupos de interesse. Nestas questões 78% afirmaram participar
de grupos e 22% não. Dos que participavam 45% declaram participar de grupos
ligados à sua cidade, 35% participavam de grupos profissionais, 23%
participavam de grupos que tratam de temas relacionados à família. Entre os
que afirmaram seguir grupos ligados a movimentos políticos, o percentual de
participação foi de 11%.

A figura 6 mostra o hábito de leitura de postagens relacionadas com a


403

política onde 61% evidenciaram ler às vezes, 33% sempre e 6% nunca. Os


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dados mostram que apesar do inconsciente coletivo de aversão à política


existente no Brasil apenas 6% nunca leem postagem de direcionamento político.

Sempre
6% Às vezes
33%
Nunca

61%

Figura 6 – Frequência de leitura de postagens políticas.

O trabalho de marketing político virtual realizado pelas campanhas e


coordenadores de mandatos podem também acarretar uma percepção negativa
junto à comunidade onde está inserido, desta forma a figura 7 demonstra o que
faz com que o leitor pare de acompanhar uma postagem relacionada à política.
Do total pesquisado a maioria (41%) opta por parar de ler quando a postagem
se refere a comentários inadequados, como xingamentos, palavrões, ataque a
vida pessoal, 25% quando não se identifica com o assunto,15% devido ao
desinteresse,14% pensamento contrário ao assunto abordado e 5% outros.
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Desinteresse
5% 15%
14%
Não identificação com o assunto
25%
Comentários
41% inadequados(xingamentos,palavrões,ataques a
vida pessoal)
Pensamento contrário ao assunto abordado

Outros

Figura 7 – Ao ler uma postagem relacionada à política, o que faz parar de


ler.

Ao analisar a figura 8 nota-se que a forma de participação nos posts


políticos ainda é muito tímida uma vez que a grande maioria (39%) não se
manifesta e outros 26% se manifestam, mas da forma mais discreta possível
através das curtidas, ainda nota-se que 16% compartilha, 15% comenta e 4%
utiliza-se de todas as ferramentas citadas.

4%

15%
Não se manifesta
39%
Compartilhando
Curtindo
Comentando
26%
Todas as mencionadas
405

16%
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Figura 8 – Manifestação sobre as postagens políticas no facebook.


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Na figura 9 é apresentado os números dos pesquisados que seguem o


perfil de algum político através da rede social facebook, em tela, 71% declara
não seguir nenhum perfil, 21% declara acompanhar o perfil de algum político e
9% às vezes acompanha. Quando se compara estes resultados com o
engajamento dos usuários no acompanhamento do perfil de empresas e
produtos, observa-se um nível de interesse significativamente menor. Isto pode
ser explicado em parte pela histórica falta de engajamento político da sociedade
brasileira existente nas últimas décadas, onde a população acompanha de perto
lojas e produtos, mas deixam de lado seus representantes eleitos.

9% 20%
Sim
Não
71% Ás vezes

Figura 9 – Sobre hábito de seguir o perfil de algum político.

A figura abaixo apresenta certa contradição dos pesquisados uma vez que
na questão anterior, 71% afirmam não acompanhar nenhum perfil político, mas
na questão seguinte 64% afirmam ser importante que políticos mantenham ativo
perfil na rede social facebook, 25% mencionam não fazer diferença a
manutenção do perfil e outros 11% pontuaram com não ser necessário.
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25%
Sim
11%
64% Não
Tanto faz

Figura 10– Sobre a importância dos políticos manterem perfis no


facebook para acompanhamento das eleições e de seus mandatos.

A figura 11 capta a percepção dos pesquisados no tocante a finalidade da


qual um político deve manter seu perfil no facebook, onde 52% deixou claro que
o facebook do político deve servir para conhecer as necessidades da população,
35% para a prestação de contas do mandato, opiniões sobre o mandato e outros
empatados com 4% cada, divulgação de políticos e campanha política igualados
com 2% e sem nenhum percentual de críticas aos seus opositores. O alto
percentual da opção “conhecer a necessidade da população” deixa claro o
desejo de aproximação que sociedade possui em relação aos políticos, ela
necessita se sentir representada e para isso o político necessita conhecer suas
necessidades e seus anseios, sendo o facebook uma ferramenta fantástica para
tal fim.
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0% 3%
2% Prestação de contas do mandato
4%

35% Opiniões sobre o mandato

Conhecer necessidades da
população
Divulgação de políticos
52%
4% Críticas aos seus opositores

Campanha política

Outros

Figura 11 – Finalidade do perfil de um político no facebook.

Na figura 12 é a apresentada a concepção que os pesquisado tem sobre


quais postagem de cunho político chamam mais atenção no facebook, notando-
se que 41% declara lhe ser mais útil a divulgação de ações já realizadas, 35%
propostas de ações futuras e 24% a difusão de denúncias.

24% Denúncias
41%
Propostas de ações futuras

35% Divulgação de ações já


realizadas

Figura 12 – O que lhe chama atenção em postagens de cunho político


408
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Foi perguntado aos pesquisados se deixariam de seguir um político se


suas postagens fossem apenas críticas a seus opositores. Nesta questão a
figura 13 testemunha que a esmagadora maioria (73%) deixaria sim de seguir o
perfil, 11% não saberiam se deixariam de seguir, 10% não deixariam e 6%
seguiram apenas para conhecer as críticas aos outros.

6% 11% Sim
10%
Não
73%

Seguiria apenas para conhecer as


críticas aos outros

Não sabe

Figura 13 – Se deixaria de seguir o perfil de um político se suas


postagens fossem apenas críticas a seus opositores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É incontestável que há um novo eleitor em construção e a melhora do


nível de escolaridade e democratização da informação está se transformando
em mais consciência política. O eleitor não deve mais ser trabalhado como
básico receptor de informações, as campanhas eleitorais se deparam cada vez
mais com eleitores mais exigentes e seletivos, que querem um candidato que
fale diretamente para ele. Neste contexto, é importante conhecer a influência das
redes sociais em sua construção política.
409

Assim as campanhas não podem abrir mão dos recursos da web 2.0 que
proporcionam todas essas ferramentas necessárias para atender as
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necessidades do novo perfil do eleitor. As redes sociais serão cada vez mais,
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definitivamente, o canal direto de comunicação entre a sociedade e os políticos,


basta a iniciativa e a sensibilização por parte dos coordenadores de campanha
e mandato para que os agentes políticos ou postulantes se joguem nos braços
do povo virtual presente nas redes sociais.

Este trabalho de pesquisa permitiu observar a importância do Facebook


como ferramenta de marketing político, tendo como principal vértice o eleitor
montealtense e como ele percebe e assimila as postagens de cunho político
existente nessa rede social. Para tanto, foi realizada uma pesquisa com 219
eleitores da cidade de Monte Alto.

A pesquisa mostrou que os eleitores da cidade de Monte Alto são usuários


da rede social Facebook. Apesar de não seguirem, em sua maioria, o perfil de
nenhum político, possuem um considerável interesse pela temática política,
sendo que 45% dos pesquisados declaram participar de grupos ligados a cidade
e apenas 6% declaram nunca ler postagens de cunho político.

O poder das redes sociais nos processos de mobilização social, ainda é


algo obscuro em vários aspectos, seja por sua fluência, seja pelos extremismos
e incertezas, seja pela característica por vezes provisória de muitas mobilizações
virtuais realizadas entre indivíduos desconhecidos, que possuem como traço
comum apenas o descontentamento com relação à algum fato ou ainda alguma
utopia em comum.

Ficou claro que o Facebook exerce sim uma enorme influência na vida
cotidiana e na formação da opinião pública, mas apesar de toda essa
transformação causada pelas mídias sociais, a pesquisa confirmou o que já há
muito tempo é debatido no país: a grande maioria das pessoas não querem e
não costumam se inteirar de questões políticas. Isso foi evidenciado em diversos
410

pontos da pesquisa, quando, por exemplo, 71% declaram não seguir perfil de
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qualquer político e 39% disseram não se manifestar no facebook quando o tema


discutido é política.

Entretanto, acredita-se que o uso do facebook na formação política do


indivíduo deva aumentar nos próximos anos, isto se justifica na realidade das
pessoas estarem cada vez mais conectadas o tempo todo de todas as formas,
no aumento do hábito de buscar informações de todos os tipos através das
mídias digitais, pelo uso mais frequente do Facebook como instrumento político
por parte dos candidatos e detentores de mandato e pelo desejo dos
entrevistados de que os políticos tenham perfis ativos que permitam a
aproximação com o eleitor.

A sociedade espera que os políticos mantenham este elo com o cidadão


através da manutenção de perfil no facebook e que utilizem esse espaço de
maneira especial, para conhecer as necessidades da população e prestar contas
do seu mandato, não utilizando este espaço apenas para críticas e agressões.

A pesquisa esclarece ao mostrar que 52% esperam que o perfil político


no facebook seja para conhecer as necessidades da população, que a sociedade
almeja que seus representantes tragam ao facebook temas vinculados aos
problemas do presente, mas que não deixem de trazer à discussão temas sobre
o destino que o candidato/governante sonha para o país, município e quais as
reformas, mudanças, ações que levem ao destino que defende, para que não
sejamos prisioneiros do imediato, na mesma questão nos deparamos com 35%
declarando que espera do político no facebook a demonstração de prestação de
contas do mandato, ou seja, coloca a rede social em questão como ferramenta
de fiscalização do cumprimento das promessas de campanha.

Por fim, vale destacar que o eleitor usuário das redes sociais deseja
411

encontrar perfis de candidatos e governantes que sejam um verdadeiro elo de


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comunicação durante os anos de mandatos, contato boca a boca tão importante


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durante décadas agora necessita ser realizado também de forma virtual e o


candidato apto para atuar neste novo cenário terá um diferencial na corrida pela
conquista dos votos, afinal a história se repete, e assim se antes os seres
humanos se uniam em torno da beleza do fogo, hoje se unem e se reúnem
através das redes sociais.

Este trabalho têm limitações, das quais se destaca o fato de ter sido
realizado com uma parcela pouco representativa do eleitorado da cidade de
Monte Alto e utilizado uma amostra não probabilística, que impossibilita que as
conclusões sejam extrapoladas para o âmbito de todos os brasileiros, as
ponderações estão limitadas à área de alcance da amostra. Todavia, os
resultados apresentados fornecem evidências da importância das redes sociais,
em especial, o Facebook nas opiniões políticas da população.

A realidade das campanhas políticas nas redes sociais ainda é algo que
necessita ser muito explorado e analisado, a dimensão sociopolítica e o uso da
internet descortinam que as práticas da ação política encontram neste campo,
dispositivos que servem tanto para mobilizar e socializar quanto para agregar
uma coletividade de indivíduos com proposições de ajustes em comum, assim
este tema deve ser peça de atenção dos pesquisadores em marketing,
campanhas eleitorais e mídias sociais principalmente no que se refere ao
Facebook. Indagações como (a) quais as tendências de comportamentos e
desejos dos grupos formados nas redes; (b) quais as interferências e influências
das informações nesses grupos e seus reflexos; (c) quais os tipos de abordagens
adotadas por políticos na rede facebook mais agradam os eleitores; (d) diante
de quais conteúdos ou situações os eleitores tendem a serem seduzidos a
participar das discussões com outros usuários; (e) quais tipos de postagens de
412

matérias de campanha e mandato trazem maiores ações de compartilhamento,


comentários e curtidas; (f) quais critérios de interpretação devem ser adotados
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para se discernir os significados das posturas de cada usuário; (g) quais ações
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levariam ao usuário do facebook a seguir o perfil de um político são algumas das


possibilidades de contorno de pesquisa que ainda esperam por análises,
discussões e conclusões a fim de que possa compreender de que forma se tem
dado o marketing político no facebook e como o usuário tem se interessado e se
influenciado neste tipo de comunicação política, em uma dos territórios de
comunicação digital mais importante da atualidade: o facebook.

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A REDE SOCIAL FACEBOOK ® E A PERSPECTIVA DE
INTERESSE DE USUÁRIOS POR TEMAS ELEITORAIS NA THIAGO APARECIDO CETRONI
CIDADE DE MONTE ALTO – SP
THIAGO APARECIDO CETRONI
A REDE SOCIAL FACEBOOK® E A PERSPECTIVA DE INTERESSE DE USUÁRIOS POR TEMAS
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A REDE SOCIAL FACEBOOK ® E A PERSPECTIVA DE


INTERESSE DE USUÁRIOS POR TEMAS ELEITORAIS NA THIAGO APARECIDO CETRONI
CIDADE DE MONTE ALTO – SP
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O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E SUA RELAÇÃO NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO A
PARTIR DA REFORMA POLÍTICA EM 2003 E 2014

GRUPO DE TRABALHO 2 – GT2


PARTIDOS E POLITICAS PÚBLICAS

O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E SUA RELAÇÃO


NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO A PARTIR DA
REFORMA POLÍTICA EM 2003 E 2014

CHARLES ELEOTÉRIO GAMA

Graduando em Políticas Públicas pela UFF. E-


mail:charlesgama@id.uff.br
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POLÍTICA EM 2003 E 2014
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RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar os impactos dos diferentes tipos de
financiamento de campanha (público e privado) dentro do sistema político
brasileiro. Levantaremos questões sobre quem os atores que propõem a reforma
e quando essa pauta entra e sai de questão dentro desse período estudado.
Para entendermos esse processo, será feito um estudo sobre reforma política no
que diz respeito ao financiamento de campanha desde antes mesmo a
constituição de 1988. A ideia é trazer quando essa proposta passa a ser discutida
no congresso e quais os impactos dela a partir dos anos de 2003 e 2014 que é
o nosso período de análise temporal. Vale lembrar que esse é um estudo inicial
e que ainda está em curso, portanto não apresentaremos aqui conclusões e sim
ideias para novos debates.

ABSTRACT

The present article has the goal of analyzing the several types of (public and
private) financing campaigns inside the Brazilian political system. We will discuss
issues about who proposed the political reform and when this AGENDA gets into
or out of the question within this period studied. To understand this process, it will
be made a study about political reform in regard to the financing campaign since
even before the 1988 constitution. The idea is to expose when this proposal
becomes to be discussed in Congress and what are its impacts from the 2003
and 2014 years which it is our period of temporal analysis. It is important to
remember that it is an initial study and it still ongoing, therefore we does not
418

present conclusions but ideas for new debates.


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INTRODUÇÃO

Os estudos sobre Reforma Política no Brasil tem chamado a atenção nos


últimos anos pelo aumento no debate nacional. O financiamento de Campanha
que é nosso assunto principal toma força nessa discussão e passa a ser um dos
pontos mais importantes e citados nesse processo de Reforma. No decorrer do
artigo analisaremos a reforma politica e seus significados no sistema político
brasileiro; um segundo ponto seria o financiamento de campanha: uma análise
entre o público e o privado. Partiremos para uma discussão mais ampla
abordando o financiamento de campanha no Brasil: empresas, sindicatos,
partidos políticos e a máquina estatal. Em um penúltimo ponto antes das
considerações finais trataremos o financiamento público como uma política
pública a partir da ótica do estado.

A REFORMA POLÍTICA E SEUS SIGNIFICADOS NO SISTEMA POLÍTICO


BRASILEIRO

O cenário político atual brasileiro tem vivido momentos críticos. Desde a


Constituição de 1988, no que diz respeito ao sistema eleitoral brasileiro, nunca
foi aprovada de fato uma reforma política no Brasil25. A reforma política pode ser
entendida como um conjunto de propostas para uma reorganização do sistema
político brasileiro que não foram modificadas na Assembleia Nacional
Constituinte 1987/1988 (SOARES, RENNÓ 2006; PEIXOTO 2005; RABAT
2011).

Isso não quer dizer que as regras sejam as mesmas desde a Constituição.
Algumas leis já modificaram as regras das eleições, sendo uma delas a lei da
419

Ficha Limpa em 2010. É a partir do final da década de 90 que o assunto toma


Página

Ver: Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à democracia. Adriano Nervo
25

Codato.
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forma como o que se vem discutindo hoje, se caracterizando em torno de alguns


pontos: reorganização ampla das regras do sistema político e da forma de
financiamento de campanha, a criação de novas instituições capazes de
aumentar a participação e os diferentes padrões de interação entre instituições
representativas e participativas. “O financiamento público é uma das medidas
mais mencionadas quando se fala em reforma política no Brasil. No Brasil, o
financiamento público está previsto na legislação desde 1971, mas só passou a
ser significativo a partir de 1995, com a instituição do Fundo Partidário”
(INSTITUTO ETHOS, 2014 p.9).

Desde os debates da constituição de 1988, o tema reforma política vem


sendo recorrente na agenda do congresso nacional. As alterações mais
relevantes nesse processo de reforma são: substituição do voto proporcional em
listas abertas, pelo sistema distrital misto; a proibição das coligações nas
eleições proporcionais e o financiamento de campanha. Speck (2005) afirma que
o fato de a economia brasileira estar bastante voltada para o mercado externo
era um fator que poderia despertar mais o interesse de empresas estrangeiras e
multinacionais pela política do país, onde o interesse poderia acarretar
intervenções indevidas dessas organizações, nas eleições, por meio do
financiamento de candidatos e partidos que pudessem lhes beneficiar de algum
modo.

No Brasil, as discussões sobre reforma política têm sido


frequentes nos últimos anos. O debate engloba uma ampla
gama de projetos em vários itens, como sistema eleitoral e
métodos de votação, sistema de governo, obrigatoriedade
do voto, legislação partidária, disciplina partidária e trocas
420

de legenda, coligações e financiamento político, entre


outros. O problema é que sob o termo “reforma política” se
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abrigam muitas concepções diferentes de qual seria o


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modelo político mais adequado ao país – e,


consequentemente, de qual seria o modelo mais
apropriado de financiamento dos partidos e das
campanhas (INSTITUTO ETHOS, 2014 p.8).

Dentre a situação política brasileira contemporânea, temos as seguintes


opções de reformas: Voto Distrital, Contra Eleição por Lista e Pela Reforma
Partidária sem prévia redemocratização do sistema eleitoral e da vida interna
dos partidos, Eleição para Suplente de Senador, Eleição para Deputado do
MERCOSUL, Representação por pessoa, Volta da Democracia aos partidos.
Exigência imprescindível para adoção do voto distrital, Fim do Foro Privilegiado
para Políticos, Ampliação da Ficha Limpa, Cortar Mordomias e Regalias de
Políticos, Financiamento Público de Campanha dentre outros. Se nos
compararmos com outros países, iriamos perceber que vivemos em uma
Democracia atrasada. A deia de reforma politica nos remete a termos um país
livre de corrupção e com maior participação social no processo de Democracia,
o que não vem acontecendo no Brasil.

Dentre os diversos obstáculos que a Reforma Política vem enfrentando, o


principal deles consiste em uma forte oposição dos atuais membros do sistema
político a qualquer reforma que envolva o financiamento público ou até mesmo
uma reorganização mínima do sistema político. A incapacidade do Congresso
Nacional de realizar a reforma política acabou levando o STF a deliberar sobre
diversos pontos da reforma política. Sendo assim, o STF tomou algumas
decisões fundamentais sobre a reforma política nos últimos anos: a redução do
número de vereadores (2004), a derrubada da cláusula de barreira (2006), a
decisão sobre fidelidade partidária (2008) entre outras. Por mais que não tenha
421

sido no Brasil uma configuração virtuosa, é de extrema importância uma conexão


entre soberania popular e organização do sistema político.
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Vitor de Moraes Peixoto (2002) afirma que assim como em boa parte dos
regimes democráticos, no Brasil existem muitas propostas para a reforma do
sistema de financiamento de partidos políticos. Aspectos como a manutenção da
competitividade eleitoral e a diminuição da intervenção do poder econômico na
representatividade são constantemente mobilizados pelos defensores do
financiamento exclusivamente público das campanhas. Por outro lado, há quem
advogue a liberdade do cidadão de escolher os partidos (ou candidatos) aos
quais os recursos privados devam se destinar, e não o Estado.

Ainda segundo o autor, caso seja aprovada sem garantias de igualdade


no uso do dinheiro público e sem um sistema de fiscalização severo para garantir
efetiva isonomia entre candidatos, será mais uma vergonha nacional assim como
temos visto acontecer atualmente. A realidade eleitoral hoje retira muita gente
inteligente e honesta da vida partidária. Mal aplicado, o financiamento público
poderá agravar o autoritarismo e o desvio do mau uso do dinheiro público. O
financiamento público de campanha acaba sendo um ponto negativo ao usar a
receita proveniente da alta tributação para ser aplicada em partidos políticos,
onde o povo acaba sendo o maior prejudicado (PEIXOTO, 2002).

De acordo com Rawls (1993), o financiamento público e a regulação dos


recursos de campanha são compatíveis com o papel central da liberdade do
discurso político e da liberdade de imprensa. Ambas são liberdades básicas, uma
vez que se observam três condições: a primeira é que não haja qualquer
restrição ao conteúdo do discurso; a segunda, que os arranjos institucionais de
regulação afetem igualmente todos os grupos políticos e, portanto, não coloque
uma obrigação indevida sobre grupos políticos particulares; e, terceira, que as
várias normas que incidem sobre o discurso político sejam racionalmente
422

desenhadas para atingir o valor justo das liberdades políticas. O autor pensa
ainda que instituições mais específicas são também necessárias para garantir o
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valor equitativo das liberdades políticas e a igualdade equitativa de


oportunidades (RAWLS, 1993).

Para aprofundarmos o assunto, analisaremos adiante o financiamento


público e privado dentro do contexto brasileiro. Entender o significado da reforma
Política, o sistema eleitoral brasileiro, as mudanças no nosso sistema eleitoral e
a agenda da reforma política no Brasil é de mera importância, uma vez que os
partidos políticos podem tomar decisões sobre o coletivo representando um
importante papel da Democracia brasileira.

FINANCIAMENTO DE CAMPANHA: UMA ANÁLISE ENTRE O PÚBLICO E O


PRIVADO

Dentre os principais pontos da reforma política o tema relativo ao


financiamento de campanha é o que pretendemos analisar no presente estudo.
Hoje, o financiamento no Brasil é misto (público e privado), porém o relatório
prevê um financiamento misto, mas com regras para as doações de empresas:
elas só poderão doar a partidos e não a candidatos. A partir de então se inicia
essa discussão em torno do financiamento de campanha no sistema eleitoral
brasileiro.

Sem o recurso financeiro os candidatos ficariam impossibilitados de


realizarem atividades de campanha, manter um diálogo com a sociedade
referente à suas propostas e ficaria impossibilitado também de reunir sua equipe
de trabalho que organizam suas respectivas campanhas, além dos materiais
publicitários e das pesquisas eleitoreiras buscando saber o rumo das
campanhas. Assim, o recurso financeiro seria um dos principais fatores para que
423

o candidato tenha grandes chances de sucesso nas urnas. “Uma analise


preliminar da relação entre arrecadação e desempenho eleitoral revela que
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recursos e votos estão fortemente vinculados” (SACCHET; SPECK. 2012 p.


183).

A ideia do financiamento público às campanhas eleitorais brasileiras


nasce devida, principalmente, aos vários escândalos de corrupção que assolam
o país. Esses escândalos não são recentes e se buscarmos na história do país
encontraremos vários outros motivos para uma análise dessa proposta de
reforma26. Esse financiamento pode ser entendido a partir da ideia de que todo
dinheiro investido em campanhas políticas seria obrigatoriamente público.
Temos nesse sentido que o financiamento público seria uma forma de amenizar
os atos oportunistas de empresários que se aproveitariam desse processo para
fazer carreira baseada na ilegalidade. “A opção pelo financiamento público,
adotada por vários países, não é a única possível. Há países que até têm alguma
medida de financiamento público, mas sua opção preferencial é por um modelo
de controle de gastos partidários e de campanha. Bons exemplos nesse caso
são o Canadá e o Reino Unido” (INSTITUTO ETHOS, 2014 p.9).

Sabemos que existem constantes ligações dos principais interessados


nessa reforma com o período eleitoreiro como, por exemplo, o desvio de verbas
públicas para o financiamento de campanha, que seria o cerne de nossa questão
tendo também o pagamento do investimento feito por empresários dentre muitos
outros. Tentaremos aqui compreender quais são os meios para que essa reforma
seja proposta a fim de não proporcionar ainda mais a desigualdade de direitos
no país.

Um fenômeno que tem chamado à atenção, segundo Peixoto (2002)


seriam os sistemas de financiamentos dos partidos políticos. “Longe de ser um
“privilégio” para os países recém-democratizados, a regulamentação do apoio
424
Página

26
Ver O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS NO BRASIL E A PROPOSTA DE
FINANCIAMENTO PÚBLICO EXCLUSIVO. Márcio Nuno Rabat. Biblioteca da câmara Municipal. 2011
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financeiro aos partidos tem gerado debates acalorados também em países de


longa tradição democrática” (PEIXOTO, 2002, p. 92).

Hoje no Brasil o financiamento das campanhas políticas é público e


privado. Em maio de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a votar
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pela Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), pedindo a proibição total da doação de empresas para
campanhas. A maioria dos ministros votou a favor da proibição totalizando seis
votos a um (6 a 1). O julgamento, porém, foi suspenso antes do voto dos outros
quatro ministros, pois o ministro Gilmar Mendes pediu vistas ao processo. Assim,
essa decisão ainda não teve efeito. "Art. 24-A. É vedado ao candidato receber
doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade
de qualquer espécie, procedente de pessoa jurídica” (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 1997).

A câmara dos deputados em Maio de 2015 aprova uma proposta que


inclui na Constituição a doação de empresas a partidos. Ou seja, a constituição
passará a permitir expressamente que as empresas doem dinheiro para as
campanhas políticas, desde que as doações sejam feitas diretamente para os
partidos, e não para os candidatos. Cabe agora ao Senado avaliar se aprova ou
não essa decisão uma vez que a proposta de inclusão do financiamento privado
na Constituição foi aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado. “Uma das vantagens de se exigir que os candidatos registrem doações
e despesas durante a campanha é que a mídia, e assim os eleitores, tem uma
visão direta muito maior dos interesses econômicos que apoiam os candidatos”
(RENNÓ e SOARES; 2006 p. 152).

O financiamento privado gerou uma grande discussão em torno do


425

problema “caixa dois” que seria um fundo de recurso ilegal uma vez que a justiça
eleitoral não fiscalizava as contas partidárias. Assim, o maior problema do
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financiamento privado de campanha seria a corrupção e as dividas dos


governantes eleitos com empresas privadas. Esse seria um dos motivos para
tornar o financiamento de campanha totalmente público. "Art. 24-B. Doações e
contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas
para os partidos políticos a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos
ou coligações” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1997).

A partir da década de 1990, o Brasil, ao contrário de outros países da


América Latina, adotou uma lei que exige que todos os candidatos apresentem
uma prestação de contas detalhada sobre as contribuições de campanha. A
partir de então, o TSE tem agrupado todos os dados de contribuições relatadas.
Dados esses detalhados onde cada registro inclui o partido do candidato e o
número de identificação do TSE, data da contribuição, nome do contribuinte e
valor (SOARES, RENNÓ 2006).

Em explicação ao financiamento totalmente público, a câmara dos


deputados prevê:

A reforma política prevê o financiamento das campanhas


eleitorais exclusivamente com dinheiro público. Doações
de pessoas físicas e empresas são proibidas e sujeitas a
punição. Em ano eleitoral, conforme a proposta, serão
incluídos na Lei Orçamentária créditos adicionais para
financiar campanhas eleitorais com valores equivalente ao
número de eleitores do País. Os recursos serão
multiplicados por R$ 7, tomando-se por referência o
eleitorado existente em 31 de dezembro do ano anterior à
elaboração da lei Orçamentária. Tomando como base um
426

eleitorado de 115 milhões de pessoas, o valor destinado à


campanha seria de R$ 805 milhões.
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O Tesouro Nacional depositará os recursos no Banco do


Brasil, em conta especial à disposição do Tribunal Superior
Eleitoral, até o dia 1º de maio do ano do pleito. Caberá ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fazer a distribuição dos
recursos aos diretórios nacionais dos partidos políticos,
dentro de dez dias, contados da data do depósito,
obedecendo aos seguintes critérios:
- 1%, dividido igualitariamente entre todos os partidos com
estatutos registrados no TSEl;
- 14%, divididos igualitariamente entre os partidos e
federações com representação na Câmara dos Deputados;
- 85%, divididos entre os partidos e federações,
proporcionalmente ao número de representantes que
elegeram na última eleição geral para a Câmara dos
Deputados (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2005).

Candido (2010), ao falar sobre o financiamento de campanhas, nos


mostra que no geral as doações são para as campanhas eleitorais. Os
contribuintes podem doar recursos desde que sejam lícitos, dentro da lei, ao
seu juízo de oportunidade posto que tenham que prestar contas sobre eles.
Essa seria segundo o autor, uma forma de garantia para preservar os partidos
políticos, candidatos e coligações de doação fraudulentas mantendo a
legitimidade das eleições. Candido ainda afirma que as doações acima dos
limites fixados são consideradas infrações administrativas sujeitas a Ação de
Investigação Judicial Eleitoral, visando à obtenção da inelegibilidade do
doador-infrator, sendo ele candidato ou não.
427

A partir dessa discussão, analisaremos a seguir como se dá o


financiamento de campanha no Brasil dentro dessa perspectiva trazida
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anteriormente com um olhar focado para as empresas, os sindicatos, a


sociedade e a máquina estatal.

FINANCIAMENTO DE CAMPANHA NO BRASIL: EMPRESAS, SINDICATOS,


PARTIDOS POLÍTICOS E A MÁQUINA ESTATAL

A partir da discussão anterior, podemos apontar que os resultados das


campanhas eleitorais e, por conseguinte sua eleição apresenta de fato um
vinculo com as doações nos gastos de campanha. Sendo assim, os doadores
passam a ser fundamentais dentro desse processo eleitoral uma vez que os
candidatos dependem diretamente dessas doações. Samuels (2003) é um dos
primeiros autores a falar e escrever sobre o dinheiro e eleições sendo um dos
primeiros também a estabelecer marcos comparativo entre as campanhas no
Brasil e nos Estados Unidos. O autor apoia a tese de que os recursos estão
positivamente correlacionados com vitórias eleitorais, e que isso, percebido
pelos atores, leva-os a tentar arrecadar e gastar o máximo possível, na
expectativa de ganharem mais votos.

No Brasil, a maior parte do dinheiro que financia campanhas políticas é


doada por empresas. Não é à toa que o país tem uma das eleições mais caras
do mundo. Dados do Tribunal Superior Eleitoral confirmam que no Brasil, as
eleições presidenciais entre 2002 e 2014 cresceram a ponto de ultrapassar
quase quatro vezes mais o valor anterior.

A legislação eleitoral no Brasil proíbe ou limita (como é caso das doações


das empresas) todas as formas de apoio financeiro que foge das regras impostas
pelo STF. Além das proibições de instituições internacionais, também são
428

expressamente proibidas doações oriundas tanto de instituições sindicais quanto


de empresas contratadas pelo governo (PEIXOTO, 2002).
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O Ministro Dias Toffolli afirma que houve um aumento das influencias


empresariais no processo eleitoral, confirmando esse aumento de recursos nas
eleições brasileiras. Segundo o presidente do TSE em sua fala sobre
financiamento de campanha eleitoral em evento na República Dominicana:

Houve no Brasil um claro aumento da influência


empresarial no processo eleitoral, o que ficaria explícito no
alto percentual dos valores doados, especialmente nas
eleições presidenciais e estaduais. Nas eleições de 2006,
o volume de doações de empresas foi de 66,49%. Em
2014, esse percentual saltou para 76,47% de um total de
mais de R$ 3 bilhões doados. Como se vê, as
candidaturas, em geral, são majoritariamente financiadas
por empresas privadas, as quais, inevitavelmente,
imiscuem seus interesses econômicos nas campanhas
eleitorais. O alto custo das campanhas é um dos principais
fatores que levam partidos e candidatos a buscarem fontes
de financiamento que sejam compatíveis com gastos cada
vez mais elevados (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL27.
TOFFOLLI, 2015).

Sabemos que o apoio financeiro fortalecem as organizações partidárias e


a comunicação entre candidatos e eleitores. Mas, no Brasil, o que se tem visto é
uma distorção do processo eleitoral onde a integridade dos futuros
representantes políticos passa a ser duvidosa. A interferência do poder
econômicos (nesse caso as grandes empresas) significa uma maior participação
com influencias sobre esse processo. Assim, as empresas acabam por diminuir
429
Página

27
Retirado na integra do site: >http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2015/Janeiro/presidente-do-tse-fala-
sobre-financiamento-de-campanha-eleitoral-em-evento-na-republica-dominicana< em 31/05/2016
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o papel de participação do cidadão que num país democrático deveria ser o


motor desse processo eleitoreiro.

Os partidos políticos possuem um fundo partidário como uma fonte de


recursos que podem ser utilizados a critério de cada partido desde que se
cumpram as regras impostas pela leia. Temos então a fiscalização financeira por
parte do Estado como um importante ato de fazer com que os partidos cumpram
essa lei, fazendo também que não haja abuso de poder econômico dentro do
sistema político. Bonavides (1997), sobre esse fundo partidário, afirma que:

Graças à fiscalização financeira, exerce o Estado um poder


de controle sobre os partidos, evitando desgarrem eles
para a corrupção e se convertam em centros ou focos de
perversão da vontade popular, com visíveis danos morais
e materiais à sociedade e ao regime democrático. É a
pureza do sistema partidário sem dúvida a primeira
condição de funcionamento normal dessas correntes que
conduzem a opinião e concorrem a transformar em lei nas
casas legislativas a vontade dos cidadãos. Dada, pois, a
importância de que se revestem contemporaneamente os
partidos, sem os quais já se não identifica nenhum sistema
democrático de inspiração ocidental urge estabelecer
mecanismos legais de controle sobre suas finanças,
tocante à origem de recursos e respectiva contabilidade
(BONAVIDES; 1997 p.510).

Com isso, a preocupação de por um fim ao abuso do poder econômico na


vida dos partidos aumentou no período inicial da reconstitucionalização do país.
430

Logo, o Estado exerce poder sobre os partidos, os comitês financeiros e,


consequentemente também sobre o financiamento de campanha mantendo a
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O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E SUA RELAÇÃO NO


SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO A PARTIR DA REFORMA CHARLES ELEOTÉRIO GAMA
POLÍTICA EM 2003 E 2014
CHARLES ELEOTÉRIO GAMA
O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E SUA RELAÇÃO NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO A
PARTIR DA REFORMA POLÍTICA EM 2003 E 2014

certeza que não haveria desvio de conduta dos agentes evitando atitudes ilegais
por parte dos partidos políticos.

Outro ponto importante a ser debatido sobre o financiamento de


campanha relacionado às empresas seria o favorecimento dessas empresas por
parte dos representantes eleitos, ou seja, campanhas mais caras significam
maior dependência por parte dos representantes eleitos com as empresas. “Três
setores dominam as contribuições financeiras para as campanhas: o financeiro
(incluindo bancos), o de construção (dominado por empreiteiras e outras
empresas de construção civil), e o de indústria pesada (aço e petroquímica)”
(RENNÓ; SOARES. 2006 p. 141).

Ao contrario das grandes empresas, os sindicatos são ausentes de


participação no financiamento de campanha no Brasil uma vez que é proibida a
doação direta do mesmo para o processo eleitoreiro. Com isso, os sindicatos
passam a agir de maneira indireta nesse processo, não contribuindo diretamente
com o dinheiro. Um exemplo dessa ação indireta seria quando “A Central Única
dos Trabalhadores (CUT), aliada do PT, organizou várias tentativas de levantar
fundos para a campanha de Lula em 1998, nas portas das fábricas, hospitais e
universidades” (RENNÓ; SOARES. 2006 p.144).

Para entendermos melhor em números sobre essa quantidade de doação


de pessoa jurídica por partidos políticos, a tabela 1 ilustra um pouco sobre a
distribuição por partido dos valores arrecadados no período de 2009 a 2014 e o
percentual correspondente às doações de pessoas jurídicas:

TABELA 1:
431
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Fonte: >http://pjpontes.blogspot.com.br/2015/09/proibicao-de-doacoes-de-pessoas.html<
retirado em 31/05/2016.

Já a tabela 2 nos mostra o contrário caso a proibição de doações de


pessoas jurídicas tivesse vigência desde 2009, os mesmos três principais
partidos do Brasil citados na tabela acima só teriam recebido:

TABELA 2:

Fonte: >http://pjpontes.blogspot.com.br/2015/09/proibicao-de-doacoes-de-pessoas.html<
retirado em 31/05/2016.

Estão incluídas nesses dados das tabelas acima somente as doações


432

feitas aos diretórios nacionais dos três partidos citados acima. Lembrando que
os diretórios regionais e municipais também podem receber doações. “O
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financiamento dos partidos durante as campanhas eleitorais é regido pela Lei nº


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9.054, de 30 de setembro de 1997, também conhecida como Lei das Eleições.


A Lei das Eleições limita as doações de pessoas físicas a 10% dos rendimentos
brutos e as de pessoas jurídicas a 2% do faturamento bruto auferidos no ano
anterior à eleição” (INSTITUTO ETHOS, 2014 p. 41).

A partir da década de 1990, uma resposta às questões já debatidas aqui


anteriormente seria a discussão de que o financiamento das campanhas
eleitorais seja feito exclusivamente com recursos públicos ou, pelo menos, que
o estado arque com uma parte significativa dos gastos de campanha. Esse seria
nosso próximo ponto para debate: a atuação do Estado dentro desse processo
de financiamento público. Pretendemos com isso, analisar os mecanismos de
corrupção da máquina pública, facilitando o controle sobre esses recursos e
reduzir os gastos de campanhas.

O FINANCIAMENTO PÚBLICO COMO UMA POLÍTICA PÚBLICA A PARTIR


DA ÓTICA DO ESTADO

O vínculo entre o financiamento de campanhas eleitorais e a corrupção


da máquina pública se tornou uma questão particularmente relevante nas
discussões sobre o funcionamento do regime representativo brasileiro a partir do
início da década de 1990 (RABAT, 2011). Desde então, vem se buscando de
maneira legitima a utilização dos recursos financeiros destinados as
contribuições das campanhas eleitorais.

Essa legitimação fez com que fosse proposta a partir da década de 1990
que o financiamento de campanha fosse exclusivamente público. Essa seria uma
forma de obter controle sobre os recursos utilizados nas campanhas políticas.
433

Como já disse anteriormente, a ideia seria eliminar um mecanismo de corrupção


da máquina pública facilitando o controle desses recursos uma vez que todos os
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recursos viessem de uma única fonte fazendo com que as campanhas tivessem
menos custos e mais compromisso com seus eleitores.

Como já se observou, a força que a proposta de


financiamento público exclusivo logo adquiriu entre nós
deve estar, em alguma medida, ligada à tradição brasileira
de intervenção estatal moderadora – ou cooptadora – nas
áreas da convivência social em que começa a manifestar-
se a ordem competitiva. Essa força se acentuou, contudo,
quando o PL nº 2.679, de 2003, elaborado por Comissão
Especial instalada na Câmara dos Deputados
especificamente para a análise e encaminhamento da
reforma política, primeiro, adotou a proposta do
financiamento público exclusivo e, depois, se tornou, até o
fim da década, a proposição que mais atenção recebeu nas
discussões sobre a reforma (RABAT, 2011 p. 19).

Peixoto (2005) no que se refere aos fundos públicos sobre suporte


financeiro aos partidos nos mostra que dois aspectos que são aventados como
perturbadores de um dos princípios da Democracia liberal, qual seja o da
igualdade de participação –“uma pessoa, um voto”. Os defensores da
distribuição dos recursos públicos aos partidos justificam este mecanismo
através da necessidade de: “controlar as distorções na competitividade do
sistema introduzidas pelo impacto do financiamento privado, e manter a relativa
independência dos partidos quanto às oscilações temporais e quantitativas nas
doações, o que garantiria sua sobrevivência em situações de crises econômicas
ou política” (PEIXOTO, 2005 p. 95 e 96).
434

Outro ponto que chama a atenção nessa discussão sobre o financiamento


público de campanha seria, ao estabelecer que as campanhas eleitorais possam
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ser financiadas pelo estado teríamos uma maior vantagem do partido que detém
do poder. Ou seja, uma vez eleitos as entidades partidárias utilizariam o dinheiro
arrecadado com o pagamento de tributos para promover sua própria campanha.

Ainda segundo Peixoto (2005), o autor afirma também que além das
proibições e limites concernentes às origens, existe ainda outra forma
fundamental do Estado regular a competição política, qual seja, a produção e
divulgação de informações acerca dos fundos partidários de origem privada:
quem doa o quanto para quem? Este mecanismo é crucial para a manutenção
de um sistema de controle minimamente eficiente, pois muitas formas de burlar
limites e origens das fontes de doações podem surgir de uma simples
negligência legal. Ainda de acordo com o autor, dotar o sistema de financiamento
com recursos que ensejam maior capacidade de produzir informações acerca
das ações dos mandatários seria uma forma de prevenir futuras possíveis
punições (PEIXOTO, 2005).

Cabe ainda a nós, lembrarmos que os partidos recebem recursos do


Estado financiando assim suas atividades fora do período eleitoral. Uma vez que
o Estado passa a financiar um determinado partido a sociedade passa a
questionar sobre seus direitos pois o mesmo recurso utilizado para financiar
parte das campanhas por parte do estado seriam de impostos pagos pela
sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por se tratar de um estudo em andamento, não queremos aqui tomar


nenhum tipo de conclusão acerca do assunto e sim propor novos debates a fim
435

de tentarmos compreender esse processo. Buscamos nesse artigo trazer novas


questões para aumentar a discussão sobre o financiamento de campanha.
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Podemos nos questionar: será que Proibir o financiamento empresarial garante


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o nivelamento da competição eleitoral e automaticamente serviria como uma


forma de acabar com a corrupção no caso Brasileiro em especifico? Acabar com
o financiamento empresarial seria outra possível solução? No Brasil a autonomia
dos partidos e a privacidade dos doadores nunca foi uma questão no debate
sobre a prestação de contas de candidatos. Se o Estado mantivesse um forte
controle sobre os partidos, monitorando suas finanças, talvez, teríamos uma
maior facilidade de manter a transparência das contas eleitorais.

Devemos levar em consideração vários fatores positivos e negativos


dentro desse processo de reforma política. Uma vez fiscalizado e limitado, o
financiamento privado de campanha passa a ser um ponto positivo desde que
as empresas comprovem todos os débitos em determinado partido ou candidato.
Outro ponto seria que proibir o financiamento de empresas dificultaria a
ascensão de novos partidos políticos, uma vez que quem está no governo detém
do poder. Sabemos que proibir o financiamento não seria de fato uma forma de
acabar com a corrupção, principalmente no Brasil, onde vários outros fatores
estão ligados nesse sistema maquiavélico. Uma vez que as empresas passam
a fazer suas doações de acordo com a lei, fazendo com que tenha mais controle
desse processo, o financiamento privado não traria tantos problemas como se
tem visto nos dias atuais.

O “caixa dois” não pode ser entendido como um problema exclusivamente


eleitoral. Temos, dentro do sistema político brasileiro, vários recursos que podem
fazer com que exista essa opção de “caixa”, uma vez que passamos a declarar
recursos de origens desconhecidas. É importante a exigência por parte do
Estado da prestação de contas com relatórios detalhados das despesas e dos
candidatos para que esse processo de corrupção dentro do financiamento de
436

campanhas eleitorais seja efetivo e aplicado dentro da lei e não na mudança das
mesmas.
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Por fim, nos parece que adotar o financiamento público exclusivo de


campanha faria com que as eleições não fossem “decididas” pelo poder
econômico. Sendo assim, ficaria proibido o financiamento das campanhas
políticas por parte dos grandes empresários, sendo o Estado, o único financiador
desse processo. Com o fim do financiamento por parte das empresas, os gastos
nas campanhas diminuiriam e consequentemente aumentaria a igualdade entre
os candidatos menos favorecidos financeiramente, ou seja, para que possamos
mudar pra melhor esse sistema eleitoral, respeitando as leis e principalmente a
Democracia, é necessário um processo com transparência onde se proporcione
eleições competitivas e igualitárias.

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PARTIR DA REFORMA POLÍTICA EM 2003 E 2014

FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA. CÂMARA DOS


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FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA. CÂMARA DOS


DEPUTADOS. LEI Nº 13.165, DE 29 DE SETEMBRO DE 2015. DISPONÍVEL
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ACESSADO EM 30/05/2016.

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<http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2015/Janeiro/presidente-do-tse-
fala-sobre-financiamento-de-campanha-eleitoral-em-evento-na-republica-
dominicana> ACESSADO EM 31/05/2016.
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CARLOS GUILHERME DE SOUZA, AMANDA MAMBELI LOPES E DIMITRI AUGUSTO DA CUNHA TOLEDO
O PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL DE VARGINHA-MG: A PERCEPÇÃO DOS VEREADORES
FRENTE ÀS ATIVIDADES PARLAMENTARES

GRUPO DE TRABALHO 2 – GT2


PARTIDOS E POLÍTICAS PÚBLICAS

O PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL DE VARGINHA –


MG: A PERCEPÇÃO DOS VEREADORES FRENTE ÀS
ATIVIDADES PARLAMENTARES

CARLOS GUILHERME DE SOUZA

Bacharel Interdisciplinar em Ciência e Economia


e Graduando do curso de Administração Pública
pela UNIFAL. E-mail:
carlosguilherme.souza@hotmail.com
AMANDA MAMBELI LOPES
Bacharela em Ciência e Economia, Graduanda
do curso de Administração Pública e Mestranda
do Programa de Pós-Graduação em Gestão
Pública e Sociedade pela UNIFAL. E-mail:
amandamambelli@hotmail.com
DIMITRI AUGUSTO DA CUNHA TOLEDO
440

Economista pela UFSJ, Mestre em administração


pelo Cepead/UFMG. Pesquisador do
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NEOS/UFMG. Doutorando em administração

O PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL DE VARGINHA-MG:


CARLOS GUILHEME DE SOUZA, AMANDA MAMBELI
A PERCEPÇÃO DOS VEREADORES FRENTE ÀS
LOPES E DIMITRI AUGUSTO DA CUNHA TOLEDO
ATIVIDADES PARLAMENTARES
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O PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL DE VARGINHA-MG: A PERCEPÇÃO DOS VEREADORES
FRENTE ÀS ATIVIDADES PARLAMENTARES

Cepead/UFMG. Professor da UNIFAL. E-mail:


dimitri.toledo@unifal-mg.edu.br

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo compreender como os vereadores de


Varginha-MG veem a atividade parlamentar que desenvolvem. A metodologia
empregada caracteriza-se como pesquisa qualitativa, o qual se desenvolveu em
duas etapas. Primeiramente, a coleta de dados se deu através de uma pesquisa
documental e na segunda etapa, foi realizada uma entrevista semiestruturada
com os vereadores que compõe a Câmara Municipal de Varginha-MG. Os
resultados obtidos permite concluir que há uma distorção do “papel do vereador”
não somente perante a população como também do próprio parlamentar, uma
vez que foi identificado disfunções, como alegar que as atribuições dos
vereadores se resumem em legislar e fiscalizar os atos do executivo, não
considerando as demais funções parlamentares na Câmara. Apesar de não
serem corretos atos clientelistas nas instituições públicas, percebe-se na
Câmara Municipal de Varginha – MG a presença de “troca de favores” na
obtenção de votos na candidatura dos parlamentares.

ABSTRACT

This study aims to understand how the councilors of Varginha-MG see the
parliamentary activity that develop. The methodology is characterized as
qualitative research, which was developed in two stages. First, data collection
was made through desk research and in the second stage, a semi-structured
interview with the councilors that make up the municipality of Varginha-MG was
held. The results shows that there is a distortion of "Alderman role" not only to
441

the population as well as the parliamentary itself, since it was identified


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dysfunctions, such as claiming that the duties of councilors boil down to legislate

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FRENTE ÀS ATIVIDADES PARLAMENTARES

and oversee the actions of the executive not considering the other parliamentary
duties in the House. Although not correct clientelistic acts in public institutions, it
is clear in the Municipality of Varginha - MG the presence of "exchange of favors"
in getting votes in the parliamentary candidacy.

INTRODUÇÃO

Confere aos municípios a capacidade de legislar e administrar seus


recursos próprios, onde a primeira (autolegislar), é transferida aos vereadores
nas Câmaras Municipais. De acordo com Meirelles (2008), considerando o plano
legal, competem aos vereadores, as atribuições de administração; legislação;
controle e fiscalização da administração; julgamento e de assessoramento.
Exposto isso, o problema que se coloca em questão nesta pesquisa, é que
muitas vezes o papel do vereador é confundido frente à importância do cargo
que ocupam, por representar os interesses da população. Diante disso,
propomos identificar a percepção dos vereadores frente à atividade parlamentar
que os mesmos assumem, para a compreensão da problemática colocada em
questão.

De acordo com News (2013) para atingir esse intento será necessário
recuperar aquelas funções essenciais para o exercício da atividade parlamentar
e colocar, em um segundo momento, a relação cotidiana mais pessoal, que
geralmente aparece como atos clientelistas, consideradas, diante o autor, como
desmerecidas.

Diante ao que foi apresentado anteriormente, o objetivo geral do presente


trabalho vem com o intuito de apresentar um estudo, no qual se pretende
investigar a percepção dos vereadores frente à atividade parlamentar que os
mesmos assumem na Câmara Municipal de Varginha - MG, além também, de
442

buscar identificar a presença de práticas patrimonialistas e clientelistas, que


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ainda hoje se mostram presentes no dia-a-dia das organizações públicas e que


comprometem a efetividade e qualidade do serviço público para a população.

Desse modo, a pesquisa se desenvolveu metodologicamente em duas


etapas. Primeiramente, realizou-se a coleta de dados através de uma pesquisa
documental conforme Severino (2007), no qual se obteve o Regimento Interno
da Câmara Municipal de Varginha-MG. Na segunda etapa, foi realizada uma
entrevista semiestruturada conforme Mattos (2005), com intuito de identificar a
percepção dos vereadores diante ao cargo assumido dentro da Câmara
Municipal de Varginha-MG. O questionário semiestruturado foi aplicado aos
vereadores de Varginha durante dois meses, maio e junho de 2015, no qual se
obteve retorno de todos os parlamentares, ou seja, dos 15 vereadores da cidade.
As entrevistas foram realizadas individualmente também com todos os
parlamentares, sendo está, na maioria das vezes, efetuada no próprio gabinete
do vereador.

A estrutura deste trabalho se dará, inicialmente pela apresentação do


referencial teórico, onde serão discutidas questões sobre o Poder Legislativo,
bem como as características e atribuições dos parlamentares, além também de
uma discussão sobre as questões socioculturais enraizados na política
brasileira. Em seguida serão apresentados os procedimentos metodológicos
desse trabalho, seguindo com as análises dos dados e as considerações finais.

O PODER LEGISLATIVO CONTEMPORÂNEO

Atualmente as atividades exercidas pelos Poderes Executivo, Legislativo


e Judiciário buscam uma harmonia entre si, ressalvando que um poder se
443

sobreponha sobre o outro, para que não haja a concentração de poder em


apenas um órgão. Desta forma, o exercício do poder foi desvinculado a órgãos
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distintos e independentes entre si, de forma que cada um limitasse a atuação


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desordenada do outro (BARBOSA, 2006). Como atribuições, compete ao Poder


Legislativo, a função de elaboração das leis do país, estado ou município,
cabendo aos integrantes deste Poder fiscalizar, aprovar ou rejeitar as leis
propostas pelo Poder Executivo (COSTIN, 2010).

De acordo com Santos (2008), dentre as funções empregadas ao


Poder Legislativo, aquelas asseguradas no corpo do documento constitucional
merecem atenção especial, como por exemplo, as funções de julgar as contas
do Presidente da República; fiscalizar os atos do Poder Executivo ou de exercer
o controle; fiscalização contábil, financeira e orçamentária dos órgãos;
administrar seu quadro de pessoal e seu funcionamento; como também, em
alguns casos especiais, funcionar como corte judicial ao processar e julgar atos
do Executivo, dentre outros. Muitas vezes consideram-se apenas, como atos do
Poder Legislativo, a criação de leis, não considerando as demais funções do
mesmo, tomando-o como uma extensão do Poder Executivo. Nesse sentido, se
torna importante ressaltar como compõe a organização do aparelho legislativo
brasileiro.

A ORGANIZAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO

No Brasil o Estado se organiza em três ramos de Poder representados


pelo legislativo, no qual sua função primária é da elaboração das leis. O Poder
Legislativo brasileiro tem adotado tradicionalmente o sistema bicameral do tipo
aristocrático de origem inglesa, ou seja, integrado por duas Câmeras, sendo elas
a Câmara dos Deputados, com 513 integrantes com mandatos de quatro anos e
o Senado, no qual se compõem por 81 senadores eleitos para mandatos de oito
anos, sendo que, a cada eleição, é renovado um terço do Senado e, na eleição
444

subsequente, dois terços das cadeiras ocupadas pelos senadores (SANTOS


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2008).

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A Câmara dos Deputados é formada por indivíduos que representam o


povo, eleitos pelo sistema proporcional, em cada estado, território ou Distrito
Federal (COSTIN, 2010). Ainda segundo o mesmo autor, o número de
Deputados irá depender do número de eleitores de cada estado, sendo que,
nenhuma unidade da Federação terá mais de 70 e menos 8 Deputados. No
Senado Federal estão os representantes dos estados e do Distrito Federal,
eleitos pelo sistema majoritário, sendo que cada estado é representado por três
senadores.

Nos Estados temos o Poder Legislativo representado pelas Assembleias


Legislativas, e no Distrito Federal há um sistema diferenciado que insere as
competências legislativas tanto de estado quanto de município pela Câmara
Distrital. O número de integrantes das Assembleias Legislativas está relacionado
ao número de Deputados Federais, e a remuneração dos Deputados Estaduais
não pode exceder a 75% do que ganham os Federais. Já o Poder Legislativo
nos municípios é exercido pela Câmara Municipal, no qual o número de
vereadores, quanto a sua remuneração, se dá por um percentual do que ganham
os Deputados Estaduais, que é crescente de acordo com sua colação (COSTIN,
2010).

Quanto a sua funcionalidade o Poder Legislativo brasileiro pode


apresentar, além da dupla função representativa, uma vez que atua como
representante do povo por meio da Câmara dos Deputados, e como
representante dos Estados e do Distrito Federal, por meio do Senado Federal,
possui outras funções de igual importância, como a de legislar, que é vista como
seu principal papel (GUIMARÃES, 2008).

Na elaboração das leis, o Parlamento conta com o auxílio do Poder


445

Executivo, principalmente o Presidente da República, pois precisam da sanção


presidencial os projetos de lei que tratam das matérias de competência da União.
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Aí estão inclusos assuntos como o sistema tributário, plano plurianual,


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orçamento, planos nacionais, concessão de anistia, organização administrativa


e judiciária (GUIMARÃES, 2008).

Os Parlamentares são os representantes do povo, no qual discutem os


problemas da sociedade e toma as decisões para resolvê-los de acordo com os
interesses do povo. As decisões dos “representantes do povo” são expressas
por lei, sendo elas normas que regem todas as relações da sociedade com o
estado e entre os membros dessa sociedade, a lei é a expressão da vontade do
povo, por isso expressa à soberania popular, ou seja, o poder do povo
(QUEIROZ, 1991).

Porém, essa representação política, conforme aponta Salgado (2012), é


contornada por mitos e ficções no qual causam não somente insatisfação social,
considerando seu funcionamento, como também leva a críticas em relação à sua
disciplina jurídica. Nesse ponto o autor Bobbio (2000), em seus trabalhos onde
trata sobre a representatividade, afirma que para um regime ser democrático, o
poder precisa ser exercido em público, ou seja, pelo povo, porém esse é mais
um dos problemas que envolvem a representação política.

TRAÇOS CULTURAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

Uma vez que o Poder Legislativo é parte integrante da Administração


Pública brasileira, torna-se necessário entender, brevemente, como se deu o
processo histórico da Administração Pública do país, apontando para algumas
características que perpetuaram no decorrer da história, trazendo consigo a
herança de um país de cultura patrimonialista, presente até hoje nas
organizações (OLIVEIRA, OLIVEIRA E SANTOS, 2011).
446

As transformações ocorridas na Administração Pública se deram por meio


de mudanças de modelos patrimonialistas, burocrático e gerencial, porém
Página

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A PERCEPÇÃO DOS VEREADORES FRENTE ÀS
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ATIVIDADES PARLAMENTARES
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FRENTE ÀS ATIVIDADES PARLAMENTARES

nenhum deles se firma unicamente, havendo características de um ou de outro


em todos os modelos (BARBOSA, 2009). A autora afirma ainda que a
Administração Pública patrimonialista, se posta à disposição de interesses da
classe que domina o poder, comprometendo assim a finalidade básica da
“máquina pública”, sendo o nepotismo (favoritismo para com parentes) e a
corrupção situações decorrentes dessa forma de administração, ou seja,
administrar um bem público (de todos) para o benefício e interesse de poucos.
Segundo Martins (1997), mesmo após diversas mudanças ocorridas na
Administração Pública brasileira, traços do patrimonialismo e clientelismo,
características muito comuns na época do Brasil colônia de exploração,
permanecem, ainda nos dias de hoje, enraizados a organizações brasileiras.

Weber (1999) considera o patrimonialismo como sendo o poder político,


organizado de forma paralela ao poder doméstico do governante, ou seja, os
interesses pessoais da autoridade, em um poder com estrutura patrimonialista,
não se distinguem do ato de administrar, não havendo assim a separação do
que é público ou particular. Raupp e De Pinho (2012), no governo municipal se
tem presente um Poder Executivo forte, representado pelo prefeito, e um Poder
Legislativo fraco, representado na Câmara Municipal pelos vereadores, fazendo
com que se crie relações de poder entre esse dois Poderes. O autor aborda
ainda que, apesar de haver mudanças com a Constituição Federal de 1988, sob
o funcionamento do Legislativo, continuaram-se utilizando das mesmas
referências trazidas da história do país em décadas anteriores. Assim, as
Câmaras Municipais ficam amarradas frente à impossibilidade de legislar por
intermédio do Poder Executivo, reduzindo as atribuições legislativas.

Dessa forma o que distingue o vereador do tradicional coronel não é a


prática de favores, frente à estrutura econômica que pertença e sim os privilégios
447

que recebe particularmente, exercendo papel de homem público (RAUPP E DE


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PINHO, 2012). Dessa forma, o dilema que se coloca frente aos vereadores é de
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apoiar o Poder Executivo (na pessoa do prefeito), para garantir maiores


possibilidades de que estes venham a apoiar seus interesses (LOPEZ, 2004).

Lopez (2004) aponta ainda, em seu trabalho que, as relações construídas


ainda no ambiente da Administração Pública, envolvendo vereadores e
funcionários públicos, se tornam instrumento de estratégica política, sustentando
as relações de patronagem, onde o vereador ao oferecer algum benefício
particular para o indivíduo utiliza-se disso para trazer benefício a si próprio.
Segundo Raupp e De Pinho (2012), a figura do apadrinhamento se encaixa
perfeitamente nesse contexto, onde se estabelece uma relação de dependência
entre padrinho político (vereador) e apadrinhado (funcionário público). Assim, de
acordo com Raupp e De Pinho (2012), o Poder Legislativo em âmbito municipal
se pauta em bases patrimonialistas, trazendo consigo um viés tradicionalista,
onde os valores que se buscam são aqueles voltados aos interesses pessoais.
Os autores afirmam que as Câmaras Municipais apresentam estruturas
patrimonialistas e neopatrimonialistas, principalmente se tratando de municípios
de pequeno e médio porte.

Nos municípios pequenos, muitos dos vereadores não se dedicam a uma


legítima atividade política, exercendo mais papel de agentes sociais do que
atores políticos, num ambiente onde a troca de favores e a barganha se
encontram dentro de uma embalagem política (RAUPP E DE PINHO, 2012). A
seguir, apresentam-se os processos metodológicos da pesquisa.

PROCESSOS METODOLÓGICOS

O presente trabalho caracteriza-se como estudo de caso de abordagem


448

qualitativa, conforme Minayo (2007), uma vez que, busca compreender o objeto
de estudo para um determinado grupo de atores sociais, o qual se refere à forma
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adequada para o conhecimento da natureza de um fenômeno, tendo em vista


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que o pesquisador coleta os dados para posteriormente analisa-los com a


intenção de melhor abordar a realidade do estudo.

A relevância do trabalho aqui apresentado, também faz importante, pelo


fato de a cidade Sul-Mineira, em estudo, ser um polo econômico sendo
considerada uma referência regional e por estar estrategicamente localizada em
uma distância relativamente próxima de três grandes metrópoles do país, sendo
elas a capital mineira Belo Horizonte - BH, São Paulo - SP e Rio de Janeiro –
RJ, o que aumenta a necessidade do olhar público para questões econômicas
na cidade. Outra questão com aparente relevância é que pelo fato de algumas
cidades vizinhas serem de pequeno porte, muitas vezes as pessoas acabam
tendo de procurar por serviços públicos, ou de outra natureza, na cidade em
estudo, o que trás a necessidade das autoridades políticas pensarem em
políticas públicas que também atendam este público. Dessa maneira, esta
pesquisa pode ser descrita metodologicamente a partir de duas etapas.

Primeiramente, a coleta de dados se deu através de uma pesquisa


documental, conforme Severino (2007), uma vez que, a técnica vale-se de
documentos originais, eliminando, ao menos em parte, a eventualidade de
qualquer influência, presença ou intervenção do pesquisador. Dessa forma,
analisou-se o Regimento Interno da Câmara Municipal de Varginha-MG. Na
segunda etapa, foi realizada a coleta de técnica de dados através de uma
entrevista semiestruturada, conforme Mattos (2005), em que o investigador tem
uma lista de questões ou tópicos para serem preenchidos ou respondidos, como
se fosse um guia. As entrevistas aplicadas aos vereadores possuíam uma
questão fechada e quinze questões abertas, com o intuito de identificar a
percepção dos mesmos diante o cargo no qual assumem dentro da Câmara
Municipal de Varginha-MG. Para esse trabalho, utilizou-se uma metodologia de
449

pesquisa de caráter descritivo no que concerne a análise dos dados, no qual tem
Página

como objetivo, tal metodologia, segundo Moresi (2003), expor características de


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certa população ou fenômeno, estabelecendo assim correlações entre as


variáveis além de definir sua natureza.

Importante salientar que, em primeiro momento, foi realizado o contato


com o Presidente da Câmara de Vereadores, para que se tenha conhecimento
da pesquisa e solicitar autorização da mesma. O Presidente autorizou e forneceu
as informações necessárias para que fossem realizadas as entrevistas com cada
vereador individualmente. As entrevistas ocorreram no mês de maio a junho de
2015, nas segundas e quartas-feiras do mês, conseguindo assim, entrevistar
todos os 15 (quinze) vereadores que compõe a Câmara Municipal de Varginha-
MG. A seguir discorre-se a análise dos dados da pesquisa.

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Inicialmente buscou-se construir um quadro, no qual se apresenta


questões que possibilitem descrever os vereadores do município de Varginha –
MG, a fim de caracteriza-los. Dessa forma, as questões no qual são
apresentadas no quadro dizem respeito aos: mandatos, partidos anteriores e o
atual, duração do mandato, ano de ingresso como vereador e formação
acadêmica. Para manter o sigilo dos participantes da pesquisa, tratou-se de
enumera-los de 1 a 15, com intuito de não divulgar seus nomes, apresentando
apenas as informações dos parlamentares. Essas questões são apresentadas
no quadro 1, a seguir:

Quadro 1 - Descrição dos Vereadores da Câmara Municipal de Varginha - MG

Vereador Partido Mandatos Ano de Formação


Ingresso
Atual Anteriore Quanto Consecutivo
450

s s s

1 PP PMDB 1° - 2012 Direito


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2 PT PT 1° - 2014 Economia

3 PRTB PR 1° - 2014 Direito

4 PT PT 3° Sim 2004 Direito

5 PP PP 3° Sim 2004 Direito

6 PSB PSDB 2° Sim 2008 Medicina e


Direito

7 PRB PPS, 1° - 2012 Administração


PSC e
PMDB

8 P PSC 3° Sim 2004 Direito


SC incompleto

9 PR PMN 1° - 2012 Ensino Médio


Incompleto

10 PR PV e PL 2° Sim 2008 Medicina

11 PSD PP 2° Sim 2008 Direito e


Psicologia

12 PSD PSDB e 3° 1996-2004 1996 Matemática


PMDB.
2012-2016

13 P PTB e 3° 2000-2008 2000 Ciências


V PSL Contábeis
2012-2016

14 P PTB 1° - 2012 Pós em


TB Matemática

15 P PRTB 2º 2000-2004 2000 Ensino Médio


RTB Completo
2012-2016

Fonte: Elaborado pelos autores.

Através do quadro 1 apresentado, nota-se que há certa divergência entre


os partidos no qual os vereadores da cidade de Varginha se compõem, ou seja,
não há prevalência de um partido específico na Câmara Municipal da cidade. É
451

possível observar também que a maioria dos vereadores trocou de partido no


decorrer de sua carreira política. Segundo Kinzo (2006) os eleitores no Brasil
Página

apresentam dificuldade em identificar os partidos como atores políticos distintos,


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ou seja, não há uma preocupação por parte dos eleitores em fixar a imagem dos
partidos, distinguir seus lideres e propostas, e estabelecer assim lealdade
partidária. Ao contrário do que acontece no caso brasileiro, visto que os eleitores
votam no candidato e não no partido com suas propostas e ideologias. Talvez
esse fato ajude a explicar por que na Câmara de Varginha não há prevalência
por um partido.

Dos candidatos listados no quadro 1, nove deles se reelegeram mais de


uma vez como vereadores, sendo que desses, oito foram em mandatos
consecutivos e cinco estão no seu terceiro mandato na Câmara Municipal de
Varginha. Isso não nos permite afirmar que alguns vereadores possuam certa
popularidade frente a seus eleitores, fazendo com que esses se reelegessem,
uma vez que, para chegar a tal conclusão devem-se analisar outras questões,
por exemplo, os recursos destinados para a promoção de sua campanha
eleitoral, conforme aponta De Araújo (2004), no qual afirma em seu trabalho que
o sistema de financiamento eleitoral permite que candidatos desconhecidos que
não possuam tradição política ou militância partidária, porém que tenham
disponibilidade de recursos, possam ser vitoriosos nas eleições, antecipando a
derrota daqueles candidatos com menores possibilidades de captar
contribuições expressivas. Dessa forma, diante a tal fato, é necessário maiores
investigações para análises no caso da Câmara Municipal de Varginha.

No que diz respeito à formação acadêmica dos vereadores, é possível


perceber, através do quadro 1, que os vereadores, quase em sua totalidade,
possuem formação de ensino superior. Apenas um vereador está concluindo o
Bacharelado em Direito e dois não possuem o ensino superior. É notável também
que há uma maior prevalência pela formação acadêmica em Direito, dos
vereadores que compõem a Câmara Municipal de Varginha. Embora a grande
452

maioria possua alguma formação acadêmica, isso não possibilita afirmar que os
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mesmos apresentem ou não habilidade suficiente para o cargo que ocupam.


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Uma questão que é importante ressaltar é de que dos 15 vereadores da


Câmara Municipal de Varginha – MG, apenas uma mulher ocupa tal cargo,
evidenciando que a presença de mulheres na política no município, assim como
em outras profissões, também se encontra restrito.

De acordo com o relato da única vereadora do munícipio de Varginha, foi


possível perceber que a mesma já sofreu preconceito por ser a única mulher
dentro da Câmara Municipal de Varginha: “(...) Já sofri preconceito aqui dentro
da câmara por ser mulher sim, isso acontece sempre (...). Pra ser eleita não tive
muitos recursos, tive que sair de porta em porta para conseguir meus votos (...)
estou aqui por que o povo me elegeu...”. Segundo Miguel (2000) a Lei nº.
9.504/97 assegura a reserva de 30% e 70%, para cada gênero, do número de
candidaturas a que os partidos políticos e coligações têm direito, tanto para as
Câmaras Municipais como para as Câmaras dos Deputados, Assembleias
Legislativas Estaduais e Câmara Distrital. Porém nota-se que mesmo com a lei
da cota eleitoral de gênero não há muita presença de mulheres que compõem a
Câmara Municipal de Vereadores de Varginha e, fica evidente também o
preconceito no qual sofrem as mulheres que ocupam tal cargo.

Apesar de não constar no quadro anterior, torna-se importante salientar


que, dos 15 vereadores entrevistados, apenas cinco deles tem naturalidade na
própria cidade de Varginha, ou seja, a maioria dos vereadores da cidade vem de
outras regiões. Seis dos vereadores são de cidades localizadas próximas à
cidade de Varginha e os demais de outras cidades de Minas Gerais e do estado
de São Paulo.

Na sequência, Queiroz (1991), apresenta que os parlamentares são os


representantes do povo, no qual discutem os problemas da sociedade e tomam
453

as decisões para resolvê-los de acordo com os interesses dos cidadãos. Com


isso, buscou-se identificar, através da entrevista realizada com os vereadores da
Página

Câmara Municipal de Varginha – MG, quais são as relações presente entre o


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Poder Legislativo na pessoa do vereador, para com a sociedade e/ou seus


eleitores do município, tendo estes o papel de representá-los. Assim, construiu-
se um quadro no qual apresenta tais questões, segundo a fala dos vereadores.

Quadro 2 - Relação dos vereadores com a sociedade e com seus eleitores

Vereador Qual a relação do Poder Legislativo Qual a relação estabelecida com os


com a sociedade? eleitores?

1 “Fazer a vontade do povo” “Ela existe e tem abrangência em classe


baixa”

2 “Estabelece a relação de atender a “Há muita procura desses eleitores (...),


sociedade”. pois arrumei muitos empregos para as
pessoas, tive muitos votos desse
pessoal”.

3 “O poder legislativo é distante da “Tenho muita ligação com o pessoal da


sociedade”. medicina, advogados, etc.”.

4 “Até que é boa, tem uns canais para a “Tenho alguns seguimentos religiosos e
população participar”. pessoas com problemas de saúde físico
ou mental”.

5 “A casa está sempre de portas abertas “Muito boa, atendo todos os dias (...) não
(...) sempre para a população sei quem são meus eleitores”.
participar”.

6 “Essa relação tem que ser ampliada”. “Tenho o segmento católico, da saúde,
empresas, médicos, dentistas, contato
pelas redes sociais”.

7 “É muito boa, já a Estadual não é tanto, “Tenho o segmento da saúde e


é complicado, há um distanciamento”. segurança do trabalho”.

8 “A relação precisa ser diária, muitas “Existe essa relação com os eleitores
pessoas procuram os vereadores”. (...) pessoas que eu convivo que votam
em mim”.

9 “A relação é direta com o povo, tento “Tenho eleitores fiéis e alguns


ter um contato maior com a indecisos”.
população”.

10 “A população vê os vereadores como “Procuro atender as demandas e além


verdadeiros despachantes, pois o (...) precisa evoluir a consciência da
vereador é o mais próximo da população frente às funções do
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sociedade”. vereador”.
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11 “Relação é muito distante (...) pouca “Tenho seguimento dos usuários de


gente me procura”. álcool e droga devido a ONG em que
trabalho”.

12 “Ouvir os anseios da população” “Relação mais próxima com quem me


ajudou no processo eleitoral”.

13 “A melhor possível”. “Não tenho segmentos, votos


pulverizados (...) o Bairro Barcelona
votou mais em mim”.

14 “A relação está melhorando muito, o “Trabalho para todos, porém a classe


legislativo está indo ao encontro dos alta não vota em mim, eu trabalho para
cidadãos e a população está a periferia”.
correspondendo”.

15 “A relação é boa. Há uma procura “Não tenho segmentos, trabalho para


maior da população”. todos (...) tenho meus ideais ligados à
igreja”.

Fonte: Elaborado pelos autores.

De acordo com o quadro 2, é possível observar na fala de alguns


vereadores, no que diz respeito a relação do Poder Legislativo com a sociedade
no âmbito municipal, questões que demonstram um possível distanciamento do
povo com os vereadores, como por exemplo: “O Poder Legislativo é distante da
sociedade”; “Essa relação tem que ser ampliada”; “Relação é muito distante (...)
pouca gente me procura”. Esses relatos demonstram que para alguns
vereadores, há pouca participação da população em utilizar o espaço da
Câmara. Alguns deles alegaram na entrevista que muitas vezes a população vai
à sua procura de forma a buscarem resolver problemas de interesse particulares
e não coletivo, como já foi apontado anteriormente no quadro 2. Segundo Santos
(2008), tal participação popular fica prejudicada ao passo que a população é
excluída do debate na elaboração de leis, dentre outras atividades dos poderes,
o que possivelmente as levam a buscar, através dos vereadores, resolver
problemas de seus interesses próprios.
455

Com isso, nota-se certa contradição nos relatos, onde alguns


parlamentares afirmam que a relação da Câmara com a sociedade é positiva,
Página

como é descrito a seguir: “A relação precisa ser diária, muitas pessoas procuram
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os vereadores”, “A melhor possível”, “A relação é boa. Há uma procura maior da


população”; enquanto outros, como observado anteriormente, dizem não haver
essa procura da população. Porém, apesar de alguns parlamentares alegarem
haver participação, deve-se observar que tipo de participação se trata, pois o
fato de algumas pessoas irem à Câmara não evidência que essas tenham uma
participação ativa, deixando comprometida tal participação.

Pode-se entender que estas circunstâncias, possivelmente, venham a


ocorrer pelo fato de alguns eleitores apresentarem maior aproximação para com
certos vereadores, fazendo com que a procura desses fosse maior para com
alguns vereadores e menor para outros, porém não se pode descartar outras
questões, como por exemplo, segmentos dos eleitores para com alguns
vereadores que também podem levar a essa maior procura da população por
esses parlamentares na Câmara.

Percebe-se através do relato de um dos vereadores, que a relação entre


o Poder Legislativo no âmbito municipal é boa, porém quando se trata do âmbito
Estadual, o vereador diz ter certo distanciamento da sociedade e parlamentares
(“É muito boa, já a Estadual não é tanto, é complicado, há um distanciamento”).
Esse fato também foi possível ser identificado durante as entrevistas, no qual
apesar de não estar exposto nos quadros anteriores, foi possível observar que a
maioria dos vereadores identifica a dificuldade que a população apresenta em
se “relacionar” com os outros poderes.

Através do relato: “A população vê os vereadores como verdadeiros


despachantes, pois o vereador é o mais próximo da sociedade”, é possível
observar que a população, muitas vezes, vê o papel dos vereadores de maneira
distorcida, confundindo sua função com a do Executivo, onde para o cidadão o
456

vereador deve “agir” para o benefício deles ao invés de pensar formas de ação
para melhorar as condições de vida do cidadão em sua totalidade. Frente a essa
Página

distorção do papel do Poder Legislativo, Lijphart (2011) diz ser escassos


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exemplos de democracias consensuais, onde a relação entre Legislativo e


Executivo tenderia a ser mais equilibrada. Segundo o mesmo autor na maioria
dos casos nota-se certa dominância quanto à atuação do Executivo, sendo tal
relação por muito definida por graus diferentes dependendo tanto dos arranjos
institucionais do país quanto de seu resultado eleitoral.

Ao que diz respeito sobre a relação dos vereadores com os seus eleitores,
nota-se que, de acordo com as entrevistas realizadas, a maioria deles alega não
ter nenhum seguimento de eleitores, porém em seu discurso acabam afirmando
que conseguem identificar alguns grupos como seus eleitores. É notável que
alguns vereadores acabem tendendo a favorecer alguns grupos no qual o
mesmo conseguiu mais votos, como por exemplo, em algum bairro específico,
ou área no qual o vereador se dedicou mais para conseguir votos, etc. Porém, a
partir do momento que o parlamentar passa a agir de acordo com os interesses
apenas de alguns grupos e não em benefício de toda a população da cidade isso
se torna um problema, uma vez que não estará representando toda a população,
e sim grupos específicos.

Diante a fala de um dos vereadores, no que diz respeito à relação com


seus eleitores observa-se que: “Há muita procura desses eleitores (...) pois
arrumei muitos empregos para as pessoas, tive muitos votos desse pessoal”,
nota-se que o parlamentar consegue identificar seus eleitores por alegar que
conseguiu muitos empregos para os mesmos. Tal fato mostra uma relação,
considerada por Seibel e Oliveira (2006), de caráter estruturador da patronagem,
onde a troca de empregos por votos estabelece uma cadeia de relações de
dependência, deixando o indivíduo com sentimento de obrigação de voto. Se tal
fato (podendo ser considerado como “cabide de emprego”) teve como intuito a
garantia de votos, como exposto na fala, pode-se dizer, que tal objetivo foi
457

atendido.
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Por fim, para encerrar essa sessão é importante salientar que não se pode
considerar que toda a ação dos vereadores direcionada apenas a alguns grupos
de pessoas, seja por vezes errada. Para não cometermos o erro do senso
comum de achar que tudo o que os políticos fazem é errado, frente às limitações
em legislar, devemos considerar que os mesmos podem apresentar prerrogativa
de atuação “discricionária” buscando atender de forma mais rápida os anseios
da população. Porém essa “liberdade” presente muitas vezes na atuação dos
vereadores deve ser tema para futuros estudos na área.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi proposto neste artigo expor, de forma descritiva, os dados colhidos na


pesquisa “O Poder Legislativo Municipal de Varginha – MG: a visão dos
vereadores frente às atividades parlamentares”, que teve por objetivo
compreender como os vereadores do município de Varginha veem a atividade
parlamentar que desenvolvem e como se estabelecem a relação entre o Poder
Legislativo com a sociedade e com seus eleitores.

Sobre os resultados obtidos permitiu concluir que no município de


Varginha, não há prevalência de um partido específico na Câmara Municipal, ou
seja, há uma variedade de partidos no qual se filiam os vereadores. Identificou-
se também, que a maioria dos parlamentares trocou de partido no decorrer de
sua carreira política. Tal fato reafirma o que apresenta a autora Kinzo (2006),
que no Brasil há baixa filiação partidária, onde as pessoas votam no candidato e
não em um partido específico. Notou-se que a maioria dos parlamentares possui
candidatura consecutiva de até três mandatos, não podendo afirmar há
existência de certa “popularidade” para com alguns eleitores, uma vez que, para
458

chegar a tal conclusão devem-se analisar outros fatores, como os recursos


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destinados à campanha eleitoral, por exemplo.

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Foi possível observar também, que a população tem visão distorcida


sobre o papel dos vereadores, confundindo sua função com a do Executivo, onde
para o cidadão o vereador deve executar (função típica do Poder Executivo) ao
invés de, por exemplo, criar leis para melhorar as condições de vida dos
cidadãos. Outra questão que se torna evidente com o trabalho é de que as ações
do Legislativo se pautam sobre as decisões do Executivo, comprometendo assim
o trabalho dos parlamentares.

Na relação vereador x eleitor, foi possível identificar que há uma tendência


de alguns vereadores beneficiarem alguns grupos no qual o mesmo conseguiu
mais votos, como por exemplo, algum bairro específico, ou área no qual o
vereador se dedicou mais para conseguir votos etc. Porém, a partir do momento
que o parlamentar passa a agir de acordo com os interesses apenas de alguns
grupos e não em benefício de toda a população da cidade essa representação
fica comprometida.

Por fim, observou-se uma distorção do “papel do vereador” não somente


perante a população, como também do próprio parlamentar, uma vez que foi
identificado disfunções sobre as atribuições parlamentares na Câmara. Apesar
de não serem corretos atos clientelistas nas instituições públicas, percebe-se na
Câmara Municipal de Varginha – MG a presença de “troca de favores” na
obtenção de votos na candidatura dos parlamentares, além também de ser
possível identificar atos característicos de patronagem na Câmara. É importante
salientar que não se pode considerar que toda a ação dos vereadores
direcionada apenas a alguns grupos de pessoas, seja por vezes errada. Para
não cometermos o erro do senso comum de achar que tudo o que os políticos
fazem é errado, frente às limitações em legislar, devemos considerar que os
mesmos podem apresentar prerrogativa de atuação “discricionária” buscando
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atender de forma mais rápida os anseios da população. Com isso, não se


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ATIVIDADES PARLAMENTARES
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FRENTE ÀS ATIVIDADES PARLAMENTARES

pretende esgotar tal assunto diante ao que foi exposto, mas sim incentivar a
possibilidade de novos questionamentos sobre o tema abordado.

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ATIVIDADES PARLAMENTARES
GUSTAVO COVOLAN BOZZETTI
PADRÕES E DINÂMICAS DE ATUAÇÃO DOS POLÍTICOS EGRESSOS DAS FORÇAS REPRESSIVAS DO
ESTADO E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO DA AGENDA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO
BRASIL

GRUPO DE TRABALHO 2 – GT2


PARTIDOS E POLÍTICAS PÚBLICAS

PADRÕES E DINÂMICAS DE ATUAÇÃO DOS


POLÍTICOS EGRESSOS DAS FORÇAS REPRESSIVAS
DO ESTADO E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A
FORMAÇÃO DA AGENDA DA SEGURANÇA PÚBLICA
NO BRASIL

GUSTAVO COVOLAN BOZZETTI

Bacharel em Políticas Públicas pela UFRGS,


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Mestrando em Políticas Públicas pela UFRGS e


membro do Núcleo de Pesquisa em
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Desenvolvimento, Direitos, Instituições e Políticas


PADRÕES E DINÂMICAS DE ATUAÇÃO DOS POLÍTICOS
EGRESSOS DAS FORÇAS REPRESSIVAS DO ESTADO E SUA
GUSTAVO COVOLAN BOZZETTI
INFLUÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO DA AGENDA DA
SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
GUSTAVO COVOLAN BOZZETTI
PADRÕES E DINÂMICAS DE ATUAÇÃO DOS POLÍTICOS EGRESSOS DAS FORÇAS REPRESSIVAS DO
ESTADO E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO DA AGENDA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO
BRASIL

Públicas (NEDIPP). E-mail:


bozzetti.gustavo@gmail.com

RESUMO

Deputados federais cuja trajetória anterior a política é de pertencimento aos


quadros das forças repressivas do Estado possuem uma facilidade na conversão
do capital de função em um capital eleitoral, neles as demandas sociais por “mais
segurança pública” são facilmente instrumentalizáveis em suas campanhas
eleitorais, porém como esses políticos atuam após eleitos? Ainda em fase
preliminar (portanto restrita aqui ao ano de 2015), essa pesquisa busca identificar
os efeitos das práticas discursivas desses congressistas na agenda
governamental de segurança pública. Com o suporte do framework conceitual
das coalizões de defesa, elaborado por Sabatier e Jenkins-Smith (1999),
objetiva-se mapear o comportamento político desses atores a fim de identificar
que eles: (a) possuem crenças em políticas compartilhadas; (b) postulam
questões e ações mais próximas da perspectiva da “Lei e Ordem” (GARLAND,
2008) e (c) atuam mais na segurança do que em outras áreas, com um
crescimento gradual mandato pós mandato.

ABSTRACT

Federal deputies with a career in the legal security forces of the State can make
an easier conversion of their professional activities in a political platform during
the electoral campaigns because popular attitudes towards crime induce them to
this direction. Though after the election, how do they act? Still in an earlier phase
(therefore restricted to the year of 2015), this research aims to identify the effects
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of the political discourse of these congressmen in the agenda-setting of the public


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security area. The Advocacy Coalition Framework (ACF), elaborated by Sabatier

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and Jenkins-Smith (1999), aids to map the political behavior of this actors, in
which we identify that: (a) they share policy core beliefs; (b) they postulate
projects and take actions close to the perspective of “Law and Order” (GARLAND,
2008), and (c) they target more the public security area than any other, with a
gradual growth election after election.
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BRASIL

INTRODUÇÃO

Os atores, seus discursos e as ideias que pretendem realçar e inserir na


agenda são amplamente reativos ao contexto, fato que pode ser corroborado
pelos três principais frameworks de agenda-setting1 na disposição de seus
modelos para mudanças políticas.

Tal constatação é ainda mais evidente na área da segurança pública, pois


essa é uma arena de disputa de narrativas, muito sensível à população2 e de
apreciação midiática quanto à exposição de seus conteúdos (AZEVEDO;
CIFALI, 2016). Deputados federais egressos das forças repressivas do Estado3
tem uma facilidade em instrumentalizar ideias de “lei e ordem” dada a sua
experiência de função e em suas campanhas eleitorais conseguem suprir os
anseios da população por mais segurança, a qual pode ser compreendida como
“mais políticas repressivas” (BERLATTO, CODATO, 2015).

A narrativa e os discursos que estabelecem a agenda de segurança


pública sofrem fortes mudanças quando analisada uma sequencia temporal mais
longa. Desde a criação da SENASP, do primeiro Plano Nacional de Segurança
Pública e do incidente do ônibus 174 (todos durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso), observa-se um deslocamento da primazia estadual no
tratamento de políticas e programas da área para o Executivo Federal. Com a
chegada de Dilma Rousseff à presidência da República, em 2011, há novamente
uma mudança de narrativa do governo federal no tratamento à segurança
pública. Com a afirmação pela presidente de que o Estado era o responsável por
garantir a segurança pública, houve um “esvaziamento” da SENASP, uma
retomada do crescimento da percepção de violência, das taxas de homicídios e
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do encarceramento em massa (AZEVEDO; CIFALI, 2016).


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BRASIL

A despeito da mudança do lócus principal a partir das narrativas


construídas pelos atores políticos, ainda que a segurança pública no Brasil esteja
relacionada mais com o Executivo, vide artigo 244 da CF, mais especificamente
com os governos estaduais, um olhar restrito as unidades federativas perderia
boa parte do processo de negociação e de formulação das políticas públicas,
que ocorre na instância legislativa federal.

Desse modo, cabe destacar que a Câmara dos Deputados sedia a


Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO),
que desde 2002 atua como a principal responsável pela análise de projetos na
área de segurança pública. Segundo levantamento prévio de Baird e Pollachi
(2014), 25% dos membros desse pequeno colegiado fazem parte da conhecida
“bancada da bala”, sinalizando que esses tem atuação frequente na área da
segurança pública. O mesmo estudo aponta, ainda, que as relatorias e
presidências da CSPCCO têm sido distribuídas entre políticos provenientes de
partidos da oposição ou de pequenos da base aliada, o que revela certo descaso
do governo quanto ao processo de formulação de políticas públicas para a
segurança.

Para além disso, Nunes (2015) aponta que, entre 1989 e 2006, 47% das
normativas da segurança pública podem ser classificadas como “lei e ordem”, ao
passo que apenas 23% expandiriam os direitos dos presos (que nesse trabalho
serão identificadas como “reconhecimento das diferenças/direitos humanos”).
Em mesmo levantamento, observa-se que 50% das leis e normativas “mais
duras” obtinham aprovação no Congresso em período inferior a 1 ano, enquanto
que esse número é reduzido para 16% para mudanças em prol do
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reconhecimento das diferenças.


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Uma maior apreciação às matérias políticas de “lei e ordem”, o descaso


do governo com a CSPCCO e a falta de coesão na narrativa do Executivo federal
são elementos que podem impulsionar a atuação dos congressistas egressos
das forças repressivas do Estado na Câmara dos Deputados. Assim, a proposta
desse trabalho é de mapear os discursos e o comportamento desses
congressistas com o uso dos conceitos e ferramentas do framework de coalizões
de defesa, de Sabatier e Jenkins-Smith (1999). Em que pese a recorrência de
estudos de formação da agenda em políticas públicas específicas, assim como
esse confere maior destaque às políticas de segurança pública, busca-se
acrescentar novas ideias ao já realizado, por meio da vinculação entre trajetórias
políticas, crenças em políticas e formação de agenda, com a atuação de um
determinado grupo de atores em uma sequencia temporal mais longa.

Cabe ressaltar que esse trabalho irá expor apenas alguns resultados
preliminares, de forma reduzida, os quais são um recorte de uma sequencia
temporal e de um universo de pesquisa maiores. Assim, a proposta se resume a
analisar a atuação desses deputados durante o ano de 2015, apenas com dados
quantificáveis, a fim de destacar como eles atuaram após eleitos no ano
legislativo ora analisado.

Assim, esse trabalho foi organizado em quatro sessões como seguem: a)


revisão bibliográfica quanto aos frameworks de agenda-setting; b) uma
problematização da relação entre atores, agenda, discurso e segurança pública;
c) teste preliminar com os deputados eleitos em 2014 e d) discussão final com
os resultados desse teste.
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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA QUANTO AOS FRAMEWORKS DE AGENDA-


SETTING

Há uma literatura expressiva quanto ao estudo de trajetórias políticas4,


mas ainda pouca produção acadêmica quanto à contextualização dos processos
de negociações que estimulam a promoção de alternativas políticas no nível do
legislativo federal. Quando selecionado um substrato de atores em nível nacional
destacam-se as produções de Baird e Pollachi (2014), que analisam a
composição e atuação da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime
Organizado da Câmara dos Deputados (CSPCCO) e de Codato e Berlatto
(2015), que investigam o perfil e realizam uma radiografia social dos políticos
egressos das forças repressivas do Estado. Estudos análogos tem sido
desenvolvidos pelo Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil
(NUSP/UFPR)5.

Como esse trabalho propõe-se a investigar a atuação de políticos


específicos (egressos das forças repressivas do Estado) no ambiente político do
Legislativo federal ao invés da performance de todos os políticos diante de uma
política pública específica (por exemplo, o Código Florestal), realiza-se uma
inversão em relação aos estudos que vem sendo desenvolvidos na área. Desse
modo, também fornecem suporte ao nosso objeto os estudos que vêm sendo
desenvolvidos a respeito das ideias discutidas nas arenas políticas e de sua
possível incorporação a uma agenda decisional (CAPELLA; BRASIL, 2015).
Uma variedade de trabalhos seleciona uma extensa sequencia temporal e
analisa a inserção das ideias e as possíveis mudanças políticas a partir do efeito
que essas produzem no sistema político, dentre essas pesquisas cabe destaque
470

a obra seminal de Schattschneider (1935), sobre a política tarifária nos EUA,


assim como a de Derthick (2001), quanto a regularização do tabaco, a de Rocha,
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Rostagnol, Gutiérrez (2009), a respeito da pauta do aborto no Brasil, Uruguai e


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Argentina e a de Gomes (2011), tratando da segurança pública cidadã no


município de Contagem-MG.

Em sua grande maioria os estudos de ideias e formação da agenda são


considerados para explicar a mudança política (KINGDON, 1984,
BAUMGARTNER; JONES, 2009, SABATIER; JENKINS-SMITH, 1999), contudo
os modelos têm sofrido uma série de adaptações. Estudos recentes que utilizam
o framework das coalizões de defesa (ACF) estão servindo como sustentáculo
teórico para o mapeamento de coalizões e do comportamento de atores políticos,
das mais diversas origens, em um subsistema político (ELGIN; WEIBLE, 2013).
No cenário nacional, Capella e Brasil (2015) realizaram um mapeamento quanto
à utilização dos modelos de ideias e formação de agenda, em que destacaram
a ACF como modelo para tratamento dos subsistemas de política como unidades
de análise, onde as ideias e crenças são o alicerce das coalizões.

A literatura internacional (aqui não apenas a estadunidense) tem


desenvolvido mapeamentos a partir do ACF em sequências temporais mais
curtas, sempre conferindo destaque para a importância das ideias no processo
de formação da agenda decisional. Ainda que muitas dessas obras analisem
mais de uma coalizão e não mapeiem uma única, como é o caso da presente
pesquisa, elas exemplificam a aplicação do arcabouço teórico da ACF e podem
nos dar pistas no caso dos políticos egressos das forças repressivas do Estado
e suas dinâmicas de atuação. Cabe aqui uma breve referência a essa literatura:

Na análise de Larsen, Vrangbaek e Traulsen (2006), que verificava o


panorama das reformas 1996-2001 no setor farmacêutico da Dinamarca, houve
a adoção do ACF para indicar os atores que estavam atuando pelo mercado ou
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pelo setor público, de forma dicotômica. Para isso, utilizaram-se discursos, textos
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oficiais e entrevistas semiestruturadas com os envolvidos para um mapeamento


desse processo de mudança política.

Já Leifeld (2013) identifica o processamento das ideias nos subsistemas


políticos no período de 1993-2001 na Alemanha, até a reforma das
aposentadorias daquele ano derradeiro. Nessa pesquisa também foi utilizado o
ACF, com o mapeamento de 7.200 discursos em jornais e artigos de grande
circulação. Ainda, houve o desenvolvimento de um software próprio para a
análise de discurso, o Discourse Network Analysis.

Ao passo que Elgin e Weible (2013) unem o ACF e o Policy Analytical


Capacity (PAC), um framework que melhor define estratégias e recursos
utilizados pelos atores, complementando o anterior. Seu objeto é a
contextualização das coalizões favoráveis e contrárias às políticas de clima e
energia no Estado do Colorado-EUA. Para isso são aplicados questionários no
método snowball e os resultados apontam para as estratégias e recursos
utilizados pelos atores para defender a pauta de sua coalizão.

Em nível nacional, Rocha (2011) tem como objeto a reforma educacional


das décadas de 80 e 90 em Minas Gerais, utilizando o ACF para definir os atores
que veem a sociedade em classes ou defendem o mercado. A teoria das ideias
é colocada como base do trabalho, ainda que um tanto inutilizada, mas os
resultados apresentam um eficiente mapeamento.

Com um recorte na política ambiental entre 1991-2011, Araújo e Pin


Calmon (2012) fazem uma comparação entre os processos de mudança
institucional relativos à “agenda verde” e à “agenda marrom”, a partir da
472

perspectiva teórica da ACF. Como resultado prático pouco pode se explicar ao


se focar exclusivamente nas alterações institucionais advindas desse debate,
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mas é possível obter um mapeamento bastante completo sobre a atuação


desses atores.

A predominância do discurso político na utilização do ACF é evidente,


principalmente pela leitura dos recursos e estratégias das coalizões. Ainda
assim, essa não é uma exclusividade desse modelo analítico, pois tanto o
modelo de múltiplos fluxos como o modelo do equilíbrio pontuado podem ter
como método a análise do discurso político (mais o segundo do que o primeiro)6.

Ideias, interesses e intenções também são um fato novo quando


comparado com a necessidade de formulação e de implementação de políticas
públicas, pois esses estudos tendem a focalizar a mudança política. Ora, para
além desse paradigma, destaca-se o trabalho de Kersbergen, Vis e Hemerijck
(2014), que, ao analisarem o impacto da crise financeira de 2010 na Grécia sobre
quatro Estados de bem-estar social europeus, privilegiaram como objeto uma
agenda governamental, e não uma agenda decisional, pois, para os autores, as
intenções do governo, e não necessariamente as suas decisões melhor explicam
o comportamento dos governos em variados cenários, inclusive no pós-crise.
Ainda, nesse trabalho, aponta-se a pesquisa de Starke e Van Hooren (2013),
que, com o mesmo objeto, verificou a legislação e não apenas as intenções
subjacentes aos discursos, culminando em resultados totalmente opostos.

Quanto a estudos que têm como metodologia a análise de discursos, seja


por análise de conteúdo, comparativa ou a análise francesa do discurso, alguns
se resumem ao seu mapeamento, outros à sua incorporação na agenda
decisional. Muitos tentam mensurar a influência que esses possuem no cenário
político. Afora os trabalhos já mencionados, identifica-se o estudo de Petinelli
473

(2011), em que é verificada a capacidade inclusiva das Conferências Públicas


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Nacionais (saúde, direitos da criança e do adolescente, assistência social) na

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agenda decisional, a autora seleciona três eixos temáticos e analisa as


recomendações a partir do quanto % foi efetivamente implementado.

Ainda que breve, essa revisão aponta algumas questões: a) que o ACF é
o mais adequado para a análise de discursos políticos, uma vez que evidencia
recursos e estratégias dos atores dentro de um subsistema; b) que as ideias
políticas, embora muitas vezes não implementadas, podem ser analisadas
através desse framework; e c) que o Brasil ainda carece de trabalhos
acadêmicos que confiram destaque ao mapeamento de coalizões com o uso de
modelos de agenda-setting.

PROBLEMATIZAÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE AGENDA, ATORES,


DISCURSO E SEGURANÇA PÚBLICA

O contexto político não se resume a apenas um aglomerado de atores e


instituições, mas também de questões, isto é, policy issues7 que vem ou vão na
agenda conforme a dinâmica dos atores que atuam nos “bastidores” da política,
perfazendo a irreverente lição de Schattschneider (1935, p. 228) de que “new
policies create a new politics”.

Essa dinâmica entre as questões que figuram nas mais diversas agendas
é tida como um constante processo de trade-offs8, em que a priorização de um
tema envolve, necessariamente, a desatenção a outro. A injeção de recursos em
uma política específica pode ser a responsável pela inexistência de outras tantas
políticas que não lograram sucesso em sua fase de negociação e, portanto,
estão ausentes da agenda decisional a posteriori, ou ainda, pode se caracterizar
474

como causa de um tema nunca tenha logrado sucesso em adentrar a pauta de


negociação (BACHRACH; BARATZ, 1962). Além do mais, há considerar que a
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ideia que, de alguma forma, chega a fase de negociação, já existiu na agenda


por um determinado período, mesmo que não logre êxito em avançar para as
fases posteriores de sua conversão em política pública institucionalizada
(BAUMGARTNER; JONES, 2009, KNILL; TOSUN, 2011; DA ROS; MARENCO,
2015). O simples fato de uma questão figurar no debate Legislativo, sem adentrar
para a agenda decisional já é capaz de evidenciar todo um escalonamento de
exposição quanto a um determinado tema, que envolve tanto a visibilidade dos
atores que expõem a questão no ambiente institucional, a mediação dessas
crenças e ideias pela mídia e por instituições terceiras e a alternante da opinião
pública que pode reagir ou não à presença desses temas em um debate político-
institucional (BAUMGARTNER; JONES, 2015; GOMES, 2014).

Considerado isso, a preocupação desse trabalho está no “antes”, no


processo anterior à formulação da política, em como determinado problema
ganhou notoriedade e se tornou foco de atenção do governo, em como os
congressistas o expuseram para a sociedade, partindo seja dos interesses de
determinados grupos, seja de uma demanda mais generalizada.

Ora, a política é uma arena de luta simbólica, em que cada ator utiliza
palavras que se destinam a fazer ver ou crer, na busca pelo monopólio da
palavra pública e imposição de sua visão de mundo, uma vez que a competência
política dos profissionais é avaliada a partir da sua capacidade de construir
problemas politicamente (CHAMPAGNE, 1996). O discurso é uma das formas
que esses atores políticos têm para que tenham visibilidade no campo, sendo
essa é a principal commoditie da esfera pública9. A política requer essa
visibilidade, mesmo que mediada pelo jornalismo e complementada pelas
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sondagens de opinião (GOMES, 2014).


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Assim sendo, são quatro os principais conceitos que compõem essa


pesquisa: congressistas egressos das forças repressivas do Estado
(atores), discurso, agenda e segurança pública, sendo que eles estão em
constante relação.

O primeiro conceito tratado são os congressistas egressos das forças


repressivas do Estado possuem como força retórica para as mudanças que
almejam o “discurso da impunidade”. Eles fazem o uso de generalizações, de
especificidades de experiências particulares e utilizam muitos clichês como
“prisão funciona”, “tolerância zero” e “guerra ao crime” (GARLAND, 2008, p. 57).

Relacionados a esse conceito inicial, identificam-se as policy core beliefs,


ou crenças em políticas, que constituem um conceito basilar do Advocacy
Coalition Framework (ACF) – ou modelo de coalizões de defesa – elaborado por
Sabatier e Jenkins-Smith (1999). Explica-se que os indivíduos devem ser
analisados a partir de uma perspectiva da psicologia social, isto é, a teoria da
ACF reconhece dois sistemas racionais: “a lógica da apropriação”, na qual o
comportamento tido como correto é seguir as regras, e a “lógica das
consequências”, em que o comportamento correto é maximizar os “bons”
resultados. Nessa perspectiva, existem grupos de atores políticos (ou coalizões)
que percebem a mesma informação de várias formas diferentes, e por temer um
entendimento contrário dos demais, aliam-se à atores que possuem a mesma
compreensão que a sua, formando uma coalizão fundada sob as mesmas
crenças profundas em políticas. Sabatier e Weible (2007) definem que os custos
de transação de participar de uma coalizão são relativamente baixos quando
comparados com outras formas de comportamento coletivo, em razão do
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compartilhamento dessas crenças pessoais.


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Os autores colocam que as políticas públicas podem ser conceitualizadas


a partir de um sistema de crenças, semelhante a uma tipologia, as quais podem
ser divididas nas três distintas categorias propostas inicialmente no modelo da
Sabatier: crenças profundas, crenças em políticas e aspectos secundários.
Dentro do ACF, a formulação de políticas é uma função que compete às
coalizões de defesa dominantes dentro de um subsistema de políticas. Os atores
que pertencem a esses subsistemas estão agrupados em um número de
coalizões de defesa que partilham essas crenças, que correspondem a valores
básicos, percepção de problemas e assunções causais, e que demonstram um
grau de atividade política razoavelmente coordenada. Sabatier e Weible (2007)
destacam, ainda, que as crenças em políticas são muito difíceis de serem
mudadas e elas podem ser disputadas por um número variável de duas a cinco
coalizões dentro de um mesmo subsistema.

Em resumo, as policy core beliefs são ideias que se propagam dentro de


um subsistema político e os atores que fazem parte desse assumem um
investimento e esforço em tentar desenvolver essa ideia a fim de ganhar uma
maior adesão, sendo essa a “cola” que mantém as coalizões unidas (SABATIER;
WEIBLE, 2007).

O segundo principal conceito a ser trabalhado é o de discurso, mais


especificamente o de discurso político. Esse parte de uma premissa
fundamental, de que apenas três atores tem legitimidade para se exprimir
publicamente sobre a política: os políticos, os jornalistas e a opinião pública por
meio de sondagens de opinião ou até por manifestações sociais (CHAMPAGNE,
1996, CHARAUDEAU, 2013). Nos discursos há uma constante troca, em que um
477

muda sob a influência dos demais: a opinião pública sob a influência das mídias,
as mídias sob influência da politica e da opinião, o politico sob influência das
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mídias e da opinião.
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De acordo com o dicionário de análise do discurso, esse é tratado a partir


de uma ampla dimensão social, diferenciando-se de uma frase, de um
enunciado, da língua e do texto. Define-se como “a suposição de uma
organização além dos limites da literalidade de seu texto, que é previamente
orientada, de forma interativa, contextualizada, assumida, regida por normas e
assumida como um interdiscurso” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p.
168-172).

Desse modo, o discurso político é o elo e o instrumento que os deputados


egressos das forças repressivas do Estado possuem para fazer e sofrer
influências das demais instâncias, a mídia e a opinião pública. Ao seu nível, há
a criação de imagens de políticas (a título ilustrativo o clichê “guerra ao crime”)
que incidiriam sobre os seus receptores para a intensificação e consolidação de
suas crenças em políticas. Em outras palavras, a imagem é a forma como uma
política é compreendida (BAUMGARTNER; JONES, 2009).

Outro conceito aqui trabalhado é o de agenda-setting (ou formação de


agenda), que confere grande destaque à dinâmica de ideias no processo político,
basicamente relacionada com a definição de problemas, alternativas e soluções,
em que há um constante processo de trade-offs entre os temas que são
priorizados em dados períodos (CAPELLA, 2007).

Atualmente, Capella, Soares e Brasil (2014) apontam a existência de três


grandes modelos que buscam melhor identificar o processo de formação de
agenda de políticas públicas: a abordagem dos múltiplos fluxos (MMF) proposta
por Kingdon (1984), o modelo de coalizões de defesa (ACF) apresentado por
Sabatier e Jenkins-Smith (1999) e o framework de equilíbrio pontuado
478

desenvolvido (MEP) elaborado por Baumgartner e Jones (2009). Cada qual com
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as suas especificidades, os modelos funcionam melhor a partir de métodos e

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técnicas de pesquisa variados, mas ainda assim possuem algumas afinidades


quanto às diversas conceituações do termo agenda.

Interessante observar que o termo agenda é tão abstrato quanto amplo.


Há uma intensa discordância quanto ao passo-a-passo da formulação de uma
agenda, inclusive entre os autores propositores dos modelos supracitados.
Dessa forma, cabe encontrar um ponto em comum entre as teorias sobre a
formação da agenda, o qual poderia estar localizado na dicotomia entre aquilo
que está sendo debatido ainda no campo das ideias (negociação – agenda
governamental) e aquilo que está “maduro” o suficiente para ser
institucionalizado na forma de uma política (agenda decisional). Tal dicotomia
viabiliza uma abordagem de três tempos: a não agenda (BACHRACH; BARATZ,
1962), a agenda governamental e a agenda decisional (DA ROS; MARENCO,
2005, KNILL; TOSUN, 2011).

A abordagem de Kingdon (1984) sugere que o acesso de uma questão


para uma agenda decisional depende da convergência de três fluxos: de
problemas, de alternativas e de política. Para o autor esse momento ocorre
através do acesso a uma janela de oportunidade usufruída por um
empreendedor de políticas públicas. Já o modelo do equilíbrio pontuado, de
Baumgartner e Jones (2009) propõe o estudo de períodos de estabilidade e de
mudanças políticas, sendo que as instabilidades e a construção de imagens de
políticas são fundamentais para que novas ideias irrompam nas arenas políticas
e alterem a agenda. Esse segundo modelo confere grande destaque ao papel
da mídia e ao fluxo das informações.

Já o framework da ACF procura examinar as políticas públicas sem isolar


479

uma fase do ciclo. Criado tanto para a explicação de mudanças políticas como
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para o mapeamento do comportamento de coalizões por meio de crenças e

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estratégias políticas, o modelo pressupõe que a melhor maneira de lidar com a


multiplicidade de atores em um subsistema é agregá-los em coalizões de defesa.
Neste modelo há grande destaque para os discursos e os valores dos atores
analisados (SABATIER; WEIBLE, 2007).

As teorias convergem no fato de que há uma agenda governamental (que


engloba todos os temas discutidos, em negociação) e uma agenda decisional
(que reúne os temas prontos para se tornarem políticas). A diferença está no fato
de que a junção dos três fluxos (MMF) e a aceitabilidade de uma imagem de
política (MEP) são necessárias para que o tema se desloque da primeira para a
segunda agenda, ao passo que a ACF pode ser utilizada apenas para a
realização de um mapeamento de crenças, ideias e dinâmicas políticas (ELGIN;
WEIBLE, 2013), as quais não avançam necessariamente até a agenda
decisional.

O último conceito é o de segurança pública, o qual está fortemente


relacionado com os anteriores. Aqui se adota uma perspectiva da cultura do
controle, de Garland (2008), com a crença de que o aumento dos mecanismos
de controle social é um dos principais anseios da sociedade e o debate entre a
“criminologia do eu” e a “criminologia do outro” (GARLAND, 2008, p. 26).

O autor considera que o processo penal é conduzido pelo discurso jurídico


da instrumentalidade do processo, pois os atores políticos conferem maior
preocupação aos resultados do que a segurança, isto é, o medo do crime passou
a ser visto como o problema a ser direcionado, assim sendo, a redução do medo
é mais importante do que a redução do crime. Em outras palavras, a retórica do
debate penal está centralizada na vítima e é compreendida como uma punição
480

mais dura com os agressores (GARLAND, 2008, p. 55).


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Nesse sentido, o autor constrói um amplo arcabouço teórico em que


debate a politização do controle do crime e em como o fluxo de informações
respalda o crescimento da atividade parlamentar em uma lógica de crime e
castigo, seguindo as políticas punitivas de “lei e ordem”. Essa perspectiva é
reforçada pelo fato de a segurança pública ser pautada por debates sobre a
violência urbana, as causas da criminalidade ou as medidas punitivas, tais como
a redução da maioridade penal, a pena de morte, a reforma do sistema carcerário
e o porte de armas de fogo (GARLAND, 2008, AZEVEDO; CIFALI, 2016). Ainda,
outros temas presentes em outras áreas setoriais também tangenciam esse
debate, como a descriminalização do uso das drogas, o racismo, o aborto e o
direito à sexualidade. A “opinião pública” sobre todos esses temas é
constantemente mensurada pelos institutos cujo objeto profissional são as
sondagens de opinião, e como dito por Bourdieu (1973), “um problema posto é
um problema em pauta, desse modo presente na agenda governamental”.

A título exemplificativo dessa estreita relação entre os quatro conceitos


podemos indicar o referendo previsto no Estatuto do Desarmamento, quando no
ano de 2005 a população foi questionada se “o comércio de armas de fogo e
munição deve ser proibido no Brasil?”. A campanha pelo NÃO foi presidida pelo
deputado e ex-policial militar Alberto Fraga (PFL-DF) e teve êxito perante a
população, com 63,94% dos votos.

Apesar de o governo Lula I (2003-2006) ter indicado, ainda durante a


campanha eleitoral, que a segurança pública e algumas medidas como a
proibição do comércio de armas e munições eram prioridades de seu governo
(AZEVEDO; CIFALI, 2016), a campanha realizada e encabeçada por um egresso
481

das forças repressivas do Estado já indica um ensaio de “lei e ordem” diante de


uma narrativa que desde FHC II se constituía como mais propensa aos direitos
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humanos/reconhecimento das diferenças.


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Afinal, seria a segurança pública um discurso de segurança nacional


dentro da democracia?

TESTE PRELIMINAR COM OS CONGRESSISTAS ELEITOS EM 2014

Para a execução desse teste inicial, optou-se por realizar uma análise do
conteúdo dos discursos desses deputados, tendo como objeto todos os
pronunciamentos emitidos por eles no exercício de suas funções, os quais estão
armazenados no banco de notas taquigráficas do Congresso Nacional. Nesse
repositório digital, tais discursos são classificados em diversas categorias, mas
iremos nos ater aos “pequenos expedientes”, “grandes expedientes” e “breves
comunicações” em plenário ou os pronunciamentos proferidos na CSPCCO.

Esse teste foi elaborado a fim de identificar que os congressistas


analisados: a) possuem crenças em políticas compartilhadas; b) postulam
questões e ações mais próximas da perspectiva da “Lei e Ordem”; e c) atuam e
destacam temas da setorialidade da segurança pública em suas falas.

O teor das buscas pelos pronunciamentos10 não ocorrerá por temas-


chave, mas pelos parlamentares, uma vez que conforme identificação junto ao
TSE, o universo de pesquisa fica bastante reduzido e se adapta aos objetivos e
hipóteses desse trabalho. Ademais, a busca compreenderá o espaço temporal
de janeiro a dezembro de 2015.

No tocante ao grupo de deputados, as debilidades da verificação de


trajetórias políticas através dos registros do TSE impõem sérias dificuldades para
a melhor captura desses atores, uma vez que a “declaração espontânea” de
482

função quando candidato pode incorrer na ambiguidade11. Como


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complementação, serão verificados, um a um, os eleitos, a fim de identificar a

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totalidade dos parlamentares egressos das forças repressivas do Estado. Essa


busca dar-se-á através da análise do perfil pessoal de cada um desses
parlamentares, apenas para fim de seleção e um melhor mapeamento de sua
atuação por intermédio dos pronunciamentos.

Ademais, a partir do estudo de Rocha, Rostagnol e Gutiérrez (2009)


elaboramos alguns eixos para a análise de pronunciamentos políticos dos
deputados federais egressos das forças repressivas do Estado e de sua
trajetória: qual a progressão partidária, o Estado pelo qual foi eleito, qual era a
função anterior à política, as suas plataformas eleitorais, quem os financia e/ou
financiou. Tais eixos são utilizados como categorias de análise posteriormente
no NVIVO 10.

Por fim, cabe esclarecer que o texto integral dos pronunciamentos desses
parlamentares está disponível no sítio do Congresso Nacional12.

Em um momento subsequente é realizada uma análise do conteúdo


desses discursos, de forma quantitativa, com a elaboração de clusters,
contagem de frequências, estabelecendo modelos sequenciais e loops para
feedback. Assim, verifica-se se há uma sintonia entre os “atos de fala” e o
progresso de uma agenda legislativa nos tópicos da segurança publica. Estes
dados permitem compreender de que forma acontece o processo da construção
argumentativa de problemas na formação da agenda governamental em
segurança pública, por intermédio dos atores ora estudados.

Segue o teste.

Em um primeiro momento foi verificado o banco de dados do TSE para


483

localizar quais foram os deputados federais eleitos em 2014 que se declararam


como egressos das forças repressivas do Estado. Em seguida, com a utilização
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do mesmo banco e o acesso dos perfis sociais de cada um dos eleitos, buscou-
se identificar quais seriam os outros possíveis egressos da polícia.

Posteriormente, a fim de investigar se esses deputados possuem crenças


em políticas compartilhadas, realizou-se um breve mapeamento sobre as suas
presenças em audiências públicas ou reuniões deliberativas de Comissões e
CPIs do Congresso, permanentes ou transitórias, bem como da discussão de
projetos de leis ou emendas constitucionais em temas tangenciais à segurança
pública. Por fim, foram exportados todos os seus discursos em Plenário e
analisou-se uma breve análise de conteúdo desses.

A partir do banco do TSE foram localizados seis deputados federais que


se declararam como egressos das polícias: Laerte Bessa (PR-DF), Alberto Fraga
(DEM-DF), Delegado Waldir (PSDB-GO), Capitão Augusto (PR-SP), Capitão
Fábio Abreu (PTB-PI) e Cabo Daciolo (PSOL-RJ)13. Desses seis deputados,
apenas o quinto deles não assumiu a sua vaga, em razão de sua convocação
para a função de Secretário de Segurança do Estado do Piauí.

O acesso aos perfis sociais dos eleitos, ainda que não tenha sido uma
busca aprofundada, resultou em outros 10 nomes de deputados que já
participaram de quadros das forças repressivas do Estado: Major Rocha (PSDB-
AC), Marcos Reategui (PSC-AP), Tenente Lúcio (PSB-MG), Delegado Edson
Moreira (PTN-MG), Subtenente Gonzaga (PDT-MG), Delegado Eder Mauro
(PSD-PA), Delegado Francischini (SD-PR), Jair Bolsonaro (PP-RJ), Eduardo
Bolsonaro (PSC-SP) e Major Olímpio Gomes (PDT-SP). Há destacar que o
“nome político” desses deputados facilita essa modalidade de busca. Ainda,
segundo dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
484

(DIAP), esse número é de 22 deputados.


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Quanto a participação desses deputados em Comissões, CPIs, reuniões


deliberativas e audiências de leis, pode se verificar no gráfico abaixo:

Quadro 1- Participação em audiências e comissões.

Laerte Bessa Alberto Fraga Cabo Daciolo Capitão Augusto Delegado


Waldir

CSPCCO CSPCCO CSPCCO CSPCCO CSPCCO

CEUNIFI CEUNIFI CESEGPUB SUBDROGA SUBDROGA

CDHM CESEGPUB CREDN CDHM CEUNIFI


CPICARCE CPICARCE CEUNIFI CESEGPUB

CPICIBER CPIJOVEM CREDN CPICARCE

PEC 171/93 PEC 171/93 CESEGPUB PEC 171/93


PL 3722/12 PL 3722/12 CPICARCE PL 3722/12

CPIJOVEM

PEC 171/93
PL 3722/12

Fonte: elaboração própria, a partir de dados da Câmara dos Deputados.

No tocante aos pronunciamentos desses congressistas, principalmente


àqueles proferidos em Plenário, é possível verificar que eles não buscam
dialogar entre seus pares, mas emitir as suas opiniões com outro destinatário, a
sociedade.

Os pronunciamentos no Plenário da Câmara Federal podem ser


distinguidos em sete tipos no “Banco de discursos e notas taquigráficas”, sendo
eles: pequenos expedientes, grandes expedientes, breves comunicações,
comunicações parlamentares, ordem do dia, homenagem e comissão geral.
485

Dentre esses discursos cabe destacar que a “ordem do dia” geralmente


está relacionada àquilo que esta em votação, desse modo, uma agenda posta,
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uma agenda decisional, a qual não cumpre os objetivos da pesquisa. Os


discursos denominados de “homenagem”, “comissão geral” e “comunicações
parlamentares” se referem a temas esporádicos e que, por raras vezes,
condizem com a tentativa do estabelecimento de uma agenda por esses
deputados.

Assim sendo, restam três modalidades de discurso a serem analisadas.


Os “pequenos expedientes”, os quais são períodos de até cinco minutos em que
o deputado assume o posto na tribuna e argumenta sobre um tema qualquer de
seu interesse, assim como os “grandes expedientes”, entretanto, esses tem uma
limitação de até vinte e cinco minutos. Ambos os expedientes requerem um
registro prévio, portanto a fala dos deputados já é pré-ordenada e premeditada.
Caso esses dois períodos não sejam cumpridos na totalidade do tempo
destinado a eles em cada dia de sessão, os congressistas possuem o direito de
utilizar os minutos restantes para proferir “breves comunicações”, as quais, pelo
conteúdo dos discursos, são muito semelhantes aos “pequenos e grandes
expedientes”.

Em uma breve quantificação desses discursos, esses cinco deputados


proferiram 256 (pequenos expedientes, grandes expedientes e breves
comunicações) durante o ano de 2015. Desses, 156 versaram exclusivamente
sobre segurança pública, outros 53 levantaram o tópico junto de outros temas, e
31 versaram exclusivamente sobre corrupção.

DISCUSSÃO FINAL
486

Em 2003, expectativas acadêmicas se constituíram em torno de uma


política de segurança pública que prezasse a função terapêutica da pena, o
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reconhecimento das diferenças e a assistência estatal para aqueles que


carecessem de provisões econômicas, sociais e psicológicas a fim de objetivar
a sua reintegração a sociedade. Contudo, a agenda do governo eleito nas
eleições do ano anterior, apesar de conter ideias que poderiam prosperar em
direção à uma política de segurança baseada no reconhecimento das diferenças,
não obteve progresso na sua implementação. Ainda, algumas questões carecem
de respostas quando analisado o contexto como um todo: como se constituiu
esse cenário em agenda? Como um grupo específico de deputados conseguiu
impedir que uma agenda progressista avançasse ou fez com que ela se
reduzisse no campo? As ideias apresentadas pelo Executivo já foram lançadas
de forma mais contida do que se esperava que ocorressem?

Obviamente o poder explicativo não pode recair em absoluto sobre a


atuação desse grupo de deputados, mas a sua presença no debate da agenda
governamental, o seu crescimento em número ano-a-ano e a sua diminuição de
referências à políticas progressistas podem corroborar a hipótese de que a
presença de uma coalizão de defesa investida de poder significativo tem forças
para barrar o avanço de ideias contrárias14.

Desse modo, supõe-se que os pronunciamentos dos deputados federais


egressos das forças repressivas do Estado servem para destacar temas da
setorialidade da segurança pública na agenda governamental, que eles atuam
mais na área da segurança do que em outras, tais como corrupção e educação,
tendo um crescimento de sua visibilidade e das questões postuladas mandato
pós mandato, que esses atores possuem crenças em políticas compartilhadas e
que eles postulam questões e ações mas próximas da perspectiva da “Lei e da
487

Ordem” (GARLAND, 2008).


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Uma análise para além dessa realizada com o ano de 2015 pode

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corroborar essas hipóteses, ou não, mas já são suficientes para indicar que,
mesmo que tais atores não possam ser classificados como uma bancada (como
é o caso da “bancada da bala”), eles tendem a advogar por pautas de forma
conjunta.

Fato é que mesmo em um ano atípico, com o Deputado Eduardo Cunha


na presidência da Câmara dos Deputados, um turbulento início do governo Dilma
II em que houve a abertura de um processo de impeachment contra a presidente
no Legislativo e uma fervorosa campanha dos meios tradicionais de
comunicação na divulgação de casos de desvio de dinheiro público, tais
deputados mantiveram a sua pauta bastante focalizada na temática da
segurança e em discursos e medidas consideradas como de “lei e de ordem”.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Suely Mara Vaz Guimarães de; PIN CALMON, Paulo Carlos du.
Política Ambiental no Brasil no period 1991-2011: um estudo comparado das
agendas verde e marrom. Trabalho apresentado no VIII Encontro da ABCP,
Granado: 01 de agosto a 04 de agosto de 2012.

AVRITZER, Leonardo; COSTA, Sérgio. Teoria Crítica, Democracia e Esfera


Pública: concepções e usos na América Latina. Dados. Rio de Janeiro,
v.47, n.4, p. 703-728, 2004.

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GUSTAVO COVOLAN BOZZETTI
INFLUÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO DA AGENDA DA
SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
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BRASIL

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Palgrave Macmillan, 2013.

NOTAS

O modelo dos múltiplos fluxos de John Kingdon (1984), do equilíbrio pontuado


de Baumgartner e Jones (2009) e das coalizões de defesa de Sabatier e Jenkins-
Smith (1999).

2 A pesquisa do IBOPE, indicada como problemas e prioridades para o Brasil em


2014, elenca uma série de temas, dentre os quais o respondente deve escolher
três deles para indicar quais seriam os maiores problemas enfrentados pelo país
hoje. Nesse ano a segurança pública foi apontada como o segundo principal
problema ao passo que as drogas foram o terceiro. Disponível em:
<http://www.sistemafindes.org.br/download/pesquisa_cni-ibope-
problemas_e_prioridades_2014.pdf>. Acesso em: 12-11-2015.

3 Deputados Federais egressos das forças repressivas do Estado são os


vinculados à Polícia Civil, Polícia Militar, Forças Armadas – da ativa ou reformado
– e Bombeiros Militares.

4 A título ilustrativo ver: Marenco dos Santos (1997; 2001), Rodrigues (2002;
2006), Power e Mochel (2009), Perissinoto e Bolognesi (2010), Araújo (2011),
Coradini (2012), Pereira e Rennó (2013), Codato et al. (2013), Perissinoto e
493

Veiga (2014), Cervi et. al (2015). Também Bourdieu (1981).


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ESTADO E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO DA AGENDA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO
BRASIL

5 Disponível em: < http://www.humanas.ufpr.br/portal/nusp/sobre-o-nucleo/>.


Acesso em: 08-12-2015.

6 É o caso dos estudos de Dunaway; Branton; Abrajano (2010), de Jennings;


John (2010) e de John; Bevans; Jennings (2011).

7 Cada questão em debate pode ser considerada como uma policy issue, desde
as consideradas menores, como pequenas nuances de projetos referentes a
uma política pública à grandes temas, como a segurança pública
(BAUMGARTNER; JONES, 2015).

8 O constante processo de trade-offs nada mais é do que a priorização de valores


e preferências de algum(ns) grupo(s) em detrimento de outro(s). Essa troca, em
que necessariamente constam vencedores e perdedores, é bastante
compreensível no processo político, mas não apenas nele, sendo visível também
no fluxo de informações (BAUMGARTNER; JONES, 2015).

9 A esfera pública diz respeito mais propriamente a um contexto de relações


difusas no qual se concretizam e se condensam intercâmbios comunicativos
gerados em diferentes campos da vida social (AVRITZER; COSTA, 2004).

10 Há destacar que boa parte dos discursos não está disponível apenas de forma
transcrita, mas também em áudio e vídeo no mesmo sítio em que são verificados
os discursos desses parlamentares, os quais também serão utilizados conforme
a sua disponibilidade.
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ESTADO E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO DA AGENDA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO
BRASIL

11 A título ilustrativo, um policial militar pode-se registrar tanto como funcionário


público como por policial militar. Ainda, se ele estiver concorrendo à um segundo
mandato pode-se registrar como politico. Essas pequenas inconsistências por
mera declaração dificultam a classificação desses deputados federais.

12 Disponível em: <http://senado.leg.br/atividade>. Acesso em: 12-03-2015.

13 Alguns desses deputados efetuaram a troca de legenda no decorrer de 2015.

14 Nesse ponto, bebe-se da teoria de Bachrach e Baratz (1962) ao indicarem a


existência da não agenda e da possibilidade de que temas sejam sobrepostos a
outros a diante da configuração do que esta sendo discutido na agenda
governamental.
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GUSTAVO COVOLAN BOZZETTI
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SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL, NELSON LUIS MOTTA GOULART E VITOR DE MORAES PEIXOTO
POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE O DÉFICIT HABITACIONAL E O
VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS

GRUPO DE TRABALHO 2 – GT2


PARTIDOS E POLÍTICAS PÚBLICAS

POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO


ENTRE O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE
UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA
NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS

JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL


Graduando em Administração Pública pela
UENF. E-mail: joaoleal@pq.uenf.br

NELSON LUIS MOTTA GOULART

Bacharel em Ciências Sociais pela UENF, Mestre


e Doutorando em Sociologia Política pela
UENF.E-mail:nelsonluismottagoulart@gmail.com
496

DR. VITOR DE MORAES PEIXOTO


Professor associado da UENF e coordenador do
Página

curso de Ciências Sociais. Possui Mestrado e


POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL,
O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS VITOR DE MORAES PEIXOTO
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL, NELSON LUIS MOTTA GOULART E VITOR DE MORAES PEIXOTO
POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE O DÉFICIT HABITACIONAL E O
VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS

Doutorado pelo IUPERJ. E- mail:


moraespeixoto@gmail.com
RESUMO

Este trabalho é uma análise quantitativa da implementação da maior política


pública de habitação do país, o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV).
Seu principal objetivo é o de analisar a relação entre o volume de unidades
residenciais construídas e entregues pelo programa e o déficit habitacional
observado em cada um dos 5.570 municípios brasileiros. A empreitada utilizou
três indicadores: o volume de unidades residenciais contratadas, o volume de
unidades construídas e o volume de unidades entregues pelo programa e
analisou se eles estão correlacionados aos valores observados do déficit
habitacional registrado para cada uma das classes de renda das populações
municipais. O resultado encontrado foi a correlação entre os déficits
habitacionais verificados nos municípios brasileiros e o volume das unidades
residenciais contratadas, construídas e entregues pelo PMCMV. Embora haja
críticas quanto as localidades onde os conjuntos habitacionais são situados
dentro dos municípios, percebe-se que as unidades construídas e entregues
pelo programa foram posicionadas nos municípios que mais precisavam delas.

ABSTRACT

This work is a quantitative analysis of the implementation of most housing policies


from the country, Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV – My House My
Life). The main objective is to analyze the relationship between the amounts of
residential units built and delivered by the program and the housing deficit
497

observed in each of the 5.570 Brazilian municipalities. The study used three
indicators: the contracted amounts of residential units, the amount of units
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constructed and the number of units delivered by the program and examined
POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL,
O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS VITOR DE MORAES PEIXOTO
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL, NELSON LUIS MOTTA GOULART E VITOR DE MORAES PEIXOTO
POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE O DÉFICIT HABITACIONAL E O
VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS

whether they are correlated to the observed housing deficit values recorded for
each of the income of local populations classes. The result found was the
correlation between housing shortage in Brazilian municipalities and the amounts
of contracted residential units, built and delivered by PMCMV. Although there is
critics about the locations where the housing is built within the municipalities, it is
clear that the units built and delivered by the program were placed in the
municipalities most in need of them.
498
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POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL,
O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS VITOR DE MORAES PEIXOTO
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL, NELSON LUIS MOTTA GOULART E VITOR DE MORAES PEIXOTO
POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE O DÉFICIT HABITACIONAL E O
VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS

INTRODUÇÃO

Acumulação e equidade na jovem poliarquia brasileira


No rol dos direitos que engendram a constituição de uma cidadania plena,
a moradia digna, ao lado de outros direitos básicos, como o acesso aos serviços
de educação e de saúde, constitui uma parcela significativa do principal gargalo
à ser enfrentado pela jovem poliarquia brasileira.

Do lado dos processos naturais28 que acarretam mudanças diretas na


estrutura de escassez, o contexto enfrentado pela nova poliarquia brasileira não
só é distinto dos enfrentados pela administração pública de outros momentos,
como tem sob seu escopo, radicalizado, o problema habitacional (MARICATO,
2001; SANTOS, 1979, p. 65). Enquanto a última política nacional habitacional de
grande porte foi construída em meio ao processo de migração populacional, em
situação de restrição política, e buscando legitimidade (AZEVEDO, 1988, p.
109), as políticas recentes voltadas ao tema tratam públicos, no mínimo,
duplamente distintos. A população brasileira, pós 88, tem seu perfil
marcadamente urbano e é uma população que arrisca seus primeiros passos em
situação de reabertura democrática.

Do lado do comportamento das elites, há competição eleitoral (BRAGA,


2010, p. 28; PEIXOTO; GOULART, 2014, p. 51), mas a participação e o controle
na formulação e na implementação das políticas públicas ainda são insuficientes,
ou quando não precários (LOUREIRO; MACÁRIO; GUERRA, 2015). Mesmo

28
. “Chamar-se-á aqui de processos naturais a semelhantes variações, politicamente incontroláveis a
nível micro, e muito precariamente controláveis a nível macro. Entre eles, três aparecem como
499

extremamente relevantes na composição ao sistema de complexas interações que terminam por


condicionar o processo de tomada de decisão sobre políticas públicas” “Considere-se o crescimento
populacional.” “Também os processos de urbanização podem ser considerados como razoavelmente
Página

autônomos.” “Finalmente, a divisão social do trabalho constitui terceiro processo não controlável
gerando variações na estrutura da escassez e na complexificação social.” (SANTOS, 1979, p. 65).
POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL,
O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS
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VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
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diante de um relativo sucesso do sistema representativo, não se transfigurou um


sucesso imediato na composição de políticas públicas que envolvessem os três
entes: união, estados e municípios de maneira coordenada (ABRUCIO, 2005, p.
52), e que promovessem a participação social (ARRETCHE, 1996, p. 19).

Este trabalho é uma análise dos níveis observados do déficit habitacional


nos municípios brasileiros e do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV).
Seus principais objetivos foram os de analisar a relação entre o déficit
habitacional e o volume de unidades residenciais contratadas, concluídas e
entregues pelo PMCMV e o de verificar se os partidos que assumiram as
administrações municipais nas eleições municipais e que, consequentemente,
tomaram parte na implementação do programa, imprimiram diferenças
significativas nos números resultantes desse processo. Para tal, a empreitada
dividiu-se em três seções: na primeira, um breve enquadramento teórico aponta
uma das formas de encarar o problema habitacional e a importância que as
administrações municipais têm diante dele, e por fim, relaciona esses a duas
características da federação brasileira: descentralização e coordenação. Na
segunda seção, puramente analítica, descreve e confere se o volume de
unidades residenciais contratadas, construídas e entregues estão relacionados
ao déficit habitacional municipal bem como analisa se os partidos que assumiram
executivos municiais em ambas as fases do PMCMV, imprimiram distintos
resultados. Por fim, na derradeira seção, são sintetizados e discutidos os
principais argumentos e achados da breve análise.

Descentralização, coordenação e os governos locais


A nova Constituição Federal, promulgada em 1988, é um marco no que
500

se refere às medidas tomadas para a formulação e implementação de políticas


públicas. Tanto em seu desenho, quanto nas consequências imperativas
Página

resultantes dele, houve uma redistribuição das atribuições entre os entes


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O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
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VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
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federados, bem como houve uma reformulação do universo das relações


possíveis entre estes. Em seu desenho, a distribuição de atribuições e poderes
foram fortemente marcados pelas demandas de descentralização,
principalmente no que se refere à provisão de políticas sociais (ARRETCHE,
2002, p. 31). Nas consequências desse desenho, as ações e relações entre os
entes foram viabilizadas por meio de mecanismos de coordenação federativa
(LEITE, 2010, p. 309).

No que se refere ao seu desenho da constituição, houve uma


redistribuição das atribuições entre os entes federados. A distribuição de
atribuições e poderes foram fortemente marcados pelas demandas de
descentralização, principalmente no que se refere a provisão de políticas sociais
(ARRETCHE, 2002, p. 6). No que se refere às consequências imperativas
resultantes, houve uma reconfiguração do universo das relações possíveis entre
os entes. União, Estados e Municípios tiveram que, em algum momento,
coordenar suas ações. Essa necessidade de coordenação promoveu a
formulação de políticas, programas nacionais, assim como a constituição de
sistemas únicos, em que se busca a integração das ações dos diferentes entes
governamentais (LOTTA; GONÇALVES; BITELMAN, 2014, p. 16).

Neste contexto de reabertura democrática, os municípios foram os que


mais se beneficiaram. Ocorreu um aumento das competências de âmbito
municipal (CAVALCANTE, 2014, p. 241), bem como um aumento na importância
dos municípios no financiamento e nos gastos do setor público brasileiro
(AFONSO; ARAUJO, 2001, p. 7), na transferência da totalidade dos serviços de
atenção básica para os municípios (LEITE, 2010, p. 315) e pelo o grande
501

aumento da arrecadação própria municipal (AFONSO; ARAUJO, 2001, p. 10).


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BRASILEIROS

De 1988 até 2000, o volume de recursos próprios dos municípios elevou-se em


cerca de R$ 12,2 bilhões, um acréscimo de aproximadamente 196%. Aumento
este que está relacionado, acima de tudo, a um movimento de municipalização
da receita, que ainda de forma não adequadamente planejada, resultou em um
processo desordenado de descentralização de encargos (AFONSO; ARAUJO,
2001, p. 2).

O problema do déficit habitacional e a importância das administrações


municipais

O déficit habitacional, principal indicador das políticas voltadas a


habitação e o indicador oficial utilizado pelo o Ministério das Cidades, apresenta
a necessidade de aproximadamente 6 milhões de residências. No que se diz
respeito a distribuição do déficit habitacional entre as faixas de renda, a
distribuição não é feita proporcionalmente. Mais de 60 % do déficit encontra-se
concentrado na população com a renda familiar de até 3 salários mínimos.

No que se refere às ações políticas de enfrentamento ao déficit


habitacional, o primeiro ponto a ser salientado é que as grandes políticas
públicas nacionais apresentaram uma característica de optarem, quase sempre,
pela construção de novas unidades e não por outras formas de combate ao
problema. Enfrentar o déficit habitacional não implica unicamente na
necessidade do imóvel ser propriedade do benificiário. Existem ações
diferenciadas que não envolvem propriamente a produção de novas unidades.
Como por exemplo, ações relacionadas a redistribuição de imóveis
abandonados que não cumprem sua função social. Outra linha de atendimento
é o aluguel social, uma alternativa para locais onde não há terras disponíveis
502

para construção, mas há imóveis que podem ser alugados. Ou mesmo medidas
Página

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O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
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voltadas para oferta de materiais de construção e melhorias de unidades


residenciais29.

Para que a estratégia de enfrentamento do déficit habitacional escolhida


pelo poder público tenha reais efeitos, é necessário que administrações
municipais portem, nem que seja minimamente, capacidade administrativa no
âmbito da política habitacional. Tais capacidades foram medidas no livro:
Capacidades administrativas dos municípios brasileiros para a política
habitacional realizado com base nos dados da Pesquisa de Informações Básicas
Municipais do IBGE sobre as estruturas institucionais existentes no período de
2004 e 2008-2009. A pesquisa em questão indica que as políticas habitacionais
brasileiras passaram para outro patamar nas administrações municipais. No
primeiro ano de análise, pelo menos um órgão para a política habitacional estava
presente em menos da metade dos municípios brasileiros, em 2008-2009 este
estava presente em mais de dois terços deles. O instrumento mais presente nos
municípios é o cadastro ou fonte de informação para a identificação do déficit
municipal de moradia, 80,8% dos municípios declararam possuí-lo. O segundo
instrumento mais presente é o fundo municipal de habitação que é encontrado
em 43 % dos municípios. Os instrumentos específicos da política habitacional
apresentaram trajetória bastante semelhante de expressiva e contínua expansão
ao longo do período analisado (ARRETCHE et al., 2012, p. 40). Desta forma, o
partido que conseguiu eleger um prefeito nas eleições majoritárias de 2012,
encontrou na maioria dos municípios brasileiros, a administração da prefeitura
contendo capacidade no que se refere à política habitacional30.
503

29
. Política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de
delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos (Peters, 1986).
30
. Neste trabalho foi feito um diagnóstico das capacidades administrativas dos municípios brasileiros
Página

para a gestão da política habitacional. Tais capacidades são medidas com base em estruturas
institucionais existentes, as quais supõe-se que afetem a possibilidade de oferta e gestão de unidades
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O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS VITOR DE MORAES PEIXOTO
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL, NELSON LUIS MOTTA GOULART E VITOR DE MORAES PEIXOTO
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VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS

A respeito da implementação de um programa habitacional do porte do


PMCMV, além da capacidade municipal voltada à política habitacional, outras
variáveis são levadas em consideração, este trabalho analisa se o partido do
prefeito eleito pode causar diferenças substâncias nos níveis de contratação,
construção e entrega; do PMCMV nos municípios brasileiros.

O Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV)


O maior programa habitacional do país, o Programa Minha Casa, Minha
Vida (PMCMV), possui um modo de se organizar marcado por uma série de
subprogramas, fundos, faixas de renda, linhas de financiamento, agentes
operadores. Nenhum outro programa habitacional brasileiro montou um
processo sistemático deste porte destinado ao acesso à habitação (AMORE;
RUFINO; SHIMBO, 2014).

A estrutura do PMCMV se deu por meio da divisão em três subprogramas:


Programa Nacional de Habitação Urbana, Programa Nacional de Habitação
Rural, MCMV Entidades. Além de ser ordenado a partir de três divisões de faixas
de renda como podemos ver a seguir: I - quando o teto previsto no dispositivo
for de R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais), o valor atualizado
não poderá ultrapassar 10 (dez) salários mínimos; (Incluído pela Lei nº 12.424,
de 2011). II - quando o teto previsto no dispositivo for de R$ 2.790,00 (dois mil,
setecentos e noventa reais), o valor atualizado não poderá ultrapassar 6 (seis)
salários mínimos; (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011). III - quando o teto
previsto no dispositivo for de R$ 1.395,00 (mil, trezentos e noventa e cinco reais),

residenciais e serviços de infraestrutura urbana. Verificou-se a existência de cinco estruturas


504

institucionais: 1. Órgãos destinados à gestão da política habitacional e urbana; 2. Cadastros próprios


e/ou fontes de informação para a identificação do déficit municipal de moradias; 3. Consórcios
intermunicipais de habitação; 4. Instâncias de participação popular para o planejamento de políticas
Página

habitacionais (conselhos municipais de habitação ou similares); 5. Fundos específicos para a política


habitacional e urbana.
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O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS VITOR DE MORAES PEIXOTO
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VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
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o valor atualizado não poderá ultrapassar 3 (três) salários mínimos. (Incluído pela
Lei nº 12.424, de 2011).

A realização desta empreitada coube o envolvimento de todos os entes


federativos. A responsabilidade do financiamento do programa ficou
compartilhada entre o governo federal, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), além de contar com o financiamento da infraestrutura do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para os estados e
municípios estabeleceu-se a responsabilidade da instituição do cadastro
nacional de beneficiários do programa, nos quais tenham sido concedidos
recursos públicos que possam ser considerados como subsídio. Enquanto aos
empreendedores coube a participação desde as produtoras de materiais básicos
da construção civil até a indústria moveleira e de eletrodomésticos.

O problema do déficit habitacional brasileiro é antigo e um dos mais


graves a serem enfrentados pelo governo. Sendo enfoque de inúmeros
movimentos sociais, inclusive movimentos com alto grau de participação, que
mesmo com maior engajamento não foram capazes de promover a solução
hegemônica sobre o problema. Entretanto, o contexto econômico, da crise de
2008, promoveu tanto uma configuração necessária das demandas quanto o
posicionamento dos agentes para a tomada da ação pública (AMORE; RUFINO;
SHIMBO, 2014, p. 20).

INSUMOS E MÉTODO

Os dados utilizados no cômputo dos indicadores são dados secundários


505

originais de três fontes públicas: os dados municipais foram obtidos no portal da


Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os indicadores
Página

das carências habitacionais municipais foram obtidos na Fundação João


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Pinheiro (FJP), e por fim, os indicadores de contagens de unidades habitacionais


do PMCMV foram obtidos através de consultas realizadas aos portais do
Ministério das Cidades.

Indicadores
Déficit habitacional dos municípios brasileiros
O principal indicador utilizado na composição dessa análise foi o do Déficit
Habitacional Municipal, construído a partir das pesquisas do FJP que se referem
às necessidades habitacionais no Brasil. Mensuram, além da falta de moradias,
deficiências dos estoques de moradias existentes. Em seu dimensionamento são
utilizados quatro componentes:

Domicílios precários: A soma dos domicílios


improvisados (locais e imóveis sem fins residenciais e
lugares que servem como moradia alternativa) e dos
rústicos (aqueles sem paredes de alvenaria ou madeira
aparelhada).

Coabitação familiar: A soma dos cômodos (domicílios


particulares compostos por um ou mais aposentos
localizados em casa de cômodo, cortiço, cabeça-de-porco)
e das famílias conviventes secundárias com intenção de
constituir um domicílio exclusivo.

Ônus excessivo com aluguel urbano: Corresponde ao


número de famílias urbanas com renda de até três salários
mínimos que moram em casa ou no apartamento
506

(domicílios urbanos duráveis) e que despendem 30% ou


mais de sua renda com aluguel.
Página

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Adensamento excessivo de domicílios alugados: Essa


condição é caracterizada pelo número médio de moradores
por dormitório acima de três.

Para verificar a distribuição do déficit habitacional de acordo com o


rendimento domiciliar foram definidas cinco classes de rendimento: a. sem
rendimento; b. com rendimento de até três salários mínimos; c. rendimento acima
de três até cinco salários mínimos; d. rendimento acima de cinco até dez salários
mínimos; e e. rendimento acima de dez salários mínimos.

Unidades residenciais do PMCMV nos municípios brasileiros


Foi construído um indicador para mensurar as ações do Programa Minha
Casa, Minha Vida nos municípios brasileiros, feito através das contagens de
Unidades Residenciais Contratadas, Concluídas e Entregues no período entre
abril de 2009 é dezembro de 2014. Nesse espaço de tempo ocorreram a fase 1
e a fase 2 do programa.

Análise
A análise realizada nesse trabalho foi feita em duas partes: a primeira,
empregou técnicas de análise exploratória de dados com o objetivo de verificar
a distribuição e os padrões do Déficit Habitacional e das Unidades Residenciais
do Programa Minha Casa, Minha Vida; e a segunda parte, utilizou o coeficiente
de correlação de Pearson com o objetivo de verificar a associação entre os
indicadores de carência habitacional e os indicadores de construção de unidades
residenciais31.
507

31.
Os valores das magnitudes do coeficiente de correlação de Pearson foram interpretados segundo
o padrão: 0,000 - 0,249, correlação muito fraca, inexistente; 0,250 - 0,499, correlação fraca; 0,500, -
Página

0,749, correlação moderada; 0,750 - 0,899, correlação forte; 0,900 - 1,000, correlação muito forte,
quase perfeita.
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RESULTADOS

Essa seção apresenta os resultados de uma análise introdutória


constituída em dois momentos: um primeiro, que descreve os níveis do Déficit
Habitacional em termos absolutos e relativos, bem como apresenta os níveis de
déficit para cada classe de rendimentos das unidades domiciliares, e relaciona-
os às administrações municipais eleitas em 2008; e um segundo momento, onde
analisa se as unidades residenciais contratadas, concluídas e entregues pelo
Programa Minha Casa, Minha Vida, estão, em termos gerais e regionais,
relacionados ao Déficit Habitacional Absoluto observado.

Uma breve descrição do déficit habitacional dos municípios brasileiros


O déficit habitacional total do Brasil é de 6.8 milhões de unidades, que
corresponde, em termos relativos, à uma média de 11% das unidades
residenciais então existentes (Tabela 01). O maior Déficit Habitacional Absoluto
é o da região Sudeste, onde é possível contar a necessidade, seja de unidades
residenciais ou de melhorias, de quase 2.7 milhões de unidades, e o maior Déficit
Habitacional Relativo é o da região Norte, onde há uma média de praticamente
20% das unidades da região. Em seguida, entre essas duas regiões que
assumem as primeiras posições absoluta e relativa, apresentando tanto um valor
agregado do número absoluto quanto em termos da média do déficit habitacional
relativo, o que a coloca em segunda posição definitiva, está a região Nordeste.

Tabela 01. Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros (2010).


508
Página

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VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS

Informação: Faixas de Renda das Unidades Domiciliares: A. Sem renda; B. Entre 0 e 3 salários
mínimos; C. Entre 3 e 5 salários mínimos; D. Entre 5 e 10 salários mínimos; E. Mais de 10 salários
mínimos.
Fonte: Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros, Fundação João Pinheiro (FJP).
Data de Referência: Junho e Julho de 2010.
Elaboração dos autores.

Se consideradas as faixas de renda dos domicílios para o cômputo do


déficit habitacional, o total para o Brasil é quase todo formado pelos déficits das
faixas B e C, que compreendem, agregando-se as duas faixas, as famílias que
estão entre 0 e 5 salários mínimos (Tabela 01). Sozinha, a faixa B conta com
quase 4.5 milhões de unidades de déficit diante dos 6.8 milhões do cenário
nacional, e a faixa C, por sua vez, conta um déficit de quase 1 milhão de
unidades. Dentre todas as faixas e regiões, os maiores valores são os
observados na faixa B do Sudeste e do Nordeste, respectivamente. Somadas,
somente essas duas faixas dessas duas regiões, contam aproximadamente 3
509

milhões de unidades de déficit absoluto, o que é, grosso modo, mais da metade


Página

do valor nacional.

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O déficit habitacional afeta todas as faixas de renda, porém, essa


insuficiência não é proporcionalmente distribuída (Tabela 01). Na verdade, mais
de 60% do déficit está concentrado na população com a renda familiar de até 3
salários mínimos (Imagem 01).

Imagem 01. Distribuição do Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros


(2010) por Região (2008) e Faixa de Renda.

Informação: Faixas de Renda das Unidades Domiciliares: A. Sem renda; B. Entre 0 e 3 salários
mínimos; C. Entre 3 e 5 salários mínimos; D. Entre 5 e 10 salários mínimos; E. Mais de 10 salários
mínimos.
Fonte: Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros, Fundação João Pinheiro (FJP).
Data de Referência: Junho e Julho de 2010.
Elaboração dos autores.

Em termos regionais, o maior percentual de déficit das faixas A e B do


país é o da região Nordeste que ultrapassa a casa de 70% dos domicílios
urbanos de rendimento de até três salários mínimos contabilizados na
composição do déficit. Enquanto nas regiões Sudeste e Sul, o valor chega a
60%; nas regiões Norte e Centro-Oeste, aproximadamente 65% do déficit
510

habitacional é contabilizado nesses domicílios de menor renda.


Página

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No que se refere à distribuição do déficit de acordo com o tamanho do


eleitorado existente nos municípios com até 50 mil eleitores apresenta as
maiores proporções de déficit habitacional. As quatro categorias compreendidas
atingem, somadas a proporções das faixas A e B do déficit habitacional, mais de
70%. O peso das unidades residenciais contabilizadas no déficit é maior nos
municípios menores.

Imagem 02. Distribuição do Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros


(2010) por Tamanho do Eleitorado e Faixa de Renda (2008).

Informação: Faixas de Renda das Unidades Domiciliares: A. Sem renda; B. Entre 0 e 3 salários
mínimos; C. Entre 3 e 5 salários mínimos; D. Entre 5 e 10 salários mínimos; E. Mais de 10 salários
mínimos.
Fonte: Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros, Fundação João Pinheiro (FJP).
Data de Referência: Junho e Julho de 2010.
Elaboração dos autores.

Em proporção dos valores do Déficit Habitacional Total (Imagem 03),


511

tomados em classes de renda das unidades domiciliares necessárias e de


acordo com o partido eleito em 2008 para os executivos municipais, as
Página

informações resumidas destacam, ainda mais, o quanto cada um dos partidos


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gerem de carência habitacional em seus governos, e o quanto dessa é


proveniente das faixas B e C.

Imagem 03. Distribuição do Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros


(2010) por Partido do Prefeito e Faixa de Renda (2008).

Informação: Faixas de Renda das Unidades Domiciliares: A. Sem renda; B. Entre 0 e 3 salários
512

mínimos; C. Entre 3 e 5 salários mínimos; D. Entre 5 e 10 salários mínimos; E. Mais de 10 salários


mínimos.
Página

Fonte: Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros, Fundação João Pinheiro (FJP).

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DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS
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Data de Referência: Junho e Julho de 2010.


Elaboração dos autores.

Resumindo, todos os partidos encontraram a distribuição do déficit


habitacional concentrado na faixa B e C e a menor parcela do déficit sendo
composta pela faixa E. Só o DEM (Democratas) geriu, em termos agregados,
ligeiramente menos que 80% de déficit composto pelas faixas A, B e C. Os
resultados agregados apontam uma larga diferença de déficit entre as faixas de
renda das unidades domiciliares.

O déficit habitacional e as unidades residenciais do PMCMV


Configurado o cenário de carências habitacionais e a magnitude do
problema habitacional dos municípios brasileiros que se apresenta a cada
administração municipal, resta saber se o volume de unidades contratadas,
concluídas e entregues apresentam alguma relação com a carência habitacional
apresentada pelos indicadores de Déficit Habitacional.

De abril de 2009 a dezembro de 201432 o PMCMV entregou algo próximo


a 1.8 milhões de unidades residenciais, sendo que, em termos agregados, foram
contratadas mais de 3.5 milhões de unidades (Tabela 02).

Tabela 02. Total de Unidades Residenciais do PMCMV nos Municípios


513

32
. A análise agrega dados das duas fases do Programa Minha Casa, Minha Vida. A fase 1 ocorreu
Página

entre abril de 2009 e junho de 2011. A fase 2 ocorreu entre junho de 2011 até o encerramento em
dezembro de 2014.
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Brasileiros (2014).

Fonte: Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros, Fundação João Pinheiro (FJP).
Data de Referência: Junho e Julho de 2010.
Elaboração dos autores.

Os maiores volumes das unidades contratadas estão respectivamente


nas regiões Sudeste e Nordeste, que são as duas regiões identificadas na seção
anterior como as mais carentes em termos habitacionais. Somados, os números
de unidades são altos, porém, nem todas as faixas de financiamento do
programa foram contempladas da mesma maneira. A aproximação do universo
do PMCMV não oferece maiores entradas ao problema dos déficits distribuídos
de acordo com as faixas de valores das rendas domiciliares.33

A análise da relação entre o déficit habitacional e as unidades residenciais


contratadas e entregues pelo Programa Minha Casa, Minha Vida indica relações
514

33
. Por enquanto, este trabalho não explorou a distribuição das unidades contratadas e entregues para
Página

cada faixa de financiamento, mas posteriormente, com o andamento do estudo, tais informações
serão consideradas.
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moderadas e fortes entre o valor total do déficit habitacional absoluto e o número


de unidades contratadas e entregues pelo PMCMV, bem como relações
moderadas entre os valores do déficit habitacional distribuído por rendimento
familiar com o número de unidades contratadas e entregues PMCMV.

Tabela 03. Coeficiente de Correlação de Pearson - Unidades Residenciais e


Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros.

Informação: Faixas de Renda das Unidades Domiciliares: A. Sem renda; B. Entre 0 e 3 salários
mínimos; C. Entre 3 e 5 salários mínimos; D. Entre 5 e 10 salários mínimos; E. Mais de 10 salários
mínimos.

Fonte: Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros, Fundação João Pinheiro (FJP).

Data de Referência: Junho e Julho de 2010.

Elaboração dos autores.

No que se refere a distribuição do déficit habitacional por arrendamento


familiar, os maiores valores de ρ se encontram respectivamente na faixa B e C,
faixas estas que na tabela 1 foram indicadas como as portadoras da
515

concentração do déficit habitacional.


Página

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Tabela 04. Coeficiente de Correlação de Pearson - Unidades Residenciais e


Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros por Regiões.

Informação: Faixas de Renda das Unidades Domiciliares: A. Sem renda; B. Entre 0 e 3 salários
mínimos; C. Entre 3 e 5 salários mínimos; D. Entre 5 e 10 salários mínimos; E. Mais de 10 salários
mínimos.
Fonte: Déficit Habitacional nos Municípios Brasileiros, Fundação João Pinheiro (FJP).
Data de Referência: Junho e Julho de 2010.
Elaboração dos autores.
516

Para o valor absoluto do déficit a região com maior correlação foi a região
Centro-Oeste. Em termos das faixas de renda, os maiores valores do coeficiente
Página

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de correlação oscilam entre as faixas C e B. Norte e Sudeste tem maiores valores


de ρ para a faixa B e as demais regiões, tem os maiores valores para a faixa C.
Todo este bloco de coeficientes pode ser lido na assertiva de que o Minha Casa,
Minha Vida tende a acompanhar; contratar e entregar unidades nos municípios
de maior déficit habitacional. Afinal, quanto maior o valor observado de déficit
habitacional de um dado município, maior o número de unidades residenciais
contratadas e entregues pelo Programa MCMV.

DISCUSSÃO

Os resultados do trabalho permitem sustentar algumas posições: O déficit


habitacional afeta todas as faixas de renda, porém, essa insuficiência não é
proporcionalmente distribuída, tanto regionalmente, quanto de acordo com
tamanho do município. Quase todo o déficit habitacional brasileiro está
concentrado nas faixas B e C, que compreendem, agregando-se as duas faixas,
as famílias que estão entre o rendimento familiar de 0 e 5 salários mínimos. A
faixa B conta com quase 4.5 milhões de unidades de déficit, e a faixa C, por sua
vez, conta com um déficit de quase 1 milhão de unidades diante dos 6.8 milhões
do cenário nacional.

Em termos regionais, os maiores valores do déficit habitacional Absoluto


estão respectivamente nas regiões Sudeste e Nordeste, somadas as duas
regiões acumulam mais de 60 % do total do déficit habitacional. Somente o
Sudeste conta com a necessidade, de quase 2.7 milhões de unidades. Enquanto
o Nordeste com 2.1 milhões de unidades. Em relação ao Déficit Habitacional
Relativo o maior valor é encontrado na região Norte, onde há uma média de
517

praticamente 20% das unidades da região. No que se refere à distribuição da


Página

carência habitacional de acordo com os tamanhos dos eleitorados existentes, os

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municípios com até 50 mil eleitores apresentam as maiores proporções de déficit


habitacional.

Outra posição alcançada nesse estudo é o de que os maiores volumes de


unidades habitacionais do programa foram posicionadas nas regiões que
possuíam a concentração do déficit habitacional, que são respectivamente as
regiões Sudeste e Nordeste. No período estudado foram contratadas mais de
3.5 milhões de unidades e entregues algo próximo de 1.8 milhões de unidades
em todo o Brasil. Na região Sudeste foram contratadas, aproximadamente, 1.3
milhões de unidades e 600 mil unidades foram entregues. Enquanto no
Nordeste, cerca de 1 milhão de unidades foram contratadas e 500 mil unidades
foram entregues.

Por fim, a última assertiva proporcionada pela pesquisa é a de que o


volume de unidades contratadas, concluídas e entregue pelo o Programa Minha
Casa Minha Vida estão correlacionados aos valores do déficit habitacional
absoluto brasileiro e com os valores do déficit habitacional distribuído por
rendimento familiar. A análise da relação entre o déficit habitacional e as
unidades residenciais contratadas e entregues pelo Programa Minha Casa,
Minha Vida indica relações moderadas e fortes entre o valor total do déficit
habitacional absoluto e o número de unidades contratadas e entregues pelo
PMCMV, como também relações moderadas entre os valores do déficit
habitacional distribuído por rendimento familiar com o número de unidades
contratadas e entregues PMCMV.

CONCLUSÕES
518

As análises introdutórias feitas neste estudo apuraram que as unidades


Página

habitacionais contratadas e entregues pelo Programa Minha Casa Minha Vida


POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL,
O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS VITOR DE MORAES PEIXOTO
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PESSANHA LEAL, NELSON LUIS MOTTA GOULART E VITOR DE MORAES PEIXOTO
POLÍTICA PÚBLICA E HABITAÇÃO: A CORRELAÇÃO ENTRE O DÉFICIT HABITACIONAL E O
VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS

tendem a ser construídas nas regiões e nos municípios de maior necessidade, e


de atender as faixas de renda que portam de maior carência habitacional.

Futuramente serão explorados, de maneira aprofundada, o quanto as


administrações municipais de cada partido importaram na implementação do
Programa Minha Casa, Minha Vida. Outra necessidade do trabalho é a de
composição da análise de acordo com as faixas de contratação pré-
estabelecidas pelo programa, já que nessa análise foram utilizados os valores
agregados da contratação das unidades residenciais.

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O DÉFICIT HABITACIONAL E O VOLUME DE UNIDADES NELSON LUIS MOTTA GOULART E
DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS
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VOLUME DE UNIDADES DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA NOS MUNICÍPIOS
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MUNICÍPIOS BRASILEIROS VITOR DE MORAES PEIXOTO
GRUPO DE TRABALHO 3
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MARINETE PEREIRA DE SOUZA OLIVEIRA, ROSÁLIA MARIA NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES
BONINI
A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO AO BULLYING

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO DO


BULLYING

MARINETE PEREIRA DE SOUZA OLIVEIRA


Bacharel em Biologia pela UMC, Especialista no
Ensino de Biologia pela USP e Mestranda em
Políticas Públicas pela UMC. E-mail:
marinetebio@gmail.com

ROSÁLIA MARIA NETTO PRADOS


Doutora em Semiótica e Linguística Geral pela
USP. Pós-Doutora em Ciências da Comunicação
pela ECA/USP. E-mail:
rosalia.prados@gmail.com
523

LUCI MELO DE MENDES BONINI


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MARINETE PEREIRA DE SOUZA OLIVEIRA, ROSÁLIA MARIA


A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO AO BULLYING
NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES BONINI
MARINETE PEREIRA DE SOUZA OLIVEIRA, ROSÁLIA MARIA NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES
BONINI
A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO AO BULLYING

Doutora e Mestre em Comunicação Semiótica


pela PUCSP. E-mail: lucibonini@gmail.com

RESUMO
Este artigo tem o objetivo discutir as diferenças que caracterizam o povo
brasileiro e que, portanto estão presentes em diferentes momentos e
circunstâncias. Discute-se o que a esfera pública necessita para o enfrentamento
do Bullying. Questiona-se a busca de identidade desse povo, que em muitas
situações resgata e provoca conflitos socioculturais. O histórico dos direitos
humanos evidencia uma busca para o respeito ás diferenças. O objetivo deste
estudo é apresentar os marcos legais e as políticas públicas que abordam
diretamente o Bullying. A metodologia, de abordagem qualitativa, constitui-se da
descrição das políticas públicas que desempenham importante papel para
administração desses conflitos, especificamente, o programa do Sistema de
Proteção Escolar, do estado de São Paulo. Quando as diferenças geram conflito,
a exemplo do Bullying, a postura do poder público deve ser de enfrentamento
embasado na criação e implementação de políticas públicas que fomentem a
prevenção e combate a discriminação.

ABSTRACT

This article aims to discuss the differences that characterize the Brazilian people
and therefore are present in different times and circumstances. It discusses what
the public sphere needs to confront the bullying. Question the search for identity
of these people, which in many situations rescues and causes socio-cultural
conflicts. The history of human rights shows a search for respect for differences.
524

The aim of this study is to present the legal frameworks and public policies that
directly address bullying. The methodology of qualitative approach, constitutes
Página

the description of public policies that play an important role in managing these

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A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO AO BULLYING
NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES BONINI
MARINETE PEREIRA DE SOUZA OLIVEIRA, ROSÁLIA MARIA NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES
BONINI
A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO AO BULLYING

conflicts, specifically, the program of the School Protection System, the state of
São Paulo. When differences generate conflict, such as the bullying, the position
of public authority must be grounded confrontation in the creation and
implementation of public policies that promote prevention and combat
discrimination.
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NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES BONINI
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BONINI
A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO AO BULLYING

INTRODUÇÃO

Neste artigo, propõe-se uma discussão sobre a esfera pública e o


enfrentamento ao Bullying, a partir da descrição de marcos legais e de políticas
públicas culturais voltadas ao respeito à diversidade.

Documentos legais constam que vivemos em uma sociedade em que


reina a democracia, há pluralidade, o convívio e o respeito à diversidade. Sem
deixar de considerar a afirmação de Bosi (1995) de que a ideologia está
presente, sendo manifestada nos diversos discursos, dos mais ingênuos aos
mais tenebrosos.

Para se legitimar a democracia, é necessário se ponderar sobre a


necessidade da participação de diferentes níveis e engajamentos sociais. O
direito de participar dos espaços e processos de ensino e aprendizagem
realizados pela escola está previsto na legislação, e as políticas educacionais
devem estar associados com esses pressupostos para que de forma planejada
se proponha um conjunto de ações e atores que minimizem os resultados e os
impactos da intolerância a diversidade.

De acordo com Carneiro e Menicucci (2011), as organizações do setor


público necessitam de reestruturação, novos procedimentos práticos que
englobem grandes mudanças na dimensão institucional onde se incluem
questões e valores que relacionem diretamente as organizações e a sociedade.

Considera-se o cenário social contemporâneo como demonstração da


diversidade em vários aspectos. Atendo-nos à diversidade cultural no Brasil
certamente encontraremos grande possibilidade de aprendizado e riqueza
justamente pela diversidade que compõe a nação, caracterizando-a como ímpar.
526

Naturalmente, espera-se que essa multiplicidade de sujeitos carregados de suas


particularidades traga questões próprias que devem ser entendidas na
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singularidade do indivíduo e também na coletividade do convívio em grupo, que


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NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES BONINI
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é condição fundamental para se viver na sociedade contemporânea. Faz-se,


então, necessário pensar o que nos une e o que nos separa, seja no âmbito
subjetivo ou concreto. Quando essas diferenças próprias de cada e de todos
não convergem em um mesmo espaço temporal ou físico, muito provavelmente
se instala o conflito. Conflito se difere de violência, muito embora a violência seja
na maioria das vezes o resultado do conflito mal resolvido. Em uma perspectiva
democrática e, sobretudo, em sociedades pluriétnicas, pluriculturais e
multirraciais, as questões relacionadas à convivência em grupo deverão ser
eixos das políticas educacionais, desde a educação infantil até a educação
superior, visando à superação das desigualdades em uma perspectiva articulada
aos direitos humanos. A que se pensar também que uma vez instalados os
conflitos precisam ser gerenciados. Segundo Bonini e Bressan (2013), como um
modelo complementar a para a resolução de conflitos a Justiça Restaurativa vem
sendo utilizada, não de maneira da punitiva, mas possibilitando o dialogo para
que vítima e ofensor e façam o exercício da palavra e da escuta a fim de restaurar
a relação rompida.

As políticas públicas, pautadas pela justiça social, o trabalho, a inclusão


social e a diversidade, são aquelas que reconhecem e criam formas de viabilizar
a participação da sociedade civil no debate e elaboração das propostas a serem
implementadas. Para isso, faz-se necessária a construção de efetivos canais de
diálogo, participação e parceria com os movimentos sociais, reconhecendo e
respeitando a diversidade e, assim, ampliando o exercício da cidadania.

A FALTA DE IDENTIDADE E O REFLEXO DA ACULTURAÇÃO

Os tons, os sons e os comportamentos do Brasil e dos brasileiros indicam


527

diversidades culturais e regionais, de acordo com Omar (2013) na visão de Darcy


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Ribeiro o brasileiro é um povo novo, resultante da violência contra a cultura de

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um povo, a deculturação, formado pela mistura de etnias, a exemplo da indígena,


da africana e da europeia. Marcas dessa mistura e dessa violência são nítidas,
mas nem sempre explicadas e quando explicadas não obrigatoriamente
entendidas ou aceitas. É preciso apresentar os contextos e recontar diferentes
histórias de um povo e de um território que emerge da fusão de genes e saberes,
caso contrário corremos o risco de perpetuar a discriminação e o preconceito.

Damatta (1996) diz que os diferentes universos se relacionam no


panorama das ciências humanas. Identidade é saber quem somos, e é tão
importante quanto saber por que o somos. Essa questão da identidade se
potencializa quando nos damos conta de que o homem se distingue dos animais
justamente pela capacidade de se identificar. A importância da identidade social
está em conhecer-se conhecendo os outros.

Há que se pensar antes o que é cultura, para que haja o entendimento da


deculturação. Chauí, 2008 aponta a origem da palavra cultura que advinda do
verbo latino colere, significa o cultivo e o cuidado, relacionados aqui ao manejo
da terra e a ligação com o culto ao sagrado. Assim definida, cultura é fazer
frutificar, é potencializar alguém ou alguma coisa. Ainda segundo a autora o
termo cultura sofre mudanças atingindo maior abrangência, pois passa a ser
entendido como produção em diferentes contextos.

Criação da linguagem, da religião, da sexualidade, dos


instrumentos e das formas do trabalho, das formas da
habitação, do vestuário e da culinária, das expressões de
lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações
sociais, particularmente os sistemas de parentesco ou a
estrutura da família, das relações de poder, da guerra e da
528

paz, da noção de vida e morte. A cultura passa a ser


compreendida como o campo no qual os sujeitos humanos
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elaboram símbolos e signos, instituem as práticas e os


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valores, definem para si próprios o possível e o impossível,


o sentido da linha do tempo (passado, presente e futuro),
as diferenças no interior do espaço (o sentido do próximo
e do distante, do grande e do pequeno, do visível e do
invisível), os valores como o verdadeiro e o falso, o belo e
o feio, o justo e o injusto, instauram a ideia de lei, e,
portanto, do permitido e do proibido, determinam o sentido
da vida e da morte e das relações entre o sagrado e o
profano (CHAUÍ, 2008:57).

Embora sejam termos parecidos, Hall (2003) distingue multicultural de


multiculturalismo, onde: multicultural está relacionado à qualificação, a
características sociais e problemas governamentais comuns, a convivência em
grupo, mantida a identidade original. Por outro lado, multiculturalismo refere-se
às estratégias políticas usadas na gestão de problemas em decorrência da
diversidade e da multiplicidade próprios das sociedades multiculturais. A cultura
precisa ser discutida a partir das duas perspectivas, conhecer e respeitar a
cultura de um povo e toda a sua dimensão política e social é condição primordial
para conviver mantendo a identidade e consequentemente respeitando a
diversidade.

DIREITOS HUMANOS COMO PLEITO DE TRATAMENTO JUSTO E


IGUALITÁRIO

Quadro1. Direitos humanos como pleito de tratamento justo e igualitário

Quando 1924 1948 1959 1988 1990 1996


529

O que Direitos da Declaração Declaração Constituição Estatuto da Promulgação


Criança universal dos dos Direitos Federativa Criança e do da Lei de
direitos da Criança do Brasil adolescente. Diretrizes e
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humanos bases nacional

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Lei nº
8.069/1990

Quem Assembleia Assembleia Assembleia Congresso Congresso Congresso


da Geral das Geral das Nacional Nacional Nacional
Sociedade Nações Nações Brasileiro Brasileiro Brasileiro
das Nações Unidas Unidas

Enuncia Chamados Direitos de Afirma que a No Art. 227. Art. 1º Esta TÍTULO II
do a guiar-se caráter civil e humanidade É dever da Lei dispõe
pelos político, mas deve dar o família, da sobre a Art. 2º. A
princípios também de melhor de si sociedade e proteção educação,
deste natureza mesma à do Estado integral à dever da
documento, econômica, criança, a assegurar à criança e ao família e do
o qual social e Declaração criança e ao adolescente; Estado,
passou a cultural de que constituiu adolescente, 2 Art. 3º. Art. inspirada nos
ser todos os seres durante com absoluta princípios de
conhecido humanos muitos anos prioridade, o liberdade e
por (incluindo as o direito à vida, nos ideais de
Declaração crianças) enquadrame à saúde, à solidariedade
de devem nto moral alimentação, humana, tem
Genebra. beneficiar. O para os à educação, por finalidade
seu artigo 25.º direitos da ao lazer, à o pleno
reconhece que criança, profissionaliz desenvolvimen
“a maternidade apesar de ação, à to do
e a infância não cultura, à educando...
têm direito a comportar dignidade,
Art. 3º.
ajuda e a quaisquer ao respeito...
assistência obrigações I - igualdade
especiais”. jurídicas. de condições
para o acesso
e permanência
na escola...

Fonte: Autoria própria

Quadro 2. Sistema de Proteção Escolar

Quando 2010

O que Instituição do Sistema de Proteção escolar / função do professor mediador


comunitário
Quem SEE-SP (Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo)
Resolução n º 19, de 12-2-2010
530

Enunciado Art. 1º - Fica instituído o Sistema de Proteção Escolar, que coordenará o


planejamento e a execução de ações destinadas à prevenção, mediação e
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resolução de conflitos no ambiente escolar, com o objetivo de proteger a


integridade física e patrimonial de alunos...

Fonte: Autoria própria

Os quadros 1 e 2 nos mostram que, legalmente cabe ao Estado, a garantia


do direito à educação de qualidade, previsto na Constituição Brasileira de 1988,
reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e no
Plano Nacional de Educação de 2001 até 2010, e o direito social presente na
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Em uma trajetória histórica
parece que os direitos estão presentes, cabe verificar, os avanços e as
dificuldades do estado brasileiro no cumprimento de seu dever (CONAE, 2010).
O quadro 2 especificamente apresenta o Sistema de Proteção Escolar como
mais mecanismo para garantia de direitos das crianças e dos adolescente no
âmbito escolar da rede pública do Estado de São Paulo.

BULLYING COMO EXPRESSÃO DE INTOLERÂNCIA

A participação nos espaços públicos e processos comuns tanto de ensino


como de aprendizagem realizados pela escola pública é direito garantido. As
políticas educacionais devem viabilizar a garantia desses direitos.
A educação inclusiva pressupõe novas relações
pedagógicas centradas nos modos de aprender das
diferentes crianças e jovens e de relações sociais que
valorizam a diversidade em todas as atividades, espaços e
formas de convivência e trabalho. Dessa forma, na
efetivação do direito de todos à educação, o direito à
531

igualdade e o direito à diferença são indissociáveis e os


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direitos específicos servem para eliminar as discriminações


e garantir a plena inclusão social (BLATTES, 2006:5).

A Educação Inclusiva pressupõe garantia de direitos e tratamento com


equidade. Percebe-se em algumas realidades a tendência de que os
estereótipos de beleza, por exemplo, ditados pela mídia, sejam os padrões a
serem seguidos independente da cultura do povo. Os valores como o verdadeiro
e o falso, o belo e o feio entre outros trazidos por Chauí (2008), no que se refere
à abrangência do termo cultura, estimulados pelo discurso midiático tem
contribuído para não se tolerar aquilo que é diferente, que não se iguala, que
foge ao estereótipo do padrão ditado pelo consumismo e pela globalização.
Dependendo do aspecto observado, verifica-se isso com mais facilidade em
determinados grupos, dentre eles os adolescentes, que, segundo Fonseca
(2013), são mais suscetíveis por estarem em um período marcado por
descobertas e instabilidades emocionais, o que nos leva a classificá-la não como
faixa etária, mas como transformação para vida adulta que acarreta decisões de
esfera biológica, social e psicológica. Nesse período de transformação são
recorrentes as descobertas, mas também os conflitos e desconfortos vividos por
aqueles que não se sentem pertencentes aos grupos de convivência a exemplo
de relações decorrentes do convívio escolar. Instalam-se aqui condições
oportunas para desenvolvimentos de relações conflituosas, que requerem
diferentes tipos de intervenção para serem administradas.

O fenômeno bullying pode ser entendido como uma relação de poder


estabelecida implícita ou explicitamente entre os envolvidos, o discurso do
agressor é de certa forma um discurso de soberania.

Diante de questões sociais emergentes, na sociedade


532

contemporânea de consumo, tais como efetiva cidadania,


as relações de dominação, o meio ambiente, discursos
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sutis, mas poderosos mecanismos de sujeição, justifica-se

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a importância de se considerarem os conceitos teóricos de


Michael Foucault sobre a análise de aspectos do “olhar” na
constituição do saber e do poder e a relação com os
processos de assujeitamento e regras de produção
discursiva como forma de poder (PRADOS, 2010: 64).

Dessa forma o bullying se apresenta como uma briga de poder, de


dominação, em que, de alguma forma, se mantém a relação entre dominante e
dominado, pois os que comentem bullying sentem-se em situação de maior
força, enquanto neste contexto, as vítimas sentem-se mais fracas, mais frágeis
por estares suscetíveis a falta de condições de negar os rótulos e tratos. Os
gráficos 1 e 2 exibem os principais motivos das praticas discriminatórias no
ambiente escolar.

Gráfico 1. Principais fatos que motivam práticas discriminatórias no ambiente


escolar

20%
Principais fatos que motivaram a prática discriminatória no ambiente escolar
19%

19%

18%

18%

17%

17%
negros pobres homossexuais
533

Fonte: FIPE/INEP, 2009


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A pesquisa (FIPE/INEP, 2009) apresenta as práticas discriminatórias no


ambiente escolar (bullying) que, segundo Conselho Nacional de Justiça (2010):
Bullying é um termo ainda pouco conhecido do grande
público. De origem inglesa e sem tradução ainda no Brasil,
é utilizado para qualificar comportamentos agressivos no
âmbito escolar, praticados tanto por meninos quanto por
meninas. Os atos de violência (física ou não) ocorrem de
forma intencional e repetitiva contra um ou mais alunos que
se encontram impossibilitados de fazer frente às agressões
sofridas. Tais comportamentos não apresentam
motivações específicas ou justificáveis. Em última
instância, significa dizer que, de forma “natural”, os mais
fortes utilizam os mais frágeis como meros objetos de
diversão, prazer e poder, com o intuito de maltratar,
intimidar, humilhar e amedrontar suas vítimas (CNJ,
2010:7).
Tais práticas de intolerância expressas por Bullying fazem dos alunos
suas principais vítimas, porém atingem também outros atores do cotidiano
escolar a exemplo de professores e funcionários. Entre alunos, que participaram
da pesquisa (FIPE/INEP, 2009), as práticas apontadas foram as ligadas ao
racismo, a condição social e a orientação sexual sendo: práticas
discriminatórias motivadas pelo fato de serem as vítimas negras (19%), em
seguida por serem pobres (18,2%) e, em terceiro lugar, por serem homossexuais
(17,4%).

Se o estatuto da criança e do adolescente postula:

Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de


534

qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,


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violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei

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qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos


fundamentais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e


do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor (BRASIL, 1990).

Da mesma forma os artigos 17, 53 e 56 do estatuto da criança e do


adolescente dentre outros tratam dos direitos das crianças e dos adolescentes
explicitando a necessidade de que sejam mantidos direitos mínimos. As marcas
de preconceito, sejam de que espécie forem, e práticas discriminatórias podem
afetar os alunos vítimas de bullying e demais envolvidos no contexto escolar,
trazendo consequências emocional e comprometendo o desempenho na
aprendizagem.

Por meio da Lei Nº 13.185, de 6 de novembro de 2015, ficou instituído o


Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) que de forma
explicita define Bullying:

§ 1o No contexto e para os fins desta Lei, considera-se


intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência
física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre
sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo,
contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la
ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma
relação de desequilíbrio de poder entre as partes
envolvidas (BRASIL, 2015).
535

Esta lei caracteriza a intimidação sistemática relacionando-a a diferentes


formas de violência, seja física ou psicológica e considera também a intimidação
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sistemática virtual quando ações de intenção semelhante são realizadas sendo


assim denominadas ciberbullying.

A prevenção e o combate ao bullying são objetivos da lei nº13. 185/ 15,


consta que se darão pela capacitação docente; por campanhas informativas e
de conscientização; práticas de orientação aos envolvidos estendidas aos
familiares e responsáveis; pela assistência psicológica, social e jurídica às
vítimas e aos agressores; pela integração entre meios de comunicação e
escolas; pela assistência psicológica, social e jurídica; pela promoção da cultura
de paz; pela justiça restaurativa evitando a punição; pela promoção de medidas
de conscientização, prevenção e combate envolvendo toda comunidade escolar.
Além de chamar a responsabilidade de conscientização, prevenção, diagnose e
combate à violência e à intimidação sistemática, estabelecimentos de ensino,
clubes e agremiações recreativas.

De forma muito semelhante, outra Política Pública, a Lei 13.277 de 29 de


Abril de 2016, chama a atenção para discussão da temática em nível nacional.
Decorrente de um acontecimento trágico que ficou conhecido como o massacre
de Realengo, ocorrido em uma escola do Rio de Janeiro, em 07 de abril de 2011,
quando houve um ataque que vitimizou fatalmente 12 alunos entre 13 e 16 anos.
Wellington Menezes de Oliveira, o atirador e personagem central desse
massacre, deixou supostas evidências de que foi vítima de bullying.

De acordo com Lopes (2012), o massacre ganhou grande repercussão


na mídia e apontou Wellington Menezes de Oliveira como monstruoso, porém o
bullying é presente na história da maioria das pessoas ditas normais. Muitas
crianças que fogem aos padrões e estereótipos da mídia envolvem-se em
situações de bullying nas escolas da educação básica.
536

Originário do projeto de lei 3015/11, o dia 07 de abril, é considerado


hoje o dia nacional de combate ao Bullying. A sociedade precisa propor e
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implementar políticas públicas para convivência saudável em todos ambientes,


inclusive nestes em que as crianças e adolescentes convivem por tanto tempo.

Segundo Bonini e Bressan (2013), como um modelo complementar a


para a resolução de conflitos a Justiça Restaurativa vem sendo utilizada, não de
maneira da punitiva, mas possibilitando o dialogo para que vítima e ofensor e
façam o exercício da palavra e da escuta a fim de restaurar a relação rompida.

POLÍTICAS PÚBLICAS FAVORECENDO O RESPEITO À DIVERSIDADE


COMO ELEMENTO PARA CONVIVÊNCIA SAUDÁVEL

A gestão da máquina pública, a exemplo da escola, pode fazer sentido


estratégico se portar orientações e conteúdos que impactem de maneira positiva
trabalhos, produtos e resultados da ação estatal. Afirma CARDOSO Jr. (2001):
Gestão Pública sem planejamento superior que a envolva,
por mais que possa estruturar “modos de fazer” que
consigam racionalizar procedimentos básicos do Estado e,
com isso, obter resultados em certa medida mais eficientes
para o conjunto da ação estatal, dificilmente conseguirá —
apenas com isso — promover mudanças profundas em
termos da eficácia e da efetividade das políticas públicas
em seu conjunto (CARDOSO, 2001:13).
As ações afirmativas são políticas e práticas públicas e privadas que
visam à correção de desigualdades e injustiças históricas em face de
determinados grupos sociais (mulheres, homossexuais, negros, indígenas,
pessoas com deficiência).
Políticas públicas definidas como formas de interferência
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do Estado, visando à manutenção das relações sociais de


determinada formação social. Se políticas públicas são o
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“Estado em ação”, “é o Estado implantando um projeto de


governo, através de programas, de ações voltadas para
setores específicos da sociedade”. Desse modo, a política
pública envolve a responsabilidade do Estado na
formulação, implantação e avaliação das mesmas por meio
de manutenção constantes de processo de tomada de
decisões que envolvem órgãos públicos e agentes sociais
relacionados à política implementada (HOFLING 2001: 30).

Nesse sentido, o marco legal que versa sobre a questão étnico-racial


abrangendo diretamente as crianças e adolescentes é expressa na Lei 10639/03
que Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá
outras providências.

Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa


a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A 79-A e 79-B:

“Art. 26-A”. Nos estabelecimentos de ensino fundamental


e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o
ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere


o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África
e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinente à História do Brasil.
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§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-


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Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo

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escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de


Literatura e História Brasileira.

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de


novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."
(BRASIL, 2003).

Destaca-se aqui o posto parágrafo 1o, do Artigo 26-A, da lei 10.639/03


chamando a atenção para que a abordagem traga luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinente à História do Brasil. Esse enfoque permite ampliar a visão mostrando
a cultura e o povo africano como parte integrante que agrega, e contribui para a
constituição da nação hoje formada. Embora o compromisso seja de todas as
áreas, pois só assim surtirá o efeito desejado, as áreas de Educação Artística e
Literatura e História Brasileiras são destacadas, permitindo o trabalho
interdisciplinar, potencializando a expressão através da arte e da cultura nesse
processo urgente de conscientização. A Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo orienta que as Diretorias de Ensino constituam trabalho de
contribuição na formação e acompanhamento dos professores para programas,
projetos e ações que favoreçam o desenvolvimento da Educação para a
Relações Étnicos-Raciais.

Na análise de artigos e revistas especializadas em educação feita por


Pinto (2005), objetivando constatar em que medida as questões étnico-raciais e
seus desdobramentos se incorporam na formação dos professores que
diretamente lidam com essas questões no âmbito escolar formação, o resultado
da constatação é que esporadicamente os estudos relativos ao tema inseriam
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as categorias de raça, etnia, preconceito e discriminação em suas reflexões.


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Intencionando efetivar as disposições legais instituídas pela lei 10.639/03,


foram adotadas, no Brasil, iniciativas que visam à formação continuada dos
professores da educação básica para os desafios colocados às suas práticas
profissionais a partir da vigência da lei. De acordo com Paula (2014) o
acompanhamento e reflexão não foram constantes deixando de potencializar
essas iniciativas e por isso não alavancaram produção de natureza teórico-
científica especificamente no que tange a formação de professores.

A diversidade sexual e de gênero contribuições na Educação

Apontada pela pesquisa FIPE (2009), como uma das três maiores causas
de discriminação no ambiente escolar, a homossexualidade precisa ser discutida
na escola de forma a chamar a comunidade escolar, para a compreensão além
da definição de conceitos. Ferrari (2014) utiliza o termo homossexualidades no
plural por considerar a necessidade de múltiplos olhares para a questão
deixando de pensar em um único tipo de homossexual. Ainda para o autor, o
grande desafio é aceitarmos sim o homossexual heteronormativo, que “se
comporta bem” mas, irmos além aprendendo a conviver e a respeitar o “outro”
sem querer transformá-lo naquilo que julgamos certo.

O decreto nº 55.558, de 17 de março de 2010, dispõe sobre o tratamento


nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de
São Paulo e dá providências correlatas.

A figura 1 apresenta algumas considerações feitas a partir do referido


decreto.
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O princípio da dignidade da pessoa


humana, fundamento do Estado
Democrático de Direito, assegura o pleno
respeito às pessoas, independentemente
de sua identidade de gênero;

A igualdade, a liberdade e a
autonomia individual são
É objetivo da República Federativa
princípios constitucionais que
do Brasil a constituição de uma
orientam a atuação do Estado e
sociedade justa e que promova o
impõem a realização de políticas
bem de todos, sem preconceitos
públicas destinadas à promoção
de origem, raça, sexo, cor, idade ou
da cidadania e respeito às
quaisquer outras formas de
diferenças humanas, incluídas as
discriminação;
diferenças sexuais;

FONTE: Autoria própria

Ao mencionar dignidade da pessoa humana, a identidade de gênero é


considerada explicitando que, independentemente dela, dignidade é direito
fundamental, garantida na constituição federal (BRASIL, 1988), a partir do texto
que traz em seus objetivos o bem comum para todos. Políticas Públicas que
promovam a cidadania e o respeito às diferenças físicas, sociais e sexuais
favorecem a autonomia e promovem a equidade.
541

São ainda considerações do decreto nº 55.588/10: os direitos da


diversidade sexual enquanto direitos humanos da população de lésbicas, gays,
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bissexuais, travestis e transexuais, que como para qualquer outra deve ter no

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Estado assegurados direitos para plena cidadania. Por fim é ainda assegurado
e tratamento correspondente ao gênero, diferenciando de sexo biológico. Por
este instrumento legal fica decretado:

Artigo 1º - Fica assegurado às pessoas transexuais e


travestis, nos termos deste decreto, o direito à escolha de
tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos
no âmbito da Administração direta e indireta do Estado de
São Paulo.

Artigo 2º - A pessoa interessada indicará, no momento do


preenchimento do cadastro ou ao se apresentar para o
atendimento, o prenome que corresponda à forma pela
qual se reconheça, é identificada, reconhecida e
denominada por sua comunidade e em sua inserção social,
que constará dos atos escritos (SÃO PAULO, 2010).

Isso posto, em 2014, mais uma medida de política pública é implantada


por meio do Conselho Estadual de Educação (CEE) apresenta a deliberação
125, situando escola a partir das questões apresentas no decreto 55.588/10,
dispondo a sobre a inclusão de nome social nos registros escolares das
instituições públicas e privadas no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo.
Conforme a Deliberação CEE 125/14 alunos (as) travestis e transexuais tem
assegurado o reconhecimento da identidade de gênero e o direito ao tratamento
digno por meio do nome social. Dessa forma tem-se um importante marco
normativo que contribui para o enfrentamento da terceira causa de bullying no
ambiente escolar de acordo com a pesquisa FIPE apresenta no gráfico 1 deste
trabalho. A figura 2 traz os principais artigos da Deliberação CEE125/ 14 (SÃO
542

PAULO, 2014).
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FONTE: Autoria própria

Para Mello (2012), convencer a sociedade de que a população LGBT não


pode ser objeto de qualquer tipo de violência seja ela física ou moral, se fortalece
com o respaldo legal e com a clareza de que o Estado prevê punição das
pessoas com condutas homofóbicas e que, portanto desrespeitam a cidadania e
os direitos humanos.
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PROFESSORES MEDIADORES ESCOLARES E COMUNITÁRIOS: ESFERA


PÚBLICA MEDIANDO CONFLITO E PROMOVENDO CIDADANIA

Com Sistema de Proteção escolar, instituído na rede estadual paulista de


ensino, em fevereiro de 2010, passam a atuar nas escolas públicas docentes
que deverão dentre outros fazer a mediação de conflitos, prevenir e combater o
bullying, desenvolver a prática da justiça restaurativa e analisar a vulnerabilidade
do que possam estar expostos discentes. Na Resolução SE Nº 19 de 12 de
fevereiro de 2010:

O exercício do direito público subjetivo do aluno à


educação deve-se efetivar em ambiente escolar
democrático, tolerante, pacífico e seguro;

É responsabilidade da Administração Pública zelar pela


integridade física dos alunos e servidores nos
estabelecimentos da rede estadual de ensino, assim
como pela conservação e proteção do patrimônio escolar;

As escolas devem promover modelos de convivência


pacífica e democrática, assim como práticas efetivas de
resolução de conflitos, com respeito à diversidade e ao
pluralismo de ideias (SÃO PAULO, 2010).

Realizado diagnóstico do perfil da comunidade escolar e de seu entorno,


o Professor Mediador Escolar e Comunitário apoiado pela gestão escolar e
demais docentes, realiza um plano de trabalho que contemple a prevenção e o
enfrentamento do bullying, ou qualquer outra situação que leve ao
constrangimento, ou qualquer forma de violência. O protagonismo juvenil e o
diálogo permanente têm sido estratégias eficazes para minimizar os conflitos.
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Nas ações e projetos desenvolvidos pelos Professores Mediadores Escolares e


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Comunitários, as questões da cidadania têm oportunidade para serem

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resgatadas e exploradas também a partir do que motivou os conflitos. Em um


exercício de escuta atenta e observação, esses profissionais devem procurar
gerenciar os conflitos para que seus desdobramentos não sejam violentos.
Possibilitar que os alunos envolvidos em situações conflituosas possam
expressar de maneira a destacar-se pelas múltiplas habilidades, não só as
cognitivas, é dar a eles a aos outros a possibilidade de desenvolver autonomia
e pertencimento.

Os impactos dos conflitos negativos que geram violência podem ser


minimizados com o somatório de diferentes esforços e sempre de maneira
coletiva envolvendo a comunidade escolar na prevenção de novos conflitos.

O fortalecimento deste grupo com interesses comuns,


relações de confiança, experiências de aprendizado em
equipe e potencial criativo para a mudança amplia a sua
representatividade e força, direcionando – se na
formulação de propostas de relevância e importância
coletiva e construindo fato inquestionável para o
desenvolvimento local. A comunidade transforma-se em
núcleo participativo e formulador de novas proposições da
política publica com aspirações para futuro e
direcionamento sociopolítico (SCHMIDIT, 2010:611).

Conforme previsto na Resolução SE Nº 19/2010 (SÃO PAULO, 2010), os


professores mediadores escolares e comunitários devem realizar um curso
promovido pela Secretaria de Estado da Educação de onde foram retiradas
importantes informações, conceitos e o funcionamento de suas políticas de
prevenção redução da violência no ambiente escolar. Além disso, esses
545

docentes realizam reuniões periódicas com os responsáveis pela Gestão


Regional do Sistema de Proteção Escolar na Diretoria de Ensino, para que o
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trabalho desenvolvido nas unidades escolares possa ser acompanhado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conflito é algo que geralmente desconforta e por isso prefere-se fugir, a


lidar com ele. Os estudos mostram que o conflito é da natureza humana, sendo
assim os principais atores em questão devem se fortalecer no entendimento e
na gestão do mesmo para que seu resultado seja positivo, caso contrário gerará
violência. Ao falarmos dos pilares da educação, segundo Dellors (1996),
aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a (con)viver, aprender a ser,
entendendo-os como eixos de sustentação para a educação que perpassa por
qualquer segmento, sem dúvida o aprender a conviver é o mais desafiador e
talvez por isso o mais urgente. Provavelmente, o que causa o conflito não seja
exatamente a diferença, mas sim a indiferença. Estar indiferente é estar alheio
ao que fere, ao que machuca, ao que destrói e sequela, mesmo que não
fisicamente.

As políticas públicas aqui analisadas contemplando as questões étnico-


raciais e de homossexualidade, mostram que a intolerância ao diferente é muitas
vezes o estopim para que o conflito se instale, a exemplo do Bullying. Cabe, pois
aqui a grande intervenção da administração pública e da humanidade de maneira
mais ampla, refletindo se não é na diversidade que pode estar à beleza do
conjunto, a exemplo de um país como o Brasil. Questões éticas e morais devem
ser pensadas e respeitas, mas jamais prevalecer ao direito do outro. Mediar
esses e outros tantos conflitos por sua vez requerem Políticas Públicas que
alcancem diferentes esferas, a contribuição do Professor Mediador Escolar e
Comunitária que atua diretamente na esfera pública se mostra importante no
cenário a que se destina, mas, é necessário que seja somada a outras
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intervenções públicas de maior ou igual impacto para tornar legítimo o que é


legal.
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BRASIL. LEI Nº 13.185, de 6 de novembro de 2015. Programa de Combate à


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Intimidação Sistemática (Bullying) de 6 de novembro de 2015. Disponível em:


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97022014000200009&lng=en&nrm=iso>. Access on 25 Nov.2015.

MARINETE PEREIRA DE SOUZA OLIVEIRA, ROSÁLIA MARIA


A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO AO BULLYING
NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES BONINI
MARINETE PEREIRA DE SOUZA OLIVEIRA, ROSÁLIA MARIA NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES
BONINI
A ESFERA PÚBLICA E O ENFRENTAMENTO AO BULLYING

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551
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NETTO PRADOS E LUCI MELO DE MENDES BONINI
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CARLOS

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

A GESTÃO DA INTERSETORIALIDADE DO PROGRAMA


BOLSA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS

ISABELA FAGUNDES CAGNIN


Bacharel em Ciência Sociais pela UFSCar,
Mestranda em Ciência Política pela UFSCar. E-
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mail: isabelafagundes@yahoo.com.br
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RESUMO

O trabalho é referente aos dados parciais da pesquisa de mestrado, e tem como


objetivo observar o funcionamento e a gestão da intersetorialidade do Programa
Bolsa Família (PBF) no município de São Carlos, a partir de entrevistas com os
gestores municipais compõem a intersetorialidade (setores de saúde, educação
e assistência social). A intersetorialidade surge na política pública brasileira,
como alternativa as políticas públicas setoriais, pretendendo uma política mais
eficiente, com uma minimização na utilização de recursos e aumento na
resolução de problemas (uma vez que aplica uma ação multifacetada). Porém
os desafios na gestão da intersetorialidade são muitos, a fragmentação resultada
da setorialidade e o já estabelecido conhecimento dos gestores na execução
setorial, a heterogeneidade e desigualdade dos entes federativos, e o
desenvolvimento de mecanismos e meios que promovam a intersetorialidade
são aqui considerados os principais desafios.

ABSTRACT

The work is related to the partial data from the master's research, and aims to
observe the operation and management of intersectoral Bolsa Família Program
(PBF) in São Carlos, from interviews with municipal managers make up the
intersectionality (sectors health, education and social assistance).
Intersectoriality surge in Brazilian public policy, as an alternative sectoral public
policies and to a more efficient policy, minimizing the use of resources and
increase in resolution of problems (as it applies a multifaceted action). But the
challenges in the management of intersectionality are many, resulted
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fragmentation sectoriality and the already established knowledge of managers in


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industry performance, heterogeneity and inequality of the federative entities, and

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development of mechanisms and means to promote intersectoral here are


considered the main challenges.
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INTRODUÇÃO

Tradicionalmente, as políticas públicas no Brasil caracterizam-se pela


setorialidade- consequência do passado centralizador e da expansão da
estrutura do Estado, herança do período Vargas e do Regime Militar de 1964- e
pela fragmentação, isolamento, especialização e sobreposição de ações
voltadas a resolver problemas, no entanto muitas das vezes comuns. Durante o
processo de formulação de políticas públicas, uma grande preocupação refere-
se à eficiência e efetividade, tanto dos seus objetivos como política pública,
quanto da sua gestão. A dimensão da política, a quantidade de recursos
investidos e a procura por maior eficiência e efetividade são algumas das causas
que acarretaram a busca por um planejamento de política pública que tivesse
como característica a minimização de desperdícios e o aumento da resolução de
problemas. Dessa forma, o formato setorial vem, sendo questionado, por seu
resultado insatisfatório em matéria de eficiência, eficácia e efetividade. Assim, a
intersetorialidade surge como uma nova proposta de planejamento estratégico
de políticas públicas, que se caracteriza por ações coordenadas e articuladas
entre setores, agentes e níveis governamentais. É diante deste novo cenário de
demanda de planejamento de política pública que a União tem investido esforços
na intersetorialidade.

O Programa Bolsa Família (PBF), política pública formulada pelo governo


central, implementada e gerida pelos estados e principalmente pelos municípios,
tem em seu desenho a intersetorialidade que é composta pelos setores da
educação, saúde e assistência social. O objetivo do trabalho é observar como
ocorre a intersetorialidade no âmbito municipal. O trabalho está divido em cinco
partes, sendo as duas primeiras referentes a discussão bibliográfica sobre
federalismo e políticas públicas, setorialidade e intersetorialidade. A terceira
555

parte é referente ao PBF, o seu funcionamento estabelecido pelas normas que


norteiam o programa. Na quarta parte apresenta-se os resultados encontrados
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por meio das entrevistas realizadas com os gestores locais da cidade de São
Carlos (SP), cabendo a quinta parte a conclusão do trabalho.

FEDERALISMO, POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: A SETORIALIDADE E


INTERSETORIALDADE

Nessa seção será apresentada uma discussão bibliográfica acerca do


federalismo no Brasil, sua construção, a relação entre as unidades federativas,
e a relação com as políticas públicas, ou seja, o impacto que o arranjo federativo
tem no desenho e implementação das políticas públicas.

Desde a construção do Estado brasileiro nos anos 1930, as políticas


públicas formuladas tinham como característica a setorialidade, ou seja, eram
pensadas, planejadas, desenhadas e organizadas separadamente por setores,
tais como saúde, educação, assistência social, dentre outras. A partir dos anos
1980, com o processo de redemocratização e descentralização, e depois devido
à expansão do Estado durante o processo de centralização, com a criação de
agências, órgãos e estruturas especializadas, apesar de descentralizadas as
políticas públicas continuaram focalizadas em um determinado setor de política
social.

A descentralização decorrente da Constituição de 1988, resumidamente,


pode ser pode ser dividida em descentralização política, administrativa e fiscal.
A primeira caracteriza-se pela autonomia e autoridade dos entes federativos; a
segunda pela transferência da administração e provisão dos serviços públicos,
ou seja, da responsabilidade pelas funções públicas, como a administração dos
recursos, provimento de serviços (saúde, educação, saneamento básico, entre
outros), o acesso a eles, formulação de políticas públicas, geração de
556

interdependência de gestão, dentre outras responsabilidades. Já a


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descentralização fiscal é um conjunto de medidas que objetiva garantir a


autonomia fiscal e aumentar as receitas dos entes federados (FALLETI, 2006).

A descentralização é tida por um lado como um mecanismo garantidor da


democracia, e por outro, como um esvaziamento das funções do governo central,
mas que devido à heterogeneidade e desigualdade34 dos entes federativos
(desde a sua capacidade de arrecadação de recursos, administrativa,
provimento de serviços sociais, dentre outras) e a forma como foi realizada a
descentralização, a não delimitação clara, principalmente das competências de
cada ente federativo, levou a uma centralização na União da formulação de
políticas públicas que necessitavam de grandes recursos e na regulação das
políticas, cabendo aos entes federados (estados e municípios) a implementação
e execução da política pública (Arretche, 2012).

“As desigualdades existentes no Brasil se refletem também


em profundas diferenças nas condições financeiras,
políticas e administrativas de estados e municípios,
afetando sua capacidade de resposta às necessidades da
população e aos novos papeis que lhes foram atribuídos”
(BURLANDY et al., 2007, p.91).

No mesmo sentido Almeida (2001) destaca que o desenho constitucional


de 1988, possui competências não específicas e a inexistência de mecanismos
de responsabilização. Essa conjuntura propicia o surgimento de dois cenários,
uma sobreposição de competências e atribuições dos entes federativos e uma

34
As desigualdades e heterogeneidades dos entes federados acarretam resultados diferentes na implementação,
557

execução e no próprio resultado do objetivo da política pública em si. As características e o cenário próprio de
cada ente federado é o que possibilitará maior ou menor dificuldade na execução da intersetorialidade. (Arretche,
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2012)

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prestação descoordenada dos serviços e bens públicos; e uma omissão de


competências e atribuições a outros entes federativos.

Sobre a omissão de competências e atribuições a outros entes federados,


o autor Abrucio (2005) destaca que o modo como se deu o processo de
descentralização, acelerado devido à crise fiscal do Estado brasileiro, nos anos
de 1980 e 1990, como estratégia de redução de gastos sociais do governo
federal. De um lado o governo federal tentava manter o controle político e
financeiro, transferindo responsabilidades para estados e municípios. Por outro
lado, estados e municípios tentavam retirar do governo federal o máximo de
recursos tributários desvinculados de responsabilidade de gastos em áreas
sociais predeterminadas.

Dessa forma contribuiu para que as relações entre as subunidades


federativas (estados e municípios) são competitivas, chegando a ser predatória
na relação entre essas e a União com as políticas públicas, ou seja, cada ente
federado utiliza de meios para obter maiores recursos, financiamentos; e
setoriais, por que envolve separadamente cada área de serviço social, e também
encontra a ação competitiva entre os setores por maiores transferências de
recursos e de peso de agenda. Portanto, ao observa o cenário nacional de
formulação de políticas públicas, encontramos predominantemente o
planejamento setorial, desde os objetivos das políticas públicas até os recursos
(Abrucio 2005).

A descentralização, assim como a competição entre as unidades


federativas são importantes para a compreensão da política pública no Brasil,
uma vez que o processo de formulação não é espontâneo por estados e
municípios, já que os entes federativos não estavam constitucionalmente
obrigados a formular e implementar programas em certos setores sociais
558

(Arretche, 2004), e o planejamento setorial delas são em grande medida,


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resultados da forma como ocorrem as relações federativas, de cada unidade

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federativa com as suas competências e atribuições e como são encaradas


setorialmente as agendas de formulações das políticas públicas.

A partir do momento que são identificados problemas de efetividade e


eficácia na setorialidade, devido ao foco isolado em um setor, sobreposição de
ações e o aumento de gastos com funcionários e equipamentos. Concomitante
à multidimensionalidade das necessidades e problemáticas sociais, a
intersetorialidade, compreendida como um planejamento de articulação de
experiências e saberes dos setores de políticas públicas, passa a ser proposta
na implementação e gestão de políticas públicas descentralizadas, como um
novo modelo de planejamento (Azevedo, 2003).

A intersetorialidade visa à coordenação e articulação entre os setores de


política sociais. Setores esses tradicionalmente separados e isolados passam a
ser geridos de forma coordenada e articulada dos saberes técnico com a
integração de agendas com interesses divergentes (Nascimento, 2010). Sposati
(2006), porém, considera que a intersetorialidade não deve ser vista como
antagônica a setorialidade, mas um planejamento complementar, uma vez que
não podem deixar de lado as especificidades de cada setor, assim como, não se
pode esquecer a multidimensionalidade das necessidades e dos problemas
sociais.

Portanto, no Brasil a intersetorialidade lança um duplo desafio. Primeiro,


superar a fragmentação advinda da setorialidade, e em segundo, que amplia o
primeiro desafio, é a formulação de uma proposta de execução da política
pública intersetorial descentralizada, cabendo aos municípios, com as suas
heterogeneidade e desigualdades, parte da gestão da política e
consequentemente da intersetorialidade. O desafio é enfrentado por meio de
mecanismos, meios e ferramentas de operacionalização, institucionalizados ou
559

não, que favorecem o diálogo e cooperação entre os setores na busca por ações
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conjuntas para solucionar problemas comuns, e através da articulação entre os


entes federados, que oferece maior suporte à coordenação e articulação.

A intersetorialidade no Brasil

Visto anteriormente, as características do federalismo brasileiro


(descentralização), a relação entre as unidades federativas (desigualdades entre
as unidades federativas, a competição entre elas) e o seu impacto nas políticas
públicas, tanto em seu desenho como no seu funcionamento. Nessa seção, que
é em grande medida continuação da anterior, será apresentada uma discussão
sobre a intersetorialidade, como um novo planejamento de políticas públicas e
suas dificuldades.

A garantia de acesso a um serviço social e a adesão municipal a uma


política pública não é o único requisito que garante o sucesso da mesma. O
planejamento da política também contribui para o seu sucesso. É possível
observar uma mudança no planejamento de políticas públicas no Brasil. Durante
o processo de recentralização política e administrativa, houve um crescimento
do aparato estatal, da sobreposição de agências e secretarias, de modo que a
característica principal das políticas públicas era a setorialidade. Ou seja, as
políticas públicas eram focalizadas em um determinado setor de política social.
A partir da redemocratização e da descentralização nos anos 1980 e 1990, os
entes federados passaram a formular e gerir políticas públicas locais e
descentralizadas, porém estas ainda carregavam a setorialidade como sua
característica. Tal característica traz para o cenário da política pública no Brasil,
questionamentos referentes à efetividade e eficácia da política e à dificuldade de
coordenação e articulação dos setores de políticas sociais. Devido a essa
dificuldade, a intersetorialidade aparece como uma nova maneira de planejar as
políticas públicas.
560

Segundo Nascimento (2010), a intersetorialidade das políticas públicas


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passou a ser valorizada a partir do momento em que são identificados problemas


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na eficiência, efetividade e eficácia esperadas até então de políticas setoriais.


Porém, a intersetorialidade, apesar de acarretar uma articulação de saberes
técnicos devido à integração de especialistas de diversas áreas, também traz
desafios quanto à sua execução, coordenação, diálogo, planejamento e
organização dos diversos setores das políticas públicas; desafios estes que
estão relacionados à própria superação da fragmentação e da setorialidade das
políticas públicas.

No Brasil, a formulação de políticas públicas intersetoriais pode ser


observada pontualmente em alguns municípios e estados, ou seja, são políticas
públicas de pouco amplitude e pontuais em determinados territórios. Alguns
municípios como Campinas, com o Programa de Garantia de Renda Familiar
Mínima (PGRFM), instituído em 1995, já possuíam certo pioneirismo ao ter como
característica da política pública local traços da intersetorialidade. JUSTO
(2009), ao transcrever a fala da ex-coordenadora do PGRFM, deixa clara a
intersetorialidade que ali prevalecia:

“Nós tínhamos todas as regiões descentralizadas. Então


nas pontas tínhamos a Educação, Cultura, Saúde,
Habitação, Assistência Social. Quando nós articulávamos
o problema de uma família naquela região, a gente tinha
no mesmo prédio representantes de todos esses
segmentos...” (JUSTO, 2009: 123).

Porém será, principalmente, a partir do Programa Bolsa Família (PBF),


política de transferência de renda que atinge atualmente cerca de um quarto da
população brasileira, que a intersetorialidade passa a ser proposta em âmbito
nacional, tendo em seu desenho uma intersetorialidade vertical, entre as
unidades federativa, e horizontal, entre os setores das políticas públicas. (SILVA,
561

et al; 2012) Os autores Monnerat e Souza (2009) argumentam que são


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perceptíveis as iniciativas do governo federal em prol do desenvolvimento da

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intersetorialidade nas políticas sociais, sendo reconhecível por meio de ações do


Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que tem investido na reconstrução
da política de assistência social com base na formulação de programas com
desenho intersetorial, como o Programa Bolsa Família e o Plano Brasil Sem
Miséria.

Assim, para que a intersetorialidade seja possível é necessário a criação


de meios e condições para que ocorra a articulação é fundamental para a
superação da fragmentação decorrente da setorialidade. Mas, o
desenvolvimento desses mecanismos possui, antes da sua execução e do seu
teste de superação da fragmentação, um aspecto anterior que deve ser levado
em consideração. A heterogeneidade e desigualdade dos entes federativos
propiciam o encontro das condições mais díspares de capacidade administrativa
e de gestão da política pública. Assim o desenvolvimento dos mecanismos de
articulação deve ser pensado além da articulação dos setores, mas
principalmente na sua capacidade de equiparar os cenários administrativos e de
gestão nas unidades federativas em que a política pública será implementada.

O planejamento de políticas públicas, como o PFB, proposto pelo governo


federal possui em seu desenho outros desafios, além daqueles já pontuados
anteriormente e conhecidos como a fragmentação da setorialidade e as
desigualdades e heterogeneidades locais. Como aponta Arretche (2004) a
adesão da política pelos estados e/ou municípios é ponto primordial na
formulação da política pública, já que os entes federativos não são
constitucionalmente obrigados a implementar políticas públicas. O ponto
decisivo para adesão a uma política pública é o seu desenho institucional, ou
seja, a baixa incerteza na obtenção de recursos e as condições técnicas geram
incentivos para que os entes federados assumam responsabilidades e integrem
562

a política. Importante destacar que isso não significa que necessariamente os


estados e municípios irão aderir à política, já que as prerrogativas da
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descentralização (autonomia fiscal e política) permitem que estabeleçam a


agenda local como prioridade.

“Em estados federativos, a asserção de atribuições de


gestão em políticas públicas depende da decisão soberana
dos governos locais, salvo expressas imposições
constitucionais, e dado que esta decisão é resultado de um
calculo destas administrações quanto aos custos e
benefícios nela implicados, a extensão da descentralização
depende, em grande parte, da estrutura de incentivos
associada à política particular” (ARRETCHE, 2000, p 57)
[...].

Exemplo de políticas que não obtiveram, inicialmente, a adesão esperada


de estados e municípios foram as de saneamento básico, habitação e
assistência social. Segundo Arretche (2000), o fracasso inicial dessas políticas
pode ter se dado pela escassez de recursos – como o caso da política de
saneamento –, pelo alto débito acumulado – no caso da política de habitação –,
ou pela ausência de repasses regulares de recursos – no caso da política de
assistência social.

Dessa forma a uma das maneiras de assegurar que uma política pública,
com um novo planejamento seja aderida tanto, pelas unidades federativas,
como, para que a gestão ocorra de maneira adequada e que a política alcance
sucesso nos seus objetivos é através da construção de mecanismos e meios
técnicos, planejamento do uso de recursos instrumentais e humanos,
ferramentas operacionais e de comunicação. Esses mecanismos possibilitarão
aos estados e principalmente aos municípios a gestão articulada entre os setores
de políticas sociais que compõem a rede de intersetorialidade, favorecendo
563

maior entrosamento e uma ação conjunta entre eles, superando a fragmentação


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setorial.

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Os mecanismos, meios e ferramentas construídos para a gestão da


política pública, junto com um conjunto de atores agora integrados, podem então
possibilitar um aprendizado local na gestão da intersetorialidade, ou seja, podem
pressionar as tecnoburocracias locais à reformulação e adequação dos seus
modos e procedimentos de ação, devido às características da intersetorialidade
– diálogo entre os setores que compõem a intersetorialidade, a busca conjunta
por soluções de problemas surgidos e a ruptura de um modo de gestão
setorializado –, ao mesmo tempo em que podem fornecer instauração local do
aparato de comunicação e articulação, que podem ser utilizados na coordenação
e articulação em outras políticas públicas, como por exemplo, políticas públicas
locais (Howlett et al, 2013).

Carmelatto et. al (2007) concluem que a intersetorialidade ainda é um


processo desafiante, pois necessita não só de grande articulação entre os
setores de política sociais, mas também com os conselhos municipais e outros
segmentos da sociedade civil. JUSTO (2015) acrescenta que superar as culturas
políticas setoriais, sustentadas por coalizões de defesa muitas das vezes
formadas por profissionais inerentes a cada setor, é outra grande dificuldade da
gestão intersetorial, pois os valores e práticas mais arraigados de cada setor,
além de serem conhecimentos muitas vezes restritos a estes profissionais e
burocracias, funcionam como instrumentos e recursos de poder e fonte e objeto
de conflito entre os setores, cada qual, via coalizões, defendendo e buscando
legitimar frente aos demais a relevância e superioridade dos conhecimentos
específicos dele. Com isso ficam evidentes as dificuldades e necessidade de
uma certa humildade e predisposição democrática ao diálogo e
compartilhamento de poder por parte dos diversos atores envolvidos na gestão
e implementação de políticas públicas (coalizões, burocratas, políticos, etc.) para
564

fazer valer e funcionar na prática o princípio da intersetorialidade, em oposição


ao isolamento, sobreposição e fragmentação das ações de políticas públicas
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voltadas à resolução de problemas comuns.


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Intersetorialidade no Programa Bolsa Família

Nessa parte do texto será apresentado o PBF, o desenho da política


pública, para que se possa compreender seu funcionamento e as atribuição de
cada nível de governo e de cada setor que compõem a intersetorialidade. O
Programa Bolsa Família (PBF) é uma política pública de transferência direta de
renda, que possui mais de dez anos de vigência carregando consigo o consenso
de avaliações como uma política pública com resultados positivos, ou seja,
possui o objetivo da superação da pobreza e extrema pobreza no Brasil vem
sendo alcançado através do beneficio condições de superação da
vulnerabilidade e acesso a direitos antes negados. O programa possui como
desenho de política pública a implementação descentralizada e intersetorial. A
descentralização é uma forma de gestão que permite aos entes federativos
compartilharem tomadas de decisão. Cada ente federativo possui
responsabilidades frente ao PBF, porém conjugam de esforços para conduzir a
implementação e a gestão adequada da política pública. Ao nível federal cabe
a operacionalização, ações de avaliações de monitoramento, ações de
transferência direta do beneficio e dos recursos do Índice de Gestão
Descentralizada (IGD) para municípios. Ao nível estadual cabe o apoio aos
municípios para implementação do programa. Ao nível municipal cabe a gestão
local do PBF e do Cadastro Único35, e deve, portanto, identificar e cadastrar as
famílias, oferecer, coordenar e articular serviços nas áreas de saúde, educação
e assistência social.
A intersetorialidade no PBF se caracteriza pelos setores da saúde,
educação e assistência social. Esses têm como objetivo na política reforçar o
acesso a direitos sociais básicos, viabilizando a superação de situação de
565

35
O Cadastro Único é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permite conhecer
a realidade socioeconômica, informações das características das famílias e dos domicílios e formas de acesso a
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serviços públicos essenciais.

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vulnerabilidade vivenciada pelas famílias atendidas. No caso do PBF, esses três


setores devem ser geridos de forma coordenada e articulada, pois deles – do
seu funcionamento e oferta adequados – depende o cumprimento das
condicionalidades exigidas das famílias para o recebimento do beneficio. Uma
vez não cumprida a condicionalidade em um dos setores, a família é punida
através do bloqueio ou cancelamento do beneficio, portanto cabe aos entes
federados viabilizar o acesso a esses serviços, assim como geri-los de tal forma
a garantir tal provisão de modo suficiente e com qualidade.
A qualidade da gestão do PBF, nos municípios é acompanhada por um
indicador da qualidade da gestão descentralizada, o Índice de Gestão
Descentralizada Municipal (IGD-M)36, que além de refletir os compromissos
assumidos na área da intersetorialidade (prover o acesso aos serviços de saúde,
educação e assistência social) e da adesão ao programa (gerir o Cadastro Único
e meios operacionais como Sistema de Benefícios ao Cidadão- Sibec37, Sistema
de Gestão do Programa Bolsa Família - SIGPBF38, Sistema de Condicionalidade
do Programa Bolsa Família- Sicon39), mostra a qualidade da gestão e a partir
deste índice então é calculado o repasse de recursos para estados e
principalmente para os municípios.
Os recursos repassados por meio do IGD-M para os municípios são
utilizados para o investimento da melhoria na gestão da própria política. Os locais

36
O IGD varia de 1 a 0, sendo que quanto mais próximo a 1, melhor a qualidade de gestão descentralizada e
portanto maior o repasse de recursos.
37
O Sibec é a ferramenta responsável pela administração dos benefícios financeiros do PBF, permite aos gestores
o acesso à informações dos beneficiários de seu estado e/ou município.
38
O SIGPBF é a ferramenta destinada a gestores e técnicos que atuam na execução do PBF, que permite acesso
a informações tanto de outras esferas de governo, como de outros estados e/ou municípios. Informações como:
Gestões Municipais, Coordenações estaduais, Instâncias de Controle Social, Cadastro Único de Programas,
566

dentre outras.
39
O Sicon é uma ferramenta para o gerenciamento de condicionalidade do Bolsa Família, permite aos gestores e
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técnicos o acompanhamento a informações sobre a execução da condicionalidade nos estados e/ou municípios.

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em que o recurso pode ser direcionado são delimitados pelo governo federal,
que passa para os gestores locais uma cartilha com um listamento dos possíveis
investimentos.
Observa-se que a responsabilidade pela gestão da política e da
intersetorialidade horizontal no PBF é realizada pelos municípios, que além do
cadastramento das famílias no Cadastro Único, também ficam responsáveis pela
articulação entre os setores. Apesar de o PBF ser uma política pública
descentralizada, a tomada de decisão na gestão e na utilização dos recursos da
política fica concentrada no governo federal, cabendo ao município a execução
das normas e procedimentos já delimitados. Porém, o distanciamento entre a
gestão e o estabelecimento das normas e o dia a dia na execução da política
pública, abre espaço para que os gestores locais adaptem as normas a
realidade. Na próxima parte do texto será apresentado como a intersetorialidade
é compreendida para os gestores e como é realizada.

RESULTADOS

Nessa parte do trabalho serão apresentados os dados parciais da


pesquisa. As entrevistas foram realizadas com os gestores dos setores da
saúde, educação e assistência social, responsáveis pelo acompanhamento das
condicionalidades e pela execução da intersetorialidade na cidade de São
Carlos.

Antes de apresentar os resultados é preciso compreender como funciona


a gestão do PBF na cidade de São Carlos. No município a realização e
atualização do cadastro das famílias é realizado pela Divisão do Cadastro Único,
que se encontra na sede da Secretaria Municipal de Assistência Social e
Cidadania. A chefa da Divisão do Cadastro Único é também a gestora municipal
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do PBF no setor de assistência social, é responsável por efetuar o cadastro no


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Cadastro Único, desligamento, ocorrências de bloqueio, suspensão,

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cancelamento de benefício, atualização do cadastro e etc., portanto tudo que for


referente ao programa no setor de assistência social passa pela gestora. Já no
setor da educação a responsável é a Coordenadora Municipal do Programa
Bolsa Família na Condicionalidade da Educação é responsável pela
coordenação das escolas, transferências de informações dos alunos para outros
municípios (caso que acontece quando a família muda de cidade), cadastrar,
incluir e alterar o perfil do aluno e principalmente acabar com a listagem de
alunos não localizados. O responsável pelo setor da saúde é o chefe da seção
dos programas de transferência de renda, a sua função, assim como os demais
setores é atualizar o cadastro das famílias quanto à pesagem, vacinação das
crianças e o acompanhamento das mulheres gestante.

Em um primeiro momento podemos observar o conhecimento sobre o


PBF, o objetivo principal da política pública, dos respectivos setores e do motivo
do dialogo entre os três setores no desenho da política pública e a importância
de todos esses objetivos para o grupo alvo do programa. Esse conhecimento,
apesar de trivial para a gestão da política não é sempre encontrado. Questões
sobre o desconhecimento do programa, como: quais os critérios de seleção das
famílias? Por que da demora no recebimento do benefício? O que faz uma
família na mesma condição que outra ser selecionada e a outra não? Evidenciam
uma falha de comunicação e informação do governo federal, formulador da
política, para os municípios. (Cagnin, 2014) Como cita a autora:

“Os problemas de desinformação e desconhecimento [...]


pode ser explicado pela centralização das decisões e das
informações decisivas de formulação do PBF no nível
federal, encarregado da formulação, reformulação do
programa e da operacionalização do beneficio [...] Fica
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claro que os encargos e responsabilidades


descentralizadas para os municípios referem-se à
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implementação operacional do PBF, e não aqueles que


implicam em poder de decisão sobre o programa”
(CAGNIN, 2014, p. 332).

É indiscutível que o conhecimento da política e do seu funcionamento são


pontos essenciais para a uma gestão adequada, seja em relação às
responsabilidades e o papel do município com a política pública e de cada setor
que compõem a intersetorialidade, como para o fornecimento de informações
para o público. Podemos citar como exemplo o número de casos em que a
gestora da assistência social recebe famílias com mulheres gestantes ou com
recém-nascidos que buscam informações sobre a atualização no cadastro sobre
a nova situação, o recebimento do benefício nutriz e do recém-nascido, e sobre
a condicionalidade.

O procedimento ao receber famílias nessa situação é informa-la que a


atualização, além de ser feita na assistência social quando o recém-nascido já
tiver a certidão de nascimento, também deve ser feita na saúde, principalmente
no caso em que a mulher está gestante, pois o acompanhamento da gestação é
uma das condicionalidades do setor da saúde. O que se observa é que na
maioria das vezes a família acaba retornando a assistência social, pois ao
procurar informação no posto de saúde (UBS- Unidade Básica de Saúde)
depara-se com o desconhecimento e despreparo do setor. Dessa forma para
que o cadastro da família esteja atualizado e ela possa receber os benefícios
que tem direito, o setor da assistência social precisa, na maioria das vezes,
entrar em contato direto com o gestor da saúde e pedir para efetuar a
atualização.

Em relação ao setor da educação o conhecimento como um todo da


política pública propicia uma relação entre o setor e o beneficiário com menos
569

obstrução e dificuldades, tornando a comunicação mais fácil e fluida. Exemplo


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disso é a facilidade na atualização do cadastro quando ocorre transferência

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escolar e quando há falta justificada por motivos de saúde. Já o setor da


assistência social, por encontrar junto com assistência e o Cadastro único, sendo
que este é a porta de entrada tanto de outros programas sociais, como
principalmente do PBF, a relação com os beneficiários e o trabalho com o PBF
em si é cotidiano, há, portanto, certo domínio do conhecimento das suas
responsabilidades, assim como o setor da educação.

A facilidade na comunicação gera, por um lado, no beneficiário uma


sensação de segurança e confiança com o gestor, com a política pública e com
o serviço público como um todo, e por outro lado não necessita a intervenção de
outros setores, na execução de uma responsabilidade e operação exclusiva de
um setor.

Assim como Cagnin (2014) apontou, o desconhecimento da política


pública PBF como um todo pelos gestores, refletem no desconhecimento das
atribuições de cada setor. A intersetorialidade por sua vez, não se resume a
apenas uma ação coordenada entre os setores individuais, ou seja, não se
resume a diálogos pontuais sobre as atribuições de cada setor. O desafio da
intersetorialidade é justamente a articulação, é ultrapassar as barreiras setoriais
e dos diálogos estritamente necessários para manter a engrenagem das políticas
públicas, e no caso do PBF, não pararem de funcionar.

CONCLUSÃO

Passando rapidamente pelos pontos desenvolvidos no texto. A


construção federativa e a Constituição de 1988 estruturam a forma como ocorre
às relações federativas. A centralização no governo central desde o Império,
mesmo com períodos em a descentralização está presente entre os entes
570

federativos, e no caso da Constituição de 1988, mesmo sendo apresentada


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como de suma importância como um mecanismo de manutenção da democracia,

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a forma como ocorreu possibilitou que estados e municípios apesar de terem


autoridade, competência e responsabilidades no fornecimento de serviços
públicos e, portanto de políticas públicas, acabam por, junto a heterogeneidade
e desigualdade das unidades federativas, fincando a encargo da União formular
e implementar políticas públicas, principalmente aquelas de maior abrangência.

Outro ponto importante que foi passado pelo texto, e que é central para a
compreensão das políticas públicas no Brasil, é a inexistência de mecanismos
que obriguem os estados e municípios a formulares políticas públicas, ou seja,
de cumprir com as responsabilidades advindas da descentralização e de aderir
àquelas formuladas pelo governo da União. A compreensão das relações
federativas é importante no estudo de políticas públicas, uma vez que o desenho
reflete, em grande medida, as articulações, características e necessidades dos
níveis de governo que serão implementadas. Como apresentado no texto, a
setorialidade é de certa forma, também é resultado dessas relações entre os
entes federativos e agendas dos serviços públicos, como também de um
desenho “tradicional” de políticas públicas.

A partir do momento em que é colocado em questionamento a eficiência


e eficácia da política setorial, um novo planejamento é proposto. A
intersetorialidade surge como proposta diante das necessidades multifacetadas
da população. Para tanto é preciso ultrapassar as barreiras setoriais de
fragmentação, e para chegar, vias de fato a articulação que a intersetorialidade
necessita é preciso anteriormente compreender que as dificuldades estão em
grande medida, no desenho da política pública na criação de mecanismos de
articulação, e na conscientização por parte dos atores da importância da
articulação.

Nesse trabalho foi possível observar que o PBF, uma política pública de
571

grande abrangência, que tem como proposta em seu desenho a


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intersetorialidade ocorre no caso da cidade de São Carlos, um desconhecimento

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por parte dos gestores locais de cada setor que compõem a intersetorialidade,
das suas atribuições e responsabilidade quanto a política pública. A reflexão a
ser feita nesse ponto de desenvolvimento é em que medida esse
desconhecimento interfere nas relações intersetoriais? E, portanto, como ocorre
vias de fato a intersetorialidade? Essas são questões que para serem
respondidas precisam ser analisadas mais atentamente as relações entre os
gestores de cada setor.

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BOLSA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS
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GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLITICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ELABORAÇÃO DE


POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ESTUDO DE CASO DA
INICIATIVA SÃO PAULO ABERTA

BRUNO CESAR RIBEIRO BARBOSA


Bacharel em Ciências & Humanidades pela
Universidade Federal do ABC e graduando em
Políticas Públicas pela mesma instituição. E-mail:
bruno_rb_17@hotmail.com
RAFAEL P. DA SILVA
Bacharel em Ciências & Humanidades pela
Universidade Federal do ABC e graduando em
Políticas Públicas pela mesma instituição. E-mail:
rafael.0791@gmail.com
THAÍS PORTO FRANCO
Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela
EACH-USP e pós-graduanda em Finanças e
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Controladoria pela Universidade Anhanguera. E-


mail: tpfranco@gmail.com
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NO JULGAMENTO DA ADPF 186
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RESUMO

O desenvolvimento das relações entre Estado e sociedade civil no Brasil


demonstra os desafios para a consolidação da democracia no país. No contexto
de desigualdade social e falta de direitos garantidos, surgem instituições
participativas como ensaio para a promoção de uma sociedade mais
democrática. As reflexões sobre Governo Aberto e a análise da São Paulo
Aberta, iniciativa da Prefeitura de São Paulo, esboçam um possível caminho em
direção à qualificação da democracia a partir da transparência do governo e da
participação social.

ABSTRACT

The development of relations between State and civil society shows some
challenges towards democracy consolidation in Brazil. Considering the
background of social inequality and lack of guaranteed rights, some participative
institutions arise as an attempt to promote a more democratic society. This Open
Government study and the analysis of a São Paulo City Hall’s initiative, São Paulo
Aberta, start to draft one of the possible paths towards democracy qualification
through social participation and government transparency.
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INTRODUÇÃO

O desenvolvimento das relações entre o Estado e a sociedade civil no


Brasil demonstra os desafios para a consolidação da democracia no país. No
contexto em que a demasiada desigualdade social coloca-se como pilar fundante
da sociedade e como barreira à garantia de direitos, contraditórios à constituição
de um Estado Democrático de Direito, surgem instituições participativas como
um ensaio para a promoção de uma sociedade mais democrática por meio da
ampliação da representatividade da sociedade civil. Este artigo busca analisar,
através de uma breve reflexão sobre Governo Aberto, a importância da
participação social na diferentes fases do ciclo de políticas públicas no Brasil,
assim como apontar para alguns avanços, limites e dificuldades da
implementação de mecanismos em prol da democracia participativa.

A São Paulo Aberta, iniciativa da Prefeitura de São Paulo, é analisada


como programa cujo sentido situa-se na proposta de um governo aberto. Seus
princípios de participação, transparência, integridade e inovação indicam um dos
possíveis caminhos a ser trilhado em direção à participação social e à ampliação
dos atores na tomada de decisões no que concerne aos interesses públicos e ao
desenvolvimento das relações entre Estado e sociedade civil. Essa iniciativa
surge como resposta à proposta do governo federal de instaurar recursos que
ampliem a transparência nas municipalidades e ganha destaque por suas
inovações.

Os dados sobre a São Paulo Aberta foram obtidos através de canais


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institucionais e de conversas com alguns dos membros que compuseram e


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outros que ainda compõem a equipe, facilitando a coleta de informações mais

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acuradas e recentes1. As reflexões postas não pressupõem o esgotamento da


questão, mas sim fomentam o debate sobre a participação social como fator que
qualifica a democracia no país.

GOVERNO ABERTO NO BRASIL

Os sistemas de governo democráticos são relativamente novos na história


moderna. Sua definição etimológica diz que o poder (de governar) emana do
povo, mas não são claras as prerrogativas para que seja alcançado esse
patamar, deste ponto surgem novos entendimentos desse sistema. Em uma
análise de Schumpeter (1961), a “democracia é um método político, ou seja,
trata-se de um determinado tipo de arranjo institucional para se chegar a
decisões politicas - legislativas e administrativas”, entende-se que a democracia
é um meio de governo não uma forma de poder, para que seja possível utilizar-
se desse mecanismo é imprescindível a participação do povo, para que seja
ouvido e atendido o desejo e a necessidade popular.

[...] ‘Participação’, no que diz respeito à maioria, constitui a


participação na escolha daqueles que tomam decisões. Por
conseguinte, a função da participação nessa teoria
(Eckstein) é apenas de proteção; a proteção do individuo
contra decisões arbitrárias dos lideres e eleitos e a
proteção de seus interesses privados (PATEMAN, 1992, p.
24).

A participação é essencial para alcançar a democracia em seu sentido


pleno, pois somente com o a intensa e efetiva participação dos cidadãos é que
seria possível barrar decisões arbitrárias e interesses particulares dos governos
579

e seus governantes (BENTHAN, 1943; MILL, 1937 apud PATEMAN, 1992, p32).
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Além disso, a educação (formal, social e política) e a informação são essenciais

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para o exercício da participação popular na esfera política (PATEMAN, 1992, p.


90).

As instituições participativas constituem capítulo recente da história na


democracia brasileira. Entre os anos de 1970 e 1980, deflagrou-se o
descontentamento com o formato de relação entre a administração pública e a
sociedade civil, aumentando as demandas pela redemocratização do Estado,
além de novos modelos de controle público sobre suas ações (CUNHA, 2007, p.
25), com reivindicações de diversos movimentos sociais, como: a Central de
Movimentos Populares, o Movimento dos Trabalhadores Rurais e dos
Trabalhadores Sem Terra, assim como os movimentos em defesa da saúde,
educação e habitação; e organizações da sociedade civil, como a Comunidade
dos Eclesiais de Base e as Centrais Sindicais. A participação como princípio
fundamental, na Constituição Federal de 1988, para a organização e gestão do
Estado brasileiro derivou-se dessa protestação e, consequentemente, inspirou
diversas inovações institucionais que ampliaram e diversificaram os atores
envolvidos na deliberação política (CUNHA, 2007, p. 26).

Uma das mais reconhecidas, inclusive internacionalmente, é a


experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre que devido ao sucesso
obtido entre os anos de 1990 e 2005 (AVRITZER, 2008, p. 47) constituiu-se
como um novo paradigma de democracia participativa contemporânea,
difundindo-se por mais de 170 municípios e é adotada como modelo por diversos
países do mundo (FEDOZZI, 2014, p. 50). Um dos aspectos decisivos para o
sucesso da experiência foi a forte tradição de organização da sociedade civil na
capital do Rio Grande do Sul. Outras instituições participativas que ganharam
destaque no cenário nacional são os Conselhos de Políticas e os Planos
Diretores Municipais, também fruto de pressões populares exercidas através de
580

movimentos sociais, diversos deles, inclusive iniciados na cidade de São Paulo


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(AVRITZER, 2008, p. 50).

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São necessárias algumas condições para que inciativas como esta sejam
construídas de forma bem sucedida. Conforme aponta Fedozzi (2014) alguns
dos pontos de destaque para a construção e consolidação dos Orçamentos
Participativos são envolvimento social em nível de cidade e a real inclusão de
deliberação por parte da população, além do fundamental papel da prestação de
contas2. Destarte, a publicidade dos atos da administração pública é aspecto
fundamental em qualquer regime de democracia representativa:

Há quem acreditou poder captar um nexo entre princípio de


representação e publicidade do poder, como Carl Schmitt,
segundo o qual “a representação apenas pode ocorrer na
esfera da publicidade” e “não existe nenhuma
representação que se desenvolva em segredo e a sós”,
donde “um parlamento tem caráter representativo apenas
na medida em que se acredita que sua atividade é pública”
[1928, p. 208]. Sob este aspecto, é essencial à democracia
o exercício dos vários direitos de liberdade, que permitem
a formação da opinião pública e asseguram assim que as
ações dos governantes sejam subtraídas ao
funcionamento secreto das câmaras de conselho,
desentocadas das sedes ocultas em que procuram fugir
dos olhos do público, esmiuçadas, julgadas e criticadas
quando tornadas públicas (BOBBIO, 2007, p. 30).

Neste sentido, políticas públicas de transparência e acesso à informação


assumem o protagonismo como mecanismos que legitimam a representação
democrática justamente por atuarem como facilitadores da participação popular,
promotores do controle social, da accountability, e por contribuírem para a
581

consolidação de práticas inovadoras no campo da democracia participativa.


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No Brasil, o tema da transparência começa a ganhar força há pouco mais


de quinze anos, com a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei
Complementar nº. 101 de 4 de maio de 2000 (LRF), inicialmente voltada para a
austeridade fiscal e controle de gastos das administrações públicas. Surge em
um contexto de endividamento dos entes federativos como uma tentativa de
superação da crise econômica que ultrapassasse a questão contábil e instituísse
a transparência fiscal como um instrumento de integridade pública (CASTRO
NEVES, 2013, p. 5). Com o tempo, a lei permitiu que o acesso à informação
ganhasse espaço enquanto direito fundamental dos cidadãos e aproximasse
cada vez mais governo e sociedade (CASTRO NEVES, 2013, p. 3).

É possível pontuar alguns marcos da transparência pública no Brasil. O


pregão eletrônico, por exemplo, constituiu uma das primeiras iniciativas
derivadas das exigências da LRF. A modalidade de compras por pregão
eletrônico foi concebida com o objetivo de agilizar os processos de compra por
parte do Estado, além de permitir redução de custos com processos licitatórios.
O acesso das empresas foi facilitado, aumentando a concorrência entre elas, o
que tende a reduzir os preços para o Estado já que, uma vez habilitada em fase
anterior de seleção de fornecedores, a empresa que der o menor lance sai como
vitoriosa da licitação. Além disso, todo o ciclo de seleção dos fornecedores pode
ser acompanhado pelos cidadãos, ou seja, há tanto o benefício por parte
econômica quanto para um controle social mais efetivo (CASTRO NEVES 2013,
p. 5).

Em 2003, foi criada a Controladoria Geral da União (CGU), um órgão do


Governo Federal de combate à corrupção e promoção da transparência por meio
de atividades como auditoria e controle interno. A CGU foi o órgão responsável
por outro marco da evolução das políticas de acesso à informação no país: o
582

lançamento do Portal da Transparência do Governo Federal. Lançado em 2004,


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o portal tinha inicialmente o intuito de disponibilizar informações sobre gastos

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públicos, mas, posteriormente, seu escopo fora ampliado e passou a informar


aos cidadãos desde as organizações que estão impedidas de realizarem
contratos com a administração pública até a remuneração de todos os servidores
federais.

As informações disponíveis no Portal chamaram a atenção


no cenário internacional pelo volume e diversidade de
informações. Em 2008, o Portal da Transparência foi
destacado como exemplo de Boa Prática de governança
durante a II Conferência dos Estados-Partes da Convenção
das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC, na sigla
em inglês) (CASTRO NEVES, 2013, p. 8).

Em 2009, entra em vigor a Lei Complementar nº 131 que altera o texto da


LRF e determina que todos os entes da federação “disponibilizassem, em meio
eletrônico e tempo real, informações pormenorizadas sobre sua execução
orçamentária e financeira” (CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO, 2014).
Ações como estas projetaram o Brasil internacionalmente como modelo de
transparência ativa, isto é, referência no que diz respeito ao fornecimento e
disponibilização de informações por conta própria. Entretanto, o país ainda ficava
para trás quando o assunto era a transparência passiva.

Em 2011 foi promulgada sua Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527 de


18 de Novembro de 2011), obrigando o Estado a fornecer informações
solicitadas pelos cidadãos, delimitando procedimentos e prazos para o
cumprimento desta exigência. No mesmo ano, em parceria com mais 7 países
(África do Sul, Estados Unidos, Filipinas, Indonésia, México, Noruega e Reino
Unido), o Brasil foi um dos fundadores da Parceria para Governo Aberto ou Open
Government Partnership (OGP), uma inciativa com o intuito de “difundir e
583

incentivar globalmente práticas governamentais relacionadas à transparência


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dos governos, ao acesso à informação pública e à participação social”


(CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO, 2014).

Desde então, os países participantes apresentam Planos de Ação


Nacionais e comprometem-se com a adoção de medidas para promoção da
transparência, combate à corrupção e fomento à participação popular. Para
promover um eficiente mecanismo de participação seria necessário mudar a
concepção de politica e de poder dentre o povo, na teoria de Rousseau, a
participação na tomada de decisões elevaria a capacidade de escolha do
individuo, ou seja, a partir do momento desta pratica entenderia como é ser um
cidadão privado e público (PATEMAN, 1992, p. 39).

Além de estarem de acordo com os quatro princípios de Governo Aberto


propostos pela Parceria Para Governo Aberto: Transparência, Participação
Cidadã, Accountability e Tecnologia e Inovação, os Planos Nacionais devem ser
norteados pelos seguintes pontos: 1. Melhoria dos Serviços Públicos; 2.
Aumento da integridade pública; 3. Gestão mais efetiva dos recursos públicos;
4. Criação de comunidades mais seguras; 5. Aumento da responsabilidade
corporativa.

Os Planos de Ação Nacionais devem ser elaborados, de acordo com a


Declaração de Governo Aberto, com a participação da sociedade civil e podem
ter duração de até dois anos, de modo que, ao longo deste período, todos os
Governos devem publicar balanços anuais dos compromissos assumidos.

Uma agenda de Governo Aberta em nível municipal é de suma


importância, tanto para a promoção da transparência em todos os níveis de
governo, como para que o cidadão perceba sua relevância no processo
democrático para além do voto.
584

Não aprendemos a ler ou a escrever, a guiar ou a nadar


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apenas porque alguém nos diz como fazê-lo, mas porque

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o fazemos, de modo que será somente praticando o


governo popular em pequena escala que o povo terá
alguma possibilidade de aprender a exercitá-lo em maior
escala (MILL, 1963 apud PATEMAN, 1992, p. 46).

Neste contexto é que o município de São Paulo tornou-se uma das


primeiras cidades do mundo a implementar a agenda municipal de governo
aberto. Por meio da inciativa intitulada “São Paulo Aberta”, criada pelo Decreto
nº 54.794 de 28 de Janeiro de 2014, a incorporação dos princípios da
transparência, participação social, inovação tecnológica e integridade nas
políticas públicas passou a ser uma das principais metas da gestão do Prefeito
Fernando Haddad (SÃO PAULO ABERTA, 2016).

A São Paulo Aberta foi responsável pela definição de critérios em relação


às “ações para Governo Aberto” que poderiam ser tomadas pela Prefeitura de
São Paulo, resultando em diversas outras inciativas que emergiram da
integração entre diferentes secretarias municipais. Políticas como o Planeja
Sampa, o SPCultura, o Portal Dados Abertos, Wifi Livre, Geo Sampa, entre
outras, são produtos de discussões levantadas pela São Paulo Aberta e estão
direcionadas a promoção dos princípios de Governo Aberto (SÃO PAULO
ABERTA, 2016).

É de suma importância a existência de um mecanismo que promova


educação e eleve cidadãos a um nível de igualdade em termos de acesso a
oportunidades e meios participativos, somente por meio da participação popular
efetiva é que a democracia será exercida de forma ampla, diminuindo práticas
patrimonialistas e os abusos de poder em todas as instancias políticas. No
entanto, vale ressaltar que esferas mais distantes do povo, como é o Governo
585

Federal, são de difícil compreensão afinal seus programas são extensos e


abstratos em termos de abrangência, projeto e financiamento, assim é
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necessária a prática em governos locais, em conselhos participativos, e

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quaisquer outras vias de aprendizado, para formar cidadãos capazes de votar


de forma consciente, emitir opiniões críticas, e saber os meios de ter suas
demandas ouvidas, em qualquer instância.

A SÃO PAULO ABERTA

As mudanças ocorridas no processo político democratizante contribuíram


para repensar as relações entre o Estado e a sociedade civil. Como apontado
por Dagnino (2004), as noções de sociedade civil, participação e cidadania
sofrem alterações de acordo com os deslocamentos de sentido sobre os
significados de política e de democracia, ou seja, alteram-se através das
disputas políticas. Subjacentemente à ampliação dos espaços públicos previstos
pela Constituição, apontados anteriormente, o projeto político democratizante
neoliberal ressignificou essas noções, atribuindo uma confluência perversa3
entre o projeto político democratizante e o projeto político neoliberal no Brasil.

As reflexões de Dagnino (2004) são importantes para analisarmos o


programa São Paulo Aberta. A proposta de Reforma do Estado de Bresser-
Pereira insere institucionalmente os movimentos sociais nas políticas públicas,
atribuindo à sociedade civil um reflexo específico entre a relação do Estado com
as ONGs.

[...] Com o crescente abandono de vínculos orgânicos com


os movimentos sociais que as caracterizava em períodos
anteriores, a autonomização política das ONG cria uma
situação peculiar onde essas organizações são
responsáveis perante as agências internacionais que as
financiam e o Estado que as contrata como prestadoras de
586

serviços, mas não perante a sociedade civil, da qual se


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intitulam representantes, nem tampouco perante os

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setores sociais cujos interesses são portadoras, ou perante


qualquer outra instância de caráter propriamente público.
Por mais bem intencionada que seja, sua atuação traduz
fundamentalmente os desejos de suas equipes diretivas
(DAGNINO, 2004, p. 101).

Concomitantemente à noção de sociedade civil, a noção de participação


também se ressignifica através de uma perspectiva privatista e individualista.
Essa perspectiva é despida de seu significado político e coletivo, e não promove
a politização da participação, pois, ao dispensar os espaços públicos e seu
potencial político e democratizante, se restringe à implementação e à execução
de políticas públicas, provendo serviços que antes era do Estado, mas não
necessariamente compartilhando o poder de decisão quanto à formulação de
políticas.

Suas reflexões contribuem para o reconhecimento da diversidade interna


do Estado e da sociedade civil, assim como suas relações. Portanto, a análise
do Programa São Paulo Aberta, assim como seu elo com a proposta de Governo
Aberto, pode apresentar outro caminho que não aquele compreendido pelo
projeto neoliberal.

A proposta de Governo Aberto parte da necessidade de mudança, seu


foco são os valores da administração pública e seu objetivo é “repensar
administração e governos, seus procedimento e seus dogmas” (CALDERÓN;
LORENZO, 2010, p. 14). O momento de intensas revoluções tecnológicas traz
um impacto direto nas formas de relação entre atores sociais, empresas e
administração pública, apresentando novos caminhos de comunicação, que vai
ao sentido oposto ao modelo tradicional, fechado e hierarquizado de tomada de
587

decisões.
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A discussão proposta por Noveck (2010) coloca que mesmo com a


possibilidade de participação mais ativa por parte do cidadão percebe-se, por
vezes, a falta de senso crítico, dificultando a tomada de decisão com parâmetros
qualificados, especialmente sobre temas políticos complexos. Por outro lado a
falta de espaços colaborativos e participativos dentro da administração pública
pode gerar falhas de comunicação entre cidadãos e instituições governamentais.
Por esses motivos a ideia de Governo Aberto se transforma em mecanismo
essencial de aperfeiçoamento da administração pública, afinando-a com as
necessidades da população. A intensa participação multilateral permite criar um
processo de decisão coletiva, onde o foco passa a ser o atendimento das
pluralidades de ideias e das demandas existentes em uma determinada região
(OLIVÉRIO, 2011, p.2).

Para Calderón e Lorenzo (2010), “a abertura do governo e da participação


cidadã são a sístole e a diástole do coração de um governo aberto”. A ideia de
criar um mecanismo colaborativo dentro da administração permite a circulação
de novas ideias e estratégias para resolução de problemas, de forma pontual às
necessidades e às demandas locais.

Para além da imposição de mecanismos de controle e publicidade, a


implementação da lei 101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, e a Lei
12.527/2011 - Lei de Acesso à Informação, permitem um amplo debate sobre a
necessidade e o modo de interação entre atores sociais e governo. O acordo
multinacional de elevar níveis de transparência governamental firmados em 2011
faz com que a discussão saia do campo teórico, e passe para ações concretas
no âmbito federal no Brasil, com implementação de canais de transparência e
comunicação com o Planalto, garantindo algumas mudanças em direção a um
governo aberto.
588

Em consonância com a nova legislação e considerando o decreto


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presidencial de 15 de setembro de 2011 que prevê a implementação do Plano

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Nacional sobre Governo Aberto, firmado em acordo com a Open Government


Partnership - OGP, a Prefeitura Municipal de São Paulo concebe um programa
municipal capaz de atender em sua integralidade os preceitos de Governo Aberto
e considerar a necessidade de articular e integrar as ações de transparência,
participação social, inovação tecnológica e integridade - diretrizes prioritárias de
Governo Aberto - para sua implementação no âmbito municipal.

Aproveitando a janela de oportunidade, conforme apontado por Kingdon


(1995) advinda do pacto firmado com a OGP e com esses ideais em mente, a
Iniciativa São Paulo Aberta surge no início da gestão Haddad, em 2013, como
resposta à demanda por transparência e participação digital. O Gabinete do
Prefeito tenta criar um programa similar à experiência do Rio Grande do Sul,
chamada ‘Gabinete Digital’ - um portal interativo do Governo do Estado onde a
população pode enviar perguntas, alertar sobre demandas, pedir
informações. As iniciativas presentes no portal – Governador Responde,
Governador Escuta, Agenda Colaborativa e Governador Pergunta – são
recursos que facilitam o acesso à informação pública, de forma interativa e
dinâmica no que concerne à comunicação, além de possibilitar a coleta da
opinião pública a ser utilizada durante a tomada de decisão política. A
experiência propicia uma democracia digital participativa, oferecendo subsídios
para o aprimoramento e o desenvolvimento das políticas públicas, e uma
estrutura política sensível à vontade e à opinião dos cidadãos.

Com base nisso, iniciam-se estudos sobre as experiências de open


government em outros países, assim como intensas conversas entre
Controladoria Geral da União, Secretaria Municipal de Gestão, Controladoria
Geral do Município - que possui forte atuação na prefeitura de São Paulo - e o
Open Government Partnership - OGP, instituição internacional fundada em 2011,
589

com intuito de fomentar a discussão e a implementação de open governments e


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o maior uso das Tecnologias de Informação e Comunicação - TIC’s em prol da

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participação além do voto e da capacidade dos cidadãos de opinar de forma


qualificada, para que o governo aberto seja implementado de forma ampla, como
estabelece sua definição.

Entre os dias 23 e 27 de outubro de 2013, a partir do Seminário “São Paulo


Aberta”, iniciaram-se os esforços do Governo Municipal para a criação da
iniciativa São Paulo Aberta. O primeiro desafio foi a articulação entre diferentes
órgãos públicos, que desenvolviam seus trabalhos isoladamente, sem a
integração necessária para efetivar um governo aberto. A exemplo do que foi
feito em âmbito federal, ao criar um ambiente institucional para sustentar as
ações de Governo Aberto, o município instituiu um Comitê Intersecretarial de
Governo Aberto (CIGA-SP), uma instância responsável pela promoção de todas
as ações da São Paulo Aberta.

No fim de 2013 a Iniciativa São Paulo Aberta, em estágio embrionário, é


alocada na Secretaria Municipal de Relações Internacionais e Federativas, onde
as conversas se intensificam. Então, em 28 de janeiro do ano seguinte, são
implementadas a São Paulo Aberta e o Comitê Intersecretarial de Governo
Aberto - CIGA-SP, ambos instituídos com o decreto nº 54.794/2014. Por
definição a São Paulo Aberta é uma iniciativa em prol promoção da
transparência, através do acesso às informações públicas e desenvolvimento da
comunicação entre poder executivo e sociedade civil.

Art. 1º Fica instituída no âmbito municipal a São Paulo


Aberta, iniciativa de governo aberto, que visa integrar e
articular as ações e políticas públicas voltadas para:

I - o aumento da transparência e acesso às informações


públicas;
590

II - o aprimoramento da participação social;


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III - o fomento à inovação tecnológica;


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IV - o fortalecimento da integridade pública, por meio da


prevenção e do combate à corrupção;

V - o aprimoramento da governança pública;

VI - a melhoria da prestação de serviços públicos e da


eficiência administrativa (Decreto nº 54.794/2014).

O CIGA-SP garante o modo de atuação do programa, fomenta e fortalece


as ações intersecretariais; faz a interlocução entre os âmbitos federal e estadual;
aprova e fortalece a implementação do plano de ação municipal sobre governo
aberto; dentre outras funções, como estabelecido nos artigos segundo, quarto e
quinto:

Art. 2º Para o pleno funcionamento da São Paulo Aberta,


fica instituído o Comitê Intersecretarial de Governo Aberto
da Cidade de São Paulo – CIGA-SP, com o objetivo de:

I - promover a articulação, inter e intragovernamental, de


ações de governo aberto;

II - integrar, no Município, as iniciativas federais, estaduais


e internacionais de governo aberto;

III - fortalecer as iniciativas de governo aberto em curso;

IV - difundir as ações de governo aberto do Município junto


à sociedade, União, Estados, demais Municípios e
organismos internacionais.

Art. 4º Compete ao CIGA-SP:

I - aprovar seu plano de trabalho;


591

II - aprovar o Plano de Ação Municipal sobre Governo


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Aberto;
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III - orientar a elaboração, implementação, monitoramento


e avaliação de ações de governo aberto;

IV – propor as ações prioritárias a serem implementadas;

V - identificar práticas nacionais e internacionais e ações


de pesquisa e desenvolvimento necessárias ao governo
aberto.

Art. 5º Fica instituído, no âmbito do CIGA-SP, Grupo


Executivo com o objetivo de:

I - elaborar plano de trabalho do Comitê;

II - elaborar o Plano de Ação Municipal sobre Governo


Aberto, garantindo mecanismos de participação e
transparência em sua construção;

III - gerenciar as ações de articulação e fortalecimento das


iniciativas de Governo Aberto (Decreto nº 54.794/2014).

Para garantir o alcance das metas propostas no decreto, a São Paulo


Aberta amplia o Portal da Transparência, em conjunto com a Controladoria Geral
do Município, e passa a divulgar informações sensíveis às mudanças da cidade
em seu próprio portal. Neste mesmo portal, uma plataforma de serviços é
oferecida para as demais secretarias divulgarem informações sobre o uso dos
recursos públicos e as principais mudanças ou ações. Também criou o ‘Gabinete
Aberto’, um canal de entrevistas com Secretários, líderes de organizações civis,
especialistas e com o próprio Prefeito, promovendo debate de assuntos
sensíveis da administração, permitindo a explanação dos idealizadores de
determinado programa. Outra importante mudança refere-se à velocidade da
592

comunicação direta com o munícipe que agora passa a ter canais de resposta
rápida a seus questionamentos, seja por twitter, facebook, o próprio site da São
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Paulo Aberta ou e-mail. Assim, suas demandas são ouvidas com prontidão e a
transformação do programa pode ser moldada conforme a necessidade
específica local. A lista de mudanças criadas por essa iniciativa é extensa: a
implementação ou a ampliação das TIC’s nos programas sociais da prefeitura; a
publicização dos programas, dos serviços e dos gastos públicos e; a educação
ou a reeducação dos servidores e de munícipes.

Para que a CIGA-SP pudesse escolher dentre as tantas demandas, quais


entrariam no plano de governo aberto, foram criados 19 critérios4, divididos em
cinco áreas, são eles:

Processos, instâncias e mecanismos participativos

1) Cria novas instâncias e/ou instrumentos de participação.

2) Tem regras e critérios objetivos, pré-definidos e


disponíveis pública e previamente para participação no
processo.

3) Torna pública as contribuições recebidas, resultados,


atos, e decisões participativas, contendo justificativa para
tomada de decisões ou para rejeição de propostas
apresentadas.

4) Tem dimensões territorializadas e descentralizadas


Portais, redes e soluções tecnológicas.

5) Disponibiliza informações e dados para download em


formato aberto.

6) É desenvolvida em software livre.


593

7) Ter o Código-fonte público, aberto e permanentemente


disponível para toda a sociedade.
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8) Usa licenças livres para os conteúdos disponibilizados


para acesso e reutilização.

Mecanismos de integridade e fortalecimento do Estado

9) Prevê mecanismos para recebimento de denúncias ou


outros instrumentos que permitam controle social da
gestão pública.

10) Tenha sido submetida a auditoria interna ou externa

11)Estabelece processos, acordos e instrumentos de


prestação de contas.

12) Cria mecanismos e procedimentos para prevenção de


comportamentos antiéticos.

Transparência ativa e passiva e linguagem cidadã

13) Disponibiliza informações e ações governamentais, em


diferentes meios, com agilidade e que possibilite amplo
acesso;

14) Utiliza linguagem cidadã (texto acessível e/ou formas


de visualização que simplifiquem as informações
disponibilizadas)

15) Prevê APIs de exportação de dados Gerais

16) Utiliza mecanismos ou estratégias para promover a


diversidade de atores envolvidos, que visem o acesso de
grupos sociais historicamente excluídos.
594

17) Prevê o uso de padrões de acessibilidade para pessoas


com deficiência
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18) Amplia o acesso ou promove inclusão digital e


tecnológica, por meio da formação e uso de novas
tecnologias da informação e comunicação

19) Promove a integração e transversalidade entre os eixos


de governo Aberto. (SÃO PAULO ABERTA, 2016).

A implementação desta iniciativa além de gerar enorme ganho social,


confere à Prefeitura Municipal de São Paulo status de pioneira em governo
aberto em âmbito municipal, e se torna objeto de estudo e modelo para diversas
outras experiências. Todavia, o pioneirismo vem com algumas dificuldades. A
iniciativa encontrou impasses, o primeiro deles refere-se à falta de pessoas
dentro da administração com experiência em políticas públicas de governo
aberto. Portanto, foi preciso capacitar os servidores municipais envolvidos. Além
disso, em função da falta de know-how, as metas do programa foram
implementadas aos poucos, sempre com atenta avaliação de cada etapa do
programa.

Um dos programas mais bem acolhidos hoje, e também o que encontrou


mais dificuldades, é o Agente de Governo Aberto, em que são aceitas propostas
de oficinas e cursos por parte de munícipes selecionados como agentes por meio
de edital. Seguindo a mesma dinâmica usada pela Secretaria Municipal de
Cultura, os agentes recebem auxilio mensal e têm ‘contrato’ com duração de seis
meses, são devidamente capacitados e a eles é oferecido um equipamento - um
local de trabalho adequado para que seja possível oferecer o curso de forma
completa, auditórios, salas ou laboratórios dos CEUS ou Fábrica de Cultura.

No começo, as oficinas foram oferecidas pela própria prefeitura e não


atraíram o público desejado, talvez por não terem estabelecido um público-alvo.
595

À vista disso, foram remodeladas para o formato atual, onde os agentes e as


parcerias com CEUs, Jovem SUS, Conselheiros Participativos, Casas de
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Cultura, Escola Municipal de Administração Pública – EMASP, dentre outros,


organizam-se em redes (CASTELLS, 1999a) já constituídas, facilitando a
comunicação e melhor clareza das demandas dos munícipes e dos servidores.
As oficinas continuam abertas para todos os públicos, mas o público-alvo
consiste em funcionários públicos, conselheiros municipais, líderes sociais e
jovens em situação de vulnerabilidade. Abordam diversos temas, buscando
mobilizar munícipes e instruí-los quanto à utilização dos instrumentos de
participação, a identificação com seu bairro e sua cidade e o entendimento de
seu papel enquanto ator social capaz de interagir com as instituições públicas.
Esse ano o programa “Agente de Governo Aberto” ofereceu 48 oficinas
diferentes, espalhadas pela cidade, buscando atender às regiões mais remotas,
saindo do eixo central da cidade e formou mais de 5.000 pessoas na cultura de
governo aberto.

A São Paulo Aberta, recebe reconhecimento internacional por parte da


OGP5, e de governos locais como prefeitura de Genebra, por ser pioneira na
implementação da agenda de governo aberto municipal. Ganharam destaque
como programas inovadores: o Laboratório de Inovação Tecnológica da
Prefeitura – LabProdam; o programa Gabinete Aberto; o programa Agentes de
Governo Aberto e; a disponibilização de consultas públicas por meio do Portal
São Paulo Aberta. Em 2016, a cidade de São Paulo é convidada a participar da
elaboração do 3º Plano Nacional de Governo Aberto, organizado pela
Controladoria Geral da União (CGU), garantindo visibilidade ao programa.

Cabe ressaltar, que apesar dos sucessos obtidos, um dos maiores


desafios da São Paulo Aberta é a sua consolidação enquanto política de estado,
através de sua institucionalização. Para evitar a descontinuidade do programa,
que já conta com orçamento próprio e reconhecimento internacional, em função
596

de mudanças na gestão e falta de vontade política para dar continuidade à


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inciativa, a estratégia dos evolvidos com a São Paulo Aberta é ratificar sua

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importância dentro da máquina administrativa em duas frentes: primeiro,


difundindo o programa entre a população, para que ela mesma reconheça a
necessidade da agenda de governo aberto municipal e lute por sua existência; e
segundo, regulamentando o programa, via projeto de lei ou decreto, para garantir
que os principais serviços sejam obrigatórios.

Em suma, a São Paulo Aberta é uma iniciativa da Prefeitura Municipal de


São Paulo que visa garantir um governo transparente, participativo, inovador e
íntegro. Através da capacitação dos servidores e da promoção da inovação
tecnológica, facilita e agiliza a comunicação entre diversos atores políticos. Essa
iniciativa oferece suporte para que os cidadãos contribuam com o processo
decisório de forma crítica e para o combate à corrupção. Essas ações fomentam
a democracia participativa, conforme colocado por Pateman (1992), em âmbito
local e corroboram com a constituição de uma cultura capaz de ressignificar a
sociedade civil, ligando-a a participação social e à constituição de espaços
públicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como apontado anteriormente, as iniciativas de diversos movimentos


sociais e organizações da sociedade civil demandam, cada vez mais, novas
formas de relacionamento entre cidadãos e a administração pública, que levem
em consideração a importância da participação social na tomada de decisões.
Discute-se, então, qual o papel da participação na democracia. O status quo do
modelo representativo atual, que convoca os cidadãos ao exercício de seu direito
de participação apenas para que elejam representantes, gera
descontentamentos em função da marginalização dos cidadãos durante o
597

processo decisório. A participação social facilita o crescimento da consciência


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crítica da população e fortalece seu poder de reivindicação e de controle dos


governantes. Neste sentido, ela qualifica a representação.

O combate à marginalização reflete diretamente na conquista da presença


ativa e decisória nos processos de produção, distribuição, consumo, vida política
e criação cultural – na relativa autonomia do cidadão em relação aos poderes do
Estado e das classes dominantes (Bordenave, 1983, p. 18). Deste modo, a
iniciativa da São Paulo Aberta caminha no sentido da superação da
marginalidade quanto ao processo de tomada de decisão. Embora não a
contemple em sua totalidade, uma vez que o cerne de suas atividades encontra-
se na participação social digital. Revela-se também como um importante passo
para a promoção da igualdade de direitos e, por que não dizer, de liberdades.
Facilitar a comunicação com o Estado amplia a possibilidade do exercício pleno
da participação a um número muito maior de indivíduos. Não é que a capacidade
de interferência nas decisões políticas será equalizada, mas, ao menos, alguns
fatores potencializadores destas disparidades serão mitigados, como a falta de
informações e o número restrito de canais de comunicação com o poder público,
por exemplo.

Além disso, conforme apontado Bordenave (1983), uma simples


enumeração das contribuições poderia levar à concepção da participação como
um conceito puramente instrumental, apoiando-se somente quanto aos seus
resultados utilitários.

“Ocorre que a participação não é somente um instrumento


para a solução de problemas, mas, sobretudo, uma
necessidade fundamental do ser humano [...]” (Bordenave,
1983, 16).
598

A estrutura do programa Agente de Governo Aberto propõe participação


ativa na tomada de decisão da São Paulo Aberta, uma vez que o cidadão não
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INICIATIVA SÃO PAULO ABERTA

apenas "é parte" da política pública, mas também "toma parte" dela ao propor os
temas das oficinas e ao explicitar suas demandas. A participação envolve
também a interação com os demais homens, a autoexpressão e o
desenvolvimento do pensamento reflexivo.

Programas e políticas públicas de participação social, geralmente,


enfrentam diversos entraves, como os discutidos por Kliksberg (1999) em seu
artigo: o eficientismo curto-prazista; reducionismo economicista; o predomínio da
cultura organizacional formal; a tendência à manipulação da comunidade e; a
manutenção do poder.

O eficientismo curto-prazista se refere ao questionamento em termos de


custos e tempos, alegando que a participação gerará custo e alargará prazos,
todavia, não se atém à questão da sustentabilidade da ação e aos ganhos a
longo prazo. O reducionismo economicista parte de categorias de análise
puramente econômicas, muitos aspectos da participação comunitária não
entram nesse quadro, como a elevação da autoestima, a responsabilidade
coletiva, a visão partilhada, valores de solidariedade, coesão social, clima de
confiança e grau de organização. A cultura organizacional formal busca somente
a eficiência a partir da hierarquia, o mando, processos formalmente regulados e
uma ordem, que ao invés de meio, transforma-se em um fim em si – produz-se
uma translação de valor dos fins para as rotinas e esta está acima do
substantivo. A subestima dos pobres parte da concepção desvalorizada da
capacidade das comunidades pobres ao crer que são incapazes de se integrar
aos processos de projeto, gestão, controle e avaliação devido à debilidade
educativa formal e uma percepção restrita de cultura – que os leva a enxergar
as lideranças como primitivas e com tradições atrasadas. Nesse caso, a ideia de
“capital social” rompe com estes mitos sobre as comunidades pobres que,
599

embora possam carecer de recursos econômicos, sempre possui capital social:


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valores partilhados, cultura, tradições, saber acumulado, redes de solidariedade,

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expectativas de comportamento recíproco. Há também as reiteradas tentativas


de apoderar a participação para fins de determinados grupos, como o caso do
clientelismo, numa tendência à manipulação da comunidade. Outro entrave está
na manutenção do poder, pois há resistência em abrir mão do controle sobre os
detalhes de implementação, a falta de incentivos para uma orientação
comunitária e a falta de interesse em desenvolvê-la. Participação é concessão
de poder ao povo no lugar de uma autoridade em particular, a ideia é partilhar o
poder, caso não haja interesse nessa ordem, diversos entraves para a efetiva
participação são colocados (Kliksberg, 1999).

Segundo conversa com Gustavo Vidigal, Coordenador da São Paulo


Aberta e do CIGA/SP, uma estratégia fundamental para a implementação da
agenda municipal de governo aberto foi estabelecer ações de curto, médio e
longo prazo. Tomou-se este cuidado para que todos os envolvidos com o
programa, funcionários e cidadãos, não se sentissem desmotivados com a
demora de resultados mais concretos. Deste modo, os objetivos de médio e
longo prazo se tornaram mais próximos, mais reais aos olhos de todos os
enredados ao programa.

É preciso que a iniciativas como São Paulo Aberta busquem sempre


atividades sustentáveis ao longo do tempo e não somente aquelas com
resultados a curto-prazo e reconheçam que a participação está além das
categorias economicamente analisadas, considerando a importância da
elevação da autoestima, da responsabilidade coletiva, da visão partilhada e de
valores de solidariedade com o intuito da coesão social. Além disso, é
fundamental que procurem realizar suas atividades por todas as regiões do
município, centrais e periféricas, compreendendo que o capital social está
presente em todos os cidadãos, independentemente de sua classe social e,
600

assim, redistribuindo poder de participação na tomada de decisão principalmente


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àqueles que menos o têm. Ações como estas aumentam o grau de controle da

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administração pública por parte dos cidadãos e vão além da publicização de


atividades, integrando os cidadãos na elaboração de políticas públicas,
incluindo-os na discussão de conteúdo e aumentando a importância dos temas
pelos quais o cidadão tem voz ao participar (BORDENAVE, 1983, p. 33). Os
temas das oficinas realizadas pelo programa Agente de Governo Aberto foram
propostos pela própria população, demandando aquilo que consideraram ser
temas importantes à proposta de Governo Aberto e compartilhando seus
conhecimentos com os outros cidadãos. Os cursos e oficinas oferecidos entre
março e abril de 2016, por exemplo, tiveram temas como mapeamento
colaborativo, tecnologia aberta, pesquisa análise e apresentação de dados
abertos, programação aplicada ao governo aberto, entre outros, em todas as
sub-regiões do município.

É fundamental assumir o Governo Aberto como uma evolução do sistema


democrático e por meio de seus valores de transparência, participação e
colaboração, estabelecer mecanismos de participação dos cidadãos que
consigam ir além do direito ao sufrágio. Trata-se de repensar o modelo baseado
exclusivamente na democracia representativa e propor outro de democracia
participativa a partir da conversação e da abertura de dados, aproveitando as
novas possibilidades de comunicação proporcionadas pelas Tecnologias da
Informação e das Comunicações (TIC) para distribuir poder e fomentar a
formação de agendas públicas mais democratizantes.

Segundo Calderón (2012), a transparência não cria somente uma barreira


contra a corrupção e os abusos de poder, mas refere-se ao direito de todo
cidadão em receber informação sobre o que fazem os governos e como são
direcionados seus gastos. Se todos os dados produzidos pela administração
pública são dados públicos, então a preocupação em como fornecê-los é
601

fundamental nesta discussão. Entra em questão o novo paradigma dos Dados


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Abertos, que consiste

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“em situar todos aqueles dados públicos que não afetem os


direitos fundamentais em posição de serem reutilizados
pela cidadania, organizações sociais e empresas de tal
forma que sejam capazes de gerar transparência nas
administrações e incluir riquezas e postos de trabalho no
incipiente setor infomediário” (CALDERÓN, 2012, p. 27,
tradução nossa).

Nessa perspectiva, os governos não são o princípio nem o final do


caminho, mas o meio para estabelecer colaborações com os cidadãos na
consecução de mais e melhores serviços. O cidadão deve estar presente em
todo o processo político, desde a eleição dos representantes mediante seu voto
até, posteriormente, o exercício de tarefas de controle da gestão durante o
mandato – redistribuindo poder.

Diante da percepção sobre a importância da participação social em prol


da melhoria dos serviços públicos prestados, da redistribuição de poder e da
consolidação do cidadão como objetivo central da administração pública, a São
Paulo Aberta destaca-se como uma política pública democratizante, por meio da
criação de novos canais de diálogo, da divulgação de dados abertos e do
emprego de tecnologias de informação para criação de novas formas de
comunicação com a população a São Paulo Aberta. Ela oferece apoio
substancial para que a sociedade civil exerça seu protagonismo no
estabelecimento de uma agenda pública mais qualificada e alinhada com as
reais demandas sociais em âmbito municipal.

NOTAS FINAIS
602

1 Foram realizadas conversas mais aprofundadas com Gustavo Vidigal,


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Secretário Adjunto e coordenador do programa; Laila Bellix, primeira gestora do

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programa; Mariana Rocha, atual gestora; Fernanda Lima, responsável por


escrever as memórias do programa.

2 Ato de apresentar em publico as movimentações financeiras de determinado


setor ou órgão. De acordo com a Constituição Federal de 1988, paragrafo único,
Art. 70- “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores
públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma
obrigações de natureza pecuniária”.

3 “Por perversa, me refiro aqui a um fenômeno cujas consequências contratariam


sua aparência, cujos efeitos não são imediatamente evidentes e se revelam
distintos do que se poderia esperar [...]” (Dagnino, 2004, p. 96).

4 Critérios4 para governo aberto, divulgados no site institucional da São Paulo


Aberta: http ://saopauloaberta.prefeitura.sp.gov.br/index.php
/iniciativas/criterios-para-um-governo-aberto/

5 Para mais informações:


http://saopauloaberta.prefeitura.sp.gov.br/index.php/noticia/prefeitura-de-sao-
paulo-leva-a-experiencia-de-governo-aberto-na-cupula-global-da-ogp/
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm>. Acesso em
Página

30/04/2016
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A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ESTUDO DE CASO DA
INICIATIVA SÃO PAULO ABERTA

CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. A OGP: o que é a inciativa?. Disponível


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<http://saopauloaberta.prefeitura.sp.gov.br/index.php/institucional/>. Acesso
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GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

A RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA DIGITAL E


POLÍTICAS PÚBLICAS: ANÁLISE DO MUNICÍPIO DE
CANOAS E SUA INICIATIVA DE PARTICIPAÇÃO
CIDADÃ

JORGE UBIRAJARA DA LUZ DOS SANTOS

Bacharel em Administração pela UNIPAMPA;


Mestrando em Políticas Públicas pela UFRGS; E-
mail: jorgedossantos0@gmail.com
MARIA IZABEL SARAIVA NOLL
Doutorado em Ciência Política pela Ecole des
Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris;
607

Professora associada da UFRGS no


Departamento de Ciência Política.
Página

E-mail: minoll@terra.com.br
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RESUMO

A presente pesquisa se baseia numa perspectiva que dá ênfase para a correção,


suplementação e participação dos cidadãos junto ao Estado, verificando assim,
a complementação de déficits democráticos por meio da democracia digital.
Desse modo, busca levantar hipóteses sobre a formação de uma política pública
de participação cidadã caracterizada como uma iniciativa de democracia digital
no município de Canoas (RS), denominada Ágora em Rede, amparado em dados
oriundos da própria plataforma no site. A parte central do estudo é trazer um
aparato teórico passível de aplicação junto ao município de Canoas para explicar
a relação entre a democracia digital e as políticas públicas. O artigo busca trazer
autores que enfatizam os ganhos democráticos com a utilização das TICs para
democracia, e se atém a Kingdon (2003), - multiple streams model – como
modelo hipotético para explicação da formação da iniciativa.

ABSTRACT

This research is based on a perspective that emphasizes the correction,


supplementation and participation of citizens in the State, analyzing, therefore,
how digital democracy acts towards the democratic deficit. Thereby, we explore
some hypothesis about the formation of a public policy of citizen participation, the
Ágora em Rede, a digital democracy initiative in the municipality of Canoas (RS),
in which we can collect its data and test its efficacy. The core of this study is the
usage of the multiple stream model of Kingdon (2003) to explain the relation
between digital democracy and public policy in this city. The paper presents
authors who advocate for democratic gains with the use of TICs and attempts to
explain the formation of the initiative Ágora em Rede.
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INTRODUÇÃO

A temática da Democracia Digital se apresenta como um objeto de estudo


junto à academia e a sociedade, em razão da eclosão em grande parte de novas
tecnologias de informação e comunicação (TICs). A consolidação de pesquisas
no ambiente global pode ser considerada recente, se compararmos a outras
áreas de interesse da democracia e como está se relaciona com a comunicação
e informação no geral, bem como, se relacionarmos a estudos sobre a Internet,
meio pelo qual a Democracia Digital se consolida, no aspecto teórico e prático.

O assunto que será abordado neste artigo se caracteriza pelo emprego


das tecnologias de informação e comunicação para reforçar, corrigir, enfatizar
(...) aspectos práticos e políticos dos cidadãos e do Estado por meio da Internet.
A conceituação desse emprego é a Democracia Digital. Para embasar e tornar
o estudo exequível será necessário compreender e absorver uma iniciativa de
democracia digital, amparado um marco teórico, composto de teorias sobre:
Democracia, Democracia Digital e Accountability; e no final buscar uma possível
relação entre a democracia digital e as políticas públicas, trazendo hipóteses por
meio de análise genérica a respeito de uma iniciativa de democracia digital.

Como Gomes (2011) indica a democracia digital, objetivamente, é o


emprego das ferramentas e dispositivos proporcionados pela internet e pela
tecnologia da informação, visando maior democratização, controle social, e
participação dos cidadãos, bem como reforço, e melhoria do caráter democrático
do Estado, de outro modo, pode-se considerar que a democracia digital perpassa
por todas as fases do ciclo das políticas públicas. O autor ainda aponta pra uma
hipótese de que governos passem a investir mais em democracia digital;
Marques (2006) identifica que a democracia digital é importante para a formação
609

de opinião e deliberação de demanda dos cidadãos junto ao governo, e Rothberg


(2010) complementa que a democracia digital atua como suporte a formulação
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de políticas públicas.
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Dentro dessa perspectiva, e identificado que a democracia digital tem


características voltadas para a transparência, controle e participação dos
cidadãos junto ao Estado, perspectiva, o estudo procurou apontar um município
que se aproprie das ferramentas de iniciativa de democracia digital para
promover maior participação dos cidadãos junto ao centro do debate
governamental, tentando assim, buscar a relação entre o caso empírico com a
teoria, buscando encontrar hipóteses para utilização da democracia digital junto
as políticas públicas.

Sendo assim, verificando em casos empíricos, foi identificado que no


município de Canoas (RS), o executivo disponibiliza uma iniciativa de
democracia digital com ênfase na busca das demandas cidadãs para o governo.
A plataforma de participação é denominada Ágora em Rede e busca levar as
demandas dos cidadãos para o centro dos debates no município. Com base
nisso, o estudo tem um levantamento teórico inicial, de autores que abordam a
temática e estudos que apresentam relação entre o Estado e a sociedade por
meio da democracia digital, procurando levantar hipóteses que fundamentem
resultados empíricos. Ou seja, o paper aqui exposto se preocupa na
caracterização de hipóteses sobre a relação entre a Ágora em Rede e as
políticas públicas.

Para introduzir a temática, se optou por iniciar a base teórica com estudos
voltados para a democracia, para contemplar como se dá esse processo na
sociedade e a construção do conceito, trazendo uma reflexão sobre os
primórdios da democracia até ambientes atuais, em que a comunicação e
informação passam a obter aspectos democráticos que promovem novos
métodos de relacionamento entre os indivíduos, chegando então, até o conceito
de Democracia Digital. Logo, a pesquisa aborda conceitos de accountability que
610

servem como arcabouço teórico analítico, e por fim traz análises da relação das
Página

políticas públicas com a democracia digital, para buscar promover hipóteses a


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respeito dessa relação. Ou seja, na parte final, a pesquisa busca levantar


hipóteses que posicionem o caminho para o reflexo da participação dos cidadãos
por meio da democracia digital com ênfase nas políticas públicas.

REGIMES DEMOCRÁTICOS MODERNOS – DAHL E A POLIARQUIA

Tomam-se como referência teórica para compreender o estudo sobre o


campo da democracia digital os estudos de Gomes, bem como outros autores.
No entanto, para compreensão teórica sobre a democracia junto à democracia
digital, a base é a orientação designada pelos estudos do autor, em princípio, e
como fundamento para a compreensão do quão necessário é a democracia para
tal campo, Gomes (2007, p.9) indica que “há um número consideravelmente
grande de modelos de democracia e de ênfases democráticas adotadas no
mercado contemporâneo de ideias políticas, convém sempre se perguntar, ante
a caracterização da democracia digital, “que democracia?”, “para quem?”, “com
que propósito?”.

Nessa linha, assumindo, assim, como verdade pelo campo teórico, que a
democracia digital não é um novo tipo democrático, mas sim experiências e
iniciativas pró-democracia, aliada a internet e a tecnologia de informação para
reforço em governos democráticos. Compreendendo também, que para a
instrumentalização e teorização da democracia digital é necessária uma lente
teórica que identifique a forma que a democracia vai assumir1. Tem-se por
ideologia de estudos voltados a democracia, a concepção abordada no Livro de
Dahl (1997) denominado Poliarquia: Participação e Oposição, um regime
democratizado aberto à contestação pública.
611

Compreendendo, como afirma Dahl (1977), em uma sociedade onde os


interesses são complexos e pluralistas é necessário que existam mecanismos
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capazes de permitir que a seleção de prioridades governamentais, ou a entrada


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de temas para a agenda seja estabelecida de modo participativo e inclusivo.


Logo, do ponto de vista teórico da democracia digital, buscando verificar o pano
de fundo democrático que está por traz desse conceito, permite-se afirmar que
a Poliarquia de Dahl se aproxima conceitualmente com o que a democracia
digital assume como teoria. A democracia digital pretende como meio
democrático reforçar, suplementar ou simplesmente complementar os
mecanismos característicos democracia, proporcionando assim a possibilidade
de mais mecanismos capazes de permitir a participação dos cidadãos.

Ainda a fim de compreender a democracia, para o objeto de estudo da


pesquisa, o conceito aqui considerado segue a concepção apresentada por
Norberto Bobbio (2004, p. 22): “(...) por regime democrático entende-se
primariamente um conjunto de regras de procedimento para a formação de
decisões coletivas, em que está prevista e facilitada à participação mais ampla
possível dos interessados”. Visto que o modelo de democracia sustentado no
Brasil, é um modelo representativo, no qual periodicamente através do voto,
elegemos aqueles que consideramos mais capacitados para comporem as
instituições políticas: poderes legislativos e executivos.

Partindo da ideia de regime democrático de Bobbio, o qual se assemelha


ao objeto de estudo da pesquisa, que são os municípios e como estes estão
organizados institucionalmente pela democracia, cabe caracterizar o ponto
chave para a sequência da pesquisa, por meio da teoria Dahlsiana, com ênfase
na Poliarquia, trazendo a ideia de que a democracia seria a espécie de um ideal
não alcançado, enquanto a Poliarquia seriam as democracias existentes.

Dahl, conceitualmente, mesmo tendo proximidades teóricas com os


pensamentos de Schumpeter (1961), visto que, os dois identificam que a
612

democracia contemporânea foge do caráter de vontade geral do povo, como se


dá na ênfase da teoria clássica da democracia, traz na sua concepção teórica
Página

uma ideia pluralista que vai além da teoria elitista apresentada por Schumpeter,
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dessa forma é pertinente indicar que Dahl começa onde Schumpeter parou,
reafirmando que existe competição, mas entanto é crítico da teoria das elites,
indicando que na democracia moderna, não existe somente uma elite dominante,
mas que as minorias também exercem influência de alguma forma sobre
questões que são de seu interesse. Dahl admite que existam elites de poder,
contudo considera a existência de diversas elites concorrentes, e que nenhum
desses centros pode ser soberano.

Partindo da ideia de Dahl (1997), para a significação da democracia como


plano de fundo da democracia digital desejada como análise aqui, é pertinente
compreender por meio do pluralismo enfatizado por Dahl que as democracias
contemporâneas são formadas por várias minorias, e que todas as minorias
podem exercer influência de alguma forma nas questões que lhes são
pertinentes. Os valores dos processos democráticos estão mais associados nas
características da poliarquia, em que muitas minorias disputam o poder, a
participação política é ampla, e que de certa forma o caráter aqui considerado é
a amplitude de organizações, muitos grupos, muitos partidos, muita opção
política para se exercer influência sobre a tomada de decisões, além de que, um
dos requisitos necessários para a caracterização da Poliarquia ou democracia
política é a informação alternativa.

Ou seja, a compreensão dada como pano de fundo da democracia digital


para análise dos municípios é a concepção de Poliarquia:

As poliarquias podem ser pensadas então como regimes


relativamente (mas incompletamente) democratizados, ou,
em outros termos, as poliarquias são regimes que foram
substancialmente popularizados e liberalizados, isto é,
613

fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação


pública (DAHL, 1997, p.31).
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CANOAS E SUA INICIATIVA DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ

A ideia de inclusão e contestação pública apresentadas na concepção da


Poliarquia corresponde ao que se pretende analisar por meio da democracia
digital, compreendendo que uma característica fortemente associada ao
conceito da e-democracia é a inclusão e a possibilidade de contestação. Para
que exista essa possibilidade Dahl (2001) já ressaltava a necessidade de que as
informações estejam disponíveis para as pessoas, oportunizando assim, uma
compreensão esclarecida dos fatos e deliberações dos governos.

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DEMOCRACIA DIGITAL

As transformações globais no que é relacionado à tecnologia, sobretudo


as tecnologias de informação e comunicação (TICs) – desde mídias tradicionais
até as novas mídias – remetem a um processo que teve início durante a segunda
guerra, que começaram a tomar forma nos anos 60, com efeitos significativos
nos anos 90 e que vivem em constante estruturação e reestruturação nos dias
atuais (CASTELLS, 1999; 2003; 2005).

Nessa mesma linha teórica, é possível verificar que o advento das TICs,
beneficiada em sentido amplo pela propulsão da Internet em grande escala
comercial - fato que proporcionou o acesso por grande parte da população -, fez
com que a caracterização das mídias ganhasse uma nova identidade, para além
das mídias tradicionais. O papel conferido às pessoas por meio da Internet
representa a ampliação das interações e dos relacionamentos, expandindo
esferas culturais e fronteiras geográficas, partindo para um processo
desterritorialização, no qual a cultura contemporânea do digital, das redes de
relacionamento, do estar online, estar hiperconectado de forma multimodal com
múltiplas combinações, favorece as ações do estar em vários lugares ao mesmo
614

tempo, emitir várias opiniões em lugares distintos, em qualquer hora


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independente do fuso horário, pois a Internet cria um grande território sem limites
geográficos, de muitos para muitos (TUBELLA, 2005; LEMOS E LÉVY, 2010).

Essa constante transformação e evolução dos mecanismos que


permeiam as TICs, mormente, a Internet, trazem diferentes análises e
conclusões sobre suas características, e reporta insights teóricos e empíricos de
grandes magnitudes, como a sociedade em rede, e a inferência de que as TICs
trazem consigo um paradigma, o paradigma da revolução tecnológica2,
comparada analogicamente – o autor sugere essa comparação devido à
importância - com a revolução industrial. Visto que, assim como a revolução
industrial teve inovações que transformaram significativamente a economia,
política, e outras áreas, Castells (1999) defende que a revolução da tecnologia
também teve suas inovações que deram origem para tal revolução, começando
pelo primeiro transistor em 1947, o microprocessador em 1971 e o
microcomputador em 1975, tais invenções deram estrutura para se chegar a
tecnologia utilizada por nós nos dias atuais (CASTELLS, 1999; 2005).

Embora, formas de organização social em redes tenham se constituído ao


longo tempo, tanto no quotidiano, como teoricamente em conceitos, considera-
se aqui, o fato das TICs e sua progressão no tempo e espaço. A sociedade em
rede enfatizada tem características delineadas pelo paradigma estrutural da
tecnologia, com ênfase na Internet, visto que o modelo proposto é percebido
devido sua transformação concentrada na informação em ritmo cada vez mais
acelerado. De modo peculiar, abdicando conceitualmente do modelo amplo da
sociedade em rede, a mesma tem significado para pesquisa, pois permite
apresentar uma nova forma de relação entre economia, Estado e sociedade, fato
este, que alimenta conceitualmente o tipo de relação que se busca encontrar na
pesquisa. Relação entre sociedade e Estado por meio da Internet (CASTELLS,
615

1999, 2005).
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Em particular, da literatura de Lévy (1999), para a pesquisa, ponto


importante e que será relevante para a relação teórico-empírica dos dados, é
ilustrado pela conceituação da cibercultura, visto que a mesma se caracteriza
pelo conjunto de técnicas, ferramentas, atitudes, modos de pensar, valores que
estão imersos na relação social e cultural com as novas tecnologias, ou seja, é
pertinente inferir que a relação sociedade/Estado foi e vem sendo modificada
pelos traços da cibercultura, nessa lógica, o conceito se coloca, assim como o
conceito de sociedade em rede - vide Castells – como uma categoria analítica
que permite buscar a descrição dos dados coletados por meio da Internet.

Nessa mesma linha, ainda como teoria que irá contribuir para atingir a
proposta desta pesquisa, Lévy (1999, 2001, 2007), indica que a relação desse
neologismo cultural propiciado pelas tecnologias, é chamada de ciberespaço, e
tem proximidade com o conceito de redes, no entanto, suscita da comunicação
mediada pela interconexão digital e as informações que esse ambiente propicia,
ou seja, além das TICs3 e das informações que circulam dentro dela, fazem parte
do ciberespaço, os seres humanos que navegam e utilizam esses meios. O
ciberespaço é orientado por três princípios: a interconexão, comunidades virtuais
e inteligência coletiva; logo, a lógica do conceito, orienta a visão para buscar
hipóteses sobre o objeto.

As ideias de Castells e Lévy, por abordarem a tecnologia, tem em si um


caráter transcorrido, que se reinventa com o decorrer dos anos. Os autores
conseguem fazer com que seus pensamentos, permaneçam atuais, mesmo que
sejam relacionados à Internet, e esta tenha um efeito de mutação intrínseco. Os
autores contribuem para a análise dos estudos voltados a Internet com muitos
conceitos e obras, e de certa forma suas obras conversam e convergem para um
mesmo caminho, Lévy traz a tona os conceitos de Cibercutultura (2000);
616

Inteligência Coletiva e Ciberespaço (2000), Ciberdemocracia (2003, 2010);


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Castells contribui com a ideia da Sociedade em Rede (1996, 1999, 2005).


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Os conceitos trazidos por Castells e Lévy ajudam a compreender e situar


campo, que fazem da tecnologia, das TICs, uma trajetória teórica interlaçada
pelo campo político – não só o político -, que aproximam, e utilizam o meio digital
para pensar “e repensar” questões voltadas para o Estado, democracia, e para
o desenvolvimento de uma tendência interconectada entre territórios,
computadores, meios de comunicação, documentos, pessoas, grupos e
instituições (LEMOS e LÉVY, 2010). Interconectada, porque as Tics possibilitam,
-ênfase na possibilidade -, um fenômeno que diminui as hierarquias, deixando
governos mais abertos ao diálogo, transparência e Accountability, como destaca
Lévy (2003), ela atravessa as fronteiras geográficas e institucionais, no qual os
seres humanos munidos de tecnologia podem explorar alternativas para criar
relações, comunicar, informar, e se abastecer de conhecimento.

Até agora a literatura exposta nessa pesquisa, buscou dar ênfase na


transformação estrutural causada pelas TICs, por meio de conceitos, visando
situar a análise em um campo próximo ao terreno político, visto que, todos os
autores e concepções apresentadas pensam e abordam essa questão. A partir
de agora, a ênfase se dá na caracterização da democracia digital e como está
se posiciona como marco teórico para a análise da pesquisa. Cabe salientar,
portanto, que as TICs não dão forma à mudança, nem fazem com que a
sociedade mude, elas possibilitam transformações, como Castells (2005, p. 17)
indica “Nós sabemos que a tecnologia não determina a sociedade: é a
sociedade. A sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com as
necessidades, valores e interesses das pessoas que utilizam as tecnologias”.

Dentro dessa abstração enfatizada pelo autor, considera-se o lócus dessa


pesquisa, a democracia digital. Sabendo e tendo então como premissa, que a
tecnologia por si só não promove a mudança, a sociedade é que da forma e
617

propaga os atributos advindos do território digital. Como enfatiza Gomes (2007)


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é necessário que governos e cidadãos possuam desejo, aspiração para se


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situarem no meio digital, mesmo que as ferramentas estejam disponíveis para


tal procedimento democrático, nenhuma sociedade se torna mais participativa,
transparente, inclusiva, sem que haja vontade para isso. A tecnologia por si só
não da conta dos anseios políticos ambivalentes, entre o ser e ativo politicamente
e ter margem para ser ativo.

Para termo de entendimento, Lévy (2003) indica que a ciberdemocracia


consiste por meio do ciberespaço em oferecer ferramentas que propiciem a
expressão e reivindicação dos problemas dos cidadãos organizados ou não,
bem como, assimilar as Tics para a transparência das políticas públicas e sua
avaliação pelos cidadãos. A definição do conceito também é apresentada por
Gomes (2011, p. 27):

Entendo por democracia digital qualquer forma de emprego


de dispositivos (computadores, celulares, smart phones,
palmtops, ipads...), aplicativos (programas) e ferramentas
(fóruns, sites, redes sociais, medias sociais...) de
tecnologias digitais de comunicação para suplementar,
reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais
do Estado e dos cidadãos, em benefício do teor
democrático da comunidade política.

Cabe compreender também que ligado a ideia de democracia digital, faz-


se necessário apresentar as diversas nomenclaturas que os autores usam na
sua denominação, Abreu (2009) afirma que dado à amplitude que envolve a
democracia digital, a mesma pode ser conceituada por diversos termos, além de
democracia digital, como web democracia, e-democracia, ciberdemocracia,
democracia virtual, teledemocracia, democracia eletrônica, entre outros.
618

Para compreender a relevância desse tema para academia no Brasil, é


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pertinente ressaltar a existência de um Centro de Estudos Avançados em

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Democracia Digital, que de forma mais ampla pesquisa e promove estudos com
ênfase na Internet e na Democracia. Com Sede na Universidade Federal da
Bahia (UFBA), e contando com a presença de pesquisadores de diversas
universidades, como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cientistas
da comunicação social e cientistas políticos concentram seus esforços para
buscar qualificar o debate no Brasil e assim propiciar uma análise ampla que
tenha impacto no horizonte que envolve a academia, o meio público e o mercado
de trabalho.

Com uma análise ampla sobre o tema se evidenciou uma contribuição


teórica conceitual sobre a democracia digital proveniente de estudos de Gomes4
no Brasil, autor base para as etapas seguintes da caracterização do conceito.
De modo peculiar, a tentativa de promoção do debate nesta dissertação, traz a
teoria democrática de Dahl (2001), o qual define que democracia é o tipo ideal,
modelo pelo qual de forma responsiva o Estado consegue desenvolver a
sociedade com ênfase no cidadão, mas indica que o termo Poliarquia é a
democracia existente, ou seja, os regimes democráticos reais, com todos seus
problemas e avanços. Buscando justificar a temática da pesquisa, é que surgem
esses dois autores, evidenciando por qual meio teórico essa pesquisa será
caracterizada. Fazendo assim uma analogia com tipos de democracia reais –
Poliarquia -, e alimentado de estudos consolidados sobre democracia digital.

ACCOUNTABILITY E TRANSPARÊNCIA PELA INTERNET

Como premissa de pesquisa, devido ao campo teórico analisado e a


revisão bibliográfica, acredita-se que dentro da análise estrutural dos municípios,
conceitos de accountability e transparência estejam presentes no município,
619

enfatizando assim, o terceiro grau de democracia digital. Nessa lógica se faz


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pertinente compreender a caracterização destes conceitos, para ser um aporte


na busca da análise empírica.

Buscando a compreensão do termo accountability, Pinho e Sacramento


(2009) partem do pressuposto de que o termo não pode ser traduzido para
português com apenas uma palavra, visto que muitos autores trazem diferentes
traduções. Ainda que os termos mostrem semelhança, não existe uma
concordância perfeita para seu significado. Nesse sentido, em seus estudos aos
autores recorreram aos dicionários de origem inglesa, tais como Oxford,
Merriam-Webster’s, Roget’s thesaurus, Michaelis Dicionário, dentre outros, para
obter a conceituação do termo, obtendo de acordo com as fontes consultadas, a
falta de uma única palavra que defina accountability, no entanto, conseguiram
associar o termo a responsabilidade, obrigação e transparência dos atos e
práticas dos indivíduos e/ou órgãos que tenham relação com a sociedade.

Aprofundando o estudo sobre a conceituação do termo accountability – na


literatura mais antiga -, Campos (1990) indica que o termo está diretamente
relacionado à política e administração, e surge mais precisamente com a
burocratização da gestão pública. A autora indica que a capacidade de controlar
o Estado é uma característica do termo accountability, e por isso a relação entre
política e administração, pois quanto mais consciente o governo e o cidadão, o
elo entre os mesmos aumentará. O governo passa a se tornar responsável por
suas atividades e o cidadão passa a se tornar responsável pela transparência
dessa responsabilidade. O controle democrático aumenta com a administração
burocrática, no entanto o controle efetivo é consequência de uma cidadania
organizada, em que o cidadão deixa de ser consumidor das atividades do
governo e passa a ser um cidadão ativo, cobrando, participando e determinando
o comportamento dos Estados, passando assim a estabelecer o accountability.
620

A precisão de um modelo que indique os passos para o sucesso da


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accountability é de suma relevância, no entanto é pertinente adequar a


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accountability com a realidade e as peculiaridades de cada país, órgão, região,


dentre outros. A relação de proximidade entre governo e sociedade se dá devido
à cultura de cada região, onde no Brasil é caracterizado pela democracia
representativa, o qual os eleitores escolhem por votação - em eleição - pessoas
que irão representar suas demandas através de projetos em diferentes níveis de
decisão. O pressuposto das eleições é que os representantes sigam a risca
aquilo que foi prometido, no entanto para tal são necessários mais do que
eleições, mas sim meios que aproximem a sociedade do governo, garantindo
uma forma de exercer a cidadania para além das votações (Campos, 1990;
Akutsu e Pinho, 2002; Meade E Gershberg, 2006).

Em seu estudo, Meade e Gershberg (2006) consideram que existem


dimensões da accountability, que envolve um tripé de pessoas responsáveis por
sua aplicação, como a peça de um triângulo que liga cada responsável a outra.
Os autores indicam que esse triângulo interliga direta e indiretamente a
sociedade, que envolve os cidadãos responsáveis pela criação da informação e
das demandas e necessidades; os gestores públicos e agentes executivos,
responsáveis pela busca de informações e criação de iniciativas e projetos frente
a situações evidenciadas através das problemáticas sociais; e o Estado,
responsável pela definição dos objetivos estratégicos que vão ser
implementados para a resolução dos problemas.

Os autores fazem relação a um triângulo, indicando que essa relação deve


ser de reciprocidade, pois assim como os cidadãos devem ser responsáveis pela
criação da demanda, a sociedade deve também atuar conjuntamente aos
agentes e ao Estado, buscando controlar e se aproximar das políticas
implementadas, bem como os agentes devem estar cientes que as iniciativas e
os projetos estejam de acordo com as reais necessidades da população. Logo o
621

Estado além de dar o funcionamento das políticas públicas deve criar meios e
Página

mecanismos para que a sociedade possa estar atuando juntamente, como


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prestações de contas, fóruns, orçamentos participativos, conselhos, dentre


outros (Meade e Gershberg, 2006).

É pertinente ressaltar “que a ideia contida na palavra accountability traz


implicitamente a responsabilização pessoal pelos atos praticados e
explicitamente a exigente prontidão para a prestação de contas, seja no âmbito
público ou no privado” (Pinho e Sacramento, 2009, p. 1347), no entanto para a
pesquisa, será levada em consideração o âmbito público, visto que o artigo se
trata de uma investigação referente a instituições públicas, se apoiado em uma
conceituação a qual a accountability é um conceito mais amplo, que inclui
mecanismos e condições para que os cidadãos possam participar e conhecer as
instituições públicas, bem como interferir e opinar nas políticas públicas, para tal,
é necessário que se criem meios de explicitação de conteúdo e busca de
aproximação entre a gestão e sociedade (PÓ e ABRUCIO, 2006).

O termo accountability remete a uma gama abrangente: transparência,


ética e controle social, nessa lógica o conceito ganha pra si o próprio conceito
de transparência. Na literatura Fox (2015) ainda faz a distinção de accountability
para social accountability, indicando que mesmo próximos o social accountability
promove a melhora da performance institucional por meio do empoderamento
dos cidadãos.

Percorrendo um pouco mais ao passado, visto que a dissertação recorre


ao termo Poliarquia para definir países democráticos com contestação pública,
O’Donnel (1998) faz referência a Accountability Horizontal em novas Poliarquias,
retratando que a partir da Accountability Vertical5 se assegura que países são
democráticos, visto que os cidadãos podem escolher quem vai governá-lo, bem
como, expressar livremente suas opiniões e reivindicações, mas que apesar
622

disso também existe e faz-se necessário compreender a Accountability


Horizontal para Poliarquias, que exige a existência de agências estatais que tem
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o direito e o poder legal para supervisão da rotina diária até o impedimento do


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mandato dos eleitos, quando estes promovam delitos que infringem com a
constituição, ou seja o Accountability Horizontal deve ter agências estatais
dispostas e autorizadas a controlar, supervisionar e sancionar atividades
irregulares e ilícitas de agentes públicos.

Dentro dessa percepção, as duas partes da accountability podem e


devem trabalhar em conjunto para que exista efetividade para além das eleições,
no qual a concepção Vertical, em que os atores e também os diversos meios de
mídia colaboram para produzir opinião pública sobre atividades ilícitas; e a
concepção Horizontal, em que agências estatais autorizadas corrigem e
sancionam os entes públicos; e nesse meio as duas se complementam, os
cidadãos e atores controlando e emitindo opinião pública e redes de agências
exercendo sanções, tudo dentro das possibilidades que Accountability da
Poliarquia fornece. Fazendo um elo com o objeto, a Ágora em Rede pode ser
um ente parte da Accountability Vertical que proporciona meios e ferramentas de
controle e opinião pública para chegar a Accountability Horizontal quando
necessário.

A POSSÍVEL RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA DIGITAL E POLÍTICAS


PÚBLICAS E HIPÓTESES ACERCA DO OBJETO

Com a finalidade aproximativa entre as duas áreas para a pesquisa aqui


proposta, cabe indicar de acordo com a Organisation for Economic Cooperation
and Development (OECD, 2003), que a mesma tem apontado para as TICs, e
em por maior a Internet, a incidência da possibilidade de proporcionar aos
cidadãos ferramentas relacionadas a transparência e accountability junto as
políticas públicas, bem como propiciar ao cidadão meios de deliberação online,
623

como consultas públicas, para que os mesmos possam de alguma forma exercer
Página

influência na tomada de decisão para a agenda política.

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Nessa linha teórica, consultando a literatura sobre políticas públicas, é


pertinente ressaltar que na teoria do ciclo das políticas públicas, Secchi (2013)
apresenta os atores no processo de política pública, indicando que os mesmos
são aqueles que têm capacidade de influenciar, direta ou indiretamente o
conteúdo ou resultado das políticas. Os atores nesse processo atuam nas
diversas partes do ciclo das políticas públicas. O autor propõe uma forma de
categorizar os atores políticos, mostrada logo abaixo.

Figura 1: Categoria de atores

Políticos
Designados politicamente
Atores governamentais
Burocratas
Juízes

Grupos de interesse
Partidos políticos
Meios de comunicação
Atores não Destinatários das políticas públicas
Organizações do terceiro setor
Outros stakeholders: fornecedores,
organismos internacionais, comunidades
epistêmicas, financiadores, especialistas
Fonte: Secchi (2013)
624

Com base na literatura de Secchi (2013), é possível verificar que todos os


atores, governamentais e não governamentais têm relação com a temática da
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democracia digital, os quais podem, e devem aparecer na análise da


caracterização da plataforma Ágora em rede. É pertinente salientar que os atores
importantes que utilizam os meios de comunicação podem vir a criar consenso
em torno de questões importantes sobre as políticas públicas, assim como
grupos de interesse sobre questões da agenda política. De certa forma todos os
atores elencados na categorização de Secchi (2013) têm ligação com o conceito
de democracia digital, mas para a análise específica dessa pesquisa priorizam-
se os destinatários de políticas públicas, ou seja, os cidadãos, como estes
participam do processo, e quais dispositivos o executivo está proporcionando
para que eles possam se utilizar da participação, transparência, accountability.

Para verificar como se caracterizou a formação da iniciativa de


democracia digital, Ágora em Rede, no município de Canoas, a lente teórica
utilizada como modelo se atém ao conceito de Kingdon (2003), o qual indica que
o processo de caracterização da entrada de temas para agenda, é motivada, em
dado momento ao ponto chamar atenção dos governos e pessoas ligadas a ele
para que ganhe espaço nas decisões governamentais. Nesse caso, verificar
como a Ágora em Rede se inseriu na pauta governamental e como ocorreu sua
implementação. Cabe salientar que o modelo de múltiplos fluxos (multiple
streams model) de Kingdon (2003) tem sua preocupação voltada para dois
pontos em específicos do ciclo das políticas públicas, a formação de agenda e o
estágio inicial de formulação de políticas públicas, sendo assim, a historicidade
da Ágora em Rede, os atores que participaram e como ocorreu será desenhado
a partir do modelo de Kingdon.

Para Kingdon as questões transformam-se em problemas ao chamar a


atenção de participantes de um processo decisório, no caso da Ágora em Rede,
compreender como questão começou a ser percebida como um problema e
625

passou a fazer parte do problems streams, quem eram os atores e como


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participaram faz parte do primeiro fluxo, que depende de três, e esses três devem
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estar em concordância. De outra forma, a entrada de um tema para a pauta


governamental depende de três fluxos, o fluxo de problemas, de soluções ou
alternativas e o fluxo político; e o acesso de determinado tema para a pauta,
depende da convergência desses três fluxos, ou seja, os problemas devem ser
reconhecidos como problemas pelos agentes políticos, as alternativas devem
estar disponíveis para atender ao problema e o fluxo político deve estar
favorável, momento chamado de Janela de Oportunidades. Compreendendo
como ocorreu o processo de implementação da Ágora em Rede, é possível
verificar no tempo quem foram os atores participantes e quando ocorreu a
convergência dos fluxos para a janela de oportunidades.

Além de compreender a entrada do Ágora em Rede para a pauta


governamental do município de Canoas, com a compreensão do caso, o
pesquisador acredita que será possível ainda verificar que tipo de política é a
iniciativa de democracia digital, baseado no conceito de Lowi (2009), o qual
indica que as policies determinam as politics, ou seja, as políticas públicas
determinam as políticas, argumenta que nessa perspectiva se originam
diferentes arenas, atores e contextos para negociação e formulação das
políticas. O autor traz a ideia de que as políticas tem uma taxonomia:
distributivas, redistributivas, regulatórias e constitutivas.

Por meio dessas teorias e modelos relacionados a políticas públicas


apresentados no parágrafo anterior e analisando o objeto de estudo de forma
genérica, por meio da Internet é que o pesquisador busca apontar hipóteses para
a explicação da iniciativa de democracia digital e como essa interage com a
sociedade. No entanto, é necessário trazer estudos que enfocam casos e
ferramentas sobre a democracia digital e a participação dos cidadãos junto as
políticas públicas para reforçar a parte hipotética do estudo.
626

O conceito chave que orienta a análise dessa pesquisa, - democracia


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digital - pode ser encontrado na literatura por meio de muitos estudos que têm
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enfoque na revisão da literatura, buscando as contribuições e os caminhos deste


para a acadêmica e o meio empírico. Rover (2006) analisa a sociedade por meio
das tecnologias digitais, buscando insights teóricos que evidenciem a
necessidade de democracia digital, pois como o autor mesmo enfatiza a
construção deste conceito deve ser encarado para além de uma possibilidade; o
estudo de Sampaio (2010) faz uma prospecção da literatura que envolve Internet
e Política, já Ferreira (2010) faz uma análise da democracia digital e a
contribuição do pensamento de Heidegger, indicando de maneira filosófica que
as TICs e o Ciberespaço precisam ser devidamente ocupados para processos
políticos, culturais e sociais; e Palacios (2001) apresenta uma relação teórica
entre a democracia digital e a cidadania por meio das políticas, constatando
problemas e desafios dessa relação, trazendo algumas iniciativas na internet que
alimentam a ideia que a mesma se assemelha a um espaço igualitário de
cidadania.

A teoria da democracia digital aparece em pesquisas que enfatizam o


protagonismo do jovem, como em: Mohedo e Bújez (2011); Rodríguez (2011);
Gil (2012). Os artigos têm proximidades metodológicas, trazem fatos e
argumentos retirados de redes sociais virtuais, por meio de documentos, bem
como, se assemelham tematicamente, enfatizando a influências das Tics na vida
dos jovens, visto que os mesmos são os maiores consumidores do ciberespaço.
O artigo de Rodríguez (2011), ainda aponta o protagonismo dos jovens por meio
de um caso de revolução originada pelo ambiente digital, denominada os 15-M
na Espanha.

Além de estudos voltados para revisão da literatura, como busca de


hipóteses teóricas e insights, estudos que mais tem sido abordada a temática da
democracia digital trabalham com o método de estudo de caso, como Possamai
627

(2011), que faz uma análise por meio de três casos empíricos: As consultas
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públicas online do governo federal, o Gabinete digital do Estado do Rio Grande


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do Sul e Orçamento participativo digital; Sampaio (2008) que faz uma análise
do Orçamento Participativo digital da Bahia; SANTOS et AL (2015) faz um
diagnóstico do Gabinete digital do Estado do Rio Grande do Sul; e Marques
(2008) apresenta uma análise aprofundada da democracia digital no Estado
brasileiro, examinando as diferentes dimensões que cercam o oferecimento de
oportunidades de participação política.

Também estudos que remontam a desenhos institucionais para


informática pública, temática relacionada a democracia digital, trazido por Cepik,
Eklund e Eisenberg (2002), os quais comparam quatro órgãos municipais que
tem iniciativas que abordam demandas por meio da Internet, mostrando que
muitas vezes a insuficiência entre o atendimento e a demanda governo/público
é devido aos recursos humanos que não são qualificados; outra p entre governo
e cidadão. Outra pesquisa que remete ao meio de desenho institucional é a de
Silva (2005) que verifica entre os 24 maiores municípios brasileiros o grau de
utilização da Internet no serviço público com base nos graus de participação
democrática de Gomes (2005).

Os estudos de Marques e Sampaio merecem destaque, devido aos


mesmos apresentarem, além da aplicação da teoria em casos empíricos, busca
de insights teóricos que contribuam para o desenvolvimento da democracia
digital, os pesquisadores também trazem pesquisas sobre a temática a respeito
de um enfoque teórico com estudos de caso, revisão da literatura e enfoques
conceituais em Sampaio (2009; 2010; 2011; 2012; 2013); e Marques (2006;
2007; 2008; 2009; 2010).

São estudos recorrentes também que inundam a literatura sobre


democracia digital, assuntos que envolvem políticas públicas (ROTHBERG,
628

2010); transparência (AMORIM, 2011, 2014); Participação (BRAGATTO, 2006);


governo eletrônico (EGLER, 2008), inclusão (FERREIRA e ROCHA, 2009),
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redes sociais virtuais (SILVA e CARREIRO); e neles é possível encontrar como


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objetos de estudos, legislativo, executivo (OLIVEIRA e ROSSETO, 2011), e


iniciativas provenientes da sociedade e dos órgãos públicos (BRAGATO,
SAMPAIO e NICOLÁS, 2015), como o estudo de Rosseto e Carreiro (2012) que
fez um levantamento das iniciativas de democracia digital no Brasil, apontando
para 31 sites que revelam de alguma forma promoção desse conceito.

HIPÓTESES EXPLICATIVAS A RESPEITO DO CAMPO A SER


APROFUNDADO

Após uma longa análise da teoria e da literatura que aborda democracia


digital, foram levantados no capítulo anterior alguns insights que podem
promover a relação da democracia digital com as políticas públicas, enfatizando
respostas para o município de Canoas e sua plataforma de participação cidadã.
Até agora pouco foi mostrado sobre o município de Canoas, no entanto a ênfase
aqui é trazer um marco teórico e estudos que tragam conceitos relacionados às
temáticas digitais para o benefício dos cidadãos. O artigo se baseia na
caracterização conceitual e na busca de uma possível relação entre a
democracia digital e modelos de políticas públicas.

Cabe trazer dados iniciais sobre o município que relacionado com a teoria
formaram o rumo para a formação das hipóteses. Em visita aos sites oficiais dos
municípios do Rio Grande do Sul, buscando mapear as iniciativas de democracia
digital específicas para a participação cidadã, pode-se perceber que o município
de Canoas é o único que mantém uma plataforma vinculada ao executivo
objetivando a participação dos cidadãos na gestão pública, o que Gomes (2005)
coloca em um terceiro grau de democracia digital, devido suas ferramentas.
629

Dentro dessa análise, foi possível verificar que a formação da Ágora em


Rede se deu com o governo do Partido dos Trabalhadores no município de
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Canoas, na gestão do então mandatário Jairo Jorge. Já conta com mais de 50


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edições e iniciou em 2011, ainda como Ágora Virtual, e foi remodelada para
Ágora em Rede em 2014, no qual Temas como educação, segurança, obras e
saúde eram constantemente colocados em debate nos fóruns de discussão,
visando angariar dados para as políticas públicas do município. Para o gestor
municipal a iniciativa é uma ferramenta para estimular o cidadão a participar e
construir alternativas em conjunto com o poder público.

A inclusão da iniciativa começou ainda antes, se analisar seu processo de


formação, empreendedores políticos identificaram uma crise de
representatividade dentro do município de Canoas, que fez com que em 2009
esse fluxo de problemas convergisse com a viabilidade técnica de um governo
mais disposto a participação dos cidadãos na coisa pública, logo, a atual
administração municipal iniciou a implantação de um projeto inovador de gestão,
orientado pela transparência, participação e a inclusão social. O sistema de
Participação Popular e Cidadã é um conjunto de projetos que contribuem para
uma gestão mais descentralizada, sistêmica e democrática, aproximando as
relações entre o poder público e a sociedade civil, dentro disso, se abriu uma
oportunidade para a implantação da Ágora em Rede.

Cabe indicar, que no Rio Grande do Sul, a grande maioria dos municípios
mantém site ativo, no entanto, os sites se resumem a Informação histórica,
notícias, legislação e portal da transparência, resultando em gradação de
primeiro e segundo grau. Alguns municípios têm ferramentas que se destacam
na composição do seu site, como Arroio do Sal com ferramenta de Iluminação
Online, no qual os cidadãos podem pedir ajustes na iluminação pela Internet;
Balneário Pinhal, que permite a visualização de câmeras em pontos da cidade;
Alegrete e Bagé, que possuem a Prefeitura Online, para verificar licitações e
emitir certidões; Arroio dos Ratos, que possui o Cidadão Web com o mesmo
630

propósito das cidades de Alegrete e Bagé; e Barão de Cotegipe, com um serviço


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de informação ao cidadão, no qual o mesmo pode, por meio de formulário,


solicitar, denunciar, sugerir ou criticar alguma coisa do município.

No entanto, buscando indicar a relação próxima entre a democracia digital


e as políticas públicas pelo meio empírico, foram identificados dados sobre a
gestão municipal por meio da Internet, verificando, de acordo com a pesquisa de
Informações básicas municipais do IBGE - MUNIC (2014), que, de 497
municípios do Rio Grande do Sul, 474 municípios possuem página na Internet
ativa, ou seja, site oficial ativo; e 470 mantém atendimento ao público de alguma
forma por meio da Internet. É possível salientar ainda, que os números dos
municípios que mantém alguma forma de atendimento ao público pela Internet
são maiores que os municípios possuem atendimento por telefone, que chega a
466.

Reconhece-se aqui que os dados trazidos dizem pouco sobre a iniciativa,


no entanto servem para uma análise inicial, são fundamentos hipotéticos a
respeito do campo, visto que esse estudo é a parte teórica da dissertação de
mestrado do pesquisador e requer logo em estudo a ser realizado a validade das
hipóteses levantadas, ou seja, são hipóteses levantadas por meio da análise
teórica junto a uma análise genérica de informações sobre o município de
Canoas e Ágora em Rede, que serão aprofundadas mais a frente.

Dentro dessa perspectiva e buscando nos estudos respostas para como


ocorre e para que servem as iniciativas de democracia digital junto as políticas
públicas, o pesquisador levanta algumas hipóteses que podem responder sobre
a formação da iniciativa de democracia digital em Canoas, têm-se como
pressuposto teórico, o reconhecimento da importância da Internet e das
tecnologias de informação e comunicação para relação: Estado x Sociedade
631

(OECD, 2002).
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• Os fluxos do modelo de Kingdom (2003) convergem na medida em


que o Partido dos Trabalhadores entram no poder em Canoas (RS), fazendo com
que o fluxo político seja favorável a implementação de uma iniciativa de
participação dos cidadãos para angariar opiniões dos cidadãos.

• Lowi (2009) indica que as policies determinas as politics, dentro do


panorama do caso a ser estudado, acredita-se que a Ágora em Rede é uma
consolidação de uma série de mudanças em diversas políticas públicas que já
vinham acontecendo, ou seja, por meio das políticas públicas efetivadas
anteriormente, a Ágora serve como base para efetivar políticas com maior
reconhecimento dos cidadãos. O Ágora em Rede serve como base para
consolidar políticas que já seriam mesmo assim efetivadas.

• A participação dos cidadãos junto a iniciativa de democracia digital


Ágora em Rede não garante que os mesmos tenham resolvidas suas demandas
nem que suas contribuições sejam utilizadas na formação de agenda de políticas
públicas.

• A iniciativa de democracia digital Ágora em Rede atua em maior


amplitude como uma plataforma de publicidade governamental do que
efetivação de políticas públicas angariadas com a participação dos cidadãos.

• A iniciativa Ágora em Rede é um complemento que tem como


objetivo principal a aproximação do governo / sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os processos de articulação entre governo e sociedade por meio de


632

ferramentas digitais propagam a necessidade e curiosidade de estudos voltados


para seu reflexo nas políticas públicas, considerando o arcabouço teórico
Página

apresentado, é possível verificar que autores seminais da área da sociologia


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apontam para tal necessidade e indicam que as TICs podem promover


possibilidades democráticas de participação cidadã, dentro desse processo,
trazer teorias que dialoguem e se relacionem buscando apontar caminhos para
a relação entre democracia digital e políticas públicas é um processo extenso e
complexo, que requer tanto um esforço teórico quanto empírico.

Na análise apresentada pode-se inferir que tanto autores como Castells e


Levy, como Gomes em suas obras sobre as TICS e a democracia digital, falam
sobre características voltadas ao ciclo de políticas públicas e apresentam
diálogos que a todo o momento mencionam aspectos da agenda política e como
os cidadãos podem contribuir com ela por meio de ferramentas digitais. Por meio
da teoria apresentada, sobre democracia, democracia digital e accountability,
aliado a uma análise superficial sobre o município de Canoas e a Ágora em Rede
pode-se traçar hipóteses a respeito da configuração dessa plataformas e como
estas dialogam com as políticas públicas, inferindo que autores como Kingdom
e o modelo de múltiplos fluxos podem predizer como estas iniciativas entram pra
gestão municipal. Ou seja, de modo peculiar é possível indicar que as iniciativas
se colocam como oportunidade em meio a crises sancionadas pela falta de
representatividade política, em que os empreendedores buscam por meio de
ferramentas digitais se aproximar dos cidadãos.

Considerando a limitação empírica sobre o estudo, é possível inferir que


esse estudo se trata de uma pesquisa teórica com possíveis hipóteses sobre as
iniciativas digitais e sua relação com as políticas públicas. O caso merece ser
aprofundado, buscando verificar se Kingdom é um modelo explicativo para a
iniciativa de democracia digital para o município de Canoas e a Ágora em Rede,
estudo este que já vem sendo trabalhado, na perspectiva de validar ou não as
hipóteses. Logo, sugere-se estudos que se amparem em modelos explicativos
633

sobre a as políticas públicas como Sabatier e Jenkins Smith (1999), bem como
Página

Baumgartner e Jones (2009) que enfatiza as imagens na formulação das ideias,


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podendo assim ser uma possibilidade de explicar a entrada de iniciativas de


democracia digital na agenda política.

Considerando o aparato teórico buscado para levantar hipóteses a


respeito da formação de uma iniciativa de democracia digital, pode-se indicar
que a relevância da pesquisa enfoca diretamente na questão sociedade/Estado,
pois, sabendo que os governos devem agir de forma transparente devido a Lei
de Acesso à informações públicas, 2011 (Lei n° 12.527), e relacionando a
transparência como um ponto importante para o controle das políticas públicas,
as hipóteses apontadas pretendem suscitar respostas que busquem colaborar
com a lacuna entre a lente teórica da democracia digital e o controle dos
cidadãos, presumindo que com estudos futuros, compreendendo qual o reflexo
da participação cidadã por meio da democracia digital sobre as políticas públicas
municipais, pode-se então (a) trazer insights que possibilitem novas ferramentas
e arranjos institucionais para outras práticas de democracia digital, avançando
assim na explicação do motivo pelo qual, além da Lei 12.527, se pratica a
governança pelo meio digital; (b) dar continuidade na análise da democracia
digital na academia (c) fomentar à participação democrática dos cidadãos no
negócio público; e (d) fortalecer os estudos sobre a área visando enfatizar
instrumentos de democracia digital como suporte à políticas públicas.

NOTAS

1 Em Democracia Digital: que democracia? (2007). Wilson Gomes discorre sobre


o campo teórico da democracia digital, apontando e delimitando conceitos que a
permeiam, bem como, caracteriza o plano de fundo que é a democracia para a
democracia digital, indicando que a mesma deve ser assumida por modelos que
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historicamente têm ênfase na disputa da teoria democrática.


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2A revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e informação,


mas a aplicação desses conhecimentos e informação para geração de
conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da
informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu
uso (CASTESLLS, 1999, p.69).

3 Como a pesquisa a faz referência as TIC s- tecnologias de informação e


comunicação, faz-se pertinente indicar que o termo trata de um conjunto de
ferramentas que permite a comunicação e a informação, não só o meio material
físico, como tablets, computadores, celulares, mas também, Internet, Wifi, jogos
eletrônicos, dentre outros (Lévy, 2010).

4 Wilson Gomes é professor titular da Universidade Federal da Bahia e concentra


seus estudos nos problemas e perspectivas da democracia digital, tendo estudos
relevantes para a conceituação e metodologia do tema, nas duas ultimas
décadas.

5 A condição de Accountability Vertical existe em países com eleições


razoavelmente livres e justas, no qual o cidadão pode punir ou premiar uma
autoridade eleita votando nele ou não. O canal principal do Accountability Vertical
são as eleições, no entanto para O’Donnel (1998) não está claro o quanto as
eleições são efetivas quanto a questões de efetividade, justificando uma de suas
razões para o estudo sobre Accountability Horizontal.
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PÚBLICAS: ANÁLISE DO MUNICÍPIO DE CANOAS E SUA
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INICIATIVA DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
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A RELAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA DIGITAL E POLÍTICAS


JORGE UBIRAJARA DA LUZ DOS SANTOS E MARIA
PÚBLICAS: ANÁLISE DO MUNICÍPIO DE CANOAS E SUA
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INICIATIVA DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
JOÃO BATISTA MAMEDIO
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE
DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA


DE FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS
POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA DO
MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-REDEMOCRATIZAÇÃO
DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM
PLANO NACIONAL DE CULTURA

JOÃO BATISTA MAMEDIO

Licenciatura em História pela UNIFRAN,


Mestrando no Programa de Pós-graduação em
646

Planejamento e Análise de Políticas Públicas


pela FCHS–UNESP – Franca. E-mail:
Página

joomamedio@yahoo.com.br

AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE


FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
JOÃO BATISTA MAMEDIO
DE FRANCA PÓS-REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS
DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL
DE CULTURA
JOÃO BATISTA MAMEDIO
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE
DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

RESUMO

O presente trabalho apresenta uma análise parcial das Políticas Públicas de


fomento à cultura no município de Franca /SP. A justificativa é de que a Pesquisa
encontra-se em andamento e por esse motivo comporta algumas lacunas que
só serão respondidas mais adiante. E para responder as nossas indagações, a
pesquisa se debruçará na análise de documentos oficiais como leis, decretos
que versam sobre a política cultural produzida por gestores locais. Pretendemos
então inferir qual política é essa, desde a proposta até a viabilização da mesma.
Na complementariedade da pesquisa iremos lançar mão de entrevistas com
gestores e com os agentes culturais, a fim de conhecer melhor o conceito de
cultura que trabalham. Os documentos e as entrevistas receberão um tratamento
critico ou do método crítico-dialético, uma vez que prioriza os discursos dos
sujeitos e nele as nossas respostas. Busca-se inferir também quais as políticas
culturais, suas abrangências e as dificuldades em mantê-las.

ABSTRACT

This paper presents a partial analysis of public policies to promote culture in the
city of Franca / SP. The justification is that the search is in progress and therefore
carries some gaps that will only be answered later. And to answer our questions,
647

research will address the analysis of official documents such as laws, decrees
that deal with cultural policy produced by local managers. We intend to then infer
Página

what policy is that, from the proposal to the viability of the same. In
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE
FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
JOÃO BATISTA MAMEDIO
DE FRANCA PÓS-REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS
DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL
DE CULTURA
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AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE
DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

complementary research will draw on interviews with managers and cultural


operators in order to better understand the concept of working culture.
Documents and interviews will receive a critical or critical-dialectical treatment
method since it prioritizes the speeches of the subjects and him our answers.
Search infer also what cultural policies, their scopes and difficulties in keeping
them - in using discontinuities.
648
Página

AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE


FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
JOÃO BATISTA MAMEDIO
DE FRANCA PÓS-REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS
DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL
DE CULTURA
JOÃO BATISTA MAMEDIO
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE
DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma análise parcial das
Politicas públicas de fomento à cultura no município de Franca. Dito isto,
justificamos que a pesquisa encontra-se em andamento e deve apresentar
resultados destas políticas com algumas lacunas, mas que, aos poucos se
aproxima do ideal dos objetivos propostos no projeto já em execução. Tal
projeção comporta a análise de documentos oficiais, leis e editais do poder
público local, que versam sobre as ações destinadas ao incentivo da produção
cultural na cidade. A pesquisa visa também inferir a partir dos documentos
analisados com qual o conceito de cultura os gestores municipais trabalham ao
propor ações para esse campo. Portanto paralelamente às pesquisas oficiais,
introduz-se uma aproximação com gestores e agentes culturais na tentativa de
inferir quais são as Políticas públicas do município para a cultura; se elas
existem, com quem dialogam ou articulam-se. Assim sendo, teremos de um lado
documentos que receberiam a análise de conteúdo e outro o teor da fala dos
atores envolvidos no processo de elaboração e implementação de tais politicas,
bem como daqueles que se configuram como sendo a parte mais interessada:
os atores socioculturais. A análise propriamente dita de todo o material coletado
farar-se-á de maneira crítica ou do método critico-dialético, já que prioriza o
discurso dos sujeitos e nele nossas respostas. Buscaremos basicamente
vislumbrar quais são as politicas públicas culturais, suas abrangências ou
inclusive das dificuldades de mantê-las, recorrendo em descontinuidades.

Antes, porém faz-se necessário vir, a saber, o que se define por “políticas
649

públicas” (Public Policies) e a análise da política propriamente dita (Policy


Página

Analysi).

AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE


FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
JOÃO BATISTA MAMEDIO
DE FRANCA PÓS-REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS
DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL
DE CULTURA
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AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE
DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

O campo de estudos de politicas públicas como área de conhecimento


surge nos Estados Unidos tendo como seus pais fundadores H. Lawell, H.
Simon, Lindblom e D. Easton. Cada um desses pensadores ao inaugurar e
sistematizar o campo da disciplina e a análise de politica pública deram suas
contribuições. Mesmo ao adentrar o século XXI, continuam sendo referência aos
novos pesquisadores que vão se dedicar ao estudo daquilo que os governos, já
fazem ou deixam de fazer ou se preferir quem ganha o quê, e quem perde o quê.
(SOUZA, 2006, p. 24)

Mas então o que seria a política pública ou a análise da politica publica?

Segundo Souza (2009, p.24)

Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que


seja política pública. Mead (1995) a define como um campo
dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de
grandes questões públicas e Lynn (1980), como um
conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos
específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política
pública é a soma das atividades dos governos, que agem
diretamente ou através de delegação, e que influenciam a
vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de
política pública como “o que o governo escolhe fazer ou
não fazer”. 3 A definição mais conhecida continua sendo a
de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política
650

pública implicam responder às seguintes questões: quem


ganha o quê, por quê e que diferença faz.
Página

AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE


FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
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DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

Outra autora que trabalha com as noções de políticas públicas a partir da


sistematização colocada por Dye (1984) e Laswell, afirma que,

[...] Políticas públicas não devem ser entendidas apenas


como o que o Estado faz (sua dimensão mais facilmente
percebida), mas também como aquilo que ele deixa de
fazer. Suas ações – ou inações – refletiriam os
comportamentos dos atores que nele atuam (SERAFIM,
2012, p.124)

As questões relacionadas à agenda são também essenciais para a


percepção da Politica pública, já que é nesta fase que se pode perceber o jogo
de interesses de diferentes atores ao mesmo tempo em que se constata o que
entra e o que fica fora da agenda. (SERAFIM, 2012.p.125)

Quanto à análise de política pública propriamente dita, Serafim faz uma


distinção do que seja o papel desempenhado tanto pelo avaliador quanto pelo
analista. Ao primeiro a preocupação seria com os resultados desta ou daquela
politica instituída, bem como, inferir sua eficácia, efetividade etc. que compara
metas com resultados- (CAVALCANTI, 2005, SERAFIM, 2012). Já ao segundo,
a preocupação é “[...] com o processo de construção da politica pública, em
especial no que se refere à definição da agenda. {...} enfatiza aspectos como
valores e os interesses dos atores que participam do jogo politico...”.

Quanto aos aspectos relacionados apenas no campo da análise de


Política, a autora segue sugerindo que;
651

Uma definição bastante plausível para a Análise de Política


Página

é aquela proposta por Dye (1984), um dos trabalhos


AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE
FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
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DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

fundamentais do campo. De acordo com a visão do autor,


a Análise de Política seria um conjunto de estudos que
teriam como principal preocupação entender o que os
governos fazem, porque fazem e que diferença isso faz.
Contudo, a principal contribuição dos estudos
desenvolvidos no âmbito do campo da Análise de Política
talvez seja ainda uma outra: a compreensão de “como os
governos fazem” ou, em outras palavras, como se
desdobram os processos políticos que conformam as
políticas públicas e, por extensão, o próprio Estado. Assim,
a Análise de Política constitui, simultaneamente, um
enfoque “da política” e “para a política” (GORDON; LEWIS;
YOUNG, 1977; PARSONS, 2007) (SERAFIM, 2012, p.217)

No entanto existem várias definições da vertente de quem analisa ou de


qual “lupa” cada analista parte. Seguindo a perspectiva conceitual da Análise de
Política temos:

[...], Dagnino et al. (2002) afirmam que o campo de Análise


de Política se refere tanto à atividade acadêmica visando,
basicamente, à melhoria do entendimento do processo
político, quanto à atividade aplicada voltada à solução de
problemas sociais. Assim, a Análise de Política é, ao
mesmo tempo, descritiva e prescritiva. Sua preocupação
é ―tanto com o planejamento governamental (policy)
652

quanto como com a política (politics)‖ (DAGNINO et al.,


Página

2002, p. 163, SERAFIM, 2012, p. )

AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE


FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
JOÃO BATISTA MAMEDIO
DE FRANCA PÓS-REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS
DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL
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DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

Dentro desse campo de Análise de Politica Pública há outras definições


em que o analista elege qual a “lupa” melhor lhe convém. Assim é possível
também não ficar imune às preferências de caráter ideológico, ainda que a
existência do método indique para o distanciamento daquilo que se deseja
apreciar.

Ao abordar o tema Políticas Públicas detecta algumas mudanças


significativas na análise da relação-Estado e sociedade, o que quer dizer que o
olhar do pesquisador já comporta o foco para outras dimensões da “relação” que
pode ser assim descrita como “a tendência que se afasta da orientação inicial
para aproximar-se de uma abordagem cognitiva, onde as politicas (publics) são
entendidas como o ‘Estado em Ação’, conforme Muller e Surel (2004, p11)”
(JARDIM, 2009, p.9-10)

[...] a ação do Estado pode ser considerada como o lugar


privilegiado em que as sociedades modernas, enquanto
sociedades complexas, vão colocar o problema crucial de
sua relação com o mundo através da construção de
paradigmas ou de referenciais, sendo que este conjunto de
matrizes cognitivas e normativas intelectuais determina, ao
mesmo tempo, os instrumentos graças aos quais as
sociedades agem sobre elas mesmas e os espaços de
sentido no interior da quais os grupos sociais vão interagir.
(Muller e Surel, 2004, p. 11, JARDIM, 2009, p. 10)
653

O autor também reconhece que o tema politica publica que opera


conceitualmente muitas acepções e por isso mesmo polissêmico. Segundo
Página

Jardim, as acepções do termo inglês para politica pública se definem assim:


AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE
FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
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DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

[...] polity, para a esfera da política e para diferenciar o


mundo da politica do da sociedade civi2; politics, como
atividade politica na disputa por cargos políticos, o debate
partidário e etc.; policies, para a ação publica, ou seja, os
processos que elaboram e implementam programas e
projetos públicos (MULLER;SUREL,2004, p.13)

Outras definições também ocorrem no campo que o autor discorre; politica


como ação ou inação (Heclo, 1972) e a politica como sendo um processo de
decisões, mas também um produto desse (JARDIM 2009, p.10).

Para fins deste artigo entendemos que uma política cultural é também
uma política pública, que para ser viabilizada, passa também por processos que
envolvem interesses distintos, além de possíveis conflitos e a participação ou
não dos atores sociais na agenda. Esses fatores vão depender do contexto local,
da demanda para se transformar efetivamente numa política que irá beneficiar
alguns em detrimentos de outros.

POLÍTICA CULTURAL NO BRASIL

As Políticas Públicas Culturais no Brasil tem sido assuntos de intensos


debates nos últimos anos, seja por quem se define como agente/produtor cultural
ou mesmo por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, o que tornou
o campo de pesquisa com uma identidade multidisciplinar. Entre os estudiosos
654

com raras exceções, é também um consenso de que as políticas culturais


implementadas no país tem como marco a década de 1930 com o movimento
Página

revolucionário e a consequente chegada de Getúlio Vargas ao poder. O evento


AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE
FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
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DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

possibilitou o surgimento de importantes órgãos culturais, o que nos leva a crer


como o início da institucionalização das políticas públicas para o setor da cultura
(CALABRE, 2014, p.141).

Se referindo à época colonial, outro autor que comunga desta afirmativa


é Barbalho que diz: “A metrópole adotou uma politica de fechamento intelectual
na colônia para evitar a propagação de quaisquer ideias inconvenientes aos
interesses da a corte portuguesa” (BARBALHO 2013, p.13).

O que houve em alguns momentos no contexto do Brasil Colônia, segundo


o autor, foi a criação de um gabinete de historia natural, por D. Luís de
Vasconcelos “Casa dos Pássaros” no final do século XVII. Com a chegada da
família real ao Brasil, outras iniciativas podem ser consideradas apenas em
tímidos ensaios na relação do Estado e Cultura no Brasil.

Conforme Barbalho (2013),

Esses primeiros e tímidos ensaios de iniciativa pública na


promoção cultural ganharam impulso com a chegada da
Corte. Em 1816, D. João financiou a vinda de uma missão
de artistas franceses que iriam criar, dez anos depois, a
Imperial Academia das Belas-Artes. No mesmo ano, foi
criada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Surgiram
ainda no período de permanência da Corte portuguesa: a
Escola de Marinha (1808); um observatório astronômico
(1809); a Academia Militar (1811); a Imprensa e a
655

Biblioteca Reais (1808 e 1811, respectivamente); o Real


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Jardim Botânico (1819); a Capela Real; o Museu Real; o

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CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
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DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL
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DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

Teatro Real de São Carlos; o Real Colégio de São Joaquim


(futuro Pedro II). Além da criação de instituições e
equipamentos, deve-se ressaltar a proteção, materializada
em apoio financeiro e distinções honoríficas, que D. João
dispensou a artistas e intelectuais (BARBALHO 2013,
p.13).

Todas essas iniciativas acima, bem como aquelas empreendidas por D.


Pedro II como a fundação do Instituto Geográfico Brasileiro (IBGE) de 1938 entre
outras não configuraram na visão do autor como uma politica publica cultural,
afirmando que “Na realidade, não é possível ver nas atitudes ilustradas e no
mecenato de D. Pedro II a inauguração de uma politica publica nacional”
(BARBALHO 2013, p.14).

O mesmo autor segue em consonância com as afirmações de


(CALABRE, 2014) quanto ao que denominam sendo os primeiros momentos de
atuação do governo, na esfera da cultura.

Como primeiro momento destas transformações, temos a


revolução de 1930 que instaura a Era Vargas (1930-45).
Quando assume o governo Getúlio Vargas procura unir o
país em torno do poder central, retirando as forças das
oligarquias estaduais. Há uma intenção de construir o
sentimento de “brasilidade” por parte dos “revolucionários”
no poder. A educação e a cultura assumem, nesse
656

contexto um lugar de destaque (BARBALHO 2013, p.14).


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CULTURA

Este sentimento de “brasilidade” será retomado pelos governos


posteriores, sobretudo pelos militares, quando incluem outra dimensão; a da
“segurança nacional”. A nova identidade do Brasil que se vislumbrava como
moderno economicamente, passaria também por radicais transformações na
área da cultura, com a criação de órgãos como o de defesa do patrimônio
cultural: caso do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)
em 1937, o Serviço Nacional do Livro, entre outros. Por um longo período à frente
dessas inovações no campo cultural, o então intelectual Gustavo Capanema,
permaneceu de 1934 a 1945 no Ministério da Educação e Saúde (BOTELHO
2007, p.110). A outra novidade para a mesma época foi o trabalho desenvolvido
por Mário de Andrade como diretor do Departamento de Cultura no Município de
São Paulo. Ambos os intelectuais, com a missão de reivindicar para a nação a
somatória dos muitos “brasis” por meio das ações culturais e, quando a
importância colaborativa de Mário foi fundamental para a gestão Capanema no
tocante a elaboração do anteprojeto a pedido do próprio ministro. Estes
intelectuais contemporâneos, cada um a seu modo, contribuíram para alargar o
conceito de cultura, “como se fossem partes de uma mesma reflexão no que
tange a cultura popular e o patrimônio” (BOTELHO, 2007, p.112).

Nas décadas seguintes outros arranjos na área da cultura no Brasil foram


realizados de acordo com as circunstancias próprias do período. Já a partir de
1964 com o Golpe Militar, muito do que havia sendo feito em políticas culturais,
foi abortado pelo regime autoritário e só retomando mais adiante. Independente
desta ou daquela ideologia, é sintomático como os governantes brasileiros
657

cooptam para dentro de suas estruturas de governo alguns dos renomados


intelectuais, sobretudo para as áreas da educação e cultura. É assim logo nos
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CULTURA

primeiros anos do regime de exceção; quando é criado o Conselho Federal de


Cultura – CFC, pelo Decreto-lei de nº74 de 21 de novembro de 1966 em
substituição ao Conselho Nacional de Cultura. Composto pelos principais
intelectuais da época, os conselheiros eram nomeados pelo Presidente da
Republica e, como predicativos deviam ser ‘dentre personalidades eminente da
cultura brasileira e de reconhecida idoneidade’ [...] (CALABRE, 2010, p. 47).

Ainda segundo a mesma autora,

Entre as atribuições do Conselho, previstas na legislação,


estavam formular a politica cultural; articular-se com os
órgãos estaduais e municipais; estimular a criação de
conselhos estaduais de cultura; reconhecer instituições
culturais; manter atualizado o registro das instituições
culturais; conceder auxílios e subvenções; promover
campanhas nacionais e realizar intercâmbios
internacionais (CALABRE, 2010, p.48).

Dentre as atribuições destacadas, a criação de Conselhos de Cultura nos


estados e municípios brasileiros, tenha sido, via- de- regra, estratégia da
articulação entre instituições e governos estaduais, e que se estende depois para
as esferas municipais. Não só Conselhos de Cultura, mas Secretarias de Cultura
foram criadas, o que de certa forma dotavam os Estados e Municípios de pensar
e formular ações para a área da cultura. Enfim, entre diversas ações do CFC,
uma delas ficou também marcada pela sua especificidade; como pensar um
658

Anteprojeto para o Plano Nacional de Cultura e, diretrizes para esse campo, mas
que fosse, não só a questão da cultura como segurança nacional.
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CULTURA

No ano de 1975, segundo (BOTELHO, 2007) houve um fortalecimento na


área cultural brasileira, a partir da elaboração e sistematização do Plano
Nacional de Cultura o PNC, que “pela primeira vez, a cultura dentre sua metas
políticas, formalizando um conjunto de diretrizes para o setor que se refletiu
imediatamente num novo desenho institucional.” e daí para a criação da
Fundação Nacional de Artes, a FUNARTE ampliando assim o papel do Estado
na conformação de políticas para o setor. Outros órgãos foram criados, sendo o
Conselho Nacional dos Direitos Autorais (CNDA) Conselho Nacional de Cinema
(CONCINE) somando a outros já existentes como a Empresa Brasileira de Filme
– EMBRAFILMES e outros ligados a produção teatral (BOTELHO, 2007, p.118-
119).

Ainda nessa linha das politicas culturais, passamos agora para o


período de redemocratização do país já na segunda metade dos anos 80.
Voltaremos à década anterior no momento de discutir a criação do órgão cultural
na cidade de Franca, em fins da década de 70.

Com o processo de redemocratização do país no governo de José


Sarney, é criado o Ministério da Cultura; atendendo às reivindicações de
secretários estaduais do setor, no entanto o órgão era deficitário e escasso de
recursos, não só financeiro, mas também de pessoal. Vale recordar que o
Secretario de Cultura Aloísio Magalhães, ainda no inicio dos anos 80 se colocou
contra a criação do ministério da cultura e afirmava, segundo (CALABRE, 2010)
para ele e seu grupo: “era preferível estar em uma Secretaria forte a, estar em
um Ministério fraco”. Ainda assim o Ministério foi criado. Como de fato, o dito -
659

um mistério fraco e neste sentido, a Lei de no. 7.505 de 02 de julho de 1986,


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conhecida como lei Sarney, que foi promulgada para atender as demandas dos
setores artísticos culturais, através do mecanismo de renúncia fiscal.

Na década seguinte com o governo Collor ocorreu certo desmanche na


área cultural com a extinção do Ministério da Cultura e em seu lugar, foi criada
uma Secretaria de Cultura. A Lei Sarney também foi extinta e substituída pela
Lei Rouanet, no. 8.313 de 23 de dezembro de 1991 em vigor até o presente
momento. Com Itamar Franco, o Ministério da Cultura é recriado, mas não altera
muito o panorama anterior.

Já nos oito anos do governo FHC e do Ministro Francisco Welfort, a cultura


foi tratada como “bom negocio”, com a permanência da lei de incentivo fiscal
para o fomento à cultura. O Estado passou para a Iniciativa Privada, a decisão
do que poderia ser ou não financiado.

Deve-se ressaltar que na (re)construção do país, pensando nas bases


democráticas e em garantias das liberdades, dos direitos sociais e do direito a
ter direito, inclusive pela nova Carta Constitucional de 1988 cujo artigo 215 faz
referências em garantir aos brasileiros o pleno direito à cultura. Ressaltando que
mais recente ainda, a lei sofreu a complementariedade através da emenda
constitucional no. 42, de 2005. Enfim, um avanço em se tratando de políticas
culturais. (MINISTÉRIO DA CULTURA).

Entre idas e vindas, no que se refere à politica cultural no país, faz sentido
a expressão de um outro autor, de que o Brasil caminhou desde a década de
1930 entre as três tradições: ausências, autoritarismo e instabilidades. RUBIM
660

(2007).
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CULTURA

A partir do governo Lula no ano de 2003, inicia-se uma nova Era de


propostas efetivas e de abrangência das políticas públicas culturais. Desta vez,
em outro modelo, com a participação da sociedade civil, representada pelos
atores socioculturais de diversas instâncias, o que deu um caráter democrático.
Discutiu-se estratégias de planejamento e implementações de políticas públicas
para a cultura, ou melhor, para as culturas brasileiras. Com o Ministro Gilberto
Gil (2003-2008) e Juca de Ferreira, a noção de cultura adotada para a nova
agenda abarca quase tudo. A adoção da cultura no sentido antropológico foi uma
forma como o governo encontrou para enfrentar o autoritarismo estrutural em
setores da sociedade brasileira (RUBIM, 2010, p.14). A aprovação de novas
diretrizes para a cultura, com respaldo do governo, Câmara de deputados e
sociedade, dá o seu sentido democrático com metas a serem alcançadas; mas
que prevê revisão.

Depois de longos debates com a sociedade civil, seminários e


conferências de cultura, dois mecanismos de compartilhamento de politicas
culturais foram aprovados, um deles trata-se do Plano Nacional de Cultura,
aprovado pelo congresso nacional, Lei n° 12.343/2010 e o outro, o Sistema
Nacional de Cultura – SNC, 2012.

É a partir desses novos arranjos na área da cultura que pensamos num


projeto de pesquisa que busca analisar as politicas públicas para a cultura no
município de Franca SP. Optamos também em considerar na pesquisa a cultura
em seu sentido antropológico, que na verdade não seria uma novidade no Brasil
em se tratando de ações de governos que dê conta da diversidade cultural
661

brasileira. Podemos retroagir às ideias do então ministro Gustavo Capanema


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ainda nos anos 30, quando solicita ao então intelectual Mário de Andrade na

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construção de um anteprojeto e nele estavam segundo a autora: “o primeiro


exemplo de uma politica publica de cultura no sentido que encaramos hoje,
dando conta de todo o universo da produção cultural abrangente [...]”. Ainda nos
governos militares as diretrizes dos membros do CFC às políticas públicas para
a cultura, previa assim um caráter de maior abrangência, como nas ideias de
Aloísio Magalhães. Neste sentido estavam também presentes nas ideias de
intelectuais e de membros da UNE – União Nacional dos Estudantes que viam
na cultura popular ou, na do camponês a possibilidade de transformações no
modelo de desenvolvimento do Brasil; vários Brasis.

POLÍTICA CULTURAL EM FRANCA

Com o Projeto de Pesquisa em andamento, os nossos objetivos se voltam


à análise da política de fomento à cultura que o município se propôs nas últimas
três décadas através da Fundação Municipal Mário de Andrade criada pelo
Projeto de Lei nº 2.460 de 26 de abril de 1977 e que foi extinta no ano de 2005,
com a criação da Fundação de Esporte, Arte e Cultura, Lei 6.334 de 07 de
março de 2005. Como já dissemos, a análise comporta o estudo de leis e
decretos que tratam, sobretudo das ações do poder público local. Mas também
a fala dos gestores e agentes culturais será importante na medida em que
possamos inferir o conteúdo da lei, o jogo de interesses e as regras
estabelecidas ou não, para que essa política se tornasse uma realidade; num
tom mais popular: saísse do papel.
662

A percepção da Politica cultural na cidade de Franca, que pretendemos


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analisar, possui um fundo de caráter histórico, já que nos remeteremos ao

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período da redemocratização do país, mais precisamente na segunda metade


dos anos 80. Isso porque nesse período já havia em funcionamento o primeiro
órgão cultural instituído no ano de 1977(a FMA), portanto com praticamente 10
anos de existência. Teremos o antes e o depois da consolidação de abertura
democrática, o que mudou e o que ficou como resquícios do período da ditadura
militar que seguiu até por volta do final dos anos 80. No caso da extinta Fundação
Municipal Mário de Andrade que fora criada para atender demandas de artistas
locais. Havia nos anos finais dos anos 70 um grupo de artistas que se
denominavam “movimento Mário de Andrade,” composto por músicos e cantores
de coral que naquele momento se viam sem recursos para continuar seus
empreendimentos artísticos, envolvidos na criação, produção e difusão da arte
e da cultura. As circunstâncias da criação da Fundação Municipal Mário de
Andrade é distinta das circunstâncias da criação da atual Fundação (FEAC). É
fato também que esses atores se apoiavam em políticos, para pressionar o
executivo agir no sentido de criar um órgão para o setor da cultura e, com
orçamento próprio. A forma como esse grupo atuou junto aos atores políticos
para a criação de um órgão cultural independente, e que tivesse como objetivo
fomentar uma política cultural com recursos próprios de financiamento, foi
prematura, assim como é prematuro também afirmar quais as condições do
movimento artístico e cultural da época. Além do movimento Mário de Andrade,
outros setores de cultura na cidade também já estavam consolidados, como é o
caso de grupos de teatro amador já institucionalizado localmente e
representados por movimentos federativos no Estado de São Paulo. Portanto a
663

criação da Fundação Municipal Mário de Andrade passa também pela


participação e reivindicação desses grupos. Há também outra questão: é que o
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órgão criado em fins da década de 1970 atravessou por mais de duas décadas;
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um período relativamente longo se pensarmos em um município de porte médio


do Brasil. A sucessão de governos até o ano de 2005 não criou problemas para
a sobrevivência de tal instituição.

Já em relação a atual Fundação de Esporte, Arte e Cultura, conforme


mencionada; a sua criação foi motivos de controvérsias, menos para quem está
distante da realidade política local. O governo que entra em 2005 substituiu o
modelo de politica que vinha sendo implementado pelo Partido dos
Trabalhadores; sobretudo na politica de apoio à cultura. Vale recordar que a
politica cultural da esfera federal, vinha sendo construída a partir da ampliação
do conceito de cultura; o antropológico, conforme foi sendo construído nas
conferências de cultura em todo o Brasil. Na verdade, foi a primeira vez que a
Politica Nacional para Cultura estava sendo construída com a participação da
sociedade civil. As disputas pelo poder político no município e a consequente
vitória do atual grupo que administra a cidade, podem estar na origem da
substituição da antiga Fundação Municipal Mário de Andrade pela atual
Fundação de Esporte, Arte e Cultura.

Outra situação ainda mais intrigante ocorre na atuação dos atores


culturais naquele momento, é que a nível federal, na década de 70 em plena
ditadura militar, constitui-se um momento chave tanto na criação quanto na
consolidação da criação de instituições para a área da cultura, uma delas é o
PAC – Programa de Ação Cultural, lançado no ano de agosto de 1973, sob
controle do Departamento de Assuntos Culturais, no Ministério de Educação e
Cultura. Mas o caso mais emblemático foi a criação da Fundação Nacional de
664

Arte, FUNARTE através da lei nº 6.312 de 16/12/1975 (BOTELHO, 2007.p. 63).


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O fato é que no curto tempo de atividade do Programa de Ação Cultural –


PAC, que com alguma autonomia dentro do Ministério, e contando com recursos
próprios, suas linhas de ações não foram claras e, como afirma a autora, elas
tiveram que evitar “rotas de coalizão” dentro da estrutura do MEC. Mas o lado
bom disso foi o de possuir no seu quadro de gestão; pessoas com vocação para
pensar linhas de ações na a área da cultura; ou seja: técnicos e gestores da
área.

Dentro da esfera federal a criação da FUNARTE – Fundação Nacional de


Arte teve papel fundamental para setores da cultura, mas não cabe aqui, discutir
o contexto de sua criação, mas que, com precisão, Isaura Botelho o faz em seu
livro Romance de Formação: Funarte e Politica Cultural, 1976-1990. Para nós
seria também importante a resposta: A criação da Fundação Municipal Mário de
Andrade no ano de 1977 teve ou não alguma relação ao que vinha ocorrendo
em nível federal nos anos que a antecederam?

Opta-se nesta pesquisa analisar as políticas públicas culturais no


município de Franca SP sob a perspectiva antropológica de cultura, na medida
em que procura dar conta do fator da invisibilidade de grupos populares, diante
das ações do poder público e, até mesmo da sociedade. O fazer cultural desses
grupos no nosso entender, seja pelas crenças, pelos valores dos diferentes
atores, pelo que emerge das práticas cotidianas, ou que emerge das
experiências e ou das vivencias, já que o município é localizado numa região
que convive com características rurais, etc. Diante disso, a presente pesquisa se
debruçará a analisar as politicas públicas culturais da cidade de Franca/SP para
665

esses seguimentos. Percorre o período compreendido do final da década de


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1980 quando a lei Sarney já vigorava, e mesmo após a sua extinção com a
criação da Lei Rouanet.

A partir dessa explanação, a nossa inquietação nos permite


aproximarmos do objeto, manuseá-lo e tentar descortinar quais foram as
políticas públicas para a cultura que o município implantou com a criação de
duas Fundações em 38 anos. Interrogamos: as Ações Públicas possibilitaram
atender as demandas do setor cultural? E hoje é possível contemplar por meio
de incentivos por outros grupos culturais emergentes? Pretende-se então nesta
pesquisa, primeiro: analisar as políticas culturais do município de Franca no
recorte citado acima e buscar responder: há uma política efetiva para a cultura
no sentido plural da palavra? Qual é a política cultural da cidade, qual o alcance
dessas políticas, o que, o governo municipal faz ou deixa de fazer e/ou por que
de seu desfecho? Sabemos de antemão que nem todas as perguntas terão
respostas satisfatórias e nem é a nossa pretensão.

CONCLUSÃO

Para fins deste trabalho, onde os objetivos são analisar As Políticas


Públicas de fomento à cultura no município de Franca, ressalta-se que a
pesquisa apresenta um quadro relativamente limitado ainda pela ausência das
fontes que nos permitirão realizar uma leitura mais criteriosa para afirmar ou
refutar as nossas hipóteses. No entanto, ressaltamos também que o que
pretendemos na pesquisa não e negar a ausência de políticas públicas que
666

valorize outras práticas, fazeres ou produções dos atores sociais, fazeres esses
Página

expressos no dia a dia, no cotidiano por meio de expressões culturais que são

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formas herdadas do passado e que também se transformam. O que se pretende


é analisar as políticas culturais no contexto em que elas foram pensadas,
elaboradas e implementadas articulando-as primeiro, com as ações realizadas
na própria esfera federal, uma vez que no Brasil, com exceção dos anos 90, o
Estado Brasileiro esteve a frente como o grande condutor na área cultural; e em
segundo a análise se detém no comportamento dos fazedores de política (policy
makers) local já que de tempos em tempos na dinâmica de sucessões do poder
percebe-se rupturas ou descontinuidades na gestão do patrimônio público,
material e imaterial. O patrimônio imaterial fica aqui entendido aqui também as
culturas tradicionais que a depender da sua não preservação ou, das estratégias
adotadas pelos atores políticos e sociais tendem a perecerem.

É importante lembrar que quando elaboramos o Projeto de Pesquisa e


submetê-lo ao Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análise de
Políticas Públicas - FCHS Campus de Franca, para o processo seletivo,
vínhamos trabalhando com as novas diretrizes do Plano Nacional de Cultura,
aprovado no ano de 201040 a partir do qual achamos pertinente analisar o
conjunto das Políticas Culturais locais e no próprio processo de análise de tais
políticas, articulá-las e assim, teríamos ao final, descortinar como os atores
políticos ou os fazedores de política consideram a questão da cultura como uma
das importantes dimensões da vida em sociedade. A depender da visão que
venham manifestar é que poderíamos descrever se a política cultural é adequada
a realidade do município à partir de novas demandas, sobretudo quanto à
667

40
“Plano Nacional de Cultura (PNC) O Plano Nacional de Cultura (PNC), instituído pela Lei 12.343, de 2 de
dezembro de 2010, tem por finalidade o planejamento e implementação de políticas públicas de longo prazo (até
Página

2020) voltadas à proteção e promoção da diversidade cultural brasileira.”

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participação de outros atores sociais com representação significativa para o


conjunto da sociedade.

Ocorre, no entanto que com as mudanças abruptas e forçada de governo


que apesar de ser provisório, algumas transformações já são perceptivas. A
extinção do Ministério da Cultura e dias depois a sua recriação, deixa mais
dúvidas do que certezas. A crise de representatividade por que passa o Brasil,
não nos permite fazer previsões, principalmente no campo da cultura.
Novamente a frase de (RUBIM, 2007) para as tristes tradições. As diretrizes do
Plano Nacional de Cultura, talvez deixam de ser diretrizes para se tornar outras
diretrizes, outras políticas. Ainda assim, nesse novo cenário nacional é possível
focar nossa análise das Politicas para a cultura no âmbito local ao mesmo tempo
em que se procura enfatizar as grandes experiências recentes traçadas no nível
federal e estendidas para os Estados e municípios brasileiros e que resultou em
grandes avanços em se tratando de construir a nova Política Cultural com a
participação de uma diversidade de atores como não se tinha visto antes.

E por último, mais uma vez reforçamos a nossa proposta de se pensar o


universo da cultura de maneira mais abrangente, e é o que tentaremos nesse
trabalho e em outras reflexões no andamento da pesquisa. A cultura, ou as
culturas, os fomentos públicos ou não fomentos para a sua difusão guiarão os
nossos caminhos e, quando falarmos de cultura, de qual cultura podemos falar?
De onde e por quem parte a ideia de cultura ao se propor uma política cultural
numa cidade? E mesmo quando há bons resultados, a realização dos fomentos
às produções culturais fica a mercê de novos profissionais sempre que há
668

transição dos gestores do poder público. No espaço de 30 anos foram criados


Página

órgãos para gerir e facilitar as políticas culturais na cidade de Franca; a primeira

AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE


FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
JOÃO BATISTA MAMEDIO
DE FRANCA PÓS-REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS
DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL
DE CULTURA
JOÃO BATISTA MAMEDIO
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE FOMENTO À CULTURA: UMA ANÁLISE
DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS AOS DIAS ATUAIS E ARTICULAÇÃO COM O PLANO NACIONAL DE
CULTURA

foi a Fundação Mário de Andrade, (1977) e extinta pela Lei nº. 6.334 de 07 de
março de 2005 que também cria a atual Fundação de Arte, Esporte e Cultura
(FEAC, 2005). A substituição de um órgão pelo outro pode até resolver
problemas estruturais, mas muitas vezes o problema de propor politicas públicas
para o setor permanece se não for acompanhado da participação da
comunidade. Assim, depois de uma reflexão acerca das ações culturais
realizadas no município, tanto por instituições produtoras quanto pelas gestoras
das artes locais, faz-se necessário uma investigação mais profunda, que dê
conta das demandas para a produção e difusão e circulação da cultura. As ações
do poder público local voltada para essa área partem de uma decisão horizontal
ou verticalizada? Quais as dimensões de culturas são alvo das politicas
culturais? A dimensão sociológica ou a dimensão antropológica (BOTELHO,
2001). Historicamente pela dimensão sociológica, observada do ângulo de
pesquisador, a sugestão é que tenha prevalência sobre o conceito antropológico
de cultura, quando os agentes de governos locais traçam políticas públicas de
fomento à cultura para o município.

REFERÊNCIAS

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Inst. Estud. Bras., São Paulo, n. 58, p. 137-156, jun. 2014.
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AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA DE


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CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
JOÃO BATISTA MAMEDIO
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DE CULTURA
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DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
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CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO
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DAS POLÍTICAS CULTURAIS DE FOMENTO À CULTURA NO MUNICÍPIO DE FRANCA PÓS-
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CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: ANÁLISE DO SEU PAPEL SBRE A POLÍTICA
PÚBLICA DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE ASSISTÊNCIA


SOCIAL: ANÁLISE DO SEU PAPEL SOBRE A POLÍTICA
PÚBLICA DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL

GABRIEL VIEIRA DE MOURA


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SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
GABRIEL VIEIRA DE MOURA
CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: ANÁLISE DO SEU PAPEL SBRE A POLÍTICA
PÚBLICA DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela


Universidade de Brasília. E-mail:
gabrielvieira80@hotmail.com

RESUMO

O objeto central deste estudo é analisar como as Conferências Nacionais de


assistência social influenciam a política pública do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS). Para isso, será investigado o processo através do qual as
deliberações da IX Conferência Nacional de Assistência Social (CAS) foram
inseridas nos principais instrumentos de decisão da política pública do SUAS,
que são as resoluções da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), do Conselho
Nacional de Assistência Social (CNAS) e as metas e iniciativas do Plano
Plurianual (PPA) 2016-2019. Para isso, é desenvolvida uma abordagem teórica
das Conferências Nacionais como espaços de deliberação. O estudo é descritivo
e desenvolvido a partir de um método misto, qualitativo e quantitativo. Os
resultados produzidos pelo estudo indicam que 74% das deliberações não foram
contempladas nos normativos analisados; 23% das deliberações foram
contempladas parcialmente e, por fim, uma única deliberação (3%) foi
contemplada totalmente.

ABSTRACT

The main subject of this study is to analyze how the Nacional Conferences of
Social Assistance (CAS) have influenced the public policy of Single System of
Social Assistance (SUAS). For this, it will be studied the process through what
the deliberations of IX Nacional Conference were inserted in the main decision
674

instruments of policy public of SUAS, which are: deliberations of the


Interjurisdictional Management Comission (CIT) and of Nacional Council of
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Social Assistance (CNAS); and goals and initiatives of Federal Pluriannual Plan
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(PPA) 2016-2019. For this purpose, it will be developed a theoretical analysis of


Nacional Conferences understood as spaces of deliberation. This is a descriptive
study and was developed through a mixed method, qualitative and quantitative.
The outcomes produced demonstrate that 74% of deliberations were not
contemplated by the normative; 23% of deliberations were partially contemplated
and one single deliberation was fully contemplated.
675
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INTRODUÇÃO

As Conferências Nacionais são instituições presentes no desenho


institucional brasileiro desde o governo Vargas, inicialmente previstas apenas
para o campo da saúde e da educação. Porém, em 1988 o seu alcance se
ampliou, havendo a previsão constitucional ou legal para os campos da
assistência social, da criança e do adolescente, meio ambiente e outros. Esses
campos tiveram suas primeiras conferências realizadas no início da década de
1990, como foi o caso da assistência social, com sua primeira Conferência
Nacional em 1993. A partir de 2003, as Conferências Nacionais se expandiram
para diferentes campos das políticas públicas, sendo diversificadas as suas
formas de convocação, não se restringindo apenas à previsão constitucional,
sendo convocadas por meio de portarias, decretos, resoluções dos conselhos
(AVRITZER; SOUZA, 2013, p.15).

Para Avritzer (2012, p.18), “as Conferências Nacionais se firmaram nestes


últimos anos como a principal política participativa do governo federal (...).
Porém, não está completamente claro se as decisões tomadas são
implementadas e de que forma”. Avritzer (2012, p.16) demonstrou que o
aumento da frequência dessas conferências gerou questões a serem
investigadas quanto ao real papel que desempenhavam.

Na assistência social, as Conferências Nacionais foram responsáveis por


uma importante mudança para o campo, pois a partir de deliberações da IV
Conferência Nacional houve a instituição do Sistema Único, importante marco
para a política, que ampliou suas bases operativas, o seu fundamento federativo
e as responsabilidades protetivas. Esse fato pode ter sido uma demonstração da
importância das Conferências aos seus participantes (COLIN, JACCOUD, 2013,
676

p. 43).
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A assistência social ainda era um campo recente, que foi previsto


constitucionalmente em 1988 pelos artigos 203 e 204 (BRASIL, 1988) e
normatizado apenas em 1993 pela lei 8.742 (BRASIL, 1993), a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS). A NOB SUAS (Norma Operacional Básica do
Sistema Único de Assistência Social) 2005 (BRASIL. 2005), que instituiu o
Sistema Único, possibilitou a institucionalidade nos territórios, alcançando a
população com a oferta de serviços e maior efetividade no campo dos benefícios
(COLIN; JACCOUD, 2013, p,49).

Assim, a assistência social foi se consolidando por meio de construções


coletivas e participativas, principalmente com os conselhos de assistência social
e as conferências nos três níveis da federação e com a gestão compartilhada
(COLIN, 2013, p,10).

Para analisar as Conferências Nacionais da assistência social é


importante utilizar a construção teórica das teorias deliberativas, mais
especificamente o estudo das teorias deliberativas integradas, que são modelos
que conseguem englobar conceitualmente a dinâmica que as Conferências
Nacionais envolvem, com a participação social, as deliberações e a
representação. Faria coloca (2013, p. 78):

Que pensar as conferências de políticas públicas a partir


da ideia de sistema integrado de participação e deliberação
requer compreender como os atores sociais participam,
discutem e deliberam no interior de um contexto específico,
caracterizado por múltiplas esferas, com diferentes
padrões de ação, mas cujo objetivo final é a produção de
uma agenda pública que sensibilize o poder público acerca
677

de suas necessidades reais e simbólicas.


Página

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Portanto, este estudo desenvolve a conceituação de proposição de


diretrizes como uma parte deste processo deliberativo que está inserido em um
sistema integrado e que visa à mobilização da agenda pública.

O estudo ocorre a partir da análise das deliberações da IX CAS, buscando


identificar nas resoluções da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e do
Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que são arenas de decisão da
política do SUAS, e no PPA, instrumento federal de planejamento das políticas
públicas, se houve inserção das deliberações. Para responder a essa pergunta
busca-se identificar e quantificar quais deliberações foram inseridas nestes
instrumentos

CONFERÊNCIAS NACIONAIS: ESPAÇOS INTEGRADOS DE DELIBERAÇÃO

A constituição de instituições participativas é fundamental, pois é por meio


dessas que o poder deve se organizar democraticamente, para que por meio da
discussão pública sejam mediadas as relações entre os interesses individuais e
coletivos na formação do interesse público, que será implementado pelo Estado.
O modelo participativo se diferencia principalmente da democracia
representativa por meio da perspectiva da legitimidade da decisão política. Do
ponto de vista da participação social, a legitimidade da decisão política está
condicionada ao debate público, enquanto no sistema representativo a decisão
política está restrita aos representantes definidos no processo eleitoral
(LUCHMMAN, 2007, p.144). Neste estudo foi dado o enfoque da legitimidade por
meio das teorias democráticas deliberativas, que, como colocado por Cohen
(1999), defendem uma concepção em que se vinculam os processos
participativos aos resultados.
678

Nesta perspectiva das teorias deliberativas Avritzer (2012) compreende


Página

que as Conferências Nacionais possuem forte caráter deliberativo. A partir de


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um survey o autor identificou que a maioria dos participantes das Conferências


Nacionais afirmou que há de fato um debate de ideias entre a sociedade civil e
o Estado na qual a concepção dos representantes do governo não é
predominante (AVRITZER, 2012, p.21). Quando se coloca em debate o caráter
deliberativo das Conferências Nacionais, levantam-se questões acerca da sua
efetividade como arenas de proposição de diretrizes as políticas públicas, como
colocado por Souza et al (2013):

Se os resultados das Conferências Nacionais não são


incorporados aos textos e estratégias das políticas
públicas, tanto atores governamentais quanto da
sociedade civil questionam a real necessidade de tanto
esforço (SOUZA et al, 2013, p.8).

As Conferências Nacionais pela análise de Faria e Petinelli (2012, p.248)


são processos políticos em que há construção da agenda pública. Esta seção
busca analisar como se dá essa relação entre o Estado e os atores sociais no
processo deliberativo das Conferências Nacionais de Assistência Social, que
possuem como objetivo propor diretrizes ao SUAS, o que é a sua principal
finalidade normativa (BRASIL,1988).

As Conferências Nacionais constituem-se em espaços que integram a


participação social, a representação e a deliberação, exigindo esforços
diferenciados, como colocado por Faria, Petinelli e Lins (2012, p.250), para a
mobilização social e construção da representação social e do diálogo para
definição de uma política pública. Assim, observa-se que para analisar as
conferências necessita-se de teorias que integrem esses fatores e os entendam
como um sistema. Para isso, é relevante a construção teórica das teorias
679

deliberativas integradas, que possibilitam análises mais inclusivas e adequadas


para entender a deliberação nas Conferências Nacionais.
Página

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As teorias deliberativas integradas recomendam que esses espaços


(neste estudo são as Conferências Nacionais) operem de forma inclusiva, pois
deve haver a construção de uma agenda ou um processo decisório, que envolva
todos os atores que estejam diretamente ligados a esse processo (FARIA;
PETINELLI; LINS, 2012, p.256). Essa definição se assemelha bastante ao
desenho institucional de uma conferência nacional que possui o caráter de
propor diretrizes a uma política.

Analisando as Conferências Nacionais sobre a perspectiva dos sistemas


integrados de deliberação, a proposição de diretrizes não será plural apenas pelo
aspecto da diversidade de atores inseridos nesse processo, mas também pelos
diferentes momentos de deliberação que essas arenas permitem, o que
enriquece o processo deliberativo, como colocado por Faria e Lins (2013, p.77):
“O diferencial desta proposta é, portanto, a ideia de uma pluralidade de espaços
com diferentes padrões de ações que podem contribuir para a formação das
capacidades deliberativas em diferentes graus.”

A visão de Hendrycks (2006, p.501) ajuda a compreender este processo,


em que as “mixed discursive spheres” irão possibilitar uma importante troca de
capacidades entre os atores da sociedade civil e o Estado, que possuem
capacidades deliberativas distintas. Por exemplo, considerando um usuário da
assistência social e um gestor público, o usuário irá ter demandas sobre a política
pública; e o gestor terá informações quanto à administração pública e à
viabilidade das proposições. Assim, essa troca de informações irá enriquecer o
processo e será fundamental para as deliberações, possibilitando uma
proposição mais próxima da realidade.

Goodin (2008) traz uma importante perspectiva sobre o processo


680

deliberativo, que são momentos sequenciados, em que a deliberação inicia-se


em arenas reduzidas para arenas mais amplas. As arenas reduzidas irão
Página

possibilitar a conformação do conflito e dar um background para as decisões


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mais amplas (GOODIN, 2008, p.194). Essa teoria se adequa às Conferências


Nacionais que possuem o caráter propositivo, como as Conferências Nacionais
da Assistência Social, em que as discussões se iniciam em grupos de trabalhos
(GTs) ou plenárias temáticas, que estão vinculados a eixos temáticos
específicos. A partir desses GTs são encaminhadas propostas para plenária
final, em que a decisão se dá de forma mais simplificada e com menor debate
de ideias e argumentações, em que são votadas as propostas que sofrem
destaque e as que não sofrem são aprovadas diretamente. Como analisa Goodin
(2008, p.191), a deliberação irá ser dividida em componentes que seguem uma
lógica sequencial, como ocorre nas mesas temáticas da IX CAS e nas plenárias
temáticas, seção II e III dos anais da IX CAS (BRASIL, 2014b, p.21), que
subsidiam a plenária final e que irão resultar na proposição de diretrizes por meio
das deliberações resultadas de todo esse processo.

Assim, Faria, Petinelli e Lins (2012, p.279-280) fazem uma importante


análise sobre o modelo de Goodin (2008), relacionando com a estrutura das
deliberações nas Conferências:

As Conferências combinam espaços mais amplos de


apresentação e contestação de perspectivas, opiniões,
crenças e interesses com espaços menores, propícios à
discussão, à reflexão e decisão das mesmas. Elas
apresentam espaços com regras diferentes que permitem
tanto a ação direta, como a ação discursiva, dependendo
do tamanho e da função que desempenham seus espaços
internos.

Quando se analisam as Conferências Nacionais um importante aspecto


681

levantado é se há uma igualdade entre os membros na deliberação. Avritzer


(2012, p.19) coloca que poderá ocorrer assimetria de informações entre os
Página

atores, pois se assume que em geral os representantes do governo possuem


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maior nível de escolaridade. Como coloca Romão e Martelli (2013, p.133): “A


literatura tem apontado que, contrariando as esperanças dos deliberacionistas,
a tomada de decisões nas Instituições Participativas ocorre em contextos de
desigualdade de poder entre os atores sociais que as compõem”.

A desigualdade de condições entre os participantes do processo


deliberativo é algo que deslegitima o processo deliberativo sob a perspectiva de
Habermas (2006) e Cohen (1997), em que a condição de igualdade entre os
membros é fundamental para que não haja coerção durante o processo. Para
Mansbrigde (2010) não há a conceituação de um bem comum único a todos os
participantes, assim, os interesses e a barganha são aspectos que fazem parte
do processo deliberativo, predominando o conflito, que irá ter espaço para ser
conformado ou não.

Para Faria (2012, p.76), entender as Conferências Nacionais como um


sistema deliberativo pode ser um importante passo para que se possa entender
de melhor forma como a deliberação pode produzir uma opinião pública mais
informada e decisões vinculantes mais legitimas, aspectos que são
fundamentais para que se entenda qual o impacto que as Conferências
Nacionais possuem sob o ponto de vista de proposição de diretrizes a
determinada política.

CONTEXTUALIZAÇÃO

As políticas públicas de assistência social anteriores à Constituinte de


1988 se caracterizavam por uma fragmentação das ações e escassez de
recursos, desarticulação entre os diferentes órgãos, serviços e trato com a
682

política de forma inadequada. Essas características possibilitavam que ações


patrimonialistas, clientelistas e de assistencialismo fossem predominantes nesse
Página

campo (BARBOSA, 1991, p.5).


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Esse modelo de política pública passou a ser questionado no início da


década de 1980, pois não havia uma política pública setorial definida e o uso da
assistência de forma clientelista ia sendo mantido, mas essas constantes críticas
não se refletiam em mudanças para o campo da assistência social (CHAGAS et
al, 2003, p.8).

Com a redemocratização do Brasil se iniciou um processo de quebra com


o modelo de política assistencialista, o que trouxe o reconhecimento da
assistência social como um direito constitucional junto ao campo da seguridade
social, reconhecimento pela Constituição, o que possibilitou posteriormente
mudanças estruturais na forma com que o Estado desenvolveu este campo
(COLIN; JACCOUD, 2013, p.45).

Os movimentos sociais organizados tiveram importantes influências no


processo de reconhecimento e inserção da política de assistência social como
um direito constitucional, pois com a redemocratização passaram a ter mais
espaço e voz sobre o Estado e, portanto, puderam exercer uma grande pressão
social no período da Constituinte de 1988. Esta pressão social foi essencial para
se instituir a política de assistência social como um direito do cidadão e
responsabilidade do Estado (FREITAS; SOUZA; MARTINS, 2013, p.136).

A pressão dos movimentos sociais no processo de redemocratização no


Brasil possibilitou que a política pública de assistência social fosse prevista
constitucionalmente de forma descentralizada e participativa por meio dos art.
203 e 204 da CF 1988. Assim, posteriormente instituíram-se os conselhos
gestores e as conferências da assistência social, instituições que ocorrem nos
três níveis locais e são instrumentos importantes para inserir a forte e contínua
participação social nas decisões da política pública (AVRITZER, 2012, p.13).
683

A primeira conferência nacional da assistência social (CAS) ocorreu dois


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anos após a instituição da LOAS (BRASIL, 1993), em 1995, tendo continuidade

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até a atualidade. As CAS estão definidas para ocorrer ordinariamente em


intervalos de quatro anos, como está estabelecido no art. 117 da Resolução nº
33 (BRASIL, 2012), porém podem ser convocadas de forma extraordinária, se
for deliberado por maioria do Conselho Nacional da Assistência Social, em
intervalos de 2 anos (BRASIL, 2015a).

Para Tapajós (2013), houve dois importantes marcos para definir a


importância das instituições participativas na política pública da assistência
social. O primeiro marco foi a deliberação da IV CAS, que propôs a instituição do
Sistema Único de Assistência Social, que foi, para Tapajós (2013, p.232), a partir
dali que as deliberações “começam a definir e incidir proativamente no
planejamento e na agenda técnica e política da área”. O segundo marco foi a
aprovação da Política Nacional de Assistência Social, que trouxe novas
exigências para organização e prestação dos serviços socioassistenciais,
tornando mais complexas as demandas aos gestores, tendo como um dos
desafios a inserção da participação social nas decisões da política pública
(TAPAJÓS, 2013, p.232-33).

Para Tapajós (2013, p.233), a importância das CAS se demonstra a partir


de deliberações que se consolidaram por meio de normativos e ações na política
pública do SUAS. A autora cita algumas destas deliberações, como: A
formulação e aprovação do plano decenal a partir da IV CAS; O desenvolvimento
do Sistema de Informação do SUAS, questão deliberada em algumas
conferências; a pesquisa de contagem nacional de população em situação de
rua, pesquisa inédita em nível nacional, e que surgiu após demanda de
deliberações da CAS.

Neste estudo são analisadas as deliberações geradas na IX CAS,


684

processo conferencial que tinha como tema “A gestão e o financiamento na


efetivação do SUAS” e importante característica desta conferência é que as
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etapas estaduais e municipais e do DF ocorreram com uma metodologia em que


se utilizou a lógica da avaliação local em cada esfera de governo.

A Etapa Nacional da IX Conferência Nacional da Assistência Social teve


a participação total de 3323 credenciados, entre delegados, convidados,
observadores, acompanhantes e outros participantes. Os debates e as
deliberações ocorreram em torno de seis principais eixos temáticos, que foram:

O Cofinanciamento obrigatório da Assistência Social;


Gestão do SUAS: Vigilância Socioassistencial, Processo
de Planejamento, Monitoramento e Avaliação; Gestão do
Trabalho; Gestão de Serviços, Projetos e Programas
Socioassistenciais; Gestão de Benefícios e Transferência
de Renda no âmbito do SUAS; Regionalização. (BRASIL,
2014b, p.12).

Ao final da IX Conferência Nacional da Assistência Social, o processo


resultou em 31 deliberações acerca dos eixos temáticos supracitados, que são
objeto de análise neste estudo.

METODOLOGIA DE PESQUISA

Neste estudo foram comparadas as deliberações da IX Conferência


Nacional da Assistência Social, o projeto de lei do PPA 2016-2019 e as
resoluções do CNAS e CIT. O objetivo da pesquisa é buscar relações entre as
deliberações com os instrumentos normativos e de planejamento definidos.

A seleção das resoluções do CNAS e da CIT contou com um recorte


temporal do dia 4 de fevereiro de 2014 à última resolução da CIT/CNAS de 2015.
685

São analisadas as resoluções a partir de 4 de fevereiro de 2014, pois foi a data


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de publicação oficial das deliberações da IX CAS por meio da resolução n°1 de

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2014 do CNAS (BRASIL.2014e), o que formalmente possibilitou que as


deliberações pudessem ser objeto para tomada de decisão nessas arenas.

Outro documento a ser analisado é o texto do PPA 2016-2019, por ser o


principal instrumento de planejamento nas três instâncias federativas, em que se
estabelecem programas, metas e objetivos paras as diversas políticas públicas.
O PPA possui previsão constitucional no art. 165 da CF 88, em que se define:

§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de


forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da
administração pública federal para as despesas de capital
e outras delas decorrentes e para as relativas aos
programas de duração continuada (BRASIL, 1988).

Após a coleta dos dados, é preciso explanar a forma como foram


organizados, categorizados, tabulados e analisados. Neste estudo, optou-se por
categorizá-los para que se facilite o uso das informações e possa relacioná-las
de forma mais rápida no momento de análise e interpretação das questões e
hipóteses (LAVILLE; DIONNE, 1999).

A análise foi feita de forma temática, buscando resoluções, metas e


iniciativas que tenham correlações com as deliberações. Para isso foram
definidos critérios para que essas deliberações pudessem ser categorizadas
como matéria “contemplada integralmente”, “contemplada parcialmente” e “não
contemplada”, que possuem o seguinte significado: a) Contempladas
integralmente: São as deliberações cujo conteúdo foi contemplado de forma
integral como uma resolução/meta em pelo menos um dos documentos
analisados. b) Contempladas parcialmente: São as deliberações cujo
conteúdo está contido de forma parcial, algo relativo, mas não integral em uma
686

das metas ou resoluções dos documentos analisados. c) Não contempladas:


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São as deliberações que não têm seu conteúdo contemplado em nenhuma das
metas ou resoluções dos documentos em análise.

Os critérios têm caráter temático como explanado e foram codificados


para que fosse possível categorizar as deliberações. Para identificação de
relações entre os dados comparados as unidades de registro são:

Critério 1: Serviço – a) Critério 1.1: As resoluções/metas devem ditar


sobre serviços socioassistenciais ou tipo de complexidade do serviço
socioassistencial semelhante ao que está definido na deliberação, não podendo
deixar de abranger nenhum serviço especificado na deliberação. Caso trate
sobre serviços da gestão ou de benefícios, também devem estar completamente
contemplados conforme a deliberação. Codificação: 2 pontos; b) Critério 1.2:
Deve ditar sobre ao menos um serviço socioassistencial especificado na
deliberação ou um serviço socioassistencial que esteja inserido no tipo de
atenção socioassistencial especificado na deliberação. Também se aplica se a
matéria for de conteúdo da gestão/benefício, sendo necessário que contemple
ao menos um serviço da gestão/benefício que esteja na deliberação.

Critério 2: Ação – a) Critério 2.1: As resoluções/metas que contemplem


totalmente as ações ou ação determinada ao serviço socioassistencial ou
atenção socioassistencial objeto da deliberação ou referente à
gestão/benefícios; b) Critério 2.2: A matéria da resolução/meta deve dispor ao
menos sobre uma ação determinada ao serviço socioassistencial ou o tipo
atenção socioassistencial especificada na deliberação ou referente a
gestão/benefícios.

A partir da análise das metas/resoluções segundo os critérios estipulados,


foi feita uma codificação para cada critério, como está definido a seguir: critério
687

1.1 = 2 pontos; critério 1.2 = 1 ponto; critério 2.1 = 2 pontos; critério 2.2 = 1
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ponto.

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Para que pudesse ser feita a categorização “contemplada integralmente”,


“contemplada parcialmente” e “não contemplada”, foi feito o somatório dos
critérios “serviço” e “ação”. Cada critério só pôde assumir um valor para cada
deliberação. Por exemplo: A deliberação 4 só pôde assumir o valor 1 no critério
“serviço”, sendo excludentes os subcritérios. Quando houve diferentes
resoluções/metas/iniciativas aderidas a uma mesma deliberação, só foram
contabilizados os critérios de maior valor. Nessa situação, caso os valores sejam
iguais, são contabilizados uma só vez, por serem critérios excludentes que não
geram somatório de acordo com sua frequência.

A codificação em relação às categorias se dá da seguinte forma:


Contemplada Integralmente: Para que a deliberação seja considerada
contemplada totalmente, o somatório dos critérios deve ser igual a 4;
Contemplada Parcialmente: Para que a deliberação seja considerada
contemplada parcialmente, o somatório dos critérios poderá assumir dois
valores, que são 2 e 3; Não contemplada: As deliberações “não contempladas”
não geram somatórios, devido a não pertinência de inserção desses dados na
tabulação para os documentos que possuem insuficientemente unidades de
registro.

RESULTADOS E ANÁLISE

A partir do levantamento e análise dos dados, constatou-se que alguns


normativos contemplavam a temática das deliberações analisadas, que
representa o número de deliberações que foram “contempladas integralmente”,
“contempladas parcialmente” e “não contempladas”. A análise demonstrou que
74% das deliberações não foram contempladas, 23% contempladas
688

parcialmente e 3% corresponderam à categoria contemplada integralmente.


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O alto número de deliberações “não contempladas” pode ser


explicado por uma série de fatores, mas uma questão que é mais aparente é a
complexidade de matérias que as deliberações englobam como na deliberação
nº 4, que dispõe sobre mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal (lei
complementar 101/2000) (BRASIL, 2000), o que só seria possível por meio de
processo legislativo, para alteração dessa norma. O texto da deliberação nº4 é
o seguinte:

Que as despesas da assistência social (Lei 8742/93) não


sejam objeto de limitação de empenho nos termos do artigo
9º, parágrafo 2º da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar 101/2000), por constituírem obrigações
constitucionais ou legais da União, dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal, o que lhes confere
natureza de despesa obrigatória (BRASIL, 2014a).

Outras deliberações dispõem sobre questões também complexas e que


podem levar longos prazos para uma decisão sobre este tipo de demanda, como
na deliberação nº 11, que dispõe sobre a criação de uma Escola Nacional de
Aprendizagem Permanente, o que demandaria decreto presidencial e uma
destinação considerável de recursos para implantação deste equipamento
público, o que pode explicar em parte a não contemplação dessa deliberação.

O número de deliberações “contempladas parcialmente” representou 23%


do total de deliberações, o que representou 7 deliberações. As deliberações
“contempladas parcialmente”, segundo a análise, podem nos dar respostas
sobre a dificuldade que o Governo federal, neste caso, possui para inserir
integralmente uma deliberação, que recorrentemente possui demandas diversas
689

em um mesmo texto.
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Para verificar essa interpretação, contabilizou-se a frequência com que o


critério 2.2 apareceu nas deliberações “contempladas parcialmente”, pois ele
expressa que as ações da deliberação não foram contempladas integralmente,
reforçando a suposição da diversidade de ações em uma mesma deliberação.
Assim, contabilizou-se que de sete deliberações contempladas parcialmente,
cinco deliberações expressaram o critério 2.2, representando 71,42% do total,
como está expresso no quadro abaixo:

Tabela 1 - Frequência de critérios das


deliberações contempladas parcialmente.

Contempladas Critério 2.1 Critério


Parcialmente (Ação 2.2(Ação
contemplada contemplada
integralmente) parcialmente)

7 2 5

100% 28,57 71,42

Fonte: autoria própria

A reunião de questões, que às vezes estão tratadas de distintas formas


na gestão da política, dificulta decisões que englobem essas variadas demandas
que se apresentam em uma única deliberação. Assim, mesmo estas
deliberações não sendo contempladas integralmente, elas são representativas
para a eficácia das conferências se analisadas do ponto de vista da inserção das
demandas nas decisões governamentais. Como colocado por Avritzer (2008), as
Conferências Nacionais iniciam um processo de deliberação que é finalizado
690

pelo órgão Estatal, que pode aceitar ou não as demandas da sociedade. Neste
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caso, a aceitação das demandas se deu em boa parte fragmentada, mas isso
não exclui a inserção da participação social nas decisões.

O resultado da coleta de dados demonstrou que apenas uma deliberação


foi contemplada integralmente dentre as 31 deliberações, o que representou em
termos percentuais 3% do total. A única deliberação contemplada integralmente
foi contemplada pelas arenas de decisão da política do SUAS, por meio de
resoluções da CIT e do CNAS e no principal instrumento de planejamento das
políticas públicas do governo federal, o PPA, por meio de duas iniciativas.

A pouca representatividade das deliberações nos processos decisórios,


contradiz alguns autores, que abordam que a assistência social tem forte poder
de inclusão da participação social nos instrumentos de decisão. É o caso de
Avritzer (2012) que argumenta que nos campos em que a tradição de
participação é maior e possui conselhos bem estruturados, haverá maior
facilidade para inserção das decisões das conferências nas políticas públicas. A
assistência social possui conselhos gestores implementados e estruturados nos
três níveis federativos, estabelecidos desde a Constituição de 1988, pelo art. 204
e regulamentados pela LOAS 8.742/93 (BRASIL, 1993), e possui movimentos
sociais organizados que possuem forte participação social.

Assim como Avritzer (2012), Silva (2009) considera a assistência social


um campo em que as deliberações possuem mais força nas decisões do
governo, como colocado no trecho:

No entanto, em geral, a natureza das decisões de uma


conferência, ou ainda seria mais adequado chamar de a
força de suas decisões, está diretamente relacionada ao
seu grau de institucionalização do ponto de vista da
691

existência de legislação que respalda (obriga) a sua


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realização. Assim, as deliberações de conferências de

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políticas públicas constitucionais como, por exemplo, são


os casos das políticas de saúde e da assistência social,
têm mais força na esfera dos órgãos decisórios de âmbito
federal, mesmo que tal fato não se reflita na garantia da
implementação (SILVA, 2009, p.28).

Esta pouca representatividade das deliberações nos processos decisórios


pode ser explicada a partir de um ponto de vista teórico, como o de Hendrycks
(2006), que coloca que a grande pluralidade de atores e ideias que essas arenas
representam, como em um processo conferencial, traz demandas diversas, o
que dificulta a inserção de todas nas decisões da política. Assim, a citação de
Hendrycks (2006, p.502), se adequa a esta análise: o processo deliberativo é
bastante plural em relação aos atores e as demandas, o que faz com que muitos
não sejam representados diretamente nas decisões. Assim, algumas demandas
se perdem durante o processo deliberativo, mas que podem refletir no conjunto
de ideias já apresentadas.

Se forem analisados os resultados a partir de quais instrumentos foram


contempladas as deliberações, chega-se ao gráfico abaixo.

Gráfico 1 - Quantidade de normativas que aderiram as deliberações.


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Normativas Aderidas

33%
Total de resoluções do
CNAS 2014 aderidas
Total de metas/Iniciativas
do PPA 2016-2019
67%

Fonte: autoria própria

Ao totalizar o somatório de resoluções da CIT, CNAS e metas e iniciativas


do PPA 2016-2019, foram encontradas 18 normativas que contemplaram as
deliberações. Desse total de 18, 12 foram metas e iniciativas do PPA, o que teve
a maior representatividade em valores percentuais – de 67%. Quanto às
resoluções do CNAS, o número foi de 6 resoluções, o que representou 33%.
Essa maior representatividade das metas e iniciativas do PPA 2016-2019 ajudou
a fundamentar a afirmação que é feita por Petinelli (2011) que:

As conferências são o principal instrumento de proposição


de novas diretrizes para os planos plurianuais e como
instrumento de avaliação e monitoramento das ações
governamentais nas três esferas de governo (PETINELLI,
2011, p.231).
693

Assim, pode-se inferir que o projeto de lei do PPA 2016-2019 esteve mais
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suscetível às demandas levantadas nas deliberações. O PPA 2016-2019

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apresentou-se como um instrumento de planejamento aberto as demandas e o


diálogo com a sociedade civil, como está citado na sua cartilha de elaboração:
“O processo de elaboração do PPA 2016–2019, que se inicia, estabelece bases
sólidas de diálogo com a sociedade e os movimentos sociais” (BRASIL, 2015b,
p.4).

Não houve a contabilização das resoluções da CIT neste gráfico.


Normativamente, para que uma resolução da CIT se torne válida para a política,
é necessário que ela seja aprovada em plenária do CNAS, o que resulta em uma
nova resolução com o mesmo conteúdo. Portanto, as resoluções do CNAS e CIT
possuem o mesmo conteúdo em 5 das resoluções e em apenas uma a resolução
é de origem própria do CNAS, que foi a Resolução nº 15 de junho de 2014
(BRASIL, 2014d), que dispõe sobre orientações aos Conselhos de assistência
social, quanto “à sua organização e ao seu funcionamento como instância de
participação e de controle social do Programa Bolsa Família (PBF)” (BRASIL,
2014d).

Essa análise sobre as Conferências Nacionais como um sistema


integrado de deliberação permite que o momento de propor diretrizes seja
analisado por meio da efetividade da inserção das deliberações nos normativos
da política pública do SUAS, como um dos momentos da dinâmica deliberativa.
Assim, com base em Hendrycks (2006, p.503), é possível entender que
independentemente da capacidade dos atores envolvidos no processo
deliberativo, o importante aspecto que essas arenas podem trazer quando são
promovidas é uma melhora na qualidade e na quantidade das deliberações para
as políticas públicas contemporâneas.
694
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O valor pouco representativo que as deliberações parcialmente e


integralmente contempladas representaram do total pode ser relacionado com
fatores já citados da pluralidade de matérias que uma mesma deliberação
contempla, mas também com a falta de mecanismos contínuos e bem definidos
de monitoramento e avaliação das deliberações até a realização da IX CAS.
Porém, em 2014 constitui-se a comissão de monitoramento das deliberações
das Conferências Nacionais, que foi instituída pela resolução do CNAS Nº 8 de
15 de Abril de 2014 (BRASIL, 2014c). Essa comissão pode ser um importante
avanço para a instituição de uma metodologia clara de monitoramento das
deliberações e outras atribuições que favorecem a inserção das deliberações
nas decisões da política do SUAS, o que ainda não se refletiu até o momento
nos resultados analisados da IX conferência, como está definido normativamente
como atribuição desta comissão no art.6º: “II. Desenvolver a avaliação e o
monitoramento das deliberações das Conferências Nacionais de assistência
social, a partir da IX Conferência Nacional de assistência social” (BRASIL,
2014c). Assim, insuficientes os resultados coletados neste estudo, pode ser
matéria para uma futura pesquisa avaliar como essa comissão pode estar
influenciando a inserção das deliberações nas decisões da política pública do
SUAS.

Os resultados da pesquisa aproximam a análise sobre a perspectiva das


teorias deliberativas integradas, que possuem como característica comum um
caráter mais inclusivo em que se integram a participação social, representação
e deliberação em uma mesma arena, do processo deliberativo das Conferências
Nacionais, em que a proposição de diretrizes é apenas uma parte do complexo
processo que é inserir a participação social junto à representação. Some-se a
695

isso o caráter nacional da conferência que visa incluir a pluralidade que uma
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política nacional abrange, como o Sistema Único de Assistência Social, que está

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na quase totalidade dos munícipios brasileiros, e a partir disto tentar mobilizar a


agenda e possíveis decisões estatais acerca da política.

Este estudo tentou analisar as deliberações que se expressam por meio


de resoluções do CNAS e CIT, metas e iniciativas do PPA, instrumentos formais
de uma política pública, mas que não abrangem toda a complexidade da gestão
e do processo político envolvido. Muitas deliberações podem não estar
expressas nesses instrumentos normativos analisados, mas podem ter
mobilizado a agenda da política pública, o que não é possível de ser aferido
unicamente por meio desses documentos normativos, dificultando a sua análise.

Todos esses resultados e possíveis interpretações indicam que estudos


adicionais sobre os efeitos das conferências sobre as políticas públicas
permanecem como uma agenda de pesquisa relevante e necessária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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estabelecendo uma agenda de pesquisa. In: AVRITZER, S; SOUZA, C.H.
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AVRITZER, Leonardo. Instituições participativas e desenho institucional:


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_______. Leonardo; SOUZA, Clóvis Henrique Leite de. Introdução. In:


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abril de 2014c. Regulamenta o funcionamento da Comissão de Monitoramento
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ANÁLISE DO SEU PAPEL SOBRE A POLÍTICA PÚBLICA DO GABRIEL VIEIRA DE MOURA
SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
GABRIEL VIEIRA DE MOURA
CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: ANÁLISE DO SEU PAPEL SBRE A POLÍTICA
PÚBLICA DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

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GABRIEL VIEIRA DE MOURA
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SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
CARLA REGINA SILVA, ISADORA CARDINALLO, MARINA SANCHES SILVESTRINI, ALINE ZACCHI FARIAS,
ANA CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO ANTÔNIO LIU TARGA MANCINI
CULTURA E PROFISSIONALIZAÇÃO DA CRIATIVIDADE PARA JUVENTUDE

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

CULTURA E PROFISSIONALIZAÇÃO DA CRIATIVIDADE


PARA JUVENTUDE

CARLA REGINA SILVA1, ISADORA


2
CARDINALLOi , MARINA SANCHES
SILVESTRINI3, ALINE ZACCHI FARIAS4, ANA
CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO4,
MARCO ANTONIO LIU TARGA MANCINI5

1Doutora em Educação. Professora Adjunta do Departamento de Terapia


Ocupacional da UFSCar e do Programa de Pós-Graduação em Terapia
Ocupacional da UFSCar. Líder do Grupo de Pesquisa Atividades Humanas e
Terapia Ocupacional – AHTO. E-mail: carlars@ufscar.br
2Terapeuta Ocupacional pela UFSCar, Mestranda no Programa de Pós-

Graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar e membro do Grupo de


Pesquisa Atividades Humanas e Terapia Ocupacional – AHTO.
3Terapeuta Ocupacional pela UFSCar, Pós-Graduanda do curso de Gestão

Cultural e membro do Grupo de Pesquisa Atividades Humanas e Terapia


Ocupacional – AHTO.
4Estudante do curso de graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar e
705

membro do Grupo de Pesquisa Atividades Humanas e Terapia Ocupacional –


AHTO.
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CARLA REGINA SILVA, ISADORA CARDINALLO, MARINA


CULTURA E PROFISSIONALIZAÇÃO DA CRIATIVIDADE SANCHES SILVESTRINI, ALINE ZACCHI FARIAS, ANA
PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
ANTÔNIO LIU TARGA MANCINI
CARLA REGINA SILVA, ISADORA CARDINALLO, MARINA SANCHES SILVESTRINI, ALINE ZACCHI FARIAS,
ANA CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO ANTÔNIO LIU TARGA MANCINI
CULTURA E PROFISSIONALIZAÇÃO DA CRIATIVIDADE PARA JUVENTUDE

5Estudantedo curso de graduação em Educação da UFSCar e membro do


Grupo de Pesquisa Atividades Humanas e Terapia Ocupacional – AHTO.

RESUMO

As recentes políticas culturais consideram a cultura em suas dimensões


econômica, cidadã e simbólica como parte essencial para o desenvolvimento e
a economia criativa como eixo estratégico fundado na inclusão, sustentabilidade
e inovação. Apresentamos uma pesquisa que mapeou as atividades culturais de
jovens artistas com vistas a compreender os processos de profissionalização da
criatividade, a geração de renda e trabalho. Foram realizados mapeamentos e
análises de ações artísticas e culturais em São Carlos-SP protagonizadas por
jovens com interesse na profissionalização da criatividade. Dos 121
equipamentos, 45% ofertavam atividades em dança, teatro, música, artes
manuais e visuais e as 96 entrevistas indicaram necessidade de
aperfeiçoamento de técnicas artísticas, gestão, infraestrutura e recursos
financeiros. As demandas demonstram a fragilidade do setor, a necessidade do
fortalecimento de rede colaborativa e busca pela ampliação e fortalecimento de
políticas sociais, contudo a satisfação pessoal e o envolvimento social e
ideológico promovem empoderamento e impacto social.

ABSTRACT

Recent cultural policies consider culture in its economic, civic and symbolic
dimensions as an essential part for the development and the creative economy
as a strategic axis based on inclusion, sustainability and innovation. Here is a
survey that mapped the cultural activities of young artists in order to understand
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the creativity professionalization process, the generation of income and


employment. Mapping and analysis were performed about artistic and cultural
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activities in São Carlos -SP starring young artists with interest in the
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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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ANA CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO ANTÔNIO LIU TARGA MANCINI
CULTURA E PROFISSIONALIZAÇÃO DA CRIATIVIDADE PARA JUVENTUDE

professionalization of creativity. Of the 121 facilities, 45% offered activities in


dance, theater, music, arts and crafts and visual and 96 interviews indicated need
for improvement of artistic techniques, management, infrastructure and financial
resources. The demands demonstrate the sector's weakness, the need for
collaborative network to strengthen and quest for expansion and strengthening
of social policies, however personal satisfaction and social and ideological
involvement promote empowerment and social impact.
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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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ANA CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO ANTÔNIO LIU TARGA MANCINI
CULTURA E PROFISSIONALIZAÇÃO DA CRIATIVIDADE PARA JUVENTUDE

INTRODUÇÃO

No final da década de 1970, uma série de transformações em vários


países traça um novo desenho da economia mundial, por meio do
neoliberalismo, instituindo novos padrões de vida e de nossas necessidades,
uma vez que, “propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido
emancipando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no
âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos de
propriedade privada, livres mercados e livre comércio” (HARVEY, 2008, p. 12).

Este novo sistema ampliou de forma praticamente irreversível as


desigualdades mundiais, “para o neoliberalismo, a exclusão é um componente
de modernização encarregada ao mercado” (CANCLINI, 2003, p. 23),
produzindo um movimento de reorientação do capitalismo internacional,
impregnando uma cultura neoliberal, na qual, todas as suas consequências
negativas sejam “devidamente assimilados por nossas sociedades como
naturais, inevitáveis e até mesmo desejáveis, ainda que representem uma
ampliação sem precedente de degradação das condições humanas e ambientais
de sobrevivência no planeta” (ZORZAL, 2006, p. 7, grifos do autor).

Neste mesmo período, vivemos um novo paradigma em relação à cultura,


transformando a ideia da democratização cultural vivida nos anos de 1960 em
detrimento da perspectiva da democracia cultural (BOTELHO, 2001). Assim,
buscou-se romper com uma visão hierárquica da cultura, balizada pelo Estado
centralizador, de características elitistas e ilustradas. O que corroborou para que
708

se ampliasse o escopo da cultura para a integração das identidades, dos modos


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de vida, da diversidade e dos direitos culturais, promovendo a cultura como

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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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diretamente relacionada ao desenvolvimento humano ou econômico, como


nuclear ao desenvolvimento de qualquer sociedade.

De um lado temos o capital e o mercado ditando as regras de forma muito


persuasiva em relação aos padrões de vida e de consumo da sociedade, temos
estratégias que inferem outros componentes na contramão do status quo, de
outro podemos compreender a cultura, ou melhor, a diversidade cultural como
central no desenvolvimento, a partir das seguintes variáveis: 1) processo de
mudança social e econômica; 2) os graus de liberdade social, econômica e
política; 3) universalidade das oportunidades de saúde, educação e criação e 4)
a possibilidade efetiva de se desfrutar o respeito pessoal e as garantias plenas
dos direitos humanos (BARROS, 2008).

O desenvolvimento da questão cultural, do ponto de vista das políticas


públicas no Brasil é bastante recente enquanto pauta e prioridade de
investimento, com avanços muito recentes e permanecendo numa relação frágil
em relação aos direitos culturais no país.

Rubim (2007, p. 101) relata que a “história das políticas culturais do


Estado nacional brasileiro pode ser condensada pelo acionamento de
expressões como: ausência, autoritarismo e instabilidades”. Segundo o autor,
existem referências desta temática iniciar já no Segundo Império, contudo a tese
é refutada e necessita de maiores investigações.

Para Calabre (2007), no Brasil, é longa a tradição entre Estado e cultura,


contudo se o foco for a política cultural, temos que durante o governo de Getúlio
Vargas (1930-1945) foram implementadas “primeiras políticas públicas de
cultura”. Uma série de outros eventos foi importante para a institucionalização
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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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estatal da cultura41, contudo, todos de forma bastante insuficientes, precários e


instáveis. Num breve histórico, a criação do Ministério da Cultura data de 1985,
sendo que considerações sobre o campo foram ampliadas com a Constituição
de 1988, o Marco Legal da cultura, contido no Capítulo III, seção II – Da Cultura,
artigos 215 e 216, ainda que o texto constitucional seja bem amplo e genérico.

Temos, portanto, uma ausência da constituição de estratégias,


planejamento, institucionalidade e materialidade em relação aos mecanismos
das políticas públicas pautadas pela cultura. Porém, a ampliação e o
investimento mais expressivo acontecem apenas recentemente, após a
reformulação do ministério, em 2003. Quando conseguiram colocar a cultura na
agenda pública, com financiamento e estratégias específicas, tais como, a
concepção de cultura e as 53 Metas adotadas no Plano Nacional da Cultura e o
Sistema de Informação de Cultura (CALABRE, 2007).

Contudo, a ausência de uma tradição da política cultural no país,


corroborada pela implementação de políticas públicas no contexto atual, pós as
políticas keynesianas, cujo ponto de vista da política pública,

o ajuste fiscal implicou a adoção de orçamentos


equilibrados entre receita e despesa e restrições à
intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais.
Esta agenda passou a dominar corações e mentes a partir
dos anos 80, em especial em países com longas e
recorrentes trajetórias inflacionárias como os da América
Latina (SOUZA, 2006, p. 20).
710

41
Ressalta-se que em 1985, durante o governo do Presidente José Sarney, foi criado o Ministério da Cultura,
Página

extinto em 1990, sob o governo de Fernando Collor, junto com diversos de seus órgãos e recriado em 1992, sob
o governo de Itamar Franco (CALABRE, 2007).

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Assim, é de extrema importância atuação do Estado na área da cultura


por meio de políticas públicas, essa deve ser uma pauta da agenda de todas as
esferas de governo, para que possamos de fato, democratizar o acesso, a
produção e a divulgação dos bens culturais nacionais, contudo, vivemos numa
época cuja implementação e efetivação dessas lutas por meio das políticas
públicas, nunca estiveram tão acirradas no jogo político. A tendência é de
transformação da cultura em indústria cultural e associá-la à mercadoria.

Além disso, para Duran (2001) a autoridade pública deve operar com um
espaço subespaços governados por lógicas diferentes – a cultura erudita, a
indústria cultural e as culturas populares, e deve manifestar uma linha clara de
ação ou uma justificativa consistente sobre o seu financiamento. “O grande
desafio é transformar esse complexo de ações em políticas que possam ter
alguma garantia de continuidade nas próximas décadas” (CALABRE, 2007, p.
17).

O atual Plano Nacional de Cultura (BRASIL, 2013), apresenta a cultura


em três dimensões, que compõem e se conectam no cotidiano de ações
culturais, seriam elas: dimensão simbólica, cidadã e econômica. Todas são
essenciais para o desenvolvimento e, tal categorização, refletirá nas próprias
proposições políticas. Parte-se da ideia de que “todos os seres humanos têm a
capacidade de criar símbolos” (BRASIL, 2013a, p.16). Defende-se a “cultura
como um direito básico do cidadão” (BRASIL, 2013a, p.17). E, investe-se no
fortalecimento e desenvolvimento de mecanismos e de setores criativos na
economia nacional (BRASIL, 2011).

Sobre a dimensão econômica, especificamente, a cultura alia-se ao vetor


do desenvolvimento sustentável e social, uma vez que promove a inovação e a
711

inclusão, em busca de uma “sinergia capaz de alavancar um desenvolvimento


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endógeno que, por sua vez, permitiria ao Brasil, uma nova alternativa de

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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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crescimento econômico não mais construído de fora para dentro, mas resultado
de uma dinâmica econômica local” (BRASIL, 2011, p.14).

Porém, conceber a cultura na era do consumo é um trabalho complexo


que envolve exploração, sistematização e desvelamento das potências
humanas, materiais e imateriais. Torna-se necessário pensar sobre as
concepções de cultura e na valorização da diversidade cultural. Como lembra
Botelho (2001), não é uma tarefa simples, pois “uma política cultural que defina
seu universo a partir do pressuposto de que “cultura é tudo” não consegue
traduzir a amplitude deste discurso em mecanismos eficazes que viabilizem sua
prática” (BOTELHO, 2001, p. 75).

Aprofundando na dimensão econômica, as formas de financiamento


adotadas pela área da cultura no país atualmente seguem um caráter “misto”, no
qual se prevê recursos privados e os recursos públicos estão associados a um
“fundo perdido”, configurando-se uma grande questão por trás dessa forma de
arrecadação: “quais são os efeitos sobre o tipo de cultura que é oferecida, a
quem e a que preço?” (DURAND, 2001, p.68). Fazendo com que, para conseguir
sobreviver financeiramente, esse setor se submeta aos condicionamentos, às
contradições e aos valores do mercado (já que, quando “nos conformes”,
representa apenas um por cento dos orçamentos públicos, do produto nacional
bruto) (ALMEIDA PRADO; SILVA, 2015, p.13).

Para uma abordagem completa das políticas culturais, é necessário


correlacionar política e cultura, não perdendo de vista o quanto a as políticas
culturais podem moldar e dar forma para as expressões culturais atuais
(ALMEIDA PRADO; SILVA, 2015). Se construída de forma integral com as
políticas públicas em geral, Bezerra e Weyne (2013) apontam que as políticas
712

públicas culturais podem cooperar na para a construção de uma sociedade mais


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igualitária. O Ministério da Cultura, nos últimos anos vem trilhando sua trajetória

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de maneira a se fortificar e se reestruturar de forma mais sólida em nosso país,


objetivando, através da cultura, a promoção da inclusão social (BEZERRA;
WEYNE, 2013).

De acordo com Brasil (2012), atualmente em nosso país contamos com


um Sistema Nacional de Cultura, que apesar de ser bastante recente e ainda
estar em processo de desenvolvimento, vem conquistando grandes ganhos e
avanços. O Sistema Nacional de Cultura, em essência, caminha para o
fortalecimento institucional das políticas culturais da União, estados e
municípios, de forma democrática e também ao favorecimento do controle social,
através da criação de conselhos, realização de conferências, elaboração de
planos de cultura, criação de fundos de financiamento específicos, programas
de formação, entre outros (ALMEIDA PRADO; SILVA, 2015).

Contudo, atualmente devido ao sistema em que estamos inseridos, e suas


políticas neoliberais, houve uma forte influência das mesmas nas políticas
culturais, dando origem a novas formas de financiamento, fazendo com que o
setor privado se aproprie de parte do dinheiro público destinado a cultura, dando
o tom e o direcionamento do tipo de cultura que é produzido em nosso país
(ALMEIDA PRADO; SILVA, 2015).

O debate sobre as políticas públicas culturais está diretamente


relacionado à discussão sobre direitos, cidadania e perspectivas ideológicas,
defendemos sua construção, constituição e continuidade através da participação
do Estado em conjunto com a sociedade, onde a responsabilidade desse
processo é necessariamente do próprio Estado, mesmo este estando consciente
que sua efetividade pode gerar o questionamento da própria estrutura social.
713

O Brasil juntamente com outros países da América Latina, vem se


organizando para o desenvolvimento da Economia Criativa desde a Conferência
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das Nações Unidas para o comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) em 2004,


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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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introduzindo programas e atividades que envolvam setores criativos (UNESCO,


2013).

O governo federal brasileiro, deste período, apontava que a cultura


poderia ser utilizada para o desenvolvimento econômico para o país de forma
sustentável, gerando empregos e inclusão social, e isto é demonstrado pelo
crescimento médio anual nos setores criativos de 6,13% que corresponde a um
aumento superior de 4,3% no PIB nacional (BRASIL, 2009, s/p).

Para De Massi (2002), isto corre devido ao fato de a criatividade possuir


um papel fundamental e de destaque que antes não possuía. Ela vem sendo
considerada força motriz para uma nova economia que envolve indústrias e
setores criativos. Além disto, a economia criativa é considerada como eixo
estratégico de desenvolvimento fundado na inclusão social, sustentabilidade e
inovação (COSTA, 2001).

Diante dos desafios e perspectivas na relação entre cultura e a economia


nacional, os desafios se multiplicam ao pensar na intersecção dos temas com a
condição da juventude brasileira. Por outro lado, as perspectivas também se
ampliam ao considerar a potência de criação e produção cultural do grupo
populacional. Mesmo assim, compreende-se que pensar a juventude na escola
e no trabalho, considerando o desenvolvimento e valorização cultural, são temas
de extrema importância e urgência devido a carência de condições e ações
efetivas.

A juventude possui precária inserção no trabalho formal, mesmo


associados às novas estratégias voltadas para o campo da cultura. A juventude
compreende a faixa etária de 15 a 29 anos (BRASIL, 2013b), reúne um grupo
714

populacional numericamente expressivo nacionalmente, representando uma


geração de grande relevância social, política e econômica, com o curso da vida
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marcado pela construção da identidade e desenvolvimento das bases de como


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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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o indivíduo irá se relacionar com e no mundo em todos os setores da sociedade


(GROPPO, 2007; CORROCHANO, 2013; SILVA, et al., 2016)

A partir de tais reflexões foram desenvolvidas atividades integradas de


ensino, pesquisa e extensão universitária, em parceria com a comunidade
artística da cidade de São Carlos - SP. As atividades estiveram vinculadas foram
o Programa de Extensão Universitária Arte, Cultura, Juventude e
Empreendimentos Criativos42, a Pesquisa Juventude, Trabalho e
Profissionalização da Criatividade, associada a quatro Iniciações Científicas43
desenvolvidas entre 2013 e 2015 e a oferta de Atividades Curriculares Integradas
de Ensino, Pesquisa e Extensão – ACIEPE Arte, cultura, juventude e trabalho44.

A pesquisa articula-se com o conceito de profissionalização da


criatividade, cunhado por Almeida e Pais (2012), que consideram que os
processos criativos, a criação e a criatividade no mundo contemporâneo vêm
adquirindo novas dimensões de organizações produtivas, permitindo uma
ampliação de trabalho para o público jovem. Isto se deve ao fato de esses
processos estarem sendo explorados sob a ótica da possibilidade de geração de
renda através de práticas profissionalizantes que regulam esta
profissionalização criativa por meio dos mecanismos de subjetivação da criação

42
O Programa foi aprovado e financiado por meio do Edital do Programa de Extensão Universitária PROEXT
da Secretaria de Ensino Superior, do Ministério da Educação (2013-2014), e apoiado pela Pró-Reitoria de
Extensão da Universidade Federal de São Carlos, realizado pelo Laboratório de Atividades Humanas e Terapia
Ocupacional do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos.
43
Trata-se de Pesquisa ‘guarda-chuva’ que integrou as pesquisas de Iniciação Científica: Juventude,
Empreendimentos Criativos e Tecnologia Social (2013-2014); Jovens Atores Teatrais: o trabalho e a
profissionalização da criatividade (2013-2014); O Hip-Hop é uma Família Só: juventude, trabalho e
profissionalização da criatividade. (2014-2015) e Prelúdios sobre Formação Artística: a profissionalização da
criatividade de artistas circenses, com apoio dos programas de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa
da Universidade Federal de São Carlos e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
715

(CNPq).
44
A ACIEPE foi ofertada para 35 estudantes e interessados da comunidade externa à universidade, durante o
primeiro semestre de 2014, e contribuiu para a articulação das ações de pesquisa, ensino e extensão, por meio de
Página

encontros teóricos, práticos e trabalho de campo, no qual miniequipes tiveram oportunidades de conhecer e
participar das ações de pesquisa e extensão com jovens artistas da cidade.
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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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dos sujeitos, e que também vem sendo utilizada em espaços empresariais


(ALMEIDA; PAIS, 2012).

Serão apresentadas reflexões sobre o mapeamento das atividades


artístico-culturais protagonizadas por jovens (15 a 29 anos), de acordo com o
Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013b) realizado durante o ano de 2013. Tendo
em vista as considerações do Ministério da Cultura de que o mapeamento do
campo cultural é de grande contribuição para conhecer e mensurar as atividades
culturais e, assim, obter parâmetros e detectar as necessidades culturais e
sociais em um determinado local (BRASIL, 2013a). Considera-se a possibilidade
de contribuir para as formulações, o monitoramento, a gestão e a avaliação das
políticas culturais (SILVA, et al., 2016).

METODOLOGIA

A pesquisa se desenvolveu em dois momentos. No primeiro, foram


mapeados todos os serviços públicos, privados e ligados ao terceiro setor que
ofertavam atividades artísticas culturais para a população e aplicado
questionário para identificação dos jovens e grupos de artistas. No segundo
momento os contatos adquiridos foram organizados a partir de suas expressões
culturais, tais como: circo, teatro, dança, música, artes visuais e artes manuais.

Posteriormente foram realizados contatos diretamente com os jovens


artistas produtores e/ou gestores culturais, com interesse na profissionalização
da criatividade, os quais foram convidados para uma entrevista semiestruturada.
Todas as entrevistas que se encaixavam no perfil da pesquisa: ser jovens,
residentes e atuantes na cidade de São Carlos com o objetivo de
716

profissionalização da criatividade foram gravadas, transcritas e tabuladas. Todos


Página

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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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os procedimentos éticos foram respeitados e os participantes anuíram os termos


de consentimento livre e esclarecido.

A realização e organização do trabalho se deram através da criação de


cinco miniequipes interdisciplinares contando com dez estudantes bolsistas,
considerando suas aptidões/aproximação com as determinadas expressões
artísticas (Silva, et al, 2016).

Durante todo o processo da pesquisa foram realizadas atividades de


planejamento, monitoramento, avaliação, sistematização e compartilhamento
dos dados obtidos. Também se realizou, durante todo o procedimento, de forma
democrática, encontros semanais de estudos, planejamento, acompanhamento
e reorganização, objetivando o aprimoramento das atividades realizadas (Silva,
et al, 2016).

RESULTADOS

Com a finalização do mapeamento, foi possível obter um panorama dos


serviços culturais e artísticos ofertados ao público jovem no município de São
Carlos, por meio de um questionário aplicado nos diferentes setores. Foram
consultados 121 equipamentos, sendo 60 públicos, 36 privados e 25 do terceiro
setor e a partir desse contato conseguiu-se a indicação de 210 grupos ou artistas
individuais sendo desses 194 indicados pelo setor público, 03 pelo privado e 13
pelo terceiro setor (SILVA, et al., 2016).

Tabela 1 - Oferta de atividades artístico-culturais em relação aos setores da


economia
717
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Analisando o setor público, verificamos que a maior parte das atividades


artístico-culturais são voltadas para os jovens, sendo elas 80%; dentre as
expressões artísticas mais presentes que foram dança, teatro, artes visuais e
manuais, tendo estas principalmente o objetivo educacional. Em relação ao setor
privado, foi possível identificar que entre as atividades disponibilizadas eram
predominantemente destinadas à dança e em seguida à musica, com um grande
foco no ensino técnico. Já no terceiro setor, 58% das atividades são destinadas
aos jovens; são estas em sua maioria voltadas para as artes manuais, música e
dança, também relacionado ao ensino, contudo valorizado a convivência e o
lazer (SILVA, et al., 2016).

Em uma segunda etapa do mapeamento, foram identificados os grupos


protagonizados por jovens e de jovens artistas que desenvolviam atividades a
partir do perfil: jovem (15 a 29 anos), residente da cidade de São Carlos-SP e
atuante. Assim, foram realizadas 96 entrevistas sendo eu destas 46 participaram
efetivamente da pesquisa, pois desejavam a profissionalização de sua arte.
718
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Tabela 2: Entrevistas realizadas e grupos de artistas mapeados por


expressão

Expressão Artística Entrevistas Artistas jovens que


realizadas almejam a
profissionalização

Música 32 15

Dança 12 6

Arte circense 12 7

Teatro 6 3

Artes visuais, plásticas e 34 15


manuais

TOTAL 96 46

Dessa forma, através das entrevistas detalhadas, foi possível elencar


demandas, dificuldades e encontrar potencialidades e estratégias nos jovens
que trabalham diretamente com a profissionalização da criatividade em cada
expressão artística, aprofundando as discussões sobre arte, cultura, juventude
e trabalho (SILVA, et al., 2016).

Jovens artistas musicais

Em relação aos grupos de música foram levantados 120 contatos de


artistas e grupos, destes 32 grupos e/ou artistas foram entrevistados por,
719

inicialmente, se encaixarem no perfil procurado. Desse total, foram encontrados


16 grupos de música no perfil da pesquisa, sendo que os estilos mais presentes
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foram rock, e hip hop. Destes, relataram ter por objetivo o viver da arte e/ou o
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desejo de profissionalização por meio dela, sendo relevante ressaltar que destes
60% tinham o objetivo de lazer atrelado ao do trabalho/ profissionalização. Em
relação aos grupos entrevistados, cerca de 62,5% desenvolvem ou já
desenvolveram serviços para comunidade que variam desde apresentações
públicas a oficinas e formações específicas, quando questionados em relação à
possíveis articulações com outros grupos e serviços, 23 grupos afirmaram
realizar parcerias e articulações de alguma forma no decorrer de sua carreira
artística (SILVA, et al., 2016).

As principais dificuldades relatadas para a profissionalização, entre tais


grupos, variam desde o próprio estilo musical que é pouco valorizado
comercialmente à falta de recursos para investir na arte e a dedicação exclusiva
a esta. Dessa forma, era comum o discurso de exercer outras ocupações,
informais ou temporárias para obter renda na tentativa de manter a principal
ocupação ligada às atividades artísticas, sendo estas desejadas e
desempenhadas com afeto (SILVA, et al., 2016).

No entanto, por mais utópica e distante que a profissionalização e o viver


da música pareçam, os grupos apontam estratégias e motivações que vão muito
além da questão financeira (apesar da estabilidade financeira ser interessante),
que adentra a produção cultural, a transformação social e o desejo de expressar
e transmitir aos outros aquilo que me toca e me move sempre a continuar e a
acreditar (SILVA, et al., 2016).

Jovens dançantes

Na primeira etapa do mapeamento, foram indicados 32 grupos de dança.


Depois do contato inicial e seletivo, 12 grupos passaram pelo processo de
720

entrevista e apenas 6 se encaixaram no perfil do projeto. Ressalta-se o número


de componentes dos grupos que juntos somam 87 pessoas envolvidas com esta
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expressão artística, distribuídos nos grupos descritos na tabela abaixo que


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desenvolvem os estilos dança de rua, dança do ventre e break (SILVA, et al.,


2016).

Todos que almejam a profissionalização intencionam que sua arte possa


ser fonte de renda e sustento, entretanto, três grupos/artista mantém trabalhos
paralelos fora do campo cultural para sobrevivência financeira. Em relação ao
financiamento, cinco (83%) se mantém com recursos próprios conseguidos
através de trabalhos artísticos, workshops, mensalidade dos alunos e um deles
conta com apoios e doações. Os grupos relataram a realização de parcerias com
universidades, escolas e outras academias de dança para obtenção de recursos,
estruturas físicas ou realização de apresentações e apenas um deles associou
a profissionalização vinculado a projetos sociais (SILVA, et al., 2016).

Entre as dificuldades apontadas pelos artistas, quatro relataram ter


dificuldades em conseguir recursos financeiros externos, três citam a falta de
reconhecimento, também foram citadas – a dificuldade em conciliar os trabalhos
artísticos com os estudos, a falta de parcerias e a dificuldade de realizar a
divulgação do trabalho. A venda de shows foi apresentada como estratégia por
apenas dois grupos e metade deles apontaram para a necessidade de fomento
das políticas públicas culturais (SILVA, et al., 2016).

O sonho de ter o próprio espaço para realização de ensaios, shows e


aulas de dança e ser reconhecido por sua arte apareceu no discurso de todos
os entrevistados, tal como o desejo de obter um maior número de adeptos dessa
arte. Entre os desejos e objetivos desses grupos também se pode elencar a
participação em competições dentro e fora da cidade de São Carlos, visto como
um meio de divulgação do trabalho e trocas de vivências (SILVA, et al., 2016).
721

Jovens teatrais
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Foram identificados na primeira etapa 36 grupos que realizavam


atividades específicas voltadas para o teatro. Contudo, apenas seis grupos
estavam no perfil. Dentre as múltiplas escolhas sobre o principal objetivo dos
grupos, metade dos grupos apresentaram: 70% tem como objetivo a geração de
renda, trabalho e profissionalização, oferecer contato, experimentação informal
no campo da arte e cultura para outras pessoas; 40% são voltados às práticas
ou movimentos com ideais sociais, políticos e de cidadania e 20% declaram
como objetivo o lazer (SILVA, et al., 2016).

Diante das dificuldades encontradas, todos os grupos mencionam a


necessidade de possuírem outros trabalhos para a sua própria subsistência e
ressaltaram a ausência de políticas culturais eficientes, que garantam incentivos
públicos e privados para a realização de suas atividades. Os próprios grupos
também apontam a falta de espaços estruturais no município, voltados às
diversas necessidades que permeiam o universo do teatro como ensaio, figurino,
iluminação, material de leitura, acervo de cenário, entre outros (SILVA, et al.,
2016).

Por outro lado, apesar de todas as dificuldades e responsabilidades, as


falas dos agentes culturais evidenciam o caráter da satisfação pessoal que a
produção artística proporciona, os jovens relatam com ênfase as possibilidades
de lazer e diversão, transformação social e política e sublimação da vida que o
teatro oferece, fazendo com que continuam na luta para execução de seus
trabalhos, ressaltando que muitas potencialidades são exploradas de forma mais
intensa durante a atividade da atuação e tal motivo é fator que justifica a
continuidade desse fazer mesmo com tantos desafios e demandas presentes. A
seguir, trechos das entrevistas que envolvem as reflexões apontadas (SILVA, et
722

al., 2016).
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Jovens circenses

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Foram identificados 19 grupos e realizadas 12 entrevistas com os grupos


selecionados pelos critérios de inclusão da pesquisa. Característica marcante
desta expressão está no trabalho individual dos artistas, que mesmo quando se
configuram como coletivos, possuem poucos integrantes.

Nas entrevistas realizadas foram elencadas dificuldades como a falta de


investimento dos diversos segmentos do poder público nas atividades artístico
culturais, fazendo com que os grupos careçam de infraestrutura para poderem
exercer suas atividades; o número de editais ofertados também se configura
como insuficiente para esses grupos, bem como feedback para os participantes
que não foram selecionados nos mesmos. Diante da questão da falta de
financiamento, todos os grupos e artistas apontaram que necessitam exercer
outros tipos de trabalhos para sua sobrevivência (que na maioria possuem
elementos precarizantes como falta de carteira assinada, longas jornadas de
trabalhos, baixos salários, freelance, etc.), as dificuldades podem acarretar ao
abandonando da prática da atividade artística, ainda que os desejos e
investimentos dos artistas estejam voltados para manutenção e crescimento
(SILVA, et al., 2016).

É frequente o uso do trabalho nos sinais e praças como estratégias para


que os artistas não realizem trabalhos distintos a sua arte, dentre os grupos
selecionados para o perfil, quatro relatam utilizar essa estratégia. Porém se faz
necessário observar os riscos existentes nessas atividades, tais como: trânsito
de veículos, violência urbana e aqueles decorrentes da própria atividade tal como
os números de pirofagia, que para além da periculosidade do fogo decorre a
utilização de substâncias danosas à saúde (SILVA, et al., 2016).

Dentre as demandas identificadas pelos grupos, também há a falta


723

formação em outras áreas de conhecimento para a consolidação do grupo (tais


Página

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como gestão, gerência financeira, logística e produção) bem com a falta de


cursos de formação técnica ou superior na área das artes cênicas.

Jovens artistas visuais, manuais e outras expressões plurais

Nas expressões das artes manuais e visuais houve 106 indicações, 34


entrevistas realizadas e 15 grupos e artistas se encaixaram no perfil da
pesquisa11, sendo eles:

Em especial esta expressão artística apresentou uma gama de produções


e diversidade de categorias: artes visuais (13), artes manuais (10), artes
plásticas (2), artes manuais e visuais (2), artes manuais, visuais e plásticas (4),
artes plásticas e visuais (1), grupo de coworking e grupo de capoeira (SILVA, et
al., 2016).

Destes artistas e grupos 87% possuem como objetivo a geração de renda,


80% o trabalho e a profissionalização e 53% o lazer. Em relação aos
financiamentos oito (54%) dependem dos investimentos pessoais, seis (40%)
utilizam o próprio lucro com trabalhos para se manterem e um artista citou utilizar
as duas estratégias citadas. Quando questionados sobre as demandas para o
trabalho com a arte os grupos mencionam como dificuldades a baixa valorização
do trabalho, a falta de incentivo e recursos financeiros, a falta de visibilidade,
dificuldade de atingir o público alvo e da divulgação, não ter uma estrutura
apropriada para o trabalho, baixa capacitação dos profissionais, não poderem
dedicar-se em tempo integral à arte. Destes grupos e artistas cinco (34%)
oferecem algum tipo de serviço para a comunidade. Ganhar espaço, crescer
profissionalmente, conseguir se manter com a renda do próprio trabalho e
semear a arte pelo mundo são alguns dos objetivos e sonhos destes grupos
724

(SILVA, et al., 2016).


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Dentre as maiores diferenças relacionadas às demandas está a questão


de que os grupos de artes visuais buscam por capacitações/formações técnicas,
sete deles relatam essa necessidade enquanto os das outras categorias não
mencionam essa questão tão fortemente. Essa categoria também apresenta as
capacitações/formações como uma estratégia resolutiva, enquanto as outras
artes apontam num maior número de respostas a necessidade de incentivo das
políticas públicas de forma geral, da política cultural em especial e, ainda,
reivindicam primordialmente locais para a exposição de suas produções e obras
(SILVA, et al., 2016).

Os sonhos e desejos de realizações apareceram frequentemente nos


discursos dos jovens entrevistados, estando ligados às realizações da carreira
artística, ao reconhecimento e valorização do seu trabalho e à vontade de
semear a arte, conseguir ter visibilidade, atingir mais pessoas pelo mundo e
compartilhando seus processos de criação. As ações visando às transformações
ideológicas, políticas e sociais, a satisfação, a diversão e a sublimação da vida,
fortalecem esses jovens na luta pela sua arte (SILVA, et al., 2016).

CONCLUSÕES

Foi possível concluir, a partir das análises do trabalho de campo realizado,


que os jovens têm ocupado os campos de arte e cultura com trabalhos que visam
à profissionalização da criatividade e criações desenvolvidas nas carreiras
artísticas.

A pesquisa relatada pode levantar as demandas de inúmeros grupos e


artistas jovens, presentes numa cidade de médio porte do interior paulista, que
725

possui altos índices de escolaridade e esperam-se maiores taxas de consumo e


Página

fruição culturais. A relação de demandas identificadas a partir das entrevistas

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realizadas com os artistas jovens revelam as contradições presentes no trabalho


da cultura, constituído pelo trabalho autônomo, flexível com baixa remuneração,
pois muitos artistas mencionam possuírem outros trabalhos para a sua própria
subsistência e ressaltam a ausência de políticas culturais eficientes, que
garantam incentivos sejam eles públicos ou privados para a realização de suas
atividades. Ressalta-se que no Plano Nacional de Cultura uma das metas é
ampliar o número de trabalhadores com carteira assinada no campo da cultura
(BRASIL, 2013a).

Percebeu-se que a maioria desses apontamentos acerca dos maiores


desafios no universo cultural e sua conexão com o mercado de trabalho estão
presentes para todos os segmentos artísticos sendo possível identificar algumas
demandas gerais, como por exemplo: a falta de articulação e comunicação entre
as categorias, necessidade de constituir uma rede de apoio e produções de
estratégias coletivas para demandas que muitas vezes tem ressonância, a
dificuldade em conseguir financiamento para realização de trabalhos ou como
gerar renda e a falta de espaços para ensaiar, planejar, desenvolver, divulgar e
exibir os trabalhos artísticos.

Em decorrência da falta de oportunidades e incentivos para


esses artistas, atualmente há uma competição pelo
mercado que corrobora para a individualização dos
problemas e limitação nas perspectivas dos trabalhos. É
necessário identificar a emergência de políticas públicas
que apoiem e promovam a profissionalização da
criatividade como possíveis estratégias para grupos jovens
(SILVA, et al., 2016, p.22).
726

Por outro lado, as análises também evidenciaram a realização pessoal e


Página

profissional que a produção artística possibilita aos jovens, as transformações

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ideológicas, políticas e sociais, a diversão e a sublimação da vida, que fortalecem


tais jovens na luta pela profissionalização de sua arte, assim o caráter ideológico
e de satisfação e produção de sentido no que se produz, podem demonstrar a
potência e o desejo pela atividade artística. Algumas vezes, inclusive, citada
como parte importante de constituição de vida dos jovens da qual o retorno
financeiro não seria capaz de proporcionar.

Também é possível concluir que algumas dificuldades apontadas são


relevantes e são estas que fomentam os debates para que as políticas públicas
sejam cada vez mais concretas e eficazes. O trabalho ressalta a necessidade de
colocar o debate das políticas culturais e a relação com a juventude em pauta,
na relação com o potencial valoroso das atividades artísticas, produção cultural
e o investimento social e público para tal. Na medida em que as políticas culturais
e o processo histórico de atenção ao campo da cultura são recentes, sem um
convencimento social da cultura como um direito as alternâncias de governo
podem fragilizar e até mesmo romper com os avanços já conquistados.

As transformações democráticas no escopo da cultura permitiram a


ampliação do acesso, acessibilidade, fomento e produção e tomam como meta
nacional uma série de ações que avançam em muitos segmentos como os
mapeamentos, o debate sobre a concepção da cultura e o rompimento de seus
conceitos hierarquizados, o investimento público na cultura e, ainda, ampliam o
escopo da política incluindo a própria diversidade cultural como eixo estruturante
da política.

O mapeamento aqui apresentado além de seguir uma tendência política,


ainda possibilitou uma discussão que conecta o campo cultural às produções
artísticas da juventude, sob a ótica da profissionalização dessa arte, como
727

produto de riqueza intangível que tem valor simbólico, mas também como
Página

produto de mercado que deve ser avaliado como tal e também produzir fluxo

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financeiro, alimentando uma estrutura sensível de criativa de mercado,


respaldando uma juventude diversa, plural, que pode se empoderar e aprimorar
de sua arte e fazeres culturais tão genuínos e expressivos para viver e não
apenas sobreviver em meio a um sistema capital excludente.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, M. I. M.; PAIS, J. M. Criatividade, juventude e novos horizontes


profissionais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2012.

ALMEIDA PRADO, A. C. S; SILVA, C. R. Jovens atores teatrais: o trabalho e a


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Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal de São Carlos,
São Carlos, 2015.

BARROS, J. M. Cultura, diversidade e os desafios do desenvolvimento humano,


2008, p. 18-22. In: BARROS, J. M. (org). Diversidade cultural: da proteção à
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BRASIL, PORTAL BRASIL, Cultura é ferramenta para incentivar


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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
ANTÔNIO LIU TARGA MANCINI
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PARA JUVENTUDE CAROLINA DA SILVA ALMEIDA PRADO, MARCO
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LIVIA TERRA TEIXEIRA
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA


GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS
GERAIS
733

LÍVIA TERRA TEIXEIRA


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MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO


DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS WEBSITES DE LIVIA TERRA TEIXEIRA
DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS
LIVIA TERRA TEIXEIRA
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS

Bacharela Interdisciplinar em Ciência e Economia


e graduanda em Administração Pública pela
UNIFAL. E-mail: liviaterrat@gmail.com

RESUMO

Levando em conta a importância do governo eletrônico e a função de espaço


democrático que o mesmo propicia, o objetivo do presente trabalho é, nesse
contexto, identificar os instrumentos de participação e transparência nos
websites de dois municípios do sul de Minas Gerais e analisar como a prefeitura
dessas cidades e os seus munícipes vêm utilizando desse meio de participação.
Esse estudo foi realizado a partir de uma pesquisa qualitativa dos websites das
cidades de Pouso Alegre e Varginha, além de uma entrevista não estruturada
com os responsáveis pela ouvidoria de Varginha. Os resultados da análise
demonstraram que o website de Varginha possui mais mecanismos de
participação popular, mas ainda há muito a ser feito em relação à
disponibilização por parte dos gestores de mais oportunidades que incentivem a
participação da população nas questões da cidade.

ABSTRACT

Considering the importance of e-government and democratic space function that


it provides, the objective of this work is, in this context, identify the instruments of
participation and transparency in the websites of two municipalities of the south
of Minas Gerais. It was done an analysis how the city government of these cities
and their residents have been using this means of participation. This study was
conducted from a qualitative study of the websites of the cities of Pouso Alegre
and Varginha, and an unstructured interview with the ombudsman in charge of
734

Varginha. The analysis results showed that the Varginha's website has more
mechanisms for popular participation, but there is still much to do regarding the
Página

MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO


DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS WEBSITES DE LIVIA TERRA TEIXEIRA
DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS
LIVIA TERRA TEIXEIRA
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS

availability of managers more opportunities to encourage the participation of the


population in the issues of town.

INTRODUÇÃO

Segundo Rezende e Castor (2006, p. 27), a gestão municipal pode ser


entendida como a “gestão da prefeitura e de seus órgãos, institutos, autarquias
e secretarias". Foi a partir da descentralização do poder estatal, resultado do
federalismo de três níveis adotado pelo Brasil, que a gestão municipal passou a
apresentar uma maior autonomia e, assim, se tornou ainda mais complexa.
Assim, cabe à prefeitura e a toda sua equipe gerir e administrar a cidade, por
meio do planejamento e de diversos outros mecanismos de gestão, tendo
sempre como objetivo o bem comum da sociedade. Para que isso ocorra, é de
grande importância que a relação entre a população e os responsáveis diretos
pela gestão seja incentivada e, ainda, proporcionada pela prefeitura e seus
órgãos, conforme afirmam Rezende e Guagliardi (2008):

A gestão urbana [...] está relacionada com o conjunto de


recursos e instrumentos da administração aplicados na
cidade como um todo, visando à qualidade da
infraestrutura e dos serviços urbanos, propiciando as
melhores condições de vida e aproximando os cidadãos
nas decisões e ações da governança pública municipal
(REZENDE; GUAGLIARDI, 2008, p.188).

Percebe-se, então, que, para uma maior eficiência na gestão, é


necessário que haja a inclusão e envolvimento de todos os interessados na
735

gestão do município, ou seja, não só dos seus gestores diretos, como a prefeitura
e seus órgãos vinculados, como também de cada um dos seus habitantes.
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DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS
LIVIA TERRA TEIXEIRA
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS

Tratando da participação e engajamento da população, Paul Veyne (1984


apud RIBEIRO, 2008), faz uma analogia da pólis antiga com um navio, onde o
governante seria o piloto. Segundo Veyne, esse navio não deve levar
"passageiros", que embarcam apenas pagando a passagem e se contentam em
admirar a paisagem, mas sim "tripulantes", verdadeiros participantes e
colaboradores dos processos do navio. Infelizmente, trazendo essa comparação
para o contexto atual, os cidadãos podem ser considerados simples passageiros
e não tripulantes do nosso navio.

Com relação a essa "ausência" da população, Sorj (2006) apresenta a


visão de alguns autores que colocam a nova sociabilidade virtual como
destruidora da formação da ágora45, já que não prioriza a convivência física e o
fundamento do espaço público:

De forma crescente, começam a surgir trabalhos


questionando o papel potencialmente renovador dos novos
meios de comunicação sobre a vida política. Uma primeira
geração de trabalhos se sustentava numa perspectiva
“tradicional” do conceito de elo social, que só poderia se
estabelecer efetivamente a partir do encontro físico entre
as pessoas. (SORJ, 2006, p. 125).

Ainda que esses autores coloquem o uso da internet como prejudicial à


democracia, outros a apontam como um mecanismo importantíssimo de abertura
e participação popular. Ainda segundo Sorj (2006, p.124), "a internet foi saudada
pela maioria dos cientistas sociais e formuladores de políticas como uma
oportunidade única para a renovação da democracia em geral e, em particular,
da participação dos cidadãos na vida política". Assim, através da internet, torna-
736
Página

45
Segundo Ribeiro (2008, p. 9), ágora é a "palavra grega para praça de decisões".

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LIVIA TERRA TEIXEIRA
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS

se possível que cidadãos possam interferir nas decisões do Estado,


apresentando as suas próprias demandas e acompanhando a gestão pública.

Mas, sobretudo, as novas tecnologias da comunicação


abririam a possibilidade de uma nova forma de participação
cidadã, horizontal, independente das grandes estruturas
políticas e dos organismos de comunicação de massa —
afinal, cada indivíduo poderia ter voz ativa na construção de
um espaço de opinião pública realmente democrático.
(CASTELLS, 2002, cap.5. apud SORJ, 2006, p. 124).

Funai e Rezende (2010) apontam que, devido ao avanço tecnológico dos


últimos anos, as pessoas se acostumaram com as facilidades de acesso aos
serviços que o meio privado oferece, propiciando um rápido atendimento e maior
eficiência nos processos. Diante dessa situação, a sociedade contemporânea
anseia pelas mesmas facilidades das ofertas de serviços eletrônicos também na
gestão municipal. Rezende e Guagliardi (2008, p. 205) também acreditam nos
benefícios que os sistemas de informação podem trazer à gestão municipal,
"contribuindo no planejamento e na gestão dessas organizações públicas e no
desenvolvimento local dos municípios e suas instituições".

Um dos principais meios que a internet propiciou para a participação


pública foi o governo eletrônico, conhecido como E-gov. Segundo Pinho (2008),
o E-gov possibilita uma comunicação das atividades internas do governo com o
público externo, favorecendo a integração e transparência do setor público.

Uma forma central dessa informatização tem sido a


construção de portais governamentais, por intermédio dos
quais os governos mostram sua identidade, seus
737

propósitos, suas realizações, possibilitam a concentração


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e disponibilização de serviços e informações, o que facilita

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MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
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a realização de negócios e o acesso à identificação das


necessidades dos cidadãos. (PINHO, 2008, p. 473).

A importância do E-gov não se limita apenas em ser um mecanismo de


caráter tecnológico e informatizado, pois ele representa, principalmente, uma
conquista para os cidadãos, possibilitando a participação da população, sempre
tão dificultada. Funai e Rezende (2011) citam que, dentre os diversos benefícios
do E-gov, se encontra a melhora da eficiência das funções do governo, reduzindo
custos e prazos, além de facilitar o relacionamento entre cidadãos e o Estado.

Tomando conhecimento de todos esses benefícios que o E-gov


proporciona para a gestão pública, é possível perceber que o governo eletrônico,
somado com o planejamento, tende a possibilitar uma gestão muito mais
eficiente e benéfica para a sociedade. Levando em conta a importância do
governo eletrônico e a função de espaço democrático que o mesmo propicia, o
objetivo do presente trabalho é, nesse contexto, identificar os instrumentos de
participação e transparência nos websites de dois municípios do sul de Minas
Gerais e analisar como a prefeitura dessas cidades e os seus munícipes vêm se
utilizando desse meio de participação.

FEDERALISMO E A AUTONOMIA MUNICIPAL

Vasconcelos Júnior (2012) faz uma profunda análise sobre a origem do


Federalismo no Brasil e das suas consequências para os municípios a partir de
então. Ao tratar da situação administrativa e política do país, o autor afirma que,
após a primeira Constituição de 1824, o Brasil adotou o modelo do Estado
Unitário, caracterizado pela centralização do poder nas mãos de determinado
738

órgão, exercendo-o sobre todo o território e povo que o integra. No contexto


brasileiro, esse poder era concentrado no papel do Imperador, e as regiões
Página

administrativas que compunham o Brasil não possuíam nenhuma autonomia.


MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO
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No entanto, com a Proclamação da República, em 1889, e a Constituição


de 1891, o Estado Unitário é abandonado e o Federalismo passa a ser adotado
como forma de Estado no Brasil. Esse modelo tem como característica mais
marcante o fato de que apenas o Estado Federal é possuidor da soberania,
enquanto os Estados-membros são dotados de autonomia, apenas. No mesmo
sentido, Silva (2004) apresenta uma clara explicação sobre a diferença entre
Estado Unitário e Estado Federal:

Se existe unidade de poder sobre o território, pessoas e


bens, tem-se Estado Unitário. Se, ao contrário, o poder se
reparte, se divide, no espaço territorial (divisão espacial de
poderes), gerando uma multiplicidade de organizações
governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-
nos diante de uma forma de Estado composto, denominado
Estado Federal ou Federação de Estados. (SILVA, 2004,
p. 98-99).

Nesse novo contexto, ainda segundo Vasconcelos Júnior (2012), o


federalismo anterior à Constituição da República de 1988 era caracterizado pela
centralização de competências no Estado, decorrente do modelo dual de
repartição de poderes: União e Estados membros. Com a promulgação da
Constituição de 1988, porém, essa dualidade do federalismo clássico passou a
ser repensada, abrangendo então o terceiro nível: o dos municípios. Assim, ao
adotar o federalismo de nível tridimensional como forma de Estado,
diferentemente do padrão americano (clássico) de federalismo dual, este
concede aos municípios uma parcela de autonomia, algo antes inexistente:

Realmente, a Constituição de 1988 outorgou aos


739

Municípios um grau de autonomia inédito, assegurando-


lhes o exercício de competências próprias dos Estados-
Página

MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO


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DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS
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membros, como a edição e execução de leis, instituição e


cobrança de impostos e, acima de tudo, o poder de
autoconstituição, consagrado na prerrogativa de
elaboração e aprovação, sem intervenção da União ou dos
Estados, da Lei Orgânica (VASCONCELOS JUNIOR,
2012, p. 16).

Para o autor, a noção de poder centralizado sempre foi vinculada a


regimes totalitários e não democráticos, já que os mesmos não poderiam abrir
mão do controle de todo o seu território e, ao mesmo tempo, de cada parte dele.
A partir da noção do federalismo e da descentralização do poder do Estado, nota-
se, então, uma maior possibilidade de criação de mecanismos de
democratização e participação da sociedade.

Para Shiki (2007), no final da década de 1980, a redemocratização do


Brasil e a reforma do Estado proporcionaram mudanças nas relações entre
governo e sociedade. Esse processo foi marcado, principalmente, pela
descentralização política, sendo que a adesão a essa forma de organização
estatal ocorreu por se acreditar que ela levaria a um melhor desempenho e
democratização na gestão pública.

Diante desse processo, o desenvolvimento passou a ser


vinculado ao espaço local, no qual a relação entre governo
e sociedade levaria à ampliação da accountability, cuja
participação social promoveria uma melhor gestão do
recurso público. Além disso, a aproximação do gestor
público com o local onde os problemas ocorrem facilitaria
a elaboração de soluções mais eficientes. (SHIKI, 2007, p.
740

19).
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MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO


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LIVIA TERRA TEIXEIRA
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
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É possível perceber como a descentralização proporciona uma nova


realidade local nos municípios, dando a eles a autonomia necessária para que
possam se relacionar diretamente com seus munícipes, favorecendo a
participação da sociedade num contexto mais democrático.

GESTÃO PÚBLICA E GESTÃO MUNICIPAL

Antes de discorrer sobre a gestão pública municipal, é interessante


apresentar a visão de Torres (2004) com relação ao grau de transparência dos
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário brasileiro. Segundo o autor, o Poder
Legislativo tem um caráter mais transparente diante de sua maior proximidade
da população, enquanto o Poder Judiciário se mostra mais fechado e distante.
Intermediando essa hierarquia, encontra-se o Poder Executivo, que, a cada ano,
aproxima-se mais da sociedade, principalmente na questão do orçamento
federal. Nessa mesma linha, Filgueiras (2007) aponta que os governos estão em
constante observação e avaliação, e, assim, devem estar sempre preocupados
com as suas ações realizadas, prezando para que elas sejam efetivas e
transparentes.

Rezende e Gualiardi (2008, p. 188) conceituam gestão urbana como "a


gestão da cidade", de modo que ela está relacionada com aquela realizada pela
prefeitura e por seus órgãos. Rezende e Castor (2006) a relacionam com a
aplicação de instrumentos e recursos da administração pelos servidores
municipais.

Em se tratando de mecanismos e instrumentos da administração, cabe


citar o Estatuto da Cidade. Trata-se de uma lei aprovada em 2001 que
741

regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece normas e


instrumentos que regulam a propriedade urbana, prezando pelo bem coletivo.
Página

(BRASIL, 2001). Um dos instrumentos estabelecidos pelo Estatuto da Cidade é


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o Plano Diretor, de execução obrigatória para cidades com mais de vinte mil
habitantes. O plano dispõe sobre as exigências fundamentais de ordenação da
cidade e de expansão urbana e deve ser revisto, pelo menos, a cada dez anos.

O Estatuto da Cidade dispõe de algumas diretrizes gerais para a execução


da política urbana. (BRASIL, 2001). Dentre elas, encontra-se um claro incentivo
à participação popular nas questões relacionadas ao planejamento municipal:

II - Gestão democrática por meio da participação da


população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano. (BRASIL, 2001, p. 17).

Segundo Rezende e Gualiardi (2008), o planejamento não tem sido bem


utilizado na gestão das prefeituras, tampouco como instrumento de participação
dos munícipes na condução das cidades. Os autores apontam, ainda, que a
união entre os planejamentos municipais e os recursos da tecnologia nas
prefeituras traz consequências positivas na gestão pública e no desenvolvimento
dos municípios.

Torres (2004) aponta que, pelo fato de as atividades de responsabilidade


do município, como a coleta de lixo e iluminação pública, serem mais próximas
da sociedade e mais perceptíveis aos seus olhos, há uma maior cobrança quanto
à atuação dos prefeitos por parte da população.

Entretanto, mesmo sendo constante alvo da exigência dos seus


munícipes, o nível municipal é, dentre os três níveis federativos, aquele que
geralmente apresenta os menores recursos em relação à tecnologia e, por isso,
742

tende a apresentar menos ações de transparência e controle social do que o


âmbito federal. Essa situação acaba sendo prejudicial à gestão municipal, já que
Página

a difusão da informação aproxima o cidadão/usuário, possibilitando que o


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mesmo interaja com os gestores e traga maiores benefícios no desenvolvimento


de políticas públicas, por exemplo. Torres (2004) ainda aponta outras vantagens
dessa prática, como o aperfeiçoamento constante das ações estatais e a sua
influência no que diz respeito ao combate à corrupção.

Valendo-se principalmente da tecnologia da informação, a


administração pública também tem feito um esforço
enorme no sentido de se tornar mais transparente e menos
fechada, criando condições favoráveis para que se
aumente o chamado controle social sobre os atos dos
gestores governamentais e agentes políticos (TORRES,
2004, p. 42).

Diante disso, percebe-se a importância da gestão pública transparente


para uma gestão mais democrática e mais próxima à sociedade. Mas, segundo
Filgueiras (2007), para que esses efeitos sejam atingidos, a informação deve ser
disponibilizada de forma relevante e acessível à população, dependendo não só
dos órgãos públicos como também de interessados em utilizá-la. Para o autor, a
contrapartida da população é igualmente importante à disponibilização da
informação, já que o principal sentido desta última é que a população realmente
tenha interesse por esses mecanismos e os utilize de forma democrática.
Frequentemente, porém, não é possível notar esse interesse por parte da
população, o que pode estar relacionado com a pouca cultura democrática
cultivada pela nossa sociedade. É possível relacionar a gestão pública
transparente a um alto nível de compromisso político da sociedade, algo
adquirido apenas com mudanças na cultura política. (FILGUEIRAS, 2007).
743
Página

MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO


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DESENVOLVIMENTO LOCAL E CAPITAL SOCIAL

Carlos e Silva (2006) afirmam que a construção de uma cultura cívica


tende a motivar a participação da sociedade civil no contexto público, e como
consequência, impulsionar também a melhora do desempenho e resultados dos
governos, inclusive incentivando as políticas públicas. No mesmo sentido, Lima
(2001) considera o capital social como um fortalecedor das instituições sociais e
das suas redes:

O capital social na sociedade estaria presente também nas


redes que se estabelecem nos movimentos sociais e não
apenas entre os indivíduos. Estas redes possibilitariam
maior pressão por políticas públicas e por seus resultados,
o que levaria ao estabelecimento de regras mais claras no
funcionamento do aparelho do Estado e ao
estabelecimento de relações de confiança entre o aparelho
do Estado e os atores envolvidos. A participação resultante
desse processo se constituiria num elemento fortalecedor
das instituições sociais presentes na sociedade civil.
(LIMA, 2001, p.46-63).

O conceito de capital social está intimamente relacionado ao


desenvolvimento local e, também, na criação de políticas públicas. Segundo
Putnam (2005), o capital social diz respeito às características da organização
social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a
eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas. Segundo o autor,
essa cooperação voluntária ocorre naturalmente em comunidades que já tenham
esse capital social entrelaçado em sua cultura.
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Nesse sentido, Torres (2004) afirma que o Brasil sofre não só com as
dificuldades já geradas pela democracia moderna, mas, também, em razão da
herança histórica de uma fraca e desorganizada sociedade civil.

Uma das possíveis tentativas de minimizar esses problemas é a


"territorialização" da gestão pública. Morgan (1996, 1999 apud ABRAMOVAY;
MAGALHÃES; SCHRODER, 2010) cita que, nos países europeus, as políticas
de inovação tecnológica estão se afastando de uma abordagem setorial para
irem em direção à territorial, onde a mobilização e os laços de proximidade entre
os atores sociais (empresas, universidades, sindicatos, eleitos, funcionários e
sociedade civil organizada) estão na raiz de seu dinamismo.

As políticas públicas que apresentam a abordagem territorial têm como


objetivo o desenvolvimento da sua população e sociedade, e não de um setor
específico da mesma, como ocorre com os sindicatos. É no plano da valorização
dos processos sociais que se percebe as possibilidades de intervenção na vida
social e política da esfera local (RIBEIRO, 1996).

Assim, percebe-se que com a democratização da gestão pública, mais


portas se abriram para as políticas públicas e a participação popular, ainda mais
em sociedades nas quais o capital social está enraizado, facilitando, assim, as
relações de cooperação. Em uma sociedade que apresenta uma herança de
capital social, as cobranças para com o Estado são mais presentes, incentivando
políticas e ações para a sua população.

PARTICIPAÇÃO POPULAR

Carlos e Silva (2006) colocam a população como detentora de amplos


745

direitos, não só no sentido do consumo de serviços básicos, como também no


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dos direitos civis, políticos e sociais. Com relação a esses últimos direitos, para

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Torres (2004, p. 41), "a sociedade civil brasileira evoluiu muito nestas últimas
décadas e tem conseguido fazer pressões bem - sucedidas sobre os gestores
públicos".

Segundo Carlos e Silva (2006), a participação está relacionada não só a


uma demanda societal, mas também à democratização da gestão pública, como
uma resposta por parte dos governos locais. Seguindo essa ideia, a participação
política seria:

[...] uma prática ético-política, que tem a ver tanto com a


questão do poder e da dominação quanto com a questão
do consenso e da hegemonia, tanto com a força quanto
com o consentimento, tanto com o governo quanto com a
convivência, em suma, tanto com o ato pelo qual se elege
um governante quanto com o “ato pelo qual um povo é
povo, pois esse ato constitui o verdadeiro fundamento da
sociedade”. (NOGUEIRA, 2004, p. 133).

Contrapondo essa ideia democrática da participação, uma pesquisa feita


pelos autores Carlos e Silva (2006) apresenta que a maior parte da população
vê na participação apenas um valor instrumental, destinada, principalmente, à
obtenção das necessidades materiais básicas do cotidiano. Apenas uma
pequena minoria relacionou a participação a um mecanismo de democracia
efetiva, ou seja, ligada ao aprendizado que essa prática proporciona, na melhor
compreensão de como o governo e seus órgãos funcionam. Nesse segundo
caso, os autores apontam que:

O significado político da participação assim se expressa


como uma forma de tomar parte nos processos dinâmicos
746

que constituem e modificam a sociedade, ou seja, tomar


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parte na sua historicidade. Com isso, o significado de

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participação é transferido da dimensão superficial do mero


ativismo imediatista, em geral sem consequência para o
todo, para o cerne das estruturas sociais, políticas e
econômicas. (CARLOS; SILVA, 2006, p. 176).

Esse valor instrumental da participação pode ser relacionado com a


questão tratada por Ribeiro (2008, p. 58) em seu trabalho: "A democracia é um
valor ou apenas um procedimento para a resolução de conflitos?". Ao contrapor
a democracia da Grécia Antiga e a democracia moderna, o autor analisa que a
democracia, conforme era praticada na época da polis grega, não será mais vista
no contexto moderno em que nos encontramos. Os indivíduos, antes tripulantes
do navio, hoje se encontram como meros passageiros que admiram a paisagem.
Segundo o autor, na democracia atual, o povo não mais se une com objetivos
comuns de transformações marcantes na História.

Ao analisar essa situação de distanciamento do povo no que tange às


questões coletivas, percebe-se que a participação popular está, até agora,
distante do ideal democrático, e, como consequência disso, o enorme potencial
de interferência dessa prática na gestão pública ainda não é considerado por
grande parte da sociedade. Mas há também um outro lado a ser considerado no
contexto do afastamento da população nas questões coletivas, tratado por
Torres (2004), ao apontar que, além do desinteresse da população, há um
distanciamento provocado pelo caráter técnico das informações disponibilizadas
pelos gestores. Assim, os mecanismos de participação estão em um contexto
tecnocrata, funcionando como um "funil", ao selecionar os poucos detentores de
conhecimento aptos a participar das decisões coletivas.
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INTERNET, TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O E-GOV

Com o avanço da tecnologia, cada vez mais as pessoas anseiam por


facilidades ao adquirir serviços, não mais se limitando ao contexto privado e
também as exigindo no âmbito da gestão pública. (FUNAI; REZENDE, 2010).
Com isso, um novo padrão de relacionamento entre a prefeitura e os cidadãos é
exigido, trazendo benefícios a ambas as partes com a agilidade e eficácia dos
processos e serviços.

Ainda citando Funai e Rezende (2010), "as transformações causadas pela


disseminação da internet no setor público são consideradas o começo de uma
profunda revolução da governança e da administração pública em geral". Torres
(2004) também aponta o papel fundamental da tecnologia da informação no
contexto da transparência e responsabilização política:

[...] há uma revolução silenciosa ocorrendo na


administração pública no que se refere à utilização da
tecnologia da informação, o que tem significado enormes
ganhos quanto à transparência, agilidade, eficiência,
economicidade e ganho de produtividade nas ações
governamentais (TORRES, 2004, p. 49).

É para suprir essas exigências que surge o importante mecanismo da


gestão pública, denominado governo eletrônico (E-gov). O E-gov consiste em
um portal eletrônico, monitorado pelo setor público, onde são disponibilizados à
população vários serviços e informações que a ela possam interessar. Rezende
e Castor (2006) relacionam o E-gov a uma aplicação de recursos da Tecnologia
da Informação e Comunicação nas gestões de todos os níveis, tanto nas
atividades entre governos como entre estes e os cidadãos, para a
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disponibilização de informações ou serviços públicos.


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Para Funai e Rezende (2010), os cidadãos exigem que os serviços


eletrônicos solicitados sejam oferecidos de forma completa e eficiente e, para
que isso seja possível, deve haver uma gestão integrada dessas informações
por parte dos gestores públicos. A facilidade de acesso proporcionada pela
internet, no caso pelo E-gov, colabora para que os cidadãos supram suas
necessidades de maneira mais rápida e eficiente, conforme defendem Chanin et
al. (2004):

A existência de locais que aglomeram todos os serviços em


um único local físico, denominados de one-stop-shop,
proporciona economia de tempo, esforço e paciência do
cidadão, pois vários órgãos, secretarias municipais e
serviços encontram-se disponíveis à população em um só
local. O E-Gov é uma extensão natural desse tipo de oferta,
podendo ser considerada uma reforma administrativa
(CHAHIN et al., 2004, p.64)

O E-gov também é capaz de “aumentar a cidadania, aumentar a


transparência da gestão e a participação dos cidadãos na fiscalização do poder
público e democratizar o acesso aos meios eletrônicos” (CHAHIN et al., 2004,
p.58).

A partir de todas as facilidades e mecanismos disponibilizados pelo


governo eletrônico e, ainda, do seu importante papel como mediador entre a
sociedade e a gestão pública, é possível analisar o seu enorme potencial como
propiciador da participação popular e, consequentemente, do exercício
democrático da sociedade.
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METODOLOGIA

Para o presente estudo de caso foram escolhidas duas cidades que, em


teoria, pareciam explicitar dois níveis diferentes de participação popular,
oferecidos por meio de seus websites: Varginha e Pouso Alegre. Outra razão
para a escolha destes municípios é a constante comparação a que estão
submetidos na região do Sul de Minas Gerais, principalmente pelo acelerado
crescimento econômico de ambos. Realizou-se uma pesquisa qualitativa por
meio de uma análise dos websites oficiais das duas cidades no decorrer da
semana do dia 31 de maio de 2015, possibilitando, assim, a comparação entre
os dois municípios. Utilizou-se, ainda, de informações através de uma entrevista
não estruturada com a responsável pela ouvidoria municipal de Varginha. A
entrevista com os responsáveis pelo website de Pouso Alegre não foi realizada
pelo fato de não ter havido retorno nas tentativas de comunicação com os
mesmos.

Para que a pesquisa fosse direcionada me maneira eficiente, esta foi


realizada a partir de 5 critérios de avaliação pré-estabelecidos pela autora, sendo
eles: informações e dados disponíveis sobre o município; informação e
divulgação dos serviços eletrônicos ofertados; serviços públicos eletrônicos
disponibilizados; mecanismos de controle da população através da informação;
e relacionamento entre a população e a gestão. Os resultados foram agrupados
nos mesmos critérios e apresentados separadamente.

CARACTERÍSTICAS DOS MUNICÍPIOS

Os municípios de Pouso Alegre e Varginha, juntamente com o de Poços


750

de Caldas, são considerados os mais populosos da região Sul do estado de


Minas Gerais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
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IBGE (2010). Essas três cidades são alvos de constantes comparações,


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principalmente Varginha e Pouso Alegre, já que muitas vezes elas entram em


disputa nas questões empresariais e econômicas. Algumas das principais
características destas duas últimas cidades podem ser mais bem comparadas
na Tabela 1.

Tabela 1 - Características principais dos municípios de Varginha e Pouso Alegre.

Cidade População População Área da Densidade IDHM PIB per Prefeito


(2010) estimada unidade demográfica (2010) capta em
atual
em 2014 territorial (hab/Km²) reais
(km²) (2012)

Pouso 130.615 142.073 543.068 240,51 0,774 28.306,78 Agnaldo


Alegre Perugini
PT)

Varginha 123.081 131.269 395.396 311,29 0,778 32.003,46 Antônio


Silva
(PTB)

Fonte: Dados retirados do site http://www.cidades.ibge.gov.br. Acesso em: maio, 2015.

No quesito alfabetização, ainda segundo dados do IBGE (2010), as duas


cidades apresentam semelhante taxa de alfabetização da população: em Pouso
Alegre, 116.419 pessoas eram alfabetizadas em 2010, contabilizando
aproximadamente 89,13% da sua população total, enquanto em Varginha, as
estimadas 109.173 pessoas alfabetizadas representavam aproximadamente
88,70 % do seu total.

De acordo com esses dados, é possível observar que ainda que a cidade
de Pouso Alegre apresentasse uma maior população e território, Varginha
751

manifestava um maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDHM e


de Produto Interno Bruto per capta - PIB nos anos avaliados. Por outro lado,
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Pouso Alegre apresentava uma maior taxa de alfabetização da população


residente, ainda que com um valor muito próximo ao de Varginha.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Em relação à análise dos websites, é importante ressaltar que o foco da


pesquisa não foi a avaliação específica de seus layouts ou do funcionamento
geral dos sites, e, sim, os mecanismos que possibilitam a participação e
relacionamento entre a população e a gestão. Assim, foram condensados em 5
os critérios de avaliação dos websites oficiais dos municípios de Varginha e
Pouso Alegre, sendo eles: informações e dados disponíveis sobre o município;
informação e divulgação dos serviços eletrônicos ofertados; serviços públicos
eletrônicos disponibilizados; mecanismos de controle da população através da
informação; e relacionamento entre a população e a gestão.

Informações e dados disponíveis sobre o município

O portal do município de Pouso Alegre parece apresentar um recente


layout e estrutura, o que talvez explique o fato de o espaço destinado aos dados
geográficos da cidade ainda não ter sido preenchido. Por outro lado, em outros
links difundidos pelo portal, é possível encontrar alguns dados retirados de sites
como o IBGE, por exemplo. Esses dados são, em sua maioria, desatualizados,
fato exemplificado pela apresentação da situação econômica da cidade no ano
de 2006, ultrapassada em quase dez anos.

Varginha não difere de Pouso Alegre no que concerne à desatualização


dos dados, apresentando apenas um dado mais recente: o mapa da cidade
(2014).

Percebe-se que os responsáveis pelo website de ambos os municípios


752

não se preocuparam com as informações disponibilizadas para a população,


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deixando de colaborar com o conhecimento da sociedade em relação ao

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ambiente no qual estão inseridas e às suas características. Quando assim


procedem, não se ocupam em manter esses dados atualizados.

Informação e divulgação dos serviços eletrônicos ofertados

Pouso Alegre apresenta, na página inicial de seu portal eletrônico, alguns


ícones que remetem a população aos principais serviços oferecidos pelo site,
assim como o portal de Varginha. A diferença entre eles é que o portal de Pouso
Alegre contém, na sua página inicial, uma aba denominada "cidadão", que
mostra alguns destes serviços, e o link "CND municipal", que expõe outros,
enquanto o portal varginhense os apresenta todos em um espaço destinado aos
serviços, logo na página inicial. Nenhum dos dois portais utilizou-se do espaço
destinado aos destaques para a divulgação dos serviços eletrônicos oferecidos
nos sites.

Sabendo-se que os serviços são a principal procura da população nos


websites municipais, nota-se que não é percebida, na maioria das vezes, a
necessidade de melhor divulgá-los e facilitar o seu acesso. Neste quesito, apesar
de um layout mais simples, Varginha disponibiliza seus serviços de uma maneira
mais facilitada e prática do que o de Pouso Alegre.

Serviços públicos eletrônicos disponibilizados

O portal eletrônico de Pouso Alegre disponibiliza diversos serviços para a


sua população, dentre eles: GissOnline (escrituração online para empresas);
ITBI (formulários do Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis); NFS-e
(nota fiscal eletrônica de serviços); arrecadação do ISSQN; boletim escolar;
acesso aos editais de licitações; acesso às folhas de pagamento: segunda via
do extrato de pagamento do IPTU; emissão de certidões de débito; emissão de
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certidão de valor venal; verificação de certidões; visualização de extrato


financeiro de tributos; emissão de certificados para fornecedores;
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acompanhamento de cadastro; e acompanhamento de processos. No entanto,


tais serviços estão disponibilizados apenas no que concerne ao ano de 2014.

No caso de Varginha, o portal oferece os seguintes serviços: NF-e (nota


fiscal eletrônica e declaração de serviços); arrecadação do ISSQN; acesso aos
editais de licitações; emissão de alvará de funcionamento ou encerramento;
segunda via de ISS e taxas; segunda via de extrato de pagamento do IPTU;
emissão de certidões de débito; emissão de certidão de valor venal; emissão de
certidão de situação cadastral mobiliária; emissão de certidão de inscrição
mobiliária; verificação de certidões; acompanhamento de processos; fichas de
cadastro para a inscrição das atividades esportivas; fichas de requerimento para
vigilância sanitária; e fichas de requerimento para nota fiscal avulsa.

Tabela 2 - Serviços oferecidos pelos municípios de Varginha e Pouso Alegre

Serviços Pouso Varginh


Alegre a

Acesso aos editais de licitações X X

Acesso às folhas de pagamento X

Acompanhamento de cadastro X

Acompanhamento de processos X X

Arrecadação do ISSQN X X

Emissão de alvará de funcionamento e X


encerramento

Emissão de certidões de débito X X


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Emissão de certidão de inscrição mobiliária X


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Emissão de certidão de valor venal X X

Emissão de certificados para fornecedores X

Emissão de certidão de situação cadastral X


mobiliária

Ficha de cadastro para a inscrição das atividades X


esportivas
X
Ficha de requerimento para nota fiscal avulsa

Ficha de requerimento para vigilância sanitária X X

GissOnline

ITBI X

NFS-e X X

Segunda via de extrato de pagamento do IPTU X X

Segunda via de ISS e taxas X

Verificação de certidões X X

Visualização de extrato financeiro de tributos X

Visualização boletim escolar X

TOTAL DESERVIÇOS 15 15

Fonte: Elaborada pela autora (2015) com base nos dados disponíveis no website da prefeitura
de Pouso Alegre e de Varginha.
755

om relação aos números, nota-se, por meio da Tabela 2, que ambos os


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websites disponibilizam o mesmo número serviços à população, sendo que

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alguns desses serviços, inclusive, são os mesmos presentes no outro município,


como a nota fiscal eletrônica, por exemplo.

Mecanismos de controle através da informação

O principal mecanismo de controle da gestão pública que a população


atualmente possui é o portal da transparência. Ambos os portais apresentam os
links do portal da prestação de contas logo nas suas respectivas páginas iniciais,
entretanto, os dados de Varginha estão atualizados, enquanto os de Pouso
Alegre estão disponibilizados somente até o ano de 2014. Varginha ainda
apresenta um portal da transparência relacionado ao controle de investimentos
específicos em publicidade.

Quanto aos serviços informativos, Pouso Alegre disponibiliza o Diário


Oficial, o qual, entretanto, apresenta poucas publicações dos atos oficiais.
Ademais, existem os informativos da Legislação Municipal (leis do município);
ICMS cultural (inventários dos patrimônios históricos e culturais); convênios
médicos da cidade; telefones úteis; e licitações. O portal também lista todos os
responsáveis pelas secretarias do município, assim como seus telefones para
contato. As notícias do portal, porém, estão desatualizadas, bem como as da
agenda cultural, que se referem a fatos de cinco meses atrás, aproximadamente.

Diferentemente de Pouso Alegre, as notícias disponibilizadas no portal de


Varginha estão atualizadas, tendo sido a mais recente delas acrescentada três
dias antes desta análise. Além disso, estão disponíveis no site todos os jornais
semanais do Órgão Oficial do município. No que diz respeito, ainda, a outros
informativos do sítio, o portal apresenta: lista de medicamentos disponíveis na
rede pública; lista de espera das creches; cronograma do plantão das farmácias;
responsáveis pelas secretarias do município e suas funções (sendo que alguns
756

estão desatualizados); legislação municipal; e horários de coleta de lixo. É


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interessante apontar que o portal do município de Varginha apresenta, em sua


página inicial, um convite a uma audiência pública, já realizada no ano anterior.

Foi possível concluir que o website de Varginha tem uma grande


preocupação com as notícias sobre eventos e acontecimentos da cidade,
mantendo-as sempre atualizadas, tanto em seu próprio portal como no Órgão
Oficial do município. A mesma situação não se pode notar no website de Pouso
Alegre, o qual não atualiza suas notícias há alguns meses. Quanto à prestação
de contas por meio do portal da transparência, percebe-se, também, um
descompromisso do município de Pouso Alegre em relação à disponibilização
de dados atualizados, já que o acesso aos seus relatórios é possível apenas no
que concerne ao ano de 2014.

Relacionamento direto entre a população e a gestão

O "webmail" é utilizado em ambos os portais dos municípios, mas, em


nenhum deles, é explicado o seu modo de funcionamento. Nos dois sites, foram
testados os respectivos links "Fale Conosco" sendo que, apenas no portal
varginhense, houve um retorno, logo no dia posterior ao envio da pergunta.

No portal de Pouso Alegre, há a divulgação, em destaque, da elaboração


do plano municipal de saneamento básico, em que se disponibiliza um
questionário para a participação da população, a fim de sejam informados a
situação e os problemas encontrados por ela neste particular.

Varginha apresenta, na página inicial do seu portal, um informativo com o


telefone de contato para a população que deseja informar à gestão sobre o mau
funcionamento das lâmpadas dos postes públicos.

Assim, o que se vê é que foram encontrados pouquíssimos meios de


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participação direta da população na gestão municipal, já que nenhum dos dois


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websites referidos se mostrou disposto a criar mais desses mecanismos. Ainda

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assim, após alguns testes, foi possível perceber que o município de Varginha se
dispôs a manter sua ouvidoria online funcionando de maneira muito eficiente, já
que, por meio desse mecanismo, o retorno do município foi obtido dentro de um
intervalo muito pequeno. De acordo com a responsável pela ouvidoria do
município de Varginha, durante o ano de 2015, foram recebidas, em média, 90
solicitações mensais por meio da ouvidoria municipal online46 (Fale Conosco).
Ao se analisar alguns dados sobre as solicitações durante esse mesmo ano,
nota-se que a participação popular por meio da ouvidoria online vem crescendo,
ainda que vagarosamente, mostrando que a população está caminhando para
uma maior conscientização desse serviço online. A ouvidoria não tem recebido
apenas reclamações da população, mas, também, informações oriundas dos
próprios munícipes, o que se torna uma forma muito válida de participação dos
mesmos nas questões da cidade. Infelizmente, não foi possível fazer uma
comparação, neste quesito, com o município de Pouso Alegre, já que não se
obteve sucesso ao tentar a comunicação com os responsáveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das observações e análises feitas sobre os websites dos


municípios das duas cidades, foi possível chegar a algumas conclusões sobre
como os mecanismos de participação estão sendo utilizados e disponibilizados
pela gestão municipal. Nota-se que, infelizmente, ainda não há uma
conscientização dos benefícios que o forte elo entre a sociedade e o município
pode trazer à gestão municipal.
758

46
O dado refere-se apenas às solicitações recebidas por meio da ouvidoria municipal online, não
estando incluídas as solicitações através dos métodos tradicionais (pessoalmente ou por telefone) e
Página

nem as mensagens direcionadas à ouvidoria municipal da saúde.

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O conhecimento do município por parte dos seus habitantes é muito


importante para que a participação destes seja incentivada, já que o ser humano
tende a se relacionar melhor com o que tem maior intimidade e conhece melhor.
O simples acesso aos dados e informações do município por parte da população
colabora para uma melhor relação entre a sociedade e o seu próprio município.
Essa oportunidade não é bem aproveitada pelos websites, pois se percebe que,
muitas vezes, o que é apresentado por meio deles relaciona-se mais aos
potenciais econômicos do que aos interesses diretos da população em geral. O
website de Pouso Alegre, por exemplo, disponibiliza diversas informações
econômicas da cidade direcionadas aos seus investidores, ainda que
desatualizadas, enquanto dados gerais da cidade, sejam eles os mais básicos,
ainda não foram apresentados. Varginha também demonstra não estar ciente
desses benefícios ao disponibilizar alguns dados não atualizados do município.

Alguns mecanismos que informam a população sobre o que ocorre em


seus municípios são disponibilizados nos websites municipais, mas em Pouso
Alegre, por exemplo, os gestores municipais não se mostraram preocupados em
atualizar os acontecimentos e eventos relacionados ao município nesses sites.
A disponibilização de informações que permitem um maior controle exercido pela
população, como é o caso daquelas contidas em portal da transparência, ainda
não é feita de maneira satisfatória e atualizada, contrariando o que se pensava
anteriormente à análise. Campos (1990), afirma que a accountability pode ser
pensada não só como a transparência, mas, também, como o comprometimento
dos gestores e a responsabilização dos mesmos pelos seus atos. Nota-se,
assim, que mesmo com a importância da accountability ou prestação de contas
como forma de responsabilização dos gestores, estes ainda não disponibilizam
para a população dados atualizados, como foi o caso de Pouso Alegre. Aliado a
759

essa falta de conscientização da gestão municipal, e, talvez, como consequência


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disso, está a falta de interesse da população em relação ao direito de acesso a

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DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS
LIVIA TERRA TEIXEIRA
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS

essas informações. Ainda segundo Campos (1990), somente haverá condição


para o accountability quando os cidadãos se organizarem e se apresentarem
conscientes dos seus direitos e não como tutelados do Estado. Devido à pouca
procura observada, a população parece ainda não ter se conscientizado da
importância do controle a que tem direito e de como isso pode colaborar para
uma melhor gestão municipal.

Outra observação a ser destacada é que a existência de um layout


moderno não gera, necessariamente, uma maior participação da sociedade,
como pode ser verificado no caso do website de Pouso Alegre. Tão importante
quanto a atração que um bom layout proporciona, senão ainda mais, deve ser a
praticidade e simplicidade encontradas no acesso aos serviços. Conforme
afirmam Funai e Rezende (2011), os cidadãos não esperam se preocupar com
complexidades ao precisar de determinados serviços, simplesmente desejam
que estes sejam disponibilizados e estejam à sua disposição. Assim, o website
de Varginha, mesmo apresentando seus serviços de maneira mais simples,
obtém maior sucesso em relação à organização e praticidade de acesso aos
serviços por ela ofertados.

Infelizmente, os serviços ofertados pelos websites dos municípios ainda


se mostram insuficientes ao serem cotejados com a demanda de serviços
provinda da população. Diversos desses serviços poderiam ser disponibilizados
por meios dos portais eletrônicos, mas isso demandaria vontade e tempo dos
gestores, o que ainda não é possível devido à não conscientização destes sobre
a importância e benefícios que essas práticas trariam.

O quesito mais deficitário percebido a partir da análise feita nos websites


foi a ausência de mecanismos de participação direta da população, como, por
760

exemplo, enquetes e questionários sobre serviços prestados pelo município ou


funcionamento do site. A pouca abertura existente para a opinião popular
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DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS
LIVIA TERRA TEIXEIRA
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WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS

demonstra a falta de interesse dos gestores em possibilitar a sua participação


para obter melhores resultados. O fato de o mais básico mecanismo de contato
com a população, o "Fale conosco", estar presente na maioria dos portais
eletrônicos municipais, não se mostra necessariamente vantajoso, já que, em
muitas vezes, quando utilizado, não oferece retorno dos responsáveis por essa
comunicação. Sabe-se que a demanda da população por meio desse
mecanismo ainda é pequena e que, assim como no caso da accountability, a
responsabilidade é tanto dos gestores como sua própria. No entanto, a
população não costuma obter facilidade e abertura para mudar a situação de
afastamento em que se encontra.

São as pessoas que podem fazer acontecer as integrações


e as contribuições, pelo esforço individual, inovador e
empreendedor, demonstrado nas atividades coletivas e
participativas, pela vontade dos munícipes em participar do
município, pelos valores positivos dos cidadãos e pela
competência profissional dos servidores municipais. Esses
fatores integrados podem diminuir a exclusão social no
município e aumentar participação política dos munícipes
visando a sua qualidade de vida (REZENDE;
GUAGLIARDI, 2008, p.207).

Diante disso, conclui-se que os portais eletrônicos têm enorme potencial


de possibilitar a participação popular, seja por meio de informações, serviços ou
mecanismos de participação direta da população. Infelizmente, os gestores
municipais ainda não exploram toda essa capacidade que o governo eletrônico
compreende ao trazer inúmeras vantagens e benefícios para a gestão da cidade
761

e aproximação da mesma com a população. Cabe a eles se conscientizarem


dessa importância, não só possibilitando, como, principalmente, incentivando a
Página

população a caminhar juntamente com o município, participar das tomadas de


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DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS
LIVIA TERRA TEIXEIRA
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS
WEBSITES DE DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS

decisões e estabelecer vínculos com a própria cidade. A parceria entre a gestão


pública municipal e a população é indispensável para que esse sistema de
gestão seja realmente democrático, não apenas em teoria.

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765
Página

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DAS CIDADES: ESTUDO DE CASO DOS WEBSITES DE LIVIA TERRA TEIXEIRA
DOIS MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS
LARISSA RAZZATTI GOMES
O PROGRAMA CULTURA VIVA: UMA ANÁLISE DA FORÇA DAS COMUNIDADES POLÍTICAS E DO
PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

O PROGRAMA CULTURA VIVA: UMA ANÁLISE DA


FORÇA DAS COMUNIDADES POLÍTICAS E DO
PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

LARISSA RIZZATTI GOMES


766

Bacharel em História pela Unicamp, mestranda


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em Ciências Sociais na FCLAR, Unesp –

O PROGRAMA CULTURA VIVA: UMA ANÁLISE DA FORÇA


DAS COMUNIDADES POLÍTICAS E DO PROCESSO DE LARISSA RIZZATTI GOMES
EMPODERAMENTO DE GRUPOS
LARISSA RAZZATTI GOMES
O PROGRAMA CULTURA VIVA: UMA ANÁLISE DA FORÇA DAS COMUNIDADES POLÍTICAS E DO
PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

Araraquara. E-mail:
larissa.rizzatti.gomes@gmail.com

RESUMO

Ancorado nos pressupostos teóricos de autonomia, protagonismo e


empoderamento, o Programa Cultura Viva apresenta-se como uma política
cultural que pretende valorizar os grupos de cultura local, propiciando
protagonismo e empoderamento social. O artigo analisa tal política a partir de
uma perspectiva que considera duas variáveis: a força das comunidades
políticas e o processo de empoderamento de um grupo, apresentando a hipótese
de que o sucesso de uma política instituída por lei depende das condições reais
em que esta é realizada. Pretende-se apresentar, portanto, uma análise do
contexto social e cultural de aplicação de uma política pública, das relações de
poder estabelecidas por comunidades políticas e do processo de
empoderamento dos grupos como fatores de importância fundamental para a
eficácia de uma política. Os grupos analisados são A Liga Ribeiraopretana de
Organizações Carnavalescas, de Ribeirão Preto e a Associação Cultural Coro &
Osso, de Matão, duas iniciativas contempladas como Pontos de Cultura pelo
Programa Cultura Viva.

ABSTRACT

Anchored in the theoretical assumptions of autonomy, protagonism and


empowerment the Project “Cultura Viva” presents itself as a cultural policy that
seeks to enhance the local culture groups, providing protagonism and social
empowerment. The article analyzes this policy from a perspective that considers
two variables: the strength of policy communities and the empowerment process
767

of a group, with the hypothesis that the success of a policy established by law
depends on the actual conditions in which it is fulfilled. The intent is to present,
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EMPODERAMENTO DE GRUPOS
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O PROGRAMA CULTURA VIVA: UMA ANÁLISE DA FORÇA DAS COMUNIDADES POLÍTICAS E DO
PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

therefore, an analysis of the social and cultural context of the application of a


policy, of the power relations established by policy communities and the process
of empowerment of the groups as crucial factors for the effectiveness of a policy.
The groups analyzed are the Liga Ribeiraopretana de Organizações
Carnavalescas, from Ribeirão Preto and the Associação Cultural Coro & Osso,
from Matão, two initiatives contemplated as Pontos de Cultura by the Project
Cultura Viva.
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EMPODERAMENTO DE GRUPOS
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PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

INTRODUÇÃO

O objetivo desse artigo consiste na investigação da efetividade de uma


política pública a partir da influência de duas variáveis estabelecidas: a força das
comunidades políticas e o empoderamento do grupo afetado pela política. O foco
do estudo se pauta na hipótese de que o sucesso de uma política instituída por
lei depende das condições reais em que esta é realizada. Ou seja, partindo do
pressuposto de que sob a mesma Política Pública pode-se encontrar resultados
de efetividade muito diferentes, a partir do histórico e das relações já
estruturadas por grupos beneficiados pela política, o artigo apresenta a proposta
de pensar as relações de poder estabelecidas entre a comunidade envolvida
com a política, a sociedade civil e o poder público como produtoras de um
contexto de extrema relevância para o sucesso de implantação e manutenção
de determinada política.

Outro objetivo do presente trabalho incide na problematização do


processo de empoderamento de grupos, na investigação de quanto dele se
desenvolve a partir da atuação de comunidades políticas (policy communities) e
quanto é propiciado por uma política pública de reconhecimento. Em outras
palavras, pretende-se analisar de que maneira os grupos empoderam a si
mesmos e qual o grau de influência da atuação de agentes externos como
catalizadores ou criadores de espaços que favoreçam e sustentem processos de
empoderamento.
769

Para a realização de tal análise são utilizadas duas iniciativas culturais


contempladas como Pontos de Cultura – ação prioritária da política pública a ser
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estudada, o Programa Cultura Viva. São elas, a Associação Cultural Coro &
Osso, Ponto de Cultura da cidade de Matão-SP e a Liga Ribeiraopretana de
Organizações Carnavalescas, Ponto de Cultura do município de Ribeirão Preto
- SP.

Os resultados ainda não estão completamente verificados, visto que se


trata de uma pesquisa ainda em andamento, porém pretende-se, através deste
artigo, compartilhar algumas das descobertas preliminares que sinalizam para a
confirmação da hipótese apresentada.

O texto discute inicialmente os conceitos de comunidades políticas e


empoderamento dentro da esfera de análise das relações de poder. Em seguida,
são tratados aspectos relacionados à corrente comportamentalista e
neoinstitucionalista. A seção seguinte trata das características da política pública
analisada, o Programa Arte, Cultura e Cidadania – Cultura Viva, situando-a num
contexto de desenvolvimento de políticas culturais voltadas para o fortalecimento
da democracia, e das características singulares dos grupos culturais escolhidos,
suas trajetórias e consolidação como Pontos de Cultura.

Por fim, são apresentados os dados analisados e as conclusões


provisórias que eles sugerem.

POLÍTICAS PÚBLICAS E RELAÇÕES DE PODER

A política pública enquanto área de conhecimento desenvolveu-se nos


continentes europeu e americano a partir da década de 1930, porém só veio a
se desenvolver como campo de estudo propriamente dito a partir da década de
1950 (RUA, 2013).
770

Com base no pressuposto analítico de que em democracias estáveis


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aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser analisado

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cientificamente, o estudo das políticas públicas desenvolve-se nos EUA e torna-


se a disciplina acadêmica a partir da qual pesquisadores buscam criar modelos
que possam auxiliar tanto o Estado quanto a sociedade no processo de
formulação, implementação e avaliação de políticas públicas.

Os estudos iniciais no campo das políticas públicas apresentam teorias


de cunho racionalistas relacionadas ao comportamento político e à construção
das políticas públicas, desenvolvidas e trabalhadas por autores como Harold
Lasswell e Herbert Simon. Lasswell desenvolve o conceito de policy analyzis
como forma de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse
e o governo (RUA, 2013), e Simon traz a ideia de racionalidade limitada dos
decisores públicos (devido a problemas tais como informação incompleta ou
imperfeita, tempo para a tomada de decisão, auto interesse dos decisores, etc.),
e a possibilidade de maximização dessa racionalidade a partir da criação de
estruturas (conjunto de regras e incentivos) que enquadrassem e modelassem o
comportamento dos atores na direção de resultados almejados (SOUZA, 2006).

Ao longo do tempo o estudo não somente das estruturas e instituições,


mas acerca dos atores políticos (sujeitos vinculados a uma determinada área
das políticas públicas, a uma questão das políticas públicas ou a uma política
pública em si) e de suas formas de operação em todo o processo da política
pública continuaram a promover debates no novo campo que se consolidava.

No final da década de 1950, o autor Charles Lindblom traz sua


contribuição teórica aos estudos a partir da proposta de incorporação de outras
variáveis no processo de análise de políticas públicas, como as relações de
poder. Para este autor, o processo político e decisório constitui um processo
interativo e complexo, no qual as relações de poder representariam elemento
771

crucial no processo político.


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PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

A partir dessa perspectiva foi possível definir alguns dos elementos do


poder que afetam as políticas públicas e, em consequência, as conexões entre
os atores políticos: os recursos de poder, as habilidades no uso desses recursos,
os modos de exercício do poder e os comportamentos dos atores.

Nesse ponto, a discussão conceitual deste artigo se ramifica em duas


seções, – nas quais serão apresentadas reflexões acerca das relações de poder
– comunidades políticas e empoderamento.

COMUNIDADES POLÍTICAS

O conceito de comunidades políticas (policy communities), escolhido para


subsidiar a análise do presente artigo, justifica-se devido à sua potencialidade
como aporte teórico e referencial na busca pelas relações de poder
desenvolvidas entre os atores políticos nos processos de implantação e
manutenção das políticas públicas.

Sobre o conceito de policy community sabemos que teve seu


desenvolvimento entre os anos 1970 e 1980, no contexto do Reino Unido e,

Embora ainda não haja consenso na literatura a respeito


de uma definição precisa sobre o termo, grande parte dos
pesquisadores associa a ideia de comunidades de políticas
ao modelo de Rhodes, que as define em termos das
seguintes características principais: participação limitada,
alta integração entre os membros, consistência ao longo do
tempo, controle de recursos e distribuição balanceada de
poder (CAPELLA; BRASIL, 2014).

Como foi dito, não há um consenso na literatura, portanto, para uma


772

orientação mais precisa utilizaremos aqui do conceito de Kingdon (19841, p. 20


apud HERWEG, 2013, p. 8), para o qual
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uma comunidade política é, essencialmente, uma conexão


flexível dos funcionários públicos, grupos de interesse,
acadêmicos, pesquisadores e consultores (os chamados
participantes ocultos), que se dedicam a desenvolver
alternativas para problemas de política de um campo de política
específica.

De acordo com Kingdon, membros de uma comunidade política interagem


uns com os outros, "conheçam as ideias, propostas e pesquisas de cada um, e
muitas vezes se conhecem muito bem pessoalmente" (19842, p. 123 apud
HERWEG, 2013, p. 8). Ou seja, as comunidades políticas seriam, portanto,
definidas como um conjunto formado por especialistas e indivíduos diversos que
têm um foco comum, possuem uma base compartilhada de conhecimentos e
comungam opiniões e valores, compondo um consenso informal a respeito dos
seus interesses. Os atores dessas comunidades se reconhecem mutuamente, e
estão dispostos a investir recursos de poder variados na defesa de uma política
pública ou de uma proposta de política pública.

EMPODERAMENTO

O empoderamento é um termo que tem tido visibilidade crescente,


principalmente a partir da década de 1990, e é bastante utilizado atualmente em
vários âmbitos. Derivado da língua inglesa e sem tradução exata para o
português, muitas vezes os autores que o empregam optam por fazê-lo utilizando
o termo em inglês (empowerment) para manterem a fidedignidade da tradução.

A origem histórica do termo se situa nas lutas por direitos civis, no


773

movimento feminista e na ideologia da “ação social” presentes nas sociedades


dos países desenvolvidos, a partir dos anos 1950. Nos anos 1970, o conceito é
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influenciado pelos movimentos de autoajuda, nos anos 1980 pela psicologia


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PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

comunitária e nos anos 1990 pelos movimentos que buscam afirmar o direito de
cidadania sobre distintas esferas sociais (CARVALHO, 2004).

Muito utilizado em estudos na área da saúde, o termo, apesar de


apresentar algumas variações de definição, em geral, é utilizado para identificar
processos que procuram promover a participação social visando ao aumento do
controle sobre a vida por parte de indivíduos.

Para Vasconcelos (2003), operar a noção de empoderamento implica


trabalhar com a complexidade do poder como fenômeno teórico, político, social
e subjetivo; sendo o empoderamento um processo não linear, não cumulativo ou
progressivo, ou seja, constituído em arenas de conflito dinâmicas, relacionais,
sem distinções claras e numa dialética constante entre instituinte e instituído.

Kleba e Wendausen (2009), partindo da definição de empoderamento


como um processo dinâmico que envolve aspectos cognitivos, afetivos e
condutuais, significando aumento do poder, da autonomia pessoal e coletiva de
indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais,
principalmente daqueles submetidos a relações de opressão, discriminação e
dominação social, chamam a atenção para a importância dos estudos de Michel
Foucault na compreensão das relações de poder entre os indivíduos.

Para Foucault, a dimensão substancial da análise política está centrada


em “como” o poder se expressa.

O que é o poder, ou melhor - pois a questão o que é o poder


seria uma questão teórica que coroaria o conjunto, o que
eu não quero – quais são, em seus mecanismos, seus
efeitos, suas relações, os diversos dispositivos de poder
774

que se exercem a níveis diferentes da sociedade, em


domínios e com extensões tão variados? (FOUCAULT,
Página

2011, p. 174)
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No livro, “A Microfísica do Poder” (2001), o autor apresenta o conceito de


poder relacional, na qual o poder não existe por si só nem é algo que se detém
como objeto tangível. O que existe são práticas ou relações de poder, algo que
se exerce e se efetua.

Dispomos da informação de que o poder não se dá, não se


troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação,
como também da afirmação de que o poder não é
principalmente manutenção e reprodução das relações
econômicas, mas acima de tudo uma relação de força.
(FOUCAULT, 2011, p. 175)

O pensamento de Foucault é importante para se pensar as relações de


poder e a questão do empoderamento, uma vez que ele desfaz a ligação direta
entre Estado e poder como uma dominação total, concentrada num ponto
específico e difundido de maneira idêntica em outros setores da vida em
sociedade. O autor defende que o poder não está num espaço pré-determinado,
mas funciona em rede de modo que seu exercício encontra apoio em outros
pontos da rede, podendo se potencializar e potencializar outros poderes. Ou
seja, os sujeitos têm a possibilidade de reagir ao poder e, igualmente, de alterar
estas relações, pois, para Foucault, onde há poder há também resistência.

Para Kleba e Wendausen (2009, p. 737) a riqueza do processo de


empoderamento estaria justamente no desvendamento dessas relações de
poder e na busca por sua transformação em relações mais equânimes, pois que
“para subverter a ordem imposta e naturalizante em que vivem, faz-se
necessário, primeiramente, desvendar, compreender, inclusive historicamente,
as estruturas de poder que os mantêm em uma posição de iniquidade”. Para
775

isso, seria indispensável a construção de uma nova subjetividade, mais crítica e


livre, em que se permite questionar o instituído.
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Dessa forma, o desenvolvimento de competências e da capacidade de


enfrentar situações difíceis nos espaços da micropolítica cotidiana possibilitariam
a capacidade de atuação no espaço da política macro, à medida que as pessoas
se apropriassem de habilidades de participação democrática e do poder político
de decisão.

Nessa perspectiva, o processo de empoderamento pode ser pensado a


partir das maneiras com que ele se concretiza nas diferentes dimensões da vida
social: psicológica ou individual; grupal ou organizacional; e estrutural ou política.
Tais formas de sistematizá-lo são encontradas em diferentes autores, e reunidas
no trabalho de Kleba e Wendausen (2009). Para elas a interdependência entre
as mudanças que ocorrem em nível pessoal, grupal e estrutural é que garante
consistência ao processo de empoderamento.

Na dimensão psicológica ou pessoal, a unidade de análise são os


indivíduos e sua ação principal é a mudança de mentalidade a partir da
percepção do sujeito das próprias forças, que por sua vez resulta em um
comportamento de autoconfiança. Nessa dimensão o empoderamento se define
em um sentimento de maior controle sobre a própria vida, que os indivíduos
experimentam através do pertencimento a distintos grupos, e que pode ocorrer
sem que haja necessidade de que as pessoas participem de ações políticas
coletivas.

O problema desta concepção de "empowerment", segundo Carvalho


(2004) é que ela nem sempre incidiria sobre a distribuição de poder e de recursos
na sociedade e pode constituir-se em mecanismo de regulação social, pois que
é influenciada por

uma perspectiva filosófica individualista que tende a ignorar


776

a influência dos fatores sociais e estruturais; uma visão que


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fragmenta a condição humana no momento em que

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desconecta, artificialmente, o comportamento dos homens


do contexto sociopolítico em que eles encontram-se
inseridos (CARVALHO, 2004, p. 1090).

À vista disso, Kleba e Wendausen defendem que:

É necessário reconhecer, no entanto, que o


empoderamento pessoal não se realiza de forma
independente, mas implica um processo de integração na
comunidade, em que as diferentes formas de engajamento
são campos de aprendizagem e reconhecimento junto aos
membros do grupo, contribuindo para fortalecer
sentimentos como autorrealização, identidade e
pertencimento (2009, p. 739).

O empoderamento pessoal promoveria, portanto, a emancipação dos


indivíduos, com aumento da autonomia e da liberdade.

Na dimensão grupal ou organizacional, o processo se dá nas


organizações sociais ou comunitárias, que proporcionam experiências de
liderança e tomada de decisão compartilhada; ações de comunicação e apoio
eficazes; distribuição de papéis e responsabilidades segundo a capacidade de
cada um; troca de informações e recursos; gestão adequada em função do
crescimento e desenvolvimento organizacional (SILVA; MARTÍNEZ, 2004).
Através dessas ferramentas, os grupos desenvolvem um sentido de confiança e
de comunidade que desencadeia em respeito recíproco e apoio mútuo entre os
membros, promovendo o sentimento de pertencimento, práticas solidárias e de
reciprocidade.
777

Por fim, o empoderamento estrutural ou político tem sua ênfase na


dimensão política da vida social. É um processo caracterizado por conflitos de
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redistribuição de poder político, no qual as pessoas ou grupos renunciam a uma


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posição de dominação e se apropriam de habilidades de participação


democrática e de poder político de decisão. Ele prevê a saída das pessoas de
uma situação de resignação e impotência e sua reapropriação de poder; o ganho
de força para projetos coletivos de auto-organização e o desenvolvimento de
instrumentos eficazes para o engajamento de cidadãos (HERRIGER3, 2006,
apud KLEBA; WENDAUSEN, 2009).

Kleba e Wendausen dizem ainda, que o empoderamento político requer


um processo prévio de empoderamento social e uma atmosfera favorável à
participação efetiva de todos os cidadãos nas decisões políticas relevantes, para
isso a atuação dos governos local, estadual e nacional são essenciais na
geração de estruturas favoráveis e no desenvolvimento de estratégias de
empoderamento.

Conclui-se, portanto, que as dimensões dos processos de


empoderamento, analisadas em conjunto, justificam a utilização do conceito na
identificação de situações que promovem a participação social visando ao
aumento do controle sobre a vida por parte de indivíduos e comunidades, à
eficácia política, a uma maior justiça social e à melhoria da qualidade de vida,
esperando, como resultado, o aumento da capacidade dos indivíduos e coletivos
para definirem, analisarem e atuarem sobre seus próprios problemas através da
aquisição de habilidades para responder aos desafios da vida em sociedade.

AFINAL, AS INSTITUIÇÕES IMPORTAM?

A pergunta constitui uma das questões centrais na definição teórica de


dois tipos de abordagem presentes na Ciência Política, o institucionalismo e o
778

comportamentalismo. Indagações sobre como os atores se comportam, qual o


papel das instituições e até onde elas influenciam comportamentos compõem
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um aparato de análise muito caro ao debate da Ciência Política desde o início


do século XX.

O comportamentalismo, designação genérica do behaviorismo, possui


extensão bastante ampla e tem sua origem na psicologia norte-americana.
Alguns autores defendem que a adoção desse paradigma na análise dos
fenômenos políticos ocorreu como um movimento acadêmico de rejeição ao
antigo institucionalismo (PERES, 2008), que considerava a organização
institucional da comunidade política ou a economia política como o principal fator
a estruturar o comportamento coletivo e resultados distintos.

Na abordagem comportamentalista, o foco de investigação, que até então


era mais voltado às instituições jurídicas e administrativas, passa a se dirigir aos
atores políticos e mais especificamente, seu comportamento, seus valores e
seus objetivos e a pesquisa política passa a priorizar os dados sobre a influência
dos indivíduos sobre os processos governamentais e o modo como constituem
esses processos e são influenciados por eles.

Em suma, a pesquisa de comportamento político busca,


em primeiro lugar, dados que expressem o comportamento
humano em tipos de situações que envolvem o exercício
da autoridade governamental, em vez de encontrar
evidências que glorifiquem ou condenem entidades
personificadas, tais como o Estado, a sociedade, a
comunidade, a economia ou a classe, dotadas de
qualidades tais como onisciência, onipotência e
inevitabilidade (LIERSON 19564, pp. 55-56 citado por
PERES, 2008, p. 58).
779

Peres explica que as abordagens institucionalistas, de natureza bastante


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formal, começavam a ser consideradas ineficientes para a explicação dos novos

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fenômenos políticos surgidos a partir da década de 1930, como o nazismo, o


fascismo, as crises do liberalismo e da representação, e que em consequência
disso, depois da Segunda Guerra Mundial, os estudos passaram a enfocar a
dinâmica “real” da política, com ênfase na investigação factual, na proposição de
hipóteses testáveis e na busca de generalizações empíricas.

Em suma, portanto, a ‘revolução comportamentalista’ da


Ciência Política é caracterizada por dois pontos
fundamentais. O primeiro deles é sua posição duramente
crítica em relação à abordagem institucionalista de então,
propondo, em oposição, uma teoria positiva e uma análise
empiricamente orientada e bem mais rigorosa em termos
conceituais. O segundo ponto é sua proposta programática
de utilizar, de maneira pluralista, abordagens
metodológicas de outras ciências “vizinhas”, como a
Sociologia, a Antropologia e a Psicologia. (PERES, 2008,
p.58)

Dessa forma, a perspectiva comportamentalista revelava uma grande


preocupação com a objetividade e com as generalizações indutivas, elementos
considerados essenciais à análise científica. Outros pontos relacionados com a
proposta comportamentalista seriam os métodos sistemáticos e diferenciais, o
material empírico, a quantificação e a multidisciplinaridade teórica e
metodológica (PERES, 2008).

Mais recentemente, a partir da década de 1980, uma nova corrente


institucionalista – o neoinstitucionalismo – surge na Ciência Política e se torna o
novo paradigma hegemônico da área (PERES, 2008), apesar de, segundo
780

alguns autores, não possuir uma consistência ou coerência definida, (MARCH e


OLSEN, 2008) ou constituir um pensamento unificado (HALL e TAYLOR, 2003).
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O neoinstitucionalismo baseia-se, epistemológica e metodologicamente


na premissa de que os atores respondem estratégica ou moralmente a um
conjunto de regras formais ou informais que são circunscritas às instituições.
Nessa abordagem, é possível explicar grande parte do que ocorre na dinâmica
da política a partir da análise das formas com que as instituições moldam,
condicionam ou induzem os atores a agirem e a decidirem de determinada
maneira (PERES, 2008). Ou seja, as instituições são consideradas fatores de
constrangimento e restrição, assim como de moldagem e estruturação de ações,
pois limitam seus cursos de ação possíveis e estabelecem uma escala de
racionalidade entre estes.

Apesar de insistir em um papel mais autônomo para as instituições


políticas o neoinstitucionalismo não nega a importância tanto do contexto social
da política quanto das motivações dos atores individuais, porém defende que o
Estado não é somente afetado pela sociedade, mas também a afeta.

A democracia política depende não somente da economia


e das condições sociais, mas também do desenho das
instituições políticas. A agência burocrática, a comissão
legislativa e as cortes de apelação são arenas para as
forças sociais contraditórias, mas também são uma
coleção de procedimentos e estruturas de operação-
padrão que definem e defendem interesses; elas são
atores políticos em si. (MARCH e OLSEN, 2008, p. 127)

As questões centrais das análises neoinstitucionais são, portanto,


investigar: como as instituições afetam o comportamento dos indivíduos, como
construir a relação entre instituição e comportamento e como explicar o processo
781

pelo qual as instituições surgem ou se modificam.


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O PROGRAMA CULTURA VIVA

No programa de governo da campanha presidencial de Luiz Inácio da


Silva, a questão do redimensionamento do lugar da cultura dentro da área das
políticas públicas já era um assunto presente. “O Programa dialogava com
documentos e estudos internacionais nos quais a cultura é considerada como
um direito básico, propondo que as políticas culturais devem estar voltadas para
o desenvolvimento e o fortalecimento da democracia” (CALABRE, 2014, p. 143).

No ano de 2003, indicado pelo presidente da República, o artista Gilberto


Gil, torna-se ministro da Cultura e logo ao assumir a pasta, depara-se com um
Ministério voltado para a administração de mecanismos de leis de incentivo.

Durante o governo do presidente Fernando Henrique


Cardoso, o uso da Lei Rouanet foi consolidado e o governo
federal investiu largamente no slogan “Cultura é um bom
negócio”. Foram oito anos de governo de inspiração
neoliberal, trabalhando pela construção de um Estado
mínimo e repassando para a iniciativa privada, através da
Lei Rouanet, o poder de decisão sobre o financiamento e
apoio da produção cultural do país (CALABRE, 2014,
p.142-143).

A partir do início do mandato de Lula, as problemáticas dos direitos


culturais, da cidadania cultural e da economia da cultura passaram a ter cada
vez mais espaço na pauta de discussão política. O Ministério da Cultura (MinC)
começa a se reestruturar através da criação e reorganização das secretarias,
amplia a complexidade da pasta e alarga seu campo de ação, intensificando os
debates sobre a cultura e colocando-a no campo das políticas públicas. A
782

proposta era trazer para o centro do debate da produção cultural o fortalecimento


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da chamada “cultura popular”, com o objetivo de construir uma nova hegemonia

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dentro das políticas culturais do Estado, bem como uma nova perspectiva sobre
o conceito de cultura para embasar tais políticas.

Foi nesse contexto que, em 2004, foi criado o Programa Arte, Cultura e
Cidadania - “Cultura Viva”, um programa que traria uma concepção de política
pública diferenciada das tradicionais políticas culturais firmadas em um dirigismo
ou centralismo estatal, que se assentavam na construção de espaços físicos de
apoio à cultura, ou das ditas políticas neoliberais de leis de incentivo, formuladas
a partir da década de 1990.

A lógica do programa “Cultura Viva” era fomentar ações culturais que não
se encontrassem baseadas na racionalidade de interesses do financiamento
privado. Uma das propostas do programa foi levantar o debate em torno da
cidadania cultural e da necessidade de construção de uma cultura política capaz
de orientar as instituições estatais a uma maior flexibilidade nas relações com os
agentes sociais.

Entretanto, para que o programa conseguisse incorporar a subjetividade,


autonomia e a demanda das iniciativas culturais e compreendesse o processo
cultural para além das relações econômicas e de dirigismo, priorizando dessa
maneira os processos simbólicos e de cidadania de atores sociais orgânicos e
ligados a seus territórios e tradições, era preciso desenvolver um novo conceito
de política cultural e gestão compartilhada. Daí nasceram os “Pontos de Cultura”.

Os Pontos de Cultura têm por objetivo estabelecer novos


parâmetros de gestão e democracia entre Estado e
Sociedade. No lugar de impor uma programação cultural
ou chamar os grupos culturais para dizerem o que querem
(ou necessitam), perguntamos como querem. Ao invés de
783

entender a cultura como produto, ela é reconhecida como


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um processo [...] Ponto de Cultura é um conceito de política

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pública. São organizações culturais da sociedade que


ganham força e reconhecimento institucional ao
estabelecer uma parceria, um pacto, com o Estado [...]
Ponto de Cultura é cultura em processo, desenvolvida com
autonomia e protagonismo social. (TURINO, 2010, p. 63).

O ponto de cultura é a ação prioritária do programa Cultura Viva e articula


todas as suas demais ações. Para se tornar um ponto de cultura, é preciso que
uma iniciativa da sociedade civil seja selecionada pelo MinC por meio de edital
público. A partir daí um convênio é estabelecido para o repasse de recursos, e o
ponto de cultura se torna responsável por articular e impulsionar ações já
existentes em suas comunidades. O ponto não tem um modelo único de
instalações físicas, de programação ou de atividades. Cada um dos pontos
recebe uma quantia de R$ 60 mil/ano, divididos em parcelas semestrais e
renováveis por três anos, para investir de acordo com a proposta do projeto
apresentado. Parte do incentivo recebido na primeira parcela é utilizada para
aquisição de equipamento básico multimídia em software livre, composto por
microcomputador, mini estúdio para gravação de CD, câmera digital e outros
materiais que sejam importantes para o ponto de cultura. Esta iniciativa está
integrada a uma das ações do programa federal Cultura Viva, a Cultura Digital.

A proposta, portanto, inverte a lógica de abordagem dos grupos sociais.


O MinC diz o quanto pode oferecer e os proponentes definem, a partir de suas
necessidades, como irão aplicar o recurso. Em algumas propostas, um maior
investimento vai para a adequação do espaço físico, em outras, equipamentos,
realização de oficinas, etc.

Para Célio Turino (2010), idealizador do Programa, a política de Pontos


784

de Cultura pode representar para a cultura brasileira o fim dos dirigismos ou


centralismo como caminho único para a política cultural. O autor afirma que o
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conceito de Ponto de Cultura é exatamente o que grupos de cultura popular, de


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matriz africana, indígena, quilombolas e outras comunidades, já praticam há


muito tempo: o trabalho compartilhado, o desenvolvimento de atividades
culturais respeitando a autonomia e o protagonismo dos indivíduos e das
comunidades. “Com o Ponto de Cultura não se cria, nem se inventa, mas se
potencializa a partir do que já existe...” (TURINO, 2010, p.28).

O autor coloca ainda que ao concentrar sua atuação nos grupos


historicamente alijados das políticas públicas (seja por recorte socioeconômico
ou no campo da pesquisa e experimentação estética), o Ponto de Cultura
potencializa iniciativas já em andamento, criando condições para um
desenvolvimento alternativo e autônomo, de modo a garantir sustentabilidade na
produção da cultura.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),


desde 2004, já foram implementados 3.500 Pontos de Cultura em todo o país,
sendo que entre os principais beneficiários e protagonistas do Cultura Viva estão
a juventude e os grupos tradicionais. Ao longo dessa trajetória, os Pontos de
Cultura se tornaram uma referência de política cultural dentro e fora do Brasil,
tendo sido adotados em vários países da América Latina, como Argentina, Chile,
Peru, Colômbia e Costa Rica.

Em 22 de julho de 2014, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº


13.018 que transformou os Pontos de Cultura, na Política Nacional de Cultura
Viva, simplificando e desburocratizando os processos de prestação de contas e
o repasse de recursos para as organizações da sociedade civil.

A POLÍTICA, A COMUNIDADE E O EMPODERAMENTO


785

Como já foi dito, o Programa “Cultura Viva” baseia-se no tripé conceitual


autonomia/protagonismo/empoderamento. Sua proposta é o compartilhamento
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do poder com novos sujeitos sociais e o estabelecimento de redes de


colaboração e solidariedade que dê voz e empoderamento àqueles que nunca
foram ouvidos.

Autonomia e protagonismo se completam quando formam


um triângulo com empoderamento. Compõem o tripé da
sustentabilidade cultural nas comunidades. Esses três
fundamentos não podem ser entendidos de maneira
estática ou como modelos. Por serem valores em
construção, seus significados ganham relevância na
medida em que se cruzam e expressam as próprias
experiências da cultura e dos Pontos. São valores que
geram um novo conceito: o Ponto de Cultura. (TURINO,
2010, p.74)

Colocada, portanto, como uma política “potencializadora”, a qual


reconhece e impulsiona protagonismos e pretende como um de seus efeitos o
empoderamento do grupo, é importante compreender em que medida de fato
isso ocorre e quais os fatores que auxiliam ou favorecem tais pressupostos.

É preciso também considerar que, ao atuar com base na lógica do


reconhecimento de iniciativas culturais já atuantes na sociedade, a
heterogeneidade é algo que necessariamente se faz presente e tem reflexo
imediato na análise do programa. Cada projeto de ponto de cultura apresentado
pela sociedade civil é estruturado em cima de demandas próprias e realidades
diferentes, que estão diretamente ligadas ao perfil e à capacidade de articulação
da organização proponente.

É precisamente esse ponto que a pesquisa explora, através da análise de


786

dois grupos culturais que se tornaram Pontos de Cultura. Seus diferentes


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contextos de surgimento, formação e consolidação, o desenvolvimento de suas

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relações com a sociedade e o poder público, o impacto causado e as


transformações ao tornarem-se Pontos de Cultura. Nessa perspectiva, a
intenção é verificar como a realidade em que uma política pública se dá pode ser
extremamente relevante ou até mesmo determinante para a efetividade dessa
política (ou para uma maior eficácia dos resultados da política).

Os grupos escolhidos para esse estudo foram a Associação Cultural Coro


& Osso, da cidade de Matão-SP e a Liga Ribeirãopretana de Organizações
Carnavalescas, de Ribeirão Preto - SP.

A Associação Cultural Coro & Osso é uma associação civil sem fins
lucrativos fundada em 2002, que tem como atividades principais o estudo e a
prática do canto coral. Apesar de ter sido instituída como associação em 2002,
o Grupo Vocal Coro & Osso existe e atua desde o ano de 1990, tendo sua história
embasada na pesquisa e divulgação da música vocal, na produção própria de
CDs e espetáculos – com apresentações em palcos do Brasil e do exterior – e
no desenvolvimento de ações para a promoção da cultura musical por meio de
atividades artístico-culturais e de educação.

Ao tornar-se Ponto de Cultura, em 2014, a Associação Cultural Coro &


Osso, como uma organização cultural já consolidada, já apresentava uma
capacidade de articulação bem desenvolvida, fato que pode ser constatado a
partir das diversas experiências de intercâmbio com outros coros e regentes, da
formação de parcerias com outros grupos e artistas e das relações estabelecidas
com o poder público municipal.

Um contexto diferente pode ser verificado no histórico d’A Liga


Ribeirãopretana de Organizações Carnavalescas. Fundada em 2001, além de
representar quatro escolas de samba, das quais: Embaixadores dos Campos
787

Elíseos, Falcão de Ouro, Imperadores do Samba e Ogun Oya, a Liga foi, por
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muitos anos, responsável pela organização do carnaval em Ribeirão Preto.

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Entretanto, sua atuação sempre esteve vinculada ao financiamento da prefeitura,


ou seja, funcionava como uma espécie de associação para a organização do
carnaval. Foi somente através do projeto do Ponto de Cultura Carnaval para
Todos, iniciado em 2011, que as atividades “permanentes” da entidade se
iniciaram de fato.

Em seu caso, o Ponto de Cultura trouxe praticamente toda a estruturação


da entidade, de suas atividades e, inclusive, de sua instalação em um espaço-
sede. Em artigo que analisa o impacto da implantação da rede de pontos de
cultura nas entidades de Ribeirão Preto, Jonas Paschoalick faz a seguinte
observação:

[...] a entidade praticamente não existia antes do Ponto de


Cultura. Era uma entidade que servia à prestação dos
serviços burocráticos para a realização do carnaval, um
‘despachante’, nas palavras de sua coordenadora Sílvia
Seixas. O advento do projeto de Ponto de Cultura
representou, para a Liga, a sua ressignificação enquanto
geradora de atividades e ações artístico-culturais, com foco
nas demandas de produção do carnaval e também o seu
estabelecimento em um espaço, onde pudessem absorver
uma demanda comunitária (PASCHOALICK, 2013, p. 33).

No ano de 2013 o convênio completou seus três anos e a Liga deixou de


ser Ponto de Cultura. O fim dos repasses representou também o fim das ações
culturais desenvolvidas pelo grupo e a redução de suas atividades à organização
do carnaval da cidade, e, ainda assim, não houve desfiles de escolas de samba
nos anos de 2014, 2015 e 2016 tendo sido cancelados pela prefeitura por falta
788

de verbas.
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Em análise inicial sobre as possibilidades da política de cultura federal


apresentada ter criado espaços que promovessem o empoderamento, em
primeiro momento acreditamos que tenha se realizado, pois que, como vimos, a
chancela de Ponto de Cultura e os recursos advindos com ela, permitiu a
reorganização do grupo, a realização de um calendário de atividades e até
mesmo a conquista de um espaço-sede, ou seja, promoveu a autonomia, a
autogestão e a possibilidade de se trabalhar segundo a sua realidade. Segundo
Teixeira (2002), o empoderamento se associa a formas alternativas de se
trabalhar realidades sociais, suporte mútuo, formas cooperativas, formas de
democracia participativa, autogestão e movimentos sociais autônomos.

Porém, apesar de observar que o Ponto de Cultura, abriu espaço para o


desenvolvimento desses processos, a interrupção das atividades no momento
em que o convênio é finalizado, demonstra que a política não gerou instrumentos
eficazes de engajamento que permitissem a atuação do grupo após o fim da
parceria com o Estado. Dessa perspectiva, não houve empoderamento, já que o
grupo não demonstrou capacidade para lidar com problemas de forma
autônoma.

A hipótese pela qual o processo não teria acontecido de forma significante


seria a ausência de uma comunidade política fortalecida que garante que as
ações do grupo permaneçam não somente em convergência com seus os
interesses, mas focadas em sua capacidade de realização.

Dessa forma, o contexto de surgimento do grupo (composição de uma


pessoa jurídica para servir de proponente para a realização dos desfiles de
escolas de samba em Ribeirão Preto), assim como sua trajetória, caracterizada
por um número menor de atividades culturais do que burocráticas, teriam
789

contribuído para que os efeitos da aplicação do Programa Cultura Viva não


resultassem em impactos significantes, do ponto de vista sociocultural. Ou seja,
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nessa perspectiva, a política teria sido eficaz (já que cumpriu sua proposta de
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promover espaço para o empoderamento, a autonomia e o protagonismo),


porém não efetiva (já que não promoveu a consolidação desses processos junto
ao grupo).

Entretanto, como já foi dito, a pesquisa ainda está em curso, e futuras


análises de campo podem tanto confirmar, quanto negar a hipótese inicial
apresentada.

Por contraposição a Associação Cultural Coro & Osso, como dissemos, já


existia e atuava como grupo vocal há doze anos quando da decisão de se
organizar pela via jurídica. Composto por um número de pessoas que varia entre
dez e trinta e cinco ao longo dos anos, o grupo possui indivíduos que atuam
profissionalmente nas mais diversas áreas, porém possuem um foco comum: a
divulgação da música vogal.

A sua trajetória de atuação, inicialmente voltada à difusão do canto coral


junto às escolas públicas do município de Matão, em seguida marcada pela
realização de diversas oficinas e workshops oferecidos para a comunidade, e ao
longo dos anos destacando-se por sua produção de espetáculos – em primeiro
momento no município e região, posteriormente em outros estados e por fim
outros países – se constrói a partir de vínculos e alianças desenvolvidos com o
poder público e outras organizações culturais.

Pesquisas nos meios de comunicação do município de Matão e região,


principalmente em jornais (Jornal A Comarca e Tribuna Impressa) dos anos 1990
em diante, mostraram a participação ativa do grupo na cena cultural da cidade,
tanto na apresentação de espetáculos e realização de oficinas quanto no apoio
à realização de eventos culturais na área de música. Matérias apresentando
votos de congratulações ao grupo e o título de Honra ao Mérito recebido em
790

ocasião da comemoração dos vinte anos de atuação do coral revelam também


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o reconhecimento, pelo poder público, da importância do grupo como


representantes culturais do município.

Entendemos, assim, que o grupo, junto a outros indivíduos do poder


público e de outras organizações culturais com as quais se relacionam, constitui
uma comunidade política fortalecida, na qual se compartilham opiniões e valores
muito parecidos em relação à difusão cultural, principalmente na área da música.

Lembrando os conceitos apresentados no início do artigo, vimos que as


comunidades políticas representam formas de arranjo e de composição entre os
atores políticos, capazes de influenciar e alterar as correlações de força nas
disputas e nos conflitos da política. Reforçamos nesse momento, portanto, nossa
hipótese, de que quando coesas e fortalecidas, as comunidades políticas
possibilitam melhor aproveitamento dos espaços de promoção de autonomia,
protagonismo e empoderamento oferecidos por uma política pública, e isso se
deve, principalmente, ao estabelecimento de uma trajetória na qual o grupo já
desenvolvia esses três pressupostos antes mesmo de ser reconhecido como
Ponto de Cultura.

CONCLUSÃO

Observando as características apresentadas sobre as duas iniciativas


culturais contempladas pelo Programa, reforça-se a ideia de que quanto mais
integrada uma comunidade política, mais fácil desenvolver uma linguagem
comum, perspectivas comuns, orientações e formas de pensar entre os seus
membros (KINGDON, 1984, apud HERWEG, 2013, p. 7). Por outro lado, uma
menor integração resulta em falta de coordenação interna e instabilidade,
791

dificultando a manutenção da autonomia quando não há provisão de recursos ou


apoio institucional.
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EMPODERAMENTO DE GRUPOS
LARISSA RAZZATTI GOMES
O PROGRAMA CULTURA VIVA: UMA ANÁLISE DA FORÇA DAS COMUNIDADES POLÍTICAS E DO
PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

Chamamos a atenção nesse momento para a importância da análise do


comportamento dos atores políticos envolvidos em uma política pública
específica – mais precisamente das relações de poder desenvolvidas entre eles
e da importância dessas relações no desenvolvimento de processos de
empoderamento. As motivações para a criação dos grupos, as trajetórias
constituídas e a forma com que esses grupos desenvolveram suas atividades e
relações com a sociedade e o poder público são consideradas, nesse artigo,
como bastante significativas para a análise da eficácia e efetividade do Programa
Cultura Viva e dos Pontos de Cultura em suas proposições teóricas.

Sem negar o que acabamos de dizer, mas enriquecendo a pesquisa ao


propormos a utilização de duas correntes teóricas, atuando se não como
complementares mas em paralelo, encaminhamo-nos ao final desse trabalho
com a proposta de pensar a importância das instituições na manutenção das
conquistas sociais no campo da cultura.

Como foi visto, o Programa Cultura Viva, trouxe consigo um novo conceito
de cultura, desvinculado de “leis” mercadológicas e princípios de erudição,
pensando a cultura como um processo que se faz em si mesmo e que, portanto,
não se oferece e não se cria, se reconhece.

Tornar o programa, lei (federal e estadual em alguns estados) é uma


conquista que, se não garante (vide o próprio Ministério da Cultura, que
institucionalizado, já foi dissolvido em dois governos, do presidente Fernando
Collor e, mais recentemente, no governo interino de Michel Temer) ao menos
promove o fortalecimento da política, ao transferi-la da situação de política de
governo, para política de Estado. Nessa perspectiva, a institucionalização é
importante para que se evite retrocessos e que se dependa menos da vontade
792

política.
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PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

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EMPODERAMENTO DE GRUPOS
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NOTAS

Kingdon, J.W. Agendas, alternatives, and public policies. Boston: Little Brown,
1984.
796

2 Idem.
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EMPODERAMENTO DE GRUPOS
LARISSA RAZZATTI GOMES
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PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE GRUPOS

3 HERRIGER, N. Grundlagentext Empowerment. Düsseldorf/Alemanha:


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4 LEISERSON, Avery. (1956), “Problems of methodology in political research”, in


W. Eulau, S. Eldersveld e M. Janowitz (eds.), Political behavior: a reader in theory
and research, Illinois, The Free Press.
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ANÁLISE DAS POLÍTICAS E PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL NO
TERRITÓRIO

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3

PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

O RECONHECIMENTO DA CULTURA PARA A SAÚDE


NAS POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS: ANÁLISE DAS
POLÍTICAS E PROJETOS ASRTÍSTICO-CULTURAIS
PARA A SAÚDE MENTAL NO TERRITÓRIO

MARCELLA CONSTANTINO
798

Bacharel em Psicologia. E-mail:


Página

marcella_constantino@hotmail.com

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PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL
NO TERRITÓRIO
MARCELLA CONSTANTINO
O RECONHECIMENTO DA CULTURA PARA A SAÚDE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS:
ANÁLISE DAS POLÍTICAS E PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL NO
TERRITÓRIO

RESUMO

Este artigo é um estudo preparatório para um futuro projeto de dissertação, fruto


de uma investigação em que as questões têm relação com a minha vivência e
prática real sobre o tema. Reflete sobre como as experiências artístico-culturais
ao campo da Saúde Mental, no âmbito da atenção psicossocial, abrem
possibilidades de potencializar, enriquecendo-os integralmente. Identifica e
analisa o processo de construção das práticas e políticas culturais para Saúde
Mental, e sua ausência nas políticas públicas. Defende uma efetiva contribuição
maior da sociedade civil e esferas públicas na elaboração, avaliação e
implementação das políticas culturais. Objetiva a garantia de direitos reforçando
o papel do Estado, para sustentação e incentivo a produção de programas e
projetos para pessoas com sofrimento psíquico. Compreender esse contexto
sociopolítico, o surgimento de um novo campo artístico-cultural, a importância da
participação proativa na vida pública, potencializa o desenvolvimento de diversos
projetos que vêm sendo construídos no Brasil.

ABSTRACT

This Article is a preparatory study to a future dissertation project, is


the result of an investigation in which issues raised has no relation with my
experiencing and real practice on the theme. It reflects how
cultural/art experiences in the area of mental health, within the psychosocial
support, open possibilities of potentiate, enriching then fully. Identify and analyze
799

the process of construction of cultural practices and policy for mental health, and
the absence in the public politics. Maintains an effective major
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contribution of civil society and public spheres, of development, evaluation and


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PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL
NO TERRITÓRIO
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O RECONHECIMENTO DA CULTURA PARA A SAÚDE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS:
ANÁLISE DAS POLÍTICAS E PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL NO
TERRITÓRIO

implementation of cultural policies. The purpose is security of rights,


strengthening the state's role, to support and incentive programmes and projects
productions for people with psychic suffering. Understand this socio-political
context, the emergence of a new artistic and cultural, the importance of proactive
participation in public life, encourage the development of several
projects that have been built in Brazil.
800
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PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL
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TERRITÓRIO

INTRODUÇÃO

Novos Parâmetros para a Cultura relacionada à promoção da Saúde

Na atualidade, podemos perceber as mudanças sociais, culturais,


educacionais, políticas e econômicas que estão ocorrendo no mundo desde o
século XIX, as quais se intensificaram no século passado, produzindo alterações
significativas na sociedade. Ao mesmo tempo, acontece o desenvolvimento de
tecnologias, as quais surgem para auxiliar os seres humanos a viver de forma
mais segura e no enfrentamento de diversas adversidades que se encontram no
cotidiano. A área da Saúde, neste contexto, também sofreu e continua sofrendo
intensas modificações, tornando-se, dessa forma, cada vez mais exigente de
que sejam adotadas diferentes intervenções que visem à redução de sofrimentos
e adoecimentos.

Analisando o processo Saúde e Doença, percebe-se que há casos em


que, o aparato biomédico não consegue modificar certos determinantes da
Saúde, por agir seguindo um modelo de atenção e cuidado marcado, muitas
vezes, pela centralidade nos sintomas. Assim sendo, justifica-se a importância
de se pensar em novas formas de trabalhar em prol da Saúde da sociedade,
considerando além do biológico, o psicológico e o ambiente sociocultural no qual
os sujeitos estão inseridos. Indo além dos sintomas, investigando a dimensão do
subjetivo, a partir das expressões simbólicas, experiências e processos de
significação, através do desenvolvimento de práticas participativas na Saúde,
801

como instrumentos que facilitem a promoção, prevenção, reabilitação e


manutenção da Saúde. Proporcionando às pessoas a participação em ações que
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estimulem a expansão da percepção e “novas formas de si ver e ver o mundo”,


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ANÁLISE DAS POLÍTICAS E PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL NO
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para melhoria da qualidade de vida. Desenvolvendo a partir de práticas


democráticas, a autonomia, consciência, autenticidade e potência para
alcançarem o bem-estar biopsicossocial (PINTO et.al., 2012).

Segundo Vygotsky (1896-1934), um dos maiores expoentes do estudo do


comportamento e aquisição do conhecimento, influenciado pelo pensamento
marxista, pois segundo Marx: “tudo é histórico, fruto de um processo e, que são
as mudanças históricas na sociedade e na vida material que modificam a
natureza humana em seu comportamento e consciência”, que há o
desenvolvimento do psiquismo humano. Suas questões giram em torno da
construção do conhecimento e desenvolvimento da Inteligência. A partir do
aprendizado da cultura, nas relações indivíduo e seu contexto sociocultural, que
se constitui a natureza humana. O desenvolvimento mental humano não é
passivo, nem tão pouco independente do desenvolvimento histórico e das
formas sociais da vida (COSTA, 2006).

Sua teoria sobre as funções psicológicas superiores, são resultados das


relações homem e sociedade, pois quando o homem transforma o meio na busca
de atender suas necessidades básicas, ele transforma a si mesmo. A criança
nasce apenas com funções psicológicas elementares e a partir do aprendizado
da cultura, tornam-se superiores. O limite biológico não é o que determina o não
desenvolvimento, mas a sociedade que vem criando estes limites quando não
estimula o processo criativo através do emprego de ferramentas, instrumentos,
realizando troca de saberes e experiências. A atividade mental sendo entendida
como um sistema aberto, cuja estrutura e funcionamento são moldados ao longo
da história, podendo mudar sem que ajam transformações físicas no órgão. A
802

linguagem é um signo mediador por excelência, por isso Vygosky confere um


papel de destaque no processo de pensamento, pois é através de técnicas e
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signos que fazemos a mediação entre seres humanos e estes com o mundo
(COSTA, 2006).

A busca por Saúde equivale a melhorias do estilo de vida do ser humano,


para isto, deve-se estar presentes estratégias de promoção. A proposta desta
pesquisa analisa como as práticas artístico-culturais podem ser instrumentos
para o desenvolvimento humano, abrindo um leque de possibilidades quando
incorporada a Saúde. A partir dessas práticas facilita-se um olhar mais amplo e
diferenciado, estimulando assim o encontro de respostas a possíveis problemas
existentes. Os princípios da promoção da Saúde são um caminho ainda em
construção para a melhoria da qualidade de vida da sociedade, mas pode ser
alcançada por meio de ações de interdisciplinaridade, intersetorialidade,
solidariedade, assim como da articulação entre atores sociais, para que o
conjunto de saberes proporcione atendimento humanizado e resolutivo por essa
percepção ampliada da Saúde.

A partir da Constituição Federal de 1988, com a criação do SUS (Sistema


Único de Saúde), estende-se o direito a Saúde a todo cidadão brasileiro através
da criação de Políticas Públicas como um dever do Estado. Cria-se um sistema
em construção por demandas criadas a partir de diversos grupos sociais,
atendimento a doenças específicas, escassez de serviços, população excluída
por questões diversas, sofrendo até hoje contínuas pressões de grupos pela
expansão do atendimento e pela incorporação de direitos. Entretanto, a atuação
no campo da Saúde para influenciar positivamente as Políticas Públicas, depois
da criação do SUS perde a força, concentrando-se há poucos anos a atuação
predominantemente em vertente assistencial, em cuidados da Saúde a grupos
803

excluídos do atendimento por órgãos públicos ou Estado. Mas ao longo dos


anos, a ação e mobilização ganha experiência e competência para diagnóstico
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e intervenção social, gerando muitas vezes soluções inovadoras a problemas


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PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL
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sociais. Se a pressão da sociedade é eficaz ou o governo é sensível a novas


propostas advindas da sociedade, a interação pode gerar mecanismos para que
incorporem novas metodologias, tecnologias e transformá-las em Políticas
Públicas ampliando o alcance de impactos (HOCHMAN et.al., 2012).

Percebe-se que para melhorar a Saúde, os serviços de Saúde não podem


dar conta, isoladamente, de melhorar a Saúde da sociedade. Na I Conferência
Internacional em Promoção da Saúde, 1986, em Ottawa, inaugurou-se um novo
conceito de Saúde, em que os pré-requisitos são: habilitação; paz; educação;
ecossistema estável; conservação de recursos naturais, equidade e poder
aquisitivo. Entendendo a Saúde como resultado de ações intersetoriais agindo
na qualidade de vida, ou seja, cada setor como educação; geração de trabalho;
lazer e cultura; habilitação; transportes; meio ambiente; assistência social, entre
outros, devendo ter estratégias de elaboração de políticas saudáveis de atuação
para promoção do setor da Saúde, articulando-as. O novo referencial de reflexão
e atuação em Saúde considerada qualidade de vida, representa a valorização
da vida, às necessidades sociais, sendo um direito de coletivos e indivíduos
(HOCHMAN et.al., 2012).

Vista assim, ela ultrapassa limites, se tornando um movimento social pelo


direito à Saúde e condições dignas de vida. Para compreender a evolução
necessária, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), Saúde define-se
como o estado de bem-estar físico, mental e social, não necessariamente sendo
ausência de doença (SEGRE; CARVALHO, 1997). A ideia tem intensa relação
com o desenvolvimento e expressa a associação entre qualidade de vida e
Saúde da sociedade. Considerando a Saúde também como um produto social,
804

a qual se constrói coletiva e individualmente, por meio de ações de governo, da


sociedade e de cada indivíduo. A Saúde sendo um bem para o desenvolvimento
Página

pleno do ser humano.


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PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL
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TERRITÓRIO

Freud (1918), em Budapeste, dizia que esperamos que de um momento


para o outro a consciência da comunidade despertará e reconhecerá que o
sujeito pobre tem tanto direito a auxílios para sua mente quanto no que se refere
aos meios cirúrgicos para salvar sua vida. Que as neuroses ameaçam tanto a
Saúde da sociedade quanto a tuberculose, e que a “nossa” tarefa será a de
adaptar as “nossas” técnicas às condições de vida. Propondo a ampliação das
metodologias, encontrando um sistema aberto, que amplie a capacidade de
evoluir, e abrir-se o bastante para possibilidades de abordagens e intervenções
que assimilem a mudança quando esta se propõe e que possam ser
reconhecidas (RIBEIRO, 1999).

O PAPEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E DOS ATORES SOCIAIS NA


CONFIGURAÇÃO DESSAS POLÍTICAS

Políticas Públicas são propostas elaboradas como conjunto de ações que


atendam necessidades e interesses da sociedade. A razão de ser dessas
políticas é desenvolvida para obtenção de diferentes soluções, que são traçadas
para alcançar o bem-estar público. São a totalidade de planos, metas e ações
que os governos (municipal, estadual e nacional) selecionam como “prioridades”
que correspondam às demandas e expectativas da sociedade. A justificativa é
que a sociedade não consegue se expressar de forma integral, por esta razão,
ela faz solicitações aos representantes para que assim, mobilizem o setor do
poder executivo, como prefeituras, governos, presidência da república, para que
atendam as demandas da sociedade. No processo de reivindicação, discussão,
criação e execução das Políticas Públicas, apresentam-se atores: os “estatais”,
805

que são oriundos do governo ou Estado, os quais exercem funções públicas,


sido eleitos pela população para estarem em um cargo por tempo definido, que
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PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL
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são os políticos. Os servidores públicos que atuam por forma “permanente”, por
terem se ingressado na administração pública através de concurso público.
Enquanto exercícios de cidadania tem a sociedade civil, a qual também se
organiza por grupos, estes podendo ser denominados de sociedade civil
organizada (SCO), sejam através de sindicados, associações patronais, de
moradores, entidades de representação empresarial, ONGs, entre outras
(LOPES; NEY, 2008).

Mesmo em uma sociedade com diversidades culturais, quando indivíduos


têm os mesmos objetivos tendem a se unir, formando grupos, apesar da
possibilidade de se haver conflitos entre eles, por não serem contempladas todas
as propostas de Políticas Públicas, o que ocasiona disputa entre grupos, mas
também servem como estímulo a melhorias e mudanças na sociedade. Essas
propostas de Políticas Públicas elaboradas surgem a partir das expectativas de
diversos grupos. Ao emergirem reivindicações dos grupos, tentam obter apoio
de outros para se potencializarem, mas também sofrem oposições de
reivindicações contrárias, isto é, o interesse público toma forma pela “disputa” de
todos os grupos da sociedade civil organizada. As propostas dessas demandas
para Políticas Públicas partem para sua concretização a partir do poder
executivo, que as coloca em prática. Cabendo aos servidores públicos (a
burocracia), fornecer informações ao processo de tomada de decisão das
políticas. Essa burocracia tem como princípio ser neutra, porém muitos agem de
acordo com interesses pessoais, colaborando ou dificultando as atuações de
governo (LOPES; NEY, 2008).

O poder legislativo, ao compreender demandas da sociedade, seleciona


806

prioridades e oferece respostas. Aos grupos contemplados, o governo deverá


desenvolver ações para atender integral ou parcialmente estas demandas. Isso
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nos mostra que, as Políticas Públicas, são resultado da competição entre


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diversos grupos, segmentos e seus respectivos setores, que buscam garantir e


defender seus direitos. As Políticas Públicas dependem de vontade política e
mobilização popular (LOPES; NEY, 2008).

Ao que corresponde o setor da Cultura, a partir de 2003, no governo Lula,


com o ministro Gilberto Gil, abre-se espaço pela primeira vez para que a
sociedade civil possa participar junto a servidores públicos em Conferências
Nacionais de Cultura. Conferências Nacionais são resultados de diversas
conferências em níveis municipais, estaduais, sendo fóruns organizados em que
todos os segmentos da sociedade debatem as Políticas Públicas do país. A 1°
Conferência Nacional de Cultura acontece em 2005, abrindo a oportunidade de
pessoas de diversos setores como Saúde, Assistência Social, Educação,
Cultura, sociedade civil, estarem participando do controle social das Políticas
Públicas Culturais, sob a perspectiva do sistema da garantia dos direitos. É no
exercício do controle social, que a sociedade tem a possibilidade de exercitar a
promoção e defesa dos direitos. Articularem para avaliar, corrigir, monitorar,
acompanhar, elaborar e responsabilizar o desempenho das Políticas Públicas.
Fazendo-se importante o fortalecimento, integração e mobilização dos coletivos
em espaços públicos, para a realização de fóruns permanentes em prol das
necessidades sociais, os quais se encontram defasados na atualidade,
comprometendo assim, as Políticas Públicas (BRASIL, 2005).

A análise das Políticas Públicas é a partir das propostas aprovadas na I,


II e III Conferência Nacional de Cultura. A qual se evidencia um problema
existente, a escassez de políticas públicas culturais que envolvam a
intersetorialidade entre Cultura e Saúde. O desafio é pensar em democratizar,
807

descentralizar e ampliar ações conjuntas de serviços de Cultura para Saúde


Mental, considerando este recurso substancial para promoção do
Página

desenvolvimento humano. Como um importante instrumento para propor a


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PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL
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ANÁLISE DAS POLÍTICAS E PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL NO
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formulação de Políticas Públicas, desenvolvimento e fomento das propostas de


políticas culturais em diferentes níveis de governo e sociedade civil organizada,
por serem órgãos colegiados integrantes do Ministério da Cultura, temos o
Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), que foi reestruturado a partir do
Decreto n° 5.520/2005, Conselho Estadual de Cultura e Conselho Municipal de
Cultura (BRASIL, 2005).

O CNPC foi implementado em 19 de dezembro de 2007, representando


um marco político no processo de fortalecimento da participação social e das
instituições do Estado. O CNPC é integrado por plenário, comitê de integração
de Políticas Culturais, Colegiados Setoriais, Comissões Temáticas e Grupos de
Trabalho e Conferência Nacional de Cultura. Os Conselhos estaduais têm a
competência de colaborar na formulação de políticas culturais do Estado, e zelar
por cumprimento de atos e normas para desenvolver o setor cultural (BRASIL,
2005).

Os Conselhos Municipais de Políticas Culturais têm por objetivo colaborar


na formulação de políticas culturais do município. Isto é, a sociedade, esferas
públicas e diversos atores sociais têm a possibilidade ao participarem das
conferências de cultura, participação democrática e controle social na
elaboração, discussão e avaliação das propostas de Políticas Culturais em todos
os níveis de governo e a partir daí, a integração nos conselhos. As Conferências
são convocadas pelo poder público como um dispositivo de controle social, que
institucionaliza a participação social em atividades de conjunto de Políticas
Públicas, determinadas políticas, gestão, avaliação e discussão de temas
propostos. Sendo um mecanismo público de debate institucional de democracia
808

participativa. Após as conferências municipais, as propostas aprovadas através


do maior número de votos, democraticamente, são encaminhadas as
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conferenciais estaduais (BRASIL, 2005).


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Nas conferências estaduais as propostas estarão sendo sintetizadas,


reestruturadas e reformuladas, as quais estarão sendo encaminhadas para a
conferência nacional. Por meio da conferência nacional são priorizadas e
escolhidas propostas, sejam estas em níveis municipais, estaduais e nacional.
Democraticamente, as mais votadas serão encaminhadas para serem
oficializadas como projetos de leis à garantia dos direitos. Nas conferências se
constituem as comissões dos Conselhos de Políticas Culturais a partir dos
voluntariados, composto pela sociedade civil e servidores públicos a estarem em
câmaras setoriais como, por exemplo, dança, música, artes plásticas,
artesanato, artes cênicas, artes visuais, audiovisual, entre outras. Essas
câmaras setoriais são compostas por pessoas que ficam responsáveis por
fazerem ações de políticas culturais nas respectivas áreas. Os conselhos
também podem criar ou retirar câmaras setoriais. Eles fazem a ponte entre
interesses da sociedade civil com o órgão público, seja na elaboração, avaliação
de programas e projetos, assim como a fiscalização, elaboração, execução e
avaliação das Políticas Públicas Culturais. Por esta razão, é importante à
articulação da sociedade com os sistemas conselhos e a participação nas
conferências de cultura.

Com objetivo de orientar o desenvolvimento de projetos, programas e


ações culturais que possam garantir a promoção, reconhecimento, valorização
e a preservação da diversidade cultural que existe na nacionalidade brasileira,
criou-se o Plano Nacional de Cultura (PNC). O PNC é o conjunto de princípios,
objetivos, diretrizes, estratégias e metas que tem por objetivo orientar o poder
público na elaboração de políticas culturais. No capítulo um das Disposições da
Preliminar da Presidência da República Casa Civil subchefia para assuntos
809

políticos, no artigo 1o, fica aprovada o Plano Nacional de Cultura. Em


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conformidade com o 3o do art. 215 da Constituição Federal, com durabilidade

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de dez anos. O PNC é regido por dezesseis princípios, liberdade de expressão,


criação, fruição e diversidade cultural. Respeito aos direitos humanos. Direito de
todos à arte e à cultura. Direito à informação, à comunicação e à crítica cultural.
Direito à memória e às tradições. Responsabilidade socioambiental. Valorização
da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável. Democratização das
instâncias de formulação das políticas culturais. Responsabilidade dos agentes
públicos pela implementação das políticas culturais. Colaboração entre agentes
públicos e privados para o desenvolvimento da economia da cultura.
Participação e controle social na formulação e acompanhamento das políticas
culturais (BRASIL, 2010).

No artigo 2o, descentralizar a implementação das Políticas Públicas de


Cultura. Consolidar processos de consulta e participação da sociedade na
formulação das políticas culturais. Reconhecer e valorizar a diversidade cultural,
étnica e regional brasileira. Proteger e promover o patrimônio histórico e artístico,
material e imaterial. Valorizar e difundir as criações artísticas e os bens culturais.
Promover o direito à memória por meio dos museus, arquivos e coleções.
Universalizar o acesso à arte e à cultura. Estimular a presença da arte e da
cultura no ambiente educacional. Estimular o pensamento crítico e reflexivo em
torno dos valores simbólicos. Estimular a sustentabilidade socioambiental.
Desenvolver a economia da cultura, o mercado interno, o consumo cultural e a
exportação de bens, serviços e conteúdos culturais. Reconhecer os saberes,
conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de seus detentores.
Qualificar a gestão na área cultural nos setores públicos e privados.
Profissionalizar e especializar os agentes e gestores culturais. Ampliar a
presença e o intercâmbio da cultura brasileira no mundo contemporâneo.
810

Articular e integrar sistemas de gestão cultural (BRASIL, 2010).


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O PNC volta-se para o estabelecimento de diretrizes, princípios, metas,


objetivos, políticas, para geração de condições de atualização, preservação e
desenvolvimento das práticas artísticas e das expressões culturais, inclusive das
que estão desconsideradas pela ação do Estado no Brasil. O Plano Nacional de
Cultura surge reafirmando uma concepção ampliada de cultura, compreendida
como fenômeno humano e social de múltiplos sentidos. Devendo ser
considerada em toda a sua extensão antropológica, social, produtiva,
econômica, simbólica, estética, e os seus impactos biopsicossociais na vida
humana. Por meio destes dispositivos, a Cultura para Saúde vai ganhando mais
oportunidade de conquistar espaço para o seu desenvolvimento, quando se abre
possibilidades de democratizar e descentralizar a elaboração de políticas
públicas. E assim, possíveis intervenções, possíveis áreas de atuação (BRASIL,
2010).

A HUMANIZAÇÃO DA ARTE, SAÚDE E DESENVOLVIMENTO

Iniciativas de práticas artístico-culturais para Saúde Mental têm por base


através de a arte estimular o crescimento interior, abrir novos horizontes
ampliando a consciência do sujeito sobre sua existência. A partir da expressão
simbólica, espontânea, por meio de modalidades como a modelagem, desenho,
pintura, tecelagem, expressão corporal, música, criação de personagem, som,
artes plásticas, proporcionar mudanças psíquicas, expansão da consciência,
autoconhecimento, reconciliação de conflitos emocionais e desenvolvimento
humano. Facilita a resolução de conflitos interiores, desenvolvimento da
personalidade, motora, raciocínio e relacionamento afetivo, sendo
811

transformadora. Podendo ser praticada por crianças, adolescentes, adultos e


idosos, com atendimentos coletivos ou individuais (SOUZA, 2014).
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Por exemplo, a partir da utilização da música, ritmo, som, harmonia e


melodia, com um indivíduo ou grupo, facilitar e promover a comunicação,
relação, mobilização, aprendizagem, organização, expressão, no sentido de
afetar necessidades emocionais, mentais, cognitivas, físicas e sociais.
Restabelecendo funções do sujeito para que possa ter melhor integração intra e
interpessoal, para melhorar a qualidade de vida pela reabilitação, tratamento e
prevenção. Na especialização profissional, temos também a Terapia
Ocupacional, Arteterapia e a Musicoterapia. A musicoterapia é uma das novas
áreas que passaram a compor desde março de 2011, o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS). O SUAS é o sistema de proteção social público que
organiza programas, projetos e serviços socioassistenciais, coordenado pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o qual é responsável
por fazer cumprir o que se encontra na Política Nacional de Assistência Social
(PNAS/04). A Política Nacional de Assistência Social é uma das maiores políticas
públicas brasileiras, elaborada a partir das deliberações da IV Conferência
Nacional da Assistência Social em Brasília no ano 2003 (GUAZINA et. al., 2011).

Identifica-se a extensa produção de programas, projetos e políticas


culturais no campo da Saúde Mental, a partir das ações e diretrizes que se dão
nos espaços e produzem demandas no campo social. Analisando as propostas
aprovadas na I, II e III Conferência Nacional de Cultura, através da minha
pesquisa anterior “O Devir da Cultura para Saúde na configuração das Políticas
Públicas”, apresentada no II Encontro Brasileiro de Pesquisa em Cultura,
identifico a ausência de políticas públicas culturais ao setor da Saúde. Ao
aprofundar a pesquisa, encontro através do Laboratório de Estudos e Pesquisas
em Saúde Mental (LAPS) a apresentação da ação do I Edital do Prêmio Cultural
812

“Loucos pela Diversidade”. Neste evento, participaram o coordenador da (LAPS)


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Paulo Amarante (Fiocruz/MS), o ex-subsecretário Ricardo Lima da secretaria da

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Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura e a Coordenadora


Executiva do Projeto (SID/Minc) Patrícia Dorneles. Promovido pela Secretaria da
Cidadania e da Diversidade Cultural do Minc e Fiocruz.

A parceria entre os órgãos foi afirmada em agosto de 2007, tendo por


objetivo a construção de diretrizes a ações para as políticas de cultura as
pessoas em sofrimento mental e em situações de risco social. As mesas foram
compostas por palestrantes e profissionais da produção de projetos da área,
para estarem dialogando sobre “A Diversidade e a Cultura nas Políticas Públicas”
e “Identidade e Produção de Sentidos: estratégias de solidariedade e
reciprocidade”, trocando experiências, propostas e debate com o público.
Participantes foram convidados a compor três grupos de trabalho, escolhendo
entre um dos eixos temáticos da oficina “Patrimônio, Difusão e Fomento”
(AMARANTE; LIMA, 2008).

As Diretrizes do Patrimônio tratam do empoderamento dos usuários,


comunidades e trabalhadores para que possam reconhecer a sua diversidade
cultural, valorizando e identificando o patrimônio integral comunitário. Mapeando,
catalogando diversos patrimônios e produções existentes, como produzir e
disponibilizar material informativo. Criar instrumentos para fomento a produção
cultural e o reconhecimento no campo sócio-político-cultural, apontando para o
uso do patrimônio e circulação. Dando visibilidade para o patrimônio do campo
da Saúde Mental, utilizando de mídias públicas e diversas difusões existentes.
Promovendo o intercâmbio entre diferentes patrimônios, práticas e ações de
fomento através de editais para preservação de acervos, produções e
patrimônios culturais. Construindo agenda de prioridade a pesquisas que tenham
813

como tema “territórios”, “cotidiano” e “saúde mental”, assim como a publicação


de editais com o mesmo propósito.
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Elaborar princípios de ética e cidadania que contemplem as produções


intelectuais realizadas nos serviços de Saúde Mental. Formulando política de
curadoria das obras, construindo fóruns permanentes a partir da oficina nacional,
para acompanhamento das políticas culturais para Saúde Mental. Esclarecer a
comunidade e os serviços de Saúde Mental, sobre a legislação e questões do
direito do uso de imagem e propriedade intelectual. Gerar mecanismos para
garantia dos direitos dos usuários da Saúde Mental, sobre suas respectivas
obras (AMARANTE; LIMA, 2008).

Da difusão, à democratização ao direito à comunicação e informação,


visibilidade aos projetos culturais desenvolvidos no campo da Saúde Mental e
ocupação dos espaços públicos culturais com projetos da Saúde Mental.
Desenvolvendo a interface entre cultura e Saúde Mental, através dos setores da
comunicação pública, conectando ao fórum de comunicação pública, criando
centros de documento e comunicação. Realizando o levantamento nacional dos
projetos culturais desenvolvidos na saúde mental que incluam pessoas com
sofrimento psíquico. Abrir o diálogo sobre técnicas de produção cultural em
Saúde Mental, em Encontro Nacional de Produção Cultural na Saúde Mental.
Promovendo mostras sobre Diversidade Cultural, que incluam o campo as
Saúde Mental. Realizar conferências e encontros em níveis municipais,
estaduais e federal, que façam interface entre Cultura e Saúde. O Ministério da
Cultura em parceria com a sociedade civil, articulando ações intersetoriais em
nível municipal, estadual e nacional. Promover editais para ocupação de
espaços públicos culturais, com iniciativas de programas e projetos culturais da
Saúde Mental. Criar formação por meio de cursos, dos trabalhadores da área da
saúde e da cultura em Diversidade Cultural (AMARANTE; LIMA, 2008).
814

Em fomento, implementação de políticas públicas intersetoriais entre


Página

Cultura e Saúde, promovendo participação de pessoas em sofrimento mental.


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Participação da sociedade civil em todos os níveis de planejamento de políticas


públicas saúde/cultura, aperfeiçoando os processos de trabalho relativo à
gestão, formulação, execução e distribuição de recursos à implementação
dessas políticas específicas. Criar editais específicos para área da Saúde
Mental, contemplando pessoas em sofrimento psíquico, viabilizando o acesso
aos bens e recursos da cultura. Estabelecer políticas de desenvolvimento de
projetos culturais para Saúde Mental, numa perspectiva intersetorial e
interdisciplinar. Promover seminários para a discussão das políticas públicas
indicadas nesta oficina, “Loucos pela Diversidade”. Implantar pontos de cultura
de acordo com princípios da identidade e diversidade cultural em suas variadas
expressões no campo da Saúde Mental, como proposto no programa Cultura
Viva. Fomentar projetos existentes, criar espaços culturais para garantir a
inclusão de pessoas em sofrimento mental e manter agentes de cultura,
garantindo a sustentabilidade e continuidade dos programas e projetos artísticos
culturais para Saúde Mental (AMARANTE; LIMA, 2008).

A partir desses eixos tinham que fazer interface com os temas “Pontos de
Cultura”, “Linhas de pesquisa prioritárias para apoio e financiamento” e “Editais
e prêmios”. Os GTs a partir de informações e reflexões anteriores tiveram de
organizar as propostas e indicar ações para cada diretriz, consideradas um
conjunto de metas revelando princípios fundamentais para as políticas públicas.
Através da análise dessas propostas políticas na oficina, viabilizam-se
indicações para políticas públicas culturais para Saúde Mental.

Refletindo sobre questões da cultura e sua relação com o


desenvolvimento, diversidade, diferenças, democracia, qualidade de vida e
815

coesão social, para criação de ações e diretrizes para as políticas públicas de


cultura. Saúde Mental implica muito mais do que ausência da doença mental,
Página

deslocando-se da doença para a experiência do sujeito em relação com o corpo


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social, para cuidar de um sujeito concreto, com necessidades concretas.


Pessoas mentalmente saudáveis são capazes de enfrentar mudanças e desafios
da vida cotidiana com equilíbrio, buscando ajuda quando têm dificuldades de
lidar com traumas, perturbações, transições de ciclos de vida e conflitos. Saúde
Mental está relacionada à harmonia às exigências da vida, ideias, emoções,
capacidades e desejos, reconhecendo que todas as pessoas podem apresentar
sinais de sofrimento psíquico em alguma fase da vida (SANTOS, 2008).

Ao pensar política cultural, estou afirmando as possibilidades de garantir


que as singularidades de produzir, pensar, manifestar-se artisticamente,
intelectualmente, economicamente e espiritualmente sejam relevantes para o
espaço público e o desenvolvimento integral de nossa sociedade.
Compreendendo o espaço político da cultura, como espaço do reconhecimento
da importância dessas expressões do ser individual e coletivos, da memória e
diversas formas de manifestação. A cultura como a experiência que marca a
vida humana em busca do conhecimento, da potencialização, do sentido de
pertencimento e capacidade de trocar simbolicamente. A filósofa Marilena Chauí
em “Cultura e Democracia” propõe um recorte democrático para a política
cultural:

“Se o Estado não é produtor de cultura nem instrumento


para o seu consumo, que relação pode ele ter com ela?
Pode concebê-la como um direito do cidadão, e assim,
assegurar às pessoas o direito de acesso às obras culturais
produzidas, particularmente o direito de fruí-las, de criar as
obras, ou seja, produzi-las, e o de participar das decisões
816

sobre as políticas culturais” (CHAUÍ, 2008.p.65).


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A filósofa recusa à perspectiva estatal da lógica da indústria cultural, onde


a mercadoria “cultura” se torna mensurável, sendo medida pela quantidade de
vendas e expectadores, tendo o valor cultural decorrente da capacidade de
agradar, mas concebendo a cultura como um campo específico da criação da
imaginação, inteligência e sensibilidade. Exprimindo-se em obras de arte e do
pensamento, quando buscam ultrapassar criticamente o estabelecido.
Percebendo o Estado sendo reducionista da cultura, à condição de
entretenimento, ao contrário do significado crítico e criador. Indicando que essa
mensuração se dá no momento em que as obras são expostas como espetáculo,
deixando o processo de criação (CHAUÍ, 2008). A “Cultura mercadoria”, que se
ocupa em difundir e produzir mercadorias em princípio, não considera os
sistemas de valor distintivos da “Cultura de valor”, tampouco com níveis
territoriais da cultura. Mas de uma Cultura que se produz, reproduz e que escapa
a essa cultura geral, numa falsa democracia da cultura (GUATARRI; ROLNIK,
1986).

Na cidade do México, em 1982, ocorreu a Conferência Mundial sobre as


Políticas Culturais, MONDIACULT, marcando a trajetória da UNESCO. Na
Declaração do México sobre Políticas Culturais, a definição da cultura pode ser
considerada:

“Em seu sentido mais amplo, a cultura pode, hoje, ser


considerada como o conjunto de traços distintivos,
espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que
caracterizam uma sociedade ou grupo social. Ela engloba,
além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos
817

fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as


tradições e as crenças (GRUMAN, 2008 apud UNESCO,
Página

1982.p.175).
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No processo histórico da evolução, o conceito de Cultura como o da


Saúde vai se ampliando. Pensar em modelos de atenção a Saúde com bases
democráticas faz-se importante refletir o papel da cultura no desenvolvimento. A
compreensão assume o aspecto da expressão da diversidade cultural,
reconhecendo lugares da cultura existente e o convívio com as diferenças. A
noção do território não é só geográfica, mas imaginário, sendo espaços de
construção de redes de sociabilidade, tolerar territórios subjetivos, interação e
cooperação em prol de determinadas atividades, sendo apropriadas pela
população. Esta concepção é um processo social complexo, mas provoca a
sociedade a repensar a relação com a diferença, possibilitando novas formas de
lidar com aspectos psíquicos, biológicos e socioculturais.

Compreendendo a arte como expressão simbólica é algo que só o homem


faz e pode fazer, através dela abre-se um mundo novo, dando-se múltiplos
sentidos à razão de ser da arte e criando novas possibilidades do real. A partir
do contato com novas formas, leva a imaginação de outros modos de existir e
de agir no mundo. Ampliando a esfera do ser, surgindo desejos, fantasias, as
quais são fundamentais para se inventar novas formas de viver. A partir da
circulação de símbolos, experimentações corporais, questionamentos de
valores, levam a pessoa a refletir sobre padrões de comportamentos e
pensamentos. A experiência artística no contexto social se pondo como uma
provocação aos sentidos e a subjetividade, alargando a percepção. Nessa
compreensão, para promoção da saúde a partir da arte, faz-se necessário o olhar
para as causas de ações entre cultura e saúde, para criação de estratégias
múltiplas as quais possam ser fomentadas através das políticas públicas
culturais. A partir das práticas artísticas culturais facilita-se um olhar mais amplo
818

e diferenciado. A gestão da cultura como um sistema aberto, apresenta relações


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de intercâmbio com o meio, em um processo de troca constante, o ambiente não


tem fronteiras e inclui desconhecidos.

ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

A metodologia escolhida foi a observação participante, através da


experiência enquanto agente cultural no Conselho Municipal de Políticas
Culturais de Angra dos Reis, participando das conferências de cultura de 2013 e
pré-conferências de 2015. Pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo nas
instituições do Rio de Janeiro e Niterói pelos contatos já estabelecidos.
Mapeamento das instituições e contato com pessoas que podiam fornecer dados
e sugerir fontes de informação. A pesquisa trabalha com questões de
significação, simbólicos, motivação, valores, recursos financeiros e articulações
políticas. Tendo a consciência que a escolha da metodologia que enfatiza o fazer
correto, não está acabada, por ser algo construído e dado historicamente (BONI;
QUARESMA, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando as produções relacionadas às práticas, políticas, programas e


projetos artístico-culturais ao campo da Saúde Mental, no município do Rio de
Janeiro e Niterói, em especial em unidades já mapeadas e com interlocuções já
estabelecidas pela facilidade do acesso, pude conhecer o desenvolvimento de
alguns projetos no campo, como: Instituto Municipal de Assistência a Saúde Nise
da Silveira; Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcante;
Hospital da Lagoa; Instituto Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira; Hospital
819

Municipal Jesus; Instituto Nacional do Câncer; Centro de Convivência Oficinas


Integradas, Hospital Federal dos Servidores e Centro Cultural da Saúde do
Página

Ministério da Saúde.
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As diretrizes e ações da “oficina nacional de indicação de políticas


públicas culturais para pessoas em sofrimento mental e em situações de risco
social” 2007; II Programa de Fomento à Cultura Carioca; Plano Nacional de
Cultura 2010; Programa Cultura Viva; Prêmio Cultura e Saúde 2010; I Eixo
temático “Gestão pública da Cultura” da 1º Conferência Nacional da Cultura e o
III Eixo temático “Cultura e desenvolvimento sustentável”, da II Conferência
Nacional de Cultura, enquanto eixos de força para o reconhecimento, difusão,
fomento e implementação de políticas culturais a tornarem-se políticas públicas
de cultura para a sustentabilidade dos programas e projetos artísticos culturais
para Saúde Mental em todo o país, além de apresentar as possibilidades de
criação de novas políticas para ampliação do alcance de impactos. Entretanto, a
instabilidade política, a falta da participação proativa da sociedade nos espaços
de decisão, a falta de cultura política e do reconhecimento dos programas e
projetos que envolvem práticas artísticas culturais para a Saúde Mental, pelo
setor da Cultura, comprometem as políticas públicas.

BIBLIOGRAFIA

AMARANTE, P. et al. 2012. Saúde Mental e Arte: Da arteterapia nos serviços


aos projetos artístico-culturais na cidade: a expansão dos projetos
artístico-culturais da saúde mental no território. 24-35. São Paulo: Zagodoni.

AMARANTE, Paulo; COSTA, Maria A.2012. Diversidade Cultural e Saúde. Rio


de janeiro: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde.
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O RECONHECIMENTO DA CULTURA PARA A SAÚDE NAS


POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS: ANÁLISE DAS POLÍTICAS E
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PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL
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MARCELLA CONSTANTINO
O RECONHECIMENTO DA CULTURA PARA A SAÚDE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS:
ANÁLISE DAS POLÍTICAS E PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS PARA A SAÚDE MENTAL NO
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O RECONHECIMENTO DA CULTURA PARA A SAÚDE NAS


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histórico de evolução da psiquiátrica comunitária. 174-175. Belo Horizonte:
Esc Anna Nery Ver- Enferm.

ANEXO A – REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DOS PROJETOS ARTÍSTICO-


CULTURAIS

Foram identificadas 410 experiências artístico-culturais em todo país de


naturezas diversas.

Figura 1. Percentual por região

No gráfico 1, observa-se que a região sudeste apresenta o maior número


de experiências, em seguida a região nordeste.
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Percentual de Experiências por Região

13%

4%

4%
Sul (54)
Centro-oeste (17)
Norte (15)
Nordeste (83)
59% Sudeste (241)
20%

(AMARANTE et.al. 2012.p.29)


825

Figura 2. Número por Estado


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No gráfico 2, verifica-se que o Estado de São Paulo possui o maior


número de experiências com 98 projetos. Minas Gerais soma 84 projetos e o Rio
de Janeiro com 53 projetos, o que dá a região sudeste o maior percentual.

Número de Experiências Artísticas e Culturais Ligadas ao


Campo da Saúde Mental por Estado Brasileiro
120
410 Experiências no total

98
100
84
80

60 53

40 33

21
20 14 12 11 9 8 6 5
2 1
0

(AMARANTE et.al. 2012.p.31)


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Figura 3. Localização das experiências por região brasileira, capital e interior

Localização das Experiências por Região


Brasileira
250 244

200

153 166
150

100 Capital
Interior (inclui reg.Metr)

50 38 40 43
25 29
13 13
4 2
0

(AMARANTE et.al., 2012.p.32)


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Figura 4. Experiência por categoria

A maior parte das experiências identificadas entre 2008 e 2009 ao campo


da Saúde Mental, não partem diretamente dos serviços da Saúde Mental.
Indicando autonomia do campo, não estando técnicos nesse grupo que realizam
as atividades para os usuários. As categorias de pessoa física e grupo autônomo
somam 54% do total das atividades no Brasil, apresentando que não dependem
diretamente dos serviços de Saúde Mental.

Brasil - Experiência por Categoria

Grupo Autônomo
17%
Pessoa Física
37%

Organização
19%

Instituição Pública
27%
828

(AMARANTE et.al. 2012.p.33)


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Figura 5. Classificação Geral

Brasil - Classificação Geral

Arte e Terapia 6(2%) 2%

3%
Intervenção Urbana 13(3%) 5%
26% 8%
Duas ou mais categorias 22(5%)

Literatura 33(8%)
9%
Artes Audiovisuais 36(9%)

Artes Cênicas 57(14%)


18% 14%
Música 62(15%)

Artes Plásticas 75(18%) 15%

Diversos 106(26%)
Total 410

(AMARANTE et.al. 2012, p.35)


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CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS, JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL”

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-


CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL”

CRISTIANO PARRA DUARTE


Graduando em Administração Pública pela
UNESP, bolsista PIBIC CNPq, membro do grupo
de pesquisa Programa de Governança para a
Administração (PROGAM).
crparraduarte@gmail.com
THAÍS CONTE VARGAS

Graduanda em Administração Pública pela


UNESP, membro do grupo de pesquisa Programa
de Governança para a Administração
(PROGAM). thaiscontev@hotmail.com
JOSÉ LUÍS BIZELLI

Livre Docente em Gestão de Políticas Públicas do


Departamento de Antropologia, Política e
Filosofia da FCLAr/UNESP, líder do grupo de
pesquisa Programa de Governança para a
Administração (PROGAM). bizelli@fclar.unes.br
VICTOR TROTTMANN CORRÊA
830

Professor do Departamento de Administração


Página

Pública FCLAr/UNESP. Doutorando em

OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO- CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS,
CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS, JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL”

Administração pela FEA/USP.


prof.victorcorrea@gmail.com
831
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CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
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OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL”

RESUMO

A adoção de inovações tecnológicas para incremento positivo da gestão pública


– melhorando os processos (e-administração), os serviços (e-serviços) e o
diálogo cidadão (e-democracia) – vem crescendo no Brasil (Diniz, 2015;
Pacheco et al., 2015; Cunha e Miranda, 2008). É preciso perceber, porém, que
o governo eletrônico não está sendo igualmente explorado pelos diversos órgãos
públicos e que o elo mais fraco é a participação cidadã (Bizelli, 2013, Rothberg,
2015). Através da plataforma “Dialoga Brasil” – plataforma criada como meio de
aproximação entre governo e sociedade, meio de capturar e responder às
demandas cidadãs – o objeto deste estudo foi investigar como se deu a
participação frente ao instrumento. Como resultado, verificou-se a dificuldade de
a plataforma promover participação social e criar diálogo com a sociedade: a
população brasileira não tem acesso às tecnologias (CETIC, 2015) e não
consegue apropriar-se de inovações como fator de exercício da liberdade
(Bizelli, 2015). A estratégia adotada pela plataforma – sem preocupação em
integrar a ação com as audiências, sem recuperar experiências já existentes,
sem divulgar ações previstas e sem dar feedback do que será feito com as
manifestações – aponta para um processo de comunicação truncado. Verifica-
se, concretamente, que a plataforma replica, para o ambiente virtual, a ideia de
um sistema de participação sem diálogo e sem construção de projeto coletivo
governo-cidadão.

ABSTRACT

The adoption of technological innovations to positive increase public


management – making better the processes (e-administration), the services (e-
service) and the citizen dialog (e-democracy) – it’s growing in Brazil (Diniz, 2015;
832

Pacheco et al., 2015; Cunha e Miranda, 2008). It must realize, however, that the
electronic government is not being equally explored by several public agencies
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OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO- CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS,
CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS, JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL”

and that the weakest link is the citizen participation (Bizelli, 2013, Rothberg,
2015). Through the platform “Dialoga Brasil” – platform created as a manner of
rapprochement between citizens and government, to capture and respond to
citizens' demands – the object of this study was to investigate how the
participation front of the instrument was. As a result, there was the difficulty of the
platform to promote social participation and create dialogue with society: the
Brazilian population has no access to technologies (CETIC, 2015) and cannot
take property of innovations such as factor of the freedom exercise (Bizelli, 2015).
The strategy adopted by the platform – no concern to integrate the action with
the audience, without recovering existing experiences, without disclosing planned
actions and without giving feedback on what will be done with the expressions –
points to a truncated communication process. It is found in practice that the
platform replicates, to the virtual environment, the idea of a system of participation
without dialogue and without construction of collective government-citizen
project.
833
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CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
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OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL”

INTRODUÇÃO

A comunicação transformou-se no signo da sociedade contemporânea.


Alterou concepções consolidadas de tempo e espaço que orientaram a
construção da vida material nos sistemas socioeconômicos vigentes. Alterou os
signos e os significados da representação e da participação política, da
manifestação religiosa de expressão cultural. Eliminou diferenças que excluíam
e recriou abismos de difícil transposição entre seres humanos classificados por
sua capacidade de acesso aos meios de informação e comunicação e por sua
habilidade de apropriar-se dos conteúdos que transitam na rede.

O acesso e a apropriação das Tecnologias de Informação e Comunicação


(TIC) entraram na agenda de qualquer governo, já que condição para o
desenvolvimento sustentável humano e econômico. Não se trata, porém, de
mera questão de fornecer os meios digitais para acelerar os processos de
produção, circulação, difusão ou comercialização de mercadorias para o
consumo concreto ou ideológico; trata-se de (re)significar a construção do
cotidiano, (re)ligar o ser humano com a vida organizada sobre o planeta. O
pensar digital rompe com a construção analógica da materialidade concreta na
qual vivemos.

Enquanto as TIC exigem políticas públicas compensatórias para incluir os


que foram colocados à margem da rede por não poderem comprar pelos serviços
privados de conexão e Educação universal para permitir sua incorporação
crítica, reflexiva e criativa no exercício da liberdade de escolha em uma
sociedade de interesses, também refundam os princípios republicanos ao
redirecionarem o diálogo bilateral Governo-Cidadão, permitindo uma estrutura
administrativa porosa aos anseios populares, uma governabilidade ética e uma
governança com procedimentos visíveis ao cidadão, sujeitos à accountability.
834

A utilização das tecnologias da informação pelo setor público possibilita


não apenas o incremento da gestão governamental na perspectiva da eficiência
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CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
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dos processos e economicidade de recursos, mas também a melhoria da gestão


a partir da participação social, fomentando a gestão democrática a partir da
aproximação entre governo e sociedade.

No Brasil, há um movimento governativo para adotar as inovações


tecnológicas, manifesto em distintos momentos, sob diversas perspectivas e
com resultados a serem avaliados. Em um primeiro momento, houve um
processo de melhoria nos processos internos, visando à eficiência administrativa
e o controle de recursos – por exemplo, o sistema de gestão financeira e
orçamentária, SIAFE, adotado em 1986; houve ações visando a melhoria na
entrega de serviços aos cidadãos – por exemplo, os sistemas de pagamento de
tributos online; e, mais recentemente a implantação de ações visando aproximar
o poder público do cidadão – por exemplo, o portal e-democracia, da Câmara
dos Deputados (Cunha e Miranda, 2008; Coelho, 2012).

Neste sentido, esta pesquisa se propõe a investigar a efetividade das


ações de governo para se aproximar a estrutura administrativa das demandas
cidadãs através dos meios tecnológicos disponíveis, ou seja, sob o princípio da
e-democracia, avaliar o diálogo entre governo e sociedade. Para tanto, foi
selecionado um programa do Governo Federal “Dialoga Brasil”, no intuito de
verificar a real capacidade de comunicação provocada pela plataforma.
Caracteriza-se assim uma pesquisa de cunho exploratório e descritivo (Gil,
2002), realizada a partir de pesquisa bibliográfica, documental e de dados
disponíveis na rede, fomentando assim a reflexão crítica, à luz da análise
conceitual, sobre a ação governamental.

O artigo está estruturado da seguinte maneira: uma aproximação teórica;


dados e detalhes sobre o programa “Dialoga Brasil”; seguindo-se análise sobre
os desafios da democracia digital no Brasil; por fim, são realizadas discussões
835

reflexivas sobre o tema e algumas conclusões provisórias sobre o processo.


Página

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CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A defesa de um papel estratégico

Quando as TIC entram nas arenas decisórias dos gestores de políticas


públicas, há um duplo sentido para que se promova o acesso universal à rede.
O primeiro sentido refere-se ao acesso à rede como fim: assim como os cidadãos
têm direito à iluminação pública, à pavimentação de ruas ou ao saneamento
básico, a vida moderna exige o direito de estar conectado à cultura digital. Em
outro sentido, a rede é meio para comunicar-se com o espaço governamental e
para receber serviços digitais. As tecnologias fazem, por exemplo, a mediação
do cidadão com o governo.

Cidades digitais ou cidades radicais (BIZELLI, 2010) surgem como


suporte à gestão pública. Elas são capazes de permitir articulação, existência,
convivência e trocas de aprendizagem cultural para qualquer grupo social que
não encontre espaço no território concreto. São capazes de melhorar os
processos administrativos, através da e-administração pública. Oferecem
serviços aos cidadãos rompendo a relação territorial entre fonte de oferta e
demanda (e-serviços públicos). Através da e-democracia, permitem que o
governo seja visível, oferecendo meios para processos de accountability e de
empowerment de grupos que disputem o espaço público, possibilitando
consultas sobre rumos políticos a serem tomados. É o governo eletrônico ou e-
governo (Alves, 2006; Ferrer; Santos; Queiroga, 2004).

Os governos organizados através de sistemas ERPs (Enterprise


Resource Planning) têm capacidade de gerar informação precisa, em tempo real,
e passível de circulação compartilhada, assegurando a qualidade do processo
de tomada de decisão. Oferece-se a possibilidade de reconstrução da esfera
pública, muito embora exista um forte viés de controle administrativo da
836

informação e da comunicação na forma como seus projetos se apresentam.


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CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS, JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
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O controle do governo desagrega os espaços coletivos tradicionais que


têm sua existência territorial – espaços culturais, étnicos, religiosos, de
aprendizagem – construída historicamente. Ele também franqueia a
possibilidade de reconstrução desses espaços de forma desterritorializada, via
rede. Daí ser necessário expandir ao extremo as ferramentas disponíveis.

Claramente, retoma-se o que já foi dito: três são as direções básicas


necessárias para que a sociedade da informação através do governo não se
limite ao controle do cidadão: 1) acesso universal: conexão pública de banda
larga para todos os cidadãos e abertura de todas as informações de governo, de
negócios e dos cidadãos, habilitando os atores políticos para a tomada de
decisões sobre o território; 2) educação universal: educação formal e educação
tecnológica para todos, utilizando todos os meios existentes, incluindo EaD; 3)
participação democrática: construção de estruturas governativas porosas à
participação popular, reconstruindo lealdades afetadas pela forma individual de
apropriação das TIC.

Assim, reforça-se: no capitalismo, há um setor produtivo para atender às


necessidades daqueles que podem pagar pelos serviços essenciais à
reprodução da vida. No entanto, as sociedades concretas atestam a falência do
mercado para atender os que vivem à margem da sociedade econômica,
excluídos do assalariamento mínimo necessário para sua reprodução ou de sua
família.

Os governos precisam reverter o quadro exposto por Matus (2000),


quando afirma que as equipes governativas se preparam para ganhar eleições,
mas não se preparam para governar. Os atores públicos – dirigentes políticos,
equipes de governo e máquina administrativa – e a população em geral devem
traçar as bases para que ferramentas gerenciais sejam desenhadas,
837

construídas, colocadas em funcionamento e avaliadas.


Página

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CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS, JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL”

Um exercício assim desenhado só pode desenvolver-se sob a égide de


uma nova forma de governar, enquanto os meios tecnológicos devem oferecer
também educação básica, educação tecnológica e educação para o trabalho,
segundo a necessidade. Para além do acesso aos meios digitais é preciso que
o cidadão possa apropriar-se deste conjunto de inovações para exercer a sua
liberdade de escolha (BIZELLI, 2015).

Governança eletrônica: conceitos e discussões

O termo governança começa a ser trabalhado a partir da análise da


capacidade financeira e administrativa do governo para implementar as decisões
tomadas nas suas arenas decisórias. Esse é o significado do termo, segundo
Pereira (1997), para uma expressão já utilizada por Frischtak (1994) com a
seguinte definição: “Governance capacity, understood as the ability to coordinate
the aggregation of diverging interests and thus promote policy that can be taken
to represent the public interest47”. A essa definição acrescenta-se o sentido de
percepção de ganho efetiva que o cidadão tem com relação às políticas públicas
implantadas (BIZELLI, 2007, BIZELLI; CINTRÃO, 2012).

Governança pública, portanto, significa: recuperação da capacidade


administrativa e financeira do governo e recuperação da efetividade das políticas
públicas como meio para que o cidadão usufrua seus direitos. E este processo
é observado por diversos autores a partir do período chamado de
redemocratização, visto que se observa uma série de ações que demonstram a
inserção de novos paradigmas de governança e tentam reestruturar a máquina
pública. É importante salientar que, sem recuperar a governança pública, a
máquina administrativa coloca em risco a governabilidade.

Além de tudo, existem desafios a serem ultrapassados: é preciso


constituir equipes de trabalhos, que rompam os padrões tradicionais de
838

47
Capacidade de governança, entendida como a habilidade de coordenar a agregação de interesses
Página

divergentes e, assim, promover as políticas que podem ser tomadas para representar o interesse
público. (Tradução nossa)
OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO- CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS,
CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS, JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL”

liderança, formando uma cúpula mais dinâmica, trabalhando e utilizando de


processos horizontais de forma a exprimir resultados palpáveis e ganhos
efetivos, se distanciando da lógica comum da história brasileira que demonstra
que o novo sempre vem pela mão do velho – velho estilo de governar, processos
clientelistas e que inviabilizam a governabilidade – desse novo princípio de
participação popular como meio de controle de procedimentos e accountability
(conselhos, audiências públicas, iniciativas populares) como previa a
Constituição de 1988, que trazem para dentro da administração o cidadão,
exigindo que os interesses corporativos fossem adequados aos interesses da
nação (BIZELLI, 2007; FRESNEDA, 1998).

Neste processo, a grande ruptura com o modelo antigo, ocorre na


Reforma do Estado na segunda metade da década de 1990 e se propõem a uma
nova lógica de governabilidade de médio e longo prazo no tocante a legitimidade
e responsividade, que deviam utilizar de estratégias dinamizadoras de equipes
capacitadas, pautadas também na eficiência, mas agora com uma nova
perspectiva: as TIC. Portanto governo eletrônico relaciona-se ao uso das TIC na
administração pública combinado com mudanças organizacionais e novas
práticas, a fim de melhorar os serviços públicos, os processos democráticos e
fortalecer o suporte às políticas públicas (VIEIRA BRAGA et. all, 2012).

O conceito governo eletrônico é abordado de várias maneiras por diversos


autores. Alguns, para o presente trabalho, tornam-se mais interessantes. Por
exemplo, é possível desmembrá-lo em três áreas-chave: e-administração,
conjunto de ações, processos e sistemas a partir do aparato das denominadas
TIC para aplicar as forças de trabalhos de maneira mais eficiente; e-serviço, a
oferta de serviços a partir de plataformas digitais de fácil acesso aos cidadãos
requerentes (CHAHIN, Ali et. All, 2004); e por fim e-democracia, alvo do presente
estudo, que compreende “novas práticas e renovadas possibilidades, para a
839

política democrática, [...] nova infraestrutura tecnológica eletrônica


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proporcionada por computadores em rede e por um sem-número de dispositivos

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de comunicação e de organização, armazenamento e oferta de dados e


informações on-line.” (GOMES, 2000) para que se aproxime a administração
pública ao cidadão e vice-versa.

Para Alves (2006) tem as seguintes características: 1) Utilização da


Internet e da web para ofertar informações e serviços governamentais aos
cidadãos; 2) Uso de TIC, especialmente a Internet, como uma ferramenta para
melhorar o governo; 3) O termo governo eletrônico “tem foco no uso das novas
tecnologias de informação e comunicação [...] aplicadas a um amplo arco das
funções de governo e, em especial, deste para com a sociedade”; 4) Otimização
contínua da disponibilização de serviços governamentais, participação do
cidadão e governança, a partir da transformação das relações internas e
externas e utilizando-se a tecnologia, a Internet e as novas mídias; 5) E-gov não
se restringe à incorporação de novas tecnologias para ampliar a capacidade de
conexão entre governo e cidadão. As relações dentro do próprio governo se
reinventam. O governo, nas suas mais diferentes instâncias, passa a atuar em
rede. Cada Poder, cada esfera e seus respectivos desdobramentos, trabalham
como extensões, atuando como nós desta rede de governo. O advento do e-
governo é resultado da aproximação dos nós entre todos os atores: governo
eletrônico, cidadãos, empresas, terceiro setor.

Além disso, o governo virtual pode atingir diferentes níveis: 1)


Institucional: provisão de informações ou serviços à comunidade; 2)
Transacional: serviços oferecidos pelo governo que geram transação financeira
ou processo transacional; 3) Colaborativo: o portal direciona o cidadão às suas
demandas; 4) Integração entre todos os níveis: os dados necessários para uma
transação ou andamento de um processo administrativo encontram-se
integrados na base de dados do governo; 5) Personalização total: interação do
cidadão com o governo de forma personalizada e customizada. (FERRER et al,
840

2004).
Página

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Do ponto de vista gerencial, o e-governo aproxima o povo da


administração pública, satisfazendo expectativas de usuários em relação à
conveniência, acessibilidade e pontualidade, mas vai além: (re)elabora
operações e processos internos, dinamizando o exercício das tarefas e
atribuições do funcionalismo público. Utiliza das TICs para ampliar a democracia
e incorporar o cidadão em processo de todas as etapas do ciclo de políticas
públicas (CHADWICK, 2003). Isso não altera somente a política, mas a própria
sociedade, pois a política deixa de ser prerrogativa exclusiva do Estado e traz a
participar novos atores e práticas, que interferem no processo político (ARAUJO,
PENTEADO, SANTOS, 2015) transformando essas interações em processos
ainda mais complexos e às vezes contraditórios entre Estado, mercado e
sociedade civil (NOGUEIRA, M. A. Apud ARAUJO, PENTEADO, SANTOS,
2015).

Diante do cenário conceitual exposto, o desafio que se apresenta neste


artigo se aproxima das preocupações de Gomes (2000) sobre e-democracia,
questionando a democracia digital como paradigma que irá estabelecer de fato
a ideia de soberania popular a partir da participação da cidadania – entendida
como ocupação civil da esfera política – e transformar esse diálogo em ações
efetivas para a melhora de problemas e demandas sociais ou alterações de
possibilidades nas sociedades contemporâneas. Além disso, é preciso entender
que o fator fundamental para a quebra do paradigma da participação popular
para o outro proposto (e-democracia) é a democratização da informação, um
direito-meio, essencial instrumento para as novas prerrogativas democráticas
(LIBERATO e ROTHBERG, 2013).

É cada vez mais frequente na literatura autores que questionam a


legitimidade e o funcionamento da democracia representativa, visto as
dificuldades de participação popular além urna – que tornam limitadas outras
841

ações participativas – e que se materializam conforme o ordenamento jurídico e


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democrático. Ao incorporar espaços virtuais e também TICs são criados arranjos

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participativos que possibilitam a apropriação de diversos novos atores sociais


(ARAUJO, PENTEADO, SANTOS, 2015, p. 1600), ao passo que possibilitam
uma nova forma de marginalização e exclusão, advinda da globalização, como
discuti Castells (2002): a informação torna-se a principal moeda de troca e faz
com que as tecnologias digitais espalhem-se pelo globo tornando-as ferramentas
essenciais, logo aqueles que não possuem acesso à esses avanços se
distanciam ainda mais à esfera democrática; as discrepâncias sociais tornam-se
mais latentes, assim com a marginalização social e a visibilidade que essas
pessoas têm.

O PROGRAMA DIALOGA BRASIL

O Dialoga Brasil é uma política vinculada a Secretaria de Governo da


Presidência da República que consiste em colocar em rede uma plataforma
digital em que os cidadãos possam propor ações para o governo, em temas
preestabelecidos e políticas públicas já existentes. O dialoga.gov.br foi
desenvolvido pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO)
utilizando-se da experiência e das ferramentas já movimentadas no
desenvolvimento do Participa.br em parceria com a secretaria já citada
anteriormente, ainda que o locus seja diferente – o Dialoga Brasil é uma
ferramenta de democracia digital para propor, enquanto o Participa.br tem por
objeto o debate.

Segundo Claudio Crossetti Dutra, Diretor de Tecnologia da Secretária-


geral da Presidência da República, em entrevista disponível na página do
SERPRO48, o Dialoga Brasil é uma política desenvolvida em consonância com a
percepção da demanda social por diálogo, ainda mais ressaltada quando
observadas as diversas manifestações populares ocorridas desde junho de
842
Página

48
A entrevista de Claudio Crossetti Dutra está disponível em: <http://www.serpro.gov.br/tema/noticias-
tema/dialoga-brasil>, acessada em 18 de maio de 2016.
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2013. Claudio C. Dutra ainda ressalta que essas mesmas manifestações


motivaram o órgão para a sua implantação. Entretanto, ainda que a participação
popular seja um tema visto como importante e fundamental tratado
transversalmente no Plano Plurianual 2016-2019, e que foi reconhecida pelo
governo federal como demanda latente, como ressalta Dutra, iniciativas de
democracia digital não foram fixadas como estratégia de governo.

A plataforma possui uma diagramação simples que possui possibilidade


de navegação intuitiva e linguagem acessível. Nela é possível realizar propostas
dentro de cada programa em temas delimitados e reagir (positiva e
negativamente) às propostas dos demais usuários, além de poder compartilha-
las em redes sociais como o facebook e twitter. Para isso é necessário realizar
um cadastro simples – nome completo, endereço eletrônico e uma senha de
acesso. Foram disponibilizados cinco temas, sendo eles educação, saúde,
redução da pobreza, cultura e segurança pública, todos com programas já
implantados, somando 27 políticas.

Entendidos o que é a política e como foi desenvolvida, é necessário


observar como o próprio programa se identifica para o usuário a partir do
momento que entrou no ar, em 28 de julho de 2015:

O Dialoga Brasil é um espaço de participação digital. Aqui


suas ideias viram propostas e você ajuda a melhorar as
ações do governo.

Você pode fazer sugestões para melhorar os programas,


curtir propostas de outros participantes e conhecer as
principais ações do governo federal.

A plataforma Dialoga Brasil apresenta 14 temas e 80


programas prioritários do governo federal para que a
843

população proponha melhorias nas políticas públicas e na


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vida dos brasileiros e brasileiras (BRASIL, 2016).

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Desta descrição contida no sítio, é possível perceber que a política foi


implantada em um formato não final, vide o número de temas apresentados e os
que de fato foram abertos aos cidadãos. Além disso, em informativos e notícias
em portais da administração pública federal é possível notar que o Dialoga Brasil
possuía um plano de ação e por alguma razão não justificada nem todos os
temas e programas foram disponibilizados. Segundo notícia disposta no Portal
Brasil, a plataforma entraria no ar com quatro temas (educação, saúde, redução
da pobreza e segurança pública) e nas semanas seguintes a essa
disponibilização, entrariam no ar outros dez temas: Cultura, Esporte, Meio
Ambiente, Cidades, Desenvolvimento Produtivo, Agricultura, Infraestrutura,
Gestão Pública, Igualdade e Trabalho, Emprego & Renda49.

Em 11 de outubro de 2015, o Dialoga Brasil entra em nova fase – não


colocando na web todos os temas – e encerra o período de proposição. Neste
momento, a plataforma apresenta um comunicado aos usuários, o qual também
se faz interessante observar:

O Dialoga Brasil entrou em uma nova fase!

No ar desde 28 de julho de 2015, está com 24.901 usuários


cadastrados, 11.077 propostas e 276.147 votos.

O governo federal analisará as 3 propostas mais apoiadas


em cada programa e dará um retorno à sociedade.

Continue com a gente! A resposta à sua participação e


novos temas entrarão na plataforma em breve! (BRASIL,
2016).

Sob interpretação do comunicado, é possível entender que o governo


federal se comprometeu em dar atenção e responder a três propostas mais
844

49
Informações noticiados no Portal Brasil, disponível em:
Página

<http://www.brasil.gov.br/governo/2015/07/dialoga-brasil-utiliza-redes-sociais-para-dar-voz-ao-
cidadao> acessado em 18 de maio de 2016.
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apoiadas em cada programa dos cinco temas. Deste entendimento se fazem


alguns questionamentos no tocante à disposição de informações da própria
política Dialoga Brasil: o site não apresenta um plano de ações e datas para que
os cidadãos se organizassem e soubessem quando teriam os respaldos
governamentais ou prazos de imersão nas propostas, além disso, a plataforma
conta com um sistema falho de comunicação, o qual disponibiliza apenas um e-
mail para que o usuário resolva problemas ou pergunte aos responsáveis.

Outro problema observado após essa percepção é que a plataforma não


informa a qual ministério ou órgão federal o Dialoga Brasil está vinculado – para
nós, essas informações foram acessadas através de uma solicitação através do
portal e-Sic (Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão),
amparados pela Lei de Acesso a Informação – e, portanto torna difícil identificar
um direcionador para sanar dúvidas ou enviar questionamentos.

Após o entendimento do funcionamento do Dialoga Brasil, faremos a


imersão em cada tema para observar quais são os programas, bem como a
quantidade da população que utilizou esta ferramenta de democracia digital.
Para isso serão dispostos em cada programa o número total de propostas e o
número de exibições das três propostas mais votadas, respectivamente.

No tema Cultura, era possível interagir com sete programas, a saber:


Agenda Século XXI (47, 827), Brasil de Todas as Telas (89,1092), Cultura e
Educação (171, 313), Cultura Viva (73,1032), PAC Cidades Históricas (88, 556),
Política Nacional das Artes (144, 1040), e Vale-Cultura (104,708). No tema
Educação, encontrávamos quatro subtemas, observando o seguinte cenário:
Educação Básica (2295, 5931), Ensino Superior (1376, 19112), Ensino Técnico
(380, 2905), e Valorização dos Professores (766, 4824). No tema Redução da
Pobreza, que contava com quatro programas, obteve o seguinte panorama:
845

Assistência Social (298, 3457), Bolsa Família (526, 4699), Brasil sem miséria
(217, 4380), e Cisternas (149, 6112). No tema da Saúde, foram dispostos sete
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programas, a saber: Aqui tem Farmácia Popular (213,783), Incentivo ao Parto


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Normal (158, 3485), Mais Especialidades (457,7530), Mais Médicos (421, 8226),
Melhorar os Postos de Saúde (1009, 7593), SAMU 192 e UPAs (217, 1719), e
Vida Saudável (293, 2107). E por fim o tema Segurança Pública continha cinco
programas, onde se observa o seguinte panorama: Crack, é possível vencer!
(230, 3384), Forças Federais de Segurança (209, 2017), Proteção das Fronteiras
(245, 3024), Segurança Pública Integrada (837, 32006), e Sinesp50 (143, 5341).

Observa-se que em todos os temas o programa que obteve mais


propostas não coincide com o que teve maior quantidade de visualizações das
três propostas mais bem avaliadas. No tema de Educação, o subtema Educação
Básica foi o que obteve mais propostas sugeridas pelo público. O subtema
Educação Superior, por sua vez, conta com o maior número de visualizações
das suas três propostas mais votadas. O tema Redução da Pobreza apresenta
como programa com mais propostas o Bolsa Família. Como programa que
possui as maiores visualizações nas três propostas mais bem avaliadas aparece
o Cisternas. No tema da Saúde, Melhorar os Postos de Saúde é o programa com
maior quantidade de propostas. O programa Mais Médicos, por sua vez, é o que
possui mais visualizações das três propostas melhor avaliadas. O tema da
Segurança Pública conta com mais propostas apresentas no programa
Segurança Pública Integrada, enquanto o programa Sinesp apresenta as
maiores visualizações nas três propostas mais votadas.

Comparando os cinco temas, temos os seguintes totais de propostas


apresentadas em cada um deles: Cultura, 716; Educação, 4817; Redução da
Pobreza, 1190; Saúde, 2768 e Segurança Pública, 1700. Deste cenário
quantitativo interpretamos que as prioridades dos cidadãos-usuários e do
governo federal – quando analisados os discursos dispostos em entrevistas e
notícias vinculadas nas páginas dos membros do governo federal – são as
mesmas: educação e saúde.
846
Página

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Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas.
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Em maio de 2016 o governo federal afirma na plataforma do Dialoga Brasil


ter respondido todas as 81 propostas, de acordo com o compromisso assumido
perante os usuários do Dialoga Brasil. Entretanto é possível notar que nem todas
as respostas e compromissos estão fixados. Isso, porém, é observado como
exceção, pois a grade maioria possui resposta. Outro problema encontrado foi a
diagramação da plataforma em cada programa visto que varia de tema em tema
e em política a política, não instrumentalizando meios padronizados. Em linhas
gerais, as devolutivas se apresentam como respostas e compromissos do
governo, onde estão fixadas informações sobre o programa, estatísticas, outras
informações úteis e alguns compromissos assumidos.

Apesar de a Secretária-geral da Presidência da República ter disposto as


respostas e compromissos às propostas dos usuários, ainda é observada a falta
de cronogramas claros e concretos na grande maioria das propostas e também
a fixação de etapas de implantação. Esse não planejamento já estava claro no
início do presente estudo, quando foram enviados e-mails ao endereço
eletrônico indicado no dialoga.gov.br e estes não foram respondidos até o
presente momento. Além disso, como dito anteriormente, algumas informações
foram solicitadas pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão
(e-Sic), e a maioria delas demorou muitos dias, outras nem foram respondidas,
violando, portanto, o prazo fixado na Lei de Acesso à Informação. E das
informações solicitadas, muitas ainda ficaram sem respostas, como por exemplo
o plano de ação do governo para com as propostas em um momento em que
não se sabia o que se faria com elas e nem quando haveriam devolutivas.
Revelam-se, assim, problemas do ponto de vista do planejamento e
transparência das ações, justamente em um programa que visa aproximação de
governo e sociedade.
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OS DESAFIOS DA DEMOCRACIA DIGITAL NO BRASIL

Nesta sessão analisaremos o cenário de acesso às TIC e também de


acesso ao governo eletrônico no Brasil e compará-los às perspectivas do
programa Dialoga Brasil.

De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada pela Secretaria


de Comunicação Social da Presidência da República em 2015, 51% dos
brasileiros não têm acesso à internet residencial. E desse percentual de
brasileiros que possuem acesso à internet residencial, apenas 50% da
população urbana realiza contato com a administração pública, enquanto 29%
da população rural o faz.

Numa tentativa de estudo mais detalhada sobre o mesmo tópico,


utilizando dados de governo eletrônico brasileiro, disporemos da pesquisa sobre
o uso das tecnologias da informação e comunicação nos domicílios brasileiros:
TIC domicílios 2014, desenvolvida pelo Centro Regional de Estudos para o
Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.br), responsável pela
produção de indicadores sobre a Internet no Brasil, que são referência para a
elaboração de políticas públicas sobre tecnologias como o computador, a
Internet e o celular. O CETIC.br é um departamento do Núcleo de Informação e
Coordenação do Ponto BR (NIC.br), órgão vinculado ao Comitê Gestor da
Internet no Brasil (CGI.br).

Sob a ótica regional do Brasil, de acordo com CETIC, os moradores do


sudeste acessam governo eletrônico numa razão de 53%, enquanto os do sul
encontram-se na perspectiva dos 51%; os residentes do centro-oeste acessam
em proporção de 49%, enquanto 45% dos nordestinos se relacionam
virtualmente com o poder público e os moradores do norte o fazem na razão de
44%. Deste total, 54% do sexo masculino contatam com a administração pública
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e das mulheres, 47%.


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Em uma base de 79.367.329 pessoas com 16 anos ou mais que usaram


a Internet há menos de três meses em relação ao momento da entrevista, foram
coletados dados entre outubro de 2014 e março de 2015. A proporção de
indivíduos que utilizaram a internet para realizar algum tipo de contato com o
poder público nos últimos doze meses foi de 50% dos entrevistados.

Quanto ao grau de instrução, entre a população analfabeta ou que possui


educação infantil, 34% utiliza governo eletrônico. A população com ensino
fundamental usuária dos serviços governamentais online é de 28% do total.
Entre a população com ensino médio, 48% utiliza governo eletrônico, enquanto
entre os usuários graduados são 71%. Na faixa etária que vai de 16 a 24 anos,
47% utilizam governo eletrônico. Dos 25 aos 34 anos, são 51%. Na faixa dos 35
aos 44 anos, 54%, e na que abrangem dos 45 aos 59 anos, 47%. Usuários de
60 anos ou mais utilizam governo eletrônico numa porcentagem que atinge os
62%. Na faixa de renda familiar de até um Salário Mínimo, 31% utilizam serviços
governamentais dispostos online; Na faixa que vai de um Salário Mínimo a dois
Salários Mínimos, 38%. De dois Salários Mínimos até três Salários Mínimos,
46%, e de três Salários Mínimos a cinco Salários Mínimos, 57%. Na faixa que
vai de cinco Salários Mínimos a dez Salários Mínimos, 70% utilizam governo
eletrônico. A população que recebe mais de dez Salários Mínimos e utiliza
governo eletrônico é estimada em 79%. 82% da Classe A utiliza serviços
governamentais em plataformas virtuais, ao passo que 60% da classe B faz o
mesmo, 42% da classe C e apenas 29% das classes D e E.

À luz das pesquisas mencionadas, podemos traçar um perfil padrão dos


usuários de governo eletrônico: residentes, em sua maioria, em área urbana,
com altos rendimentos salariais e elevado nível educacional. Claramente, essa
não é uma imagem dos brasileiros que mais urgentemente necessitam de
políticas públicas, nem que possuem maior dificuldade de se fazerem ouvir no
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processo de formulação das mesmas.


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Relacionando tais dados com as características do Dialoga Brasil, é


possível aferir que a política não vai ao encontro, de fato, ao que pretendia:
comunicar-se com os cidadãos. Isso é nítido quando observado o número de
usuários cadastrados, pouco mais de 24 mil cidadãos. Em razão com a projeção
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE de quase 206 milhões de
brasileiros, os usuários do Dialoga Brasil expressam aproximadamente
0,00012% do Brasil. Esse número traz ainda mais percepções notórias quando
observado que os brasileiros que mais demandam políticas públicas são os que
menos possuem acesso às tecnologias digitais para se comunicarem com o
poder público através de ferramentas de democracia digital. Portanto, o
programa não possui o perfil de participantes que se desejou atingir e ouvir.

Ademais, entendemos – pelas notícias, entrevistas e informativos nos


portais do governo federal – que o programa Dialoga Brasil surgiu como resposta
às manifestações populares que se iniciaram em 2013, buscando dialogar com
os cidadãos insatisfeitos e que, não necessariamente, foi planejado pelo governo
federal visto que a arena decisória se instala dentro do gabinete da presidência
e não em estratégias estabelecidas no PPA 2016-2019.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da multiplicidade de ações que a tecnologia da informação trouxe


ao setor público, a e-democracia figura como promissora para avanços
consideráveis na relação governo e sociedade e consequentemente
aperfeiçoamento da gestão a partir do fortalecimento desta relação.

Entretanto, apesar das grandes possibilidades, a análise do programa


Dialoga Brasil evidencia problemas ainda não resolvidos pelo Estado brasileiro.
O primeiro deles diz respeito ao acesso às tecnologias; poucos são os cidadãos
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com acesso à rede, e poucos destes têm interesse em participar ativamente da


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vida política do país; este problema traz à tona a dificuldade em realizar a

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aproximação com o cidadão a partir das tecnologias, uma vez que quem mais
demanda serviços públicos, menos acesso possui. São problemas de ordem
estrutural, que exigem esforços não apenas do governo federal, mas dos
governos subnacionais para real alcance destes cidadãos. O número de mais de
24 mil usuários cadastrados no programa contrasta com a realidade de um país
com mais de 200 milhões de habitantes, dos quais mais da metade sequer tem
acesso à internet em seus domicílios. Uma política de efetiva comunicação e
participação exige a solução de problemas como este para o real fortalecimento
da democracia.

Ademais, é possível relatar a falta de planejamento de ferramentas como


o Dialoga Brasil. Um programa que visa conversar com o cidadão em um
ambiente virtual precisa deixar claro quais serão as ações decorrentes, os
cronogramas e, principalmente, a articulação desta ferramenta com os
instrumentos de planejamento como o PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de
Diretrizes Orçamentárias) e LOA (Lei Orçamentária Anual). A falta de
informações sobre o quanto e o que está sendo debatido no Dialoga Brasil de
fato interfere no planejamento governamental torna todo o processo frágil e
coloca em risco o futuro da própria estratégia. Ou seja, sem a segurança de que
a ferramenta será utilizada para orientar a tomada de decisão, todo o processo
de comunicação, troca e construção entre governo e sociedade fica prejudicado.

Por fim, é possível citar também a dificuldade do governo em dar uma


resposta a vontade de participação dos cidadãos. Sem estratégias claras de
democracia digital o programa carece de efetividade, justamente por
desconsiderar os problemas citados anteriormente. Isso fica nítido pelo modo
como o programa foi lançado, sem fazer parte de uma estratégia ampla de
comunicação e participação, e também pela dificuldade encontrada pelos
autores em coletar informações sobre seu desenvolvimento. Há assim um
851

programa que dialoga com uma parcela muito pequena da população, não
Página

explicita de que maneira as propostas serão incorporadas no planejamento

OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO- CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS,
CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
CRISTIANO PARRA DUARTE, THAÍS CONTE VARGAS, JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
OS DESAFIOS POSTOS À COMUNICAÇÃO GOVERNO-CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL”

governamental e apresenta dificuldades em, de fato, promover a democracia


digital.

Assim, como agenda de pesquisa futura, propõe-se a análise das


propostas em comparação ao planejamento já realizado no Plano Plurianual,
averiguando não apenas a aderência aos programas existentes, mas também
como o que foi proposto será incorporado pelo governo. Além disso, cabe
também a averiguação da existência de mecanismos de controle social sobre o
cumprimento das propostas, contemplando assim uma pesquisa mais
aprofundada sobre o objeto.

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CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
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CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
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CIDADÃO: O CASO DO “DIALOGA BRASIL” JOSÉ LUIS BIZELLI E VICTOR TROTMANN CORREA
MARIA CAROLINA DOS SANTOS PELEGRINI, GISELI GONZALEZ SPIGOLON E TALITA RENATA ZANI
SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI):
EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE


VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI): EXPERIÊNCIA
NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

MARIA CAROLINA DOS SANTOS PELEGRINI

Bacharela em Serviço Social pela UNESP. E-


mail: mariacarolinapelegrini@yahoo.com.br
GISELI GONZALEZ SPIGOLON

Bacharela em Serviço Social pela Faculdades


859

Integradas Maria Imaculada.


TALITA RENATA ZANI
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SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE


MARIA CAROLINA DOS SANTOS PELEGRINI, GISELI
VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI): EXPERIÊNCIA NO
GONZALEZ SPIGOLON E TALITA RENATA ZANI
MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP
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SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI):
EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

Bacharela em Psicologia pela UNIARARAS.

RESUMO

Assistência Social garantida na Constituição de 88 é um dos tripés da


Seguridade Social destinada à pessoa que dela necessitar; seu trabalho possui
centralidade na família, exigindo, pois, trabalho social na perspectiva da
promoção da cidadania, do protagonismo social, autonomia e equidade. Dentro
dessa proposta, a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais traz um
instrumental destinado a obter essas garantias, denominado Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos da Pessoa Idosa, ofertado pelo Centro
de Referência de Assistência Social (CRAS). Os objetivos desse instrumental é
assegurar a convivência social e intergeracional, visando o desenvolvimento de
sociabilidades, estimulando vivências coletivas e fortalecendo os vínculos para
a pessoa idosa. Possui como metodologia, atividades grupais organizadas a
partir de percursos para garantir aquisições progressivas aos usuários. Até o
momento, os resultados que se podem destacar são melhoria na qualidade de
vida dos usuários, desenvolvimento de autonomia e sociabilidades,
fortalecimento dos vínculos comunitários e prevenção de situações de risco
social. Destaca-se que o serviço ainda está em andamento no CRAS-Ipeúna,
dessa forma, outros resultados poderão surgir no decorrer das atividades.

ABSTRACT

Social Assistance guaranteed in the Constitution of 88 is one of the tripods of the


Social Security system for the person that need it; your work has the centrality in
860

the family, requiring, therefore, social work in the perspective of the promotion of
citizenship, of social protagonism, autonomy and equity. Within this proposal, the
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Classification Services National socio-assistance brings an instrumental intended


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MARIA CAROLINA DOS SANTOS PELEGRINI, GISELI
VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI): EXPERIÊNCIA NO
GONZALEZ SPIGOLON E TALITA RENATA ZANI
MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP
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SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI):
EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

for Service of Coexistence and the Strengthening of Ties of the Older Person,
offered by the Reference Center for Social Assistance (CRAS). The objectives of
this instrumental is to ensure social coexistence and inter-generational, aimed at
the development of sociability, stimulating experiences, collective, and
strengthening the links for the older person. Has as a methodology, group-based
activities organised in the from courses to ensure progressive acquisitions to
users. Until the moment, the results can include improvement in the quality of life
of users, development of autonomy and sociability, the strengthening of
community networks and the prevention of situations of social risk. It is
noteworthy that the service is still in progress in CRAS-Ipeúna, in this way, other
results may arise in the course of the activities.
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MARIA CAROLINA DOS SANTOS PELEGRINI, GISELI
VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI): EXPERIÊNCIA NO
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MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP
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SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI):
EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

INTRODUÇÃO

Para darmos início à discussão, faz-se necessário conceituar políticas


públicas nos Estados democráticos de direito, uma vez que esse artigo aborda
um serviço tipificado dentro de uma política pública, mais precisamente política
social, assistência social.

Podemos dizer que o conceito de políticas públicas diz respeito a um


conjunto de ações e decisões do governo (estado), voltadas para a solução de
problemas encontrados na sociedade garantindo assim a cidadania.

Além disso, Fernandes e Santos afirmam que cidadania e políticas


públicas possuem uma íntima ligação, uma vez que são pensadas como um
conjunto de liberdades individuais expressas pelos direitos civis. Além disso, a
concretização da cidadania ocorre através do espaço político, como o direito a
ter direitos.

Dessa forma, as técnicas do Centro de Referência de Assistência Social


– CRAS de Ipeúna resolveram escrever esse artigo para compartilhar
experiências e divulgar as atividades desempenhadas por esse setor da
administração pública municipal. Uma forma também de sistematizar ideias e
estimular os estudos da equipe técnica responsável pelo serviço.

Sem mais, este artigo trata do Serviço de Convivência e Fortalecimento


de Vínculos (SCFV) que, atualmente é um dos principais serviços
socioassistenciais desenvolvidos nos Centros de Referência de Assistência
Social - CRAS, uma vez que possibilita compreender e fazer cumprir a efetivação
dos direitos humanos e sociais para o público atendido, na medida em que
estimula o debate, a convivência, o fortalecimento de vínculos e complementa o
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trabalho social com família.


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EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

Materializa as ações da proteção social básica da Política de Assistência


Social e reflete os pressupostos da articulação dos serviços, além disso, o
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos - SCFV é algo essencial
se considerarmos que nos últimos anos os serviços têm se tornado referência
na garantia de proteção social às famílias em vulnerabilidade e risco social.

Além disso, reafirma a atuação profissional de assistentes sociais e


psicólogos dentro do Sistema Único de Assistência Social - SUAS nos principais
eixos de debate, uma vez que na prática discute-se temas como: envelhecimento
ativo e saudável, protagonismo e autonomia social, participação social, cultura,
dentre outros de suma importância para este público.

No artigo, aponta-se no primeiro momento a conquista da assistência


social como política pública no Brasil (1988) e a regulamentação da assistência
social e do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS no município de
Ipeúna para contextualizar o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos na assistência social e por sua vez no município.

Por fim, o artigo, no momento seguinte, mostra um pouco do que foi


desenvolvido pela equipe do Centro de Referência de Assistência Social de
Ipeúna dentro desta proposta mais ampla de Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos para a Pessoa Idosa, os desafios encontrados na
sua implementação e os resultados até o momento obtidos.

Importante dizer que este artigo se trata de uma experiência do Serviço


de Convivência e Fortalecimento de Vínculos - SCFV no CRAS de Ipeúna, sem
intenção de esgotar os pontos dessa discussão, ao contrário, o que se pretende
aqui é estimular e enriquecer os debates para uma melhor execução desses
serviços, rumo ao fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social – SUAS
863

no município. Outrossim, este serviço ainda está em desenvolvimento no


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município, dessa forma não há uma avaliação total dos ganhos dessa atuação.

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VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI): EXPERIÊNCIA NO
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EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

CONTEXTUALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA


PÚBLICA

Antes de analisarmos o Serviço de Convivência e Fortalecimento de


Vínculos (SCFV), faz-se necessário uma contextualização da assistência social
brasileira e seus percursos, destacando como os serviços estão organizados e
executados.

Assim, tem-se como marco teórico a Constituição Federal de 1988, uma


vez que inclui na agenda política a garantia de direitos sociais, sobretudo a
assistência social, como sendo responsabilidade do Estado, culminando em
mudança na proteção social brasileira, fundado no direito e voltado para a
proteção de toda a sociedade dos riscos impostos pela economia de mercado.

Antes da Constituição de 88, a assistência social era concebida pela


filantropia, ou seja, assistencialismo, favor, caridade, após a constituição federal
brasileira a assistência social passou a ser direito social garantido pelo Estado,
sendo prestada a quem dela necessitar, instituída na Seguridade Social
brasileira, juntamente com a Saúde e a Previdência Social, constituindo o tripé
da seguridade.

A assistência social tem como público, segundo a Lei n° 8.742, de 1993,


Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, em seu artigo segundo, a família, a
infância, a adolescência, a velhice e pessoas com deficiência. Além disso, a Lei
Orgânica da Assistência Social - LOAS regulamenta a organização da
Assistência Social e eleva-a ao patamar de política pública, dando início a uma
trajetória rica de política social em nosso país.

Seguindo a trajetória, em 2011, esse processo ganhou novo marco


864

histórico, a aprovação da Lei n° 12.435 que instituiu o Sistema Único da


Assistência Social – SUAS que atribuiu responsabilidades e competências,
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estabeleceu padrões de atendimento, organizou o cofinanciamento para o


funcionamento das ofertas e proteções políticas.

Além disso, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS estabeleceu


também, os equipamentos públicos de assistência social, como Centro de
Referência de Assistência Social – CRAS e Centro de Referência Especializado
de Assistência Social – CREAS, dentre outros equipamentos. Tais avanços
tiveram impacto positivo, como ampliação da rede, através da institucionalização
das ações e dos serviços socioassistenciais.

Através desse sistema mais amplo de proteção social, a assistência social


assumiu o papel de ofertar ações, serviços e benefícios, além de vários
programas e projetos dirigidos ao enfrentamento de diferentes níveis de
privação, risco e vulnerabilidade social.

Sempre observando aos princípios da descentralização e da participação


social, assim como à progressiva ampliação de seu papel no âmbito da proteção
social brasileira e da melhoria das condições de vida da população.

Vale destacar que:

“Participar não se restringe, a aderir, pressupõe,


compartilhar, o pôr-se em movimento, o que exige a
motivação para um objetivo. Assim, participação pode ser
um qualificativo da convivência, uma visão ampliada que
inclui estar, posicionar-se nas decisões que lhe diz
respeito.” (MDS, p. 22, 2009).

Neste artigo, destaca-se o equipamento Centro de Referência de


Assistência Social (CRAS), assim definido na Lei n° 8.742 de 1993, que dispõe
865

sobre a Organização da Assistência Social, artigo 6° inciso 1°:


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EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

O CRAS é a unidade pública municipal, de base territorial,


localizada em áreas com maiores índices de
vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos
serviços socioassistenciais no seu território de abrangência
e à prestação de serviços, programas socioassistenciais de
proteção social básica às famílias. (BRASIL, p. 17, 1993).

Além disso, é no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS que


acontece a oferta da Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF, que
promove atuação preventiva e a articulação com a rede socioassistencial,
através de projetos sociais, acompanhamento familiar, escuta e busca ativa,
viabilizando o acesso efetivo da população a serviços, benefícios e projetos,
tornando-se um equipamento de referência das famílias.

Um ponto a ser destacado é que todos os serviços da proteção social


básica, desenvolvidos no território de abrangência do Centro de Referência de
Assistência Social - CRAS devem ser referenciados e, mais do que isso,
articulados com a Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF, uma vez
que há no Sistema Único de Assistência Social – SUAS a centralidade na família,
exigindo, pois, o trabalho social com famílias na perspectiva da promoção da
cidadania, protagonismo social, autonomia e equidade.

Dentre os públicos prioritários atendidos na assistência social, sobretudo


nos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS destaca-se neste
artigo, a pessoa idosa (60 anos ou mais), visto que, serviços de inclusão para
estas pessoas tornam-se urgentes, pois o acelerar do processo de
envelhecimento da população, bem como índices de expectativas de vida estão
cada vez maiores (BRASIL, 1994), se tornando necessárias estratégias de
866

implementação de serviços relacionados à promoção de direitos humanos e


sociais da pessoa idosa.
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MARIA CAROLINA DOS SANTOS PELEGRINI, GISELI
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EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

Neste sentido, é necessário refletirmos sobre o processo de


envelhecimento ativo e saudável, sobretudo para a parcela que se encontra em
situação de risco, privação e vulnerabilidade social, conscientizando a todos para
a garantia dos direitos desse público, fortalecendo o processo de independência
da pessoa idosa e seu protagonismo através de ações e serviços ofertados na
política de assistência social.

Ressalva-se que a garantia desses serviços e ações não pode ser apenas
para o cidadão individualmente, mas a partir de um conjunto de condições, desde
o lugar onde ele vive, para que possa de fato obter garantias concretas (Koga,
p. 57, 2009), uma vez que a Política Nacional de Assistência Social (PNAS,
2004) se respalda evidentemente, na perspectiva socioterritorial, pois se trata de
política pública, cujas intervenções se dão nas capilaridades do território.

O MUNICÍPIO DE IPEÚNA E ASSISTÊNCIA SOCIAL

O município de Ipeúna, localizado no estado de São Paulo, teve sua


formação iniciada com um aglomerado de casas conhecido por Santa Cruz das
Invernadas, em terras pertencentes a Vicente José Barbosa, considerado o
fundador de Ipeúna, e faz divisa com as cidades de Rio Claro, Itirapina,
Charqueada, São Pedro e Piracicaba.

Em 1890, Vicente José Barbosa doou uma área de 6 (seis) alqueires de


terra, local onde se ergueu uma capela cuja padroeira era Nossa Senhora da
Conceição. Com o passar do tempo, os interessados tomaram posse da área
doada e outros compraram terras ao redor desse patrimônio, originando-se
assim os primeiros sinais de uma nova comunidade.
867

Em 1894 esta comunidade foi elevada a Distrito de Paz do município de


São João do Rio Claro, com o nome de Santa Cruz da Boa Vista. Após algumas
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VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI): EXPERIÊNCIA NO
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SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI):
EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

mudanças de nomes, em 1944 estabeleceu-se o nome de Ipeúna, que significa


ipê preto e, em 1964 Ipeúna foi elevada de Distrito à categoria de Município.

Ipeúna situa-se em uma área de aproximadamente 207 quilômetros


quadrados, com uma população, segundo o censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE realizado em 2010, de 6.016 habitantes, porém,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - PNAD, a estimativa da
população residente em Ipeúna em 2015 era de 6.914 habitantes, sendo que
649 deles possuem mais de sessenta anos.

A política de Assistência Social no município de Ipeúna é desenvolvida


através da Secretaria Municipal de Saúde, Assistência e Desenvolvimento Social
que tem como principal equipamento de execução o Centro de Referência de
Assistência Social – CRAS Ipeúna.

O CRAS Ipeúna foi inaugurado em 28 de maio de 2013 e desenvolve


serviços de Proteção Social Básica, conforme previsto na Tipificação Nacional
de Serviços Socioassistenciais (Resolução n°109, de 11 de novembro de 2009).

A proteção social básica tem um caráter eminentemente


preventivo, constituindo-se na expressão proativa do
Sistema Único de Assistência Social, contrariando as
tradicionais práticas pontuais, emergenciais e reativas que
caracterizaram a assistência social. Desta maneira,
apresenta-se como uma concepção inovadora e
universalizante para a área da assistência social e, por
isso, estratégica enquanto política pública. A sua natureza
preventiva se fundamenta no desenvolvimento de
potencialidades e aquisições de seus usuários e, assim,
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requer uma concepção ativa de seus destinatários,


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reforçando a compreensão dos usuários como sujeitos de

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EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

direitos. O desenvolvimento de potencialidades e


aquisições dos usuários e o fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários constituem em meio para alcance
do objetivo de prevenção de riscos, como também
constituem em si, objetivos desta proteção social. (MDS, p.
18, 2012).

Além disso, o CRAS Ipeúna, visando atender a legislação vigente, que


versa sobre o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV
(2012) e a demanda social do município no tocante ao público idoso; acrescentou
às suas iniciativas o Projeto Social Melhor Idade que articula ações que
contribuem para a manutenção ou resgate da cidadania, autonomia e qualidade
de vida da pessoa idosa.

O Projeto Melhor Idade prevê ações assistenciais de caráter continuado,


dentre elas, a Tarde de Convivência e Atividade Física, além de acolhimentos
individuais e familiares, acompanhamentos familiares, encaminhamento a outros
serviços setoriais, entre outros, sempre em atendimento aos objetivos do Serviço
de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV (2012) que, como o próprio
nome diz, visa o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, além de
prevenir riscos sociais.

O Projeto Melhor Idade, atende atualmente cerca de 100 idosos, é divido


em duas ações, como visto acima, sendo a Tarde de Convivência e a Atividade
Física, é desenvolvida por uma equipe técnica que conta com assistente social
e psicóloga que planejam, acompanham e executam as atividades da Tarde de
Convivência e o trabalho social que se faça necessário, educador físico para
aplicação da Atividade Física, além destes o CRAS possui coordenadora e
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profissional de serviços gerais, que auxiliam em ambas as ações.


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O Projeto Melhor Idade é mantido financeiramente pelo Município de


Ipeúna, que disponibiliza os profissionais e parte dos materiais de consumo
utilizados, e ainda, através de verba federal destinada a este fim.

Vale destacar que o Projeto Melhor Idade nem sempre foi assim, sendo
que no ano de 2016, que se deram início a Tarde de Convivência com atividades
baseadas no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.

O SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS PARA


A PESSOA IDOSA

À luz desse cenário, além das determinações constitucionais quanto aos


direitos e garantias da pessoa idosa, a Assistência Social estabelece um serviço
socioassistencial, através da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais
(Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009) o Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculo – SCFV que, no tocante desta faixa etária estabelece
ações que buscam contribuir para o envelhecimento saudável asseguram a
convivência social e intergeracional, visando o desenvolvimento de
sociabilidade, estimulando vivências coletivas e fortalecendo os vínculos para a
pessoa idosa.

Vale destacar que este serviço está tipificado, dividindo-se nas seguintes
faixas etárias: para crianças até 06 anos, para crianças e adolescentes de 6 a
15 anos, para adolescentes de 15 a 17 anos, para jovens de 18 a 29 anos, para
adultos de 30 a 59 anos e para idosos a partir de 60 anos.

Neste sentido, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos –


SCFV deve estar pautado nas características e interesses dessas faixas etárias,
considerando a vivência em grupo, experimentações artísticas, culturais,
870

esportivas e de lazer e a valorização das experiências vividas; constituindo


formas privilegiadas de expressão, interação e proteção social.
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EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

Segundo a Tipificação (2009), o Serviço de Convivência e Fortalecimento


de Vínculo – SCFV é conceituado como:

Serviço realizado em grupos, organizado a partir de


percursos, de modo a garantir aquisições progressivas aos
seus usuários, de acordo com o seu ciclo de vida, a fim de
complementar o trabalho social com famílias e prevenir a
ocorrência de situações de risco social. Forma de
intervenção social planejada que cria situações
desafiadoras, estimula e orienta os usuários na construção
e reconstrução de suas histórias e vivências individuais e
coletivas, na família e no território. Organiza-se de modo a
ampliar trocas culturais e de vivências, desenvolver o
sentimento de pertença e de identidade, fortalecer vínculos
familiares e incentivar a socialização e a convivência
comunitária. Possui caráter preventivo e proativo, pautado
na defesa e afirmação dos direitos e no desenvolvimento
de capacidades e potencialidades, com vistas ao alcance
de alternativas emancipatórias para o enfrentamento da
vulnerabilidade social (Tipificação Nacional de Assistência
Social, p. 51; 2009).

O direito ao convívio, segundo o texto de “Concepção de Convivência e


Fortalecimento de Vínculos” (2012) é assegurado através de um conjunto de
serviços locais que visam à socialização, acolhimento e convívio para famílias
cujos vínculos familiares e comunitários estejam rompidos (caráter especial) ou
em eminência de serem rompidos (caráter preventivo) ou em caráter proativo,
871

cuja ação ocorre antecipadamente.


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SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI):
EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

Dessa forma, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para


a Pessoa Idosa tem por objetivo geral, complementar o trabalho social com
família, prevenir a institucionalização e a segregação, fortalece a rede de
proteção social de assistência social nos territórios, oportunizar acesso às
informações sobre direitos e sobre participação cidadã, estimular o
desenvolvimento do protagonismo dos usuários e o desenvolvimento de novas
sociabilidades.

Para alcançar tais objetivos, este serviço está estruturado em eixos


temáticos, que afloram temas como direito à participação social e cidadã,
autonomia, sociabilidade, família, direitos sociais, dentre eles direito à saúde,
educação, lazer, esporte, direitos fundamentais, dentre outras garantias.

Assim, as Orientações Técnicas (2012) do Serviço de Convivência e


Fortalecimento de Vínculos – SCFV traz quatro eixos estruturantes para a
organização do serviço e das atividades a serem realizadas sendo estes:

• Convivência Social e Intergeracionalidade;


• Envelhecimento Ativo e Saudável;
• Autonomia e Protagonismo e
• Temas Transversais.

Segundo as Orientações Técnicas (MDS, p. 56, 2012), os eixos:

“[...] visam planejar e organizar o serviço de modo que as


atividades sejam desenvolvidas de maneira integrada e
orgânica e se constituam em situações criativas e
desafiadoras, visando alcançar os objetivos do Serviço.”

A partir dessa descrição, a proposta do traçado metodológico para o


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Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV para Pessoa


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Idosa, que a equipe do CRAS Ipeúna implantou seguem os quatro eixos


estruturantes, que serão detalhados a seguir.

O primeiro eixo, qual seja, Convivência Social e Intergeracionalidade,


segundo as Orientações Técnicas (2012), agrega elementos ao longo do
percurso que visam o desenvolvimento de sociabilidades, estimulam vivências
coletivas, de modo a fortalecer os vínculos familiares e comunitários e prevenir
riscos sociais como a segregação e o isolamento.

Do ponto de vista da pessoa idosa, alguns estudos, como


o de Romero (2002), têm apontado que além de produzir
bem-estar, a convivência intergeracional favorece uma
melhor percepção de saúde pela pessoa idosa,
principalmente, para os que convivem com pessoas
menores de 18 anos, indicando que este arranjo familiar
proporciona maior proteção social. No entanto, a
intergeracionalidade deve ser pensada não só na
perspectiva familiar, mas também da comunidade. A
convivência intergeracional valoriza a contribuição da
pessoa idosa para sociedade, reduz os preconceitos,
produz novos sentidos e papéis sociais para as pessoas
idosas, promove trocas afetivas e culturais, fortalece o
sentimento de utilidade e enriquece o aprendizado das
novas gerações com a vivência e experiências de pessoas
mais velhas. (MDS, p. 57, 2012).

No Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Ipeúna, dentro


deste primeiro eixo, as atividades que a equipe planejou para o grupo dentro do
873

projeto foram:
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• Dinâmica de Apresentação do Serviço de Convivência e


Fortalecimento de Vínculos (SCFV), inclusive da Tarde de Convivência;
• Exploração das Expectativas do Grupo com relação ao projeto,
para que as atividades do serviço sejam elaboradas de forma participativa,
conforme as necessidades e demandas do grupo;
• Encontro Comemorativo dos Aniversariantes do trimestre, para
que o grupo interaja entre si, fazendo novas amizades e fortalecendo os vínculos
comunitários, além de Passeios Turísticos, Bingo, Gincana, Festas Típicas,
Sessão Pipoca.
Os pontos positivos que as técnicas podem destacar deste eixo são os
relacionamentos entre os participantes foram fortalecidos, o reconhecimento de
pertencer a um grupo e a construção de laços de amizades e confiança no
serviço.

O segundo eixo é denominado Envelhecimento Ativo e Saudável, que


segundo as Orientações Técnicas (MDS, p. 58, 2012),

“[...] traduz a concepção do direito ao processo de


envelhecer com dignidade e congrega uma visão de
velhice ativa e saudável. Desta maneira, é por meio deste
eixo que o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos para Pessoas Idosas é estruturado de modo a
proporcionar entre os participantes uma vivência da velhice
de maneira integrada, ativa e saudável com a orientação
sobre práticas de autocuidado”.

Com relação ao segundo eixo, a Tarde de Convivência, trouxe temas e


dinâmicas que a Orientação Técnica sugere, no entanto, fez algumas
874

adaptações. Assim, este eixo teve encontros que seguiram esses temas:
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• Comunicação, com convidado externo fonoaudiólogo da


Estratégia Saúde da Família (ESF), que orientou o grupo sobre como o processo
do envelhecer interfere na audição e nas falas, orientou sobre as doenças
infecciosas transmitidas pelo olfato e tato como a gripe H1N1 e sobre as diversas
formas do diálogo. Este dia, pode-se dizer que se obteve a articulação da rede
municipal em prol da pessoa idosa, além da garantia à informação.
• Como é Ser Pessoa Idosa Hoje? Neste dia, como a própria
orientação técnica define, é de suma importância, uma vez que,

Esta reflexão é fundamental para promoção de uma cultura


de valorização da pessoa idosa, principalmente, se
considerarmos, como alerta Minayo (2004), que as próprias
pessoas idosas também são responsáveis pela
manutenção da visão negativa do envelhecimento:

“Embora a sociedade adulta seja a grande responsável


pelo imaginário sobre a velhice, também os próprios velhos
estão imbricados na produção da ideologia que sobre eles
é produzida. Muitos não se conformam com a perda de
poder, outros que só viveram para o trabalho, sentem-se
perdendo a identidade quando se retiram das atividades
profissionais, outros, ainda, se isolam do mundo, da vida,
enclausurando-se numa solidão desnecessária” (MINAYO,
p. 2, 2004) (MDS, p. 79, 2012).

Neste tema foram realizadas duas atividades, a primeira discutiu sobre os


sonhos que às vezes deixamos de lado por achar que estamos “velhas demais”
para realizá-los. No segundo dia, foi discutido o que é ser pessoa idosa no Brasil,
875

destacando os direitos dos idosos garantidos no Estatuto do Idoso, que ainda


não são realidade no município, como por exemplo, o direito a gratuidade do
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transporte, além de discutir outros direitos sociais básicos que, ainda não são
efetivos ou quando são, não atendem de forma adequada.

• Envelheço Com Quem? Após o grupo refletir sobre o significado


de ser pessoa idosa atualmente, a proposta, foi que o grupo refletisse sobre as
relações que estabelecem com a família e com a comunidade onde vivem. Neste
dia, ao final da discussão, os participantes escreveram cartas de agradecimento
ou “puxão de orelha” para alguém da família e a equipe fez a entrega.
• Uma Vida Ativa e Saudável, discussão onde se entende que:

Saúde e compreendida no sentido amplo e vida ativa


também, pois não trata apenas de um corpo saudável, no
sentido biológico, que não tenha doenças, mas de
indivíduos inteiros e integrados em um modo de vida e
ambiente saudáveis. E uma vida ativa não se resume a
atividades físicas, mas inclui também uma relação social
participativa, seja no âmbito da família ou da comunidade,
uma atitude que não seja passiva diante da vida, mas que
traduza o movimento e capacidade para decidir, criar e agir
(MDS, p. 84, 2012).

Neste dia, a equipe técnica planejou a participação de médico supervisor


dos médicos de saúde da família para conversar com o grupo sobre o “Dia
Mundial de Combate a Violência Contra a Pessoa Idosa”, uma conversa de suma
importância, uma vez que previne e alerta para os riscos que essa população é
sujeita.

Dentre os objetivos propostos e os atingidos neste eixo, pode-se destacar


a notória participação da rede socioassistencial no desenvolvido das atividades,
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com articulação da Unidade Básica de Saúde, Estratégia Saúde da Família,


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através das agentes comunitárias, fonoaudiólogo e médicos para garantir o


acesso a informações e conhecimentos a respeito da saúde.

Vale relembrar que além destas atividades, a instituição realiza atividades


físicas paralelamente, com o mesmo grupo, duas vezes na semana, como
mencionado a cima, com o objetivo de proporcionar aos idosos hábitos de vida
saudáveis, além de trabalhar colaborar com questões de saúde pertinentes a
esta faixa etária como a importância do alongamento, equilíbrio, tônus
musculares, orientação espacial, consciência corporal entre outros.
Terceiro e último eixo refere-se à Autonomia e Protagonismo, fortalecendo
o processo de autonomia e seu protagonismo social, por meio de situações que
proporcionem a realização de atividades que potencializem sua capacidade
pessoal de produção e de decisão, valorizando experiências de independência.

É também por meio deste eixo que se pretende abordar [...]


o protagonismo e a participação social das pessoas idosas,
tendo como referência a participação de sua geração na
construção da sociedade atual e as possibilidades
presentes e futuras de contribuição social da pessoa idosa.
Pretende-se, assim, propiciar vivências estimulantes e
desafiadoras de participação social e espaço para
exercício de sua cidadania e de suas possibilidades,
capacidades e interesses de contribuir socialmente. (MDS,
p. 58, 2012).

No projeto, os encontros destinados a este tema são:


• Memória e Diversidade Cultural, com atividades relacionadas à
memória da cultura brasileira, como as lendas, folclore e fábulas, onde os
877

participantes são divididos em cinco grupos e cada qual monta um teatro ou


encenação de lendas conhecidas por eles, ressaltando o protagonismo destes
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na história. Neste dia, a equipe programou a participação de uma professora de


dança e artes cênicas para ajudá-los na elaboração das apresentações.
• Vida e Memória, que são encontros onde à ideia é que os idosos
compartilhem a história de vida deles no município, destacando a autonomia e
protagonismo, e destaquem o que conhecem da história do município. A ideia
aqui é trazer para a instituição fotos antigas dos bairros e da zona rural de Ipeúna
que estão no Museu Municipal e discutir as mudanças e avanços da história do
município e como as pessoas idosas do grupo viram acontecer.
Por este ser o último eixo, as atividades ainda não foram realizadas, no
entanto espera-se a participação e o envolvimento dos idosos nas atividades
para que possamos reforçar o protagonismo e autonomia deles.
Além dos três eixos citados, foram programados trabalhos com temas
transversais como: cultura, participação social e momento de avaliação do grupo
sobre as atividades realizadas.
Outro ponto a ser destacado é que a Tarde de Convivência não se resume
apenas as atividades mencionadas no artigo, uma vez que são muitas. Tentou-
se aqui expor as principais atividades de cada eixo, relacionando-as com a
tipificação e os objetivos alcançados.

Contudo, as atividades do Projeto Social Melhor Idade dentro do Serviço


de Convivência Social e Fortalecimento de Vínculos – SCFV busca proporcionar
momentos prazerosos, retirar os idosos da ociosidade, envolver questões
importantes como estilos de vida mais saudáveis; integração social e
comunitária.

Além de reforçar de forma integrada as potencialidades dos idosos,


partindo de um viés socioeducativo, assegurando os direitos da pessoa idosa, a
878

promoção da autonomia e a participação efetiva na sociedade.


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EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A construção de uma concepção de fortalecimento de


vínculos no âmbito da proteção social básica de assistência
social se anuncia e se configura como um desafio de
extrema relevância porque contribui com a sedimentação
do entendimento de que lidar com vulnerabilidades do
campo relacional é uma responsabilidade pública e que,
uma política busca combater desigualdades e promover o
desenvolvimento humano” (SPOSATI, p. 27, 2009).

Primeiramente, considera-se que o Serviço Social se faz na luta e no


processo de trabalho cotidiano, a cada ano, nós profissionais, da área, temos o
desafio da construção de um mundo mais justo em um tempo de amplas
desigualdades, discursos de ódio, generalização da violência, miséria e
regressão dos direitos fundamentais e sociais, tudo isso imposto pela sociedade
de classes, conservadora em seu contexto capitalista.

Neste sentido, aprofundar a discussão sobre os direitos humanos e


sociais da pessoa idosa, considerando que historicamente esses sujeitos têm
seus direitos violados, o Serviço de Convivência Social e Fortalecimento de
Vínculos - SCFV, em seu objetivo maior, busca a defesa e a ampliação dos
direitos humanos e sociais, visando o fortalecimento da assistência social
municipal em defesa da valorização do ser humano.

Além disso,

Este [Serviço] é mais um passo na caminhada de


consolidação do SUAS, que requer ainda outros,
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envolvendo os diversos atores que participam da gestão e


execução do SCFVI. (MDS, p. 127, 2012).
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Contudo, a intervenção social, que está sendo realizada pelo Centro de


Referência de Assistência Social de Ipeúna reforça o trabalho social com
famílias, além de priorizar as vivências em grupo, constituindo formas
privilegiadas de expressão, interação e proteção social.

Outro ponto a ser destacado é que a postura profissional foi, sem dúvida,
fator altamente relevante no direcionamento da realidade social trazida pelo
grupo, uma vez que esta postura impulsiona e otimiza aspectos transformadores,
de modo a oferecer resistência nos momentos de retrocessos.

Neste sentido, o educador Paulo Freire agrega o entendimento de que:

É no processo coletivo, em mutualidade, que se aprendem


diferentes saberes, igualmente importantes. Fazendo uma
transposição do campo educativo para o trabalho social, a
contribuição de Paulo Freire permite sustentar a
possibilidade de reconhecer o mesmo valor para os
conhecimentos acadêmicos e para a experiência vivida,
quando ambos são colocados diante da finalidade do
aprendizado e da proteção do cidadão. Desse modo é
preciso reconhecer que nas relações educativas e de
proteção social, usuários e profissionais são sujeitos de
conhecimentos e de direitos. (MDS, p. 18, 2012).

Sabe-se que muitos são os desafios para a obtenção de todos os direitos


vinculados a este serviço, no entanto, pode-se concluir que durante o
desenvolvimento do projeto, até o momento, foram garantidas práticas
saudáveis, contribuições no processo de envelhecimento ativo e com dignidade,
fortalecimento da autoestima, promoção de espaços de difusão de informação,
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defesa de direitos, inclusão de usuários e familiares no sistema de proteção


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social (CADÚnico) e; encaminhamentos a serviços públicos setoriais.

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EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

Ademais, acredita-se que no decorrer do projeto, os encontros podem


favorecer ainda mais, conforme descrito na orientação técnica, uma vez que este
ainda está em desenvolvimento.

Portanto, acredita-se que é de suma importância o Serviço de


Convivência e Fortalecimento de Vínculos - SCFV nos Centros de Referência de
Assistência Social - CRAS, uma vez que ampliam suas atuações e garantem
direitos sociais e humanos, que a exemplo do CRAS Ipeúna, vem construindo
com muito esforço e dedicação à pessoa idosa.

ANEXO I - IMAGENS DO PROJETO MELHOR IDADE – IPEÚNA / SP

Tarde de Convivência: Expectativas do Grupo


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MARIA CAROLINA DOS SANTOS PELEGRINI, GISELI GONZALEZ SPIGOLON E TALITA RENATA ZANI
SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI):
EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE IPEÚNA/SP

Atividade Física: Alongamento no Colchonete.

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SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE
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VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI): EXPERIÊNCIA NO
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SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE


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VÍNCULOS DA PESSOA IDOSA (SCFVI): EXPERIÊNCIA NO
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THAIANA RODRIGUES DA SILVA
TENSÕES DA POLÍTICA PÚBLICA PARA EMPODERAMENTO JUVENIL NA BAIXADA FLUMINENSE -
RJ

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAS E POLÍTICAS PÚBLICAS

TENSÕES DA POLÍTICA PÚBLICA PARA


EMPODERAMENTO JUVENIL NA BAIXADA
FLUMINENSE – RJ

THAIANA RODRIGUES DA SILVA

Bacharela e Licenciada em Ciências Sociais pela


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UERJ, Pós-Graduada em Gênero, Sexualidade e


Direitos Humanos pela UERJ, Socióloga do CISP
Página

Brasil. E-mail: thaianarodrigues@gmail.com

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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
THAIANA RODRIGUES DA SILVA
TENSÕES DA POLÍTICA PÚBLICA PARA EMPODERAMENTO JUVENIL NA BAIXADA FLUMINENSE -
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RESUMO

Este artigo discute uma ação para promoção da cidadania de jovens em situação
de vulnerabilidade da Baixada Fluminense, região metropolitana do estado do
Rio de Janeiro. Busca-se contribuir com o exercício pleno de cidadania para a
juventude. Para tanto, o projeto possui três dimensões: (i) estabelecer o
envolvimento de jovens com ações de pesquisa e arte que visam promover o
conhecimento das políticas públicas, principalmente as de assistência social e
Direitos Humanos; (ii) envolver a comunidade escolar e o Centro de Referência
da Assistência Social (CRAS) para ampliar o diálogo entre essas duas políticas
públicas; e (iii) manter um diálogo contínuo com os representantes
governamentais. Espera-se disponibilizar uma proposta partilhada entre
sociedade civil e governo para a elaboração e o monitoramento de políticas
públicas; garantir que adolescentes conheçam e valorizem, através da cultura e
da arte, direitos de cidadania; e promover, através da administração pública,
práticas e modalidades operativas que facilitem o acesso ao Sistema Único de
Assistência Social.

ABSTRACT

This article discusses an action to promote citizenship of young people in


vulnerable situations in the Baixada Fluminense, metropolitan region of the State
of Rio de Janeiro. Seeks to contribute to the full exercise of citizenship for youth.
Therefore, the project has three dimensions: (i) establish the involvement of
young people in research and art activities to promote knowledge of public
policies, especially social assistance; (Ii) involve the school community and the
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Social Assistance Reference Center to expand the dialogue between these two
public policies; and (iii) maintain a continuous dialogue with government
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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
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representatives. It is expected to provide a tool shared between civil society and


government for the development and monitoring of public policies; ensure that
adolescents know and value, through culture and art, the rights of citizenship;
and promote, through public administration practices and operational procedures
to facilitate access to the Single Social Assistance System.
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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
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INTRODUÇÃO

O presente artigo analisa as tensões para garantia de acesso às políticas


públicas para adolescentes e jovens, em vulnerabilidade social como definido
pelo MDS, na Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. Nesta
perspectiva, serão examinados os indicadores socioeconômicos e de violência
no intuito de demonstrar a demanda dos municípios por programas, projetos e
ações que possibilitem o acesso à cidadania daquele grupo. Em diálogo, será
apresentado o Projeto Baixado Para Cima, que tem como ação principal garantir
o exercício pleno da cidadania, fundamentado nas Diretrizes dos Direitos
Humanos para pessoas entre 14 e 29 anos.

No intuito de familiarizar o leitor do universo Baixada Fluminense, no


estado do Rio de Janeiro, a sessão 1 é dedicada a explicar os aspectos
populacionais, a dimensão territorial, o Produto Interno Bruto, a Distribuição
Econômica e o Índice de GINI de todos os municípios da Baixada Fluminense.

O não acesso à cidadania plena a todos na sociedade brasileira é


investigado, no capítulo 2, a partir da perspectiva do sociólogo Jessé de Souza
(2013), que se dedica a explicar o que chama de “construção social da
subcidadania” de pobres, pretos e pardos no Brasil. Na mesma linha, o artigo
examinou os estudos do cientista político Luís Eduardo Soares (1999), que
dialoga com a perspectiva de modernismo de Souza (2003) e traz a tensão do
conservadorismo, autoritarismo e das hierarquias para romper com essa prática.
Também se propôs analisar a violência urbana, que é um desafio para o acesso
à cidadania plena de muitos brasileiros, principalmente jovens. Para demonstrar
essa difícil realidade, foram explorados dois estudos: “O Mapa de Violência”
(WAISELFISZ, 2015) e a “Juventude Viva” (BRASIL, 2014), em uma perspectiva
comparativa entre as três esferas de governos também em diálogo com Jessé
888

de Souza (2013) e Luiz Eduardo Soares (1999).


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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
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Por fim, é apresentado o Projeto Baixada Para Cima (BPC). Esse que está
sendo desenvolvido em treze municípios da Baixada Fluminense, com o intuito
de aumentar a inserção e a participação de adolescentes e jovens em situação
de vulnerabilidade social nas políticas públicas, mas, sobretudo, empoderá-los
para exigirem seus direitos. O projeto é uma ação desenvolvida pela
Organização Não Governamental Europeia Comitato Internazionale per lo
Sviluppo dei Popoli - CISP Brasil e Se Essa Rua Fosse Minha – SER.

ANÁLISE DOS INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DA BAIXADA


FLUMINENSE

1.1 A população da Baixada Fluminense

Em 2010, o estado do Rio de Janeiro possuía uma população de cerca de


15.989.929 habitantes, e a Baixada Fluminense cerca de 3.651.710 habitantes,
sendo uma das regiões mais populosas do estado do Rio de Janeiro (FONTES,
2015).

A Baixada Fluminense, é um conceito geográfico que está associado ao


plano social e político do território, que possui treze municípios como pode ser
observado no Mapa 1. Este território é associado geograficamente à região de
planícies, localizada entre o litoral e a Serra do Mar, e cuja extensão vai da
fronteira com o Município de Campos, no interior do estado, até Itaguaí (ALVES,
1999, p.12).
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MAPA 1: Municípios que compõem a Baixada Fluminense

Fonte: (AZEVEDO, MARQUES & SILVA, 2015)

Outro recorte territorial, relacionado aos municípios da Baixada


Fluminense, é de Região Metropolitana. Esta denominação está associada ao
grau de urbanização e densidade populacional (ALVES, 1999). Sobre esse item,
é interessante destacar que este é o território que possui a maior densidade
demográfica do estado do Rio de Janeiro (1.301 hab/km²). As maiores
densidades demográficas estão concentradas nos municípios de Mesquita
(4.310 hab/km²), Belford Roxo (6.031 hab/km²), Nilópolis (8.118 hab/km²) e São
João de Meriti (13.025 hab/km²), este último que não só representa a maior
densidade demográfica do estado do Rio de Janeiro, como também a maior do
890

Brasil. Os municípios da Baixada Fluminense com menores densidades


demográficas são: Seropédica (276 hab/km²), Paracambi (262 hab/km²) e
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Guapimirim (143 hab/km²). Esse indicador possibilita refletir sobre os problemas


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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
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do alto nível de integração e convívio em territórios de alta precariedade


econômica e social (FONTES, 2015).

O presente trabalho priorizou o recorte populacional das faixas etárias de


Adolescentes e Jovens, de 14 a 29 anos, conforme consolidado pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA (1990) e pelo Estatuto da Juventude (2013).
Esse que é o público prioritário do PBC. Os municípios que apresentaram maior
percentual de adolescentes e jovens foram Seropédica, com 29%, cuja
população é de 78.186 e Japeri, com 30%, em números populacionais o
município possui 95.492; e os com menor percentual foram Mesquita com 26%,
que possui uma população de 168.376 pessoas e Nilópolis, com 24%, cuja
população 157.427 (IBGE, 2010).

1.2 Atividades Econômicas

O Produto Interno Bruto é um indicador importante para ter um panorama


da economia de um território. O estado do Rio de Janeiro, em 2012, obteve um
PIB de R$ 488.584.587. E, em 2013, de R$ 533.080.718,00. No que este
indicador se refere aos municípios da Baixada Fluminense, é importante
destacar que todos apresentaram aumento nos anos de 2012 e 2013. As
localidades com maior desempenho, em 2013, foram Duque de Caxias, com R$
20.875.278,00, e Nova Iguaçu, com R$ 12.079.589,00. Já os municípios com
menor PIB foram Guapimirim, com R$ 673.395,00, e Paracambi, com R$
550.867,00 (CEPERJ, 2012/2013).

Os principais setores econômicos do PIB do estado do Rio de Janeiro são:


os serviços, que representam 51%, seguidos pela Indústria, com 30% (CEPERJ,
2013). A economia da Baixada Fluminense se concentra nos Serviços e na
Administração Pública, como aponta o Gráfico 1. Os municípios com maior
891

percentual de arrecadação em serviços são: Duque de Caxias, com 68%, e


Itaguaí, com 61%. Os municípios de Japeri e Mesquita concentram a sua renda
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nos recursos da Administração Pública, com 56% e 51%, respectivamente. A


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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
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agricultura nesses territórios é inexpressiva, com o maior percentual de 2%, do


município de Guapimirim, como pode ser observado no Gráfico 4.

Gráfico 1 – Distribuição do Percentual por setores de Atividade Econômica


2013

Outra informação importante para se analisar a condição de vida de uma


população é o Índice de GINI. Esse indicador evidência a concentração de renda
de uma determinada população, pois aponta a diferença do rendimento das
pessoas mais pobres e das mais ricas. Este varia de zero a um: o zero
representa uma população com renda próxima da igualdade, enquanto o um
simboliza o inverso, uma população completamente desigual, com uma pessoa
ou família concentrando toda a riqueza do lugar. Dificilmente o índice chega aos
dois extremos. Quando o índice chega a cifras de 0,5, como é o caso de muitos
municípios brasileiros, percebe-se uma desigualdade significativa na distribuição
892

de renda (JANNUZZI, 2012).


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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
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O Índice de GINI no Brasil, em 2010, chegou à cifra 0,6. E, no estado do


Rio de Janeiro, a cifra foi praticamente a mesma (0,61). Contudo, ao analisar os
municípios da Baixada Fluminense, território considerado a periferia da Capital,
as cifras são bem diferentes como pode ser observado no Gráfico 2. Os
municípios que tiveram maiores cifras foram de Guapimirim (0,52) e Nova Iguaçu
(0,51), enquanto os que obtiveram os menores foram Japeri (0,45) e Belford
Roxo (0,46) (Censo, 2010; ALVES, 1999).

Gráfico 2 – Índice de GINI – 2010

Em síntese, o que se procura apontar com a análise socioeconômica da


Baixada Fluminense é o potencial que este território tem para se desenvolver,
principalmente, pelo percentual de jovens que vivem nesses territórios. Contudo,
é importante salientar o desafio que a juventude da Baixada Fluminense precisa
enfrentar, como analisa José Claudio Souza Alves. No seu estudo “Baixada
Fluminense: A Violência Na Construção de uma Periferia (1999) que ilustra de
forma sóbria a emergência de políticas públicas em um território conhecido como
uma “região de extermínio somados ao poder do Estado que geram uma
893

degeneração do tecido social” (p. 12).


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A VIOLÊNCIA URBANA COMO DESAFIO PARA O EMPODERAMENTO


JUVENIL

Diante do alarmante quadro de violência da Baixada Fluminense, como


apontado por Alves (1999), é fundamental lembrar o artigo 227 da Constituição
da República Federativa do Brasil, que prevê como dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar com absolta prioridade a garantia à vida a
criança, adolescente e jovem de toda a sociedade.

Com base no que está definido por lei, deveria existir igualdade no acesso,
prioritariamente da juventude, às políticas públicas que garantam cidadania
plena, mas na prática muitos dos direitos são violados, principalmente, em
relação a uma parcela específica da sociedade. Quais são as raízes da
desigualdade social no Brasil? Quando se agrava e qual a principal tensão
para mudar esse paradigma?

Neste contexto, é fundamental pensar a modernização e a


democratização associado à desigualdade e à exclusão, mas também ao
autoritarismo. Este que reflete o conservadorismo e o tradicionalismo que ainda
não foram vencidos pelos movimentos populares. Esse modelo se apresenta e
se reinventa em diferentes governos, como através dos pactos com as velhas
oligarquias urbanas e rurais, que segmentos conservadores e progressistas da
burguesia disseram querer fragilizar, mas que nunca foram rompidos (Soares,
1999, p. 226).

O que se busca refletir no presente trabalho é o que pode ser sintetizado


na frase “Você sabe com quem está falando?”, na obra de Roberto Damatta
(1997). Esse que é um brilhante estudo sobre a cultura brasileira, por trazer uma
reflexão sobre a “distribuição hierárquica de papéis” e percepções da
894

organização sociedade brasileira (Soares, 1999, p. 227).


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A diferença ocupada pelas pessoas em diferentes níveis de poder na


sociedade brasileira pode ser entendida pelo conceito de hierarquia. É relevante
entender que o lugar no qual um indivíduo está inserido poderá determinar as
chances de vida e de morte que ele terá. Desta forma, para este estudo é
fundamental pensarmos a hierarquia em diálogo com a violência exposta a
muitos jovens do Brasil, do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense.

Os conceitos conservadorismo, tradições e hierarquias fundamentam a


sociedade brasileira. No que se traduz na violência policial contra a juventude
pobre do Rio de Janeiro. Essa cultura torna precário o acesso do jovem pobre,
negro ou pardo a cidadania plena (WAISELFISZ, 2015).

A jovem Constituição Federal (1988), que possui leis tão promissoras,


ainda se distancia das práticas de violência sofridas por jovens no Brasil e no
estado do Rio de Janeiro. É interessante perceber a violência como uma
linguagem legitimada na sociedade brasileira para algumas instituições e
parcelas da população.

As reflexões trazidas sobre a violência no Brasil podem ser comprovadas


através dos dados, em que cerca de 30 mil jovens, entre 15 e 29 anos, foram
assassinados no Brasil em 2012. Ao fazer o recorte de raça, os jovens negros
representam 23 mil, o que significa mais de 1.900 jovens negros mortos por mês,
ou 76 a cada dia (BRASIL, 2014).

O Brasil tem um quadro complexo de violência. Os números de homicídios


podem ser comparados a países em guerra. Essa condição foi atribuída à
tradição de impunidade, em que processos judiciais não se concluem, e à falta
de preparo de alguns profissionais da área pelo importante estudo de Julio
Waiselfisz (2015) “O mapa da violência 2015”.
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O estado do Rio de Janeiro não se distancia desse quadro e está entre as


capitais mais violentas do país. Infelizmente, essa posição não é recente, mas
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teve uma redução no número de vítimas de 2003 a 2009, mas voltou a subir
entre os anos de 2010 e 2013, como pode ser observado no Gráfico 3
(Waiselfisz, 2015).

Gráfico 3 – Número de Homicídio de Crianças, Adolescentes e Jovens (0 a


19 anos de idade) de 2003/2013 no Rio de Janeiro

Na faixa etária de jovens entre 16 e 17 anos, o estado do Rio de Janeiro


apresentou uma taxa de 62.5 homicídios em 2013. Esta taxa tem cor e sexo:
deste grupo, 307 pessoas eram do sexo masculino e 16 do sexo feminino;
enquanto 249 eram negros e 73 brancos. (WAISELFISZ, 2015).
896

No que se refere à Baixada Fluminense, os municípios de Duque de


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Caxias, Nova Iguaçu e Belford Roxo aparecem entre os cem municípios do país
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com a maior taxa de homicídio de adolescentes entre 16 e 17 anos. Duque de


Caxias ocupa a 39° posição, com uma taxa de 119,5 homicídios (por 100 mil
habitantes), já em Nova Iguaçu está 50° com uma taxa de 108,2 e, por último,
Belford Roxo está em 72°, com taxa de 87,4 (WAISELFISZ, 2015).

Como já foi apontado, a percepção do jovem pobre, negro e morador da


periferia como marginal é algo que se reflete no olhar de muitos governantes.
Entretanto, é importante destacar a manifestação do Secretário de Segurança
Pública do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, em 2013, “o Rio
de Janeiro tem essa história e vamos, talvez, perder uma geração para mudar o
quadro de violência” (UOL Notícias, 2013). Essa reflexão reforça a perspectiva
que a violência é uma linguagem legitimada pelo Estado e pela sociedade, que
se omite a garantir a lei igual para todos e a subsidiar políticas preventivas para
garantia da cidadania plena. O resultado da ausência de alternativas de
mediação de conflitos é o aprofundamento da criminalidade, o aumento da
desigualdade e a promoção de injustiças visíveis (WAISELFISZ, 2015).

Diante das reflexões trazidas, é possível ter um panorama da emergência


de políticas públicas para a juventude no estado do Rio de Janeiro. Sabendo das
inúmeras ações que são promovidas na capital do Rio de Janeiro, a Baixada
Fluminense, que em termos territoriais é pequena comparada com o quantitativo
de crianças, adolescentes e jovens vítimas de violência, apresenta-se como um
território que requer mais atenção. Esta percepção contribuiu para o recorte
territorial do Projeto Baixada Para Cima (BPC).
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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
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A PESQUISA, A EDUCAÇÃO E A CULTURA COMO ESTRATPEGIA PARA O


EMPODERAMENTO JUVENIL E A PROPOSTA DO PROJETO BAIXADA
PARA CIMA

O Projeto Baixada para Cima (BPC) surge de diferentes ações, dentre


elas, da parceria com a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do
Rio de Janeiro (SEASDH-RJ) com as Organizações Não-Governamentais
Comitato Internazionale per lo Sviluppo dei Popoli - CISP Brasil, Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE e Se Essa Rua Fosse
Minha - SER através do Programa Brasil Próximo, que foi um projeto de parceria
do Governo Federal do Brasil com as regiões italianas da Úmbria, Marche,
Toscana, Emilia Romagna e Ligúria. Essa foi uma cooperação internacional que
buscou aproximar os dois países. O objetivo do Programa Brasil Próximo foi
construir uma rede de políticas públicas, oportunidades e intervenções para
acompanhar os processos internos de desenvolvimento local integrado, solidário
e sustentável (AZEVEDO, MARQUES & SILVA, 2015).

As experiências do Observatório Social com a SEASDH no que se refere


ao levantamento e a análise de dados, as ações de valorização da juventude
através da arte e cultura pelo SER e o desejo de acabar com a pobreza e a
exclusão social no mundo do CISP BRASIL foram alguns pontos fundamentais
para a parceria que se transformou no Projeto Baixado Para Cima (BPC) que
tem como principal objetivo contribuir com o exercício pleno de cidadania dos
jovens residentes dos municípios da Baixada Fluminense e em situação de
particular vulnerabilidade cultural, econômica e social. A finalidade específica do
projeto é aumentar a inserção e a participação ativa deste grupo nos programas
de assistência social municipal, estadual e federal, além de transformá-los em
multiplicadores da política de assistência social, direitos humanos e empoderá-
898

los para buscar seus direitos (AZEVEDO; MARQUES; SILVA, 2015).


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O Projeto Baixada Para Cima (BPC) possui três dimensões que serão
detalhadas a partir das ações do Observatório Social Intermunicipal, da arte e
cultura como promoção da cidadania e da gestão democrática como uma
proposta de acesso à informação e de espaço para diálogos.

Observatório Social Intermunicipal

O projeto criou o Observatório Social Intermunicipal (OSI) na Baixada


Fluminense, que funciona provisoriamente no município de Nova Iguaçu. Ele
propõe um diálogo entre os municípios, o governo estadual, os movimentos
sociais, as organizações não governamentais e as organizações da sociedade
civil mais atuante. O OSI busca promover a discussão da política pública na
Baixada Fluminense de forma estruturada, articulada e intersetorial.

O OSI vem realizando pesquisa nos municípios da Baixada Fluminense


desde 2013, quando levantou dados nos municípios de Mesquita, Queimados
e São João de Meriti através do Programa Brasil Próximo em parceria com a
SEASDH. Já em 2015, através do Projeto Baixada Para Cima, o OSI realizou
três pesquisas nos municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias e Belfort
Roxo. No ano de 2016, está realizando pesquisas nos municípios de
Seropédica, Magé, Guapimirim e Itaguaí. Em 2017, está previsto a realização
de outras três pesquisas nos municípios de Paracambi, Japeri e Nilópolis,
assim concluindo o levantamento nos trezes municípios da Baixada Fluminense.
O objetivo do levantamento dos dados é a análise e a sistematização das
informações coletadas e a disponibilização dessas informações aos municípios
para que possam propor políticas públicas em consonância com a demanda dos
territórios mais vulneráveis.

A metodologia de pesquisa possui quatro etapas, que são preparação,


899

capacitação, trabalho de campo, avaliação e divulgação. O diferencial


metodológico proposto pelo OSI é o envolvimento de jovens prioritários de
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programas sociais dos municípios onde a pesquisa é realizada.


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A preparação consiste na construção de indicadores, que se pauta no


referencial do Plano Brasil Sem Miséria do Ministério de Desenvolvimento Social
e Combate a Fome, que tem o recorte sobre acesso a serviços de educação,
saúde, habitação, trabalho, segurança alimentar, inclusão produtiva e direitos
humanos; definição de instrumentos de coleta, delimitação das áreas
pesquisadas, formação da equipe local de capacitação e definição da grade de
formação dos pesquisadores.

O trabalho de campo está relacionado com a escolha da amostra das


pesquisas, que considera os territórios com maior vulnerabilidade social entre a
população residente; a proximidade com o Centro de Referência da Assistência
Social – CRAS e a existência de Parceiros Locais (comércio local).

A capacitação consiste na formação dos jovens pesquisadores, que são


pessoas beneficiárias de programas sociais, com idades entre 16 a 29 anos,
cursando o ensino médio e moradores do território pesquisado, selecionados em
parceria com as secretarias de Assistência Social dos municípios.

Os jovens inscritos participaram de uma capacitação de duas semanas,


onde foram discutidos conteúdos sobre os Direitos Humanos, o Sistema Único
de Assistência Social, a Metodologia de Pesquisa e a Gestão de Riscos.
Atividades lúdicas foram utilizadas para refletir a importância da inter-relação
humana e social. A capacitação prevê uma remuneração e entrega de certificado
de participação. Essa ação busca qualificar os jovens sobre o que é política
pública e sensibilizá-los para uma maior participação social. No ano de 2015,
essa atividade capacitou 91 jovens nos três municípios.

Os jovens selecionados para realizar a pesquisa de campo em seus


bairros são instruídos a informarem o papel da política de assistência social e
900

direitos humanos nas residências visitadas. Nesse sentido, eles têm a função de
multiplicadores dos diretos dos cidadãos. Para esta nova fase, recebem uma
Página

remuneração, alimentação e transporte durante os meses de realização da


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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
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TENSÕES DA POLÍTICA PÚBLICA PARA EMPODERAMENTO JUVENIL NA BAIXADA FLUMINENSE -
RJ

pesquisa. Essa ação envolveu 60 jovens, em 2015, tendo mais de 50% de


participantes do sexo feminino e resultou em três levantamentos de dados onde
foram visitados 3.618 domicílios dos municípios de Duque de Caxias, Nova
Iguaçu e Belford Roxo.

Outra ação do OSI é o Conselho Regional de Acompanhamento das


atividades do Observatório Social Intermunicipal, que busca contribuir para uma
gestão democrática nos municípios da Baixada Fluminense e possui encontros
bimestrais com todos os atores envolvidos no projeto, para análise e debate do
que foi levantado pelas pesquisas realizadas. Nesse espaço busca-se elaborar
propostas de políticas públicas, que possam ser discutidas e transformadas em
garantias de direitos, mas, também, alertar o poder público e a sociedade civil
para a importância da qualificação dos serviços públicos, principalmente, na
política de Assistência Social e Direitos Humanos. As pautas são apresentadas
em três Seminários Intermunicipais para Difusão dos Resultados, que ocorrem
uma vez por ano, e têm por finalidade encaminhar as propostas para garantir a
promoção da Baixada Fluminense.

A arte e cultura como promoção da cidadania

As políticas públicas de educação e assistência social foram identificadas


no projeto como ferramentas para a promoção da cidadania e do
empoderamento juvenil. A proposta tem uma abordagem dialógico-reflexiva, em
outras palavras, está embasada atividade que se operacionalize, fortalecendo a
reflexão crítica, participativa e horizontal. Esta perspectiva dialoga com a
metodologia de Paulo Freire, que defende uma educação humanizadora e
emancipadora. Este ponto de vista foi escolhido para levar a reflexão aos
adolescentes e jovens do seu lugar de cidadão de direitos e deveres, que
precisam ser conhecidos e respeitados (FREIRE, 1987).
901

Para fazer um trabalho com a rede de educação nos municípios, o projeto


Página

prevê uma ação paralela ao dos jovens pesquisadores, que consiste na


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TENSÕES DA POLÍTICA PÚBLICA PARA EMPODERAMENTO JUVENIL NA BAIXADA FLUMINENSE -
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identificação de escolas de ensino médio e no planejamento de oficinas de circo,


fotografia e teatro, que estimulam nos jovens a sensibilidade sobre o exercício
da cidadania.

Esta ação é desenvolvida pelo projeto em parceria com a ONG Se Essa


Rua Fosse Minha – SER, que possui sede na Baixada Fluminense, com
atividades culturais, socioeducativas e artísticas, dirigidas aos jovens mais
excluídos. Essa ação prioriza a discussão da temática da juventude
afrodescendente, através de espaço de informação e reflexão para valorização
da cultura negra nas escolas. O objetivo desta atuação é fomentar a participação
na vida social e política e, para isso, busca-se um diálogo entre as escolas e o
poder público municipal. As oficinas contaram com a participação de 300
adolescentes e jovens de escolas públicas dos municípios de Duque de Caxias,
Belford Roxo e Nova Iguaçu.

Tendo em vista a importância de discutir cidadania nas escolas para


ampliar o conhecimento dos jovens sobre seus direitos e deveres e,
principalmente, apresentar o conteúdo de forma lúdica e reflexiva, o projeto
desenvolve a Semana da Cidadania em parceria com quatro escolas municipais.
Essa atividade, no ano de 2015, atingiu 900 alunos dos municípios de Duque de
Caxias, Belford Roxo e Nova Iguaçu.

Outro produto do projeto é a produção de material didático sobre o


exercício da cidadania, através das experiências com os jovens em diálogo com
a comunidade escolar e a política de assistência social, que está sendo
produzido a partir das experiências em loco.

Gestão democrática: uma proposta de acesso à informação e de espaço


para diálogos
902

A parceria da CISP Brasil com o Governo Federal através do Programa


Brasil Próximo em 2013 possibilitou identificar a tensão do poder público
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TENSÕES DA POLÍTICA PÚBLICA PARA EMPODERAMENTO JUVENIL NA BAIXADA FLUMINENSE -
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municipal da Baixada Fluminense na promoção do diálogo entre as políticas


públicas no atendimento dos jovens em situação de vulnerabilidade social.
Ações mais específicas sobre esse tema no Projeto Baixado Para Cima são
desenvolvidas pelo CISP Brasil, pela sua experiência internacional no
fortalecimento de políticas públicas em diferentes países do mundo.

Nas ações desenvolvidas pelo Programa Brasil Próximo foi possível


identificar fragilidades no monitoramento e avaliação de programas, projetos e
serviços pelo poder público da Baixada Fluminense. No que se refere à política
pública de Assistência Social, foi identificada a ausência da área de vigilância
socioassistencial na maioria dos municípios da Baixada Fluminense. Essa que
deveria ser implementada dentro da Gestão do SUAS, como previsto na NOB-
SUAS (2012). Porém, como apontam os dados do CENSO SUAS (2015), na
Baixada Fluminense, apenas quatro municípios possuem esta área formalmente
instituída.

É importante chamar a atenção para essa questão, pois o monitoramento


e a avaliação sistemática de serviços, programas e projeto garantem uma política
pública de transparência. A partir da análise sistematizada das ofertas e das
demandas dos serviços poderá planejar-se e garantir que determinadas ações
não sejam pontuais.

Para tanto, a terceira ação do projeto é um curso de gestores de políticas


públicas, que será realizado em parceria com a Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ), pelo Departamento de Ciências Sociais, e irá oferecer 60
vagas para representantes de Organizações da Sociedade Civil, líderes
comunitários e da gestão municipal do SUAS, e também a servidores de outras
políticas públicas, como da área de Segurança Pública, dos treze municípios da
Baixada. O objetivo do curso é capacitar gestores e técnicos das prefeituras da
903

Baixada Fluminense sobre conteúdos relevantes para formulação de programas


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e políticas públicas municipais através de um espaço de reflexão, integração,

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debate e transmissão teórico e conceitual de conhecimento específico para as


suas ações.

Essa ação espera qualificar 60 profissionais das prefeituras municipais da


Baixada Fluminense e sociedade civil da região, bem como um esforço de
aproximação desses atores, igualmente engajados nos debates em torno dos
temas de educação, saúde, cultura, assistência social e juventude. O curso
configura-se como um campo propício para o aprimoramento da formação
desses profissionais na gestão pública.

Outra atividade que dialoga com a anterior são as Oficinas de articulação


de necessidade e ofertas de serviços sociais, que também serão realizadas em
parceria com a UERJ pelo Departamento de Ciências Sociais. As Oficinas têm
por finalidade disponibilizar um espaço para elaboração de projetos, normativas
e propostas para as políticas públicas. Contudo, essa atividade ainda está em
fase de elaboração. A proposta é realiza-las na Baixada Fluminense com
possibilidade de 60 vagas para representantes de diferentes setores da Baixada
Fluminense.

CONCLUSÃO

No presente trabalho buscou-se apresentar um panorama da Baixada


Fluminense a partir de uma perspectiva socioeconômica, com o intuito de
apresentar elementos que pudessem esclarecer aos leitores as fragilidades e
potencialidades dos municípios.

Em diálogo com as perspectivas socioeconômicas, procurou-se identificar


o quanto o conservadorismo, a hierarquia e a tradição ainda são elementos
limitadores para a garantia de direitos de jovens, pobres, negros e pardos no
904

Brasil, no estado do Rio de Janeiro, e nos municípios da Baixada Fluminense.


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Além disso, a violência, que assombra os territórios estudados e dialoga com

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aqueles conceitos, foi analisada como um dos principais pontos que gera o
abismo no acesso de uma parcela de jovens da sociedade aos direitos humanos.

Outro ponto apresentado foi o Projeto Baixado Para Cima, que, desde
2015, vem atuando em diferentes municípios da Baixada Fluminense. Este
articula ações com diferentes políticas públicas, mas, principalmente, a de
Assistência Social, Direitos Humanos e Educação. As ações do projeto visam
contribuir para garantia de jovens à informação sobre os seus direitos, muitas
vezes não assegurados por falta de informação ou pela marginalização fruto da
condição econômica e social.

Por fim, é importante salientar que o projeto está no seu segundo ano de
ação e que nas suas atuações nos municípios tem encontrado um ambiente
promissor, com jovens interessados em conhecer e contribuir para o
desenvolvimento do seu território, e, principalmente, se qualificar para poder
exercer a sua cidadania plena. Ainda é relevante destacar a experiência vivida
em alguns municípios, onde gestores da política de assistência passaram a
perceber os jovens do território como pessoas com potencial profissional e
começaram a refletir sobre estratégias para inserir os jovens em outras políticas
públicas que garantam o desenvolvimento profissional deles. Contudo, busca
tornar esse projeto piloto uma ação que tenha continuidade após o seu termino,
e para isso vem dialogando com os governos estadual e federal.

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TENSÕES DA POLÍTICA PÚBLICA PARA EMPODERAMENTO JUVENIL NA BAIXADA FLUMINENSE -
RJ

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EMPODERAMENTO NA BAIXADA FLUMINENSE - RJ
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TENSÕES DA POLÍTICA PÚBLICA PARA EMPODERAMENTO JUVENIL NA BAIXADA FLUMINENSE -
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MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO BISCALCHIM
TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL SOB O OLHAR DO OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE
PIRACICABA

GRUPO DE TRABALHO 3 – GT3


PARTICIPAÇÃO, POLÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL SOB O


OLHAR DO OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE
PIRACICABA

MICHELLE CAMILLE BARRETO

Bacharela em Gestão de Políticas Públicas,


estudante de Administração e do Mestrado
Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas pela UNICAMP. E-mail:
barretoc.michelle@gmail.com
909

BEATRIZ RENNÓ BISCALCHIM


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TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL SOB O OLHAR DO MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO
OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE PIRACICABA BISCALCHIM
MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO BISCALCHIM
TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL SOB O OLHAR DO OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE
PIRACICABA

Bacharel em Administração Pública – UNESP. E-


mail: beatrizbiscalchim@gmail.com

RESUMO

O presente artigo analisa o desempenho da transparência e controle social em


Piracicaba através da avaliação dos boletins sobre os Portais de Transparência
da Câmara de Vereadores e da Prefeitura da cidade, elaborados pelo
Observatório Cidadão de Piracicaba. Com base nas informações contidas nestes
documentos, busca-se comparar o desenvolvimento dos indicadores avaliativos
utilizados pelo Observatório, assim como a qualidade e quantidade de
informações disponibilizadas nos portais. Estas informações devem estar de
acordo com a Lei n° 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), um dos critérios
utilizados pelo Observatório para medir a transparência. Trata-se de uma breve
revisão bibliográfica sobre a transparência no país, análise de dados dos portais
de transparência de Piracicaba e estudo de caso aplicado com base nos boletins.
A partir das análises nota-se uma significativa melhora na avaliação do portal da
Câmara de Vereadores, no entanto, a Prefeitura apresentou um resultado
insatisfatório na publicação das informações previstas pela lei. Conclui-se que
faltam instrumentos mais rígidos de controle e transparência. Percebe-se que a
ausência ou insuficiência de informações prejudicam os munícipes no exercício
pleno da cidadania e controle social.

ABSTRACT

This article analyzes the performance of the transparency and social control in
Piracicaba through evaluation of portal of transparency by Common and Town
910

Hall reports elaborated by Observatório Cidadão de Piracicaba. Based on


information contained in these documents, seeks to compare the development of
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evaluative indicators used by Observatório, as well as quality and quantity of


information available on the portals. This information must be in accordance with
Law nº 12.527/2011 (Access to Information Act), one of the criteria used by
Observatório to measure transparency. This is a bibliographic review about
transparency in the country, data analysis of Piracicaba transparency portals and
case study applied based on reports. From these analysis it is noted a significant
improvement on Common Hall evaluation, however, the Town Hall presents an
unsatisfactory result in the publication of information required by law. Concluded
that lack rigrid instruments of control and transparency. It is noticed that the
absence or insufficiency of information harm citizens on the full exercise of
citizenship and social control.
911
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PIRACICABA

INTRODUÇÃO

Diversos autores afirmam que foi a partir da elaboração da Constituição


Federal de 1988 que o debate sobre a importância da participação e do controle
social passa a fazer parte da agenda política do país. (PEREIRA, 2013; PIRES,
2010; LESSA, 2008). Ela marca o fim do longo período de ditadura militar no país
(1064 – 1985) e garante direitos aos cidadãos nunca antes discutidos, como a
transparência: artigo 5º, inciso XXXIII – CF/88 “todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo
ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e
do Estado”.

A motivação por maior participação veio como resposta à crise política


enfrentada pelo regime militar e a exigência de maior grau de transparência na
gestão pública passou a ter mais força no começo dos anos 1990, como forma
de pressão sobre a forte crise fiscal que o país enfrentava (PIRES, 2010, p. 4).

A partir deste primeiro impulso, diversas formas de participação vêm


sendo exercidas e praticadas, como exemplo, os conselhos municipais, os
orçamentos participativos, as conferências e as audiências públicas.

A transparência ganha maior impulso visibilidade com a promulgação da


LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar nº 101/2000) e mais
recente com a LAI (Lei de Acesso a Informação - Lei nº 12.527/2011), que regula
e dispõe sobre os procedimentos que devem ser adotados por todos os entes
da federação, com objetivo de garantir o acesso à informação previsto na
Constituição de 1988 (BRASIL, 2011).

É aqui também que entidades da sociedade civil voltadas a acompanhar


912

condução da gestão pública passam a ter papeis de influência e controle muito


forte, principalmente se tratando a nível local, pois é no âmbito local que as
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instituições são mais sensíveis as necessidades dos cidadãos, uma vez que a
representatividade se expressa de forma mais concreta pelos ocupantes dos
espaços decisórios e, ao mesmo tempo, é mais permeável a participação direta
(ARRETHE,1996). Almeida e Carneiro (2003) também discorrem sobre a
importância da gestão municipal, onde “é, sobretudo no âmbito local, mas não
exclusivamente, que emergem formas inovadoras de ação governamental,
gestão publica e participação dos cidadãos” (ALMEIDA; CARNEIRO, 2003.
p.125).

É com o objetivo de oferecer aos cidadãos “uma inovadora ferramenta de


controle social que sirva como um dos principais mecanismos de análise e
sistematização das políticas públicas do município e da qualidade de vida local”
(MORGADO, et al., 2013, p. 50) que o Observatório Cidadão de Piracicaba
(OCP) nasce e desenvolve diversas atividades a fim de acompanhar a gestão
local e instrumentalizar a sociedade para melhor compreensão e participação
nos processos decisórios locais.

Como forma de alcançar seus objetivos, desde 2012, o OCP avalia a


qualidade e a quantidade de informações disponíveis nos Portais de
Transparência Pública da Câmara Municipal e da Prefeitura da cidade. Ao fim
dessas avaliações, é elaborado um documento chamado de Boletim de
Transparência, estes boletins são disponibilizados para a sociedade e para os
órgãos avaliados para seu parecer e conhecimento dos resultados.

Assim, o presente artigo objetiva analisar as sete avaliações sobre


transparência, elaborados pelo OCP, e consequentemente o desempenho
transparente das instituições em foco, a fim de compreender se os dois principais
órgãos públicos de Piracicaba cumprem os dispositivos legais e promovem,
assim, a transparência e controle.
913

O artigo está dividido em quatro sessões além da introdução e referências.


Página

A primeira aborda a metodologia utilizada neste artigo. A segunda sessão trás


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uma discussão sobre o tema da transparência, participação e importância dos


observatórios como promotores de participação e controle social. A terceira
sessão discorre sobre o foco do estudo que são os boletins de transparência. A
quarta e última, sessão abarca as conclusões da pesquisa.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada no presente artigo é um estudo de caso aplicado


e quantitativo. Segundo Yin (2001) a metodologia de estudo de caso possibilita
abordagens específicas de coleta e análise de dados.

Esta análise esta baseada nos boletins de transparência elaborados pelo


Observatório Cidadão de Piracicaba. A escolha desse tipo de abordagem surge
a partir do interesse em identificar, avaliar e discutir o desempenho, ao longo dos
anos, na disponibilização de informações nos Portais de Transparência da
Câmara Municipal e da Prefeitura de Piracicaba.

Além da análise e discussão dos resultados das avaliações, o artigo conta


com uma breve revisão bibliográfica sobre o tema da transparência, controle e
participação social no país, o que nos permite compreender a importância da
promoção do acesso à informação e o papel das instituições públicas no
exercício transparente e cumprimento legal dos dispositivos criados.

DISCUSSÕES TEÓRICAS

Devemos iniciar as discussões sobre transparência pública no Brasil


conceituando o que se entende por transparência. Para Figueiredo e Santos
(2013), a transparência se associa à divulgação de informações que permitam
914

que as ações dos gestores sejam averiguadas e consequentemente exista a


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responsabilização por seus atos. Em consonância, Pires (2010) determina que

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a transparência em geral, é referenciada como um qualificador que permeie todo


ato, comportamento, procedimento, decisão ou medida do quotidiano da
máquina pública e da relação governo-sociedade, sendo eleito um foco
específico que se deva incidir. Neste trabalho, nos interessam essas duas visões
que possibilitam entender a responsabilidade do poder público em publicar suas
informações e promover o acesso aos cidadãos. Se vivemos em um Estado
Democrático de Direito e o poder é exercido em nome do povo, este deve estar
ciente das ações e informações quanto à condução e gestão da coisa pública
(PEREIRA, 2013 apud MELLO, 2013).

Em face destas definições, devemos também estabelecer quais marcos


regulatórios foram estabelecidos e estão vigentes sobre o tema, gerando a
obrigação legal para os entes federativos em seu cumprimento.

O histórico sobre a Transparência Pública e o Controle Social no Brasil é


recente, acompanhando todas as garantias e direitos conquistados a partir da
Constituição Federal de 1988. Podemos citar o Título I- Dos Direitos e Garantias
Fundamentais-, Capítulo I- Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Artigo
5º incisos XIV e XXXIII (já mencionado anteriormente), também devemos
lembrar o Capítulo VII- Da Administração Pública, Seção I- Disposições Gerais,
Artigo 37- “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Deve-se observar principalmente o princípio da Publicidade, que em termos
gerais, obriga ao Estado o dever de publicar seus atos.

A partir da Carta Magna outros documentos normativos foram elaborados


para regrar o acesso às informações públicas. Segundo o Manual da Lei de
Acesso à Informação para Estados e Municípios da Controladoria Geral da União
915

(CGU, 2013), foram criados a Lei nº 9.507/1997 (regulamenta o rito do habeas


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data), Lei nº 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo), Lei nº 10.520/2002

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(cria os pregões presenciais e eletrônicos), Decreto nº 6.170/2007 (criou o


SICONV- Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse), Decreto
nº 6.370/2008 (criou o cartão de pagamento do governo federal e extinguiu
contas tipo “B”- suprimentos de fundos), a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei
de Responsabilidade Fiscal), Lei Complementar nº 131/2009 (acrescenta
dispositivos a LRF) e a Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).

A Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Acesso à Informação


ganharam destaque, pela regulamentação das questões orçamentárias do
Estado (LRF) e da regulamentação da transparência ativa e passiva (LAI), em
direção a atingir a maior transparência dos atos. Segundo Morgado et al.( 2013)
a LAI vem consolidar avanços para a transparência pública no Brasil, por meio
dela foram regulamentados procedimentos, deveres e prazos para a
administração pública divulgar ou apresentar informações quando solicitadas por
qualquer cidadão. Nesse sentido Braga (2011) afirma que,

a questão da transparência mais uma vez toma força nos


normativos legais, ligada ao aspecto processual,
envolvendo, inclusive o fomento a uma cultura de
transparência e o fornecimento de dados em uma
linguagem acessível, sem barreiras técnicas. Assim, a
transparência rompe com os liames da questão
orçamentário-financeira e passa a incorporar a gestão
pública de forma global, envolvendo processos
administrativos, a gestão de pessoal, de documentos e a
eficácia e a eficiência no atendimento das metas pelos
órgãos públicos (BRAGA, 2011, p. 7).

Para integrar a transparência aos atos públicos foi criada a Controladoria


916

Geral da União (CGU) por força da Lei nº 10.683/2003. É o órgão vinculado ao


Página

governo federal responsável por monitorar o cumprimento da LAI e promover

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OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE PIRACICABA BISCALCHIM
MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO BISCALCHIM
TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL SOB O OLHAR DO OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE
PIRACICABA

ações de treinamento e capacitação dos agentes públicos no cumprimento da


legislação. É de grande importância sua atuação na fiscalização, em conjunto
com o poder judiciário por meio do Ministério Público Federal, que também tem
como uma das ações monitorar e avaliar a transparência nos órgãos públicos,
através do Ranking Nacional de Transparência.

A transparência, no entanto, não é o único fator no envolvimento da


sociedade e na participação mais democrática da vida pública. Para Figueiredo
e Santos (2013) a transparência aproxima a sociedade da gestão pública e
estimula a participação social. Essa participação que para nós se manifesta no
controle social é fundamental para a contínua fiscalização do Estado e exercício
da cidadania.

Segundo Morgado et al. (2013), a participação da sociedade civil como


colaboradora dos governos foi capaz de desenvolver práticas mais eficientes da
ação governamental e ao mesmo tempo estabelecer o controle social do Estado.
Essa relação sociedade- Estado pode ser muito benéfica se levada a sério, como
mecanismos mais claros de atuação, foram desenvolvidos os Conselhos,
Conferências e Audiências Públicas. No entanto, estes espaços acabam por
institucionalizar a atividade, uma vez que são formados por representantes da
sociedade civil e governamentais (MORGADO et al., 2013. p.49). Pires (2010)
define a participação social como a criação de canais de comunicação entre
cidadãos e responsáveis pelas decisões públicas visando reforçar a democracia,
elevando a qualidade da representação e do aprofundamento do debate público.
Sobre este aspecto podemos entender que a presença dos cidadãos nos
espaços deliberativos ou consultivos é fundamental para enriquecer as
discussões sobre as políticas públicas a serem desenvolvidas e que essa
presença exerce certa pressão aos gestores públicos darem continuidade as
917

ações.
Página

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PIRACICABA

É nessa relação entre cumprimento legal pelos entes federativos e


controle social, que entidades da sociedade civil vêm buscando, sobretudo em
âmbito local, estabelecer parâmetros de atuação de atores políticos locais.
(MORGADO et al., 2013. p. 49). De forma geral o objetivo destas instituições é
em um primeiro momento promover avaliações sobre as ações governamentais
e divulgar estes dados para a população local.

Estas iniciativas, relativamente recentes, são conhecidas como


Observatórios. Possuem arranjos institucionais e enfoque diferentes, mas
algumas se articulam em rede, promovendo a troca de experiência e realização
de ações coordenadas. Podemos citar duas redes que promovem estas
iniciativas: “Observatório Social no Brasil” e “Rede Social Brasileira por Cidades
Justas e Sustentáveis” (MORGADO, et al., 2013. p, 50).

No Brasil, vem crescendo o número de observatórios que promovem


estes tipos de análise, e assim possibilitam aos cidadãos, uma ferramenta de
acompanhamento da gestão pública, acesso a informação e análises sobre
políticas públicas, promovendo a participação e controle social.

Sabendo que estas iniciativas promovem um amplo debate sobre as


questões de transparência pública, controle social e participação da sociedade
nas decisões públicas, vamos aprofundar o estudo sobre o funcionamento do
Observatório Cidadão de Piracicaba, que tem realizado ações no sentido de
fomentar esta cultura de participação na cidade e principalmente na fiscalização
das políticas públicas municipais.

DISCUSSÃO E RESULTADOS

1. Estudo de Caso : Observatório Cidadão de Piracicaba


918

1.1. Transparência em Piracicaba – Iniciativas da Gestão Pública


Página

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PIRACICABA

Piracicaba, de acordo com o censo realizado em 2010 pelo IBGE (Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística), possui 364.571 habitantes e, portanto,
deve divulgar em sítios oficiais da internet informações de interesse coletivo ou
geral produzidas pelos órgãos públicos da cidade. Esta obrigação está contida
na LAI art. 8º e parágrafos.

Desde a obrigação legal algumas medidas foram tomadas na cidade


visando oferecer maior transparência às contas públicas. Podemos citar a 1º
Conferência Municipal sobre Transparência e Controle Social (Consocial)
realizada em 2011, com o objetivo de fortalecer a interação entre governo e
sociedade, estimular a participação cidadã através do acompanhamento dos
trabalhos realizados pelos gestores públicos da cidade e fortalecimento da
democracia (PIRACICABA, 2011). O resultado desta Conferência foi a
elaboração de um documento contendo propostas para o município de promoção
da transparência pública e acesso à informação e aos dados públicos;
construção de mecanismos de controle social, engajamento e capacitação da
sociedade para o controle da gestão pública; estabelecimento a atuação dos
conselhos de políticas públicas como instâncias de controle, além da formulação
de diretrizes para a prevenção e combate a corrupção.

1.2. O Que é o Observatório Cidadão de Piracicaba

A vontade de promover a participação da sociedade nas atividades do


setor público e o esforço de realizar discussões anteriores e ações posteriores a
Conferência Municipal de Transparência e Controle Social em 2011, uma rede
de entidades formadas pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e
Agrícola (Imaflora), Centro de Apoio e Solidariedade à Vida (Casvi), Associação
de Recuperação Florestal da Bacia do Rio Piracicaba e Região (Florespi), Ordem
dos Advogados do Brasil de Piracicaba (OAB), Pastoral da Caridade (Pasca),
919

Oscip Pira 21 e Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”


Página

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(UNESP), formaram o Observatório Cidadão de Piracicaba, lançado em 5 de


dezembro de 2012.

O Observatório tem como objetivo instrumentalizar a sociedade para


melhor compreensão e participação dos processos decisórios locais e contribuir
para o monitoramento e aprimoramento das políticas públicas do município. Sua
atuação se dá em três eixos formados pelo Monitoramento das instituições
públicas e da qualidade de vida do município, por meio da geração de
informações, indicadores e análises; Elaboração de propostas para
aprimoramento das políticas e das instituições públicas; e Educação para a
participação e controle social.

Diante dessas linhas de atuação o Observatório sistematizou informações


e elaborou indicadores para três grandes temas: Transparência Pública,
Participação Social e Meio Ambiente. Esses indicadores em sua maioria
mostram informações coletadas a partir dos sites da Prefeitura municipal e suas
Secretarias, bem como dos portais de Transparência da Prefeitura e da Câmara
e portais do Serviço de Informação ao cidadão (SIC).

Na intenção de instruir a população sobre o andamento das ações do


poder executivo da cidade o Observatório ainda estabeleceu uma nova linha que
monitora o plano de governo do prefeito e sua execução, chamada de: De olho
nas Metas.

A participação social é um aspecto muito importante para a iniciativa,


desta forma foram realizados diversos cursos e palestras sobre as temáticas
trabalhadas, principalmente cursos aos conselheiros municipais, também
elaboradas análises sobre os indicadores estabelecidos e publicados em forma
de boletins com uma linguagem acessível para que as pessoas possam trabalhar
920

com as informações sem grandes dificuldades de entendimento. O Observatório


ainda elaborou uma cartilha de “Como participar do Orçamento Público em
Página

Piracicaba”. Todas essas publicações estão disponíveis e de fácil acesso no site


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www.observatóriopiracicaba.org, o que possibilita que mais cidadãos tenham


alcance às informações.

Em 2015 como complemento as atividades de monitoramento de políticas,


o Observatório lançou em parceria com a Rede Engajados, uma plataforma
online de participação chamada #EuVoto Piracicaba (acessível no link
www.euvotopiracicaba.org.br). Essa plataforma contém alguns projetos de lei
selecionados por critérios definidos a partir do potencial de impacto na qualidade
de vida da população, sustentabilidade e conservação ambiental, nos direitos
humanos e justiça, no desenvolvimento econômico do município e na
transparência e participação social nas decisões públicas.

Além desta nova plataforma o OCP em parceria com 11 entidades da


sociedade civil, participou em 2015 do Projeto Cidade Transparente coordenado
pelo Instituto Ethos e Amarribo Brasil. Este projeto pretendia avaliar os portais
de transparência e a existência de canais de participação para a população de
todas as capitais do Brasil, incluindo o Distrito Federal. Com essa iniciativa foi
produzido o Índice Cidade Transparente que permitiu comparar o grau de
transparência das diferentes capitais brasileiras.

O desenvolvimento das atividades do Observatório já trouxeram avanços


na publicação das informações pelas instituições públicas, principalmente no que
se refere transparência dos dados públicos, portanto, é interessante estabelecer
uma análise mais atenta ao tema de transparência pública e estabelecer uma
avaliação sobre a evolução deste tema diante dos estudos feitos e publicados
em forma de boletins pelo Observatório Cidadão de Piracicaba.

1.3. Os Boletins De Transparência Do Observatório Cidadão De


Piracicaba
921

Desde 2012, o Observatório Cidadão de Piracicaba promove uma


avaliação sobre a qualidade e a disponibilidade de informações contidas nos
Página

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Portais da Transparência da Câmara Municipal e da Prefeitura da cidade. Estes


boletins são importantes documentos sobre transparência, participação e
controle social, devido a alguns indicadores avaliativos estarem baseados na
legislação Federal e Municipal. São ao todo sete avaliações laboradas e
divulgadas que mostram a conduta transparente das instituições ao longo destes
anos. Os indicadores recebem avaliação “SIM” se o órgão atende integralmente
o parâmetro avaliado, “PARCIAL” se o indicador atende parcialmente o
parâmetro e “NÃO” se não atende o parâmetro. A seguir são apresentados os
indicadores, a evolução das avaliações e uma discussão sobre os resultados
apresentados.

1.4. Avaliação Da Câmara De Vereadores De Piracicaba

O Observatório realizou sete avaliações do portal de transparência da


Câmara de Vereadores entre novembro de 2012 e novembro de 2015. São ao
todo 20 indicadores avaliados, dentre os quais, alguns são exigidos por lei e
outros elaborados pelo Observatório, mas que ainda são importantes na
condução transparente da política local. A tabela 1 mostra o indicador, base legal
ou elaboração do OCP e os parâmetros avaliados.

Tabela 1 - Indicadores Câmara de Vereadores de Piracicaba

(continua)

INDICADOR BASE AVALIATIVA PARÂMETRO AVALIADO


Despesas fixadas Art. 48º da Lei Complementar Disponibilização das receitas e
Federal nº 101/2000 que despesas que constam no Plano
obriga a divulgação destas leis Plurianual (PPA), na Lei de
em meio eletrônico. Diretrizes Orçamentárias (LDO) e
na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Despesas Art. 7º, I, do Decreto Federal Disponibilização de informações
Detalhadas no 7185/2010 como valor do empenho, liquidação
e pagamento. Nº processo;
classificação orçamentária; pessoa
922

física ou jurídica beneficiada;


procedimento licitatório ou sua
Página

dispensa e bem fornecido.

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Despesas em tempo Art. 48º parágrafo único, II, da Atualização das despesas em
real Lei Complementar Federal no tempo real
131/2009 e o Decreto Federal
no 7185/2010.
Lista do patrimônio Indicador do Observatório Lista com o patrimônio público, com
os respectivos códigos dos objetos,
sob responsabilidade da Câmara
de Vereadores.
Contratos - Lei Federal no 12.527/2011, Disponibilização do número do
informações gerais Art. 8º, §1o, IV. contrato; datas; licitação; objeto;
nome do contratado e valores.
Contratos na íntegra Proposta aprovada pela 1ª Disponibilização, na íntegra, dos
Conferência Municipal sobre contratos de obras, serviços e
Transparência e Controle fornecimento de produtos.
Social de Piracicaba
(Consocial).
Licitações - Art. 7º, I, do Decreto Federal Disponibilização das informações
informações gerais no 7185/2010; Lei Federal no gerais relativas aos procedimentos
12.527/2011, Art. 8º, §1o, IV licitatórios.
Licitações - Proposta aprovada pela 1ª Disponibilização dos documentos
documentos na Conferência Municipal sobre licitatórios na integra relativos a
íntegra Transparência e Controle todas as fases.
Social de Piracicaba
(Consocial).
Lista de servidores Proposta aprovada pela 1ª Lista com os nomes dos servidores
Conferência Municipal sobre concursados, em cargos
Transparência e Controle comissionados e em funções
Social de Piracicaba gratificadas.
(Consocial).
Salários dos Indicador do Observatório Divulgação dos salários dos
servidores servidores com seus respectivos
nomes.
Declaração de bens O Art. 99º §2º, da Lei Orgânica Declaração de bens do início e final
dos Vereadores do município. do mandato dos Vereadores.
Relatórios em Art. 8º, §3º, IV par3, II, da Lei Possibilidade de gravação das
diversos formatos, Federal no 12.527/2011. informações em relatórios em
inclusive abertos e diversos formatos eletrônicos,
não-proprietários inclusive abertos e não
proprietários, tais como planilhas e
texto, de modo a facilitar a análise
das informações.
923

Existência de um Indicador do Observatório Existência de um Manual que


manual do Portal. explique e oriente o acesso as
diferentes informações existentes
Página

no Portal.

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Proposituras Indicador do Observatório Divulgação das proposituras


apresentadas por apresentadas por vereador
vereador
Despesas dos Resolução nº 11 de 07 de Divulgação das despesas dos
gabinetes Junho de 1999 da Câmara de gabinetes de cada Vereador.
Vereadores.
(conclusão)

INDICADOR BASE AVALIATIVA PARÂMETRO AVALIADO


Tramitação das Indicador do Observatório Disponibilização das diferentes
proposituras proposituras com informações
sobre sua tramitação e pareceres
das comissões.
Presenças dos Indicador do Observatório Divulgação das presenças por
vereadores vereador e por sessão
Diárias e Viagens Indicador do Observatório Divulgação das diárias pagas pela
Câmara aos vereadores,
assessores ou funcionários com
discriminação do nome do
solicitante, data, local e motivo da
viagem.
Atas e pautas das Indicador do Observatório Disponibilização das Atas e Pautas
sessões das Sessões Ordinárias e
Extraordinárias da Câmara de
Vereadores.

Fonte: Observatório Cidadão de Piracicaba

1.5. Evolução dos Resultados da Avaliação do Portal da


Transparência da Câmara de Vereadores

Podemos observar através, do Gráfico 1, que apresenta as porcentagens


das avaliações realizadas pelo OCP entre 2012 e 2015. Até novembro de 2014,
os indicadores avaliados como “SIM” se mantiveram abaixo dos 50%, o que
demonstra insatisfatoriamente que a instituição em questão não cumpria nem
metade dos compromissos de transparência. Mas em novembro de 2015, há
uma melhora significativa subindo para 75% a avaliação de cumprimento dos
indicadores, o que demonstra um esforço e um compromisso positivo da Câmara
924

em atender os indicadores e aumentar a transparência da casa legislativa. Essa


Página

melhora pode ser entendida como uma valorização por meio da instituição, da

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importância em estabelecer uma relação mais transparente com os dados


públicos, adequação à legislação e também podemos supor que houve
mudanças internas na gestão das informações.

Gráfico 1 – Evolução das Avaliações do Portal de Transparência da Câmara


de Vereadores

Fonte: Observatório Cidadão de Piracicaba

A Figura 1 apresenta em detalhes a última avaliação separando quais


indicadores são cumpridos integralmente, parcialmente e quais não são
atendidos.
925
Página

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Figura 1 - Detalhes da Avaliação da Câmara de Vereadores Nov/1

Fonte: Observatórios Cidadão de Piracicaba51

Notamos que informações importantes ainda não são cumpridas pela


Câmara, por exemplo, a divulgação das despesas em tempo real, indicador que
possui obrigação legal e que na última avaliação permanecia como não
cumprido. A lista do patrimônio é disponibilizada, mas com informações
incompletas e não detalhadas, o que dificulta sua correta identificação. A
divulgação dos votos, nesta última avaliação, está como um critério não
atendido, mas após as constatações do OCP a Câmara passou a disponibilizar
esta informação e já é possível acessar um documento com estes dados no
portal.
926

51
Boletim disponível em: <http://www.observatoriopiracicaba.org.br/share/acervo/Observat%C3%B3rio%20-
Página

%20Boletim%2010%20-%20Transpar%C3%AAncia%20da%20C%C3%A2mara%20de%20Vereadores26-11-
15-04-39-06.pdf>
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1.6. Avaliação da Prefeitura Municipal de Piracicaba

O Observatório também realizou sete avaliações do Portal da


Transparência da Prefeitura de Piracicaba. Ao todo são avaliados 16 indicadores
do órgão. Esse número é menor em relação à Câmara, pois alguns indicadores
cabem apenas a aquele órgão, como exemplo, divulgação dos votos e presença
em sessões parlamentares. A Tabela 2 mostra um resumo dos indicadores
avaliados, a base legal e o parâmetro utilizado.

Tabela 2 - Indicadores Prefeitura de Piracicaba

(continua)
INDICADOR BASE AVALIATIVA PARÂMETRO AVALIADO

Receitas previstas e Art. 48º da Lei Disponibilização das receitas


despesas fixadas Complementar Federal nº e despesas que constam no
101/2000. Plano Plurianual (PPA), na
Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e na
Lei Orçamentária Anual
(LOA).
Repasses a entidades da Lei Federal no 12.527/2011, e Divulgação de informações
sociedade civil proposta aprovada pela 1ª gerais sobre repasses de
Conferência Municipal sobre recursos públicos a entidades
Transparência e Controle da sociedade civil.
Social de Piracicaba
(Consocial)
Despesas detalhadas Art. 7º, I, do Decreto Federal Disponibilização de
no 7185/2010 informações como valor do
empenho, liquidação e
pagamento. Nº processo;
classificação orçamentária;
pessoa física ou jurídica
beneficiada; procedimento
licitatório ou sua dispensa e
bem fornecido
Despesas em tempo real Art. 48º parágrafo único, II, Atualização das despesas em
da Lei Complementar Federal tempo real
no 131/2009 e o Decreto
Federal no 7185/2010.
927

Lista do patrimônio Indicador do Observatório Lista com o patrimônio


público, com os respectivos
Página

códigos dos objetos, sob

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responsabilidade da
Prefeitura Municipal.

Obras públicas Lei Federal nº 12.527/2011. Disponibilização de dados


gerais para o
acompanhamento das obras
públicas.
Imóveis alugados Proposta aprovada pela 1ª Disponibilização da lista de
Conferência Municipal sobre imóveis alugados pela
Transparência e Controle Prefeitura Municipal, com a
Social de Piracicaba discriminação da Secretaria,
(Consocial), realizada em destinação, endereço,
2011. proprietário do imóvel e valor
do aluguel.
Contratos na íntegra Proposta aprovada pela 1ª Disponibilização, na íntegra,
Conferência Municipal sobre dos contratos de obras,
Transparência e Controle serviços e fornecimento de
Social de Piracicaba produtos.
(Consocial).
Contratos – informações Lei Federal no 12.527/2011, Disponibilização do número
gerais Art. 8º §1º, IV. do contrato; datas; licitação;
objeto; nome do contratado e
valores
Licitações - informações Art. 7º, I, do Decreto Federal Disponibilização das
gerais no 7185/2010; Lei Federal no informações gerais relativas
12.527/2011, Art. 8º, §1o, IV aos procedimentos
licitatórios.
Licitações - documentos na Proposta aprovada pela 1ª Disponibilização dos
íntegra Conferência Municipal sobre documentos licitatórios na
Transparência e Controle integra relativos a todas as
Social de Piracicaba fases.
(Consocial).

(conclusão)
INDICADOR BASE AVALIATIVA PARÂMETRO AVALIADO

Lista de servidores Proposta aprovada pela 1ª Lista com os nomes dos


Conferência Municipal sobre servidores concursados, em
Transparência e Controle cargos comissionados e em
Social de Piracicaba funções gratificadas.
(Consocial).
Salários dos servidores Indicador do Observatório Divulgação dos salários dos
928

servidores com seus


respectivos nomes.
Página

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MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO BISCALCHIM
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PIRACICABA

Declaração de bens do Art. 32º, III, e os artigos 130 e Declaração de bens do início
Prefeito, Vice-prefeito, 137 da Lei Orgânica do e final do mandato do
Secretários e Presidentes município. Prefeito, Vice-prefeito,
de Autarquias Secretários e Presidentes de
Autarquias.
Relatórios em diversos Art.8º, §3º, IV, II, da Lei Possibilidade de gravação
formatos, inclusive abertos Federal no 12.527/2011. das informações em
e não-proprietários relatórios em diversos
formatos eletrônicos,
inclusive abertos e não
proprietários, tais como
planilhas e texto, de modo a
facilitar a análise das
informações.
Existência de um manual Indicador do Observatório Existência de um Manual que
do Portal explique e oriente o acesso
as diferentes informações
existentes no Portal.

(continua)

INDICADOR BASE AVALIATIVA PARÂMETRO AVALIADO

Receitas previstas e Art. 48º da Lei Disponibilização das receitas


despesas fixadas Complementar Federal nº e despesas que constam no
101/2000. Plano Plurianual (PPA), na
Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e na
Lei Orçamentária Anual
(LOA).

Repasses a entidades da Lei Federal no 12.527/2011, e Divulgação de informações


sociedade civil proposta aprovada pela 1ª gerais sobre repasses de
Conferência Municipal sobre recursos públicos a entidades
Transparência e Controle da sociedade civil.
Social de Piracicaba
(Consocial)

Despesas detalhadas Art. 7º, I, do Decreto Federal Disponibilização de


no 7185/2010 informações como valor do
929

empenho, liquidação e
pagamento. Nº processo;
Página

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MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO BISCALCHIM
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classificação orçamentária;
pessoa física ou jurídica
beneficiada; procedimento
licitatório ou sua dispensa e
bem fornecido

Despesas em tempo real Art. 48º parágrafo único, II, Atualização das despesas em
da Lei Complementar Federal tempo real
no 131/2009 e o Decreto
Federal no 7185/2010.

Lista do patrimônio Indicador do Observatório Lista com o patrimônio


público, com os respectivos
códigos dos objetos, sob
responsabilidade da
Prefeitura Municipal.

Obras públicas Lei Federal nº 12.527/2011. Disponibilização de dados


gerais para o
acompanhamento das obras
públicas.

Imóveis alugados Proposta aprovada pela 1ª Disponibilização da lista de


Conferência Municipal sobre imóveis alugados pela
Transparência e Controle Prefeitura Municipal, com a
Social de Piracicaba discriminação da Secretaria,
(Consocial), realizada em destinação, endereço,
2011. proprietário do imóvel e valor
do aluguel.

Contratos na íntegra Proposta aprovada pela 1ª Disponibilização, na íntegra,


Conferência Municipal sobre dos contratos de obras,
Transparência e Controle serviços e fornecimento de
Social de Piracicaba produtos.
(Consocial).
930
Página

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PIRACICABA

Contratos - informações Lei Federal no 12.527/2011, Disponibilização do número


gerais Art. 8º §1º, IV. do contrato; datas; licitação;
objeto; nome do contratado e
valores

Licitações - informações Art. 7º, I, do Decreto Federal Disponibilização das


gerais no 7185/2010; Lei Federal no informações gerais relativas
12.527/2011, Art. 8º, §1o, IV aos procedimentos
licitatórios.

Licitações - documentos na Proposta aprovada pela 1ª Disponibilização dos


íntegra Conferência Municipal sobre documentos licitatórios na
Transparência e Controle integra relativos a todas as
Social de Piracicaba fases.
(Consocial).

(conclusão)

INDICADOR BASE AVALIATIVA PARÂMETRO AVALIADO

Lista de servidores Proposta aprovada pela 1ª Lista com os nomes dos


Conferência Municipal sobre servidores concursados, em
Transparência e Controle cargos comissionados e em
Social de Piracicaba funções gratificadas.
(Consocial).

Salários dos servidores Indicador do Observatório Divulgação dos salários dos


servidores com seus
respectivos nomes.

Declaração de bens do Art. 32º, III, e os artigos 130 e Declaração de bens do início
Prefeito, Vice-prefeito, 137 da Lei Orgânica do e final do mandato do
Secretários e Presidentes município. Prefeito, Vice-prefeito,
de Autarquias Secretários e Presidentes de
Autarquias.
931
Página

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MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO BISCALCHIM
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PIRACICABA

Relatórios em diversos Art.8º, §3º, IV, II, da Lei Possibilidade de gravação


formatos, inclusive abertos Federal no 12.527/2011. das informações em
e não-proprietários relatórios em diversos
formatos eletrônicos,
inclusive abertos e não
proprietários, tais como
planilhas e texto, de modo a
facilitar a análise das
informações.

Existência de um manual Indicador do Observatório Existência de um Manual que


do Portal explique e oriente o acesso
as diferentes informações
existentes no Portal.

Fonte: Observatório Cidadão de Piracicaba

1.7. Evolução dos Resultados das Avaliações do Portal da


Transparência da Prefeitura de Piracicaba

Conforme o Gráfico 2, podemos notar que o Portal de Transparência da


Prefeitura demonstrou uma melhora entre 2012 e 2013, no entanto, a partir de
2014 as avaliações positivas declinam, apontando que avanços na transparência
não possuem um processo linear.

Se notarmos as duas últimas avaliações, percebemos que o Portal se


manteve estagnado, ou seja, entre 2014 e 2015 não houve melhoras na
disponibilização dos dados no Portal. Além disso, podemos notar que a avaliação
positiva se manteve abaixo dos 50% em quatro avaliações, dentre as quais, as
duas mais recentes. O que demonstra uma negligencia na disponibilização de
informações por parte do órgão municipal.
932

No começo deste ano o MPF (Ministério Público Federal), publicou uma


Página

avaliação dos Portais de Transparência de 5,5 mil prefeituras brasileiras e, entre


TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL SOB O OLHAR DO MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO
OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE PIRACICABA BISCALCHIM
MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO BISCALCHIM
TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL SOB O OLHAR DO OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE
PIRACICABA

elas, Piracicaba. Nesta avaliação o município ficou na 274º posição estadual,


com nota de 5,4. Com esta avaliação insatisfatória, o MPF concedeu a Prefeitura
120 dias para adequar e divulgar as informações incompletas. Este prazo
prescreveu em abril deste ano, o Observatório Cidadão está aguardando a nova
avaliação do MPF e também realizará um novo boletim para averiguar o
cumprimento dos indicadores por parte da Prefeitura.

Gráfico 2 - Evolução das Avaliações do Portal de Transparência da


Prefeitura de Piracicaba

100%

80% 71% 69%


63% 63%
56% 56% 56%
60%
44% 44% 44%
38% 38%
40% 29% 31%

20%

0%
nov/12 mai/13 set/13 dez/13 mai/14 nov/14 nov/15
Sim Não e Parcial

Fonte: Observatório Cidadão de Piracicaba


933
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Figura 2 - Detalhes da Avaliação da Prefeitura de Piracicaba


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Fonte: Observatório Cidadão de Piracicaba52

De acordo com a última avaliação, indicadores que são obrigatórios por


lei não são cumpridos, vemos que as despesas detalhadas e contratos na
íntegra, não são cumpridos e que obras públicas, licitações, informações gerais
e na íntegra, são cumpridas parcialmente.
935
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52
Boletim disponível em: < Detalhes da Avaliação da Câmara de Vereadores Nov/15>
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CONCLUSÕES

Iniciativas como o Observatório Cidadão de Piracicaba cada vez mais se


fazem necessárias, pois atuam como uma forma de pressão social aos órgãos
públicos municipais, e também como formuladoras de políticas públicas mais
eficientes, além de promover a participação e o controle social. É nesse sentido
que desde 2012 o OCP promove a avaliação dos Portais de Transparência da
Câmara Municipal e da Prefeitura. Percebemos através das avaliações, que a
Câmara obteve expressiva melhora nos indicadores de transparência e
disponibilidade dos dados, o que revela um esforço positivo no trabalho
desenvolvido pelo OCP como pressão social por exigir maior transparência e no
mesmo sentido um esforço positivo da resposta da Câmara as avaliações e
vontade de mudança. Na última avaliação, a Câmara Municipal declarou em
reunião da mesa diretora com o membros do Observatório e publicou notícia no
próprio site, que pretende cumprir todos os indicadores avaliados pelo OCP, o
que reforça a ideia que estas avaliações realizadas pelo OCP se tornaram
referência para eles.

Já não podemos fazer tal afirmação com relação à Prefeitura, que desde
2012 não mostra resultados satisfatórios. Foi necessário que o Ministério Público
Federal realizasse uma avaliação, constatasse o que o OCP já demonstrava e
dar um deadline para que, o órgão que deveria ser exemplo de boas práticas,
elaborasse um novo portal de transparência e manifestasse a melhoria na
transparência da gestão pública municipal.

A transparência e o acesso à informação são essenciais para o


fortalecimento da democracia, prevenção e combate à corrupção e melhoria na
qualidade da gestão pública. Por esses motivos ela se faz tão importante.
936

Podemos perceber que existem os caminhos e obrigações legais para que


se exerça com eficiência a transparência, contudo também existe a falta vontade
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PIRACICABA

política em aplicá-las plenamente, dificultando o acesso dos cidadãos aos dados


públicos e prejudicando o controle social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, M. H. T.; CARNEIRO, L. P. Liderança Local, Democracia e Políticas


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Eficiência das Políticas Públicas? Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.
31, 1996.

BRAGA, M. V. de A. A auditoria governamental como instrumento de promoção


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Disponível em: <http://www.sgc.goias.gov.br/upload/arquivos/2011-
06/painel_44-155_156_157.pdf>. Acesso em: 20 maio 2016.

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Informação para Estados e Municípios. 1ª Edição. Brasília, 2013. Disponível
em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/transparencia-publica/brasil-
transparente/arquivos/manual_lai_estadosmunicipios.pdf>. Acesso em: 20 de
maio 2016.
937

FIGUEIREDO, V. da S.; DOS SANTOS, W. J. L. Transparência e controle social


Página

na administração pública. Temas de Administração Pública, v. 8, n. 1, 2013.


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MICHELLE CAMILLE BARRETO E BEATRIZ RENNO BISCALCHIM
TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL SOB O OLHAR DO OBSERVATÓRIO CIDADÃO DE
PIRACICABA

Disponível em: < http://seer.fclar.unesp.br/temasadm/article/view/6327 >.


Acesso em: 20 de maio 2016.

LESSA, R. A. Constituição Brasileira de 1988 como experimento de filosofia


pública: um ensaio. In: OLIVEN, R.G; RIDENTI, M.; BRANDÃO, G.M. (orgs.) A
Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Huceitec, ANPOCS, 2008.

MORGADO, R.P; ROMÃO, W. M; BEITUM, L.F.I; PALMIERI. R,H. A


Contribuição do Observatório Cidadão de Piracicaba para a transparência
pública e o acesso à informação no Município. Revista de Administração
Municipal. Rio de Janeiro, v. 58, nº 282, p. 48- 60. 2013.

PEREIRA, J. M. Governança pública e transparência no Brasil: evolução,


dificuldades e perspectivas. Revista de Administração Municipal. Rio de
Janeiro, v. 58, nº 282, p. 5- 17. 2013.

PIRACICABA. Piracicaba contra a corrupção. Prefeitura Municipal de


Piracicaba, Piracicaba, 2011. Disponível em: <
http://www.piracicaba.sp.gov.br/piracicaba+contra+a+corrupcao.aspx> Acesso
em: 20 maio 2016.

PIRES, V. Transparência, Participação e Orçamento Participativo: Reflexões a


partir do caso brasileiro. Temas de Administração Pública, Araraquara, v.4,
938

n.5, 2010. Disponível em:


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PIRACICABA

<http://seer.fclar.unesp.br/temasadm/article/view/6144>. Acesso em: 20 maio


2016.
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GRUPO DE TRABALHO 4
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GABRIELA DE JESUS D’AMARAL
ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DE SÃO PAULO 2013-2016

GRUPO DE TRABALHO 4 – GT4


GESTÃO, PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PÚBLICOS

ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DA CIDADE DE


SÃO PAULO 2013-2016

GABRIELA DE JESUS D’AMARAL

Bacharela em Gestão Ambiental pela


Universidade de São Paulo. Mestranda em
Gestão de Políticas pela Universidade de São
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Paulo. E-mail: gabriela.damaral@usp.br


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ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DE SÃO PAULO


GABRIELA DE JESUS D’AMARAL
2013-2016
GABRIELA DE JESUS D’AMARAL
ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DE SÃO PAULO 2013-2016

RESUMO

O Programa de Metas é um instrumento de gestão municipal que orienta a


atuação da prefeitura através de metas e objetivos estratégicos. Este trabalho
analisou a etapa de formulação do programa, com o objetivo de identificar seu
referencial teórico e para caracterizá-lo conforme as linhas teóricas de
planejamento. A metodologia consistiu em pesquisa bibliográfica, para
determinação do referencial teórico, e em pesquisa de campo, através de
entrevistas com atores participantes da formulação do programa. Os resultados
apontam que, apesar de não haver uma única linha teórica no qual o Programa
de Metas foi construído, muitas das metodologias adotadas derivaram da leitura
crítica do programa anterior. Por fim, são apresentadas as limitações da
pesquisa e possíveis rumos a serem tomados.

ABSTRACT

The Goal Program is a municipal management tool that guides the actions of the
city hall through goals and strategic objectives. This study analyzed the program
formulation stage, in order to identify their theoretical framework and to
characterize it as the theoretical lines of planning. The methodology consisted of
bibliographic research, to determine the theoretical and field research through
interviews with actors participating in the program design. The results show that
although there is no single theoretical framework in which the Goal Program was
built, many of the methodologies adopted derived from the critical reading of the
previous program. Finally, we present the limitations of the research and possible
directions.
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ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DE SÃO PAULO


GABRIELA DE JESUS D’AMARAL
2013-2016
GABRIELA DE JESUS D’AMARAL
ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DE SÃO PAULO 2013-2016

INTRODUÇÃO

O recente processo de globalização da economia brasileira impôs


transformações importantes nas estruturas sociais, urbanísticas e econômicas
de São Paulo, de tal modo que os instrumentos convencionais de planejamento
e gestão urbana parecem cada vez mais impotentes diante da realidade
construída (BRESSER-PEREIRA, 2001). Segundo a Secretaria Municipal do
Planejamento, Orçamento e Gestão (SEMPLA, 2002), “a falência dos
instrumentos tradicionais de planejamento está explícita na enorme parcela da
cidade considerada ‘ilegal’, ‘clandestina’, ‘informal’”. Portanto, torna-se
imprescindível inserir a discussão da cidade em um processo mais amplo de
planejamento.

O desafio atual consiste em investir na abertura do processo ao conjunto


de agentes do espaço urbano, tornando o processo mais participativo; e,
correndo paralelamente a isso, fixar uma série de diretrizes que orientem a
tomada de decisão dos planejadores da cidade. De acordo com a SEMPLA
(2002), a definição das diretrizes que darão suporte ao planejamento urbano não
deve mais ser projetada para um futuro distante, mas sim no sentido de
organizar, gerenciar, optar e estabelecer uma série de orientações estratégicas
a curto, médio e longo prazo. Essas diretrizes devem ser acordadas entre os
agentes do espaço urbano e estarem embasadas no conhecimento sobre essa
cidade, com os desafios concretos que ela apresenta. À medida que a
implementação das diretrizes se dá através do diálogo entre construtores e
usuários do espaço urbano, elas adquirem maior flexibilidade, dinamismo e
agilidade para serem implementadas, tornando, em última instância, o processo
mais democrático.
943

Os problemas de uma cidade com as dimensões de São Paulo exigem


soluções de várias naturezas, devendo convergir na direção de metas que só
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GABRIELA DE JESUS D’AMARAL
2013-2016
GABRIELA DE JESUS D’AMARAL
ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DE SÃO PAULO 2013-2016

serão alcançadas em longo prazo, mas que devem estar baseadas em cenários
atuais. Nesse sentido, a atual gestão municipal implantou o “Programa de Metas
da Cidade de São Paulo 2013-2016”, que estabelece 123 metas, agrupadas em
20 objetivos estratégicos, para atuação da prefeitura.

Visto isso, o presente trabalho pretende realizar uma análise da


construção do Programa de Metas 2013-2016, através da análise exploratória
das linhas teóricas sob as quais o programa está embasado. Para atingir seus
objetivos, o presente artigo encontra-se organizado da seguinte forma:
primeiramente, é apresentada a revisão bibliográfica acerca das linhas teóricas
que podem ter embasado a construção do Programa de Metas, vindo desde o
Planejamento Convencional até o Planejamento Estratégico e suas
(relativamente) novas vertentes, como o Planejamento Estratégico de Cidades,
Situacional, e com enfoque Participativo. Depois, são discutidos os resultados
obtidos com a pesquisa bibliográfica relacionados ao “Programa de Metas da
cidade de São Paulo 2013-2016”, apresentando uma análise da construção do
programa a partir das vertentes do planejamento estudadas. Por último, são
apresentadas as considerações finais com as limitações da pesquisa e possíveis
rumos a serem tomados.

DO PLANEJAMENTO CONVENCIONAL À NECESSIDADE DE NOVAS


ESTRATÉGIAS

O planejamento convencional pressupõe um ator que planeja, o Estado,


e um objeto passível de controle, que é o sistema social e econômico; sendo que
o primeiro pode ter controle sobre o segundo (DE TONI, 2009). Matus (1991)
observa que a planificação tradicional está enraizada nas correntes do
determinismo e do economicismo tecnocrático, que, por sua vez, estão
944

baseadas na teoria do controle do sistema por um agente. Portanto, ela se


inspira numa cultura funcionalista, dependente do Estado.
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Neste sistema, as variáveis envolvidas são previsíveis, pois são regidas


por leis e teorias já estabelecidas. As variáveis desconhecidas, ou não
controladas, não são consideradas importantes ou determinantes, não
apresentando um comportamento dinâmico (DE TONI, 2009). De acordo com De
Toni (2009), esse pensamento transmite uma aparente governabilidade, o que
leva à conclusão de que o sujeito que planeja tem o poder de controlar o sistema
e suas variantes, sem imprevistos. Portanto, a visão convencional de
planejamento destaca o tecnicismo, a normatização, o determinismo, a
impessoalidade, o apoliticismo e a neutralidade para predizer o futuro. Segundo
De Toni (2009), “não existe planejamento neutro”, uma vez que o ato de planejar
envolve como o próprio planejador enxerga o mundo, tal qual seus preconceitos
e suas concepções.

Para Schweizer (2008), o planejamento convencional é estático, pois


concebe o plano como um produto acabado, imutável. Traduzindo para o mundo
empresarial, isso significaria uma baixa competitividade e consequentemente,
negócios fracassados e perda de capital. Sobretudo a partir dos anos 60, o
planejamento estratégico surgiu em substituição do modelo anterior.

Cabe ressaltar que, na prática, a visão convencional e a visão estratégica


do planejamento não existam em “estado puro”, muito embora as instituições
públicas e educacionais tenham maior afinidade com o planejamento
convencional. Para De Toni (2009), somente é possível superar a visão
tradicional de planejamento através de uma mudança de postura governamental
e intelectual, que descarte modelos que almejem prever o futuro, enxergando-o
como consequência única e exclusiva do passado (numa relação de causa-
efeito), e que suponham controlar todas as variáveis e todos os agentes que
façam parte da realidade social e econômica.
945

Para Fernandes (2006), é do confronto entre a nova realidade e a passada


que se percebe a impotência dos planos convencionais para regular a evolução
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2013-2016
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dinâmica da cidade, evidenciando a necessidade de se reequacionar todo o


papel do planejamento.

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO: A INCORPORAÇÃO DOS CONCEITOS


DA GESTÃO EMPRESARIAL NO PLANEJAMENTO

O conceito de estratégia emergiu após a Segunda Guerra Mundial e logo


foi incorporado na política, no esporte e no mundo dos negócios (CHIAVENATO
& SAPIRO, 2003). Ansoff e Steiner foram os principais criadores dos modelos de
planejamento estratégico nos quais são baseadas as estratégias empresariais
até hoje (CHIAVENATO & SAPIRO, 2003). Eles buscavam uma forma de
planejamento mais flexível, devido ao dinamismo do ambiente externo.

Os princípios do planejamento estratégico, portanto, foram formulados


nas teorias da gestão empresarial, o que na época foi considerado uma novidade
metodológica para os instrumentos do planejamento convencional. Em 1984,
Drucker definiu planejamento estratégico como: “o processo contínuo de,
sistematicamente e com o maior conhecimento possível do futuro contido, tomar
decisões atuais que envolvem riscos; organizar sistematicamente as atividades
necessárias à execução dessas decisões e, através de uma retroalimentação
organizada e sistemática, medir o resultado dessas decisões em confronto com
as expectativas alimentadas”.

Portanto, o planejamento estratégico é um processo de formulação de


estratégias organizacionais, numa projeção de médio em longo prazo, que
regerão em qual sentido a organização irá seguir para atingir os resultados
esperados. Para Mintzberg et al. (2000), as estratégias implementadas são
decorrentes dos encontros das estratégias planejadas (ou seja, formalizadas nos
planos) com as que surgem durante o processo de implementação. Ainda,
segundo Mintzberg et al. (2000), algumas estratégias planejadas não se
946

realizarão. Isso ocorre muitas vezes devido à inflexibilidade dos planos


estratégicos.
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2013-2016
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Visto isso, deve ser feita uma análise do contexto organizacional, com o
intuito de maximizar resultados e minimizar deficiências. Para realizar esse
diagnóstico, o modelo mais amplamente difundido nas empresas é a análise
SWOT, ou modelo de Harvard. A matriz SWOT consiste na análise dos pontos
fortes (Strengths) e fracos (Weakness) da organização e das oportunidades
(Opportunities) e ameaças (Threats) do ambiente externo (CHIAVENATO &
SAPIRO, 2003).

Após a recessão no início da década de 1980, o “novo” modelo de


planejamento começou a sofrer críticas e passou por reformulações. As críticas
ao planejamento estratégico no setor privado foram seguidas por uma adaptação
da metodologia nas instituições públicas e no terceiro setor (CHIAVENATO &
SAPIRO, 2003). Atualmente, a grande mudança no planejamento estratégico
executado nas empresas está no fato de este ser realizado continuamente,
deixando de utilizar projeções para um, cinco ou dez anos; apresenta maior
flexibilidade e adaptabilidade às variações do mercado; e abandonou o
monopólio da alta direção para se tornar competência de todos os membros da
organização (CHIAVENATO & SAPIRO, 2003).

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE CIDADES

As metrópoles, que antes funcionavam como centros da produção


industrial e das transações comerciais, adquiriram novas funções: comando e
controle da economia mundial; centros financeiros e sedes de empresas de
serviços transnacionais; berço da produção de inovações e tecnologia;
mercados consumidores dos produtos das inovações ali produzidas (SEMPLA,
2002). Essa realidade surgiu de modo imperativo e esmagador, sufocando as
antigas funções da cidade. Assim, o desenvolvimento urbano passou a se
947

confrontar com a nova realidade, que exige uma resposta mais eficaz e rápida
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por parte dos instrumentos vigentes, sob pena de estes não assegurarem um
desenvolvimento sustentado.

O Planejamento Estratégico de Cidades, sobretudo após os anos 90,


impulsionou a concorrência entre as cidades por investimentos (VILLAÇA, 2005).
Dentro dessa perspectiva, o uso da propaganda, do marketing, da iniciativa
privada e da visão empresarial se tornam imprescindíveis para promover a
competitividade urbana. Para Fonseca e Ramos (2006), os princípios
metodológicos do planejamento estratégico apresentam o perfil adequado para
reformular o planejamento convencional e responder à complexificação dos
fenômenos econômicos, sociais, culturais e tecnológicos, indutores de
incertezas e de mudanças aceleradas. Os autores acreditam que o planejamento
estratégico deve ser entendido como uma inovação no processo de
planejamento territorial, dirigido pelos atores locais mais influentes, tendo em
vista a identificação e programação de objetivos e metas que possibilitem o
desenvolvimento do território (FONSECA & RAMOS, 2006).

O Planejamento Estratégico de Cidades visa o desenvolvimento local e o


distanciamento do território face aos seus concorrentes. Para alcançar esse
objetivo, efetua um diagnóstico interno e externo dos pontos fortes e fracos do
território, baseado na análise SWOT (análise das Forças, Fraquezas,
Oportunidades e Ameaças). A partir da identificação dos problemas e das
potencialidades, o Planejamento Estratégico de Cidades procura definir metas e
objetivos para alcançar o desenvolvimento futuro. Apesar de não apresentar um
corpo metodológico rígido, uma vez que é moldado conforme as demandas
locais de cada território.

Já para Bitoun (2001), o fato de os planos estratégicos se apresentarem


como inovadores é uma falácia, pois nem sempre eles são capazes de romper
948

com o modo tecnocrático de planejar e com o caráter excessivamente normativo


dos planos diretores. Para o autor, os planos deveriam permitir a diminuição da
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distância entre planejamento e gestão, aproximando o primeiro da realidade da


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cidade, e afastando o segundo de ações imediatistas da administração cotidiana


dos conflitos urbanos. Porém existe a possibilidade de consolidar o conceito, as
tensões e discussões em torno de opções, prioridades e agendas, constituem as
correntes que reforçam o valor da construção e da criatividade em encontrar
metodologias, o que não ocorre com conceitos já estabelecidos e cidades em
que o planejamento já está tão consolidado que se torna monótono e sem
inovações.

Como bem lembra Bitoun (2001), planos estratégicos realizados em série


e sem questionamentos podem ser ocasiões perdidas para a construção de um
governo urbano menos distanciado da cidadania.

O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO-SITUACIONAL (PES) DE CARLOS


MATUS

O Planejamento Estratégico-Situacional – Método PES foi sistematizado


originalmente por Carlos Matus e refere-se à arte de governar (DE TONI, 2004).
Para Matus (1991), a arte de governar situa-se entre dois extremos: a certeza
absoluta e o puro azar. O primeiro extremo deriva da concepção tradicionalista,
no planejamento determinístico, que pressupõe o controle do sistema e de seus
agentes. Já o segundo extremo deriva de uma concepção de “ausência” de
planejamento, concebida pela própria falta de controle das variáveis. O
governante se situa na zona intermediária desses dois extremos, e sua
governabilidade, por sua vez, depende do grau de controle que possui sobre as
variáveis do sistema (MATUS, 1991).

Segundo Matus (1991), o princípio do PES é a teoria de um jogo


semicontrolado a serviço da prática racional da ação humana. Essa nova
proposta pressupõe um sistema social econômico formado por diversos agentes
949

que, por sua vez, possuem interesses conflitivos. Não existe apenas um sujeito
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que planeja, os demais agentes também podem desenvolver planos e

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estratégias. O diagnóstico é baseado em explicações situacionais e não existe


mais o conceito de previsibilidade: sempre haverá um componente de incerteza
no cálculo de planejamento.

O PES, portanto, não parte do pressuposto que existe apenas uma forma
de planejar, se destacando do planejamento convencional que concebe o plano
como um produto estático, imutável. Ele reconhece que as táticas de
planejamento estarão inseridas em um ambiente complexo, dinâmico, com
interesses e opiniões diversas, e, por isso, o plano deve acompanhar essa
realidade. Mais do que um produto elaborado a partir das melhores técnicas de
planejamento e das teorias científicas mais bem aceitas, o plano deve ser, antes
de tudo, fruto do conflito, da negociação e do consenso entre os atores sociais.

Para De Toni (2004), não há como determinar com exatidão a eficácia de


um plano, pois isso depende do grau de complexidade dos problemas sociais,
bem como o grau de governabilidade para resolver tais problemas. Ainda,
segundo Matus (1991), a eficácia do plano depende da eficácia do plano dos
outros atores. Ou seja, é necessário que haja um consenso entre os interesses
dos diversos agentes sociais, em prol da resolução dos problemas comuns.

O que o Planejamento Estratégico-Situacional – PES propõe de novo é


uma forma de planejamento baseada na capacidade pessoal e institucional de
governar – a “arte de governar” – que não detém o monopólio sobre o cálculo
estratégico e não pretende controlar o futuro, mas usa das explicações
situacionais e das negociações com os diversos atores sociais e econômicos
para formular planos estratégicos.

PERSPECTIVAS ATUAIS: PLANEJAMENO ESTRATÉGICO COM ENFOQUE


PARTICIPATIVO
950

Dentro do processo de planejamento, a participação muitas vezes


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é encarada como uma forma de transmissão de informações das diretrizes


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políticas ou como um benefício do governo para os atores envolvidos. É verdade


que ela exalta o compromisso democrático com uma visão de futuro vinculada à
cidadania e sua identidade social e individual (DE TONI, 2009). Muito embora,
esse compromisso não seja executado na prática.

Segundo De Toni (2009), o planejamento estratégico com enfoque


participativo se estabelece na: (i) participação democrática, (ii) na autonomia do
indivíduo, (iii) na democratização do conhecimento e (iv) na práxis técnico-
política. Para ser efetiva, a participação deve rever a formação dos servidores
públicos, que por muitos anos foram capacitados nos “moldes” de uma visão
tradicionalista, determinística e burocrática.

Guerreiro (1999 apud DE TONI, 2009) afirma que o cerne da política e da


democracia está no governo por discussão, que consiste no processo contínuo
de debate e persuasão recíproca. Desse modo, é aberta a discussão para que
os servidores públicos e cidadãos exponham suas opiniões acerca do futuro das
instituições das quais fazem parte. Todavia, com a abertura de diálogo junto aos
servidores públicos e cidadãos, corre-se o risco de sofrer questionamentos e
críticas por parte deles, o que muitas vezes é entendido como um problema de
legitimidade e de direção do plano estratégico (DE TONI, 2009). Vale ressaltar
que o conflito faz parte do processo participativo, e a metodologia oferecida deve
buscar superar eventuais obstáculos gerados pela negociação, apoderando-se
desses conflitos para criar planos mais eficientes e eficazes.

Outro ponto importante a ser relevado, é a definição do papel de cada ator


dentro do contexto institucional e do processo de planejamento. Na visão
estratégica, não existe o monopólio do cálculo estratégico, isto é, não cabe
somente a um ator a formulação dos objetivos e metas organizacionais. Para De
Toni (2009), o planejamento estratégico com enfoque participativo pretende
951

consolidar-se como um instrumento de gerenciamento, visando a construção


coletiva de identidades democráticas no setor público. Para se alcançar isso,
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porém, é necessário que cada “parte” tenha a visão do “todo”.


ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DE SÃO PAULO
GABRIELA DE JESUS D’AMARAL
2013-2016
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ANÁLISE DO PROGRAMA DE METAS DE SÃO PAULO 2013-2016

A CONSTRUÇÃO DO PROGRAMA DE METAS 2013-2016

O Programa de Metas é um instrumento de gestão municipal previsto na


Emenda nº 30 da Lei Orgânica do Município, cuja elaboração e cumprimento
cabe ao Poder Executivo (SÃO PAULO, 2008). Conforme o art. 69-A da Lei
Orgânica do Município, o Programa de Metas deve ser apresentado em até 90
dias após a posse do Prefeito, e estar alinhado com o plano de governo
apresentado na campanha eleitoral e com as diretrizes do Plano Diretor
Estratégico (SÃO PAULO, 2008). O Programa de Metas 2013-2016, escopo
desse trabalho, foi apresentado pela atual gestão municipal dentro do prazo
estabelecido na lei, em março de 2013. Em abril de 2013, foram realizadas as
audiências públicas, conforme previsto no art. 69-A, parágrafo 2º, da Lei
Orgânica municipal (SÃO PAULO, 2008).

Conforme expressa Matus (1991): “a política exige compromissos que se


expressam com anúncios de resultados. Um plano é um compromisso que
anuncia resultados, ainda que tais resultados não dependam inteira ou
principalmente do cumprimento daqueles compromissos”. Nesse sentido, o -
Programa de Metas é uma ferramenta da gestão municipal para expressar os
compromissos assumidos junto à população durante a campanha eleitoral. Ele
explicita as prioridades da Prefeitura, promovendo uma maior abertura e diálogo
com a sociedade civil e estimulando o controle social através do monitoramento
das metas propostas.

De acordo com o então Coordenador de Planejamento da SEMPLA, os


objetivos referem-se ao que a Prefeitura deve buscar em termos de resultados,
mensuráveis por indicadores, e metas (ou metas-fim) aqueles produtos ou
serviços tangíveis pra população, os serviços que a Prefeitura produz; em outros
952

termos, indicadores de outcome e indicadores de output. A primeira versão do


Programa de Metas 2013-2016, apresentada em março de 2013, contava com
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100 metas associadas a 21 objetivos (PMSP, 2013). Após a realização das


audiências públicas, foram apresentadas 123 metas associadas a 20 objetivos,
resultando na versão final participativa do programa (PMSP, 2013a). As metas e
objetivos elaborados pelas secretarias foram organizadas em fichas, inspiradas
pela metodologia do PMI e PMBOK, da gestão de projetos (PMI, 2008).

De acordo com Schweizer (2008), um aspecto importante para o processo


de planejamento refere-se aos objetivos a serem estabelecidos e perseguidos,
bem como as metas a serem fixadas (SCHWEIZER, 2008). Portanto, o
planejamento está diretamente relacionado ao processo de tomada de decisões
dentro do município. Segundo o Coordenador de Planejamento da SEMPLA foi
realizada uma série de reuniões junto às equipes técnicas de cada secretaria,
que por sua vez se reuniam com o seu respectivo secretário, e também com o
gabinete do Prefeito até chegar à primeira versão do Programa de Metas. Em
suma, quem participou dessa primeira etapa foram as secretarias, as equipes
técnicas, a SEMPLA, e o gabinete do Prefeito.

Apesar de não haver uma única linha teórica sob o qual o Programa de
Metas 2013-2016 foi construído, muitas metodologias criadas derivaram da
leitura crítica em relação ao programa da gestão anterior, também chamado de
Agenda 2012 (PMSP, 2012). Uma das críticas era que haviam metas genéricas,
que iam mudando ao sabor do interesse político do momento. De acordo com a
equipe técnica da SEMPLA, foram feitas tentativas no sentido de corrigir ou
melhorar o que tinha sido feito antes. Além disso, o novo Programa de Metas
deveria apresentar metas tangíveis para a população e possuir resultados
quantificáveis.

Em suma, a construção do Programa de Metas se deu através das


seguintes etapas: (i) elaboração das metas e objetivos estratégicos pelas
953

secretarias (ii) criação dos indicadores de desempenho; (iii) definição das metas
junto ao Executivo; (iv) apresentação da primeira versão do programa; (v)
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audiências públicas; (vi) apresentação da versão final participativa.


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O PROGRAMA DE METAS E A PARTICIPAÇÃO SOCIAL

A etapa de audiências públicas foi iniciada no mês conseguinte à


apresentação do Programa de Metas 2013-2016 para a sociedade, em abril de
2013. Foram realizadas 31 audiências regionais nas subprefeituras, 03
audiências temáticas e uma geral na Câmara dos Vereadores de São Paulo,
totalizando 35 audiências públicas (SÃO PAULO, 2013a).

As audiências temáticas foram realizadas conforme os três eixos


temáticos constituintes do Programa de Metas: o primeiro eixo tratava do
“Compromisso com os direitos sociais e civis”; o segundo eixo, do
“Desenvolvimento econômico sustentável com redução de desigualdades”; e o
terceiro eixo 3, da “Gestão descentralizada, participativa e transparente”.

Ao todo, foram colhidas 9.489 propostas que foram organizadas e


sistematizadas pela SEMPLA. O grande volume de sugestões pode ser
resultado do método de discurso aberto nas audiências públicas, permitindo que
o cidadão discorra livremente sobre sua visão acerca das necessidades do
município, sem que a equipe técnica da Prefeitura induza ou direcione as falas.
E, por outro lado, por não haver frequentemente espaços para que a população
exponha suas ideias abertamente. Apesar dos números, somente a audiência
pública não permite atingir uma parcela significativa da população, participa
geralmente o cidadão que já possui algum tipo de engajamento político.

Nessa segunda etapa, os atores envolvidos foram os mesmos da etapa


anterior, acrescentados os cidadãos em geral que compareceram nas
audiências públicas, associações de bairro, líderes comunitários etc.

Como resultado do processo participativo, a versão final do Programa de


954

Metas 2013-2016 contemplou 20 objetivos e 123 metas, sendo criado um novo


objetivo e 28 novas metas (PMSP, 2013a). Em agosto de 2013, foi realizada uma
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nova rodada de audiências públicas para apresentar o produto final à população.


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No Programa de Metas 2013-2016, a participação social é bastante


enfatizada como legitimadora dos projetos e estratégias propostas (SÃO
PAULO, 2013a). A importância atribuída à participação social na construção do
programa municipal parte do pressuposto que “o plano estratégico supõe, exige,
depende de que a cidade esteja unificada, toda, sem brechas, em torno do
projeto” (Vainer, 2000 apud KLUG, 2005). Klug (2005), no entanto, questiona
qual o grau de participação e cidadania que está incorporada nos planos
estratégicos municipais no sentido de legitimar o processo de planejamento
urbano.

Nesse sentido, até que ponto as metodologias de participação social


incluem de fato as concepções dos cidadãos acerca do futuro da cidade, em qual
sentido ela deve crescer e evoluir, e quais as formas mais eficazes para se atingir
os resultados esperados?

O PROGRAMA DE METAS E AS ARTICULAÇÕES TERRITORIAIS

Além de apresentar um panorama de metas e objetivos estratégicos, o


programa também se articula em cinco eixos territoriais. As articulações
territoriais ressaltam duas exigências previstas na Emenda 30 da Lei Orgânica
do Município: a regionalização das metas e o alinhamento com o Plano Diretor
Estratégico em vigência (SÃO PAULO, 2008). Em contrapartida, o Programa de
Metas também foi incluso na proposta do novo Plano Diretor Estratégico, em um
capítulo específico referente à gestão democrática municipal (PMSP, 2013a). Ou
seja, existe um esforço para que os instrumentos da gestão municipal
“conversem” entre si.

Segundo a PMSP (2013a), o desdobramento do Programa de Metas em


articulações territoriais objetiva regular a produção privada do território urbano e
955

consolidar os instrumentos para uma gestão pública mais democrática.


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O PROGRAMA DE METAS E AS DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS

De acordo com a Emenda nº 30 da Lei Orgânica do Município, o Programa


de Metas deve dialogar com outros quatro instrumentos previstos na legislação
brasileira: o Plano Diretor Estratégico (PDE); a Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO); o Plano Plurianual (PPA); e a Lei Orçamentária Anual (LOA) (SÃO
PAULO, 2008). Os três últimos referem-se ao ciclo orçamentário municipal.

Em São Paulo, assim como no resto do Brasil, o ciclo orçamentário é


baseado na legislação. Assim, as propostas elaboradas pelo poder Executivo
municipal dependem da aprovação do Legislativo para então serem executadas.
Cabe ressaltar que o poder Legislativo é composto por parlamentares de
diversos partidos, muitas vezes de correntes ideológicas e políticas contrárias a
da situação.

Além disso, o Plano Plurianual (PPA) possui um recorte temporal distinto


do Programa de Metas e do mandato do Prefeito. O novo PPA, por exemplo, é
válido de 2014 a 2017, enquanto o Programa de Metas e o mandato do Prefeito
se estendem de 2013 a 2016. Sendo assim, o primeiro ano de qualquer mandato
deve submeter-se ao orçamento aprovado durante a gestão anterior.

Conforme mencionado anteriormente, a novidade da atual gestão é abrir


o diálogo entre os instrumentos de planejamento municipais. De acordo com o
Coordenador de Planejamento da SEMPLA, quando da elaboração do PPA
2014-2017, foi feita uma correspondência entre a estrutura do PPA e o Programa
de Metas, adequando os programas e projetos do primeiro às metas e objetivos
do segundo.

Para o Coordenador de Planejamento da SEMPLA, é fato que o


Programa de Metas 2013-2016 não está inteiramente contemplado no PPA
2014-2017, e vice-versa, mas de certa forma os programas e projetos foram
956

formulados visando o cumprimento das metas.


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Outro aspecto é a regionalização das metas e do orçamento. Nas


gestões passadas, com o desenvolvimento de um orçamento “em bloco” não era
possível distinguir onde os projetos e programas da Prefeitura seriam realizados.
Com o Programa de Metas e o PPA regionalizados é possível verificar onde
estão sendo realizados os investimentos. Isso aumenta a transparência das
metas e projetos da Prefeitura e permite um maior controle social quanto ao
cumprimento dos mesmos.

OS INDICADORES DE DESEMPENHO DO PROGRAMA DE METAS

A construção dos indicadores de desempenho foi organizada pela


Coordenadoria de Estudos Econômicos da Secretaria de Planejamento. De
acordo com a equipe técnica da SEMPLA, muitos dos indicadores utilizados já
eram previstos na legislação ou utilizados pelas próprias secretarias para medir
o desempenho interno. Entretanto, eles não eram suficientes. Durante a
elaboração do Programa de Metas, foi discutido junto às secretarias a criação de
novos indicadores, para acompanhar a evolução de cada objetivo, bem como
para mensurar os resultados alcançados.

Conforme relatado pelo Coordenador de Planejamento da SEMPLA, a


PMSP possui secretarias com culturas fortes de mensuração de resultados,
como as Secretarias de Saúde e de Educação, e outras que ainda estavam
construindo seus modelos de desempenho interno. Visto isso, foi criado então
um Comitê de Indicadores, coordenado pela SEMPLA, que culminou no
“Observatório Cidadão Nossa São Paulo”, lançado oficialmente em janeiro de
2015 (PMSP, 2015). O Programa de Metas 2013-2016 apresenta três
categorias de indicadores de desempenho: (i) indicadores de resultados
esperados; (ii) indicadores de acompanhamento; e (iii) indicadores em
957

construção.
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Os indicadores de resultados esperados tem origem, sobretudo, nos


diversos compromissos e acordos dos quais a Prefeitura é signatária, que
exigem que ela mantenha o monitoramento de indicadores nas mais diversas
áreas. Para citar alguns deles: indicadores da Rede Nossa São Paulo,
Indicadores do Milênio, Cidade Amiga do Esporte, entre muitos outros (PMSP,
2015).

Os indicadores de acompanhamento, por sua vez, servem para


acompanhar a evolução das metas, conforme seu desenvolvimento, mesmo
antes de se alcançar os resultados esperados.

Por fim, muitos indicadores ainda estão sendo desenvolvidos pelas


secretarias (sobretudo pelas secretarias que não possuíam a “cultura” de
avaliação de desempenho) ou ainda não estão prontos para serem divulgados.
Considerando que para cada um dos 20 objetivos estratégicos deve existir um
indicador de desempenho correspondente, ainda existe um longo caminho a ser
percorrido no que tange o monitoramento e mensuração das metas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O planejamento é uma forma de determinar em qual sentido o município


vai se desenvolver: seguindo uma conduta racional, onde haja efetiva
capacidade de identificar problemas objetivamente, de analisar e identificar
necessidades e problemas, de integrar recursos e prever possíveis situações, de
experimentar inovações que tragam mudanças para o local e de buscar
qualidade de vida ao ambiente e à sociedade (SCHWEIZER, 2008).

Nesse sentido, o Programa de Metas deve dar a direção e garantir a


integração de todos os esforços para objetivos comuns e metas definidas com
958

absoluta clareza. E, portanto, deve ser visto e entendido como algo importante
não só aos técnicos que o elaboraram, mas também aos dirigentes que atuam
Página

na prefeitura e aos cidadãos. O Programa de Metas deve ser utilizado como um


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instrumento de gestão urbana e municipal, mas também como processo


compreensivo e participativo no qual pode dar-se o enfretamento dos diversos
conflitos acerca do uso e ocupação do solo e de seus recursos.

A incorporação da participação social dentro do processo de


planejamento reflete a necessidade de se consolidar o Programa de Metas como
um projeto da cidade de São Paulo como um todo, incluindo os cidadãos dentro
da construção dos instrumentos de planejamento urbano e das necessidades do
município. Esse novo paradigma, desconstrói a relação de Estado-sociedade
como fornecedor-receptor, onde cabia aos cidadãos somente demandar políticas
públicas e ao Estado fornecer obras e serviços, que remetem às relações
mercantis de oferta-demanda.

Todavia, também não pode ser atribuída à participação social a ideia de


“benesse” do Estado para os cidadãos. O processo participativo deve ser
entendido como um processo inerente da gestão pública, em que ambos os
lados ganham com a abertura do diálogo, a discussão dos projetos, a negociação
e a busca pelo consenso.

Cabe concluir que a construção do Programa de Metas 2013-2016 está


alinhado com as linhas teóricas do Planejamento Estratégico, sobretudo do
Planejamento Estratégico de Cidades e do Enfoque Participativo. Entretanto, é
sabido que as instituições públicas ainda são bastante influenciadas pelas
teorias do planejamento convencional, no que tange às rotinas burocráticas da
vida pública, o monopolitismo do Estado na criação de políticas públicas, o
aparente apoliticismo dos projetos, e o determinismo na execução dos projetos.

Vale ressaltar que este trabalho não pretende, de forma alguma, esgotar
o assunto, e que mais estudos são necessários para compreender a construção
dos instrumentos de planejamento urbano, considerando suas dimensões
959

políticas, econômicas, territoriais e sociais.


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EMANUELLE A. MOREIRA TEODORO
ATIVIDADE TURÍSTICA E CRESCIMENTO POPULACIONAL NA VILA DO ABRAÃO: NOVOS
DESAFIOS E VELHAS DEMANDAS PARA O PODER PÚBLICO

GRUPO DE TRABALHO 4 – GT4

SUSTENTABILIDADE, MEIO-AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

ATIVIDADE TURÍSTICA E CRESCIMENTO


POPULACIONAL NA VILA DO ABRAÃO: NOVOS
DESAFIOS E VELHAS DEMANDAS PARA O PODER
PÚBLICO

EMANUELLE A. MOREIRA TEODORO


Formanda em Políticas Públicas pela
Universidade Federal Fluminense. E-mail:
emanuellemoreira@id.uff.br
965
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ATIVIDADE TURÍSTICA E CRESCIMENTO POPUPLACIONAL


NA VILA DO ABRÃO: NOVOS DESAFIOS E VELHAS EMANUELLE A. MOREIRA TEODORO
DEMANDAS PARA O PODER PÚBLICO
EMANUELLE A. MOREIRA TEODORO
ATIVIDADE TURÍSTICA E CRESCIMENTO POPULACIONAL NA VILA DO ABRAÃO: NOVOS
DESAFIOS E VELHAS DEMANDAS PARA O PODER PÚBLICO

RESUMO

A Vila do Abraão trata-se de uma comunidade habitada dentro da Bahia da Ilha


Grande em Angra dos Reis – RJ. Atualmente essa Vila já consta com um índice
habitacional considerável, além do turismo que é o "carro chefe"
economicamente da Ilha. Episódios recentes divulgados na mídia, como o
assassinato de um turista norte-americano no último verão (2016), além das
queixas dos moradores devido ao grande acúmulo de lixo no local, do crescente
tráfico de drogas e da falta de outros serviços públicos, parecem reforçar uma
ideia de que está se tornando cada vez mais consolidada entre a população da
Vila, que um suposto incremento da atividade turística e o desordenado aumento
habitacional vêm crescendo mais rápido que a oferta dos serviços públicos
pleiteados no local. Deixando a sensação de negatividade em relação esse
aumento no cotidiano dos moradores das áreas de maior visitação, segundo a
percepção dos moradores.

ABSTRACT

The Village of Abraham it is an inhabited community in the Bahia Ilha Grande in


Angra dos Reis - RJ. Currently this village already included with considerable
housing index, as well as tourism that is the "flagship" of the island economically.
Recent episodes reported in the media, such as the murder of an American tourist
last summer (2016), in addition to complaints from residents because of the large
accumulation of waste at the site, the increasing drug trafficking and the lack of
other public services, seem reinforce an idea that is becoming increasingly
consolidated among the village population, a supposed increase of tourism and
966

the inordinate increase housing are growing faster than the supply of public
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services pleaded on site. Leaving the feeling of negativity towards the increase
ATIVIDADE TURÍSTICA E CRESCIMENTO POPUPLACIONAL
NA VILA DO ABRÃO: NOVOS DESAFIOS E VELHAS EMANUELLE A. MOREIRA TEODORO
DEMANDAS PARA O PODER PÚBLICO
EMANUELLE A. MOREIRA TEODORO
ATIVIDADE TURÍSTICA E CRESCIMENTO POPULACIONAL NA VILA DO ABRAÃO: NOVOS
DESAFIOS E VELHAS DEMANDAS PARA O PODER PÚBLICO

in the daily lives of the residents of the most visited areas, according to the
perception of residents.

INTRODUÇÃO

O impacto do crescimento habitacional e turístico sobre a realidade local


acarreta consigo uma gama de atividades que devem ser pensadas junto a tal
transformação. Toda a forma de desenvolvimento social gera uma série de
responsabilidades que devem ser pensadas durante seu período de
planejamento, pois irá afetar tanto o meio ambiente quanto a conjuntura
econômica e social como um todo.

A responsabilidade sobre tudo dos entes públicos é de fundamental


importância para que este crescimento se de maneira legal, de forma a não
prejudicar a atividade de vida dos moradores de determinada região. Os
processos de desenvolvimento local, sejam eles baseados no incremento do
turismo, da atividade industrial ou de qualquer outra forma de transformação das
atividades econômicas, suscita um acompanhamento do poder público local,
sobretudo no que diz respeito à disponibilização de serviços de tal sorte que a
qualidade de vida da população já residente não seja impactada negativamente

De acordo com os estudos preliminares desta pesquisa, o que ocorre é


que estes serviços não vêm acompanhando tal crescimento e com isso a
localidade estudada, vem apresentando uma transformação com certas
deficiências de serviços públicos, sobre tudo, no que tange à Segurança Pública
e aos demais serviços básicos, tendo em vista observável o crescimento
imobiliário na região.

Os possíveis descompassos que se apresentam entre a agenda política


local, o alcance dos serviços públicos e o crescimento da demanda em contextos
967

de crescimento econômico é um tema bastante amplo, cujo aprofundamento


Página

extrapola as dimensões do presente trabalho.


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DEMANDAS PARA O PODER PÚBLICO
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Neste sentido, busco me debruçar – num projeto de pesquisa ainda em


curso, há de se frisar - no caso específico da Vila do Abraão no município de
Angra dos Reis (Rio de Janeiro),tratando como um caso que guarda
semelhanças com outros processos de intensificação da atividade econômica e
crescimento populacional no interior do estado do Rio de Janeiro.

Este local foi escolhido devido sua importância e magnitude para


economia de toda a cidade, e que passou por um processo de transformação
após a crise em suas atividades, sobretudo a pesqueira e o presídio Cândido
Mendes que mantinham a comunidade local. Além de uma série de
acontecimentos como a abertura da estrada que interligava Rio- Santos/BR101,
a abertura da empresa de Barcas/ S.a, que facilitou seu processo de
turistificação que passou a ser a atividade predominante desta comunidade.

A cidade de Angra dos Reis é bem ampla em nível territorial contendo


aproximadamente 825km², e Composta por 6 distritos: Angra dos Reis, Abraão,
Cunhambebe, Jacuecanga, Mambucaba, e Praia de Araçatiba. (Angra dos Reis
(RJ). Prefeitura. 2010).

O Estado do Rio de Janeiro conta com 92 municípios e a cidade de Angra


dos Reis está em 15º nesse ranking se tratando de nível habitacional. De acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística último, durante o último
Censo realizado em 2010, Angra constava com 169.511 habitantes e com uma
estimativa de habitantes 188.276 para o ano de 2015. (IBGE 2013)53.

A escolha em estudar o distrito da Vila do Abraão, se deu pela curiosidade


em tratar de uma comunidade habitada dentro da Bahia da Ilha Grande. A utopia
idealizadora de uma comunidade em plena Bahia foi o que me despertou tal
interesse. Como veremos no decorrer da pesquisa, o Abraão ou Vila do Abraão,
968
Página

53
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=330010

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sofreu grandes transformações que modificaram sua conjuntura local, passando


de uma pequena vila de pescadores, reconhecida pela concentração das
Fabricas de Sardinhas e pela Construção do Presídio Candido Mendes na
década de 50, ao ano de hoje 2016 como um dos destinos turísticos mais
procurados pelos turistas nacionais e estrangeiros54.

Nos últimos quinze anos, tem-se observado na Ilha Grande, um intenso


processo de turistificação, e um aumento da população local, estimulados pelo
seu exuberante e diversificado quadro natural, e pelas oportunidades de trabalho
durante o período de alta temporada com a chegada do verão que se inicia após
a Primavera (aproximadamente no dia 21 de junho no Hemisfério Norte e 21 de
dezembro no Hemisfério Sul).

No entanto, este fenômeno tem despertado inúmeras preocupações


devido ao despreparo infraestrutural da Vila em receber um aumento significativo
de pessoas (COSTA, 2010). Despreparo este, que vai desde questões
ambientais, como de saneamento básico, de especulação imobiliária, à
segurança pública dos habitantes e turistas. Para entendermos melhor como
ocorreu esse aumento populacional na Vila do Abraão, irei retornar mais adiante
pela história da Vila para mostrar como e porque isso vem acontecendo.

E por fim, a proposta desta pesquisa é analisar se as Políticas Públicas


implementadas pela Prefeitura Local, vem crescendo de acordo com as
necessidades dos moradores e visitantes que compõem a Ilha. A fim de fazer
um alerta para os riscos que este crescimento dado de maneira desordenada
pode vir a causar para o meio ambiente e para a infraestrutura social e
econômica do local.
969

54 Dados retirados do site do Ministério do turismo em 28/05/2016


Página

http://www.dadosefatos.turismo.gov.br/system/modules/br.gov.turismo.dadosfatos/templates/home/home
_resultado_busca_geral.jsp?tagsNone=%20Destinos%20Visitados
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A TRAJETÓRIA HISTÓRICA E O PROCESSO DE TURISTIFICAÇÃO DA VILA


DO ABRAÃO

Angra dos Reis é um município brasileiro situado no sul do Estado do Rio


de Janeiro, que juntamente com Itaguaí, Mangaratiba, Paraty e Rio Claro,
compõem a Região Turística da Costa Verde localizada no litoral sul fluminense.
Angra conta com 365 ilhas que compõem seu litoral, formando a Bahia da Ilha
grande. A Vila do Abraão é um distrito da cidade e juntamente com as demais
ilhas compõe está Bahia.

O Abraão é a comunidade mais povoada da Ilha Grande e é a porta de


entrada para os turistas que visitam a região, além de ser a região de maior
atividade econômica da ilha. Sua enseada conta com quinze praias e cinco
ilhotas. Em linhas gerais, admite-se que são recursos naturais a maior motivação
de atração dos turistas.

A infraestrutura da Vila é composta por serviço básico de atendimento a


saúde, contém uma escola, serviço de coleta de lixo e um DPO, além de um
pequeno comércio composto por basicamente por mini- mercados, padarias,
farmácia, restaurantes, dentre algumas outras lojas de artigos em geral. No
entanto, o que mais se concentra na Ilha é a vasta quantidade de pousadas,
hostels e Campings , encontrados no local, que apesar da grande oferta, não
supre toda a procura durante as altas temporadas.

O processo de turistificação do local vem ocorrendo desde a década de


70 com a desativação do antigo Presídio Candido Mendes que funcionava no
970

local, além da abertura da Rodovia que interliga Rio a Santos, e com a abertura
da empresa de Barcas que facilitou o transporte para a Ilha. Para entendermos
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melhor como se deu este processo, e o momento exato de cada acontecimento,


faremos uma breve passagem pela história da Região.

Durante o século XVI, o seu quadro natural (composto por vegetação


densamente fechada e condições climáticas bastante adversas às europeias),
aliado aos residentes locais (os índios Tamoios), apresentou-se como forte
obstáculo à ocupação da Ilha, bem como do restante da região, conhecida
atualmente como Costa Verde. O uso desses atributos somente foi superado no
final do século XVIII, quando a Ilha foi inserida no ciclo econômico da cana de
açúcar e do café surgindo, assim, suas primeiras territorialidades materiais
como: lavouras, engenhos entre outras construções. Santiago (2009).

No século XIX, D. Pedro II visitou a Vila do Abraão e ficou encantado com


a natureza e tranquilidade do local.55 Resolveu, então, adquirir a Fazenda do
Holandês (hoje, Vila do Abraão e Dois Rios). Nesta fazenda foi construído o
Lazareto, que serviu de centro de triagem e quarentena para os passageiros
enfermos que chegavam ao Brasil (mais especificamente nos casos de cólera)
chegando a atender mais de quatro mil embarcações durante seus 28 anos de
funcionamento.

Mais tarde, em 1903, este Lazareto foi refuncionado como presídio


político. Este fixo exerceu sobre a Ilha uma nova centralidade, pelo fato de
convergir para a Vila do Abraão diversas atividades transformadoras do espaço
local. Em 1962, este arquétipo é novamente alterado devido à demolição do
antigo lazareto no governo Carlos Lacerda, ficando a Ilha voltada às
territorializações da Colônia prisional Candido Mendes até 1994, ano de sua
desativação. (SANTIAGO, 2010).
971
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55 http://www.ilhagrande.org/pagina/historia-do-abraao-ilha-grande
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Presídio Ilha Grande - Colônia Dois Rios

Outra atividade de extrema importância que funcionava na Ilha era a


pesqueira. Conjuntamente com o funcionamento do presídio na década de 50, a
pesca de sardinha era a então principal fonte de renda dos ainda poucos nativos
que habitavam a Ilha Grande. Em 1930, a Ilha contava com 20 fabricas de
sardinha e uma delas situada a Vila do Abraão, onde hoje funciona uma
pousada, localizada em frente ao Cais de entrada da Vila.

Com a escassez do pescado e criação das unidades de conservação a


partir de 1970 a pesca da sardinha entra em declínio na época em que o presídio
da Ilha Grande estava ativado, a Vila do Abraão era também uma vila dormitório
para os policiais que trabalhavam no Instituto Penal Cândido Mendes - IPCM.
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Antiga fábrica de Sardinhas da Vila do Abrão

Foto atual do Local56

Na década de 70, ocorre a abertura BR 101 - Rio Santos Santiago, (2010),


que propicia a ligação da Costa Verde com as Metrópoles Rio de Janeiro e São
Paulo. Neste período também é iniciado as primeiras políticas públicas em
função da preservação do meio ambiente e de um ainda singelo processo de
turistificação da Ilha.
973
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56
As Imagens divulgadas acima , são públicas retiradas do Google em 29/03/2016 às 23:45min.
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No entanto, esse processo se consolida no decorrer da década de 1990,


com a implantação dos serviços de transporte da empresa Barcas S.A. Com o
declínio da atividade pesqueira que absorvia parte da mão de obra existente na
Ilha e, principalmente pela desativação da Colônia Prisional Candido Mendes ,
que era responsável por causar certo repulso aos turistas. Daí pode-se apontar
os primeiros conflitos territoriais, dentro da dinâmica do turismo e do aumento
habitacional. Santiago, (2010).

Por apresentar melhor infraestrutura, fica sendo a Vila do Abrão o cartão


de visita para Ilha Grande. As antigas residências que abrigavam os funcionários
do extinto presídio, e o local onde funcionava a fábrica de sardinhas, foram se
transformando sua maioria em pousadas e outras formas de hospedagens para
receber o crescente número de turistas e visitantes. O Turismo passa então a
ser a principal fonte de renda dos moradores da Ilha Grande, e permanece assim
até os dias de hoje.

A partir de então, a Vila passa por um forte processo de urbanização,


associados ao aumento da especulação imobiliária e da rede hoteleira, que
demandaram uma nova infraestrura para a ilha.

RADICALIZAÇÃO DA ATIVIDADE TURÍSTICA E OBJETIVOS PRINCIPAIS


DA PESQUISA

Com o processo de turistificação, a comunidade local teve de se inserir na


nova conjuntura social, para atender as demandas de mão de obra. A partir de
então, a Vila passa por um forte processo de urbanização, associados ao
aumento da especulação imobiliária e da rede hoteleira, que demandaram uma
nova infraestrutura para a Ilha. Um processo semelhante ocorreu na cidade de
974

Paraty - RJ, como relata a autora Thais Lima, que nos traz atenção da seguinte
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ideia:
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“A população reconhece, também, a contribuição do


turismo para a geração de empregos e de renda na cidade.
O estudo revelou o turismo enquanto fator fundamental
para avanços em termos de desenvolvimento local e
inclusão social” (Lima, 2007, pag.6).

Esse crescimento demográfico tem despertado muitas preocupações,


desde questões ambientais devido a fragilidade dos ecossistemas da Ilha, às
questões de segurança pública, de saneamento básico, crescimento imobiliário
desordenado, favelização, crescente tráfico de drogas local, imigração ilegal,
dentre outros.

A justificativa deste trabalho dá-se na intenção de observar se, com esse


processo de turistificação e aumento populacional, as políticas públicas em
geral, na vila do Abraão, vêm acompanhando este processo. Quais danos,
sobretudo prejudiciais à comunidade, esse aumento turístico e habitacional
acelerado vem causando aos moradores? As políticas públicas atualmente
implantadas na Ilha vêm crescendo de acordo com as novas demandas da
conjunta atual da região? Essas são as questões que, pelo menos num primeiro
momento, guiaram a investigação descrita no presente trabalho.

Este trabalho busca perceber as expectativa da comunidade em relação


ao crescimento turístico e habitacional do local e investigar se as demandas por
eles pleiteadas tem fundamento legal, e em contrapartida verificar o que diz os
"Órgãos Públicos" responsáveis pelo fornecimento destes serviços em relação a
tal inquietude dessa comunidade.

A comunidade local deve ser preparada para crescer junto com os novos
empreendimentos e ignorar este fato é incoerente e prejudicial para todos. Com
975

isso, o presente estudo irá contribuir para que sejam tomadas iniciativas que
resultem na criação de indicadores sociais que auxiliem na criação e na
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implementação de políticas públicas que identifiquem ainda que os primeiros


sinais de conflitos e corrija-os ainda que precocemente.

No que se refere à metodologia da pesquisa, o estudo de caso


caracterizou-se como uma pesquisa documental, bibliográfica e de campo.
Devido a escolha do tema, em analisar o aumento populacional da vila do Abraão
e a necessidade de novas Políticas Pública para a região, utilizamos o método
qualitativo para a realização e levantamento de dados bibliográficos dessa
pesquisa, além da realização do trabalho de Campo, contanto com entrevistas
em profundidade, com moradores e entidades locais que contribuíram para a
veracidade dos dados abordados no decorrer da pesquisa.

Logo no inicio da pesquisa nos esbarramos em um obstáculo: a falta de


dados atualizados que pudessem comprovar esse aumento populacional,
turístico e quanto aos índices de violência na localidade. Com isso, fez-se
necessário dentre as metodologias trabalhadas, a necessidade da realização do
trabalho de campo.

O último Censo, realizado em 2010 no município de Angra dos Reis,


mostra o indicie demográfico da Vila do Abraão estimado em 1.971 habitantes.
No entanto, durante a visita de campo realizada recentemente no local, todos os
entrevistados (moradores, comerciantes e entidades públicas) afirmam que
esses números vêm crescendo de forma rápida, chegando a aproximadamente
entre 8mil à 10mil habitantes.

Muitos desses novos habitantes oriundos de outras regiões, sobretudo a


mais citada entre os entrevistados vindos do nordeste do Brasil. Além desse
aumento habitacional, temos o turismo que é o “carro chefe” economicamente
da Ilha, e que também acrescenta no aumento dos números quanto à população
976

flutuante do local. Com isso tem acentuado e gerado novos problemas sobre
tudo na área da segurança pública como: o aumento no tráfico de drogas local,
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a favelização dos morros, aumento do número de furtos e alguns casos ainda


que isolados de assassinatos, o crescente número de imigrantes que
permanecem ilegais na ilha, além da precária iluminação pública noturna que
propicia para a acentuação de alguns problemas.

Mas não fica somente na arena da Segurança, outras queixas moradores


e comprovadas durante o trabalho de campo, foram o descaso com saneamento
básico em geral, se tratando da Vila ter um grande número de pousadas,
residências e comércio. A coleta do lixo é outro problema muito reclamado pelos
moradores e durante a visita de campo, podemos comprovar um grande acúmulo
de lixo no local, a céu aberto.

Por se tratar de temas amplos, está pesquisa não se propôs a abordar as


demais áreas como Educação e Saúde, uma vez que são arenas muito
peculiares e que necessitam de um estudo mais especificado para cada uma.

MATERIAL ETNOGRÁFICO, DISCURSOS E TIPOS IDEAIS

O início desta pesquisa deu-se em função do cumprimento de uma


atividade da disciplina de Segurança Pública, do curso de Políticas Públicas da
Universidade Federal Fluminense. A visita de campo foi realizada em grupo
composto, por três estudantes, sendo estes: Emanuelle Moreira, Charles
Eleotério e Kelly Celiani, todos do 7º período.

No dia 03 de Maio de 2016 realizamos nosso primeiro trabalho de campo


na localidade da Vila do Abraão. Encontramo-nos no cais de Conceição de
Jacareí - Distrito do município de Mangaratiba e cidade vizinha ao município de
Angra dos Reis, de onde saem diversas embarcações em direção a Ilha Grande,
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e de lá tomamos um barco em direção ao nosso destino.


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Nosso primeiro impacto ao chegar à Vila se deu pela exuberância das


paisagens naturais que compõem a Ilha. Ao desembarcar no cais, nossa
segunda impressão foi a de não haver nenhum tipo de fiscalização de entrada e
saída de pessoas, materiais e embarcações, onde se nota que a entrada na Vila
do Abraão é livre e que qualquer pessoa, "brasileiro" ou "estrangeiro", em geral
pode circular livremente.

Foto: Kelly Celiani 03/03/2016 - Vila do Abraão.

Seguimos caminho em busca de conhecer os moradores locais. Nossa


primeira tentativa de abordagem não bem sucedida se deu através de um
caiçara, (como são denominados os nascidos das regiões litorâneas), que não
se disponibilizou de tempo nem interesse para conversar e responder algumas
de nossas questões.

Paramos para almoçar e aproveitamos a oportunidade para abordar o


garçom que nos atendeu e coincidentemente o mesmo era nativo do Abraão. Ao
comentarmos nosso motivo de visita a Ilha, nos apresentarmos como
pesquisadores da Universidade Federal Fluminense e dizemos o motivo de
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nossa visita na Ilha. Perguntamos então ao rapaz onde poderíamos encontrar


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moradores nativos da Ilha para que pudéssemos realizar nossas entrevistas.


Ficamos surpresos ao ouvir sua resposta:

“Aqui no Abraão vai ser muito difícil vocês encontrarem


algum morador nativo, pois a maioria que mora na Ilha não
são daqui. Os mais antigos estão indo embora por não
gostarem do crescente turismo na Ilha” - fala do garçom
que nos atendeu, morador, nativo da Vila.

Contrariando nossas pré-noções, não foi possível encontrar uma


quantidade substancial de moradores de longa data que pudessem argumentar
sobre o processo de “transformação” da Vila. Como saída, recorremos ao
recurso metodológico dos tipos ideais, proposto por Weber, para a análise dos
processos de dominação. Tal como afirmam Barbosa e Quintaneiro (2002:113)

Um conceito ideal é normalmente uma simplificação e


generalização da realidade. Partindo desse modelo, é
possível analisar diversos fatos reais como desvios do
ideal: Tais construções (...) permitem-nos ver se, em traços
particulares ou em seu caráter total, os fenômenos se
aproximam de uma de nossas construções, determinar o
grau de aproximação do fenômeno histórico e o tipo
construído teoricamente. Sob esse aspecto, a construção é
simplesmente um recurso técnico que facilita uma
disposição e terminologia mais lúcidas (WEBER, citado por
BARBOSA; QUINTANEIRO, 2002: 113).

Nossos tipos ideais serão analisados a partir de duas linhas de discursos


dos moradores da Vila, sendo uma linha classificada por nós como: otimistas/
979

tolerantes que enxergam no turismo uma atividade positiva, onde reconhecem a


importância do turismo economicamente para a sobrevivência da ilha, de onde
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é retirado seu sustento, argumentando que sem essa atividade, entrariam em


crise, observando também a importância do intercâmbio cultural para o
desenvolvimento da Vila.

A outra linha a ser trabalhada é aqui definida como pessimista/ nostálgica,


relacionada ao discurso daqueles que veem o crescimento tanto dos turistas
como dos moradores de forma negativa, que só trouxe problemas para a região,
onde tudo o que ocorre é culpa dos "turistas". Desde o aumento do tráfico de
drogas, ao acumulo crescimento tanto dos turistas como dos moradores de
forma negativa, que só trouxe problemas para a região, onde tudo o que ocorre
é culpa dos "turistas". Desde o aumento do tráfico de drogas, ao acumulo de lixo,
a desordem local, entre outros. E que valorizam a Ilha como era antes do
processo de turistificação, chegando a preferirem a época de funcionamento da
Colônia prisional, afirmando ter mais ordem, organização e menos violência no
local.

Seguimos então em busca de nossos entrevistados. Conseguimos


localizar uma jovem moradora da vila, estudante, 18 anos. Em seguida,
abordamos um senhor com aproximadamente 64 anos e, na sequência, um
comerciante da Ilha. Todos moradores da Vila. Os demais contatos que
realizamos não quiseram responder a uma entrevista, mas se propuseram a uma
conversa informal, sendo um deles uma entidade pública ambiental, e por último
um policial que trabalha em regime de escala na Ilha. A seguir veremos como se
deu cada entrevista.

Discursos dos moradores locais nativos

Segundo a jovem estudante de 18 anos entrevistada, notamos que seu


ponto de vista em relação ao turismo é positiva e negativa, no momento em que
980

o mesmo traria mais visibilidade para a Ilha e maior circulação de pessoas, como
observaremos em sua fala:
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“Aqui no Abraão, nós moradores não presenciamos muito


a ação da polícia desde que ela seja acionada. Geralmente
ela é acionada quando algum turista excede no uso do
álcool e acaba arrumando confusão. Mas eu gosto dos
turistas, eles movimentam a ilha e fortalecem nosso
comércio. As temporadas altas são muito animadas,
conhecemos pessoas de diversos lugares do mundo,
fazemos amizades e compartilhamos nossa cultura, além
de aprender um pouco da deles. As poucas coisas ruins
que eu vejo em relação aos turistas são com relação ao
uso de drogas livremente pelas ruas ou praias. Mas
acredito que não é culpa deles e sim da falta de
policiamento e fiscalização na ilha, porque durante os dias
normais também ocorrem tráfico de drogas inclusive,
temos até bocas de fumo já formadas ali no morro” -
Natália, estudante 18 anos, moradora nativa da Vila do
Abraão57.

Por outro lado, temos a percepção de um morador mais antigo, onde


podemos notar diversas contradições em relação ao ponto de vista do turismo,
que contradizem a fala da jovem anterior. Ele vê o turismo como um fator
determinante dos problemas existentes hoje na ilha. Segundo Ernesto:

“A minha visão aqui é que o turista não trouxe nada de bom.


Eles trouxeram muito lixo, assim como vocês podem ver aí.
Isso aqui não era assim não. Agora no carnaval mataram
um turista, na cachoeira. O presídio aqui era uma
segurança máxima, nós nos sentíamos muito protegidos,
981

os presos quando fugiam não faziam mal a ninguém. Tinha


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Os nomes dos entrevistados são fictícios , a fim de preservar a imagem de cada um.
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policiamento, era polícia toda hora, todos que vinham para


a ilha eram revistados e hoje em dia todos entram à
vontade, só essa guarda não dá conta, não. Eles entram
com tudo que têm direito aqui na ilha, não tem segurança
nenhuma. Aqui o serviço de policiamento é 2 por 4 em
revezamento. Todos nós sentimos falta de mais segurança
na ilha, mais vigilância, rondas policias durante a noite. Os
meninos que vendem artesanatos aqui são os que mais
arrumam problemas e ninguém os revista.”

“Quem traz mais problemas são esses hippies que vêm pra
cá, eles usam e trazem muita droga. Nossa prefeita que tá
aí, se ela veio aqui umas três ou quatro vezes no máximo,
foi muito. É muito descaso, eles nem sabem a real situação
que vivemos aqui, é só vocês verem o lixo acumulado ai
atrás de vocês, tudo exposto”.

“Se um meliante é pego, precisa ser levado para o cento


de Angra num barco normal junto com todos outros
passageiros. O policial só serve pra ficar sentado lá dentro
do posto de polícia. Não faz uma ronda e só atende quando
alguém vem chamar. Se tivesse mais policiamento seria
melhor pra dar umas corridas nesses morros aí, pois o que
não falta é boca de fumo. O presídio foi embora e a primeira
coisa que eles fizeram foi colocar boca de fumo aqui na
ilha. Aqui, agora cada semana chega um baiano diferente
e na semana seguinte chega toda a família e ficam em um
puxadinho no morro. Lá em cima, 90% do pessoal é tudo
982

de fora, por isso vem aumentando as casas no morro aqui.


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Os moradores mais antigos estão indo embora daqui, mas

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DEMANDAS PARA O PODER PÚBLICO
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DESAFIOS E VELHAS DEMANDAS PARA O PODER PÚBLICO

eu não vou embora daqui nunca, só saio daqui morto” –


José. 69 anos, morador nativo da Vila do Abraão.

A partir do ponto de vista do jovem comerciante entrevistado, podemos


notar que suas criticas e percepções relacionadas ao turismo e a segurança
pública da vila, são fatores que deveriam estar interligados, pois a Ilha
atualmente depende economicamente do turismo, com isso as autoridades
locais deveriam tomar as devidas previdências para fiscalizar este fluxo turístico
para que não ocorra os índices negativos que vem acontecendo. Segundo
Rafael:

“No ano passado mataram uma moradora aqui na ilha.


Geralmente, as maiores confusões acontecem nos
grandes eventos como réveillon, carnaval, festivais de
música etc. Esse ano (2016), o turismo caiu muito por conta
da violência e do lixo que fica exposto na ilha. A prefeitura
não tem feito coleta diária e o lixo acumula, formando essas
montanhas que estão ali fora. Antigamente, toda essa frete
de comércio era uma fabrica de sardinha. Hoje em dia,
economicamente, a ilha é movimentada pelo turismo”.

“Eu saio de casa para trabalhar às oito da manhã e volto


às dez da noite e não vejo um policial sequer na rua. Se
ocorre uma confusão, os policiais demoram cerca de meia
hora para chegar no local, mesmo com o DPO sendo a
cinco minutos daqui. Aqui na Vila não possui câmeras de
vigilância, nem vigias noturnos e nenhum tipo de
fiscalização quanto a entrada e saída de pessoas da ilha”.
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“A prefeita em época de campanha veio aqui e prometeu


milhões de projetos que nunca saíram do papel. Aqui na
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ilha tem se notado um aumento muito grande do numero


de argentinos ilegais que vem e não vão mais embora. Há
uns seis meses atrás, foi realizada uma operação pela
policia federal, civil e fiscais da prefeitura para fiscalizar
esses imigrantes e retirarem os que estão ilegais da ilha,
no entanto passa um tempo e eles voltam. Esses mesmos
imigrantes (hippies) que permanecem na ilha dão um ar
"feio" para o local o que acaba afastando o turismo.” –
Ricardo, 29 anos, comerciante, morador nativo.

Otimização dos dados coletados

Como podemos observar a partir das falas dos entrevistados, de uma


maneira geral o turismo teria seus pontos positivos e negativos. Dentre os
positivos, destacamos e classificamos o turismo como sendo o "carro chefe"
economicamente da Ilha. A grande maioria dos moradores da Ilha vive de
trabalhos relacionados ao turismo, além de o comércio ser mantido por essa
circulação de turistas, a troca de experiências culturais também é representada
dentre os pontos positivos, segundo os entrevistados.

Como pontos negativos relacionados ao turismo apontados pelos


moradores, temos em concordância entre todas as falas de que o turismo
fortalece o tráfico no local, que já conta com bocas de fumo instaladas. Além de
outros problemas situados, como o crescimento imobiliário desordenado que
acarreta em problemas desde a favelização dos morros a questões de
saneamento básico, e a precária coleta de lixo, que faz com que se acumule
"montoeiras" de lixo por dias, como podemos observar durante a visita de campo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da percepção dos moradores e do que foi apresentado acima,


podemos observar que esse crescimento demográfico principalmente
relacionado ao turismo e aos imigrantes tem despertado inúmeras
preocupações, desde questões ambientais devido à fragilidade dos
ecossistemas da Ilha, como o crescimento imobiliário desordenado, além de
questões de saneamento básico e coleta de lixo.

Não ficamos até escurecer na ilha para observarmos e podermos afirmar


a questão do livre comércio de drogas e da falha na iluminação pública, no
entanto, diante da comprovação desses fatos e das queixas relatadas pelos
moradores, concluímos que de fato há falhas no processo de implementação de
políticas públicas na Vila do Abraão, e que há a necessidade da elaboração de
novas medidas de fiscalização por parte do poder público local, caso contrário,
o que podemos prever em um curto período é o agravamento desses problemas.

Concluímos até o momento que as políticas públicas efetivas no local não


vêm acompanhando o crescimento populacional da ilha, aonde vem se
acentuando os problemas já existentes e propiciando a geração de problemas
futuros. Dentre as inúmeras soluções apontadas no decorrer da pesquisa para a
solução dos problemas citados, está a criação de políticas públicas com maior
fiscalização para ambas as áreas citadas, desde a ambiental até a de segurança
pública.

Arquivo de fotos da visita de campo


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Cais de entrada da Vila do Abrão 33º Batalhão de polícia da Vila do Abraão

Foto: Charles Eleotério [Ricardo, 29 anos, comerciante, morador nativo]


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Foto: Emanuelle Moreira [José, 69 anos, morador nativo da Vila do Abraão]

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rev. e amp. Belo Horizonte: UFMG, 2002.

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Ambientes de Atração Permanente: o exemplo da expansão do fenômeno do
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Gramma, 2010, p. 77-87.
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Grande. Tese (Doutorado em Construção Social do Meio Ambiente) –
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em 15/03/2016
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DADE%20NO%20(ECO)TURISMO%20DA%20ENSEADA%20DE.pdf Dados
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os/templates/home/home_resultado_busca_geral.jsp?tagsNone=%20Destinos
%20Visitados Dados consultados em 28/05/2016
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AÇÃO: OS
DISCURSOS DOS
MINISTROS DO
STF NO
JULGAMENTO DA
ADPF 186
[Subtítulo do documento]
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BRUNA CRUZ DE ANHAIA


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RESUMO

O artigo procura fazer uma descrição da legislação brasileira referente ao


financiamento da educação, retomando questões que foram revistas na
legislação mais recente e destacando pontos como a opção pela vinculação de
receitas na área, a criação dos fundos e as competências dos entes federados
no que se refere ao atendimento desse direito. O objetivo é discutir a forma pela
qual as escolhas feitas afetam as questões que envolvem a coordenação
federativa no Brasil. São revisados autores do campo de educação e autores do
campo de Políticas Públicas que discutem as mesmas questões relacionando-
as com os problemas de coordenação federativa. Ao final da revisão, pudemos
notar uma tendência de se ofuscar uma discussão profunda sobre o padrão de
qualidade da educação, reduzindo a questão à proposta de um mínimo de
recursos a serem aplicados na área. Além disso, é clara também a opção de
afastar a responsabilidade direta da União sobre as primeiras etapas da
educação básica, o que tem origem nos partidários da descentralização na
constituinte de 1988.

ABSTRACT

The paper tries to make a description of Brazilian legislation on the financing of


education, resuming issues that were revised in the most recent legislation and
emphasizing points as the option of earmarking of revenues in the area, the
creation of the funds and competences of federal entities to service of this right.
The objective is to discuss how the choices made affect questions involving
federative coordination in Brazil. Education field authors as well as authors of
field of the Public Policy that discuss the same questions relating them to the
problems of federative coordination are reviewed. At the end of the review, we
994

realized a tendency to overshadow a complete discussion about the standard of


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quality of education, reducing the question to the proposal for a minimum of

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resources to be applied in the area. Besides, the option of remove the direct
responsibility of the Union in the first stages of basic education is clear, which
originates in pressures for decentralization in constituent 1988.
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INTRODUÇÃO

A política de financiamento da educação brasileira sofreu várias


transformações ao longo da história do país, especialmente após 1930,
quando a educação começa a ser reconhecida como uma questão
nacional e cria-se o Ministério da Educação e Saúde (Saviani, 2005 p. 11).
Desde então, com algumas variações ao longo do tempo, a educação vem
sendo tratada como uma questão especial no que diz respeito ao uso dos
recursos públicos.
Concordamos com Fernandes e Lopes (2014, p. 68) quando dizem que o
financiamento público da educação é um tema indispensável, para ser discutido
e acompanhado por todos, especialmente numa sociedade que se propõe a
garantir o acesso à educação de qualidade como um direito de todos. Para as
autoras, o entendimento sobre esse processo não é, portanto, de interesse
apenas dos gestores da educação ou dos gestores escolares, mas uma
necessidade social, ou seja, é um exercício de cidadania compreendê-lo, além
das políticas públicas que envolvem a efetivação deste direito.

É esse o sentido do presente artigo: contribuir para o


esclarecimento da complexa trama jurídica que disciplina a distribuição
dos recursos públicos para a educação no Brasil.
Adiantando algumas conclusões, ao final da revisão, pudemos
notar uma tendência política – que se manifesta juridicamente – de se
ofuscar uma discussão profunda sobre o padrão de qualidade da
educação, reduzindo a questão à proposta de um mínimo de recursos a
serem aplicados na área. Além disso, é clara também a opção de afastar
a responsabilidade direta da União sobre as primeiras etapas da
educação básica, o que tem origem nos partidários da descentralização
na constituinte de 1988. As pressões pela descentralização, segundo
996

alguns autores, também são o foco do problema da coordenação


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federativa, que afeta sobremaneira a educação, área caraterizada pela

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sobreposição de encargos e pioneira na vinculação e subvinculação de recursos,


por meio da política redistributiva dos fundos.
Essas conclusões têm relação com as diversas interpretações que podem
ser feitas sobre a ideia de colaboração entre os entes federados, e mesmo sobre
o federalismo em si. Assim, as considerações finais procuram, com base em
Arretche (2006), Abrucio (2005), Souza (2006) e Giovani (2009) relacionar os
problemas encontrados no financiamento da educação pública com os
problemas de coordenação e autonomia próprios do federalismo brasileiro,
especialmente no tratamento de políticas redistributivas.

AS LEIS DO FINANCIAMENTO

A atual configuração do financiamento da educação é decorrente do


movimento de democratização política dos anos de 1980, que culminou com a
promulgação da atual Constituição Federal, em 1988. Os discursos tencionavam
uma associação entre democratização e municipalização (Abrucio, 2005, p. 46),
ou seja, os municípios deveriam se consolidar como entes autônomos e com
maiores poderes (de tributação, por exemplo) em relação ao período ditatorial.
As pressões, no entanto, não foram suficientes para que essa intenção se
consolidasse, de uma vez, no texto da carta magna, a qual apenas indicou
incentivos ao aumento dos poderes e responsabilidades dos entes subnacionais.
Porém, como afirma Abrucio (2005, p. 46), as discussões em torno das relações
entre democracia e descentralização fizeram com que “preocupações com a
fragilidade dos instrumentos nacionais de atuação e com a coordenação
federativa ficassem em segundo plano”.

Tal secundarização do problema de coordenação federativa no Brasil por


parte da constituinte traz algumas consequências quando se pensa sobre as
997

políticas redistributivas, como o caso dos fundos para a educação. Tais políticas
são as que atingem maior número de pessoas e impõem perdas concretas e no
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curto prazo para certos grupos sociais, e ganhos incertos e futuro para outros;
são, em geral, as de mais difícil encaminhamento (Souza, 2006, p. 28).

Assim, à luz dessas considerações, nossa proposta parte do tratamento


que a Constituição Federal de 1988 dá à questão do financiamento da educação,
para, em seguida, apoiando-se nas análises de Oliveira (2007) e Davies (2006),
discutirmos artigos da LDB e legislações complementares, especificamente,
para esclarecer o funcionamento dos Fundos. Para tanto, nos concentramos nos
seguintes textos jurídicos:

 Artigo 212 da Constituição Federal de 1988, que prevê a


vinculação de recursos para a educação;
 Artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), também de 1988, o qual prevê o comprometimento
financeiro das diferentes esferas da administração pública com a
universalização do ensino fundamental e a erradicação do analfabetismo.
 Artigos 68 a 77 da Lei nº 9394/96, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), os quais tratam mais detalhadamente do
financiamento da educação.
 Emenda Constitucional nº 14 de 1996 (altera o Art. 60 do
ADCT), que prevê a criação do Fundef, regulamentado pela Lei nº 9.424
de 24 de dezembro de 1996.
 Emenda Constitucional nº 53 de 2006 (substitui a EC
nº14/96), que prevê a criação do Fundeb, regulamentado pela Lei nº
11.494 de 20 de junho de 2007.

Esses, como dissemos, são os principais textos legais em que nos


apoiamos. No entanto, outras leis e artigos da Constituição podem ser
citados, os quais, para os objetivos aqui propostos, podem ser
998

considerados complementares.
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A VINCULAÇÃO DE RECURSOS

Conforme afirmam Fernandes e Lopes (2015, p. 72), dois princípios foram


tomados para se estabelecerem as bases jurídicas do financiamento público da
educação pela Constituição Federal de 1988 e pela LDB de 1996: a retomada à
vinculação orçamentária e o estabelecimento do regime de colaboração entre os
entes federados.
A vinculação de recursos é uma das grandes questões que estão na base
de toda a discussão sobre o financiamento da educação. Trata-se de uma opção
que procura amenizar o problema redistributivo da federação. Ainda que, como
alerta Arretche (2005, p. 27), a vinculação de gasto possa reproduzir, no plano
da implementação das políticas, desigualdades preexistentes, questão que
iremos discutir adiante, o fato é que tais problemas redistributivos “só podem ser
resolvidos com a intervenção ativa das políticas nacionais” (Abrucio, 2005, p.
61). No caso brasileiro, a educação é a primeira área a ser contemplada com a
vinculação constitucional.

O Art. 212 da Constituição de 1988 seguiu o sentido da vinculação que


vinha sendo implementado, com várias revisões ao longo dos anos, desde a
Constituição de 1934. Em 1988, mantiveram-se os valores da EC nº 14 de 1983,
que previa 25% dos impostos dos Estados, Municípios e Distrito Federal,
alterando apenas a parcela da União, que de 13% passa para 18% (Oliveira,
2007, p. 92). Esses valores, segundo o artigo 212, são considerados mínimos,
ou seja, Estados, DF e Municípios podem ampliá-los em suas Constituições
Estaduais e Leis Orgânicas, como é o caso dos Estados do Piauí e São Paulo
que ampliaram para 30% e do Rio de Janeiro, que ampliou para 35% (Davies,
2006, p. 758)58.
999

58
Essas ampliações permitidas aos Estados e Município geram uma discussão jurídica: “A regra geral
estabelecida na CF é que não é permitida a vinculação de recursos. Como exceção a essa regra, temos a
vinculação de recursos para a educação e, a partir de 2000, para a saúde (EC 29/2000). Apenas a CF tem o poder
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de estabelecer uma exceção à regra geral. Se uma constituição estadual ou lei orgânica amplia a exceção
estabelecida na Lei Maior, assume o poder que não tem, tornando, portanto, a medida inconstitucional” (Oliveira,
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O mesmo Art. 212 prevê ainda a utilização, como fonte adicional de


financiamento, o salário-educação, que é uma contribuição social devida
pelas empresas à educação fundamental, regular ou supletiva.

“O salário-educação teve sua primeira regulamentação


definida pelo Decreto-Lei nº 55.551, de 12 de janeiro de
1965 e sucessivas modificações que elevaram a alíquota,
inicialmente de 2% do salário mínimo mensal (...) até
alcançar os atuais 2,5% da folha de contribuição das
empresas” para a previdência social (Oliveira, 2007, p. 88).
O montante é recolhido pela Ministério da Previdência, que o
repassa para o Ministério da Educação, que por sua vez o distribui, por
meio do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), da
seguinte forma: depois de descontados 10%, que devem ser aplicados
pelo FNDE em programas e projetos voltados para a universalização da
Educação Básica, um terço é destinado à cota da União, e dois terços aos
Estados e municípios, conforme o número de matriculados.
Apesar da clareza da legislação atual em relação à vinculação, que
procura justamente (embora se esquivando da discussão sobre o “padrão
de qualidade”) disciplinar práticas que antes seguiam o sentido das
vontades políticas dominantes, diversos mecanismos, não exatamente
ilegais, são costumeiramente usados pelos governos para “flexibilizá-la”.
Um exemplo é a DRU (Desvinculação de Recursos da União), que
permitiu que se desvinculasse, entre 1994 e 2010, 20% dos impostos e
contribuições federais, o que significou concretamente que o governo
federal durante esse período seria obrigado a aplicar apenas 14,4% da
receita de impostos em MDE, e não 18% (Davies, 2006, p. 764).
1000

2007, p. 90). Porém, até o momento, não há sentença do STF nesse sentido. Além disso, com demonstra Davies
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(2015), os tribunais de conta tendem a ignorar as disposições subnacionais que vinculam um valor maior caso os
valores aplicados atinjam os 25% vinculados constitucionalmente.
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“Tal prejuízo só foi interrompido no início de 2011, em consequência da


aprovação da EC n. 59, de 11 de novembro de 2009” (Davies, 2014, p. 185). Em
2010, as renúncias federais teriam totalizado, segundo o TCU, R$ 143,9 bilhões,
valor quase igual às despesas liquidadas nas funções educação (46,1 bilhões) e
saúde (62,9 bilhões) (Davies, 2014, p. 185).
A inflação acelerada, a renúncia fiscal, sonegação, corrupção etc.
contribuem para a constante defasagem da vinculação obrigatória dos impostos
na educação.

O FINANCIAMENTO NA LDB

Na LDB, o financiamento é tratado no Título VII, “Dos Recursos


Financeiros”, dos artigos 68 a 77. Seu conteúdo foi divido por Oliveira (2007, p.
83) em quatro temas: fonte dos recursos (artigo 68); vinculação dos recursos
(artigos 69 a 73); padrão de qualidade (artigos 74 a 76); transferência de
recursos públicos para escola privada (artigo 77).
No Artigo 68, estão especificadas as fontes de recursos para a educação,
em cinco incisos59.

As transferências de recursos (citadas no inciso II do Artigo 68 da LDB)


“são realizadas de uma esfera da administração para a outra, tendo como
finalidade equalizar a capacidade arrecadadora e as responsabilidades na
prestação de serviços das diferentes esferas da Administração Pública” (Oliveira,
2007, p. 86). Os principais exemplos são os Fundos de Participação de Estados
e Municípios.
Os incentivos fiscais (inciso IV do artigo 68 da LDB) podem funcionar
como fonte de recursos para educação na medida em que o Estado isenta ou
1001

59
I – receitas de impostos próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios; II – receitas de
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transferências constitucionais e outras transferências; III – receitas do salário-educação e de outras contribuições


sociais; IV – receitas de incentivos fiscais; V – outros recursos previstos em Lei (Brasil, 1996b).
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diminui alguns impostos devidos por empresas que os aplicarem (total ou


parcialmente) em projetos e programas educacionais (Oliveira, 2007, p.
A LDB, em seu Artigo 69, regulamenta a vinculação prevista no Art.
212 da CF. Dentre as restrições expressas no artigo, destacamos que as
transferências (FPM e FPE) não podem ser consideradas para o cálculo
da porcentagem mínima estabelecida para Municípios, Estados, Distrito
Federal e União. Ou seja, a esfera que transfere recursos não pode incluí-
los no cálculo de vinculação de impostos à educação.
A definição de MDE (Manutenção e Desenvolvimento da
Educação), isto é, o que pode e o que não pode ser considerado objeto
de aplicação de recursos em educação sob o efeito da vinculação
constitucional, está tratada nos artigos 70 e 71 da LDB. Destaca-se aqui
a inclusão do transporte escolar (inciso VIII do artigo 70) e a exclusão da
merenda escolar e de obras de infraestrutura, “ainda que realizadas para
beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar” (incisos IV e V do artigo
71). Oliveira (2007, p. 99) destaca os “equívocos e omissões” desses
artigos. A primeira omissão é sobre aos aposentados. Como a lei não diz
se os inativos devem ou não ser incluídos na vinculação, prevalece a
tradição, ou seja, em alguns estados e municípios, os aposentados
continuam sendo pagos com a parcela dos impostos vinculada à
educação, como ocorria antes da regulamentação60. Outra omissão é em
relação aos Hospitais Universitários, que, devido a amplitude das
instalações, acabam fazendo parte do sistema de saúde, mas podem ser
mantidos com recursos da educação. Os artigos 70 e 71 da LDB não
dizem nada a esse respeito.
1002

60
Alguns Estados consideravam aposentados como parte dos gastos em educação. “No município do Rio de
Janeiro, os gastos com aposentados em 1999 somaram cerca de 40% total despendido com pessoal da educação,
com respaldo TC; só em 2002, passou a excluir tais gastos do MDE (Davies, 2006, p. 770). Na verdade, essa é
Página

uma demanda dos sindicatos, que, procurando se precaver da falta de recursos das previdências oficiais,
reivindicam a inclusão dos aposentados na vinculação.
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“Ao se adotar o mecanismo da vinculação, em tese


priorizando a educação no contexto das políticas públicas,
o debate se transfere para a definição do que pode ou não
ser considerado despesa em MDE, ou seja, não se centra
mais nas necessidades, mas nas tentativas de evitar que a
aplicação do princípio constitucional seja burlada” (Oliveira,
2007, p. 93).
A vinculação também é questão de debate quando se pensa nos “padrões
de qualidade da educação” (artigo 206, inciso VII, da CF88 e artigo 74 da LDB).
Há uma inversão lógica na legislação. O referido padrão é pensado a partir dos
recursos existentes, ou seja, atribui-se um valor mínimo por aluno, em seguida
esse valor é complementado pela União, com receitas da União ou dos Estados.
Seguindo essa lógica, caso os entes respeitem o mínimo vinculado e utilizem
corretamente os recursos, o padrão de qualidade estaria assegurado.

É diferente do que ocorre em países onde não há a vinculação. O padrão


de qualidade é definido de acordo com as exigências da realidade social e em
seguida são definidos os gastos. Nessa observação, reside a principal crítica à
vinculação de recursos (Oliveira, 2007, p. 93). Seguindo estritamente essa
lógica, como convém para alguns governos, não há porque se questionar um
padrão de qualidade que já está sendo cumprido, e, muitas vezes, além do
estabelecido pela legislação federal, como ocorre em estados (citados acima) e
municípios que, em suas constituições e leis orgânicas, vinculam mais do que
os 25% estabelecidos na Constituição.

A CRIAÇÃ DO FUNDEF
1003

Vincular impostos a determinada área já é uma forma de constituir um


fundo, porém informal (Davies, 2006, p. 754).
Página

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No caso dos fundos formais, um grande risco é de eles


agravarem a fragmentação da educação escolar, ao
privilegiarem um nível de ensino (...). Ora, a educação não
pode ser pensada em pedaços, como se uma parte
pudesse funcionar bem sem as outras. Só uma perspectiva
de totalidade, abrangendo desde a creche até a pós-
graduação, pode enfrentar alguns dos problemas básicos
da educação (Davies, 2006, p.755).
O Fundef (previsto na EC nº 14 de 1996, que modifica o Artigo 60
do ADCT da Constituição de 88) é uma subvinculação dos recursos
constitucionalmente vinculados à educação e foi regulamentado pela Lei
nº 9.424/96. Trata-se, nas palavras de Arretche (2004, p. 24), de uma
“minirreforma tributária de âmbito estadual” e de uma destacada “forma
de coordenação federativa”, como diz Abrucio (2005, p. 60).
A Constituição Federal de 1988, no Artigo 60 do ADCT, previa que
por dez anos o governo federal deveria aplicar pelo menos 50% dos 18%
(=9%) dos impostos na universalização do ensino fundamental e na
erradicação do analfabetismo, “o que nunca foi cumprido segundo o TCU”
(Davies, 2014, p. 185), devido a artifícios interpretativos. Tais artifícios
procuravam se sustentar no fato de a letra da lei (no caso, o próprio Artigo
60 da ADCT) se referir a “poder público” sem explicitar qual esfera da
federação seria responsável por aplicar a subvinculação. Para a União,
desde o governo Collor, o valor já estaria sendo cumprido, somando a
aplicação de recursos feitas pelas três esferas. Tal visão não é aceita pelo
TCU, que diz que cada esfera tem que aplicar sua respectiva metade da
parcela vinculada à educação. Isso, porém, obrigaria o governo federal a
retirar uma boa parte dos recursos da educação superior ou utilizar
1004

recursos de outras áreas na educação. Como nenhuma das alternativas


era politicamente interessante, optou-se pelo mais simples: “nunca se
Página

cumpriu o dispositivo...” (Oliveira, 2007, p. 108).


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A EC nº 14, de setembro de 1996, alterou o Artigo 60 do ADCT. Trocou o


termo “Poder Público” por “Estados, Distrito Federal e Municípios”, retirou
explicitamente a obrigatoriedade da União para com o Ensino Fundamental e
aumentou a parcela de 50% para 60% dos recursos vinculados a essa etapa do
ensino. Além disso, incluiu o “atendimento e a remuneração condigna do
magistério” (Brasil, 1988). Trata-se, neste último caso, de uma tentativa do
governo Fernando Henrique Cardoso, de atender à previsão constitucional61 de
instituição de um piso salarial nacional para o magistério (Oliveira, 2007, p 109).
Com a Emenda, o Artigo 60 do ADCT passa a ter uma nova redação. As
mudanças referidas acima seriam operacionalizadas por meio do FUNDEF
(Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério de Natureza Contábil), o qual seria criado, segundo o
parágrafo primeiro do artigo em questão, “no âmbito de cada Estado e do Distrito
Federal” (Brasil, 1988), ratificando a opção por desobrigar a União de subvincular
sua parcela de recursos com educação ao ensino fundamental.
O Fundo seria composto, portanto, por 15% dos recursos vinculados à
educação de cada Estado e Município (60% de 25% = 15%). Esses 15%,
contudo, não podem ser retirados de qualquer imposto. Existem impostos
específicos, pois não são todos os impostos que entram na subvinculação62. O
parágrafo segundo do Art. 60 do ADCT, com a nova redação, disciplina os
impostos de origem da subvinculação.
O parágrafo terceiro é o diferencial que o Fundo traz. A União, de acordo
com esse parágrafo, deverá “complementar os recursos dos Fundos a que se
refere o §1, sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu valor por
aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente” (Brasil, 1988).
1005

61
Conforme Artigo 206, que trata dos princípios do ensino público.
62
De acordo, com Davies (2006, p. 758), o potencial equalizador dos fundos é prejudicado pelo fato de não
incluir o percentual mínimo de todos os impostos, mas apenas 15% de alguns, e se limitar ao âmbito estadual e,
portanto, não enfrentar as desigualdades entre as regiões e estados. As receitas de impostos vinculadas à
Página

educação, mas que não integram o Fundef às vezes (dependendo do Estado ou do Município) eram maiores ou
mesmo bem maiores do que a receita do Fundef (Davies, 2007, p. 8).
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A definição desse valor mínimo nacional por aluno é explicada por Oliveira
(2007, p. 110) da seguinte forma:
A ideia é estabelecer uma média nacional de gasto
“possível” por aluno, proveniente da divisão de 15% da
soma do total nacional de transferências constitucionais
mencionadas acima pelo número de alunos matriculados
no ensino fundamental regular no país. Processo
semelhante seria realizado em cada estado,
estabelecendo-se, assim, anualmente, o gasto possível por
estado. Na hipótese de determinado estado não atingir
essa média nacional, a União complementaria seus
recursos até atingi-la, o que funcionaria como uma ação
redutora da desigualdade ente os estados. Com este
mecanismo, o valor nacional seria o gasto mínimo nacional
por aluno/ano (Oliveira, 2007, p. 110)63.
A “valorização do magistério”, referida no próprio título do Fundo,
seria explicitada no parágrafo quinto: no mínimo 60% dos recursos do
Fundo devem ser destinados ao pagamento dos professores do ensino
fundamental em efetivo exercício no magistério (Oliveira, 2007, p. 111). O
texto, conforme a Emenda, exclui os inativos.
O papel da União na erradicação do analfabetismo e na
manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental está explícito no
parágrafo sexto. Não menos do que trinta por cento dos recursos
equivalentes aos vinculados devem ser aplicados nessas áreas, incluído
no cálculo os repasses feitos aos estados e municípios para a
complementação do valor aluno.
1006

63
Segundo o site do FNDE, no ano de 2015, o valor mínimo nacional por aluno em 2015 é de R$ 2.576,36. Os
estados e municípios que não alcançaram com a própria arrecadação esse valor neste ano foram: Alagoas,
Página

Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. Disponível em
http://www.fnde.gov.br/fnde/legislacao/leis/itemlist. Acesso em 21 de julho de 2015.
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O parágrafo sétimo do Artigo 60 do ADTC remete à lei complementar que


daria os detalhes da organização dos Fundos estaduais, a distribuição dos
recursos e a fórmula de cálculo do valor mínimo por aluno. A lei em questão, nº
9.424, foi aprovada no mesmo ano da EC 14, em dezembro de 1996, e já é
superada pela lei do Fundeb, em 2007, portanto, não nos aprofundaremos no
seu conteúdo.
Diferentemente de Oliveira (2007) e Davies (2006), Abrucio (2005, p. 60)
é mais otimista. Segundo o autor, com o Fundef,
a distribuição de recursos obedece a um critério mais justo,
vinculado à assunção efetiva de encargos. Ocorre aqui
uma adequação melhor das transferências às atribuições,
algo fundamental em uma federação, especialmente a
nossa, em que a desigualdade e a politização dos critérios
foram regularmente empecilhos à efetividade das políticas.
O objetivo do governo federal com o Fundef foi corrigir a
má distribuição de recursos entre as diversas regiões e
dentro dos próprios estados, diminuindo as desigualdades
presentes na rede pública de ensino. Trata-se, nesse
sentido, de uma política vertical e horizontal de
redistribuição de recursos, o que a faz única no federalismo
brasileiro (Abrucio, 2005, p. 60).

A priorização do ensino fundamental, porém, não favoreceu essa


“adequação das transferências às atribuições” e trouxe consequências para as
outras etapas, em especial a educação infantil e o ensino médio, e foi um dos
pontos de reformulação da política em 2006, quando da criação do Fundeb64. O
1007

64
A educação infantil sofre o impacto do aumento populacional, que reflete numa demanda antiga da sociedade
e o ensino médio recebe o crescente número de egressos do fundamental, o que pressiona a demanda por recursos
nesta etapa. Assim, os governos passaram a usar artifícios para “driblar” essa priorização do ensino fundamental.
Os casos mais emblemáticos são os de ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos, adiantando em
Página

um ano o início desta etapa. Com essa medida, alguns governos, como o do estado de São Paulo, passaram a
aplicar recursos destinados exclusivamente ao ensino fundamental a uma parcela maior de alunos, pois foram
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uso do salário-educação para o complemento aos Fundos dos estados


cujos recursos não atingissem o valor aluno mínimo nacional também foi
alvo de críticas. Outra questão foi que o presidente vetou a inclusão do
EJA nos gastos do Fundef (inciso II, §1º do Artigo 2º da Lei nº 9.242/96),
porém os governos passaram a usar vários artifícios (como considerar o
EJA uma modalidade de recuperação do EF) para usar os recursos do
fundo nessa modalidade de ensino (Oliveira, 2007, p. 115).

A CRIAÇÃO DO FUNDEB

Apesar de, como defende Abrucio (2005, p. 60), o Fundef ser “bem-
sucedido no que se refere à questão federativa, por ter melhorado a
redistribuição de recursos”, “aumentado a esperança por simetria entre os níveis
de governo”, e “impulsionar uma municipalização mais planejada e a
colaboração intergovernamental”, várias deficiências do fundo, especialmente a
ausência do ensino médio e infantil, levaram as discussões, quando da sua
reformulação, no final da sua vigência, para a ampliação da subvinculação.

Assim, sob pressão da necessidade de se alterar o Fundef e pela


iminência do fim da sua vigência (que seria de dez anos, portanto, até 2007), foi
aprovada a Emenda Constitucional nº 53, em 19 de dezembro de 2006. Segundo
Davies (2006, p. 753), o projeto existe desde a formulação do Fundef, que já
apresentava suas deficiências mesmo antes de ser implementado.
As principais mudanças da Emenda foram: educação infantil
passou a ser direito de 0 a 5 anos (e não de 0 a 6, como era
anteriormente); o salário-educação foi ampliado para o uso nas demais
etapas (e não apenas no ensino fundamental). Além disso, altera
novamente o Artigo 60 do ADCT, anulando as alterações da EC nº14 e
1008

ampliando a área de aplicação dos recursos da subvinculação que


Página

somados nos gastos as crianças que antes estariam em idade de educação infantil. Quanto ao ensino médio, o uso
de “tele-aulas” foi importante para o atendimento da demanda (Oliveira, 2007, p. 115).
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compõe o Fundef, prevendo assim a criação o Fundeb, de duração de 14 anos


a partir de 2007. A vigência determinada se justifica, na visão de Oliveira (2007,
p. 188), pela necessidade de revisão periódica dos resultados do Fundo.
Para compor os recursos do Fundeb, foram acrescentadas porcentagens
de novos tributos. Outra novidade é que o fundo é composto por 20% dos
recursos arrecadados com estes impostos e não 15%, como no Fundef (Oliveira,
2007, p. 119).
De acordo com Oliveira (2007, p. 120), as diferenças mais importantes
que o Fundeb apresenta em relação ao Fundef dizem respeito à
complementação da União (inciso V ao XI do Artigo 60 do ADCT, com a nova
redação dada pela EC nº 53), as quais decorrem da falta de cumprimento das
responsabilidades da União com o Fundef.
Veda-se a utilização do salário-educação para a complementação, o que
evita o artifício utilizado pela União na vigência do Fundef, porém estabelecem-
se “cotas” de utilização dos recursos destinados à complementação, as quais
funcionam como limites máximos (alíneas a, b e c do inciso VII do referido artigo).
A complementação não será de tal modo a que os fundos
estaduais atinjam o valor nacional, mas apenas nos limites
máximos da complementação da União. Tal
complementação será constituída progressivamente, com
valores fixos de R$ 2, R$ 3 e R$ 4,5 nos três primeiros anos
de vigência do Fundo e por 10% do total do Fundo, tomado
nacionalmente, a partir do quarto ano. Dessa forma, se o
necessário para se atingir a média nacional for superior a
essa complementação, os valores efetivamente atingidos
pelos estados mais pobres serão menores que os valores
nacionais. Evidencia-se aqui a política de contenção de
1009

gastos do governos federal (Oliveira, 2007, p. 121).


Com a EC nº 53 (inciso VII do Artigo 60 do ADCT, com a nova redação),
Página

é ainda estabelecido que apenas 30% dos gastos da União com a


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complementação podem ser provenientes dos recursos vinculados (os 18% do


Artigo 212 da CF), ou seja, 70% devem ser de outras fontes, não vinculadas.
A mesma emenda prevê a criação de lei complementar para
regulamentar o Fundeb, a qual foi aprovada em 20 de Junho de 2007, a
lei nº 11.494.

ALGUNS PROBLEMAS DE COORDENAÇÃO FEDERATIVA NA POLÍTICA DE


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Abrucio (2005, p. 41) afirma, com base em comparações


internacionais recentes, que o federalismo brasileiro é atualmente um dos
casos mais ricos e complexos entre os sistemas federais existentes.
Arretche (2004, p. 22) complementa, dizendo que os constituintes de 1988
optaram pelo formato das competências concorrentes para a maior parte
das políticas sociais brasileiras, o que significa que

qualquer ente federativo está constitucionalmente


autorizado a implementar programas nas áreas de saúde,
educação, assistência social, habitação e saneamento.
Simetricamente, nenhum ente federativo estava
constitucionalmente obrigado a implementar programas
nestas áreas. Decorre deste fato a avaliação de que a
Constituição de 1988 descentralizou receita, mas não
encargos (Almeida, 1995; Silva, 1996; Affonso, 1999; Willis
et al., 1999 apud Arretche, 2004, p. 22).
Essa opção contribui para dificultar as análises das políticas de tal forma
que é praticamente impossível encontrar fatores determinantes dos problemas
encontrados na coordenação entre o governo central e os subgovernos. No caso
1010

da educação fundamental, a tendência de descentralização, herdada dos


governos militares, pelo que pudemos concluir até aqui, parece não ter
Página

encontrado um caminho seguro de coordenação, apesar das tentativas que a

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vinculação e a políticas de fundos representam. Assim, à luz dessas


considerações, procuramos elencar alguns dos problemas encontrados durante
a revisão da literatura, aos quais muitas vezes são atribuídas causas diversas e
que se conflitam entre os autores. Nosso propósito é trazer à tona essas causas,
discuti-las e se posicionar na defesa de algumas, como forma de contribuir para
o debate e para a busca dos melhores caminhos para a educação brasileira.

Pelo que podemos concluir a respeito das críticas ao modelo de Fundos


adotado pelo governo para financiar a educação, o fato de eles não trazerem
recursos novos é a questão de fundo das críticas mais recorrentes; os fundos
apenas redistribuem os recursos existentes. Devido à própria lógica de qualquer
política redistributiva (Souza, 2006, p. 28), muitos governos têm perdas
significativas de recursos65, enquanto outros têm ganhos expressivos. Esse
último caso, contudo, nem sempre deve ser interpretado como um dado positivo:

O orçamento da educação em muitos municípios, quando


se incluem os recursos do Fundeb, é equivalente a toda a
verba da prefeitura em uma situação pré-fundo. Isso dá
ideia da demanda em termos de gestão e planejamento
que atinge esses municípios, os quais (...) não possuem
sequer uma secretaria exclusiva para tratar dos assuntos
da educação, que dirá equipe de apoio e supervisão
pedagógica. Em um município no qual o orçamento da
educação corresponde a quase a metade daquele

65
“Bremaeker (2011) sempre alertou para o fato de que a política de fundos enfraquece os municípios mais
pobres, pois altera de forma negativa os critérios de repasse do Fundo de Participação dos Municípios – FPM.
Isso acontece porque o critério de repasse dos recursos do Fundeb [como era também no Fundef] leva em conta
apenas a matrícula, ao passo que o FPM distribui proporcionalmente mais recursos para os municípios com
menor população. Eventualmente essa perda pode ser compensada pelo complemento da União, mas esse só
1011

ocorre em dez estados” (Pinto, 2014, p. 635). E, complementando, como a solução para um problema muitas
vezes enseja o surgimento de outro problema, a associação dos repasses ao número de matrículas, somada às
perdas de recursos dos maiores municípios, levou a um surto de falsificação de matrículas, que foi muito
noticiado depois de 1997. Em alguns municípios do Rio de Janeiro, por exemplo, cresceram em até 236% até
Página

1999. Outro problema é a dupla contagem: o aluno repete de ano, é rematriculado mas sua matrícula do ano
anterior ainda consta no sistema, assim é contado duas vezes (Davies, 2014, p. 187).
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administrado pela prefeitura, pode-se dizer que o secretário


de fato passa a ser o próprio prefeito, ou alguém de sua
extrema confiança66 (Pinto, 2014, p. 637).

Além desses problemas, como já sinalizado, o princípio da vinculação em


si já carrega o problema de tornar o padrão de qualidade da educação algo
alcançável por meio de determinada quantia fixa de investimentos (o valor-aluno
anual), deixando a discussão nos limites burocráticos dos gastos em MDE.

A colaboração entre os entes, princípio básico do federalismo brasileiro,


também é acometida por algumas distorções senão por uma afirmação de suas
limitações políticas, quando, por exemplo, são estabelecidas as cotas de
complementação por parte da União, a partir do Fundeb, as quais secundarizam
a importância do valor-aluno, tornando sua garantia dependente da
disponibilidade das cotas.

Há também o problema da fiscalização da aplicação dos recursos,


muito complexa e sujeita a uma grande diversidade de interpretações por
parte dos Tribunais de Contas e dos poderes legislativos e executivos.
Para assegurar o cumprimento correto da aplicação dos recursos
dos fundos, a lei exige a criação dos Conselhos de Acompanhamento e
Controle Social do Fundef, “instituídos em cada esfera de governo, que
têm por atribuição acompanhar e controlar a repartição, a transferência e
a aplicação dos recursos do Fundo”67 (Abrucio, 2005, p. 60).

66
O autor continua: “Essa possibilidade, certamente, colabora para certo esvaziamento da capacidade técnica e
da profissionalização de um setor tão crucial. Isso ainda é mais certo nos municípios de menor porte, os quais,
em geral, são os mais municipalizados. Nesses, o afã municipalizador é muito forte: em Analândia, interior de
São Paulo, o autor chegou a constatar uma escola dividindo espaço com a Câmara Municipal. É bem provável
que a Câmara também divida espaço na nomeação de diretores e na indicação do responsável pela educação”
(Pinto, 2014, p. 637).
1012

67
O Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundef deve ser composto de, pelo menos,
quatro membros, representando a Secretaria Municipal de Educação ou órgão equivalente; os professores e
diretores das escolas públicas de ensino fundamental; os pais de alunos e os servidores das escolas públicas de
ensino fundamental (Abrucio, 2005, p.60).
Página

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No entanto, ainda
existem dois dilemas federativos não equacionados. O
primeiro é o da fragilidade do controle, perceptível pelo
enorme crescimento das denúncias de corrupção em
vários estados. Para tanto, é necessário estabelecer
formas articuladas de fiscalização institucional entre o
TCU, os tribunais de Contas do plano subnacional, o
Conselho vinculado à política e o poder Legislativo. O
Fundef [e, por extensão, o Fundeb], ademais, não foi
montado sobre um aparato institucional capaz de discutir e
revisar sua implantação tal qual há na área de saúde, em
que a rede federativa é mais forte e legitimadora. Em
termos democráticos, é essa rede que permite a
continuidade e as alterações da política ao longo do tempo
(Abrucio, 2005, p. 60).

Esse problema, da fiscalização dos recursos, tem sido estudado por


Davies (2006; 2014; 2015) e por Pinto (2014). Os autores demonstram como
esse aparato institucional a que se refere Abrucio (2005, p. 60) ainda carece de
algumas reconsiderações sobre as bases de uma política pública, ou, como
sugere Giovani (2009) suas “estruturas elementares”.

No campo político, as políticas públicas, não são uma


forma única ou exclusiva, mas convivem com formas
vigentes das diferentes sociedades. Somente a título de
ilustração podemos indicar – sem qualquer juízo de valor -
o corporativismo, o mandonismo local, o coronelismo, o
populismo, como outras formas políticas concorrentes ou
1013

até mesmo coexistentes (Giovanni, 2009, p. 6).

Para Giovanni (2009, p. 7), “é possível apreender os elementos primários


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que compõem tais relações [as formas políticas] – a partir de certos pontos de
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observação eleitos pelo investigador – verificando o grau de organicidade,


coerência e consistência que se estabelece entre eles”. Trata-se do que ele
chama de “estruturas elementares das políticas públicas” (Giovanni, 2009, p. 7).
Nesse ponto, as investigações de Pinto (2014) são um grande exemplo de como
um desses elementos primários, o clientelismo, aparece como um fator de
distorção das propostas do fundo e do próprio federalismo:

(...) cerca de 70% dos municípios brasileiros possuíam, em


2010, até 20 mil habitantes. Ora, essa constatação, que
não é nova, já deixa claros os enormes desafios postos às
administrações desses pequenos burgos, seja do ponto de
vista da gestão, seja do planejamento da sua rede de
ensino, uma vez que apresentam instituições de natureza
frágil, com profissionalismo questionável – no sentido
weberiano de qualificação para a ocupação de um cargo
em uma burocracia – dos agentes públicos, sem contar as
relações clientelistas, aproximando-se do modelo de
dominação carismática, também dentro da tipologia
weberiana. Um bom exemplo dessa segunda característica
é a escolha dos diretores de escola pelo prefeito, fato
comum em boa parte dos pequenos municípios, embora
não só nesses. Por exemplo, Ribeirão Preto, no estado de
São Paulo, com mais de 600 mil habitantes, ainda adota
essa prática (Pinto, 2014, p. 628).

As questões postas por Pinto (2014), em relação à natureza frágil


das instituições municipais, especialmente dos municípios menores,
assumem redobrada importância nas análises das consequências da
1014

política de fundos, as quais devem considerar o papel que tais políticas


cumpriram no incentivo à municipalização. Os dados demonstram que, no
Página

ano imediatamente posterior a implementação do Fundef, o número de

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alunos matriculados nos sistemas municipais já se igualava ao dos sistemas


estaduais, sendo que, em 1996, antes do surgimento do fundo, 63% das
matrículas ainda eram estaduais (Abrucio, 2005, p. 60).
Em geral, a defesa da política de fundos para a educação se baseia no
fato de a Constituição Federal de 1988 não estabelecer de modo claro qual seria
o papel da União na área68, além de ser reconhecida a deficiência da política de
transferências no que se refere a equalização das desigualdades regionais69. No
entanto, o impulso que os fundos deram à municipalização, o que é decorrência
das discussões da constituinte, como já assinalado acima, secundarizaram, além
do problema da coordenação, o papel da União na educação. E isso ocorre em
duas etapas: com Fundef, quando é estabelecida a função completiva da União;
e depois, com o Fundeb, quando são estabelecidas as cotas de
complementação.

Permanece, portanto, a nosso ver, uma contradição entre o que foi


pensado como proposta inicial das políticas de fundo, e as consequências que
tiveram na definição do papel da União. A dependência dos repasses para os
municípios continua, ao mesmo tempo em que suas responsabilidades
aumentam, mantendo a tendência de endividamento que essa lógica pode
causar70.

68
“Em comparação com a saúde, em que o papel do governo federal sempre foi muito forte, a ação da União na
educação foi prejudicada pela forma confusa e movediça de distribuição de responsabilidades e competências.
Nessa “torre de Babel”, a União cumpria as tarefas mais variadas, em todos os níveis educacionais, mas não
conseguia direcionar a contento seus esforços para o Ensino Fundamental. Desse modo, seu comprometimento
era mais voluntarista ou discricionário do que fruto de um plano de cooperação federativa na área educacional.
Isso apesar de a Constituição definir expressamente a missão do governo federal: promover prioritariamente a
universalização e a eqüidade no ensino público, incentivando, financiando e fornecendo assistência técnica a
estados e municípios. O Fundef conseguiu reorganizar com sucesso a ação federal” (Abrucio, 2005, p. 60).
69
“Como as transferências fiscais têm limitado efeito equalizador sobre as diferenças interestaduais e
1015

intermunicipais de capacidade de gasto, permanece necessária a ação do governo federal para viabilizar
patamares básicos de produção de serviços sociais” (Arretche, 2004, p. 19).
70
“Sistemas tributários e fiscais caracterizados por elevado nível de dependência de transferências fiscais e
ausência de vínculo entre quem taxa e quem gasta tendem a produzir baixo compromisso com o equilíbrio fiscal
Página

por parte dos governos subnacionais (Rodden, 2001), tendência esta que no caso brasileiro foi limitada pela Lei
de Responsabilidade Fiscal” (Arretche, 2004, p. 17).
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COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO BRASIL
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Num sistema de governo federalista, a soberania é compartilhada, ou


seja, os poderes de cada ente são estabelecidos por meio de acordos, o que faz
com que as decisões tenham caráter de interdependência. Porém, a
interdependência enfrenta aqui o problema da coordenação das ações de níveis
de governo autônomos, aspecto-chave para entender a produção de políticas
públicas em uma estrutura federativa contemporânea (Abrucio, 2005, p. 44).

Arretche (2004, p. 17) considera que parte dos problemas de coordenação


por parte da União decorrem da maneira pela qual foram limitadas as
possibilidades de gasto na Constituição de 1988. Além disso, para a autora, a
independência dos subgovernos no que diz respeito a políticas sociais também
pode ser um fator de dificuldade na coordenação, a exemplo da necessidade
nacional de priorização do ensino fundamental:

A autonomia política e fiscal dos governos estaduais e


municipais permite que estes adotem uma agenda própria,
independente da agenda do Executivo federal. (...). Em
tese, as garantias constitucionais do Estado federativo
permitem que os governos locais estabeleçam sua própria
agenda na área social. Imaginemos um objetivo nacional
de política social, tal como elevar os padrões de qualidade
do ensino fundamental, em vista das novas demandas da
sociedade do conhecimento vis-à-vis os baixos índices de
desempenho escolar dos estudantes brasileiros. A
realização deste objetivo suporia a mobilização dos
governos estaduais e municipais, que são os gestores das
redes de ensino. O reconhecimento generalizado de que
esta deveria ser uma prioridade nacional não implica que
1016

estes viessem a estabelecer a elevação da qualidade do


ensino como uma prioridade de política pública no plano
Página

local e nem que, mesmo que venham a fazê-lo, estejam de

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acordo com as estratégias mais adequadas para elevar a


qualidade do ensino (Arretche, 2002, p. 20).

O problema exposto pela autora enseja um debate em que não há


consenso. Ao nosso ver, tal problema remonta à própria questão da vinculação
e da subsunção do padrão de qualidade da educação ao valor-aluno mínimo,
como destaca Oliveira (2007, p. 93). Porém, para a autora, o problema está posto
nos termos de se saber até que ponto é possível realizar com sucesso uma
política pública nacional (como a melhoria da qualidade do ensino fundamental)
num ambiente de sobreposição de competências e fragmentação de poderes
que muitas vezes são “rivais”, em virtude de diferenças político-ideológicas.
Cada vez menos, os partidos dos subgovernos são os mesmo do governo central
(Arretche, 2004, p. 21). As políticas de coalizão, como mecanismo que procuraria
equilibrar essa fragmentação podem ter efeitos negativos na percepção da
sociedade, que pode deixar de vislumbrar qualquer coerência político-ideológica
nos acordos de coligações partidárias.

Nesse quadro, a vinculação de recursos e a política de fundos para a


educação, segundo Arretche (2004, p. 24), teria vindo como uma tentativa de
balizar as ações dos governos subnacionais, a fim se alcançar determinado nível
de coordenação na política de erradicação do analfabetismo e priorização do
ensino fundamental:

Nas áreas de política em que o governo federal não dispõe


de recursos institucionais para alterar as escolhas dos
governos locais, a estratégia de constitucionalizar
encargos revelou-se bem-sucedida. Tratou-se de aprovar
emendas à Constituição que reduzem muito a margem de
escolhas dos governos subnacionais, obrigando-os a
1017

adotar o comportamento considerado desejável pelo


governo federal. Esta foi a estratégia adotada para
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equalizar os níveis intraestaduais de gasto em ensino


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fundamental e elevar os salários dos professores (Arretche,


2004, p. 24).

A nosso ver, considerar tal política como “bem-sucedida” seria algo


possível apenas numa realidade em que os índices de qualidade da
educação, de analfabetismo e remuneração de professores brasileiros
não fossem tão insatisfatórios nas comparações internacionais.
De tudo isso, é facilmente observável, apesar das disposições
constitucionais de priorização do ensino fundamental, uma opção de se
retirar da União a responsabilidade direta pelas primeiras etapas de
ensino. O governo federal, embora detentor de uma maior parcela das
receitas governamentais, nunca assumiu constitucionalmente a
responsabilidade de oferecer educação básica. Além disso, como que
num efeito contrário, que demonstra a complexidade da questão, alguns
municípios se tornaram dependentes do repasse, prejudicando sua
autonomia.
Como afirma Pinto (2014, p. 635),

dos 26 estados, dez recebem complementação da União


e, em três, esses recursos adicionais representam um
acréscimo igual ou superior a 50%. O caso-limite é o
Maranhão, onde o valor por aluno praticamente dobra (...).
O complemento da União ao Fundeb representa cerca de
0,2% do Produto Interno Bruto – PIB. De acordo com a
Fineduca (2013), seria necessário 1,05% do PIB e, com
isso, a diferença no valor-aluno entre todos os estados da
federação, no âmbito do Fundeb, praticamente
desapareceria, visto que até São Paulo receberia
1018

complemento. Assim, o governo federal deve quintuplicar


o valor da sua complementação caso pretenda
Página

efetivamente eliminar as diferenças inter-regionais no

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âmbito do Fundeb. É o que se espera com a aprovação do


PNE 2014-2024 (Pinto, 2014, p. 635).

Por fim, vale reforçar a necessidade de se pensar numa melhor prática de


fiscalização, que fosse, por exemplo, associada à mal cumprida gestão
democrática da escola. Apesar de todos os problemas institucionais e estruturais
que estão associados às debilidades da coordenação federativa, o fato de as
regras não se cumprirem como foram planejadas mina qualquer proposta de
solução futura. A União não pode vislumbrar o sucesso de políticas de escala
nacional que dependam dos governos subnacionais se não há uma preocupação
de se garantir que as regras estejam sendo cumpridas. E o problema se inicia
com os próprios governos federais de depois do Fundef, quando, por exemplo,
não foram feitas as devidas complementações, o salário-educação foi usado
indevidamente, não se propôs em principio um projeto de educação de qualidade
para o país etc. Não há coordenação num ambiente onde as regras não são
cumpridas. Alguns passos foram dados, porém, se a análise se
encaminhar para os índices de qualidade da educação, veremos que os
resultados desses esforços ainda não são os mais desejáveis.

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Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições
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Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Brasília, DF: DOU,

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Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei nº 10.195, de 14 de
fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nº 9.424, de 24 de dezembro de
1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá
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INSTITUÍDO PELA LEI ROUANET

GRUPO DE TRABALHO 4 – GT4


GESTÃO, PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PÚBLICO

FINANCIAMENTO PÚBLICO À CULTURA NO BRASIL:


CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PADRÃO INSTITUÍDO
PELA LEI ROUANET

SÉRGIO MARTINS DA CRUZ

Discente do curso Técnico Legislativo da ETEC


(Escola Técnica) Gestão Pública do Estado de
São Paulo e graduando em Ciências Sociais pela
Universidade Federal de São Paulo. E-mail:
sergio.cruz@gestaopublica.etc.br
DANIEL TONELO
1023

Mestrando em Políticas Públicas pela


Universidade Federal do ABC, graduado em
Administração Pública pela UNESP e Professor
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na ETEC (Escola Técnica) Gestão Pública. E-


mail: danieltonelo@gestaopublica.etc.br

RESUMO

Com o presente artigo reivindica-se a ideia de que a atual Lei Federal de


Incentivo à Cultura (8313/1991), popularmente conhecida como Lei Rouanet, foi
decisiva para o estabelecimento de um padrão de financiamento público à cultura
no Brasil, em que se conjuga duas fontes e dinâmicas de recursos distintas, por
um lado o Fundo Nacional de Cultura, que opera com recursos orçamentários
(sobretudo do Tesouro) e por outro o Mecenato, que opera pela renúncia fiscal
do Imposto de Renda. Em grande medida, o que se verificou posteriormente à
Lei Rouanet foram Estados e Municípios reproduzirem esta conjugação, sendo
sempre a renúncia fiscal (a partir de tributos de competência daqueles entes)
dotada de maiores críticas, culminando em menor legitimidade e ensejando
amplo debate sobre a necessidade de revisões legais. No âmbito da União,
contudo, nossa pesquisa sugere que historicamente e salvas as diferenças de
montantes gerais, os recursos das duas fontes foram aplicados seguindo mais
ou menos as mesmas distribuições, geográficas e de segmentos atendidos,
sugerindo ainda, que as possíveis distorções não decorrem fundamentalmente
da origem destes recursos, mas da precária gestão pelo Estado dos mecanismos
com que as operacionalizam.

ABSTRACT

Through this article we claim the idea that the current federal law Rouanet was
1024

decisive for the establishment of a standard of public funding to the culture in


Brazil, which there are two sources and dynamics of different resources, the
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national fund of culture, that acts with budgetary resources (especially the
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treasure) and another the Mecenato, that acts through the fiscal resign of income
tax. In large measure, what had been seen before the Rouanet law was states
and cities reproducing this act, being always the fiscal resign (from competence
of taxes of those entities) criticized, culminating a lesser legitimacy and looking
for a great debate about the necessity of legal reviews. The Union scope,
however, our research suggests that historically but the differences of general
amounts, both the resources were applied following almost the same
distributions, geographical and served segments, suggesting more, that the
possible distortions It does not arise fundamentally from those resources but from
poor management by the state of mechanisms that operationalize.
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INTRODUÇÃO

O financiamento à cultura tem se revelado um tema latente no conjunto


dos inúmeros debates travados pela sociedade brasileira, seja porque é
fundamental para amparar a produção, difusão e proteção de obras artísticas,
do patrimônio cultural e do imaginário coletivo, seja pelos arranjos encontrados
para assim se fazer e que são de difícil equilíbrio entre Estado e mercado, ambos
interessados no assunto.

As políticas públicas com previsão legal e específica para o financiamento


à cultura no Brasil - as chamadas de “leis de incentivo”, segundo o padrão
contemporâneo e que é o objeto central do presente trabalho, remetem ao
período de 1972 até o presente, atravessando parte da Ditadura Militar e da
jovem e ainda instável democracia, cujos dilemas se revelam com nitidez nesta
árdua tarefa. Por padrão devemos antecipar, referimo-nos ao conjunto da
legislação que tendo referência no âmbito federal, se reproduzem analogamente
nos Estados, Distrito Federal e Municípios e que compreendem a cultura com
escopo amplo ou se preferirmos, genérico – as Artes, o Patrimônio Cultural
material e imaterial e as Humanidades. Outras legislações vigoram atualmente
no país e são igualmente importantes, contudo, dispõem de estruturações
distintas, se limitando a alguns segmentos ou sendo orientandas para etapas
específicas da dinâmica cultural e por isso as entendemos como à margem do
padrão, são os casos, por exemplo, do financiamento exclusivo para atividades
audiovisuais (Lei do Audiovisual – 8.685/ 1993, FUNCINES e CONDECINE –
Medida Provisória nº 2.281/ 2001, convertida na Lei 10.454/ 2002, Conversão da
dívida externa em apoio às atividades audiovisuais – Lei 10.179/ 2001, Fundo
Setorial do Audiovisual – Lei 11.437/ 2006 e a assim chamada “Lei da TV Paga”-
1026

12.485/ 2011), concomitantes com o Vale-Cultura (Lei 12.761/ 2012), este


exclusivamente dedicado ao consumo ou uso cultural.
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Fazem jus no âmbito federal ao preliminarmente chamado padrão a Lei


7.505/ 1986, que ficou conhecida como Lei Sarney e que vigorou de 03/07/1986
a 12/04/1990 e sua sucessora – a mais popular de todas as leis de incentivo à
cultura - Lei Rouanet, promulgada em 23/12/1991 e ainda vigente. Tanto a
produção legislativa nos outros níveis de governo que ocorreu no intervalo entre
estas leis federais, quanto posteriormente à promulgação da Lei Rouanet,
corroboram para a identificação de características comuns, talvez apenas não
apontadas em série antes em função de o campo da produção cultural carecer
de um mapeamento preciso e contínuo, o que dentro das nossas condições
atuais tentamos esboçar mais adiante no tópico “Lei Rouanet: a instituição do
PRONAC e este como referência para Estados, Distrito Federal e Municípios”.

Na seção imediatamente seguinte a esta, “Lei Rouanet: antecedentes,


contexto e condições de sua promulgação”, procuramos tanto quanto possível
explicitar que dilemas se pretendiam superar com a emergência das Leis Sarney
e Rouanet, para tanto, recorremos a uma bibliografia que apesar de não extensa,
os narra de maneira significativamente precisa. Adiante, na seção “PRONAC:
Mecenato e Fundo Nacional de Cultura em perspectivas comparadas”, ambas
as fontes de recursos previstas pela Lei Rouanet e prestes a fazerem seu 25º
aniversário, comparamos dados destes mecanismos e buscamos elucidar a
hipótese de que, ao contrário do que se afirma com muita veemência o senso
comum, não basta ou mesmo é incorreto sustentar, que o Mecenato -
mecanismo que autoriza a iniciativa privada por meio renúncia fiscal decidir o
que será financiado, seria intrinsicamente perverso, já que historicamente o
Fundo Nacional de Cultura, pelas também precárias maneiras com que foi
gerido, não conseguiu subverter as desigualdades regionais e de grupos,
1027

desigualdades estas talvez mais evidentes em outros campos econômicos ou


que invariavelmente têm desdobramentos desta natureza.
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LEI ROUANET: ANTECEDENTES, CONTEXTO E CONDIÇÕES DE SUA


PROMULGAÇÃO

Consolidados os aparatos midiáticos do Rádio e Televisão entre a


primeira e a segunda metade do século passado e já com presença significativa
de outras empresas que tinham por objeto a cultura, inclusive estrangeiras como
as Majors (conglomerados que acumulam atividades, por exemplo, de produção,
edição e distribuição de conteúdos), por tanto, já assentada certa lógica mercantil
e base instrumental (complementarmente à base cognitiva e lúdica) de que nos
falam Simões e Vieira (2010), era hora, talvez tardia, de se pleitear melhores
condições para a dinamização da produção e difusão cultural locais. Começara
então a haver consenso sobre a importância de apoio estatal e já se tinha
acumulo histórico de relações entre Estado e cultura o suficiente para saber que
determinantes deveriam ser evitadas, especialmente aquela tutela excessiva
que implica um tipo de “cultura oficial”, tão emblemática durante os anos de
Ditadura Militar como bem lembrou Coelho (2009).

Olhando para este histórico, parece-nos um limiar delicado de se manter


este entre duas formas de dirigismo, o estatal e o do mercado. Deve-se ressaltar,
adicionalmente e novamente de acordo com Coelho (2009), que a eliminação
das características de dominação cultural passa necessariamente pelo
fortalecimento das atividades empresariais de origem e controle nacionais e
sendo o campo da produção cultural um tanto intrinsecamente instável, é
compreensível e mais do que isso, imprescindível, uma cautelosa intervenção
estatal. A respeito, ver problematização na perspectiva da sociologia econômica
realizada por Belem e Donadone (2013).

Uma afirmação comum na literatura que trata das leis de incentivo à


1028

cultura, por alguns autores em maior grau, por outros em menor, mas quase
sempre presente, é a que coloca tal legislação como expressão fiel da ordem
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neoliberal neste campo. Consentimos haver estrita relação, mas não podemos
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deixar de observar que como país marcadamente de posição na periferia do


capitalismo global, por aqui as atividades econômicas ou com desdobramentos
econômicos sempre foram assistidas de perto, quando não impulsionadas pelo
Estado, neste sentido, a concessão de subsídios e particularmente da renúncia
fiscal, já é um dado histórico, não a ser naturalizado, mas refletido a luz de outras
opções de desenvolvimento, se é que conseguimos apontar com precisão quais
seriam elas.

É mérito, sobretudo de Celso Furtado, com todas as adversidades


possíveis, a emergência no Brasil de legislação que inaugura de forma sistêmica
o financiamento público à cultura. Duarte e Calabre (2015) recompõem com
clareza este percurso, em que Furtado, após quatro tentativas malsucedidas
desde 1.972 no Congresso Nacional de projeto de lei do então Senador Sarney,
a quem assessorou para estes fins, obtêm a aprovação de um substituto – o PL
7.793/1986, escrito em cooperação com agentes das Áreas Fazendárias e do
Planejamento.

A Lei Sarney trazia, como trouxe também a Lei Rouanet, porém em outros
termos, três fontes distintas de recursos e que ensejam dinâmicas se não
complementares, opostas – o “Fundo de Promoção Cultural”, a ser operado com
recursos orçamentários, a renúncia fiscal e um mecanismo de “investimento”,
este último de modo a propiciar a participação da iniciativa privada nos
resultados financeiros de projetos potencialmente lucrativos. Na Lei Rouanet os
mecanismos análogos, na mesma ordem são: o Fundo Nacional de Cultura, o
Mecenato e o FICART – Fundo de Investimentos em Projetos Culturais e
Artísticos. Fato é que com ambas as leis, apenas entraram em operação e / ou
tiveram expressividade o Fundo Público e a renúncia fiscal, com notável
1029

predomínio desta.

Sem desconsiderar o tempo de vigência (Lei Sarney de 1986 a 1990 e Lei


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Rouanet de 1991 aos dias atuais), que é fundamental para que determinadas
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dinâmicas se consolidem, a principal diferença na operacionalização da renúncia


fiscal, maior aglutinadora de recursos, foi que com a Lei Sarney, sua
normatização permitia a participação na condição de incentivadoras por pessoas
físicas e por empresas não vultosas em termos de faturamento, para que mais
do que canalizar recursos à cultura se viabilizasse certo empoderamento da
sociedade civil, à medida que as relações de financiamento à cultura se dariam
horizontalmente (DUARTE; CALABRE, 2015). Configuração diferente da que se
desenvolveu com a Lei Rouanet, em que a faculdade de financiar a cultura se
restringiu às pessoas físicas e às empresas que fazem opção por serem
tributadas pelo lucro real, regime invariavelmente compensador apenas para
grandes empresas, com frequência as que estabelecem monopólio em seus
setores.

Não obstante as boas intenções, deve-se apontar que como uma primeira
experiência, não se pode através da Lei Sarney prever uma série de problemas
que a tornaram insustentável. No pleito pelos recursos da renúncia fiscal, por
exemplo, não se obrigava à submissão de projetos, aos Proponentes bastava a
aprovação em um relativamente simples cadastro administrativo, deixando
Ministério da Cultura e o CFC – Conselho Federal de Cultura (que empreendeu
grandes esforços no Congresso para a aprovação da Lei e junto a isso a previsão
para ele fiscalizar os recursos movimentados) sem parâmetros precisos, o que
rendeu inúmeras distorções e ao que se acredita, mesmo ilegalidades.

Grande parte desta problemática se desenvolveu com Furtado a frente do


recém-criado Ministério da Cultura (Decreto nº 91.144 de 14/03/1985), pasta que
comandou a convite de Sarney, já Presidente da República, de 1986 a 1988.
Pouco tempo depois, em 1990 e sob o período Collor, a lei foi revogada por outra
1030

norma ordinária – a lei 8.034, conversão da Medida Provisória 161/1990, que


revogava juntamente outras renúncias fiscais. Também pouco tempo depois, o
Página

Ministério da Cultura era rebaixado à condição de Secretaria, ato que se deu


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FINANCIAMENTO PÚBLICO À CULTURA NO BRACIL: CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PADRÃO
INSTITUÍDO PELA LEI ROUANET

com a Lei 8.028 de 12/04/1990, outra conversão da Medida Provisória, a 150/


1990.

O período Collor, este sim mais acentuadamente neoliberal – o que se


constata com um profundo enxugamento do aparato do Estado, rendeu à cultura
prejuízos também de memória das suas políticas públicas. Com o rebaixamento
do Ministério da Cultura à condição de Secretaria, muitos dados foram perdidos,
dentre eles os da operacionalização da Lei Sarney. Encontramos indicativos
desta precariedade de dados em Durand, Gouveia e Berman (1997), em que se
aponta um total de 7.200 Proponentes inscritos e 450 Milhões de Dólares
movimentados, ao passo que Gruman (2010) estima um total de 100 Milhões de
Reais.

Constitui uma das tarefas para os pesquisadores sobre a legislação de


incentivo à cultura a recomposição de dados deste período.

LEI ROUANET: A INSTITUIÇÃO DO PRONAC – PROGRAMA NACIONAL DE


APOIO À CULTURA E ESTE COMO REFERÊNCIA PARA ESTADOS,
DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS

Com a promulgação da Lei Rouanet em 23/12/1991, ainda no período


Collor, sem o Ministério da Cultura, mas uma Secretaria Nacional, buscava-se
reestabelecer os mesmos incentivos e de modo a ampliar os recursos
canalizados, o novo texto no que concerne à renúncia fiscal trouxe inovações
significativas, inclusive que mais tarde tenderam a efeitos adversos. Uma destas
inovações foi a possibilidade de remuneração por serviços de agenciamento de
projetos, mais tarde conhecidos como “captação de recursos” e que ensejaram
1031

o surgimento de novos nichos de mercado. Estes nichos, que se configuram


como “intermediações”, eram tudo o que Furtado quis evitar, não
Página

necessariamente porque os demonizava, mas porque provavelmente os


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entendia como levando a uma crescente burocratização e, por conseguinte,


obstáculo à democratização dos recursos.

Alguns dos outros efeitos, racionalmente pretendidos ou não, mas que se


revelaram dilemas para a Lei Rouanet, exploramos mais adiante, depois de
apresentado o quadro da legislação nos outros níveis de governo.

Ao que conseguimos identificar, três mapeamentos da legislação de


incentivo à cultura por renúncia fiscal ou conjuntamente com Fundos Públicos, o
que é mais recorrente do que apenas de Fundos, no âmbito dos Municípios,
Distrito Federal e Estados são os mais importantes, o Estudos das leis de
incentivo à cultura, publicado pelo SESI em 2007, que trouxe toda legislação até
então produzida, inclusive revogada, o Guia Brasileiro de Produção Cultural
2013 – 2014, que trouxe quadro com foco na legislação à época vigente, embora
nem toda ela em efetiva operação e o Manual do Patrocinador 2015 – 2016, este
também com foco na legislação vigente e regulamentada, mas sem indicar se
pretendeu um esgotamento das fontes de informações, o que não nos parece o
caso em virtude de as leis municipais nele presentes serem basicamente as das
capitais mais populares.

Buscamos a complementariedade entre estes mapeamentos,


observamos que a maioria absoluta é de leis ordinárias, as dividimos entre o
vácuo das Leis Sarney e Rouanet e as colocamos em ordem cronológica, para
que pudesse ser observado se teria ocorrido concentração em determinados
períodos ou regiões, o que não foi o caso, a produção legislativa se deu com
distribuição ao logo dos anos e regiões de maneira mais ou menos bem
distribuída.
1032
Página

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Quadro 1: Legislação de incentivo à cultura por renúncia fiscal em municípios


produzida posteriormente à Lei Sarney - 7505/ 1986 ou no vácuo entre sua
vigência (03/07/1986 a 12/04/1990) e a Lei Rouanet - 8313/1991 (23/12/1991 -
atual).

Alterações ou nova
Município/ UF Lei Em vigência
legislação

Florianópolis/ SC 3.252/1989 3.659/1991

Santo André/ SP 6.663/1990 7.090/1993; 8.555/2003

13.729/2002;
São Paulo/ SP 10.923/1990 13.540/2003; 15.948/2013
15.948/2013

Vitória/ ES 3.730/1991 3.956/1993

Aracajú/ SE 1.719/1991

Goiânia/ GO 7.008/1991 7.957/2000

Fonte: Elaborado pelos próprios autores a partir de “Estudos das leis de incentivo à cultura (SESI,
2007)”, “Guia Brasileiro de Produção Cultural 2013 – 2014” (SESC, 2013) e “Manual do
Patrocinador 2015 – 2016” (CESNIK; SAAD, 2015).

Quadro 2: Evolução das demais leis municipais de incentivo à cultura por


renúncia fiscal.
1033

Alterações ou nova
Município/ UF/ Região Lei Em vigência
legislação
Página

Rio de Janeiro/ RJ/ Sudeste 1.877/1991 1.940/1992 5.553/2013

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Teresina/ PI/ Nordeste 2.194/1993 2.548/1997

João Pessoa/ PB/ Nordeste 7.380/1993

Rio Branco/ AC/ Norte 1.110/1993 1.324/1999

Porto Alegre/ RS/ Sul 7.328/1003 LC 283/1992

Belo Horizonte/ MG/ Sudeste 6.498/1993 6.498/1993

Juiz de Fora/ MG/ Sudeste 8.525/1994 8.636/1995; 11.656/2008

3.724/1997; 4.104/2001;
Cuiabá/ MT/ Centro-Oeste 3.434/1995
4.405/2003

Maringá/ PR/ Sul 4.021/1996 6.411/2003

Recife/ PE/ Nordeste 16.215/1996

Santa Maria/ RS/ Sul 4.017/1996

Caxias do Sul/ RS/ Sul 4.592/1996

Natal/ RN/ Nordeste 4.838/1997 5.323/2001

Belém/ PA/ Norte 7.850/1997 8.295/2003; 8.336/2004

Ponta Grossa/ PR/ Sul 5.834/1997 5.896/1998; 6.074/1998

Curitiba/ PR/ Sul LC 15/1997 LC 21/1998; LC 57/2005

Maceió/ Nordeste 4.657/1997

Salvador/ BA/ Nordeste 5.352/1998 6.800/2005 6.800/2005

São José dos Campos/ SP/ LC 196/1999; LC


LC 192/1999
Sudeste 262/2003

Cabedelo/ PB/ Nordeste 963/1999

Contagem/ MG/ Sudeste 3.253/1999

Divinópolis/ MG/ Sudeste 4.682/1999 6.252/2005


1034

Itajaí/ SC/ Sul 3.473/2000

Londrina/ PR/ Sul 8.984/2002


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Goiânia/ GO/ Centro-Oeste 8.146/2002

Uberlândia/ MG/ Sudeste 8.332/2003 9.274/2006

Paulínia/ SP/ Sudeste 2.837/2006

Vila Velha/ ES/ Sudeste 4.573/2007 5.242/ 2011

Fonte: Elaborado pelos próprios autores a partir de “Estudos das leis de incentivo à cultura (SESI,
2007)”, “Guia Brasileiro de Produção Cultural 2013 – 2014” (SESC, 2013) e “Manual do
Patrocinador 2015 – 2016” (CESNIK; SAAD, 2015).

Quadro 3: Legislação de incentivo à cultura por renúncia fiscal em estados e no


Distrito Federal produzida posteriormente à Lei Sarney - 7505/ 1986 ou no vácuo
entre sua vigência (03/07/1986 a 12/04/1990) e a Lei Rouanet - 8313/1991
(23/12/1991 - atual).

Alterações ou nova
Estado/ Região Lei Em vigência
legislação

LC 267/1999;
Distrito Federal/ Centro-Oeste 158/1991 5.021/2013
5.021/2013

6913/1997; 7042/1998;
Mato Grosso/ Centro-Oeste 5893-A/1991
9.078/2008

Fonte: Elaborado pelos próprios autores a partir de “Estudos das leis de incentivo à cultura (SESI,
2007)”, “Guia Brasileiro de Produção Cultural 2013 – 2014” (SESC, 2013) e “Manual do
Patrocinador 2015 – 2016” (CESNIK; SAAD, 2015).

Quadro 4: Evolução das demais leis estaduais de incentivo à cultura por renúncia
fiscal

Alterações ou nova
Estado/ Região Lei Em vigência
legislação
1035

Rio de Janeiro/ Sudeste 1.954/1992 1.954/1992


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8.819 de 12.268/2006
São Paulo/ Sudeste 12.268/2006 (ProAc)
10/06/1994 (ProAc)

5885 de 6.572/2003
Pará / Norte 6.572/2003 (Lei Semear)
09/02/1995 (Lei Semear)

Ceará/ Nordeste 12.464/1995 13.811/2006 13.811/2006

Rio Grande do Sul (Pró-Cultura)


10.846/1996 13.490/2010 13.490/2010
/ Sul

Bahia/ Nordeste 7.015/1996 9.846/2005; 11.899/2010 11.899/2010

3.665/2000; 17.615/2008;
Minas Gerais/ Sudeste 12.733/1997 20.694/2013
20.694/2013

5.045/2004; 5.781/2008;
Piauí/ Nordeste 4.997/1997 6.313/2013
6.313/2013

Mato Grosso do Sul/ Centro-


1.872/1998 2.645/2003; 2.862/2004 2.862/2004
Oeste

Acre/ Norte 1.288/1999 7.829/2004; 2.312/2010

Rio Grande do Norte (Lei


7.799/1999 7.799/1999
Câmara Cascudo) / Nordeste

7.516/2003
7.516/2003 (Lei Augusto
Paraíba/ Nordeste 6.894/2000 (Lei Augusto
dos Anjos)
dos Anjos)

Goiás (Lei dos Goyazes) /


13.613/2000 17.627/2012 17.627/2012
Centro-Oeste

Pernambuco/ Nordeste 11.914/2000 12.310/2002 12.310/2002

Paraná/ Sul 13.133/2001 17.043/2011 17.043/2011

Roraima/ Norte 318/2001 727/2009 727/2009

Tocantis/ Centro-Oeste 1.402/2003


1036

Amapá/ Norte 0777/2003 912/2005 912/2005

Santa Catarina/ Sul 13.336/2005 13.336/2005


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Mato Grosso/ Centro-Oeste 9.078/2009 9.078/2009

Maranhão/ Nordeste 9.437/2011 9.437/2011

Fonte: Elaborado pelos próprios autores a partir de “Estudos das leis de incentivo à cultura (SESI,
2007)”, “Guia Brasileiro de Produção Cultural 2013 – 2014” (SESC, 2013) e “Manual do
Patrocinador 2015 – 2016” (CESNIK; SAAD, 2015).

De acordo com o Guia Brasileiro de Produção Cultural 2013 – 2014 cabe


ressaltar:

• Sobre os percentuais máximos de dedução dos incentivos


previstos na legislação municipal: quatro leis com 100%, sete leis com até
100%, uma lei não especificada e vinte leis com entre 5 e 90%;
• Sobre os percentuais máximos de dedução dos incentivos
previstos na legislação estadual e do distrito federal: cinco leis com 100%
(inclui São Paulo), quatro leis com até 100%, duas leis não especificadas e
oito leis com entre 30 e 80%.

Esta distinção é fundamental, pois remete a um dos dilemas da Lei


Rouanet, em que a maciça maioria dos projetos apoiados pelo Mecenato o é por
enquadramento (Artigo 18 da Lei 8.313/1991), o que permite a dedução integral
dos aportes feitos em favor dos projetos, com isso, tem-se financiamento à
cultura essencialmente público, embora fique reservado à iniciativa privada ao
fim e ao cabo, decidir que projetos devem ser apoiados.

Sobre este ponto e em relação ao Mecenato da Lei Rouanet observam


Belem e Donadone (2013):
1037

A questão que mais chama a atenção é que até 1998, a


porcentagem de dinheiro privado investido é maior que a
de dinheiro público. Como dito anteriormente, no ano de
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1997 a Medida Provisória no 1.589/97 foi aprovada,


estabelecendo o abatimento de 100% do valor aplicado do
imposto devido para determinados setores. Esta nova
medida impactou diretamente no montante de dinheiro que
o setor privado passou a investir nos projetos culturais. [...]
E observamos que, se em 1997, 67% do total de dinheiro
investido pela Lei Rouanet consistia em recurso privado,
em 2010 apenas 8,82% do recurso tem essa origem.

Esta é outra característica do padrão a que nos referimos. Ao possibilitar


a dedução integral dos incentivos e nos parece que especialmente na legislação
estadual, normalmente ou é integral – os chamados “100%” ou parcial, quase
nunca concomitantes, tem-se predominantemente financiamento público com
roupagem de marketing cultural, ações benevolentes, filantropia e/ ou a
convergências entre ambos(as).

Reconhecidos os efeitos adversos de um nicho de intermediações e de


certa tendência à renúncia integral, ensejando grande desproporcionalidade no
percentual de recursos públicos e de recursos privados, um terceiro efeito e que
também já se apresenta como círculo vicioso é o da captação de recursos da
renúncia fiscal pela administração pública, direta e indireta, uma triangulação
legal em nada transparente. Ao relacionarmos os três maiores proponentes
apoiados tanto pelo Fundo Nacional de Cultura quanto pelo Mecenato, a partir
de 1.995 e com intervalos de cinco anos, portanto, para 1995, 2.000, 2.005,
2.010 e 2015, percebe-se a participação de autarquias do Ministério da Cultura
ou de entes de direito privado que têm como objeto lhes ampararem, o que se
dá em suposta concorrência com a sociedade civil. Os resultados de tal
1038

cruzamento são: para o Fundo Nacional - a Fundação Cultural Palmares como


terceira maior captadora de 1.995, com R$ 775.800,00, O IPHAN – Instituto do
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Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como maior captador de 2.005, com R$


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6.596.234,85 e a Associação Amigos da Cinemateca Brasileira como maior


captadora de 2.010, com R$ 55.361.966,80, já para o Mecenato - a Associação
Cultural da FUNARTE como a maior captadora de 2.005, com R$ 21.196.571,81.

Tal fenômeno parece decorrer de além da falta de observação de


princípios como os da impessoalidade e publicidade, de certo “sucesso” das leis
de incentivo, traço característico já pontado por Durand (1995).

PRONAC: MECENATO E FUNDO NACIONAL DE CULTURA EM


PERSPECTIVAS COMPARADAS

Analisamos a evolução histórica das fontes acima enunciadas entre 1995,


quando ganham expressividade e o presente momento - maio de 2016.

Observando a série ampla percebemos que os valores apoiados pelo FNC


e pelo Mecenato apresentaram uma evolução positiva, com crescimento
acelerado entre os anos de 2003 a 2007 (acima do crescimento médio da
inflação), com um declínio significativo a partir de 2011, possível reflexo da crise
internacional de 2008 e redução da arrecadação das receitas públicas.

Olhando para os recursos captados através do Mecenato, percebemos


mais acentuadamente a evolução, com variações percentuais extraordinárias
entre os anos 2000 e 2007, porém mantendo valores médios entre 2010 e 2015.
Este movimento sinaliza a trajetória de preponderância do Mecenato no modelo
de financiamento à cultura. Vejamos abaixo.

Figura 1: Fundo Nacional de Cultura e Mecenato - Captação de Recursos por


ano - 1995 a 2016.
1039
Página

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Fundo Nacional de Cultura e Mecenato - Captação de Recursos por ano - 1995 /


2016

R$ 1.400.000.000,00

R$ 1.200.000.000,00

R$ 1.000.000.000,00

R$ 800.000.000,00

R$ 600.000.000,00

R$ 400.000.000,00

R$ 200.000.000,00

R$ 0,00
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Ano
Mecenato FNC

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).

Quadro 5: Fundo Nacional de Cultura e Mecenato - Captação de Recursos por


ano - 1993 a 2016.

Ano Mecenato e FNC Mecenato FNC

1993 R$ 21.212,78 R$ 21.212,78 R$ 0,00

1994 R$ 533.751,57 R$ 533.751,57 R$ 0,00


1995 R$ 41.668.264,66 R$ 12.913.764,52 R$ 28.754.500,14

1996 R$ 195.030.104,42 R$ 111.703.236,39 R$ 83.326.868,03

1997 R$ 330.880.156,34 R$ 207.949.307,41 R$ 122.930.848,93

1998 R$ 310.451.086,40 R$ 232.573.368,83 R$ 77.877.717,57


1040

1999 R$ 311.002.975,36 R$ 211.370.509,24 R$ 99.632.466,12

2000 R$ 461.049.131,24 R$ 290.013.845,79 R$ 171.035.285,45


Página

2001 R$ 514.264.879,33 R$ 368.126.066,04 R$ 146.138.813,29

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FINANCIAMENTO PÚBLICO À CULTURA NO BRACIL: CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PADRÃO
INSTITUÍDO PELA LEI ROUANET

2002 R$ 483.168.167,75 R$ 344.613.923,65 R$ 138.554.244,10


2003 R$ 461.157.590,14 R$ 430.893.947,10 R$ 30.263.643,04

2004 R$ 592.570.649,34 R$ 512.099.071,72 R$ 80.471.577,62

2005 R$ 859.574.583,84 R$ 726.779.080,39 R$ 132.795.503,45


2006 R$ 932.432.915,31 R$ 854.739.919,48 R$ 77.692.995,83

2007 R$ 1.230.277.060,63 R$ 990.247.563,01 R$ 240.029.497,62

2008 R$ 1.098.927.549,77 R$ 963.700.956,53 R$ 135.226.593,24


2009 R$ 1.137.285.420,69 R$ 980.018.012,32 R$ 157.267.408,37

2010 R$ 1.457.140.496,99 R$ 1.166.377.223,82 R$ 290.763.273,17

2011 R$ 1.351.713.286,78 R$ 1.324.372.827,24 R$ 27.340.459,54

2012 R$ 1.302.447.770,31 R$ 1.277.104.304,65 R$ 25.343.465,66

2013 R$ 1.331.561.531,68 R$ 1.261.710.417,10 R$ 69.851.114,58

2014 R$ 1.352.706.788,88 R$ 1.334.873.068,83 R$ 17.833.720,05

2015 R$ 1.213.288.605,69 R$ 1.186.706.022,50 R$ 26.582.583,19

2016 R$ 200.395.612,28 R$ 192.273.315,39 R$ 8.122.296,89

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).

Quando comparamos a evolução dos recursos de projetos apoiados pelo


FNC e captados via Mecenato com o quantitativo de projetos na série histórica
ampla, verificamos uma expansão de projetos custeados fundamentalmente por
renúncia fiscal. Notamos também que as curvas dos gráficos um e dois se
assemelham muito em termos de crescimento, revelando a grande participação,
tanto quantitativa (evolução de 451 projetos financiados via renúncia em 1996 e
3.752 em 2012), como em captação de recursos (de R$ 111.703.236,39 para R$
1.277.104.304,65) no mesmo período. O gráfico abaixo ilustra essas
informações.
1041

Figura 2: Quantitativo de projetos com captação de recursos por ano - Mecenato


Página

FINANCIAMENTO PÚBLICO À CULTURA NO BRASIL:


CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PADRÃO INSTITUÍDO SÉRGIO MARTINS DA CRUZ E DANIEL TONELO
PELA LEI ROUANET
SÉRGIO MARTINS DA CRUZ E DANIEL TONELO
FINANCIAMENTO PÚBLICO À CULTURA NO BRACIL: CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PADRÃO
INSTITUÍDO PELA LEI ROUANET

Quantitativo de projetos com captação de recursos por ano - Mecenato


4.000 3.752
3.587
3.417 3.480
3.500 3.325
3.2323.163
3.147
3.041
2.931
3.000

2.476
2.500
2.041
2.000
1.543
1.500 1.373
1.216
1.098
915 955 968
1.000
735
451
500

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).

DISTRIBUIÇÃO REGIONAL COMPARADA DO FINANCIAMENTO VIA


MECENATO

A Lei Rouanet (8.313/ 1991) ao instituir o Programa Nacional de Apoio à


Cultura (PRONAC) e dar outras providências estabeleceu em seu Art. 1º, inciso
II, que um dos seus objetivos é “promover e estimular a regionalização da
produção cultural e artística brasileira, com valorização de recursos humanos e
conteúdos locais”, não restringindo tal diretriz a um dos seus mecanismos. A
partir daqui analisamos a distribuição regional do financiamento via Mecenato
1042

entre 1993 e 2016, cujos dados no Salic Net estão mais bem dispostos e
verificamos se com esta fonte e dinâmica de financiamento está se promovendo
Página

a difusão da produção cultural e artística equitativamente nas regiões do país.


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FINANCIAMENTO PÚBLICO À CULTURA NO BRACIL: CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PADRÃO
INSTITUÍDO PELA LEI ROUANET

Para tanto, mapeamos a evolução dos recursos captados ao longo da série


histórica ampla e os valores percentuais correspondentes a cada região por ano,
comparando-os com os valores totais de recursos movimentados.

Nota-se no período estudado que a região Norte é a que apresenta a


menor participação, tanto na evolução dos recursos captados, quanto no total
percentual dos recursos. Entre 1996 e 2015 superou apenas uma vez a marca
de R$10.000,00 em recursos captados, sua evolução é constante, mas os
valores percentuais comparados com o montante total não superam a média de
1%, dados que revelam a dificuldade de acesso a recursos e difusão cultural pelo
menos via renúncia fiscal nos termos do Mecenato.

As regiões nordeste e centro-oeste apresentam curvas de crescimento


que se assemelham ao longo do tempo, revelando captações de recursos
crescentes com pequenas quedas nos anos de 2012 e 2013 e retomada de
crescimento em 2015. No entanto, em ambas as regiões os percentuais
captados confrontados com os totais ainda são pequenos quando comparados
com suas populações e as potenciais demandas da região.

A região nordeste no período captou, em média, apenas 4,84% dos


recursos disponíveis, demonstrando a falta de investimento em cultura na
segunda região mais populosa do país, que conta com 46.995.094 de
habitantes71.

Na região centro-oeste a situação é um pouco mais aguda. Apesar dos


aumentos quantitativos dos valores captados, principalmente a partir de 2005,
sua participação nos valores totais caiu no período atingindo uma média de
2,63% do total dos investimentos para todo o período.
1043

71Fonte: IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. Divisão de Estudos e


Página

Análises da Dinâmica Demográfica. Projeto UNFPA/BRASIL (BRA/98/P08) - Sistema Integrado


de Projeções e Estimativas Populacionais e Indicadores Sócio demográficos.
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Os dados revelam que nessas três regiões a política de financiamento por


renúncias fiscais não está promovendo o desenvolvimento regional almejado.
Maiores informações podem ser consultadas nos gráficos abaixo:

Figura 3: Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais
- Norte – Mecenato.

Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais - Norte -
Mecenato
R$ 30.000.000,00 3%

R$ 25.000.000,00 2%
R$ 20.000.000,00
2%
R$ 15.000.000,00
1%
R$ 10.000.000,00

R$ 5.000.000,00 1%

R$ 0,00 0%
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016
R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).

Figura 4: Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais
- Nordeste – Mecenato.
1044
Página

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Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais - Nordeste -
Mecenato
R$ 80.000.000,00 8%
R$ 70.000.000,00 7%
R$ 60.000.000,00 6%
R$ 50.000.000,00 5%
R$ 40.000.000,00 4%
R$ 30.000.000,00 3%
R$ 20.000.000,00 2%
R$ 10.000.000,00 1%
R$ 0,00 0%
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016
R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).
1045
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Figura 5: Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais
– Centro Oeste – Mecenato.

Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais - Centro
Oeste - Mecenato
R$ 45.000.000,00 6%
R$ 40.000.000,00
5%
R$ 35.000.000,00
R$ 30.000.000,00 4%
R$ 25.000.000,00
3%
R$ 20.000.000,00
R$ 15.000.000,00 2%
R$ 10.000.000,00
1%
R$ 5.000.000,00
R$ 0,00 0%
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016
R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).

Por fim, analisando os mesmos critérios para as regiões Sudeste e Sul,


percebemos que a captação de recursos via renúncia fiscal obtêm um maior êxito
nestas regiões.

O Sudeste é a região que concentra os maiores investimentos através


deste mecanismo, demonstrando sensível predomínio. Para sua série histórica
ampla percebemos um crescimento pujante em valores (recursos captados),
superando mais de um bilhão em 2010 e concentrando em média 82,43% da
totalidade dos recursos captados.
1046

A região Sul é a segunda colocada em captação e em totais percentuais.


Apresenta evolução crescente em valores absolutos, atingindo o pico de
Página

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FINANCIAMENTO PÚBLICO À CULTURA NO BRACIL: CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PADRÃO
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captação em 2014, chegando próximo dos cento e oitenta milhões de reais,


valores estes muito acima do que captaram as regiões Norte, Nordeste e Centro-
Oeste, porém, bem abaixo do Sudeste. Na sua série histórica, somente os anos
de 2009, 2012 e 2015 apresentaram desaceleração no crescimento,
evidenciando sua expansão da política de financiamento via Mecenato.

Em valores médios percentuais, a região Sul concentra aproximadamente


9,41% do total das captações no período, fato que demostra avanços para esta
que é a terceira região mais populosa do país. Os gráficos a seguir evidenciam
a preponderância das regiões Sudeste e Sul.

Figura 6: Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais
- Sudeste – Mecenato.

Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais - Sudeste -
Mecenato

R$ 1.200.000.000,00 120%

R$ 1.000.000.000,00 100%

R$ 800.000.000,00 80%

R$ 600.000.000,00 60%

R$ 400.000.000,00 40%

R$ 200.000.000,00 20%

R$ 0,00 0%
1.993
1.994
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016

R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).
1047
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Figura 7: Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais
- Sul – Mecenato.

Captação de Recursos por ano, região e percentual dos valores totais - Sul -
Mecenato

R$ 200.000.000,00 16%
R$ 180.000.000,00 14%
R$ 160.000.000,00
12%
R$ 140.000.000,00
R$ 120.000.000,00 10%
R$ 100.000.000,00 8%
R$ 80.000.000,00 6%
R$ 60.000.000,00
4%
R$ 40.000.000,00
R$ 20.000.000,00 2%
R$ 0,00 0%
1.994
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
R$ % 2.016

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).

CAPTAÇÃO DE RECURSOS VIA MECENATO POR ÁREA/ SEGMENTO


CULTURAL

Analisamos a série histórica por área / segmento cultural e percentual em


relação aos valores totais.

Conforme metodologia desenvolvida pelo Ministério da Cultura e


1048

repercutida no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic Net),


compõem o campo cultural: Artes Cênicas; Artes Integradas; Artes Visuais;
Página

Audiovisual; Humanidades; Música e Patrimônio Cultural.


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Com base nos dados extraídos observamos uma captação média mais ou
menos uniforme. As áreas de Artes Cênicas, Artes Integradas, Artes Visuais,
Audiovisual, Humanidades, Música e Patrimônio Cultural captaram em média
19%, 11%, 9%, 15%, 13%, 17% e 16% respectivamente. No entanto, analisando
a evolução dos últimos anos, percebemos que as áreas de Artes Cênicas, Artes
Visuais e Música aumentaram sua participação na captação total em 37%, 17%
e 23%.

Todas as outras áreas tiveram sua participação percentual diminuída,


principalmente nos últimos cinco anos (2010 – 2015), levando-as a uma
distribuição em que o que predomina são as áreas tradicionalmente
caracterizadas por espetáculos. Expressão disso foi a queda brusca do
financiamento para o que se designa como “Artes Integradas” a partir de 2011 e
a manutenção da baixa captação pelas áreas de Humanidades e Audiovisual,
conforme podemos depreender dos gráficos abaixo:

Figura 8: Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores
totais - Artes Cênicas - Mecenato

Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores totais -
Artes Cênicas - Mecenato

R$ 500.000.000,00 40%
R$ 450.000.000,00 35%
R$ 400.000.000,00
30%
R$ 350.000.000,00
R$ 300.000.000,00 25%
R$ 250.000.000,00 20%
R$ 200.000.000,00 15%
R$ 150.000.000,00
10%
R$ 100.000.000,00
R$ 50.000.000,00 5%
1049

R$ 0,00 0%
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016

R$ %
Página

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Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).

Figura 9: Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores
totais - Artes Integradas - Mecenato

Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores totais -
Artes Integradas - Mecenato

R$ 250.000.000,00 25%

R$ 200.000.000,00 20%

R$ 150.000.000,00 15%

R$ 100.000.000,00 10%

R$ 50.000.000,00 5%

R$ 0,00 0%
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016

R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).
1050
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Figura 10: Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores
totais - Artes Visuais - Mecenato

Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores totais -
Artes Visuais - Mecenato

R$ 250.000.000,00 25%

R$ 200.000.000,00 20%

R$ 150.000.000,00 15%

R$ 100.000.000,00 10%

R$ 50.000.000,00 5%

R$ 0,00 0%
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016

R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
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Figura 11: Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores
totais - Audiovisual - Mecenato

Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores totais -
Audiovisual - Mecenato

R$ 140.000.000,00 60%

R$ 120.000.000,00 50%
R$ 100.000.000,00
40%
R$ 80.000.000,00
30%
R$ 60.000.000,00
20%
R$ 40.000.000,00

R$ 20.000.000,00 10%

R$ 0,00 0%
1.993
1.994
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016

R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
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Figura 12: Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores
totais - Humanidades - Mecenato

Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores totais -
Humanidades - Mecenato

R$ 120.000.000,00 80%
70%
R$ 100.000.000,00
60%
R$ 80.000.000,00
50%
R$ 60.000.000,00 40%
30%
R$ 40.000.000,00
20%
R$ 20.000.000,00
10%
R$ 0,00 0%
1.993
1.994
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016

R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).
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Figura 13: Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores
totais - Música – Mecenato

Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores totais -
Música - Mecenato

R$ 350.000.000,00 25%

R$ 300.000.000,00
20%
R$ 250.000.000,00

R$ 200.000.000,00 15%

R$ 150.000.000,00 10%
R$ 100.000.000,00
5%
R$ 50.000.000,00

R$ 0,00 0%
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
2.016

R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
de Incentivo à Cultura (Salic Net).
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Figura 14: Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores
totais – Patrimônio Cultural - Mecenato

Captação de Recursos por ano, área cultural e percentual dos valores totais -
Patrimônio Cultural - Mecenato

R$ 200.000.000,00 50%
R$ 180.000.000,00 45%
R$ 160.000.000,00 40%
R$ 140.000.000,00 35%
R$ 120.000.000,00 30%
R$ 100.000.000,00 25%
R$ 80.000.000,00 20%
R$ 60.000.000,00 15%
R$ 40.000.000,00 10%
R$ 20.000.000,00 5%
R$ 0,00 0%
1.994
1.995
1.996
1.997
1.998
1.999
2.000
2.001
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
2.008
2.009
2.010
2.011
2.012
2.013
2.014
2.015
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R$ %

Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Dados coletados do site do Sistema de Apoio às Leis
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de Incentivo à Cultura (Salic Net).


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CONCLUSÃO

O Brasil já conta com significativa legislação de incentivo à cultura,


razoavelmente bem distribuída pelo território nacional e dentre as normas que
têm por objeto amparar de modo amplo a produção e difusão cultural, ou seja,
que preveem apoio a praticamente todos os segmentos artísticos, ao
patrimônio cultural material e imaterial, bem como às humanidades,
predominam duas fontes de recursos, não raro sob o mesmo arcabouço legal,
os recursos orçamentários / fundos públicos e a renúncia fiscal. A tendência é
que a renúncia se sobreponha, pois a iniciativa privada já se apropriou bem da
sua lógica de funcionamento e os Fundos, por sua vez, estão sujeitos às não
poucas intempéries do orçamento público, tano quanto ao engessamento da
administração pública que ainda não responde à demanda da sociedade civil
com a agilidade necessária.

Um segundo aspecto e que é fundamental para o que sustentamos como


padrão de financiamento público à cultura, é o da dedução integral dos aportes
realizados pela iniciativa provada, razoavelmente presente em toda a legislação
produzida e que contraria suas motivações originais, quais sejam, dotar a
sociedade de responsabilidade para com a cultura, inclusive no que tange ao
seu financiamento. Por último e não menos estarrecedor aspecto temos o das
“triangulações legais”, que regularmente escapam aos indicadores disponíveis e
que dizem respeito à disputa dos mesmos recursos pelo Estado e pela sociedade
civil, o que é favorecido pelo modo truncado de disponibilização das informações
e merece uma grande agenda de pesquisa para o futuro próximo.
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GRUPO DE TRABALHO 4 – GT4


GESTÃO, PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PÚBLICO

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LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE
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FRANCISCO PERCIVAL PINHEIRO FILHO


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Bacharel em Ciências Econômicas pela FCL/UNESP,


Mestre em Modelagem de Sistemas Complexos pela
Página

EACH/USP. E-mail: fpinheiro@tce.sp.gov.br

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RESUMO

O objetivo deste artigo é caracterizar a dependência dos gestores do SUS em


relação aos hospitais filantrópicos e as implicações dessa dependência sobre a
expansão dos serviços públicos de saúde. Foi efetuada revisão integrativa
norteada pela seguinte questão: “qual o conhecimento existente na literatura
nacional sobre os hospitais filantrópicos e sua relação com o SUS como
prestadores de serviços complementares de saúde?”. A análise dos textos
aponta que a fragilidade econômica e gerencial dos hospitais filantrópicos
ameaça sua sobrevivência e, potencialmente, ao SUS, dado que estes hospitais
são prestadores únicos de serviços ao SUS ou prestadores de serviços
especializados. Aponta, também, algumas alternativas para a solução dessa
fragilidade econômica e gerencial. Da análise dos textos, duas questões
importantes emergem com mais força: a preponderância dos recursos públicos
no financiamento dos hospitais filantrópicos e a possibilidade de ocorrência de
subsídios cruzados quando o hospital filantrópico possui duas portas de entrada.

ABSTRACT

The purpose of this article is to characterize the dependence of SUS managers


in relation to philanthropic hospitals and the implications of this dependence on
the expansion of public health services. It was conducted integrative review
guided by the following question: "what is the existing knowledge in the national
literature on philanthropic hospitals and its relation to the NHS as complementary
1061

health care providers?". The analysis of the texts shows that the economic and
managerial fragility of philanthropic hospitals threatens their survival and
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potentially the SUS, as these hospitals are only service providers to SUS or

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specialized service providers. It also notes some alternatives to the solution of


economic and managerial fragility. An analysis of texts, two important issues
emerge more strongly: the preponderance of public funds in the financing of
philanthropic hospitals and the possibility of cross-subsidies when the
philanthropic hospital has two entrance doors.
1062
Página

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INTRODUÇÃO

A relação entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro é uma


relação marcada pela tensão.

A literatura acerca do tema localiza esta tensão nas relações


contraditórias entre a ação governamental que visa à consolidação do Sistema
Único de Saúde (SUS) e a ação que, via regulação de mercado, busca garantir
a manutenção e expansão do sistema de saúde suplementar privado (BAHIA,
2005, 2011; ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005; LIMA; FONSECA;
HOCHMAN, 2005; MENICUCCI, 2007, 2011; OCKÉ-REIS, 2011).

Neste sentido, o das contradições presentes na ação governamental,


notadamente da União, o sistema de saúde brasileiro é caracterizado por uma
dicotomia aparentemente insuperável. De um lado, temos um sistema de saúde
pautado pela universalidade, na integralidade e na equidade. De outro, um
sistema diferenciado por preço. De um lado, um sistema que tem entre suas
constantes preocupações a garantia de acesso. De outro, um sistema cujo
resultado é a seleção adversa. De um lado, um sistema de saúde que, nos
últimos vinte e cinco anos, busca a superação do sistema anterior: meritocrático,
fundamentado no trabalho formal e materializado no seguro social. De outro, um
sistema que investe na mercantilização da saúde mediante o aprofundamento
da financeirização do sistema.

Segundo Menicucci (2007), a montagem, durante a década de 1960, do


1063

“modelo médico assistencial privatista”, fundado na compra de serviços de saúde


privados pelo Estado, garantiu às instituições privadas de saúde as condições
Página

necessárias para o seu desenvolvimento. A década de 1980 é marcada pela


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expansão do sistema de saúde suplementar privado no país. Na década de


1990, período em que parcela significativa da população passa a ser atendida
pelo sistema de saúde suplementar privado, a necessidade de regulação dos
planos privados de saúde entra na agenda pública.

Escorel, Nascimento e Edler (2005) relatam a disputa acerca da natureza


do sistema de saúde – estatal ou não – e da condição para sua implantação –
imediata ou progressiva – que ocorreu durante a 8ª Conferência Nacional de
Saúde, cujos resultados condicionariam o desenho atual do sistema de saúde
brasileiro dado que “[...] foi a grande matriz da Reforma Sanitária, sendo um de
seus resultados práticos a criação da Comissão Nacional de Reforma Sanitária
(CNRS) e a inclusão dos princípios fundamentais da Reforma Sanitária proposta
pela conferência na nova Constituição brasileira” (ESCOREL; BLOCH, 2011, p.
99).

A CNRS também foi um espaço para o afloramento das tensões presentes


na relação entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro: sua
proposta encaminhada para a Subcomissão de Saúde, Seguridade e Meio
Ambiente da Constituinte foi “[...] combatida pelos representantes da iniciativa
privada, que a consideravam radical, e criticada pelos representantes do
movimento sindical, que a consideravam insuficiente [...]” (ESCOREL;
NASCIMENTO; EDLER, 2005, p. 80).

A Constituição de 1988 estabeleceu que o sistema público de saúde tenha


como princípios a universalidade, a equidade e a integralidade e se estruture
segundo três diretrizes operacionais: descentralização, regionalização e
hierarquização.
1064

Garantiu, também, as condições para a consolidação do sistema de saúde


privado no país ao ratificar que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada
Página

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e que as instituições privadas poderão participar de forma complementar do


SUS.

De fato, o texto constitucional garantiu a manutenção de dois sistemas de


saúde no Brasil – o público e o privado – com a possibilidade de estabelecimento
das mesmas coberturas assistenciais. Isto significa que, na prática, o sistema de
saúde suplementar privado pode ser o principal sistema de saúde a atender um
indivíduo específico, uma vez que, podendo assumir o custo da atenção privada
à saúde, este indivíduo poderá prescindir da utilização do sistema público de
saúde e o sistema privado de saúde deixa, nesta situação, de possuir um caráter
suplementar.

Mais do que garantir as condições necessárias para a expansão do


sistema de saúde suplementar privado, a Constituição de 1988 franqueou aos
provedores privados de saúde o acesso ao fundo público que financia o SUS.

Possibilitou, dessa forma, ainda que indiretamente, a dependência dos


gestores do SUS em relação aos provedores privados de saúde que, desde a
década de 1960, vinham expandindo sua capacidade para a prestação de
serviços especializados de atenção à saúde, notadamente os serviços
hospitalares de média e alta complexidades, em resposta à demanda do Estado.

A consequência imediata é que a proposta de fortalecimento e expansão


do setor público defendida pelos que advogavam a estatização do sistema de
saúde durante a 8ª Conferência Nacional de Saúde ficou mais distante.

No médio e longo prazo, a dependência dos gestores do SUS em relação


aos provedores privados de saúde se potencializa dado que a facilidade de
1065

contratação, proporcionada pelo acesso ao fundo público que financia o SUS, de


serviços especializados de atenção à saúde, prestados por esses provedores,
Página

tende a inibir a expansão da rede pública de serviços de saúde.

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Preocupado com esta questão, o Conselho Nacional de Saúde, em 1993,


recomendou que o Ministério da Saúde editasse norma dispondo sobre as
cláusulas mínimas necessárias nos ajustes firmados com os provedores
privados de saúde (BRASIL, 1993).

Esses elementos sugerem que a Constituição de 1988, ao franquear aos


provedores privados de saúde o acesso ao fundo público que financia o SUS,
ainda que com uma preferência às instituições filantrópicas ou sem fins
lucrativos, impôs dificuldades à sua consolidação.

Neste sentido, aprofundou a tensão presente na relação entre o público e


o privado no sistema de saúde brasileiro desde a década de 1960, quando o
Estado optou pela compra de serviços de saúde privados e garantiu às
instituições privadas de saúde as condições necessárias para o seu
desenvolvimento (MENICUCCI, 2007).

OBJETIVO

Tendo em vista que a relação entre o público e o privado no sistema de


saúde brasileiro é marcada por uma tensão; que a Constituição de 1988 garantiu
a manutenção de dois sistemas de saúde no Brasil com a possibilidade de
estabelecimento das mesmas coberturas assistenciais; que os provedores
privados de saúde têm acesso ao fundo público que financia o SUS na medida
em que a ele podem prestar serviços de saúde de forma complementar; e que
os hospitais privados, notadamente os de cunho filantrópico, assumem papel
fundamental no fornecimento de serviços especializados de atenção à saúde ao
1066

SUS, o objetivo deste artigo é caracterizar a dependência dos gestores do SUS


em relação aos hospitais filantrópicos e as implicações dessa dependência sobre
Página

a expansão dos serviços públicos de saúde.

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MATERIAIS E MÉTODOS

A importância dos hospitais filantrópicos para o SUS, cuja face mais


visível é sua significativa participação relativa no atendimento à população que
utiliza o sistema público de saúde, é justificativa mais que suficiente para que
aprofundemos o conhecimento sobre esses prestadores de serviços de saúde.

A fim de mapearmos o conhecimento existente sobre os hospitais


filantrópicos e sua relação com o SUS utilizaremos a revisão integrativa de
literatura.

Apesar de ser um método de pesquisa tradicionalmente associado à


Prática Baseada em Evidências (PBE) para a incorporação de evidências de
qualidade na prática clínica (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008; SOUZA;
SILVA; CARVALHO, 2012), já há propostas para a utilização da revisão
integrativa em pesquisas na área das ciências sociais aplicadas tendo em vista
que possibilita, por um lado, a sistematização do conhecimento e a exploração
de possíveis oportunidades de pesquisa e, por outro, a avaliação pelos pares
dos procedimentos utilização na elaboração da revisão (BOTELHO; CUNHA;
MACEDO, 2011).

As possibilidades acerca das discussões sobre métodos, resultados de


pesquisas, lacunas do conhecimento e estudos futuros são potencializadas pela
amplitude proporcionada pela revisão integrativa como método de revisão frente
a outros métodos de revisão bibliográfica sistemática: revisão sistemática, meta-
análise e revisão qualitativa.
1067

A revisão integrativa está bem estabelecida na literatura, apresentando,


tradicionalmente, seis etapas: a) seleção da questão de pesquisa; b) busca ou
Página

amostragem na literatura; c) coleta de dados; d) avaliação dos estudos incluídos;


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e) discussão dos resultados, e, f) apresentação da revisão (BOTELHO; CUNHA;


MACEDO, 2011; MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008; SOUZA; SILVA;
CARVALHO, 2012).

Tendo em vista que o objetivo deste artigo é caracterizar a dependência


dos gestores do SUS em relação aos hospitais filantrópicos e as implicações
dessa dependência sobre a expansão dos serviços públicos de saúde, a questão
de pesquisa que nos norteia é: “qual o conhecimento existente na literatura
nacional sobre os hospitais filantrópicos e sua relação com o SUS como
prestadores de serviços complementares de saúde?”.

O levantamento da literatura foi realizado em duas bases de dados:


Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e
Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE).

Foram incluídos textos em português, publicados a partir de 1993, cujo


tema tratasse de questões relativas aos hospitais filantrópicos e sua relação com
o SUS como prestadores de serviços complementares de saúde. Foram
excluídos os textos focados em recursos humanos, serviços ou ações de saúde
específicos, hospital determinado e suas particularidades. A inclusão de textos
publicados a partir de 1993 tem por justificativa a recomendação que o Conselho
Nacional de Saúde fez ao Ministério da Saúde no sentido de que este editasse
norma dispondo sobre as cláusulas mínimas necessárias nos ajustes firmados
com provedores privados (BRASIL, 1993).

A busca da bibliografia foi efetuada por meio de descritores controlados


do vocabulário estruturado DeCS - Descritores em Ciências da Saúde criado
pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde
1068

(BIREME), centro especializado da Organização Pan-Americana da


Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS).
Página

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Os descritores controlados utilizados na pesquisa foram obtidos a partir


de consulta à lista dos descritores em português do DeCS mediante a utilização
de descritores não controlados.

A busca em cada uma das bases de dados foi efetuada combinando-se


aditivamente as categorias de cada descritor e restringindo-se o idioma do texto.

Após a leitura dos títulos e dos resumos das publicações obtidas em cada
uma das bases de dados para se verificar a adequação aos critérios de inclusão
e exclusão, as 688 referências bibliográficas da base de dados LILACS se
reduziram a nove e as 240 da base de dados MEDLINE, a sete.

Cinco das sete referências relativas ao descritor “hospitais filantrópicos”,


selecionadas na base de dados LILACS, estão duplicadas nas sete referências
selecionadas na base de dados MEDLINE e em uma referência relativa ao
descritor “instituições filantrópicas de saúde”, selecionada na base de dados
LILACS.

Desta forma, excluídas as duplicidades, chegamos à seleção de oito


publicações que atendem aos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos.

RESULTADOS

Na tabela abaixo são apresentadas as oito publicações que atendem aos


critérios de inclusão e exclusão estabelecidos: a) textos cujo tema tratasse de
questões relativas aos hospitais filantrópicos e sua relação com o SUS como
prestadores de serviços complementares de saúde; b) textos em português; c)
textos publicados a partir de 1993.
1069
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HOSPITAIS FILANTRÓPICOS E SUA RELAÇÃO COM O


SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO: DEPENDÊNCIA E
FRANCCISCO PERCIVAL PINHEIRO FILHO
LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE
SERVIÇOS DE SAÚDE
FRANCISCO PERCIVAL PINHEIRO FILHO
HOSPITAIS FILANTRÓPICOS E SUA RELAÇÃO COM O SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO:
DEPENDÊNCIA E LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE SERVIÇOS DE SAÚDE

Título Autor(es) Ano Periódico / Editor Local Base de Dados

Margareth Crisóstomo Portela; Sheyla Maria Lemos Lima; Miguel


Estudo sobre os hospitais filantrópicos no Brasil Murat Vasconcellos; Pedro Ribeiro Barbosa; Maria Alice 2000 Revista de Administração Pública Rio de Janeiro LILACS
Dominguez Ugá; Silvia Victoria Gershman de Leis
Pedro Ribeiro Barbosa; Margareth Crisóstomo Portela; Maria Alice
Hospitais filantrópicos no Brasil (v.1; v.2; v.3) Dominguez Ugá; Miguel Murat Vasconcellos; Silvia Victoria 2002 BNDES Rio de Janeiro LILACS
Gershman de Leis; Sheyla Maria Lemos Lima
Margareth Crisóstomo Portela; Sheyla Maria Lemos Lima; Pedro
Caracterização assistencial de hospitais filantrópicos no
Ribeiro Barbosa; Miguel Murat Vasconcellos; Maria Alice 2004 Revista de Saúde Pública São Paulo LILACS/MEDLINE
Brasil
Dominguez Ugá; Silvia Victoria Gershman de Leis
Sheyla Maria Lemos Lima; Pedro Ribeiro Barbosa; Margareth
Caracterização gerencial dos hospitais filantrópicos no
Crisóstomo Portela; Maria Alice Dominguez Ugá; Miguel Murat 2004 Cadernos de Saúde Pública Rio de Janeiro LILACS/MEDLINE
Brasil
Vasconcellos; Silvia Victoria Gershman de Leis

Os hospitais filantrópicos do século XXI e o SUS Luiz Roberto Barradas Barata; José Dínio Vaz Mendes [2005?] Secretaria da Saúde São Paulo LILACS

Sheyla Maria Lemos Lima; Margareth Crisóstomo Portela; Maria


Hospitais filantrópicos e a operação de planos de s aúde
Alice Dominguez Ugá; Pedro Ribeiro Barbosa; Silvia Victoria 2007 Revista de Saúde Pública São Paulo LILACS/MEDLINE
próprios no Brasil
Gershman de Leis; Miguel Murat Vasconcellos
Maria Alice Dominguez Ugá; Sheyla Maria Lemos Lima;
Uma análise das operadoras de planos próprios de saúde
Margareth Crisóstomo Portela; Miguel Murat Vasconcellos; Pedro 2008 Cadernos de Saúde Pública Rio de Janeiro LILACS/MEDLINE
dos hospitais filantrópicos no Brasil
Ribeiro Barbosa; Silvia Victoria Gershman de Leis
A política de reestruturação dos hospitais de ensino e Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde.
filantrópicos no Brasil no período de 2003-2012: uma análise Departamento de Atenção Especializada. Coordenação-Geral de 2012 Ministério da Saúde Brasília LILACS
do processo de implantação da contratualização Atenção Hospitalar

As oito publicações estão assim distribuídas:

a) cinco artigos publicados em três periódicos nacionais – Cadernos


de saúde Pública, Revista de Administração Pública e Revista de Saúde Pública;

b) estudo setorial sobre o perfil organizacional, gerencial, de produção


e financeiro das entidades filantrópicas, em três volumes, promovido pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e conduzido pela
Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz
(ENSP/FIOCRUZ);

c) análise do Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino e


Filantrópicos realizada, em parceria, pelo Ministério da Saúde e pelo Hospital
Samaritano de São Paulo, com colaboração da ENSP/FIOCRUZ e da Fundação
Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP);

d) artigo publicado pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.

A publicação dos artigos se concentra entre os anos 2000 e 2008 em


1070

virtude da equipe de pesquisadores da ENSP/FIOCRUZ ter participado de dois


estudos sobre hospitais filantrópicos no Brasil: Estudo sobre os Hospitais
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Filantrópicos no Brasil, desenvolvido entre 2000 e 2002, em colaboração e com


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SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO: DEPENDÊNCIA E
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LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE
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DEPENDÊNCIA E LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE SERVIÇOS DE SAÚDE

financiamento do BNDES; e Dimensionamento dos Planos de Saúde


Comercializados Por Hospitais Filantrópicos, realizado durante 2003 e 2004, por
solicitação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Os três artigos publicados pela equipe de pesquisadores da


ENSP/FIOCRUZ em 2000 e 2004 reportam resultados do estudo desenvolvido
entre 2000 e 2002. O artigo publicado em 2008 apresenta os resultados do
estudo realizado em 2003 e 2004. O artigo publicado em 2007 utiliza dados dos
dois estudos.

O artigo publicado pela equipe de pesquisadores da ENSP/FIOCRUZ em


2000 é um estudo descritivo que apresenta um diagnóstico preliminar do setor
hospitalar filantrópico brasileiro fundamentado em três eixos: levantamento da
legislação e regulamentação vigente no setor e das exigências e o fluxo para
concessão do certificado de filantropia e isenções, confronto do cadastro de
entidades filantrópicas do Conselho Nacional de Assistência Social do Ministério
de Assistência e Previdência Social com os cadastros de hospitais e unidades
ambulatoriais do SUS, caracterização e análise da distribuição da rede de
hospitais filantrópicos no país e de sua produção.

Os autores destacam os seguintes pontos: a) a importância dos hospitais


filantrópicos no parque hospitalar brasileiro e a significativa participação na rede
de serviços do SUS; b) o subsídio que, historicamente, os hospitais filantrópicos
recebem do Estado; c) a diferenciação, ao longo do tempo, dos propósitos
beneficentes dessas instituições; d) alteração da função social original dessas
entidades; e) escassez de informações sobre o setor hospitalar filantrópico.

Os resultados encontrados foram divididos em três itens: a) análise da


1071

legislação e regulamentação, com relato sobre a evolução da legislação e dos


critérios que garantem aos hospitais a concessão ou renovação do certificado de
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filantropia e o estabelecimento do fluxo formal e real para sua obtenção; b)


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confronto dos dados do cadastro do Conselho Nacional de Assistência Social


(CNAS) com os dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS
(SIH/SUS) e com os dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS
(SAI/SUS) e apresentação das inconsistências; c) análise da distribuição
geográfica da rede de hospitais filantrópicos e de sua produção.

A análise dos resultados leva a questões ainda não respondidas à época:


a) implicações da mudança da legislação à época da publicação do artigo que
vinculava a isenção de impostos à prestação de serviços ao SUS; b)
incongruências entre os cadastros do CNAS e do SUS, no que tange à
classificação de entidades filantrópicas atuantes na área da saúde.

O segundo artigo publicado pela equipe de pesquisadores da


ENSP/FIOCRUZ, em 2004, com foco na dimensão gerencial dos hospitais
filantrópicos, tem por objetivo estabelecer uma classificação dos hospitais
baseada em suas estruturas gerenciais. Constitui um estudo transversal,
descritivo, com dados coletados por meio de questionário aplicado por
pesquisador durante entrevista, segundo três amostras diferentes: 66 entidades
prestadoras de serviços ao SUS selecionadas aleatoriamente de um universo de
1.658 com menos de 599 leitos; 26 entidades prestadoras de serviços ao SUS
com pelo menos 599 leitos; dez entidades não prestadoras de serviços ao SUS,
com reconhecida qualidade assistencial, selecionadas intencionalmente.

O estudo assume que: a) as estruturas gerenciais refletem o nível de


organização formal e a capacidade gerencial e afetam o desempenho e a
sustentabilidade de serviços de saúde; b) uma estrutura organizacional bem
desenhada é apenas condição necessária para o bom desempenho de uma
1072

organização; c) as características organizacionais podem facilitar ou não


modelos de assistência ajustados ao conhecimento profissional vigente.
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LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE
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Os resultados foram apresentados segundo cinco categorias: a)


classificação gerencial, obtida mediante a avaliação de seis dimensões da
estrutura de gestão hospitalar: direção e planejamento, econômico-financeira,
recursos humanos, serviços técnicos, logística e tecnologia da informação; b)
uso de instrumentos gerenciais, na qual se analisa a presença ou não de plano
e orçamento, sistema de avaliação de metas e indicadores, estratégia de
marketing e ferramentas de gerência da qualidade; c) gestão de recursos
humanos, que avalia os tipos de vínculos trabalhistas prevalentes dos
profissionais médicos, dos demais profissionais de nível superior assistencial e
não assistencial, dos profissionais de nível médio e dos profissionais de nível
elementar; d) serviços técnicos, no qual se avaliou a Farmácia e o Serviço de
Arquivo Médico e Estatístico, observando-se a existência ou não de prontuário
único por paciente; e) terceirização de serviços.

A discussão dos resultados apontou para: a) necessidade de se


compreender a diversidade do setor, adotando-se ações e tratamentos diversos
para realidades diversas; b) necessidade de desenvolvimento do setor a fim de
se adotar estruturas e instrumentos gerenciais básicos; c) necessidade de
aprofundar o conhecimento acerca dos vínculos frágeis estabelecidos entre os
profissionais médicos e os hospitais filantrópicos, a dinâmica e tendência dessa
força de trabalho e a alta rotatividade de pessoal; d) necessidade de se melhorar
a avaliação econômica dos hospitais filantrópicos a fim de se garantir sua
sustentabilidade; e) necessidade de se aprofundar o conhecimento acerca da
organização e qualidade clínico-assistencial dos hospitais filantrópicos; f)
necessidade de se melhorar, ou mesmo implementar, sistemas de informações
desses hospitais.
1073

Em 2004, a equipe de pesquisadores da ENSP/FIOCRUZ publicou um


terceiro artigo que “[...] tem como objetivo caracterizar os hospitais filantrópicos
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nos aspectos relativos à localização geográfica, porte, disponibilidade de


equipamentos biomédicos, complexidade assistencial e perfil de produção e
clientela” (PORTELA et al., 2004, p. 812).

Como este artigo divulga parte dos resultados do estudo desenvolvido


pelos autores entre 2000 e 2002 – Estudo sobre os Hospitais Filantrópicos no
Brasil –, o método utilizado é o mesmo do artigo anterior: estudo transversal,
descritivo, com dados coletados por meio de questionário aplicado por
pesquisador durante entrevista, segundo três amostras diferentes: 66 entidades
prestadoras de serviços ao SUS selecionadas aleatoriamente de um universo de
1.658 com menos de 599 leitos; 26 entidades prestadoras de serviços ao SUS
com pelo menos 599 leitos; dez entidades não prestadoras de serviços ao SUS,
com reconhecida qualidade assistencial, selecionadas intencionalmente.

Os resultados encontrados foram distribuídos em cinco grupos: a)


distribuição geográfica, que detalha a distribuição dos hospitais no país segundo
o tamanho e a localização dos municípios; b) porte de leitos, que segmenta os
hospitais segundo o número de leitos que possuem; c) presença de
equipamentos biomédicos, que apresenta a incorporação de equipamentos
destinados às ações terapêuticas e diagnósticas; d) complexidade assistencial,
que classifica os hospitais em diferentes categorias – especialidades médicas e
consistência com o quantitativo de médicos, disponibilidade de leitos e
equipamentos biomédicos críticos em uso nas Unidades de Tratamento
Intensivo, procedimentos hospitalares de alta complexidade realizados; e) perfil
de produção e clientela, que relata o perfil de atendimento do hospital – SUS,
planos e seguros de saúde próprios e de terceiros e atendimento privado – e os
1074

serviços prestados e sua complexidade – internações, procedimentos


ambulatoriais e atividades inovadoras.
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A discussão dos resultados aponta para: a) necessidade de maior atenção


aos hospitais filantrópicos quando da elaboração de políticas públicas de saúde;
b) papel estratégico dos hospitais filantrópicos para o SUS, seja como
prestadores únicos em municípios do interior, seja como prestadores de serviços
especializados; c) relação de interdependência entre o SUS e os hospitais
filantrópicos; d) a maior complexidade do perfil assistencial é acompanhada de
maior número de leitos; d) fragilidade econômica e gerencial ameaça a
sobrevivência dos hospitais filantrópicos; e) a diversidade dos hospitais
filantrópicos requer ações e tratamentos diferenciados.

O artigo publicado pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo


caracteriza-se por combinar um relato de experiência com a defesa de opinião a
fim de propor “[...] a mudança do atual modelo de pagamento ‘por produção’ para
a modalidade ‘orçamento x metas de produção e qualidade” (BARATA;
MENDES, [2005?], p. 10).

Os autores apresentam um breve histórico sobre a assistência filantrópica


de saúde no Brasil, destacando: a) o papel das Santas Casas e dos hospitais
beneficentes; b) a dificuldade do modelo de financiamento baseado em recursos
arrecadados na comunidade; c) o início da venda de serviços de saúde às Caixas
e Institutos de Previdência; d) a significativa participação na rede de serviços do
SUS; e) a dependência de recursos do SUS para o financiamento dos hospitais
filantrópicos; f) a crise financeira enfrentada por esses hospitais.

Sob o argumento de que os hospitais filantrópicos são um patrimônio


público que precisa ser preservado e que foram reconhecidos como parceiros
fundamentais do SUS pela Constituição de 1988, os autores propõem que se
1075

estabeleça uma nova forma de relacionamento do SUS com os hospitais


filantrópicos baseada em três eixos: a) modificação no modelo gerencial e
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assistencial praticado pelos hospitais filantrópicos com foco em três aspectos:

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profissionalização dos serviços hospitalares, modificação do perfil assistencial e


aumento da participação da sociedade civil nas entidades; b) alteração das
formas de contratação de serviços pelo SUS a fim de adotar um modelo baseado
em orçamentação, metas de produção e qualidade e regulação pública pelo
SUS; c) modificação da legislação que regulamenta a relação entre o SUS e os
hospitais filantrópicos. Defendem o modelo de gestão das Organizações Sociais
de Saúde (OSS) adotado pelo Estado de São Paulo como modelo viável, que
poderia ser adaptado para estabelecer a relação entre o SUS e os hospitais
filantrópicos, tendo em vista que este modelo é, segundo os autores, “[...] um
modelo que deu certo, produziu resultado e atendeu as necessidades da
população” (BARATA; MENDES, [2005?], p. 13).

A equipe de pesquisadores da ENSP/FIOCRUZ publicou, em 2007, um


quarto artigo que trata dos hospitais filantrópicos cujo objetivo é “[...] descrever
aspectos do desempenho gerencial de hospitais filantrópicos com operadoras de
planos de saúde, em comparação com o conjunto de hospitais filantrópicos”
(LIMA et al., 2007, p. 117).

O artigo utiliza dados de dois estudos sobre hospitais filantrópicos no


Brasil: Estudo sobre os Hospitais Filantrópicos no Brasil, desenvolvido 2000 e
2002, e Dimensionamento dos Planos de Saúde Comercializados por Hospitais
Filantrópicos, realizado durante 2003 e 2004.

O estudo é transversal, descritivo, com dados coletados por meio de


questionário aplicado por pesquisador durante entrevista, e utiliza duas amostras
diferentes: a primeira amostra com 66 entidades prestadoras de serviços ao SUS
selecionadas aleatoriamente de um universo de 1.658 com menos de 599 leitos,
1076

estabelecida no estudo realizado entre 2000 e 2002; a segunda, definida no


estudo realizado entre 2003 e 2004, conta com 94 hospitais filantrópicos com
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menos de 599 leitos e que possuem operadoras de plano de saúde registradas


na ANS.

Os autores destacam que: a) os hospitais filantrópicos são importantes


prestadores de serviços para o SUS e para o setor de saúde suplementar; b) o
baixo desenvolvimento gerencial desses hospitais impõe riscos para a sua
sobrevivência; c) a operação de planos próprios de saúde é vista como uma
possibilidade de sustentação financeira, dado que a receita daí advinda tende a
ser inferior apenas à decorrente do SUS; d) em geral, tais planos de saúde
apresentam preços menores que o das demais operadoras, sendo, portanto,
alternativa para a parcela da população que não pode arcar com planos de saúde
a preço médio de mercado; e) os preços menores decorrem de benefícios fiscais
usufruídos pelos hospitais filantrópicos e amortização de investimentos por meio
de recursos oriundos da oferta simultânea de serviços ao SUS.

O artigo apresenta os resultados do estudo divididos em sete grupos: a)


diferenciação quanto ao perfil hospitalar entre os hospitais filantrópicos
integrantes da amostra relativa ao conjunto dos hospitais filantrópicos e os
integrantes da amostra relativa aos hospitais filantrópicos que possuem
operadoras de plano de saúde registradas na ANS; b) dimensão direção e
planejamento, que conta com a avaliação de 12 estruturas organizacionais; c)
dimensão econômico-financeira, avaliada de acordo com 10 condições
diferentes; d) dimensão de recursos humanos, que levou em conta 17 critérios
dos mais tradicionais aos mais inovadores; e) dimensão logística, que
considerou nove estruturas de gestão diferentes; f) dimensão tecnologia de
informação, avaliada segundo cinco critérios diferentes, com desdobramento do
1077

critério sistemas informatizados em 15 sistemas diferentes; g) dimensão serviços


técnicos, avaliada segundo 5 itens diferentes.
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A avaliação dos resultados aponta que: a) os hospitais filantrópicos


possuem baixo desenvolvimento da estrutura gerencial, com alguma
diferenciação positiva para os hospitais que possuem planos de saúde,
principalmente, em função das exigências da ANS, em relação às dimensões
econômico-financeiras e tecnologia de informação; b) o resultado de serviços
técnicos, como farmácia e documentação médica, indica maior preocupação
com a qualidade assistencial por parte dos hospitais que possuem plano de
saúde; c) a gestão de recursos humanos é uma das questões críticas para os
hospitais filantrópicos, devendo ser enfrentadas as situações relativas a
treinamentos, incentivos e rotatividade de profissionais, notadamente os
vinculados à assistência; d) a prestação de serviços para planos de saúde
próprios ou de terceiros é alternativa para a sustentabilidade econômica dos
hospitais filantrópicos dependentes do SUS e requer o estabelecimento de
estratégias que garantam a inserção dos hospitais filantrópicos nos dois
segmentos de atenção à saúde; e) é difícil avaliar se uma melhor condição
gerencial é condição para a oferta de plano de saúde ou se esta oferta levaria a
uma melhor condição gerencial; f) há uma relação endógena entre estruturação
gerencial, porte do hospital e complexidade assistencial; g) a criação de
operadoras de planos de saúde pelos hospitais filantrópicos caracteriza-se como
uma busca por recursos adicionais ao do SUS, atendendo a cidades de pequeno
porte do interior, com escassas operadoras de planos de saúde de grande porte,
mediante, predominantemente, planos individuais; h) a relevância do setor
hospitalar filantrópico para o SUS impõe a necessidade de qualificá-lo a fim de
garantir sua sobrevivência.

Um quinto artigo, publicado em 2008 pela equipe de pesquisadores da


1078

ENSP/FIOCRUZ, tem por objetivo caracterizar os hospitais filantrópicos que


contam com operadoras de planos de saúde e essas operadoras e seu o grau
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de adequação à regulamentação da saúde suplementar.


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O estudo, com abrangência nacional, tem caráter transversal e descritivo,


com dados coletados por meio de questionário aplicado por pesquisador durante
entrevista. Os dados foram coletados em 10 conglomerados e 112 hospitais
individuais estratificados segundo localização geográfica e analisados
considerando o registro ou não da operadora de planos de saúde junto à ANS.

O estudo assume que: a) o setor filantrópico hospitalar é estratégico para


as políticas públicas de saúde dado que agrega um terço dos leitos hospitalares,
é amplamente capilarizado, presta serviços ao SUS e presta serviços e opera
planos privados de saúde; b) os hospitais filantrópicos tradicionalmente
operavam planos de associados com foco em comunidades específicas; c) nos
últimos vinte anos, em busca de recursos adicionais, os hospitais filantrópicos
passaram a operar plano de saúde; d) a regulamentação do setor de saúde
suplementar requer a profissionalização das operadoras.

Os resultados são apresentados segundo dois conjuntos de informações:


a) localização geográfica, caracterização assistencial e gerencial dos hospitais
filantrópicos com operadoras; b) localização geográfica e caracterização da
autonomia e do desenvolvimento gerencial das operadoras dos hospitais
filantrópicos.

A discussão dos resultados informa que: a) operadoras de hospitais


filantrópicos localizadas em municípios de menor porte concorrem com o SUS e
diferenciam seus produtos em termos de hotelaria; b) operadoras de hospitais
filantrópicos localizadas em municípios de maior porte diferenciam seus produtos
em termos de preço, sustentado pelos incentivos fiscais recebidos, pelo
prestador ser próprio e pela amortização de investimentos por meio de recursos
1079

decorrentes da prestação de serviços ao SUS; c) a grande maioria dessas


operadoras se localiza em municípios pequenos, operam planos de abrangência
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municipal, com predominância de planos individuais e familiares, com pequeno

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número de beneficiários, implicando em limitações à expansão e riscos à


sustentabilidade do negócio, de um lado, e em potencial fonte de receita de curto
prazo, por outro; d) a baixa condição gerencial dessas operadoras condiciona
negativamente desempenho futuro, não possibilita que se tornem empresas
estruturadas independentes das entidades mantenedoras e não permite que
atuem como operadoras típicas; e) em relação à qualidade assistencial, a
avaliação dessas operadoras é pior que a avaliação das operadoras com
finalidade lucrativa.

A análise do Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino e


Filantrópicos, realizada pelo Ministério da Saúde e pelo Hospital Samaritano de
São Paulo, com colaboração da ENSP/FIOCRUZ e da Fundação Getúlio Vargas
de São Paulo (FGV-SP), é constituída por dois estudos: a) A política de
reestruturação dos hospitais de ensino e filantrópicos no Brasil: o processo de
contratualização; b) Análise do processo de implantação de políticas na área
hospitalar do Ministério da Saúde: contratualização dos Hospitais de Ensino e
Filantrópicos no SUS.

O primeiro estudo é um estudo descritivo que relata brevemente o


processo de contratualização dos hospitais de ensino e filantrópicos. No que diz
respeito aos hospitais filantrópicos são destacados os seguintes pontos: a) sua
importância dados o número de hospitais, o volume de atendimento e o montante
de recursos financeiros consumidos; b) sua condição de parceiros preferenciais
do SUS quando a capacidade de atendimento assistencial deste for insuficiente;
c) a evolução da legislação e dos critérios que garantem a estes hospitais o
reconhecimento de seu fim filantrópico e, portanto, o benefício de isenções
1080

fiscais.

Em relação ao Programa de Reestruturação dos Hospitais Filantrópicos,


Página

este primeiro estudo apresenta: a) alguns indicadores de capacidade instalada,

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LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE
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produção assistencial e montante de repasse financeiro para os hospitais


filantrópicos; b) a instituição e a resposta dos hospitais elegíveis ao Programa,
destacando a forma de sua operacionalização e o montante envolvido, a forma
de cálculo e ao que se destina o Incentivo a Contratualização (IAC); c) a
legislação aplicável; d) a importância da contratualização como instrumento de
gestão; e) os possíveis impactos do Programa sobre os modelos de gestão e de
financiamento dos hospitais filantrópicos que prestam serviços ao SUS; f)
aspectos positivos do Programa: modernização da gestão, maior envolvimento
entre prestadores e gestores locais, facilitação dos processos de planejamento,
regulação, controle e avaliação local e maior regularidade de repasse de
recursos financeiros por parte do Ministério da Saúde.

O segundo estudo é um estudo transversal, descritivo, de abrangência


nacional, com universo de estudo de 633 hospitais filantrópicos contratualizados
e com amostra aleatória com 51 hospitais filantrópicos, estratificada por
macrorregião e classes de número de leitos dedicados a pacientes SUS, cujo
objetivo é analisar o processo de contratualização dos hospitais filantrópicos
inseridos no Programa de Reestruturação e Contratualização dos Hospitais
Filantrópicos. Foram entrevistados gestores das secretarias estaduais e
municipais contratantes e os dados foram coletados mediante questionários
semiestruturados, aplicados aos hospitais da amostra e às secretarias
contratantes.

Os resultados foram divididos em cinco itens: a) caracterização geral dos


hospitais filantrópicos contratualizados; b) formação e pós-graduação em gestão
dos dirigentes de hospitais filantrópicos; c) caracterização geral das Secretarias
1081

pesquisadas; d) características da contratualização dos hospitais filantrópicos;


e) percepção dos dirigentes dos hospitais e gestores das secretarias sobre a
contratualização.
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FRANCCISCO PERCIVAL PINHEIRO FILHO
LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE
SERVIÇOS DE SAÚDE
FRANCISCO PERCIVAL PINHEIRO FILHO
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DEPENDÊNCIA E LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE SERVIÇOS DE SAÚDE

O estudo conclui que: a) nos hospitais contratualizados ocorreu o


aumento da produção de serviços assistenciais de média e alta complexidade e
a redução na produção de serviços de atenção básica; b) não há evidências de
que tenha havido melhorias da estruturação gerencial e assistencial dos
hospitais contratualizados que sejam resultantes da contratualização; c) o
despreparo para o estabelecimento dos ajustes, seu monitoramento e
implementação de incentivos é latente, carecendo de maior profissionalização;
d) recomenda medidas relativas à revisão dos processos de elaboração e
monitoramento dos contratos; à revisão do sistema de incentivo; à disseminação
da prática contratual e da lógica de prestação de contas com foco nos resultados;
ao incremento da articulação entre o planejamento regional; e à constituição de
um processo contínuo de aprendizagem numa perspectiva de melhoria contínua.

DISCUSSÃO

Os estudos relativos aos hospitais filantrópicos e sua relação com o SUS


abordados neste texto revelam a lacuna existente na literatura que trata do tema.
Em relação a esta questão, desde logo, três observações são necessárias: o
número reduzido de publicações encontrado, a concentração das publicações
na primeira metade da década de 2000 e a característica majoritariamente
descritiva dos trabalhos analisados.

O número reduzido de publicações encontrado contrasta com o


reconhecimento da importância do setor filantrópico hospitalar para o SUS
presente em todos os textos analisados. Conforme podemos constatar, junto a
este reconhecimento seguem outros dois: a escassez de informações sobre o
1082

setor e a necessidade de se conhecer o setor para o estabelecimento de políticas


públicas adequadas (LIMA et al., 2004, 2007; PORTELA, 2000; PORTELA et al.,
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2004; UGÁ et al., 2008). De qualquer forma, estas três constatações não foram
capazes de induzir a produção de estudos sobre o setor.

A concentração das publicações na primeira metade da década de 2000


reflete o esforço empreendido para a superação da escassez de informações e,
mediante o levantamento de informação adequada, orientar o estabelecimento
de políticas públicas de saúde. A realização de dois estudos sobre hospitais
filantrópicos no Brasil, em um período reduzido de tempo, dos quais 6 das 8
publicações decorrem – Estudo sobre os Hospitais Filantrópicos no Brasil, entre
2000 e 2002, financiado pelo BNDES, e Dimensionamento dos Planos de Saúde
Comercializados Por Hospitais Filantrópicos, entre 2003 e 2004, por solicitação
da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – indicam o tamanho desse
esforço.

No entanto, esse esforço para a produção de conhecimento sobre o setor,


empreendido no início dos anos 2000, não foi capaz de garantir sua
continuidade. A ausência de estudos posteriores que avancem em direção às
questões apontadas nos textos aqui analisados é uma indicação do
comprometimento que a descontinuidade de determinadas pesquisas impõe ao
estabelecimento de políticas públicas.

A característica majoritariamente descritiva dos trabalhos analisados


indica o insipiente conhecimento acumulado sobre o setor ou a indisponibilidade
de informações sobre o mesmo, reforçando a necessidade da realização de
pesquisas sobre o tema.

Todos os textos abordados parecem concordar que a fragilidade


econômica e gerencial dos hospitais filantrópicos ameaça sua sobrevivência e,
1083

por conseguinte, é uma ameaça potencial ao SUS na medida em que estes


hospitais são prestadores de serviços especializados ao SUS ou, em muitos dos
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pequenos municípios do interior, são prestadores únicos de serviço ao SUS.


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Algumas alternativas para a solução dessa fragilidade econômica e


gerencial, ainda que com diversas nuances, são comuns a vários dos estudos
analisados: a) melhorar a compreensão da diversidade do setor, adotando-se
ações e tratamentos diversos em função dessa realidade; b) necessidade de se
qualificar as estruturas e os instrumentos gerenciais dos hospitais filantrópicos
c) melhorar a avaliação econômica dos hospitais filantrópicos a fim de garantir
sua sustentabilidade; d) superar a dependência de recursos do SUS por meio da
substituição da forma de remuneração de serviços baseada na produção e da
prestação de serviços para outros compradores, notadamente os planos de
saúde próprios.

Melhorar a compreensão da diversidade do setor a fim de se adotar ações


e tratamentos diversos em função dessa realidade parece ser um objetivo óbvio
tanto para os gestores do SUS quanto para os reguladores do sistema
suplementar de saúde da ANS.

No entanto, esta obviedade não tem sido capaz de garantir a produção de


conhecimento necessária sobre o setor filantrópico hospitalar que permita a
compreensão de sua diversidade e possibilite a adoção de ações e tratamentos
adequados à diversidade verificada.

A dificuldade para a produção de conhecimento sobre o setor filantrópico


hospitalar não deve ser imputada apenas aos gestores do SUS ou aos
reguladores da ANS. Parte dessa dificuldade advém da posição um tanto quanto
reservada dos dirigentes dessas entidades que impõem barreiras à divulgação
das informações necessárias para o desenvolvimento de estudos setoriais. Parte
pode ser atribuída à falta de padronização dos dados divulgados, o que dificulta
1084

a comparabilidade e a análise desses dados. Parte decorre da não produção das


informações necessárias.
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Qualificar as estruturas e os instrumentos gerenciais dos hospitais


filantrópicos também parece ser uma obviedade quando estamos tratando de
entidades que prestam serviços de saúde.

A dificuldade em relação a este ponto também apresenta diversas facetas.


Uma delas diz respeito à qualidade da informação disponível para sustentar a
qualificação das estruturas e dos instrumentos gerenciais, o que nos remete à
discussão feita no tópico anterior. Uma segunda faceta diz respeito à qualidade
e à rotatividade da força de trabalho, na medida em que a qualificação das
estruturas e dos instrumentos gerenciais requer a elevação da primeira e a
diminuição da segunda. Uma terceira decorre da indisponibilidade de recursos
financeiros para fazer frente à qualificação das estruturas e dos instrumentos
gerenciais.

Melhorar a avaliação econômica dos hospitais filantrópicos a fim garantir


sua sustentabilidade e superar a dependência de recursos do SUS por meio da
substituição da forma de remuneração de serviços baseada na produção e
prestação de serviços para outros compradores, notadamente os planos de
saúde próprios, são questões que se articulam e as possíveis soluções decorrem
da forma como vemos a relação entre os hospitais filantrópicos e o SUS.

Duas ideias presentes nos textos analisados nos levam a refletir sobre a
natureza e as consequências dessa relação, seja para os hospitais filantrópicos,
seja para o SUS.

A primeira ideia diz que os hospitais filantrópicos são um patrimônio


público que precisa ser preservado e que foram reconhecidos como parceiros
fundamentais do SUS pela Constituição de 1988 (BARRADAS; MENDES,
1085

[2005?]).
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Ora, não restam dúvidas que os hospitais filantrópicos são um patrimônio


social importante, construído e constituído ao longo de anos pelas comunidades
nas quais estão inseridos, representando, neste sentido, a trajetória mesma
dessas comunidades.

Não nos deve causar dúvidas, também, que a existência dos hospitais
filantrópicos é importante para o SUS, seja por serem prestadores de serviços
especializados ao SUS, seja por serem prestadores únicos de serviço ao SUS
nos pequenos municípios do interior.

Agora, assumir que os hospitais filantrópicos são um patrimônio público e


como tal precisam ser preservados é atribuir-lhes uma natureza que não
possuem. Ao tratarem da necessidade de modernização gerencial dos hospitais
filantrópicos, Barradas e Mendes ([2005?], p. 8-9) reconhecem que os hospitais
filantrópicos não possuem esta natureza pública, afirmam que “[...] não é mais
possível permitir que segmentos de um hospital sejam administrados por
médicos ou grupo de profissionais com objetivos distintos da instituição, [...]” e
propõem mudanças na sua forma de gestão com o objetivo de superar o “[...]
modelo da tradicional mesa provedora da Santa Casa eleita por seus pares [...]”.

Não há sentido, portanto, em se falar que os hospitais filantrópicos são


um patrimônio público a ser preservado quando, na verdade, são um espaço
para a ação com objetivos privados de seus dirigentes ou de grupos de
profissionais que em tese lhes prestam serviços. Como indicam os autores,
atualmente, os hospitais filantrópicos são mantidos com financiamento público
do SUS e não apenas subsidiados pelo Estado como historicamente o foram em
função “[...] da oferta de serviços de natureza social com propósitos beneficentes
1086

aos seus usuários [...]” (PORTELA et al., 2000, p. 80). O que ocorreu ao longo
do tempo é que “[...] os propósitos beneficentes diferenciaram-se, e distorções
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em relação à função social original de tais entidades foram geradas [...]”


(PORTELA et al., 2000, p. 80).

Transformados em seus propósitos e em relação a sua função social


original, a natureza pública dos hospitais filantrópicos somente pode ser
apreendida a partir da natureza de seu financiamento eminentemente público.

A Constituição de 1988 permitiu que as instituições privadas, com


preferência das entidades filantrópicas e das sem fins lucrativos, participem de
forma complementar do SUS. Não há que se falar, portanto, que os hospitais
filantrópicos foram reconhecidos como parceiros fundamentais do SUS pela
Constituição de 1988. Há que se reconhecer que a Constituição de 1988
franqueou aos provedores privados de saúde, com preferência das entidades
filantrópicas e das sem fins lucrativos, o acesso ao fundo público que financia o
SUS, possibilitou o estabelecimento da dependência dos gestores do SUS em
relação aos provedores privados de saúde que já possuíam capacidade
instalada para a prestação de serviços especializados de atenção à saúde e
transformou definitivamente os propósitos e a função social original dos hospitais
filantrópicos que passaram a contar com financiamento eminentemente público.

A segunda ideia sustenta que a operação de planos próprios de saúde é


uma possibilidade de sustentação financeira dos hospitais filantrópicos, tendo
em vista que a receita decorrente deve ser inferior apenas à advinda do SUS.
Tais planos de saúde apresentam preços menores que o das demais
operadoras, constituindo-se, portanto, em alternativa para a parcela da
população que não pode arcar com planos de saúde a preços médios de
mercado (LIMA et al., 2007; UGÁ et al., 2008).
1087

Ocorre que os preços menores decorrem dos benefícios fiscais usufruídos


pelos hospitais filantrópicos e da amortização de investimentos por meio de
Página

recursos oriundos do SUS. Dito de outra forma, os preços menores decorrem de


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subsídios governamentais oriundos de isenções fiscais em função de um caráter


filantrópico que não mais se verifica dado que o financiamento dos hospitais
filantrópicos é eminentemente público, atuando o SUS como terceiro pagador,
não havendo mais, seja em função da determinação constitucional que a saúde
é direito de todos e dever do Estado, seja em função da dificuldade desses
hospitais auferirem renda de origem privada, “[...] a oferta de serviços de
natureza social com propósitos beneficentes a seus usuários” (PORTELA et al.,
2000, p. 80). Os menores preços decorrem, também, de subsídio cruzado em
favor dos titulares de planos de saúde e em detrimento dos usuários do SUS,
oriundo de investimentos financiados com recursos do fundo público que financia
o SUS.

Aceitas as discussões relativas às duas ideias apresentadas, outras duas


ganham força: a) o financiamento eminentemente público dos hospitais
filantrópicos é o que os torna hospitais públicos de fato; b) em alguma medida,
os recursos do fundo público que sustenta o SUS estão financiando planos
privados de saúde, isto é, o financiamento público que deveria levar a benefícios
públicos, está sendo destinado a ações que proporcionam benefícios privados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos estudos relativos aos hospitais filantrópicos e sua relação


com o SUS demonstra claramente uma lacuna na literatura que trata do tema
em função do reduzido número de publicações, da concentração dessas
publicações em um determinado período de tempo e do caráter majoritariamente
descritivo dessas publicações.
1088

Indicam, também, a necessidade de se retomar e aprofundar os estudos


Página

sobre o tema tendo em vista a importância que os hospitais filantrópicos têm

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para o sistema de saúde brasileiro e, em particular, para o SUS, seja em função


de sua capilaridade, seja em função do número de hospitais, seja em função do
volume de atendimentos, seja porque em muitos lugares são os únicos
prestadores de serviços de saúde.

Neste sentido, conhecer o setor filantrópico hospitalar é de fundamental


importância para a formulação de políticas públicas de saúde.

Da análise dos estudos efetuada, duas questões emergem com mais


força: a preponderância dos recursos públicos no financiamento dos hospitais
filantrópicos e a possibilidade de ocorrência de subsídios cruzados quando o
hospital filantrópico possui duas portas de entrada: a destinada aos usuários do
SUS e a destinada aos usuários de planos de saúde privados e a atendimentos
particulares.

A preponderância dos recursos públicos no financiamento dos hospitais


filantrópicos transformou definitivamente os propósitos e a função social original
dessas entidades, levando-as a se tornarem públicas de fato. Estudar essa
alteração na natureza dos hospitais públicos e suas implicações, tanto para a
estrutura de gestão dessas entidades quanto para a relação que mantêm com o
SUS, tendo em vista a natureza pública que assumem, é importante para a
formulação de políticas públicas de saúde, para a consolidação do SUS e para
o desenvolvimento dessas entidades.

A possibilidade de ocorrência de subsídios cruzados quando o hospital


filantrópico possui duas portas de entrada é importante questão de pesquisa
dado o comprometimento do fundo público que financia o SUS com ações que
têm redundado em benefícios privados e a necessidade de expandir a
1089

capacidade de atendimento do sistema que, sob a ocorrência de subsídio


cruzado em favor dos titulares de planos privados de saúde, sofre restrições de
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duas ordens: redução dos recursos disponíveis e seleção de acesso via planos
privados de saúde.

De qualquer forma, a retomada e o aprofundamento dos estudos sobre os


hospitais filantrópicos e sua relação com o SUS podem melhorar nossa
compreensão sobre o tema e contribuir para que o financiamento público da
saúde gere benefícios públicos quando atua no sentido de garantir um sistema
de saúde fundado na universalidade, na equidade e na integralidade.

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LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE
SERVIÇOS DE SAÚDE
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1093
Página

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FRANCCISCO PERCIVAL PINHEIRO FILHO
LIMITES PARA A EXPANSÃO DA REDE PÚBLICA DE
SERVIÇOS DE SAÚDE
ANA LAURA JAVARONI PATTON E CAROLINA SILVA CAMPOS
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRIBUTAÇÃO: O PAPEL DOS INCENTIVOS FISCAIS

GRUPO DE TRABALHO 4 – GT4


GESTÃO, PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PÚBLICO

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRIBUTAÇÃO: O PAPEL


DOS INCENTIVOS FISCAIS

ANA LAURA JAVARONI PATTON


Pós-graduada em Direito Tributário e Mestranda
em Direito e Desenvolvimento pela Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto – USP. E-mail:
ana.patton@usp.br

CAROLINA SILVA CAMPOS


1094

Pós-graduada em Direito Tributário e Mestranda


em Direito e Desenvolvimento pela Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto – USP. E-mail:
Página

carolina.silva.campos@usp.br
TÍTU INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRIBUTAÇÃO: O
PATTON, A. L. J., CAMPOS, C. S.
PAPEL DOS INCENTIVOS FISCAIS LO DO TRABALHO
ANA LAURA JAVARONI PATTON E CAROLINA SILVA CAMPOS
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRIBUTAÇÃO: O PAPEL DOS INCENTIVOS FISCAIS

RESUMO

A transição do Brasil para uma economia fundada em inovação tecnológica é um


dos caminhos capazes de promover o desenvolvimento nacional sustentável.
Para tanto, é relevante o papel do Estado mediante a promoção de políticas
públicas em prol da inovação tecnológica, dentre as quais se destaca os
incentivos fiscais. Objetiva-se, portanto, analisar a eficiência das normas que
versam sobre a implementação de políticas fiscais voltadas à inovação no Brasil,
especificamente a Lei do Bem (Lei n 11.195/05). A pesquisa tem caráter teórico,
e será realizada a partir de uma análise da literatura, nacional e estrangeira, nas
áreas de Direito, Economia, etc.; bem como da legislação. Como resultado,
busca-se comprovar que os instrumentos tributários de promoção à inovação
são positivos, mas, no plano empírico, mostram-se tímidos. Conclui-se ser
necessário estruturar um modelo de política fiscal que seja mais bem aplicado
ao desenvolvimento tecnológico.

ABSTRACT

The Brazilian transition to an economy based on technological innovation is one


of the ways that promote sustainable national development. Therefore, it is
important the role of the state by promoting public policies for technological
innovation, among which stands out the tax incentives. The goal, therefore, is to
analyze the efficiency of the rules that deal with the implementation of tax policies
for innovation in Brazil, specifically the Good Law (Law nº 11.195/05). Research
has theoretical character, and will be carried out from an analysis of the literature,
domestic and foreign, in the fields of law, economics, etc.; and legislation. As a
1095

result, we try to prove that the tax instruments to promote innovation are positive,
but empirically, appear timid. It concludes that it is necessary to structure a tax
Página

policy model that is best applied to technological development.


TÍTU INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRIBUTAÇÃO: O
PATTON, A. L. J., CAMPOS, C. S.
PAPEL DOS INCENTIVOS FISCAIS LO DO TRABALHO
ANA LAURA JAVARONI PATTON E CAROLINA SILVA CAMPOS
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRIBUTAÇÃO: O PAPEL DOS INCENTIVOS FISCAIS

INTRODUÇÃO

A importância da inovação, nos dias atuais, ultrapassa os limites do


crescimento econômico, sendo relevante, também, ao desenvolvimento social.
Por esse motivo, a Constituição Federal conferiu ao tema status constitucional.
No entanto, a inovação não é realizada no nível de sua importância pelo
setor privado, cabendo ao Estado a edição de políticas públicas tendentes a
estimular tais atividades, como se dá com a concessão de incentivos fiscais.

O presente estudo, então, propôs-se a responder se os incentivos fiscais


à inovação, em especial a Lei do Bem, são instrumentos eficientes para
promover a inovação tecnológica nas empresas brasileiras.

INOVAÇÃO E CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição Federal elege, como um dos objetivos fundamentais da


República Federativa do Brasil, o desenvolvimento nacional72. A noção de
desenvolvimento traz consigo uma abordagem ampla, que envolve tanto o
crescimento econômico, quanto o aumento da qualidade de vida da sociedade.

Assim, em homenagem ao referido objetivo, encontram-se espalhados no


texto constitucional diversos valores que promovem o crescimento econômico
(como a livre iniciativa e a livre concorrência, por exemplo) e o desenvolvimento
social (como o direito à saúde, à educação, etc.).
Dentre os caminhos constitucionalmente eleitos para se atingir o
desenvolvimento nacional, destaca-se, neste trabalho, o incentivo conferido às
atividades de ciência, tecnologia e, principalmente, inovação.
1096
Página

72
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...)
II - garantir o desenvolvimento nacional;
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A disciplina do tema foi alterada pela Emenda Constitucional nº 85/15, que


modificou diversos dispositivos constitucionais e incluiu outros para fazer constar
a promoção e o estímulo à inovação como de responsabilidade estatal.
De certo, a inovação passou a ser abordada como instrumento importante
ao crescimento econômico na primeira metade do séc. XX, a partir dos estudos
do economista Joseph Schumpeter (JULIEN, 2010). O conceito de inovação
adotado, majoritariamente, nos dias atuais, é o trazido pelo Manual de Oslo, que
trata a inovação como sendo de quatro tipos: inovação de produto, inovação de
processo, inovação organizacional e inovação de marketing (FINEP, 2004).
Percebe-se, assim, que a inovação se relaciona intrinsicamente com o
crescimento econômico, por ser imprescindível a uma economia capitalista, que
depende de novos métodos de produção, novos mercados, novos bens de
consumo, entre outros, para se manter (SALERNO e KUBOTA, 2008). Ainda, a
inovação está ligada à produtividade e à competitividade, à medida que quanto
mais se inova um produto, ou o processo de fabricá-lo, maiores são os ganhos
da empresa no mercado.
Além disso, atualmente, vivemos a chamada economia do saber, “[...] cujo
desenvolvimento baseia-se essencialmente ‘nas capacidades de criar e utilizar
conhecimentos” (JULIEN, 2010, p. 51). Com efeito, o conhecimento e as
capacitações de cada empresa geram vantagens competitivas que estimulam a
inovação, e, então, possibilitam um desempenho superior em competitividade, já
que a transformação produtiva permite à empresa conquistar novos mercados
ou melhorar seu processo produtivo, e, assim, aumentar seus ganhos. Isso faz
com que outras empresas se sintam impelidas a inovar, gerando um ambiente
competitivo sistêmico (CALZOLAIO e DATHEIN, 2012).
Além do viés econômico, a inovação se conecta, outrossim, com o viés
social. Em estudo publicado pelo IPEA (2008), Salerno e Kubota (2008)
1097

analisaram os números das empresas que investem em inovação e chegaram à


conclusão de que elas, além de apresentarem maior faturamento, empregam
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mais mão de obra, seus trabalhadores têm maior nível de escolaridade e


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possuem maior estabilidade no emprego, bem como maiores salários. Logo, elas
têm impacto positivo sobre o mercado de trabalho.
Outra relação entre inovação e desenvolvimento social que se identifica
diz respeito às micro e pequenas empresas (MPE). Apesar de a inovação ser
mais facilmente observada em grandes corporações, nas últimas décadas, as
pequenas empresas assumiram um papel importante no que toca ao
desenvolvimento de atividades inovativas. Em estudo publicado pelo IBGE
(2008), no período de 2003 a 2005, 82%, aproximadamente, das empresas que
investiram em inovação eram de menor porte.
Ademais, é cediço que as MPE desempenham um papel fundamental no
desenvolvimento socioeconômico nacional, tendo em vista que, conforme
aponta o SEBRAE (2015), têm alta capacidade de gerar emprego e absorver
mão de obra, já que respondem por 52,1% das carteiras assinadas no país, e
ainda constituem a maior parcela da força produtiva nacional, pois representam
98,2% das empresas formalmente estabelecidas. Assim, como a inovação é
importante para as MPE, que, por sua vez, são importantes ao desenvolvimento
socioeconômico, não há dúvidas que seus benefícios ultrapassam os limites
econômicos.

Não é por outra razão, portanto, que a Constituição Federal confere status
constitucional à inovação, e orienta, assim, todo o sistema jurídico a perquirir tal
valor.

DA IMPORTÂNCIA DO ESTADO PARA MITIGAR AS DIFICULDADES DO


PROCESSO DE INOVAÇÃO

Apesar da relevância da inovação para o desenvolvimento


1098

socioeconômico, tais atividades não são suficientemente realizadas.

Uma primeira dificuldade que pode ser apontada para obstáculo para o
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investimento em inovação é o fato de que os bens dela decorrentes são


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chamados de não-rivais e não-excludentes (TIMM e BRENDLER, 2009). Isso


significa que quando alguém desenvolve um produto ou um processo que gera
impactos econômicos positivos, o custo marginal para a produção de um bem
extra é irrisório (TIMM e BRENDLER, 2009), e a fruição do bem por alguém não
diminui a possibilidade do seu uso por outro. Dessa maneira, o próprio mercado
se afigura como um entrave à inovação, visto que passível de ser copiada pelos
demais atores econômicos.

Para socorrer o inovador, o direito brasileiro protege a propriedade sobre


o bem decorrente da inovação, através das patentes, no intuito de garantir que
o inovador recupere uma fração dos investimentos no bem gerado.

Outra dificuldade enfrentada pela inovação são os custos e riscos


financeiros elevados que a atividade apresenta. Em primeiro lugar, é necessário
investimento em capacitação pessoal para que as atividades inovativas sejam
desenvolvidas, o que faz com que parcela significativa dos gastos em pesquisa
e desenvolvimento nas empresas se relacione com funcionários. Assim, investir
em treinamentos e na contratação de profissionais capacitados representa um
gasto cujo retorno é difícil de identificar e de se mensurar (FARIA, 2015).
Outro ponto é a necessidade de financiamento bancário. As empresas
comprometidas com a inovação tendem a gerar lucros mais baixos num curto
período de tempo, bem como há uma considerável incerteza de sucesso das
atividades, o que faz com que as empresas resistam em financiá-las com
recursos próprios. No entanto, tendo em vista a natureza incerta do processo,
não é fácil conseguir crédito junto a instituições financeiras.
Conforme indicadores fornecidos pela PINTEC, os principais motivos que
obstam o desenvolvimento da inovação são os elevados custos de se inovar
(apontado por 81,7% das empresas), falta de pessoal capacitado (72,5%), riscos
1099

econômicos excessivos (71,3%) e a escassez de fontes de financiamento


(63,1%) (IBGE, 2011). Diante disso, há intensa necessidade obtenção de crédito
Página

bancário.

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Entretanto, o financiamento obtido no mercado convencional de créditos


apresenta restrições, como juros altos e prazo curto para pagamento, que vão
na contramão dos longos prazos para se colher os eventuais benefícios da
inovação (FARIA, 2015). Assim, é necessário se buscar outras fontes
financeiras, que observem as especificidades da atividade.
Ademais, as pesquisas demonstram que o investimento privado em
inovação no Brasil ainda é muito baixo, quando comparado aos países
desenvolvidos. Enquanto no Japão, por exemplo, se investe 3% do PIB em
inovação, no Brasil, o índice é de 1,24% (BORGES, 2011). Ainda, o Estado é o
maior financiador da inovação no país. Do investimento total em inovação, o
governo responde por 65% dos investimentos, enquanto as empresas participam
de apenas 59%, situação muito diferente daquela dos países desenvolvidos, em
que o setor privado, no caso do Japão, investe, em média, 2,4% do PIB
(BORGES, 2011).
Nesse sentido, e somado às disposições constitucionais que determinam
a obrigatoriedade de o Estado promover e estimular a inovação, é indispensável
sua intervenção na economia, para incentivar a inovação, através, por exemplo,
da proteção da propriedade intelectual, do financiamento direto em tais
atividades e da concessão de benefícios fiscais, foco do trabalho.
A concessão de incentivos fiscais é uma forma de política pública, pois,
tomando política pública como “(...) a coordenação dos meios à disposição do
Estado, harmonizando as atividades estatais e privadas para a realização de
objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados (...)” (BUCCI,
1997, p. 91), vê-se que os tributos, instituídos e cobrados pelo Estado, podem
ser utilizados como forma de induzir comportamentos no particular, através de
sua finalidade extrafiscal, para atender, precipuamente, aos valores estampados
no texto constitucional. Dessa maneira, como a promoção e o estímulo à
1100

inovação foram erigidos a status constitucional, os tributos devem ser usados


para tal fim. No entanto, parte da doutrina entende que a concessão de
Página

benefícios fiscais nem sempre é benéfica à atividade empresarial.


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Por um lado, os incentivos fiscais, se horizontais, trazem vantagens, pois


são uniformes a todas às empresas. Os incentivos também podem se dar de
forma vertical, priorizando certos setores ou tecnologias a outros, apenas
quando exista um relevantíssimo motivo social ou econômico para tanto. É
possível listar como vantagem, outrossim, a neutralidade da concessão dos
benefícios fiscais, tendo em vista a atividade de inovação que será desenvolvida
(CALZOLAIO e DATHEIN, 2012). Assim, cabe à empresa escolher qual o tipo de
inovação será realizada, e não ao Estado, garantindo plena autonomia à
atividade privada. Por fim, cita-se a pouca burocracia e a desnecessidade de
uma grande estrutura pública para conceder os incentivos fiscais, o que a torna
atrativa tanto para o Estado quanto para as empresas.
De outro revés, como apontam Calzolaio e Dathein (2012), a concessão
de benefícios fiscais não altera a percepção das empresas quanto ao risco do
investimento em inovação, pois afeta, apenas, a estrutura do custo. Ademais,
como a política fiscal se presta a empresas que já realizam gastos em inovação,
aquelas sem condições financeiras em investir não conseguem obter o benefício,
o que gera um abismo entre as empresas que inovam e aquelas que não o
fazem.

Em sendo assim, buscamos responder nesse trabalho justamente a


seguinte pergunta: os incentivos fiscais à inovação definidos pelas políticas
públicas, em especial a Lei do Bem, mostram-se como um instrumento apto para
promover a inovação tecnológica nas empresas brasileiras?

QUADRO REGULATÓRIO DO INCENTIVO FISCAL À INOVAÇÃO: ALGUMAS


NOTAS
1101

Conforme exposto acima, a criação de produtos e processos inovadores


encontra-se no rol das principais fontes que promovem o desenvolvimento dos
Página

países. Todavia, a elevação do nível de utilização da ciência e tecnologia não

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ocorre de forma espontânea (PEREIRA e KRUGLIANSKAS, 2005), motivo pelo


qual o governo brasileiro, enquanto estratégia para melhorar a competividade de
nossa economia pelo incremento de valor dos produtos aqui desenvolvidos, tem
envidado esforços para estimular a pesquisa e desenvolvimento no setor
podutivo por meio de incentivos fiscais.

Disto, fixadas essas considerações, podemos nos aproximar um pouco


mais do objeto central da presenta investigação, à medida que iremos analisar,
ainda que de revista, o quadro regulatório envolvendo os benefícios tributários
conferidos à inovação pelo governo, tendo como foco os dois diplomas legais
que figuram como marcos regulatórios do assunto: a Lei nº 10.973/04,
denominada de Lei de Inovação, que trouxe a previsão de recursos financeiros
sob a forma de subvenção econômica para a inovação nas empresas; e, dando
cumprimento à determinação do aduzido veículo legal, no que tange à
concessão de incentivos fiscais para o fomento à pesquisa e desenvolvimento
tecnológicos pelas empresas privadas, foi criada a Lei nº 11.196/05, apelidada
de Lei do Bem, que instituiu mecanismos de depreciação acelerados e de
incentivos fiscais para investimentos em P&D.

Cuida registrar, entretanto, que a política de incentivos fiscais à inovação


vigente foi definida pela Lei nº 8.661/93, que representou a retomada do
beneficio tributário como instrumento de política tecnológica no Brasil
(GUIMARÃES, 2006). Logo, o uso de tais instrumentos para incitar a tecnologia
local é recente no Brasil.

Daí que, embora o foco deste trabalho seja os benefícios contidos na Lei
do Bem, faz-se mister estudar o primeiro importante passo da política fiscal à
inovação concretizada pela Lei nº 8.661/1993, que sofreu alterações em 1997
(Lei nº 9.532) e ampliações em 2002 (Lei nº 10.637 e 10.332) (GUIMARÃES,
1102

2006).
Página

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Nesse passo, é de se ver que o aludido diploma legal condicionava a


concessão de incentivos fiscais à execução de Programas de Desenvolvimento
Tecnológico da Indústria (PDTI) e Desenvolvimento Tecnológico da Agricultura
(PDTA) pelas empresas participantes. Dentre tais benefícios, é possível
destacar: a isenção do imposto sobre produtos industrializados (IPI) incidente
sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos destinados à P&D; a
depreciação acelerada desses equipamentos e instrumentos; as deduções dos
dispêndios de P&D do imposto de renda (IR); o crédito do imposto de renda
retido na fonte (IRRF) e a dedução operacional de despesas com pagamento de
royalties e assistência técnica e científica.

Ademais, para que fossem usufruídos, as firmam eram obrigadas a


apresentar, de forma prévia, os seus tocantes projetos (seja do PDTI, seja do
PDTA) para análise e aprovação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI).

Nada obstante, conforme relata Bruno César Araújo, um número bem


reduzido de empresas gozou dos incentivos fiscais abarcados pela Lei nº 8.661
em decorrência de três fatores principais:

(...) a necessidade de autorização prévia do projeto de


inovação; ii) o viés dos incentivos fiscais em direção às
grandes empresas, tendo em vista que as pequenas
empresas no Brasil geralmente optam pelo sistema
tributário de lucro presumido – portanto, não podem
deduzir os gastos em inovação da base tributária; e iii) a
restrição dos incentivos a 4% do Imposto de Renda de
Pessoa Jurídica (IRPJ) a pagar, fixada a partir de 1997
diante da necessidade de ajuste fiscal (ARAÚJO, 2012, p.
3).
1103

Não é por outra razão que, nos anos de 2004 e 2005, o governo houve
Página

por bem reformular o seu aparato institucional para a inovação (ARAÚJO, 2010).

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É nesse cenário que surgiram, respectivamente, a Lei de Inovação e a Lei do


Bem, as quais buscam engendrar um ambiente favorável ao envolvimento de
empresas produtivas nos processos de inovação tecnológica (MOREIRA et al,
2007).

De certo, a Lei nº 10.973, sancionada em 2 de dezembro de 2004, e a sua


tardia regulamentação (Decreto nº 5.563, de 13 de outubro de 2005),
configuram-se como um novo instrumento de estímulo às atividades de P&D no
ambiente produtivo, para fins de alcançar autonomia tecnológica e
desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do país73.

Em termos mais direitos, observa-se que essas duas normas legais têm
como objetivo primordial estimular a cooperação entre empresas nacionais e
entes público. Melhor dizendo, elas buscam uma maior interação entre entidades
de pesquisa e iniciativa privada, “(...) sobretudo, no estímulo de instituições de
ensino colaborarem com pesquisas geradas no âmbito de aprendizado para a
construção de conhecimento ao setor produtivo” (BUFFON e JACOB, 2015, p.
131), de modo a promover um espaço de inovação e, em consequência,
contribuir com desenvolvimento industrial do país.

Além dessa junção de esforços para propagar o conhecimento gerado nas


instituições de ensino em sustento a inovações no setor produtivo, a Lei de
Inovação traz outros tipos de ações focadas no desenvolvimento tecnológico, as
quais são bem sintetizadas por José Mauro de Morais (2008):

a) criou as condições legais para a formação de parcerias


entre universidades, instituições privadas de C&T sem fins
lucrativos e empresas; b) concedeu flexibilidade às
instituições de ciência e tecnologia (ICT) públicas para
1104

73
Lei nº 10.973. Art. 1o Esta Lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica
e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia
Página

tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País, nos termos


dos arts. 23, 24, 167, 200, 213, 218, 219 e 219-A da Constituição Federal.
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participar de processos de inovação, ao permitir-lhes a


transferência de tecnologias e o licenciamento de
invenções para a produção de produtos e serviços, pelo
setor empresarial, sem a necessidade de licitação pública;
c) estabeleceu condições de trabalho mais flexíveis para os
pesquisadores de ICT públicas, que, a partir de então,
podem afastar-se do trabalho para colaborar com outras
ICT, ou mesmo para desenvolver atividade empresarial
inovadora própria; e Políticas de Incentivo à Inovação
Tecnológica no Brasil 72 d) criou modalidade de apoio
financeiro por meio de subvenção econômica direta para
as empresas, com vistas ao desenvolvimento de produtos
ou de processos inovadores, entre outros mecanismos
para a modernização tecnológica dos agentes públicos e
privados (MORAIS, 2008, p. 71-72).

E, para efetivar o art. 28 da Lei de Inovação, foi instituída a Lei nº 11.196,


de 21 de novembro de 2005, mais conhecida como Lei do Bem, “(...) por trazer
uma série de apoios que resultam em redução de impostos à produção industrial,
cujo objetivo é o desenvolvimento econômico” (CALZOLAIO e DATHEIN, 2012,
p. 10). Ela acabou por consolidar os dois textos legais que definiam a política de
incentivo às atividades de P&D até então (Lei nº 8.661 e Lei nº 10.627),
revogando-os (GUIMARÃES, 2006).

Nesse compasso, a Lei nº 11.196/2005 preconiza a concessão de


incentivos às empresas que desejam investir em P&D com o intuito de criar
novos produtos ou processos de fabricação no setor produtivo brasileiro74,
ampliando, de modo significativo, os benefícios previstos na Lei nº 8.661/93.
1105

74
Lei 11.196. Art. 17. A pessoa jurídica poderá usufruir dos seguintes incentivos fiscais: (...) §
Página

1o Considera-se inovação tecnológica a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem


como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique
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Nesse diapasão, vê-se que a Lei do Bem busca desonerar o dispêndio


em P&D, com vistas a estimular o aumento de recursos em inovação tecnológica
pelas empresas e, assim fazendo, obter uma maior participação da iniciativa
privada em relação ao investimento público, que ainda se mostra mais volumoso
em nosso país. Ou, como aduzem Sérgio Kannebley Júnior e Geciane Silveira
Porto (2012, p. 11), os incentivos fiscais trazidos na Lei do Bem visam promover
“(...) a fase de maior incerteza quanto à obtenção de resultados econômicos e
financeiros pelas empresas no processo de inovação que envolve risco
tecnológico”.

Uma nota característica importante da Lei nº 11.196/05 é tornar


automático o usufruto dos incentivos fiscais pelas empresas que façam pesquisa
tecnológica e desenvolvimento tecnológico (leia-se: dispensa as pessoas
jurídicas de apresentarem projetos prévios, para após apreciados, usufruírem
dos benefícios), aperfeiçoando, assim, o antigo mecanismo criado pela Lei nº
8.661/93. Dessa forma, incumbe à própria firma analisar se ela cumpre ou não
os requisitos legais e, caso a resposta seja positiva, a verificação da utilização
dos incentivos será feita no ano subsequente ao da realização dos gastos, por
meio de preenchimento do formulário disponibilizado no site do MCTI.

Avançando na análise do referido texto normativo, verifica-se que os


benefícios tributários estão arrolados em seu Capítulo III (que compreende os
artigos 17 a 26 da Lei do Bem).

Dentro desse contexto, o que se percebe é que a grande maioria dos


incentivos fiscais à inovação refere-se à apuração do Imposto de Renda das
Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL),
tais como a exclusão dos dispêndios em pesquisa, desenvolvimento e inovação
tecnológica, depreciação integral acelerada e amortização acelerada, os quais,
1106

por sua vez, aplicam-se estritamente às empresas tributadas pelo lucro real
Página

melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior


competitividade no mercado.
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(KANNEBLEY e PORTO, 2012). Aqui, cabe registrar que as firmas que


apresentem lucro líquido negativo no ano de exercício não podem usufruir dos
benefícios da lei (KANNEBLEY e PORTO, 2012).

Ademais, a Lei do Bem traz benefícios para os gastos com pesquisadores,


que, como já citado, constituem um dos maiores entraves ao desenvolvimento
de P&D. São eles: salários e encargos sociais e trabalhistas de pesquisadores
com dedicação parcial ou exclusiva às atividades de P&D e de pessoal de
prestação de serviço de apoio técnico a essas atividades; com a capacitação de
pesquisadores e de pessoal de prestação de serviços de apoio técnico
(MEMÓRIA, 2014).

Outro elemento relevante recai sobre a redução de 50% do IPI incidente


sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos, bem como os
acessórios sobressalentes e ferramentas que acompanhem esses bens,
destinados à P&D, independente do regime de tributação adotado pela empresa
usufruidora (Simples Nacional, lucro presumido ou real).

Com o fito de promover uma melhor visualização, trazemos a didática


planilha dos incentivos fiscais proporcionados pela Lei do Bem sistematizada por
Aziz Eduardo Calzolaio e Ricardo Dathein:

Quadro 1- Incentivos fiscais à inovação da Lei do Bem

O IFILB permite: O IFILB permite:

Pacote 1 Pacote 2

A empresa pode solicitar mais de um dos A empresa que solicitar benefícios não pode
vários benefícios citados nesse pacote. participar de nenhum outro IFILB.
1) Dedução para efeito de apuração do lucro Dedução para efeito de apuração do lucro
líquido e da apuração da base de cálculo do líquido e da apuração da base de cálculo do
CSLL de: CSLL dos:
1107

• 100% dos gastos com P&D que sejam: a) • Os dispêndios com contratos de parcerias
operacionais; com uma Instituição Científica e Tecnológica
(ICT).
b) referentes a contratos com universidades,
Página

instituições de pesquisa;

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c) transferidos a micro e pequena empresa ou


inventor independente. Esses 100% podem
ser ampliados para 200%, pois é possível
adicionar a ele uma parcela: de 60% dos
gastos com despesas operacionais em
pesquisa tecnológica e desenvolvimento de
inovação tecnológica (PTDIT), de 20%
indexada à contratação de pesquisadores, de
20% indexada a patentes e registro de
cultivares.

2) Depreciação e amortização
• Depreciação acelerada integral para efeito
de apuração do IRPJ e da CSLL dos valores
correspondentes ao dispêndio com aquisição
de novas máquinas, equipamentos, aparelhos
e instrumentos destinados à PTDIT.
• Amortização acelerada para efeito de
apuração do IRPJ dos valores
correspondentes aos dispêndios com
aquisição de bens intangíveis vinculados a
atividades de PTDIT.
• Depreciação ou amortização dos valores
relativos aos dispêndios incorridos em
instalações fixas (construção de áreas
destinadas a laboratório de P&D).

3) Redução da alíquota incidente e crédito


fiscal sobre o imposto de renda
• A alíquota do imposto de renda retido na
fonte pode reduzir-se a zero quando a renda
é remetida para o exterior com o objetivo de
registrar e manter marcas e patentes.
• É permitido o crédito do imposto sobre a
renda retido na fonte, incidente sobre os
valores pagos, remetidos ou creditados a
beneficiários residentes ou domiciliados no
exterior, a título de royalties, de assistência
técnica ou científica e de serviços
especializados.

4) Redução de 50% do IPI


Incidente sobre equipamentos, máquinas,
aparelhos e instrumentos, bem como os
1108

acessórios sobressalentes e ferramentas que


acompanhem esses bens.

Fonte: Elaboração por CALZOLAIO e DATHEIN, 2012, p. 11-12.


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Tecidos todos esses esclarecimentos necessários para o


desenvolvimento deste estudo, podemos, enfim, equacionar a dúvida central que
o trabalho se propôs a responder: os incentivos fiscais à P&D definidos pelas
políticas públicas, em especial a Lei do Bem, revelam-se como um instrumento
apto para promover a inovação tecnológica nas empresas brasileiras? É o que
faremos no item tópico seguinte.

ANÁLISE DOS INCENTIVOS FISCAIS CONCEDIDOS PELA LEI DO BEM

Consoante já expusemos, as empresas beneficiadas pela Lei do Bem são


obrigadas a submeter um relatório anual informando as atividades desenvolvidas
dentro do escopo dos projetos envolvendo incentivos tributários. E, assim sendo,
partimos justamente do balanço exposto pelo relatório anual da utilização dos
incentivos fiscais à inovação tecnológica no âmbito da Lei nº 11.195/05, cuja
divulgação é feita pelo MCTI e, por meio do qual, é possível observar a
quantidade de empresas beneficiadas, os valores totais investidos em P&D e os
valores de renúncia fiscal.

Nesse esteio, com base no último relatório lançado, que contém


informações sobre os resultados gerados no ano de 2012, extrai-se que a
adesão das empresas passou de 130 cadastramentos em 2006 (primeiro ano de
uso dos benefícios da Lei do Bem) para 1.042 em 2012, sendo que o número
das beneficiárias foi 787.

Aliás, o ano de 2012 não é um caso isolado, à medida que se verifica o


número crescente de empresas beneficiadas pela Lei do Bem, em que, desde a
sua criação aumenta ano após ano. Basta ver o gráfico abaixo demonstrando a
evolução do número de empresas participantes no decorrer dos anos:
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INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E TRIBUTAÇÃO: O PAPEL DOS INCENTIVOS FISCAIS

Fonte: MCTI, 2013, p. 10.

Nada obstante, como afirma o próprio relatório, apesar do acréscimo


contínuo nos últimos anos de pessoas jurídicas que aderiram ao uso dos
incentivos fiscais, pode-se concluir que apenas um número reduzido delas está
participando da Lei do Bem, haja vista o ranking das empresas que mais inovam
no Brasil (MCTI, 2013).

Deveras, em que pese a ampla possibilidade de qualquer empresa com


gastos e investimentos em P&D fazer uso dos benefícios concedidos no Capítulo
III da Lei do Bem, o universo de adesões é bastante reduzido. Inclusive,
corroborando essa baixa adesão, insta salientar que na PINTEC, promovida pelo
IBGE (2013), referente ao ano de 2011, as empresas industriais inovadoras que
1110

se utilizaram dos incentivos fiscais foram somente no patamar de 2,5%,


totalizando cerca de 1.044 firmas no período entre 2009-2011.
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Como uma das justificativas para o baixo acesso aos benefícios tributários
da Lei do Bem, pode ser apontada a falta de informação do empresariado a
respeito da legislação, ou seja, a ausência de conhecimento e entendimento da
correta aplicação da lei, gerando uma grande insegurança jurídica aos
contribuintes (ASTRO et al, 2012; KUROKI, 2010). Aliás, não diverge desse
resultado Flávia de Souza Teixeira da Silva (2014) que, ao realizar um estudo de
campo nas grandes empresas do parque tecnológico do Rio de Janeiro, verificou
que uma das principais dificuldades encontradas pelas pessoas jurídicas no uso
dos incentivos fiscais é a falta de clareza da legislação, mesmo após a
publicação da Instrução Normativa RFB nº 1.187/2011 (cujo propósito foi
justamente disciplinar os benefícios da Lei nº 11.196/05), de modo que tais
empresas optaram por não fazer uso do incentivo, ou, como bem afirma a autora:

“(...) enquanto as empresas não conseguem ter a


percepção de que o ganho oriundo da utilização dos
incentivos fiscais é superior aos custos de transação
gerados por essa utilização, elas optam por não usufruir
destes incentivos, uma vez que além de não superarem os
custos de transação, ainda podem se transformar em
contingências fiscais pela atuação posterior da RFB” (DA
SILVA, 2014, p. 97-98).

Ademais, mais uma razão é dada por Sidirley Fabiani e Roberto Sbragia
(2014), que ao realizarem entrevistas com 26 empresas, apontaram a perda
fiscal no ano base de investimento como sendo uma das restrições da Lei do
Bem, pois “(...) apesar do investimento continuado em P&D, em um momento de
dificuldade sofrido pela empresa ou indústria que geram uma perda fiscal, a firma
perde o benefício fiscal, o qual, sob nenhuma circunstância, pode ser
1111

recuperado” (FABIANI; SBRAGIA, 2014, p. 58, tradução nossa).

Por fim, outra hipótese que justifica a pouca adesão à Lei do Bem é a
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circunstância dela estar disponível em grande medida apenas para empresas


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tributadas pelo regime tributário do luro real, o que acaba impedindo a entrada
de boa parte das empresas brasileiras do programa de incentivos fiscais,
mormente as pequenas e médias que fazem ou conseguiriam realizar atividades
de P&D. Realmente, o regime do lucro real, pela sua complexidade e alto custo,
é adotado por somente 7% dos contribuintes de IRPJ, o que implica na
impossibilidade de 93% das empresas restarem impossibilitadas de solicitarem
incentivos fiscais (CALZOLAIO, 2014).

Daí porque é possível afirmar que os incentivos fiscais não alteram a


percepção que a empresa possui acerca do risco. Vale dizer, a política fiscal de
incentivo à inovação não amplia a base de empresas inovadoras, mas, ao
contrário, acaba por intensificar as atividades de inovação das empresas que já
se encontram inovando, sem, contudo, acrescentar novas empresas junto às que
já praticam atividades inovadoras (CALZOLAIO, 2014).

De posse de tais considerações, sentimo-nos confortáveis em afirmar que


os incentivos fiscais em apoio à P&D, apesar de configurarem um dos
mecanismos mais fortes de promoção à inovação em virtude dos instrumentos
de desoneração e usufruição automática, apresentam um número muito
reduzido de empresas participantes, com destaque de utilização pelas grandes
firmas que já possuem tradição no lançamento de produtos e processos novos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encerrando, enfim, o estudo, vê-se que os incentivos fiscais à inovação


tecnológica são de fulcral importância para auxiliar no desenvolvimento
econômico do país ao aumentar a competividade dos nossos produtos. Todavia,
analisando a eficiência dos benefícios tributários trazidos no Capítulo III da Lei
1112

do Bem, percebe-se que o uso de tais mecanismos pelas empresas mostra-se


tímido, no sentido de ter um reduzido número de pessoas jurídicas inovadoras
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participando do programa de incentivo, sendo algumas das dificuldades: a


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restrição do regime tributário do lucro real (que é o grande beneficiário da lei); as


controvérsias e dificuldades envolvendo a legislação e, por fim, a perda do
benefício no caso da firma apresentar lucro líquido negativo.

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PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA, ANA CLÁUDIA FERNANDES TERENCE E MARCO ANTÔNIO CATUSSI
PASCHOALOTTO
ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO: UM ESTUDO DE CASO DA GESTÃO DA UNESP,
CAMPUS DE TUPÃ/SP

GRUPO DE TRABALHO 4 – GT4


GESTÃO, PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PÚBLICO

ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO: UM


ESTUDO DE CASO DA GESTÃO DA UNESP, CAMPUS
DE TUPÃ/SP

PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA


Bacharel em Administração Pública pela UNESP,
Mestrando em Engenharia de Produção pela
USP. E-mail: oliveiraph1@gmail.com

ANA CLÁUDIA FERNANDES TERENCE


Professora Assistente Doutor no Departamento
de Administração Pública. E-mail:
1118

anaterence@fclar.unesp.br

MARCO ANTONIO CATUSSI PASCHOALOTTO


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PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA, ANA CLÁUDIA


ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO: UM ESTUDO
FERNANDES TERENCE E MARCO ANTÔNIO CATUSSI
DE CASO DA GESTÃO NA UNESP, CAMPUS DE TUPÃ/SP
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PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA, ANA CLÁUDIA FERNANDES TERENCE E MARCO ANTÔNIO CATUSSI
PASCHOALOTTO
ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO: UM ESTUDO DE CASO DA GESTÃO DA UNESP,
CAMPUS DE TUPÃ/SP

Bacharel em Administração Pública pela UNESP,


Mestrando em Organizações pela USP. E-mail:
marcocatussi@gmail.com
RESUMO

O objetivo do estudo foi descrever o trabalho de administrador a partir da


estrutura, dos processos administrativos, das atividades de gestão. O estudo das
organizações e do trabalho do administrador torna-se a cada dia mais relevante,
pois se encontra em constante alteração, sendo a busca da sua compreensão
contínua. Foi realizado um estudo de caso único na UNESP, Campus de
Tupã/SP. Os dados foram coletados a partir de observação livre, entrevista e
análise de documentos em um período de 03 meses na unidade. Como
resultados tem-se que cada área administrativa apresenta a sua função
específica, contemplada no organograma da organização, sendo necessária a
comunicação efetiva entre estas para o seu funcionamento. Foram identificados
muitos processos na organização, porém percebe-se que muitos desses ainda
não estão mapeados. Portanto, com a realização da pesquisa esperou-se ter
contribuído com o avanço do conhecimento dessa área e o desenvolvimento de
novas pesquisas relacionadas ao estudo da gestão de organizações públicas.

ABSTRACT

The purpose of the study was to describe the managerial roles from the structure,
administrative processes, management and organizational activities. The study
of organizations and the managerial roles becomes more relevant because, it is
constantly changing, and their search is continuous. It was realized a single case
1119

study at UNESP, Campus Tupã/SP. Data were collected from free observation,
interviews and analysis of documents in a period of 03 months in the unit. As a
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result, it has been that each administrative area has its specific function,

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contemplated in the organization chart, which requires effective communication


between them for its operation. Many processes have been identified in the
organization, but it is clear that many of these are not yet mapped. Therefore, the
research was expected to have contributed to the advancement of knowledge in
this area and enabling the development of new research related to the study of
public organizations management.
1120
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INTRODUÇÃO

A partir da definição do tema por dimensões organizacionais das


organizações públicas e do subtema estrutura administrativa e organizacional e
o trabalho do administrador, definiu-se como objeto de análise: organizações,
estruturas e processos; e o trabalho do administrador, ou seja, as suas visões e
a sua caracterização. A teoria das organizações é composta por diversas escolas
e teorias (MOTTA; VASCONCELOS, 2005): escola clássica da administração e
o movimento da administração científica; a escola de relações humanas; teorias
sobre motivação e liderança; os processos decisórios nas organizações; o
estruturalismo e a teoria da burocracia; a teoria dos sistemas abertos; o sistema
e a contingência: teoria das organizações e a tecnologia; desenvolvimento
organizacional; visão transversal das organizações; cultura organizacional; o
poder nas organizações; aprendizagem organizacional; psicanálise e
organização; e teorias ambientais. Motta e Vasconcelos (2005) definem a teoria
das organizações por um conjunto de fatores, em que vão surgindo novos
elementos dentro do sistema, levando a novos pensamentos e entendimento.
Para os autores, a busca desse entendimento é contínua.

O estudo de organizações, como sua caraterização, estruturas e


processos, bem como o estudo da evolução das escolas de administração é um
tema clássico e amplamente debatido na administração geral. Porém, na
administração pública é um tema cada vez mais estudado, pelo crescente uso
da gestão na área pública. Assim sendo, o estudo do trabalho do administrador
é um tema que também é crescente na área de administração pública. No estudo
das organizações figuram vários autores, porém tem destaque o estudo de Motta
1121

(1998, p.108), a partir do qual, se justifica o termo mudança organizacional por


“um conjunto de alterações na situação ou no trabalho de uma organização,
Página

entendendo ambiente de trabalho como ambiente técnico, social e cultural”. Tal

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frase elucida a importância da realização de estudos organizacionais para se


conhecer de fato o ambiente de trabalho, técnico, social e cultural e a partir disso
propor, baseado na referência bibliográfica e na teoria compreendida, críticas e
propostas para mudanças organizacionais.

Existem muitas definições para o que é administração, considerado um


aspecto fundamental para o trabalho em questão. Dentre as possíveis, existe a
de Jones e George (2008, p.5) definindo administração por “planejar, organizar,
liderar e controlar os recursos humanos e outros recursos de modo a atingir os
objetivos organizacionais de maneira efetiva e eficiente”. Além disso, para os
autores, compõe também a administração tanto ativos tangíveis, como
maquinários, matérias primas e computadores, quanto ativos intangíveis, como
pessoas e suas habilidades, know-how e conhecimento, tecnologia da
informação e o capital financeiro. Essa visão da administração e,
consequentemente do trabalho do administrador a partir do processo
administrativo, proposta originalmente por Fayol, é predominante na literatura.

Na administração pública percebe-se a importância da organização


pública para a execução de serviços, seja para o público externo (população) ou
o público interno (próprio governo) e também a importância do papel do
administrador – ou administrador público – também para a execução de
atividades. Ao longo da evolução do pensamento administrativo – diretamente
ou indiretamente – são abordados esses temas, como na evolução do
pensamento administrativo, nas teorias organizacionais e administração pública,
no papel das organizações da estrutura da administração pública, no estudo da
estrutura das organizações e como elas se relacionam entre si (a partir da teoria
1122

sistêmica), e também no papel do administrador, que figura como o burocrata,


responsável por realizar as atividades de modo mais eficaz e eficiente, na
Página

tomada de decisões.

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Para abordar a organização pública e o trabalho do administrador foi


realizado um estudo na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Campus Experimental de Tupã, no qual foram analisados e caracterizados a
estrutura administrativa, os processos e o dia-a-dia do administrador público.

Este estudo justifica-se, além da relevância do tema, pelo fato do Campus


Experimental de Tupã apresentar uma organização diferente as outras unidades
universitárias da UNESP e passar por uma reestruturação administrativa.
Acrescente-se que o Campus Experimental de Tupã completou 10 anos em
2013, sendo uma organização relativamente nova.

ORGANIZAÇÕES

Organizações, estruturas e processos é um tema amplamente debatido


na administração geral, sendo agora debatido também em outras áreas, como
na engenharia e também na administração pública. O tema cultura
organizacional foi objeto de estudos acadêmicos desde 1980. Motta e
Vasconcelos (2005) afirmam que a cultura organizacional pode ser de dois tipos:
a organização tem uma cultura (variável organizacional); ou a organização é uma
cultura. Assim, no primeiro caso temos empresas e entidades públicas, em que
a cultura mudaria conforme o passar do tempo. Já o segundo caso, ela própria
seria a cultura, dado pela expressão cultural de seus membros.

Outro ponto tratado por Motta e Vasconcelos (2005) é sobre o elemento


formal e informal de uma organização. O primeiro refere-se à cultura oficial da
organização, enquanto o segundo sobe as subculturas e visões de mundo dos
1123

membros da organização. No estudo de Motta e Vasconcelos (2005) também é


abordado sobre as diferenças entre cultura oficial e informal, o papel da liderança
Página

na organização, cultura organizacional como fator de produtividade, organização

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como fenômeno cultural, mudanças dos padrões culturais, organização: esfera


cultural e simbólica, e cultura organizacional e poder.

Daft (2002) apresenta aspectos gerais da estrutura organizacional e os


seus componentes-chave. O autor, a partir dos conceitos básicos de estrutura
organizacional demonstra como projetar a estrutura tal como ela se manifesta no
organograma. Os conceitos básicos, a partir desse estudo são a estrutura
organizacional sendo entendido em três aspectos: 1- relações formais de
subordinação, com o número de hierarquias e a amplitude de controle de gerente
e supervisores; 2- agrupamento de indivíduos em departamentos e de
departamentos na organização como um todo e; 3- projeto de sistemas para
assegurar comunicação eficaz, coordenação e integração de esforços entre os
departamentos.

Define-se processo pelo conjunto de atividades que toma um input,


adiciona valor a ele e fornece um output, num ciclo. Sua importância está
pautada, segundo o mesmo estudo, em assegurar a “saúde” da organização, por
fim, também cita que podem ser divididos em processos de negócios ou serviços,
processos organizacionais e processos gerenciais (ACADEMIA PEARSON,
2011).

Um tema importante sobre esse tópico é a definição de organização, nas


quais muitos autores optam por sua definição. Hall (2004) diz sobre a importância
de se estudar organizações, pois segundo ele todo está baseado em
organizações e, assim, necessitamos estuda-la para compreender a sociedade
e o que está acontecendo ao nosso redor, cita ainda sobre algumas limitações
para as organizações e para o sistema social, além das contradições das
1124

organizações, nas quais atores individuais podem ter seu papel limitado.
Mintzberg (2006) afirma da importância das organizações para a sociedade
Página

atual. Quase tudo envolve organizações, assim, é melhor que possamos


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FERNANDES TERENCE E MARCO ANTÔNIO CATUSSI
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compreendê-los, entendendo o processo de estratégia. Cita que, por exemplo,


nascemos em uma organização chamada hospital e que somos enterrados por
uma organização chamada funerária. Hall (2004) define organização como uma
coletividade com uma fronteira relativamente identificável, com regras, hierarquia
(níveis de autoridade) e procedimentos próprios. A organização está inserida em
um ambiente, com objetivos e metas normalmente definidos, em que as
atividades desenvolvidas têm consequências para os membros da organização,
para a própria organização e para a sociedade. Outra definição é de um conjunto
de atividades com um comando racional e lógico do esforço coletivo, com
objetivo de ajudar na divisão de tarefas e no combate ao desperdício
(ACADEMIA PEARSON, 2011). Daft (2001) é outro autor que também define
organização, em que o processo organizacional guia a criação da estrutura da
organização, definindo como as tarefas são desenvolvidas e os recursos
aplicados.

Daft (2001) ainda sobre as organizações aponta que as mesmas


desempenham uma grande variedade de tarefas, em que, a partir de seu
princípio exposto, o trabalho poderá ser desempenhado com maior eficiência
caso os colaboradores se especializem. A especialização do trabalho ou divisão
do trabalho é o nível em que as tarefas da organização podem ser subdividas
em tarefas separadas.

Segundo Mintzberg (2008) os trabalhos podem ser especializados em


duas dimensões: 1) extensão ou escopo, de quantas diferentes tarefas estão
contidas em um trabalho e se as tarefas são complexas ou simples, surgindo
dois tipos de trabalhadores, um que é “pau para toda obra” pulando de atividade
1125

e outro que é especialista, repetindo as tarefas todos os dias e; 2)


especialização, referente ao controle do trabalho, surgindo também dois tipos de
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ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO: UM ESTUDO
FERNANDES TERENCE E MARCO ANTÔNIO CATUSSI
DE CASO DA GESTÃO NA UNESP, CAMPUS DE TUPÃ/SP
PASCHOALOTTO
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ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO: UM ESTUDO DE CASO DA GESTÃO DA UNESP,
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trabalhadores, um que o trabalhador faz as atividades sem entendê-las e outro


que entende o porquê, controla os aspectos e executa as atividades.

Surge daí a ideia de especialização do trabalho, a primeira é entendida


como especialização horizontal do trabalho, que lida com atividades paralelas,
da divisão do trabalho, inerente a organização e a qualquer atividade; a segunda,
a especialização vertical do trabalho, que separa o desempenho do trabalho da
administração.

Mintzberg (2008) diz que apesar da vasta bibliografia sobre as


organizações a maioria dela não consegue colocar em prática as orientações de
revistas periódicas e artigos. O autor consegue sintetizar pontos para a boa
gestão e organização, facilitando de certo modo o acesso ao material. Outros
autores que facilitam o acesso a esse material de forma sistematizada são Motta
e Vasconcelos (2005) que elucidam sobre outro tema importante dentro das
organizações.

Assim, segundo Motta (2005) os dois tipos fundamentais de


alterações são estruturais e comportamentais. A primeira é definida, quando a
estrutura da organização sofre alterações, como, por exemplo: a criação ou a
extinção de um departamento dentro de uma organização e a segunda é
definida, pela mudança de atitude ou de comportamento pelos colaboradores da
organização.

A mudança de atitude dos colaboradores pode ter relação com a


identidade social, com mudanças de elementos culturais durante a socialização
e elementos comuns de indivíduos que exercem a mesma profissão. Assim,
retomando o ponto número 3 (três) da aprendizagem organizacional de dar um
1126

sentido comum à ação da organização e sobre um tipo fundamental de alteração,


comportamental, podemos definir, retomando Motta e Vasconcelos (2005) o
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conceito de cultura organizacional. Assim cultura organizacional é um sistema


complexo, em que cada organização os membros pertencentes possuem
padrões culturas próprios em cada tipo de sistema. Motta e Vasconcelos (2005)
como exemplo diz que certos elementos culturais de membros de certa
universidade vão ser diferentes das outras universidades, sendo que isso poderá
ser utilizado para empresas privadas, organizações sem fins lucrativos,
hospitais, empresas públicas, clubes, escolas e assim, sendo aplicado para
todos os tipos de organização.

Portanto, apesar de toda crítica sobre as teorias das organizações de não


se aplicarem para a realidade específica de cada organização, Daft (2002) diz
que essas teorias ajudam no período de complexidade e transição, fornecendo
insights e conhecimento. Para ele uma das ameaças é a organização não se
mostrar reativa frente às mudanças ambientais. Um ponto que ajuda as
organizações a entenderem sobre seu ambiente interno é sobre a dimensão do
projeto organizacional, sendo de dois tipos, estruturais e contextuais. A primeira
descreve as características internas de uma organização (possibilitando
mensuração e comparação), enquanto a segunda de caráter mais amplo, sobre
o porte, tecnologia, ambiente e metas (definem os ajustes estruturais).

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

O segundo ponto a ser debatido é a estrutura. Daft (2001) define a


estrutura da organização em três pontos: 1- um conjunto de tarefas formais
atribuídos a um responsável (setor ou uma pessoa); 2- relações formais de
relacionamento (linhas de autoridade, decisão de responsabilidade, número de
1127

níveis hierárquicos, amplitude de controle); e 3- projeto dos sistemas, para


eficácia dos colaboradores dentro dos setores da organização. Existem dois
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tipos de estrutura, a formal, que a definida pela alta administração através do


organograma, delimitando as áreas existentes e como elas se relacionam e a
estrutura informal, que surgem pelo real funcionamento da organização, pelas
atividades informais, envolvendo os valores pessoais dos colaboradores que
praticam tais atividades (CERTO 2003).

Já sobre estrutura organizacional, podemos defini-la dentro dos três


sistemas que a compõe (ACADEMIA PEARSON, 2011): sistema de
responsabilidade, sistema de autoridade e, sistema de comunicação. Uma
estrutura organizacional bem definida está relacionada com o sucesso da
organização. Assim, para acontecer de forma eficiente, a estrutura precisa estar
ligada com os objetivos da instituição. Assim, a estrutura organizacional para Hall
(2004) existe para proporcionar eficiência, mesmo que de forma não intencional,
com impactos importantes para os colaboradores e para o ambiente em está
inserido. Dentro dessa estrutura aparecem pontos, tais como: processos de
poder, conflito, liderança, tomada de decisões, comunicação e mudança.

Outras definições que estão ligadas aos termos organização e estrutura


organizacional, que de certa forma nos ajuda entender sobre o tema são sistema
e método. O primeiro pode ser definido como “um conjunto de partes
interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário
com determinado objetivo e efetuam função específica“ (ACADEMIA PEARSON,
2011, p. 57). Assim, seriam sistemas com a composição de partes que executam
papeis diferentes para atingir um objetivo coletivo.

Os métodos são “utilizados nas empresas a fim de elaborar modelos


eficientes, capazes proporcionar maiores índices de produtividade aliados à
1128

redução de custos.” Além disso, ajudam as empresas na diminuição do tempo


de produção e aperfeiçoamento de produtos e serviços (ACADEMIA PEARSON,
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2011, p. 57)
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Retomando, Caravantes, Panno, Kloeckner (2005) também abordam


dentro da teoria dos sistemas gerais a definição de sistema, sendo qualquer
entidade, conceitual ou física, composta de partes inter-relacionadas,
interatuantes ou interdependentes, dotada de um objetivo.

Sentanin (2010), numa revisão sobre Mintzberg com o intuito de


compreender a formação de estratégia das organizações, identificou e
exemplificou cinco categorias básicas de estrutura organizacionais: 1 - Estrutura
simples: empresa familiar, microempresa, estratégia intuitiva; 2 - Burocracia
mecanizada (inflexível e extremo controle): fábrica de automóveis; 3 - Burocracia
Profissional (especialistas, solucionar problemas na estrutura): universidades,
hospitais; 4 - Forma divisionalizada (autonomia para tomar as próprias decisões):
grandes corporações multinacionais e; 5 - Adhocracia (estrutura orgânica com
pouca formalização de comportamento, inserida em um ambiente dinâmico e
complexo): agência de propaganda e empresas petrolíferas.

Mintzberg (2008) fala sobre a estrutura básica da burocracia mecanizada,


que pode ser encontrado em algumas unidades de trabalho do serviço público
brasileiro: sendo algumas características: tarefas operacionais rotineiras e
altamente especializadas, procedimentos muito formalizados no núcleo
operacional, proliferação de normas, regulamentos e comunicação formalizada
em toda a organização, grandes unidades no nível operacional e poder de
tomada de decisão relativamente centralizado. Com um resumo, temos a
padronização dos processos de trabalho, organização antiga com um ambiente
simples e instável, não acompanha tendências e aparecem grandes problemas
humanos.
1129

Distintamente, aparece a burocracia profissional, baseando se na


coordenação da padronização das habilidades e em seus parâmetros de design
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associados, o treinamento e a doutrinação, contratação de profissionais


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especializados pela meritocracia, com treinamento e doutrinação pelos valores


da organização, para o núcleo operacional e depois concedendo certa
autonomia para os colaboradores. Como resumo, temos a padronização de
habilidades, ambiente complexo e estável com sistema técnico não regulado e
não sofisticado, acompanhando as tendências.

Para Motta (2002), o surgimento dos estudos da burocracia aparece a


partir dos problemas que surgem nas grandes organizações nas sociedades
modernas. Aparece a partir do estudo científico dos autores a partir de um
padrão de desenvolvimento bem definido. Portanto, aparece também como mais
um ponto importante para os estudos das organizações, pois os problemas
encontrados dentro de um ambiente poderão servir de modelo para problemas
de outras instituições. Fato é que para alguns autores, conforme apontado por
Motta (2002) os conceitos de burocracia e burocratização não têm o mesmo
significado. Isso acontece por uma questão de terminologia. Assim, para o autor
são problemas diferentes da organização que está passando por mudança.

Motta e Vasconcelos (2005) citam as características básicas da


burocracia: funções definidas e competências estabelecidas por lei, direito e
deveres baseados no princípio da igualdade burocrática, evitando o clientelismo,
definições de hierarquia e especialização de funções, impessoalidade nas
relações, objetivos explícitos e estrutura formalizada, autoridade racional-legal e
racionalidade instrumental e definem as vantagens da burocracia como: evitar o
clientelismo, análise dos processos, lógica científica, ética profissional,
formalização competências, isomorfismo, expansão e comércio.

Motta e Vasconcelos (2005) também apontam sobre uma das tensões


1130

primordiais do sistema burocrático, sendo chamado de efeitos primários. Isso é


apontado quando os interesses individuais dos colaboradores são diferentes dos
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objetivos determinados pela organização. As regras e controles burocráticos


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surgem para controle das ações dos colaboradores dentro da organização para
que os mesmos atinjam as metas organizacionais. Daí surgem os efeitos
secundários, ocasionando conflitos e tensões a partir do aparecimento dos
mecanismos de controles, utilizados para supervisionar, monitorar e controlar os
colaboradores e os resultados de suas ações, sendo um acontecimento típico da
administração.

Por fim, Daft (2002) em revisão bibliográfica de Weber aponta que


apesar de características negativas da burocracia, como a ameaça às liberdades
pessoais básicas, reconhecia aspectos positivos da mesma, de sistema mais
eficiente para uma organização, tanto privada quanto pública. Os conjuntos de
características organizacionais que poderiam ser encontradas nas organizações
burocráticas bem-sucedidas se baseiam em quatro pilares: orientação
estratégica, alta administração, projeto organizacional e cultura organizacional.

PROCESSOS ADMINISTRATIVOS

O terceiro ponto a ser trabalhado é o processo. Uma das ideias iniciais de


organizar é de estabelecer todos os recursos do sistema administrativo. O uso
ordenando enfatiza os objetivos, contribuindo para a tomada de decisão seja
mais clara, tanto na orientação quanto para os recursos que serão utilizados.
Assim, combinando os esforços e os recursos necessários, a organização
poderá alcançar os seus objetivos. O resultado será alcançado com o processo
de organizar (CERTO, 2003).

Para Gonçalves (2000) toda atividade importante da empresa são


1131

processos. Aliás, para o autor as empresas são grandes coleções de processos.


Não seria diferente dentro de uma organização pública. O processo surge como
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qualquer atividade que toma um input adiciona valor a ele e fornece um output a

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um cliente específico. Os processos utilizam os recursos internos da organização


para atingir o objetivo e oferecer ao meio externo. É um fluxo lógico de atividades
realizadas numa sequência com algum resultado para certa área (podendo ser
interna ou externa). Se o objetivo produzido for algo interno, como um processo
de preenchimento para avaliação de desempenho, será um processo interno. Se
o objetivo for para um cliente específico, como a produção de certo produto ou
bem, será um processo externo.

Lima e Costa (2004) dizem que processo é uma sequência de eventos


que descreve a modificação de certa coisa em dado período de tempo. São
desenvolvidos com algum objetivo final. O processo tem papel prescritivo, de
indicar a sequência lógica dos fatos para a sua execução, operacionalizando um
conjunto de conceitos até chegar ao produto final com um processo estruturado.

Para Lima e Costa (2004), as características para que um processo seja


efetivo são quatro: 1) procedimentos: expor os passos lógicos do processo; 2)
participação: garantir o envolvimento dos atores-chave; 3) gestão de projeto:
garantia de que o processo terá os recursos necessários e acompanhamento
para seguir as etapas pré-definidas do plano e; 4) ponto de entrada: forma de
apresentar o processo e obter comprometimento.

Para Gonçalves (2000) existem cinco tipos de modelos de processos,


sendo: 1) Fluxo de material, como processos de fabricação industrial; 2) Fluxo
de trabalho, desenvolvimento de produto, recrutamento e contratação de
pessoal; 3) Série de etapas, com o redesenho de processo, aquisição de outra
empresa; 4) Atividades coordenadas, desenvolvimento gerencial e negociação
gerencial; 5) mudanças de estados, diversificação de negócios, mudança cultural
1132

da organização. Para o autor ainda existem três tipos de processos: 1- Processo


de negócio (ou de cliente): da atuação da organização, suportados por processos
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internos com o objetivo final de oferecer um produto ou serviço para o ambiente


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externo. Como exemplos têm processos de produção física e processos de


serviço; 2- Processos organizacionais (ou de integração organizacional):
centralizados na organização para o funcionamento de todas as unidades e
áreas da mesma, garantindo o desempenho e o suporte para os processos de
negócio. São o apoio aos processos produtivos. Como exemplo têm processos
burocráticos, processos comportamentais e processos de mudança e; 3-
Processos gerenciais: que são os processos com foco no administrador (ou
gerente) e nas suas relações, incluindo as ações de mensuração de
desempenho da organização. Como exemplo têm processos de direcionamento,
processos de negociação e processos de monitorização.

Paralelo a isso temos o manual organizacional, sendo definido como um


conjunto de normas com o objetivo de padronizar as atividades e procedimentos,
juntamente com a política (ou então estratégia) da organização e instruções
gerais do dia a dia da organização (ACADEMIA PEARSON, 2011).

O processo é importante, pois é uma maneira clara de como realizar a


atividade, definindo a forma básica de organização das pessoas e demais
colaboradores da unidade (GONÇALVES, 2000).

METODOLOGIA

Foi realizado um estudo de caso único na Universidade Estadual Paulista


“Júlio de Mesquita Filho”, Campus Experimental de Tupã. Os dados foram
coletados a partir de observação livre, entrevista e análise de documentos. A
observação livre foi realizada no dia-a-dia do desenvolvimento do estudo em um
1133

período de 03 meses, na qual foram observados o trabalho executado e as


funções de cada colaborador. As entrevistas foram realizadas a partir de um
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roteiro que aborda a estrutura, o trabalho realizado e os processos. Por fim,

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foram analisados os documentos como leis, regimentos, portarias, manuais,


relatórios, etc. Esperou-se responder às seguintes questões de pesquisa: como
é a unidade organizacional administrativa? Quais são as áreas administrativas e
as suas funções? Quais são os processos da organização?

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Antes de uma descrição detalhada sobre o Campus Experimental de


Tupã, faz-se necessária a contextualização da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, criada pela Lei nº 952 de 30 de janeiro de 1976. Sendo
uma autarquia de regime especial, com autonomia didática científica,
administrativa, disciplinar e de gestão financeira e patrimonial, segundo o
Estatuto da Universidade. Iniciou as suas atividades com a junção de institutos
de pesquisa e ensino isolados no estado de São Paulo. (UNESP, 2013)
Segundo o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), elaborado em 2009, a
UNESP possui como missão: “Exercer sua função social por meio do ensino, da
pesquisa e da extensão universitária, com espírito crítico e livre, orientados por
princípios éticos e humanísticos. Promover a formação profissional
compromissada com a qualidade de vida, a inovação tecnológica, a sociedade
sustentável, a equidade social, os direitos humanos e a participação
democrática. Gerar, difundir e fomentar o conhecimento, contribuindo para a
superação de desigualdades e para o exercício pleno da cidadania.” (UNESP,
2009, p.23). E como visão: “Ser referência nacional e internacional de
Universidade Pública multicâmpus, de excelência no ensino, na pesquisa e na
extensão universitária, que forme profissionais e pesquisadores capazes de
1134

promover a democracia, a cidadania, os direitos humanos, a justiça social e a


ética ambiental, e que contribua para o letramento científico da sociedade e para
Página

a utilização pública da ciência” (UNESP, 2009, p. 24).


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O Campus Experimental de Tupã (CET) foi criado após aprovação do


Conselho Universitário em 27 de Fevereiro de 2002, dentro do plano de
Expansão de vagas da UNESP. Possuí como regulamentação a Resolução
UNESP 38 de 2003 que trata sobre a estrutura transitória das Unidades
Diferenciadas. Iniciou as atividades da unidade em agosto de 2003 e em 2006
foi denominado Unidades Diferenciadas para Campus Experimental de Tupã
(UNESP, 2013).

A Resolução UNESP-38 de 10 de Setembro de 2008 estabelece a


estrutura organizacional dos Campi Experimentais da UNESP. A sua função
pode ser analisada a partir de sua missão e visão. Assim, de acordo com o
relatório de integração de novos servidores, a missão do Campus Experimental
de Tupã define-se por: “promover o desenvolvimento do Agronegócio, por meio
de ações nas áreas de ensino, pesquisa e extensão, contribuindo para a
competitividade de modo sustentável de todos os sistemas produtivos" e sua
visão de: "Ser um Campus Universitário de referência nacional e internacional
na geração e difusão de conhecimento e formação profissional em torno do
Agronegócio" (UNESP, 2013).

Seguindo o relatório de integração de novos servidores do Campus


Experimental de Tupã, em 10 de Dezembro de 2012, data que se iniciou o
estudo, a unidade possuía no quesito ensino: um curso de graduação em
administração com 40 vagas no diurno e 40 vagas no noturno; um curso de
especialização latu sensu em gestão do agronegócio com 40 vagas e um curso
de pedagogia Univesp com 50 vagas. Além disso, possuía projetos de extensão
como o cursinho pré-vestibular – 180º graus: 100 vagas; projeto de Universidade
1135

aberta à terceira idade – UNATI: 45 vagas. Contava com um total de 44


servidores ativos, sendo 17 docentes e 27 técnico-administrativos. A área total
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do Campus era de 85.074,09 m² com uma área construída de 4.295m². A

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principal mudança que passou foi à modificação de Unidade Diferenciada para


Campus Experimental, em que se mudou não somente a nomenclatura, mas
também a estrutura organizacional utilizada que tiveram impacto na configuração
atual utilizada. O curso de Engenharia de Biossistemas da unidade começou a
ser ofertado no ano de 2014.

O Campus Experimental de Tupã localiza-se geograficamente no


município de Tupã, interior do estado de São Paulo, e encontra-se descrito e
representado no organograma da UNESP dentro das Unidades Universitárias,
Campi Experimentais, Institutos Especiais e Outros, vinculado à Reitoria, que,
por sua vez, se vincula ao Conselho Universitário (UNESP, 2013). Estas
unidades não possuíam sistema informatizado próprio que integre as áreas para
registro de suas atividades, porém, muitas vezes cada área se vincula ao sistema
informatizado da própria UNESP. Lidavam com formulários específicos de
utilização da própria UNESP, ou então formulários necessários para as
atividades exercidas, como o Cadastro Unificado de Fornecedores do Estado de
São Paulo – Caufesp para utilização por meio da área de Materiais em
Licitações. Os processos eram formalizados dentro de processos administrativos
que padronizavam as etapas que cada processo administrativo de cada área
deveria ter.

CONSIDERAÇÕES SOBRE ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO


DO CAMPUS EXPERIMENTAL DE TUPÃ/SP

As análises presentes neste tópico foram feitas a partir da vivência na


organização relacionando os dados com aspectos da revisão bibliográfica
1136

realizada. Os temas abordados foram: aprendizagem organizacional, teoria dos


cinco mecanismos para controle, amplitude de controle, treinamento,
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organização burocrática, baixa inovação administrativa, níveis de planejamento


e redes de comunicação.

O Campus Experimental de Tupã apresenta pouco de tempo de


funcionamento e muitas mudanças organizacionais realizadas. Motta (2005)
define a mudança organizacional por “conjunto de alterações no ambiente de
trabalho de uma organização, resta citar os principais tipos de alterações que
caracterizam o desenvolvimento”. Existem dois tipos fundamentais de alteração,
as estruturais e as comportamentais.

Dentro de uma ótica parecida, Mintzberg (2008) cita a teoria da


coordenação dos cinco mecanismos para controle, que acontecia dentro da
organização em que foi realizado o estudo, Campus Experimental de Tupã. Nota-
se o acontecimento das maneiras fundamentais para a gestão da organização
pelos seguintes pontos elaborados por Mintzberg (2008): Ajuste mútuo;
Supervisão direta; Padronização dos processos de trabalho; Padronização dos
resultados do trabalho e; Padronização das habilidades dos trabalhadores.

Sobre as relações formais, mais especificamente da amplitude de controle


ou da administração, sendo o número de colaboradores que se reportavam a um
supervisor ou a uma chefia, assim, determinava com que grau de proximidade o
supervisor pode monitorar o subordinado. Segundo a visão tradicional do projeto
organizacional determina-se 7 (sete) funcionários para um gerente. Tal número
é muito questionado nos dias atuais, principalmente com o incremento
tecnológico das organizações. Como um exemplo, dentro do Campus
Experimental de Tupã não havia número fixo de colaboradores por área. A
supervisão técnica acadêmica e a administrativa estimava apenas um número
1137

ideal juntamente com o Coordenador Executivo para definir o número adequado


de funcionários. O fato que ocorria era o de menor número de colaboradores por
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área, para atender o orçamento da instituição e os valores repassados pelo


governo.

O treinamento, bem comum em organizações públicas, como o caso do


Campus Experimental de Tupã, visando qualificar e padronizar as atividades dos
colaboradores da organização também ajudava que os mesmos tenham
habilidades necessárias para apresentar um bom desempenho em seus cargos,
de assumir responsabilidades e de ser reativo frente às mudanças. A criação de
treinamentos e desenvolvimentos deve ser analisada por superior a fim de
determinar a real necessidade (JONES; GEORGE, 2008). Muitas vezes os
colaboradores da área de materiais passavam por treinamentos para maior
conhecimento na área, como por exemplo, cursos sobre licitação. Os
treinamentos eram aprovados pelos superiores e também faziam parte do critério
para promoção na carreira e avaliação de desempenho do colaborador.

Para inovar é necessário romper com os padrões estabelecidos. A


organização inovadora não pode se basear em formas de padronização para a
coordenação, buscando escapar da estrutura burocrática, como divisão de
tarefas, diferenciação das unidades, formalização, planejamento e controle,
tornando se uma organização flexível. (MINTZBERG, 2006). Portanto, o Campus
Experimental de Tupã pode ser definido como uma organização burocrática,
visto que emprega uma estrutura burocrática, com alta formalização e controle,
além de contar com estruturas diferenciadas para a execução de atividades.

Hitt, Ireland e Hoskisson (2005) diferenciam a ideia de invenção, ato de


criar e/ou desenvolver um novo produto ou processo, de inovação, de criar um
produto comercial a partir de uma invenção. Mas como exposto anteriormente,
1138

o Campus Experimental de Tupã apresenta pouca inovação na estrutura


administrativa. Aparece um ponto de que a organização não é inovadora, porém
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não quer dizer que não exista inovação nos estudos ou pesquisas realizadas
dentro da unidade, fato que não pode ser mensurado pela pesquisa em questão.

Certo (2003) dentro da ideia de estratégia apresenta um menor nível de


planejamento, que é o planejamento tático, de curto prazo (um ano) que enfatiza
as atividades atuais de vários setores da organização. Os gerentes
determinavam no plano tático as atividades que deveriam ser desenvolvidas
para alcançar o objetivo desejado. Está ligada a área de pessoal, marketing,
finanças, instalação de fábricas. Apesar disso, dentro do Campus Experimental
de Tupã as áreas não possuem um plano tático explícito, eram delineadas
implicitamente as atividades que seriam desenvolvidas dentro do ano em
exercício. Certo (2003) ainda cita que o plano é uma ação específica para a
organização alcançar seus objetivos. Um bom gerenciamento inclui a realização
de planos lógicos e como serão implementadas para alcançar os objetivos.
Algumas vezes a estratégia acontece de maneira intuitiva, como em pequenas
empresas, porém o ideal é um gerente racional para a orientação estratégica
adequada, analisando os ambientes interno e externo.

Existiam duas redes de comunicação dentro da organizacional. A rede


formal e a rede informal. Na rede formal estavam as manifestações oficialmente
enquadradas na estrutura da organização com legitimação no poder burocrático
e na rede informal as manifestações espontâneas dos trabalhadores, em que
estão inclusos também os boatos (TORQUATO, 1986). Dentro do Campus
Experimental de Tupã, observou-se a rede de comunicação formal, como e-
mails, portarias, decretos etc. bem como a utilização de redes informais, sem a
utilização de boatos, para a realização de atividades, dado ao tamanho da
1139

organização (pequeno) e do nível de integração dos colaboradores,


apresentando confiança e ao mesmo tempo uma via mais rápida para a
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resolução dos problemas.

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ANÁLISE DO CASO

Nesse tópico, estabeleceu-se um paralelo entre aquilo que os autores


abordam e o que foi observado em seu levantamento. Assim, um processo de
compra por dispensa de licitação da seção técnica de apoio administrativo da
área de materiais, almoxarifado e patrimônio, foi selecionado, pois se julgou
importante a análise desse tipo de processo, além de estar muito presente na
rotina administrativa da organização.

Então, dentre os tipos de processos (externos: processos de negócio e


internos: processos organizacionais e processos gerenciais) o processo de
compra por dispensa de licitação se define como um processo organizacional,
pois incluíam atividades administrativas que davam suporte ao processo de
negócio da organização (no caso do Campus Experimental de Tupã de oferecer
as condições necessárias para desempenho de suas atividades incluído ensino,
pesquisa e extensão), sendo também um processo horizontal, pois envolvia a
colaboração de vários servidores ou departamentos. Logo, apesar do processo
ser designado como da área de materiais, ele tramitava por diversas áreas, e
assim, necessitava da colaboração de diversas áreas. Passa pelo requisitante
que poderia ser qualquer área da organização, pela área de finanças, pela
própria área de compras, pela área do patrimônio e almoxarifado (ACADEMIA
PEARSON, 2011).

Sobre a estrutura organizacional, o tipo de estrutura (em linha ou staff and


line) era definido como estrutura em linha, pois era um organograma simples
(como se vê no próximo item) sendo uma estrutura simples de hierarquia, em
1140

que a área se submete à somente uma seção imediata de chefia; o tipo de


departamentalização (quantidade, funcional, territorial, produtos ou serviços,
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clientes, processos, projetos, matricial ou misto) é definido por funcional,


agrupando os colaboradores de acordo com as funções que desempenham (o
organograma está no próximo item).

Por fim, sobre o tipo de liderança (X e Y ou Blake e Mouton) era definida


pelo tipo de Blake e Mouton, pois relaciona o objetivo, as pessoas e a hierarquia,
percebeu-se, a partir do convívio na organização, que o tipo de liderança
constatado na maioria das vezes era voltado entre um misto entre produção e
pessoas e a partir do grid gerencial do livro, é apontado como gerente equipe.

Percebeu-se que o Campus Experimental de Tupã lidava com as suas


informações de maneira sistêmica, ou seja, a partir do funcionamento e da
relação entre as várias seções e áreas para a execução de suas atividades,
visando apoiar a decisões e as atividades da gestão e de forma não integrada,
pois cada área possuía ferramenta própria para acompanhamento das
atividades e essas ferramentas não estavam integradas a nenhuma outra
ferramenta que junte todas essas informações e que facilitaria no apoio das
decisões na própria gestão.

Como por exemplo, a área de matérias possuía uma planilha em que são
disponibilizados dados sobre as compras realizadas. Estava dividida em geral,
distribuição por tipo, distribuição por elemento e total de gastos.

Essa planilha disponibilizava informações sobre o número do processo,


tipo de licitação, o número do elemento, se foi feita com recurso próprio, a data
de abertura, a data de empenho, o número da nota de empenho, o
interessado/requisitante da compra, a firma (empresa) vencedora do certame
licitatório, o valor, com o que foi gasto, o mês de compra, o objeto que fora
1141

comprado e observações sobre essa compra.


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Porém, percebeu-se que a área não possuía sistema de informação


gerencial, pois não mensura os indicadores, metas e objetivos da área. Através
da pesquisa foram obtidas as planilhas de 2010, 2011 e 2012, sendo o último
ano o escolhido por ser o mais recente.

Assim, foram realizadas 451 compras no ano de 2012, sendo 87 por


adiantamento, nenhuma por aditamento, 13 por outros, 31 por bolsas, 22 por
convite, 162 por dispensa, 17 por inexigibilidade, 45 por pregão, nenhuma por
tomada de preços, 15 por registro de preço e 59 por diárias. Está exposto abaixo
(Figura 1) o tipo utilizado, a porcentagem de cada tipo com relação ao valor, bem
como o valor de cada tipo de compra, sendo que o total fora de R$ 1.179.679,38.

Tipo Quantidade Valor por Tipo (R$) %


Adiantamento (A) 087 23.709,51 2,01%
Aditamento (AD) 000 0,00 0,00%
Outros (O) 013 21.545,66 1,83%
Bolsas (B) 031 171.470,00 14,54%
Convite (C) 022 28.083,03 2,38%
Dispensa (D) 162 194.388,91 16,48%
Inexigibilidade (I) 017 44.029,54 3,73%
Pregão (P) 045 564.364,45 47,84%
Tomada de Preços (TP) 000 0,00 0,00%
Registro de Preço (RP) 015 40.197,28 3,41%
Diárias (DIA) 059 91.891,00 7,79%
Figura
Totais 1- Tipos de Licitação 451 1.179.679,38 100,00%

ORGANOGRAMA

Abaixo está o organograma (Figura 2) do Campus Experimental de Tupã,


de acordo a integração de novos servidores (UNESP, 2012), sendo que sua
definição foi feita no item anterior:
1142
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Figura 2- Organograma Campus Experimental de Tupã

Percebeu-se que no organograma a hierarquia mais alta era o conselho


diretor, seguida pela coordenadoria executiva e pelo conselho de curso. A
coordenadoria executiva se divide em seção técnica de apoio acadêmico que
contava com área de graduação e pós-graduação, biblioteca e área acadêmica
e em seção técnica de apoio administrativo que conta com a área de recursos
humanos, área de comunicação e serviço, área de compras/patrimônio e
almoxarifado, área de informática e área de contabilidade e finanças. O conselho
de curso se divide em coordenadoria de curso e após essa linha de hierarquia
estão os docentes.

O conselho diretor é o órgão colegiado deliberativo e normativo em


matéria de ensino, pesquisa, extensão universitária do Campus Experimental
(Art. 3º da Resolução UNESP 38 de 10 de Setembro de 2008).

De acordo com o manual de procedimentos administrativos (UNESP,


2012), o conselho diretor discute as deliberações para a tomada de decisões e
1143

regulamenta procedimentos e normas. Além disso, contava com reuniões


ordinárias e extraordinárias, quando se convoca reunião para votação de matéria
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de extrema urgência. Era composto pelo coordenador executivo, vice-

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coordenador executivo, coordenador de curso (administração), quatro docentes,


um servidor técnico administrativo e um representante discente. Cada função
tinha o tempo de mandato definido e de como serão eleitos. Como por exemplo,
o coordenador executivo tem o mandato coincidente no exercício das
respectivas funções e eleição com voto por toda a comunidade.

Com relação à coordenadoria de curso, também segundo o com o manual


de procedimentos administrativos (UNESP, 2012) tinha a função de coordenar
as atividades de ensino, pesquisa e extensão e sendo presidido por um
Coordenador de Curso (Art. 9º da Resolução UNESP 38 de 10 de Setembro de
2008). Assim como o Conselho Diretor tem reuniões ordinárias e extraordinárias
quando se tem votação de matéria de extrema urgência.

Uma similaridade do conselho diretor e do conselho de curso é que em


ambos todos os membros têm direito a voz e a voto e que a participação tanto
no conselho de curso quanto no conselho diretor conta pontos para o docente
no relatório de atividades e na promoção de carreira, e para os servidores
técnicos administrativos conta pontos para promoção por desenvolvimento
profissional.

A coordenadoria de curso era composta por um presidente (coordenador


de curso), um vice-presidente (vice-coordenador de curso), cinco representantes
docentes, um servidor técnico administrativo e um representante discente. Cada
função contava com tempo de mandatos definidos e de como seriam eleitos.
Como por exemplo, o coordenador de curso tem o mandato de dois anos
permitido uma recondução e é eleito pelos pares do conselho de curso.

A função do conselho de curso era de redigir e aprovar o projeto político


1144

pedagógico do curso, atribuição de aulas, orientação dos alunos por ocasião da


matrícula, avaliação do curso e das disciplinas, aprovar o calendário anual,
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aprovar concursos para contratação de docentes, apreciar relatórios e planos de


atividades do pessoal docente, relatório de atividades de ensino, de pesquisa e
de extensão, elaborar projetos e eventos de extensão universitária, aprovar
afastamento e pedidos de atividade concomitante remunerada e fomentar
projetos de iniciação científica perante as agências de fomento.

Abaixo da linha de hierarquia do conselho de curso estavam a própria


coordenadoria e vice-coordenadoria de curso. Seguindo, temos os docentes
abaixo dessa linha de hierarquia organizacional. Do outro lado do organograma
temos a coordenadoria executiva composta pelo coordenador e vice-
coordenador. Os docentes, durante o período de coleta dos dados, eram 17.

A seção técnica de apoio acadêmico era composta pelas áreas de


graduação, acadêmica, biblioteca, secretaria da coordenação de curso e
secretaria da coordenadoria executiva, sendo responsável por toda a gerência
da vida estudantil dos discentes, bem como pela emissão de documentos
acadêmicos, controle de estágios, bolsas, projetos de pesquisas e de extensão,
requisições aos conselhos de curso e diretor, além de executar serviços de
suporte técnico acadêmico e de biblioteca a toda comunidade da UNESP.

A seção técnica de apoio administrativo era composta por servidores


técnicos administrativos, realizando atividades meio, subdividindo-se em
setores, dentre as quais, materiais, almoxarifado e patrimônio, recursos
humanos, contabilidade e finanças, comunicação, serviços e transporte e
informática. É responsável pela aquisição de bens e serviços, infraestrutura do
Campus, conservação e controles patrimoniais, entre outras, sempre com o
intuito de contribuir com o objetivo final da Instituição, qual seja, ensino, pesquisa
1145

e extensão.
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FLUXOGRAMA

O fluxograma (Figura 3) do processo de trabalho do objeto de análise foi


escolhido por ser o mais representativo do objeto analisado e por ser um tema
atual e de amplo debate. É um fluxograma do processo de registro preço,
utilizado como um meio mais rápido no processo de compra, em que é feito um
registro oficial de preços para utilização em contratações futuras. No Fluxograma
em questão possui as seguintes etapas: 1 - Requisição da área; 2 - Aprovação
almoxarifado; 3 -Aprovação coordenadoria executiva; 4 - Reserva; 5 - Ofício
registro de preços; 6 - Memorando aprovação; 7 - Aprovação Pró-Reitor; 8 -
Ofício autorização registro de preço; 9 - Publicação diário oficial do Estado; 10 -
Registro de preços; 11- Objeto solicitado; 12- Ata de registro de preços/edital e
decretos; 13 - Dados dos fornecedores; 14 - Documentos necessários licitação;
Dados dos fornecedores (conta e agência); 14.1 - Documento sanções
administrativas; 14.2 - Comprovantes de inscrição e situação cadastral; 14.3 -
Sintegra/ICMS; 14.4 - Certidão conjunta negativa; 14.5 - Certidão negativa de
débitos trabalhistas; 14.6 - Certidão negativa; 14.7 - Situação de regularidade do
empregador; 15- Aprovação (supervisor técnico administrativo) /ratificação
(coordenador executivo); 16- Solicitação de empenho; 17 - Registro CADUNI
(conta e agência); 18- Empenho; 19 - Recibo empenho; 20-Documentos registro
de preço; 20.1- Edital; 20.2 - Decreto 47.495/03; 20.3 - Decreto 51.809/07.

O processo de compra registro de preço é um decreto número 7.892 de


23 de Janeiro de 2013, na qual regulamenta o sistema de registro de preço
previsto no artigo 15 da lei número 8.666 de 21 de Junho de 1993, que versa
sobre licitações e contratos da Administração Pública. De acordo com o decreto,
1146

o sistema de registro de preços é um: “conjunto de procedimentos para registro


formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para
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contratações futuras.” A Controladoria-Geral da União (CGU 2011), em sua

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cartilha de perguntas e respostas sobre o sistema de registro de preços (SRP),


diz sobre a importância da utilização do SRP, pois segundo o mesmo, diante das
dificuldades existentes para o gestor público, o SRP surgiu como forma de
solução para organização e planejamento, respeitando os aspectos legais, para
melhoria da logística da aquisição de bens e serviços do serviço público, com a
redução de custos dos estoques. Implementa a redução dos custos por meio de
procedimentos próprios e controle informatizado sobre as compras.
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Figura 3 - Fluxograma Registro de Preços

Ainda de acordo com o CGU (2011) o sistema de registro de preço (SRP)


é benéfico em três partes: para o gestor, pois as contratações são realizadas em
um tempo menor, o processo de compra se torna mais simples e concentrado,
diminuindo o número de licitações, desburocratização, melhoria do
planejamento, otimização e redução de estoques, padronização das
especificações de bens e serviços; para o controle social, pois se tem maior
transparência das aquisições e; para os fornecedores, pois aumenta a
participação de fornecedores menores, processo mais ágil para requisição,
autorização de entrega, empenho e recebimento, possibilidade de oferecer
quantidade maior (para outras entidades).

O processo iniciava-se com o pedido da área requisitante (podendo ser


qualquer área da unidade) de determinado objeto, após isso, era encaminhado
para aprovação do almoxarifado e da coordenação executiva. Após essa
aprovação a área de contabilidade/finanças fazia a reserva da dotação para
aquisição do objeto. A área de materiais se encarregava então, pelo ofício de
registro de preço, pelo envio de memorando para possível aprovação do Pró-
Reitor da UNESP. Com a aprovação, era emitido um ofício autorizando a
modalidade registro de preço, publicado no diário oficial do Estado (DOE),
formalizado o Registro de Preço, anexado a foto do objeto requisitado, bem como
da Ata de Registro de Preços (com edital e decretos). Com isso, anexava-se ao
processo os documentos do fornecedor, totalizando 7 (sete), sendo: documento
sanções administrativas; comprovantes de inscrição e situação cadastral;
sintegra/ICMS; certidão conjunta negativa; certidão negativa de débitos
1148

trabalhistas; certidão negativa e; situação de regularidade do empregador. Com


esse trabalho concluído, encaminha-se para possível aprovação do supervisor
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da área técnica administrativa e ratificação pelo coordenador executivo da


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unidade. Com a aprovação era solicitado o empenho e eram registradas as


informações do fornecedor no cadastro único (CADUNI) da Caixa Econômica
Federal (CEF) com as informações de conta corrente e agência. Assim, com
essas informações a área de contabilidade/finanças emite o empenho e envia o
recibo de empenho para o fornecedor. Após confirmação do recibo do empenho
pelo fornecedor, a área de materiais anexava junto ao processo os documentos
de registro de preço, composto por: edital; decreto 47.495/03 e; decreto
51.809/07 (que regulamentam o Sistema de registro de preços no estado de São
Paulo).

Vale lembrar, que todo processo era documentado, numerando se cada


folha do processo, seguindo uma numeração de processo passada pela área de
comunicação e serviços, contendo o número do processo e o ano de início do
mesmo, e a rubrica do responsável da área de matérias que coordena todo o
trâmite do processo. Obedecia-se assim a Lei estadual número 10.177, de 30 de
dezembro de 1998, que regula o processo administrativo no âmbito da
administração pública do Estado de São Paulo.

Com relação à quantidade de compras pelo sistema de registro de preço


(Figura 4): em 2010 foram 17 (dezessete) num total de 340 processos,
totalizando R$ 153.995,10 (6,06% do total das compras do ano); em 2011 foram
14 (catorze) num total de 363 processos, totalizando R$ 50.134,17 (4,74% do
total de compras do ano) e; em 2012 foram 15 (quinze) num total de 451
processos, totalizando R$ 40.197,28 (3,41% do total de compras do ano).

Sistema de Registro de Preço


Quantidade/Total Valor Total Porcentagem em relação ao total do ano
1149

2010 17/340 R$ 153.995,10 6,06%


2011 14/363 R$ 50.134,17 4,74%
2012 15/451 R$ 40.197,28 3,41%
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Figura 4 - Tabela Sistema de Registro de Preço (SRP)

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Sobre o tempo de duração do processo relativo ao sistema de registro de


preço dependia de cada processo administrativo e da demanda solicitada para
a área de compras, porém, como exposto anteriormente, o sistema de registro
de preço como forma de acelerar e aumentar o controle sobre as contas públicas.
Várias áreas estão dentro do processo administrativo de compra registro de
preço, porém com predominância em ordem da: área de compras, área de
contabilidade e finanças e; coordenação executiva. era sob a responsabilidade
da área de compras a maior parte das ações dentro do processo, respondendo
pelos atos praticados e prestando contas ao final do ano para o Tribunal de
Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) sobre os processos de compras feitos
ao longo do ano de exercício. Mais uma vez, ressaltou-se que apesar de poucos
processos relativos ao registro de preço com relação ao total de processos, a
desburocratização do setor público e consequentemente, maior eficiência e
transparência das compras públicas efetuada pela unidade.

Por fim, cada etapa do processo era parte documental obrigatória, sendo
assim não se poderia omitir alguma etapa do mesmo. O processo não poderia
sofrer alteração na sequência das operações, pois como já exposto, o processo
passava por um fluxo obrigatório de áreas e de documentos. As operações
estavam sendo executadas por pessoas adequadas à função, sendo que as
mesmas possuíssem treinamento suficiente para as técnicas utilizadas. Cada
operação do processo estava sendo executada da maneira eficiente, em que os
processos estavam seguindo um caminho lógico e fluente. Entendeu-se que o
processo estava alcançando a eficiência com que se propõe, não apresentando
1150

pontos negativos, e sendo o maior ponto positivo do mesmo, a maior rapidez


com que acontece comparado com os outros tipos de processos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a realização do estudo no Campus Experimental, parte integrante


da atividade curricular obrigatória do curso de Administração Pública, podemos
considerar alguns aspectos. A Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (UNESP) é uma autarquia, pois assim como define o Ministério do
Planejamento e Gestão (2011), a autarquia é o “serviço autônomo, criado por lei,
com personalidade jurídica e receita própria, para executar atividades típicas da
Administração Pública, que requeiram, para seu funcionamento, gestão
administrativa e financeira descentralizada”. Assim, o Campus Experimental de
Tupã faz parte da autarquia UNESP.

Cada área administrativa tem a sua função específica, fazendo parte do


organograma da organização, conforme já discutido em item anterior (descrição
da organização, organograma). Assim, por exemplo, a área de materiais,
almoxarifado e patrimônio (da seção técnica de apoio administrativo) é
responsável pela aquisição de bens e serviços (materiais), pela gestão de
suprimentos (almoxarifado) e pelos recursos físicos da unidade (patrimônio),
além de outras atividades. Assim, cada área tem a sua função específica na
organização, sendo necessária a comunicação entre elas para o seu
funcionamento.

Existem muitos processos na organização, porém, percebe-se que muitos


desses não estão mapeados. Entretanto, os processos administrativos da
unidade seguem um fluxo lógico e padronizado de atividades que devem ser
realizadas para atingir o objetivo proposto (por se tratar de uma organização
pública, deve seguir algumas leis, fato que já “engessa” os processos e facilita
1151

para a elaboração dos mesmos). Assim, como por exemplo, dentro da área de
Materiais, Almoxarifado e Patrimônio ao se realizar certo tipo de licitação, o
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processo administrativo, devem passar pelas áreas corretas para certos


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requisitos (como documentos, empenhos, solicitações, etc.) até a sua conclusão.


Portanto, não poderá ser executado de maneira distinta. Existem muitos
processos dentro da organização, e como exemplo foi descrito um processo de
compras de registro de preço da área de Materiais, Almoxarifado e Compras em
item anterior, na descrição.

Portanto, com a realização deste estudo esperou-se ter contribuído com


o avanço do conhecimento dessa área e que possibilite o desenvolvimento de
novas pesquisas relacionadas ao estudo da gestão de organizações públicas,
bem como sobre, organização, sistema e processo.

BIBLIOGRAFIA

ACADEMIA PEARSON. OSM: uma visão contemporânea. 1 ed. São Paulo:


Pearson Prentice Hall, 2011.

BRASIL. Decreto n. 7.892, de 23 de Janeiro de 2013. Regulamenta o Sistema


de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de
1993. Diário Oficial da União: República Federativa do Brasil: Poder Legislativo,
Brasília, DF, 23 de Janeiro de 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2013/Decreto/D7892.htm>. Acesso em 7 mai. 2014

CARAVANTES, G. R; PANNO, C. C; KLOECKNER, M. C. Administração:


teorias e processos. 1. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.
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CERTO, S. C. Administração Moderna. 9. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2003.


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PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA, ANA CLÁUDIA FERNANDES TERENCE E MARCO ANTÔNIO CATUSSI
PASCHOALOTTO
ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURA E PROCESSO: UM ESTUDO DE CASO DA GESTÃO DA UNESP,
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IRINEU BELO BALBI
REFORMAS ADMINISTRATIVAS DO GOVERNO FEDERAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:
UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

GRUPO DE TRABALHO 4 – GT4


GESTÃO, PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PÚBLICO

REFORMAS ADMINISTRATIVAS DO GOVERNO


FEDERAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:
UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS,
FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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IRINEU BELO BALBI

Bacharel e Mestre em Ciências Sociais pela PUC-


Rio e Bacharel em Administração pela Unesa. E-
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mail: irineubbalbi@yahoo.com.br
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PERSPECTIVA HISTÓRICA: UNIVERSALISMO DE IRINEU BELO BALBI
PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

RESUMO

Considera-se que ocorreram três principais reformas administrativas no âmbito


do governo federal. A primeira se desenvolveu no governo Vargas, a segunda
no governo Castelo Branco, em 1967, e a última, implantada durante o governo
Fernando Henrique Cardoso, única ocorrida em regime democrático. Ao
investigá-las parte-se de três eixos analíticos: a relação entre Estado e mercado;
o impacto no sistema federativo e a complexa relação entre governo e
sociedade. A partir da análise de documentos oficiais e de literatura
especializada chega-se aos seguintes resultados: o surgimento do ciclo de
reformas administrativas, além da tentativa de implantar o Estado burocrático
racional-legal, promoveu a centralização política e marcou a intensa atuação
estatal na economia. O Decreto-lei nº 200/1967 fortaleceu a administração
indireta em contexto de expansão do Estado Nacional-Desenvolvimentista e
restrição aos direitos civis e políticos. Na reforma administrativa de 1995, que
pretendia substituir a administração burocrática por modelos pós-burocráticos,
predominou a perspectiva fiscal que prevalecia à época, entretanto, redefiniu as
funções do Estado.

ABSTRACT

We will hereby take into consideration that - in the Federal government’s scope -
there have been three major administrative reforms. The first one took place
during the government of Getúlio Vargas; the second was in 1967, during Castelo
Branco’s rule, and the last reform, implemented during Fernando Henrique
1158

Cardoso’s government, was the only one to have occurred during a democratic
regime. While examining these reforms we relied on three analytical axes: the
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relationship between the State and the market; the impact in the federative
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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

system; and the impact in the complex relationship between government and
society. From the analysis of official documents and of specialized literature we
have reached the following results: the birth of the cycle of administrative reforms
– besides the attempt to implement the bureaucratic rational-legal State –
promoted a political centralization and was characterized by an intense state
intervention in the economy. The decree-law nº 200/1967 strengthened the
indirect administration within the context of expansion of the National-
Developmentalist State and the restriction of civil and political rights. In the 1995
administrative reform – that intended to substitute the bureaucratic administration
for post-bureaucratic models – there was a predominance of a fiscal perspective
(a relevant topic at the time) and, besides that, the functions of the State were
redefined.
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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

INTRODUÇÃO

Ao tratar da administração pública brasileira sob a ótica das reformas


administrativas, observam-se três principais momentos: o primeiro se
desenvolveu no governo Vargas, período fundamental para compreender a
construção do Estado nacional moderno e da sociedade capitalista moderna. A
segunda reforma administrativa ocorreu em 1967 durante o governo do marechal
Castelo Branco que, após o golpe militar de 1964, foi o primeiro dos militares a
assumir a presidência, cargo que ocuparam até 1985. A única reforma
administrativa que se deu em regime democrático foi a de 1995, durante o
governo Fernando Henrique Cardoso, em contexto de reinserção do país na
economia mundial.

O artigo analisa essas reformas administrativas ocorridas no âmbito do


governo federal, tendo como pontos norteadores três eixos analíticos. O primeiro
busca verificar como cada reforma administrativa contribuiu para consolidar um
tipo de relação entre Estado e mercado. O segundo eixo analítico diz respeito ao
impacto no sistema federativo, avaliando se privilegiou a centralização ou a
descentralização das políticas governamentais. O último, e não menos
importante, refere-se à complexa relação entre governo e sociedade, envolvendo
a permanência de aspectos clientelistas e a busca pelo universalismo de
procedimentos, almejado pelo modelo burocrático racional-legal.

O presente trabalho é estruturado de acordo com os períodos em que


ocorreram as principais reformas administrativas, sendo que os eixos analíticos
são abordados em todas as seções do trabalho sem, no entanto, destacá-los de
forma setorizada sob a forma de itens. Entende-se que esses eixos são pontos
indissociáveis da discussão sobre as reformas administrativas e do Estado de
1160

forma geral.
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Cabe ressaltar que reformas administrativas são entendidas não como um

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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

processo isolado e puramente técnico, mas um processo que possui forte


significado político, uma vez que correspondem não apenas às necessidades
técnico-administrativas, mas a um reordenamento das relações de poder e a um
redesenho institucional do Estado. Com o objetivo de melhor compreender as
reformas administrativas busca-se analisar o contexto econômico e político de
cada época e os desdobramentos que resultaram num novo desenho
institucional. Parte-se do pressuposto de que a política é parte indissociável da
administração pública (NOGUEIRA, 1998; SOUZA, 1998).

CONSTRUÇÃO DO ESTADO MODERNO E O PRIMEIRO CICLO DE


REFORMAS ADMINISTRATIVAS

A partir de 1930 o país intensifica o processo de transformação de uma


sociedade com perfil agrário, nitidamente subordinado à clássica divisão
internacional do trabalho, para uma sociedade mais complexa e diferenciada.
Durante o governo de Getúlio Vargas o país iniciou um processo de saída da
condição de agrário-exportador para se transformar em uma sociedade urbano-
industrial (D’ARAÚJO, 1999). Um momento, portanto, essencial para se
entender a inserção do país no sistema capitalista moderno.

A década de 1930 “tornou-se referência obrigatória quando se trata de


refletir sobre estruturas, atores e instituições” (PANDOLFI, 1999, p. 9) e foi
“certamente um ponto de inflexão na política brasileira (D’ARAÚJO, 2011, p. 28).
Conforme destaca Nogueira (1998, p. 94), é possível afirmar que teve início a
fase de pleno amadurecimento do Estado brasileiro, que se organizou e se
efetivou como instituição político-jurídico-administrativo.
1161

O governo federal passou a planejar, a regular e a intervir nos mercados,


tornando-se, ele próprio, produtor e empresário da economia (DRAIBE, 1985, p.
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20). Dito nos termos das análises do período, “era preciso ultrapassar a
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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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dicotomia entre Brasil legal e Brasil real, sendo a centralização do Estado o


caminho para a nacionalização e a modernização do poder público no Brasil”
(GOMES, 2012, p. 76, grifos da autora).

O governo Vargas, assim, passou a adotar medidas centralizadoras com


a intenção de exercer maior controle sobre as tradicionais oligarquias regionais
e diminuir a autonomia dos estados (PANDOLFI, 1999, p. 10). A centralização
do poder, segundo Elisa Reis (1998, p. 80) era uma forma de capacitar o Estado
para agir como guardião do interesse nacional e impedir a fragmentação social
– tema de grande relevância para os intelectuais da época –, além de obter
melhores resultados nas ações administrativas do governo.

Conforme expõe Maria Celina D’Araújo, no primeiro governo Vargas


foram implantados mecanismos que mais tarde passam a caracterizar a
chamada Era Vargas, como o “desenvolvimento econômico, o nacionalismo, o
controle sobre os trabalhadores e sobre os sindicatos, o planejamento estatal, a
legislação social, os investimentos públicos e, sobretudo, pelo papel atribuído ao
Estado como agente econômico” (D’ARAÚJO, 1999, p. 7).

A tendência centralizadora atingiu seu ponto máximo durante o período


do Estado Novo (1937-45), momento em que “não se falou em federalismo”
(CARVALHO,1994, p. 16). Segundo Raymundo Faoro, a União “em poucos anos
[...] consegue ser mais forte do que todas as unidades somadas” (FAORO, 2001,
p. 789).

As propostas de reforma administrativa surgem, exatamente, a partir do


novo papel intervencionista que o Estado passou a assumir em 1930
(MARCELINO, 2003; MELLO E SOUZA, 1994) que, do ponto de vista
1162

administrativo, foi quando se montou toda uma nova moldura para o Estado
brasileiro. Além de ser considerada divisora na história institucional do país, “é
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geralmente aceito que com a década de 30 e até meados da de 40 inicia-se na

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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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administração federal o ciclo das reformas administrativas deliberadas”,


conforme destaca Beatriz Wahrlich (1974, p. 28) – autora que se destaca como
uma das principais referências na literatura sobre reforma administrativa. Cabe
lembrar que, em alguns países da Europa, as primeiras reformas de sentido
burocrático-weberiano começaram na segunda metade do século XIX
(ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010, p. 33; BRESSER PEREIRA, 2007, p. 106).

Durante a década de 1930 dois mecanismos típicos da administração


racional-legal nos moldes weberianos foram implantados no Brasil, são eles:
estatutos e órgãos normativos e fiscalizadores, que visavam estabelecer
princípios e regras e também a padronização dos procedimentos a serem
adotados. Olavo Brasil de Lima Jr. (1998) considera que a própria administração
pública brasileira foi gerada durante dez anos após o estabelecimento dessas
normas básicas que tratou de “organizar uma administração pública orientada
pela padronização, prescrição e pelo controle, iniciativas que tiveram um caráter
absolutamente pioneiro” (LIMA JR., 1998, p. 6).

Diversos órgãos e instituições foram criados e, até hoje, estão presentes


na vida econômica, política e social do país. De acordo com Edson Nunes (2010,
p. 33), em “nosso processo de adoção do capitalismo moderno, o Brasil teve de
criar muitas instituições novas em período de tempo relativamente curto”. Foram
mudanças institucionais significativas e que também buscaram alterar as
relações políticas predominantes na Primeira República (1889-1930), período
caracterizado por ser altamente conservador, oligárquico e regionalista (NUNES,
2010), além de frágil institucionalmente (GOMES, 2012).

O grande símbolo da administração pública durante o governo Vargas foi


a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público – Dasp, que
1163

derivou do Conselho Federal do Serviço Público Civil (CFSPC), instituído pela


Lei nº 284, de 1936. Além de exercer forte influência nas políticas
Página

governamentais, o Dasp também foi o responsável pela elaboração e controle


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de todo o orçamento federal, até então uma atribuição do Ministério da Fazenda.


O órgão, revestido de múltiplas atribuições e dotado de grande força e prestígio,
funcionou como instrumento de modernização administrativa, tentando atuar
como centro irradiador de um sistema racionalizador no âmbito do governo
central.

O Dasp tinha como objetivo aumentar a eficiência do Estado e da elite


burocrática por meio da adoção de procedimentos universais, de formação e de
recrutamento de quadros capacitados e de modificações no desenho e
funcionamento dos aparelhos de Estado, contrapondo-se às lógicas
patrimonialistas e clientelistas fortemente disseminadas no setor público
(GOUVÊA, 1994, p. 85; GOMES, 1994, p. 5). Uma tentativa, assim, de implantar
mecanismos do universalismo de procedimentos, conforme se baseia o modelo
racional-legal e tentando enfraquecer práticas patrimonialistas na administração
pública.

Para além da organização administrativa, o Dasp também assumiu um


papel central na formulação e implementação de determinadas políticas e teve
a importante função do controle político, questão chave para o governo da época.
O Dasp possuía a responsabilidade do controle político exercido pelo Executivo
federal perante os estados, por meio da atuação dos departamentos
administrativos estaduais, os chamados “daspinhos” (departamentos estaduais
sob controle federal), peças fundamentais na engrenagem autoritária e
centralizadora do Estado Novo (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010; DRAIBE, 1985;
NUNES, 2010; SOUZA, 1976; TORRES, 2004).

O Dasp – embora jamais tenha completado sua missão – deu inúmeros


passos positivos para a modernização do aparelho de Estado e para a reforma
1164

administrativa (Nunes, 2010, 81), pois avançou no sentido da racionalização da


administração pública pela introdução do recrutamento com base no sistema de
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mérito e pela ênfase no critério da competência técnica no desempenho das


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funções burocráticas. Por outro lado, contudo, o padrão clientelista de expansão


da máquina estatal não foi eliminado (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010, p. 33;
DINIZ, 1999, 2000; LIMA JR., 1998; NOGUEIRA; 1998; NUNES, 2010).

Ponto de convergência em grande parte da literatura sobre o tema, e


apontado primeiramente por Beatriz Wahrlich (1974, p. 28), refere-se a uma
característica marcante do período que se inicia em 1930 e vai até 1945: “a
característica reformista mais marcante desse período foi a ênfase na reforma
dos meios (atividades de administração geral) mais do que na dos próprios fins
(atividades substantivas)”; análise compartilhada por autores como Marcelino
(1987, p. 18), Santos (1997, p. 33), Costa (2008, p. 845), Abrucio, Pedroti e Pó
(2010, p. 43).

A ênfase maior, assim, se deu nas atividades de administração em geral


(atividades-meio), tais como as de pessoal, material, orçamento e administração
orçamentária, além da revisão das estruturas administrativas e da racionalização
dos métodos de trabalho. Dessa forma, a mudança maior ocorreu por meio de
normas e procedimentos que se espalharam pela administração pública, muito
mais do que os princípios do mérito e do universalismo de procedimentos
(atividades substantivas).

Pode-se dizer que a reforma administrativa da década de 1930


representou o primeiro esforço sistemático de superação do patrimonialismo,
bem como uma ação deliberada e ambiciosa no sentido da burocratização do
Estado brasileiro foi realizada, ao introduzir no aparelho administrativo do país o
sistema de mérito e a impessoalidade – mesmo que limitado a algumas
instituições e cargos.
1165
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REFORMA ADMINISTRATIVA DE 1967: EXPANSÃO DO ESTADO,


CENTRALIZAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

A coalizão que assumiu a direção política do país após o golpe de 1964


procurou, desde o início, implementar um projeto comprometido com os
interesses do setor privado da economia e com o fortalecimento de um certo
padrão de desenvolvimento capitalista, tendo como pressupostos ideológicos o
binômio desenvolvimento-segurança nacional, conjugando a consolidação da
ordem à modernização econômica (DINIZ; LIMA JR., 1986).

Do ponto de vista econômico, durante o governo Castelo Branco (1964-


1967), prevaleceu uma orientação restritiva para o saneamento econômico-
financeiro e o governo buscou sua legitimação a partir da imagem da
racionalização das decisões calcadas em critérios técnicos (DINIZ; LIMA JR.,
1986; LAFER, 1975).

A partir de 1964 há uma completa modificação no esquema de


financiamento do Estado, que resultou na reorganização de todo o sistema
financeiro do país, como a reforma tributária (reforma e modernização da
estrutura impositiva; aumento da carga agregada e significativo reforço da União
em detrimento dos estados e municípios); a reforma monetária (novo padrão
monetário e criação do Banco Central); a reforma administrativa; a reforma
financeira (medidas de financiamento do setor público, dívida pública, regulação
dos agentes financeiros e do mercado de capitais, criação dos fundos sociais);
e, inclusive medidas de ordem social, que atuou sobre a Previdência, o regime
de estabilidade, o FGTS e outros (DRAIBE, 1985, p. 257; DINIZ; LIMA JR., 1986,
p. 35-36).
1166

A reformulação no esquema de financiamento do Estado dotou-o de uma


massa crescentemente importante de recursos financeiros e se articulou com as
Página

inovações introduzidas pelo Decreto-lei nº 200/1967 para dar origem a um modo

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de expansão do Estado que se caracterizou pela concentração de capitais e


descentralização de agências, que ganharam progressiva autonomia financeira
e administrativa (administração indireta) (MARTINS, 1985, p. 80-81). De acordo
com Santos (1997, p. 39) e Ribeiro (2002, p. 5), o objetivo da concentração de
recursos no âmbito do governo federal – de modo até então inexistente na
história político-institucional e fiscal brasileira – era de que pudessem levar o
setor público a operar com a eficiência do setor privado.

A criação de empresas estatais é acentuada e, no período 1966-1976


foram criadas mais empresas governamentais (60% delas) do que no curso dos
60 anos precedentes e, para o caso das empresas da União, essa proporção é
ainda mais acentuada – 70% (MARTINS, 1985, p. 60). No caso das empresas
públicas, de um total de 440, abrangendo o período 1939-1983, foram criadas
267 entre 1964 e 1983 (DINIZ; LIMA JR., 1986, p. 2-9; LIMA JR., 1998, p. 14).

No primeiro ano do regime militar, Castelo Branco – tendo ideias próprias


sobre a reforma administrativa – promove entendimentos com o presidente e o
relator da Comissão Especial (Deputados Gustavo Capanema e Amaral Peixoto,
respectivamente) e delibera que o assunto deveria voltar ao âmbito do Poder
Executivo para nova análise (WAHRLICH, 1974, p. 43). Para Francisco Gaetani
(2003, p. 25), o fato de Castelo Branco ter participado da coordenação dos
estudos da Comissão Amaral Peixoto, no âmbito das Forças Armadas, fez com
que ele tivesse uma percepção da urgência do problema e o remeteu ao topo de
sua agenda.

A Comissão Amaral Peixoto influenciou significativamente o Decreto-lei nº


200 a partir de seus estudos e diagnósticos. Essa comissão foi formada pelo
então Presidente João Goulart (1961-1964) e seus estudos “passaram, desde
1167

então, a fazerem parte do acervo científico-administrativo brasileiro” (LIMA JR.,


1998, p. 11), servindo com frequência aos governantes.
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Ainda em 1964 é instituída a Comissão Especial de Estudos da Reforma


Administrativa (Comestra), sendo presidida pelo Ministro do Planejamento e
Coordenação Econômica, Roberto Campos, o que demonstra o grande prestígio
dessa comissão, conforme destaca Lima Jr. (1998, p. 12). Nas palavras do
próprio secretário-executivo da Comestra e secretário-geral de Roberto Campos,
José de Nazaré Teixeira Dias, a missão do grupo não era realizar estudos
aprofundados do serviço público, já que isso vinha sendo efetuado há mais de
dez anos – “mas sim em partir do Projeto da Comissão Amaral Peixoto para
ajustá-lo às diretrizes básicas estabelecidas pelo Governo, em grande parte
coincidentes com o pensamento expresso naquele anteprojeto” (DIAS, 1969, p.
16).

De forma geral, os principais problemas apontados pelos estudos eram a


falta de coordenação das ações do governo combinados com a excessiva
centralização da administração federal na presidência da República,
permanentemente congestionada pela necessidade da assinatura presidencial
em atos dos mais simples aos mais complexos (GAETANI, 2003, p. 25).

A Comestra, ao final de trinta e seis meses de trabalho, apresentou um


anteprojeto, intitulado Anteprojeto de Lei de Reforma Administrativa, que se
transformou no Decreto-lei nº 200, de 1967. Na oportunidade em que foi
desencadeado o processo de revisão constitucional, no entanto, Castelo Branco,
em 1966, assumiu a coordenação direta dos trabalhos (RIBEIRO, 2002, p. 6). O
decreto, então, tornou possível implementar a reforma sem submetê-la ao
Congresso para discussão e votação, apesar da instituição ter seus poderes
enormemente reduzidos pelos militares.

Ainda em 1965, dirigindo-se ao Congresso Nacional, Castelo Branco


1168

afirmou que “o propósito é [...] que o setor público possa operar com a eficiência
da empresa privada” (Mensagem Presidencial de 1965 apud DIAS, 1969, p. 50).
Página

O artigo 27 do Decreto-lei nº 200 assegura “às empresas públicas e às


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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
IRINEU BELO BALBI
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UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

sociedades de economia mista condições de funcionamento idênticas às do


setor privado” (BRASIL, 1967).

O Decreto-lei nº 200/1967 estabelece, em seu artigo 4º, que a estrutura


da administração federal é compreendida por administração direta e
administração indireta. A primeira se constitui dos serviços integrados na
estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. A
administração indireta classifica-se em três categorias: autarquias, empresas
públicas e sociedades de economia mista, todas dotadas de personalidade
jurídica própria.

O objetivo era conferir a essas entidades todas as condições em busca


de eficiência e flexibilidade para seu funcionamento e, por outro lado, os
representantes do Poder Executivo deveriam lançar mão dos instrumentos
básicos de administração para poderem exercer, realmente, a supervisão que
lhes cabe (DIAS, 1969). Ocorreria, assim, uma descentralização, ao transferir ou
delegar responsabilidades dos órgãos centrais da administração pública para os
órgãos da administração indireta.

Do ponto de vista administrativo, a grande marca do período foi a


continuação da expansão do Estado brasileiro, especialmente pela via da
administração indireta. A autonomia da administração indireta partia do
pressuposto da rigidez da administração direta e de uma suposta eficácia da
administração descentralizada. A administração indireta aumentou sua
participação na formação bruta de capital fixo da União, entre 1959 e 1973, em
195% em termos reais, ao passo que a contribuição da administração direta
decresce 12% no mesmo período (MARTINS, 1985, p. 51).
1169

A expansão assumida pelo governo federal ocorreu na órbita da chamada


administração indireta, buscando uma descentralização na gestão, ao mesmo
Página

tempo em que ocorreu um fortalecimento no movimento de concentração e

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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
IRINEU BELO BALBI
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UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

ampliação de recursos em poder da União. A distância entre as administrações


direta e indireta aumentou consideravelmente. Como consequência, enquanto a
administração indireta floresceu a prestação dos serviços públicos básicos à
população, tais como saúde, educação, assistência social e segurança pública
– a cargo da administração direta – continuaram a deteriorar (MARTINS, 1997,
p. 23-25).

A reforma administrativa de 1967 novamente evitou entrar nas relações


mais profundas entre política e estrutura burocrática, tendo como efeito mais
importante a manutenção de um padrão frágil, ineficiente, quando não corrupto,
dos serviços públicos na ponta do sistema (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010, p.
52). O enfraquecimento das práticas clientelistas não foi priorizado e se
alastraram também na administração indireta.

Em relação ao sistema federativo da época, José Murilo de Carvalho


(1994, p. 25) destaca que a centralização foi muito maior do que a de 1937, pois
o regime militar dispunha de recursos muito mais poderosos, tanto humanos
como materiais. O federalismo, então, não passava de retórica constitucional. As
relações intergovernamentais, na prática, estavam muito mais próximas às
formas que caracterizam um Estado unitário do que àquelas que caracterizam
as federações (ARRETCHE, 1999).

A comissão de estudos da reforma administrativa instituída por Castelo


Branco, em 1964, teve como principal material de apoio os estudos produzidos
pela Comissão Amaral Peixoto, criada durante o governo João Goulart, cujas
propostas foram enviadas ao Congresso em 1964, ou seja, nos últimos
momentos de regime democrático, sendo que nenhuma legislação foi aprovada.
1170

O Decreto-lei nº 200 consolidou de forma definitiva a estrutura e a


intervenção empresarial do Estado brasileiro, expandindo-se, sobretudo, por
Página

meio da administração indireta. Longe de promover a eficiência da máquina

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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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pública, acabou resultando na sua expansão (BARBOSA E SILVA, 2010, p. 82).


A centralização do poder nas mãos do governo federal se intensificou ainda mais
e o combate às práticas clientelistas não foram priorizadas, mas se propagou na
administração pública.

REFORMA DE 1995: REDEFINIÇÃO ESTATAL, DESCENTRALIZAÇÃO E


MODELO BUROCRÁTICO

Se a transição política foi um dos principais aspectos da década de 1980,


os anos de 1990 se destacaram pela liberalização econômica (SALLUM JR.,
2003, p. 36-41; PEIXOTO, 1994, p. 44). Após vigorar por quase trinta anos perdia
forças o amplo consenso social a respeito do papel do Estado, que procurava
garantir prosperidade econômica e bem-estar social (ABRUCIO, 1997;
BURSZTYN, 1994; DINIZ, 1998).

A expansão estatal é questionada e esta se revelava em si mesma como


componente da crise. Tem início, então, um processo de desconstrução da
ordem pregressa em todos os seus pilares, a começar pela própria reforma do
Estado (BOSCHI, 2010, p. 92-93) que, situado no epicentro da crise, passa a
perder o comando da política macroeconômica e a iniciativa do crescimento
(FIORI, 1989, p. 105; 1992, p. 81). Acumularam-se os sintomas de uma crise
que, sendo econômica e política, solapou as bases de sustentação do regime e
erodiu a capacidade gestora do Estado (FIORI, 1989, 1992).

As ideias predominantes nos países centrais e nas agências multilaterais


em relação à política econômica moveram-se, cada vez mais, do paradigma
keynesiano para a ortodoxia monetarista, privilegiando políticas rígidas de
1171

contenção de gastos públicos e de controle monetário (SALLUM JR., 2003, p.


36). Os dirigentes e a alta tecnocracia das agências multilaterais tiveram papel
Página

fundamental na disseminação dessas ideias e propostas, como o FMI e o Banco


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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

Mundial que, no decorrer dos anos 1980, enfatizavam insistentemente a


supremacia do mercado, em contraposição à ineficiência do Estado (DINIZ,
2000, p. 59).

O conjunto de reformas liberalizantes efetuadas nos anos 1990 definiu o


quadro institucional básico que passou a regular as relações entre o Estado e o
mercado e entre o próprio sistema econômico nacional e o capitalismo mundial
no começo do século XXI. Jeffry Frieden (2008) analisa que, de cinco a dez anos
a partir de 1982, “os países em desenvolvimento, um após o outro, liberalizaram
o comércio, desregulamentaram as atividades bancárias, privatizaram empresas
públicas, elevaram os impostos, cortaram gastos e integraram suas economias
aos mercados mundiais” (FRIEDEN, 2008, p. 400).

São dois os pilares da nova modalidade de intervencionismo estatal nos


anos 1990: abertura comercial e privatização, ambos vinculados pelo eixo da
estabilização econômica (BOSCHI, 2010). Os países altamente endividados
passaram a se dedicar em promover o ajuste fiscal, a liberalizar o comércio, a
privatizar, a desregulamentar. Temas que entraram na pauta de políticos e
formuladores de políticas públicas (BRESSER PEREIRA, 2006, p. 21-22).

Entre 1991 e 1997, foram adquiridas por empresas estrangeiras 96% das
empresas brasileiras do setor eletroeletrônico, 82% das empresas do setor de
alimentos e 74% das indústrias de autopeças, indicando um acentuado processo
de desnacionalização de um importante segmento da economia brasileira. No
âmbito das grandes empresas, observou-se um intenso processo de fusão,
aquisição ou associação com grupos estrangeiros. Entre 1992 e o primeiro
semestre de 1997, ocorreram 374 fusões e aquisições na indústria, observando-
se um ritmo de acrescimento acentuado: 21 transações em 1992, 50 em 1994,
1172

120 em 1996 e 61 na primeira metade de 1997 (FERRAZ; KUPFER; SERRANO,


1998, p. 16-17 apud DINIZ, 2000, p. 91-92).
Página

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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

Todas essas medidas significaram a transformação mais distintiva


ocorrida na relação Estado e economia. Apesar de não eliminar o
intervencionismo estatal, verifica-se uma profunda alteração na atuação do
Estado com a diminuição das funções empresariais do Estado (SALLUM JR.,
2003, p. 46-47). A partir de 1995, os novos governantes trataram de eliminar os
resíduos do Estado varguista, com a intenção de construir novas formas de
regulamentar o mercado, cujo denominador comum era um liberalismo
econômico moderado (SALLUM JR., 2003).

Fernando Henrique Cardoso, em discurso de despedida do Senado antes


de assumir a Presidência, anunciou a necessidade de sepultar a Era Vargas com
um corte radical com o passado. Era o momento, então, de um novo modelo,
abandonando o estatismo e o nacional-desenvolvimentismo e se comprometer
com as oportunidades que se abriam com a globalização. A coalizão vencedora
liderou a ofensiva pela eliminação dos entraves legais e institucionais para o
ajustamento aos novos tempos, dando início ao desmonte da Era Vargas (DINIZ,
2000, p. 89), tendo como alvo central o enfraquecimento dos fundamentos legais
do Estado-desenvolvimentista, em parte assegurados pela Constituição de 1988.

Nesse aspecto, o governo de Cardoso foi bem-sucedido, já que os


projetos de reforma constitucional e infraconstitucional submetidos ao
Congresso foram quase todos aprovados, destacando-se: o fim da discriminação
constitucional ao capital estrangeiro; a exploração, o refino e o transporte de
petróleo e gás, monopolizados pela Petrobrás, foram transferidos para a União
e convertidos em concessão do Estado às empresas, principalmente a estatal –
que manteve grandes vantagens em relação a outras concessionárias privadas.
O Estado também passou a conceder os direitos de exploração dos serviços de
1173

telecomunicação (telefonia fixa e celular, exploração de satélites) às companhias


privadas – anteriormente as empresas públicas tinham o monopólio dos serviços
Página

(SALLUM JR., 2003, p. 44-45).


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PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
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No contexto mundial, a partir de meados da década de 1990, 123 países


moveram-se na direção de empreender reformas administrativas com o objetivo
último de elevar o desempenho dos aparatos burocráticos (KAMARCK, 2000
apud REZENDE, 2002a, p. 112). Ao analisar comparativamente a reforma do
setor público em 12 países, Pollit e Bouckaert (2002), identificaram as razões
mais comumente para iniciar reformas as seguintes: reduzir gastos; melhorar a
qualidade dos serviços; tornar as operações do governo mais eficientes;
melhorar a efetividade da seleção e da implementação de políticas.

Em pesquisa comparativa sobre a influência do modelo gerencial em


perspectiva internacional, Fernando Abrucio (1997) conclui que foram duas as
saídas mais comuns para a crise econômica em diversos países: a redefinição
do papel do Estado na economia e a redução dos gastos públicos. O tema da
reforma do Estado ganhou notoriedade na agenda política internacional e a
reformulação do aparelho estatal tornou-se uma questão central,
“independentemente do perfil ideológico dos governos, e mesmo levando em
conta as diferentes respostas dadas às crises fiscal e administrativa” (ABRUCIO;
COSTA, 1998, p. 1).

A reforma administrativa, embora não constasse nos temas da campanha


eleitoral de 1994, passou a ser alvo do governo. “Fernando Henrique observou
que essa reforma [administrativa] não estava na agenda, que não fizera parte
dos compromissos de sua campanha” (BRESSER PEREIRA, 2008, p. 154). No
primeiro ano de seu governo, Fernando Henrique Cardoso transformou a antiga
Secretaria da Presidência em novo ministério, o Ministério da Administração
Federal e da Reforma do Estado (Mare), liderado por Luiz Carlos Bresser
Pereira.
1174

Este propôs que a reforma administrativa fosse incluída entre as reformas


constitucionais, já definidas como prioritárias pelo novo governo, tais como
Página

reforma fiscal, reforma da previdência social e eliminação dos monopólios


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estatais. A emenda constitucional da reforma administrativa foi remetida ao


Congresso Nacional em agosto de 1995, seguida do Plano Diretor da Reforma
do Aparelho do Estado, cuja proposta básica, nas palavras do próprio Bresser
Pereira (2006, p. 22), seria “transformar a administração pública brasileira, de
burocrática, em gerencial”.

Publicado em novembro de 1995, o Plano Diretor definia objetivos e


estabelecia diretrizes para a reforma da administração pública brasileira.
Inicialmente, o documento apresenta as principais razões para a crise do Estado,
definida pela “crise fiscal; [...] esgotamento da estratégia estatizante de
intervenção do Estado” e considera urgente a “superação da forma de
administrar o Estado, isto é, a superação da administração pública burocrática”
(BRASIL, 1995, p. 10-11).

Entende que a reação imediata à crise da década de 1980 foi ignorá-la.


Em seguida, a resposta foi pela via “neoliberal, caracterizada pela ideologia do
Estado mínimo. Ambas revelaram-se irrealistas: a primeira, porque subestimou
tal desequilíbrio; a segunda, porque utópica”. Apenas em meados dos anos 1990
surgiu uma resposta consistente, conforme consta no Plano Diretor, pois
privilegia a “ideia da reforma ou reconstrução do Estado, de forma a resgatar sua
autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas”
(BRASIL, 1995, p. 11).

Devido ao redesenho do papel do Estado considera que este deve


assumir novas funções diante do processo histórico e econômico, mais
compatível com as modificações em curso, ou seja, liberalização da economia e
privatização. O Estado, mais do que intervir na economia, deveria adquirir um
papel de regulador.
1175

O Plano Diretor considera o modelo racional-burocrático lento e ineficiente


Página

para a magnitude e a complexidade dos desafios que o país passou a enfrentar

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diante da globalização econômica, logo, tornou-se urgente a reconstrução da


administração pública. Defende, então, a implantação de uma administração
pública gerencial, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência,
voltada para o controle dos resultados e descentralizada. Salienta, também, que
nesse novo contexto o cidadão se torna “cliente privilegiado” dos serviços
prestados pelo Estado (BRASIL, 1995, p. 7).

O Plano Diretor destaca que “a administração pública gerencial inspira-se


na administração de empresas”, no entanto, enfatiza que aquela não pode ser
confundida com esta última (BRASIL, 1995, p. 16). Destaca que, do modelo
racional-burocrático, mantém alguns aspectos, como a admissão segundo
critérios de mérito, as carreiras, a avaliação constante de desempenho, o
treinamento sistemático, embora flexibilizando esses elementos. Destaca que a
principal diferença se refere à forma de controle, que deixa de basear-se nos
processos para concentrar-se nos resultados, e não na rigorosa
profissionalização da administração pública, que continua um princípio
fundamental (BRASIL, 1995, p. 16).

O principal objetivo da reforma administrativa de 1995 era reduzir os


gastos públicos, sobretudo nos estados, e flexibilizar a administração pública,
com o intuito de modernizar a gestão dos órgãos públicos, com a criação de
novas formas de provisão dos serviços (ABRUCIO; COSTA, 1998, p. 13;
REZENDE, 2002, p. 51).

Flávio Rezende (2002) considera que o Mare conseguiu obter apoio


substancial de atores estratégicos para o ajuste fiscal, mas, por outro lado, não
obteve o mesmo êxito para suas políticas de mudança institucional. Atores que
detinham maior poder decisório do que o Mare no interior da burocracia
1176

governamental – Casa Civil, Ministérios da Fazenda e do Planejamento e


Orçamento – percebiam a reforma administrativa como uma questão mais
Página

diretamente associada aos processes de redução de pessoal e de controle de


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custos com a máquina administrativa, do que ao processo de introdução de


mudanças substanciais nos arranjos institucionais existentes (REZENDE, 2002,
p. 64-65). O autor conclui, então, que os atores têm incentivos a cooperar com
os objetivos de ajuste fiscal e reduzidos incentivos a promover mudança
institucional.

Apesar dos vários pronunciamentos e textos escritos por Bresser Pereira,


“no sentido de eliminar os pontos de estrangulamentos da administração pública
brasileira, bem como os vícios do passado, [...] a orientação básica do governo
esteve voltada para as questões relativas à crise fiscal e à necessidade de
alcançar a austeridade orçamentária” (DINIZ, 2000, p. 52-53). Assim, “a reforma
administrativa foi efetivamente contida pelas metas do ajuste fiscal, conduzido
de forma inflexível pelo Ministério da Fazenda” (DINIZ, 2001, p. 20).

Abrucio e Costa (1998) destacam duas grandes linhas no projeto de


reforma administrativa. Uma “vinculada à preocupação com o ajuste fiscal, a qual
aparentemente motivou a apresentação dessa reforma. [...] tratava-se de
diminuir os gastos com pessoal, mais especificamente o dos governos
estaduais” (ABRUCIO; COSTA, 1998, p. 62). A segunda procurou fazer
alterações constitucionais capazes de flexibilizar a administração pública e criar
um novo modelo de organização burocrática, a administração pública gerencial,
no entanto, “não foi priorizada pelo primeiro governo de FHC e seu andamento
tem sido mais lento e vinculado à perseverança do ministro Bresser Pereira e de
sua equipe” (ABRUCIO; COSTA, 1998, p. 61-62).

Em relação ao sistema federativo, cabe destacar que a partir da


Constituição de 1988 os estados e municípios foram fortalecidos e a Assembleia
Nacional Constituinte representou o principal palco da luta entre os entes
1177

federativos ao disputarem a divisão dos recursos e cada um buscando aumentar


sua fatia do bolo fiscal (CARVALHO, 1994, p. 27). A descentralização fiscal da
Página

Constituição de 1988 marcou profundamente a natureza das relações


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intergovernamentais e, diferentemente de outros países, os municípios


brasileiros foram declarados entes federativos autônomos. Em suma, no Brasil
pós-1988, a autoridade política de cada nível de governo é soberana e
independente das demais (ARRETCHE, 1999, p. 114; CAMARGO, 1994, p. 88).

Pode-se dizer que um novo federalismo nascia no Brasil, resultado da


união entre forças descentralizadoras democráticas com grupos regionais
tradicionais, que se aproveitaram do enfraquecimento do governo federal num
contexto de esgotamento do modelo varguista e do Estado nacional-
desenvolvimentista. O projeto básico era fortalecer os governos subnacionais e,
para parcela desses atores, democratizar o plano local (ABRUCIO, 2002, p. 182).

Por fim, pode-se afirmar que a reforma do Estado elaborada durante o


primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), conforme apontam
Nunes, Ribeiro e Peixoto (2007, p. 184-185) foi orientada por diretrizes
amplamente difundidas no contexto internacional de “retirada” do poder público
da produção direta de bens e serviços; criação de marcos regulatórios para os
setores privatizados ou liberalizados e implementação de reformas gerenciais na
administração pública para combater a estagnação econômica e a crise fiscal
identificada em diversos países.

Até mesmo os opositores da reforma administrativa de 1995, conforme


destaca Sonia Fleury (1997), atribuem ao projeto de Bresser o mérito de ter
colocado em “evidência um tema que parecia ter sido condenado ao ostracismo,
dentro de uma concepção mais radical que negava qualquer papel ao Estado
nacional, em suas dimensões política e administrativa, em um contexto de
economia globalizada” (FLEURY, 1997, p. 299).
1178

O aspecto ideológico também foi importante, pois propiciou uma maior


aceitação de uma administração que privilegie resultados gerenciais, conforme
Página

nos sugere Frederico Lustosa da Costa (2011). Por outro lado, chama a atenção

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que a reforma administrativa de 1995, ocorrida em contexto democrático, ilustra


a pouca importância que o tema possui entre os parlamentares, pois demorou
três anos para ser aprovada. Isso decorre, talvez, por ela não possuir potencial
eleitoral e também exigir muitas negociações, concessões e tempo (COSTA,
2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A década de 1930 é fundamental quando se trata do redesenho do Estado


brasileiro e do que é entendido como sociedade capitalista moderna. Naquele
momento, tratou-se de edificar uma arquitetura de Estado nacional moderno que
ampliava suas funções de intervencionismo econômico e social, ao mesmo
tempo em que montava uma burocracia tecnicamente qualificada e impessoal,
segundo moldes weberianos (GOMES, 2012, p. 71).

Pela primeira vez, “cuidou-se da adoção de princípios universalistas e da


democratização do acesso a cargos públicos pela via do mérito comparativo, e
não apenas do mérito corporativo ou adstrito a indivíduos de determinada
origem” (SANTOS, 1997, p. 32). Esse pioneirismo presente na década de 30,
sobretudo na figura do Dasp, gerou uma burocracia voltada para o
desenvolvimento tendo como parâmetro o sistema de mérito e o universalismo
de procedimentos, representando a primeira instituição “capaz de produzir
políticas públicas em maior escala” (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010, p. 36).

Apesar da importância do Dasp em racionalizar o serviço púbico, cabe


ressaltar que, depois de um quarto de século de Dasp e de esforços daspianos,
apenas 12% dos servidores públicos brasileiros haviam sido recrutados pelo
1179

processo de concursos públicos (MELLO E SOUZA, 1994, p. 62-63; NUNES,


2010, p. 97).
Página

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A despeito dos mecanismos implantados no período 1930-45, norteados


pela burocracia weberiana, as instituições criadas no período não foram capazes
de aniquilar o clientelismo presente na administração pública. No entanto, é
certo, que as práticas e mecanismos adotados no período modificaram
profundamente as relações políticas dominantes até então. A importância do
período tratado e suas influências podem ser verificadas ainda hoje no arranjo
político-institucional.

O Decreto-lei nº 200 de 1967, apesar de enfatizar a descentralização e


flexibilidade administrativas, bem como a introdução do espírito gerencial em
alguns segmentos da administração pública, não deu conta do caráter híbrido do
modelo administrativo – práticas clientelistas com a busca pelo universalismo de
procedimentos. Além disso, aumentou alguns problemas, como o conflito entre
administração direta e indireta.

A máquina do governo central cresceu continuamente durante o regime


militar (1964-1985) através da multiplicação da administração indireta. O
governo federal ampliou sua base de recursos financeiros de forma nunca vista
na história do país, permitindo intensa atuação econômica e intervenção do
mercado. Por outro lado, também permitiu forte centralização da União em
detrimento dos demais entes federativos, submissos economicamente e
politicamente à União. O federalismo, assim, não passava de retórica
constitucional, conforme destaca José Murilo de Carvalho (1994).

Na organização do poder, o regime militar seguiu o mesmo padrão de


Vargas, caracterizado pela hipertrofia do Poder Executivo Federal e pelo
fortalecimento da Presidência da República como o centro político do sistema,
acentuando o seu caráter autoritário (ABRUCIO, 2002). O governo federal
1180

centralizou as decisões econômicas, administrativas e políticas, cujo projeto


ficou evidente na estrutura federativa montada pelo governo federal, que cerceou
Página

o poder das elites estaduais mediante a adoção da eleição indireta para o cargo
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de governador. No âmbito financeiro as mudanças tributárias geraram forte


centralização da receita e, por fim, no plano administrativo, procurava-se impor
um padrão uniforme e obrigatório às administrações estaduais em termos de
políticas públicas (ABRUCIO, 2002, p. 17).

Na relação entre governo e mercado, predominou a atuação do primeiro.


Para isso, basta verificar a quantidade de empresas estatais criadas e a intensa
atuação estatal na economia, ocorrida sobretudo via administração indireta. A
profissionalização da administração direta não foi enfatizada, criando uma
grande diferenciação entre administração direta e administração indireta. Esta,
por sua vez, não reduziu as práticas clientelistas, mas apenas as expandiu na
administração pública brasileira. Assim, dotados de autonomia em contexto
político autoritário, a administração indireta contribuiu para expandir os
interesses privados no interior do Estado.

A reforma administrativa de 1995, chamada de reforma gerencial, foi a


única que ocorreu em contexto democrático e, conforme exposto no Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado – documento que contém um
panorama econômico e político desde a década de 1930 – era essencial uma
reforma administrativa em sintonia com a redefinição do papel do Estado para
que o país se adequasse às exigências da internacionalização da economia.

A ação estatal, assim, passou a assumir um caráter regulatório e


facilitador, abandonando suas funções produtivas e prescindindo do controle
direto de empresas e firmas (BOSCH; LIMA, 2002 apud MELO, 2002, p. 247).
Há, então, uma nova face do Estado pós-desenvolvimentista, projeto que se
buscou consolidar durante o governo Fernando Henrique Cardoso, “e cujo grau
de institucionalização torna-o irreversível a curto e médio prazo” (MELO, 2002,
1181

p. 247).
Página

REFORMAS ADMINISTRATIVAS DO GOVERNO FEDERAL EM


PERSPECTIVA HISTÓRICA: UNIVERSALISMO DE IRINEU BELO BALBI
PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
IRINEU BELO BALBI
REFORMAS ADMINISTRATIVAS DO GOVERNO FEDERAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:
UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

Conforme destaca Eli Diniz (2001, p. 13), as reformas realizadas nos anos
90, notadamente a privatização comercial e a abertura da economia, tiveram
eficácia no desmonte dos alicerces da antiga ordem, de tal forma que qualquer
perspectiva de retorno ao passado torna-se anacrônica. Ocorreram mudanças
na atuação do Estado em relação a vários setores socioeconômicos, que passou
a expandir suas funções normativas e de controle por meio de agências
reguladoras setoriais (telecomunicações, eletricidade, petróleo e gás, por
exemplo) (SALLUM JR., 2003, p. 47).

Ocorreram, sim, mudanças na estrutura centralizada anterior, com novas


formas de provisão e atuação do aparato estatal. O resultado disso, no entanto,
está levando a repensar o papel do poder nacional, em vez de destruí-lo. O
balanço das últimas décadas não revelou redução significativa do tamanho do
Estado nos países desenvolvidos ou o esvaziamento do governo central, mas
para a reconstrução da forma de intervenção e gestão do aparelho estatal
(ABRUCIO, 2006; ABRUCIO; LOUREIRO, 2008; DINIZ, 2000).

Grande parte da literatura especializada considera que o governo


Fernando Henrique Cardoso adotou como estratégia para a reforma
administrativa a ótica fiscal e que esta acabou se sobressaindo (ABRUCIO;
COSTA, 1998; COSTA, 2010; DINIZ, 2000, 2001; NOGUEIRA, 2011; PAULA,
2005; REZENDE, 2002, 2004). Em detrimento, assim, da suposta substituição
do modelo burocrático pelo modelo gerencial. A administração pública brasileira
é representada por um sistema híbrido, com a convivência de modelos de
administração incompletos, inconsistentes e superpostos (DINIZ, 2000, 2001;
LIMA JR., 1998).

Conforme ressalta Marco Aurélio Nogueira (2011), houve avanços em


1182

termos de eficiência e de racionalização, mas esses avanços se estabeleceram


bem mais em função de critérios fiscais e quantitativos (menor custo das
Página

operações estatais) do que em função de critérios sociopolíticos (resultados


REFORMAS ADMINISTRATIVAS DO GOVERNO FEDERAL EM
PERSPECTIVA HISTÓRICA: UNIVERSALISMO DE IRINEU BELO BALBI
PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
IRINEU BELO BALBI
REFORMAS ADMINISTRATIVAS DO GOVERNO FEDERAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:
UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

sociais, fortalecimento da democracia, revigoramento da vida pública). O


governo ficou sem um projeto consistente de desenvolvimento, pois promoveu a
desconstrução do Estado realmente existente, mediante a intensa privatização,
descentralização, cortes e redução funcional. Tratava-se, assim, de uma nova
racionalização estruturada sobre as cinzas do modelo burocrático (NOGUEIRA,
2011, p. 46).

Cabe ressaltar que a transição para outro tipo de Estado, no sentido de


que o governo federal venha a desempenhar novas funções – seja para outros
níveis de governo, seja para o setor privado –, supõe necessariamente que a
União seja administrativa e institucionalmente forte (ARRETCHE, 1996).
Reformar o Estado significa, também, redistribuir suas atribuições entre os três
níveis de governo, o que permite ir além do maniqueísmo presente na opção
entre Estado mínimo e Estado máximo (ABRUCIO; COUTO, 1996, p. 46, grifos
dos autores).

A literatura que se debruça sobre a evolução da administração pública


brasileira – com foco na interação Estado e sociedade, conforme destaca Ismael
(2013), tem dado crescente atenção às unidades subnacionais, uma vez que o
processo decisório mais descentralizado reúne condições “mais propícias para
maior participação social, estimulando de alguma forma a cidadania ativa, o
controle social das instituições governamentais e o fortalecimento de uma cultura
política democrática” (ISMAEL, 2013, p. 13). No plano dos estados e municípios,
atualmente, ocorre um expressivo processo de inovação política, as chamadas
“novidades vindas de baixo”, um artifício que, segundo Arretche (1996) guarda
paralelo com a capacidade de inovação política do governo federal nos
primórdios do Estado desenvolvimentista.
1183

Diversas experiências inovadoras nas cidades do Brasil, ao longo das


últimas décadas, revelaram “um alto grau de eficiência na desprivatização do
Página

poder público, na democratização do processo decisório ou ainda na reversão


REFORMAS ADMINISTRATIVAS DO GOVERNO FEDERAL EM
PERSPECTIVA HISTÓRICA: UNIVERSALISMO DE IRINEU BELO BALBI
PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO
IRINEU BELO BALBI
REFORMAS ADMINISTRATIVAS DO GOVERNO FEDERAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:
UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS, FEDERALISMO E DESENVOLVIMENTO

de práticas clientelistas” e a ação de várias prefeituras tem contribuído para a


melhoria de inúmeros indicadores, como os serviços de saúde, saneamento
básico e infraestrutura urbana (DINIZ, 2001, p. 21).

Se no contexto econômico de 1930, o Estado passou a induzir


centralmente a economia do país, na década de 1990 há modificação nesse
papel empresário estatal, cujas funções são redefinidas ao longo dos anos.
Antes de um Estado mínimo, este deve ser capaz de cumprir suas funções
básicas e, sobretudo, valer a nossa última Constituição, universalizando serviços
públicos básicos, prestados de forma tão desigual e precário no país.

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GRUPO DE TRABALHO 5
1194
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ADALBERTO GREGÓRIO BACK
A AGENDA CLIMÁTICA E A AGENDA URBANA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE
CONVERGÊNCIAS E DESARTICULAÇÕES

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

A AGENDA CLIMÁTICA E A AGENDA URBANA DO


MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE CONVERGÊNCIAS
E DESARTICULAÇÕES

ADALBERTO GREGÓRIO BACK


1195

Bacharel em Ciências Sociais pela


UNESP/FCLAr, Mestre e Doutorando em Ciência
Política pela UFSCar. E-mail:
Página

backgregor01@yahoo.com.br
A AGENDA CLIMÁTICA E A AGENDA URBANA DO
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE CONVERGÊNCIAS E ADALBERTO GREGÓRIO BACK
DESARTICULAÇÕES
ADALBERTO GREGÓRIO BACK
A AGENDA CLIMÁTICA E A AGENDA URBANA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE
CONVERGÊNCIAS E DESARTICULAÇÕES

RESUMO

A mudança climática global constitui-se no maior desafio da humanidade no


século XXI e os centros urbanos têm alta relevância no enfrentamento das
causas (redução de emissões de gases de efeito estufa) e consequências
(adaptação aos impactos locais/regionais) desse fenômeno. O município de São
Paulo foi pioneiro na adesão à agenda de enfrentamento às mudanças climáticas
(2003-2012), instituindo a Política Municipal de Mudanças Climáticas (PMMC)
em 2009. No entanto, esta sofreu declínio na gestão posterior (2013-2016).
Assim, nesse artigo nos propusemos a identificar as causas que levaram à
desarticulação na implementação da lei do clima. Para tanto, comparamos os
dois períodos citados levando-se em consideração a disponibilidade de recursos
para a PMMC, o comprometimento discursivo com a agenda climática e a
implementação de políticas públicas convergentes com os propósitos da lei.
Observamos a priorização da agenda urbana, convergente com a agenda
climática, porém não considerada discursivamente como tal.

ABSTRACT

Global climate change is the greatest challenge for mankind in the 21st
century andthe urban centres have high relevance in confronting
the causes (reduction of greenhouse gas emissions) and consequences
(adaptation to the local/regional impacts) of this phenomenon. The city of São
Paulo was a pioneer in joining the coping agenda to climate change (2003-2012)
establishing the Municipal Policy on Climate Change (PMMC) in 2009.
1196

However, this was relatively abandoned between 2013-2016. So, in


this article we seek to identify the causes that led to the disruption in the
Página

implementation of that law. We have noted that the urban agenda, which
A AGENDA CLIMÁTICA E A AGENDA URBANA DO
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE CONVERGÊNCIAS E ADALBERTO GREGÓRIO BACK
DESARTICULAÇÕES
ADALBERTO GREGÓRIO BACK
A AGENDA CLIMÁTICA E A AGENDA URBANA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE
CONVERGÊNCIAS E DESARTICULAÇÕES

is convergent with the climate agenda, was priorized, but it was


not considered discursively as such.

INTRODUÇÃO

No ano de 2015 ocorreram importantes acordos internacionais no âmbito


da Organização das Nações Unidas (ONU), os quais impactarão a agenda de
desenvolvimentos nacionais e subnacionais no mundo inteiro nas próximas
décadas. Dentre esses acordos, citamos a agenda 2030 para o desenvolvimento
sustentável; o acordo de Paris sobre mudanças climáticas; e o acordo de Sendai
sobre redução de risco de desastres 2015-2030 (PNUD, 2015).

Essas agendas políticas têm estreita relação com a urbanização, sendo


impossível pensar o desenvolvimento sustentável sem abarcar o
desenvolvimento urbano/ambiental das cidades. Afinal, atualmente, mais da
metade da população mundial vive em áreas urbanas e, segundo projeções
demográficas, estima-se que o crescimento populacional nas áreas urbanas
deve atingir dois terços da população mundial por volta de 2050, sendo que a
maior concentração ocorrerá nos países em desenvolvimento (UNITED
NATIONS, 2015).

As cidades são responsáveis por cerca de 75% do consumo de energia


no mundo e produzem 80% das emissões de gases de efeito estufa relacionadas
às atividades industriais, transportes, disposição de resíduos sólidos,
aquecimento e resfriamento de edifícios residenciais e comerciais (UN-
HABITAT, 2011; WORLD BANK, 2010). Além disso, o crescimento populacional
nas áreas urbanas pode envolver mudanças no uso do solo, no sentido que as
cidades tendem a se espraiar em direção aos subúrbios e a invadir terras que
1197

eram cobertas por vegetação natural, o que implica em perda do serviço


ambiental de sorvedouro de carbono, amenização do clima, proteção de
Página

mananciais, contenção de erosão e enchentes, preservação de espécies e da

A AGENDA CLIMÁTICA E A AGENDA URBANA DO


MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE CONVERGÊNCIAS E ADALBERTO GREGÓRIO BACK
DESARTICULAÇÕES
ADALBERTO GREGÓRIO BACK
A AGENDA CLIMÁTICA E A AGENDA URBANA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE
CONVERGÊNCIAS E DESARTICULAÇÕES

paisagem. Estudos urbanísticos mostram fortes evidências de que, apesar do


crescimento da população, nos dois últimos séculos a densidade urbana
declinou mundialmente. Essa tendência continuará provavelmente, como afirma
o relatório das Nações Unidas sobre assentamentos humanos (2011, p.27,
tradução nossa): “Estima-se que a população total das cidades nos países em
desenvolvimento dobrará entre 2000 e 2030, enquanto o tamanho das
áreas construídas vai triplicar”.

Além disso, a concentração de infraestrutura física, atividades


econômicas e elevada proporção da população mundial nas cidades pode
implicar em maiores riscos de perdas de vidas humanas e bens materiais frente
aos fenômenos climáticos extremos, tendo em vista particularmente a fragilidade
da população vulnerável (alta densidade populacional, baixos níveis de renda,
educação e saúde), bem como a qualidade da infraestrutura urbana e a estrutura
de planejamento, coordenação, gerenciamento e implementação de políticas e
serviços (MARTINS; FERREIRA, 2011; UNITED NATIONS..., 2011; WORLD
BANK, 2010; MARANDOLA JUNIOR, 2009).

Sendo assim, visando definir uma nova agenda urbana a fim de responder
aos desafios da urbanização convergente com os princípios e propósitos dos
acordos supracitados, a Organização das Nações Unidas convocou, para o ano
de 2016, a conferência Habitat III sobre moradia e desenvolvimento urbano
sustentável. Em linhas gerais, os pressupostos básicos orientadores dos
debates para o desenvolvimento da nova agenda urbana envolve a busca por
um desenvolvimento urbano inclusivo, seguro, resiliente e sustentável.

Nesse sentido, visa-se promover mudanças nos modos como as cidades


e assentamentos urbanos são planejadas, construídas, governadas e
1198

gerenciadas, a partir de estratégias integradas de planejamento urbano


participativo que promova o desenvolvimento espacial misto, conectado e
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compacto, promotor de emprego e moradia em lugar seguro, dotado de


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infraestrutura de serviços, lazer e trabalho, acessível por meio de transportes


públicos e que assegure a sustentabilidade ambiental. Assim, visando superar
desafios como o espraiamento urbano, o crescimento das desigualdades,
segregação e pobreza urbana emergente, poluição e elevadas emissões de
gases de efeito estufa, bem como as vulnerabilidades e desastres relacionados
às mudanças climáticas no âmbito local (UN-HABITAT, 2016).

A agenda urbana é, portanto, convergente com a agenda climática em


nível local/regional. A agenda de enfrentamento às mudanças climáticas diz
respeito essencialmente, de um lado, à redução de emissões de gases de efeito
estufa lançados na atmosfera decorrentes de atividades antrópicas (mitigação)
e, de outro lado, à redução das vulnerabilidades de populações, lugares ou
instituições aos impactos diretos ou indiretos relacionados às mudanças
climáticas, bem como a promoção da capacidade de adaptação dos
assentamentos humanos à ocorrência dos eventos climáticos extremos
(adaptação) (UNITED NATIONS..., 2011; IPCC, 2007).

A agenda de enfrentamento às mudanças climáticas teve início formal em


1992, durante a reunião de cúpula da Conferência das Nações Unidas para o
Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), quando foi criado um
instrumento político com o objetivo de coordenar as ações dos países no
enfrentamento às Mudanças Climáticas, a Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças do Clima (VIOLA, 2002; 2003). Os acordos nesse
âmbito ocorrem de maneira essencialmente hierárquica e vertical, no qual as
políticas são emanadas de cima para baixo (top-down), e a administração do
problema é responsabilidade primária dos estados nacionais (BETSILL;
BULKELEY, 2006, p. 149).
1199

No entanto, mesmo as legislações nacionais, elaboradas devido ao


comprometimento internacional, não teriam condições de estabelecer regras,
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incentivos, monitoramento e coações em âmbito local e regional com relação à


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emissão de gases de efeito estufa. Porque as decisões que contribuem para tais
emissões são feitas por múltiplos atores, públicos e privados, nas diferentes
esferas de governo e em várias situações, desde decisões domésticas familiares
até de grandes corporações (ABRANCHES, 2008).

Com a percepção de que os governos locais são importantes lócus para


o enfrentamento das mudanças climáticas, desde a década de noventa
começaram a se constituir redes transnacionais de governos locais visando
gerar soluções, apoiar à formulação e implementação de políticas locais
relacionadas ao enfrentamento às mudanças climáticas, bem como atuar como
lobby perante os governos nacionais e internacionais a fim de melhorar as
condições de implementação de política locais relacionadas às mudanças
climáticas (KERN; BULKELEY, 2009; TOLY, 2008).

O município de São Paulo deu o primeiro passo em direção à adesão da


agenda climática em 2003, quando, por intermédio da Secretaria do Verde e
Meio Ambiente, aderiu à Campanha cidades para Proteção do Clima do ICLEI,
uma das maiores redes de cooperação descentralizada relacionada ao tema
(BACK, 2012).

De 2003 a 2012, apesar das mudanças de gestão, a agenda climática


encontrou condições favoráveis para seu desenvolvimento, chegando a ser
promulgada uma lei, em 2009, que estabelece a política de mudanças climáticas
do município prevendo metas mandatórias ambiciosas de redução de emissões
de GEE, de maneira pioneira no Brasil.

No entanto, muitas das diretrizes e metas da referida lei não foram


cumpridas até 2012, e foram relativamente abandonadas na gestão posterior
1200

(2013-2016). Assim, nesse artigo nos propusemos a identificar as causas que


levaram à desarticulação na implementação da lei do clima.
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Com esse propósito, construímos um modelo de análise, baseando-nos


na literatura nacional e internacional, a fim de comparar os períodos citados
(2003/2005-2012 e 2013-2016), levando-se em consideração: 1º o
comprometimento individual da alta burocracia e políticos posicionados na
estrutura política e administrativa do governo municipal com a questão das
mudanças climáticas; 2º o comprometimento discursivo dos policymakers com a
agenda climática; 3º o levantamento das políticas setoriais implementadas,
convergentes com a agenda climática; 4º a disponibilidade de fundos através de
arranjos financeiros internos ou acesso a fundos externos; 5º e, por fim, a
identificação de eventuais conflitos da agenda climática com outros objetivos
sociais, econômicos e ambientais, que ocasionariam potenciais entraves para a
ação climática (MARTINS; FERRERIA, 2011; BULKELEY; BETSILL, 2003).

Para a realização desse estudo em profundidade nos servimos de atas do


Comitê de Mudanças Climáticas e Ecoeconomia; entrevistas semiestruturadas
com 4 técnicos e 2 políticos e 2 representantes da sociedade civil, relevantes ao
debate; levantamento da legislação relacionada à implementação da agenda das
mudanças climáticas nas políticas setoriais; levantamento da legislação
pertinente à política urbana, particularmente o Plano Diretor Estratégico de 2014.

Na primeira seção deste trabalho, descrevemos o processo de inserção


da agenda climática no município de São Paulo, buscando identificar quais os
elementos que possibilitaram a adesão dessa agenda no município, neste
momento.

Na segunda seção, buscamos identificar os motivos do enfraquecimento


da agenda do clima na implementação de políticas setoriais anteriormente
identificadas como tal, particularmente a inspeção veicular e a substituição da
1201

frota de ônibus baseada em combustível fóssil (diesel) por outra baseada em


biocombustíveis.
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Na terceira seção, apresentamos as convergências de políticas de


desenvolvimento urbano realizadas na gestão 2013-2016 com a agenda
climática e buscamos identificar os motivos da falta de vinculações dessas ações
com o discurso de enfrentamento às mudanças climáticas.

A AGENDA URBANA E A AGENDA CLIMÁTICA NO MUNICÍPIO DE SÃO


PAULO (2003-2012)

A cidade de São Paulo está entre as maiores cidades do mundo em


termos populacionais, sendo a maior cidade brasileira e sul-americana. De
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a população
da cidade é de aproximadamente doze milhões de habitantes, vivendo em uma
área de 1,521,110 km2. Se considerarmos sua área metropolitana, a população
estimada é de quase 20 milhões de pessoas (IBGE, 2015).

A cidade de São Paulo e sua área metropolitana experimentaram um


rápido crescimento urbano e populacional a partir da segunda metade do século
XX. Este processo foi essencialmente marcado pela lógica da especulação
imobiliária. Nesse sentido, observou-se a valorização da terra para o lucro e a
priorização do investimento público ao fornecimento de condições materiais para
o estabelecimento e desenvolvimento da grande indústria (MEYER, GALVÃO,
LONGO, 2015).

Como resultado desse processo histórico, algumas partes da cidade


foram equipadas com infraestrutura e equipamentos públicos, particularmente
no centro expandido, enquanto outras áreas não obtiveram investimentos
adequados em habitação e prestação de serviços públicos básicos sofrendo com
a falta de planejamento e infraestrutura. Nesse sentido, a população de baixa
1202

renda, em busca de opções de habitação a preços acessíveis, acabou tendo


como opção ocupar áreas periféricas da cidade, por vezes territórios irregulares
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em áreas de risco, gerando como consequência um processo excludente

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baseado no espraiamento urbano (JACOBI et al., 2013; GARCIAS, PINHEIRO,


2013; MARICATO et al, 2010; VALENCIO, 2009; RIBEIRO, 2008; VEYRET,
2007).

O centro expandido da cidade concentra infraestrutura urbana e cerca de


60% por cento dos postos de trabalho, principalmente nas áreas comerciais e de
serviços. Esta área é ocupada quase exclusivamente por grupos com
rendimentos mais elevados, enquanto as maiores densidades populacionais
ocorrem na periferia, onde é escassa a oferta de empregos. Há, portanto, uma
desconexão territorial entre empregos e locais de habitação na cidade de São
Paulo (LEITE, LONGO, GUERRA, 2015).

Na política de mobilidade urbana, o investimento público historicamente


favoreceu o transporte individual motorizado, ao invés dos transportes públicos.
Assim, todos os dias, milhões de trabalhadores da periferia de São Paulo e de
outras cidades que fazem parte da área metropolitana, realizam um movimento
pendular centro-periferia casa/trabalho/estudo, particularmente aqueles
incorporados em categorias profissionais de qualificação inferior
(VASCONCELOS, 2013; NOBRE et al, 2010). As consequências deste modelo
são os elevados custos sociais do congestionamento, da poluição do ar,
acidentes de trânsito, consumo de energia não renovável e as emissões de
gases de efeito estufa da cidade.

De acordo com o último relatório sobre as emissões do município de São


Paulo, o setor de transportes foi responsável por oitenta e cinco por cento das
emissões do ano de 2011 de um total de 16,430 Gigaton de CO2eq. (SÃO
PAULO, 2013).
1203

Assim, este modelo de crescimento da cidade, com base em um processo


histórico de urbanização periférica, horizontal, excludente, não planejada,
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impermeabilizada e baseada no transporte individual motorizado está na raiz das

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vulnerabilidades socioambientais, as quais são sentidas principalmente pela


população de baixa renda (RIBEIRO, 2008). Nesse sentido, eventos climáticos
extremos, que tendem a aumentar em frequência e intensidade devido à
mudança climática global, podem intensificar os problemas urbanos, sociais e
ambientais existentes no território (NOBRE et al., 2010).

A urbanização e impermeabilização do solo em áreas de fundos de vale


e várzeas de rios provocam inundações e alagamentos em diferentes partes da
cidade, gerando perdas de bens materiais e grandes problemas de trânsito na
cidade. Além disso, o fenômeno de ilha de calor atinge particularmente a região
central da cidade, mais urbanizada, onde a temperatura pode atingir até 7°C a
mais do que as regiões periféricas, em geral mais arborizadas e menos
urbanizadas da cidade. As ilhas de calor podem aumentar a incidência de
doenças respiratórias na população, pois impedem a dispersão dos poluentes
(NOBRE et al., 2010).

A região metropolitana de São Paulo também é vulnerável à seca vis-à-


vis a baixa disponibilidade relativa dos recursos hídricos per capita, tendo em
vista o excesso populacional na região metropolitana de São Paulo, que abrange
a bacia do Alto Tietê (VARGAS, 2011; RIBEIRO, 2011; NOBRE et al., 2010).

Na periferia, os principais problemas são os perigos de deslizamentos de


terra e inundações, por causa da ocupação de terrenos para habitação em áreas
de declive acentuado pelos mais pobres. O relatório de vulnerabilidades da
RMSP faz um alerta: caso o processo de urbanização siga a mesma tendência
de expansão periférica nas próximas décadas, a ocupação tende a ocorrer em
áreas de declive acentuado onde já ocorrem eventos climáticos extremos e
frequentes, que tendem a se tornar ainda mais frequentes e, assim, desencadear
1204

catástrofes (NOBRE et al., 2010).


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A inserção da temática das mudanças climáticas na agenda


governamental da prefeitura municipal de São Paulo se iniciou em 2003 com a
adesão do município à Campanha Cidades para a Proteção do Clima (CCPC)
da Rede Transnacional Governos Locais para a Sustentabilidade ICLEI e, como
resultado, iniciou o processo de elaboração de seu primeiro inventário de
emissões de gases de efeito estufa (GEE), publicado em 2005.

A abordagem do ICLEI está focada na redução de emissões de GEE


levando-se em consideração a geração de co-benefícios econômicos
relacionados à eficiência energética e poupança de recursos financeiros
decorrentes da redução de gastos com energia (ecoeficiência), bem como da
melhoria da qualidade do ar, qualidade de vida e preocupações com saúde
(BETSILL; BULKELEY, 2004, P. 177-179; LINDSETH, 2004; BETSILL 2001).
Nesse sentido, ainda no ano de 2003 foi realizada uma experiência para a
captação de gás metano no aterro sanitário Bandeirantes, o que rendeu três
situações de ganho: redução de emissões de GEE, geração de energia barata e
ganhos financeiros com os créditos de carbono provenientes do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo75 (MDL) (PUPPIM DE OLIVEIRA, 2009).

No ano de 2005, vários fatores contribuíram para que a agenda de


mudanças climáticas tivesse não só continuidade, mas também
aprofundamento: a divulgação do inventário de emissões de GEE do município
contribuindo para indicar as prioridades do município sobre a mitigação; a
entrada em vigor do Protocolo de Quioto com a ratificação pela Rússia contribuiu
para gerar um clima favorável na opinião pública mundial à implementação de
políticas climáticas; a renovação das lideranças políticas no município abrindo a
possibilidade de mudanças ou inserção de temas na agenda governamental; o
1205

75
Mecanismo criado no âmbito do Regime Internacional de Mudanças Climáticas da Organização das Nações
Página

Unidas (ONU), para financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável nos países que não tinham
obrigação de redução de emissões de GEE no Protocolo de Kyoto (VARGAS; RODRGUES, 2010).
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quadro crescente de mobilização de governos subnacionais pelo mundo que


contribuiu para a mobilização das lideranças políticas do município; a
experiência com a captação de gás metano para geração de energia no aterro
Bandeirantes com recursos provindos do MDL, que gerou expectativas de
recursos adicionais (BACK, 2012).

Levando em consideração o momento favorável, o prefeito à época não


só manteve a agenda climática na pauta do governo como contribuiu para sua
ampliação, sistematização e integração. Nesse sentido, foi criado o Comitê de
Mudanças Climáticas e Ecoeconomia, como centro aglutinador para a
articulação intramunicipal, sob a coordenação pela Secretaria Municipal do
Verde e Meio Ambiente, a fim de realizar estudos e propostas transversais nas
políticas setoriais76.

O papel de liderança política exercida pelo secretário municipal do verde


e meio ambiente foi crucial para o aprofundamento dessa agenda. Dotado de
influência no governo do município à época77, o secretário atuou como um
empreendedor político sobre a questão climática e realizou várias
experimentações em políticas setoriais, visando reduzir emissões de GEE.

No período de 2005 a 2007, foi implantada uma série de políticas


convergentes e vinculadas discursivamente à agenda climática no município, tais
como: a) a captação de biogás no aterro sanitário São João replicando a
experiência bem sucedida do aterro Bandeirantes, para geração de energia
elétrica, contando com recursos do MDL; b) a criação do programa de inspeção
veicular, visando à adequação das emissões dos veículos para assegurar a
qualidade do ar; c) a implantação obrigatória de sistemas de aquecimento solar
1206

76
Decreto 45.959/2005, formado, nesse momento, por oito secretarias e duas empresas prestadoras de serviços
municipais.
77
Nos oito anos como secretário municipal do verde e meio ambiente (2005/2012), aumentou em mais de três
Página

vezes o orçamento para a secretaria, passando de R$ 77 milhões em 2004 para R$ 340 milhões em 2005, além
de ampliações na estrutura da secretaria (WATHELY, 2008).
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de água em novas edificações de prédios residenciais multifamiliares e edifícios


comerciais, privados, públicos e edificações industriais; d) a realização de
medidas de retrofits com a substituição de lâmpadas incandescentes 20% das
lâmpadas incandescentes dos faróis de sinalização da cidade por LEDs,
implicando em redução considerável de gastos com energia; e) a ampliação da
capacidade de arborização da Prefeitura, atuando no plantio e manutenção de
árvores na cidade, bem como na ampliação da quantidade de parques públicos,
entre parques urbanos (voltados ao lazer e cultura), parques lineares
(saneamento, combate a enchentes, reurbanização e lazer) e parques naturais
(proteção à biodiversidade) (BACK, 2012).

Como um corolário das ações que vinham sendo empreendidas em


conformidade com a agenda climática no município, e, simultaneamente, em
resposta ao calendário internacional da conferência das nações unidas (COP15),
a cidade de São Paulo, em 2009, aprovou a lei 14.933 que estabelece a Política
Municipal de Mudanças Climáticas (PMMC) do município prevendo diretrizes,
objetivos e metas para o enfrentamento das mudanças climáticas no nível local
em longo prazo.

Exercendo protagonismo no contexto nacional, definiu metas de redução


de emissões ambiciosas e mandatórias, visando redução de 30% das emissões
até 2012 com referência no ano-base de 2003. Esse pioneirismo teve influência
significativa nos posicionamentos do governo federal, contribuindo com
compromissos em nível doméstico como internacionais (ROMERO; PARENTE,
2011; GOLDEMBERG; LUCON, 2010).

Por outro lado, é preciso destacar que, baseado nas experiências prévias
da prefeitura, bem como no suporte da rede transnacional ICLEI para a
1207

formulação do pré-projeto de lei, o resultado da lei aprovada priorizou a


dimensão da mitigação de emissões de GEE ao invés de políticas de adaptação
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aos eventos climáticos extremos (BULKELEY; TUTS, 2013; BACK, 2012;


VARGAS; RODRIGUES, 2011).

A PMMC consolidou o Comitê Municipal de Mudança do Clima e


Ecoeconomia como um conselho consultivo, a fim de contribuir com: a) o
compartilhamento de informações e experiências no âmbito da administração
municipal, bem como com representantes de setores da sociedade civil; b) a
geração de soluções voltadas à implementação de políticas convergentes com
o enfrentamento às mudanças climáticas; e, c) a fiscalização da implementação
da lei (BACK, 2012; BIDERMAN, 2011).

O Comitê se reuniu regularmente, desde sua criação em 2009 até o final


do ano de 2012, produzindo estudos, articulações intersetoriais e
acompanhamento da implementação da política de mudanças climáticas do
município. No entanto, algumas das metas previstas para 2012 não foram
cumpridas e, a partir de 2013, outras políticas setoriais que faziam parte da
agenda climática, entraram em declínio.

Na próxima seção, buscamos identificar os motivos do declínio de


algumas políticas setoriais anteriormente associadas à agenda do clima,
particularmente a inspeção veicular, a substituição gradual da frota de ônibus
movida a diesel por outra baseada em biocombustíveis.

A AGENDA CLIMÁTICA EM DECLÍNIO NO MUNICÍPIO?

O governo eleito para o período 2013-2016, em um primeiro momento,


abdicou de uma série de políticas setoriais definidas na lei do clima da cidade de
1208

São Paulo. Podemos citar, por exemplo: o abandono do sistema de inspeção


veicular anual, em 2013; o congelamento de reuniões do Comitê de Mudanças
Climáticas durante um ano e meio (jan./2013 a ago./2014); a substituição de uma
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parte da frota de ônibus coletivos sem considerar os critérios de utilização do


combustível renovável; a redução expressiva do orçamento voltado à secretaria
do verde e meio ambiente, bem como a alta rotatividade da liderança política
dessa pasta (NATALINI, 2014; CORTESE, 2013).

A inspeção veicular foi suspensa devido a razões legais e políticas. De


um lado, a administração decidiu não renovar o contrato com a empresa
realizadora do serviço de inspeção, sendo que esse contrato havia expirado,
alegando irregularidades na forma de licitação78. Por outro lado, na campanha
eleitoral o prefeito eleito havia prometido desonerar da cobrança da taxa de
inspeção os proprietários de veículos, o que significaria uma perda de
arrecadação de recursos. No entanto, a prefeitura tinha um déficit no orçamento
dos transportes públicos, além de sofrer pressões ainda em 2013 iniciadas pelo
movimento passe-livre para o não só não aumentar o preço das passagens como
para conceder gratuidades para segmentos de passageiros. Além disso, um
novo projeto de inspeção veicular, proposto em abril de 2015, foi questionado
pelo tribunal de justiça. Depois desses fatos, o posicionamento do prefeito é de
que se deve esperar o governo do estado aprovar a inspeção em toda a região
metropolitana, de acordo com um projeto de lei parado, desde 2009, na
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Segundo a percepção dos entrevistados, o congelamento nas reuniões do


comitê de mudanças climáticas durante um ano e meio representou a falta de
compromisso do governo com essa agenda. As reuniões foram retomadas
devido a uma ação judicial do ministério público movida pelo vereador da
oposição, Gilberto Natalini (PV), bem como pela mobilização da ONG Rede
Nossa São Paulo, a qual convocou, no início de 2014, representantes técnicos
1209

e políticos da prefeitura para apresentar estudo sobre a implementação da


Página

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Havia sido licitado em 1998, mas a contratação ocorreu em 2008 por outra gestão de governo.
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política do clima, bem como para cobrar a sua retomada (COMPARATO et al.,
2014). Apesar da retomada de reuniões, o Comitê não conta com recursos e
poder estratégico, tendo baixa capacidade de efetiva inserção do tema na
agenda de outras secretarias. Por outro lado, é ainda um ponto de referência
para se discutir as vinculações de políticas setoriais com a agenda climática.
Afinal, reúne representantes e técnicos do alto escalão interessados na questão
para discussões mensais.

A renovação de parte da frota de ônibus está ocorrendo sem observar a


exigência da lei de mudanças climáticas (14.933) de substituição total até 2018
por veículos que utilizem combustíveis não fósseis79 (art.50/lei 14.933/2009). No
entanto, a lei não estabelece punições face o descumprimento. Assim, o
secretário de transportes alega que o cumprimento desse princípio teria um alto
custo para a implantação (estimado de R$2 bilhões por ano), além de problemas
como a variação do preço dos combustíveis e maior desgaste nos motores da
Ecofrota experimental iniciada em 2011 (BALAGO, 2016).

A diminuição paulatina de recursos orçamentários da secretaria do verde


e meio ambiente, significou o congelamento na abertura de novos parques
públicos, bem com a redução substancial no plantio anual de árvores na cidade.
Além disso, a rotatividade das lideranças políticas dessa pasta (quatro
secretários foram substituídos entre 2013 e 2016) expressa uma perda de poder
político da secretaria, o que, por sua vez, significou a perda de uma liderança
estratégica voltada para as questões ambientais, particularmente comprometida
com a agenda climática.

As metas de redução de 30% de emissões de gases de efeito estufa,


estabelecidas pela PMMC também não foram cumpridas, tendo em vista dois
1210

79
Atualmente 95% da frota de ônibus é a diesel.
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fatores. O primeiro fator se deve a um aspecto técnico, tendo em vista que as


reduções de emissões provenientes dos aterros sanitários Bandeirantes e São
João, supracitados, não entraram na contagem do novo inventário da cidade,
publicado em 2012, entendendo que a venda dos créditos de carbono,
provenientes do mecanismo de desenvolvimento limpo, são contabilizados no
país que os compra (CORTESE, 2013).

O outro motivo está associado ao aumento vertiginoso da frota circulante


de veículos automotores na cidade, reflexo de políticas federais de redução do
IPI (imposto sobre produtos industrializados) para veículos, implementadas
desde 2012, bem como os subsídios para os combustíveis derivados de petróleo
(CORTESE, 2013; SETZER et al., 2015). Nesse sentido, as emissões
aumentaram em 4% em relação a 2003, ano-base do relatório anterior.80

Por outro lado, políticas setoriais convergentes com os objetivos da


agenda climática foram empreendidas, porém, sem necessariamente explicitar
essa vinculação com a agenda climática, como veremos na próxima seção.

RELAÇÕES DA AGENDA URBANA COM A AGENDA CLIMÁTICA NO


MUNICÍPIO (2012-2016)

Nessa seção, identificamos avanços em políticas urbanas convergentes


com a agenda climática, ou seja, que contribuem para a redução de emissões
de gases de efeito estufa, bem como para a redução de vulnerabilidades
socioambientais no município.

Nas políticas relacionadas ao gerenciamento dos resíduos sólidos na


cidade, observamos avanços, tendo em vista a ampliação da coleta seletiva e a
1211
Página

80
Cf. http://nossasaopaulo.org.br/noticias/principais-metas-da-lei-de-mudanca-do-clima-de-sao-paulo-nao-
estao-sendo-cumpridas
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inauguração de duas grandes centrais de triagem de resíduos sólidos ampliando


a capacidade de reciclagem (SÃO PAULO, 2014)

O aumento da capacidade de coleta seletiva e reciclagem era previsto na


lei de mudanças climáticas, mas essas medidas não foram vinculadas
discursivamente à agenda climática.

No setor de serviços, a prefeitura realizou uma parceria público privada


com início no ano de 2016, visando para os próximos 5 anos, a substituição total
das 618 mil luminárias da cidade para tecnologia LED e com instrumentos de
telegestão, que permite o controle à distância e em tempo real de toda a rede.
Até o momento 20% da iluminação da cidade já foi substituída, iniciando-se por
bairros na periferia como Brasilândia, Lajeado, Heliópolis, Jardim Monte Azul,
Sapopemba e Jardim Ângela. Essa iniciativa é pioneira na América Latina e São
Paulo é a maior metrópole no mundo a implementar essa tecnologia. Além dos
benefícios econômico-ambientais, pois tem maior durabilidade e propicia
economia de energia de 50%, a medida é justificada no discurso político em
termos de propiciar maior segurança (melhor iluminação) e, assim, maior
ocupação e uso dos espaços públicos (RUSSO, 2015). Apesar de ser
convergente com a redução de emissões de GEE devido redução no consumo
de energia, não se fez referência discursiva a essa agenda.

No setor dos transportes, a cidade aumentou a quantidade de faixas de


ônibus exclusivas adicionando 416,2 quilômetros aos 90 quilômetros pré-
existentes; e também foi construído 76 km de novos corredores do ônibus. As
ciclovias na cidade foram aumentadas em quase 5 vezes, passando de 64,7 km
para 305,2 km (São Paulo, 2016). Isso faz parte de um conjunto de ações que
visam priorizar o transporte público, multimodal e interligado, garantidor de
1212

acesso a toda a cidade. Nesse sentido, mudando paradigmas históricos de


investimentos voltados ao transporte individual motorizado. Essas medidas, de
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baixo custo e rápida realização, promoveram melhorias no transporte público


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aumentando a velocidade média em 68,7% nas faixas exclusivas (passando de


12,4 Km/h para 20,8 Km/h), beneficiando cerca de 2,3 milhões de passageiros
diariamente e significando economia média de 38 minutos por dia (SÃO PAULO,
2014).

Como dito na primeira seção, as principais fontes de emissões do


município de São Paulo são decorrentes da queima de combustíveis fósseis
principalmente no setor de transportes. Assim, as medidas que priorizam os
transportes públicos e desincentivam o transporte individual motorizado, são
convergentes com a redução da poluição local e mitigação de emissões de GEE.

Em termos de políticas urbanas convergentes com a adaptação às


mudanças climáticas, chamamos a atenção para a aprovação do Plano Diretor
Estratégico (PDE) em 2014, o qual criou diretrizes e instrumentos para guiar a
gestão urbana pelos próximos 16 anos.

O planejamento urbano é um importante instrumento que define a


diretrizes e regras para orientar o desenvolvimento urbano da cidade. Nesse
sentido, o plano diretor pode promover tanto incentivos quanto restrições aos
investimentos privados em infraestrutura, habitação e equipamentos urbanos.
Essa capacidade regulatória é essencial às cidades, especialmente devido ao
elevado custo do provimento de infraestrutura e a baixa capacidade de
investimento dos municípios nesse setor (SATTERWAITH, 2008).

O PDE, desenvolvido de maneira participativa, foi reconhecido pela


Organização das Nações Unidas como um exemplo de planejamento urbano
para outras cidades do mundo, principalmente nos países em desenvolvimento
(VELASQUES, 2014). Vários especialistas também reconheceram o PDE como
1213

um instrumento importante, o qual altera paradigmas da evolução histórica da


urbanização de São Paulo, especialmente no que diz respeito à mobilidade
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urbana, habitação social, sustentabilidade ambiental e à densidade construtiva


e populacional em áreas dotadas de infraestrutura.

A fim de promover a densidade construtiva e populacional em áreas


dotadas de infraestrutura urbana qualificada, o PDE cria instrumentos para
regular e incentivar o potencial construtivo ao longo de rotas de transporte
público de média e alta capacidade, tais como corredores de ônibus, metro,
monotrilho e trem. No entorno das áreas de influência dos transportes públicos
de massa, o PDE rege que as construções devem contar com quatro vezes a
área do terreno, a fim de promover densidade onde existe a infraestrutura de
mobilidade. Além disso, ao longo desses eixos há alguns desencorajamentos à
criação de estacionamento para carros, acima de um mínimo estabelecido por
lei.

Nas zonas fora das vias de transporte urbano, o coeficiente básico de


capacidade construtiva é igual ao da superfície do lote. No entanto, é possível
construir acima desse índice mínimo pagando-se à prefeitura a outorga onerosa
de potencial construtivo adicional. Provenientes desses recursos, 30% são
alocados para investimentos em infraestrutura e para habitação social na cidade
visando corrigir o déficit habitacional para população de baixa renda
(MALERONKA, 2015).

Outros instrumentos relevantes nesse sentido são a: cota-parte máxima


de terra, que define um número de unidades habitacionais mínimo que deve ser
produzido em novas construções que se situem ao longo dos eixos de transporte
público de alta capacidade, a fim de garantir a utilização mista do espaço; a quota
de solidariedade, em que os grandes projetos imobiliários devem fornecer 10%
de área equivalente ao seu empreendimento para habitação social, em recursos
1214

ou terreno (COSTA, ALBUQUERQUE, RAMPAZIO, 2015); as zonas especiais


de interesse social (ZEIS), as quais foram marcadas no plano diretor a fim de
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assegurar a produção de novas habitações sociais em áreas dotadas de


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infraestrutura; o imposto sobre a propriedade urbana (IPTU) progressivo no


tempo para combater a ociosidade de imóveis em áreas dotadas de
infraestrutura, e também para garantir que a taxa mínima de ocupação seja
cumprida, respeitando a função social da terra (SMDU, 2014). Assim, esses são
instrumentos que visam promover a densificação, a utilização mista desses
espaços, o controle da especulação imobiliária e priorização ao transporte
público.

É importante mencionar também os incentivos para promover, de um lado,


a ampliação do número de habitações nas regiões centrais, onde há maior oferta
de empregos, e, por outro, estimular a criação de emprego onde a oferta é
limitada. Neste sentido, foram criadas isenções fiscais para empresas,
comerciais ou industriais, em partes da cidade, especialmente na zona leste,
onde há baixa oferta de postos de trabalho e onde há uma alta densidade
populacional. Assim, busca-se incentivar a criação de novas centralidades, a fim
de aproximar casa/trabalho/estudo tendo por efeito a redução do número de
viagens diárias na metrópole. Tal redução de viagens pendulares reduziria por
consequências as emissões diárias de GEE, além de promover bem-estar e
emprego à população de bairros periféricos.

Na dimensão ambiental, o PDE indica áreas de proteção e restauração do


meio ambiente, e estabelece instrumentos de pagamento por serviços
ambientais para a preservação dos ecossistemas naturais nas margens da
cidade. Também vale citar o mecanismo da cota ambiental que incentiva a
criação de espaços verdes em projetos de construção na cidade resultando em
aumento da permeabilidade do solo, aumento da cobertura vegetal, melhorando
as condições de drenagem e mitigação de ilha de calor (MALERONKA, 2015).
1215

Entendemos que essas ações e instrumentos de planeamento na cidade


de São Paulo atuam no sentido de alterar paradigmas históricos de crescimento
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da cidade, incentivando a densidade populacional e construtiva em áreas


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dotadas de infraestrutura; promove uso misto do solo (casa, trabalho e lazer);


cria novas centralidades na cidade; prioriza o transporte público e intermodal ao
invés do transporte motorizado individual; e contêm o espraiamento urbano da
cidade.

Essas medidas de planejamento da cidade são convergentes com a


redução das emissões de GEE na cidade, particularmente no setor dos
transportes, e ao mesmo tempo, também contribuem como medidas de
adaptação aos efeitos das mudanças climáticas localmente, afinal, os
instrumentos promotores de habitação social em áreas dotadas de infraestrutura,
bem como os instrumentos que visam restringir a especulação imobiliária e o
espraiamento urbano contribuem para evitar a criação de novas áreas de riscos
socioambientais nas periferias da cidade.

Apesar destas convergências entre planejamento urbano e a redução das


emissões de gases com efeito de estufa, bem como a adaptação às alterações
climáticas no nível local, essas ações não foram consideradas no discurso dos
atores políticos na gestão 2013-2016, como havia sido feito na gestão anterior.

No governo anterior (2005-2008/2009-2012), o engajamento discursivo do


governo local sobre o enfrentamento às alterações climáticas se justificava
baseado na obtenção de recursos adicionais, redução dos custos de energia e
melhoria da qualidade do ar a nível local, além de responder a um momento
importante na agenda internacional de negociações sobre mudança climática
(COP15), através das redes transnacionais de governos locais. Além disso, essa
agenda dependeu, para sua efetiva ampliação e implementação, do apoio de um
empresário político em posição decisória na administração municipal, o
secretário de meio ambiente e verde.
1216

Na gestão 2013-2016, embora haja muitas ações convergentes com a


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redução das emissões de GEE e adaptação às alterações climáticas, houve um

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retrocesso na percepção desta questão. Nossos resultados sugerem que essa


falta de comprometimento com a agenda climática está relacionada: a falta de
um empreendedor político com poder decisório para dar continuidade à
implementação dessa agenda; a perda de recursos financeiros e de poder
político pela secretaria do meio ambiente; a aumento nos custos de
implementação de algumas políticas estabelecidos pela lei do clima, como a
inspeção veicular e o uso de biocombustíveis na frota de ônibus; e ao
esgotamento de recursos adicionais provenientes do MDL, implementados na
gestão anterior.

Apesar do fraco compromisso da gestão 2013-2016 com a agenda


específica para as alterações climáticas, as mudanças no paradigma do modelo
de desenvolvimento urbano na cidade, seguindo os princípios de uma cidade
compacta e garantidora do direito e acesso à cidade, são convergentes ao
enfrentamento às mudanças climáticas no nível local, como vimos no caso de
São Paulo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, a agenda climática do município de São Paulo, identificada


principalmente com a mitigação de GEE, se iniciou em 2003 e se desenvolveu
até 2012, baseada em alguns fatores, tais como: o momento internacional
propício em 2005 (Protocolo de Kyoto) e 2009 (COP 15 e aprovação da lei
municipal); suporte de Redes transnacionais de governos locais, com apoio
técnico e expertise; experiências bem-sucedidas de atração de fundos externos
relacionados aos créditos de MDL; liderança política posicionada na estrutura
1217

político-administrativa capaz de influenciar a inserção e a manutenção do tema


na agenda governamental; comprometimento discursivo das lideranças,
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inclusive no âmbito internacional por meio das redes transnacionais de governos

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locais; identificação de convergências de políticas setoriais com os propósitos da


agenda climática servindo como justificativas para a manutenção e
aprofundamento dessas ações.

No entanto, observou-se um enfraquecimento da agenda de mudanças


climáticas, especialmente entre 2013-2016, tendo em vista: os elevados custos
para a implementação de determinadas políticas previstas na lei do clima (custos
políticos e orçamentários), particularmente a renovação da frota a combustível
não fóssil e a inspeção veicular, e, por consequência, o declínio na
implementação dessas políticas setoriais, anteriormente identificadas
discursivamente com a agenda climática; a redução de expectativas de créditos
adicionais provenientes do MDL; e, sobretudo, a perda de orientação estratégica
baseada numa liderança capaz de renovar a agenda do clima.

Por outro lado, outras políticas setoriais, identificadas com a agenda


climática, foram implementadas, mas não foram vinculadas discursivamente aos
propósitos da lei do clima. Na verdade, muitas das políticas realizadas nesse
período estão em sintonia com a nova agenda urbana em pauta em outros fóruns
internacionais, alinhada aos princípios de cidade compacta, acessibilidade,
direito à cidade, participação social, mobilidade urbana multimodal e
sustentabilidade ambiental. Esses princípios, por sua vez, são também
convergentes a agenda de mudanças climáticas no município, tanto na
dimensão da mitigação como na dimensão de adaptação aos efeitos das
mudanças globais do clima.

Assim, verificaram-se avanços em políticas convergentes com a agenda


de mudanças climáticas que, no entanto, não foram ressignificadas
discursivamente como tal. Esse declínio na articulação discursiva se deu
1218

particularmente devido à falta de uma liderança política posicionada na estrutura


político-administrativa do governo municipal comprometida com essa agenda.
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AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao apoio financeiro da Fundação de Amparo à pesquisa de São


Paulo (FAPESP), sem o qual essa pesquisa não teria sido possível.

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MARINA KOLLAND DANTAS, LILIAN RIBEIRO DE OLIVEIRA E CLÁUDIA SOUZA PASSADOR
ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E DE SAÚDE NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

GRUPO DE TRABALHO 5 - GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E


DE SAÚDE NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

MARINA KOLLAND DANTAS

Graduada em Gestão Ambiental pela


ESALQ/USP e especialista em Gestão Pública
pela USP. Mestranda em Administração de
Organizações na FEA-RP/USP. E-mail:
marikolland@gmail.com

LILIAN RIBEIRO DE OLIVEIRA

Possui graduação em Administração pelo Centro


Universitário Moura Lacerda. Mestrado em
Administração das Organizações na FEA -
RP/USP. Doutoranda em Administração das
Organizações na FEA-RP/USP. E-mail:
lilianroliveira88@gmail.com

CLÁUDIA SOUZA PASSADOR

Graduação em Ciências Sociais pela USP e em


Comunicação Social pela Universidade Metodista
1230

de São Paulo, mestrado em Administração


Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas
- SP, doutorado em Educação pela USP e Livre-
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NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E OPORTUNIDADES CLÁUDIA SOUZA PASSADOR
MARINA KOLLAND DANTAS, LILIAN RIBEIRO DE OLIVEIRA E CLÁUDIA SOUZA PASSADOR
ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E DE SAÚDE NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

Docência em Administração Pública pela FEA -


RP/USP. E-mail: cspassador@gmail.com
RESUMO

Esse artigo insere-se nas discussões contemporâneas sobre sustentabilidade e


demanda por integração entre as políticas sociais que compõe a agenda
governamental. Neste contexto, objetivou analisar o histórico das políticas
públicas ambientais e de saúde no Brasil, identificando similaridades e
diferenças que geraram um quadro dos avanços, desafios e oportunidades entre
as áreas. É um estudo qualitativo conduzido mediante levantamento
bibliográfico. Conclui-se que as políticas analisadas estão em fase de
fortalecimento institucional, de implementação e avaliação, porém permanecem
dificuldades que impactam no desempenho destas iniciativas. A partir das
limitações observadas, sugere-se uma agenda para estudos futuros.

ABSTRACT

This article is inserted in contemporary discussions on sustainability and demand


for integration between social policies related to the government agenda. In this
context, aimed to analyze the history of environmental public policy and health in
Brazil, identifying similarities and differences that generated a framework of the
progress, challenges and opportunities between these areas. It is a qualitative
study conducted by bibliographic survey. We conclude that the analyzed policies
are in phase of strengthening institutional, implementation and evaluation, but
difficulties remains which impact the performance of these initiatives. From the
limitations observed, an agenda for future studies was suggested.
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OPORTUNIDADES

INTRODUÇÃO

A formulação de políticas públicas representa o estágio no qual os


governos democráticos traduzem seus propósitos em ações capazes de
produzirem resultados e mudanças sociais (SOUZA, 2006). Assim, a “política”
recebe o adjetivo de “pública” quando tem a intenção de coordenar os meios que
o Estado possui para atender a objetivos determinados e socialmente relevantes
(SECCHI, 2013). Entretanto, é complexo determinar “como” e “quais” os
problemas ou as realidades a serem atendidas.

Isto porque as estratégias políticas são orientadas desde os interesses de


ordem mercadológica, até enfoques como a distribuição de bens e prestação de
serviços nos campos do trabalho, da saúde, da educação, do meio ambiente,
entre outros (MASSARDIER, 2011; SARAVIA, 2006). Nesta direção, Höfling
(2001) define as políticas sociais como as ações que determinam o padrão de
proteção estatal, em princípio, para a redistribuição de benefícios que reduzam
as desigualdades oriundas de externalidades negativas dos modelos de
desenvolvimento.

Em termos históricos, a trajetória das políticas sociais remete ao final da


Segunda Guerra Mundial, período marcado por fortes turbulências entre capital
e trabalho (FALEIROS, 1991; PIRES; DEMO, 2006; HÖFLING, 2001). A
expansão do capitalismo monopolista e as diversas crises econômicas
colocaram em xeque a posição liberal de que o Estado deveria ser mínimo e o
mercado, autorregulado; com isso, Keynes reavaliou estes princípios a fim de
propor alternativas à política econômica vigente (PAULA, 2005). Essa busca
refletiu no surgimento do Estado de Bem-Estar ou Welfare State.

De acordo com Matias-Pereira (2008, p. 47), este tipo de Estado, “[...]


1232

gerado para contrapor-se aos processos econômicos desumanizados,


inflexíveis, onipotentes e onipresentes é uma aspiração ao direito à equidade e
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um apelo para romper com as estruturas de mercado”. Contudo, a plena


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incorporação destes sistemas se deu apenas em alguns países. Mesmo com um


sistema de proteção social amplo, o Brasil nunca alcançou um Estado de Bem-
Estar nos moldes das nações europeias (MATIAS-PEREIRA, 2008).
Diferentemente de outros países, em que o aumento dos gastos sociais foi
associado ao excesso de paternalismo do Welfare State, no Brasil, a chegada
tardia do neoliberalismo possibilitou a inserção de direitos sociais à Constituição
de 1988 (BEHRING, 2006).

Nesse cenário de direitos adquiridos na chamada Constituição Cidadã, a


política social de saúde instaurada foi o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem
como princípios norteadores a universalidade, a integralidade, a equidade na
assistência, a participação da comunidade e a descentralização do comando
único. O SUS envolve todos os entes da federação e beneficia mais de 190
milhões de pessoas, sendo que aproximadamente 75% da população dependem
exclusivamente deste serviço de saúde público (BRASIL, 2013).

Complementarmente, nesse rol de conquistas, cumpre destacar que o


artigo 225 da CF de 1988 também oficializou que: “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL,
1988). Logo, há uma responsabilidade compartilhada na adoção de atitudes que
equilibrem as relações do homem com o meio ambiente (BURSZTYN;
BURSZTYN, 2012).

Porém, a complexidade ambiental demanda a coordenação e integração


com outras políticas setoriais (LEME, 2010) uma vez que os desafios do
panorama contemporâneo exigem ações orientadas para o equilíbrio entre os
1233

sistemas ambiental, econômico e político-social (FIORINO, 2010; WU et al.


2014).
Página

Por conseguinte, constata-se um esforço global voltado à implementação


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OPORTUNIDADES

de uma agenda comprometida com as dimensões da sustentabilidade, conforme


evidenciado pela recente divulgação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), que incluem: acabar com a pobreza e a fome; garantir educação
inclusiva e de qualidade; assegurar uma vida saudável; garantir disponibilidade
e manejo sustentável da água; promover o crescimento econômico sustentado;
combater a mudança do clima; dentre outros (JACOBI; GIATTI, 2015; PNUD,
2015).

Logo, os tomadores de decisão devem estar cientes da importância das


políticas públicas integradas para garantir resultados mais eficientes e efetivos
no bem-estar social (WU et al., 2014). Neste artigo, o foco está na integração
entre as políticas públicas ambientais e de saúde, as quais convergem para o
mesmo objetivo: garantir a salubridade da população por meio de intervenções
e ações preventivas.

Os impactos socioambientais levam a condições de saúde precárias e,


consequentemente, este panorama resulta em despesas crescentes com saúde
devido à sobrecarga nos sistemas com pacientes acometidos por doenças
evitáveis (PRÜSS-ÜSTÜN et al., 2016). Portanto, a relação entre essas duas
áreas adquire destaque na agenda contemporânea uma vez que a melhoria das
condições de saúde a partir da gestão ambiental é um elemento importante para
alcançar os ODS dado que intervenções ambientais atuam em diversas doenças
ao mesmo tempo (PRÜSS-ÜSTÜN et al., 2016).

Conforme enfatizado por Dora et al. (2015) é fundamental demonstrar os


ganhos na área da saúde provenientes das políticas de desenvolvimento
sustentável, para que estas se tornem mais atrativas na tomada de decisão e
1234

tenham mais chance de serem implementadas.

A partir dessa demanda por pesquisas interdisciplinares, o presente artigo


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objetivou analisar o processo histórico de construção das políticas públicas


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ambientais e de saúde no contexto brasileiro, identificando similaridades e


diferenças a fim de gerar um quadro comparativo de avanços, desafios e
oportunidades entre as áreas. Para tanto, encontra-se organizado em quatro
seções: a primeira é composta por esta introdução; a segunda expõe o
referencial teórico sobre políticas públicas ambientais e de saúde; a terceira
parte contempla a metodologia para atender ao objetivo proposto; a quarta seção
apresenta as análises construídas a partir da integração entre as duas áreas e a
última parte retrata as conclusões, com uma proposta de agenda para pesquisas
futuras baseadas nas limitações encontradas.

POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS

Bursztyn e Bursztyn (2012) afirmam que as políticas ambientais são


iniciativas voltadas à proteção, a conservação, o uso sustentável e a
recomposição dos recursos naturais. É fundamental compreender que estas
ações inserem-se em um processo mais amplo de gestão do território, refletindo
os respectivos projetos de desenvolvimento adotados por um país durante sua
história (CUNHA; COELHO, 2012; FERNANDES et al., 2012).

Nesta perspectiva, no Brasil, o direito do cidadão a um ambiente sadio foi


legalmente estabelecido com a promulgação da CF de 1988, porém torna-se
importante resgatar a dinâmica de configuração da política ambiental, como fruto
da incorporação de tendências externas em distintas conjunturas políticas,
econômicas e sociais (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012).

A partir dessa reconstrução, inicialmente observa-se que, já no período


do descobrimento e colonização do Brasil, o patrimônio natural foi explorado para
1235

viabilizar a geração de riqueza (CORBUCCI, 2003; CÂMARA, 2013). Dessa


forma, houve uma retirada intensiva de recursos de ordem ambiental, conforme
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constado pelos ciclos econômicos que se alternaram na história do país, como:

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o pau-brasil, a mineração, o açúcar, o café, a borracha, entre outros (PÁDUA,


2013).

Por outro lado, enquanto o princípio norteador do desenvolvimento esteve


baseado na exploração ambiental, as medidas protecionistas eram restritas,
pautadas no comando e controle, com instrumentos de cerne punitivo e caráter
utilitarista, ou seja, as ações tinham como objetivo proteger determinados
recursos naturais exclusivamente devido ao valor econômico que os mesmos
possuíam para garantir a continuidade das atividades produtivas que dependiam
destes materiais (CÂMARA, 2013).

Somente na década de 1930, já na Era Vargas, verifica-se uma nova fase


das políticas ambientais focada na abordagem nacional dos problemas e nas
propostas intervencionistas mediante o desenvolvimento de um conjunto de
códigos, que incorporaram regras em três grandes eixos: normatização das
atividades extrativistas; racionalização no uso dos recursos naturais; e definição
de áreas de preservação permanente (MONOSOWSKI, 1989; CUNHA;
COELHO, 2012; PÁDUA, 2013). Porém, apesar dos avanços obtidos com o
arcabouço mais explícito para a pauta ambiental, essa lógica de atuação foi
responsável por gerar normas fragmentadas, que culminaram em estratégias e
políticas setoriais conflitantes, limitando a inserção da variável ambiental na
tomada de decisão pública e a efetividade das iniciativas (MONOSOWSKI, 1989;
CÂMARA, 2013).

Foi apenas em um momento posterior, primordialmente a partir de 1970,


que a temática ambiental assumiu uma posição de maior visibilidade devido a
um conjunto de eventos, movimentos políticos e descobertas científicas que
sensibilizaram a sociedade, em âmbito internacional, quanto aos desequilíbrios
1236

e a complexidade dos impactos ecológicos oriundos dos modelos insustentáveis


de produção e consumo adotados pelo homem (FIORINO, 2010; LIMA, 2011).
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No Brasil, seguindo estas orientações e pressões externas, houve a criação de

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uma estrutura própria, ou seja, a incorporação de recursos humanos, financeiros


e institucionais específicos para gerir a questão ambiental, além disso, ocorreu
a ampliação da abordagem regional dos problemas ambientais, reconhecendo a
diversidade que caracteriza o país (CUNHA; COELHO, 2012).

Não obstante as conquistas, vale ressaltar que, nesse período,


permaneceram um conjunto de conflitos entre as ações ambientais e as políticas
de integração nacional executadas e priorizadas pelo governo militar, as quais
promoviam um conjunto de impactos ecológicos negativos (BURSZTYN;
BURSZTYN, 2012; CUNHA; COELHO, 2012). Como resultado, a política
ambiental permaneceu com caráter corretivo e baixa eficácia, sem contar com
ampla participação social o que fez da omissão a regra das iniciativas nessa
época (MONOSOWSKI, 1989).

Posteriormente, diante de um cenário de transformações globais voltadas


a adoção de modelos de desenvolvimento pautados em um novo paradigma da
sustentabilidade, conjuntamente com o alastramento dos problemas endógenos,
como a perda de biodiversidade e a deterioração da qualidade nos grandes
centros urbanos, o Brasil foi pressionado a adotar uma agenda explícita para a
proteção ambiental (LIMA, 2011). Assim, ao final de 1980, a legislação nacional
definiu diplomas mais ambiciosos e consistentes para a orientação de um novo
modelo de gestão ambiental, que emergiram em todos os níveis da hierarquia
normativa, com destaque para a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA)
(MONOSOWSKI 1989).

Nesse panorama, constituiu-se uma estrutura ambiental no setor público


com a especialização e setorização das agendas ambientais, bem como o
fortalecimento dessa agenda a partir da criação de partidos e a entrada de
1237

ambientalistas no campo de disputa política. Além da esfera pública, houve um


aumento e profissionalização das Organizações Não Governamentais com
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objetivos relacionados ao meio ambiente, a criação de novos instrumentos de

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gestão e arranjos institucionais para a gestão participativa (LEME, 2010; LIMA,


2011; CUNHA; COELHO, 2012).

Logo, observam-se avanços quanto à institucionalização da gestão


ambiental, a maior sensibilização social para com o tema, o fortalecimento dos
mecanismos regulatórios, assim como a descentralização política (LIMA, 2011;
BURSZTYN; BURSZTYN, 2012). Portanto, considerando o período ao final da
década de 1980, verifica-se o repasse de atribuições, competências e poder
decisório para as instâncias subnacionais mediante a criação de uma estrutura
político-institucional nos três níveis de governo (CÂMARA, 2013). Cabe enfatizar
que, neste contexto, houve um fortalecimento do papel desempenhado pelos
municípios enquanto importantes elos para a sustentabilidade (ÁVILA;
MALHEIROS, 2012).

Apesar de todos os progressos, Viola e Franchini (2012) relatam um


conjunto de problemas ambientais que ainda permanecem, definindo uma
disfuncionalidade da política nacional ao lidar com o planejamento de longo
prazo, o que categoriza o país como uma “potência ambiental subdesenvolvida”.
Segundo Fernandes et al. (2012), os condicionantes econômicos ainda possuem
peso superior na tomada de decisão o que inviabiliza a efetividade de diversos
modelos de gestão ambiental no país.

A coordenação entre os órgãos ambientais criados e suas agendas, em


geral, é contingente e fica a critério dos atores políticos, o que acarreta em
sobreposições de competências, recursos e esforços, gerando déficit na
articulação das políticas (LEME, 2010). Este panorama é contrário às demandas
do quadro ambiental contemporâneo o qual exige que as políticas ambientais
considerem a interconexões com os demais problemas vivenciados pela
1238

sociedade, de forma que haja a integração, coordenação e cooperação com os


demais setores (LEME, 2010; FERNANDES et al., 2012), como no caso da
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saúde.

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OPORTUNIDADES

POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

No Brasil, o acesso à saúde pública como direito social foi estabelecido


apenas em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, e passou então
a ser tratado enquanto fator de cidadania (BRASIL, 2011; FINKELMAN, 2002;
KAJIURA, 2011; NUNES et al., 2010; SANTOS et al., 2011). Isso ocorreu por
meio do Art. 196 (BRASIL, 1988), que descreve: “A saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem
à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Para além do texto constitucional atualmente vigente, o conhecimento


histórico da formação do atual sistema de saúde é imprescindível para sua
compreensão. Para isso, é necessária a retomada dos predecessores
relacionados à construção da política de saúde no país.

O ano de 1808, marcado pela vinda da Coroa portuguesa ao Brasil, trouxe


intervenções do império à vida sanitária do país (ELIAS, 2004; BRASIL, 2007;
ESCOREL; TEIXEIRA, 2008). Instituições públicas foram criadas com a intenção
de verificar o exercício da medicina e garantir a salubridade da corte
(MACHADO, 1978; ESCOREL; TEIXEIRA, 2008).

Posteriormente, durante as décadas de 1920 e 1930, houve sinais de


movimentos sanitários, liderados por médicos higienistas, que culminaram na
criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), caracterizado pela
centralização das ações e ainda intrinsecamente relacionado às crises sanitárias
(BRASIL, 2007; ESCOREL; TEIXEIRA, 2008). Em relação às medidas de
1239

proteção social, um importante marco é estabelecido em 1923: a Lei n. 4.682, de


24 de janeiro, de autoria do deputado Eloy Chaves, estabeleceu a criação de
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Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), que englobavam assistência

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OPORTUNIDADES

médica, pensões e aposentadorias aos trabalhadores formais e seus


dependentes, de algumas classes operárias, tais como a ferroviária e a marítima
(FINKELMAN, 2002; ELIAS, 2004; BRASIL, 2007; ESCOREL; TEIXEIRA, 2008,
PAIM et al., 2011).

Verifica-se, no entanto, a segmentação e restrição da ação pública que


vincula os direitos sociais dos indivíduos à sua inserção no mercado formal de
trabalho, excluindo segmentos da população e privilegiando os centros urbanos
na chamada cidadania regulada (COHN, 1995; FINKELMAN, 2002; LIMA;
FONSECA; HOCHMAN, 2005; ELIAS, 2004; BRASIL, 2007; ESCOREL;
TEIXEIRA, 2008, PAIM et al., 2011).

No que tange ao desenvolvimento da saúde pública na Era Vargas,


institui-se o Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp), responsável pela
saúde das pessoas consideradas pré-cidadãos, ou seja, não contemplados por
ações previdenciárias dos Institutos de Aposentadorias e Pensões. Eram
incluídos pobres, desempregados, trabalhadores informais, idosos e crianças
(BRASIL, 2007; ESCOREL; TEIXEIRA, 2008).

No campo político, a Constituição de 1946 incorporou novos


delineamentos para a prática previdenciária, aumentando os direitos dos
trabalhadores e focalizando, sobretudo, a assistência sanitária, médica e
hospitalar, mas privilegiando ações individuais de saúde. Outro importante
marco contemporâneo foi a desvinculação entre saúde pública e educação com
a criação, em 1953, do Ministério da Saúde (ESCOREL; TEIXEIRA, 2008).

Durante a ditadura militar instaurada no Brasil de 1964 a 1985, os


Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) foram convergidos ao Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS), órgão governamental responsável por
1240

gerir aposentadorias, pensões e assistência médica dos trabalhadores formais.


Percebe-se, portanto, a exclusão de grande parte da população brasileira,
Página

formada por trabalhadores rurais, informais e outros segmentos populacionais


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NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E OPORTUNIDADES CLÁUDIA SOUZA PASSADOR
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ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E DE SAÚDE NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

marginais, que encontravam algum tipo de cuidado apenas nos serviços de


saúde filantrópicos, como as Santas Casas, ou, mediante pagamento, em
clínicas privadas (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005; ESCOREL;
TEIXEIRA, 2008).

O descontentamento de grande parte da população e a mobilização dos


atores sociais gerou um contexto de grande efervescência. Com isso, surgiu um
movimento de reforma da saúde formado, principalmente, por médicos,
acadêmicos e cientistas. A construção sólida de ações envolvendo o movimento
sanitário proporcionou aos reformistas cargos em posições-chave nas
instituições responsáveis pela política de saúde no país. Essas alianças se
fortaleceram e culminaram, em 1986, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, com
a participação de outros atores, sendo que, ao contrário das sete edições
anteriores de caráter eminentemente técnico, foi aprovado o conceito de saúde
como direito social do cidadão, além de terem sido criadas as bases para as
estratégias do SUS (FINKELMAN, 2002; ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER,
2005; PAIM et al., 2011).

A comissão então formada participou da Assembleia Nacional


Constituinte (1987-1988), garantindo a aprovação da Reforma Sanitária
Brasileira. Já em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, os
princípios reformistas podem ser notados no Título VIII - Da Ordem Social,
Capítulo II - Da Seguridade Social (BRASIL, 1988; FINKELMAN, 2002).

Retomando a promulgação da Constituição Federal e o direito à saúde


para toda a população, instituiu-se o Sistema Único de Saúde (SUS), que
transforma o acesso à saúde em universal. Ele deve estar presente em todas as
Unidades da Federação com atendimento igualitário e amplo, desde o
1241

atendimento ambulatorial até aos de alta complexidade, de forma gratuita a toda


a população (BRASIL, 2011). A implementação do SUS vigora a partir de 1990,
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com a Lei n. 8.080, de 19 de setembro (Lei Orgânica da Saúde), que “[...] dispõe

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OPORTUNIDADES

sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a


organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras
providências” (BRASIL, 1990a). Complementar a esse dispositivo legislativo, a
Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, “[...] dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e
dá outras providências” (BRASIL, 1990b). De maneira sucinta, dentre outros
aspectos, as leis supracitadas visam à operacionalização, à organização, à
gestão e ao financiamento do sistema de saúde.

Configura-se, assim, um amplo aparato legal e institucional, possibilitando


a organização e gestão da complexa rede de saúde idealizada na reforma
sanitária, posteriormente materializada no texto constitucional. No tocante à
organização e à gestão do Sistema Único de Saúde, são premissas básicas
assumidas na Constituição a descentralização da administração, com comando
único em cada esfera de governo; a administração democrática; e a participação
da sociedade civil (BRASIL, 2007).

Em relação ao financiamento público de saúde, no Brasil historicamente


ele é considerado um dos gargalos do sistema, em que se verifica, desde a
implantação do SUS, em 1990, e a Lei 8.080/1990, a crise de financiamento
enfrentada pelo setor da saúde. De acordo com Viana e Elias (2007, p. 1767) “A
universalidade do sistema de saúde brasileiro, ao contrário, foi concebida em um
período de crise, de estagnação econômica, seguido da adoção de políticas
econômicas de cunho liberal, que impuseram barreiras e limites para a efetiva
implantação de um sistema mais universal, redistributivo e igualitário”. O Art. 198
(BRASIL, 1988), em seu § 1º, dispõe que o sistema único de saúde deve ser
1242

financiado com recursos do Orçamento da Seguridade Social (OSS) – do


montante total, cerca de 30% devem ser destinados à saúde (UGÁ; MARQUES,
2005).
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OPORTUNIDADES

É competência da União, dos estados e dos municípios o financiamento


do SUS, com a aprovação da Emenda Constitucional n. 29 (EC 29) – tal
financiamento foi dividido às três esferas de governo (SERVO et al., 2011;
GERSCHMAN; SANTOS, 2006). Porém, o principal financiador do modelo
universal da saúde no Brasil é a União, sendo que a gestão dos recursos é papel
do município, que aloca os recursos disponíveis de acordo com as necessidades
da população. O investimento em saúde deve variar de acordo com a variação
do PIB daquele ano, e cabe aos estados e municípios aplicar de 12 a 15%,
respectivamente, de sua receita em saúde pública. Ainda que os recursos para
o financiamento tenham aumentado consideravelmente, para cumprir a proposta
constitucional de um sistema de saúde universal, integral e gratuito, ele ainda é
insuficiente. A escassez de recursos é confirmada em comparação a outros
sistemas de cunho universal, dado que, segundo dados da OECD (2013), os
gastos públicos em saúde no Brasil em 2010 alcançaram cerca de 4,2% do
Produto Interno Bruto, enquanto países como Reino Unido investiram cerca de
8%, Austrália, 6,2% e Canadá, 8,1% do PIB em 2010.

Para a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde, além do aumento


das fontes de recursos, de modo a se equiparar a outros modelos universalistas,
o sistema necessita de acompanhamento, monitoramento e avaliação das
ações, a fim de aumentar a racionalização dos gastos, tornando-o mais efetivo
e eficaz. Dain (2007, p. 1863) argumenta que “[...] gasto em saúde não é
sinônimo de desperdício de recursos. Assim, os gestores da saúde, em todos os
níveis de governo, devem zelar pela qualidade de seu gasto e pela
racionalização e redução de seus custos”.

Ainda que com todos os desafios apresentados acima, o SUS apresenta-


1243

se como um sistema público dotado de instituições, recursos humanos e


financeiros bem definidos. Segundo dados do Ministério da Saúde (BRASIL,
2013), a rede conta com 6,1 mil hospitais credenciados, 45 mil unidades de
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OPORTUNIDADES

atenção primária e realiza 2,8 bilhões de procedimentos ambulatoriais por ano,


19 mil transplantes, 236 mil cirurgias cardíacas, 9,7 milhões de procedimentos
de quimioterapia e radioterapia e 11 milhões de internações.

Com base na descrição das políticas nos tópicos acima, o presente artigo
teve como objetivo analisar o processo histórico de construção das políticas
públicas ambientais e de saúde no contexto brasileiro, identificando
similaridades e diferenças a fim de gerar um quadro comparativo de avanços,
desafios e oportunidades entre as áreas. A próxima seção destina-se a
descrever os aspectos metodológicos para o alcance desse objetivo.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

O presente estudo exploratório possui uma abordagem qualitativa e foi


conduzido mediante pesquisa bibliográfica. Conforme exposto por Malhotra
(2012, p. 89): “os bancos de dados bibliográficos compõem-se de citações de
artigos em periódicos, revistas, jornais, publicações especializadas, estudos de
pesquisa, relatórios técnicos, documentos governamentais e outros similares”.

Nesse sentido, o estudo primariamente realizou uma busca nas seguintes


bases de pesquisa: Scielo, Google Scholar, Scopus, Banco de Teses e
Dissertações da USP, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), portais de informações
do governo federal e diversos livros. As palavras-chave buscadas foram:
políticas públicas em saúde, políticas públicas ambientais, políticas públicas
integradas, Sistema Único de Saúde (SUS) e saúde ambiental. Com o objetivo
de ampliar a efetividade da busca também foram consideradas as variações
destes termos. A busca concentrou-se após o ano de 2010, ainda que alguns
1244

materiais consultados tenham data anterior a essa delimitação de tempo.


Justifica-se esta inclusão por se tratarem de livros e artigos de referência para a
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histórica das políticas ambientais e de saúde brasileiras.

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ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E DE SAÚDE NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

Após estabelecido o processo de investigação proposto, o próximo passo


foi construir uma base de dados comum aos dois grandes temas pesquisados
com o intuito de criar uma síntese integradora, caracterizada pelo produto final
da análise e reflexão dos documentos analisados (LIMA; MIOTO, 2007). Esta
etapa tem como propósito gerar uma análise crítica do material bibliográfico,
incluindo uma apreciação quanto ao sentido e ao valor do conteúdo visto que,
conforme argumentado por Lakatos e Marconi (2010), os dados isolados nada
dizem sobre um determinado tema, sendo fundamental que o cientista seja
capaz de expor o verdadeiro significado e compreender relações amplas que os
mesmos possam incorporar.

Mediante a análise de todo o referencial coletado foi proporcionado às


pesquisadoras construir um quadro teórico-referencial para comparar a evolução
das políticas públicas ambientais e de saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Inicialmente optou-se por apresentar uma reconstituição das principais


características que marcaram a trajetória, ao longo da história brasileira, dos
modelos de políticas públicas conduzidos no campo ambiental e de saúde,
conforme exposto no Quadro 1. Esses eventos foram agregados em períodos
sucessivos, de acordo com características semelhantes, entretanto, este
constitui um modelo uma vez que existem sobreposições entre as fases e os
tipos das políticas públicas ambientais estabelecidas.
1245
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Quadro 1 - Perspectiva histórica de desenvolvimento das políticas ambientais e de saúde no Brasil

Período Perfil da Política Ambiental Ações e Resultados Principais Perfil da Política de Saúde Ações e Resultados Principais
• Criminalização e • Criação de Santas
proibição de algumas ações Controle de Portugal (1500-1822), Casas (Séc XVI);
nocivas ao meio ambiente centralização do poder e • Estruturas de
Ações utilitaristas desenvolvidas para mediante ordenamento legal na
Fase I coronelismo (1822-1889), Estado saúde com ênfase na polícia
proteger os recursos naturais área, como por exemplo: liberal oligárquico, revoltas militares sanitária;
exclusivamente pelo valor econômico e Ordenações Afonsinas,
Período e emergências das questões • Administração de
político que continham ao Manuelinas e Filipinas;
Colonial, sociais. Ações focadas em combate saúde centrada nos municípios;
desenvolvimento do país e
Império e • Regimento Pau- de epidemias na cidade e no campo, • Criação de
enriquecimento de determinados grupos
República Brasil (1605) e de Cortes de influência dos médicos higienistas instituições de controle sanitário de
sociais. A gestão é focada no comando
Velha. Madeira (1799); na melhoria do sistema público de portos e epidemias (Instituto
e controle, com concentração e
• Ações saúde (Carlos Chagas). Butantã e Fundação Oswaldo
centralização dos processos decisórios.
conservacionistas mediante a Concentração de estrutura de saúde Cruz);
criação do Jardim Botânico do Rio na capital. • Criação da
de Janeiro; Diretoria Geral de Saúde Pública
• Código Criminal
1246
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Período Perfil da Política Ambiental Ações e Resultados Principais Perfil da Política de Saúde Ações e Resultados Principais
• Promulgação dos • Criação do
Códigos das Águas (1934), Ministério de Educação e Saúde
Florestal (1934), Minas (1934), Pública;
Pesca (1938) e Caça (1943); Ambiente turbulento com períodos • Institutos de
• Leis de Proteção de centralização e autoritarismo Aposentadoria e Pensão estendem
Propostas baseadas na centralização do aos Animais (1934) e Estatuto da (Era Vargas), instabilidade política a previdência social à maior parte
poder e na atuação em escala nacional. Terra (1964); (1945-1964) e golpe militar em dos trabalhadores urbanos
Fase II
Diversas ações são desenvolvidas com • Desenvolvimento 1964. Ações focadas na prevenção formais;
foco no protecionismo ambiental a partir de arcabouço institucional com a e combate de epidemias (febre • Criação do
Administração
da promulgação de códigos específicos criação de alguns órgãos atuantes amarela e tuberculose), Ministério da Saúde (1953);
Weberiana
para regular o uso dos recursos naturais na área, como: Departamento estruturação do sistema de saúde • Expansão da
e a criação de áreas protegidas. Nacional de Águas e Energia público para os trabalhadores assistência hospitalar
Elétrica; Instituto Brasileiro de formais e surgimento do sistema de • Surgimento de
Desenvolvimento Florestal, etc.; saúde privado. empresas de saúde;
• Criação das • Institutos de
primeiras áreas de preservação: Aposentadoria e Pensão
Parque Nacional de Itatiaia-RJ; e a unificados no Instituto Nacional de
1247
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Período Perfil da Política Ambiental Ações e Resultados Principais Perfil da Política de Saúde Ações e Resultados Principais
• Surgimento da
Secretaria Especial do Meio
Atuação centralizada com grande
Ambiente (1973);
Atuação permanece centralizada e no influência da ditadura militar, • Instituto Nacional
• Criação de
sentido de implementação top-down, transição lenta e gradual para um da Assistência Médica da
instrumentos para o controle da
porém, o foco de orientação passa aos governo democrático. Centralização Previdência Social (INAMPS,
poluição industrial e lei de
Fase III problemas e soluções de ordem do sistema de saúde e 1977);
parcelamento do solo urbano;
regional. Neste momento, inicia-se a fragmentação institucional, • INAMPS financia
• Ampliação de
Administração criação de um arcabouço político- beneficiando o setor privado. estados e municípios para
unidades de conservação;
Gerencialista institucional específico para gerir o tema Concentração da estrutura básica expandir a cobertura;
ambiental, com o surgimento de ações • Órgãos Estaduais de saúde nos grandes centros • Ampliação dos
próprias para algumas pautas, como: o de Meio Ambiente - Fundação urbanos. programas de imunização e
controle da poluição. Estadual de Engenharia do Meio
controle de epidemias.
Ambiente (Feema), no Rio de
Janeiro e a Companhia Ambiental
do Estado de São Paulo (Cetesb).
• PNMA (1981) e • Reforma Sanitária
Período de maior reconhecimento e direito ao meio ambiente e criação dos principais centros de
conscientização sobre os problemas equilibrado CF/1988; pesquisa de saúde pública (Cebes
Período de transição democrática
ambientais e a necessidade de políticas • Estrutura e Abrasco);
com grande participação de
Fase IV para a gestão dessa pauta. Ampliação administrativa: IBAMA, MMA, ANA • Criação do
sanitaristas e pesquisadores na
de iniciativas e novas estratégias com e ICMBio; Sistema Único de Saúde (Lei nª
Assembleia Constituinte (1987).
orientação para o conceito de • Fortalecimento do 8.080/1990);
Inscrição do direito à saúde na
Agenda desenvolvimento sustentável. As ações arcabouço-legal: Política Nacional • Normas
Constituição Federal de 1988.
Contemporânea passam a ser implementadas, do âmbito de Recursos Hídricos, Lei de Operacionais Básicas (NOB –
Fortalecimento dos aparatos
local ao global, com base em uma visão
1248

Crimes Ambientais, Política 1991 a 1996) e Normas


estruturais e institucionais do
mais integrada entre diferentes atores e Nacional de Educação Ambiental, Operacionais de Assistência à
Sistema Único de Saúde.
setores sociais. Política Nacional de Resíduos Saúde (NOAS – 2001 e 2002);
Sólidos, entre outras; • Emenda
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• Descentralização; Constitucional n° 29/2000 –

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Período Perfil da Política Ambiental Ações e Resultados Principais Perfil da Política de Saúde Ações e Resultados Principais
• Novos recursos financeiros mínimos
instrumentos de gestão ambiental obrigatórios;
e amplicação dos grupos sociais • Pacto pela Vida -
envolvidos; Fortalecimento dos municípios,
• Programas de das regiões e redes de saúde;
desenvolvimento regional Estratégia de Saúde da Família e
sustentável e iniciativas globais blocos para repasses de recursos;
para governança ambiental globais • Iniciativas globais
(p.ex. ODS) para governança em saúde.
1249
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OPORTUNIDADES

As primeiras ações de meio ambiente e saúde remontam a 1500 com a


focalização e centralização das propostas nas concentrações urbanas com foco
em medidas reativas, do tipo comando e controle, com o intuito de diminuir os
problemas com a salubridade da população, no caso da saúde, e manter as
reservas de recursos naturais para a exploração econômica, no caso ambiental.
As ações desenvolvidas neste período eram implementadas a partir de uma
abordagem top-down, essencialmente concentrada no poder centralizado da
Corte Portuguesa, sem contar com a participação social. Após a chegada da
corte a cidade do Rio de Janeiro, algumas ações mais efetivas e duradouras
começam a aparecer em ambas às áreas. Neste período, pode-se perceber a
criação das primeiras instituições responsáveis por políticas de saúde e também
a definição de políticas e programas ambientais.

Posteriormente, durante uma segunda fase, característica do período


entre 1930 e 1970, visualizam-se grandes turbulências econômicas, sociais e
políticas que proporcionaram mudanças consideráveis na forma de gestão,
sendo que o Estado assume uma postura marcante e intervencionista para o
desenvolvimento de um conjunto de ações em diferentes áreas, incluindo o meio
ambiente e a saúde. Não obstante, grandes e marcantes conquistas podem ser
observadas neste período, tais como: as legislações criadas (grande parte
vigentes até hoje), a estruturação de setores e instituições responsáveis
exclusivamente por políticas de meio ambiente e saúde. Vale ressaltar que as
ações desenvolvidas neste período são caracterizadas por centralização de
poder e tomada de decisão em relação às ações desenvolvidas e pela
manutenção da concentração de esforços nos grandes centros urbanos do país.
Pode-se perceber com base nas informações reunidas no Quadro 1 que a
estruturação institucional e política deu-se mais rapidamente na esfera das
1250

políticas de saúde e com mais morosidade do domínio ambiental.


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OPORTUNIDADES

Já a terceira fase foi marcada pelo início da transição democrática no


âmbito da política e pelo aumento da proteção e criação de estruturas
institucionais mais sólidas em relação às políticas públicas de meio ambiente e
saúde. Ações como as de aumento da preservação ambiental e aumento na
abrangência dos serviços de saúde são os componentes principais deste
período. Entretanto, cumpre destacar que esse período evidencia as
contradições no planejamento e nas ações desenvolvidas pelo Estado brasileiro
uma vez que os objetivos e as competências de políticas em áreas distintas eram
conflitantes, como por exemplo, as intervenções desenvolvimentistas e as ações
ambientais, características que permanecem até os dias atuais, representando
o domínio da esfera econômica sobre as dimensões social e ambiental.

Após 1980 e principalmente com a instauração da Constituição Federal


de 1988, os direitos ao cidadão brasileiro em relação ao meio ambiente e à saúde
foram estabelecidos, tornando explícita a tutela do Estado em relação a estas
temáticas, definindo o fortalecimento das instituições, com recursos humanos e
financeiros minimamente estáveis. Posteriormente, na década de 1990, ações
em termos nacionais foram tomadas, tais como as políticas nacionais de
proteção do meio ambiente e o Pacto pela Vida no que diz respeito às políticas
de saúde.

Cabe enfatizar que, neste momento histórico, a participação social


começa a ser estimulada para a definição das pautas a serem incorporadas pela
agenda política, além disso, há um fortalecimento da noção de Rede, com a
proliferação de iniciativas ambientais e de saúde para além do domínio exclusivo
do setor público. Neste contexto é importante destacar o aumento do
envolvimento dos cientistas, pesquisadores, especialistas e órgãos mundiais que
1251

paulatinamente buscam encontrar soluções para as discrepâncias ainda


existentes em ambas as áreas e também procuram ferramentas, procedimentos
Página

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OPORTUNIDADES

e políticas que tornem as áreas comentadas mais eficientes e com qualidade no


serviço prestado à população.

Diante de toda explanação acima, ações mundiais buscam integrar áreas


correlatas a fim de dirimir a pobreza e a falta de qualidade de vida da população
mundial. Nesta perspectiva, o presente artigo sugere que a interligação entre
políticas de meio ambiente e de saúde são mais eficientes e efetivas se
dispuserem de objetivos compartilhados. Convergente ao Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) a integração entre as ações relativas
ao meio ambiente e à saúde pública está alinhada com a proposta dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos em 2015 pela ONU.

Dentre os 17 objetivos, destaca-se aqui o objetivo 3 - Saúde de qualidade:


Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as
idades (PNUD, 2015) que, em termos específicos, alinha-se as políticas de
saúde atualmente vigentes no Brasil. Destaca-se a Estratégia da Saúde da
Família (ESF), a diminuição da mortalidade infantil e desnutrição, ações
focalizadas nas doenças negligenciadas (por exemplo: hanseníase, tuberculose
e hepatite), além das políticas transversais como o Bolsa Família que tem
condicionantes de saúde que contribuem para o controle e a efetividade para o
atingimento dos ODS. Com vistas a integrar ações para o atingimento das metas
globais, o PNUD Brasil disponibiliza duas publicações para direcionar os
tomadores de decisão na construção de políticas e programas que atendam e
contribuam com os ODS (PNUD, 2015).

Diretamente relacionados à esfera ambiental cabe destacar os objetivos:


6 - Água limpa e saneamento: Garantir disponibilidade e manejo sustentável da
água e saneamento para todos; 7 - Energias renováveis: Garantir acesso à
1252

energia barata, confiável, sustentável e renovável para todos; 12 - Consumo


responsável: assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; 13 -
Página

Combater as mudanças climáticas: Tomar medidas urgentes para combater a

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mudança climática e seus impactos; 14 - Vida debaixo da água: Conservação e


uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o
desenvolvimento sustentável; e 15 - Vida sobre a Terra: Proteger, recuperar e
promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma
sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a
degradação da terra e deter a perda de biodiversidade.

Diante da análise das iniciativas atualmente vigentes no Brasil, constata-


se que existe um alinhamento entre as propostas de gestão ambiental e esse
cenário de demandas globais.

Isto porque há um aparato institucional e legal direcionado a gerir essas


pautas, como por exemplo: esforços voltados ao saneamento, com destaque
para a gestão integrada de resíduos sólidos que incluem discussões sobre
modelos de consumo mais responsáveis; mecanismos como a gestão por
comitês de bacias hidrográficas para as definições voltadas a proteção dos
recursos hídricos; Política Nacional sobre Mudança do Clima que oficializa o
compromisso voluntário do Brasil junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima de redução de emissões de gases de efeito estufa;
entre diversos outros exemplos. Entretanto, estas políticas ambientais
contemporâneas, muitas vezes, ficam restritas mais a aspectos formais (das
definições legais) do que ao contexto de implementação e geração de ações
efetivas, com resultados voltados a melhoria da qualidade ambiental,
perceptíveis aos cidadãos.

Logo, é importante fomentar instrumentos de implementação destas


políticas, conforme explicitado pelo ODS 17 - Fortalecer os meios de
implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento
1253

sustentável. Este define que o alcance de todas as metas e dimensões da


sustentabilidade dependem de políticas coordenadas e coerentes o que
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ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E DE SAÚDE NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

demanda uma gestão baseada em parcerias multissetoriais que mobilizem e


compartilhem conhecimento, expertise, tecnologia e recursos financeiros.

CONCLUSÕES

O presente artigo objetivou analisar o processo histórico de construção


das políticas públicas ambientais e de saúde no contexto brasileiro, identificando
similaridades e diferenças a fim de gerar um quadro comparativo de avanços,
desafios e oportunidades entre as áreas.

Em síntese, é fundamental reconhecer os inegáveis avanços obtidos nas


últimas décadas em termos da estruturação dos direitos dos cidadãos brasileiros
a saúde e ao meio ambiente equilibrado, com o aumento do arcabouço legal e
institucional para a gestão das políticas públicas nestas áreas, bem como o
comprometimento formal do país em atender a diversos acordos e programas
globais voltados ao desenvolvimento sustentável.

Porém, apesar das conquistas e da capilarização dessas pautas, a análise


do referencial da literatura levantado nos permite compreender que o Estado
Federativo brasileiro ainda enfrenta um conjunto de desafios e entraves, dentre
os quais a própria desigualdade entre as esferas que compõem este sistema
uma vez que coexistem em nosso território enormes disparidades
socioeconômicas, culturais e ambientais entre os municípios e os estados, o que
dificulta o desempenho adequado de algumas políticas com caráter padronizado.
1254

Nesta direção, cumpre destacar que a descentralização ocorreu no Brasil


com a manutenção de fragilidades, que incluem a falta de coordenação e
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cooperação entre as diferentes esferas governamentais e entre os órgãos e

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NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E OPORTUNIDADES CLÁUDIA SOUZA PASSADOR
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ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E DE SAÚDE NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

estruturas que foram criados para gerir a agenda ambiental e de saúde. Desse
modo, verificam-se problemas relacionados à:

• Sobreposição de responsabilidades,
competências e esforços;
• Falta de objetivos compartilhados entre os
setores o que leva a proposição de ações incoerentes e
conflitantes;
• Ausência de um planejamento de longo prazo,
sendo que a prevalência do horizonte de curto prazo
dificulta a adoção de algumas medidas, principalmente no
campo ambiental, no qual os benefícios são difusos e de
difícil quantificação;
• Retrocessos e distorções nas agendas, logo,
os programas e as políticas ocorrem de forma descontínua
no tempo e no espaço;
• Baixa transparência, corrupção e
irracionalidade no uso de recursos públicos;
• Ausência de uma cultura baseada no
monitoramento e na avaliação dos resultados gerados
pelas políticas públicas;
• Instituições ainda frágeis que sofrem influência
de interesses pessoais e de alguns grupos políticos,
constatando a sobrevivência de traços do modelo
patrimonialista de gestão pública.

No âmbito local, vale ressaltar que essas dificuldades são exaltadas


1255

porque a maioria dos municípios apresenta problemas relacionados aos


recursos administrativos e institucionais disponíveis para a gestão, além da
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suscetibilidade quanto a pressões de grupos e interesses político-partidários.

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ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS E DE SAÚDE NO BRASIL: AVANÇOS, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

A partir dessa análise quanto aos principais desafios de desenvolvimento


das políticas públicas nas áreas estudadas, foi possível identificar um conjunto
de lacunas existentes que levaram a criação de uma agenda com 3
recomendações para pesquisas futuras que constituem oportunidades capazes
de fortalecer de orientar o campo de pesquisa quanto a políticas integradas de
saúde ambiental.

A primeira sugestão de pesquisa consiste em: Desenvolver trabalhos


comparativos no sentido de entender as abordagens adotadas por diferentes
países para a integração das áreas de meio ambiente e saúde. A segunda
sugestão de pesquisa é: Produzir pesquisas qualitativas, com análises mais
aprofundadas que demonstrem experiências de sucesso relacionadas a ações
compartilhadas de saúde e meio ambiente. Complementarmente, em termos de
abordagem metodológica, a terceira sugestão de pesquisa consiste em:
Realizar estudos quantitativos para avaliações dos resultados nestas duas
áreas, enfatizando o desempenho, os benefícios e os custos envolvidos diante
da integração. Por exemplo: analisar quais os benefícios nas condições de saúde
da população oriundos de investimentos ambientais, pode-se avaliar um
conjunto de indicadores de saúde (dengue, mortalidade e morbidade por
doenças específicas, etc.) e como estes variam à medida que a gestão ambiental
é implementada adequadamente.

Conclui-se a partir dos resultados apresentados que este artigo contribuiu


para gerar discussões que viabilizem o desenvolvimento de políticas públicas
comprometidas com o fomento da sustentabilidade mediante a uma abordagem
holística, integrada e voltada à promoção de mecanismos intersetoriais.
1256
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JULIANE DE AGUIAR SILVA
ANÁLISE DO PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO
DA SERRA

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

ANÁLISE DO PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO


INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO DA
SERRA

JULIANE DE AGUIAR SILVA


1265

Graduanda em Administração Pública na


Universidade Estadual Paulista - UNESP,
Página

ANÁLISE DO PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO JULIANE DE AGUIAR SILVA


INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO DA
SERRA
JULIANE DE AGUIAR SILVA
ANÁLISE DO PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO
DA SERRA

Bolsista do Programa de Educação Tutorial. E-


mail: jas_juliane@yahoo.com.br

RESUMO

O objeto deste estudo é o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos


Sólidos (PMGIRS), e tem como finalidade verificar o estágio em que se encontra
o processo de implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),
e apontar se o mesmo está de acordo com o estabelecido nos decretos e
legislações federais, estaduais e municipais. A metodologia utilizada foi de coleta
de dados qualitativos secundários e primários disponíveis no portal municipal,
prefeitura e secretaria de meio ambiente. Os dados coletados foram agrupados
de acordo com os tipos de resíduos sólidos produzidos no município e seus
programas específicos (quando existentes), apontando os atores responsáveis
pela implementação e os problemas específicos de cada tipo de resíduo. As
dificuldades atuais do município centralizam-se na aplicação do PMGIRS. Este
já foi parcialmente implementado no município, mas existem fatores que
dificultam esse processo e que como verificado por Gonçalves (1990) geram um
problema de identidade.

ABSTRACT

The study object is the Municipal Plan for Integrated Management Solid Waste
(PMGIRS), and has as purpose to check the phase that is the process of
1266

implementation National Policy Solid Waste (PNRS), and to point if it is in


accordance with established in the nationals, states and municipalities decrees
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and laws. The methodology used was primary and secondary qualitative data

ANÁLISE DO PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO JULIANE DE AGUIAR SILVA


INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO DA
SERRA
JULIANE DE AGUIAR SILVA
ANÁLISE DO PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO
DA SERRA

collection available in municipal portal, city hall and environment secretariat. The
data collected were grouped according with the kinds of solid waste produced in
the city and yours specific programs (when existing), pointing the responsible
actors for implementation and the specific problems of each waste type. The
current difficulties the municipality are centralizing on the application of PMGIRS.
This already was partially implemented in the city, but there are factors that hinder
this process and as verified by Gonçalves (1990), generates an identity problem.
1267
Página

ANÁLISE DO PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO JULIANE DE AGUIAR SILVA


INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO DA
SERRA
JULIANE DE AGUIAR SILVA
ANÁLISE DO PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO
DA SERRA

INTRODUÇÃO

Diante da grande dimensão que a questão dos Resíduos Sólidos Urbanos


(RSU) tem no Brasil, o governo brasileiro, buscando enfrentar esse grave
problema, cria a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Em agosto de
2010 foi sancionada a Lei federal nº.12.305, que instituiu a Política Nacional de
Resíduos Sólidos; alterou a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e deu
outras providências (BRASIL, 2010). Em 23 de dezembro de 2010, a lei foi
regulamentada pelo Decreto nº 7.404, iniciando uma política nacional para o
setor de resíduos após duas décadas de discussões. Segundo Araújo e Martins
(2011, p. 21), a Lei trata de estabelecer as diretrizes mínimas para que se
equacione um dos mais graves problemas ambientais urbanos do Brasil.

A Lei 12.305/2010 teve origem com o Projeto de Lei (PL) 203/1991


apresentado pelo Senador Francisco Rollemberg em 27 de outubro de 1989, que
dispunha sobre o acondicionamento, a coleta, o tratamento, o transporte, e a
destinação dos resíduos de saúde. (ARAÚJO, MARTINS, 2011, p.22). A partir
da discussão deste PL que se iniciava no Senado, outros PL a respeito da
destinação, tratamento, e coleta de resíduos sólidos das mais diversas espécies
foram formulados até se chegar à formulação da atual Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS).

A PNRS conseguiu sintetizar grande parte das demandas apresentadas


no senado pelo Projeto de Lei em relação ao modo de tratamento e destinação
dos resíduos sólidos. A Lei responsabiliza as empresas pelo recolhimento de
produtos descartáveis (logística reversa), estabelece a integração de municípios
1268

na gestão dos RSU e responsabiliza toda a sociedade por sua geração. Além
disso, há também a responsabilização dos gestores públicos pela erradicação
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dos lixões e pela garantia da inclusão social dos catadores, ajudando na

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SERRA
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DA SERRA

formalização e valorização da profissão (GONÇALVES, TANAKA,


AMENDOMAR, 2013)

A Lei 12.305/2010 é uma lei que atingiu todo o país, deste modo se torna
inviável uma análise ampla da situação e das dificuldades encontradas por todos
os estados e municípios. Assim o projeto optou por selecionar apenas um
município como objeto de estudo. Este foi o município de Taboão da Serra,
localizado no estado de São Paulo, com população de 244.528 habitantes e uma
área de 20,387Km² (IBGE). Este município foi escolhido pelo fato de em uma
pesquisa realizada pela Revista Veja ter sido constatado que seu serviço de
coleta de lixo domiciliar atende a 99% dos domicílios. Ainda por estar
trabalhando a implementação da PNRS utilizando a gestão integrada de
resíduos sólidos com municípios vizinhos, pois Taboão da Serra participa do
CONISUD - Consórcio Intermunicipal da Região Sudoeste da Grande São Paulo,
assim correspondendo com a expectativa da Lei prevista no

Art. 16 § 1o Serão priorizados no acesso aos recursos da


União referidos no caput os Estados que instituírem
microrregiões, consoante o § 3o do art. 25 da Constituição
Federal, para integrar a organização, o planejamento e a
execução das ações a cargo de Municípios limítrofes na
gestão dos resíduos sólidos (BRASIL, 2010).

Além da acessibilidade dos pesquisadores a documentos do município,


contato com a prefeitura e secretaria de meio ambiente.
1269
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SERRA
JULIANE DE AGUIAR SILVA
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DA SERRA

OBJETIVO

Esta pesquisa busca expandir o conhecimento e informações disponíveis


na área dos resíduos sólidos. Mais pontualmente no que diz respeito à Política
Nacional de Resíduos Sólidos e sua implementação. Para a administração
pública, em especial, busca ampliar e disponibilizar informações relevantes
sobre a implementação de políticas públicas no âmbito municipal e utilizar o que
já existe disponível para auxiliar a prefeitura e administração pública dos
municípios, principalmente o município de Taboão da Serra.

O projeto busca analisar o processo de implementação da Política


Nacional de Resíduos Sólidos no município de Taboão da Serra,
correlacionando a Lei 12.305/2010 com decretos e legislações estaduais e
municipais, visando verificar em qual fase se encontra o processo de
implementação da PNRS no município de Taboão da Serra e se este também
têm se norteado na legislação federal, estadual e municipal.

Ainda espera-se identificar os pontos de dificuldades encontrados pelo


município neste processo de implementação, verificar as dificuldades que já
foram solucionadas e as que ainda aguardam por uma proposta de solução.
Assim como verificar os objetivos da PNRS cumpridos, e quais ainda devem ser
cumpridos. E de acordo com os problemas levantados buscar apoio na literatura
da área para apresentar propostas de solução baseadas em modelos de sucesso
nacionais e internacionais.
1270

MATERIAIS E MÉTODOS

Este projeto é um estudo de caso da implementação da Política Nacional


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de Resíduos Sólidos no município de Taboão da Serra. Possui um caráter

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INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO DA
SERRA
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exploratório, pois busca apresentar as dificuldades encontradas para a


implementação da PNRS e ainda propor possíveis soluções.

Primeiramente deverá ser realizada a revisão teórica da área temática de


resíduos sólidos e implementação de políticas públicas para se situar em relação
ao tema e aprofundar os conhecimentos na área de estudo. Como metodologia
adotada para o projeto foi escolhida a coleta de dados qualitativos secundários
e primários. Os dados serão levantados por meio de leitura e análise de
documentos, leis, decretos e notícias encontradas no portal do município, na
prefeitura e secretaria de meio ambiente do município. Esta espécie de dados
foi escolhida justamente por não haver ainda muitas fontes de dados em
trabalhos acadêmicos a respeito do tema e do município objeto de estudo como
verificado por Gonçalves et al (2013).

ANÁLISE LEGISLATIVA

O município de Taboão da Serra possui um Plano Municipal de Gestão


Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) que já está em sua segunda versão,
assim cumprindo com a legislação que prevê que os PMGIRS devem ser
atualizados em um período de quatro anos concomitantes com a elaboração dos
planos plurianuais municipais. A primeira versão do PMGIRS foi aprovada pelo
Decreto nº 164 de 2011, sendo de extrema relevância para que o município
cumprisse com os prazos estipulados pela Lei 12.305 e ainda auxiliou na
elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico. A segunda versão do
PMGIRS, vigência 2014-2017, consiste em uma revisão elaborada em 2014 pela
1271

empresa REUSA.
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O PMGIRS foi elaborado tendo como diretrizes a Legislação Federal,


Estadual e Municipal. Cabe ressaltar que o plano ainda está em fase de
implementação, logo nem todas as propostas que dialogam com essas leis foram
de fato implementadas, mas todas foram planejadas, cabendo ao município
tomar as medidas necessárias para implementá-las.

As tabelas 1, 2 e 3 trazem a relação dos instrumentos legais utilizados na


elaboração do plano, seus objetivos e uma avaliação se o objetivo esta coerente
com o PMGIRS e com a realidade do município. Neste ponto destaco os
instrumentos legais que tiveram um resultado avaliativo diferente do esperado,
que seria a denominada avaliação coerente. Na primeira tabela, abordamos
apenas os instrumentos legais federais, aponto como problemático a Lei
9.966/00; Decreto 50.877/61; Lei 9.605/98; Decreto 85.206/80; Decreto
76.389/75; e Decreto-Lei 1.413/75. Estes são expostos como problemáticos
devido a dois motivos: I- No PMGIRS não está explícito como serão alcançados
os objetivos destes instrumentos legais. II- A concretização dos mesmos
depende de outros atores, principalmente das indústrias e empresas privadas,
que ainda não dialogam com a administração pública municipal para resolução
dos problemas de disposição de resíduos. Ainda destaco o Decreto 4.074/02 e
a Lei 9.966/00 que não puderam ser verificados devido a possível não existência
de tais resíduos, ou baixa produção, de modo a não ser contabilizada a produção
e destinação dos mesmos dentro do município objeto de estudo.

Legislação Federal

Instrumento Objetivo Avaliação


1272

No capítulo VI Art. 225, trata sobre a


Constituição de 1988 Coerente
política ambiental
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Lei 12.305/10 e Decreto


Política Nacional de Resíduos Sólidos Coerente
7.404/10

Decreto 7.405/10 Institui o Programa Pró-Catador, Coerente

Diretrizes nacionais para o saneamento


Lei 11.445/07 Coerente
básico

Lei 11.107/05 Contratação de consórcios públicos Coerente

Institui a Política Nacional de Educação


Lei 9.765/99 Coerente
Ambiental

Prevenção, controle e fiscalização da


Lei 9.966/00 e Decreto
poluição causada por lançamento de Problemático
50.877/61
resíduos tóxicos ou oleosos nas águas

Dispõe e regulamenta sobre a pesquisa,


a experimentação, a produção, a
embalagem e rotulagem, o transporte, o
armazenamento, a comercialização, a
Decreto 4.074/02 e Lei propaganda comercial, a utilização, a
Não verificado
9.966/00 importação, o destino final dos resíduos
e embalagens, o registro, a
classificação, o controle, a inspeção e a
fiscalização de agrotóxicos, seus
componentes afins,

Sanções penais e administrativas


Lei 9.605/98 derivadas de condutas e atividades Problemático
lesivas ao meio ambiente,

Decreto 85.206/80 e Medidas de prevenção e controle da


Problemático
Decreto 76.389/75 poluição industrial

Lei 6.938/81 Política Nacional do Meio Ambiente Coerente

Controle da poluição do meio ambiente


Decreto-Lei 1.413/75 Problemático
provocada por atividades industriais.

Política Nacional de Saneamento e cria


Lei 5.318/67 Coerente
1273

o Conselho Nacional de Saneamento;

Tabela 1: Elaborada pela autora com base no PMGIRS de Taboão da Serra.


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DA SERRA

No que se refere à legislação estadual, no caso a elaborada pelo estado


de São Paulo, quase todos os instrumentos legais foram avaliados como
coerentes, com exceção da Lei 13.576/2009. Esta Lei trata das normas e
procedimentos de reciclagem de lixo tecnológico; no entanto Taboão da Serra
não oferece o serviço de coleta nem de reciclagem deste tipo de resíduo. A única
ação que o município tem para que a destinação de resíduos tecnológicos seja
feita corretamente, é a de divulgar os locais nas proximidades do município que
realizam esse tipo de coleta. Ou seja, no portal da cidade (O Taboanense) se
encontram disponíveis os endereços dos estabelecimentos que realizam a coleta
de lixo eletrônico e tecnológico para que o cidadão possa se dirigir ao local e
fazer o correto descarte. É importante ressaltar que essa medida não garante
que o cidadão siga esse procedimento e faça o descarte de forma correta,
apenas se o mesmo tivesse isto como um hábito, porém como se constatará ao
longo deste texto isto não é uma prática do habitante de Taboão da Serra devido
a um problema de nível de identidade.

Legislação Estadual

Instrumento Objetivo Avaliação

Diretrizes e procedimentos para a


proteção da qualidade do solo e
Decreto 59.263/13 Coerente
gerenciamento de áreas contaminadas,
e dá providências correlatas.

Introduz alterações no Regulamento do


Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre
Decreto 58.391/12 Coerente
Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação – RICMS.
1274

Programa Estadual de Implementação


Decreto 57.817/12 Coerente
de Projetos de Resíduos Sólidos
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DA SERRA

Dispõe sobre a prestação de serviços


públicos de saneamento básico relativo
Decreto 55.565/10 à limpeza urbana e ao manejo de Coerente
resíduos sólidos urbanos no Estado de
São Paulo

Decreto 57.071/201; Decreto


54.645/2009; Lei 12.300/06 Política Estadual de Resíduos Sólidos. Coerente
e Lei 13.577/09

Institui normas e procedimentos para a


Não realiza este tipo
Lei 13.576/2009 reciclagem, gerenciamento e
de coleta
destinação final de lixo tecnológico.

Política Estadual de Educação


Lei 12.780/07 Coerente
Ambiental.

Coleta seletiva em estabelecimentos


Lei 12.528/07 Coerente
(ex.: Shoppings centers)

Prevenção e controle de poluição do


Decreto 47.397/02 Coerente
meio ambiente.

Licenciamento ambiental (modalidades,


Decreto 47.400/02 Coerente
renovação, prazos e suspensão)

Lei 9.509/97 Política Estadual do Meio Ambiente Coerente

Descarte final de produtos


Lei 10.888/2001 potencialmente perigosos do resíduo Coerente
urbano que contenham metais pesados

Lei 10.145/98 e Lei Código sanitário do Estado de São


Coerente
10.083/98 Paulo.

Lei 9.477/96 e Lei 997/76 Política Estadual de Saneamento Coerente

Lei 9.477/96; Lei 997/76 e Controle da poluição do meio ambiente


Coerente
Decreto 8.468/76 e licenças ambientais.

Tabela 2: Elaborada pela autora com base no PMGIRS de Taboão da Serra.


1275
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DA SERRA

Por fim, a análise dos instrumentos presentes na legislação municipal de


Taboão da Serra resultou em uma avaliação coerente. Contudo não foi possível
verificar a existência e atuação do centro de convivência e educação ambiental
criado pela Lei municipal 1863/2009. Ressalto que isso significa apenas que o
presente estudo não foi capaz de trazer resultados e conclusões sobre esse
instrumento para a discussão.

Legislação Municipal

Instrumento Objetivo Avaliação

Decreto 034/1977 Retirada de resíduos industriais ou de outra natureza Coerente

Institui o PEMAM – Programa de educação e


Lei 1773/2008 Coerente
monitoria ambiental municipal

Lei 1863/2009 Cria o centro de convivência e educação ambiental Não verificada

Concessão de direito real de uso de área localizada


no Parque Industrial das Oliveiras para Cooperativa
Lei 178/2009 Coerente
dos Agentes Ambientais de Taboão da Serra –
COOPERZAGATI

Aprovação e publicação do Plano de Resíduos


Decreto 164/2011 Coerente
Sólidos do Município de Taboão da Serra

Cria a agência reguladora dos serviços públicos de


saneamento básico de Taboão da Serra – ARESB e o
Lei 275/2012 Coerente
Fundo garantidor da prestação dos serviços públicos
de saneamento básico – FGSB,

Estabelecimentos são obrigados a fornecerem


Lei 2130/2012 Coerente
embalagens plásticas biodegradáveis e reutilizáveis.

Estabelece plano de conscientização sobre a


Lei 2139/2012 reciclagem de resíduos sólidos nos estabelecimentos Coerente
de ensino municipais
1276

Tabela 3: Elaborada pela autora com base no PMGIRS de Taboão da Serra.


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ANÁLISE POR TIPOS DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Após uma análise de toda legislação utilizada para nortear a elaboração


e implementação do PMGIRS, passamos para a segunda fase deste estudo,
onde iremos analisar as medidas elencadas no PMGIRS para implementação da
PNRS. Para facilitar a análise, os dados coletados foram agrupados de acordo
com os tipos de resíduos sólidos produzidos no município (Urbanos, recicláveis,
construção civil, saúde, industriais, e orgânicos).

No caso dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) a coleta é feita por uma
empresa privada que coleta e transporta os resíduos até o aterro sanitário
controlado do município de Caieiras. Taboão da Serra não possui seu próprio
aterro sanitário controlado e utiliza da gestão integrada intermunicipal para
dispor seus resíduos no aterro pertencente ao município de Caieiras. Em
contrapartida também não possui lixões a céu aberto, deste modo o município
age dentro da legalidade. O serviço de coleta é domiciliar, exceto em locais
denominados de difícil acesso onde, por meio do programa “Coleta em Locais
de Difícil Acesso”, os moradores depositam seus resíduos em containers
colocados em uma via estratégica onde os caminhões conseguem circular. Este
problema é decorrente do processo de favelização que a cidade sofreu durante
sua expansão, deste modo existem muitas casas localizadas em morros e ruas
extremamente estreitas, que foram construídas sem o devido planejamento
urbano. Uma alternativa para otimizar este tipo de coleta, atrelada com a coleta
seletiva de resíduos recicláveis, que será melhor abordada no próximo
parágrafo, é também disponibilizar containers para coleta de resíduos
1277

recicláveis.

A coleta de resíduos recicláveis é feita por uma cooperativa de catadores,


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porém o serviço de coleta domiciliar é limitado a apenas alguns bairros. Porém

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existe a opção de entrega direto na cooperativa. O envolvimento de catadores


cooperados neste tipo de coleta mostra a atuação do município na busca pela
valorização da profissão dos catadores, que é um dos objetivos da PNRS. Uma
das grandes problemáticas desse tipo de coleta é a falta de informação por parte
da população que não sabe identificar exatamente o que é reciclável e o que não
é reciclável. Para evitar este tipo de confusão, nos bairros onde a coleta é
realizada, são entregues panfletos, adesivos e imãs de geladeira para informar
a população. Como já apresentado acima, deveria haver a disponibilização de
containers para resíduos recicláveis nas áreas de difícil acesso, afinal nessas
áreas não será possível expandir a coleta domiciliar por problemas de logística
e infraestrutura. Ainda a administração pública deveria melhorar a comunicação
com os munícipes visando conscientizá-los e informá-los, por meio do portal e
das redes sociais que tantos municípios têm usado ao seu favor, como por
exemplo Curitiba.

Para os Resíduos Sólidos de Construção Civil (RCC) não foi pensado


nenhum programa específico, contudo este tipo de coleta é oferecido pela
Secretaria de Obras em parceria com uma empresa privada, a última se
responsabiliza pelo recolhimento e destinação dos RCC. Contudo os pontos de
disposição desses resíduos são irregulares e a população desconhece os
procedimentos corretos para destinação final dos RCC. Como solução o
município em seu PMGIRS prevê a construção de uma usina de triagem e
reciclagem específica para esses resíduos, mas nada foi concretizado até o
presente momento. Mais uma vez observa-se uma falha de comunicação entre
a administração pública e a sociedade que não recebe as corretas informações
1278

sobre o atual serviço prestado, logo aponto novamente a importância de


melhorar a comunicação e a accountability no município.
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Já os Resíduos de Serviço de Saúde (RSS) são de responsabilidade da


mesma empresa que realiza coleta, tratamento e disposição dos RSU. A
diferença pontual presente aqui é que o município paga pelo serviço, e oferece
ao setor público e privado sem taxação. A possibilidade de cobrar taxas sobre a
prestação do serviço a entidades do setor privado poderia gerar fundos para
implementar programas que ainda aguardam por falta de verba. Entretanto o
presente estudo não se aprofundou o suficiente nesta possibilidade para alegar
com certeza que esta seria a melhor solução, não incluindo a mesma nas
propostas de otimização.

Os Resíduos Industriais se encontram fora do alcance e controle da


administração pública municipal. O município, por meio de uma empresa
privada, realiza a coleta apenas dos Resíduos Industriais que se caracterizam
como domiciliares, os demais ficam a cargo da empresa. Ainda afirmo que as
indústrias estão fora do alcance da administração pública por dois motivos: I- Se
desconhece o quanto é produzido de resíduos nas indústrias do município; II-
Nem todas as indústrias elaboraram seus planos individuais de resíduos sólidos,
e não se sabe ao certo quais elaboraram, assim como não se tem acesso aos
planos existentes. Devido a essa escassa fonte de documentos e dados, no que
diz respeito a este tipo de resíduo não apresento propostas de otimização, e sim
apenas o panorama atual.

Por fim, existe no PMGIRS, um projeto para coleta de Resíduos


Orgânicos, semelhante ao da cidade de São Paulo. Este prevê que o município
disponibilize aos cidadãos composteiras comunitárias para que os próprios
1279

munícipes possam transformar resíduos orgânicos em adubo em suas casas,


bairros e comunidades. Pelo fato de ser apenas um programa a ser
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implementado futuramente, e os resíduos orgânicos ainda serem coletados


juntos com os RSU, não nos aprofundaremos neste tópico.

A tabela abaixo sintetiza as principais informações referentes a cada um


desses tipos de resíduos e foi organizada da seguinte forma: Relação de
resíduos sólidos recolhidos no município e seus programas específicos (quando
existentes); Quem são os atores responsáveis pela implementação; Quais os
principais problemas específicos de cada tipo de coleta; Quais as soluções
propostas pelo PMGIRS; E por fim as propostas de otimização elencadas a partir
da literatura da área e experiência de outras cidades.

Tipo de Quem
Resíduo Programa implementa? Problemas Soluções Otimização

Utilização de
Difícil ou
grandes
Resíduos Coleta em Cavo Serviços e impossível
containers em Colocar
Sólidos Locais de Saneamento acesso para
vias próximas containers para
Urbanos Difícil (Empresa realização de
onde os coleta seletiva
(RSU) Acesso privada) coleta com
caminhões
caminhões
tenham acesso

1-Ampliação
com inclusão
de novos
catadores
informais e
1- Não atinge 1- Divulgação
definição de
todos os por meio de
processos que
bairros redes sociais
otimizem os
Resíduos Coleta Cooperzagati 2- Dificuldade espaços e 2- PEV's
Recicláveis Seletiva (Cooperativa) de a população recursos** próximos a
identificar o áreas de difícil
2-Distribuição
que é ou impossível
de panfletos e
reciclável acesso
adesivos
1280

3-
Disponibilizaçã
o de Pontos de
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Entrega

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Voluntária
(PEV’s)**

Secretária de 1- Pontos de
Obras disposição
Resíduos (disposição e irregular Usina de
Divulgação por
Sólidos de limpeza) e 2-População triagem e
meio de redes
Construção Empresa desconhece os reciclagem de
sociais
Civil (RCC) Privada procedimentos RCC**
(recolhimento e de destinação
destinação final) correta

Não existem
Cavo Serviços e taxas para
Resíduos de
Saneamento estabeleciment
Serviço de
(Empresa os privados,
Saúde (RSS)
privada) custo alto para
prefeitura

1- Empresas
não
elaboraram os
planos
individuais ou
Cavo Serviços e coletivos de
Resíduos Saneamento resíduos
Industriais* (Empresa sólidos
privada) 2-
Desconhecime
nto da
quantidade de
resíduos
gerados

Distribuição de
composteiras
Administ
Co para população
ração Pública
Resíd mposta transformar
(distribuição)
uos Orgânicos São resíduos
População
Paulo** orgânicos em
(transformação)
adubo em
1281

casa**

Tabela 4: Elaborada pela autora com base no PMGIRS de Taboão da Serra


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Legenda: *O município apenas recolhe das indústrias os resíduos caracterizados como resíduos
domiciliares, os perigosos ou não-perigosos devem ser descartados por conta das indústrias de
acordo com as exigências da CETESB

** Tratam-se de propostas apresentadas no plano mas ainda não implementadas.

PROBLEMA DE IDENTIDADE

Neste ponto antes de se aprofundar nos demais problemas, que já foram


se desenhando ao longo deste trabalho, é importante nos atentarmos a um
problema que aborda toda a implementação da PNRS no município de Taboão
da Serra, e que não foi citado no PMGIRS. Porém o mesmo esteve presente em
todos os tipos de resíduos, mesmo não sendo apontado diretamente na tabela.
Ainda a resolução deste último gera benefícios e facilita a resolução dos demais
problemas. Este é o que Gonçalves (1990) denomina problema de identidade. O
problema de identidade nada mais é que a ausência de uma relação de
identidade entre população e atores envolvidos com a Política Pública em
questão. Isto inclui a falta de conscientização e educação ambiental, assim como
a não participação efetiva destes atores no processo de implementação. Como
concluído em um estudo realizado na cidade de São Paulo por Gonçalves, onde
o mesmo problema foi encontrado. Em nível de identidade concluiu-se que a
população paulistana tem uma insuficiente consciência ecológica e educação
ambiental e marginaliza a profissão dos catadores. No caso específico de
Taboão da Serra, só se constatou o primeiro problema em nível de identidade,
insuficiente consciência ecológica e educação ambiental. Mas mesmo sozinho
1282

esse problema gera resultados negativos para implementação da Política.

“Este problema mais geral, por sua vez, gera outros


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resultados: diminuição da oferta destes materiais para a

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indústria recicladora; falta de cobrança ativa dos setores


públicos por investimentos em tratamento de resíduos;
diminuição da demanda por produtos com materiais
reciclados, desestimulando investimentos de todos os
envolvidos na cadeia.” (GONÇALVES, 2013)

PROBLEMAS E PROPOSTAS DE OTIMIZAÇÃO

I- A falta de equipe técnica especializada na área. Este primeiro problema


apontado, trouxe como consequência a necessidade de trabalhar-se em parceria
com o setor privado, terceirizando alguns serviços. Colocar o setor privado
atuando como atores em nível de rua não é um problema, porém o próprio plano
foi elaborado por uma empresa, demonstrando a falta de especialistas sobre o
tema dentro da gestão pública municipal. A tomada de decisão a nível de atores
burocratas foi feita pelo setor privado, que em grande parte vende planos de
gestão de resíduos sólidos padronizados não considerando a diferente realidade
de cada município. Para otimizar essa situação, o ideal seria a contratação de
alguns especialistas da área para auxiliar o município, não apenas na elaboração
do plano (curto prazo), mas no processo decisório, de implementação e
avaliação que ocorre em longo prazo.

II- A presença de áreas com ocupações irregulares é um problema


histórico que vem do processo de ocupação irregular e desorganizada da cidade.
Para otimizar a coleta nestes locais, como já apresentado antes, o ideal seria a
disponibilização de containers para coleta seletiva. E pensando em longo prazo,
1283

a distribuição de composteiras comunitárias. Assim os moradores desses locais


poderiam separar e destinar corretamente seus resíduos.
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SERRA
JULIANE DE AGUIAR SILVA
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DA SERRA

III- A falta de recursos financeiros é um problema com que quase todos


os municípios vão se deparar, ou já se depararam. No PMGIRS a empresa que
o elaborou oferece algumas oportunidades de financiamento por programas
estaduais e federais. Além de muitos programas do terceiro setor e do setor
privado para financiamento. Ainda, se aplicadas as propostas de otimização
apresentadas neste trabalho, haverá uma redução de gastos que gera recurso
para implementação de novos programas e medidas de implementação da
PNRS.

IV- As empresas e as indústrias privadas se apresentaram como um


problema neste estudo pelo fato de não conseguirmos acesso, pelas fontes
escolhidas, aos dados quantitativos e seus respectivos planos para
implementação da PNRS. Assim, se existisse uma relação de identidade dos
cidadãos taboanenses com a Política Pública em estudo, isso geraria uma
pressão para que essas indústrias e empresas implementassem a PNRS e
dessem transparência a sociedade sobre esses dados.

V- A falta de comunicação e accountability efetiva entre atores e


população é um problema que quando solucionado traria grandes melhoras para
todos os tipos de coletas. Pois no atual momento a comunicação entre
administração pública e população se sustenta apenas na divulgação de notícias
no Portal O Taboanense (online), ao qual grande parte dos munícipes não
acessa. Uma maneira de otimizar o processo de comunicação e accountability
seria estender as redes sociais, às quais grande parte da população tem acesso.
Esse processo poderia ser feito através do compartilhamento, via facebook,
1284

twitter, e outras redes sociais, das notícias já existentes no Portal, de modo a dar
visibilidade e credibilidade ao Portal e de fato manter os munícipes informados.
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SERRA
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VI- Por fim um dos últimos fatores, que considero um dos mais
problemáticos e de difícil resolução, é a falta de educação e consciência
ambiental, que caracteriza o problema de identidade apresentado por Gonçalves
(1990). Sendo assim para otimização do processo de implementação, além das
propostas específicas já apresentadas anteriormente, é necessário trabalhar em
torno de uma conscientização ambiental dos munícipes. Pois este é um
problema de identidade que quando superado acarretaria em benefícios tanto
para a implementação do PMGIRS quanto para a sociedade. São exemplos de
alguns desses benefícios: a) Redução de gastos com transporte, pois cada
resíduo seria destinado pelo cidadão para o local correto; b) Diminuição do
trabalho de triagem de materiais recicláveis na cooperativa; c) Cobrança da
sociedade por serviços e mercadorias fornecidas de forma consciente e
pensando no meio ambiente. Entre outros benefícios que se relacionam com os
problemas citados acima.

CONCLUSÕES

O Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do município


de Taboão da Serra foi muito bem elaborado e está de acordo com o previsto
em lei. As dificuldades atuais do município centralizam-se na aplicação real do
PMGIRS. Este já foi parcialmente implementado no município, mas existem
fatores que dificultam esse processo. Pode-se constatar que os principais fatores
de dificuldades para implementação desta política pública foram: I- A falta de
equipe técnica especializada na área, II- A presença de áreas com ocupações
1285

irregulares, III- A falta de recursos financeiros, IV- As empresas e indústrias


privadas, V- Falta de comunicação e accountability, VI- Problema de identidade.
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Quando presente estes dois últimos, comunicação e identidade, o primeiro

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SERRA
JULIANE DE AGUIAR SILVA
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acaba por agravar o segundo. E de acordo com a análise realizada estes dois
últimos são os que mais carecem de soluções pensadas pelo PMGIRS.
Retomarei de forma mais detalhada cada problema exposto junto com as
possibilidades de otimização que este estudo produziu.

Os resultados apresentados neste trabalho são embasados apenas em


uma análise documental, e até o momento pode-se afirmar que município de
Taboão da Serra tem implementado a Política Nacional de Resíduos Sólidos em
acordo com o princípio da legalidade. E até com um nível de êxito diante do
contexto atual em que tal política pública tem sido considerada de difícil
implementação por muitos municípios. Obviamente ainda existem muitos
aspectos em que a implementação desta política pública pode ser otimizada e
este trabalho espera justamente ter auxiliado nesse processo.

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1286

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Página

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DA SERRA

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JULIANE DE AGUIAR SILVA
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DA SERRA

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Página

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JULIANE DE AGUIAR SILVA
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28.02.2012.html>
1290
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INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE TABOÃO DA
SERRA
BEATRIZ COUTO RIBEIRO E ADRIANA BIN
COMBINAÇÃO DE METODOLOGIAS PARA COMPREENSÃO DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO
BÁSICO BRASILEIRO

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

COMBINAÇÃO DE METODOLOGIAS PARA


COMPREENSÃO DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO
BÁSICO BRASILEIRO

BEATRIZ COUTO RIBEIRO


Bacharela em Gestão de Políticas Públicas pela
UNICAMP, Mestranda do Programa de Mestrado
Interdisciplinar em Ciência Humanas e Sociais
Aplicadas pela UNICAMP. E-mail:
bibiacr@gmail.com
ADRIANA BIN

Graduada em Engenharia de Alimentos, Mestre,


1291

Doutora e Pós-doutora em Política Científica e


Tecnológica. Atualmente, Professora da
Faculdade de Ciências Aplicadas da
Página

Universidade Estadual de Campinas

COMBINAÇÃO DE METODOLOGIAS PARA COMPREENSÃO


BEATRIZ COUTO RIBEIRO E ADRIANA BIN
DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO
BEATRIZ COUTO RIBEIRO E ADRIANA BIN
COMBINAÇÃO DE METODOLOGIAS PARA COMPREENSÃO DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO
BÁSICO BRASILEIRO

(FCA/UNICAMP). E-mail:
adriana.bin@fca.unicamp.br

RESUMO

O presente artigo apresenta uma proposta de abordagem teórico-metodológica


interdisciplinar para os estudos sobre ciência e tecnologia partindo da análise da
criação, incorporação e difusão de tecnologia e inovação nas companhias
estaduais de saneamento básico (CESBs). A interdisciplinaridade nas pesquisas
de inovação surge como algo natural, já que a inovação tem pouca fidelidade
com qualquer disciplina em particular – como observado em revistas e manuais
– onde teorias e métodos coexistem. Entendidos dessa forma, diálogos teórico-
metodológicos interdisciplinares tornam-se fundamentais para possibilitar o
entendimento da tecnologia e inovação no contexto do setor de saneamento
básico brasileiro. Frente a esse diagnóstico, a presente pesquisa propõe
conciliar três abordagens teórico-metodológicas: (a) abordagem evolucionária,
(b) abordagem sistêmica e (c) análise de políticas públicas. O artigo, portanto,
discute a conjugação dessa base teórico-metodológica e os novos sentidos que
a perspectiva interdisciplinar pode proporcionar aos estudos em inovação.

ABSTRACT

This article presents a proposal of theoretical and methodological interdisciplinary


approach to the study of innovation, based on an analysis of creation,
development and dissemination of technology and innovation in state basic
sanitation companies. The innovation in the interdisciplinary research appears as
1292

natural, since the innovation has little fidelity to any particular subject – as seen
in magazines and books – where theories and methods coexist. As a result,
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interdisciplinary theoretical and methodological dialogues become crucial to

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BEATRIZ COUTO RIBEIRO E ADRIANA BIN
DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO
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BÁSICO BRASILEIRO

permit the understanding of technology and innovation in the context of brazilian


sanitation sector. Faced with this diagnosis, this study proposes to reconcile three
theoretical and methodological approaches: (a) evolutionary approach, (b)
systemic approach and (c) public policy analysis. The article, therefore, discusses
the combination of theoretical and methodological basis to reach new means that
interdisciplinary perspective can provide to studies on innovation.
1293
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BEATRIZ COUTO RIBEIRO E ADRIANA BIN
DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO
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BÁSICO BRASILEIRO

INTRODUÇÃO

A ciência moderna que tem como principal objetivo conhecer os


fenômenos para poder intervir sobre os mesmos e se caracteriza por um
pensamento simplificador fundado sobre os pilares da ordem, disjunção,
justaposição e lógica formal.

Tais princípios que norteiam a ciência moderna alcançam sua maior


expressão na especialização de conhecimentos ao reduzir o mundo em frações
passíveis de análise, a partir das quais serão identificadas suas ordens lógica e
objetiva. São estas características da ciência moderna que permitem a
fragmentação do conhecimento em disciplinas que passam a ser vistas como
meio para construção do verdadeiro conhecimento (ALVARENGA et al, 2011).

Não obstante devido ao avanço natural do conhecimento, o paradigma


disciplinar estabelecido se mostra insuficiente para estudar e intervir sobre
fenômenos complexos. Em razão desta insuficiência, a interdisciplinaridade
emerge.

Com base nesta reflexão, a busca de novas metodologias voltadas à


compreensão de objetos da inovação é a principal motivação do artigo. Ele se
concentra na apresentação de uma abordagem teórico-metodológica
interdisciplinar concebida para análise do fenômeno da inovação no setor de
saneamento básico.

Desta forma, a perspectiva da interdisciplinaridade sobre a inovação no


saneamento básico se manifesta mais como uma imposição para conseguir
analisar as dinâmicas da administração de empresas, no nível micro e por outro
lado, o setor de saneamento e suas políticas públicas em nível macro.
1294

Espera-se que por meio desta abordagem a apreensão da realidade seja


mais plena como coloca Raynaut (2011),
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DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO
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BÁSICO BRASILEIRO

“Na prática a identificação inicial de objetos e assuntos de


pesquisa interdisciplinar nasce da relação com o mundo
que não é a mesma da que a ciência estabelece, não
podendo, portanto, se satisfazer com o trabalho de um
segmento da realidade isolado por razões apenas
conceituais e metodológica. Esses objetos e assuntos
“híbridos” são geralmente reconhecidos a partir de uma
posição social que obriga a considerar a realidade tal como
se apresenta na experiência comum, ou seja, como um
conjunto de relações que não pode ser reduzido a priori ao
recorte instituído pelas disciplinas” (RAYNAUT, 2011, p.
88).

Ressalta-se que a adoção de uma postura intelectual interdisciplinar, não


é algo trivial. Esta nova forma de construção do conhecimento carrega consigo
novos desafios conceituais diretamente relacionados à compreensão do seu
objeto de forma holística.

Segundo Kuhn (1975) a ciência evolui por meio de paradigmas. A quebra


de paradigma científico se refere ao rompimento e construção de novas
fronteiras na ciência, “O empreendimento científico, no seu conjunto, revela sua
utilidade de tempos em tempos, abre novos territórios, instaura ordem e testa
crenças estabelecidas há muito tempo” (KUHN, 1975, p. 61). De acordo com o
autor, a quebra de paradigma é um movimento natural da ciência e a forma como
ela se constrói. Portanto, ciência deverá estar sempre aberta a novas maneiras
de conhecer.

Destacamos ainda que tais paradigmas construídos pela ciência não se


1295

resumem apenas as regras – teorias – através das quais devem ser vistos os
objetos de estudo, mas igualmente a metodologia empregada na realização dos
Página

estudos.

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BÁSICO BRASILEIRO

A metodologia torna-se elemento basilar para a construção de novos


conhecimentos, pois constituem

“(...) estudos dos caminhos, dos instrumentos usados para


se fazer ciência. É uma disciplina instrumental a serviço da
pesquisa. Ao mesmo tempo visa conhecer caminhos do
processo científico, também problematiza criticamente, no
sentido de indagar os limites da ciência, seja com
referência à capacidade de conhecer, seja com referência
à capacidade de intervir na realidade” (DEMO, p. 11, 2014).

Dito isto, este artigo busca conciliar os seguintes referenciais conceituais-


analíticos: (a) abordagem evolucionária; (b) abordagem sistêmica; e (c) análise
de políticas públicas. Demonstrando como eles dialogam e como sua aplicação
pretende diminuir as lacunas no entendimento do fenômeno da ciência e
tecnologia no setor de saneamento básico brasileiro.

Incluindo esta introdução, o artigo se estrutura em cinco partes. A segunda


parte apresenta o fenômeno da inovação do saneamento básico brasileiro. Nela
destacam-se aspectos tais como a precariedade do saneamento básico no
Brasil, contrastante com sua essencialidade, associada a melhorias sociais e
ambientais intrínsecas ao desenvolvimento do setor. Ressalta-se também a
importância da tecnologia e inovação no setor, tema pouco investigado e com
escasso registro de práticas empresariais e de políticas públicas.

A terceira parte discorre acerca da construção da interdisciplinaridade


entre os referenciais analíticas da inovação no saneamento básico, onde são
conciliadas as abordagens utilizadas. Em seguida, na quarta parte –
Combinação de Metodologias – são relacionados os escopos de cada
1296

metodologia utilizada. Por fim, o artigo é completado pelas Considerações


Finais.
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BÁSICO BRASILEIRO

INOVAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO

O saneamento básico se mostra como um serviço que garante o bem-


estar da população por meio do provimento de água e esgoto. Seu
desenvolvimento está intrinsecamente relacionado ao sucesso dos aglomerados
humanos pelo fato de viabilizarem a execução de atividades econômicas, sociais
e a proteção da população às doenças endêmicas (JUUTI; KATKO; VUORINEN,
2007).

Tendo em vista a importância do saneamento básico para a população,


pode-se afirmar que no Brasil, a situação atual do setor é delicada pois, se por
um lado houve nas últimas décadas, aumento das escalas de utilização e
multiplicação dos usos dos recursos hídricos, assim como ampliação da rede de
abastecimento água e coleta de esgoto, o país também tem enfrentado graves
períodos de escassez de água, além do longo caminho para a universalidade
dos serviços, principalmente, do esgotamento sanitário (FAGUNDES; 2008).

Segundo o Sistema Nacional de Saneamento Básico (SNIS) de 2014, o


índice médio nacional da população urbana atendida por redes de água chega a
93,2%. Entretanto o atendimento por redes de esgotos tem índice médio de
57,6% nas áreas urbanas das cidades brasileiras. Naquilo que tange a área rural,
sua realidade é exposta pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD-IBGE, 2009). Segundo este levantamento, apenas 32,8% dos
domicílios rurais está ligado a redes de abastecimento de água, com ou sem
canalização interna. Nestas áreas a maioria da população capta água
proveniente de poço ou nascente, reservatório abastecido por carro-pipa, coleta
de chuva, etc.
1297

Diante deste cenário, crescem as discussões no país acerca das


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mudanças necessárias para ampliação da eficiência e cobertura dos serviços

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DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO
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sanitários. Tendo em vista este contexto acredita-se que a inovação poderia


contribuir positivamente para o desenvolvimento do setor sob a perspectiva
nacional, pois:

“São várias as relações que daí decorrem: novos produtos,


serviços e processos, assim como novas técnicas
gerenciais, organizacionais e de marketing influenciam a
competitividade de empresas, possibilitam a abertura de
novos mercados, afetam a capacidade e a eficiência
produtiva, além de trazerem desdobramentos importantes
em termos ambientais e sociais, dentre outros fatores não
menos importantes” (BIN et al, 2015, p. 145).

Muito tem sido discutido sobre a importância da inovação e as formas de


promovê-la nas últimas décadas, tanto no âmbito acadêmico quanto nas práticas
empresariais. Trata-se, portanto, de uma discussão não tão recente embora
marcadamente atual.

De acordo com Schumpeter, em sua obra Teoria do Desenvolvimento


Econômico (1911), a inovação é apresentada como do desenvolvimento
capitalista, e pode ser explicada por meio do conceito de destruição criadora,
processo dinâmico através do qual as novas tecnologias substituem as antigas.
Segundo o autor, a inovação pode ocorrer de cinco formas:

“1) Introdução de um novo bem — ou seja, um bem com


que os consumidores ainda não estiverem familiarizados
— ou de uma nova qualidade de um bem. 2) Introdução de
um novo método de produção, ou seja, um método que
ainda não tenha sido testado pela experiência no ramo
1298

próprio da indústria de transformação, que de modo algum


precisa ser baseada numa descoberta cientificamente
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nova, e pode consistir também em nova maneira de


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BÁSICO BRASILEIRO

manejar comercialmente uma mercadoria. 3) Abertura de


um novo mercado, ou seja, de um mercado em que o ramo
particular da indústria de transformação do país em
questão não tenha ainda entrado, quer esse mercado
tenha existido antes, quer não. 4) Conquista de uma nova
fonte de oferta de matérias-primas ou de bens
semimanufaturados, mais uma vez independentemente do
fato de que essa fonte já existia ou teve que ser criada. 5)
Estabelecimento de uma nova organização de qualquer
indústria, como a criação de uma posição de monopólio
(por exemplo, pela trustificação) ou a fragmentação de uma
posição de monopólio” (SCHUMPETER, 1997, p. 76).

As formas de inovação apresentadas por Schumpeter são essenciais


tanto na busca de vantagens competitivas para as organizações quanto para os
países (PORTER, 1993). Por esta razão, uma nação que busca desenvolvimento
econômico e social deve promover um ambiente favorável às inovações.

Apesar dos benefícios que a geração de tecnologias e o emprego da


inovação no saneamento básico poderiam causar, a implementação destas
práticas enfrenta ainda muitos obstáculos, que vão desde barreiras internas
associadas às rotinas das concessionárias de saneamento básico até seu
ambiente concorrencial e institucional.

Um forte aspecto que amplia a complexidade de estudar o setor de


saneamento básico nacional é sua estreita relação com o Estado. Tal relação
remonta os primórdios do século XVII quando a administração pública foi
responsável pelas primeiras ações nesta área (MURTHA, CASTRO, HELLER,
1299

2015).

Ao longo do tempo os papéis exercidos pelo Estado no setor apenas se


Página

ampliaram. Hoje, além de ser o principal financiador, o Estado também assume


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COMBINAÇÃO DE METODOLOGIAS PARA COMPREENSÃO DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO
BÁSICO BRASILEIRO

funções de poder concedente, poder regulador, criador da agenda de políticas


e, em muitos casos, fornecedor dos serviços de água e esgoto aos cidadãos de
vários municípios do país.

Neste contexto as CESBs têm um papel bastante relevante, pois são


responsáveis pelo atendimento 71,8% dos municípios brasileiros em relação ao
abastecimento de água e 23,2% em relação ao esgotamento sanitário (SNIS,
2014).

Por esses motivos, segundo Sennes e Kohlmann (2014), projetos neste


setor:

“(...) são, normalmente, sensíveis a mudanças das


prioridades das políticas públicas e à disponibilidade de
recursos públicos (que, por definição, são escassos) e
dependem do comprometimento político e jurídico das
instituições estatais envolvidas no assunto” (SENNES;
KOHLMANN, 2014, p. 26).

Além disso, sua configuração econômica como monopólio natural, no qual


os investimentos são economicamente viáveis apenas quando feitos em larga
escala, pois os custos fixos são elevados e há emprego de capital altamente
específico (ANJOS, 2011), somente intensificam seu vínculo com o poder
público tanto no sentido de regulação, como para investimentos.

Apesar desta situação, vale dizer que desde a década de 90 houve ações
de privatização do setor no país, buscando diminuir sua dependência em relação
ao Estado, por meio da criação de outra alternativa de financiamento do setor.

Entretanto, as empresas privadas encontraram barreiras para adentrar


1300

neste segmento. Dentre as principais barreiras está a forte atuação das


concessionárias públicas em manter seu nicho de mercado, além de obstáculos
Página

jurídico-legais presentes no ordenamento institucional. Tais pontos de


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resistência tornaram o setor sanitário menos atrativo para investimentos do


capital privado (VARGAS; LIMA, 2004; MADEIRA, 2010).

Ainda que segundo a opinião de alguns autores a privatização não tenha


logrado grande êxito, o episódio promoveu mudanças exógenas e endógenas
que flexibilizaram a entrada de novos agentes no setor (TUROLLA, 2014),
trazendo alterações na estrutura concorrencial.

Apesar das mudanças na configuração institucional do setor nas últimas


décadas, iniciadas com o processo de privatização e coroadas pela Lei n.
11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais do saneamento básico,
preverem o estímulo ao uso de tecnologias modernas e eficientes, fomento ao
desenvolvimento científico e tecnológico, adoção de tecnologias apropriadas e
difusão dos conhecimentos gerados, o fato é que as concessionárias de serviços
de saneamento no Brasil ainda não conseguiram estimular ações nesta direção,
tanto em função da própria natureza de funcionamento do setor – que trabalha
por meio de concessões – quanto por conta da dinâmica tecnológica e de
inovação no saneamento.

No que se refere às inovações promovidas no setor de saneamento, de


acordo com a taxonomia de Pavitt (1984), atualizada por Soete e Miozzo (1990),
que classifica os setores a partir de sua trajetória tecnológica segundo as
diferenças de fontes de tecnologia, necessidades dos usuários e meios de
apropriação benefícios, o setor de saneamento básico poderia ser caracterizado
como supplier dominated, ou seja, como um setor no qual as inovações são
promovidas especialmente a partir da aquisição de tecnologias dos
fornecedores.

Neste contexto as empresas concessionárias contribuem de forma


1301

marginal para a geração de novos produtos e processos (principalmente por


meio de adaptações), ficando a cargo dos fornecedores de equipamentos e
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materiais a promoção das inovações, apesar de que, em alguns casos, grandes


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consumidores, universidades e centros de pesquisa – em conjunto ou


separadamente – financiados por entidades públicas ou privadas contribuírem
neste processo.

Assim, embora haja inovação e ela contribua para a redução de custos e


aumento da produtividade, investimentos nesta direção são limitados, pois não
há reconhecimento de seu papel para a geração de valor por parte das
empresas, dada a estrutura de concorrência estabelecida no Brasil.

Sendo um setor que tem seu mercado configurado como monopólio


natural são poucos os incentivos para investir em tecnologia o que acarreta em
uma cultura empresarial pouco inovadora. Tal característica diminui o
protagonismo para aproveitar oportunidades que a implementação de soluções
tecnológicas e inovativas poderiam garantir em termos de vantagens
competitivas, assim como no enfrentamento de prognósticos desafiadores,
sobretudo relacionados às mudanças climáticas.

Há de se destacar, entretanto, algumas poucas iniciativas de fomento à


inovação direcionadas às concessionárias e estimuladas por políticas públicas
no contexto nacional nas últimas décadas. Entre elas destaca-se a criação de
Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, representado no caso do saneamento
básico pelo CTHidro, no intuito de incentivar o desenvolvimento científico e
tecnológico em áreas estratégicas de forma mais contínua. Este fundo setorial
foi criado pela Lei n. 9.993/2000 e sua regulamentação pelo Decreto n.
3.874/2001, tem seus recursos oriundos de 4% do montante arrecadado por
meio da geração de energia hidrelétrica.

Outra iniciativa por parte do poder público para incentivar o a pesquisa e


inovação no setor do saneamento, foi o Programa de Pesquisas em Saneamento
1302

Básico (Prosab) que buscava estabelecer uma relação entre as empresas de


saneamento e institutos de pesquisa e universidades, para suprir demandas
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relacionadas ao saneamento básico no Brasil. Segundo Furtado et al. (2008), em


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uma pesquisa de avaliação de impacto do Prosab, constatou-se que o programa


impactou positivamente a adoção e difusão de tecnologias por meio da
divulgação de resultados científicos, aumento da interação entre usuários-
pesquisadores, capacitação de usuários e definição de padrões técnicos de
referência de produtos e processos, auxiliando mecanismos de transferência
tecnológica.

Destacamos ainda as ações mistas provindas do incentivo público e do


protagonismo empresarial, ressalta-se o lançamento de editais pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e a Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) no contexto do
Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)
desta fundação. Esta última iniciativa de apoio cooperativo de projetos de
pesquisa científica e tecnológica, chama atenção para o interesse da CESBs (no
caso da Sabesp) em empreender e inovar no setor de saneamento básico.

De forma geral, pode-se afirmar que essas iniciativas se concentraram em


um modelo tradicional, e notadamente linear, baseado no estímulo à pesquisa
básica, que influenciaria a pesquisa aplicada e o desenvolvimento experimental,
que conduziriam por fim à produção ou a operações – dependendo da natureza
da inovação – de novos produtos ou de processos (STOKES, 2005). Cordeiro
Netto e Tucci (2003) apontam as limitações destas ações em uma perspectiva
complementar:

“(...) os programas de apoio à pesquisa na área não tinham,


geralmente, continuidade, impedindo o desenvolvimento
de projetos de médio e longo prazos; o repasse dos
recursos era normalmente irregular e aleatório, dificultando
1303

o planejamento de atividades e inviabilizando


experimentos; havia entraves burocráticos que dificultavam
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a execução das atividades; havia ausência de coordenação

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para definir linhas prioritárias de pesquisa e


desenvolvimento, com desarticulação de ações dos órgãos
de fomento; nem sempre ocorria avaliação dos resultados
das pesquisas, o que comprometia a eficiência na
aplicação dos recursos; havia falta de mecanismos de
divulgação adequada dos resultados das pesquisas; era
muito incipiente a participação dos setores produtivos na
formulação de políticas e no apoio financeiro às ações de
CT&I” (CORDEIRO NETTO; TUCCI, 2003, p. 45).

O que este quadro revela é a potencialidade associada à geração de


tecnologias e inovações no setor de saneamento brasileiro em contraposição à
limitação das ações que vêm sendo desenvolvidas nesta direção. Ademais,
destaca-se a também potencialidade das CESBs como ator relevante neste
contexto, em razão de características associadas a seu grande porte em termos
de atendimento, abrangência e estrutura.

CONSTRUÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE OS REFERENCIAIS


ANALÍTICOS DA INOVAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO

Apesar do conceito de interdisciplinaridade não ter apenas uma única


definição, em sua abordagem mais comum, a interdisciplinaridade é vista como
um processo de resolução de problemas ou temas que, por serem muito
complexos, não podem ser trabalhados por uma única disciplina. A
interdisciplinaridade passa a ser vista como uma forma de integrar visões
disciplinares diversas para construção de uma perspectiva mais abrangente.
1304

Tal importância também é assinalada por Heller e Nascimento (2005) ao


analisar a pesquisa e desenvolvimento na área de saneamento no Brasil, eles
Página

ressaltam que

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“(...) deve ser relembrada a frequente complexidade do


objeto saneamento, em suas diversas facetas temáticas, o
que re-enfatiza a necessidade de emprego de métodos
adequados e o reconhecimento de seus múltiplos
tentáculos. Assim, a pesquisa interdisciplinar e a
aproximação com outras áreas de conhecimento –
oriundas das ciências físicas, químicas, biológicas, da
saúde e humanas – mostram-se imperativos para um
adequado resultado da tarefa de desvendar as verdades
desses objetos” (HELLER; NASCIMENTO, 2005, p. 29).

No que tange a inovação, um aspecto relevante colocado por Pavitt (2006)


é o fato da inovação não ter “lealdade” com nenhuma disciplina ou metodologia
em razão de nenhuma delas conseguir satisfatoriamente analisar seus
fenômenos nas organizações,

“(...) são agravadas pelo fato de não haver ampla aceitação


da teoria de processos de inovação no nível da firma que
integrem satisfatoriamente processos cognitivo,
organizacional e dimensão econômica da firma [...] Um
crescente número dos “estudos de inovação” demonstram
pouca fidelidade a qualquer disciplina em particular, e
amplamente teorias e métodos coexistem em revistas e
manuais relevantes” (PAVITT, 2006, p. 87).

Desta forma propõe-se a convergência dos seguintes referenciais


analíticos, (a) abordagem evolucionária; (b) abordagem sistêmica; e (c) análise
de políticas públicas.
1305

Em termos gerais, a abordagem evolucionária se preocupa em analisar


os processos dinâmicos que determinam conjuntamente os padrões de
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comportamento da firma e seus resultados no mercado ao longo do tempo.


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Nelson e Winter (2005) em sua teoria evolucionária fazem uma analogia


à seleção natural da biologia. Segundo os autores as firmas nos diversos ramos
industriais podem ser vistas como organismos em diferentes ambientes que tem
suas próprias peculiaridades. Nestes ambientes ocorrem mudanças que afetam
de forma e intensidade diferente cada nicho de mercado. Sendo assim, as firmas
precisam buscar, dentro de seus contextos, adaptar-se as mudanças para
sobreviver.

O fenômeno descrito não se restringe apenas a empresas em diferentes


ambientes, mas podem ocorrer entre firmas pertencentes ao mesmo ramo que
poderão se adaptar de forma diferente às características de seu ambiente. Na
prática as adaptações irão produzir mutações intencionais ou aleatórias que
resultarão na diversificação de padrões de comportamento.

Tais padrões de comportamento são denominados pelos autores de


“rotinas”. As rotinas congregam diretrizes de conduta e linhas específicas de
ação que orientam os agentes,

“(...) rotinas técnicas bem especificadas para a produção


de coisas, procedimentos para contratações e demissões,
encomendas de novos estoques, ou aumentar a produção
de itens de alta demanda, até as políticas relativas de
investimento, à pesquisa e desenvolvimentos (P&D) ou
publicidade, e estratégias empresariais relativas à
diversificação da produção e ao investimento no exterior.
Em nossa teoria evolucionária, essas rotinas assumem a
função que os genes apresentam na teoria evolucionária
biológica” (NELSON; WINTER, 2005, p.32-33).
1306

De acordo com esta abordagem, o sucesso ou fracasso das firmas se dá


de forma distinta dependendo de como suas características estão adaptadas ao
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mercado.
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Tal abordagem interpreta o mercado como algo complexo, tornando o


processo de seleção natural das firmas multifacetado, pelo fato de conviverem
em um mesmo ambiente de diversidade. A teoria evolucionária se torna útil para
analisar a inovação a partir de sua relação com a mudança econômica,
considerando as respostas das firmas e dos setores às condições de mercado e
concorrência.

O tratamento microeconômico adotado pelos neo-schumpeterianos


identifica atividades que promovem a inovação dentro da firma como elemento
indispensável para a análise do progresso técnico, passa a entender que a
estratégia adotada pela firma é influenciada também por instituições e atores
externos a ela que podem tanto incentivar, quanto limitar sua inovação.

A abordagem sistêmica investiga os sistemas nacionais de inovação –


sejam eles nacionais, regionais ou locais – que são compreendidos como
conjunto de fatores econômicos, sociais, políticos, organizacionais e
institucionais – entre outros – que influenciam o desenvolvimento, difusão e uso
de inovações (EDQUIST, 2006).

O sistema nacional de inovação tem um importante papel de suporte e


direcionamento no processo de aprendizagem e inovação, pois:

“(...) assumimos que o processo de inovação nem é


totalmente acidental nem totalmente pré-determinado pela
estrutura econômica e a configuração institucional. A
análise do sistema de inovação nos ajuda a compreender
e explicar porque a tecnologia se desenvolve em certas
direções, e em certas taxas, apesar de um forte elemento
de aleatoriedade sempre permanecer” (LUNDVALL, 1992,
1307

p. 13).
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Tal abordagem coloca em evidência a importância dos fatores externos


às organizações em sua tendência a inovar, sem descartar, no entanto, a
importância dos fatores internos para a promoção do progresso técnico e
produção de inovações. Daí sua complementaridade com a abordagem neo-
schumpeteriana, que enfatiza a importância de aspectos internos – estruturas e
rotinas da firma, que permeiam todos os processos corporativos – sem, no
entanto, descartar os fatores externos.

Assim, o aporte interdisciplinar é dado pela inclusão da análise de políticas


públicas na composição dos referenciais analíticos de inovação. Seu emprego
ampara a análise de sistemas de inovação ao reconhecer a importância do
Estado na promoção da inovação,

“(...) um conjunto de instituições públicas e privadas que


contribuem nos âmbitos macro e microeconômico para o
desenvolvimento e a difusão de novas tecnologias. Dessa
forma, o SI é um instrumental de intervenção através do
qual os governantes de um país podem criar e implementar
políticas de Estado a fim de influenciar o processo inovativo
de setores, de regiões ou mesmo de nações” (SBICCA;
PELAEZ, 2006, p. 417).

Segundo Giovanni (2009), as políticas públicas têm ganhado cada vez


mais importância em função de fenômenos históricos recentes, que tangem
aspectos econômicos, geopolíticos, políticos, culturais e sociais. Dentre os
eventos que trouxeram luz à discussão das políticas públicas é possível citar a
políticas de Welfare State e a consolidação das democracias ocidentais, após a
Segunda Guerra Mundial; a bipolarização entre os blocos capitalistas e
1308

socialistas que criou a necessidade de novos princípios e pactos nas relações


trabalho e capital; o reconhecimento e demanda da população pelo direito à
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cidadania, a coisa pública como algo que pertence a todos.

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Neste contexto as políticas públicas passam ser definidas como “tudo


aquilo que o governo escolhe ou não fazer” (DYE, 1992, p. 2). Verifica-se,
portanto que a análise de política públicas constitui um conjunto de elementos
que possibilita um olhar explicativo normativo sobre o processo de elaboração
de políticas públicas, isto é, trata-se do estudo sobre o Estado em ação com um
aparato metodológico particular (DAGNINO, 2002).

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INOVAÇÃO NO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO

Tendo em vista a convergência e complementariedade dos referenciais


analíticos para o estudo na inovação apresentados. Esta seção se concentra na
combinação de metodologias aplicada ao estudo da inovação no setor de
saneamento básico brasileiro.

A proposta do emprego da interdisciplinaridade no estudo ocorre em


razão da verificação da necessidade de abordar a inovação sob uma perspectiva
que privilegia a interação entre os aspectos organizacionais das firmas e
aspectos externos a elas, isto é, seu ambiente institucional.

Sendo assim, as abordagens evolucionária e sistêmica serão aqui


empregadas para a compreensão das relações que se estabelecem entre o
comportamento dos agentes econômicos (sobretudo as organizações) e as
estruturas macro institucionais nas quais tais agentes estão imersos para a
geração de inovações e de seus desdobramentos em termos de transformações
tecnológicas e econômicas mais gerais.

Neste sentido, servirão de base para compreender as rotinas das CESBs


1309

nos aspectos de gestão da inovação (estratégias e políticas internas de P&D e


inovação, capacidades dinâmicas, estruturas e processos voltados à geração de
Página

tecnologia e inovação), assim como as relações entre este ator e os demais


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atores e instituições (incluindo marco legal e regulatório) que compõem o sistema


de inovação no setor de saneamento.

Já o emprego da abordagem de análise de políticas públicas se volta à


compreensão dos processos de estruturação política e arranjos estabelecidos,
as ações realizadas pelos atores, as tomadas de decisões e seus impactos, as
negociações e seus efeitos, consolidando essas reflexões em conteúdos ou
exercícios de melhorias das políticas públicas (SERAFIM; DIAS, 2012).

Nesta perspectiva, servirá de base para analisar as políticas de


saneamento e políticas de CT&I no país e sua influência no desenvolvimento
tecnológico e promoção de inovações para as CESBs.

Com base na natureza mais pragmática da metodologia serão


apresentadas as características metodológicas dos procedimentos que
permitirão a aplicação interdisciplinar dos referenciais analíticos propostos (a)
abordagem evolucionária; (b) abordagem sistêmica; e (c) análise de políticas
públicas.

A partir da junção das três frentes espera-se identificar os esforços e


estímulos dados para o desenvolvimento tecnológico e inovação e desta forma
responder a hipótese norteadora da investigação, isto é, de que tanto fatores
externos, como fatores internos às CESBs são responsáveis por impulsionar o
desenvolvimento tecnológico e a inovação no setor de saneamento básico
brasileiro.

Abordagem evolucionária

Sob o ponto de vista metodológico a abordagem evolucionária se


caracteriza pela preconização de um corpo de conhecimento que dá destaque à
1310

natureza endógena do processo inovativo das firmas, tem as organizações como


objeto central de análise.
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Diante disso as CESBs serão analisadas de forma individual com ênfase


aos condicionantes voltados ao desenvolvimento tecnológico e de inovação
nestas organizações. Para isto as informações buscarão diagnosticar os
seguintes elementos: Perfil da Empresa; Perfil e estratégias de P&D e Inovação;
e Modelos de Gestão da PD&I.

Para conseguir diagnosticar tais elementos será necessário coletar


informações primárias junto aos gestores acerca dos esforços inovativos,
processos e estruturas de gestão da inovação nas concessionárias, incluindo
elementos que permitem mensurar a influência do marco regulatório e de
políticas públicas nestes processos.

As informações coletadas deverão ser de natureza qualitativa e


quantitativa de forma a detectar os esforços e resultados em termos de
desenvolvimento tecnológico e inovação, assim como a estruturas e rotinas das
concessionárias que influenciam estas iniciativas. Tais informações serão
estruturadas a partir dos referencias do Manual de Oslo (OCDE, 2005).

Abordagem sistêmica

A estrutura de análise metodológica do sistema de inovação caracteriza-


se como sistêmica e interdisciplinar pelo fato de levar em consideração a
influência de fatores políticos, institucionais, econômicos e sociais.

Ela realiza uma análise sob perspectiva histórica, pois se entende que o
estudo de eventos pretéritos de um país, região ou setor podem explicar os
resultados obtidos na contemporaneidade, fazendo com que sejam mais
compreensíveis os processos de desenvolvimento tecnológico e os fatores que
estimulam a inovação (SBICCA; PELAEZ, 2011).
1311

Nesta perspectiva o conceito de path dependence, que congrega a ideia


de que decisões tomadas em certo momento do passado determina as ações do
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presente é um elemento muito forte a ser levado em consideração na análise.


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Entendidos desta forma, os dados coletados poderão ser tanto de


natureza qualitativa, quanto quantitativa.

Análise de políticas públicas

A abordagem de análise de políticas públicas deve ser analisada de forma


conjunta com a análise evolucionária e sistêmica, apesar delas possuírem
metodologias próprias e enfoques diferentes.

A análise de políticas públicas se concentrará nas Políticas Públicas de


Saneamento Básico no Brasil e nas Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação
(CT&I) para saber em que medida elas estimulam o desenvolvimento tecnológico
e inovação no setor de saneamento.

Segundo Serafim e Dias (2012) entre os fatores relevantes para as


políticas públicas estão,

“(...) interesses e valores individuais, regras e


procedimentos organizacionais, características do
ambiente socioeconômico no qual operam as instituições
políticas e a tendência de formação de subsistemas de
política relativamente autônomos” (SERAFIM; DIAS, 2012,
p. 127).

Tais fatores mencionados terão grande impacto sobre as políticas


públicas analisadas, principalmente o aspecto de “interesses e valores”
individuais que se refere aos interesses e valores dos atores envolvidos no
momento da elaboração da política pública. Estes fatores subjetivos têm grande
relevância na fase de elaboração da agenda, etapa basilar para a criação das
políticas públicas.
1312

Dentro do escopo dessas políticas os esforços serão centralizados, mais


particularmente, nas etapas de conteúdo da política pública, processo de
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elaboração e resultado das políticas detalhadas a seguir (DAGNINO, 2002;


HAM; HILL, 1993):

• Estudos do conteúdo das políticas: descrevem e explicam a


gênese do desenvolvimento de políticas particulares, isto é, como surgiram,
como foram implementadas e quais foram os seus resultados;

• Estudos do processo de elaboração das políticas: se


concentram principalmente em desvendar as influências na formulação das
políticas públicas;

• Estudos do resultado das políticas: prova explicar como os


gastos e serviços variam nas diferentes áreas. Neste tipo de estudo as políticas
são tomadas como variáveis dependentes, através das quais se tenta
compreender sua relação com aspectos sociais, econômicos, tecnológicos, entre
outros.

A partir do detalhamento dos eixos, a análise de política pública pode ser


entendida como um conjunto de observações de caráter descritivo, explicativo e
normativo, acerca das políticas públicas. Por meio delas pretende-se
compreender mais detalhada e profundamente os objetivos das políticas
públicas criadas no âmbito das políticas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I)
e das políticas públicas de saneamento básico brasileiras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os objetos estudados nas ciências são construídos em razão de sua


coerência e necessidade de estudo. Em decorrência disso com o advento da
1313

modernidade, os objetos de estudo da inovação se encontram inseridos em um


mundo cada vez mais turbulento, fragmentado e interconectado de forma a não
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conseguirem escapar desta influência, como é o caso do estudo da inovação no


setor do saneamento.

Dentro deste contexto, faz-se necessária a tomada de uma postura


holística tanto em relação ao instrumental teórico, quanto metodológico de forma
a permitir a compreensão do fenômeno e do ambiente complexo que o influencia.

No que tange os estudos e pesquisas de inovação no setor do


saneamento, um grande desafio consiste na tomada de uma postura
simultaneamente especializada e geral em todos os níveis, isto é, no âmbito
micro das organizações e em âmbito macro da economia, sociedade e estado.

Com este intuito o presente artigo teve como principal objetivo apresentar
uma proposta de abordagem teórico-metodológica interdisciplinar para os
estudos sobre ciência e tecnologia.

Esta proposta se voltou principalmente em demonstrar a convergência


seguintes abordagens: (a) abordagem evolucionária, (b) abordagem sistêmica e
(c) análise de políticas públicas, que poderiam ser trabalhadas juntas sob o
prisma da interdisciplinaridade. A partir da convergência dessas abordagens
tentou-se enfatizar como a interdisciplinaridade se manifesta de forma
espontânea.

Desta forma, quando se tem em vista a questão da inovação e o setor de


saneamento básico brasileiro, seria possível sugerir que talvez para sua análise
como fenômeno, a fragmentação das ciências não tenha sido tão positiva e
possivelmente a abordagem interdisciplinar, que vem ganhando força nos
últimos anos, seja mais adequada para analisar seus objetos.

Permite-se essa conclusão com a verificação da coexistência de teorias e


1314

métodos no estudo da ciência e tecnologia torna esse segmento de estudo mais


apto a incorporar os instrumentais da interdisciplinaridade.
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Acredita-se, portanto, que o estudo interdisciplinar da ciência e tecnologia


possa ser um caminho para o ganho de mais legitimidade frente às outras
ciências. Tomando a interdisciplinaridade como via de autoafirmação, em que
realidades complexas seriam reconhecidas e teriam mais liberdade para serem
interpretadas não de forma simplista, reducionista, mas de maneira que
compreendam sua multidimensionalidade.

Por fim, obviamente para tal defesa e legitimação da inovação dentro do


campo científico, por meio da interdisciplinaridade, seria necessário construir um
novo paradigma, o que não é uma tarefa trivial, já que há muitas instituições,
atores, epistemologias e metodologias estão apoiadas nos paradigmas vigentes.

REFERÊNCIAS

ALVARENGA et al. Histórico, fundamentos filosóficos e teórico-metodológicos


da interdisciplinaridade. In: PHILIPPI JR, Arlindo; SILVA NETO, Antônio, J (Eds.).
Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação. São Paulo: Manole:
2011. p. 3-68.

ANJOS JUNIOR, Ary Haro dos. Gestão estratégica do saneamento. Serie


Sustentabilidade. PHILIPPI JR, Arlindo (Coord). Barueri: Manole. 2011.

BIN, Adriana et al; Diagnóstico e Prognóstico da Inovação e da Gestão da


Inovação: Onde Estamos e Para Onde Vamos? In: SALLES-FILHO, Sergio et al.
(Coor.). Futuros do Bioetanol. O Brasil na Liderança? Rio de Janeiro:
Elsevier, 2015, p. 151-178.
1315

BRASIL. Decreto nº 3.874, de 19 julho de 2001. Decreto n. 3.874/2001.


Regulamenta o inciso V do art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, e a
Página

Lei nº 9.993, de 24 de julho 2000, no que destinam ao setor de ciência e

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03 mai. 2016.

BRASIL. Lei n. 9.993/2000, de 24 de julho de 2000. Destina recursos da


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geração de energia elétrica e pela exploração de recursos minerais para o setor
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9993.htm> Acesso em: 03 mai. 2016.

BRASIL. Lei n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Dispõem sobre as diretrizes


nacionais para o saneamento básico. Portal da Legislação. Disponível em:
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JOSÉ EDUARDO GOMES
DE QUE FORMA IDEIAS, INTERESSES E INSTITUIÇÕES PODEM INFLUENCIAR A DINÂMICA DE
UMA ÁREA DE POLÍTICA PÚBLICA: O PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

DE QUE FORMA IDEIAS, INTERESSES E INSTITUIÇÕES


PODEM INFLUENCIAR A DINÂMICA DE UMA ÁREA DE
POLÍTICA PÚBLICA: O PROGRAMA MINHA CASA,
MINHA VIDA

JOSÉ EDUARDO GOMES


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Sociólogo e mestrando em Sociologia no


Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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JOSÉ EDUARDO GOMES
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JOSÉ EDUARDO GOMES
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UMA ÁREA DE POLÍTICA PÚBLICA: O PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA

Membro do Grupo de Pesquisa Sociedade e


Políticas Públicas. E-mail: jose.gomes@ufrgs.br

RESUMO

O presente trabalho tem como temática principal uma política pública de âmbito
federal: o Programa Minha Casa Minha Vida. O objetivo principal é levantar
indagações acerca do processo que culmina com a adoção do programa, em
2009, e da consequente elevação do mesmo ao patamar de política habitacional
mais importante do país. A escolha do programa deu-se principalmente devido
ao fato de ele “surgir” em 2009, protagonizando uma inflexão no cenário das
políticas habitacionais que estavam sendo debatidas já há algum tempo. A
relação entre ideias, interesses e instituições é apresentada como possível
modelo analítico a ser utilizado em pesquisas futuras.

ABSTRACT

This work has as main theme one public policy at the federal level: the Minha
Casa Minha Vida Program. The main goal is to raise questions about the process
culminating in the adoption of the program in 2009 and the consequent rise in the
same housing policy level most important of the country. The choice of the
program took place mainly due to the fact that he "appears" in 2009, starring a
shift in the scenario of housing policies that were already being discussed for
some time. The relationship between ideas, interests and institutions are
presented as possible analytical model to be used in future research.
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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como temática principal uma política pública de


âmbito federal: o Programa Minha Casa Minha Vida. O objetivo principal é
levantar indagações acerca do processo que culmina com a adoção do
programa, em 2009, e da consequente elevação do mesmo ao patamar de
política habitacional mais importante do país. A evidência empírica que subsidia
a indagação central deste ensaio foi encontrada durante a leitura de um texto de
Pedro Arantes e Mariana Fix, sobre dados do PMCMV,
O déficit habitacional urbano de famílias entre 3 e 10
salários mínimos corresponde a apenas 15,2% do total
(dados da Fundação João Pinheiro para o ano 2000), mas
receberá 60% das unidades e 53% do subsídio público. [...]
essa faixa poderá ser atendida em 70% do seu déficit,
satisfazendo o mercado imobiliário, que a considera mais
lucrativa. Enquanto isso, 82,5% do déficit habitacional
urbano concentra-se abaixo dos 3salários mínimos, mas
receberá apenas 35% das unidades do pacote, o que
corresponde a 8% do total do déficit para esta faixa
(Arantes e Fix, 2009, p.4).
Diante de tal dado a principal pergunta que fazemos é: de que forma tal
discrepância foi justificada? Como os atores e grupos envolvidos no desenho do
PMCMV moldaram o programa de acordo com seus interesses? Quais grupos
obtiveram sucesso? Quais grupos fracassaram na tentativa de “emplacar” suas
ideias a respeito de qual o melhor modelo de política a ser adotado?
O trabalho é composto por, além dessa introdução, um breve histórico das
1324

políticas de habitação no Brasil, uma também breve discussão sobre a


consideração do papel das ideias na literatura sobre políticas públicas e para
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finalizar, apresentação das principais indagações surgidas e também possíveis


caminhos para pesquisas futuras.
As políticas públicas de habitação implementadas ao longo da história, no
Brasil, têm sido amplamente debatidas. O processo acelerado e desorganizado
de urbanização, desenvolvido principalmente a partir das décadas de 1940 e
1950, desencadeou inúmeros problemas do ponto de vista da qualidade de vida
dos moradores das grandes cidades brasileiras.
Segundo a Fundação João Pinheiro (FUNDAÇÃO, 2013), o censo
demográfico 2010 aponta um déficit habitacional de 6,490 milhões de unidades,
o correspondente a 12,1% dos domicílios do país. Segundo a Fundação, mais
de 70% do déficit habitacional no Brasil são compostos pela coabitação familiar
(43,1%) e pelo ônus excessivo com aluguel (30,6%). Domicílios precários, com
19,4%, e adensamento excessivo de domicílios alugados (6,9%) são os
componentes menos expressivos do déficit.
As políticas urbanas brasileiras passam, a partir de 2000, por uma série
de inovações. Em 2001 é aprovado o Estatuto da Cidade, que definiu as
diretrizes e os mecanismos de cumprimento da função social da cidade e da
propriedade, balizados na participação popular e viabilizados a partir de uma
série de instrumentos urbanísticos (NETO, MOREIRA e SCHUSSEL, 2012).
Além do Estatuto, os mesmos autores citam a criação de outras políticas: a
Política Nacional de Habitação (2004), o Sistema Nacional de Habitação (2005)
e o Plano Nacional de Habitação (2008). Em 2003 é criado o Ministério das
Cidades, buscando integrar as áreas da habitação, do saneamento e da
mobilidade (transportes).
Essas inovações institucionais, somadas ao crescimento econômico
1325

obtido a partir de diversas medidas governamentais que visavam fomentar a


geração e distribuição de renda, marcam o início de um período promissor para
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a política de habitação social, que sofria com a falta de investimentos mais

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consistentes desde a extinção do Banco Nacional da Habitação, o BNH, em


1986.
Entretanto, como iremos demonstrar ao longo desse trabalho, esse
cenário sofre uma inflexão significativa com o surgimento do Programa Minha
casa Minha Vida, que passa a ser o principal programa habitacional do país.
Essa mudança é a principal preocupação do presente trabalho.

UM BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE HABITAÇÃO NO BRASIL

A preocupação com questões relativas à habitação no Brasil, por parte do


Estado, data do final do século XIX, tendo como motivação a tentativa de conter
doenças contagiosas (febre amarela e cólera, entre outras) atribuídas às
péssimas condições de moradia da classe trabalhadora.
Os higienistas eram os protagonistas de discursos e ações que
objetivavam a eliminação de cortiços e outros tipos de construções por eles
deploradas. Conforme Bonduki (1998, p. 28):
Assim que São Paulo começou a crescer, os higienistas
ocuparam postos de relevo na administração pública e
colocaram em ação seus planos. Ao contrário dos países
europeus, nos quais a regulamentação do uso do solo
urbano e o controle sanitário ocorreram após o surgimento
das grandes cidades industriais, em São Paulo a atuação
estatal foi concomitante à deterioração das condições
habitacionais e sanitárias.
A preocupação com a eclosão de epidemias foi, portanto, o motivo
1326

principal para que o Estado agisse de maneira normativa e higienista. As


primeiras intervenções do poder público brasileiro em relação às condições de
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moradia das populações de mais baixa renda não focalizavam a falta de moradia
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adequada, mas sim o problema da propagação de epidemias. Como afirma


Bonduki (1998, p. 30),
As medidas governamentais para controlar as condições
sanitárias e impedir a propagação de epidemias foram de
três tipos: 1) criação da Diretoria de Higiene, com poderes
de polícia e inspeção sanitária, isto é, podia entrar nos
domicílios para controlar a vida, as regras de asseio,
higiene e saúde de seus habitantes; 2) promulgação de
vasta legislação de controle sanitário e de produção das
habitações, com destaque para o Código Sanitário de
1894; e 3) participação do Estado na gestão de obras de
saneamento e de abastecimento de água e de coleta de
esgotos, sobretudo pela encampação da Companhia
Cantareira de Água e esgotos e pela criação da Comissão
de saneamento das Várzeas.
Um segundo tipo de intervenções estatais em questões urbanas se refere
a obras de saneamento, distribuição de água e coleta de esgoto. Setores
importantes de prestação de serviços urbanos, como serviços de distribuição de
água e tratamento de esgoto foram estatizados, num claro sinal de que o poder
público considerava tais serviços importantes para a melhoria das condições
sanitárias.
Até então, o serviço de águas e esgoto era explorado,
através de uma concessão, por uma empresa privada – a
Companhia Cantareira de Águas e Esgotos -, como era a
regra nos serviços públicos. A São Paulo Light Power et
1327

Cia. era responsável pela geração e distribuição de energia


elétrica e pelo serviço de bondes; a São Paulo Gás CO.
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Ltd., pelo serviço de iluminação pública a gás e distribuição

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domiciliária de gás; e a telefone Co. explorava os serviços


de telefonia (BONDUKI, 1998, p. 35).
A encampação, por parte do Poder Público, da Companhia Cantareira,
em 1882, acelerou a até então vagarosa ampliação da rede de esgotos e de
distribuição de águas, representando a prioridade conferida pelo Estado à
questão sanitária no final do século XIX. Nesse período as condições de moradia
das classes populares eram bastante precárias. Geralmente habitavam os
"cortiços" ou outros tipos de habitações que não ofereciam condições dignas de
viver. Essas más condições de moradia eram motivo de preocupação por parte
dos higienistas (BONDUKI, 1998).
Toda a legislação que tinha por objetivo acabar com os cortiços esbarrava
no fato de que os salários pagos aos trabalhadores não permitiam o pagamento
de aluguel em uma moradia adequada aos padrões defendidos pelos higienistas.
Assim sendo, as leis nunca puderam ser totalmente colocados em prática
(BONDUKI, 1998).
Diante desse impasse a alternativa do Estado para tentar resolver o
problema da moradia, dentro do contexto liberal do Estado durante a primeira
República, foi o incentivo à iniciativa privada. “Adotados por todos os níveis do
governo e regiões do país, os estímulos à iniciativa privada foram sempre muito
bem aceitos por todos: higienistas, poder público e empreendedores”
(BONDUKI, 1998, p.41). Isenções de impostos para construção de vilas
operárias, entre outros incentivos, foram as principais medidas adotadas pelo
Estado no que tange à habitação até 1930, quando Vargas assume o poder e
modifica essa situação. Resume Bonduki (1998, p.41),
foram essas as mais significativas formas de intervenção
1328

do Estado no setor da habitação até a década de 1930. Sob


o controle da burguesia cafeeira, o Estado liberal-
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oligárquico tratou a questão de um ponto de vista

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sobretudo repressivo, ditado pelo ordem sanitária, postura


coerente com sua abordagem dos problemas sociais.
As epidemias foram controladas com êxito durante o período. Entretanto,
a questão da habitação acabou sendo tratada meramente como um caso de
higiene, sem a busca de alternativas para a aquisição, por parte da classe
trabalhadora, de uma moradia própria e digna que fosse acessível à sua
realidade econômica.
Até o final da década de 1930, apenas 25% dos domicílios eram próprios
na cidade de São Paulo (IBGE, 1940 apud BONDUKI, 1998). O investimento das
camadas mais abastadas, em casas de aluguel, era uma alternativa rentável em
um período de limitadas opções de investimento. (BONDUKI, 1998, p. 45). Essa
"produção rentista", como denominou Bonduki, produziu as "vilas de empresas",
construídas pelas empresas e destinadas a seus funcionários, e as "vilas
operárias", destinadas ao mercado de locação. Por não haver sistema
previdenciário estatal, companhias mutuarias (sociedades de economia privada
que administravam depósitos de cidadãos desejosos de poupar, criar um pecúlio
e receber, depois de alguns anos, uma aposentadoria) também investiam na
construção de vilas populares.

O PERÍODO VARGAS

O início do governo Vargas marca uma mudança significativa no


tratamento da questão habitacional no Brasil. O debate, antes marcado pelo
domínio da visão higienista, é complexificado. Entram em cena profissionais de
outras áreas, como advogados, arquitetos, demógrafos, entre outros. O I
Congresso de Habitação, promovido pelo Instituto de Engenharia, e os
1329

Congressos de Arquitetos, apenas para citar alguns dos envolvidos, comprovam


o início da multidisciplinaridade que começa a predominar. (BONDUKI, 1998,
Página

p.75).
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A opinião de que o Estado precisava intervir na questão da habitação


ganha força entre as mais variadas camadas sociais.
A partir dos anos 30, sob Vargas, o problema seria
encarado de outra forma. Segundo opinião generalizada, a
iniciativa privada era incapaz de enfrentar o problema,
tornando inevitável a intervenção do Estado. Desse modo
marginalizava-se o setor rentista que, desde o início da
República, desfrutara de regalias fiscais e da ausência de
regulamentação em suas relações com os inquilinos.
Discursos ideológicos de todo o espectro ideológico- dos
representantes da Fiesp (Simonsen) aos comunistas
(jornal Hoje), passando pelos ministros de Vargas -
mostram a aceitação da concepção de que a produção e a
locação de moradias revestiam-se de características
especiais que as diferenciavam de outros bens e que,
portanto, requeriam a intervenção governamental
(BONDUKI, 1998, p.78).
A Lei do Inquilinato, de 1942, é exemplar da atuação estatal na área
habitacional. A Lei congelava os preços dos aluguéis, sendo um duro golpe nos
investidores rentistas que lucravam com aluguel de moradias sem nunca serem
regulados pelo Estado.
O Estado Novo via na habitação um meio de demonstrar que o trabalho
árduo gerava seus frutos. Além disso, proporcionar uma casa própria à classe
trabalhadora diminuía as chances de grupos “esquerdistas” ganharem apoio,
“A Constituição de 1937, que instituiu o Estado Novo, dava
1330

atenção toda especial à família, determinando, no artigo


124, que ela estaria ‘sob proteção do Estado’. A associação
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entre família e habitação fez da questão habitacional uma

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pedra angular da reprodução ideológica dos valores


burgueses, que se buscava universalizar em todas as
classes sociais, sobretudo entre os trabalhadores urbanos”
(BONDUKI, 1998, p.84-85).
O ideal, portanto, era que as famílias habitassem locais limpos, com
espaços arejados, propícios para a reprodução dos valores cristãos e burgueses;
os homens longe da criminalidade e da vagabundagem e as mulheres distantes
da sensualidade promíscua, facilitada pelo convívio diário em espaços comuns
a todos, típicos dos cortiços.
Segundo Bonduki (1998, p.88),
em relação ao que se propunha antes de 1930, houve
portanto uma mudança significativa na abordagem do
problema habitacional. Antes, a questão central era a
questão da salubridade da moradia, independentemente d
seu estatuto de propriedade (sendo um pressuposto que os
moradores moravam em casas de aluguel), e as propostas
invariavelmente sugeriam isenções de taxas e impostos
para que os donos das casas pudessem baixar os aluguéis
e, assim, atender às famílias de renda mais baixa. A partir
de 1930, a questão principal passou a ser viabilizar o
acesso à casa própria. A salubridade e a eliminação das
formas coletivas de morar continuavam sendo um objetivo
meritório, mas, de maneira geral, alcançável em
consequência da difusão da casa própria.
Novos meios de oferecer moradia própria à classe trabalhadora surgem:
1331

a racionalização dos processos na produção das moradias e o combate à


especulação imobiliária (já existente em São Paulo), além de propostas de
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extensão de lotes para as periferias são apresentadas como alternativas frente


ao rápido processo de urbanização das cidades brasileiras.
Os primeiros órgãos federais a tratarem da questão habitacional de forma
mais consistente foram os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP’s).
Entretanto, o conflito existente entre quem apoiava investimentos desses
institutos em títulos de capitalização e quem defendia que os mesmos fossem
para a área da habitação interferiu em seu pleno desenvolvimento,
Assim, a habitação sempre apareceu de maneira ambígua
entre as finalidades dos IAP’s: ora como objetivo
importante, ligado à ideia da seguridade social plena, ora
como mero instrumento de capitalização dos recursos
captados e, portanto, desprovido de fins sociais. Essa
ambiguidade presente durante o período populista, devido
à impossibilidade política de se alterar a estrutura
previdenciária criada nos anos 30, tornou-se um entrave á
formulação de uma política consistente de habitação social
(BONDUKI, 1998, p.101).
O primeiro órgão estatal destinado a tratar especificamente da habitação
social foi a Fundação da Casa Popular - FCP, de 1946. Criada durante o segundo
governo de Getúlio Vargas, tinha como prerrogativas, além do financiamento de
casas populares, atuar na provisão de serviços de infraestrutura e saneamento
básico. (AZEVEDO, 1988). O objetivo inicial era prover habitação para a
população que não tinha acesso aos IAP’s. A produção quantitativa de unidades
habitacionais foi irrisória. Fatores como a falta de receitas constantes e a
ausência de indexação das prestações, em um ambiente inflacionário, são
1332

citados por Azevedo como motivos para o fracasso da Fundação, que acabou
sendo extinta em 1964.
Página

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POLÍTICA PÚBLICA: O PROGRAMA MINHA CASA,
MINHA VIDA
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O BANCO NACIONAL DA HABITAÇÃO

Em 1964 é lançado o Banco Nacional da Habitação. O contexto de


urbanização crescente e desordenada do país e a problemática da habitação
são os principais motivos para a formulação do programa. Os principais
mecanismos de financiamento do BNH são o Fundo de Garantia de Tempo de
Serviço – FGTS, e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE,
ambos com regulação pública feita pelo também recém-criado Sistema
Financeiro da Habitação – SFH.
Alguns fatores econômicos foram considerados na formulação do
programa. Azevedo (1988) cita,
estímulo à poupança, absorção, pelo mercado de trabalho,
de um maior contingente de mão-de-obra não qualificada;
desenvolvimento da indústria de material de construção;
fortalecimento, expansão e diversificação das empresas de
construção civil e das atividades associadas (empresas de
incorporações, escritórios de arquitetura, agências
imobiliárias, etc.)
A fim de evitarem-se os problemas de receitas percebidos na FCP, foi
criado o Sistema Financeiro de Habitação – SFH. O SFH previa uma série de
vantagens para compradores de casas populares em relação aos de renda mais
alta (AZEVEDO, 1988). O fato de as Companhias Habitacionais - Cohabs
(empresas mistas sob o controle acionário dos governos estaduais e/ou
municipais) desempenharem o papel de incorporadores imobiliários reduzia o
preço das unidades habitacionais, dada a inexistência ou existência em
porcentagem consideravelmente menor, da taxa de lucro privado desses
1333

agentes. (AZEVEDO, 1988).


A utilização de recursos do FGTS a uma taxa de juros inferior à praticada
Página

no mercado também contribuiu para que as classes populares conseguissem


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financiar sua moradia através do BNH. Azevedo (1988) afirma que, embora o
foco do programa tenha sido a população com renda de até três salários
mínimos, o programa jamais conseguiu atingir satisfatoriamente tal população.
As políticas de arrocho salarial, colocadas em ação principalmente a partir de
meados da década de 60, geraram inadimplência por parte dos mutuários das
Cohabs, o que levou a uma mudança na política habitacional. A alternativa,
colocada em ação a partir da década de 70, foi diminuir o investimento em
habitações populares e aumentá-lo no “mercado médio” (classes média e alta) e
em operações financeiras. (AZEVEDO, 1988). A partir de 1975 esse problema
começa a ser resolvido e os investimentos em habitação popular retornam.
Segundo Azevedo (1988) entre as principais medidas adotadas para que as
Cohabs fossem saneadas economicamente está a priorização de famílias com
renda mensal acima de três salários mínimos, o que pode ter sido um preço alto
para uma política que inicialmente tinha como público alvo as famílias com menor
poder aquisitivo. Em 1983, pela primeira vez, os reajustes nas prestações dos
mutuários das Cohabs superaram o reajuste do salário mínimo. O reajuste
provocou reações. Mutuários descontentes, principalmente os das classes
média e alta, financiadas pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo –
SBPE e pagadoras das prestações mais elevadas organizaram-se e
reivindicaram ações por parte do governo. Este, por sua parte, reagiu
conseguindo diminuir as prestações através da concessão de um abono de
emergência e de uma indexação favorável para aqueles que optassem pelo
reajuste semestral. (AZEVEDO, 1988).
Em 1986, ano seguinte à eleição indireta do primeiro presidente civil, após
duas décadas de ditadura militar, o BNH encontra-se desestruturado, sendo
1334

extinto nesse mesmo ano. Sua extinção, segundo Azevedo (1988) gerou
surpresa, haja vista o fato de o próprio governo ter sinalizado, anteriormente,
Página

disposição para reformá-lo. O BNH deixou um legado institucional consolidado,

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além de ter sido responsável pela construção de um número significativo de


unidades habitacionais (mais de quatro milhões de unidades).
Tabela 1. Número de financiamentos habitacionais concedidos pelo Sistema
Nacional de Habitação
Programas Programas Total de unidades
tradicionais alternativos
(Cohabs)
Mercado
Popular
264.397 1.499.806
1.235.409 27,7%
5,9% 33,6%

Cooperativas Outros Total de unidades


programas

Mercado
econômico
488.659 299.471 788.130
10,9% 6,7% 17,6%

SBPE Outros Total de Total SFH


programas unidades

Mercado Médio
280.418 2.179.393
1.898.975 42,5% 4.467.329
6,3% 48,8%

Fonte: AZEVEDO (1988)

DO FIM DO BNH AO MINISTÉRIO DAS CIDADES

Após a extinção do BNH, em 1986, o tema da habitação social sofre uma


série de mudanças em relação à sua institucionalidade. Diversos órgãos ficam
temporariamente responsáveis pela área: Ministério da Habitação, Urbanismo e
1335

Meio Ambiente – MHU (1987), Ministério da Habitação e do Bem Estar Social –


MBES (1988), Secretaria Estadual de Habitação e Ação Comunitária – SEAC
Página

(1989), Ministério da Ação Social – MAS (1989), Ministério do Bem Estar Social
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– MBES (1992), Secretaria de Política Urbana – SEPURB (1995) e Secretaria de


Desenvolvimento Urbano – SEDUR – PR (1999-2003). (CARDOSO; ARAGÃO,
2013). Um problema grave citado por esses autores é que após a extinção do
BNH os recursos do FGTS passaram a ser distribuídos sob influência de fatores
políticos, levando o sistema a uma quase falência, em 1993.
Cardoso e Aragão (2013) citam o Programa Carta de Crédito, que acabou
sendo utilizado majoritariamente na compra de imóveis usados, como um dos
poucos programas criados entre o fim do BNH e a criação do Ministério das
Cidades, em 2003. Além da Carta de Crédito houve a criação do programa Pró-
Moradia e do Programa de Arrendamento Residencial, o PAR.

A CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DAS CIDADES E O SURGIMENTO DO


PLANHAB

Mudanças significativas na área da habitação vão ocorrer somente em


2003, após a eleição do presidente Lula. Nesse ano é criado o Ministério das
Cidades, que tem como primeiro ministro Olívio Dutra, ex-prefeito de Porto
Alegre. A equipe técnica do Ministério é formada por pessoas ligadas ao Fórum
Nacional da Reforma Urbana, entidade criada em 1986, com a intenção de
propor políticas urbanas que reduzissem o quadro histórico de desigualdades
sociais e urbanas (CARDOSO e ARAGÃO, 2013). É em 2003 que acontece,
também, a primeira Conferência Nacional das Cidades, que aprova os princípios
gerais da política urbana do governo e propõe a criação e composição do
Conselho Nacional das Cidades, instalado em 2004 (CARDOSO e ARAGÃO,
2013).
Nesse contexto o Plano Nacional de Habitação - PlanHab - surge como
1336

política que contém as estratégias para o enfrentamento da questão do déficit


habitacional. O principal objetivo do programa, segundo seu documento de
Página

apresentação, é
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[...] implantar um conjunto de ações capazes de construir


um caminho que permita avançar no sentido de atingir o
principal objetivo do PNH [Plano Nacional de Habitação]:
universalizar o acesso à moradia digna para todo cidadão
brasileiro (BRASIL, 2010, p. 16).
Um dos aspectos mais salientados no documento citado acima é a
importância da participação da sociedade em discussões sobre o Plano. A
descentralização de responsabilidades relacionadas às políticas de habitação
social é considerada essencial e deve ser efetuada, entre outros mecanismos,
através da criação e consolidação de conselhos locais de habitação de interesse
social.
O cálculo do déficit habitacional apresentado pelo PlanHab evidencia que
parte substantiva do déficit habitacional está concentrada entre famílias com
renda inferior à R$ 1.200.
Tabela 3. Déficit habitacional, por faixa de renda, segundo PlanHab
Tipologias de Faixas de Renda (em R$) TOTAL
municípios 2006
Até 600 600 a 1.200 1.200 a 2.000 1.200 a 2.000
A 631.765 55% 402.107 65.231 42.219 1.141.323
35% 6% 4%
B 500.646 58% 269.055 54.512 32.718 856.931
31% 6% 4%
C 500.372 80% 100.551 14.530 10.817 626.270
16% 2% 2%
D 467.926 57% 261.660 54.918 32.277 816.782
32% 7% 4%
E 425.783 78% 89.836 16.810 12.177 544.606
16% 3% 2%
URBANO F 179.815 55% 113.236 22.092 12.569 327.712
35% 7% 4%
G 264.775 66% 103.248 20.748 12.810 401.581
26% 5% 3%
H 298.052 77% 68.406 11.465 8.400 386.324
1337

18% 3% 2%
I 161.716 56% 95.592 20.338 11.224 288.870
33% 7% 4%
J 396.785 70% 129.343 24.492 15.166 565.786
Página

23% 4% 3%

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K 459.838 75% 115.562 19% 20.579 14.868 610.846


3% 2%
Subtotal Urbano 4.287.472 1.748.598 27% 325.715 205.245 6.567.030
65% 5% 3%
Subtotal Rural 1.014.303 269.218 20% 50.076 34.091 1.367.689
74% 4% 2%
TOTAL 7.934.719

Fonte: PlanHab (Brasil, 2010). Elaboração: Consórcio Instituto Via Pública, LabHab-Fupam,
Logos Engenharia a partir de dados da Fundação João Pinheiro, 2006.

Além desse dado impactante, o PlanHab tem outras singularidades. O


Plano apresenta uma série de propostas alternativas à da construção de novas
unidades habitacionais, como uma possível utilização dos imóveis não ocupados
existentes nos centros das grandes cidades. É sugerida também a atualização e
organização dos dados referentes aos imóveis pertencentes à União, para
possível utilização para habitação de interesse social.
Sendo assim, o cenário existente no período é de otimismo em relação ao
combate ao déficit habitacional, principalmente nas camadas mais pobres da
população. É nesse contexto que surge o Programa Minha Casa Minha Vida -
PMCMV. O PMCMV surge, em 2009, como uma tentativa clara do governo de
tentar aquecer a economia através do estímulo à geração de empregos na área
da construção civil, haja vista a crise econômica que atingia praticamente todas
as economias capitalistas do mundo.
Algumas descontinuidades entre os objetivos presentes no PMCMV e os
traçados durante a elaboração do PlanHab são evidenciadas por autores como
LOUREIRO, MACÁRIO e GUERRA (2013, p. 22-3). Sobre a participação da
sociedade civil, afirmam:
Com relação aos grupos organizados na sociedade, pode-
1338

se afirmar que se os empresários da construção civil


tiveram participação nas negociações em torno do desenho
Página

do programa, o mesmo não ocorreu com os segmentos

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populares. Logo após o lançamento do programa,


representantes dos movimentos sociais no Conselho
Nacional das Cidades reclamaram da ausência de
discussão sobre as medidas anunciadas. O Conselho
Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social se manifestou na mesma direção, afirmando não ter
sido ouvido no processo de formulação dessa política [...].
Para Bonduki (2009, p.1)
O PlanHab previu um leque de alternativas habitacionais a
custos unitários mais reduzidos (como lotes urbanizados
e/ou material de construção com assistência técnica), com
potencial de atender um número maior de famílias; já o
Minha Casa Minha Vida fixou-se exclusivamente na
produção de unidades prontas, mais ao gosto da
construção civil.
Nesse sentido propomos aqui uma abordagem que considere a
importância das ideias e dos aspectos cognitivos que permeiam os meandros
das políticas públicas, especificamente no caso de uma política pública de
habitação: o Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV.
Acreditamos que alguns aspectos do PMCMV podem ser elucidados
através de uma análise que contemple, além de problemas decorridos da forma
como a política foi pensada, aspectos cognitivos relacionados às crenças dos
atores. Em relação a esse tipo de abordagem, Reis (2003, p.12-13) afirma:
[...] analisar a viabilidade política de uma determinada
policy é uma questão tão técnica quanto as de natureza
1339

instrumental específicas a cada issue. Mas, essa é também


uma questão tão moral quanto aquelas que inspiraram
Página

Marx e Weber. Nesse sentido, qualquer que seja o ângulo

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da política pública contemplado por um pesquisador, as


questões morais, teóricas e técnicas encontram-se
bastante interligadas. [...]
A nós, cientistas políticos, sociólogos e antropólogos,
caberia o empenho de analisar policies como práticas
políticas, práticas essas onde a interação entre interesses,
valores e normas merece tanta consideração quanto os
critérios técnicos e as restrições orçamentárias.
Gabriel Bollafi, em artigo publicado em 1976 e que aborda o tema das
políticas de habitação popular, afirma que “existe uma enorme distância entre a
realidade e o que dela se diz, entre os reais problemas de uma sociedade e de
uma nação e aqueles que ela reconhece como tais e, finalmente, entre a
aparência e a essência desses mesmos problemas” (Bollafi, 1976, p. 65). Bollafi
cita Florestan Fernandes, lembrando que para esse autor
“a essência e a natureza dos problemas que a Nação
formula para si mesma, ou pelo menos a importância e a
prioridade que lhes atribui, varia em função da estratégia
daqueles que em cada momento constituem o poder e
detém a capacidade de decisão” (Bollafi, 1976, p. 66).
O autor fala também sobre a transfiguração de problemas para que estes
assumam significado compatível com a vontade popular. Os problemas que o
país enfrentava na época em que o artigo foi escrito estavam sendo enfrentados,
segundo Bollafi, de forma falsa, a partir das estratégias da necessidade do poder
e das ideologias que tinham sido elaboradas nos últimos 15 ou 20 anos. Nesse
sentido podemos trazer a afirmação do autor para os dias atuais, considerando
1340

o PMCMV como possível objeto empírico de falsa ou parcial solução para um


grave e persistente problema social brasileiro: o déficit habitacional. Outro ponto
Página

que parece (não podemos afirmar, haja vista a necessária brevidade do presente

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ensaio) ser similar à situação dos dias atuais é o fato de o BNH – Banco Nacional
de Habitação – ter sido lançado em meio a uma crise inflacionária (no ano de
1964); quando o PMCMV foi lançado, em 2009, a crise estava relacionada ao
mercado imobiliário norte americano, atingindo praticamente todo o mundo. A
proximidade aqui é o contexto de crise econômica em que dois grandes
programas habitacionais são lançados.
Bollafi afirma ainda que
“o problema da habitação popular, [...] apesar dos fartos
recursos que supostamente foram destinados para a sua
solução, não passou de um artifício político formulado para
enfrentar um problema econômico conjuntural” (Bollafi,
1976, p. 70).
O texto citado foi escrito em 1976, mas dados do PMCMV evidenciam que
um dos méritos do programa foi investir uma verba maior para produção de
moradias.
Bolaffi afirma também que o fato de o BNH deixar decisões a respeito da
construção e da localização das habitações nas mãos da iniciativa privada gerou
uma cadeia de negociatas inescrupulosas, tais como a utilização de terrenos
inadequados e mal localizados e a construção de edificações imprestáveis
(Bollafi,1976, p. 75). Autores que escrevem hoje sobre habitação tem opinião
similar a respeito do PMCMV,
A hegemonia do setor privado como agente promotor tem
várias consequências sobre as características da oferta. As
construtoras, embora sem risco (ou com baixíssimo risco)
e sem gastos de “incorporação imobiliária” irão buscar
1341

sempre incluir nos seus ganhos não apenas aqueles


obtidos na construção como também as margens que
Página

puderem ser imputadas sobre o preço original da terra, ou

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seja, os lucros globais não são apenas aqueles aferidos no


processo de produção (lucro da construção), mas também
o lucro aferido no processo de mercantilização do
empreendimento (lucro imobiliário decorrente da
transformação do uso do solo). Dentro dessa lógica de
busca de maximização da valorização do investimento, as
construtoras irão buscar os terrenos mais baratos, portanto
com maiores problemas de acessibilidade e de
infraestrutura, que permitirão incluir uma margem de lucro,
considerados os valores tetos do programa (CARDOSO E
ARAGÃO, 2013, p.54).
Não nos cabe aqui entrar no debate a respeito da dicotomia setor público
versus setor privado. Antes disso nos interessa levantar argumentos que
sustentem nossa indagação: de que forma foi legitimado o discurso de que o
setor privado deveria ser o responsável pela construção das unidades
habitacionais, haja vista o fato de que uma política similar do passado obteve
resultados negativos em parte, segundo Bollafi, devido à influência excessiva de
interesses desse setor? Quais atores foram fundamentais nesse processo? De
que forma os movimentos sociais encararam o fato de a parcela com maior déficit
habitacional relativo ter sido menos beneficiada do que aquela que tem
condições de pagar prestações?
Essa mudança na forma de tratar uma área de política pública (da
prioridade social passa-se para a econômica) pode ser analisada, em nossa
visão e não excluindo outras possibilidades de análise, através da literatura que
considera que as ideias e os aspectos cognoscitivos influenciam, ao lado de
1342

outras determinantes, as decisões que modificam a dinâmica das agendas de


políticas públicas.
Página

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IDEIAS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Não há consenso em relação à importância e influência das ideias na


análise de políticas públicas. Campbell (2002) afirma que as ideias tem tido
pouca importância nas análises políticas e na sociologia política, entre
pluralistas, elitistas, neomarxistas, institucionalistas históricos e teóricos da
escolha racional. Essas correntes teriam dado importância ao autointeresse dos
atores, deixando de lado aspectos cognitivos percebidos, por exemplo, por Max
Weber, um dos fundadores da Sociologia. Entretanto, o autor salienta que esse
quadro começou a apresentar modificações a partir de 1990, quando alguns
teóricos começaram a prestar atenção na influência das ideias na formulação de
políticas públicas, em alguns casos em reação aos teóricos da escolha racional.
Campbell apresenta, entre outros, o exemplo de Esping Anderson que,
influenciado pelo paradigma cognitivo, mostrou que nos países católicos do sul
da Europa os políticos esperavam que as pessoas tomassem para si alguns
serviços (cuidados com crianças, por exemplo). Sendo assim, essas pré-
concepções restringem o leque de tipos de proposições políticas dos
governantes.
JOHN (1998) apresenta um pensamento similar a respeito do
“surgimento” das ideias. Para ele houve uma redescoberta das ideias, do
discurso e da linguagem, e uma relegação da premissa de que o autointeresse
explica a política e seus processos, principalmente a partir da década de 1980.
Afirma que as novas versões do institucionalismo contemplam a importância das
ideias, e cita Peter Hall, para quem as diferentes respostas à crise econômica na
Europa ocidental são oriundas das diferentes ideias presentes nas suas
instituições. Esse autor também afirma que as teorias que trabalham com ideias
1343

não defendem sua existência independente, mas sim interligada a outros fatores.
Para ele há uma variedade de fatores e interesses que influenciam de diversas
Página

maneiras a dinâmica de formação de agendas de políticas públicas. Para John


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as ideias são parte de uma explicação e um dos principais problemas da


abordagem das ideias é partir do pressuposto de que elas explicam os fatos e o
autointeresse não. (JOHN, 1998). Para o autor: “Se as ideias moldam o mundo
empírico, o interesse dos atores é moldado pelo que é criado. Há uma interação
eterna entre as ideias e o autointeresse. Nenhum necessariamente domina”.
(JOHN, 1998, p.154, tradução minha). A respeito dessa interdependência entre
ideias e interesses, apresenta um exemplo em que uma coalizão formada por
donos de terra que buscavam continuar lucrando com ela, sem maiores
preocupações ambientais, no Canadá, perde a disputa para grupos
ambientalistas. Os autores do trabalho (LERTZMAN, RAYNOR e WILSON,
1996) o utilizam para afirmar que análises baseadas na ideia de autointeresse
devem ser completadas ou suplantadas. As ideias de cunho econômico saíram
de centro e deram lugar para a conscientização ambiental.
WALSH (2000) concorda com o fato de que as ideias não conseguem
explicar nada sozinhas, mas que, ao mesmo tempo, não podem ser ignoradas.
Para ele, as três dimensões – ideias, interesses e instituições – devem ser
trabalhadas de forma combinada e lógica. Também afirma que o autointeresse
parece não conseguir explicar tudo, e que as ideias podem oferecer soluções
para os tomadores de decisão. Para Walsh os recentes trabalhos que abordam
as ideias ainda são insuficientes para a criação de generalizações. Afirma que
os trabalhos recentes que abordam a influência das ideias têm gerado três tipos
de respostas: a primeira afirma que falhas nas políticas em curso abrem caminho
para que tomadores de decisão implementem políticas diferentes; a segunda
percebe as ideias como “ganchos” utilizados pelos indivíduos para perseguirem
seus interesses materiais. Nessa vertente o impacto das ideias é pequeno; uma
1344

terceira resposta também minimiza a influência das ideias, ressaltando arranjos


institucionais e interesses materiais dos atores.
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Com o objetivo de avançar na formulação de metodologias que


possibilitem a mensuração da influência das ideias nos processos de políticas
públicas, Walsh (2000) apresenta um quadro que tem por objetivo identificar as
condições sob as quais as ideias influenciam ou não as políticas. O objetivo do
autor com o quadro é trabalhar de forma combinada as três dimensões: ideias,
interesses e instituições, sem a necessidade de descobrir qual dessas causas é
mais importante. O autor utilizou esse quadro na tentativa de compreender
“falhas e sucessos” nos governos de Margareth Thatcher, na Inglaterra. As áreas
analisadas foram o sistema de saúde, a política monetária e a relação entre os
governos locais e o central. Abaixo reproduzimos o quadro:

Concentração de autoridade sob a


implementação

Baixa Alta
Ideias tem pouca Ideias tem forte
influência na influência na
implementação de implementação de
1345

políticas políticas
Oposição social
à nova ideia
Baixa
Página

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Ideias têm Ideias tem pouca


pouquíssima influência na
influência na implementação de
implementação de políticas
políticas

Alta

Fonte: Walsh (2000)

O quadro resume as conclusões do autor e, se pensarmos nele a partir do


lugar que a habitação ocupa no imaginário dos brasileiros e brasileiras, podemos
esboçar uma classificação para o PMCMV como praticamente sem oposição
social. Em relação à importância das ideias, no sentido de crenças e valores que
movem os atores envolvidos no processo de política pública, o sonho da casa
própria pode ter sido movimentado para convencimento de atores sociais que
passam a enxergar o programa como alternativa para a realização de tal sonho.
Arantes e Fix (2009, p.6) comentam:
1346

A casa própria é percebida e vivida pelas camadas


populares como verdadeiro bastião da sobrevivência
familiar, ainda mais em tempos de crise e de instabilidade
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DE QUE FORMA IDEIAS, INTERESSES E INSTITUIÇÕES


PODEM INFLUENCIAR A DINÂMICA DE UMA ÁREA DE
JOSÉ EDUARDO GOMES
POLÍTICA PÚBLICA: O PROGRAMA MINHA CASA,
MINHA VIDA
JOSÉ EDUARDO GOMES
DE QUE FORMA IDEIAS, INTERESSES E INSTITUIÇÕES PODEM INFLUENCIAR A DINÂMICA DE
UMA ÁREA DE POLÍTICA PÚBLICA: O PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA

crescente no mundo do trabalho. A casa própria, no Brasil,


representa a garantia de uma velhice “com teto”, na
ausência ou insuficiência da previdência social, ou seja, é
vista como a única garantia para um fim de vida com o
mínimo de segurança e dignidade. Para os jovens casais
com filhos ou mães chefes-de-família, a casa própria é a
garantia de uma estabilidade em vários níveis, em relação
à escola dos filhos, aos laços de solidariedade de bairro, à
segurança real e simbólica de não ser ameaçados ou
vitimados pelo despejo em caso de desemprego
(ARANTES e FIX, 2009, p.6).
Em relação às instituições, o PMCMV torna menos importante a
participação de representantes da sociedade civil, como já foi aqui mencionado.
Além disso, a substituição do ministro Olívio Dutra e do quadro técnico do
Ministério das Cidades, para entrada de Márcio Fortes, do Partido Progressista,
representou, para Loureiro, Macário e Guerra, (2013, p. 17), um esvaziamento
de parte das políticas que ali estavam em desenvolvimento.
Além de determinantes de ordem econômica, relacionados
às medidas de enfrentamento da crise financeira
internacional, o surgimento do PMCMV está, também,
relacionado a fatores de natureza político-partidária,
ligados à substituição do ministro das Cidades, Olívio
Dutra, por Marcio Fortes, do Partido Progressista (PP),
como resultado de negociações que levaram à reforma
ministerial necessária ao reforço da base de apoio do
1347

governo no Congresso. Com a saída do ministro Dutra,


vários assessores técnicos também deixaram o ministério,
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o que levou ao esvaziamento de parte das políticas aí em

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desenvolvimento, em particular, o PlanHab, dando


prioridade a políticas que contemplassem os interesses de
grupos empresariais ligados à construção civil. Alguns
números revelam essa inflexão na orientação da política,
levando à diminuição dos recursos do FNHIS: esses
passaram de R$ 1 bilhão em 2009 para R$ 175 milhões em
2010 (Loureiro, Macário e Guerra, 2013, p. 17).
Sendo assim, a principal contribuição que gostaríamos de trazer é na
verdade uma indagação que surge a partir dos fatos até aqui descritos: de que
forma ideias, interesses e instituições influenciam a dinâmica de uma área de
política pública. Partindo do pressuposto de que qualquer decisão tomada no
âmbito institucional reflete uma série de ideias, valores e crenças presentes na
sociedade, podemos nos indagar e buscar elucidar de que maneira os aspectos
cognitivos e subjetivos se relacionam com o autointeresse dos atores e a
influência das instituições nas tomadas de decisões políticas. No caso do
PMCMV, pode-se, futuramente, buscar compreender os motivos que levaram a
adoção do programa na forma como este foi apresentado: com forte participação
de atores de mercado (construtoras e empreiteiras, entre outras), haja vista a
existência já consolidada do PlanHab – Plano Nacional de Habitação – que tinha
em suas diretrizes uma forma de abordar o problema do déficit habitacional
bastante distinta, com ampla participação da sociedade civil na deliberação dos
rumos da política e um incentivo relativamente maior a grupos dedicados a
autoconstrução de moradias, entre outras alternativas de redução do déficit.
Nesse sentido, a emergência do PMCMV à agenda governamental ultrapassa as
mudanças incrementais.
1348

A principal hipótese é a de que no caso do PMCMV ideias, interesses e


instituições se entrelaçam e acabam, de maneira interligada, influenciando o
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processo político que leva a adoção do programa, mas tal hipótese não foi
testada.

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MINHA VIDA
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BRUNA PASAN CARDINAL
O PAPEL DO MUNICÍPIO NA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

O PAPEL DO MUNICÍPIO NA POLÍTICA NACIONAL DE


RESÍDUOS SÓLIDOS

BRUNA PASIAN CARDINAL

Bacharela em Administração Pública pela


UNESP e Mestranda em Ciência Política pela
UFSCar. E-mail: brupcar@hotmail.com
1352
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O PAPEL DO MUNICÍPIO NA POLÍTICA NACIONAL DE


BRUNA PASIAN CARDINAL
RESÍDUOS SÓLIDOS
BRUNA PASAN CARDINAL
O PAPEL DO MUNICÍPIO NA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

RESUMO

Nas décadas de 70 e 80 a relação lixo versus meio ambiente se fortaleceu e


culminou no Brasil na formulação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos,
instituída em 2010, pela Lei nº 12.305/10, após todo um processo de tramitação
no Congresso Nacional que perdurou quase vinte anos. Tal política propõe uma
interação e cooperação entre vários atores sociais, dentre eles, o setor público,
em suas três esferas, nacional, estadual e municipal. O trabalho, então, destaca
a importância do ator municipal na área, trazendo aspectos relevantes para o
aumento das responsabilidades locais na implementação de várias políticas
públicas, a partir da Constituição Federal de 1988. Além de destacar as
responsabilidades e o papel importante das autoridades municipais, assim como
de toda a população dentro das cidades, quando o assunto é a correta
destinação dos resíduos sólidos, visando um ambiente mais saudável.

ABSTRACT

In the 70 and 80 the relationship garbage versus environment strengthened and


culminated in Brazil in the formulation of a National Policy on Solid Waste
instituted in 2010 by Law 12.305/10, after an entire processing process in
Congress that lasted almost twenty years. This policy proposes an interaction
and cooperation between various stakeholders, including the public sector, in its
three levels, national, state and municipal. The work, then, highlights the
importance of municipal actor in the area, bringing relevant to the increase of
local responsibilities in the implementation of policies, from the Federal
Constitution of 1988. In addition to highlighting the responsibilities and the
1353

important role of local authorities as well as the entire population within cities,
when it comes to the proper disposal of solid waste, aiming for a healthier
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environment.

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BRUNA PASIAN CARDINAL
RESÍDUOS SÓLIDOS
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O PAPEL DO MUNICÍPIO NA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, intitulado “O Papel dos Municípios na Política


Nacional de Resíduos Sólidos” procura discutir a inserção de políticas
sustentáveis na agenda política brasileira. As quais culminaram na elaboração e
implementação da Lei nº 12.305 de 02 de agosto de 2010, que instituiu a Política
Nacional de Resíduos Sólidos, e concedeu aos entes locais altas
responsabilidades.

Ele foi dividido em três seções. A primeira preocupou-se em apresentar


de maneira geral o tema, enfatizando o momento em que aspectos ambientais
passaram a se tornar importantes. Na segunda, a ênfase já se volta mais a Lei
e a Política numa maneira mais específica. E na terceira e última seção, se faz
uma análise do município como ente responsável pelas políticas de destinação
dos resíduos sólidos.

SOCIEDADE, MEIO AMBIENTE E RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

Histórico do Lixo

Embora o lixo seja produzido por qualquer atividade humana, e hoje


sabemos que ele deve ter uma destinação ambientalmente correta, antigamente
não era isto o que acontecia.

No passado, o lixo urbano, formado principalmente por resto de


alimentos, era enterrado nos quintais das casas.

Até que a ocorrência de um significativo aumento populacional, somado


ao crescimento da produção industrializada, a partir da Revolução Industrial,
modificou a composição dos resíduos descartados e aumentou a quantidade de
1354

lixo depositado. E os restos oriundos das atividades cotidianas passaram a ser


fontes de transmissão de doenças.
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RESÍDUOS SÓLIDOS
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De forma que, a correta destinação dos resíduos urbanos passou a ser


valorizada, na segunda metade do século do século XIX, visando questões de
saúde pública, higiene e embelezamento das cidades.

Nesta época, entretanto, não se podia quantificar e prever os problemas


ambientais causados pela má destinação dos resíduos. Assim, a relação lixo e
meio ambiente tomou força apenas por volta de 1970 e será no próximo tópico.

Problemas Ambientais: breve histórico

Segundo Coimbra (1993) o “meio ambiente é o conjunto dos elementos


físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem,
individual e socialmente” (COIMBRA, 1993, p. 29).

Há, portanto, uma relação mútua entre o Meio Ambiente e o Homem, na


qual as ações deste de alguma forma recairão naquele.

Assim, não é de se espantar que as preocupações relacionadas aos


problemas ambientais e aos desequilíbrios causados por eles tenham surgido
num período onde se valoriza o consumo de massa.

A consciência de que o ser humano afetou a biosfera de


forma radical, provocando consequências que podem pôr
em risco a sua própria vida, vem-se construindo desde a
década de 70. Começando pelos impactos localizados,
como poluição de rios e córregos ou do ar de certas
cidades, ou extração, até o esgotamento, de minerais e
recursos não renováveis, passou-se à consciência dos
impactos em escala mundial, como a deteriorização da
camada de ozônio, o aquecimento global do planeta, o
aumento do nível dos oceanos, ou os riscos de grande
1355

alcance de resíduos nucleares (FOLADORI, 2001, p. 101).


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Assim, nos anos 60 e 70 foi dado inicio aos debates acerca dos problemas
e desequilíbrios ambientais. As questões levantadas a partir daquele momento
foram tratadas de maneira mais evidente através de alguns importantes marcos
históricos.

Em 1962 a bióloga Rachel Carson, através de seu livro “silent spring”


(primavera silenciosa), apontou o efeito deletério causado por pesticidas e
despertou uma consciência ambiental que antes não havia ganhado força em
meio aos interesses econômicos. Desta forma o livro teve um importante papel
na ascensão do movimento ambientalista.

Em 1968 Garret Hardin escreveu um artigo, “The tragedy of the


commons”, lançando uma crítica à exploração oportunista vigente. Para ele, as
pessoas com o intuito de se beneficiar de um bem comum, não fazem esforço
algum para preservá-lo, à medida que buscam extrair todas as vantagens
oferecidas por ele.

Como resultados deste período inicial, em que começou a surgir um


movimento capaz de valorizar o Meio Ambiente, nos anos 70 surgem marcos
bastante evidentes e importantes para a busca de um limite entre o crescimento
e a preservação ambiental.

Assim, em 1972 foi publicado o relatório Meadows, intitulado “Limites do


crescimento”. “A investigação aborda o problema da acelerada utilização dos
recursos naturais no mundo, com uma população crescente e uma indústria que
estava ocasionando danos irreparáveis ao meio ambiente” (FOLADORI, 2001,
p. 115).

Neste mesmo ano foi realizada em Estocolmo, na Suécia, a primeira


Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, denominada como
1356

CNUMAH (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano), se


caracterizando como o primeiro encontro mundial realizado com o intuito de
Página

discutir problemas ambientais.

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Dando espaço para a criação em 1986 da Comissão Mundial de Meio


Ambiente, que em 1987, divulgou um relatório, “Our common future” (Nosso
futuro comum), também conhecido como relatório Brundtland, que deu destaque
ao termo desenvolvimento sustentável.

Dando continuidade ao histórico, em 1992, no Rio de Janeiro, foi realizada


a Conferência das Nações Unidas de Meio Ambiente e desenvolvimento
(CNUMAD). Conhecida como “Conferência da Terra”, buscou “elaborar
estratégias e medidas com a finalidade de deter e reverter a degradação
ambiental, bem como promover o desenvolvimento sustentável” (FOLADORI,
2001, p. 118).

Passados dez anos, em 2002, teve a Rio+10, e já em 2012, teve a Rio+20.


Ambas as Conferências buscaram englobar aspectos ambientais, sociais,
econômicos, dentre outros capazes de promoverem um equilíbrio entre o
desenvolvimento e o crescimento das nações com a conservação do Meio
Ambiente.

Destinação dos resíduos

Segundo Souza (2011), os resíduos podem seguir três destinos


diferentes:

Serem lançados diretamente na natureza, poluindo o


ambiente, ou, irem para um local de descarte seguro, como
aterros sanitários e depósitos específicos; ou, ainda,
submeterem-se a um processo de reciclagem, com
reprocessamento e devolução ao mercado dos produtos
antes descartados (SOUZA, 2011, p. 43).

Baseando-se nisto, existe todo um aparato estatal que incentiva práticas


1357

sustentáveis capazes de promoverem um destino melhor e mais saudável para


os resíduos, através da reutilização, da reciclagem e da logística reversa.
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Por meio do incentivo destas práticas, portanto, visa-se depositar nos


aterros apenas os rejeitos, que são “os resíduos sólidos que já sofreram
processo de tratamento e, portanto, não apresentam outra alternativa a não ser
a disposição final em aterros sanitários” (COPOLA, 2012, p. 14).

Além disso, há o incentivo da substituição de lixões por estes aterros, já


que eles:

Constituem locais onde os resíduos são depositados e


confinados, sem causar maiores danos ao meio ambiente,
porque nesses locais os resíduos são comprimidos por
máquinas, que diminuem seu volume, e após, com um
trator, os resíduos são empurrados, espalhados e
amassados sobre o solo, o que se chama de compactação;
por fim, os resíduos são cobertos por uma camada de areia
ou argila, que minimiza os odores, e também a proliferação
de insetos (COPOLA, 2012, p. 14).

A LEI DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Diante das diversas preocupações que sinalizam para a


efetiva potencialidade no tocante ao esgotamento dos
recursos naturais, a destinação dos resíduos sólidos
assume grande relevância social. Esse pensamento é
solidificado no Brasil tendo em vista a elaboração de um
trabalho legislativo nessa direção, que culminou na Lei
12.305/10 – a qual institui a Política Nacional de Resíduos
Sólidos (MADEIRA; MADEIRA; MADEIRA, 2013, p. 509).
1358

Art. 1o Esta Lei institui a Política Nacional de Resíduos


Sólidos, dispondo sobre seus princípios, objetivos e
Página

instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à


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gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos,


incluídos os perigosos, às responsabilidades dos
geradores e do poder público e aos instrumentos
econômicos aplicáveis (BRASIL, Lei nº 12.305 de 02 de
agosto de 2010).

Política Nacional de Resíduos Sólidos

Visto que a preocupação ambiental em relação ao lixo passou a se


fortalecer na década de 70, foi a partir deste período que o aparato jurídico-
legislativo estatal começou dar suporte as práticas ambientais.

Dentre alguns dos importantes arcabouços legislativos tem-se a Lei nº


6.938 de 31 de agosto de 1981, que trouxe em voga a Política Nacional de Meio
Ambiente.

Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por


objetivo a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no
País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos
interesses da segurança nacional e à proteção da
dignidade da vida humana (BRASIL, Lei nº 6.938 de 31 de
agosto de 1981).

A partir do artigo destacado da lei observa-se que, como apresentado


anteriormente, havia no país certa preocupação com a qualidade ambiental e
com a necessidade de desenvolver-se de maneira sustentável.

Entretanto, muitos defendem que “foi apenas com a Constituição Federal


de 1988 que as questões ambientais foram tratadas de forma mais específica”
(PIRANI, 2010, p. 58).
1359

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente


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ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

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essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder


Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL,
Constituição Federal de 1988).

Assim, foi a partir desta importância tão fortemente destaca na CF/1988


que se iniciaram no Congresso Nacional discussões que levaram após um pouco
mais de vinte anos, a aprovação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Art. 4o A Política Nacional de Resíduos Sólidos reúne o


conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes,
metas e ações adotados pelo Governo Federal,
isoladamente ou em regime de cooperação com Estados,
Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à
gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente
adequado dos resíduos sólidos (BRASIL, Lei nº 12.305 de
02 de agosto de 2010).

O seu objetivo primeiro é visar “a redução da geração, princípio que


deverá ser divulgado amplamente e aplicado prioritariamente como estratégia de
gerenciamento na presente proposta” (COELHO; TOCCHETO, MEINHARDT
JR., 2013, p. 151.), ou seja, tal política tem como proposta buscar a minimização
da geração de resíduos sólidos.

De modo que, visa à conscientização de todos para práticas de não


geração, reutilização, reciclagem e logística reversa, para que os resíduos
sólidos passem por um processo de reaproveitamento capaz de diminuir o
percentual de rejeitos depositados nos aterros sanitários.

A partir deste processo de conscientização, há o envolvimento de setores


1360

diversos da população num processo mútuo de cooperação, já que ao mesmo


tempo em que mobiliza o setor público, atribui responsabilidades também ao
Página

setor privado e a população em geral.

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Art. 25. O poder público, o setor empresarial e a


coletividade são responsáveis pela efetividade das ações
voltadas para assegurar a observância da Política Nacional
de Resíduos Sólidos e das diretrizes e demais
determinações estabelecidas nesta Lei e em seu
regulamento (BRASIL, Lei nº 12.305 de 02 de agosto de
2010).

Além disso, ao influenciar práticas de reaproveitamento e de diminuição


do volume de rejeitos, a Política também abrange a valorização da prática da
coleta seletiva e, consequente, recuperação e reciclagem dos resíduos. Assim,
busca-se gerar renda e retorno econômico através do aproveitamento do lixo,
incentivando a criação de cooperativas ou outras formas de associação de
catadores de materiais recicláveis, formadas por pessoas físicas de baixa renda.

Gestão Compartilhada de Resíduos Sólidos

Baseando-se no exposto acima e também no que está regulamentado no


artigo 23 da Constituição Federal de 1988, a Política em voga concede
responsabilidades a vários setores da sociedade, dentre eles, o poder público,
nas esferas nacional, estadual e local, o setor privado, o chamado terceiro setor
e a população em geral.

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal


e dos Municípios: VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas;” (BRASIL, Constituição Federal de 1988).

Gerando, portanto, uma gestão compartilhada entre diferentes atores, na


qual “promove o envolvimento e a co-responsabilização dos múltiplos setores
sociais para minimizar os impactos ocasionados pela má destinação do lixo”
1361

(PIRANI, 2010, p. 26).

Percebe-se e acredita-se que a PNRS veio para


Página

responsabilizar e comprometer todos os atores envolvidos


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com o gerenciamento adequado do lixo, levando-os a


terem uma relação mais sustentável de consumo e com o
meio ambiente, de uma forma geral (COELHO;
TOCCHETO, MEINHARDT JR., 2013, p. 153).

Ficando, assim, o governo federal responsável por elaborar o Plano


Nacional de Resíduos Sólidos (art. 15 da Lei nº 12.305/10), vigente por vinte
anos, mas revisado a cada quatro anos; fiscalizar e ditar metas para a melhoria
do cenário dos resíduos no país e, também por normatizar o acesso dos Estados
e dos municípios, aos recursos federais.

Enquanto isto, a lei incumbe aos Estados o papel de elaborar o Plano


Estadual de Resíduos Sólidos (art. 16 da Lei nº 12.305/10), com o mesmo
horizonte temporal do Plano Nacional. Sua elaboração é condição necessária
para que estes entes tenham acesso a recursos da União relacionados à gestão
de resíduos sólidos.

Já no âmbito local, os Municípios e o Distrito Federal ficam responsáveis


por elaborar o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (art. 18
da Lei nº 12.305/10), como meio, também, de obter acesso aos recursos
provenientes da União, relacionados ao manejo dos resíduos sólidos e à limpeza
urbana. Neste Plano deve-se:

seguir alguns conteúdos, por exemplo, desenvolver


atividades de educação ambiental; realizar diagnóstico da
situação dos resíduos sólidos; implantar programas para
incentivar a criação e/ou desenvolvimento de associações
de catadores; possuir metas de redução, reutilização,
coleta seletiva e reciclagem; dentre outras (COELHO;
1362

TOCCHETO, MEINHARDT JR., 2013, p. 153).

Assim, pode-se afirmar que, de acordo com a referida lei, os municípios


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ficam responsáveis pelo gerenciamento adequado dos resíduos urbanos, de

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forma que a partir de tal responsabilidade, o ente local passa a incentivar


alternativas de geração de emprego e renda em seu território, além de valorizar
a melhoria da qualidade de vida da sua população, através da conservação
ambiental.

Vimos acima às responsabilidades concedidas somente ao poder público.


Entretanto, temos que destacar também a necessidade de o setor privado
auxiliar na correta destinação dos resíduos, através, da lógica da
responsabilidade compartilhada:

Art. 30. É instituída a responsabilidade compartilhada pelo


ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma
individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes, os
consumidores e os titulares dos serviços públicos de
limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos,
consoante às atribuições e procedimentos previstos nesta
Seção (BRASIL, Lei nº 12.305 de 02 de agosto de 2010).

A responsabilidade compartilhada visaria estratégias sustentáveis


capazes de promoverem não só a diminuição na geração dos resíduos, como
também, um melhor aproveitamento dos materiais.

Dentre as práticas incentivadas pela lei estão à utilização de embalagens


reutilizáveis ou feitas com materiais que podem ser reciclados (art. 32 da Lei nº
12.305/10) e a logística reversa (art. 33 da Lei nº 12.305/10).

Na responsabilidade compartilhada, os consumidores também são


responsáveis pelo ciclo de vida dos produtos, de forma que a sociedade em
geral, seja então obrigada a promover a diminuição da geração, assim como,
1363

praticar a reutilização e a reciclagem.

Art. 35. Sempre que estabelecido sistema de coleta


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seletiva pelo plano municipal de gestão integrada de


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resíduos sólidos e na aplicação do art. 33, os


consumidores são obrigados a:

I - acondicionar adequadamente e de forma diferenciada


os resíduos sólidos gerados;

II - disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos


reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.

Parágrafo único. O poder público municipal pode instituir


incentivos econômicos aos consumidores que participam
do sistema de coleta seletiva referido no caput, na forma
de lei municipal (BRASIL, Lei nº 12.305 de 02 de agosto
de 2010).

Baseando-se no exposto até agora, pode-se afirmar que a gestão


compartilhada dos resíduos sólidos “refere-se a uma nova perspectiva
interdisciplinar de encarar a problemática do lixo na realidade urbana brasileira
a qual tem se disseminado desde o final da década de 80” (PIRANI, 2010, p. 27).

Assim, visa-se “o envolvimento de diferentes órgãos da administração


pública e da sociedade civil” (IBAM, 2001, p. 8) em questões que “devem se
processar de modo articulado, segundo a visão de que todas as ações e
operações envolvidas encontram-se interligadas entre si” (IBAM, 2001, p. 8).

A IMPORTÂNCIA DOS MUNICÍPIOS

A redemocratização que ocorreu no país durante a década de 80, trouxe


mudanças concretas e bastante drásticas no que diz respeito às
responsabilidades e à autonomia dos entes federativos, de forma que “essa
1364

reorientação da estrutura federativa brasileira favoreceu as unidades


subnacionais, tanto pelo restabelecimento de competências usurpadas pelo
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regime ditatorial, quanto pela criação, sobretudo no caso dos municípios, de


novos mecanismos de autonomia política” (TOMIO, 2002, p. 61).

Fazendo com que, possamos destacar que a partir de 1988, através da


Constituição Federal, os municípios tornaram-se entes autônomos e dotados de
grandes responsabilidades. Já que através dela houve um avanço “no sentido
de introduzir novos fundamentos, destacando-se a inclusão dos Municípios entre
os entes que compõem a federação” (CABRAL, 2012, p. 70), dando a ele o cargo
de “se tornar o instrumento de redistribuição espacial de condições mínimas de
direitos de cidadania” (SANTOS, 2012, p. 828).

Para exemplificar tal afirmação, destaca-se o artigo 30 da CF/88 que


comprova o alto grau de atividades que ficaram sob competência da autoridade
local.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que


couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência,


bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da
obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes
nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir Distritos, observada a


legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de


concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse
1365

local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter


essencial;
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VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da


União e do Estado, programas de educação infantil e de
ensino fundamental;

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da


União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da
população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento


territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural


local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal
e estadual (BRASIL, Constituição de 1988).

Assim, pode-se defender que:

A constituição de 1988 tornou o Município “ente federativo”


dotado de autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira. Ademais, tornou o Município o ente responsável
pela política urbana, num contexto marcado pela ampliação
dos direitos sociais e pela execução descentralizada das
políticas sociais, ampliando as atribuições dos governos
municipais (SANTOS, 2012, p. 826).

A partir disto então, conclui-se que “a Constituição Federal brasileira de


1988 modificou significativamente o ordenamento federativo e o sistema de
repartição de competências” (CABRAL, 2012, p. 74), passando a haver não mais
uma hierarquia entre os três entes da federação, e sim um sistema de
distribuição de responsabilidades e, consequentemente, de cooperação.
1366

Descentralização
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Como ponto central da Reforma do Estado veio à tona a ideia de


descentralização em que “passou-se a supor que, por definição, formas
descentralizadas de prestação de serviços públicos seriam mais democráticas e
que, além disso, fortaleceriam e consolidariam a democracia” (ARRETCHE,
1996, p. 1). Já que se associava “a centralização a práticas não democráticas de
decisão, à ausência de transparência das decisões, à impossibilidade de
controle sobre as ações de governo e à ineficácia das políticas públicas”
(ARRETCHE, 1996, p. 2), de modo que, então:

A Constituição Federal de 1988 instituiu a descentralização


aos municípios e a participação da sociedade como eixos
centrais do novo período de democratização que se abria
com a Carta Magna. Com efeito, as cidades brasileiras
passaram a ser protagonistas nos processos de decisão,
ao mesmo tempo em que, tiveram de enfrentar problemas
relacionados à desigualdade social, à poluição, às
dificuldades de mobilidade, ao excesso de resíduos, à falta
de saneamento básico, habitações precárias, violência e
mudanças climáticas (SÃO PAULO, 2013, p. 5).

E assim, o município passou a ser considerado um ente federativo de forte


importância, levando em conta o defendido por Castro, Coqueiro e Sousa (2001)
de que o administrador municipal está a cargo de uma área pequena, podendo
dar atenção mais diretamente aos serviços públicos de menor escala e que
demandam conhecimento mais detalhado.

Os municípios e as Políticas Públicas

Baseando-se na ideia de Pereira (2004) de que o município, como


1367

expressão da exclusão social e degradação ambiental deve ser o lócus de


discussão e do exercício da cidadania, e a partir do cenário de maior
proximidade, de crescente globalização, de busca pela descentralização e,
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consequentemente maior participação e accountability, as políticas públicas


passaram a tornar-se assunto de grande relevância no âmbito local.

E com isso passou-se a fortalecer a ideia de que a cidade é no atual


cenário um ente federativo fortemente responsável em cumprir uma função
social capaz de, como defendido por Prieto (2006), garantir a todos os cidadãos,
indistintamente, vários direitos, dentre eles, a conservação do meio ambiente.

O Estatuto das Cidades e o conceito de cidade sustentável

Em meio ao cenário descentralizador e, a consequente, necessidade dos


municípios, como tratado no tópico acima, garantir a sua população diversos
direitos, passou a haver a necessidade de um planejamento urbano.

Assim, foi instituída em 2001 a Lei nº 10.257, denominada Estatuto da


Cidade, que traça normas que regulam o uso do solo e da propriedade urbana.

Podemos dizer que ela traz em voga aspectos importantes para a vida
dos cidadãos na cidade, contemplando aspectos da gestão urbana passando
assim, como defendido por Pereira (2004), a interferir nas causas dos problemas
urbanos e não apenas em suas consequências.

Dentre vários aspectos tratados na lei tem-se a preocupação com a


degradação ambiental, decorrente do crescimento desordenado das cidades.

Portanto o Estatuto valoriza, assim como defende Cabral (2012),


instrumentos de planejamento e de gestão municipal que visam garantir o
1368

conceito de cidade sustentável.

Visando “assegurar um desenvolvimento, mais ordenado, planejado e


Página

preocupado com o meio ambiente natural” (PRIETO, 2006, p. 2) das cidades, à


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medida que, o município é o responsável, segundo Franco (2001, apud Prieto,


2006):

pela proteção ou conservação, através do usufruto dos


recursos naturais pelo homem sem degradação do meio
ambiente e sem destruição ou depredação; pela
preservação ou princípio da não-ação, representado pela
permanência ou manutenção de ecossistemas intocados
pela ação humana, sem qualquer interferência do homem;
e pela recuperação aplicada a áreas que foram alteradas
pela ação humana, com intervenções mitigatórias dos
problemas, objetivando sua preservação (FRANCO, 2001,
apud PRIETO, 2006, p. 8).

Os municípios e a Política Nacional de Resíduos Sólidos

Todo este cenário favoreceu a compreensão de que os municípios e os


administradores locais são responsáveis diretos pela destinação adequada dos
resíduos sólidos, devendo implementar políticas locais capazes de promoverem
uma maior qualidade ao meio ambiente.

E assim, é através do ente local que se tornou possível promover o


funcionamento e a eficácia de algumas políticas públicas que nada mais são do
que como defendido por Peters (1986, apud Souza, 2006), uma atividade do
governo, que age através de uma delegação. Que no caso da preservação do
meio ambiente é a Lei que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS).

Tal Política tem por intuito influenciar os cidadãos, o poder público, o setor
privado, enfim, todos os atores envolvidos, no que diz respeito à correta
1369

destinação dos resíduos. Assim, visa à cooperação e associação dos três entes
federativos e concede responsabilidades específicas a cada um deles.
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Fica a cargo dos municípios dentre outras atribuições expostas no artigo


19º da Lei, a responsabilidade por:

Programas e ações de capacitação técnica voltados para


sua implementação e operacionalização; programas e
ações de educação ambiental que promovam a não
geração, a redução, a reutilização e a reciclagem de
resíduos sólidos; e programas e ações para a participação
dos grupos interessados, em especial das cooperativas ou
outras formas de associação de catadores de materiais
reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de
baixa renda, se houver. (BRASIL, Lei nº12.305 de 02 de
agosto de 2010).

De modo que são instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos,


dentre outros, os órgãos colegiados municipais destinados ao controle social dos
serviços de resíduos sólidos urbanos.

Sendo estes, portanto, os principais responsáveis pela implementação de


políticas de reaproveitamento, reuso e reciclagem dos produtos, através do
incentivo às práticas de coleta seletiva e compostagem; pela disposição final
ambientalmente adequada dos resíduos e rejeitos oriundos do serviço público
de limpeza urbana; e pelo manejo dos resíduos sólidos em geral, promovendo a
substituição dos lixões por aterros sanitários.

Todas estas responsabilidades são suscitadas através da criação em


cada cidade, do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
(PMGIRS), que deve abranger, como exposto na Lei: “Art. 3o XI - conjunto de
ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a
1370

considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com


controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável;” (BRASIL, Lei
nº12.305 de 02 de agosto de 2010).
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E assim, pode-se perceber que o município é um importante


implementador da Política de Resíduos Sólidos, à medida que, como defende
Copola (2012) ele deve: prever as metas para a redução, reutilização, coleta
seletiva e reciclagem de resíduos; definir, as formas e os limites da participação
do Poder Público local na coleta seletiva de resíduos; prever os meios utilizados
pelo Município para a efetiva realização do controle, da fiscalização, da
implementação e da operacionalização dos planos de gerenciamento de
resíduos sólidos e também dos sistemas de logística reversa; prever medidas e
ações preventivas e corretivas a serem praticadas pelo Município, incluindo,
ainda, programa de monitoramento; e, definir a participação do Poder Público na
responsabilidade compartilhada.

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1375
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O PAPEL DO MUNICÍPIO NA POLÍTICA NACIONAL DE


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RESÍDUOS SÓLIDOS
NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
MENTEBELLO
O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO
SUDESTE NOS ANOS DE 2011-2014

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E


SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO SUDESTE NOS
ANOS DE 2011-2014

NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI


Bacharel em Agroecologia pela UEPB e Mestra
em Agroecologia e Desenvolvimento Rural pela
UFSCar. E-mail: nataliathayna@yahoo.com.br

MARTA CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO


Doutora em Ciências (Economia Aplicada) pela
USP. Docente na UFScar Campus Araras/SP. E-
mail: marjotta@cca.ufscar.br
1376

ADRIANA ESTELA SANJUAN MONTEBELLO


Página

O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA


SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO SUDESTE NOS CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
ANOS DE 2011-2014 MENTEBELLO
NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
MENTEBELLO
O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO
SUDESTE NOS ANOS DE 2011-2014

Doutora em Ciências (Economia Aplicada) pela


USP. Docente na UFScar Campus Araras/SP. E-
mail: adrianaesm@cca.ufscar.br

RESUMO

O trabalho teve como objetivo analisar o panorama do PAA na região Sudeste


do país no período de 2011 a 2014. Para tanto, foi utilizado dados secundários
da Plataforma da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. Com a
análise, pôde-se identificar que, no período, a região recebeu o segundo maior
montante de recursos (R$) do país e realizou a segunda maior compra em
termos de volume de produtos (kg), com 35,06% do total repassado e 29,93%
do total, respectivamente, com destaque para o estado de Minas Gerais em 2011
e São Paulo em 2014. No entanto, o volume de produção na região Sudeste
entre 2012 e 2013 teve uma queda de 42,18%. Identificou-se ainda que houve
uma redução de 57,70% na participação dos agricultores. Conclui-se que se
deve avaliar a necessidade de revitalizações do programa a fim de não perder
os avanços já conquistados.

ABSTRACT

The study aimed to analyze the panorama of the program in the country's
southeastern region in the period 2011 to 2014. Therefore, we used secondary
data Platform Secretariat for Evaluation and Information Management (SAGI).
With analysis, it was possible to identify that, in that period, the region received
the second amount of resources (R $) the country held the second largest
purchase in volume of goods (kg), with 35.06% of the total passed and 29.93%
1377

of the total, respectively, with featured for the state of Minas Gerais in 2011 and
Sao Paulo in 2014. However, the volume of production in the Southeast in 2012-
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2013 fell by 42.18%. It identified himself although there was a reduction of

O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA


SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO SUDESTE NOS CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
ANOS DE 2011-2014 MENTEBELLO
NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
MENTEBELLO
O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO
SUDESTE NOS ANOS DE 2011-2014

57.70% in the share of farmers. It is concluded that should assess the need for
the revitalization program in order not to lose the progress already achieved.
1378
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O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA


SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO SUDESTE NOS CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
ANOS DE 2011-2014 MENTEBELLO
NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
MENTEBELLO
O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO
SUDESTE NOS ANOS DE 2011-2014

INTRODUÇÃO

O cenário brasileiro é permeado por várias políticas públicas direcionadas


ao meio rural, dentre estas políticas, encontra-se o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), que tem como finalidade principal comprar a produção da
agricultura familiar e realizar doações às famílias em níveis de insegurança
alimentar. Atualmente, o programa é considerado como inovador, uma vez que
envolve simultaneamente fatores sociais, econômicos e ambientais, e engloba
sociedade civil com o poder público.

O PAA teve início no ano de 2003 e consiste como um dos instrumentos


do Programa Fome Zero, criado também neste mesmo ano, com finalidade de
alterar situações agudas de miséria com políticas de transferência de renda, bem
como, com políticas estruturais, que incluem a reforma agrária, fortalecimento da
agricultura familiar e convivência com o semiárido (SUPLICY, 2003). Não
obstante, o PAA é reflexo de lutas socais iniciadas na década de 1960, tendo em
vista os impactos sofridos pelas políticas agrícolas que estavam voltadas para
fornecer crédito para a produção em larga escala e exportação de grãos,
causando exclusão da agricultura familiar, que por sua vez, só ganhou destaque
no cenário político na década de 1990.

Neste sentido, o PAA vem se consistindo em uma política pública capaz


de modificar o espaço rural, pois possibilita a fixação do homem no campo,
escoamento da produção e garantia de renda, como também, acesso ao
alimento em quantidade e qualidade suficiente para as famílias em níveis de
insegurança alimentar. No entanto, mesmo depois de sua consolidação no
âmbito de programas governamentais, o PAA entre os anos de 2011 a 2014
1379

sofreu embates, constituindo assim um período com enfretamentos para o


programa e para os seus atendidos.
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SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO SUDESTE NOS CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
ANOS DE 2011-2014 MENTEBELLO
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SUDESTE NOS ANOS DE 2011-2014

A região Sudeste, sobretudo, os estados de Minas Gerais e São Paulo


absorveram, neste período, 2011- 2014, significativos recursos comparando com
as demais regiões do país, ficando atrás apenas da região Nordeste. No entanto,
foi afetada com os novos normativos do PAA e com escassez de chuvas,
fazendo com que ocorressem reduções em diversos segmentos do programa na
região.

Assim, são significativos os esforços de produzir novos conhecimentos


que avaliem a condução do programa. É nesta perspectiva que este artigo é
apresentado, propondo compreender a atuação do PAA como um programa de
estratégia de política pública para o meio rural. Diante desse contexto, esta
pesquisa teve como objetivo analisar o panorama do PAA na região Sudeste do
país no período de 2011 a 2014, a fim de identificar sua evolução e seus
entraves, procurando fornecer subsídios para a discussão acerca da
continuidade do programa e suas possíveis alterações.

A AGRICULTURA FAMILIAR E SUAS POLÍTICAS PÚBLICAS

O conceito de agricultura familiar abriga diversas situações (ALTAFIN,


2007). Essa heterogeneidade das definições da categoria é comentada por
Lamarche (1998, p. 239) tratando que ela se apresenta com formas sociais
diferentes, devido aos contextos que se encontra,

“Em alguns lugares “é a ponta de lança” do


desenvolvimento da agricultura e de sua integração na
economia de mercado; em outros, permanece arcaica e
1380

fundada essencialmente sobre a economia de


subsistência; em alguns lugares, é mantida e reconhecida,
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como a única forma social de produção capaz de satisfazer

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as necessidades da sociedade como um todo; em outros,


é excluída do desenvolvimento, sendo desacreditada e a
custo tolerada, quando não chegou a ser totalmente
eliminada”.

Percebe-se que essa heterogeneidade ocorre de acordo com cada


trajetória do agricultor e está ligada a estratégias para promover sua reprodução
social, ainda, com conjuntura política, ambiental e econômica que está inserida.
Nessa lógica, existem agricultores com condições tecnológicas diferenciadas,
mercado variado, com estratégias próprias e com distintos níveis de
envolvimento com a sociedade local (MOTA; SCHMITZ; FREITAS, 2007).
No entanto, em sua totalidade, a agricultura familiar segue o modo de
produção multifuncional, uma vez que, além de desempenhar a função da
produção de alimentos, cumpre atividades como: agroindústria, artesanato e
turismo. E ainda, cria maneiras de desenvolvimento rural que sustenta relações
benéficas com o ecossistema, possibilita ocupações dignas e estáveis e
dinamiza a economia regional (OLIVEIRA et al., 2014). De acordo com Conterato
(2004) a agricultura familiar tem evidenciado ser uma forma de organização
social e econômica com a potencialidade de se reproduzir, e também fortalecer
um espaço mercantilizado, seja acessando crédito, ou designando canais de
comercialização.

Comparando com a agricultura patronal, é possível observar que a


atuação da agricultura familiar apresenta vantagens, como é discutido por vários
autores (MOTA; SCHMITZ; FREITAS, 2007; ALTAFIN, 2007; CAMPANHOLA;
VALARINI, 2001) retratando a elevada capacidade de diversificação dos
1381

sistemas de produção e da conservação da biodiversidade; manejo adequado


dos recursos naturais; maior produtividade em áreas menores; valorização
cultural e possibilidade de maior proximidade entre consumidores, como
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também, possibilidade de garantir a segurança alimentar, observada por duas


perspectivas, capacidade de ofertar alimentos e possibilitar o acesso aos
alimentos, e ainda, vantagens na produção de orgânicos devido a sua lógica de
redução de insumos e respeito ao agroecossistema.

Contudo, é importante salientar que em décadas passadas, a categoria


da agricultura familiar ficava em desvantagem da patronal, tendo em vista que
foi drasticamente afetada pelo processo de modernização da agricultura
brasileira vinculada à intervenção do Estado por meio de políticas agrícolas, fato
que ocasionou desequilíbrios ambientais, êxodo rural, acúmulo de renda e de
terra e exclusão de categorias sociais (BALSAN, 2006). De acordo com Delgado
(2009, p. 18) a finalidade fundamental da intervenção do Estado na agricultura
tem sido,

“(...) regular os mercados agrícolas, garantindo preços e


rendas para os agricultores e estimular a produção
doméstica, de modo que o abastecimento alimentar,
especialmente o urbano, não seja comprometido pela
escassez de produtos e por preços internos muito
elevados”.

Especificamente entre as décadas de 1960 a 1980 foi que esta


intervenção tomou força, tendo como foco ações voltadas a produção em larga
escala e exportação de grãos, fixadas a dois principais instrumentos, o Crédito
Rural e Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).

Todavia, o crédito rural foi impulsionado com a criação do Sistema


Nacional de Crédito Rural (SNCR), cujos objetivos do SNCR eram: a) financiar
1382

parcela do capital de giro à produção e comercialização de produtos agrícolas;


b) estimular a formação de capital; c) acelerar a adoção e tecnologia moderna e
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d) beneficiar especialmente pequenos e médios produtores (COELHO, 2001,


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p.21). No entanto o beneficiamento aos pequenos e médios não ocorreu, uma


vez que enfrentavam dificuldades ao acesso, já que não eram avaliados como
capazes de cumprir os acordos com o Banco (REDIN; FIALHO, 2010). Para Belik
e Paulillo (2009), com a constituição deste sistema a modernização da
agricultura se tornou compulsória unificando a prática rural à dinâmica da
indústria e pelo setor de serviços.

Já a PGPM, tinha a lógica de retirar o risco de preços na agricultura,


fixando um valor anual antes do plantio, para vigorar após a colheita.
Inicialmente, a sua atuação foi significativa, especialmente, no que se refere à
sustentação de preços de alimentos básicos da dieta alimentar; posteriormente,
ele serviu para difundir o crescimento de grãos no país.

Somente na década de 1990 foi que a agricultura familiar foi considerada


na agenda nacional e na academia, sendo avaliada como uma época de
transição, com o surgimento de instrumentos que apontaram uma nova tática de
desenvolvimento da agricultura (ROCHA; CERQUEIRA; COELHO, 2007). De
acordo com Conterato (2008) era indispensável debater qual era a função e o
espaço dos agricultores, para não correrem o risco de ficar de fora de temas que
lhe envolviam, sobretudo em torno da produção agropecuária.

Em 1996, foi criada a maior política de apoio à agricultura familiar, o


Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) que
tinha como finalidade inicial fornecer crédito, aliado a melhoria da qualidade de
vida; aprimoramento das tecnologias empregadas, mediante estímulos à
pesquisa; desenvolvimento e difusão de técnicas adequadas à agricultura
familiar e fomentar o aprimoramento profissional do agricultor familiar,
1383

proporcionando-lhe novos padrões tecnológicos e gerenciais (BRASIL, 1996).


Após a criação do PRONAF, diversos programas foram surgindo, como o
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Programa Garantia Safra, criado em 2002 a fim de propiciar o suporte financeiro


aos agricultores que tiveram a produção afetada por fatores climáticos.

Em 2003, buscando amparar a questão agrícola no país e a segurança


alimentar, foi criado o Programa Fome Zero, e a partir deste programa surgiu o
PAA, objetivando comprar a produção da agricultura familiar e realizar doações
de gênero alimentícios, garantindo renda aos ofertantes e acesso ao alimento as
pessoas em níveis de insegurança alimentar.

Três anos depois, em 2006, foi criado o Programa de Garantia de Preços


para Agricultura Familiar (PGPAF) que objetivava assegurar um desconto no
pagamento proporcional à diferença entre o preço de mercado no mês de
vencimento e o preço de garantia estabelecido.

Em 2009, com o intuito de unir a alimentação escolar à produção da


agricultura familiar, foi criada a Lei 11.947, que determinou por meio do
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que no mínimo 30% do total
dos recursos financeiros repassados pelo Governo Federal aos estados e
municípios deveriam ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios
diretamente da agricultura familiar (BRASIL, 2009).

Neste contexto, é preciso reconhecer o esforço do Estado em promover a


agricultura familiar por meio de políticas públicas específicas que atendessem
questões econômicas e produtivas da categoria e consequentemente os
fortalecendo.

O PAA: DESCRIÇÃO E FUNCIONAMENTO


1384

O PAA foi sancionado pela Lei de n° 10.696 de 02 de julho de 2003 e é


uma das ações específicas do Programa Fome Zero. O PAA foi executado com
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a finalidade de incentivar a agricultura familiar, promovendo a sua inclusão


econômica e social, a geração de renda, o acesso à alimentação as pessoas em
situação de insegurança alimentar e nutricional e de fortalecer circuitos locais,
regionais e redes de comercialização (BRASIL, 2012).

Para participar do programa os fornecedores devem estar enquadrados


no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que caracteriza a agricultura
familiar e atende simultaneamente aos requisitos previstos para participar do
Programa: não possuir área maior do que quatro módulos fiscais; ter mão-de-
obra predominantemente familiar; percentual mínimo da renda familiar originada
de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma
definida pelo Poder Executivo e dirigir seu estabelecimento ou empreendimento
com a família (BRASIL, 2006).

Os agricultores podem fornecer diretamente ou por meio de suas


associações ou cooperativas, sem a necessidade de licitação (CONAB,
2013). Para participar do programa é necessário que os fornecedores possuam a
Declaração de Aptidão (DAP) junto ao PRONAF e devem estar enquadrados nos
grupos “A”, “B”, “A/C” e “V” (BRASIL, 2014).

No que concerne ao disposto na Lei do PAA, esta que por sua vez foi
atualizada pela Lei nº 12.512 em 2011, regulamentada em 2012, pelo Decreto
nº 7.775, além dos fornecedores, os atendidos também são: os consumidores,
que são os indivíduos em situação de insegurança alimentar e nutricional e os
que são atendidos pela rede socioassistencial e pelos equipamentos de
segurança alimentar e nutricional, como os restaurantes populares, cozinhas
comunitárias, rede pública e filantrópica de ensino e pelas demais ações de
1385

alimentação e nutrição financiadas pelo Poder Público; e as unidades


recebedoras, aqueles responsáveis por receber os alimentos adquiridos pelo
Página

PAA e pela distribuição aos consumidores (BRASIL, 2012).

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De 2014 até os dias de hoje, o programa se divide em seis modalidades


e respectivos limites de valores por produtor familiar, assim, o fornecedor poderá
participar de mais de uma modalidade e os limites serão independentes entre si,
sendo i) Compra com Doação Simultânea: compra de alimentos diversos e
doação simultânea às entidades da rede socioassistencial e à rede pública e
filantrópica de ensino, esta modalidade apresenta limite de R$ 6.500,00 por ano;
ii) Compra Direta: compra de produtos definidos pelo Grupo Gestor do PAA, com
o objetivo de sustentar preços, limite da aquisição por agricultor R$ 8.000,00 por
ano; iii) Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite: compra de leite que, após
beneficiamento, é doado aos beneficiários consumidores, R$ 4.000,00 por
semestre; iv) Apoio à Formação de Estoques: constituição de estoques de
alimentos por organizações fornecedoras, para posterior comercialização e
devolução de recursos ao Poder Público, limite de R$ 8.000,00 por ano; v)
Compra Institucional: compra da agricultura familiar realizada por meio de
chamada pública para atendimento de demandas de consumo de alimentos, de
sementes e de outros materiais propagativos, por parte de órgão comprador R$
20.000,00 por ano; vi) Aquisição de Sementes: compra de sementes, mudas e
materiais propagativos para alimentação humana ou animal de beneficiários
fornecedores para doação a beneficiários consumidores ou fornecedores, o
limite por agricultor é de R$ 16.000,00 por ano (BRASIL, 2014).

Em todas as modalidades os participantes devem possuir produção


própria, sendo critério primordial na participação e, apresentar produtos de
qualidade que atendam nas normas sanitárias e de higiene, como, os produtos
de origem animal deverão atender as normas de fiscalização do Serviço de
Inspeção Federal, Estadual ou Municipal e Produtos de origem vegetal e demais:
1386

os produtos deverão atender as normas de identidade e qualidade do MAPA e


da Vigilância Sanitária, no que couber.
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Além dos fornecedores, os atendidos também são: os consumidores, que


são os indivíduos em situação de insegurança alimentar e nutricional; a rede
socioassistencial, pelos equipamentos de segurança alimentar e nutricional,
como os restaurantes populares, cozinhas comunitárias, rede pública e
filantrópica de ensino e pelas demais ações de alimentação e nutrição
financiadas pelo Poder Público; e as unidades recebedoras, aqueles
responsáveis por receber os alimentos adquiridos pelo PAA e pela distribuição
aos consumidores (BRASIL, 2012a). No caso da modalidade PAA Leite, o
atendimento é feito a famílias cadastradas no CadÚnico, e, assim, que tenham
o Número de Identificação Social (NIS). As famílias beneficiárias por meio do
PAA Leite poderão receber até 07 litros de leite por semana, se ocorrer de
possuir além de um membro cadastrado, poderá receber até 14 litros de leite por
semana.

A gestão e os recursos orçamentários destinados ao PAA são do


Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, a execução é realizada pela
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), estado ou município,
dependendo da modalidade, fornecendo os subsídios e o suporte técnico para
operacionalização das decisões dos gestores e pelos órgãos ou entidades da
administração pública estadual ou municipal.

O PAA é coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e


Nutricional (SESAN) do MDS. O controle e participação social no programa
acontecem por meio dos conselhos de segurança alimentar e nutricionais nas
esferas nacional, estadual e municipal, competindo a eles a elevação de uma
maior participação dos beneficiários.
1387
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METODOLOGIA

Para atingir o objetivo geral deste trabalho utilizou-se de uma abordagem


descritiva quantitativa. Este método foi optado a fim de garantir a precisão dos
resultados e impedir avaliações errôneas, possibilitando segurança quanto às
informações passadas. Está fundamentada em dados secundários referentes ao
PAA disponíveis na plataforma PAA DATA da Secretaria de Informação e Gestão
(SAGI).

O PAA DATA foi desenvolvido com a finalidade de disponibilizar dados


sobre o Programa considerando todos os seus executores: CONAB, estados e
municípios. A sua criação atendeu a Resolução nº 42 do Grupo Gestor do PAA,
a qual determinou a elaboração de um Sistema Integrado de Informações - SII,
com o objetivo de oferecer suporte ao monitoramento, à gestão e ao
planejamento do Programa (SAGI, 2015).

Diante disso, esta plataforma foi escolhida por fornecer uma gama de
dados de diversas variáveis que circundam o programa estudado por todos os
seus executores. Notadamente, até o momento da tabulação de dados, abril a
maio de 2015, o PAA DATA disponibilizou informação de um período de quatro
anos do programa, 2011 a 2014, fato que explica o recorte temporal deste
estudo. Ainda que não seja um período longo, considerou-se importante este
recorte visto que foi uma época onde correu a atualização de Governo no Brasil,
assim possibilitou um panorama e análise clara da condução do PAA por regiões
e estados, após o novo mandato do governante do país.

As informações obtidas na plataforma PAA DATA foram sobre o volume


total de recursos (R$) disponibilizados pelo governo federal por executores -
1388

CONAB, estados e municípios; número, grupo PRONAF e categoria dos


agricultores fornecedores, quantidade de municípios, número de organizações,
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número e tipos de entidades beneficiadas, grupos de produtos e o volume da


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SUDESTE NOS ANOS DE 2011-2014

aquisição (Kg). Estes dados foram tabulados em planilhas, as informações foram


cruzadas para obter a soma total dos anos de 2011 a 2014, e a partir disto os
dados foram analisados por meio de tabelas e interpretados em gráficos gerados
pelo Microsoft Excel 2010®.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Com os dados obtidos na plataforma PAA DATA, no recorte temporal aqui


estudado, 2011 a 2014, observou-se que a região Sudeste recebeu 35,06% do
montante de recursos, em termos nominais do total repassado pelo Governo
Federal, que resultaram na compra 29,93% do volume da produção da
agricultura familiar pelo PAA, ficando atrás apenas da região Nordeste. Em 2011,
apenas o estado de Minas Gerais denotou de 51,93% do total de recursos
repassados, em termos nominais, para a região e de 56,66% do volume da
produção, já em 2014, o estado de São Paulo liderou com 66,07% dos recursos,
em termos nominais, e 51,24% do volume do montante da região.

Contudo, salienta-se que a condução do PAA na região Sudeste variou


conforme cada estado, com reduções e aumentos nos recursos e volumes das
aquisições. Nos estados de São Paulo e Espírito Santos o PAA apresentou
evolução significativa em ambos os segmentos, considerando o período de 2011
a 2014, com aumento de 43,60% nos recursos em termos nominais e 17,55% no
volume das aquisições de produtos no estado de São Paulo e com aumento de
28,06% nos recursos em termos nominais e 17,39% no volume dos produtos no
estado do Espírito Santo. Ressalta-se que o aumento nas variações nos volumes
das aquisições em ambos estados explica o aumento nos recursos, uma vez
1389

que, o PAA segue a lógica de que quando eleva- se o a oferta, mais se investe.
Essas variações podem estar relacionadas ao aumento no número de
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participantes no PAA em cada estado ou ainda, os produtos que foram


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comercializados podem ter se apresentado com valores mais altos que no ano
de 2011. Não obstante, essa evolução não seguiu da mesma forma nos estados
do Rio de Janeiro e Minas Gerais, em que sofreram com reduções de 53,82%
nos recursos em termos nominais e 74,00% no volume da produção e 37,55%
de recurso em termos nominais e 43,20% no volume da produção,
respectivamente. As quedas podem ser provenientes da evasão na participação
dos agricultores em ambos estados, ou escassez de chuvas. Tais valores abrem
possíveis hipóteses para explicar o fato, como: falta de produção para escoar,
insatisfação com o programa, por outro lado, melhor acesso a outros mercados.
Na figura 1 é possível observar os recursos e volumes da produção adquiridos
nos estados do Sudeste.

Figura 1 – Recursos financeiros (R$) aplicados no PAA e volume da


produção adquirido (Kg) nos estados da região Sudeste do Brasil nos anos
de 2011 a 2014
1390
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R$ 120.000.000,00 90.000.000,00

R$ 100.000.000,00 75.000.000,00

R$ 80.000.000,00 60.000.000,00

R$ 60.000.000,00 45.000.000,00

R$ 40.000.000,00 30.000.000,00

R$ 20.000.000,00 15.000.000,00

R$ 0,00 0,00
2011
2012
2013
2014
2011
2012
2013
2014
2011
2012
2013
2014
2011
2012
2013
2014
Espírito Santo Minas Gerais São Paulo Rio de Janeiro

Recursos (R$) Produtos (kg)

Fonte: SAGI (2015).

Analisando a Figura 1, é possível observar que a descontinuidade em


termos de recursos e volumes ocorreu a partir de 2013 em todos os estados da
região. No entanto, essas reduções do PAA estiveram presentes em demais
regiões do país. Segundo o IPEA (2015) a baixa execução do PAA em 2013
pode ser proveniente do processo de redefinição de estratégias de atuação do
MDS no programa, como a substituição do modelo de convênio pelo modelo
centrado nos termos de adesão, feitos entre o ministério e administrações
estaduais e municipais, como consequência, retirando o protagonismo das
cooperativas e associações.

Quanto aos produtos fornecidos pelos agricultores para o PAA na região


Sudeste durante 2011 a 2014, é possível observar na Figura 2, que o maior
destaque foi do grupo leite e derivados com 162.690.322,51 kg, seguido das
1391

hortaliças com 151.244.781,91 kg e frutas com 81.755.090,40 kg. O grupo leite


e derivados, 100% foi da produção do estado de Minas Gerais, isto se deve ao
Página

fato de ser o único estado do Sudeste em que a modalidade PAA Leite é


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operacionalizada. O estado de São Paulo apresentou destaque no fornecimento


das hortaliças e frutas, com 51,82% e 61,40% da produção total da região,
respectivamente. Constatou-se ainda que houve uma queda de 20.071.090,80
kg na produção das hortaliças em toda região e de 15.973.440,00 kg de leite de
derivados no anos de 2012 a 2013. Essa queda pode estar relacionada à seca,
uma vez que a prática da horticultura exige irrigação constante, bem como a
morte de muitos animais por falta de alimento e água, fazendo que diminua a
produção leiteira.

Figura 2 – Volume (kg) dos grupos de produtos que foram fornecidos pelos
agricultores para o PAA na região Sudeste nos anos de 2011 a 2014

50.000.000,00

40.000.000,00

30.000.000,00

20.000.000,00

10.000.000,00

0,00

2011 2012 2013 2014

Fonte: SAGI (2016).


1392

No que se refere à condução do PAA por meio de modalidades, exposto


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na Figura 3, a que mais apresentou destaque foi Doação Simultânea com R$


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471.787.714,84 nos anos de 2011 a 2014, deste valor 40,75% foram


provenientes do estado de São Paulo. De acordo com Viana e Viegas (2009, p.
150), a CDS é a que mais tem obtido recursos do programa pelo fato de “esta
modalidade permitir aquisição ao longo de todo o ano e contemplar maior
diversidade de produtos [...] a participação do agricultor pode ocorrer com a
movimentação dos produtos que ele já dispõe”. A segunda modalidade que
denotou de maiores recursos foi o PAA Leite com R$ 89.829.537,43 sendo 100%
do estado de Minas Gerais. Nota-se ainda que as modalidades seguiram a lógica
da queda dos recursos citado anteriormente, especialmente no ano de 2013.
Analisando as demais modalidades, a Compra Direta têm tido poucas aplicações
de recursos por ser um mecanismo empregado somente quando há mercado
para escoar determinados produtos estratégicos para a alimentação da
população, quando os preços estão muito baixos. Têm ocorrido poucas
aplicações de seu recursos na modalidade Formação de Estoque, buscando
incorporar esta estratégia a outras ações governamentais como a proposta de
assistência técnica para as cooperativas, em busca de elencar a gestão das
organizações de produtores (SAMBUICHI et al., 2014).
1393
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Figura 3 – Recursos aplicados em compras do PAA na região Sudeste, por


modalidade nos anos de 2011 a 2014.

160.000.000,00

140.000.000,00

120.000.000,00
100.000.000,00
80.000.000,00
60.000.000,00

40.000.000,00

20.000.000,00
0,00
Doação Simultânea Formação de Compra Direta PAA LEITE
Estoque

2011 2012 2013 2014

Fonte: SAGI (2015).

Quanto à participação dos estados no PAA, identificou-se que de 2011 a


2014, houve um aumento de 3,85% no número de municípios engajados no PAA,
o que significa 19 novos municípios. Na Tabela 1 observa-se que, no estado de
Minas Gerais, 6 municípios deixaram de participar do programa, já no estado de
São Paulo, 25 novos municípios aderiram ao PAA, isto pode explicar as
evoluções e reduções nos recursos e volume da produção citado anteriormente,
tendo em vista que, a participação ou a saída de um município no PAA, reflete
em todas as categorias que o procurava envolve.

Notadamente, verificou-se que nos 4 estados na região Sudeste, de 2011


1394

a 2014, a participação foi maior no Espírito Santo, aproximadamente 38% dos


municípios do estado participaram do PAA, seguido do estado de Minas Gerais
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com 28% de participação. O estado do Rio de Janeiro foi o que apresentou uma
menor porcentagem de participação no PAA, com aproximadamente 18%.

Tabela 1 – Número de municípios participante no PAA por estado da região


Sudeste, nos anos de 2011 a 2014.

Estados 2011 2012 2013 2014

Espírito Santo 32 36 20 33
Minas Gerais 261 255 183 255
São Paulo 166 188 141 191
Rio de Janeiro 15 27 11 14

Total por ano 474 506 355 493

Fonte: SAGI (2015).

Com relação ao número de fornecedores na região Sudeste, houve uma


queda de 19,54% no número de participantes, o que significa 7.195
fornecedores. O ano de 2012 se apresentou com o maior número de
participação, somando 40.489 fornecedores, já o ano de 2013 foi marcado pelo
menor índice, com apenas 19.489 fornecedores. Na Figura 4 é possível observar
que de 2011 a 2014 houve uma redução acentuada na participação dos
fornecedores no estado de Minas Gerais, sendo queda de 43,12%, bem como,
apenas o estado de São Paulo teve um aumento na participação, com 10,09%
no número de fornecedores.

De acordo com Valadares e Souza (2015, p. 13) a queda nos número de


fornecedores, ocorrida em 2013 “podem estar atribuídas à longa seca que
assolou o semiárido no último biênio e parte pode ter ainda como explicação as
1395

adaptações normativas e administrativas implantadas. O IPEA (2015) comenta


que especialmente nas modalidades operadas pela CONAB, observou-se que
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houve diminuição em todas as regiões do país, em termos de número de


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produtores participantes entre os anos de 2012 e 2013. No Sul, a queda foi de


82% no total de agricultores, já no Nordeste, a queda foi de 63%; no Sudeste, de
60%, e em regiões em que o PAA não detém um grande número de
participantes, como o Norte e o Centro-Oeste, as reduções foram 47% e 52% de
participantes, respectivamente.

Figura 4 – Número de fornecedores participante no PAA por estado da


região Sudeste, nos anos de 2011 a 2014.

442
Rio de Janeiro 589
991
1.300
15.991
São Paulo 9.866
17.516
14.377
10.353
Minas Gerais 8.132
19.348
18.203
2.439
Espírito Santo 882
2.634
2.540

2014 2013 2012 2011

Fonte: SAGI (2015).

No que concerne aos valores recebidos por fornecedor por meio do PAA
na região Sudeste, na Figura 5 nota-se que os agricultores dos estados de Minas
Gerais e do Rio de Janeiro se apresentaram como os fornecedores que menos
receberam recursos do programa, somando o primeiro estado com R$ 18.791,22
1396

e o segundo com um montante de R$ 20.030,54 por agricultor nos quatros anos.


Este baixo valor do estado Minas Gerais, ainda que o estado tenha se destacado
nos segmentos aqui apresentados, está associado à quantidade de
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fornecedores envolvidos ligada à estrutura fundiária dos estabelecimentos, ou


seja, caracterizada por pequenas propriedades rurais, onde há muitos
agricultores envolvidos, porém ofertando poucos alimentos.

Percebe-se ainda que os agricultores mais capitalizados pelo PAA


estiveram no estado de São Paulo recebendo R$ 21.025,43, seguido do estado
do Espírito Santo, com R$ 20.502,47, por agricultor em quatro anos. O fato de
estes estados denotarem de agricultores com maiores valores pode estar
relacionado à alta capacidade produtiva, melhores condições climáticas e
organizações fortalecidas. Contudo, observa-se que o ano de 2014, embora com
as reduções de recursos ocorridas em 2013, se apresentou o ano que os
agricultores de forma individual receberam mais recursos. É preciso evidenciar
que esses valores são recebidos por ano, e que o PAA é a principal fonte de
renda de muitos agricultores espalhados pelo Brasil, como retratado pelos
autores (PLEIN; FILIPPI, 2012; SILVA SEGUNDO, 2014).

Figura 5 – Valor médio anual (R$) por fornecedor do PAA nos estados da
região Sudeste nos anos de 2011 a 2014

R$ 7.000,00

R$ 6.500,00

R$ 6.000,00
Valor médio

R$ 5.500,00

R$ 5.000,00

R$ 4.500,00

R$ 4.000,00
Espírito Santo Minas Gerais São Paulo Rio de Janeiro
2011 R$ 4.202,48 R$ 4.506,16 R$ 4.137,50 R$ 4.434,12
2012 R$ 4.345,30 R$ 4.516,21 R$ 4.485,31 R$ 4.452,17
1397

2013 R$ 5.870,30 R$ 4.799,85 R$ 5.805,98 R$ 4.991,48


2014 R$ 6.084,39 R$ 4.969,00 R$ 6.596,64 R$ 6.152,77
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Fonte: SAGI (2016).

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Com relação aos atendidos do PAA por meio de instituições


socioassistencias, na Tabela 2 é possível observar os números de instituições
engajadas no PAA em 2011 a 2014 por estado da região Sudeste, nota-se que
houve uma queda de 51,81% da quantidade de entidade beneficiadas, entre
2011 e 2014. O ano de 2013 apresentou o menor número de instituições
atendidas, de 2011 a 2014 os estados de São Paulo e Rio de Janeiro foram os
que sofreram reduções, com diminuições de 1.279 e 103 instituições,
respectivamente. Percebe-se então que a participação das instituições no estado
de São Paulo não se encontra em consonância com o aumento nos recursos de
no volume das aquisições.

Estas entidades, por sua vez, desenvolveram trabalhos assistenciais em


diversas áreas, como: abrigos, albergues, casa de passagem, amparo de
criança, amparo de deficientes, amparo de idosos, associações beneficentes,
comunitárias, cozinhas comunitária, restaurante popular, creche, pré-escola,
escolas, entidade de amparo a mulheres, mães, necessidades especiais,
entidades religiosa e hospitais. As que desempenharam funções de caráter
educacional, tais como creche, pré-escola e escola, lideraram em quantidade de
entidades no recorte aqui estudado.

Tabela 2 – Número de instituições por estado da região Sudeste nos anos


de 2011 a 2014

Estados 2011 2012 2013 2014

Espírito Santo 212 226 90 222


Minas Gerais 1.299 1.567 370 1.567
1398

São Paulo 1.447 1.444 348 168


Rio de Janeiro 119 126 54 16
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Total por ano 3.077 3.363 862 1.973

Fonte: SAGI (2016).

Observa-se que, de modo geral, o programa apresentou destaque em


alguns estados, contudo, evidencia-se que as reduções, aqui apontadas, afetam
a legitimidade dos avanços já alcançados pelo programa. Segundo Grisa e Porto
(2015) ainda que o PAA não tenha atingido os objetivos proposto na
implementação, ele é um programa importante, e que carece de aprimoramento,
sendo assim, mais um desafio para a política de comercialização no Brasil, volta
à agricultura familiar.

CONCLUSÕES

É inegável a importância da criação e atuação de políticas públicas para


a agricultura familiar. Nesse sentido, o PAA contribuiu no apoio da categoria
amparando-os no que se refere à garantia de comercialização e geração de
renda, como também as famílias que vivem em níveis de insegurança alimentar.

Na região Sudeste o PAA apresentou destaque quando comparado a


demais regiões do país, os seus estados demonstraram uma condução
satisfatória nos anos apenas nos anos 2011 e 2012, sobretudo no que se refere
a recursos e volume da produção, com maiores montantes e volumes. O estado
de São Paulo foi o que mais se destacou, em que apresentou uma evolução
significativa em diversos segmentos, não acompanhando as reduções ocorridas
nos demais estados da região, proveniente da seca e novas normativas do
1399

programa. Este comportamento do estado pode ser um ponto positivo


relacionado à atuação de organizações e órgãos específicos estaduais na
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promoção do PAA, como também, agricultores com maiores fontes hídricas e


alta capacidade produtiva.

Embora seja imprescindível sua existência, já que promove alterações no


espaço rural, bem como o fortalecimento da agricultura familiar, foi possível
constatar reduções em segmentos do programa e comportamentos distintos
variando com o estados. Observou-que, nos anos de 2011 a 2014, que tanto os
recursos, como os volumes da produção e participação sofreram quedas. Esse
cenário ocorreu em razão da escassez de chuvas, bem como novos normativos
implantados no programa. Pauta-se que, para que se justifique a atuação do
governo, é necessário reestruturar e efetivar o programa, haja vista que estas
limitações em um programa que engloba duas políticas públicas - agrícola e
segurança alimentar - afeta diretamente as condições econômicas e sociais de
todos os envolvidos.

Contudo, é fundamental a realização de novos estudos que captem o


impacto desta política pública para os agricultores fornecedores, organizações e
instituições, como forma de aprofundar a avaliação deste programa não somente
na região Sudeste, como em outras do Brasil. Observa-se ainda que, este
trabalho abre caminhos para novos estudos no qual contemple um debate acerca
da operacionalização do PAA, frente às demandas, limites e potencialidades.
Indica- se ainda avaliações para períodos e regiões diferentes dos que aqui
foram apontados.

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1400

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O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA


SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO SUDESTE NOS CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
ANOS DE 2011-2014 MENTEBELLO
NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
MENTEBELLO
O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO
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1406
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O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) E NATÁLIA THAYNÃ FARIAS CAVALCANTI, MARTA


SUA EVOLUÇÃO: ANÁLISE DA REGIÃO SUDESTE NOS CRISTINA MARJOTTA-MAISTRO E ADRIANA SANJUAN
ANOS DE 2011-2014 MENTEBELLO
ADRIANO MELO
OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES
RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA


RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES
RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA
ESCASSEZ DE ÁGUA

ADRIANO MELO
1407

Bacharel em direito pela Faculdade Municipal de


Franca, mestrando em Planejamento e Análise de
Políticas Públicas pela UNESP Franca. E-mail:
Página

adriano@meloadvocacia.com.br
OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA
RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À ADRIANO MELO
GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA
ADRIANO MELO
OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES
RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

RESUMO

O estudo visa analisar a descentralização político-administrativa e a participação


nas políticas públicas de recursos hídricos e pesquisar sobre a responsabilidade
dos comitês de bacias hidrográficas nas questões relacionadas à gestão para o
combate da escassez da água, levando em consideração a legislação e demais
normas e documentos elaborados e vigentes da implantação da política de
recursos hídricos no estado de São Paulo pela Lei 7.663/91 até o final do
primeiro semestre de 2015. Será realizada pesquisa bibliográfica e documental
e os dados serão tratados através da análise qualitativa de conteúdo. Afinal, em
um cenário de escassez, como são exercidas a descentralização e a participação
social previstas nas políticas públicas de recursos hídricos? O levantamento
deste status quo tem por fim criar oportunidades para uma análise crítica
daqueles que estão envolvidos no gerenciamento de recursos hídricos e para
que a sociedade possa despertar-se para tema de tamanha relevância.

ABSTRACT

This study aims to analyze the political-administrative decentralization and the


participation in water resources public policies and research on the liability of the
river basin committees in issues related to the management to combat water
scarcity, taking into consideration the elaborated and current legislation and other
rules and documents in the deployment of the water resources policy in the State
of São Paulo by the Law 7.663/91 until the end of the first semester of 2015.
There will be performed a bibliographic and document research and the data will
1408

be treated through a qualitative analysis of content. After all, in a scenario of


scarcity, how the decentralization and social participation laid down in water
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resources public policies are conducted? The survey of this status quo aims to
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RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À ADRIANO MELO
GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA
ADRIANO MELO
OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES
RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

create opportunities for a critical analysis of those who are involved in the
management of the water resources and in order to awakening the society for a
theme of such relevance.
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RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À ADRIANO MELO
GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA
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OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES
RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA RESPONSABILIDADE


NAS QUESTÕES RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA
ESCASSEZ DE ÁGUA

A água, considerada como recurso, foi uma das responsáveis pela criação
da arena regulatória ambiental no Brasil em face da necessidade de
deslocamento de diversificadas ações coletivas e da criação de ferramentas
técnicas relacionadas com o desenvolvimento científico, instrumentos que
buscaram definir as regras necessárias ao seu uso e acesso pelos diversos
interessados (RAFFESTIN, 2011; RAVENA, 2012; SANTOS, 2013).

Não se permite olvidar, entretanto, que está regulação foi e é


extremamente complexa, seja considerando-se os aspectos físicos, em
decorrência de sua interdependência, quanto considerando-se os aspectos
relacionados ao dinamismo dos atores que necessitam de suas possibilidades,
marcados pelas suas diferenças estruturais e estratégicas, característica, entre
outras, que distingue sua regulação da regulação dos demais recursos que se
fixam nas questões de prestação e utilização dos serviços (RAVENA, 2012). É
importante notar que:

existe uma série de práticas, políticas e regras


relacionadas à água que vem sendo praticadas por
diferentes forças políticas: pelo direito internacional das
águas compartilhadas (marcado pelas responsabilidades e
direitos de Estados soberanos); ajustes estruturais
neoliberais (que incluem privatização, mercantilização e
”comoditização”); rede de especialistas em recursos
hídricos (propagadores da gestão integrada dos recursos
1410

hídricos); ativismo transnacional dos direitos das


comunidades locais (que lutam também pelos direitos
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RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À ADRIANO MELO
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RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

humanos, pela democracia de base e a preservação da


cultura e ecossistemas locais)” (SANT´ANNA, 2013, p. 48).

Da mesma forma, é necessário ter em pauta a convicção de que qualquer


“[...] relação com a matéria é uma relação de poder que se inscreve no campo
político por intermédio do modo de produção [...]” (RAFFESTIN, 2011, p. 202).

No Brasil, para tratar de recursos hídricos, existem as Políticas Nacional


e Estaduais de Recursos Hídricos, uma vez que nossa CF dispõe em seu artigo
20, inciso III, e em seu artigo 26, inciso I, que são bens da União “[...] os lagos,
rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem
mais de um Estado, sirvam de limite com outros países, ou se estendam a
territórios estrangeiros [...]” (BRASIL, 2005, p. 24) e bens do Estado “[...] as
águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósitos,
ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União [...]”
(BRASIL, 2005, p. 34). Entretanto, percebe-se a distinção que se faz sobre água
e recursos hídricos, vez que:

não é de ser confundida a gestão das águas com a


competência para legislar sobre as águas. A
descentralização recomendada e instaurada pela Lei
9.433/1997 foi no domínio da gestão, pois a competência
para legislar sobre as águas é matéria concernente à
Constituição Federal e continua centralizada nas mãos da
União, conforme o art. 22, IV. Lei complementar poderá
autorizar os Estados a legislar sobre águas (art. 22,
parágrafo único, da CF), sendo que até agora não existe
tal lei [...]. Baseando-se no que consta nos Arts. 41 a 44 da
1411

Lei 9.433/1997, antes mesmo do advento da Lei de


Agências de Águas, os Estados têm competência para
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legislar sobre a gestão das águas (não sobre as águas,


como já foi exposto) (MACHADO, 2014, p. 516 e p. 585).

Portanto, para legislar sobre água, somente a União. Mas quando se trata
da gestão dos recursos hídricos, a competência para legislar é definida segundo
a localização do rio, assim como suas características geográficas (se suas águas
estão compreendidas apenas em um único estado da federação ou se banha
múltiplos estados ou outros países) e pela característica das águas encontrarem-
se na superfície ou serem subterrâneas.

Em 1991 o Estado de São Paulo foi pioneiro na implementação de sua


Política Estadual de Recursos Hídricos (PERH), através da Lei Estadual
7.663/91 (SÃO PAULO, 2011), precedendo, inclusive, à iniciativa federal, que,
pela Lei 9.433/97 (BRASIL, 2011), veio a implementar a Política Nacional de
Recursos Hídricos (PNRH) em 1997 (SANT´ANNA, 2013).

Nas duas políticas públicas estudadas, tanto na Nacional quanto na do


Estado de São Paulo, ficou explícita a intenção do legislador no sentido de que
a gestão dos recursos hídricos fosse norteada pelos princípios da
descentralização e da participação social, através de representantes dos
poderes públicos, usuários e sociedade civil, como se vê do artigo 3º, incisos I e
II, da Lei Estadual (SÃO PAULO, 2011) e do artigo 1º, inciso VI, da Lei Federal
(BRASIL, 2011). Estes princípios também foram consagrados na CE em seu
artigo 205, inciso VI (SÃO PAULO, 2011).

Adotou-se a ideia da divisão do gerenciamento dos recursos hídricos com


base nas bacias hidrográficas, conforme artigo 3º, II, da Lei Estadual 7.663/91
(SÃO PAULO, 2011) e artigo 1º, V, da Lei 9.443/97 (BRASIL, 2011),
1412

estabelecendo-se, ainda, que o CNRH, o CRH, os CBH e os órgãos dos poderes


públicos cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos,
Página

entre outros, fossem integrantes do SINGRH, conforme previsto no artigo 33, da

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Lei Federal citada acima (BRASIL, 2011) e do SIGRH, pelo exposto no Capítulo
I, do Título II, da Lei 7.663/91, do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2011).

De fato, as políticas públicas de recursos hídricos preveem a existência


do SINGRH e do SIGRH e determinam que são as bases destes sistemas, ou
seja, os CBH, que devem cuidar da gestão e da administração dos recursos
hídricos, através da transferência dos poderes da União e do Estado, seja pela
implantação da cobrança dos usos da água como instrumento de gestão, seja
pela aplicação dos recursos financeiros decorrentes desta cobrança, inclusive
(MACHADO, 2014).

A adoção do princípio da participação nas políticas públicas relacionadas


a recursos hídricos não é novidade e nem exclusividade brasileira (LEAL, 2000),
uma vez que, podemos citar, por exemplo, a Diretiva Europeia sobre a Água,
que a destaca como instrumento fundamental, estabelecendo em seu
“Considerando 14” que:

o êxito da presente diretiva depende da estreita


cooperação e de uma ação coerente a nível comunitário, a
nível de Estados-Membros e a nível local, bem como da
informação, consulta e participação do público,
inclusivamente dos usuários (CIBIM; JACOBI, 2013, p. 17).

Esta tendência replica o que nos mostra a literatura mais atualizada sobre
o tema, que enfatiza o empowerment (descentralização através da transferência
de poderes para governos locais), os multi-stakeholders (participação social pelo
envolvimento de atores que representam diversos setores da sociedade, entre
eles o governo, a sociedade civil organizada e os usuários), os mecanismos de
1413

resolução de conflitos e a gestão por bacia hidrográfica, entre outros (CIBIM;


JACOBI, 2013).
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Em verdade, uma gestão pública democrática exige uma dimensão


econômico-financeira, uma dimensão institucional-administrativa e uma
dimensão sociopolítica, esta compreendida pelos problemas decorrentes do
relacionamento entre o estado e a sociedade, com destaque para a participação
desta última, e no Brasil já existe um maior controle social em relação às ações
públicas decorrentes de um projeto político que busca a ampliação da
participação social para definir sua agenda política (PAULA, 2005).

A coletivização dos problemas surge da impossibilidade de excluir os


participantes que estejam comprometidos com as externalidades e adversidades
existentes, ou seja, não é a conformação pelo bem público que gera a ação
coletiva. E esta participação decorrente da integração do campo movimentalista,
tanto nos governos dos municípios, quanto nos governos dos Estados, vem
ampliando, através dos conselhos de gestão tripartite, das comissões de
planejamento e de outras diversas formas de participação da sociedade como
um todo de maneira a garantir um embate de posicionamentos e forças distintas
(LEAL, 2000; PAULA, 2005; RAVENA, 2012). Tal cenário cada vez mais
confirma-se:

a reforma do sistema significa, ao mesmo tempo, a


introdução de métodos voltados para a produção
qualitativa de serviços públicos com a prioridade dada aos
clientes e cidadãos como razões últimas do setor público,
o que quer dizer não só que eles devem ser bem atendidos,
mas que devem ser também chamados a participar do
governo, definindo os destinos de suas comunidades. A
maioria dos exemplos do livro de Osborne e Gaebler
1414

mostra que a melhor resposta para tornar melhor um


serviço público é chamar a comunidade a participar de sua
Página

gestão, seja fiscalizando, seja trabalhando voluntariamente


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na prestação de serviços — constituindo-se numa resposta


adequada tanto para a questão da eficiência como para o
problema da transparência. Portanto, a modernização do
setor público deve caminhar pari passu com o aumento da
accountability (ABRUCIO, 1997, p. 31 e 32).

É no momento da elaboração das políticas públicas que deveria


prevalecer o aprendizado social e a transparência, confirmando assim o conceito
de esfera pública, modelo que somente poderá ser alcançado dependendo da
organização interna da administração. O planejamento estratégico deveria
definir os objetivos políticos da gestão pública através de um processo de debate
público, extrapolando-se os limitantes existentes na burocracia (ABRUCIO,
1997).

Em resumo, sem entrar profundamente na questão, não existe


divergência entre os conceitos de cidadão e de cliente de serviços públicos,
sendo indispensável a dedicação da melhor qualidade aos equipamentos sociais
para a satisfação do público a que se destina, incluindo-se, por outro lado, entre
as responsabilidades deste cidadão/cliente, a participação nas decisões
comunitárias, o que exige das autoridades a necessária descentralização como
objetivo para se alcançar maximizados graus de accountability (ABRUCIO,
1997).

E ainda este cidadão/cliente, que compõe, enquanto participante, a esfera


pública não estatal, realiza a política direta, fazendo-se representar ou
participando de organizações que possuam abrangência de escala que pode ter
caráter diverso, de local até mesmo ao internacional, não dependendo apenas
da representação política tradicional. Cada cidadão/cliente neste cenário tem
1415

identidade, sente-se reforçado em sua cidadania e consegue modificar o


universo que o cerca (PAULA, 2005).
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Tais fatos exigem formatações institucionais diferentes e que estejam


abertas para a gestão compartilhada, como, por exemplo, fóruns temáticos,
conselhos gestores de políticas públicas e orçamentos participativos (PAULA,
2005). Os CBH e os conselhos de recursos hídricos, através da formatação que
lhes foi conferida pelas políticas públicas de recursos hídricos, vêm exatamente
ao encontro destas realidades.

Enfim, a regra apresentada pela legislação brasileira relacionada às


questões da descentralização e da participação, está em consonância com os
estudos e com as propostas apresentadas por inúmeros pesquisadores de todo
o mundo e podem, devidamente aplicadas, trazer resultados positivos para a
gestão dos recursos hídricos no Brasil. O estágio da implementação da
descentralização e da participação social será objeto de análise no
desenvolvimento do presente estudo.

Por sua vez, nossa Carta Maior ainda determina em seu artigo 23, inciso
XI, que a competência para “[...] registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões
de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus
territórios [...]” (BRASIL, 2005, p. 31) é competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e a Lei 9.433/97 em seus artigos
29 e 30 estabelecem que compete aos Poderes Executivos Federal, Estaduais
e do Distrito Federal outorgar os direitos de uso de recursos hídricos, nas esferas
de suas competências. Assim, fica claramente demarcado que a área das
outorgas dos direitos de uso das águas não pode ficar na gestão privada
(MACHADO, 2014).

A palavra outorga significa consentimento, concessão, aprovação,


beneplácito e a Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente número 4,
1416

de 21 de junho de 2000, define:


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outorga de direito de uso de recursos hídricos como ato


administrativo, de autorização, mediante o qual o Poder
Público outorgante faculta ao outorgado o direito de uso do
recurso hídrico, por prazo determinado, nos termos e
condições expressas no respectivo ato (MACHADO, 2014,
p. 530).

Já, a Portaria DAEE 717/96 estabelece que outorga é:

ato pelo qual o DAEE se manifesta sobre a implantação de


empreendimento, obras e serviços que interfiram com o
recurso hídrico superficial, obras de extração de águas
subterrâneas e a derivação ou lançamento com o uso de
recursos hídricos (SÃO PAULO, 1996).

Também pode ser definida como uma “[...] garantia quanto à


disponibilidade de água, assumida como insumo básico de processo produtivo
[...]” (KELMAN, 1997 apud MACHADO, 2014, p. 531), com “[...] valor econômico
para quem a recebe, na medida em que oferece garantia de acesso a um bem
escasso [...]” (KELMAN, 1997 apud MACHADO, 2014, p. 531).

Quando reunidos os requisitos necessários e solicitada a outorga à União,


por intermédio da ANA, sua concessão dependerá de aprovação da maioria da
diretoria colegiada, ou seja, de pelo menos 3 (três) votos de seus diretores e o
pedido deverá ser publicado na imprensa oficial e em jornal de grande circulação.
Estes fatos evidenciam o direito à informação dos cidadãos brasileiros sobre
tema de tamanha relevância. Concedida a outorga, terá validade máxima de 35
anos, podendo ser renovada, nos termos do que preconizam os artigos 15 e 16,
1417

da Lei Federal (MACHADO, 2014).


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Entretanto, a outorga é um dos diversos instrumentos de gestão


constantes das políticas públicas, como é possível verificar no decorrer destes
estudos.

Ainda como princípio constante do inciso IV, do artigo 1º., da Lei 9.433/97
(BRASIL, 2011), destaca-se a necessidade de priorização do uso múltiplo da
água, ou seja, é importante que as outorgas sejam concedidas privilegiando-se
a diversidade de utilização, contemplando a maioria dos setores possíveis, tais
como o abastecimento público, a dessedentação de animais, a agricultura, a
indústria, a geração de energia elétrica, a implantação de hidrovias, a utilização
das águas como meio de recreação, entre outros.

o princípio geral é o de que “a gestão dos recursos hídricos


deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas”
(art.1º, IV, da Lei 9.433/1997), mas, em “situações de
escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o
consumo humano e a dessedentação dos animais” (art.1º,
III, da lei mencionada) (MACHADO, 2014, p. 509 e p. 510).

Em outras palavras, “[...] quando os recursos são limitados, o problema


não é satisfazer os consumidores, mas quais consumidores satisfazer [...]”
(CLARKE, 1993, p. 22 apud ABRUCIO, 1997, p. 25).

Têm prioridade, segundo a PNRH, o consumo humano que compreende


o uso para as necessidades mínimas dos indivíduos, restringindo-se à água para
beber, comer e realizar a higiene pessoal (não sendo prioritário o uso para lazer
ou outros usos menos relevantes para a existência do ser humano, v.g., piscinas
e jardinagem) e a dessedentação dos animais, não se incluindo ai o abate e o
1418

consumo de água necessário para a comercialização destes animais


(MACHADO, 2014).
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Sendo assim, no caso de superveniente escassez de águas,


independentemente de seu motivo, após outorgado regularmente seu uso,
cumpre ao órgão gestor (órgão público federal ou estadual responsável pela
outorga dos direitos de uso da água), não havendo fontes alternativas,
suspender parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, as
outorgas que prejudiquem o consumo humano e a dessedentação dos animais,
conforme o artigo 15, V, da Lei 9.433/97 (BRASIL, 2011; MACHADO, 2014).

Tal suspensão também pode ocorrer nos demais casos previstos no artigo
15, da Lei 9.433/97, ou seja, quando o outorgado não cumprir os termos da
outorga; não a usar por três anos consecutivos; em situações de calamidade;
para prevenir ou reverter grave degradação ambiental; ou para manter as
características de navegabilidade de corpo de água (BRASIL, 2011; MACHADO,
2014).

Portanto, deverão ser privilegiados os usos múltiplos dos recursos


hídricos, visando atender ao máximo as expectativas do maior número de
usuários e de utilidades, a fim de contemplar a sociedade da forma mais
abrangente possível, através da concessão de outorgas, que são atos
administrativos que autorizam o uso dos recursos hídricos, mas, em caso de
escassez deverão ser privilegiados e priorizados os usos e outorgas destinados
a dessedentação de animais e ao abastecimento humano (BRASIL, 2011; SÃO
PAULO, 2011; MACHADO, 2014).

Por outro lado, estas modificações nas outorgas, embora decorram de


competência dos órgãos gestores da administração pública, não podem ocorrer
de forma arbitrária, como se debaterá no decorrer dos estudos.
1419

De fato, “[...] dentre os fatores que necessitam uma gestão precisa e


corretamente regulada por parte do homem, para que os ecossistemas agrícolas
Página

funcionem, é preciso citar o solo e a água [...]” (RAFFESTIN, 2011, p. 206). Para

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gerir os recursos hídricos no Brasil, a CF, em seu artigo 21, criou o SINGRH, que
é composto por um conjunto de órgãos e entidades. Sua regulamentação se deu
por meio do Título II, da Lei 9.433/97. Em 1989, a CE trouxe a figura do SIGRH,
que foi regulamentado pela Lei 7.663/91 (BRASIL, 2005; BRASIL, 2011; SÃO
PAULO, 2011). Sistema significa conjunto e pode ser conceituado como:

disposição das partes ou dos elementos de um todo,


coordenados entre si, e que funcionam com estrutura
organizada; combinação de partes que se coordenam para
concorrer a um resultado ou de modo a formar um conjunto;
grupo formado por elementos que interagem, inter-
relacionados e interdependentes; conexão de elementos
em um todo orgânico e funcionalmente unitário
(MACHADO, 2014, p. 556).

Os objetivos do SINGRH, estabelecidos no artigo 32, da Lei 9.433/97, são:


coordenar a gestão integrada das águas; arbitrar os conflitos relacionados a
recursos hídricos; implementar a PNRH; planejar, controlar e regular a
preservação, o uso e a recuperação dos recursos hídricos; e promover a
cobrança (LEAL, 2000; BRASIL, 2011; SANT´ANNA, 2013).

A gestão dos recursos hídricos em momentos de escassez gera conflitos


de uso, vez que exigem a priorização em decorrência da impossibilidade de
atendimento de todas as necessidades. Como se vê, pelas atribuições do
SINGRH, está inserida em suas competências a resolução destes conflitos, o
que deve se dar pela atuação de seus componentes.

Os integrantes do SINGRH, segundo o artigo 33, da Lei 9.433/97, são: as


1420

agências de água; a ANA e os órgãos gestores dos poderes públicos estaduais,


do Distrito Federal e municipais, cujas competências se relacionem com recursos
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hídricos; os conselhos Nacional, dos estados e do Distrito Federal de recursos

OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA


RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À ADRIANO MELO
GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA
ADRIANO MELO
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RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

hídricos e os CBH. Os usuários e as organizações civis de recursos hídricos


compõem o CNRH e os CBH, como se vê dos artigos 34 e 39, da lei citada. A
Lei 10.881/04, em seu artigo 1º., estabelece que organizações civis de recursos
hídricos possam receber delegação da ANA para exercer funções de agências
de águas, constituindo as entidades delegatárias (BRASIL, 2011).

Por sua vez o SIGRH é constituído pelo CRH, pelos CBH, pelos órgãos
da administração pública responsáveis pelos aspectos de quantidade e de
qualidade de recursos hídricos, por outros órgãos da administração pública que
tenham relação com recursos hídricos conforme suas respectivas áreas de
atuação (SÃO PAULO, 2011).

Apoiando o CRH e os CBH existe o Comitê Coordenador do Plano


Estadual de Recursos Hídricos (CORHI), conforme artigos 27 e 28, da Lei
7.663/91, que tem por atribuições coordenar a elaboração do PERH, dos
relatórios de situação, articular os componentes do SIGRH entre eles e com o
SINGRH. Quando necessário, poderão ser criadas agências de bacia para
apoiar os CBH na elaboração de seus planos de bacia, de seus relatórios de
situação, para gerenciar os recursos financeiros e promover a articulação entre
os integrantes do SIGRH, como se vê do artigo 29, da lei citada e pela Lei
10.020/98, do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2011).

Visando esta gestão, que tem por fim regular a ação humana em relação
ao meio ambiente, no presente caso especificamente quanto a água, podemos
citar instituições constituídas especificamente com o objetivo de regular as
questões ambientais e instituições que efetivamente compõem este quadro
regulatório, sendo que ambas são muito complexas, pois devem enfrentar
questões ligadas ao nível político, de natureza social, de interação, dentre outras,
1421

fato que proporciona elevados desafios para sua prática e para sua pesquisa
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(RAVENA, 2012). Dentre elas focaremos o estudo nos Conselhos, os CBH e os


órgãos gestores, para que o objetivo almejado se fortaleça.

Dentre os órgãos gestores destacamos para os fins deste estudo, o


Nacional e o do Estado de São Paulo, representados pela ANA e pelo DAEE,
cujas competências serão abordadas no decorrer da pesquisa justamente para
buscar a comprovação ou não da hipótese formulada, qual seja a de que existe
uma relação entre as atribuições dos órgãos gestores e dos CBH quanto à
gestão dos recursos hídricos no que diz respeito à implantação de restrições
quando se admite a necessidade de privilegiar os usos prioritários.

A criação da ANA deu-se pela Lei 9.984/00 e suas atribuições estão


previstas no seu artigo 4º. Em relação ao objeto de estudo desta pesquisa,
destacam-se: disciplinar a normatização dos instrumentos da PNRH; outorgar o
direito de uso de recursos hídricos em rios de domínio da União; estimular as
iniciativas voltadas para a criação de CBH; planejar e promover ações
destinadas a minimizar ou prevenir os efeitos de secas; garantir os usos múltiplos
com base nos planos de recursos hídricos, entre outros (BRASIL, 2011). A ANA
é uma autarquia sob regime especial vinculada ao Ministério do Meio Ambiente
(SANT´ANNA, 2013).

No Estado de São Paulo, o DAEE, foi criado pela Lei Estadual 1.350/51,
de 12 de dezembro de 1951, e lhe foram atribuídas, entre outras, competências
relacionadas ao presente estudo, dentre as quais é importante destacar as
seguintes: estudar os regimes dos cursos de água no Estado de São Paulo para
promover seu aproveitamento na produção de energia elétrica, navegação,
outros fins industriais e agrícolas; examinar e instruir os pedidos de autorização
ou concessão para uso e derivação de água; manter intercâmbio com repartições
1422

federais e de outros Estados em questões relacionadas à suas competências


(SÃO PAULO, 1951).
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Em 1991, com o advento da PERH pela Lei 7.663/91, lhe foram


acrescentadas atribuições, como se vê do artigo 30 e do artigo 7º., das
Disposições Transitórias, estabelecendo-o como órgão competente para
cadastrar usuários e outorgar o direito de uso de recursos hídricos (SÃO PAULO,
2011). A outorga foi considerada nos artigos 9º. a 13, da Lei 7.663/91 e
regulamentada pelo Decreto 41.258/96 (SÃO PAULO, 2011), que sofreu
alteração em 6 de fevereiro de 2015, pelo Decreto 61.117/15 (SÃO PAULO,
2015a). O DAEE vincula-se à Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do
Estado de São Paulo.

Constata-se, portanto, que dentre as atribuições dos órgãos gestores, nos


termos das leis citadas, lhe são atribuídos poderes para administrar e coordenar
as políticas públicas de recursos hídricos, inclusive temáticas atinentes às
outorgas e aos usos múltiplos da água, questões que serão analisadas,
oportunamente, em comparação às atribuições recebidas pelo CBH. Tais fatos
nortearão os andamentos dos estudos, vez que são necessárias tais análises a
fim de atingir os objetivos perseguidos na presente pesquisa.

Por outro lado, o SINGRH e o SIGRH também são compostos por órgãos
que contemplam a premissa da participação social, prevista nas políticas
públicas instituídas pela Lei Federal 9.433/97 e pela Lei 7.663/91, do Estado de
São Paulo, assim como contribuem efetivamente nas questões relacionadas à
descentralização, outro princípio constante da legislação mencionada. Estes
colegiados são os CBH e os conselhos de recursos hídricos. (LEAL, 2000;
BRASIL, 2011; SÃO PAULO, 2011; RAVENA, 2012; MACHADO, 2014). Pela
delimitação do objetivo do presente estudo, focar-se-á nos CBH.

Os CBH são constituídos por representantes do estado, da sociedade civil


1423

e dos usuários, e, como já se viu, “[...] os comitês de bacias são peças essenciais
da tentativa válida e meritória de alargar a participação da sociedade civil na
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gestão das águas [...]” (MACHADO, 2014, p. 584), uma vez que a PNRH” [...] é
sensível a uma das ideias inovadoras da segunda metade do século XX: a
presença das organizações ou associações nos colegiados diretivos dos
interesses coletivos [...]”. (MACHADO, 2014, p. 590).

Surge, então, fator de influência nas arenas regulatórias além das


ferramentas técnicas: os arcabouços institucionais e a capacidade, inclusive
persuasiva, dos atores envolvidos nos colegiados, fatores estes que são
fundamentais para o desfecho dos embates conformados pelos interesses
múltiplos com os quais a gestão dos recursos hídricos se relaciona (LEAL, 2000;
RAVENA, 2012).

Portanto, aos CBH, no âmbito de suas áreas de atuação, dentre o que


tem relação com a questão deste estudo, compete promover o debate das
questões voltadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades
intervenientes, bem como arbitrar, em primeira instância administrativa, os
conflitos relacionados aos recursos hídricos, nos termos do artigo 38, da Lei
9.433/97 (LEAL, 2000; BRASIL, 2011).

A PERH, prevista na Lei Estadual 7.663/91, traz os mesmos princípios de


atuação para os CBH de rios de domínio do Estado de São Paulo, destacando-
se a competência para promover entendimentos, cooperação e conciliação entre
os usuários e promoção de estudos e debates voltados às questões de interesse
da coletividade (LEAL, 2000; SÃO PAULO, 2011).

A instituição desta complexa governança composta por órgãos de


comando e controle mesclada com a existência de arenas participativas,
permeada por uma diversidade de princípios que coordenam e regulam suas
1424

interações e intervenções, não se desenvolveu por mero acaso ou sem uma


necessidade e utilidade claras: a água, enquanto recurso, é motivo para relações
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de conflito e de poder (RAFFESTIN, 2011).

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Pode-se dizer que o tempo em que a água era considerada um bem livre,
mesmo onde é ou foi superabundante em relação às necessidades, acabou.
Todos os grupos humanos preocupam-se com a busca, o controle e a gestão da
água, uma vez que sua disponibilidade é um trunfo para a sociedade que a
administra (RAFFESTIN, 2011). A partir da década de noventa a concepção de
que a crise hídrica era um problema dos Estados cedeu lugar a uma nova visão:
a água se tornou um problema dos mercados (VILLAR, 2012).

Tanto é verdade que, no passado, só elaboravam “políticas da água” as


nações que se encontravam em locais onde havia pouca chuva e as
temperaturas eram elevadas, como, v.g., o Egito e a Mesopotâmia. Atualmente
todos os países trataram de regulamentar a utilização dos recursos hídricos, seja
para o consumo humano em decorrência do crescimento demográfico ou para
suprir a necessidade ou a expectativa do desenvolvimento econômico
(RAFFESTIN, 2011). Interessante destacar que existem inúmeros registros de
conflitos entre nações em decorrência do domínio de recursos hídricos e a
existência de novas situações semelhantes a estas não pode ser simplesmente
descartada (SANT´ANNA, 2013).

E, no Brasil, correlacionado as questões ligadas às competências dos


órgãos gestores e às competências relacionadas aos CBH no que diz respeito à
gestão dos recursos hídricos, e, em especial, no tocante à outorga ou sua
modificação em decorrência da escassez, percebemos que o órgão público,
responsável pelas outorgas, não pode agir de forma discricionária, mas está
vinculado ao princípio da priorização do abastecimento para a população
humana e para a dessedentação animal (MACHADO, 2014), levando-se em
consideração, ainda, que os conflitos decorrentes da utilização deste recurso
1425

devem ser solucionados por intermédio dos CBH (BRASIL, 2011; SÃO PAULO,
2011).
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Todos estes princípios ganham relevância no momento atual uma vez que
algumas regiões do País, entre elas o Estado de São Paulo, passaram por um
grave momento de escassez hídrica, no período objeto do presente estudo, que
provocou alterações de disponibilidade de água, tanto no aspecto quantitativo
quanto no aspecto qualitativo. Além disso, pode ser considerado que a gestão
dos recursos hídricos é um dos grandes desafios deste século (LEAL, 2000;
ARAÚJO; LEAL, 2011).

No Brasil, as principais reservas de água doce estão situadas na região


norte, distante dos grandes centros urbanos (LEAL, 2000). Além disso, o cenário
futuro é de aumento da desproporção entre a demanda e a oferta de água,
gerado pelo aumento da necessidade de água em contraposição a métodos de
governança que nem sempre conseguem fazer refletir na prática a importância
do tema (VILLAR, 2012; UNESCO, 2015).

Tais fatos podem levar a um déficit global de água cada vez maior, exceto
se houver uma restauração entre o equilíbrio da demanda e da oferta, segundo
o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos
Hídricos – Água para um mundo sustentável – sumário executivo – divulgado em
20 de março de 2015, em homenagem ao dia mundial da água (UNESCO, 2015)
o que representaria uma nova abordagem e relação entre sociedade e natureza
(LEAL, 2000, SANT´ANNA, 2013).

O documento elaborado pela Organização das Nações Unidas para a


Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) também aponta as prioridades que
os continentes necessitarão enfrentar já que a relação entre água e
desenvolvimento sustentável varia de acordo com cada região. Assim cita que
na Europa e América do Norte as prioridades seriam desperdício e redução da
1426

poluição e a escassez seria o grande problema na região Árabe, por exemplo


(UNESCO, 2015).
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Ao tratar da América Latina e Caribe, conclui-se que o principal desafio


será o de “[...] construir a capacidade institucional formal para gerenciar os
recursos hídricos e promover a integração sustentável da gestão desses
recursos [...]” (UNESCO, 2015, p. 6). Antes disso, já em março de 2000, no
Segundo Fórum Mundial da Água, que se passou em Haia, na Holanda, a Global
Water Partnership (GWP) afirmava que “[...] a crise da água é prioritariamente
uma crise de governança [...]” (CIBIM; JACOBI, 2013, p. 9). É verdade que “[…]
the total amount of water contained in our planet is constant and invariable and
can neither be increased nor diminished […]” (CANTOR, 1967, p. 3 apud
RAFFESTIN, 2011, p. 207), mas, de fato, a escassez é um problema que vem
assombrando o cotidiano de alguns brasileiros.

Em decorrência desta crise, em alguns lugares, os órgãos gestores têm


exigido dos usuários períodos de restrições, dada a transitoriedade de suas
outorgas, estabelecendo regras para a redução de utilização dos recursos
hídricos, por exemplo, no CBH Piracicaba, Capivari e Jundiaí, através da Portaria
ANA/DAEE 50/15, de 25 de janeiro de 2015 (SÃO PAULO, 2015), assim como
vem implementando mecanismos tarifários que penalizam consumidores que
extrapolam suas quantidades habituais de utilização de água, inclusive por meio
de “[...] cobrança de sobretaxa de 40% a 100% para consumidores que
superarem a média de gasto de água entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014
[...]” (CRISE, 2015, p. 5).
Os outorgados não têm direito adquirido a certa quantidade de água. Não
há constância na disponibilidade hídrica não sendo obrigação do poder público
o fornecimento da quantidade de água descrita na outorga indefinidamente.
Além disso, as águas são inalienáveis e as outorgas significam simples direitos
1427

de uso, como se vê do artigo 18, da Lei 9.433/91 (BRASIL, 2011).


Por outro lado, a modificação destes volumes não pode ocorrer de forma
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arbitraria. As circunstâncias que justificam estas alterações ou até mesmo a

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suspensão das outorgas ou a implantação de mecanismos tarifários que


desestimulem o uso dos recursos hídricos, não são decorrentes do puro
interesse nem da administração pública e nem dos usuários. É o interesse
público, na verdade, que deve determinar qualquer modificação neste sentido e
o processamento de uma medida de suspensão, por exemplo, dar-se-á por
processo administrativo, ficando o poder público obrigado a motivar seu ato, em
consideração ao princípio da legalidade. Isto implica constatar que quaisquer
modificações devem ser proporcionais aos motivos que lhes causaram
(MACHADO, 2014).
Assim resta estabelecido na Lei 9.433/91, em seu artigo 15, que elenca
as causas de suspensão das outorgas de direito de uso:
Art. 15. A outorga de direito de uso de recursos hídricos
poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou
por prazo determinado, nas seguintes circunstâncias:

I - não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga;

II - ausência de uso por três anos consecutivos;

III - necessidade premente de água para atender a


situações de calamidade, inclusive as decorrentes de
condições climáticas adversas;

IV - necessidade de se prevenir ou reverter grave


degradação ambiental;

V - necessidade de se atender a usos prioritários, de


interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes
alternativas;
1428

VI - necessidade de serem mantidas as características de


navegabilidade do corpo de água (BRASIL, 2011, p. 35).
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As condicionantes previstas nos incisos I e II independem de qualquer


conflito pelo uso do recurso hídrico e à administração pública bastaria
demonstrar a ocorrência destas condições para que seja legítima a suspensão
da outorga, respeitado o devido processo administrativo, assegurado direito de
defesa ao interessado. Quanto aos demais incisos, do III ao VI, deparamo-nos
com condições fáticas que envolvem conflitos de interesse pelos múltiplos usos
dos recursos hídricos, questão intimamente ligada ao objeto da presente
pesquisa.

Neste mesmo sentido a Lei de Saneamento Básico, Lei 11.445/07,


complementado a lógica prevista nas políticas públicas de recursos hídricos
analisadas, cria em seu artigo 46, a possibilidade de adoção de mecanismos
tarifários, dispondo que:

Art. 46. Em situação crítica de escassez ou contaminação


de recursos que obrigue à adoção de racionamento,
declarada pela autoridade gestora de recursos hídricos, o
ente regulador poderá adotar mecanismos tarifários de
contingência, com o objetivo de cobrir custos adicionais,
garantindo o equilíbrio financeiro da prestação de serviço e
a gestão da demanda (BRASIL, 2007).

Portanto, a fim de incrementar medidas tarifárias em decorrência da


escassez de água, o que traduz uma intervenção do poder público, é necessária
uma declaração de situação crítica por parte dos órgãos gestores de recursos
hídricos.

Como os objetivos da concessão das outorgas de direitos de uso de


1429

recursos hídricos são assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da


água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água, nos termos do artigo
Página

11, da Lei 9.433/97 (BRASIL, 2011), a ação governamental na outorga de direitos

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de uso é vinculada: “[...] os Governos não podem conceder ou autorizar usos


que agridam a qualidade e a quantidade das águas, assim como não podem agir
sem equidade no darem acesso à água [...]” (MACHADO, 2014, p. 529).

Já, a PERH, no que diz respeito a outorgas, fundamenta-se nos artigos


9º. a 13, da Lei Estadual 7.663/91, e tem sua regulamentação pelo Decreto
41.258/96 e pelo novel Decreto 61.117/15, de fevereiro de 2015, destacando que
conferem-se as concessões, autorizações ou licenças a título precário (SÃO
PAULO, 2011; SÃO PAULO, 2015).

Por sua vez, como já foi dito, aos CBH compete arbitrar os conflitos
relacionados a recursos hídricos (BRASIL, 2011) e promover o entendimento, a
cooperação e a conciliação entre seus usuários (SÃO PAULO, 2011). Conflito
pode ser entendido como “[...] uma situação social em que um mínimo de dois
atores disputam ao mesmo tempo um conjunto acessível de recursos escassos
[...]” (SANT´ANNA, 2013, p. 43). Esta situação causa um aparente choque entre
as normas estabelecidas para a gestão dos recursos hídricos, que conferem aos
órgãos gestores a atribuição de controlar as outorgas para uso de recursos
hídricos e aos CBH a responsabilidade por dirimir os conflitos entre interesses
de usuários.

É preciso considerar que dos modelos de gerenciamento de recursos


hídricos, que podem ser classificados como conservador, inovador e avançado,
seguindo decisão de natureza política (até sua fixação por lei quando ganha a
coercitividade da norma jurídica), o instrumento de gestão outorga se
enquadraria, pelas regras vigentes na legislação brasileira, em decorrência do
conflito apresentado no parágrafo anterior, no modelo inovador, definindo-se
como o “[...] registro dos direitos mas subordinada a conciliação dos conflitos por
1430

negociação nos comitês de bacia [...]” (LEAL, 2000, p. 26). Esta assertiva aplica-
se no mínimo aos incisos III a VI, do artigo 15, da Lei 9.433/91.
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Mesmo se considerando o modelo conservador, que trata a outorga como


o “[...] registro dos direitos de uso dos recursos hídricos, fundamental para a
proteção dos direitos dos usuários, intransferível e revogável a qualquer tempo
pelo poder concedente [...]” (LEAL, 2000, p. 26), não há previsão de que a
revogação seja unilateral e, muito pelo contrário, a leitura dos princípios gerais
das políticas públicas de recursos hídricos leva a conclusão de que os CBH
devem ser ouvidos. Para analisar a questão não se pode deixar de levar em
consideração conceitos ligados a implementação da função de gerenciamento
de oferta de água, que pode ser caracterizada como:

a função de compatibilização dos planejamentos


multisetoriais do uso da água (...) com os planejamentos e
as diretrizes globais de planejamento estabelecidos pelo
poder público (...). Também poderá compatibilizar as
demandas de uso da água entre si, quando essa não puder
ser realizada pela entidade responsável pelo
gerenciamento das intervenções na bacia (um comitê, por
exemplo), seja por conflitos e outros problemas
operacionais, seja por sua inexistência. O instrumento
utilizado para o cumprimento dessa função gerencial é a
outorga, pelo poder público, do direito de uso dos recursos
hídricos (LEAL, 2000, p. 13).

É fato que a participação da sociedade para a efetivação das outorgas de


uso de recursos hídricos não foi contemplada nas políticas públicas de recursos
hídricos brasileiras, embora fosse saudável que essa decisão de vital
importância para a comunidade não ficasse somente nas mãos de servidores
1431

públicos. Tal assertiva justifica-se pela consideração de que todas as águas são
públicas, bem de todos os cidadãos, devendo o estado zelar pela sua
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administração (LEAL, 2000).


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Nesta linha de pensamento a sociedade civil participaria e opinaria já no


processo decisório hídrico e não somente em fases posteriores (MACHADO,
2014).

Mas estamos, neste caso, tratando da concessão das outorgas e não de


sua suspensão, modificação ou revogação, que está regulada pelo artigo 15, da
Lei 9.433/91 (BRASIL, 2011). Além disso, os CBH receberam como incumbência
resolver os conflitos decorrentes do uso de recursos hídricos. Incumbência
recebida do estado, através das leis que definiram as políticas públicas de
recursos hídricos Nacional, conforme artigo 38, II, da Lei 9.433/91 (BRASIL,
2011) e do Estado de São Paulo, conforme artigo 26, V, da Lei Estadual 7.663/91
(SÃO PAULO, 2011).

Por fim, não se cogita a hipótese de que é o CBH quem vai determinar a
suspensão ou modificação da outorga, mas defende-se a necessidade de sua
manifestação para que quem a outorgou, neste caso o poder público, providencie
as alterações consequentes.

Além disso, não há divergência desta assertiva com o que prevê a Portaria
DAEE 717/96 (SÃO PAULO, 1996). Pois vejamos: a outorga não deixa de ter
sua característica de precariedade, prevista no artigo 6º, pois a única exigência
para sua modificação é a manifestação do CBH correspondente a fim de
demonstrar a existência dos conflitos previstos na lei como possibilidade para
suspensão da outorga; a revogação prevista no artigo 11 exige manifestação do
CBH vez que trata de conflito de uso de recurso hídrico, bem como a suspensão
estabelecida no artigo 15. E ainda:

a resistência na utilização de outros instrumentos e a


1432

insistência do uso exclusivo de instrumentos pertencentes


à abordagem “Comando Controle” ferramenta atrelada a
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métodos administrativos, reside principalmente na atitude

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de burocratas e legisladores que dão preferência a esses


métodos, uma vez que proporcionam uma maior
concentração dos recursos decisórios (RAVENA, 2012, p.
44).

Por sua vez, o funcionamento dos CBH está intimamente ligado à


interação das esferas privada e pública e trata das tensões entre mercado e
Estado e das contendas entre aqueles que atuam dentro destas arenas criadas
pela ação desses atores, que, organizados, buscam nichos de poder para
garantia da melhor relação custo-benefício, segundo seus interesses, ligados à
sua representatividade. Neste contexto, torna-se essencial o conhecimento
técnico dos participantes, os desenhos institucionais, tanto originários ou
históricos quanto momentâneos, e a capacidade de persuasão dos envolvidos
(RAVENA, 2012).

A literatura comprova que experiências de participação como estas


minimizam a constante monopolização do executivo estatal em relação à
formulação e controle de políticas públicas, possibilita a inclusão de setores
marginalizados e proporcionam maior transparência, contribuindo com a
democratização e com a possibilidade de combinar, de forma mais efetiva,
soluções políticas com soluções técnicas (PAULA, 2005).

Na verdade, o debate sobre recursos hídricos sem a correspondente


participação dos envolvidos, sejam as comunidades indígenas, os líderes, as
organizações da sociedade civil organizada, os agricultores, v.g., fica restrito, ou
em outras palavras, limita-se a abrangência e as oportunidades, visto que
somente os interessados ou as pessoas afetadas é que podem exigir ações
estratégicas para maximizar sua aplicação (CIBIM; JACOBI, 2013; SANT´ANNA
1433

2013). Tal fato não limita a atuação e a independência do Estado, que:


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tendo conseguido limitar com êxito o comportamento dos


ocupantes de cargos à busca de metas coletivas, o Estado
pode atuar com alguma independência em relação a
pressões societais particularistas. A "autonomia" do Estado
desenvolvimentista é, contudo, de um caráter
completamente diferente da dominação desorientada,
absolutista do Estado predatório. Não se trata apenas de
"autonomia relativa" no sentido estrutural marxista de ser
constrangido pelas exigências genéricas da acumulação
de capital. É uma autonomia inserida em um conjunto
concreto de laços sociais que amarra o Estado à sociedade
e fornece canais institucionalizados para a contínua
negociação e renegociação de metas e políticas. (EVANS,
1993, p.17).

Também não se cogita a hipótese de reduzir ou suspeitar da capacidade


do Estado, vez que o aumento de sua capacidade não está proporcionalmente
ligado ao aumento de seu papel pois, mesmo aceitando um repertório mais
limitado e mesmo com maior seletividade em sua autonomia inserida, é
fundamental a busca constante para o aumento da capacidade do Estado
(EVANS, 1993).

Entretanto, somente a descentralização e a participação não são


suficientes para resultados satisfatórios, considerando que neste cenário atuam
conjuntamente forças diversas e até mesmo antagônicas, representadas vezes
pelo Estado, vezes pela sociedade civil organizada. Com o início da vigência das
políticas públicas de recursos hídricos nos anos 90, período caracterizado como
1434

o da revitalização da sociedade civil e o da democratização do Estado,


contrapondo ao antigo regime ditatorial, a descentralização e participação são
Página

apresentadas como postura de negociação fundamentada na possibilidade de


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ADRIANO MELO
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RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

uma atuação conjunta entre estes dois atores (LEAL, 2000; RIZEK, 2003). Por
isso é importante se atentar para a efetividade destes espaços:

a problemática apresentada abrange ainda o formato


institucional dos espaços e dos fóruns de interlocução, o
que também se configura como objeto de disputa entre
projetos mais ou menos comprometidos com a
democratização, seus embates e correlações de força.
Como aponta DAGNINO, os mesmos mecanismos e
formatos que permitem avanços podem ser burlados na
dinâmica concreta de funcionamento desses espaços.
(RIZEK, 2003, p. 6).

Não se pode olvidar que o conceito de governança tem diversos sentidos


considerando-se visões, valores e projetos políticos ecléticos, nem que se
fundamenta em condição onde múltiplos atores e redes participam, cada um com
diferentes relações e extensões de poder, entendido da forma mais ampla
possível, compreendendo, inclusive, seus aspectos políticos, econômicos,
sociais, culturais, entre outros, fato que exige a análise do contexto social da
maneira mais abrangente possível (VILLAR, 2012; SANT´ANNA, 2013;
SANT´ANNA;VILLAR, 2015). Eis o problema!

De um lado, existe uma resistência do cidadão em relação ao Estado


enquanto instituição, quando, por exemplo, se defronta com um funcionário
público intransigente, aguarda demasiado tempo em uma fila (EVANS, 1993),
fica perplexo com notícias de corrupção ou constata em sua torneira a ausência
de água tratada. De fato, essa visão do Estado brasileiro é consistente com a
afirmação que desde outros tempos se fazia ao dizer que “[...] a estrutura e
1435

operação do Estado brasileiro o impedem até de cumprir funções mínimas de


governo [...]” (SCHNEIDER, 1987, p. 4 apud EVANS, 1993, p. 21).
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RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À ADRIANO MELO
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ADRIANO MELO
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RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

Muitas pesquisas demonstram as dificuldades que o Brasil tem para


firmar-se como Estado desenvolvimentista. Destaca-se, naqueles estudos, a
questão das indicações políticas para cargos no governo e o mínimo de
institucionalização de procedimentos de recrutamento e seleção meritocráticos
(EVANS, 1993). A coerência corporativa ensina que é importante certo
afastamento dos burocratas da sociedade circundante, mas que tal isolamento,
para que exista uma manutenção da eficácia da burocracia, seja decorrente de
recrutamento meritocrático e pela oferta de oportunidades de longo prazo nas
carreiras, caracterizando o tipo weberiano de estrutura administrativa coerente.
Neste cenário, são maximizadas as chances de sucesso da inserção, ou seja,
“[...] é a combinação de inserção e autonomia que funciona e não cada uma por
si mesma [...]” (EVANS, 1993, p. 27).

Quanto às políticas públicas de recursos hídricos, considerando a adoção


de conceitos recebidos dos países desenvolvidos, em nome da melhor prática
decorrente da experiência internacional, os pacotes de assistência técnica
trazem, na verdade:

um modelo padronizado para a definição de instituições,


planos de ação e agendas políticas, frequentemente na
ausência de participação e consulta pública durante o
processo. O que resulta deste processo são instituições
mais centralizadas e criadas de cima para baixo,
estabelecidas em nome de uma abordagem mais
abrangente por bacia hidrográfica e uma coordenação mais
eficiente do uso do recurso. De acordo com os autores,
estas instituições não conseguem abordar a integração dos
1436

múltiplos objetivos e valores dos vários stakeholders


envolvidos na gestão da bacia. Esta situação revela uma
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tensão, portanto, na interpretação da gestão integrada de


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RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

bacias hidrográficas entre o reconhecimento da


necessidade de abordagens mais amplas e uma
perspectiva mais participativa, decentralizada da gestão do
recurso (SANT´ANNA; VILLAR, 2014, p. 1100).

Em consequência, a participação da sociedade civil encontra limitações


decorrentes desta estrutura estatal, vezes pouco comprometida com os
processos de democratização e caracterizada por excessos burocráticos, fato
que a classifica como ineficaz e gera certa instabilidade nas parcerias (RIZEK,
2003).

Pode-se dizer que nas sociedades coloniais a sociedade civil sempre foi
apenas um produto do Estado e, nas demais sociedades periféricas ou
semiperiféricas, “[...] o ‘sobredesenvolvimento’ do Estado e o seu papel decisivo
na economia testemunhava de igual modo a subordinação da sociedade civil em
relação ao Estado [...]” (SANTOS, 1999, p. 128). Esta concepção passou até a
fundamentar o discurso político, podendo citar que:

enquanto o discurso conservador tendeu a conceder a


fraqueza da sociedade civil como um efeito da força do
Estado, o discurso socialdemocrata tendeu a conceber a
fraqueza da sociedade civil como causa da força do Estado
(SANTOS, 1999, p. 128).

De outro lado, o resultado também está relacionado a uma estrutura social


abrangente, uma vez que inserir ao Estado, por mais coerente que seja, uma
sociedade civil desorganizada, fragmentada e sem interesse na transformação
não gerara qualquer possibilidade de mudança. Construir laços com a sociedade
1437

civil sem interlocutores adequados será infrutífero (EVANS, 1993).

uma vez convertida em teoria política dominante e


Página

exportada como tal para sociedades periféricas e


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RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

semiperiféricas que, entretanto se foram formando e


transformando, a distinção liberal não podia deixar de
definir estas sociedades como sendo sociedades fracas e
pouco autônomas (SANTOS, 1999, p. 127/128).

E ainda é certo que no interior da sociedade civil existem confrontos entre


diversos projetos políticos e interesses até antagônicos, como já foi dito. É
necessário um aprendizado para que a busca de interesses comuns e o
reconhecimento destas diferenças seja superado. Também urge um
aprimoramento da qualificação técnica e política da sociedade civil, requisito
indispensável à sua autonomia e capacidade de representação efetiva (LEAL,
2000; RIZEK, 2003).

A construção da democracia brasileira é um processo vezes até


contraditório, o que elimina “[...] qualquer possibilidade de conceber a sociedade
civil como demiurgo do aprofundamento democrático [...]” (DAGNINO, 2002, p.
279 apud RIZEK, 2003). O Estado, também, não desempenha este papel, em
decorrência de sua característica vezes autoritária e resistente aos impulsos
participativos, o que acaba transformando os espaços públicos nas novas arenas
de encontro e de embates, onde são desenhadas as possibilidades de uma
partilha efetiva do poder e articulados os projetos políticos e o controle social das
políticas públicas pela sociedade civil, contrapostas as várias formas de
resistência do Estado (RIZEK, 2003).

Quando acontece esta partilha, resta à sociedade civil atribuições


consultivas ou de execução, quase sempre voltadas a legitimar as decisões
provenientes da estrutura estatal, inexistindo, ainda, possibilidade de
deliberação efetiva sobre políticas públicas (RIZEK, 2003).
1438

Outro agravante é a constante interferência do Estado nas entidades da


Página

sociedade civil que atuam através de convênios ou outras formas de contratação

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RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

para execução de serviços públicos mediante transferências voluntárias de


recursos. Tal prática mistura e confunde sociedade civil organizada e terceiro
setor da economia, rompendo os vínculos sociais das entidades com seus
movimentos iniciais e com seus representados, obrigando-as a responder para
seu financiador o que pode reduzir o interesse público de sua atuação (RIZEK,
2003). Estas preocupações vêm sendo externadas desde o início da implantação
das políticas públicas de recursos hídricos:

considerando que a sociedade civil ainda não ocupou o


papel que lhe cabe, o CBH-PP parece ser um “órgão
governamental, chapa branca”, e que é necessário reverter
esta situação e transformá-lo em um órgão que expresse a
vontade e pertença à sociedade regional [...] “chamaram a
sociedade civil para dar credibilidade ao sistema, já que há
muita corrupção com o dinheiro público, e nós temos o
papel de participar da decisão sobre os recursos para que
seja algo transparente. Mas se somos excluídos da
possibilidade de obter recursos, não há porque ficar ali
apenas respaldando ações do estado” (LEAL, 2000, p.
199).

Mas é preciso considerar que a separação estrutural entre Estado e


sociedade civil não é suficiente para esclarecer a existência ou a ausência de
suas relações, precisando ser combinada com outras clivagens que as
atravessam, e a governança (“governance”), que pode ser entendida como o
impacto da sociedade civil sobre o desempenho do Estado, não pode basear-se
no conceito de que estas categorias são estanques, devendo considerar aquilo
1439

que as une e aquilo que as separa, suas crenças, seus interesses, suas
concepções de mundo e representações do que deve ser a vida em sociedade,
Página

ou seja, seus projetos políticos (RIZEK, 2003).


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Enfim, urge a chamada boa governança, que tem como principais


qualidades a transparência, a participação ampla da sociedade por meio dos
atores afetados nas decisões, a estrita observância da lei, a ética e o efetivo
controle da corrupção e de quaisquer outros desvios que possam desvirtuar o
interesse maior que é a gestão dos recursos hídricos (SANT´ANNA, 2013;
SANT´ANNA;VILLAR, 2014).

Logo, a dinâmica exige que Estado e estruturas sociais sejam analisadas


em conjunto e o Estado deve ter uma função ativa na interação com as estruturas
sociais e com seu fortalecimento.

Temos ainda muito que caminhar neste sentido para que a estrutura dos
órgãos colegiados integrantes do SINGRH e do SIGRH estejam preparadas para
a resolução dos conflitos decorrentes do uso dos recursos hídricos, apesar de
ser necessário e exigido pelas políticas públicas de recursos hídricos analisadas,
seu posicionamento visando à modificação das outorgas concedidas pela
administração pública. Tal administração pública, por sua vez, deveria, cada vez
mais, exigir da sociedade civil organizada, através dos colegiados constantes
das políticas públicas de recursos hídricos, esta participação e responsabilidade.

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GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA
ADRIANO MELO
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GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA
ADRIANO MELO
OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES
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Página

OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA


RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À ADRIANO MELO
GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA
ADRIANO MELO
OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES
RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

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1444

aprovado pelo Decreto 41.258, de 31 de outubro de 1996, e dá providências


correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo. Publicada na Secretaria de
Página

Governo, aos 6 de fevereiro de 2015, transcrito do Diário Oficial do Estado de 7


OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA
RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À ADRIANO MELO
GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA
ADRIANO MELO
OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES
RELACIONADAS À GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA

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1445
Página

OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUA


RESPONSABILIDADE NAS QUESTÕES RELACIONADAS À ADRIANO MELO
GESTÃO PARA O COMBATE DA ESCASSEZ DE ÁGUA
BRUNA CRUZ DE ANHAIA
PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS: INCIDÊNCIAS E DISPUTAS NA
PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRI CAMBORIÚ/SC

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICAS


SOCIOESPACIAIS: INCIDÊNCIAS E DISPUTAS NA
PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRIO
CAMBORIÚ/SC

AURA RODRIGUES CORREIA LIMA

Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade


do Vale do Itajaí, mestranda em Políticas Públicas
pela Universidade Federal do Paraná. E-mail:
auraclima@gmail.com
MAYARA VIEIRA DE SOUZA
1446

Arquiteta e urbanista pela Universidade Paulista,


mestranda em Políticas Públicas pela
Página

PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICAS


SOCIOESPACIAIS: INCIDÊNCIAS E DISPUTAS NA AURA ODRIGUES CORREIA LIMA E MAYARA VIEIRA DE
PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRIO SOUZA
CAMBORIÚ/SC
BRUNA CRUZ DE ANHAIA
PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS: INCIDÊNCIAS E DISPUTAS NA
PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRI CAMBORIÚ/SC

Universidade Federal do Paraná. E-mail:


arq.mayaravieira@gmail.com

RESUMO

Com o advento do Estatuto das Cidades e a posterior institucionalização do


Ministério das Cidades, o plano diretor – já consolidado como o principal
instrumento destinado ao ordenamento territorial das cidades – retoma a
centralidade dentro da arena decisória, mas agora, sob o viés da gestão
participativa. Neste sentido, passa a ser obrigatório, o processo de elaboração,
avaliação e revisão dos planos, estimulando e abrindo o debate para diversos
setores da sociedade. Este trabalho realizou uma reflexão sobre a participação
do setor empresarial na formulação da política urbana da cidade de Balneário
Camboriú/SC, na qual o Plano Diretor tornou-se importante instrumento de
disputa, onde por um lado o setor empresarial revela seus interesses, a fim de
tornar a cidade atrativa ao capital e por outro lado, movimentos da sociedade
civil imperam para efetivação do direito à cidade e na preservação ambiental.

ABSTRACT

With the Cities’ Statute advent and the later Ministry of Cities creation, the City
Master Plan – already consolidated as the main instrument of the city’s territorial
planning – takes the central role in the decisional arena back, but now under the
participative management view. In this way, became mandatory the process of
creation, evaluation and review of the plans, encouraging and opening the debate
1447

to several societies sectors. This paper made a reflection about the participation
of the business sector in the creation of the urban policies of Balneário Camboriú
- SC, in which the City Master Plan became an important instrument for use in
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PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICAS


SOCIOESPACIAIS: INCIDÊNCIAS E DISPUTAS NA AURA ODRIGUES CORREIA LIMA E MAYARA VIEIRA DE
PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRIO SOUZA
CAMBORIÚ/SC
BRUNA CRUZ DE ANHAIA
PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS: INCIDÊNCIAS E DISPUTAS NA
PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRI CAMBORIÚ/SC

the dispute, where, on one hand the business sector reveal their interests, in
order to make the city more attractive to the capital, and on the other hand the
civil society movements urges for the fulfillment of their right to the city and the
environmental preservation.
1448
Página

PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICAS


SOCIOESPACIAIS: INCIDÊNCIAS E DISPUTAS NA AURA ODRIGUES CORREIA LIMA E MAYARA VIEIRA DE
PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRIO SOUZA
CAMBORIÚ/SC
BRUNA CRUZ DE ANHAIA
PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS: INCIDÊNCIAS E DISPUTAS NA
PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRI CAMBORIÚ/SC

INTRODUÇÃO

Este trabalho nasce a partir de inquietações frente à lógica do


planejamento e do processo produtivo do espaço urbano, principalmente em
cidades onde as políticas urbanas são fortemente influenciadas pelas ações e
lógica do setor empresarial que incidem diretamente no processo de segregação
socioespacial e de espoliação urbana. Cabe salientar, que a espoliação urbana,
trata-se do conjunto de “extorsões que se opera pela inexistência ou
precariedade de serviços de consumo coletivo” (KOVARICK, 2000, p.22), que ao
lado do acesso a terra e a habitação, são fundamentais para a classe
trabalhadora.

Portanto, a primeira parte deste trabalho se concentra nos aspectos que


contribuíram para a formação do território urbano, em especial da cidade de
Balneário Camboriú, objeto de estudo deste trabalho. Neste sentido, será
analisada a formação do espaço urbano a partir do processo de êxodo rural e a
posterior necessidade de planejamento urbano. Tão logo é abordada a formação
socioespacial dos territórios litorâneos, evidenciando o território de Balneário
Camboriú, desde os seus primeiros habitantes até a lógica urbana predominante
dos dias atuais.

Posteriormente, é delineada a questão urbana através da legislação


brasileira, partindo da Constituição Federal de 1988 até o Estatuto da Cidade. O
Estatuto das Cidades orienta o processo de elaboração e revisão do Plano
Diretor, que deve ser organizado pela sociedade civil, aprovado pelo poder
legislativo e executado pelo poder executivo.

Por fim, foi realizada uma breve reflexão sobre a construção e execução
1449

deste processo participativo na revisão do Plano Diretor da cidade de Balneário


Camboriú, que ocorreu entre os anos de 2014 e 2016.
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A metodologia de analise deste trabalho se deu a partir da observação


exploratória, realizada em alguns eventos do Plano Diretor, nos anos de 2014 e
2015. Já a coleta de dados foi realizada a partir da análise documental, com base
nos documentos produzidos durante o processo de revisão do Plano Diretor.

FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO URBANO E PLANEJAMENTO DA CIDADE DE


BALNEÁRIO CAMBORIÚ

A formação do território urbano surge a partir das relações sociais


estabelecidas dentro da lógica de produção e acumulação capitalista, onde os
agentes se articulam de acordo com necessidade da circulação e consumo desta
produção. (CORRÊA, 1999)

Frente a esta formação espacial, o processo de urbanização das cidades


brasileiras se deu em função das mudanças da matriz de produção do país. A
aceleração deste processo ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, onde a
forte industrialização influenciou a superação da população rural pela população
urbana, através de um intenso processo migratório.

Diante deste cenário, a política urbana brasileira inclinou-se para o projeto


de modernização e de desenvolvimento, impulsionados pela necessidade de
consumo. No entanto, em meio a este processo, o eixo de justiça e melhorias
sociais foram esquecidos. Sobre esta problemática, a matriz modernista exerceu
no crescimento do meio urbano a dominação ideológica da mercantilização das
cidades, ocultando a cidade real, propiciando cidades voltadas ao mercado
imobiliário e especulativo (MARICATO, 2011; ROLNICK, 2006).
1450

O reflexo deste processo foi, por um lado, um aparato de leis e normas de


alta complexidade, com vistas a um ordenamento da cidade, e por outro lado, o
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crescimento da cidade ilegal, oportunizadas pelas injustiças sociais. No Brasil,


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foram construídas na década de 1990, aproximadamente quatro milhões de


moradias, destas, apenas 700 mil foram produzidas pelo mercado formal,
resultando mais de três milhões de habitações construídas em terras invadidas
e/ou em áreas inadequadas (MARICATO, 2011 apud COSTA et. al., 2014).

A cidade ilegal pode ser caracterizada como urbanização informal, onde


as leis urbanísticas não são necessariamente a regra mais importante a ser
seguida. Para Maricato (2003, p. 155), essa ilegalidade “parece fornecer,
frequentemente, uma base para que a exclusão se realize em sua globalidade”,
ou seja, é onde o retrato da segregação socioespacial se define, ricos ocupam
uma parte da cidade e pobres ocupam a outra.

Neste contexto, o plano diretor adquire suma importância para os gestores


públicos, haja vista os fenômenos de transformações e espoliação que sofreram
as cidades e, portanto, indicam a necessidade de ordenação do processo de
crescimento cumulativo, resultando no favorecimento de demandas sociais
específicas para os atores urbanizados.

No caso das cidades litorâneas, a questão urbana segue atrelada à


necessidade de beneficiar setores produtivos que estejam voltados ao turismo e
lazer, visto que estas atividades formam e dão sustentação à base econômica
da cidade/região. Essa supervalorização do turismo e lazer resultou em mais
uma forma cumulativa de acumulação de capital, propiciando a formação de
setores que almejam cada vez mais suas atividades no âmbito da chamada
“indústria sem chaminés”, que exalta um trade especulativo no âmbito territorial
e imobiliário (OURIQUES, 1998).

Essa supervalorização de imóveis define o perfil imobiliário da cidade,


1451

trazendo grandes estruturas que agregam o maior número de leitos possíveis,


seja sob forma de residência ou sob o mercado hoteleiro. A especulação
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assegura um grande poder de influência aos grupos imobiliários, (os quais


podem vir por determinar os rumos das políticas urbanas nos municípios).

A cidade de Balneário Camboriú está localizada a 80 km da capital do


estado de Santa Catarina, pelo litoral norte. Pertence à micro região da foz do
rio Itajaí, tendo como limites ao norte a cidade de Itajaí, ao sul o município de
Itapema, ao leste a cidade de Camboriú e, por fim, ao leste o Oceano Atlântico
e hoje está consolidada como um dos grandes polos turísticos do sul do Brasil
(FIGURA 1).

Pelo fato da localização ser litorânea, sem dúvida, este fator foi
determinante para a urbanização ser remetida ao setor turístico e imobiliário. A
partir das demonstrada a seguir, é possível observar a imponência caracterizada
pelo mercado imobiliário na cidade, estima-se que nos próximos dez anos,
Balneário Camboriú terá em seu território cinco entre os dez edifícios
residenciais mais altos do Brasil1. Dessa forma, alguns veículos de comunicação
comparam a arquitetura megalomaníaca da cidade com a mesma predominante
em alguns países do Oriente Médio e Ásia, tais como Dubai, Malásia, Japão,
entre outros.
1452
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Figura 1- Imagem da praia central da cidade de Balneário Camboriú, vista do alto

Fonte: Prefeitura Municipal de Balneário Camboriú, 2016.

O povoamento do município data de 17582, e foi considerado um dos


redutos das primeiras tribos indígenas, os tupis-guaranis, que conseguiam viver
abundantemente da pesca local e da agricultura local. Segundo a Secretaria
Municipal do Turismo, o primeiro nome dado aos limites da região era Arraial do
Bom Sucesso, que tinha como localização a atual ponta sul da praia principal da
cidade, onde hoje se localiza o bairro da Barra.
1453

Naquela região se estabeleceram os primeiros colonizadores açorianos,


oriundos do então município de Porto Belo. Mais tarde, quando o arraial recebeu
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a denominação de Freguesia foi entregue ao município de Itajaí e por fim, em


1884, emancipou-se de Itajaí, formando o município de Camboriú, que tinha
como principal povoado e poderio econômico a ponta sul da praia principal.

Foi a grande produção cafeeira no interior do município de Camboriú que


estimulou a abertura de estradas que ligassem comercialmente à cidade de
Itajaí, deslocando assim a concentração econômica da ponta sul da praia
principal para o interior do município. Contudo, este último fato delimitou que a
localização balneária fosse habitada apenas por pescadores locais (JUNIOR,
2006).

O primeiro hotel da cidade surgiu em 1928, tornando-se a praia um espaço


de lazer para os descendentes alemães de outras cidades do Vale do Itajaí, a
partir da década de 1920 o espaço da orla marítima de Camboriú começa a
receber os primeiros veranistas, formados por uma burguesia oriunda da
pequena produção mercantil descendente dos imigrantes europeus localizados
nos núcleos coloniais do Vale do Itajaí. (JUNIOR, 2006)

Dessa forma, o balneário efetivou como preponderância urbana um local


propicio às práticas turísticas no ambiente natural, opondo-se ao trabalho
artesanal da pesca realizada no núcleo da praia. Esta nova ocupação da orla
marítima central deslocou os pescadores artesanais para outros pontos da costa
do município. Na tabela abaixo, é possível observar o aumento das construções
realizadas, principalmente a partir da década de 1950.

Tabela 2 Número de construções requeridas na praia de Camboriú no período


de 1948 a 1952.
1454

Ano Construções requeridas

1948 41
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1949 49

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1950 62
1951 71
1952 620

Fonte: Silveira Júnior (1952) apud Corrêa (1985, p. 82)

Frente ao aumento das residências e inserção turística no município, em


1964 o centro praiano emancipa-se e, a partir daí, se intensificam as atividades
voltadas para o atendimento ao turista. Há que se lembrar de que o turismo se
intensifica em toda a região litorânea contando, não apenas com o poder político
local, mas também com a contribuição de outros municípios industriais do Vale
do Itajaí, como Blumenau, Brusque, Gaspar, etc.

Para entender melhor os motivos que contribuíram para a caracterização


urbana da cidade, Danielski (2009) elenca, com toda notoriedade, os seguintes
elementos:

(a) participação dos descendentes de alemães do Vale de


Itajaí no processo de acumulação e na produção do espaço
(economia, construção civil e loteamentos); (b)
capitalização dos trabalhadores do setor terciário do Vale
do Itajaí, principalmente profissionais liberais, que
começaram a investir em casas de verão ou segundas
residências; (c) avanços tecnológicos nas áreas de
comunicação e transporte, com a implantação da Estrada
de Ferro Santa Catarina (trecho Blumenau-Itajaí) no ano
de1954 e, posteriormente, com a rodovia federal BR-101
1455

(trecho Itajaí-Itapema) no ano de 1971; (d) autonomia


político-administrativa quando da emancipação de
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Camboriú, em 1964; (e) intensificação do processo de


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urbanização, principalmente com as obras de ampliação de


infraestrutura (sistema viário, energia, abastecimento de
água, etc.), a partir da década de 1960; (f) marketing do
lugar, principalmente através de ações da iniciativa
privada, como a inauguração do Hotel Fischer, em 1958, e
do Marambaia Cassino Hotel, em1967 (DANIELSKI, 2009
p. 109).

Estes elementos foram essenciais à cidade esboçar a paisagem que


vemos hoje. Outro aspecto relevante é que a estruturação do setor da construção
civil e do mercado imobiliário, o município passou para uma nova envergadura,
de reduto de férias, descanso e lazer à cidade comercial, onde inúmeras lojas
dos mais variados produtos de consumo se instalaram. Dessa maneira, o local
deixa de ser traduzido apenas como “consumo do lugar”, passando também a
exercer o papel de “lugar de consumo” (LEFEBVRE, 1991 apud DANIELSKI.
2009).

Nesta lógica de lugar de consumo, onde a urbanização e o crescimento


territorial foram desenvolvidos em função da oferta imobiliária, portanto, o
cenário é perfeito para construção civil e posterior criação de um mercado
imobiliário altamente especulativo. Dessa maneira, sociedade capitalista
moderna, precisa, por necessidade, “criar uma paisagem física – uma massa de
recursos construídos pelo homem a sua própria imagem, apropriada, em linhas
gerais, às finalidades da produção e do consumo” (HARVEY, 1982 p. 6-7)

Passada essa consolidação do espaço urbano, o resultado do processo


urbanizador é um crescimento predatório que implica na retração das relações
1456

entre população e seu ambiente, que permite a formação de um padrão de


urbanização derivado da concentração e centralização das atividades
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econômicas preponderantes e, em síntese, a formação de um processo de

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exclusão social para as populações de baixa renda, determinando uma forma


caótica de paisagem citadina. Toda essa problemática referente à urbanização
nos remete ao planejamento urbano relacionado com a atividade econômica da
cidade, conforme expressa Manuel Castells:

A “desordem urbana” não existe de fato. Ela representa a


organização espacial proveniente do mercado, e que
decorre da ausência de controle social da atividade
industrial. O racionalismo técnico e a primazia do lucro
resultam, por um lado, na anulação de toda a diferença
essencial entre as cidades e na fusão dos tipos culturais
nas características globais da civilização industrial
capitalista; e por outro lado, no desenvolvimento da
especialização funcional e na divisão social do trabalho no
espaço, com uma hierarquia entre os diferentes
aglomerados e um processo de crescimento cumulativo,
derivado do jogo das economias externas. (CASTELLS,
1983, p.23)

Desta forma, uma urbanização não preocupada com o bem-estar social,


ordenada em favor dos interesses materiais que constituem uma posição
econômica de determinados grupos (neste caso, das construtoras) apontam
para deficiente forma de organização socioespacial.

Frente a estes fatos, a política urbana nacional vem corroborar para trazer
um planejamento urbano mais justo e acessível, para todas as camadas
populacionais, garantindo o direito à cidade. Para tanto, os instrumentos e as leis
1457

regem este processo.


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ABERTURA DEMOCRÁTICA: ESTATUTO DAS CIDADES, PLANO DIRETOR


E PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Durante o debate da Constituinte, a questão urbana ganhou visibilidade


através do forte trabalho construído pelo Movimento Nacional da Reforma
Urbana e também pela urgência em estabelecer melhores parâmetros com o
intuito de solucionar os problemas causados pelo crescimento desordenado das
cidades.

Neste sentido, a questão urbana é tratada na Constituição através do


artigo 182, capítulo II e visava como objetivo primeiro “ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes”, abaixo elencamos os capítulos supracitados para melhor
entendimento:

CAPITULO II

DA POLÍTICA URBANA

Art. 182.A política de desenvolvimento urbano, executada


pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais
fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções da cidade e garantir o bem
estar de seus habitantes.

§ 1° - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal,


obrigatória para cidades com mais de vinte mil habitantes,
é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de
expansão urbana.
1458
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§ 2° A propriedade urbana cumpre sua função social


quando atende às exigências fundamentais de ordenação
da cidade expressas no plano diretor.

§ 3° - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitos


com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4° - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei


especifica para área incluída no plano diretor, exigir, nos
termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu
adequado aproveitamento, sob pena, sucessiva, de :I –
parcelamento ou edificação compulsório; II – imposto sobre
a propriedade predial e territorial progressivo no tempo; III
– desapropriação com pagamento mediante títulos da
divida pública de emissão previamente aprovada pelo
Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos,
em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais.

O texto da Constituição pode ser considerado um importante progresso


na legislação urbanística, uma vez que propiciava tornar as cidades mais justas
e de igual acesso. Destaca-se a obrigatoriedade dos Planos Diretores e
consequente responsabilidade dos gestores municipais frente às políticas
urbanas (SANTOS, 2013).

Outro apontamento importante, é que a Constituição não traz apenas


aspectos da remodelação e orientação do espaço físico, e sim preceitos para a
1459

justiça e bem estar social, através da lógica da função social da propriedade.


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Entretanto, ainda que a Constituição traga avanços na área urbanística, a


década de 1980 foi marcada pelo processo de redemocratização e
enfrentamento de problemas sociais e econômicos, o que de modo geral,
resultou um retrocesso das políticas sociais, fenômeno intitulado por Ermínia
Maricato (2000) como “tragédia urbana brasileira”.

Após este momento constituinte, foi nos anos 2000 com o Estatuto das
Cidades, promulgado através da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, que trouxe
maiores discussões legislativas frente à questão urbana. O documento dispõe
que o objetivo da política urbana é “ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana”.

O Estatuto, ao regulamentar as reivindicações promulgadas na


constituição, congrega normas relativas à ação do poder público na
regulamentação do uso das propriedades urbanas em prol de interesse de ordem
coletiva e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. O
documento é dividido em cinco partes: (a) normas sobre o uso da propriedade
urbana visando ao interesse coletivo, à segurança e ao bem-estar do cidadão e
ao equilíbrio ambiental; (b) instrumentos da política urbana; (c) plano diretor; (d)
gestão democrática da cidade; (e) penalidade para o não cumprimento da lei e
prazo máximo para a elaboração do plano diretor (SANTOS, 2013).

Focaremos na discussão sobre a gestão democrática da cidade, sob a


ótica lefebvriana da cidade como um direito pleno:

O direito à cidade se manifesta como forma superior dos


direitos: direito à liberdade, à individualização na
sociedade, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à
1460

atividade participante) e o direito à apropriação (bem


distinto do direto à propriedade) estão implicados no direito
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à cidade (LEFEBVRE, 2011 apud SANTOS, 2013, p.134).


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O direito à cidade deve ser entendido é a forma mais explicita da cidadania


plena, pois envolve o direito aos meios de subsistência, à moradia, à saúde, ao
saneamento, à educação, ao transporte público, ao trabalho e ao lazer
(SANTOS, 2013, MARICATO, 2002).

O principal instrumento garantidor destes direitos é o Plano Diretor, que


deve ser executado sob regime democrático e participativo, no âmbito do poder
público municipal. Outro aspecto relevante do plano diretor é a ordenação e
distribuição socioespacial, de modo que o crescimento urbano seja realizado de
uma forma justa e universal. O plano diretor não pode ser entendido apenas
como zoneamento urbano que trata somente de leis e normas sobre o uso e
ocupação do solo e divide espacialmente o território da cidade. O plano diretor é
mais abrangente e engloba outros aspectos tanto administrativo, como
socioeconômico, por isso, a política urbana deve ser construída por todos,
incluso a população rural (SANTOS, 2013).

Abaixo, destacamos o art. 2º, do Estatuto das Cidades, em alguns pontos


importantes:

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno


desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais:

II - gestão democrática por meio da participação da


população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de
1461

desenvolvimento urbano;
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IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da


distribuição espacial da população e das atividades
econômicas do Município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do
crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente;

VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:


a utilização inadequada dos imóveis urbanos; a
proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; o
parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou
inadequados em relação à infraestrutura urbana; a
instalação de empreendimentos ou atividades que possam
funcionar como polos geradores de tráfego, sem a previsão
da infraestrutura correspondente; a retenção especulativa
de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não
utilização; a deterioração das áreas urbanizadas; justa
distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo
de urbanização;

X - adequação dos instrumentos de política econômica,


tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos
do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os
investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos
bens pelos diferentes segmentos sociais;

XI - recuperação dos investimentos do Poder Público de


1462

que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;

XV - simplificação da legislação de parcelamento, uso e


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ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a


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permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos


lotes e unidades habitacionais;

XVI - isonomia de condições para os agentes públicos e


privados na promoção de empreendimentos e atividades
relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse
social.

Os destaques realizados acima são pertinentes à discussão deste


trabalho, pois trataremos de indagar a forma como é realizada a participação
social, quem são os participantes e o que está em jogo. O Capítulo IV do Estatuto
das Cidades, trata especificamente da gestão democrática, a lei determina que
sejam utilizados como instrumentos para garantir a gestão democrática: (1) os
órgãos colegiados de política urbana; (2) debates, audiências e consultas
públicas; (3) conferências; e (4) iniciativa popular de projeto de lei.

Observa-se que a participação social tornou-se uma via de mão dupla,


pois ora consegue dar soluções as demandas sociais e ora torna-se principal
instrumento de dominação ideológica (MARICATO, 2011). Ou seja, a cidade
como um jogo de cartas, conforme menciona Santos (1988):

O ideal é que os jogadores, ou agentes do


desenvolvimento urbano, dominem as regras estruturais e
se acertem quanto à sua aplicação. O governo dispõe de
autoridade para fazer cumprir a lei, os grupos de capital
interessados têm recursos financeiros, os grupos de
população podem e devem exercer pressões pelo que
julgam ser o seu direito (SANTOS, 1988, p.51).
1463

O caso da cidade de Balneário Camboriú torna-se promissor pela lógica


Página

de pensarmos que o produto do capital econômico da cidade é a própria cidade

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em si, ou seja, a exclusividade de adquirir um imóvel de frente para o mar traz


consigo outros elementos, como qualidade de vida, bem estar e status quo.
Dessa maneira, os instrumentos legais da política urbana municipal trabalham
em prol de garantir a economicidade dos negócios imobiliários. O setor da
construção civil torna-se principal agente na construção da política urbana
municipal e os desdobramentos da participação da sociedade civil na formulação
das políticas urbanas tem interferências diretas deste setor.

A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PLANO DIRETOR E OS DESDOBRAMENTOS


NA CIDADE DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ

A política pública urbana brasileira sofreu inúmeras mudanças nas ultimas


décadas, acarretadas a partir das demandas sociais, o grande protagonista
destas mudanças, sem dúvida, foram os movimentos de luta por moradia, frente
à tormenta da especulação imobiliária nos grandes centros urbanos
(MARICATO, 2011).

Na elaboração do Plano Diretor, a participação social é consolidada


através dos instrumentos já mencionados anteriormente, como os debates,
audiências e reuniões com a participação de diversos segmentos da sociedade.
É neste momento que as demandas sociais são coletadas, analisadas e
acatadas nas futuras leis e normas.

O debate em torno da participação social e seus desdobramentos


acarretam uma enorme bibliografia e não seria oportuno neste trabalho, pois o
que interessa, a saber, é focar na lógica de apropriação dos mecanismos de
1464

participação social das políticas públicas urbanas e até que ponto, alguns grupos
são beneficiados em função desta possibilidade.
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PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE DE BALNEÁRIO SOUZA
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Para elaboração do Plano Diretor de Balneário Camboriú, a gestão


municipal, via consultoria contratada, executou o processo conforme
metodologia sugerida pelo Ministério das Cidades, onde as seguintes etapas
devem ser abrangidas: (a) leituras técnicas e comunitárias; (b) formular e pactuar
propostas; (c) definir os instrumentos; (d) o sistema de gestão e planejamento
do município (BRASIL, 2004).

Cabe lembrar que a metodologia sugerida foi retirada do “Plano Diretor


Participativo: guia de orientação pelos municípios e cidadãos”, versado em 2004
pelo Ministério das Cidades e único documento de orientação institucional
produzido até o momento. O documento foi elaborador pelo Conselho Regional
de Arquitetura e Agronomia, com o aval do referido Ministério.

No documento, foi constatado que a primeira etapa, intitulada de leituras


técnicas e comunitárias consiste no planejamento e levantamento de dados e
diagnósticos relativos ao desenvolvimento urbano, em outras palavras, significa
“ler a cidade”, trata-se de identificar e compreender a situação do município,
constituída por área urbana e rural, seus problemas, seus conflitos e suas
potencialidades (BRASIL, 2004).

A parte técnica é formatada pela interação dos técnicos da administração


pública e consultorias contratadas, a fim de realizar um amplo documento, porém
a parte comunitária torna-se um importante instrumento de participação social,
onde a população é chamada para opinar sobre a cidade, sugerindo melhorias
e mudanças.

Para leitura integrada e posterior consulta as demandas populacionais,


Balneário Camboriú realizou nesta etapa de diagnóstico, sete oficinas
1465

comunitárias de leitura, realizadas nos bairros da cidade e quatro oficinas por


segmentos, sendo estes: (a) meio acadêmico; (b) economia; (c) patrimônio
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socioambiental e (d) cultural, ao qual resultaram na elaboração de uma matriz


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de leitura da realidade e de um mapa síntese que permitiram compreender as


demandas reais do município, as particularidades de cada território municipal.
Este resultado propõe como objetivo ordenar as propostas durante a próxima
etapa (BALNEÁRIO CAMBORIÚ, 2014).

A segunda etapa é o momento onde são compiladas as informações


obtidas e procede-se a formulação de propostas, seja através da leitura dos
técnicos ou da população.

Já a terceira etapa consiste na parte mais importante da elaboração ou


revisão do Plano Diretor, pois neste momento são escolhidos os delegados que
irão representar a sociedade na elaboração do Plano Diretor. A orientação
contida no manual governamental é de que os delegados sejam compostos por
diferentes segmentos da sociedade, de modo que contemple as características
especificas da cidade em questão.

No caso da revisão do Plano Diretor de Balneário Camboriú, a divisão de


segmentos foi composta por: (a) movimentos sociais e populares; (b) entidades
empresariais; (c) trabalhadores; (d) técnicos; (e) organizações não
governamentais; (f) delegados governamentais. (BALNEÁRIO CAMBORIÚ,
2014)

É neste momento que as presenças e vozes penetram nos


desdobramentos do Plano Diretor. É notável a participação de setores da
construção civil e de outros setores empresarias. Na tabela abaixo, é possível
observar os delegados participantes no processo de revisão do Plano Diretor:

Tabela 2 Listagem das entidades representativas nomeadas como delegados


1466

para a revisão e complementação do Plano Diretor de Balneário Camboriú

Segmento Participante
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Empresarial ACIBALC – Associação Empresarial de Balneário Camboriú

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SINDISOL - Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares


SINDUSCON – Sindicato das Indústrias da Construção de Balneário
Camboriú
SECOVI – Sindicato das Empresas de Compras, Venda, Locação e
Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais
AMPE – Associação de Micro e Pequenas Empresas de Balneário
Camboriú
ACIBIC – Associação dos Corretores de Imóveis de Balneário
Camboriú
Conselho Comunitário e de Segurança – Barra Norte
Conselho Comunitário e de Segurança de Balneário Camboriú
Associação dos Aposentados e Pensionistas da Previdência Social
de BC
Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú
Associação dos Moradores e Proprietários de Imóveis da Praia do
Estaleiro Grande
Associação dos Moradores do Bairro das Nações
Associação Comunitária de Moradores do Bairro Nova Esperança
ABBECAF – Associação Brasileira Beneficente Cultura de
Movimentos Sociais Assistência à Família
e Populares
União das Associações de Moradores de Balneário Camboriú
AMPE - Associação dos Moradores da Praia do Estaleirinho
Associação dos Artesãos da Barra
Rotary Club BC
Rotary Clube BC Praia
Associação dos Moradores do Bairro Centro de BC
Associação Quilombola Comunidade Morro do Boi
Associação Jardim Denise
Lions Clube Centro
SECOVELAR – Sindicato dos Empregados em Empresas de
1467

Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais


Trabalhadores e Comerciais de BC
SITICOM BC – Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da
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Construção Civil e Mobiliário de BC

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Sindicato dos Empregados do Comercio de BC


Colônia de Pescadores de BC Z-7
SISEMBC – Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de
Balneário Camboriú
Área Profissional Associação dos Engenheiros e Arquitetos
CREA – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí
OAB/SC – Ordem dos Advogados do Brasil – 15º Subseção –
Balneário Camboriú

Fonte: Prefeitura Municipal de Balneário Camboriú: ata de Escolha dos Delegados Revisão
Plano Diretor, Adaptado pela autora3.

O que importa perceber é que o setor empresarial ultrapassa a barreira


de seu segmento, tornando-o parte de outros segmentos, como dos
trabalhadores, na forma de sindicatos vinculados à própria construção civil e ao
setor imobiliário, bem como, penetrado na área profissional, por engenheiros,
arquitetos e advogados, que na maioria das vezes, operam a favor do mercado
imobiliário.

Nesse sentido, Villaça (2005, p. 50) expõe que “os grupos e classes
sociais têm não só poderes políticos e econômicos muito diferentes, mas
também diferentes métodos de atuação, diferentes canais de acesso ao poder
e, principalmente – algo que se procura sempre esconder – diferentes
1468

interesses”.
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O único segmento que aparentemente não pertence ao ramo imobiliário é


o das organizações não governamentais, composta predominantemente por
entidades vinculadas a práticas desportivas.

Já no segmento dos delegados governamentais também foi observada a


presença de pessoas que propõem duplos interesses (funções governamentais
e funções privadas vinculadas ao setor da construção civil).

O desenho institucional dos agentes do capital imobiliário, adentrados das


mais diversas formas de representação social nos remete a pensar que a própria
política de participação social possibilita lacunas, tornando a disputa injusta e
não democrática.

Dessa forma, a classe dominante, composta pelo setor imobiliário, dita os


rumos participativos do planejamento urbano, a participação popular ressalta
uma possível igualdade e justiça nas decisões política, contra arbitrariedades
imaginadas (VILLAÇA, 2005).

Outro aspecto relevante desta análise são as disputas entre agentes. Há


dois tipos de disputas identificadas: (a) aquelas entre o setor empresarial
(construção civil e mercado imobiliário) versus movimentos de ordem
comunitária e ambiental; (b) disputas internas dentro do próprio setor
empresarial, onde há divergências das formas de negócios que a cidade pode
ofertar.

O primeiro tipo é mais factível, pois está em jogo exatamente o direito à


cidade e o acesso universal das pessoas. Neste contexto, percebemos a
presença maçante das associações de bairros com destaque aos representantes
1469

das praias Agrestes4.

Com exceção da parte central da cidade, nos bairros mais afastados da


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praia não são permitidos construções verticais superiores a quatro pavimentos.


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O impasse percebido é: empresários querem aumentar essa faixa e moradores


querem preservar a não verticalização. Há também impasses referentes às
acessibilidades e garantia dos direitos sociais de cada local.

Já o segundo tipo de disputa é de grande relevância para esta análise,


pois é realizada dentro do mesmo setor e possíveis desdobramentos para a
mercantilização da cidade.

Balneário Camboriú abriga um dos maiores trades imobiliários do país,


com unidades habitacionais de alto luxo e isto só é possível, por conta de uma
política de ordenamento territorial que supervaloriza determinadas áreas da
cidade.

As informações contidas a seguir (TABELA 3) foram extraídas de uma


pesquisa encomendada pelo SINDUSCON, com objetivo de traçar o perfil
imobiliário das cidades de Balneário Camboriú e Camboriú. Ainda que os dados
sejam relativos ao ano de 2013 é possível observar muitas informações
relevantes.
1470
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Tabela 3 Referência de preços e metragens dos imóveis na cidade de Balneário


Camboriú (Julho/2013)

Preço Área
Área total R$ / m2 R$ / m2
Localização Médio Privativa
Média Privativo Total
(em R$) Média

Beira Mar 2.185,488 177 340 11.645 6.070


Centro 987,372 128 250 7,706 3.924
Nações 483,997 90 156 5.228 3.059
Vila Real 185,767 67 109 3.786 2.038
Média de Bal.
1.397,463 141 269 8.864 4.652
Camboriú

Fonte: Pesquisa do Perfil Imobiliário de Balneário Camboriú e Camboriú, contratada pelo


SINDUSCON e realizada pela empresa BRAIN. Adaptada pela autora

Para entendimento dos dados, rapidamente caracterizaremos as quatro


áreas descritas: (a) a beira mar é basicamente a orla da praia, possui alto
adensamento urbano, composta por prédios de altíssimo padrão e alto luxo, a
maioria dos moradores são sazonais (temporada de verão e investimento); (b) o
centro é a região mais próxima à praia, também é caracterizado por alto
adensamento urbano e prédios de médio e alto padrão, com moradores fixos e
sazonais; (c) o bairro das Nações fica num afastamento médio da praia de 1 km,
é caracterizado por residentes fixos, na sua maioria casas e alguns prédios de
até quatro pavimentos; (d) o bairro Vila Real é o bairro mais afastado da orla da
praia, do lado oeste da BR 101, é formado predominantemente por casas e
alguns novos prédios de habitações padrão popular, com no máximo quatro
1471

pavimentos.
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Percebe-se nos dados da Tabela 3 uma discrepância entre os valores


praticados na beira mar e nos bairros mais afastados dela. O Plano Diretor traz
a responsabilidade de ordenar e controlar o uso do solo, para garantir o acesso
universal, a função social da cidade e evitar especulações imobiliárias.

No estudo de campo realizado, notou-se que as construções não estão


apenas no reduto da beira mar, porém elas avançam aos bairros mais afastados
da praia. E nesse contexto, a disputa entre as próprias construtoras permeiam
por conta das regras de zoneamento, “há numerosos e diversos atores no
mercado de moradia, e cada grupo tem um modo distinto de determinar o valor
de uso e o valor de troca” (HARVEY, 1980, p.139).

Construtoras de luxo querem aumentar a metragem mínima das unidades


habitacionais, para garantir supervalorização das áreas, e por outro lado, as
construtoras que tem foco em habitação de baixo padrão propõem baixa
metragem em áreas mais próximo a praia.

Esse impasse mostra que o planejamento urbano, através do Plano


Diretor, serve apenas para esconder os reais interesses na produção do espaço
urbano, e consequentemente, se legitima um discurso através de um documento
oficial (VILLAÇA, 2005).

É possível concluir que a participação social, na prática, não é efetiva,


pois a população, de modo geral atua no pouco espaço que lhe sobra,
desconhecendo regras e legislações, e dessa maneira, abre mais campo para
os grupos pertinentes a interesses econômicos. Cria-se um abismo e
distanciamento entre a participação popular e a tecnocracia estabelecida dentro
da Administração Pública. Essa divisão contribuiu para aprofundar a relação
1472

entre a “cidade legal” e a “cidade real” (MARICATO, 2000).


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Harvey (1996, p.48) diz que a paisagem física e social da urbanização é


moldada de acordo com critérios capitalistas distintos e que os capitalistas são
como todos os outros grupos sociais, ou seja: “lutam no sentido de fazer sua
própria geografia histórica e a compreensão do processo de urbanização das
cidades resulta a partir dos vieses dos mais diferentes agentes sociais”.

APONTAMENTOS FINAIS

Nas últimas duas décadas, testemunhou-se no Brasil o intenso aumento


pela participação social no âmbito das políticas públicas e de fato, a implantação
do Plano Diretor, como política pública urbana participativa e democrática ainda
está limitada a pequenos grupos de interesse, oriundos da especulação
imobiliária capitalista e de produção ideológica do Estado (VILLAÇA, 2005),
porém é importante frisar que os arranjos participativos na implantação de
políticas públicas brasileiras se caracterizam como um processo inovador na
sociedade, enfrentando várias dificuldades, principalmente pelo fato desses
espaços serem marcados pelo conflito e pelo embate ideológico.

O Estatuto das Cidades é um exemplo bem claro deste contexto e traz


uma importante representação simbólica, onde utiliza instrumentos que podem
ser usados a favor da especulação imobiliária e por outro lado, coloca-se como
um aliado instrumento da reforma da luta urbana, onde grupos sociais se
mobilizam e participam da gestão democrática e participativa, mesmo que sob
muita dificuldade.

Entretanto, no âmbito municipal e local, os instrumentos urbanísticos


precisam avançar frente ao diagnostico da participação social que relatamos até
aqui. Por um lado, veem-se leis e instrumentos de grande detalhamento, sendo
1473

acessíveis apenas há pequenos grupos tecnocráticos e altamente excludentes,


e por outro lado, uma população carente de representação e participação,
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periférica da cidade oficial. Desse modo, os representantes sociais do


planejamento urbano são sempre os mesmos agentes.

Verifica-se urgente, a necessidade dos gestores públicos municipais


repensarem a sua forma de fazer planejamento, na orientação de implantar
planos de ações que vão além dos processos normativos presentes na
legislação. A fiscalização efetiva poderia ser uma ótima alternativa para verificar
não só se as leis estão sendo aplicadas, mas, portanto, qual a qualidade efetiva
dessa aplicabilidade, “é o poder de polícia sobre o uso e ocupação do solo que
garante a ocupação não predatória do seu território” (MARICATO, 2011, p. 182).

De modo geral, o Brasil, ainda que lentamente, vai dando passos frente a
este processo e representa um avanço democrático, na medida em que começou
a se oferecer espaços para que os assuntos de interesse público sejam tratados
de forma mais legitima e a população, de alguma forma, tenha acesso.

Por fim, diante desta complexidade de fatores, cabe lembrar que o


trabalho dos pesquisadores de políticas públicas e reforma urbana, está em
pensar e repensar os modelos criados e executados, com a primazia de
aumentar a efetividade na atuação da população, para garantir a gestão
democrática.

REFERÊNCIAS

BALNEÁRIO CAMBORIÚ, Plano Diretor Participativo: síntese da leitura


técnica e comunitária: Balneário Camboriú: Iguatemi Consultoria, 2014.
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BALNEÁRIO CAMBORIÚ, Decreto nº 7.396, de 30 de maio de 2014: nomeia


os Delegados para Revisão e Complementação do Plano Diretor do
Município: Balneário Camboriú, Jornal Diário do Litoral, 2014.

BRASIL, Plano Diretor Participativo: guia para a implementação pelos


municípios e cidadãos: Brasília: CONFEA, 2004.

CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1983.

CORRÊA, Roberto. O espaço urbano, São Paulo, Ed. Ática, 1999.

CORRÊA, Isaque de Borba. História de duas cidades: Camboriú e Balneário


Camboriú. Balneário Camboriú: do autor, 1985.

COSTA, Sandra Maria Fonseca, MENDES, Jéssica Andretta, LIMA, Viviana


Mendes, MOREIRA, Henrique Colombari. Entre a cidade legal e a cidade ilegal:
a realidade das pequenas cidades da Amazônia — um estudo de Ponta de
Pedras, Pará urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 6, n. 1, p. 127-139,
jan./abr. 2014
1475

DANIELSKI, Marcelo. Padrão arquitetônico e representação social na


paisagem da beira mar de Balneário Camboriú/ SC. Dissertação (Mestrado).
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Catarina, Florianópolis, 2009.

JUNIOR, Ailton dos Santos. Expansão urbana e desenvolvimento turístico na


microrregião da foz do rio Itajaí-Açu reflexos na organização socioespacial
do bairro da Praia Brava - Itajaí (SC). Tese (doutorado), Programa de Pós
Graduação em Turismo e Hotelaria, Universidade do Vale do Itajaí. 2006.

HARVEY, David. A Justiça Social e a Cidade. Tradução: Armando Corrêa da


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___________. O trabalho, o capital e o conflito de classes em torno do ambiente


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Paulo, Ano II, n.6, p.6-35, jun/set 1982.

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KOWARICK, Lúcio. Escritos urbanos. São Paulo, Editora 34, 2000


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MARICATO, Ermínia. Urbanismo na Periferia do Mundo Globalizado: metrópoles


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___________ Metrópole, legislação e desigualdade. Estudos Avançados, v.


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___________. O impasse da política urbana no Brasil. 2º Edição: Vozes,


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ROLNIK, Raquel. A construção de uma política fundiária e planejamento


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<http://www.flaviovillaca.arq.br/pdf/ilusao_pd.pdf>. Acesso em: 01 de julho de
2015.

NOTAS

1 Informações extraídas do site: http://veja.abril.com.br/blog/cidades-sem-


fronteiras/arquitetura-2/predio-mais-alto/, acesso em 15/04/2016.

2 Informações obtidas junto a Fundação Cultural do Município.

3 Foram destacadas apenas entidades representativas para este trabalho.

4 Estão localizadas ao sul da cidade, são compostas por cinco praias


(Laranjeiras, Taquarinhas, Taquaras, Pinho, Estaleiro e Estaleirinho).
Atualmente são zonas residenciais com predominância de casas e a legislação
vigente não permite a verticalização e há uma consciência quanto à preservação
ambiental e superpopulação do local.
1478
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STELA LUIZA DE MATTOS ANSANELLI E PATRICIA NAKANO
POLÍTICA INDUSTRIAL E POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
DURANTE OS GOVERNOS LULA E DILMA

GRUPO DE TRABALHO 5 - GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

POLÍTICA INDUSTRIAL E POLÍTICA AMBIENTAL NO


BRASIL: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
DURANTE OS GOVERNOS LULA E DILMA

STELA LUIZA DE MATTOS ANSANELLI


Professora Dra. do Departamento de Economia
1479

UNESP. E-mail: stelaluiza@fclar.unesp.br


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PATRICIA NAKANO

POLÍTICA INDUSTRIAL E POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL:


CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS DURANTE OS STELA LUIZA DE MATTOS ANSANELLI E PATRICIA NAKANO
GOVERNOS LULA E DILMA
STELA LUIZA DE MATTOS ANSANELLI E PATRICIA NAKANO
POLÍTICA INDUSTRIAL E POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
DURANTE OS GOVERNOS LULA E DILMA

Graduanda em Economia pela UNESP. E-mail:


nakano_patricia@yahoo.com

RESUMO

A articulação entre políticas é fundamental para o desenvolvimento sustentável.


Programas industriais podem estimular setores ambientalmente adequados,
que, se forem envolvidos por objetivos da política ambiental, fortalecem a
sustentabilidade. O objetivo deste estudo foi verificar a convergência entre metas
de política industrial e ambiental durante os governos Lula e Dilma. Como
resultado, verificou-se que certos objetivos ambientais foram reforçados pelas
duas políticas, como a redução de emissões atmosféricas presente no Plano
Nacional sobre Mudança do Clima e em um programa da Política Industrial sobre
energias renováveis no governo Lula, seguido de recursos financeiros ao setor
no governo Dilma.

ABSTRACT
Articulating policies are key for sustainable development. Industrial programs can
encourage environmentally sound sectors, which, if engaged by objectives of
environmental policy, strengthen sustainability. The aim of this study was to verify
the convergence of industrial and environmental policy goals during the Lula and
Dilma governments. As a result, it was found that certain environmental
objectives were reinforced by two policies, such as reducing this atmospheric
emissions in the National Plan on Climate Change and an Industrial Policy
program on renewable energy in the Lula government, followed by financial
1480

resources sector Dilma government.


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POLÍTICA INDUSTRIAL E POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL:


CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS DURANTE OS STELA LUIZA DE MATTOS ANSANELLI E PATRICIA NAKANO
GOVERNOS LULA E DILMA
STELA LUIZA DE MATTOS ANSANELLI E PATRICIA NAKANO
POLÍTICA INDUSTRIAL E POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
DURANTE OS GOVERNOS LULA E DILMA

INTRODUÇÃO

Toda atividade econômica gera algum impacto sobre o meio ambiente. As


atividades industriais e, consequentemente políticas industriais que visam à
promoção desse setor, podem alterar o nível de emissão de poluentes e da
utilização de recursos naturais. De outro lado, as restrições ambientais
estabelecidas pelo governo, por meio de instrumentos de política ambiental,
também tem o poder de afetar a competitividade de setores industriais, a partir
da percepção das empresas quanto ao custo de reduzir ou evitar o nível de
emissão de rejeitos.

Em termos dos efeitos ambientais decorrentes da atividade industrial,


Krausmann et al (2009) mostraram a aceleração da pressão ambiental com os
adventos das Revoluções Industriais. Entre 1900 e 2005, 60 bilhões de toneladas
ao ano de recursos naturais foram extraídos no mundo. A emissão de poluentes
também cresceu. Por exemplo, a concentração de dióxido de carbono (CO2) na
terra passou de 280 partes por milhão (ppm) em 1750 para 390 ppm nos dias
atuais e a temperatura média da terra aumentou 0,8 graus centígrados entre
1900 e 2010 (ENVOLVERDE, 2014).

Dessa forma, instrumentos de política industrial, como incentivos


financeiros, subsídios, promoção das exportações, se direcionados a setores
que geram emissão de poluentes durante o seu processo produtivo (indústrias
ambientalmente sensíveis) podem intensificar essas pressões ambientais. Como
definem Grossman e Krueger (1995), a política comercial, por exemplo, pode
promover as exportações de produtos intensivos em recursos naturais gerando
um efeito escala.
1481

Do ponto de vista dos efeitos da política ambiental sobre a


competitividade, a visão tradicional parte do pressuposto que a regulação
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ambiental aumenta os custos das firmas e, sendo essas tomadoras de preço,


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perderão competitividade no mercado em que atuam (PALMER, OATES,


PORTNEY, 1995). Porém, a partir de uma abordagem dinâmica, se reconhece
os ganhos competitivos decorrentes da proteção ambiental. Segundo Porter
(1999), a regulação ambiental gera uma pressão que estimula inovações
tecnológicas. Dessa forma, os custos iniciais da adequação com a regulação
ambiental serão futuramente compensados pelos benefícios das inovações,
promovendo ganhos de produtividade e competitividade.

Esse pequeno apontamento bibliográfico chama a atenção para a


importância de melhor articulação entre os instrumentos de política industrial e
os de política ambiental em prol da competitividade de setores industriais e da
proteção ambiental.

No Brasil há vários estudos voltados à experiência de Política Industrial e


outros sobre instrumentos e impactos das Políticas Ambientais, mas não
exploram as articulações entre metas, instrumentos e objetivos das duas
políticas. Desse modo, o objetivo desse trabalho é verificar se houve
compatibilidade entre a política industrial e a política ambiental durante os
governos Lula e Dilma, a partir de 2003, por meio de revisão bibliográfica e
exploração das políticas nos sites do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio (MDIC) e Ministério do Meio Ambiente (MMA). A realização dessa
pesquisa se justifica, portanto, pela necessidade de repensar uma estratégia de
desenvolvimento eco industrial para o Brasil.

POLÍTICA INDUSTRIAL X POLÍTICA AMBIENTAL: REFERENCIAL TEÓRICO


1482

Por se tratar da atuação do Estado sobre a atividade econômica, a


discussão sobre Política Industrial (PI) e Política Ambiental (PA) reflete
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divergências ideológicas entre a corrente ortodoxa, orientada pelo mercado, e a


heterodoxa.

Conceitos de política industrial

Existe certa dificuldade na definição de um conceito único de PI, por causa


de diferentes visões teóricas a respeito do papel do Estado na condução da
estrutura industrial. É possível identificar duas concepções divergentes quanto à
PI e associá-las a dois grupos de autores.

Num primeiro grupo, podem-se identificar alguns autores que definem


uma PI strictu sensu (específica), ou seja, uma PI orientada pelo mercado, no
sentido de corrigir as falhas de seu funcionamento ou complementar suas
operações. As intervenções, para estes autores, devem ser temporárias e as PI
ter caráter seletivo, por se dirigir a indústrias particulares, mas com vistas a
resultados que geram eficiência econômica em geral. Esta definição exclui
políticas que afetam a indústria em geral e dirigidas a outras categorias, como
políticas regionais (CHANG, 1994). Entre as medidas sugeridas por esse grupo,
encontram-se a proteção comercial à indústria nascente, políticas corretoras de
falhas de mercado e intervenções na estrutura competitiva da indústria (ITOH et
al (1991) apud SUZIGAN, VILLELA, 1997).

Estes autores enxergam a PI como um complemento e não uma forma


alternativa ao mecanismo de mercado, mas não são explícitos quanto às
políticas de distribuição de renda, controle da poluição, desenvolvimento
regional, e nem às relações com a política macro.
1483

Num segundo grupo, encontram-se autores que defendem uma PI lato


sensu, ampla, por incorporar não só PIs específicas, mas também medidas
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gerais, voltadas ao desenvolvimento industrial. Para esses, a PI tem aspectos


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macro e microeconômicos: no plano macro deve promover incentivos


governamentais para economias privadas, como investimentos em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), corte de custos, controle de qualidade, manutenção da
competição e melhoramento nas relações de trabalho; no plano micro, deve
facilitar o desenvolvimento das indústrias, identificando tecnologias novas e
antecipando a retirada das tecnologias defasadas (JOHNSON, 1984). Pode ser
de natureza defensiva (mecanismos de proteção para sobrevivência industrial)
e ofensiva (promoção da produtividade ou realocação de recursos), mas não
deve ser confundida com um eufemismo à proteção e visar o longo prazo
(CORDEN, 1980).

A partir desse breve apontamento teórico, Suzigan (1995), Villela e


Suzigan (1996) e Suzigan e Villela (1997), propõem uma abordagem que
ultrapassa este debate, por considerar a definição específica e ampla como
partes essenciais de uma estratégia de desenvolvimento industrial tal que
envolva a articulação entre diversas políticas: política macroeconômica, políticas
setoriais, estruturantes e instrumentais, conforme Figura 1.

Figura 1

Política Industrial: instrumentos e articulação com outras políticas


1484
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Fonte: Suzigan (1992) e Suzigan e Villela (1997).

Princípios e instrumentos de política ambiental

As medidas de política ambiental trazem benefícios sociais no que se


refere à melhor qualidade de vida. De acordo com o objetivo ambiental, as
políticas ambientais podem ser descritas por meio de princípios norteadores e
instrumentos. Os princípios mais difundidos e utilizados internacionalmente são
o princípio do poluidor-pagador, o princípio da precaução e, mais recentemente,
o princípio da responsabilidade ampliada do produtor (Extended Producer
Responsibility – EPR).
1485

O princípio do poluidor-pagador representa o estabelecimento de um


preço para uso do meio receptor, na medida em que induz o poluidor a diminuir
seus despejos (CÁNEPA, 2003). O Princípio da Precaução é recomendado na
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existência de risco e incerteza científica (OCDE, 2002; ROMEIRO, 2003). A


função da responsabilidade ampliada do produtor (EPR) é transferir os custos
e/ou a responsabilidade sobre o gerenciamento dos resíduos ou de produtos no
fim da vida útil para o produtor (OCDE, 2006).

Com relação aos instrumentos de política ambiental, estes podem ser


classificados em regulação direta (ou comando e controle) e instrumentos
econômicos (ALMEIDA, 1998). Os mecanismos de regulação direta atuam por
meio da fiscalização e de multas aplicadas pelas autoridades governamentais e
incluem: padrões de poluição para fontes específicas, como limites de emissão
de poluentes; controle de equipamentos, como instalação de equipamentos de
filtros contra poluição atmosférica; controle de processo, pela de substituição de
um insumo, por exemplo; controle de produtos; proibição ou restrição de certas
atividades, como zoneamento; e controle do uso de recursos naturais: através,
por exemplo, de cotas (não comercializáveis) para extração.

Os instrumentos econômicos visam alterar as decisões dos agentes por


afetar o cálculo monetário de custos e benefícios. Estes envolvem o
estabelecimento de taxas e tarifas, subsídios, criação de mercado e sistemas de
devolução de depósitos. As taxas e tarifas envolvem: taxa sobre efluentes,
cobrada por unidade de lançamento de poluentes; taxas sobre usuário, cobradas
de modo uniforme; taxas sobre produtos, incidindo sobre o preço do produto que
gera poluição; e diferenciação de taxas, com preços mais favoráveis para
produtos menos poluidores. Os subsídios servem para incentivar poluidores a
reduzir os níveis de poluição e constituem-se de subvenções, uma forma de
assistência financeira não reembolsável, empréstimos subsidiados e incentivos
1486

fiscais (ALMEIDA, 1998).

Em termos de viabilidade, Almeida (1998) considera que os instrumentos


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econômicos dão maior flexibilidade para que os agentes respondam aos

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estímulos, porém podem ser ineficazes na alteração do comportamento


ambiental. Esses instrumentos são preferíveis pela linha teórica que argumenta
contra a intervenção do Estado na economia. Os instrumentos de regulação
direta, por sua vez, são mais eficazes na mudança do comportamento ambiental
do agente poluidor, mas não consideram as diferenças nas suas estruturas de
custos. Mecanismos de comando e controle são os mais usados
internacionalmente. Contudo, segundo a autora, o ideal é o uso de um mix de
instrumentos voltado à correção dos problemas ambientais (ALMEIDA, 1998).

POLÍTICA INDUSTRIAL X POLÍTICA AMBIENTAL: A EXPERIÊNCIA


BRASILEIRA

A experiência de política industrial no Brasil data desde os anos 1950 com


o Plano de Metas, passando pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento, pelo
fechamento da economia nos anos 1980 e a política de abertura econômica nos
anos 1990. No início o foco foi o desenvolvimento industrial com atração de todos
os setores, independentemente do seu potencial poluidor. Ou seja, não havia,
nos documentos dos planos qualquer objetivo ambiental. Já durante os governos
Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, buscou-se a modernização
da estrutura industrial por meio da exposição à concorrência internacional via
abertura comercial, valorização da taxa de câmbio e privatização (ANSANELLI,
2001; BARCELLOS, 2001).

A experiência de política ambiental, por sua vez, é mais recente em


relação à trajetória de política industrial e à experiência de política ambiental de
outros países. Ela se inicia com a Política Nacional do Meio Ambiente (1981),
1487

passa pela Política Nacional de Recursos Hídricos (1996), Política Nacional


sobre Mudança do Clima (2009) e chega à Política Nacional de Resíduos Sólidos
Página

(2010) (MMA, 2016).


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Governo Lula (2003-2010)

Duas foram as PIs estabelecidas durante o governo Lula: a Política


Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) 2004-2008 e a Política
de Desenvolvimento Produtivo (PDP) 2008-2010.

A PITCE, implementada pela Agência Brasileira de Desenvolvimento


Industrial (ABDI), visou à expansão das exportações, aumento da capacidade de
inovação das empresas brasileiras e o aumento da eficiência produtiva. Buscou-
se acentuar a inserção do Brasil no mercado internacional, por meio do estímulo
aos setores com maior capacidade de desenvolver vantagens competitivas.
Atuou em três eixos: 1) Linhas de ação horizontal com inovação e
desenvolvimento tecnológico, inserção externa, modernização industrial e do
ambiente institucional; 2) Setores estratégicos, que incluíram software,
semicondutores, bens de capital, fármacos e medicamentos; e 3) Atividades
portadoras de futuro, como biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis.
Além do mais, havia dois macroprogramas mobilizadores: 1) Indústria forte, cujo
objetivo foi fortalecer e expandir a base industrial brasileira; e 2) Inova Brasil, que
visou o aumento da capacidade inovadora das empresas (SALERNO, DAHER,
2006).

A PITCE foi composta por um conjunto de 57 medidas distribuídas em 11


programas, cujos principais instrumentos consistiram em financiamento,
desburocratização de procedimentos, desoneração tributária, prospecção de
mercado, consolidação de marcas brasileiras no mercado internacional,
modernização de equipamentos, apoio ao registro de patentes, harmonização
da base legal, definição da institucionalidade, maior atuação do Estado no que
1488

tange a oferta de garantias e fontes de financiamento, assegurando o


investimento privado, e pelo estímulo à fusão de empresas e estímulo à
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produção doméstica de fármacos e bens de capital (SALERNO, DAHER, 2006,


FERRAZ, 2009).

Dando continuidade à PITCE, no segundo Governo Lula, 2008 foi lançada


a PDP. A nova política teve como objetivos a ampliação da capacidade de
ofertar, a preservação da robustez do balanço de pagamentos, a elevação da
capacidade de inovar, o fortalecimento das Médias e Pequenas Empresas
(MPEs) e a sustentação de um ciclo de desenvolvimento baseado no longo
prazo. Seus instrumentos consistiram em financiamento, poder de compra por
parte do governo, regulação, apoio técnico, aprimoramento jurídico,
desoneração, subvenção econômica e desburocratização fiscal/tributária
(FERRAZ, 2009; ABDI, 2008).

A fim de implementar uma política mais ampla, transversal e articulada,


os programas foram dispostos em três níveis (MDIC, 2010):

1) Ações Sistêmicas voltadas à estrutura produtiva com dois eixos


centrais: i) integração da PDP com os programas em curso como Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), Plano Nacional de Qualificação (PNQ) e
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE); ii) incentivos aos investimentos.
Em um total de sete programas, incluindo setores nos quais o Brasil é
considerado forte: petróleo, gás e petroquímica, bioetanol, mineração, celulose
e papel, siderurgia, carnes e aeronáutico;

2) Programas mobilizadores em áreas estratégicas, que cobriu onze


setores: indústria naval e cabotagem; têxtil e confecções; complexo automotivo;
couro, calçados e artefatos; madeiras e móveis; agroindústria; construção civil;
complexo de serviços; higiene, perfumaria e cosméticos; plásticos; e bens de
1489

capital;
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3) Destaques Estratégicos, para o desenvolvimento produtivo no longo


prazo, abrangendo o complexo industrial da saúde; tecnologias de informação e
comunicação; energia nuclear; nanotecnologia; biotecnologia; e complexo
industrial de defesa.

Com relação à PA, somente ao final do segundo mandato do Governo


Lula foi instituída a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), Lei nº
12.897/2009, com as metas de reduzir a emissão de gases de efeito estuda
(GEE). No âmbito dessa Lei o país adotou o compromisso de reduzir entre 36,1%
e 38,9% das emissões projetadas até 2020 (MMA, 2009).

O objetivo da PNMC é prever, evitar ou minimizar as causas identificadas


da mudança climática com origem antrópica no território nacional e deve estar
em consonância com o desenvolvimento sustentável. Além da expansão de
áreas protegidas, do reflorestamento e da preservação de recursos naturais, a
política visou estimular o desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de
Emissões (MBRE) (MMA, 2009). Como pode ser visto no Quadro 1 abaixo, os
instrumentos da PNMC envolveram incentivos financeiros, mecanismos de
cooperação e comunicação. Deste modo, em comparação com o referencial
teórico (seção 2.2) se caracterizaram por instrumentos econômicos na forma de
incentivos e não à punição do poluidor, como taxas ou instrumentos de
regulação.
1490

Quadro 1. Instrumentos da PNMC

Plano Nacional sobre Mudança do Clima


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Fundo Nacional sobre Mudança do Clima

Planos de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento nos biomas

Comunicação com Convenções internacionais


Resoluções da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima

Medidas fiscais e tributárias

Linhas de crédito e financiamento específicas de agentes financeiros públicos e privados

Linhas de pesquisa por agências de fomento

Mecanismos financeiros e econômicos

Parcerias público-privadas

Medidas de divulgação, educação e conscientização

Monitoramento climático nacional

Indicadores de sustentabilidade

Fonte: MMA (2009).

1. Convergências

Após investigação de cada um dos instrumentos das duas políticas, foi


possível identificar um ponto de convergência: estímulo conjunto às fontes de
energia renováveis. No âmbito da PI, dentro da PITCE e da PDP, duas foram as
principais fontes renováveis atendidas: nuclear e bioetanol. Durante a PITCE,
embora embutido nas Atividades Promotoras do Futuro e não diretamente
vinculado ao MDIC, o Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia
Elétrica (PROINFA) em 2004 pode ser considerado como um instrumento
indireto da PI (SALERNO, 2006). Coordenado pelo Ministério de Minas e Energia
(MME), o programa promoveu investimentos de cerca de R$ 11 bilhões para
redução de GEE e os principais agentes financiadores foram o BNDES, Banco
1491

da Amazônia (BASA), Caixa Econômica Federal (CEF), Banco do Brasil (BB) e


Banco do Nordeste (BNB). O programa incluiu projetos que abrangeram
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energias alternativas advindas de fonte eólica, de Pequenas Centrais


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Hidrelétricas (PCH) e da biomassa e a energia gerada do total dos


empreendimentos foi de aproximadamente 12.000 GWh/ano, o que equivale a
duas vezes o consumo anual de um estado brasileiro de porte médio. Atualmente
o PROINFA está 100% viabilizado. Quanto às emissões de GEE, foi estimada,
por conta do PROINFA, uma redução anual de 3 milhões de toneladas de dióxido
de carbono (CO2) (MME, 2009).

Já, na PDP, o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de


Usinas Nucleares (RENUCLEAR) buscou beneficiar empresas que tivessem
projetos aprovados para implantação de obras de infraestrutura no setor de
geração de energia elétrica de origem nuclear. Ele favoreceu o setor com
eliminação ou redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do
Imposto de Importação (II). O RENUCLEAR teve como desafio dominar o
enriquecimento de urânio em escala industrial, recuperar e modernizar o parque
industrial para fabricação de equipamentos pesados e recompor e capacitar
recursos humanos do setor nuclear. Seus benefícios se iniciaram no último ano
do governo Lula e se estenderam até 2012 e o volume de investimentos foi da
ordem de aproximadamente R$ 325 milhões (MDIC, 2010).

Com relação à outra fonte energética, a PDP-Bioetanol teve por objetivo


reconquistar a liderança mundial no bioetanol, aumentar o aproveitamento de
subprodutos (vinhaça, levedura e bagaço), dominar próximas gerações
tecnológicas e expandir a oferta de eletricidade por meio da biomassa. Foi
composto por sete ações e vinte e seis medidas, agrupadas em cinco blocos:
aumento da capacidade de produção e de exportação de etanol,
sustentabilidade, bioeletricidade, inovação e mercado internacional (MDIC,
1492

2010).

O bietanol recebeu apoio da FINEP e do BNDES por meio de dois


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programas que disponibilizaram um montante de até R$ 1,7 bilhão. O primeiro

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programa diz respeito à inovação no setor de bioetanol, financiando investimento


em projetos de tecnologia que permitiriam o aproveitamento da cana de açúcar,
(bagaço e a palha), na produção de etanol e de novos produtos. E o segundo
programa forneceu recursos da ordem de até R$ 750 milhões para apoiar
projetos de inovação nas empresas que se enquadrem nas linhas do Programa
de Sustentação do Investimento (PSI-BNDES). Nos contratos de financiamento
foram utilizadas taxas fixas subsidiadas de 3,5% para projetos de P&D nas áreas
prioritárias da PDP do governo Federal, e de 4,5% para estudos e iniciativas de
implantação de mudanças de processos de P&D nas empresas (MDIC, 2010).

Do lado da PNMC, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC),


um dos principais instrumentos dessa política, estabeleceu diversos incentivos à
redução da emissão de GEE, que ultrapassaram esse governo. Com a finalidade
de apoiar projetos e empreendimentos que visassem à mitigação da mudança
do clima e a adaptação à mudança do clima e aos seus efeitos, forneceu
recursos não reembolsáveis no valor de cerca de R$30 milhões, por conta do
MMA, e reembolsáveis, de responsabilidade do BNDES, cuja fonte principal foi
a Participação Especial do Petróleo. Os recursos reembolsáveis tiveram seis
linhas de ação, incluindo reaproveitamento energético de resíduos sólidos e
combate à desertificação, com taxas diferenciadas do FNMC e reduzidas pelo
BNDES para os anos subsequentes.

2. Divergências

Podemos considerar dois tipos de divergência: temporal e setorial. A de


tempo se refere à demora no início da articulação entre os instrumentos de PI e
PA, que está concentrada no fim do segundo mandato do governo Lula. Quanto
1493

aos incentivos industriais, vários setores considerados poluidores, durante o seu


processo produtivo ou intensivos em recursos naturais, tiveram assistência sem
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a contrapartida de melhoria de gestão ambiental, sobretudo no segundo

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mandato do governo sob a PDP, a saber: couro, calçados e artefatos; madeiras


e móveis; agroindústria; construção civil; plásticos; mineração, siderurgia e
celulose.

Governo Dilma (2011-2014)

A PI do primeiro mandato da presente Dilma pode ser demarcada pelo


Programa Brasil Maior, anunciado em agosto de 2011 com vistas à sustentação
do crescimento econômico em um contexto de crise internacional. Teve como
foco a inovação e o adensamento produtivo do parque industrial brasileiro,
objetivando ganhos sustentados da produtividade do trabalho (ABDI, 2011).

Apresentou duas dimensões: uma sistêmica, com uma estrutura de


investimento horizontal e transversal, cobrindo inovação, formação e
qualificação profissional, produção sustentável, competitividade de pequenos
negócios, ações especiais em desenvolvimento regional, bem-estar do
consumidor e condições e relações de trabalho; e outra dimensão setorial,
dezenove foram os setores beneficiados, como petróleo, automotivo, celulose e
papel, químico, de energia renovável, agroindústria entre outros (ABDI, 2011).

O Programa Brasil Maior apontou 10 metas a serem implementadas até o


ano de 2014: ampliação do investimento fixo em porcentagem do PIB; elevação
do dispêndio empresarial em P&D em porcentagem do PIB; aumento da
qualificação de Recursos Humanos; ampliação do valor agregado nacional;
elevação da porcentagem da indústria intensiva em conhecimento;
fortalecimento das MPEs; produção de forma mais limpa; diversificação das
exportações brasileiras; elevação da participação nacional nos mercados de
tecnologias e ampliação do acesso a bens e serviços para qualidade de vida.
1494

(ABDI, 2011):
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Para atingir essas metas, três grandes blocos de medidas foram


utilizadas: 1) redução dos custos dos fatores de produção e oferta de crédito
para investimentos, inclusive para MPEs; 2) desenvolvimento das cadeias
produtivas, indução do desenvolvimento tecnológico e qualificação profissional
destinando-se cerca de R$20 bilhões para áreas estratégicas, como Inova
Saúde, Inova agro, Inova Telecom, Inova Sustentabilidade, Inova Petro e Inova
energia; 3) promoção das exportações e defesa do mercado interno (ABDI,
2011).

Ao se tratar da PA, foi instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos


(PNRS) por meio da Lei 12.305/2010, mas cujo vigor se deu em agosto de 2014.
Desse modo, embora sua promulgação tenha ocorrido em agosto de 2010, ainda
no governo Lula, mas cuja maior parcela do ajuste e entrada e vigor no governo
Dilma, consideramos que o mérito da PNRS se refere ao governo anterior, mas
vamos estudar as articulações com a PI no governo Dilma.

A PNRS incorporou os princípios da prevenção e da precaução, do


poluidor-pagador e do protetor-recebedor e envolveu a cooperação entre as
diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da
sociedade. Além disso, compartilhou a responsabilidade pelo ciclo de vida dos
produtos entre fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes,
consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana.

A PNRS teve como objetivo central a não geração, redução, reutilização,


reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final
ambientalmente adequada dos rejeitos. Os instrumentos utilizados para tanto
foram: Planos de resíduos sólidos; inventários e o sistema declaratório anual de
1495

resíduos sólidos; coleta seletiva, coleta de resíduos sólidos previamente


segregados; incentivo à criação e desenvolvimento de cooperativas de
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catadores; monitoramento e fiscalização ambiental; pesquisa científica e

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tecnológica; educação ambiental; incentivos fiscais, financeiros e


creditícios; cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado;
Fundo Nacional do Meio Ambiente e o Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico; Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos
Resíduos Sólidos (SINIR) e a Logística Reversa (MMA, 2010).

Com relação a esse último aspecto, produtores estão obrigados a


estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos
produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público
de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes de: agrotóxicos, seus resíduos e embalagens;
pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens;
lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; e produtos
eletroeletrônicos e seus componentes.

Em comparação com as proposições teóricas da seção 2.2, a PNRS


apresenta uma natureza de comando e controle, regulatória, mas ao mesmo
tempo flexível quanto ao prazo de adequação dos agentes afetados, como setor
público, diversos setores industriais, catadores e consumidores finais.

1. Convergências

Existiu uma continuidade entre os elementos da PI do governo Lula e


Dilma no que se refere ao estímulo à área energética e climática, dado pelos
programas Inova Sustentabilidade e Inova Energia. Ressalta-se que o montante
total de investimento destinado aos programas de inovação do Brasil Maior, o
Inova Sustentabilidade juntamente com o Inova Energia, receberam 28% do total
do investimento e foram concluídos.
1496

O Plano Inova Sustentabilidade foi uma iniciativa de fomento à inovação


Página

e ao aprimoramento da integração dos instrumentos de apoio disponibilizados

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DURANTE OS GOVERNOS LULA E DILMA

pelo BNDES e pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Receberam


apoio quatro linhas, das quais duas estão diretamente vinculadas com metas da
PI e PA do governo anterior (energia) e da PA atual (tratamento de resíduos
sólidos) (BNDES, 2013 a):

- Linha Produção Sustentável: eficiência energética no setor Industrial;


produção sustentável mais eficiente de carvão vegetal com recuperação de
gases e carboquímicos; prevenção e controle de emissões atmosféricas
incluindo sistemas para captura e armazenamento de dióxido de carbono;
tratamento e redução no uso de substâncias tóxicas ou perigosas; coleta,
tratamento, redução e reutilização de efluentes líquidos provenientes de
atividades industriais; redução, reutilização e reciclagem de resíduos sólidos
industriais; bem como tratamento, recuperação de áreas degradadas,
biolixiviação e lixiviação química para aproveitamento de resíduos e redução dos
impactos ambientais da indústria minero-metalúrgica.

- Linha Saneamento Ambiental: aproveitamento energético de resíduos;


aterros sanitários e tratamento, recuperação, reciclagem e disposição de
resíduos sólidos urbanos; coleta, transporte, triagem, descontaminação e
tratamento de materiais em sistemas de logística reversa.

Os recursos disponibilizados pelo BNDES e pela FINEP somaram cerca


de R$2 bilhões e envolveram diversos setores, como alimentício, químico,
plásticos, papel e celulose, energia entre outros. Observa-se que aqui foram
contemplados setores considerados poluidores.

O Plano Inova Energia foi uma iniciativa destinada à coordenação das


ações de fomento à inovação com recursos disponibilizados pelo BNDES, pela
1497

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e pela FINEP com três linhas
diretamente vinculadas à eficiência energética e fontes renováveis (BNDES,
Página

2013b): Linha 1: Redes Elétricas Inteligentes (Smart Grids) e Transmissão em


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Ultra-Alta Tensão (UAT): novas tecnologias, softwares, infraestrutura; Linha 2:


Geração de Energia através de Fontes Alternativas: soluções tecnológicas para
as cadeias fotovoltaicas, hélio-térmica, eólica; Linha 3: Veículos Híbridos e
Eficiência Energética Veicular, incluindo automotores híbridos como etanol.

Os recursos disponibilizados pela FINEP e BNDES somaram R$3 bilhões


abrangendo os setores automotivo, energético, agroindustrial, químico,
eletrônico, entre outros.

Desse modo, podemos apresentar dois pontos de convergência: um com


a PI e PA anterior em energia, ou seja, continuidade; outro, menos evidente,
entre a PNRS e alguns apontamentos do Inova Energia quanto aos resíduos
sólidos. Outro aspecto interessante foi a promoção dos recursos do BNDES e
FINEP aos setores considerados poluidores.

2. Divergências

O foco dos instrumentos da PI do governo Dilma vinculados ao meio


ambiente, embora tenham envolvido o tratamento de resíduos sólidos e o seu
reaproveitamento energético, foi o setor de energias renováveis. De outro lado,
a modernidade e a força da PA executada durante o governo Dilma, a PNRS,
esteve voltada aos resíduos sólidos.

Síntese conclusiva

Por meio da Figura 2, buscaram-se relacionar os aspectos ambientais


comuns às PI e PA dos dois governos - energia e resíduos sólidos – e ressaltar
o grau de compatibilidade entre políticas por meio das setas. Verificou-se que a
preocupação energética esteve bastante presente nas PIs dos dois governos. A
1498

seta densa no governo Lula mostra a compatibilidade entre as PI e PA no que


se refere às energias renováveis; a seta densa entre os governos Lula e Dilma
Página

reflete a continuidade das medidas de PI voltadas às energias renováveis.


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Quanto aos resíduos sólidos, seu tratamento esteve mais voltado à PA do que a
PI e somente durante o governo Dilma, como pode ser observado pela seta
tracejada.

Figura 2: Compatibilidade entre Pi e PA nos governos Lula e Dilma

Governo PI PA Área
ambiental
PITCE PNMC
- PROINFA - FNMC
Lula - PDP - Financiamento Energias
PDP-Renuclear - Cooperação Renováveis
PDP-Bioetanol - Pesquisa

Brasil Maior PNRS


- Inova - Regulação Resíduos
Dilma Sustentabilidade - Logística Sólidos
- Inova Energia Reversa

Energias
Renováveis

CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi verificar se houve compatibilidade entre a


Política Industrial (PI) e a Política Ambiental (PA) durante os governos Lula e
Dilma. A partir da revisão da literatura teórica observou-se que, apesar das
distintas abordagens sobre o papel do Estado na economia, tanto na PI quanto
na PA, há certo consenso sobre a importância da combinação de diferentes
instrumentos em prol de um objetivo comum. Embora no Brasil nunca tenha
havido uma preocupação com uma estratégia de política eco industrial, foi
1499

possível observar pontos convergentes entre as PI e PA vigentes durante os


governos Lula e Dilma.
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Verificamos que energia renovável foi um aspecto ambiental fortemente


reforçado não só pelas duas políticas no governo Lula, como entre as políticas
industriais dos dois governos, indicando uma continuidade ao longo do tempo.
Porém grande parte dos programas industriais voltou-se a setores poluidores,
sobretudo no governo Lula, e houve uma articulação fraca entre a PI e PA no
governo Dilma com relação aos resíduos sólidos, refletindo uma compatibilidade
parcial.

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LUDMILA FÁVERO ROMANI PIOLI
REFLEXÕES SOBRE A CONFERÊNCIA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DE
2010 E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

REFLEXÕES SOBRE A CONFERÊNCIA NACIONAL DE


CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DE 2010 E A
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

LUDMILA FÁVERO ROMANI PIOLI


1504

Bacharela em Administração Pública pela


UNESP, Mestrando em Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas pela UNICAMP (FCA). E-mail:
Página

ludmilafav@gmail.com
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POLÍTICAS PÚBLICAS
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2010 E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

RESUMO

A Constituição Brasileira de 1988 promoveu um novo arranjo democrático legal


denominado regime de gestão compartilhada, no qual a sociedade é convidada
a contribuir para a formulação de políticas públicas através da participação. As
Conferências Nacionais são formas institucionalizadas de participação popular,
contudo, pouco se apurou sobre a efetividade – sobre os impactos e as
influências – que as mesmas puderam gerar na formulação de políticas.
Buscando contribuir com o debate da democracia participativa e deliberativa, o
objetivo do presente trabalho é analisar a interface entre as deliberações da
Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação de 2010 e a formulação
de políticas públicas. Para isso, foi realizada uma pesquisa exploratória,
qualitativa e quantitativa por meio da comparação entre recomendações da
Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) e as
Proposições Apreciadas na Comissão Permanente de Educação no quadriênio
2011-2014.

ABSTRACT

The Brazilian Constitution of 1988 promoted a new legal democratic arrangement


called shared management system, in which the society is invited to contribute to
the formulation of public policies through participation. The National Conferences
are institutionalized forms of popular participation, however, little was been
proven on the effectiveness - of the impacts and influences - that they might
produce in policy. Seeking to contribute to the discussion of participatory and
deliberative democracy, the objective of this research is to analyse the interface
1505

between the decisions of the 4th CNCTI – “National Conference on Science,


Technology and Innovation for a Sustainable Development” and the formulation
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of public policies. For the survey, an exploratory, an qualitative and quantitative


research through comparing the recommendations of the “National Strategy for
Science, Technology and Innovation (ENCTI)” and Propositions Approved on
Standing Committee on Education in the 2011-2014 quadrennium was done.
1506
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INTRODUÇÃO

A democracia no Brasil atual pode ser considerada como um método


político, um procedimento (SCHUMPETER, 1985) utilizado para designar os
representantes políticos que tornarão concretas as demandas da maioria que o
elegeu através de eleições organizadas. O conceito de democracia é discutido
há aproximadamente 25 séculos, e, até o momento, não consegue abrigar um
consenso ou uniformidade de definições. Segundo Dahl (2001, p. 13), a
democracia: "tem significados diferentes para povos diferentes em diferentes
tempos e diferentes lugares", contudo, será considerada aqui genericamente
como: “gramática de organização da sociedade e da relação entre o Estado e a
sociedade.” (SANTOS; AVRITZER, 2003, p. 50-51).
O que se observa hoje de forma consistente é que diversos são os fatores
que influenciam as decisões dentro das arenas democráticas, extrapolando
então, a elementar relação entre os governados e os governantes. A
configuração das instituições, o jogo político, a pressão popular, os grupos de
interesses, entre outros aspectos, interceptam esse cenário de forma enfática. A
relação direta entre a vontade da maioria, o tradicional “governo formado pelo
povo” ‒ destacado pela teoria clássica da democracia ‒, não mais é suficiente
para expressar as relações que ocorrem na concretização das demandas.
Dentro do heterogêneo cenário atual, um exemplo simples se manifesta
quanto à perspectiva dos atores envolvidos. Nota-se que: “os atores políticos e
sociais agem não somente de acordo com os seus interesses pessoais. Também
as suas identidades, ora enquanto cidadão, político, servidor público, ora
enquanto engenheiro, médico, sindicalista ou chefe de família, influenciam o seu
comportamento nos processos de decisão política”. (FREY, 2000, p. 233).
1507

Portanto, a democracia de hoje acontece entre diversos quereres e distintos


objetivos.
Página

É incontestável que no mundo, e em destaque no Brasil, passamos por

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uma crise de representatividade e de políticas públicas frágeis. No Brasil,


tem ocorrido uma diminuição na participação das pessoas
no processo eleitoral e um resultado pouco satisfatório dos
eleitores, que se sentem cada vez menos representados
por aqueles que elegeram, ocorrendo o que Santos e
Avritzer (2003, p. 42) denominam de dupla patologia:
patologia da participação e a patologia da representação
(NOBRE, 2007, p. 216).
Amartya Sen, economista indiano vencedor do Prêmio Nobel de Ciências
Econômicas de 1998, discute a crise das políticas públicas e destaca em seu
discurso a importância da busca pelo desenvolvimento social pelas ações
políticas. Para o autor, “a busca pelo bem estar social é meta privilegiada, única
capaz de dar pleno sentido às escolhas sociais envolvidas nas estratégias de
desenvolvimento.” (SEN, 1992, APUD ARBIX; ZILBOVICIUS, 2001, p. 64). Ainda
sobre o desenvolvimento, Arbix e Zilbovicius argumentam que:
A análise de Sen é um convite ao questionamento das
políticas públicas tal como as conhecemos nos dias de
hoje, marcadas que são por um profundo espírito
utilitarista, dos que acreditam cegamente apenas no que
veem e recusam-se a pensar no que não podem ver.
Daqueles que clamam pelas políticas de ‘pé-no-chão’, que
descartam os “devaneios” da crítica e que se arvoram nos
únicos capazes de enxergar a sociedade. (ARBIX;
ZILBOVICIUS, 2001, p. 65).
Nessa mesma perspectiva, Abranches (1988) expressa que:
Há um claro ‘pluralismo de valores’, através do qual,
1508

diferentes grupos associam expectativas e valorações


diversas às instituições, produzindo avaliações
Página

acentuadamente distintas acerca da eficácia e da


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legitimidade dos instrumentos de representação e


participação típicos das democracias liberais.
(ABRANCHES, 1988, p. 6).
A afirmação de Abranches é apresentada historicamente na mesma
conjuntura em que a Constituição da República Federativa do Brasil acenou para
uma nova forma de formulação de políticas públicas: o regime de gestão
compartilhada, isto é, com a participação da sociedade (ROMÃO, 2015). O que
observamos é: “o fortalecimento do debate a favor da participação dos cidadãos
nos assuntos de interesse da coletividade, em especial no âmbito local, além de
inclusão de temas não contemplados pelas decisões do governo”. (NOBRE,
2007, p. 216).
A identidade normativa da Constituição de 1988, de acordo com LESSA
(2012, p. 522): “deriva de um sistema de crenças normativas e institucionais
produzidas e veiculadas por uma corrente do direito constitucional brasileiro, que
pode ser designada como constitucionalismo democrático”. Dentre os aspectos
fundamentais desse estilo constitucional, destaca-se aqui: “a criação e a fixação
constitucional de um sistema de direitos constitucionais: um conjunto de direitos
compreendidos não apenas como direitos negativos e de proteção dos
indivíduos, mas como liberdades positivas, entre as quais sobressaem os
tradicionais direitos de participação política, associados a obrigações positivas
do Estado em relação aos cidadãos.” (LESSA, 2012, p. 522-523).
As Conferências Nacionais foram criadas no Brasil na década de 30
quando o então presidente, Getúlio Vargas, sancionou a Lei 378 em janeiro de
1937. Mergulhadas no cenário das propostas da Reforma do Estado, as
primeiras conferências funcionaram estrategicamente como ferramentas de
articulação entre o governo federal e estadual. De caráter técnico-administrativo,
1509

elas contavam apenas com a presença de membros do governo e técnicos


especialistas das áreas em discussão, anulando a participação das camadas da
Página

sociedade civil.
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A literatura registra que as primeiras conferências − a Educação e Saúde


− ocorreram no ano de 1941. Porém, pouco se é verificado quanto à participação
da sociedade civil até meados dos anos 80. A 8ª Conferência Nacional de Saúde,
ocorrida no auge da redemocratização (1986), foi um marco histórico devido ao
fato de contar com participantes da comunidade da saúde e membros da
população, extrapolando o tradicional âmbito das conferências. "A 8ª
Conferência de Saúde, lançou as bases para a democratização da saúde, tendo
sido fundamental na articulação pelo Sistema Único de Saúde (SUS)." (SOUZA
et al., 2013, p. 30).
Esse modelo de participação surgido nos anos 30 ganhou
verdadeiramente destaque e espaço somente na agenda de governo a partir de
2003, durante o governo do presidente Lula (2003-2011). Do seu surgimento “até
2012, ocorreram no Brasil 128 conferências, das quais 87 foram realizadas entre
2003 e 2012 – ou seja, 67% das conferências ocorreram nos últimos dez anos.”
AVRITZER (2010, p. 11).
Como consequência dessas novas vias de participação de formulação de
políticas públicas, legitimam-se no pós 1988 as instâncias de participação (IPs):
vias institucionalizadas com objetivo de trazer as demandas sociais para mais
perto das arenas decisórias. Ocorre que, quase 30 anos após essa mudança
constitucional, o questionamento-chave sobre as IPs ainda versa sobre a
pergunta: “Estes espaços de participação realmente influenciam a ação do
governo?” (ROMÃO, 2015, p. 37).
As Conferências ocorrem em distintos setores, com múltiplas
experiências, por isso, não há uma única forma de ocorrência das mesmas. De
acordo com um estudo realizado por Souza et al. (2013), podemos até classificar
as conferências como típicas e atípicas, levando em consideração as
1510

características majoritárias desses eventos. Dentre as conferências mais


tradicionais e com de expressivos números de participantes, citamos a de
Página

Educação, Saúde e Assistência Social.


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As Conferências Nacionais são entendidas como:


uma forma participativa de criação de uma agenda comum
entre Estado e sociedade que ocorre a partir da
convocação do governo federal. Elas possuem etapas
preparatórias e geram um documento publicado e
encaminhado pelo governo. Têm impacto, ainda que
diferenciado, nas políticas públicas coordenadas pelo
Executivo e nos projetos de lei apresentados no Congresso
Nacional. (AVRITZER, 2013, p. 12).
Versar sobre Conferências não necessariamente implica em compreender
um conceito único que abarque de forma uniforme, homogênea e padrão a
estrutura dos eventos, a definição sobre o que sejam os encontros, tampouco,
as consequências e os impactos que os mesmos produzem. Estudos (SOUZA,
2013; FARIA, 2013; AVRITZER, 2013) encontram diferenças entre os tipos de
Conferências (Típicas e Atípicas), tipos de desdobramentos (deliberações ou
recomendações), maneiras de se estruturarem, entre outros. Mas, basicamente
os estudos atuais caminham em dois sentidos principais: i) sua compreensão
enquanto fenômeno político; ii) a descrição de sua forma de funcionamento.
(SOUZA et al., 2013).
O presente estudo busca analisar esse novo método de construção de
políticas públicas e irá, de forma preliminar, analisar relações entre as
recomendações da CNCTI-2010 e as proposições apreciadas (Projetos de Lei-
PL) na Comissão Permanente de Educação no quadriênio de 2011 a 2014.
Dentro das Análises de Políticas Públicas, a literatura expressa que para se
construir o campo das Políticas Públicas, não basta apenas descrever uma
política para que a mesma seja relevante para a contribuição ao estado da arte.
1511

É indispensável que se sugira


hipóteses sobre as causas e as conseqüências da política
Página

pública - hipóteses que possam ser testadas contra os


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2010 E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

dados do mundo real. Um conceito que apenas descreva a


política pública não é tão útil quando outro que explique a
política pública ou pelo menos sugira possíveis
explicações. (DYE, 2010, p. 127-128).
Busca-se aqui, complementar o estado da arte de um camplo
multidisciplinar que contempla áreas como: Ciência Política (disciplina originária
das Políticas Públicas), do Campo de Públicas81, do Direito, da Economia, entre
outros; visando analisar a política publica da CNCTI-2010 e suas consequências
no campo de formulação de politicas públicas.
Considera-se também a presente exploração como interdisciplinar por se
orientar nas ideologias e questões de um amplo campo social, e não em apenas
em uma restrita abordagem e delimitação disciplinar. O contato e a contribuição
de diversas fontes, abordagens teóricas, culturais, históricas, pessoais serão
utilizadas para o auxílio na construção do conhecimento sobre o tema. A busca
por compreender o comportamento humano na construção de políticas públicas
– validada pela metodologia científica dos Modelos de Análises de Políticas
Públicas – foi o combustível que moveu, de antemão o engenho da referida
pesquisa. Com isso, vale reforçar que:
All social science disciplines are ultimately attempting to
understand the same broad phenomenon, human behavior.
At the cost of some simplification, one might say that each
social science discipline (or subdiscipline) makes different

81
“Campo de Públicas é uma expressão utilizada por professores, pesquisadores, estudantes,
egressos-profissionais e dirigentes de cursos de Administração Pública, Gestão de Políticas Públicas,
Gestão Pública, Gestão Social e Políticas Públicas, de universidades brasileiras, para designar,
essencialmente, um campo multidisciplinar de ensino, pesquisa e fazeres tecnopolíticos, no âmbito
1512

das Ciências Sociais Aplicadas e das Ciências Humanas, que se volta para assuntos, temas,
problemas e questões de interesse público, de bem-estar coletivo e de políticas públicas inclusivas,
em uma renovada perspectiva republicana ao encarar as ações governamentais, dos movimentos da
sociedade civil organizada e das interações entre governo e sociedade, na busca do desenvolvimento
Página

socioeconômico sustentável, em contexto de aprofundamento da democracia.” (PIRES et al., 2014, p.


112).
REFLEXÕES SOBRE A CONFERÊNCIA NACIONAL DE CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DE 2010 E A FORMULAÇÃO DE LUDMILA FÁVERO ROMANI PIOLI
POLÍTICAS PÚBLICAS
LUDMILA FÁVERO ROMANI PIOLI
REFLEXÕES SOBRE A CONFERÊNCIA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DE
2010 E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

assumptions about the key driver or drivers of human


behavior (Lélé; Norgaard; 2005, p. 974).
Sobre os procedimentos metodológicos que foram adotados para a
execução da presente pesquisa, realizaram-se análises de dados documentais,
envolvendo o levantamento e a sistematização de estudos técnicos, projetos de
lei e documentos oficiais do Congresso Nacional, além dos relatórios oficiais
deliberados pela Conferência Nacional de CT&I de 2010.
Dentre os documentos analisados da 4ª CNCTI, o presente estudo
considerou dados do documento intitulado Estratégia Nacional para Ciência,
Tecnologia e Inovação (ENCTI) (2012-2015) – documento do MCTI que
estabelece diretrizes das ações nacionais e regionais no horizonte temporal de
2012 a 2015 – e do Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável (4ª CNCTI). De
mesma forma, os dados utilizados sobre os “Projetos de Lei Apreciados” (PL)
das “Comissões Permanentes de Educação”, foram retirados dos “Relatórios
Anuais das Comissões de Educação”, disponibilizados nos portais da Câmara
dos Deputados.
Sobre as análises quantitativas que permearam o estudo, as mesmas
foram fundamentadas em cálculos matemáticos simples, tomando em conta as
proporções da quantidade total dos PL apreciados em relação aos PL que
contemplaram (ou se assimilavam) ao tema proposto pelas recomendações do
Livro Azul encontradas na Seção “O Brasil precisa de uma Revolução na
Educação”. Na seção desse trabalho intitulada “Análises Preliminares”, serão
apresentados os gráficos e os dados que validaram a pesquisa.
As seções seguintes versarão sobre conceitos que antecedem a
compreensão das Conferências e ajudam o leitor a contextualizar as estruturas
1513

que suportam o Estado Brasileiro.


Página

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LUDMILA FÁVERO ROMANI PIOLI
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2010 E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O ESTADO E O FEDERALISMO

A partir de 1889 o Brasil se declarou uma República Federativa e, desde


então, diversas alterações ocorreram para que hoje pudéssemos nos estruturar
na forma burocrático-legal atual. Compreender o que significa esse arcabouço,
esse alicerce constitucional, necessita-se, a priori, da assimilação de temas e da
clareza de conceitos que envolvem esse tema.
Segundo Jellinek: “Estado Federativo é um Estado soberano formado por
diversos estados, cujo poder estatal provém dos estados que o compõem e que
estão ligados entre si de maneira a formar uma unidade política.” (JELLINEK,
1913 apud SENISE, 2011, p. 19-20). No Brasil, estes diversos estados citados
pela autora são nomeados tradicionalmente por entes federativos.
Segundo Senise (2011, p. 23) “O Estado federal pode ser identificado,
basicamente, como uma aliança de estados, que abrem mão de sua
independência, mas não de sua autonomia, em prol de interesses comuns,
consubstanciados na celebração de um pacto de união, denominado
Constituição Federal.”. Os entes federados que compõem a estrutura federativa
brasileira são: União, Estados/Distrito Federal e Municípios.
Diante de certos conceitos já apresentados, passemos então, à
compreensão do conceito em si do termo federalismo. A respeito da
conceituação contemporânea do tema, notamos que:
O federalismo é definido, em sua acepção positiva, como
um meio-termo entre um governo unitário, com os poderes
exclusivamente concentrados na União, e uma
confederação, na qual o poder central seria nulo ou fraco.
Por sua vez, a confederação é caracterizada como uma
1514

aliança entre Estados independentes. O governo central


não poderia aplicar as leis sobre os cidadãos sem a
Página

aprovação dos Estados, que seriam, em última instância, a

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fonte da soberania (COSER, 2008, p. 942).


A conceituação de federalismo que mais se adapta ao foco deste trabalho
recai na passagem: “O federalismo é uma forma de organização territorial do
Estado e, como tal, tem enorme impacto na organização dos governos e na
maneira como eles respondem aos cidadãos”. (ABRUCIO, 2010, p 41).
Vários são os fatores que devem ser analisados dentro de cada
manifestação do Federalismo, como as características do sistema eleitoral, os
sistemas partidários, os grupos de pressão, as práticas politicas, dentre outros.
Todos são considerados como termos da equação final que ajudam a explicar o
funcionamento desse sistema. De acordo com Dicionário de Política de Norberto
Bobbio: “De fato, de um lado o conhecimento de um Estado não é completo, se
não se tomam em consideração as características da sociedade, que permitem
manter e fazer funcionar as instituições políticas.” (BOBBIO, 1986, p. 485). Para
o presente trabalho, destacaremos apenas a vertente das práticas políticas para
a compreensão da atual dinâmica federativa brasileira e o caso da Educação.
Estudos contemporâneos da área da Ciência Política tem se dedicado a
explicar os fatores relacionados às organizações dos Estados Modernos, bem
como os efeitos que os mesmos geram sobre as instituições. A partir do universo
de concepções que têm sido derivadas desse campo de estudo, podem-se
elencar três principais proposições produzidaspor essa literatura: as federações
nascem da necessidade de unir territórios (RIKER, 1975); o desenho
constitucional e o funcionamento do federalismo são variáveis independentes –
ou seja: a constituição não afeta as características de um dado sistema
federativo (RIKER, 1975); e, em um terceiro momento, o federalismo e a
descentralização são variáveis que caminham, inerentemente, juntas
(LIJPHART, 2003). O presente trabalho, portanto, buscará, como objetivo
1515

específico, rebater, de forma branda, o argumento de Riker (1975) quanto a não


afetação das características do sistema federativo quanto ao desenho
Página

constitucional.
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Para Charles Tiebout (1956) e James Buchanan (1995), o modelo ideal


de organização do Estado está afastado de um formato centralizado no qual os
entes federados possuem pouca autonomia sobre suas políticas. Para Tiebout,
por exemplo, a descentralização pode desencadear uma competição entre os
estados para oferecer melhores serviços aos cidadãos, restringindo a
capacidade do governo central de regular as ações dos governos subnacionais.
Estabelecida então, uma competição por cidadãos e mercados, a disputa entre
os estados produziria riqueza e provisão de bons serviços públicos. Por outro
lado, alguns estudiosos têm apresentado argumentos contrários ao formato
descentralizado de governo. Rodden e Ackerman (1997) argumentam que não
existem garantias de que a competição intergovernamental – fruto da
descentralização – produza eficiência e preservação dos mercados.
Muitas são as concepções de Estado, os tipos de federalismo, de
comportamento social e políticos observados nas análises dos países de hoje.
No entanto, para os fins do presente documento, buscaremos apenas
compreender de forma simplificada e horizontal o conceito de federalismo
visando seu comportamento atual no Brasil. Análises quanto aos impactos dessa
estrutura no funcionamento e nos resultados da educação no país serão
apresentadas na próxima etapa.

ABORDAGENS DO FEDERALISMO BRASILEIRO

Diferentemente do que ocorreu em muitos países, dentre eles o destaque


absoluto é para o caso dos Estados Unidos da América, quando se analisa o
desenvolvimento da elaboração das constituições nacionais, em tempo algum
pareceu objetivo do Brasil manter uma união do território através do Federalismo.
1516

“diferentemente de muitas federações, a brasileira nunca foi uma resposta às


clivagens sociais decorrentes de conflitos étnicos, linguísticos ou religiosos.
Página

Movimentos separatistas ocorreram apenas durante o período colonial e no


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início do século XIX a unidade do país não era questionada”. (SOUZA, 2005, p.
106).
O ano de 1889 foi um ano de grandes mudanças na essência do país,
pois o Brasil deixa de ser legalmente Colônia de Portugal e território de estrutura
de Estado Unitário, e passa a registrar-se como uma República de Estado
Federativo. Diversos modelos e ajustes passaram pelo país ao longo dos últimos
duzentos anos, contudo, destacaremos aqui apenas o período do Pós-
Redemocratização de 1988 o qual o país colocou em questão o modelo
centralizador e autoritário existente até então (ABRUCIO, 2010). A Constituição
Federal de 1988 seria a consagração desse processo, propondo novas formas
de organizar as políticas públicas e os entes federativos.
São de suma importância a compreensão e a análise sobre a constituição
que normatiza as regras do território. Celina Souza, grande referência sobre o
tema e autora de textos-base para este trabalho, discursa que:
torna-se importante atender à convocação de Dearlove
(apud EVANS, 2001) de trazer a constituição de volta como
foco dos trabalhos sobre federalismo no âmbito da Ciência
Política. Isso porque a teoria constitucional busca
respostas para questões políticas fundamentais que
afetam os entes constitutivos da federação, tais como
“quem governa, como se governa e quem deveria
governar”. (SOUZA, 2005, p.105).
No Brasil, a adoção do federalismo foi uma novidade na Constituição de
1891, no entanto, o destaque e a estruturação que temos na atualidade foram
objetivados na Constituição de 1988. Essa nova Carta Magna desenhou uma
fórmula federativa centralizada, concentrando no âmbito federal a prerrogativa
1517

de legislar sobre a maior parte das politicas (Policy Decision Making) e


delegando aos estados e municípios a prerrogativa de executá-las (Policy
Página

Making). (ARRETCHE, 2004).


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Interessante notar também que:


O principal mote do novo federalismo inaugurado pela
Constituição de 1988 foi a descentralização. Processo que
significava não só passar mais recursos e poder aos
governos subnacionais, mas, principalmente, tinha como
palavra de ordem a municipalização. Nessa linha, o Brasil
se tornou uma das pouquíssimas federações do mundo a
dar status de ente federativo aos municípios. (ABRUCIO,
2010, p. 46, grifo nosso.).
Desde 1891 até 1988, sete novas Leis Supremas foram criadas e, novos
cenários e consequências ocorreram diante das mudanças. No entanto, esse
trabalho refletirá somente sobre a Constituição Federal de 1988 e seu conteúdo
referente ao tema. A Lei Maior de 1988 tem sua importância devido ao fato de
que:
A Constituição de 1988 apresenta algumas peculiaridades
em relação às constituições anteriores. A primeira é que
não foi produto de um texto desenhado por especialistas,
especialmente juristas, como aconteceu em 1891 e em
1934, nem se espelhou em constituições anteriores, como
em 1946. [...] as constituições anteriores foram o resultado
de um processo de ruptura política que já ocorrera, ao
passo que em 1988 sua elaboração ocorreu ainda como
parte do processo de transição democrática (WERNECK
VIANNA, 1999 apud SOUZA, 2005, p. 110).
Assim como em alguns países, com destaque à Bélgica, o Brasil possui o
Triplo Federalismo o qual é estruturado a partir de três entidades administrativas:
1518

União, Estados/Distrito Federal e Municípios. Os três níveis de governo possuem


os poderes legislativos e apenas os níveis estaduais e o federal possuem o poder
Página

judiciário representado. No entanto, caracterizar o país como federalista


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centralizado ou descentralizado passou a ser foco das discussões recentes.


Diante da heterogeneidade brasileira, qual tipo de governo, então, seria
mais adaptado às necessidades do Brasil e a eficiência na provisão dos recursos
públicos? Na visão de Charles Tiebout (1956), a competição entre os estados
para oferecer melhores serviços aos cidadãos restringiria a capacidade do
governo central de regular as ações dos governos subnacionais. Uma vez
estabelecida a competição por cidadãos e mercados, a disputa entre os estados
produziria riqueza e provisão de bons serviços públicos.
Segundo Araújo (2015, p. 69), o federalismo brasileiro é marcado por duas
tendências opostas. Ao mesmo tempo em que houve um movimento de
transferência de recursos financeiros para os níveis subnacionais − as
transferências intergovernamentais, criadas ainda nos governos militares, como
o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM) foram mantidas e reafirmadas na Constituição Federal de 1988
−, e o aumento das competências concorrentes, houve também a manutenção
das competências legislativas do governo federal, acompanhada de uma grande
capacidade para constranger a atuação de estados e municípios.
Sobre a dualidade dos problemas de autonomia e coordenação das
políticas públicas brasileiras, para alguns autores (Abrucio, 2011; Silva, 2013),
apesar da CF/88 deixar aos municípios a responsabilidade por uma parte
significativa das políticas sociais, este fato por si só não levou a construção
efetiva de capacidades estatais nos governos locais. Ainda é possível dizer que
o arranjo federativo brasileiro está em constante construção e mutação.
Em seu trabalho sobre coordenação e autonomia dos entes da federação,
Arretche (2004) expõe os pontos positivos da coordenação das políticas
nacionais:
1519

O formato de gestão que concentra autoridade no governo


federal apresenta vantagens para a coordenação dos
Página

objetivos das políticas no território nacional, pois permite


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reduzir o risco de que os diferentes níveis de governo


imponham conflitos entre programas e elevação dos custos
da implementação, cuja ocorrência é mais provável em
Estados Federativos (Weaver; Rockman, 1993). Além
disso, a concentração do financiamento no governo federal
permitiria alcançar resultados redistributivos (Banting;
Corbett, 2003), reduzindo desigualdades horizontais de
capacidade de gasto (ARRETCHE, 2004, p. 24).
Da mesma forma, quando se analisa a autonomia política e fiscal dos
governos estaduais e municipais, nota-se que esse mecanismo permite que
estes governos adotem uma agenda própria, independente da agenda do
Executivo federal. Para Arretche (2004, p. 24): “As relações verticais na
federação brasileira – do governo federal com Estados e municípios e dos
governos estaduais com seus respectivos municípios – são caracterizadas pela
independência, pois Estados e municípios são entes federativos autônomos. Em
tese, as garantias constitucionais do Estado federativo permitem que os
governos locais estabeleçam sua própria agenda na área social”.
Diante então dessas análises, o presente documento analisará a
Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação e qual seu comportamento
perante a estrutura federalista do país, levando em conta a singularidade do
problema de coordenação e autonomia dos entes envolvidos no processo
apresentados anteriormente.

O MINISTÉRIO E AS CONFERÊNCIAS

Criado pelo Decreto 91.146 de 1985 durante o governo de José Sarney,


1520

o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) tinha como competência as áreas de


patrimônio científico e tecnológico; política de ciência e tecnologia; e a política
Página

nacional de informática. Dentre as diversas justificativas apresentadas no


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decreto para a criação do Ministério, essencialmente, foram considerados os


seguintes aspectos: avanços científicos e tecnológicos sobre as condições da
vida do homem comum e da sociedade; o desenvolvimento do Brasil; estímulo à
atividade empresarial no setor, bem como o desenvolvimento de um patrimônio
de conhecimentos científicos; e também “a contribuição que o progresso
científico e tecnológico pode trazer tanto ao levantamento dos padrões de vida
da população, quanto ao desenvolvimento mais eficaz dos setores industrial,
agrícola e de serviços.” 8283.

Atualmente, após a modificação de nomenclatura em 201184, o Ministério


de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) abriga, além da Secretaria-Executiva
ligada diretamente ao gabinete do Ministro, 4 Secretarias, 13 Unidades de
Pesquisa, 2 Unidades descentralizadas do próprio MCTI, 5 Órgãos Colegiados
e 8 Entidades Vinculadas. Todos esses departamentos da administração pública
direta e indireta buscam contemplar os seguintes temas: política nacional de
pesquisa científica, tecnológica e inovação; planejamento, coordenação,
supervisão e controle das atividades da ciência e tecnologia; política de
desenvolvimento de informática e automação; política nacional de
biossegurança; política espacial; política nuclear e, controle da exportação de
bens e serviços sensíveis.85.
Sobre as Conferências realizadas por esse Ministério, a Primeira

82
Texto original retirado do Decreto nº 91.146, de 15 de Março de 1985.

83
Somente em 1988 os objetivos da nova política de Estado foram manifestados de forma legal no
Capítulo IV (artigos 218 e 219) da Constituição Federal, cujo caput expressa: “O Estado promoverá e
incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica”. (BRASIL, 1988, p.
224).
1521

84
Alteração: Lei nº 12.545, de 14 de dezembro de 2011.

85
Dados retirados do portal do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação:
Página

http://www.mcti.gov.br/estrutura-organizacional. (Acesso em: 29/05/2016).

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Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (1ª CNCT) ocorreu no mesmo ano


da criação do órgão (1985) e possui relevância moderada para a Literatura das
análises de políticas públicas posto que o intuito basilar do evento foi o de discutir
com a sociedade as políticas da nova área de atuação do Estado, de modo a
subsidiar e legitimar as ações do novo órgão.
Assim como ocorria em outras pastas do governo – Conferência Nacional
de Saúde (2001), Conferência Nacional de Meio Ambiente (2005), Conferência
Nacional de Assistência Social (2003), o MCTI promoveu a Segunda
Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em 2001, e a Terceira
Conferência, em 2005. Discussões de temas estratégicos, marcos reguladores
e cooperação internacional foram apresentados durante a 3ª CNCTI, e, a partir
das propostas e sugestões deliberadas, houve a formulação do Livro Branco e
do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento
Nacional (2007-2010), ambos marcos para a institucionalização dos eventos e
da democracia.
Dados aprofundados e detalhados sobre esses eventos são encontrados
nos trabalhos de Serafim (2016):
A I CNCTI contou com 80 participantes, dos quais 84,3%
era do sexo masculino e da região sudeste. A escolaridade
é alta, com no mínimo pós-graduação e com
predominância de formação nas ciências humanas e
ciências exatas e da terra. (...) a II e a III CNCTI apresentou
fortes similaridades. O perfil dos participantes na II CNCTI
se refere a 158 participantes; 84,2% sexo masculino;
região sudeste; alta escolaridade; predominância de
formação nas ciências humanas e ciências exatas e da
1522

terra. Já a III CNCTI apresenta uma redução de


participantes fixos na conferência (43 participantes),
Página

enquanto potencializa a participação de externos (mais de


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4 mil inscritos), como um congresso nacional. O restante é


semelhante às duas conferências anteriores. Uma
característica comum às três conferências é a
predominância de acadêmicos e pesquisadores. Há pouca
participação de outros stakeholders, como empresas e
sociedade civil organizada, que não a comunidade
científica. (SERAFIM, 2016, p. 29).
O presente estudo concentra-se apenas na análise e na compreensão da
Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia de 2010 e nos impactos e
consequências que esse evento gerou para a formulação de políticas. De acordo
com relato do então Ministro Sérgio Machado Rezende encontrado no Livro
Azul − documento publicado após a Conferência e que contempla as principais
recomendações do evento de 2010 ‒ a 4ª CNCTI se estruturou e contemplou os
seguintes aspectos:
Em maio de 2010, realizamos a 4ª Conferência Nacional
de Ciência, Tecnologia e Inovação, que reuniu em Brasília
um público sem precedentes, superior a 4 mil participantes.
Foi convocada por decreto presidencial para discutir uma
política de Estado para ciência, tecnologia e inovação com
vistas ao desenvolvimento sustentável. Foi precedida de
encontros estaduais, fóruns de discussão e conferências
regionais, o que reforçou ainda mais seu caráter
democrático e participativo (BRASIL, 2010, p. 18).
As Conferências Nacionais debruçam-se sobre o argumento da inclusão
de diversas perspectivas para a gestão de políticas públicas, e, argumentam
principalmente sobre a inclusão da sociedade civil para a formulação de políticas.
1523

No entanto, para o momento, poucos são os estudos que verificam a relativa


relação entre os efeitos das recomendações das conferências e a formulação de
Página

políticas públicas ‒ diferentemente do que se observa nos vastos estudos sobre


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os conselhos de participação municipal. Nesse sentido, Petinelli (2013) afirma


que: “As conferências de políticas públicas, espaços de participação e
deliberação que congregam atores políticos e sociais (...) não têm recebido muita
atenção da literatura.” (PETINELLI, 2013, p. 218).
Diante da sabida ausência de estudos sobre o tema, o presente trabalho
justifica-se pelo seu grau de contribuição técnica sobre o tema, além do exercício
civil-democrático de análise de políticas atuais. Os estudos na área de políticas
públicas são de grande valia devido à construção teórica do conhecimento em
Ciência Política e disciplinas correlatas. Segundo Beyme (1985):
A análise de políticas públicas não dispõe de uma teoria
uniforme. No entanto, com a combinação moderna de
métodos e um foco novo e peculiar, ela está contribuindo
permanentemente para a formação teórica, que também
modifica nosso conhecimento sobre a política processual
tradicional. (BEYME, 1985 apud FREY, 2000, p. 243).
Dentro dos diversos vieses que se são necessários para se percorrer para
analisar uma política, as contribuições dos estudos sobre as instituições, sobre
os atores envolvidos, o jogo político, arena decisória, além de análise
temporal/histórica, são indispensáveis para se compreender como certa política
se desenvolveu.
Na verdade, o que se sugere é um constante movimento
da razão que transita ininterruptamente entre a observação
histórica e a construção teórica. A observação histórica das
políticas públicas possibilita a identificação de elementos
invariantes em todas elas, embora cada uma delas tenha
ocorrido de maneira singular e única. (GIOVANNI, 2009, p.
1524

19).
As análises para o presente estudo iniciaram sobre os documentos
Página

publicados após o evento. Foi através de estudos sobre a Estratégia Nacional


REFLEXÕES SOBRE A CONFERÊNCIA NACIONAL DE CIÊNCIA,
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para Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) (2012-2015) – documento do


MCTI que estabelece diretrizes das ações nacionais e regionais no horizonte
temporal de 2012 a 2015 – e do Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de
Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável (4ª
CNCTI), que se verificou que grande parte das políticas de Ciência, Tecnologia
e Inovação (PCTI) se encontra nos campos e âmbitos “econômico e tecnológico”
do país, assim como ordena a função precípua de criação do Ministério.
Contudo, o famigerado desenvolvimento86 de que tanto se proclama nos
modernos discursos políticos, pouco se aplica e se prospera no combate aos
problemas sociais do Brasil.
Atentando ao discurso do Ministro Rezende (BRASIL, 2010, p. 19) de que
“as conferências nacionais de ciência e tecnologia têm historicamente oferecido
à sociedade um espaço democrático para se manifestar sobre suas propostas e
aspirações para o setor”, o presente estudo buscou compreender os
desdobramentos reais das recomendações publicadas no Livro Azul e a
formulação de novas políticas públicas no quadriênio 2011-2014.
Para o presente trabalho, define-se efetividade como “uma relação entre
as deliberações formuladas no interior de instâncias de participação e seu
encaminhamento em diferentes esferas do governo”. (AVRITZER, 2013, p. 13).
A busca pela efetividade versará aqui sobre análises preliminares das
possíveis relações entre as recomendações da CNCTI-2010 e as
transformações e debates sobre formulação de políticas públicas pela Câmara
dos Deputados. A arena de política analisada será o Congresso Nacional e a
aprovações de projetos de lei no quadriênio de 2011 a 2014.
Quanto ao caminho das análises, vale analisar o esquema abaixo:
1525

86
Um exemplo da interferência da nova onda de denominação “sustentável” se encontra no art. 3º da
Lei 8666/93 que sofreu alteração em 2010: “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio
Página

constitucional da isonomia, (...) a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será


processada (...)”. Alterado pela Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010.
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TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DE 2010 E A FORMULAÇÃO DE LUDMILA FÁVERO ROMANI PIOLI
POLÍTICAS PÚBLICAS
LUDMILA FÁVERO ROMANI PIOLI
REFLEXÕES SOBRE A CONFERÊNCIA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DE
2010 E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Arena de
Política
• Decreto Presidencial • Formulação de Políticas
• Comissão Permanente
• Realização da 4ª CNCTI (Educação e Cultura) da Públicas
• Publicação do LIVRO AZUL CÂMARA DOS • EFETIVIDADE
DEPUTADOS
• Proposições apreciadas
(Quadriênio 2011-2014)
Formulação de
Recomendações
Políticas

FONTE: Elaboração Própria

ANÁLISES PRELIMINARES

Essa etapa do estudo analisa parte das recomendações contidas no Livro


Azul da CNCTI, 2010 − encontrada na seção: “O Brasil precisa de uma
Revolução na Educação”‒ e Aprovações de Projetos de Lei (PL) na Comissão
Permanente de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados no quadriênio
2011 a 2014. A fonte dos dados da Câmara dos Deputados é do próprio portal
do órgão.87.
As recomendações contidas nessa seção, em essência, versam sobre:
Investimento do PIB com
Implantação de turno integral Ampliação da Formação de
Educação (meta 10% até
na escola pública; Engenheiros;
2020);
Incentivo aos estudos com Avaliação dos Cursos de
Valorização do professor da
foco na investigação dos Graduação (Assim como
Educação Básica;
alunos/crianças; ocorrem nos cursos de Pós);
Fortalecimento (e Ampliação) Ampliação do número de
do Programa Nacional de Renovação e diversificação mestres e doutores
Formação de Professores do Ensino Médio; envolvidos em P&D nas
para Educação Básica; empresas;
Fortalecimento das
Instituições Públicas de Ampliação da Escola Pública
1526

Acesso ao conhecimento.
Ensino Superior na formação de Ensino Superior;
de Professores para
Página

87
FONTE: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
permanentes/ce/documentos-1/relatorios-anuais.html. Acesso em: 29/05/2016.
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2010 E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Educação Básica;

Após uma análise quantitativa simples, encontraram-se os seguintes


dados:

Fonte: Elaboração Própria.


120 12,0%

100 105 10,0%


9,7%
99
92
80 8,0%

60 6,0%

40 4,0%
3,0% 3,3%
2,9%
31
20 2,0%

3 3 3 3
0 0,0%
2011 2012 2013 2014
Total de Proposições Aprovadas Proposições que Abarcaram o Tema Taxa de Abarcação/Total

O gráfico apresentado representa a quantidade de proposições


apreciadas versus a quantidade de proposições que abarcaram ou se
aproximaram dos temas contidos nas recomendações da CNCTI-201 na seção
“Revolução da Educação” ao longo de quatro anos (2011-2014). Nota-se que
nos três primeiros anos (2011-2013), a taxa que contempla as aprovações que
abarcam as recomendações mantêm-se estável, realizando aproximadamente
3%. Contudo, no ano de 2014, observa-se uma mudança expressiva na
proporção de propostas contempladas pelas propostas totais aprovadas.
Destacam-se aqui dois momentos interessantes após análises das
relações entre os fatores: mesmo encontrados dados que demonstram
1527

pouquíssima relação entre os setores analisados, vale evidenciar que o ano de


2013 foi um ano intrigante nas análises, pois, primeiramente, marcou a
Página

separação da Comissão de Educação e Cultura em tema único, apenas


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LUDMILA FÁVERO ROMANI PIOLI
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2010 E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Educação, e também, marcou a criação de Subcomissões Anuais que discutiram


alguns dos temas contidos nas recomendações da seção de Educação da 4ª.
CNCTI. As subcomissões em 2013 foram: “Subcomissão Especial de Educação
Integral” e “Subcomissão Especial da Reforma Universitária”.
De mesma notoriedade, outro fato curioso ocorreu no ano de 2014. De
acordo com a apresentação do Presidente da Comissão de Educação, há fatos
que corroboram com os dados apresentados. De acordo com ele:
As atividades da Comissão de Educação em 2014 foram
atípicas. Dois grandes eventos nacionais, Copa do Mundo
e Eleições, diminuíram o ritmo da comissão o que
ocasionou um volume menor de trabalho. Podemos
afirmar, contudo, que grandes avanços para melhoria da
educação brasileira foram protagonizados pela atuação da
comissão (Relatório Anual de 2014 - Comissão de
Educação, p. 2)88.
Conclui-se então que para novas versões e ampliações da presente
pesquisa, muito se deve avançar quanto à metodologia para abordagem do tema
da efetividade. É também de suma importância que novos pesquisadores se
atentem à necessidade de ampliação do período de análise que, por ora, aqui
foi exemplificado no quadriênio 2011-2010, dado que a última versão do evento
ocorreu em 2010. De mesma forma, vale destacar que a reflexão para análise
das Conferências Nacionais de outras áreas de governo, como áreas
tradicionais: Saúde, Educação e Assistência Social, possuem banco de dados
com notórias informações e diversos dados, os quais podem ser também
analisados na busca pela contemplação dos estudos sobre efetividade.
1528
Página

88
FONTE: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
permanentes/ce/documentos-1/relatorios-anuais.html. Acesso em: 29/05/2016.
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2010 E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

CONSIDERAÇÕES

A pesquisa de caráter exploratório, qualitativo e quantitativo foi realizada


por meio de dados documentais, envolvendo o levantamento e a sistematização
de estudos técnicos, documentos oficiais do Congresso Nacional, além dos
relatórios publicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação sobre a
4ª Conferência Nacional de CT&I em 2010. A partir da proposta pretendida
inicialmente, o presente artigo demonstrou que possíveis, e remotas
repercussões e/ou interações entre as deliberações da CNCTI - 2010 e a
formulação de políticas públicas. Vale ressaltar que para o momento, os
impactos notados são de baixo alcance devido ao curto período analisado.

Para as demais considerações, é preferível não buscar concluir ou


classificar, através de uma visão maniqueísta, o evento ocorrido. É de grande
valia verificar que o processo democrático existente no Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação anda em direção a um progresso e na busca pela inclusão
de novas etapas para a formulação de políticas públicas. Assim, espera-se que
possamos contemplar a real demanda social existente hoje no país nas políticas
de governo, e não somente sustentar os tradicionais meios de dominação
econômica e tecnológica que dominam esse campo no Brasil e no mundo.

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TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DE 2010 E A FORMULAÇÃO DE LUDMILA FÁVERO ROMANI PIOLI
POLÍTICAS PÚBLICAS
ARILEY PINTO RAINHO DIAS
REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM
MEIO A UTOPIAS E RISCOS

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN:


O ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A
UTOPIAS E RISCOS
1534

ARILEY PINTO RAINHO DIAS

Bacharel em Ciências Sociais pela UFRJ,


Mestrando em Sociologia e Antropologia pela
Página

UFRJ. E-mail: ariley_dias@yahoo.com.br


REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O
ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A UTOPIAS E ARILEY PINTO RAINHO DIAS
RISCOS
ARILEY PINTO RAINHO DIAS
REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM
MEIO A UTOPIAS E RISCOS

RESUMO

Este artigo analisa um projeto de reflorestamento, chamado “Comunidades


Verdes”, na favela do Jardim Batan, localizada na Zona Oeste da cidade do Rio
de Janeiro. Ele propõe a transformação de espaços considerados degradados
nos territórios que fazem parte das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) – um
programa de segurança pública baseado na ocupação policial permanente em
áreas consideradas perigosas da cidade. O objetivo deste artigo é analisar o
perfil dos moradores que se mobilizaram em torno desta proposta e o uso de
dispositivos com capacidades reconhecidas de coordenação, entendidos aqui
como “investimentos de forma” (Thévenot, 1986). Os resultados mostram a
transformação de bens oriundos do Estado, distribuídos de acordo com o
princípio cívico de benefícios a todos, para projetos particulares que visam
benefícios para apenas os que se engajaram. Os dados foram obtidos por
entrevistas com moradores e de acordo com os pressupostos da “grounded
theory” (Glasser e Strauss, 1967).

ABSTRACT

This paper analyzes a reforestation project in Jardim Batan slum, located in West
Region of Rio de Janeiro city. Its proposes the transformation of spaces
considered degraded in territories that make part of Unidade de Polícia
Pacificadora’s program (UPP) – a public security initiative of Rio de Janeiro State
based in permanent police occupation in areas described like dangerous in the
city. The aim of this paper is to analyze the profile of residents who rallied around
1535

this proposal and the use of devices with recognized coordination skills,
understood here as “investment in form” (Thévenot, 1986). Results show the
Página

transformation of State’s goods, distributed according to civic principle of benefit


REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O
ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A UTOPIAS E ARILEY PINTO RAINHO DIAS
RISCOS
ARILEY PINTO RAINHO DIAS
REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM
MEIO A UTOPIAS E RISCOS

to all, for particular projects only of benefit those who have engaged. Data were
obtained by interviews with residents and in accordance with the assumptions of
“grounded theory” (Glasser e Strauss, 1967).

INTRODUÇÃO

O espaço da cidade classificado como favela ocupa uma posição central


na representação sobre a cidade do Rio de Janeiro. A despeito de ela estar
espalhada por todo o território e pela grande heterogeneidade das
características de seus moradores e dos territórios ocupados, inclusive com
divergências entre as classificações de órgãos estatais, essa categoria
apresenta uma forma bastante consolidada e mobilizada constantemente pelas
pessoas sem maiores questionamentos. Das remoções da metade do século
passado, dos programas de urbanização durante o período de redemocratização
do país aos projetos de segurança pública, como as Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs), essas localidades alvos constantes de políticas públicas
tendo em vista o seu potencial de mudança em um momento posterior. A favela
do Jardim Batan está localizada no bairro de Realengo, na Zona Oeste da
cidade. O Instituto Pereira Passos (2014), baseado nos dados do Censo
Demográfico de 2010, calcula que o bairro de Realengo possui 18,7% dos
domicílios em situação de pobreza e 4,7% em caso de pobreza extrema.
Comparativamente, as outras regiões da cidade possuem números abaixo de
16% para o primeiro caso e dos 4% para o segundo. Ou seja, o bairro onde está
localizado o Batan é um dos espaços mais pobres da cidade. As características
territoriais dessa favela também se diferem às imagens recorrentes sobre esse
espaço. Ao invés de ocupar as encostas de morros e cercados por uma
vizinhança de classe média, o local é predominantemente plano – exceto por
1536

uma área mais alta conhecida como Morrinho – e as residências vizinhas


possuem um padrão residencial semelhante com poucos andares e muitas ainda
Página

em estágio de construção. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e


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ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A UTOPIAS E ARILEY PINTO RAINHO DIAS
RISCOS
ARILEY PINTO RAINHO DIAS
REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM
MEIO A UTOPIAS E RISCOS

Estatística (Censo Demográfico 2010, 2013), cerca de 80% das favelas


localizadas na Zona Oeste ocupam áreas planas.

As favelas também são percebidas como espaços perigosos que


oferecem riscos ao resto da população. A perspectiva do território que possui
devido às condições sanitárias seriam potenciais propagadores de doenças na
metade do século XX dá espaço à noção de espaços de origem da violência
urbana devido à contiguidade territorial de seus moradores com grupos
narcotraficantes (Zaluar 1985; Valladares, 2005; Misse, 2006; Machado da Silva
e Leite, 2008). Dessa forma as intervenções públicas nas favelas passam a ter
um enfoque no perigo que seria ocasionado pela violência urbana. O projeto
“Comunidades Verdes” propõe a transformação do ecossistema da cidade por
meio de ações nas áreas consideradas degradadas nas favelas dentro de um
quadro de oferecimento de novos serviços públicos com a ocupação policial
permanente dentro do programa de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
Dentro dessa perspectiva, o arrefecimento do conflito nesses locais permitiria a
entrada de novos bens, entre eles mudanças urbanísticas como o
reflorestamento em determinadas partes da favela. Alguns autores discutem a
relação da ocupação territorial sem o auxílio de instituições formalizadas com o
processo de destruição do meio ambiente nas cidades (Meyer, 1991; Moretti e
Fernandes, 2000; Grostein (2001); Monte-Mór e Costa, 2002).

Junto com o argumento tecnicista que coloca a favela como uma área que
oferece riscos ao meio ambiente, o projeto Comunidades Verdes mobiliza a
linguagem da violência urbana (Machado da Silva, 2010). Pois, além de prever
benefícios ao ecossistema da cidade, os defensores do projeto pretendem evitar
a entrada dos jovens ao mundo do crime com o oferecimento de certificados
1537

profissionais aos participantes após a realização de um curso. Utilizo o termo


engajamento como a manutenção de coordenação entre as pessoas em prol de
Página

algum plano abstrato geral (Thévenot, 2006). As pessoas investem em certos


REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O
ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A UTOPIAS E ARILEY PINTO RAINHO DIAS
RISCOS
ARILEY PINTO RAINHO DIAS
REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM
MEIO A UTOPIAS E RISCOS

dispositivos que refletem o custo ou o sacrifício necessário para estabelecer uma


equivalência ou generalidade. Em outras palavras, entre as diversas
possibilidades de transformação da paisagem os defensores do projeto devem
oferecer provas de que o reflorestamento desta área da favela será o melhor
para o grupo. Estes planos abstratos podem ser tratados como utopias
realizadas (Boltanski e Thévenot, 1991) que permitem uma série de
compromissos em torno da previsão sobre o benefício da preservação do meio
ambiente para o futuro da favela. Os atores engajados nesta ordenação do
espaço devem demonstrar a eficiência do projeto, mostrar que isso produz
efeitos (Werneck, 2012) de acordo com as necessidades do grupo em geral.
Parto da hipótese de que as pessoas são confrontadas com diversos “mundos”
e podem escolher aquele que possui maior efetividade do que outros.

Os dados descritos no texto se baseiam em entrevistas realizadas como


moradores do Jardim Batan por meio da técnica de snowball em que o próprio
entrevistado indica o próximo. De modo a preservar a identidade dos
entrevistados, os nomes presentes no texto são fictícios. Os primeiros
entrevistados foram escolhidos pelo local de moradia – parte central da favela
ou no Morrinho –, pela idade e pela participação no projeto. A grounded theory,
ou teoria fundamentada, proposta por Glaser e Strauss (1967), oferece
ferramentas importantes para o desenvolvimento desta pesquisa. Essa forma de
análise propõe que a teoria é derivada de dados compilados de maneira
sistemática e acompanhados de maneira constante. A descoberta de conceitos
e relações por meio de dados brutos e, posteriormente, organizados em um
esquema explicativo permite a construção de uma teoria.
1538
Página

REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O


ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A UTOPIAS E ARILEY PINTO RAINHO DIAS
RISCOS
ARILEY PINTO RAINHO DIAS
REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM
MEIO A UTOPIAS E RISCOS

CARACTERÌSTICAS DO JARDIM BATAN E O PROJETO COMUNIDADES


VERDES

Dois marcos territoriais limitam o espaço do Batan em relação ao resto do


bairro: a Avenida Brasil, ao sul, uma via expressa que liga o centro da cidade à
Zona Oeste – inclusive a sua construção nos anos 1940 é apontada como o
início da história do Batan por ter atraído a chegada maciça de novos moradores;
e ao norte fica o Campo de Instrução Militar de Gericinó. O segundo ocupava
uma área maior até o início dos anos 1980. Pois vários moradores ficaram
atraídos pelo espaço com a política do então governador Leonel Brizola, durante
o início da década de 1980 em pleno período de redemocratização do país, de
arrefecimento das remoções de áreas ocupadas e construíram novas casas no
local que mais tarde ficaria conhecido como Morrinho. Marcos foi um desses
primeiros moradores. Ele relata que ao ter um filho precisou de uma nova casa
e vislumbrou a possibilidade de uma com os rumores de invasão da área até
então ocupada pelo Exército. As ocupações ocorriam de forma periódica. Ao
perceber que o processo estava dando certo, Marcos passa a liderar o
movimento de invasão e o início da transformação da área militar em uma nova
extensão da favela. De acordo com o entrevistado:

“– Morava lá embaixo. Na [Rua] Engenho Novo [uma das


principais ruas da favela]. Eu que comecei a dar os
terrenos. (...) Via lá embaixo a invasão [do Morrinho] e dava
certo. Falei a próxima invasão que tiver eu vou pegar. Aqui
era só mato. (...) Eu tive um filho e precisava sair da casa
da minha mãe. (...) Tivemos vários problemas com pessoas
que queriam ser o dono da terra. Um deles era um cara
1539

chamado Espinho. Ele chamava a polícia e prendiam o


povo. Isso até o momento em que o Brizola falava que se
Página

o terreno estivesse vazio podia invadir. Tinham muitos que


REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O
ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A UTOPIAS E ARILEY PINTO RAINHO DIAS
RISCOS
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invadiam, mas depois desistiram. Havia muito medo de


algo dar errado”.

Importante notar a noção de “espaço vazio” como justificativa para a


possibilidade de ocupação. Normalmente, os moradores do Morrinho descrevem
a localidade antes da invasão como um local sem significado com a expressão
de que ali era “só mato”. O fluxo de moradores se intensifica com a construção
de um viaduto na entrada da favela que gerou a remoção de vários moradores.
Com o dinheiro da indenização, grande parte o aplica no investimento em casas
nas áreas mais altas devido à grande oferta de espaços para construção e o seu
baixo custo. Hoje, há um muro que separa o espaço militar do Morrinho como
forma de delimitação do território. Os grupos armados ilegais também realizaram
intervenções nesse espaço. Quando a milícia, grupos formados por agentes do
Estado que ocupam as favelas em troca de recebimento de taxas dos moradores
e a possibilidade de exercer monopólio em relação à oferta de certos produtos
(Zaluar e Conceição, 2007; Cano e Duarte, 2012; Werneck 2015), expulsou os
traficantes, o Morrinho passa por várias mudanças urbanísticas, como a
pavimentação das ruas.

O projeto Comunidades Verdes ocupa uma área do Morrinho próxima ao


muro que demarca o início da área militar. A sua entrada no Batan ocorreu pela
ação de moradores que possuem uma rede de contato com atores que trabalham
em órgãos do Estado. O local escolhido se deve à oferta de espaços para a
construção da horta devido à falta de residências construídas. Além de se
adequar a perspectiva de atuação em áreas degradadas, pois o Morrinho é
considerado a parte mais pobre da favela. A ideia se baseia na plantação de
certas mudas em uma horta comunitária. A justificativa se baseia na noção de
1540

que o Batan teria se originado de fazendas e que a urbanização na região,


iniciada com a construção da Avenida Brasil e intensificada com a política de
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remoções de favelas localizadas nas partes Sul e Central para a Zona Oeste nos
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anos 1970, teria originado os malefícios no território e transformado o local em


favela. De forma simbólica, em 2013, as primeiras mudas plantadas foram da
árvore de ubatã – nome que originou o nome da favela, mas praticamente extinta
na região após a urbanização. Ezequiel, um jovem morador das partes planas
do Batan, é um dos professores do curso de jardinagem oferecido no viveiro de
plantas no Morrinho. Ele relata a sua participação do projeto como resultado da
sua popularidade no manejo com plantas:

“[O projeto Comunidades Verdes] começou com a


[chegada da] UPP. Quando ainda estava o primeiro
capitão. (...) Primeiro, queremos o reflorestamento da área
aqui que está degradada. Fazendo contenção para a
comunidade não avançar. Trazendo a biodiversidade, o
ecossistema da comunidade fica mais fresco. Ter mais
áreas verdes dentro da comunidade com a contenção das
casas. Segundo, [a função do projeto] é ensinar um ofício
para o morador. Ele já cuida das plantas, mas eles podem
sair daqui como jardineiros. Já podem acessar o mercado
de trabalho. Também se pode gerar renda com as mudas
aqui. Voltar a produzir nossos alimentos. Usar as plantas
usadas pelos nossos avós sem precisar comprar remédio
na farmácia. Aqui já foi roça. Era um laranjal. Esses
projetos só vieram depois da UPP“.

No relato, podemos notar que o reflorestamento está relacionado com a


ideia de que existem áreas que não funcionam como deveriam ser. O próprio
crescimento da favela, como na construção de casas, é visto como potencial de
1541

perigos a todos. O projeto tenta mobilizar as pessoas em torno da ideia de que


retorno a práticas positivas de um Batan antigo, descrito como “roça”, que foram
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perdidas com a urbanização. Essa utopia pode ser comprovada por sucessos
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anteriores. O ambiente anterior disponibilizava soluções aos problemas dos


moradores. O mundo proposto tenta conciliar os ganhos da urbanização com o
que teria sido perdido com o processo. Segundo Pelizzoli (1999), a ideia de
desenvolvimento sustentável se baseia em uma ética do futuro. Pois
desenvolvimento de um novo sujeito com um caráter integrador e biocêntrico é
fundamental para a manutenção da vida e a integridade humana planetária em
um momento posterior. Portanto, o projeto implica em uma visão de futuro que
resolveria os malefícios que os processos urbanos trouxeram ali com o retorno
das potencialidades existentes no início da ocupação do Batan. As hortas
comunitárias representam a possibilidade de o espaço urbano retornar a um
estado de harmonia com o imaginário sobre a origem rural do local. A perspectiva
ecológica que apresenta os vícios no processo de urbanização como uma
espécie de mito moderno (Diegues, 2008) possibilita uma visão positiva dos
moradores a respeito da sua própria origem rural identificada no senso comum
como um caráter que impede os avanços da civilização do mundo urbanizado
(Valladares, 2005). Portanto, o discurso ecológico possibilita a integração da
favela ao espaço da cidade com a valorização dos “espaços verdes” dentro do
perímetro urbano. A paisagem reflorestada controla o surgimento de novas
casas. Porém, ao invés de usar o discurso da precariedade, aqueles engajados
no projeto recorrem a argumentos sobre a quebra de solidariedade dos novos
moradores. Marcos, um dos pioneiros da ocupação no Morrinho, diferencia o
interesse das pessoas que moram em barracos dos que estão em casas de
alvenaria. Segundo o morador, se alguém não investe na sua casa durante
algum tempo significa que logo irá se mudar dali e, portanto, não possuiria
interesse na melhoria da favela em longo prazo. A horta contribuiria para evitar
o surgimento de novos moradores que podem colocar em risco os laços de
1542

solidariedade existentes. Geralmente, os novos movimentos de migração,


especialmente após a instalação da UPP e a ideia do Batan como uma
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comunidade tranquila, são mal vistos pela dificuldade de engajamento em


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questões que os moradores antigos consideram importantes. A imposição de


uma nova paisagem também serve para adequação do Batan a um novo
imaginário sobre as cidades pautado pela lógica do consumo visual (Zukin,
2000). A substituição dos barracos pela horta possibilita o acesso a novos bens
com a positivação dos de fora sobre o sentido daquele local. A entrada das UPPs
com a promessa de arrefecimento dos conflitos resulta em novas possibilidades,
como o mercado do turismo nas favelas da Zona Sul da cidade. A horta
comunitária aparece como um dispositivo capaz de transformar a paisagem no
Batan em algo apreciado no mercado global de consumo visual.

Figura 1 – Mapa do Batan e localização da horta


1543
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Fonte: Elaboração própria através do programa Google Maps.

OS VÁRIOS RISCOS E AS FORMAS HETEROGÊNEAS DE USO DO MESMO


ESPAÇO

A transformação do ambiente é percebida como um fator que altera o


comportamento dos indivíduos. Nas ciências sociais, os teóricos da Escola de
Chicago elaboraram uma série de explicações ambientais a fim de entender a
forma de agir das pessoas e de grupos sociais no meio urbano. Wirth (1987)
aponta para o enfraquecimento dos laços comunitários no ambiente heterogêneo
das cidades, resultando uma intensa mobilidade populacional. Já o modelo de
Park e Burguess (1984) estabelece uma “divisão moral” dentro da cidade, pois
as áreas consideradas mais degradadas – no caso de Chicago as áreas
próximas ao centro da cidade – contribuiriam para o enfraquecimento de laços
de solidariedade entre os moradores. Os dois autores dividem a cidade em cinco
zonas concêntricas. A área descrita como a mais problemática – chamada de
zona II ou zona de transição – enfrentaria a grande heterogeneidade da
população por ser constituída em grande parte por imigrantes e um ambiente
com casas consideradas mais precárias. Shaw e McKay (1942) ao estudar a
delinquência juvenil, influenciados pela teoria de Park e Burgess, relacionam o
ambiente da comunidade com as taxas de crime. As mesmas áreas
consideradas as mais degradas no modelo concêntrico de Park e Burgess são
aquelas com as maiores taxas de crime. Para Shaw e McKay, a degradação do
ambiente faz com que as pessoas não assumam a responsabilidade pelo local.
Pois os moradores se mudam dali tão logo conseguem se ascender socialmente.
Sendo assim, as áreas da Zona II são percebidas como locais de passagem.
1544

Essa abordagem defende uma intervenção do Estado que gere um maior


sentimento de solidariedade das pessoas com o local em que vivem como forma
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de combate ao crime. Desta forma, o oferecimento de programas sociais seria


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uma maneira de prevenir o crime. Nos estudos sobre a América Latina, Lomnitz
(1993) defende o uso do conceito marginalidade para explicar os efeitos do
desequilíbrio ecológico causados pela transição da zona rural para as cidades
no comportamento dos indivíduos. Lewis (1969) apresenta o conceito de “cultura
da pobreza” em que, mesmo deixando a situação de pobreza no aspecto
econômico, as pessoas continuam apresentando as mesmas formas de agir
pautado pela deficiência de certos valores encontrados na população do resto
da cidade. A consideração ambiental na literatura apresenta várias distorções
sobre os fenômenos sociais, resultando nas várias críticas sobre esses
trabalhos. Porém, eles oferecem justificativas bastante efetivas na construção
das pessoas sobre a vida social. Voltando ao caso do Batan, a área reflorestada
teria efeitos para impedir que as pessoas ingressem no crime. Especialmente a
população mais jovem. O ordenamento da paisagem formado pela horta teria a
função de controlar o tempo. Uma forma de impedir que os jovens tenham um
comportamento considerado indesejado pelos adultos, se afastando do caminho
do crime para se tornarem um trabalhador.

O trabalho de Zaluar (1985) aponta para uma representação que percebe


uma dicotomia entre o trabalhador, que apesar da precariedade do trabalho
urbano e da baixa remuneração consegue sustentar a sua família, e o bandido,
aquele que busca o ganho monetário bastante superior às possibilidades
disponíveis ao resto dos favelados. A defesa da primeira categoria se baseia,
primordialmente, em uma superioridade moral sobre o segundo por meio da
imagem do provedor. O projeto incentiva a entrada no mercado de trabalho com
uma ajuda de custo de R$ 400,00 e o oferecimento de um diploma de
capacitação profissional para jardinagem após o término das aulas teóricas na
1545

sede da UPP Batan e de aulas práticas na horta comunitária. Com o momento


de dificuldade econômica enfrentada pelo Estado do Rio de Janeiro, as verbas
para o projeto foram cortadas e as bolsas deixaram de ser distribuídas no
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primeiro semestre de 2015. Mesmo assim, alguns jovens continuam participando


do projeto. Ezequiel, um jovem que se mudou recentemente de outra favela,
relata que o apoio de Marcos para sair da vida do crime foi fundamental. Mesmo
sem receber qualquer benefício financeiro, o êxito de cuidar de uma planta o lhe
mostra outras possibilidades de vida além do crime. Ele relata os seus planos
para o futuro:

“[No futuro] Eu penso em construir. Criar uma ONG, ajudar


outras pessoas. Mas é difícil sair [do crime]. Tem muita
perseguição e não tem apoio de ninguém. Para eles você
vai ser sempre o cara que matou ou que mandou matar.
(...) tem muitas pessoas que querem vir para cá [para o
Batan], mas não tem lugar. Um gerente de favela me pediu
para vir para cá. Mas eu não tenho como. Só tenho essa
barraca. (...) ir à igreja ajuda muito [a mudar], mas vale mais
pelo lado próprio. Só a igreja não consegue, tem que ter
iniciativas como a do Marcos. (...) Você vê que é capaz de
mudar, de construir alguma coisa.“

No trecho acima, a experiência com as plantas passa a ter o sentido de


uma conversão. Algo bastante comum quando as pessoas tentam deixar o crime
(Teixeira, 2012). O jovem seria o elemento mais vulnerável ao crime por ainda
não ter a capacidade de vislumbrar os investimentos efetivos na transformação
positiva do mundo à sua volta, tendo assim maior vulnerabilidade em seguir um
curso de vida caracterizado como ruim. Por exemplo, Marcos critica as
intervenções feitas pelos jovens durante o período em que a horta ficou fechada
ao público, após o fim do envio de bens financeiros, e invadiram o local.
1546

“– Eles aprenderam nada [com o projeto]. Eles estão de


olho no espaço. [...] Pegaram tudo pronto. Estão usando os
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canteirinhos para plantar para eles. O negócio deles é


plantar para comer. A gente planta coisas para o futuro.”

Os jovens são descritos como incapazes de criar um espaço próspero no


futuro. Marcos aponta para a existência de um pensamento voltado para os
desejos mais imediatos. Apesar de considerado como um simples matagal, o
lugar onde está localizada a horta comunitária tinha outra função em um
momento anterior. Por estar localizado em uma área relativamente distante das
principais vias de acesso, esse mesmo espaço era utilizado para esconder
corpos. A pequena casa, utilizada hoje para guardar os materiais para a
plantação, era destinada para execuções e um ponto de prostituição. Porém,
aqueles que estão engajados nessa ideia precisam lidar com o risco de outras
formas de utilizar o mesmo espaço. No período em que a horta estava fechada,
novas objetos passaram a compor a paisagem. Uma pequena casa de madeira
passou a ser utilizada como um galinheiro e como ponto de encontro dos jovens
moradores. Novas plantas que atendessem as suas necessidades foram
plantadas sem a supervisão daqueles que trabalham no projeto. Vale notar a
ausência de mulheres entre esse grupo de jovens e entre as lideranças do
movimento a favor da horta, com exceção de Dona Maria – ex-presidente da
associação de moradores e responsável pela interlocução dos engajados no
projeto com o poder público. Marcos critica a destruição de algumas mudas pelas
galinhas e a destruição do solo devido a novas plantações. Entre as plantas há
várias barras de ferro e instrumentos de ginástica. Em um local com poucas
áreas destinadas a lazer, o grande espaço possibilita o seu uso como um lugar
de encontro. Inclusive a maior parte do tempo a horta fica fechada. O espaço
fica aberto ao público somente quando os moradores engajados no projeto
1547

realizam os mutirões nesse período de corte dos financiamentos públicos.


Também novas residências surgem cada vez mais ao redor da horta. Muitas
delas foram construídas pelos irmãos Pedro e Sandra a fim de obter uma renda
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extra com o aluguel delas, já que os dois passam dificuldades financeiras com o
primeiro condenado a cumprir regime semiaberto em uma prisão próxima à
favela. Feltran (2014) chama atenção para a experiência recorrente do
encarceramento das populações pobres no espaço urbano atual sem
interromper a continuidade da circulação monetária dos mercados ilegais. Em
outras palavras, a repressão das instituições legais ocorre aos indivíduos
incriminados seletivamente e não à participação no mercado. O caso dos dois
irmãos mostra o comércio informal, nesse caso o de venda e aluguel de terrenos
invadidos, aparece como uma das poucas oportunidades de subsistência.

Os engajados na ideia precisam conviver com o risco de outras formas de


ocupação no espaço. Durante o mutirão, tanto os jovens quanto os irmãos
participaram da manutenção da horta apesar da desconfiança dos outros
participantes. Mesmo com o quadro de aparente tranquilidade, a disputa pela
construção de uma determinada paisagem está envolvida de possibilidades de
acontecimentos trágicos. Por exemplo, Ezequiel encontra Marcos quando o
segundo acha um celular perdido do primeiro. Porém, o jovem ao receber uma
denúncia de que teria sido roubado por Marcos, ele se vai ao Batan com a
intenção de mata-lo. Com a resolução do mal entendido, Marcos consegue
convencer Ezequiel a entrar no projeto e passa a morar na favela. Há uma linha
tênue entre o sucesso de um empreendimento futuro e a emergência de um fim
trágico. A construção de uma paisagem reflete o movimento silencioso das
diversas disputas presentes. O projeto deve ser capaz de fazer com que as
pessoas se convençam da possibilidade do mundo proposto em resolver os
percalços do cotidiano. Utilizo aqui o termo mundo como uma série de guias
práticos que possam ser mobilizados pelos atores de acordo com as
1548

necessidades de cada situação, uma espécie de utopia realizável (Boltanski,


1990). Nesse ambiente em que os participantes se desconfiam entre si a
linguagem utilizada não é a de um bem que resolverá os problemas de toda a
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sociedade, mas a de uma assistência a alguém em particular que passa por uma
situação ruim.

Os moradores que oferecem o bem reconhecem que o outro passa por


uma situação ruim, porém exigem que ele aceite o que ofereceu. Aqueles que
estão com problemas no presente devem aceitar a participar da manutenção da
horta, ir a eventos de música gospel ou a aulas de cursos mesmo em profissões
que não almejam, caso contrário são criticados por falta de interesse –
comumente qualificados como “vagabundos”, “não querem saber nada na vida”,
“pessoas sem futuro”. Aqueles que não aceitarem a oferta não farão proveito dos
benefícios caso a projeção se confirme. As pessoas não visualizam projeções
que tragam benefícios a todos, alguns irão ter um destino obrigatoriamente ruim
por meio da perspectiva de entrada para o crime.

CONCLUSÃO

Em vários autores, as críticas ao modelo baseado na integração entre


população civil, Estado e mercado estão inseridas na lógica da continuidade ou
aumento da desigualdade existente na sociedade. Harvey (2006) considera a
hegemonia do discurso neoliberal pela sua capacidade de construir uma utopia
que o coloque como a única alternativa possível para o futuro, apesar do
aumento da desigualdade com o desmantelamento de políticas baseadas na
ideia do Estado como agente de promoção social e organizador da economia a
fim de reparar as disparidades do capitalismo. O autor propõe o conceito de
destruição criativa como uma série de mecanismos a fim de impedir qualquer
forma alternativa ao futuro proposto pela lógica neoliberal. Por exemplo, o Estado
1549

usa da sua legitimidade para mediar crises a fim de garantir a perda de ganhos
daqueles não beneficiados pelo neoliberalismo, o que ele chama de apropriação
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por expropriação, sem resultar em revoltas populares. Portanto, a destruição de

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possibilidades de outras previsões esconde a retenção de bens nas mãos de


algumas pessoas ao invés de distribui-los a todos:

“A criação desse sistema neoliberal implicou obviamente


muita destruição, não somente para as estruturas e
poderes institucionais (como a suposta existência prévia de
uma soberania estatal sobre os assuntos político-
econômicos), mas também sobre as relações estruturais
da força de trabalho, relações sociais, políticas de bem-
estar social, arranjos tecnológicos, modos de vida,
pertencimento à terra, hábitos afetivos, modos de pensar e
outros mais. [...] Para voltar a retórica neoliberal contra si
mesma, deveríamos nos perguntar: a que interesses
particulares serve o Estado quando adota uma posição
neoliberal, e de que modo esses interesses particulares
utilizaram-se do neoliberalismo para beneficiar a si
próprios, em vez de beneficiar a todos, em todas as partes,
como se proclama?” (Harvey, 2007, p.3).

Em termos de espaço, Lefebvre (1991) sugere a passagem de uma


racionalidade industrial para a proposta de um futuro sem as contradições do
período anterior por meio da lógica do consumo. A nova configuração urbana
promove a ausência de questionamentos e manifestações que constrangem a
vida cotidiana e criam obstáculos a formas alternativas de apropriação dos
espaços. Aqueles que em posições em de desvantagem em relação ao poder de
acumulação de capital não poderiam usufruir dos bens gerados pelos espaços
produzidos pela lógica do consumo e teriam maiores dificuldades de modificar a
1550

paisagem de acordo com os seus interesses – um dos maiores exemplos são os


casos dentro de processos de gentrificação em que os pobres se mudam devido
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às dificuldades impostas pelo aumento do custo de vida na localidade após a


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sua valorização no mercado de consumo. Os casos que veremos a seguir são


propostas de pessoas que se encontram nesses estados inferiores em termos
socioeconômicos e como elas transformam o espaço mesmo com a presença da
UPP e o aumento do valor de consumo dos territórios ocupados devido à
promessa de arrefecimento dos conflitos armados.

A criação de espaços segregados não apenas estão baseados pela na


força do Estado e do mercado para concretizar as suas intenções. As
descontinuidades dos programas sociais dificultam a percepção dos atores
sobre a possibilidade de efetivação de bens para todos. Normalmente, a
justificativa ocorre por um mecanismo que Freire (2010) chama de regimes de
desumanização – uma gramática que se articula em torno do questionamento ao
pertencimento de a uma humanidade comum. Por exemplo, a imposição da horta
como a paisagem única naquele espaço se baseia na desumanização daqueles
que buscam outras possibilidades de uso, como os jovens e o desejo de
transforma-lo em área de lazer, qualificados de “vagabundos”. Os programas
sociais que surgem com os projetos da UPPs recebem críticas baseadas na
tutela do Estado sobre os moradores (Oliveira, 2014), não permitindo que eles
tenham, de fato, poder decisório sobre as políticas implementadas nas suas
localidades. Por isso, as pessoas não poderiam ter meios para questionar a
continuidade da sua posição desigual em relação ao restante da sociedade. Em
outras palavras, o bem oferecido pelo Estado não resultaria no estabelecimento
da equidade do tamanho das grandezas como na noção de bem comum no
modelo de Boltanski e Thévenot (1991). Para além do problema da questão
sobre a tutela, os casos mostram as descontinuidades das políticas que vieram
com a UPP. No caso da horta comunitária, as bolsas dadas para os alunos foram
1551

cortadas e os moradores que estão inseridos no projeto buscam novas formas


para obter recursos, na maioria das vezes eles buscam recorrer a sua rede de
contatos com funcionários de órgãos estatais. Os objetivos no âmbito social da
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ocupação policial não somente estão em segundo plano em relação aos fins
militares do projeto das UPPs, as promessas não foram cumpridas. A falta de
atores que consigam efetivar bens que alcancem a todas as pessoas leva a
investimentos de alcance mais particularizado. Grande parte daqueles que
gerenciam a manutenção da horta são atores que desistiram de participar da
associação de moradores ou de reuniões comunitárias por desacreditarem que
essa forma de investimento possa efetivar bens. Com a chegada das UPPs, o
descontentamento passa da ausência de instituições estatais para a
impossibilidade do Estado e os seus mecanismos de resolverem os problemas.

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REFLORESTAMENTO NA FAVELA DO JARDIM BATAN: O


ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A UTOPIAS E ARILEY PINTO RAINHO DIAS
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ARILEY PINTO RAINHO DIAS
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ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A UTOPIAS E ARILEY PINTO RAINHO DIAS
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ORDENAMENTO DA PAISAGEM EM MEIO A UTOPIAS E ARILEY PINTO RAINHO DIAS
RISCOS
CAMILA MARQUES DOS SANTOS
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CIDADE DE SÃO CARLOS/SP

GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO-AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

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CIVIS PÚBLICAS – ESTUDO DE CASO DA CIDADE DE
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CAMILA MARQUES DOS SANTOS


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CARLOS/SP
CAMILA MARQUES DOS SANTOS
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Bacharel em Direito pela UNICEP, mestranda em


Ciências Ambientais pela UFSCar. E-mail:
rcamillamarques@hotmail.com

RESUMO

As Ações Civis Públicas (ACPs) atuam como um dos mais relevantes


instrumentos processuais na proteção do meio ambiente, no ordenamento
jurídico brasileiro. Por meio dela é possível garantir a proteção dos interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos. Desta forma, a presente pesquisa
tem como finalidade objetivo investigar se a cidade de São Carlos-SP pode ser
considerada legal ou ilegal, de acordo com o conceito de ilegalidade proposto
pela pesquisa, objetivando mais especificamente observar o papel da Justiça
Federal, a utilização da Ação Civil Pública, na resolução de conflitos ambientais
urbanísticos. Para tanto, serão analisadas as ACPs. dos dez anos (2005-2015).
A metodologia será dividida em duas partes, primeiramente o método descritivo
com o levantamento de dados e análise bibliográfica sobre o tema, e em seguida
o método quantitativo, que pretende fazer uma análise para medir o fluxo dos
principais conflitos enfrentados pelo município, dispondo de dados estatísticos,
tabelas e gráficos a serem elaborados pela proposta.

ABSTRACT

The Public Civil Actions act is used as one of the most important environmental
protection tool in the Brazilian legal system, through it is possible to ensure the
protection of diffuse, collective and homogeneous individual interests. This
1558

project is going to define the concept of illegality after an observation of the role
of the federal court in the resolution of urban environmental conflicts. In the
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beginning of our research we will analyze the environmental public civil actions

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(2005-2015). This overview can be conceptually separated in two parts, firstly the
application of the descriptive method that consist of data collection and analysis
of the literature on the subject and secondly the application of the quantitative
method that will identificate the flow of the main conflicts faced by the
municipality, providing statistical data, tables and graphs that will be drawn for
the proposal.

INTRODUÇÃO

As cidades têm sofrido um intenso movimento de ocupação dos espaços


urbanos, sendo que, para Tibo (2011), esse fenômeno urbano deve considerar
a relação entre o meio físico, o ambiental, o social e o político. Nesse caso, este
movimento, fez com que as taxas de crescimento urbano fossem os maiores de
todos os tempos no século XX, propenso a continuar crescendo no século XXI
(FERNANDES, 2005).

Ainda segundo o autor, mais de 80% (oitenta por cento) dos brasileiros
vivem nas cidades, sendo que desde a década 1930 e especialmente nos anos
1960, a urbanização rápida tem transformado o país em termos territoriais,
socioeconômicos, culturais e ambientais.

Em 1960, 44,7% (quarenta e quatro vírgula sete por cento) da população


vivia em áreas urbanas e 55,3% (cinquenta e cinco vírgula três por cento) viviam
em áreas rurais, de um total 31 milhões de brasileiros. Nos anos 1970, a situação
se agravou ainda mais, nesta década cerca de 55,9% (cinquenta e cinco vírgula
nove por cento) dos brasileiros viviam em áreas urbanas.

Por outro lado, na década de 1980, deu-se um crescimento menor em


relação aos outros anos, porém a taxa de crescimento urbano nesta época ainda
1559

foi marcadamente alta, sendo que um novo panorama das cidades está se
formando com o aumento, sobretudo da população das cidades de porte médio.
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Nos anos 2000, a população já passava de 170 (cento e setenta) milhões


de habitantes, com 81,2% (oitenta e um vírgula dois por cento) vivendo em áreas
urbanas, cerca de 138 (cento e trinta e oito milhões) de habitantes, e apenas
18,8% (dezoito vírgula oito) vivendo em áreas rurais.

No que corresponde à cidade de São Carlos-SP, segundo o Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o munícipio conta com 221.950
(duzentos e vinte e um mil novecentos e cinquenta) habitantes, de acordo com
o censo demográfico do ano de 2010, com a perspectiva de crescimento para
cerca de 241.389 (duzentos e quarenta e um mil trezentos e oitenta e nove), até
o ano de 2015.

Ainda segundo o IBGE, da população total 213.061 (duzentos e treze mil


e sessenta e um) habitantes moram na zona urbana, enquanto tão somente
8.889 (oito mil oitocentos e oitenta e nove) habitantes vivem na zona rural. Sendo
assim, cerca de 96% (noventa e seis por cento) da população vive na área
urbana, enquanto apenas 4% (quatro por cento) vive na área rural, o que
distingue o município em relação à demografia nacional, tornando-o quiçá mais
propenso a conflitos ambientais urbanísticos.

Quanto ao crescimento na década de 1930, o município de São Carlos


acompanhou os demais, tendo sofrido com a crise cafeeira de 1929, pois possuía
como principal atividade econômica a cafeicultura. Deste modo, houve uma
grande migração do campo para o centro urbano, uma vez que a atividade rural
estava em decadência.

De acordo com o IBGE, nas décadas de 1950 e 1960 o crescimento


municipal nesta década não foi diverso do crescimento nacional, nesta época a
1560

indústria são carlense se solidificou e “com a instalação de fábricas de


geladeiras, compressores, tratores e uma grande quantidade de empresas
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pequenas e médias, fornecedoras de produtos e serviços”, isso se deu graças á

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esforços de fazendeiros que aplicavam os lucros obtidos com o café na


constituição de várias empresas na cidade, fortalecendo a infraestrutura urbana
e criando condições para a industrialização.

Entre as décadas de 1950 e 1960, portanto, segundo Feitosa (2015, p.


80) ocorreram mudanças significativas no porte e nos ramos das indústrias,
sendo que, no início da primeira fase da industrialização pesada, “devido à
importância de setores de bens de consumo duráveis, bens intermediários e de
capital passavam a desempenhar no crescimento econômico”.

Afetando, sobremaneira o adensamento populacional, o município passou


de 51.620 (cinquenta e um mil seiscentos e vinte) habitantes em 1934, para
86.385 (oitenta e seis mil trezentos e oitenta e cinco) em 1970, representando
um aumento de 67% (sessenta e sete). E, ainda, nesse contexto, verificou-se
que a população urbana passou de 20.791 (vinte mil setecentos e noventa e um)
habitantes em 1934 para 76.681 (setenta e seis mil seiscentos e oitenta e um)
em 1970, o que representou um aumento de aumento 274% (duzentos e setenta
e quatro por cento). A população rural passou de 30.829 (trinta mil oitocentos e
vinte e nove) habitantes para 9.708 (nove mil setecentos e oito) em 1970,
representando uma diminuição de 68% (sessenta e oito por cento) (FEITOSA,
2015, p. 167).

Conforme os dados apresentados, é possível concluir que o crescimento


da população urbana da cidade de São Carlos na década de 1970 foi
extremamente superior ao crescimento da população urbana nacional no mesmo
período, sendo respectivamente 274% (duzentos e setenta e quatro por cento)
contra 55,9% (cinquenta e cinco vírgula nove por cento) sugerindo assim, um
fundamento do porquê de a taxa da população urbana hoje no município ser
1561

superior a da taxa nacional.


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Nos anos de 1980 as cidades com mais de 100.000 (cem mil) habitantes
tiveram um crescimento proeminente, isto se deu em cidades com população
entre 100.000 (cem mil) e 500.000 (quinhentos mil) habitantes. Assim, na década
de 1980, a cidade de São Carlos se destacou apresentando uma taxa de
crescimento anual de 2,75% (dois vírgula setenta e cinco por cento)
(FERNANDES, 2007, p.36).

Sendo assim, a forte ocupação dos espaços urbanos foi intensa no século
XX, tendendo a ser ainda maior no século XXI, o mesmo ocorreu no cenário
nacional, todavia no município de São Carlos, esta ocupação foi ainda mais
significante, despertando o interesse pela pesquisa.

Para Tibo, “...esse crescimento das cidades não foi acompanhado pelo
ordenamento urbanístico regulado pelo Poder Público. Com isso, as cidades se
apresentam como uma colcha de retalhos de ilegalidades urbanas, as quais se
juntam e compõem o tecido urbano” (TIBO, 2011, p. 30).

Portanto, é importante diferenciar o que seja legal de ilegal, nesta


perspectiva, Fernandes (2008 apud TIBO, 2011, p. 17) ao considerar importante
investigar o campo do Direito e gestão das cidades, propõe quatro dimensões
possíveis de serem avaliadas. A primeira é a dimensão da própria lei, com a
“discussão em torno dos próprios princípios que regem a lei, como os
paradigmas, os marcos teóricos e a articulação entre as leis e as diferentes
formas de interpretá-las”, onde a lei deve ser vista em um contexto amplo e
passível de conflitos.

A segunda dimensão é a discussão do processo de produção de leis, onde


a lei “é vista como uma sucessão de fatos, e não com um fim em si mesmo”,
1562

propiciando a discussão do papel do jurista e a legitimidade do seu poder de


decisão. A terceira dimensão refere-se ao cumprimento das leis, com a
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discussão dos motivos que levam ao não cumprimento das normas jurídicas,
com reflexos para a sociedade.

A quarta dimensão é o papel do Direito e a ilegalidade, com o


reconhecimento da ilegalidade não como exceção, mas como regra urbana, e
Tibo (2011, p. 17) cita Fernandes (2008, p. 23) no sentido de que “devemos, para
entender isso, mudar um pouco a atitude de pensar que ilegal é aquela coisa
que escapou, que ficou de fora de uma ordem. O ilegal é a maneira, por
excelência, de organização da sociedade hoje, o que coloca em xeque a própria
ordem jurídica”.

É notório que o conceito de ilegalidade é complexo e possui


sobreposições, “devido ao universo amplo de possíveis formas de ser ilegal no
espaço urbano” (TIBO, 2011, p. 18), é necessário caracterizar o conceito de
ilegalidade a partir da abordagem pretendida nesta pesquisa. Com base na
perspectiva abordada por Fernandes (2008), a ilegalidade a ser considerada
será o não cumprimento da legislação ambiental urbanística por parte do poder
público e dos particulares, e seus reflexos para a sociedade.

Em decorrência do crescimento acelerado do espaço urbano e das


transformações sociais e ambientais, surgiram novos conflitos jurisdicionais,
especialmente no direito ambiental urbanístico, que, ao contrário da versão
tradicionalista dos interesses intersubjetivos, diz respeito a objetos
metaindividuais ou plurissubjetivos.

Estes conflitos decorrem da necessidade dos indivíduos e do poder


público buscarem melhores condições de desenvolvimento humano, laboral e
organizacional. Assim, visando garantir a efetividade dos direitos constitucionais
1563

individuais e coletivos aliados ao direito ao meio ambiente sadio e equilibrado e


ao processo de desenvolvimento das cidades.
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O Estado e a coletividade devem abster-se de práticas nocivas sociais e


ambientais e conjuntamente promoverem ações e iniciativas para ao alcance dos
fins comuns almejados. Além disso, incumbe ao Estado fornecer os meios
instrumentais necessários à implementação desses direitos (LEITE, AYALA,
2014).

Nesse campo, no Brasil, diversos instrumentos judiciais foram


disponibilizados aos órgãos públicos e privados, assim como aos cidadãos,
dentre eles destaca-se a Ação Civil Pública (ACP) como meio judicial para
garantir à coletividade em seu perfil metaindividual, os direitos e a defesa do bem
coletivo.

Fiorillo (2013) destaca que se amolda a ACP à defesa dos interesses


coletivos lato sensu, à proteção do patrimônio público do meio ambiente dos
consumidores e ordem econômica, visando à condenação dos responsáveis na
reparação dos interesses dos lesados, preferencialmente com o cumprimento da
pena. Também poderá impor o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer
em prol da proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado (SILVA,
2013).

Em relação à tutela dos interesses coletivos, cabe ressaltar que de acordo


com Sirvinskas (2014), a tutela processual está intimamente ligada ao acesso à
Justiça, devendo todos os conflitos ser solucionados pelo Poder Judiciário,
especialmente se não houver acordo, na fase de conciliação, na esfera
administrativa, pois o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal determina
que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
de direito.
1564

O autor explica, citando de Mauro Cappelletti, que o acesso à Justiça


começou a ter uma amplitude maior, pois a necessidade de proteger interesse
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comum de grupo, categoria ou classe. “Tal interesse não podia ser classificado

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como privado nem público. Cuidava-se de um interesse disperso, difuso, não


determinado que pertencia a todos e a cada um ao mesmo tempo”
(SIRVINSKAS, 2014, p. 925).

OBJETIVOS DA PESQUISA

A presente pesquisa possui como objetivo fazer o levantamento e analise


dos conflitos ambientais urbanísticos no âmbito da competência da Justiça
Federal (de 2005 a 2015), por meio das Ações Civis Públicas pesquisadas na
cidade de São Carlos-SP, sob o amparo do ordenamento jurídico brasileiro,
quanto ao cumprimento das normas, abordando os referenciais bibliográficos
acerca das cidades (i)legais.

Desta forma, a pesquisa tem como objeto utilizar-se desta análise para
observar o papel da Justiça Federal na resolução destes conflitos, realizando um
prognóstico sobre a (i)legalidade da cidade São Carlos-SP, de acordo com o
referencial teórico de Fernandes (2008), quanto ao não cumprimento da
legislação ambiental urbanística.

Por conseguinte, serão observadas durante a pesquisa as Ações Civis


Públicas Ambientais por se tratar de um importante meio judicial de proteção do
meio ambiente. Desta forma, será feita uma análise documental das ACPs, no
que diz respeito aos conflitos urbanísticos ambientais na cidade de São Carlos-
SP, pretendendo investigar se a cidade de São Carlos pode ser considerada
(i)legal, diante do conceito de ilegalidade a seguir proposto por Fernandes
(2008), por meio da investigação das Ações Civis Públicas Ambientais na cidade
de São Carlos-SP, dentro de um período de 10 anos imediatamente anteriores
1565

ao início da pesquisa. Para isto serão analisados dados estatísticos com a


finalidade de quantificar as ACPs, e apurar de que forma essas ações estão
Página

sendo solucionadas.
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MATERIAIS E MÉTODOS DA PESQUISA

Para a consecução dos objetivos da pesquisa, o método utilizado foi


inicialmente o método descritivo, que será desenvolvido mediante a observação
e o levantamento de dados e análise bibliográfica por meio da pesquisa de obras
referentes às cidades legais e ilegais e conceituais sobre Ações Civis Públicas e
o papel do judiciário (federal) na resolução dos conflitos ambientais, sendo feito
um rol de textos publicados em livros, revistas especializadas (periódicos da
Capes), trabalhos científicos publicados e disponíveis em bibliotecas ou na
internet, assim como a análise da legislação acerca do assunto e a jurisprudência
predominante. Ademais, foi realizada uma busca de informações contidas em
dados estatísticos e divulgados pelos meios de comunicação que tratem do tema
cidades ilegais, sob a perspectiva ambiental.

Diante disto, realizou-se uma análise documental das Ações Civis


Públicas Ambientais da cidade de São Carlos-SP pretendendo-se, assim,
realizar uma investigação das ações dos últimos dez anos, por meio do acesso
à base de dados da Justiça Federal. Esta análise documental investigou Ações
Civis Públicas Ambientais distribuídas entre o dia 01 de janeiro de 2005 até o dia
18 de dezembro 2015, que estejam em situação: ativos, baixados, sobrestados
e suspensos.

Isto posto, serão relativizados os seguintes dados das ações: a


quantidade de ações distribuídas; as partes do processo (quais os autores); a
classe; a situação do processo; o assunto (o que está sendo pleiteado); valor da
causa; a ocorrência de certidão de dívida ativa; qual o tipo de sentença e o
1566

tempo de duração do processo.

A relativização dos dados mencionados permitirá que futuramente a


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cidade de São Carlos-SP seja classificada como legal ou ilegal no que tange aos
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processos judiciais ambientais, através da verificação das Ações Civis Públicas


Ambientais.

Nesta perspectiva, elaboram-se figuras para medir a frequência com que


os dados analisados ocorrem, possibilitando assim, a construção de um quadro
de conflitos ambientais urbanísticos referentes às ACPS, que permitirá um
mapeamento dessas ações judiciais perante a Justiça Federal.

A pesquisa realizada pode ser considerada contributiva à ciência,


considerando que não foram encontrados artigos, periódicos ou pesquisas que
dissessem respeito à resolução de conflitos ambientais por meio de ações civis
públicas na discussão das cidades ilegais. Foram pesquisados os seguintes
termos: “resolução” “de” “conflitos” “ambientais” “urbanísticos” “por” “meio” “de”
“ações” “civis” “públicas”, “cidade ilegais” nos seguintes sites de busca “Google
Acadêmico”, “Portal de Periódicos Capes/MEC”, “Scielo Brasil” e “Sistema
Integrado de Bibliotecas Universidade de São Paulo” e não foi obtido êxito. Desta
forma, o trabalho realizado é de grande contribuição para a ciência, tendo em
vista que ele possibilita auxiliar na proposta de ações concretas cabíveis ao
Executivo local, estadual ou federal, no sentido de melhorias das condições
ambientais da cidade e da qualidade de vida dos que nela habitam, dentro do
conceito de funcionalidade das cidades.

ATUAÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL EM RELAÇÃO AOS CONFLITOS


AMBIENTAIS

A temática que circunda a “proteção ao meio ambiente” desperta interesse


de diversos ramos da ciência, todos preocupados em atingir significativos
progressos para a consecução de tal fim. Contudo, diante dos avanços já
1567

alcançados, tangenciando a seara jurídica processual, verificamos grandes


problemas quanto à delimitação das responsabilidades na atuação dos órgãos
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integrantes do Poder Judiciário.

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A divisão do poder, definindo os limites de cada órgão quanto à sua


atribuição para julgar, é essencial para a “definição da jurisdição, do foro e do
juízo competentes para os processos ambientais cíveis e criminais” (YOSHIDA,
2010, p. 221). Entretanto, a sua definição ainda é de difícil compreensão pelos
operadores do direito, fato este que gera entraves, conflitos e falta de
operacionalização na defesa do direito ambiental no Brasil.

Dito isso, no intuito de enriquecer esta discussão, ao longo da presente


narrativa abordar-se-á o instituto da competência de forma genérica quanto ao
seu aspecto funcional (em razão da pessoa e da matéria) e, mais
especificamente, quanto ao seu aspecto relativo (territorial), com o objetivo
empírico de mapear a utilização dos instrumentos processuais na proteção do
meio ambiente na circunscrição do município de São Carlos-SP.

A Constituição da República de 1988 distribuiu à União e aos Estados as


tarefas destinadas à proteção do meio ambiente, nos termos do artigo 225 e
seguintes. Porém, ao se tentar definir e extrair os limites de atuação do poder
público, no caudilho jurídico constitucional, constatou-se o maior dos problemas
na prática do nosso sistema federal, que é o amplo traço dado de proteção à
matéria ambiental, onde os entes federativos deverão comumente zelar por este
bem de acordo com o artigo 23 da Constituição Federal.

Assim, na prática, o constituinte demandou a complexa tarefa de


distribuição das funções jurisdicionais entre as diferentes esferas de poder
(Executivo, Legislativo e Judiciário), seguindo um sistema de competência
concorrente/suplementar (CF, art. 24 e 30, II), com o cuidado de não relegar as
competências privativas, sob pena de se criarem disfunções administrativas,
com superposições e conflitos de competências e jurisdições generalizados.
1568

Desse modo, no complexo sistema de “federalismo cooperativo”, nos


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moldes do quanto preceitua o artigo 23, parágrafo único, da Constituição

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Federal, a divisão da competência pelas pessoas de direito público, com igual


finalidade, deverá utilizar o critério de repartição conforme o interesse da matéria
tutelada. Nesse passo, tratando-se de relevância nacional, mostrar-se-á a
competência da União; se regional, dos Estados-Membros e, ainda, sendo o
interesse local, a competência será conferida aos Municípios.

Nessa linha de intelecção, pode-se dizer que a tutela ambiental é


exercida, no âmbito legislativo pela edição de Leis, "Medidas Provisórias e
Resoluções"; no âmbito administrativo ambiental, pela "formulação e a
implementação de políticas públicas, planos, programas ambientais e o exercício
do poder de polícia ambiental (preventiva e repressiva)" e, no âmbito judicial, por
via das ações de rito ordinário ou comum (denominação inserida no Novo Código
de Processo Civil), “das ações civis públicas, ações populares, ações penais e
atuação dos juizados especiais” (YOSHIDA, 2010, p. 223).

A competência na seara judicial expressa a responsabilidade e a


legitimidade de um órgão judicial (como um juiz, por exemplo) de exercer a sua
jurisdição concretamente. Assim, a competência fixa os limites dentro dos quais
esse órgão judicial pode atuar e exercer concretamente a sua jurisdição.

Nestes termos, dentro do arcabouço constitucional, a divisão da


competência entre os entes integrantes do Poder Judiciário está organizada "em
cinco níveis: I - competência internacional; II - competência originária dos
Tribunais; III- competência das justiças especiais ou especializadas1; IV -
competência da Justiça Federal2; V - competência residual ou remanescente"3
(RODRIGUES, 2010).

A competência da Justiça Federal na tutela do direito ambiental possui


1569

fundo constitucional (artigos 106 a 110). Este ramo do judiciário é competente


para julgar e processar, de forma absoluta, as matérias listadas no artigo 109 e
Página

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seguintes, ficando a cargo da Justiça Comum processar e julgar as matérias que


fujam do alcance do referido dispositivo constitucional, de forma residual.

A competência da Justiça Federal é absoluta quanto às matérias


enumeradas no artigo 109 da Carta Constitucional, contudo, após a edição da
Lei 9.605/98, a regra estabelecida na Sumula 91 do STJ - "Compete à Justiça
Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna" - perdeu a sua
validade, trazendo dúvidas quanto à repartição da competência entre a Justiça
Federal e a Justiça Estadual, na órbita da justiça ordinária, sobretudo na
determinação da competência para processamento e julgamento dos crimes
ambientais.

Na prática, com a edição da Lei 9.605/98, houve uma ampliação da


competência da Justiça Estadual no trato da matéria ambiental elencada no
artigo 109 da Constituição Federal e, por conseguinte, demandou uma
flexibilização na interpretação deste rol, utilizando como critério maior o interesse
predominante da área de influência direta do impacto ambiental.

Nesse sentido, Yoshida (2010, p. 238) leciona:

Em relação à jurisdição competente (tanto em matéria cível


como em matéria criminal) observamos uma tendência
restritiva à federalização dos conflitos ambientais e,
correlatamente, uma tendência à ampliação da
competência da Justiça Estadual, mediante interpretação
restritivas dos incisos I e IV do art. 109 da Constituição
Federal.

No inciso I do art. 109 da CF/88, a competência se estabelece em razão


1570

da pessoa (União, entidade autárquica ou empresa pública federal), porém,


verificamos a primeira necessidade de flexibilização em face da prevalência de
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“um interesse juridicamente qualificado, apto a alçá-las à condição de autoras,


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rés, assistentes ou oponentes” (BERNARDO, 2010, p. 306). Nesse diapasão,


temos uma interpretação restritiva quanto à competência da Justiça Federal,
onde a atração ocorre pela real demonstração do interesse na causa4.

No tocante à fixação da competência “intuito personae” (CF/88, inc. I, do


art. 109), está incluso, de forma indireta, a atuação do Ministério Público Federal
toda vez que este ente se fizer presente na relação processual, seja como autor,
réu, assistente ou oponente, por representar um órgão da União. Não se pode
olvidar, ainda, a importância do “Parquet” Federal como fiscal da lei no trato da
matéria sob exame, sendo um dos legitimados para interposição de Ação Civil
Pública (Art. 5º, I da Lei 7.347/85.).

Consubstanciado na mesma linha de raciocínio restritivo na ordem do art.


109 da Constituição Federal, é de dizer que a configuração da competência da
Justiça Federal, na hipótese inciso IV, somente será confirmada pela
caracterização de interesse direto e específico das pessoas descritas no inciso I
do referido dispositivo constitucional.

Entretanto, a valoração do interesse qualificado das pessoas jurídicas


elencadas no inciso I do referido artigo compete de forma absoluta à Justiça
Federal. Nesse contexto, destacamos os verbetes das Súmulas do STJ 150:
“Compete a Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que
justifique a presença, no processo, da União, suas Autarquias ou Empresas
Públicas” (Súmula 150, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/02/1996, DJ
13/02/1996 p. 2608); e 254: “A decisão do Juízo Federal que exclui da relação
processual ente federal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual” (Súmula
254, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/08/2001, DJ 22/08/2001) (BOLLMANN,
2008, p. 6).
1571

Em contrapartida, em consulta à jurisprudência e à doutrina dominante,


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não se constatou controvérsias ou restrições quanto à interpretação direta das

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hipóteses de repartição de competência, em prol da Justiça Federal, conforme


elencado nos incisos III e V, do artigo 109 da CF/88.

Superado o entendimento, em linhas gerais, da determinação da


competência da Justiça Federal em face da matéria e do interesse qualificado,
cumpre-nos descrever a ordem quanto à divisão da jurisdição por território,
notadamente em relação às necessidades de organização de cada órgão do
Poder Judiciário, em vista da efetiva entrega da atividade jurisdicional.

A jurisdição da Justiça Federal brasileira é una em todo o território


nacional, entretanto, como seria impossível a sua entrega por um único órgão
vocacionado a resolver todas as espécies de litígio, há necessidade da
repartição por diversos órgãos, conforme os critérios de competência previstos
nos art. 106 a 110 da Constituição Federal, até que se defina o juiz competente
para julgar determinada categoria de causa.

Vale dizer que a Justiça Federal, como órgão do Poder Judiciário, é


integralizada pelos Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais (CF/88,
art.106, I e II).

Por conseguinte, a Primeira Instância na Justiça Federal reparte o


exercício da jurisdição em seções, que correspondem aos limites do território de
cada Estado Membro, sendo a capital a sede correspondente de cada um. A Lei
5.010/66, por seu turno, organiza e regulamenta a Justiça Federal e, no artigo
11, assim define: “A jurisdição dos Juízes Federais de cada Seção Judiciária
abrange toda a área territorial nela compreendida”.

Por outro lado, as Seções Judiciárias são compostas por subseções


judiciárias, cuja região se circunscreve por um conjunto de municípios, contíguos
1572

ou não, com atividade socioeconômica integradas. Definindo-se o município


sede, por exemplo, conforme critérios de extensão territorial, número de
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habitantes, número de eleitores, receita tributária e movimento forense (Art. 97


da Lei Orgânica da Magistratura Nacional); ou outros critérios mais específicos5.

A 15ª Subseção Judiciária de São Carlos foi instalada em 3 de dezembro


de 1998. Em 7 de março de 2004, foram inaugurados o Juizado Especial Federal
Civil adjunto e a 2ª Vara Federal, além das novas instalações do Fórum.

Conforme dispõe o artigo 2º, do Provimento n.378/2013 do Conselho da


Justiça Federal da Terceira Região, o Juizado Especial Federal e as Varas
Federais da 15ª Subseção Judiciária de São Carlos têm Jurisdição6 sobre os
municípios de Brotas, Descalvado, Dourado, Ibaté, Pirassununga, Porto Ferreira,
Ribeirão Bonito, Santa Cruz da Conceição, Santa Cruz das Palmeiras, Santa
Rita do Passa Quatro, São Carlos e Tambaú.

Os juízes federais lotados nas varas federais da 15ª Subseção Judiciária


da Seção de São Paulo, no âmbito de sua jurisdição, têm o exercício pleno das
competências constitucionalmente estabelecidas e regulamentadas pela Lei nº
5.010/66.

AÇÕES CIVIS PÚBLICAS AMBIENTAIS PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL


(15ª Subseção)

A presente pesquisa analisa as ações civis públicas ambientais perante a


15ª Subseção da Justiça Federal, sediada na cidade de São Carlos, em relação
ao seu campo de competência. Porém, antes de demonstrarmos os números em
forma de figuras, proceder-se-á à abordagem teórica desse importante meio
judicial de defesa do meio ambiente.
1573

Existem diversos meios processuais para proteção do meio ambientes,


podendo ser uma defesa administrativa ou judicial, visando à proteção dos seres
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humanos, aos bens imóveis ou o direito material, neste sentido o direito de ação

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tem como objeto o direito de provocar o órgão jurisdicional, em busca da


proteção dos interesses coletivos.

Historicamente, a primeira lei que tratou das Ações Civis Públicas (ACPs)
foi a Lei Complementar Federal nº 40 de 14 de dezembro de 1981, que
estabelece normas gerais a serem adotas pelo Ministério Público estadual. A
referida lei estabelece em seu artigo 3º que são funções do Ministério Público,
dentre outras, promover a Ação Civil Pública, nos termos da lei.

Sucessivamente, as ACPs foram regulamentadas com a promulgação da


Lei 7.347 de 24 de julho de 1985, que disciplinou a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados aos direitos transindividuais: ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico.

Um importante instrumento trazido na Lei da Ação Civil Pública foi a


possibilidade de celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC),
possibilitando um acordo entre autor da ação e infrator, com o fim de promover
a recuperação do ambiente degradado e a ocorrência de danos futuros. Visa
também elidir a propositura da própria medida judicial. Trata-se de um
procedimento extrajudicial de solução dos conflitos pelo qual a parte infratora se
compromete a reparar os danos ambientais em sua integralidade, quando
possível, e a cumprir com as obrigações de fazer ou não fazer, cumuladas ou
não com o pagamento de indenização em dinheiro (AKAOUI, 2015).

Igualmente, restando cumpridos os termos acordados, o interesse se


extingue na demanda judicial. Contudo, quando descumprido, em virtude de sua
natureza jurídica de título executivo extrajudicial, imporá a sua execução por
1574

qualquer dos colegitimados ativos à Ação Civil Pública e não apenas o


compromitente (CANOTILHO, LEITE, 2012)
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Ato contínuo, em 1988 as ACPs ganharam força constitucional ao serem


tratadas no artigo 129, inciso III, da Carta Magna, como um instrumento de
proteção ao patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos.

Posteriormente, com o advento da Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990,


intitulada por Código de Defesa do Consumidor, restou modificado o conteúdo
da norma originária das ACPs, para nela ser introduzido para além da defesa
dos interesses difusos e coletivos, de natureza indivisível, os interesses e direitos
individuais homogêneos, em conformidade com o disposto no artigo 80, inciso
III, sendo àqueles afetos a uma origem comum.

No que concerne ao meio ambiente e as ACPs, a Lei 6.938 de 31 de


agosto de 1931, ao dispor sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, segundo
Sirvinskas (2014), estabeleceu pela primeira vez uma hipótese de ação civil
pública ambiental.

Sendo assim, as inovações modificaram substancialmente o direito


processual civil, que passou de uma estrita análise individualista para servir
também aos interesses metaindividuais da sociedade, possuindo no meio
ambiente, o nascedouro desses conflitos com perspectivas difusas, mas que
propiciam repercussões coletivas stricto senso, individuais e individuais
homogêneas (LEITE, AYALA, 2014).

No que se refere à natureza jurídica, quando se fala em ação visualiza-se


o direito de provocar o Judiciário em busca de soluções de conflitos individuais,
porém “a ação civil pública rompe com esse princípio tradicional, tendo natureza
especialíssima: não é um direito subjetivo, mas direito distribuído a entes
1575

públicos e privados para a tutela e interesses não individuais stricto senso.”


(MILARÉ, 2007, p. 1.198).
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No tocante à titularidade, atribuiu-se a legitimidade ativa para a ação


principal e a cautelar ao Ministério Público, a União, aos Estados e Municípios.
Também as autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia
mista ou associações constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre
as suas finalidades institucionais a proteção do meio ambiente, o consumidor, o
patrimônio artístico, histórico e paisagístico, assim como a Defensoria Pública,
nos termos do art. 5º da LACP, art. 82 do CDC e da Lei 11.448/2007 (MACHADO,
2013).

Cabe ressaltar que é requisito processual para a propositura das ACPs,


além da legitimidade das partes, o interesse de agir, sendo neste caso o
interesse público em relação ao Ministério Público, que deve atuar na defesa dos
interesses individuais e homogêneos, desde que atinja um número extenso de
pessoas lesadas, sendo que o seu objeto vem a ser o pedido de providência
jurisdicional que se formula para a proteção de determinado bem da vida
(SIRVINSKAS, 2014, p. 1009-1010).

ANÁLISE DOS DADOS

A pesquisa analisou os dados da Justiça Federal dos últimos dez anos,


por meio de acesso à listagem oficial fornecida pela secretaria da 15ª Subseção
Judiciária. Essa base de dados refere-se, inicialmente, a todas as ações judiciais
ambientais, seja civil ou criminal, na fase de cognição ou execução. Logo em
seguida os pesquisadores tomaram por base somente as Ações Civis Públicas,
nesse lapso temporal de dez anos; passando a analisar as ACPs. Que envolvam
situações de degradação ambiental na cidade de São Carlos, com o objetivo de
1576

identificar situações que podem levar à classificação de cidade legal ou ilegal.

O gráfico 01 refere-se à comparação das Ações Civis Públicas com todas


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as demais ações judiciais ambientais perante a 15ª Subseção da Justiça Federal.


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Gráfico 1 – Comparação das ACPs. Ambientais com as demais ações de


natureza ambiental

Porcentagem das Ações


Ação Civil Pública Demais Ações

4%

96%

Fonte: Elaborado pelos autores.

Neste gráfico, foi estudado um universo de 433 (quatrocentas e trinta e


três) ações ambientais ao total, sendo que dessas ações 20 (vinte) são Ações
Civis Públicas, representando assim, apenas 4% (quatro por cento) das ações
distribuídas.
1577
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Gráfico 2–Ações judiciais ambientais separadas por autores

Distribuição por Autores

16

2
1 1

UNIAO FEDERAL MINISTERIO UNIAO FEDERAL - MINISTERIO


PUBLICO FEDERAL AGU PUBLICO ESTADUAL

Fonte: Elaborado pelos autores.

O gráfico 2 separa as ACPs. Por autores. Nesse gráfico vemos que 20


(vinte) Ações Civis Públicas foram distribuídas no período abrangido pela
pesquisa, 16 (dezesseis) tinham como autor o Ministério Público Federal, 01
(uma) do Ministério Público Estadual, 02 (duas) foram de autoria da União e 01
(uma) da Advocacia Geral da União. Isso demonstra a preponderância na
atuação do Ministério Público, na propositura dessa ação judicial, embora não
1578

seja o único ente legitimado a propô-la.


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Gráfico 3 – Ações judiciais ambientais separadas por réus

Distribuição por réus


10

1 1

Pessoa jurídica Pessoa Física Autarquia Estado de São Paulo

Fonte: Elaborado pelos autores.

Em relação aos réus nas Ações Civis Públicas (gráfico 3), das 20 (vinte)
ACPs. Ambientais distribuídas, 10 (dez) tinham como réus pessoas jurídicas, 08
(oito) pessoas físicas, 01 (uma) autarquia e 01 (uma) o réu era o Estado de São
Paulo.
1579
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Gráfico 4 – Fase dos processos judiciais

Fase do processo
ATO ORDINATÓRIO 1
ARQUIVAMENTO DOS AUTOS 2
VISTA PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO 1
REMESSA PARA A PROCURADORIA DA… 1
REMESSA PARA O TRF 3
JUNTADA A PETIÇÃO 2
DISPONIBILIZAÇÃO DIÁRIO ELETRÔNICO
PUBLICACAO DISPONIBILIZACAO D.… 4
REMESSA EXTERNA ADVOCACIA DA… 1
AUTOS COM (CONCLUSAO) JUIZ PARA… 4
JUNTADO(A)
JUNTADA CARTACARTA PELO CORREIO…
DO CORREIO DEVOLVIDA 1

Quanto à fase em que se encontram as 20 (vinte) ACPs., o (gráfico 4)


demonstra que 1 (uma) encontra-se em cumprimento de ato ordinatório, 2
(duas) foram arquivados, 1 (uma) está com vista para o Ministério Público, 1
(uma) foi remetido para vista à Procuradoria da União, 3 (três) foram remetidos
ao TRF, 2 (duas) houveram a juntada da petição inicial, 4 (quatro) foram
1580

disponibilizados no diário eletrônico, 1 (uma) houve a remessa para à Advocacia


da União, 4 (quatro) estão com os autos conclusos para decisão e 1 (uma) teve
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carta devolvida pelos correios juntada nos autos.

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Figura 1 – Ações Civis Públicas ambientais na circunscrição cidade de São


Carlos – SP, perante a 15ª Subseção Judiciária

Fonte: Elaborada pelos autores


1581

Diante de um cenário de poucas ACPs. Ambientais perante o campo de


abrangência territorial da 15ª Subseção Judiciária, assim como pode ser
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visualizado na figura 1, identificou-se somente 02 (dois) processos dessa


natureza (ACP ambiental) na cidade de São Carlos-SP.

Como dito alhures, perante o campo de abrangência da 15ª Subseção


Judiciária (figura 1.), identificou-se somente 02 (dois) processos dessa natureza
(ACP ambiental) na cidade de São Carlos-SP.

A primeira trata de acessibilidade urbana, e visa imputar à Ré que se


abstenha de promover a saída de mercadoria e de veículos de carga de seus
estabelecimentos comerciais, ou estabelecimentos de terceiros contratados a
qualquer título, com excesso de peso, em desacordo com a legislação de trânsito
e as especificações do veículo, devendo fazer constar da nota fiscal o peso da
carga efetivamente transportado, sob pena de multa no valor mínimo de R$
100.000,00 (cem mil reais) para cada ocasião que se verificar o descumprimento
da ordem judicial.

A segunda visa, liminarmente: a) a suspensão dos efeitos do ato


administrativo concessivo emitido no Processo Administrativo de Autorização
para Supressão de vegetação nativa n.º 73/10104/14 (supressão de vegetação
componente do bioma cerrado, visando à construção da área urbanizada da
instituição de ensino ao IFSP); b) que a CETESB se abstenha de expedir novo
ato autorização/licença para realização da obra consistente na construção de via
de interligação entre a área urbanizada da instituição de ensino e o Instituto
Federal de São Paulo; e c) que a instituição de ensino não dê início ou paralise
imediatamente a obra consistente na construção da via de interligação.
Sobre o andamento dos dois processos ambientais na cidade de São
Carlos-SP, o primeiro (acessibilidade urbana) houve deferimento da medida
cautelar:
1582

Para determinar à ré que se abstenha de promover a saída


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de mercadoria e de veículos de carga de seus

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estabelecimentos comerciais, ou estabelecimentos de


terceiros contratados a qualquer título, com excesso de
peso, em desacordo com a legislação de trânsito e as
especificações do veículo, devendo fazer constar da nota
fiscal o peso da carga efetivamente transportado, sob pena
de multa pecuniária no montante de R$50.000,00
(cinquenta mil reais), por descumprimento da ordem, por
cada ocorrência verificada, a ser depositada em juízo e
posteriormente convertida em favor da Polícia Rodoviária
Federal, do DNIT e do Ministério do Trabalho". Sob o
fundamento de, em face da "recalcitrância da requerida" no
ilícito atacado, resguardar "o interesse difuso e coletivo não
só de todo o universo de usuários de rodovias em nosso
país, assim como, especialmente, com escopo de proteger
o patrimônio público e garantir o direito à vida , à
integridade física à saúde, à segurança pessoal e
patrimonial, à qualidade dos serviços de transporte, à
ordem econômica e social e a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado7.

E o segundo (expansão urbana) foi concedida a liminar requerida para


suspender os efeitos do ato administrativo de autorização para supressão de
vegetação nativa pela CETESB, sob o fundamento de que, nos termos em que
preceitua o art. 6º da Lei estadual 13.550/2009, o órgão ambiental competente,
somente, poderá autorizar a:

supressão de vegetação em estágio médio e avançado de


1583

regeneração para fisionomias de cerrado e cerradão strictu


sensu", quando houver "comprovação de inexistência de
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alternativa técnica e locacional para o fim pretendido" e, no


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caso a área em discussão foi identificada como de média


regeneração, porém na documentação, carreada no
processo administrativo, não restou comprovada de forma
cabal a "inexistência de alternativa tecnológica e
locacional". E, assim orientado pelo princípio da prevenção
que "não parte da ideia de um risco potencial, mas sim de
um risco provado". Entende que "a tutela da prevenção é
voltada para os riscos constatados, conhecidos e
provados. Sua aplicação se dá nos casos em que os
impactos ambientais já são demonstrados." E, neste caso,
é "indiscutível a necessidade, em sede de liminar, da
aplicação unicamente do princípio da prevenção. De fato,
caso ocorrido o dano ambiental, com a consequente
devastação da área de cerrado para a realização da
expansão da área urbana no perímetro da UFSCar, sua
reconstituição será bastante complicada e poderá levar
décadas. Aliás, a não apresentação de alternativa técnica
e locacional já constitui, por si só, motivo para aplicação do
princípio da prevenção, sendo melhor a discussão das
alternativas propostas do que imediata degradação
ambiental8.

Esse número diminuto de ACPs. ambientais (20 processos) na área de


abrangência da 15ª Subseção Judiciária, e principalmente envolvendo situações
de afetação ambiental na cidade de São Carlos (02 processos) poderia nos
conduzir à conclusão por uma escala muito baixa de ilegalidade da(s) cidade(s).
1584

Porém, é preciso fazer algumas considerações: primeiro, pelo simples fato de


perdurar a discussão ambiental perante a justiça (federal) pode ser considerado
caracterizador de ilegalidade, ou pelo menos em potencial; segundo, uma
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mensuração com margem maior de segurança para uma afirmativa sobre a


legalidade ou ilegalidade da cidade de São Carlos consideramos necessário dar
continuidade à pesquisa no sentido de investigar perante a Justiça Estadual, o
Ministério Público estadual e federal, e órgãos ambientais competentes sobre a
existência de afetações negativas do ambiente. Essa análise mais abrangente
faz parte do projeto de pesquisa chamado “Cidade Ilegais”, conduzido no âmbito
do grupo de pesquisa CNPq/UFSCar “Novos Direitos”. Somente a não
existência de situações dessa natureza é que poderíamos afirmar que a cidade
é legal sob o ponto de vista do cumprimento da legislação ambiental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E DISCUSSÃO

As Ações Civis Públicas ambientais têm se mostrado uma importante


ação judicial para a defesa dos interesses transindividuais, em especial o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Pode-se aferir, de acordo com a metodologia adotada em um primeiro


momento, ou seja, a análise empírica dos dados numéricos e quantitativos, das
ações civis públicas ambiental/urbanística que tramitam e tramitaram na Justiça
Federal de São Carlos, no período de 10 anos, que o município pode ser
considerado legal ou ilegal sempre de acordo com a acepção de Fernandes,
visto que qualquer critério classificatório depende do referencial adotado e não
pode ser considerado absoluto nem imune a críticas.

Destarte, utilizando-se do método qualitativo, reputa-se que uma cidade


deve ser considerada ilegal desde o momento que estejam presentes fatos
caracterizadores de descumprimento legal, e essa situação de ilegalidade
1585

perdura até a completa (re)adequação da situação fática. Isso pode ser visto na
cidade de São Carlos por meio dos processos judiciais ambientais no âmbito do
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poder judiciário federal (15ª Subseção). Reconhecendo o crucial papel


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desempenhado pelo poder judiciário nesses ajustes legais, por meio de seu
poder coercitivo sobre os jurisdicionáveis.

Portanto, a partir da detalhada e cuidadosa análise dos dados obtidos é


que se pode dirigir a uma ou outra conclusão. E, no caso, em tela, da cidade de
São Carlos, esta pôde ser considerada na ilegalidade por persistirem discussões
judiciais que clamam por decisões de re(adequação). Não estamos alheios à
situações ainda não judicializadas no âmbito federal e estadual, sejam perante
o Ministério Público ou mesmo órgãos ambientais competentes, que podem
agravar esse estado de ilegalidade das cidades na região abrangida pela 15ª
Subseção Judiciária, bem como no objeto desta pesquisa (São Carlos-SP).

Pois, como dito alhures, a partir dos dados obtidos poderíamos concluir
por uma perspectiva de legalidade da Cidade de São Carlos ao vislumbramos
que, no período de uma década, foram propostas apenas duas ações civis
públicas, concernentes a conflitos urbanísticos de natureza ambiental,
tangenciando o interesse qualificado da União, no resguardo de um ambiente
ecologicamente equilibrado nos limites urbanos.

REFERÊNCIAS

AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de


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NOTAS

1 Justiça do trabalho, eleitoral e militar – artigos. 111, 118 e 122 e seguintes.

2 Artigo 108 – TRF's e art. 109 - juízes federais.


3 Justiça Estadual.

4 TFR - Enunciado 61: "Para configurar a competência da Justiça Federal, é


necessário que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal, ao
intervir como assistente, demonstre legítimo interesse jurídico no deslinde da
demanda, não bastante a simples alegação de interesse na causa".
1590
Página

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GRUPO DE TRABALHO 5 – GT5


SUSTENTABILIDADE, MEIO-AMBIENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

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À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

MARCO AURÉLIO DENIS ZAZYKI


Bacharel em Administração de Empresas e
Ciências Contábeis pela URCamp. Mestrando em
Economia e Desenvolvimento pela UFSM. E-
mail: zazyki@hotmail.com

SOLANGE REGINA MARIN


1591

Doutora em Desenvolvimento Econômico pela


UFPR. Professora Adjunta do Departamento
de Ciências Econômicas/UFSM. E-
Página

mail: solmarin@gmail.com
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RESUMO

O artigo tem como objeto de estudo a análise do direito de propriedade urbano


e o bem-estar social à luz da CF/88. Analisa-se como o Estado propõe a
regulação do direito de propriedade com o intuito de promover o bem-estar
social. A metodologia é caracterizada por um estudo exploratório a partir de uma
revisão de literatura referente ao processo de urbanização brasileiro, a
abordagem sobre do direito de propriedade: sob o ponto de vista de Douglas
North e Ha-Joon Chang além de como a CF/88 aborda o tema. É analisada a
relação entre direito de propriedade e bem-estar com as críticas ao utilitarismo
sob a visão de Amartya Sen, de acordo com a teoria das capacitações para
avaliar o bem-estar. As ideias de North, Chang e Sen mostraram-se adequadas
na discussão do tema, revelando-se limitações sobre a aplicabilidade dos
direitos de propriedade e a visão utilitarista de bem-estar, presente na
normatização destes.

ABSTRACT

The article has as object of study the analysis of urban property rights and welfare
according to the Brazilian Law/88. It is analyzed how the state proposes the
regulation of property rights in order to promote social welfare. The methodology
is characterized by an exploratory study from a literature review related to
Brazilian urbanization process, the approach of property rights: from the point of
view of Douglas North, Ha- Joon Chang and how the Brazilian Law/ 88 it
addresses the issue. It analyzed the relationship between property rights and
1592

well-being with the criticism of utilitarianism in the view of Amartya Sen, according
to the theory of training to assess welfare. The ideas of North, Chang and Sen
Página

proved to be appropriate in the discussion of the topic, revealing limitations on


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the applicability of property rights and the utilitarian view of well-being, present in
the regulation of these.

INTRODUÇÃO

O resultado do censo demográfico do IBGE de 2010 mostrou que a


população urbana do Brasil correspondia a 84,4% e que parcela expressiva
desse contingente populacional residia nas principais regiões metropolitanas. Ao
fazer um comparativo com os censos anteriores é percebida a tendência
crescente de habitantes residindo em áreas urbanas. Em 2000, o número de
habitantes em áreas urbanas era de 81,2%, e ao comparar com dados ainda
mais antigos, observa-se em 1940 uma população urbana correspondente a
31,2% dos habitantes (IBGE 2001). Porém, afirmar que ingressamos em uma
sociedade urbana vai além da sua expressão demográfica. A pobreza urbana e
as favelas são um fenômeno mundial crescente. Segundo o relatório do
Programa de Assentamentos Humanos da Organização das Nações Unidas
(ONU-Habitat), um sexto da população mundial - ou 924 milhões de pessoas -
vive em favelas.

Muitos domicílios brasileiros em condições de pobreza e desigualdade


social não apresentam os direitos de propriedade bem definidos, atribuídos e
assegurados. Diante desse problema, dar uma função social a propriedade
urbana consiste no desafio institucional para promoção do desenvolvimento das
cidades. As questões urbanas são hoje encaradas como matérias
marcadamente interdisciplinares e revela, por um lado, que é cada vez mais
evidente a sua natureza complexa, multidimensional (e até intangível) enquanto
objeto de estudo.
1593

Ciente da dificuldade que o tema possui, o presente artigo tem como


objeto de estudo a análise do direito de propriedade urbano e o bem-estar social
Página

à luz da Constituição Federal de 1988. Busca-se analisar o processo de

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urbanização nacional, e como o Estado propõe a regulação do direito de


propriedade com o intuito de promover o bem-estar social. A análise de Douglas
North e Ha-Joon Chang nos proporciona fundamentos teóricos sobre o papel das
Instituições nesse ordenamento. A contribuição de Amartya Sen torna-se valiosa
no que diz respeito às críticas à visão utilitarista e dessa forma a necessidade de
se construir um conceito de bem-estar diferente do proposto em políticas
públicas. Este trabalho, composto por cinco seções, numeradas a partir desta
introdução, traz a seguir os aspectos gerais do processo de urbanização
brasileiro. Na terceira seção é realizada a abordagem sobre do direito de
propriedade: contextualização, as considerações do pensamento de Douglas
North (Nova Economia Institucional) e Ha-Joon Chang
(Neoinstitucionalismo), além de como a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 aborda o tema, tratando-o com nova abrangência e finalidade
(função social da propriedade). A quarta seção analisa a relação entre direito de
propriedade e bem-estar com as críticas ao utilitarismo sob a visão de Amartya
Sen, bem como sua contribuição com a teoria das capacitações para avaliar o
bem-estar. Na quinta seção são realizadas as considerações finais sobre o
presente estudo.

O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO BRASILEIRO – ASPECTOS GERAIS

A partir da revolução industrial, o fenômeno de urbanização vem se


alastrando pelas cidades mundiais. Segundo Milton Santos (2008), o início da
urbanização no Brasil data desde o século XVI, mas, em seu começo, tratava-
se mais da criação de cidades do que propriamente urbanização (considerando
urbanização como sendo um “processo de afastamento das características
1594

rurais de um lugar e região” e ao “desenvolvimento da civilização e da tecnologia”


além da “redistribuição das populações das zonas rurais para assentamentos
Página

urbanos”).
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A urbanização das cidades brasileiras ocorreu de maneira rápida e


excludente, e os resultados deste processo são visíveis hodiernamente. Em
1940, a população urbana brasileira somava-se a 18,8 milhões de habitantes e,
no ano de 2000, chegou a aproximadamente 138 milhões (Maricato, 2001), cerca
de 80% da população brasileira residia nas cidades (Fernandes, 2001). Este
acelerado e não controlado processo acarretou uma série de problemas
socioeconômicos para as urbes brasileiras. A população rural migrou para
cidade em busca de emprego, para obter melhores condições de vida. Contudo,
em face da legislação, do mercado de terras e de políticas elitistas, a grande
parcela sem renda foi forçosamente excluída da possibilidade de obter moradia
que estivesse devidamente enquadrada nas leis das cidades. Ermínia Maricato
(2001) observa que o baixíssimo salário recebido pelos trabalhadores
impossibilitava-os de adquirir moradia no mercado formal. Este fato ensejou na
formação da cidade informal, constituída principalmente por favelas, cortiços e
loteamentos irregulares ou clandestinos.

Denominam-se favelas os assentamentos que se constituíram via


autoconstrução de moradia, consolidadas em áreas não urbanizadas públicas
ou privadas, que não serviam para o mercado imobiliário, localizadas tanto na
periferia quanto nos centros da cidade. Os cortiços são casarões e prédios
abandonados que são invadidos pela população em busca de moradia. Nesses
imóveis, um número acentuado de indivíduos divide o mesmo teto, de forma a
deixar um espaço mínimo para cada família. Apesar da aglomeração, é comum
o trabalhador optar por este tipo de moradia, pelo fato de, muitas vezes, estes
imóveis estarem localizados nos centros da cidade e facilitar o acesso ao local
de trabalho. Nos loteamentos irregulares e clandestinos, existe a figura do
1595

loteador. Nestes últimos, o projeto de loteamento nem sequer foi apresentado ou


aprovado pelo órgão público competente, é totalmente informal. Já os
loteamentos irregulares passaram pelo crivo do poder público municipal, porém
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contém alguma irregularidade: ou o loteador não observou todas as etapas


indispensáveis para ocorrer a implantação ou o loteamento foi executado em
desconformidade com o que foi aprovado. Em ambas as situações o lote de terra
é vendido por preço mais acessível, no entanto o comprador obtém a posse e
não a propriedade; o lote vendido não está devidamente registrado.

Estas ocupações informais ocorrem geralmente em locais com alguma


especificidade ambiental que as tornam impróprias para o uso habitacional –
áreas como encosta de rios, topo de morro, dentro de áreas de preservação
permanente – o que causa enormes catástrofes humanas e ambientais:

“... nesse sentido, podemos afirmar que grande parte das


catástrofes “naturais” que atingem principalmente as
populações pobres, como o fenômeno das enchentes, por
exemplo, consiste, na verdade, em catástrofes sociais. Não
só pelas suas consequências, mas pela lógica que
organiza a ocupação e o uso do solo em nossas cidades e
que leva a que grandes parcelas da população sejam
obrigadas a viver em situações urbanas “de risco” – ou
seja, sujeitas à inclemência das condições ambientais”
(Cardoso, 1991:118-119).

É possível afirmar que mais da metade da população das grandes cidades


está vivendo em habitações que se encontram fora dos padrões legais (Rolnik,
2009). Devido a esse numeroso volume de assentamentos informais, formou-se
dois tipos de cidade e cidadão: o formal e o informal. A este, por não estar
enquadrado nos ditames legais, o poder público, por muitos anos, esquivou-se
de fornecer o mínimo de infraestrutura necessária para a obtenção de habitações
1596

salubres. Já àquele, foram até mesmo criadas leis específicas para a sua melhor
regulamentação. Esta exclusão territorial ensejou a segregação social da
Página

população residente dessas áreas. Fato que contribui para a o cenário de


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pobreza e miséria no Brasil. Além do descumprimento de um direito social – o


direito à moradia – os efeitos desta exclusão vão além da esfera dos habitantes
destas áreas. Refletem-se no aumento na violência urbana, na emergência do
mercado informal, bem como na contribuição para a degradação ambiental de
maneira geral nas cidades, uma vez que, por exemplo, em muitos destes locais,
não existe saneamento básico nem recolhimento de lixo.

A presença do Estado é importante para a melhoria das condições


socioeconômicas e a inclusão social, não apenas a partir de projetos de
urbanização e da oferta de serviços públicos, mas também na definição e
garantia dos direitos de propriedade dos imóveis. Os assentos informais são
considerados, em geral, espaços de ocupação ilegal desprovidos de serviços
públicos essenciais. A maioria dos domicílios não apresenta os direitos de
propriedade bem definidos, atribuídos e assegurados. Diante desse problema,
analisaremos o direito de propriedade de maneira pormenorizada na próxima
seção.

DIREITO DE PROPRIEDADE: CONTEXTUALIZAÇÃO

Até o século passado, a propriedade era concebida como um fundamental


elemento a fim de garantir a subsistência do indivíduo mantendo-se inteiramente
sujeita à vontade deste. O proprietário detinha caráter exclusivo sobre a coisa,
ou seja, o jus utendi, fruendi et abutendi, quais sejam, “os poderes de
usar, gozar e dispor da coisa” (Araújo, 2009).

Para Calixto Salomão Filho (2003), a Constituição alemã de Weimar de


1919 foi pioneira ao trazer um elemento adicional à garantia da propriedade e ao
1597

reconhecê-la como direito fundamental, dada a sua função de proteção pessoal.


A referida Constituição alemã, em seu art. 153, estabelece que a propriedade e
Página

o direito de sucessão hereditária são garantidos. A sua natureza e os seus limites


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são regulados por lei. A propriedade obriga. O seu uso deve ao mesmo tempo
servir ao bem-estar geral.

O advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 –


CRFB/88 trouxe aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no território
nacional a garantia da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade (art. 5º, caput, CRFB/88). Todos exaltados ao nível
de direito fundamental:

Ao assegurar a propriedade como direito fundamental, o


texto de 88 estabeleceu uma garantia, entendida não como
remédio ou meio de defesa dos direitos, mas como barreira
à ação dos Poderes Políticos, inclusive o legislativo, a fim
de manter íntegro o direito reconhecido.

A CRFB/88 elevou o direito à propriedade ao status de princípio e,


concomitantemente, desbotou o antigo pensamento individualista e privado que
recaía sobre a propriedade. Com a supremacia do interesse público, bem como
a predominância deste sobre o do particular, a propriedade passou a atender
sua função social, trazendo benefícios para a coletividade e não somente para o
proprietário.

O direito de propriedade por Douglas North

A importância da definição e atribuição de direitos de propriedade para a


alocação de recursos na economia é apontada por vários autores e atestada nos
direitos fundamentais consagrados na Constituição (art. 5º, II). A análise de
Douglas North sobre a relação entre Estado, liberdades e crescimento
econômico é o resultado de um longo processo de evolução: seu
1598

desenvolvimento vai desde o início dos anos 1970 e prossegue até o final dos
anos 1990.
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Nesse processo, vários conceitos foram elaborados, alguns


progressivamente redefinidos e até mesmo abandonados. Nosso objetivo é
destacar os principais pontos da análise de North que são representativos do
papel institucional do Estado para resolver os litígios contratuais, como é o caso
do direito de propriedade. Para isso é necessário, inicialmente, apresentar a
relação que North estabelece entre Estado e direitos de propriedade nas
economias modernas, caracterizadas economias urbanas desenvolvidas. A
questão que se segue logicamente diz respeito aos determinantes da formação
de direitos de propriedade eficientes ou ineficientes. Nesses determinantes, o
Estado assume um papel de destaque, como será visto a seguir.

a) Estado e direito de propriedade

Os ganhos obtidos da troca estão diretamente relacionados à definição e


garantia dos múltiplos atributos que compõem uma dada cesta de direitos de
propriedade. Quanto melhor definidos e mais garantidos forem esses direitos,
mais eficientes serão as instituições como sistema de incentivos ao crescimento,
de acordo com North (1999:21). Em grande medida, os custos de verificação e
garantia dos direitos de propriedade podem ser reduzidos, em primeiro lugar, se
os vínculos entre os agentes possuírem natureza mais pessoal:

“By personal exchange, I refer to a world in which we deal


with each other over and over again in small-scale
economic, political and social activity, where everybody
knows everybody, and where under those conditions, to
use a simple illustration from game theory, it pays to co-
operate. That is, game theory says that human beings co-
operate with each other when they play a game over and
1599

over again, when there is no end game, when they know


the other parties to exchange, and when there are small
Página

numbers” (North, 1999:21).


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Quando existe uma rede densa de relações sociais, os custos de


transação são baixos, mas os custos de produção são elevados. “The measured
transaction costs of a society where there is a dense social network of interaction
is very low.

[… ]Under such conditions, norms of behavior are seldom


written down. Formal contracting does not exist, and there
are few formal specific rules. However, while measured
transaction costs are low …production costs are high,
because specialization and division of labor are limited to
the extent of markets that can be defined by personal
exchange […]” (North, 1989:1320).

Mas essa não é a caracterização da sociedade moderna, pelo menos o


mundo que surgiu com a indústria química alemã, na segunda metade do século
XIX.

“The world that it has produced is characterized by


impersonal exchange. It is a world in which our dependence
rests upon people all over the world, whom we do not know;
there are no repeated dealings; and large numbers of
players are involved. Therefore it is a world in which the
game is played differently. In game theory, we say such a
world is one in which it pays to defect […]” (North, 1992:21).

No mundo moderno, ao contrário das sociedades caracterizadas por


redes densas de relações entre seus membros, os custos de transação são
elevados. Segundo (North, 1989:1320):
1600

“A pure model of this world of impersonal exchange is one


in which goods and services or the performance of agents
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is characterized by many valued attributes, in which


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exchange takes place over time, and in which there are not
repeated dealings. Under these forms of exchange, the
costs of transacting can be high, because there are
problems both in measuring the attributes of what is being
exchanged and problems of enforcing the terms of
exchange; in consequence there are gains to be realized by
engaging in cheating, shirking, opportunism etc. […] As a
result, in modern Western societies we have devised formal
contracts, bonding of participants, guarantees, brand
names, elaborate monitoring systems, and effective
enforcement mechanisms. In short, we have well-specified
and well-enforced property rights […]”

A divisão crescente do trabalho nas economias modernas exige o


desenvolvimento de uma estrutura institucional, compatível com a crescente
complexidade nas interações entre os agentes econômicos. O papel do Estado
perante essa exigência é assim definido por North:

“The institutional requirements that are necessary in order


to be able to realize the productivity gains associated with
the model of impersonal exchange outlined above entail
both the development of efficient products and factor
markets and of a medium of exchange with reliable
features. The establishment of such a set of property rights
will then allow individuals in highly complex interdependent
situations to be able to have confidence in their dealings
with individuals of whom they have no personal knowledge
1601

and with whom they have no reciprocal and ongoing


exchange relationships. This is only possible as the result,
Página

first, of the development of a third party to exchanges,

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namely government, which specifies property rights and


enforces contracts; and second of the existence of norms
of behavior to constraint the parties in interaction...” (North,
1989:1320).

O Estado é caracterizado em North como fundamento das instituições


econômicas em sociedades baseadas em trocas impessoais e complexas, isto
é, das sociedades modernas. Essa constatação começa a responder à pergunta
sobre os motivos da permanência de direitos de propriedade que produzem
resultados econômicos ineficientes.

“The answer is quite clear: The breakdown of personal


exchange is not just the breakdown of a dense
communication network, but it is the breakdown of
communities of common ideologies and a common set of
rules in which all believe. The rise of impersonal rules and
contracts means the rise of the state, and with it unequal
distribution of coercive power. This provides the opportunity
for individuals with superior coercive power to enforce the
rules to their advantage, regardless of their effects on
efficiency […]” (North, 1989:1321).

Resulta, então, que o surgimento do Estado transforma o estabelecimento


de regras que regulam os direitos de propriedade sem relação necessária com
a eficiência econômica. A relação entre instituições e desenvolvimento
econômico pode ser considerada complexa, Ela depende das suas inter-
relações com o ambiente institucional, composto tanto pelas demais instituições
formais de suporte, como pelas instituições informais. Assim, há razões para se
1602

acreditar que há mais de um formato eficiente de instituição que se encaixe no


ambiente institucional. Um exemplo são os direitos de propriedade, que podem
Página

apresentar as mais variadas formas, sendo a sua eficiência dependente das


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instituições com que se relaciona. Há casos, também, em que as instituições


informais, a cultura da sociedade, impedem que o resultado de determinada
instituição seja satisfatório.

O economista Ha-Joon Chang, professor na Universidade de Cambridge,


tece algumas considerações sobre os direitos de propriedade. Segundo Chang
(2007) na literatura ortodoxa, há uma ênfase exagerada nos direitos de
propriedade. A proteção da propriedade pode ser inadequada para a promoção
do desenvolvimento, por ser fraca, mas também por ser excessiva, caso em que
a proteção recai, por exemplo, sobre tecnologias obsoletas ou formas
ultrapassadas de organização. Assim, é improvável que a relação entre o grau
de proteção à propriedade e o desenvolvimento econômico seja linear.

Uma forma específica de propriedade pode se tornar boa ou má para uma


sociedade, dependendo de inúmeros fatores, tais como a tecnologia subjacente,
equilíbrios políticos, características da população e até a ideologia vigorante, por
isso, a segurança da propriedade “não pode ser tomada como boa em si
mesma”. Importa, para o desenvolvimento, não a proteção a qualquer custo de
todas as formas de propriedades existentes, mas sim a capacidade de decidir
quais direitos de propriedades devem ser protegidos, até que ponto e sob quais
condições.

No discurso ortodoxo atual, acredita-se amplamente que quanto mais


forte for a proteção aos direitos de propriedade, tanto melhor para o
desenvolvimento econômico, já que essa proteção estimula a criação de riqueza.
Em contrapartida, com relação aos regimes de direito à propriedade, Chang
(2007) discorda da correlação positiva entre a força dos direitos de propriedade
e desenvolvimento econômico, com base no pensamento de que o papel desses
1603

direitos é muito mais complexo. Diz que, apesar de beneficiar a sociedade como
um todo, acabam favorecendo alguns e prejudicando outros, e se alguns grupos
Página

utilizariam melhor certas propriedades do que seus proprietários, a não proteção


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a esses direitos de propriedade e a transferência delas seria uma alocação mais


eficiente de recursos.

Portanto, importa saber que tipo de propriedade está sendo protegida e


por quais critérios. O economista sul-coreano ainda cita que, no início da
industrialização, o direito de propriedade teve que ser violado com frequência
para a construção de outros, principalmente em países jovens como os Estados
Unidos. Ou seja, a história é prodiga em exemplos de preservação desses
direitos que resultou nociva para o desenvolvimento econômico. É importante
discutir com um pouco detalhe o conceito de path dependence, fundamental para
entender a permanência de direitos de propriedade ineficientes.

b) Path Dependence e evolução Institucional

Outro elemento importante do pensamento de North resulta do


reconhecimento de que as instituições no presente condicionam os futuros
desenvolvimentos institucionais. Para expressar esse fato, North utiliza o
conceito de path dependence, estendido dos trabalhos sobre inovação
tecnológica para a análise da mudança institucional:

“Technological change and institutional change are the


basic keys to societal and economic evolution and both
exhibit the characteristics of path dependence. Can a single
model account for both technological and institutional
change? They do have much in common. Increasing
returns is an essential ingredient to both” (North, 1990:103).

A ideia de path dependence foi elaborada inicialmente com relação à


presença de rendimentos crescentes a partir da escolha de um dado padrão
1604

tecnológico. Esses rendimentos crescentes levam a uma situação de lock-in, isto


é, uma situação em que um dado padrão tecnológico se generaliza e consolida,
Página

e a mudança de padrão tecnológico se torna extremamente difícil. Por


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consequência, isso leva ao fenômeno de path dependence, ou seja, o fato de as


possibilidades de escolha no presente serem estritamente condicionadas pelas
escolhas passadas.

Contudo, de acordo com North (1990:95), também em relação às


instituições se verificam processos de path dependence. Para entender o
conceito de path dependence no estudo das instituições, é preciso considerar as
causas de path dependence em tecnologias, isto é, o que termina por gerar uma
situação de lock-in. Essas causas seriam: (1) custos fixos significativos,
provocando uma redução expressiva dos custos à medida que a produção
aumenta, (2) efeitos de aprendizagem, (3) efeitos de coordenação, derivados da
cooperação entre agentes que enfrentam o mesmo tipo de situação, e (4)
expectativas adaptativas (North, 1990).

As instituições novas enfrentam elevados set-up costs, verificam-se


efeitos de aprendizagem, derivados do conjunto de oportunidades oferecido pelo
quadro institucional estabelecido, juntamente com efeitos de coordenação
através de contratos com outras instituições e investimentos induzidos em
atividades complementares e, finalmente, expectativas adaptativas, na medida
em que o aumento do número dos contratos baseados em uma determinada
instituição reduz as incertezas quanto ao futuro daquela instituição (North, 1990).

A definição e garantia dos direitos de propriedade possui papel


fundamental no estudo da história econômica, e nada garante, em função da
característica de path dependence no desenvolvimento das instituições, que o
quadro institucional em uma dada sociedade evoluirá sempre rumo à maior
eficiência. North (1981) cita vários exemplos históricos de direitos de propriedade
mal definidos, ou ainda definidos de forma ineficiente, por longos períodos de
1605

tempo. Um exemplo é o direito medieval das guildas de pastores de ovelhas na


Espanha, as Mestas, de levarem suas ovelhas através do país, inclusive de
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impedir o fechamento das terras cultivadas a sua passagem. O direito à livre


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movimentação dos rebanhos teria atrasado, de acordo com North (1981) o


desenvolvimento de direitos eficientes de propriedade na agricultura espanhola
por séculos.

O exemplo histórico da Mesta espanhola exemplifica a importância do


papel do Estado na definição dos direitos de propriedade, e, dessa forma, no
bem-estar. Isto é decorrência da visão de North, da sociedade de trocas
impessoais, com elevado grau de especialização e divisão do trabalho,
demandando uma maior intervenção deliberada na formulação das instituições.

Há, como se pode ver, divergências entre o que diz Chang e os


argumentos defendidos por North. Chang (2007) insiste em que não são
necessárias formas institucionais específicas — e sublinha que nem mesmo
formas específicas do direito de propriedade — para que o desenvolvimento seja
promovido. Há amplas possibilidades de escolha. Determinar quais formas
institucionais específicas são, em cada sociedade, as mais justas é tarefa para
a qual os elaboradores de políticas publicas certamente podem contribuir com
especial aptidão.

As inovações ao direito de propriedade introduzidas pela Constituição


Federal de 1988

O êxodo rural-urbano, a rápida formação das regiões metropolitanas e a


desordenada ocupação do solo urbano verificados no Brasil a partir da segunda
metade do século XX, deram origem a problemas sociais de tal ordem, que
exigiram significativas alterações no ordenamento jurídico vigente, visando
adequá-lo à nova realidade social emergente. Tais alterações em nosso sistema
legislativo tiveram início na década de 1930, primeiro, com a Constituição de
1606

1934 e posteriormente, em 1938, com a publicação do Decreto-lei n. 58 e do


Decreto-lei n. 311. Nas décadas seguintes, a promulgação de diversas leis, entre
Página

as quais podemos citar a Lei n. 649/1949, a Lei n. 4.380/1964, o Decreto-lei n.

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271/1967, a Lei n. 6.014/1973, entre outras, que tiveram o mister de


regulamentar o sistema de propriedade vigente no país, em especial a
propriedade urbana, uma vez que o cenário econômico e social que norteou a
promulgação do Código Civil de 1916 e das Constituições de 1934, 1937 e de
1946, de cunho predominantemente rural, era, a partir de então, urbano.

Note-se que a Constituição Federal de 1988 não trouxe, efetivamente,


nenhuma alteração no sistema de propriedade vigente no país. Referida Carta
reafirmou como fizeram as Constituições anteriores, a propriedade como direito
e garantia fundamental. Reafirmou, também, o princípio da função social da
propriedade, já consagrado nas Cartas que a antecederam. Deve-se notar,
entretanto, que por ser nossa primeira Carta promulgada dentro de um cenário
essencialmente urbano, pelo menos sob a ótica das estatísticas oficiais, nossa
atual constituição trouxe, como novidade, a inserção de um Capítulo dedicado
exclusivamente à política urbana (capítulo II), dentro do Título dedicado à Ordem
Econômica e Financeira (Título VII).

Coube ao legislador constitucional de 1988 a primazia de implantar, no


sistema jurídico pátrio, uma série de mecanismos tendentes a implantar a
execução de uma política urbana visando harmonizar o desenvolvimento urbano
e o bem- estar social. Pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988 foi
um marco na história legislativa do país.

Entre os mecanismos trazidos pela Constituição de 1988, podemos citar


a exigência de plano diretor, obrigatório para cidades com mais de 20.000
habitantes (art. 182, § 1.º); a usucapião especial urbana (art. 183); o
parcelamento ou edificação compulsórios e o imposto sobre a propriedade
predial e territorial urbana progressivo no tempo, mencionados, respectivamente,
1607

nos incs. I e II do § 4.º do art. 182. Estabelece o § 4.º do art. 182 da Constituição
Federal que:
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(...) é facultado ao Poder Público municipal, mediante lei


específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos
termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu
adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto
sobre a propriedade predial territorial urbana progressivo
no tempo (...).

A doutrina tem entendido que a subutilização estipulada no dispositivo


constitucional apontado somente é possível de ser caracterizada em relação ao
plano diretor, tendo em vista que a Constituição Federal outorgou ao legislador
municipal o direito de estabelecer, no citado plano, o aproveitamento desejado
para determinados imóveis. Sendo assim, em consonância com a regra do § 2.º
do citado art. 182, caso os imóveis definidos no plano diretor não atinjam o
aproveitamento que lhe forem exigidos em tal diploma, estarão descumprindo a
função social que deles se exige, ficando, portanto, sujeitos à sanção por parte
da Administração (Saule Júnior; Rolnik, 2010). Referida sanção é a
desapropriação prevista no § 4.º, inc. III do art. 182 da Lei Magna. O IPTU
progressivo no tempo, de acordo com a opinião de Márcia Alvarenga de Oliveira
Garcia (2005:224):

(...) consiste em mais um instrumento urbanístico à


disposição do Poder Público municipal para continuar a
obrigar os proprietários de imóveis urbanos a utilizar
socialmente esses imóveis, de acordo com o disciplinado
no Plano Diretor do Município, quando não cumprido o
1608

prazo estabelecido para o parcelamento, a edificação e a


utilização compulsória.
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Segundo a referida autora, não cumprindo o proprietário a obrigação de


parcelar ou edificar que lhe for imposta pelo Poder Público, nos termos do Plano
Diretor, a ele será aplicada sanção consistente na:

(...) majoração da alíquota pelo prazo de 5 anos


consecutivos, não excedendo duas vezes o valor referente
ao ano anterior, podendo alcançar a alíquota máxima de
quinze por cento. Mais uma vez não cumprida a obrigação
em 5 anos, poderá o Município manter a cobrança pela
alíquota máxima, sendo-lhe garantido a prerrogativa de
desapropriar o imóvel para fins de reforma urbana (Garcia,
2005:225).

Tratam-se, portanto, de mecanismos com o nítido objetivo de fazer com


que a propriedade urbana cumpra a sua função social, ou, dito de outro modo,
de fazer com que a propriedade urbana satisfaça o bem-estar social almejado.

a) A função social da propriedade

A expressão “função social da propriedade” popularizou-se da doutrina de


Leon Duguit, a qual negava a propriedade como direito subjetivo, concebendo-a
tão somente como função, o que implica em um dever para o proprietário. Ao
sustentar a transformação geral da concepção jurídica da propriedade, que deixa
de ser um direito subjetivo do proprietário para converter-se em função social do
possuidor da riqueza, Leon Duguit parte da premissa de que a propriedade é
uma instituição jurídica que, como qualquer outra, formou-se para responder a
uma necessidade econômica, e estas necessidades, transformando-se em
necessidades sociais, transformam a propriedade em função social,
1609

considerando a interdependência dos elementos sociais. Assim, a propriedade


evolui de acordo com as modificações das necessidades econômicas. Contudo,
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Duguit não nega o fato de que a propriedade também deva satisfazer as


necessidades individuais do proprietário (Moraes, 1999).

No Brasil, as Constituições de 1824 e 1891 garantiram o direito de


propriedade em toda a sua plenitude. Na Constituição de 1934 o direito de
propriedade era garantido, não podendo ser exercido contra o interesse social,
já demonstrando as modificações que a sua disciplina iria sofrer. Em 1946, o
legislador constituinte, no Capítulo da Ordem Econômica e Social, condicionou
o uso da propriedade ao bem estar social. Na Constituição de 1967, pela primeira
vez no ordenamento constitucional a expressão “função social da propriedade”
foi inserida dentro dos fundamentos da ordem econômica, sendo mantida na
emenda sofrida em 1969 (Brasil, 1988).

A Constituição da República de 1988 introduziu profundas modificações


na tutela dos direitos fundamentais e na ordem econômica e social, atingindo em
cheio o direito de propriedade, que passa a estar direcionado ao cumprimento
dos princípios constitucionais da dignidade humana, a solidariedade e justiça
social. Em outras palavras, a Constituição de 1988 consolida, definitivamente, a
função social da propriedade em nosso ordenamento jurídico. O Capítulo I da
CRFB/88 que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, em seu art. 5º,
incisos XXII e XXIII, condiciona o direito de propriedade a uma função social.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
1610

(...)

XXII - é garantido o direito de propriedade;


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XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

(...)

Apesar de não esclarecer o que vem a ser a função social da propriedade,


o Capítulo II da CRFB/88, que trata da Política Urbana, estabelece fundamentais
diretrizes para que seja cumprida determinada função social. A função social da
propriedade atingiu, também, o status de princípio para auxiliar a ordem
econômica determinada no Título VII, art. 170, da CRFB/88. Entende-se que, ao
tempo que a Constituição concede ao proprietário o direito de manter-se na
propriedade, também diz que esta deverá cumprir sua função social. José Afonso
da Silva (1997:275) discorre a respeito:

(...) o princípio da função social não autoriza a suprimir, por


via legislativa, a instituição da propriedade privada.
Contudo, parece-nos que pode fundamentar até mesmo a
socialização de algum tipo de propriedade, onde
precisamente isso se torne necessário à realização do
princípio, que se põe acima do interesse individual. Por isso
é que se conclui que o direito de propriedade não pode
mais ser tido como um direito individual.

Celso Ribeiro Bastos e Ivan Martins (1989:9) registram:

(...) o direito de propriedade está, assim, condicionado a


dois fatores independentes; o fator aquisitivo da
propriedade, segundo o qual será proprietário aquele que
a adquirir de forma legítima, conforme a lei, e um fator de
caráter contínuo, segundo o qual é preciso que o
1611

proprietário use esta propriedade de forma condizente com


os fins sociais a que ela se preordena.
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O diploma constitucional dá garantia e seguridade ao direito subjetivo da


propriedade, contudo, regula que a mesma deverá atender a sua função social.
Impõem-se deveres para dirimir as situações que possam surgir com o uso
individualista que o proprietário venha dar à sua propriedade. Com isso, a sansão
do Estado recai ao proprietário quando este não concede à propriedade a
referida função social e, assim, perdera a proteção jurídica do bem, sendo punido
com as sansões impostas pelo Estado. A CRFB/88, em seu art. 182, § 4ª, faculta
ao Poder Público municipal exigir do proprietário do solo urbano a promoção de
seu adequado aproveitamento, sob pena de sofrer limitações na propriedade,
como o parcelamento ou edificação compulsória, o IPTU progressivo no tempo
e a desapropriação mediante pagamento em títulos da dívida com prazo de
resgate de até dez anos.

Para que a propriedade cumpra a sua função social, segundo o Diploma


Constitucional, deve seguir ao determinado no plano diretor da cidade, que
“aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte
mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de
expansão urbana” (CRFB/88).

A ANÁLISE DO BEM-ESTAR

A teoria do bem-estar com base na utilidade

Muitos têm sido os trabalhos sobre função social da propriedade urbana,


e sua relevância enquanto fator determinante no planejamento das cidades, no
1612

seu Plano Diretor, no direito urbanístico, dentre tantos outros aspectos, mas
poucos têm sido aqueles que têm conseguido determinar com clareza o que vem
a ser essa função social ou o que vem a ser o interesse social que deve ser
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buscado nas propostas de planejamento urbano dos Municípios. Em tais


trabalhos, raramente podemos identificar referências ao conceito de função
social da propriedade urbana, ligando-o a aspectos relacionados à busca do
bem-estar social.

Fernandes (1998) chama a atenção para o fato de que o princípio da


função social da propriedade urbana não pode ser entendido como um simples
princípio de poder de polícia que limita os direitos individuais, pois a legislação
urbana deve ser algo muito além de um simples instrumento para restringir o
desenvolvimento das áreas urbanas. Por outro lado, é de extrema importância
ressaltar o papel do Estado na aplicação normativa, no sentido de garantir a
utilização da propriedade em proveito da sociedade, exigindo dos proprietários
o cumprimento de sua função social (e aqui é interessante assinalarmos que a
função social não é apenas da propriedade, mas dos proprietários), mas para
que isso se concretize é necessário um estado que esteja preocupado com o
bem-estar geral da população, conforme bem assinalado por Comparato (1996).

Nos países e regiões onde os direitos de propriedade são bem definidos,


atribuídos e assegurados o que acontece como consequência? Diversos estudos
analisaram nos últimos anos os efeitos desta situação. Na literatura
microeconômica tradicional o vínculo entre os direitos de propriedade e o
aumento de bem-estar econômico e social é expressivo. Os efeitos mais
significativos encontram-se na alteração do “status social”, integração e inclusão
social, gênero, saúde, educação, entre outros (Besley, 1995). Mas afinal de
contas, a que espécie de bem-estar estamos nos referindo?

O Utilitarismo é uma doutrina ética defendida entre outros, principalmente


por Jeremy Bentham e John Stuart Mill que afirma que as ações são boas
1613

quando tendem a promover a felicidade e más quando tendem a promover o


oposto da felicidade. Em Economia, o Utilitarismo pode ser entendido como um
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princípio ético que determina se uma decisão ou ação é correta, é o benefício


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intrínseco exercido à coletividade, ou seja, quanto maior o benefício, tanto


melhor a decisão ou ação será.

Um dos pressupostos utilitaristas é que a lógica do comportamento do


consumidor individual frente suas preferências, as quais são consideradas
transitivas, pode ser estendida para uma função de preferência social, que nada
mais seria do que a soma das utilidades individuais dos diferentes sujeitos. E
que isto, por sua vez, geraria um resultado numérico capaz de refletir a utilidade
total de uma sociedade. Dada duas alocações hipotéticas, a alocação X e a
alocação Y. A primeira alternativa seria preferível a segunda, caso o somatório
das utilidades individuais dada a escolha da alocação X gerasse um resultado
numérico maior do que aquele obtido pelo mesmo modo ao ser escolhida a
alocação Y. Logo, tal função de bem-estar utilitarista (também conhecida como
função de bem-estar de Bentham) proporcionaria a maximização da utilidade
total e através de tal expediente faria com que fosse alcançada a alocação
eficiente do ponto de vista social - ótimo no sentido de Pareto (Varian, 2006).

Conforme Sen (1979), a influência generalizada dos princípios utilitaristas


deriva da “atratividade” daquilo que Thomas Scanlon chamou de “utilitarismo
filosófico” - tese de que o único e fundamental fato moral é o que está por trás
da busca pelo bem-estar individual. O grande problema, segundo Sen (1985), é
que existem diferentes visões utilitaristas sobre o que pode ser visto como bem-
estar. Por exemplo, os grandes utilitaristas do século XIX (Bentham, Mill e
Sidgwick) assumiam o bem-estar como reflexo da utilidade sobre um estado
mental como felicidade ou prazer (ou mais precisamente como aquela
propriedade dos objetos que causa tal estado mental). Filosoficamente, pode-se
resumir a doutrina utilitarista pela frase: “Agir sempre de forma a produzir a maior
1614

quantidade de bem-estar (Princípio do bem-estar máximo)”. Trata-se então de


uma moral eudemonista. Foram Bentham e Mill que sistematizaram o princípio
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da utilidade e conseguiram aplicá-lo a questões concretas – sistema político,


legislação, justiça, política econômica, entre outros.

Por outro lado, os utilitaristas mais contemporâneos tomam o bem-estar


como sendo a satisfação das preferências com base em um comportamento
racional e autointeressado (Hausman e Mcpherson, 2006). É possível resumir o
arcabouço teórico por trás da Economia do Bem-Estar por meio dos seguintes
itens: os economistas devem concentrar suas avaliações sobre o bem-estar
[well-being]; o método de avaliação utilizado deve ser o método de estimação
(cálculo); o que interessa são as consequências das escolhas e atos para os
indivíduos; o bem-estar é visto como a satisfação de preferências e a partir disso,
o bem-estar é ostentado na avaliação com base nos resultados obtidos via
mercado e conceito de ótimo paretiano; além disso, outras noções éticas não
vinculadas a satisfação de preferências, embora importantes, não são do
interesse dos economistas (Hausman e Mcpherson, 2006).

A crítica de Sen à abordagem utilitarista do bem-estar

No uso moderno, a utilidade é concebida apenas como a representação


numérica da escolha de uma pessoa. Esta mudança ocorreu como resposta à
crítica de Lionel Robbins e outros positivistas, que convenceram os economistas
de que havia algo de metodologicamente errado na comparação interpessoal de
utilidades. Esta abordagem, tendo a vantagem de não comparar os estados
mentais de pessoas diferentes, por outro lado, fecha a porta à comparação
interpessoal de utilidades. De modo a possibilitar a comparação das utilidades e
a determinação da utilidade conjunta, pressupõe-se a igualdade das
preferências. Este pressuposto não é legítimo. A coincidência de atitudes de
escolha não implica identidade de utilidades. Mais grave ainda é assumir a
1615

igualdade de bem-estar.
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À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Amartya Sen é um economista indiano que além de atuar em importantes


universidades da Índia, Inglaterra e EUA, ocupou papel importante no Banco
Mundial e ganhou grande projeção ao ser laureado com o Prêmio Nobel de
Economia no ano de 1998. Também é de sua autoria o IDH – Índice de
Desenvolvimento Humano –, que foi adotado pela ONU e se consolidou como a
principal referência para medir o nível de desenvolvimento de determinado
território.

Segundo Sen (1979), embora o objetivo utilitarista seja maximizar a soma


total da utilidade independentemente de como se dê a sua distribuição, ao
mesmo tempo exige a igualdade da utilidade marginal de todos os indivíduos.
De acordo com tal interpretação, essa igualdade de utilidades marginais engloba
a igualdade de tratamento dos interesses de todos. O utilitarista John Harsanyi
(1955), por exemplo, alega que uma habilidade exclusiva do utilitarismo é a de
evitar a “discriminação injusta” entre “uma pessoa e outra”. Sen (1979)
argumenta que mesmo quando a utilidade é a única base de importância ainda
assim existe a questão de saber se o tamanho da utilidade marginal,
independentemente da utilidade total, apreciada pelos diferentes sujeitos, é um
índice adequado da importância moral. No caso dos seres humanos serem
idênticos, e poderem ser agrupados dentro de uma função utilidade social, a
aplicação do princípio prévio da universalizabilidade, sob a forma de “dar um
peso igual ao interesse igual de todas as partes” simplificaria enormemente as
análises sociais, já que a igualdade de utilidades marginais de todos coincidiria
com igualdade de utilidades totais. Uma análise interpretativa serviria igualmente
bem para entender o comportamento tanto em relação a um sujeito quanto à
coletividade (Sen, 1979). O problema, segundo Sen (1979), é que tal visão deixa
1616

de levar em conta a diversidade individual, detendo-se exclusivamente no


problema de como maximizar a utilidade total da sociedade.
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Algumas questões devem ser analisadas. Primeiro, o utilitarismo não leva


em conta quem tem menor utilidade total. Em segundo lugar, conforme Sen
(1985) se faz necessária uma base informacional mais rica do que a tradicional
informação com base no bem-estar individual - WAIF (Well-being As
Informational Foundamentation). A questão para ele não é se o bem-estar é uma
variável importante para uma análise intrinsecamente moral, mas se ela é a única
base informacional a ser considerada (monismo informacional). As pessoas têm
outros objetivos além do bem-estar individual (well-being) e nem todas as suas
atividades visam à “maximização” do próprio bem-estar. O economista indiano
argumenta que a concepção das “pessoas” na análise moral não pode ser tão
reduzida a ponto de não dar nenhuma importância intrínseca a seu papel de
agência, vendo-as, em última análise, apenas em termos de seu bem-estar
individual (well-being). Mas, mesmo enfatizando a limitação da WAIF como base
informacional, na medida em que não dá lugar fundamental ao aspecto agência
de uma pessoa.

Sen (1979) não desconhece a importante relação que existe entre os


aspectos de agência e o bem-estar de um indivíduo. Além disso, em sua visão,
existe um sério problema com a abordagem utilitarista que resulta do fato de que
o comportamento de escolha de um indivíduo pode não ter qualquer
representação binária, ou pode ser representável por uma função binária que
não seja transitiva. Por outro lado, conforme analisa, mesmo que a utilidade
relacionada ao bem-estar individual (well-being) seja representada pela
felicidade ou pela satisfação de desejos, ainda assim, tal base informacional não
é a mais recomendada (Sen, 1985). Primeiro, porque tal como interpretada na
tradição utilitarista, a felicidade é basicamente um estado mental, e ignora outros
1617

aspectos acerca do bem-estar de uma pessoa. Segundo, como um conceito de


estado mental, a perspectiva da felicidade pode propiciar uma visão muito
limitada de outras atividades mentais.
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Para Sen (1985), embora a felicidade seja de relevância evidente e direta


para o bem-estar, ela é inadequada como representação do bem-estar. Quanto
a questão da utilidade sendo interpretada como a satisfação dos desejos, para
Sen, a métrica necessária para uma informação adequada da visão de utilidade
não pode ser obtida a partir da observação dos objetos de desejo. A força dos
desejos teria que entrar em cena e os desejos de diferentes sujeitos teriam de
ser comparados. De acordo com Sen (1985), comparações de intensidades de
desejos poderiam ser, na verdade, um guia muito duvidoso para comparar
intensidades de bem-estar de uma pessoa com outra, uma vez que essas
intensidades são influenciadas por muitas circunstâncias contingentes que são
arbitrárias. A leitura do que é possível a cada pessoa obter nas diferentes
situações em que se encontra pode ser crucial para a intensidade de seus
desejos e pode afetar até mesmo o que ele ousa desejar.

Logo, tendo como referência os diferentes estudos de Sen, fica claro que
a base informacional do bem-estar gerado pela WAIF deixa em aberto a forma
como combinar o bem-estar das diferentes pessoas de forma a avaliar os
estados e ações. Sem falar que torna possível perceber que o utilitarismo passa
ao largo do problema relacionado à questão da desigualdade de oportunidades
disponíveis as pessoas. A visão utilitarista é, portanto, um critério limitado para
a avaliação do bem-estar.

O utilitarismo, elemento norteador da elaboração de políticas públicas,


embora tenha seus méritos reconhecidos – consideração dos resultados das
disposições sociais ao julgá-las e interesse no bem-estar das pessoas
envolvidas ao julgar tais disposições e seus resultados – se mostra limitado, pois
ao julgar bem-estar através de medidas mentais não torna possível a
1618

comparação interpessoal e desconsidera aspectos importantes como direitos e


liberdades individuais. Mas qual é a alternativa?
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A teoria do bem-estar com base nas capacitações e funcionamentos

Alternativamente a este tipo de abordagem, surgiram as abordagens não-


welfaristas, que têm sido defendidas nas últimas décadas através do economista
indiano Amartya Sen. Conforme Sen (1979), o que falta tanto à abordagem do
bem-estar levando em conta a utilidade, é dar a devida relevância à diversidade
humana e as diferentes capacitações individuais. Tais capacitações englobam
não só a capacidade de satisfazer nossas necessidades nutricionais, os meios
para se vestir e proteger, mas até mesmo o poder de participar da vida social da
comunidade. E, tal noção não é totalmente captada por qualquer abordagem que
dê primazia a utilidade. Para

Sen (1979), a abordagem da utilidade está preocupada com o que


direitos, liberdades, oportunidades, renda, riqueza, e as bases sociais do
autorrespeito podem gerar para os seres humanos, mas usa uma métrica que
não foca nas capacitações das pessoas, mas em sua reação mental. Ou seja,
em sua visão, ainda falta algo, e este algo é primordial.

Para o economista indiano, a principal característica do bem-estar pode


ser vista em termos de como uma pessoa pode “funcionar”, termo em um sentido
bastante amplo, o que engloba diversos “fazeres”, como por exemplo, atividades
como comer, ler, ver, andar, ou “ser – estar”. Sen (1985) afirma que o exemplo
do deficiente físico (ou de maneira semelhante qualquer outra limitação pessoal)
pode, em alguns aspectos, ser particularmente enganoso, ao sugerir que as
diversidades pessoais são coisas incomuns e inusitadas. Na verdade, segundo
seu exame, as variações interpessoais em “transformar” bens em
1619

funcionamentos são extremamente comuns. As necessidades de recursos de


funcionamentos como “aparecer em público sem sentir vergonha” (enfatizada
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por Adam Smith), participar da vida da comunidade, ser capaz de visitar e

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receber amigos, estar razoavelmente bem informado, e assim por diante, variam
conforme as características (culturais, sociais, religiosas...) da comunidade em
que se vive.

Desse modo, para o Nobel em Economia em 1988, o pluralismo das


informações acerca do bem-estar presente na abordagem dos funcionamentos
tem de ir além, e desviar a atenção dos funcionamentos reais do sujeito para as
suas capacitações para funcionar. O conjunto capacitário de um agente pode ser
definido como um conjunto de vetores de funcionamentos que estão ao seu
alcance. Ao examinar o aspecto do bem-estar de um agente, a atenção pode e
deve legitimamente ser desviada para o seu conjunto capacitário e não apenas
para o seu vetor de funcionamentos escolhido (Sen, 1985). Ainda segundo Sen,
com relação as oportunidades reais, a vantagem de um indivíduo será
considerada menor quando em comparação a de outro, se aquele tem menor
capacitação (no sentido de menos oportunidades reais) para realizar as coisas
que valoriza quando em comparação a este. Por exemplo, Sen afirma que uma
pessoa pode ao mesmo tempo ter uma renda alta e um problema de saúde
crônico que a impede de deixar um leito de hospital.

Assim, tal indivíduo não pode ser visto como tendo uma grande vantagem
em relação aos demais simplesmente por ter maior renda. Pois, ele possui mais
de um funcionamento (renda) para viver bem, mas enfrenta dificuldades em
converter tal vantagem (capacitação) em uma forma de vida que tenha razão
para valorizar (Sen, 2009). O foco da abordagem das capacitações é a liberdade
que um agente tem para fazer ou ser algo que ele valoriza levando em conta a
vida humana como um todo e não apenas a satisfação de um estado mental com
base na utilidade. Ou seja, há uma transferência de foco dos meios para as
1620

oportunidades, que com base na razão proporcionará aos “agentes” as


condições de atingir os fins que “eles decidiram” alcançar (Sen, 2009).
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CONCLUSÃO

Concluímos fruto deste trabalho as evidentes transformações que a


disciplina do direito de propriedade sofreu ao longo do tempo. Neste histórico,
registraram-se especificamente as transformações que a disciplina
constitucional da propriedade sofreu no Brasil desde nossa primeira Carta em
1824, que a caracterizava como um direito absoluto até a consolidação da função
social na Constituição Cidadã, de 1988. Logo a seguir, na compreensão da
Função Social da Propriedade, percebeu-se o dever do Estado em fazer com
que o proprietário cumpra a função social da propriedade urbana, sendo
facultada a imposição de penalidades nas condições estabelecidas na legislação
especial, mas sempre com a premissa de fazer prevalecer o bem-estar coletivo.

O novo pensamento institucionalista, do qual North é sem dúvida o


representante mais destacado, oferece os elementos necessários para a
incorporação das instituições como atores do processo de normatização dos
direitos de propriedade visando o bem-estar. Quanto melhor definidos e mais
garantidos esses direitos, mais eficientes serão suas consequências no tocante
ao bem-estar. Porém North admite que os direitos de propriedade, em razão do
conceito de path dependence, em nada garantem que o quadro institucional em
uma dada sociedade evoluirá sempre rumo a maior eficiência. O economista sul-
coreano Ha-Joon Chang por sua vez afirma que na literatura ortodoxa, há uma
ênfase exagerada nos direitos de propriedade. A proteção da propriedade pode
ser inadequada para a promoção do desenvolvimento. Uma forma específica de
propriedade pode se tornar boa ou má para uma sociedade, importando para o
desenvolvimento, não a proteção a qualquer custo de todas as formas de
propriedades existentes, mas sim a capacidade de decidir quais direitos de
1621

propriedades devem ser protegidos, até que ponto e sob quais condições.

Somadas as limitações acima relacionadas ao direito de propriedade,


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julga-se oportuno lembrar as considerações apresentadas por Sen em relação


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ao conceito de bem-estar avocado na função social. Este último quando é


tratado de maneira utilitarista, tem sua magnitude relativizada, pois não abarca
a diversidade dos indivíduos que compõe a sociedade.

Fica claro que a base informacional do bem-estar gerado pela WAIF deixa
em aberto a forma como combinar o bem-estar das diferentes pessoas de forma
a avaliar os estados e ações. Quanto ao objeto do trabalho, com base na análise
bibliográfica ficou evidente que em relação à questão do bem-estar a abordagem
dos funcionamentos e capacitações possibilita uma resposta mais consistente
do ponto de vista da abrangência da diversidade de nuances das características
individuais dos seres humanos do que a abordagem utilitarista. Quanto a
normatização do direito de propriedade, destacamos que adotam os preceitos
da economia ortodoxa, utilitarismo observando-se fruto do presente estudo
justamente a necessidade de mudança desse preceito com a proposta de Sen e
a abordagem das capacitações para avaliação de bem-estar.

Em suma, as ideias de North, Chang e Sen mostraram-se adequadas para


avançar, teórica e empiricamente, na discussão sobre os direitos de propriedade
e sua função social no tocante ao bem-estar, respectivamente. Destarte, a
afirmação que o interesse público é aquele que satisfaz a defesa da coletividade,
onde o destinatário dos atos da Administração Pública é o grupo social em um
todo, e não apenas o indivíduo, é periclitante, em virtude das limitações
existentes sobre a aplicabilidade dos direitos de propriedade (path dependence)
e a visão utilitarista de bem-estar, presente na normatização destes.

Em que pese haver limitações na forma como o bem-estar é avaliado e


considerando o evolver do conceito de propriedade através do tempo, é de
deduzir-se que, cada vez com maior intensidade, a propriedade vai deixando de
1622

ser um direito pleno e ilimitado, outrora tido por absoluto, vai sendo
paulatinamente cerceado, mormente no que diz respeito à sua função social,
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chegando à atualidade com um caráter ainda individual, porém, muito menos


aviltante ao bem estar coletivo.

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GRUPO DE TRABALHO 6
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MARCO ANTÔNIO CATUSSI PASCHOALOTTO, JOÃO LUIS PASSADORS E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
A REGULARIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT6


DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO


PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

MARCO ANTONIO CATUSSI PASCHOALOTTO

Graduado em Administração Pública pela


UNESP, Mestrando em Administração de
Organizações pela USP e Pesquisador do Centro
de Estudos da Gestão Pública Contemporânea.
E–mail: marcocatussi@gmail.com
JOÃO LUIZ PASSADOR

Professor associado do Departamento de


Administração da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo. E–mail:
jlpassador@usp.br
1628

PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA


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A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO


MARCO ANTÔNIO CATUSSI PASCHOALOTTO, JOÃO
PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
LUIS PASSADOR E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
OPORTUNIDADES
MARCO ANTÔNIO CATUSSI PASCHOALOTTO, JOÃO LUIS PASSADORS E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
A REGULARIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

Graduado em Administração Pública pela


UNESP, Mestrando em Engenharia de Produção
pela USP. E–mail: oliveiraph1@gmail.com

RESUMO

O processo de regionalização da saúde no Estado de São Paulo ainda é pouco


estudado na academia. Dessa forma, o objetivo geral deste trabalho é descrever
o processo de desenvolvimento da saúde no Estado de São Paulo, para ao final
decifrar os principais desafios e oportunidades do mesmo. Para atingir este
objetivo utilizou-se de um estudo exploratório, para fornecer informações e obter
um maior entendimento sobre o mesmo, através das técnicas de Análise
Documental e Estudo Bibliográfico. Os resultados apontaram que a
descentralização da saúde acompanhou a descentralização da SES/SP, com a
reforma da administração pública paulistana na década de 80, que instaurou os
Ersas por todo território do estado, ao passo que mais tarde, em 2006, tornar-
se-iam em 17 Departamentos Regionais de Saúde, ao passo que, com a criação
de instâncias representativas descentraliza-se a atuação dos órgãos de saúde,
mas cria uma rede complexa com possível sobreposição de funções.

ABSTRACT

The health regionalization process in the State of São Paulo has been little
studied in the academy. Thus, the aim of this study is to describe the health
development process in the State of São Paulo, to the end describe the key
challenges and opportunities of the process. To achieve this objective we used
an exploratory study to provide information and get a better understanding,
1629

through the techniques of Document Analysis and Bibliographical Study. The


results showed that health decentralization accompanied the decentralization of
SES/SP, with the reform of the São Paulo government in the 80s, which brought
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A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO


MARCO ANTÔNIO CATUSSI PASCHOALOTTO, JOÃO
PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
LUIS PASSADOR E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
OPORTUNIDADES
MARCO ANTÔNIO CATUSSI PASCHOALOTTO, JOÃO LUIS PASSADORS E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
A REGULARIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

the Ersas throughout the territory of the state, while later, in 2006, become in 17
Regional health Departments, whereas, with the creation of representative
instituions is decentralized the activities of health agencies, but creates a complex
network with possible overlapping functions.

INTRODUÇÃO

O crescimento baseado na acumulação de capital e desenvolvimento


tecnológico (aumento da produtividade) tornou possível o pensamento de um
futuro próspero com aumento da riqueza para toda a população, mas que
posteriormente demonstrou um poder ainda maior de aprofundar a concentração
de riqueza e desigualdade (PIKETTY, 2014). As próprias teorias organizacionais
e administrativas são criações influenciadas pelas elites dominantes da época e
pensamentos voltados para o crescimento ilimitado, baseado na racionalidade
econômica. Ou seja, sem ponderar as questões sociais, humanistas e
ambientais (AKTOUF, 2004).

A cultura brasileira, assim como os estudos acerca dos campos científicos


que perpassam pela academia brasileira, passou por diversas interpretações de
grandes autores do passado e presente, com destaque para a década de 30 do
século XX, que viriam a influenciar pensamentos políticos posteriores e decisões
governamentais (RICUPERO, 2011). Para Souza (2015), opinião que influencia
pensamentos e produção de conhecimento científico, os estudos realizados
anteriormente no Brasil por muitas vezes foram influenciados por uma elite que
comandava as temáticas que posteriormente impactariam os resultados,
manipulando o verdadeiro conhecimento científico que poderia vir a ser
produzido.
1630

O desenvolvimento econômico brasileiro também gerou impacto sobre os


conhecimentos produzidos com o tempo, ao passar por períodos de políticas
Página

econômicas nacionalistas, liberais, desenvolvimentistas e de extrema

A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO


MARCO ANTÔNIO CATUSSI PASCHOALOTTO, JOÃO
PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
LUIS PASSADOR E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
OPORTUNIDADES
MARCO ANTÔNIO CATUSSI PASCHOALOTTO, JOÃO LUIS PASSADORS E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
A REGULARIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

industrialização, centralizadoras e finalmente, descentralizadoras e democratas,


as quais que perpassam até os dias de hoje (IANNI, 2009).

Destarte, todo o processo de modernização brasileiro gerou mudanças


organizacionais e políticas que atingiram as instituições sociais e seu processo
de crescimento com empoderamento de funções, ao passo que muitas vezes
ainda não estavam preparadas para exercer atividades em parceria com a
gestão pública (CAPELLA, 2009).

As políticas sociais brasileiras obtiveram maior visibilidade após a queda


do regime militar e instauraram-se como meio para alcançar os objetivos de
promover o bem-estar aos cidadãos através da Constituição Federal de 1988,
que além dos direitos sociais trouxe outros inúmeros benefícios à população,
dentre eles o direito à saúde.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é o principal meio utilizado pelo governo


brasileiro para atender à demanda de proteção social garantida na Constituição
Federal de 1988, mais especificadamente o direito à saúde (Arts. 196 a 200 CF).
Em sua formulação e regulamentação, através das Leis 8.080 e 8.142 de 1990,
e posteriores, é muito elogiado nacional e internacionalmente. Quanto à sua
implementação, ocorre de forma colaborativa entre os entes federativos (em que
cada ente possui um papel dentro das políticas de saúde). De forma sucinta, o
governo federal, por meio do Ministério da Saúde, é responsável por elaborar as
diretrizes e princípios do SUS, as quais os estados e municípios devem seguir e
colaborar para seu desenvolvimento. Esta divisão de funções relacionadas à
Gestão do SUS colocou aos municípios a principal responsabilidade deste
processo que é a execução dos serviços à saúde, o que acabou por gerar
1631

problemas pela incapacidade gerencial demonstrada por aqueles.

Em 2011, visando solucionar estes problemas gerados pelas políticas


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descentralizadoras, foram criadas as Comissões Intergestoras Regionais (CIR)

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OPORTUNIDADES
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OPORTUNIDADES

que são responsáveis pela efetivação do SUS nos municípios. No estado de São
Paulo, essa regionalização ocorre também por meio dos Departamentos
Regionais de Saúde (DRS), que são responsáveis pela coordenação das
atividades da Secretaria de Saúde do Estado em âmbito regional e articulação
intersetorial com municípios e organizações da sociedade civil (SÃO PAULO,
2015).

Apesar de regulamentado, por meio das NOAS/SUS 01 e 02, o processo


de regionalização ainda parece obscuro em sua atuação, diferenciando-se entre
os estados. Com esta visão, e devido também aos poucos estudos realizados na
área, o objetivo geral deste trabalho é descrever o processo de desenvolvimento
da saúde no Estado de São Paulo, para ao final decifrar os principais desafios e
oportunidades do mesmo, ou seja, desvendar o processo histórico da saúde no
Estado de São Paulo para ao final entender o seu processo de desenvolvimento,
desafios e oportunidades.

METODOLOGIA

Após o embasamento descrito acima, pode-se notar uma lacuna teórica


nos estudos do processo de regionalização da saúde no Estado de São Paulo.
Portanto, este trabalho vem a contribuir com essa lacuna acadêmica ao mesmo
tempo em que contribui com um aprofundamento da temática de regionalização
a nível nacional.
Para o desenvolvimento da pesquisa em questão, será realizada uma
pesquisa exploratória, que segundo Mattar (1996), deve ser utilizada quando o
pesquisador deseja ampliar o conhecimento sobre o tema ou problema em
1632

questão. Essa busca pelo desenvolvimento do conhecimento sobre um tema


deve ser realizada quando o pesquisador possui dois motivos básicos:
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curiosidade e desejo de entendimento rico sobre o fenômeno de interesse e

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interesse em estimar a viabilidade e o custo de uma investigação mais rigorosa


ou extensa sobre o mesmo tema (COOPER; SCHINDLER, 2011). Essa pesquisa
exploratória se dará através da análise documental e estudo bibliográfico, que,
para Cooper e Schindler (2011), nada mais são do que um levantamento e
análise dos documentos e bibliografias relacionadas ao tema. No levantamento
bibliográfico realizado, utilizou-se das palavras-chaves nas bases Google
Acadêmico e Web of Science: Regionalização do SUS; Saúde Brasileira
regional; Regionalização da saúde em São Paulo; Regionalização da saúde.
De maneira semelhante, Babbie (1986) sintetiza em três itens como a
pesquisa exploratória pode contribuir para auxiliar o pesquisador atingir seus
objetivos:

1. Satisfazer a curiosidade do pesquisador e o desejo de um melhor


entendimento;
2. Estudar a viabilidade de se realizar um estudo mais cuidadoso;
3. Desenvolver os métodos para ser empregue em um estudo mais
atento.

Desta forma, o estudo proposto neste artigo se encaixa perfeitamente aos


três itens explicitados por Babbie (1986) para entender como a pesquisa
exploratória pode auxiliar o pesquisador. Ou seja, os pesquisadores deste artigo:

1. Possuem curiosidade e desejo de um melhor entendimento de


como decorre o processo de regionalização da saúde no Estado de São Paulo.
2. Buscam realizar um estudo cuidadoso, entendendo as principais
variáveis que estão presentes no contexto.
3. Possuem interesse em entender o assunto em profundidade, bem
1633

como as peculiaridades do tema em questão para desenvolver métodos e


estudos para estudos futuros.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para fins de visualização e discussão dos resultados atingidos, este tópico


será dividido em quatro áreas: Histórico da saúde brasileira; O Sistema Único de
Saúde; A regionalização e A saúde no Estado de São Paulo.

Histórico da saúde brasileira

A saúde brasileira historicamente esteve vinculada à seguridade social,


posteriormente dividida em Previdência Social e Assistência à saúde, portanto
retratar a história da saúde brasileira, é também retratar em partes a história da
seguridade social brasileira, como veremos neste capítulo.

No Império brasileiro deram-se os primeiros passos para o surgimento de


um sistema de saúde e seguridade, com a criação de centros de formação de
médicos e juntas de higiene pública. Esta característica se manteve até a década
de 20 do século XX, com a República instaurada, em que devido a epidemias
em grandes cidades, surgiu a demanda para criação de centros de pesquisa
biomédica, como: Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Butantã e Fundação Oswaldo
Cruz (BRASIL, 2011).

A seguridade social brasileira teve destaque inicial na década de 30 do


século XX com a promulgação da Lei 4.682, que instituía o Sistema de Caixas
de Aposentadorias e Pensão (CAPs), atendendo primeiramente aos ferroviários,
marítimos e estivadores, com a função de garantir a previdência social dos
mesmos, prestar assistência médica e fornecer medicamentos para os
segurados. Apesar desta primeira iniciativa, o sistema de CAPs era fracionado e
1634

pouco regulamentado, gerando a necessidade da criação de um novo órgão, os


Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) que representavam um conjunto de
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trabalhadores de um determinado setor, como o Instituto de Previdência e

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Assistência dos Servidores do Estado (IPASE) e Instituto dos Ferroviários e


Empregados em Serviços Públicos (IAPFESP). Na saúde, na época ainda
assistência à saúde, a grande inovação ocorreu na década de 50 do século XX,
durante o governo de Getúlio Vargas com a criação do Serviço de Assistência
Médica Domiciliar de Urgência (SAMDU), com destaque para este tipo de
atendimento (médico domiciliar) ainda inexistente no setor público, no qual o
financiamento era dividido entre todos os IAPs e o atendimento universal mesmo
que restringido a casos de urgência (FILKELMAN, 2002; FLEURY; OLIVEIRA,
1985; FLEURY; OUVERNEY, 2012).

Todo este sistema fragmentado gerou questionamentos sobre sua


capacidade de atendimento desigual e a necessidade do surgimento de um
sistema unificado, mas que poderia causar uma centralização de poder no
Estado (não mais dos trabalhadores). A resposta momentânea foi a criação da
Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) em 1960 pelo Decreto 48.959, ao
uniformizar as regras e manter a estrutura organizacional, com problemas no
déficit de padrão na distribuição de gastos para cada programa e avanços
significativos: Equalizou os benefícios cedidos, contribuição para a manutenção
financeira do sistema e os processos dos institutos. O movimento de apoio
centralizado do governo federal começou a modificar com a criação do Serviço
Especial de Saúde Pública (SESP) que visava transmitir serviços médicos-
sanitários a localizações com produção de insumos estratégicos. O SESP viria
a ser em 1960 uma fundação ligada ao Ministério da Saúde com destaque para
sua atuação em regiões geográficas longínquas e menos favorecidas, e inovador
na atenção básica domiciliar com serviços de prevenção à saúde (BRASIL, 2011;
FILKELMAN, 2002; FLEURY; OLIVEIRA, 1985).
1635

A bifuncionalidade sobre a temática de saúde ganhou ainda mais força na


década de 70 e 80 do século XX, com a divisão de suas atividades entre
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Ministério da Saúde e Ministério da Previdência Social, e o ponta pé inicial se


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deu com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966,


com a função de corrigir os problemas de pulverização institucional. O entre
décadas em questão demonstrou um crescimento na extensão da cobertura
assistencial, com atendimento à população rural, mesmo que condicionada à
existência de recursos orçamentários também inseriu a questão da gratuidade
(total ou parcial) na prestação dos serviços, mesmo que relacionada à renda dos
trabalhadores. Este também foi um momento importante de instauração de leis
previdenciárias, como a Consolidação das Leis de Previdência Social (CLPS)
(BRASIL, 2011; FILKELMAN, 2002).

A primeira tentativa de separação entre saúde e previdência social


ocorreu com o Plano Nacional de Saúde (PNS) de 1968, com a elaboração do
Ministério da Saúde, que se caracterizava pela universalização do acesso e
incorporação da assistência médica no Ministério da Saúde, iniciativa esta que
gerou grandes oposições e acabou por ser cancelada pelo governo. Com o
momento já favorável, o Ministro da Saúde, Machado de Lemos, definiu algumas
diretrizes básicas que seriam observadas na implementação do Sistema
Nacional de Saúde (SNS), características estas presentes atualmente no SUS,
como: Integração dos serviços de prevenção e assistência individual,
Regionalização dos serviços (destaque deste estudo) e Universalização. Vale
ressaltar a relevância destes postulados, mesmo que naquele momento
abortados, pois seriam novamente debatidos na VIII Conferência Nacional de
Saúde (conferência fundamental para criação do SUS) e na elaboração da
Constituição Federal (FILKELMAN, 2002; FLEURY; OLIVEIRA, 1985; FLEURY;
OUVERNEY, 2012).

Em meados de 1975, o Ministério da Saúde iniciou o processo de


1636

organização do sistema de saúde, com a promulgação da Lei 6.229, que instituía


a forma do SNS, com o objetivo de solucionar o fracionamento institucional sem
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coordenação da área pública, e separação de funções para o Ministério da


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Saúde (normativo e de execução em atividades voltadas para o coletivo, como


a Vigilância Sanitária) e Ministério da Previdência e Assistência Social
(atendimento assistencial individualizado). O formato deste SNS delimitava a
função ao Conselho de Desenvolvimento Social (CDS) de fiscalizar a Política
Nacional de Saúde instituída pelo Ministério da Saúde; aos estados, territórios e
distrito federal à coordenação dos serviços de saúde com os municípios; e aos
municípios a prestação de serviços de saúde como atendimento básico e
vigilância epidemiológica (BRASIL, 2011; FILKELMAN, 2002).

A Assembleia da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1975


influenciou o pensamento dos responsáveis pela saúde brasileira, com a
definição de que a única forma de prestar serviços universalmente (assistência
à saúde e ao saneamento) seria através de técnica com baixo custo e
simplificada. Com esta visão, foi criado em 1976 o Programa de Interiorização
de Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) que atuava de forma a descentralizar
as ações rotineiras e de baixa complexidade e custo, e a centralizar as ações de
alta complexidade e custo, características presente até hoje no SUS. Com o
PIASS foi instaurada uma rede de serviços dividida em elementar, intermediário
e de apoio, em que as duas primeiras atuavam de forma contínua e
descentralizada, enquanto que os elementos de apoio se localizavam
estrategicamente como unidades integradas de saúde. Os recursos para
provisão deste programa eram provisionados pela Caixa Econômica Federal
(CEF) e pelo Funrural da região (FILKELMAN, 2002; FLEURY; OUVERNEY,
2012).

A entrada nos anos 80, com uma maior abertura política devido à crise
econômica que abalava o país, trouxe novos atores sociais que começam a
1637

participar das ações e serviços de provimento à saúde, como o movimento da


Reforma Sanitária, que reivindicava: Melhoria das condições da população em
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saúde; A saúde como direito universal; Responsabilidade estatal no provimento


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destes serviços; Princípios de integralidade e equidade; Reorganização do


sistema com foco na descentralização. O movimento gerado em torno da
demanda populacional brasileira sobre saúde foi incorporado na VIII Conferência
Nacional de Saúde (CNS), conferência esta que delimitou e balizou os princípios
e diretrizes a serem promulgados na carta constitucional de 1988: Saúde como
direito do cidadão; Estado como provedor deste direito; Criação do Sistema
Único de Saúde com os princípios da Universalidade, Integralidade de atenção
à saúde, descentralização e participação popular como forma de controle social
(BRASIL, 2011; FILKELMAN, 2002; FLEURY; OLIVEIRA, 1985; FLEURY;
OUVERNEY, 2012).

O Sistema Único de Saúde

Em seus artigos 196 a 200, a Constituição Federal deixa clara a


importância da saúde e suas diretrizes, ao relatar que é dever do Estado prover
condições de saúde à população e que suas ações devem ser orientadas de
forma regionalizada e hierarquizada seguindo as diretrizes de descentralização,
atendimento integral e participação da Comunidade, apoiando-se nestes
princípios, que demonstram a opção do país em prover um sistema de saúde
com foco no Estado de Bem estar, na Universalidade, Integralidade e Equidade
(BRASIL, 1988; PIOLA; VIANNA, 2009). Quanto à atuação dos entes
federativos, esta ocorreria por relações entre esferas de governo, com cada um
possuindo uma função concorrente ao outro, mas com um fluxo contínuo do
governo federal em sentido aos municípios, perpassando pelos estados e distrito
federal (VARELA; PACHECO, 2012).

Sem dúvidas a C.F trouxe inúmeros avanços, apesar de incompleta em


1638

seu texto, como: mudança do pensamento da saúde; acesso universal e


igualitário aos serviços prestados; alteração na forma do sistema (foco na
descentralização); mudança do pensamento curativo para preventivo;
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participação essencial da comunidade e iniciativa privada apenas como


completar ao sistema adotado (SCATENA, 2001). A partir deste momento e,
posteriormente com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde) por meio das
Leis 8.080/90 e 8.142/90, chamada de Lei Orgânica da Saúde, as políticas de
saúde passam a ser universais e normas constitucionais (BRASIL, 1990;
ARRETCHE, 2002). De forma mais específica, a Lei 8.080/90 descreveu quais
seriam as condições para a promoção dos serviços de saúde, sua organização
e funcionamento, ao passo que a Lei 8.142/90 vem a complementar a primeira,
na delimitação da participação da comunidade no SUS e nas transferências
intergovernamentais de recursos financeiros (BRASIL, 1990).

Para Paim (2009), o Sistema Único de Saúde é mais do que simplesmente


o significado destas três palavras, é um estilo de vida e gestão pública adotado,
um sistema especial de saúde, voltado para suprir os problemas e necessidades
de saúde de uma determinada população.

Logo após a promulgação de ambas as leis, a NOB/SUS 01/91 delineou


as instruções aos entes federativos para implementação e funcionamento do
SUS, seguindo os princípios doutrinários citados na Constituição Federal,
fomentando a descentralização e atribuindo aos entes federativos (BRASIL,
1991):

 Municípios: Responsável pelo Plano Municipal de Saúde e


execução dos serviços prestados em seu âmbito;
 Estados e Distrito Federal: Coordenar as ações de apoio aos
municípios em sua jurisdição;
 Federação: Condução da Política Nacional de Saúde.
1639

Em conseguinte, com a NOB/SUS 01/96, as características de


descentralização dos serviços são ainda mais aprofundadas e aprimoradas, ao
Página

repassar aos municípios a responsabilidade pela atenção básica, com um

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aumento do financiamento automático e reestabelecendo o pacto federativo para


os gestores de saúde (BRASIL, 1996).

Portanto, a Política Nacional de Saúde é pensada e realizada de forma


interfederativa, ou seja, os três órgãos federativos (Federal, Estadual e
Municipal) são responsáveis pela sua realização, cada um com suas
especificidades e desdobramentos, mas com destaque para o papel estratégico
da esfera nacional, representada pelo Ministério da Saúde, que possui a função
de financiar e formular as políticas nacionais de saúde, assim como coordenar
as ações intergovernamentais (ARRETCHE, 2004; BRASIL, 2011). Apesar de o
papel estratégico ser da União, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS),
os municípios são a força central do sistema, na execução das ações em saúde
ao oferecerem atendimento à saúde para toda população de forma coordenada
com estados e federação (UGÁ et.al, 2003). Para Viana, Lima e Ferreira (2010),
a descentralização do SUS trouxe inúmeros benefícios como a cobertura em
todo território dos serviços de saúde, mas não conseguiu resolver as
desigualdades presentes e formar organizações cooperativas de saúde.

O processo de descentralização encontrou obstáculos, a regionalização


se tornou o caminho para o funcionamento, e com essa visão foram aprovadas
as NOAS/SUS 01/01 e 02/01 com o objetivo de promover maior equidade na
prestação dos serviços ao estabelecer o processo de regionalização como
estratégia de hierarquização dos serviços de saúde (BRASIL, 2001; LIMA, et.al,
2012). As normas aprovadas surtiram efeito, mas vale ressaltar a dificuldade
encontrada por elas para pactuação de distintos atores sociais no processo de
negociação política que prejudicariam os instrumentos técnicos disponíveis
(TANAKA; OLIVEIRA, 2007). Posteriormente, com o decreto 7.508/2011, o
1640

processo de regionalização se intensificou com a criação das regiões de saúde


em todo o Brasil, o SUS torna-se uma rede regionalizada e hierarquizada, e o
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planejamento das ações de saúde é realizado de forma integrada entre os


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diversos entes, com o estabelecimento das CIBs (Comissões Intergestoras


Bipartites) e CIRs (Comissões Intergestoras Tripartites) (ALBUQUERQUE, 2013;
BRASIL, 2011).

A rede organizacional descentralizada do SUS, constituída por diferentes


órgãos do governo e também instâncias da sociedade civil, é complexa, ao passo
que suas funções se adaptam com o tempo para um melhor desempenho na
prestação dos serviços, por meio de uma governança regionalizada e articulada
(FLEURY; OUVERNEY, 2006). Toda a complexidade do sistema, em um espaço
geográfico grande como o território brasileiro, leva a uma desigualdade na
prestação dos serviços de saúde em cada região, dessa forma rompe com o
princípio da equidade delimitado pela C.F (TRAVASSOS, C. et.al, 2000).
Igualmente complexa é relação entre a rede atual de atenção à saúde e a rede
necessária, em que na organização atual o sistema de saúde é coordenado por
diferentes entes federativos, única no mundo, por conseguinte com difícil
gerenciamento deste processo (GOMES, 2014).

Mesmo que a Constituição Federal em seus artigos garanta o atendimento


integral e a universalização, o estado brasileiro cobre apenas 41% dos gastos
em saúde enquanto que outros países que adotaram essa mesma política
cobrem 80% ou mais desta despesa, causando problemas e impactos não
desejados à população (PAIM, 2012). Os municípios, em sua grande parte, têm
dificuldades para execução do SUS, com problemas relativos ao pagamento dos
serviços, recrutamento de pessoal, utilização e compra de equipamentos
tecnológicos e estrutura física necessária, além do espaçamento geográfico
variado (GALINDO, et. al, 2014).
1641

Assim sendo, para que esses princípios do SUS possam ser alcançados
e disseminados não basta depender da descentralização e da municipalização,
mas deve também de uma organização regional que atenda às questões de
Página

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saúde em cada região, em conjunto a análise dos seguintes aspectos do SUS:


necessidades incompatíveis com os recursos; garantia de equidade no
atendimento; aprimoramento gerencial e recursos humanos na saúde e seu
processo de humanização (BARATA; TANAKA; MENDES, 2004).

A regionalização

O conceito de regionalização esteve, em toda sua história, vinculado à


estratégia de descentralização dos serviços de saúde, e, além disso, possui
diversas influências de diferentes áreas, mas no caso específico da saúde, ele
está ligado principalmente às redes urbanas, com duas grandes dimensões para
seu entendimento: realocação mais equitativa da prestação de serviços de
saúde e desenvolvimento regional através dessa redistribuição mais equitativa
(CONTEL, 2015; DUARTE, et.al, 2015).

O processo de operacionalização do SUS ganhou forma após uma


década, e como toda novidade, demandou adequações a serem realizadas. No
caso do SUS ocorreu a percepção de que a municipalização não era capaz de
sozinha atender aos objetivos e princípios almejados pelo sistema de saúde
brasileiro, em um ambiente federalista e heterogêneo em seu todo, além do
esgotamento do modelo de transferências automáticas entre fundos antes
observada (BRASIL, 2011; DOURADO; ELIAS, 2011; SOUZA, 2001). Dessa
forma, como o art.198 da C.F já relatava a busca por uma rede regionalizada, a
estratégia de regionalização ganha ainda mais força em um sistema fracionado
com capacidade de prestação de serviços desequilibrada, e arenas decisórias
sensíveis e diversificadas (BRASIL, 1988; VIANA, et.al, 2015).

Anteriormente às NOAS/SUS 01/01 e 02/01, vale destacar algumas


1642

normas que já vigiam com caracterização da regionalização, como: Art. 7°da Lei
8.080/90, rede regionalizada e hierarquizada como princípio; Item g da
Página

NOB/SUS 01/93, descreve a caracterização da regionalização; Item 4 da

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NOB/SUS 01/96: aumento do processo de regionalização como parte da


estratégia de descentralização (BRASIL, 2011; CONTEL, 2015).

A Política de Regionalização do SUS, por conseguinte, cresce em um


processo de adequação à realidade, com as NOAS/SUS 01/01 e 02/01 a partir
da ideia de mudança dos serviços de saúde que fazem parte do pacto de Gestão
do SUS, e está baseada no desenvolvimento operacional de interdependência
organizativa entre os entes da federação (principalmente municípios), visando
atender os princípios e diretrizes já descritos acima (BRASIL, 2001; OLIVEIRA;
TEIXEIRA, 2013). Desse modo, as NOAS implementadas assumiram como
elemento fundamental para atingir os princípios do SUS de equidade de
integralidade a expansão do grau de interação entre as bases municipais de
saúde (OUVERNEY, 2005).

Posteriormente, o Pacto de Gestão do SUS (2006) definiu a


regionalização como uma diretriz do SUS ao propor a criação de espaços
regionais, os chamados Colegiados de Gestão Regional (CGR), posteriormente
transformado em Comissões Intergestores Regionais (CIR) pelo Decreto 7.508
de 2011 (BRASIL, 2011), que são compostos por representantes do estado e
dos municípios de determinada região, e possuem a função de negociação e
tomada de decisão intergovernamental (LIMA et.al, 2012).

Vale ressaltar que a regionalização como nova diretriz institucional do


SUS não deve ser apenas tratada como um meio para atender à
descentralização do SUS, mas sim como uma estratégia para própria pactuação
e concretização entre os gestores do sistema de saúde (SPEDO; PINTO,
TANAKA, 2010).
1643

Em alguns estados em que foram criados esses espaços regionais, como


pode ser considerado o caso de São Paulo com os Departamentos Regionais de
Página

Saúde (DRS), as condições para transformações já existem, e é neste momento

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que as Secretarias de Saúde do Estado ganham um papel fundamental (SILVA,


2011). Para Pestana e Mendes (2004) a regionalização cooperativa conseguirá
resolver alguns dos problemas gerados pela descentralização autárquica, ao
criar ações sinérgicas entre os gestores com divisão de responsabilidades.

A saúde do Estado de São Paulo

Para fins de comparação com o processo de desenvolvimento brasileiro,


este tópico também será subdivido em três áreas: Histórico da saúde no Estado
de São Paulo; O SUS no Estado de São Paulo; A regionalização no Estado de
São Paulo.

Histórico da Saúde no Estado de São Paulo

No Estado de São Paulo, a história da saúde pública e seus contornos


podem ser divididas em 4 grandes fases, que se iniciam no período da
República, no momento em que os Estados ganham institucionalidade e forma.
Primeira fase (1925-1967): O primeiro momento desta fase inicia-se com a
Reforma do Serviço Sanitário de 1925, baseada no modelo norte-americano de
centros de saúde distritais e com o objetivo de instaurar uma educação sanitária
e preventiva, que posteriormente declinou, mas tem impactos até hoje de seus
ideários. Apenas com a retomada do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP),
em 1942, pode-se retomar a utilizar os princípios de descentralização,
regionalização e coordenação, já discutidos nacionalmente. Segunda Fase
(1968-1982): esta fase é marcada pela reforma da Secretaria Estadual de Saúde
de São Paulo, com a descentralização de suas atividades e criação de 10
divisões regionais e 67 distritos sanitários, divididos em 4 coordenadorias, com
a função de integrar localmente os serviços, centralizar as normas e
1644

descentralizar a administração, e implementação de máquinas administrativas


permanentes. Terceira Fase (1983-2001): neste momento o Estado passa de ser
Página

apenas um instrumento do governo federal e passa a ser interlocutor no

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PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
LUIS PASSADOR E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
OPORTUNIDADES
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A REGULARIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
OPORTUNIDADES

processo, com a criação de alguns órgãos importantes como a Comissão


Regional Interinstitucional de Saúde (CRIS), responsável pelo planejamento e
gestão da saúde estadual, e os Escritórios Regionais de Saúde (ERSAs),
responsáveis pela descentralização das unidades administrativas, que mais
tarde adaptar-se-iam à criação do SUS. Quarta Fase (2002-atual): com a
implantação do SUS e sua normatização, conforme a NOAS 01/2001, o Estado
mantém seu papel de articulador entre as outras esferas de governo e atua com
órgãos regionais descentralizados, com destaque, em 2006, para a criação dos
17 Departamentos Regionais de Saúde (DRS) responsáveis pela ação regional
da SES-SP (MELLO; IBAÑEZ; VIANA, 2011; TANAKA et.al, 1992).

O SUS no Estado de São Paulo

O Estado de São Paulo, neste processo de instauração do SUS e


aprimoramento, foi incumbido, assim como todos os outros estados, com o papel
de coordenação entre o governo federal e municipal, adaptando-se
regionalmente a cada norma aprovada pelo governo federal e modificando suas
instituições já presentes, mas que ganhou ainda mais responsabilidade com o
processo de regionalização posterior do SUS, tema a ser debatido no próximo
tópico (GUERRA, 2015; HEIMANN, 2007).

Assim sendo, o processo de construção do SUS, e sua atuação até os


dias de hoje, vem a demonstrar uma evolução e adaptação às necessidades
reais da população, com o Estado de São Paulo seguindo as estratégias
delimitadas pelos órgãos federais.

A regionalização no Estado de São Paulo


1645

No Estado de São Paulo, a descentralização da saúde acompanhou a


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descentralização da SES/SP, com a reforma da administração pública paulistana

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LUIS PASSADOR E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
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OPORTUNIDADES

na década de 80, que instaurou os Ersas por todo território do estado, ao passo
que mais tarde, em 2006, tornar-se-iam em 17 Departamentos Regionais de
Saúde, órgãos esses representativos da SES/SP nas regiões de saúde e foco
do desenvolvimento deste estudo (MENDES, et.al, 2015; SÃO PAULO, 1986;
SÃO PAULO, 2006).

Visando melhor entendimento da atuação e da formação do processo de


regionalização no estado de São Paulo, segue quadro com a descrição das
formas de atuação e caracterização de cada órgão regional envolvido:

Quadro 1 - Complexo Regional de Saúde no Estado de São Paulo

Instâncias e
Forma de Atuação Caracterização
Instituições

Espaço de articulação e pactuação


Comissões entre os entes, que objetiva Integrada por representantes
Intergestores Bipartite orientar, regulamentar e avaliar os do governo estadual e
– CIB aspectos operacionais da municipal.
descentralização da saúde.

Espaço de decisão através da Constituído por gestores


identificação, definição de municipais de saúde do
prioridades e de pactuação de conjunto de municípios da
Colegiado de Gestão
soluções para a organização de região de saúde, que o
Regional – CGR
uma rede regional de ações e colegiado representa, e por
serviços de atenção à saúde, representantes do(s)
integrada e resolutiva. gestor(es) estadual(ais).

Divisão administrativa regional.


São responsáveis pelas atividades Constituídos por gestores e
Departamentos
da SES no âmbito regional e por técnicos estaduais,
Regionais de Saúde –
promover a articulação representados pelos chefes
DRS da SES/SP
intersetorial, com municípios e dos departamentos.
organismos da sociedade civil.
Responsável pela coordenação,
articulação e organização do
sistema de saúde loco-regional, Constituída por gestores e
Coordenadoria
pela compatibilização dos planos, técnicos estaduais de saúde,
Regional de Saúde da
1646

programas e projetos dos DRS em representada pelo


SES/SP
razão das políticas e diretrizes Coordenador.
estaduais e dos recursos
disponíveis.
Página

Fonte: Viana et.al (2008, p.92-106) adaptado

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OPORTUNIDADES

Com este quadro, pode-se inferir a atuação das instâncias regionais de


saúde no Estado de São Paulo, com destaque para os Departamentos Regionais
de Saúde (DRS) que serão foco deste estudo.

Portanto, conclui-se que o processo de regionalização do SUS no Estado


de São Paulo acompanhou o movimento nacional, com a criação de instâncias
representativas que se por um lado descentraliza a atuação dos órgãos de
saúde, de outro cria uma rede complexa com uma possível sobreposição de
funções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A saúde brasileira, como já descrito anteriormente, nos últimos anos


passou por inúmeros avanços, saindo de uma modelo centralizador para um
modelo descentralizador e garantidor do direito à saúde para todos, de forma
igualitária e uniforme. Todo o processo histórico descrito no trabalho colaborou
para a atual estrutura do SUS, elogiado em todo mundo, mas que ainda precisa
de avanços significativos (ARRETCHE, 2004).

O modelo descentralizado, ao final de década de 1990, enfrentou muitos


bloqueios com a falta de capacidade dos municípios de executarem, agora como
atores principais, as políticas de saúde. Neste momento, por meio das
NOAS/SUS 01 e 02, instaurou-se uma nova estratégia de atuação vinculada à
descentralização, a regionalização. Diferentes instâncias regionais foram
criadas, como as CIRs, CIBs e CITs. Dentro dessa estrutura interfederativa, os
1647

estados também sentiram a necessidade de criarem instâncias regionais


próprias, que no caso do Estado de São Paulo foram os Departamentos
Página

Regionais de Saúde, foco deste estudo (SPEDO; PINTO, TANAKA, 2010).

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OPORTUNIDADES

Ao final deste trabalho pode-se desvendar o processo de regionalização


da saúde no Estado de São Paulo, a ponto de elencar seu desenvolvimento,
desafios e oportunidades, como segue abaixo:

Desenvolvimento

O processo de regionalização da saúde no Estado de São Paulo começou


a ganhar contornos após o período centralizador federal, imputando aos estados,
com a Constituição Federal de 1988, a responsabilidade de também atuar de
forma descentralizada. Neste período surgiram alguns órgãos para auxiliar o
estado, como as CRIS e os ERSAS. Posteriormente, após a implementação das
NOAS/SUS 01 e 02, criaram-se as atuais CIRS, órgãos de pactuação regionais
em todo o Brasil. No Estado de São Paulo, visando suprir essa necessidade, em
2006, foram criados os DRS, que atuam como representantes do estado nas
CIRs, CIBs e CITs. Esse modelo de atuação segue até os dias de hoje.

Desafios

Durante o seu desenvolvimento, a regionalização da saúde no Estado de


São Paulo passou por diversos desafios, dentre eles estão: Difícil relação com
os outros órgãos de saúde regionais; Estabelecimento do seu real papel dentro
do processo de regionalização nacional; Proximidade com os municípios e
Continuidade dos órgãos criados anteriormente por outros governos. Ademais,
quanto ao futuro, os desafios dependem muito da atual situação do SUS e suas
demandas geradas.

Oportunidades

Assim como desafios, o processo de regionalização de saúde no Estado


1648

de São Paulo também aproveitou, principalmente, da oportunidade de já ter uma


rede regionalizada de outros órgãos, como o sanitário, para instalação dos DRS.
Página

Em relação as oportunidades atuais, enxerga-se um remodelamento do papel

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OPORTUNIDADES

dos DRS, podendo abarcar outras funções que o estado já realiza, mas por
outros órgãos, como a vigilância epidemiológica.

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da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e
dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1990b. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm>. Acesso em: 27 fev. 2016.
1650

BRASIL. Portaria MS n° 2203, de 05 de novembro de 1996. Aprova a Norma


Página

Operacional Básica - NOB SUS 01/96, a qual redefine o modelo de gestão do


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OPORTUNIDADES

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imprescindível à viabilização da atenção integral da população e ao
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PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
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PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
LUIS PASSADOR E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
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A REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO


MARCO ANTÔNIO CATUSSI PASCHOALOTTO, JOÃO
PAULO: DESENVOLVIMENTO, DESAFIOS E
LUIS PASSADOR E PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA
OPORTUNIDADES
FERNANDA VIEIRA DA SILVA SANTOS E ANA CAROLINA DOMINGUES
AÇÕES AFIRMATIVAS NO BASIL: ANÁLISE DAS PUBLICAÇÕES DE 2003 A 2014 NO PORTAL DE
PERIÓDICOS DA CAPES

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT 6
DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL: ANÁLISE DAS


PUBLICAÇÕES DE 2003 A 2014 NO PORTAL DE
PERIÓDICOS DA CAPES

FERNANDA VIEIRA DA SILVA SANTOS

Mestranda no Programa de Educação da


Universidade Federal de São Carlos e
pesquisadora no Núcleo de Estudos Afro-
brasileiros (NEAB-UFSCar). E-mail:
fer.v.santos@gmail.com
ANA CAROLINA DOMINGUES
1658

Pedagoga formada pela Universidade Federal de


São Carlos e pesquisadora no Núcleo de Estudos
Afro-brasileiros (NEAB-UFSCar). E-mail:
Página

anacarolina.domingues@gmail.com
AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL: ANÁLISE DAS
FERNANDA VIEIRA DA SILVA SANTOS E ANA CAROLINA
PUBLICAÇÕES DE 2003 A 2014 NO PORTAL DE
DOMINGUES
PERIÓDICOS CAPES
FERNANDA VIEIRA DA SILVA SANTOS E ANA CAROLINA DOMINGUES
AÇÕES AFIRMATIVAS NO BASIL: ANÁLISE DAS PUBLICAÇÕES DE 2003 A 2014 NO PORTAL DE
PERIÓDICOS DA CAPES

RESUMO

O trabalho é parte do Projeto “Ações Afirmativas: Ensino, Pesquisa e Extensão


na perspectiva da educação das relações étnico-raciais” financiado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Resultado do levantamento do portal CAPES, acervo digital brasileiro que
contém artigos, teses e dissertações. O objetivo é analisar as publicações
durante o período de 2003 a 2014 e quais mudanças nas matrizes curriculares
e nas práticas pedagógicas, as instituições estão promovendo para a educação
das relações étnico-raciais. Realizamos o levantamento tomando como critério
de seleção o enquadramento dos trabalhos com a temática, procurando
identificar a ligação com as políticas curriculares, políticas de permanência e
inclusão de negros no ensino superior. Como principais resultados, aponta-se
que há uma relevante ampliação do acesso de estudantes negros, indígenas e
pertencentes às camadas populares, o que se avalia como positivo, entretanto,
os autores das publicações indicam que o desafio é o da permanência desses
estudantes.

ABSTRACT

This paper is part of the Project "Affirmative Action: Education and Research in
view of the education of ethnic-racial relations" funded by the National Council for
Scientific and Technological Development (CNPq). Literature review result of this
portal, Brazilian digital collection containing articles, theses and dissertations.
The goal is to analyze the publications during the period 2003-2014 and which
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changes on curricular and pedagogical practices in the institutions are promoting


for the education of ethnic-racial relations. We conducted the literature review
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using as selection criteria the papers addressed to this issue, identify the
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connection with the curriculum policies, keeping policies and inclusion of black
people in higher education. Our results, show that there is a significant expansion
of access of black students, indigenous and poor, which is evaluated as positive,
however, the authors of the publications have indicated that the challenge is the
permanence of these students.
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INTRODUÇÃO

A Universidade Federal de São Carlos foi uma das primeiras instituições


públicas de ensino superior do país a discutir a necessidade de um Programa de
Ações Afirmativas.

O Programa de Ações Afirmativas (PAA) na UFSCar iniciou sua


construção por meio do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) em 2004.
Após um ano de debates sobre o tema envolvendo a comunidade acadêmica
(técnicos administrativos, docentes e discentes) constatou-se a necessidade de
implementação do programa.

Naquele momento, destacava-se também o papel do Núcleo de Estudos


Afro-Brasileiros (NEAB/UFSCar) e do movimento estudantil nas reivindicações
por ações afirmativas na instituição. A ação destes sujeitos também contribuiu
para que a instituição amadurecesse sobre a necessidade da implantação de um
Programa de Ações Afirmativas que pudesse contemplar uma maior diversidade
de estudantes, expressa na sociedade, e que tinha seu acesso a uma vaga na
universidade dificultado com o modelo tradicional de vestibular.

No ano de 2006 na UFSCar, 21,1% dos estudantes ingressantes eram


oriundos de escola pública e 79,9% de estudantes vindos de sistema privado de
ensino, o que suscitou vários questionamentos na comunidade acadêmica,
sobre o papel da universidade pública no que tange aos estudantes de escola
pública. (CAAPE, 2014).

A partir do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), em 2004,


observou-se a necessidade de implementação de um programa de Ações
Afirmativas na UFSCar. Isto porque, os dados abaixo forneceram um diagnóstico
1661

no qual se observou a necessidade de uma política de ações afirmativas que


considerasse a equidade do perfil dos estudantes, pois o desequilíbrio dos
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ingressos de escola pública e particular apontava o desfavorecimento de


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camadas socialmente vulneráveis da população ao acesso à universidade


pública superior.

Tabela 1: Estudantes ingressantes na UFSCar (1994-2006)

Ano Vagas C/V Público Privado

1994 940 7,7 45,9 54,1

1995 940 7,7 45,5 54,5

1996 1020 7,0 41,0 59,0

1997 1020 8,2 37,1 62,8

1998 1040 8,4 38,2 61,8

1999 1040 10,3 33,7 66,3

2000 1090 21,5 33,3 66,7

2001 1090 20,4 34,1 65,9

2002 1090 20,5 32,2 67,8

2003 1100 21,5 31,8 68,2

2004 1130 19,0 27,9 72,1

2005 1130 19,8 27,2 72,8

2006 1375 21,1 20,1 79,9

Fonte: CAAPE- Prograd/UFSCar 2014.


1662

Assim, após amplo debate, em 2007 a UFSCar adotou o Sistema de


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Reserva de Vagas para o ingresso no Vestibular de 2008. Este sistema


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assegurou 20% das vagas para estudantes de escola pública e escola indígena,
dentro deste percentual 35% das vagas seriam ocupadas por estudantes pretos
(negros e pardos) e 1% por estudantes indígenas.

A previsão da Política de Ações Afirmativas era de aumentar


gradativamente o número de reserva de vagas de 20% no primeiro ano (2008),
para 35% e 50% até 2016 para estes segmentos de estudantes. No vestibular
de 2014, a UFSCar já atingiu a meta de 50% de reserva de vagas ofertadas pela
instituição (OLIVEIRA, 2013).

Discutir cotas é repensar e avaliar a função social da


universidade pública. Gerida através de verbas do estado,
a universidade deveria formar lideranças que
representassem a diversidade étnica e racial do país; nada
mais claro, portanto, que tivéssemos brancos, negros e
índios nos quadros discentes, docente e de pesquisa na
nossa academia. Contudo, em um país de 47% de
população de negros (pretos e pardos segundo o IBGE), o
contingente de estudantes não passa de 12% e o de
professores, menor que 1%. Vale a pena perguntar-se
como foi possível que um grau de exclusão racial tão
escandaloso não tenha suscitado, até agora, praticamente
nenhuma discussão ou mesmo incômodo por parte dos
acadêmicos brancos brasileiros (entre os quais me incluo),
sobretudo na nossa elite de Ciências Humanas e Sociais
(CARVALHO, 2003, p.303).

Com a aprovação da Lei 12711/2012, popularmente conhecida como “lei


1663

de cotas”, configurou-se um novo cenário para a política de ações afirmativas


nas instituições federais de ensino superior, na medida em que a existência de
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um marco legal permite que seja estabelecida uma política de Estado com
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pretensões de universalizar um modelo para aprofundar a democratização do


acesso ao ensino superior, com critérios de equidade (SILVÉRIO, 2012).

A Conferência Mundial contra o racismo, a discriminação racial, a


xenofobia e a intolerância associada, realizada pela Organização das Nações
Unidas em Durban, África do Sul no ano de 2001, provocou uma maior
visibilidade às discussões já pautadas pelo Movimento Negro Brasileiro, no
sentido de que o Estado deveria adotar medidas positivas para o combate do
racismo no país.

A partir das deliberações tomadas em Durban, o governo federal foi


provocado a estimular ações para o combate ao racismo no país, que teve seu
início, após muitas discussões em 2002 com a reserva de vagas em algumas
universidades públicas, para estudantes oriundos de escolas públicas, negros e
indígenas, medidas que foram difundidas e adotadas em diversas instituições de
ensino superior públicas do país, e também por programas governamentais de
inclusão no ensino superior privado.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-


Raciais aprovada em 2008 definiram entre suas ações, que o ensino superior
adotasse políticas de ações afirmativas e inserisse conteúdos relacionados ao
tema das relações étnico-raciais nos currículos, articulando à pesquisa e
extensão.

A partir de 2012, a Lei 12.711/2012 que “dispõe sobre o ingresso nas


universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível
médio e dá outras providências” (BRASIL, 2012), reserva no mínimo 50% das
vagas ofertadas nos vestibulares pelas instituições federais para preenchimento
1664

por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas


públicas, e que tenham renda familiar igual ou inferior a um salário-mínimo e
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meio per capita. Dentro deste percentual de vagas preenchidas por

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autodeclarados pretos, pardos e indígenas em uma proporção de no mínimo


igual ao número da população em que a instituição federal está instalada, de
acordo com o último censo do IBGE (SILVÉRIO, 2012).

Negada, ao longo da história, à população negra brasileira,


a educação como bem cultural, tem sido alcançada por
este grupo populacional, o que a história da educação
brasileira vem omitindo, como se a evolução da educação
se desse de maneira equitativa. Essa omissão tem sido
gradativamente superada, a partir de investigações
realizadas por pesquisadores que comprovam que, a
despeito da discriminação racial atuar como impedimento
e ou eliminação de pretos e pardos da educação escolar, a
sua presença é evidenciada na instituição, mesmo no
período imperial (OLIVEIRA, 2009, p. 273).

As políticas de Ações Afirmativas promoveram a inclusão de grupos


sociais que foram ao longo da história brasileira marginalizados, tornando-os
invisíveis suas presenças nas instituições de ensino superior. A Lei incentivou
as Universidades a romperem com a homogeneidade de conhecimentos
eurocêntricos, permitindo que outras ciências de diversas raízes pudessem ser
promovidas.

Porém, o programa de Ações Afirmativas ainda é colocado como tema


polêmico, as pesquisas priorizam os dados numéricos de ingresso e evasão dos
discentes e de seu rendimento com relação aos alunos não cotistas.
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METODOLOGIA

O trabalho é resultado do levantamento no portal de periódicos CAPES,


acervo digital brasileiro que contém artigos, teses e dissertações. O objetivo é
analisar as publicações durante o período de 2003 a 2014 sobre o Programa de
Ações Afirmativas nas Universidades brasileiras, quais temas são pesquisados
sobre, com isso, a principal preocupação é encontrar quais mudanças nas
matrizes curriculares e quais práticas pedagógicas, as instituições estão
promovendo para a educação das relações étnico-raciais.

Realizamos o levantamento tomando como critério de seleção o


enquadramento dos trabalhos com a temática da pesquisa, portanto realizamos
leitura dos resumos procurando identificar a ligação dos trabalhos com as
temáticas de política curricular, política de permanência e inclusão de negros no
ensino superior, assim tudo que não apresentava no corpo do resumo uma
relação com esses temas específicos foram descartados. Os trabalhos
descartados discutiam sobre a constitucionalidade ou não das ações afirmativas
e outros abordavam a questão da justiça social, em razão disso selecionamos
aqueles que discutiam a inclusão, permanência e estrutura curricular.

As palavras-chave utilizadas para a busca foram: Ações Afirmativas;


Ações Afirmativas e permanência; Ensino superior e Ações Afirmativas;
Permanência e Ensino superior; Cotas raciais e permanência; Ações Afirmativas
e Currículo; Ensino Superior e Currículo; Reserva de vagas; Cotas raciais;
Inclusão universitária; Ensino Superior e Sistema de Cotas. Foram encontrados
25 artigos, 11 teses de Doutorado e 13 dissertações de Mestrado, totalizando 49
trabalhos com as palavras-chave selecionadas.
1666

Entre os vários autores que discutem o uso do estudo de


caso em educação (ANDRÉ, 2005; MAZZOTTI, 2006;
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STAKE, 1995; YIN, 2001), há dois traços comuns: a) o caso

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tem uma particularidade que merece ser investigada; e b)


o estudo deve considerar a multiplicidade de aspectos que
caracteriza o caso, o que vai requerer o uso de múltiplos
procedimentos metodológicos para desenvolver um estudo
em profundidade (ANDRÉ, 2014, p. 98).

As amostras com publicações anteriores a 2012, ano em que é aprovada


a lei 12.711/12 sobre a reserva de vagas nas universidades e institutos federais
públicos, apontam discussões acerca de como algumas universidades
implantaram algum tipo de sistema de Ações Afirmativas, como por exemplo,
reserva de vagas no ingresso por vestibular ou sistema de bonificação, por meio
do Exame Nacional do Ensino Médio, para contemplarem a diversidade na
universidade.

A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas e análise


das comunicações.

Não se trata de um instrumento, mas de um leque de


apetrechos; ou, com maior rigor, será um único
instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de
formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto:
as comunicações (BARDIN, 2011, p.31).

Também aparecem nos trabalhos, como os estudantes negros de escola


pública que ingressaram por alguma forma de sistema de Ações Afirmativas e
sua percepção sobre a vida acadêmica e como a instituição promove sua
integração nesta vida, o que apontam é que para ingressar o estudante precisa
ser “diferente”, ou seja, advindo de escola pública, negro ou pardo; mas que para
1667

inserção na vida acadêmica, ele precisa ser tratado como igual aos estudantes
não cotistas.
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Valentim (2006) apresenta informações sobre as desigualdades


existentes entre brancos e afrodescendentes no Brasil, nos diversos campos da
vida, com base em pesquisas desenvolvidas pelo IPEA e IBGE. Destaca as
desigualdades raciais existentes no ensino superior com base no Censo 2002, e
estabelece uma comparação dos dados com o censo de 1991, mostrando uma
invariabilidade nos números considerando os dois períodos.

A pesquisa teve como foco central, as perspectivas dos professores da


faculdade de Direito da UERJ, sobre a política de ações afirmativas
implementadas naquela universidade.

Estudo analítico-reflexivo da literatura pertinente às políticas de ações


afirmativas e seu debate teórico; à contribuição da experiência desenvolvida pela
UERJ; à desigualdade racial existente no Brasil, especialmente no tocante ao
ensino superior.

Pesquisa bibliográfica incluindo: livros, artigos, dissertações e teses


desenvolvidas recentemente sobre Ações Afirmativas nas diversas áreas.
Também foram consultadas bibliotecas, jornais, revistas e internet (sites
governamentais e de ONGs ligadas ao mov. Negro). A pesquisa empírica foi
desenvolvida na UERJ, onde foram levantados documentos e estatísticas oficiais
que a universidade vinha produzindo sobre a experiência das cotas.

A abordagem utilizada na pesquisa foi a Qualitativa, aplicando entrevistas


semiestruturadas, com 9 professores da faculdade de Direito da UERJ, e uma
com uma sub-reitora de graduação da UERJ.

Para a autora as políticas universais não garantiram as simetrias de


oportunidades necessárias aos diversos setores sociais, especialmente, dos
1668

afro-brasileiros. Essas políticas universalistas são fundamentais, mas não são


suficientes. Neste sentido, são necessárias políticas específicas para os negros,
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especialmente, as voltadas ao mercado de trabalho e à educação.


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A pesquisa, apesar de seus limites, constata que a excelência da


universidade nunca esteve em jogo por conta do sistema de cotas implantado na
universidade. O que estava em jogo era a permanência dos alunos cotistas numa
universidade que tem enfrentado agudos problemas financeiros.

Góis (2008) a permanência apresenta algumas dificuldades para este


grupo de estudantes cotistas, pois há gratuidade no ensino, mas os estudantes
têm gastos com transportes, materiais, alimentação e etc.

Os obstáculos à permanência atingem desigualmente as


alunas negras e brancas, pois, como vimos antes, estas
últimas dispõem de menor volume de recursos familiares
para arcarem com as despesas envolvidas no ensino
superior. Em função disso, as estratégias de enfrentamento
de umas e outras também se diferenciam. Uma delas é a
associação entre trabalho e estudo durante a passagem
pela universidade, possivelmente reproduzindo a trajetória
do ensino fundamental e médio, onde tal associação já se
fazia presente (GÓIS, 2008, p.760).

Os autores mostram que, apesar do programa de Ações Afirmativas


permitir menor desigualdade de ingresso entre brancos e negros, as jovens
negras não são a maioria dentro deste grupo de acesso.

Essa desigualdade de tratamento – que gera uma condição


de desigualdade de oportunidade – é ainda mais grave em
relação ao acesso das mulheres negras ao ensino superior.
A taxa de crescimento do acesso dessas mulheres é
1669

inferior à taxa apurada para homens do mesmo grupo


racial, e, se mantida essa tendência, pode haver no futuro
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a inversão da representação de homens e mulheres negras

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no ensino superior. Como hipóteses para essa taxa de


crescimento desigual, destacam-se as formas de
incidência do racismo e do sexismo sobre as trajetórias
familiares, educacionais e profissionais das mulheres
negras, que dificultam seu acesso a melhores condições e
oportunidades de vida. Para a compreensão desse
surpreendente fenômeno, faz-se necessária a realização
de estudos que aprofundem essa discussão (VALVERDE;
STOCCO, 2009, p.918).

Tragtenberg (2009) conclui que com o programa de Ações Afirmativas na


UFSC o acesso as vagas foram mais democráticas; com relação ao
aproveitamento dos estudantes de reserva de vagas, mostrou-se semelhante
com os discentes da classificação geral; e a evasão também é menor entre os
alunos de reserva de vagas; demanda por assistência estudantil é crescente,
apontando que a UFSC precisa pensar em como atender esses estudantes.

A partir das questões sobre o Programa com o foco na efetividade do


acesso e na permanência dos alunos, a pesquisa utilizou como metodologia
coleta de dados de matrícula e percentuais de aprovação do Cursinho Pré-
Vestibular Gratuito da UFSC; Análise de dados sobre a classificação no
vestibular destes alunos egressos da escola pública, pretos, pardos e índios;
coleta de dados de evasão e reprovação em disciplinas da classificação geral,
reserva de vagas para escola pública e reserva de vagas para negros; número
de matrículas; dados sobre assistência estudantil, informações sobre a
divulgação do Programa e apoio pedagógico destes estudantes.

Bonilha (2011) discute em seu artigo com estudantes negros do Programa


1670

de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS) da Unicamp, a baixa autoestima


desses discentes na vida universitária, destacando um sentimento de
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branqueamento durante o período estudantil, muitos afirmaram que não


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declaram ser beneficiados do programa por medo de serem discriminados.


Conclui que apesar da democratização do acesso ao ensino superior ser um
avanço é preciso considerar as condições de permanência destes sujeitos
nestas instituições, de modo a contemplar as dificuldades destes alunos com
relação a socialização e a vida acadêmica.

Pereira (2011) em sua tese de Doutorado, discute sobre o processo de


implantação de Bônus em uma universidade pública, com foco nas origens de
conflitos, seus enfrentamentos e o impacto destas políticas para os professores
e seus estudantes. Apresenta como a universidade se preparou para receber
estes alunos e a presença do racismo, preconceito e discriminação no interior da
instituição, sendo qual postura adotada para lidar com as diferenças no campus.

Concluiu que os estudantes e professores entrevistados concordam com


a adoção de Bônus pela Universidade, porém não há uma mudança substancial,
os sujeitos ainda veem a universidade como branca e com pouca diversidade.
Com relação ao acolhimento destes alunos, a autora indica que não houve ações
específicas e que isto implicaria nas dificuldades e nos sofrimentos vividos pelos
discentes. Quanto aos professores do curso de Pedagogia, a autora relata que
eles não discutem a temática em sala de aula, constatando um silêncio em torno
da temática.

Os limites da consciência racial impostos pelo paradoxo


identitário contribuem para fragilização da política
afirmativa. Os estudantes ocultam a identidade, se
escondem, não se organizam e não participam de eventos
relacionados à causa identitária. Esse ocultamento
favorece a não participação e a apoliticidade (PEREIRA,
1671

2011, p.242).
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Doebber (2011) investiga as práticas postas da Universidade Federal do


Rio Grande do Sul para os estudantes autodeclarados negros, ingressantes do
Programa de Ação Afirmativa e quais os efeitos dessas práticas na constituição
desses estudantes.

Estudo qualitativo com vertente pós-estruturalista utilizando de algumas


ferramentas como as definições de identidade, diferença e ex/inclusão. Faz
análise das práticas institucionais também pelo mapeamento de projetos
acadêmicos, de registro de diário de campo e entrevistas com os estudantes,
gestores e professores coordenadores de curso. Entrevista com 10 alunos
cotistas sobre estes temas.

Apresenta o processo de implantação do Programa de Ações Afirmativas


da UFRGS que instituiu em 2007 a reserva de 30% de suas vagas aos
estudantes oriundos de escola pública e destas, metade para alunos
autodeclarados negros. O programa foi avaliado todo ano e estipularam sua
renovação a cada cinco anos, dos cursos de Engenharia Elétrica e Pedagogia.

Desde sua criação até a presente pesquisa, a autora mostra que


houveram avanços na política, tais como: maior visibilidade do programa, apoio
à permanência, criação de ouvidoria, ampliação de oferta de benefícios. Apesar
desses avanços ainda há demandas com relação à permanência, apoio
pedagógico, espaços para diálogos e promoção da visibilidade do Programa.

Alguns programas foram criados para contribuírem no ingresso e


permanência destes alunos:

a) Âmbito pedagógico
Houve mais discussões sobre a evasão e repetência após a aprovação
1672

do Programa, sendo criados dois programas em 2010: Projeto de


Recuperação e Estudos Intensivos e o Programa de Apoio à Graduação.
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Também em 2010 ocorreu um programa de capacitação dos servidos


públicos para atendimento destes estudantes e uma capacitação sobre a
diversidade na universidade.
b) Âmbito da Assistência Estudantil
No ano de 2008, primeiro ano de Ações Afirmativas na UFRGS haviam
vários programas de assistência estudantil devido ao PNAES, verba do
governo federal destinada a esta demanda.
c) Âmbito da extensão universitária
Programa Conexão de Saberes: diálogos entre a universidade e as
comunidades populares contou com muitos estudantes que realizaram
ações de extensão e pesquisas nas comunidades do Rio Grande do Sul;
Programa de Educação tutorial/ PET – conexões de saberes o intuito do
programa é propiciar experiências de formação pedagógica, extensão e
pesquisa;
Projeto Conversações Afirmativas consistiu na roda de conversa com a
comunidade acadêmica e externa sobre Ações Afirmativas
d) Bolsas acadêmicas
Além dos programas já existentes na modalidade de iniciação científica,
a pró-reitoria lançou o Pibic/AF. Bolsas de iniciação cientifica destinadas
aos alunos das políticas de Ações Afirmativas.

Com relação ao acolhimento a autora destaca que os alunos são


acolhidos nos cursos, porém por serem tímidos não são incluídos totalmente, por
diferenças como compreendem a Universidade como um espaço para estudos,
deixando as relações entre os pares de lado.

A autora concluí que a instituição tem poucas políticas de permanência


1673

para estes estudantes e, que essas não são focos de avaliação, o que muitas
vezes não se investe na ampliação e qualificação, por que a instituição entende
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que depois do ingresso, o estudante deve ser tratado igual aos outros
ingressantes.

As estruturas dos cursos permaneceram inalteradas tendo sofrido poucas


alterações, demonstrando que os discentes precisam se transformar e se
encaixar aos moldes da vida acadêmica.

Araújo Neto et al (2012) apresentam que não há uma divulgação ampla


sobre o Sistema de Cotas, por isso a baixa procura por esse ingresso. Os
estudantes entrevistados comentaram que não se sentem discriminados pelos
colegas por serem egressos de escolas públicas, pois todos se submetem ao
mesmo processo seletivo, portanto a seleção é igual para todos.

Um dos fatores para dificuldade de permanência nos cursos de


Enfermagem e Odontologia analisados por Araújo Neto et al (2012) foram a
aquisição dos materiais para desempenho das práticas durante os cursos, na
opinião dos estudantes a instituição deveria disponibilizar estes materiais como
empréstimos para os discentes cotistas.

Concluem com possíveis intervenções para minimizar as dificuldades


apresentadas, tais como: oferecer bolsas para acadêmicos que delas
necessitem; intensificar o apoio psicopedagógico e a implantação de um
Programa de Avaliação das Ações Afirmativas.

Para Mayorga e Souza (2002), o tripé alimentação, moradia e trabalho


(oriundos de bolsas para assistência estudantil) não é suficiente para intervir no
aspecto da permanência acadêmica dos alunos ingressantes por meio das
cotas. O que as autoras destacam é a necessidade de se repensar as políticas
de permanência, mesmo apresentando os benefícios das bolsas de assistência
1674

estudantil, a vida cotidiana acadêmica implica em diferentes aspectos e exige


acesso à outros meios, como grupos de pesquisa, pesquisas de iniciação
Página

científica, os quais muitas vezes acabam por exclui-los destes espaços.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de implementação do programa de Ações Afirmativas


convergiu em vários aspectos a partir daquilo investigado e analisado nos
artigos, teses e dissertações selecionados para este levantamento bibliográfico.
De modo geral, as publicações feitas a partir de trabalho de campo demonstram
que há uma relevante ampliação do acesso de estudantes negros, indígenas e
pertencentes às camadas populares, o que se avalia como positivo, entretanto,
os autores apontam para o grande desafio da permanência dos estudantes na
universidade, a chamada inclusão excludente (acesso, sem garantia de
permanência) (CARVALHO, 2010).

Decorrentes dos apontamentos citados a partir do levantamento


bibliográfico, o dilema da permanência acadêmica, ainda persiste nas
conclusões das publicações, já que o acesso à universidade está garantido por
meio do programa de Ações Afirmativas. Tendo em vista que muitas
universidades (UFRS, UFMA, UFPE, UnB, UFMG) tenham se movimentado, os
trabalhos apontam que o aspecto da assistência ainda é muito forte,
prevalecendo em relação ao acompanhamento acadêmico. Portanto, sugerem
políticas que superem estas dificuldades.

Nos chama atenção que muitas universidades já estão em processo de


reconhecimento da política de cotas, entretanto, analisamos que para
concretizar o processo de implementação, é necessário que antes se efetive o
processo de implantação da lei. GOMES (2012), analisa que existe uma
diferença entre implantar uma lei, e implementa-la. Antecedente a
1675

implementação, a lei é antes implantada, isso quer dizer que há um caminho a


ser percorrido entre os dois conceitos, respectivamente relacionados ao
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processo de criação e execução da lei, e a partir deste trabalho, ao analisar as

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publicações, notamos que as universidades brasileiras, estão ainda em processo


de aplicar a lei, mas sem ainda enraíza-la, garantindo condições diferenciadas
para os estudantes oriundos dos sistemas de cotas.

De todo modo, as universidades devem responsabilizar-se cada vez mais,


e tratar de incluir os estudantes cotistas na rotina acadêmica das instituições.
Embora garantir alimentação, moradia e transporte seja de suma e indiscutível
importância, a política de ações afirmativas, reconhecida como uma política de
equidade, só fará sentido se nas universidades os estudantes partilharem de
todos os mesmos espaços, o que as publicações demonstram que não vem
ocorrendo.

Essa discussão é necessária e se torna muito relevante ao pensarmos na


construção de nosso país e considerarmos o percentual de negros que ocupam
a população brasileira. Segundo alguns autores e por uma concepção mais
radical de negritude, considerando todos os afrodescendentes, “o Brasil ocuparia
a segunda posição, (entre as nações em número de negros), com 50,6% de
190milhões de habitantes, ou seja, 96 milhões de pessoas, imediatamente após
a Nigéria.” (RODRIGUES, 2011, p.14). Obviamente existem variações quanto
aos números e as porcentagens, uma vez que o pertencimento étnico e racial
das pessoas é identificado de modo mais subjetivo, entretanto, nos cabe a
compreensão e aceitação de que o Brasil é um país predominantemente
marcado por negros, e a educação, assim como o programa de ações afirmativas
partilham de um mesmo eixo, o princípio da igualdade.

Analisar as publicações que fazem trabalho de campo, e observar por


meio das entrevistas realizadas que as universidades estão ainda em processo
de implementação da lei de cotas, nos faz refletir sobre o atraso social que a falta
1676

de uma formação de nível superior causa na sociedade. Santos (2014) constata


que até recentemente, mesmo considerando a ampliação do acesso aos cursos
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superiores no Brasil, os negros que possuem “prestígio social” por meio do


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trabalho, são profissionais liberais. Demonstra assim que a formação acadêmica


ainda está aquém da trajetória profissional da população afrodescendente.

Não queremos, contudo, generalizar a população negra brasileira às


profissões liberais e a falta de escolaridade, mas também, não podemos negar
que existe uma grande diferença se compararmos o grau de escolaridade de
famílias brancas e negras. A discussão, portanto, torna-se indispensável para
compreendermos a maneira que o país conduz a educação e proporciona os
direitos básicos da população.

Por meio deste trabalho, incorporamos o conceito de “inclusão


excludente” ao considerar a maneira que as universidades trataram de absorver
o programa de ações afirmativas. Assim como muitas outras políticas brasileiras,
o processo de efetivação é muito lento e superficial, considerando, por exemplo,
a Lei nº10.639/200389 que após mais de dez anos de implantação, é
desconhecida por muitos educadores.

Queremos, com isso, dizer que somente “na última década do século XX
é que os negros começaram a ser lentamente absorvidos pelo sociedade de
consumo e pelo sistema político” (RODRIGUES, 2011, p.15). Assim, se
considerarmos o processo de inserção dos negros na sociedade, reconhecemos
que, infelizmente, tardamos demasiadamente em oferecer-lhes as condições
mínimas e uma estrutura básica para uma vida normal.

Portanto, após constatar que existe uma dicotomia ao referenciarmos o


processo de implementação da Lei 12.711/2012 no que diz respeito ao acesso
e à permanência, notamos que para os órgãos governamentais/educacionais
(como as universidades) a preocupação volta-se para a ampliação das vagas (o
1677

que de nenhum modo é visto como negativo), mas, o enfoque em promover a


Página

89
Dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira em todos
os sistemas de ensino brasileiros. (BRASIL, 2003)
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permanência dos estudantes, fazendo-os integrantes da vida acadêmica, não se


envergonhando por serem “cotistas” e aprendendo o valor de sua história e
cultura, não é, como apontado, instancia primeira nas universidades.

Para finalizar, apontamos como limitações deste trabalho o enfoque único


em analisar as publicações de forma exaurida (levantamento bibliográfico), e não
voltar o trabalho a apresentar quais apontamentos estão relacionados ao
identificarmos os motivos da não permanência. Não justificamos, entretanto a
falta de relevância do trabalho, por tratar-se de um tema atual e indispensável
na educação brasileira.

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THIAGO VIDAL RICARDO
CLASSES SUBALTERNAS: O PAPEL DO ENSINO TÉCNICO E PROFISSIONALIZANTE NA DIVISÃO
SOCIAL DO TRABALHO

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT6


DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

CLASSES SUBALTERNAS: O PAPEL DO ENSINO


TÉCNICO E PROFISSIONALIZANTE NA DIVISÃO
SOCIAL DO TRABALHO
1683

THIAGO VIDAL RICARDO

Bacharelando em Ciência Política pela Unirio. E-


Página

mail: t_vidal@rocketmail.com

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TRABALHO
THIAGO VIDAL RICARDO
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SOCIAL DO TRABALHO

RESUMO

O presente artigo busca entender como os programas de reforma da educação


no Brasil, em especial aqueles que criam os cursos técnicos e
profissionalizantes, contribuíram para o aumento da desigualdade e uma reserva
de mercado para as classes burguesas. Tentaremos mostrar que a ideologia
inserida no argumento de formar uma mão de obra especializada que atenda às
necessidades do mercado, oculta o interesse das classes dirigentes na
manutenção do status quo, contribuindo para uma divisão social do trabalho,
onde, as classes subalternas têm um papel bem definido e inerte. Faremos uma
construção histórica das leis e programas de nível federal que tratam do tema da
educação técnica e profissionalizante. Em seguida faremos um debate teórico
entre autores das correntes marxistas das políticas públicas e da educação. Ao
final pretendemos compreender como as políticas públicas no âmbito da
educação cumprem seu papel de Aparelho Ideológico do Estado.

ABSTRACT

The present article aims to understand how the educational reform programs in
Brazil, those which created the professionalizing and technical courses in
particular, contributed to the rising of inequality and a market reservation for the
bourgeoisie class. We attempt to show that the ideology within the argument of
building a skilled labor class that answers the needs of the market, hides the
ruling class interest in maintaining the status quo, which contributes to a social
division of labor where low classes play a well-defined and inactive role. Then,
1684

we’ll make an historical construction of the federal level programs that attend the
technical and professionalizing educational. We’ll make a theoretical debate
Página

between authors of the Marxist educational and public policy field. In the end,
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SOCIAL DO TRABALHO

we’ll try to comprehend how the policies in the educational framework fulfill their
role as an Ideological State Apparatus.

HISTÓRIA DAS LEIS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO TÉCNICA E


PROFISSIONAL NO BRASIL

Com o decreto 7566 de 23 de setembro de 1909, surgem as primeiras


escolas técnicas no Brasil. Seu objetivo não era apenas desenvolver os filhos da
classe proletária com o preparo técnico e intelectual, mas mantê-los afastados
do ócio, do crime e do vício. Foram criadas 19 Escolas de Aprendizes Artífices
que deveriam funcionar em tempo integral, atendendo a jovens entre 10 e 13
anos (BRASIL, 1909).

Na década de 1930, é criado o Ministério da Educação e da Saúde, desde


então a educação começa a se tornar uma questão institucional e nacional. Com
a constituição de 1934 começa a se esboçar a preocupação de criar um sistema
nacional de educação, a partir da exigência de se estabelecer as diretrizes
educacionais.

É importante destacar que no artigo quinto, inciso XIV, a constituição de


1934 destaca a necessidade de “traçar as diretrizes da educação nacional”
(BRASIL, 1934). Ela destacava ainda – no seu artigo 150 – a importância de se
criar um ensino em todos os graus, ramos, sejam eles comuns ou
especializados, competindo ao Conselho Nacional de Educação, a criação do
plano nacional de educação.

No entanto, o dispositivo constitucional não chegou a se efetivar e se


tornar um plano, uma lei ou um programa educacional neste período.
1685

Com a constituição de 1937 no seu artigo 129, indústrias e sindicatos


ficam obrigados a oferecer ensino técnico através das escolas de aprendizes
para os filhos dos seus operários e associados. Essas escolas de aprendizes
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TRABALHO
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SOCIAL DO TRABALHO

são transformadas em Liceus industriais, que passam a trabalhar em sintonia


com a expansão das indústrias. O objetivo era formar uma mão de obra
qualificada – tão escassa naquele momento –, para auxiliar a demanda das
indústrias.

Com as reformas educacionais de 1942 e 1946, em especial a de 1942,

...o então ministro da Educação e da Saúde, Gustavo


Capanema promoveu uma profunda reforma no sistema
educacional brasileiro, que equiparou o ensino profissional
e técnico ao nível médio. Na mesma ocasião, os Liceus
Industriais passaram a se chamar Escolas Industriais e
técnicas (EITs) (MEC, 2011).

A partir das “Reformas de Capanema” e do Decreto-Lei nº 4.244 de 09 de


abril de 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) foi criado.
Já o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial –, só foi criado com
os Decretos-Leis 8.621 e 8.622 de 1946. Não trataremos especificamente do
sistema “S” neste artigo, no entanto, identificamos a importância de situar sua
fundação para uma compreensão mais ampla da “arquitetura institucional”
idealizada pelo Governo.

Em 1947 foi formada uma comissão composta por Fernando de Azevedo,


Lourenço Filho, Padre Leonel Franca e Alceu de Amoroso Lima, sob a orientação
do Ministro da Educação, Clemente Mariani, para elaborar a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) – primeira vez que a expressão “diretrizes e bases” é
utilizada – que foi arquivada em 1949, sendo aprovada apenas 13 anos depois
em 1961 (SAVIANI, 2004).
1686

O projeto de lei que começa a ser desenvolvido em 1947 tinha um caráter


descentralizador que colidia com a constituição. Seu retorno se dá – segundo
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TRABALHO
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SOCIAL DO TRABALHO

Saviani por motivação tipicamente partidária de Carlos Lacerda (SAVIANI, 2004,


p.14).

A chegada em 1961 da Lei de Diretrizes e Bases nº 4.024 acabou por não


mudar de fato o cenário da educação técnica no Brasil. A seguinte lei estabelecia
em seus artigos 47, 48, 49, que a abrangência do ensino deveria contemplar os
setores industrial, agrícola e comercial, devendo seus diplomas ser registrados
pelo Ministério da Educação e Cultura, sendo ministrados, no caso do ginasial
em 4 anos e do colegial em 3 anos no mínimo. A formação deveria contemplar
ainda, disciplinas técnicas específicas, bem como disciplinas do curso ginasial e
optativas.

A lei permite ainda, em seu artigo 50, a criação isolada de cursos de


técnicos. No artigo 51, a referida lei obriga que empresas industriais e comerciais
cooperem com o aprendizado técnico de menores empregados.

A legislação obrigava – em seu artigo 36 –, que o ingresso do aluno no


primeiro ciclo do ensino médio acontecesse por meio de um exame de admissão.
E no artigo 19, restringia o acesso de alunos reprovados mais de uma vez em
qualquer série ou conjunto de disciplinas, aos estabelecimentos oficiais de
ensinos médio e superior. A lei fazia menção à insuficiência das escolas e
assegurava a não obrigatoriedade escolar do menor em caso de pobreza do pai
ou responsável. O texto não previa nenhum mecanismo para transpor esses
obstáculos.

No entanto, segundo Ciavatta,

As leis de equivalência vieram como um movimento contra


hegemônico, apesar de ser demanda de pais, das famílias,
1687

das pessoas que queriam dar continuidade aos estudos.


Naquele momento, a LDB (4.024/61) dará plena
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equalização a cursos técnicos e a cursos de formação


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TRABALHO
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SOCIAL DO TRABALHO

geral, os colegiais, clássico e científico, e posteriormente


denominado somente ensino técnico (CIAVATTA, 2014, p.
59-60).

A lei (5.692/71), em seu artigo 5, estabeleceu que o sistema de ensino,


deveria ser dividido em duas partes. No primeiro grau, a educação deveria ser
geral, no segundo grau ela deveria ser especial, oferecendo assim a habilitação
profissional, em consonância com as aptidões dos alunos, bem como as
necessidades do mercado de trabalho local. No artigo 6, a lei garante ainda que
empresas possam, em regime de cooperação, participar da especialização dos
alunos.

O que se verificou – segundo Ciavatta (2014) –, foi uma ilusão, ao passo


que o Estado logo depois, fica desobrigado de oferecer o ensino profissional,
passando a ser opcional. As escolas particulares passam a fazer manobras para
não oferecer o ensino técnico e mantê-lo como um ensino “normal”. É importante
termos em mente que, as classes dominantes não queriam para seus filhos, uma
formação técnica, seu objetivo era que seus filhos obtivessem uma formação
universitária.

A regra seria então o ensino profissional para todos, o que se configurou


uma falácia.

Ao justificar a profissionalização universal e compulsória do


ensino de segundo grau, o relatório do Grupo de Trabalho
que elaborou o texto dessa lei critica o dualismo anterior do
ensino médio aludindo ao slogan ”ensino secundário para
os nossos filhos e ensino profissional para o filho dos
1688

outros”. Com esse slogan o Relatório estava sugerindo que


as elites reservavam para si o ensino profissional destinado
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CLASSES SUBALTERNAS: O PAPEL DO ENSINO TÉCNICO


E PROFISSIONALIZANTE NA DIVISÃO SOCIAL DO THIAGO VIDAL RICARDO
TRABALHO
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CLASSES SUBALTERNAS: O PAPEL DO ENSINO TÉCNICO E PROFISSIONALIZANTE NA DIVISÃO
SOCIAL DO TRABALHO

ao exercício das funções subalternas (SAVIANI, 2004, p. 6-


7).

Após enfrentar vários percalços, a lei (5692/71) acaba sendo revogada


pela Lei 7.044 de 1982. A partir de então, o ensino profissionalizante deixa de
ter caráter universal e obrigatório. A constituição de 1988 não significou um
avanço ou retrocesso em relação ao tema do ensino técnico e profissionalizante,
o que não quer dizer que não tenha havido na década de 1980 um debate mais
amplo sobre educação no Brasil que se deu através das CEBs – Conferência
Brasileira de Educação.

É na lei (9.394/ 96) que surge o tema da educação continuada de jovens


e adultos, oferecendo oportunidade de ensino gratuito, àqueles que não tiveram
oportunidade de estudos em idade própria e, mantém o ensino técnico como
opção de ensino regular aos alunos em idade regular.

No ano seguinte, o decreto 2.208/97 reestabeleceu a dualidade do ensino


técnico e formação humanística, tornando compulsória a educação profissional,
aumentando de 3 para 4 anos o tempo de formação, para que se articule cultura,
trabalho e ciência. No caso dos Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFETs), passou-se a ofertar cursos superiores tecnológicos com o objetivo de
servir como um desenvolvimento da aprendizagem técnica. Apenas em 2004 o
decreto 2.208/97 foi revogado. A despeito do que foi dito, este decreto acabou
por não produzir efeitos.

A revogação do decreto 2.208/97 se dá com a entrada em vigor do decreto


5.154/04 que, ao contrário do decreto anterior que tornava a educação
profissional compulsória, estabelece a complementariedade do ensino técnico e
1689

profissional, eliminado a obrigatoriedade deste ensino.


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Ainda no mesmo ano, a lei 10.880/04 cria o PNAES – Programa de Apoio


aos Sistemas de ensino para o Atendimento à educação de Jovens e Adultos –,
com o objetivo de ampliar a oferta de vagas em cursos presenciais.

Com a lei 11.129/05, foi instituído o Programa Nacional de Inclusão de


Jovens, em caráter emergencial e experimental, tendo como prazo final, o
período de 2 anos, sendo avaliado no final do primeiro ano, podendo ser
prorrogado por mais 2 anos. O objetivo do programa é promover e executar
ações que visem à integração de jovens entre 18 e 24 anos, que não tenham
concluído a oitava série.

O estabelecimento da modalidade de ensino à distância ocorreu com o


decreto 5.622/05. Ele definiu e estabeleceu as normas de ensino à distância no
país, em todos os níveis, inclusive o ensino técnico e profissional.

Em 2006, surge então o Programa de Integração da Educação


Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos (PROEJA), através do decreto 5.840/06. O referido programa tem como
objetivo a formação inicial e continuada de trabalhadores – jovens e adultos –,
visando sua formação profissional. Ele reserva ainda um mínimo de 10% de
vagas nas instituições federais para o programa e, assegura que as instituições
ofereçam cursos em conformidade com as demandas de serviço locais e
regionais.

O decreto 6.301/07 estabelece o Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil


– e-Tec Brasil –, que visa à expansão e a democratização de cursos técnicos
para o interior do país e para a periferia das grandes metrópoles. Seu objetivo é
o de oferecer ensino técnico e profissional para jovens e adultos e, egressos no
1690

ensino médio. Para isso, se faz necessário o desenvolvimento de uma


metodologia própria, contando com a contribuição de todos os entes federados
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e conta também como o financiamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento


da Educação (FNDE).

Já o decreto 6.302/07 institui o programa Brasil Profissionalizado, que


busca estimular integração do ensino médio com o técnico, numa formação
técnico-humanística. Seu objetivo era o de articular a formação geral e a técnica,
em conformidade com as vocações locais e regionais. O programa contava ainda
com a proposta de expandir, reestruturar e qualificar o ensino, fomentando o
estágio e a aprendizagem e promovendo o retorno de jovens e adultos a escola.

Com o parecer CNE/CEB nº23/2008 a idade mínima para ingresso no EJA


– Educação de Jovens e Adultos passa de 18 para 15 anos na modalidade
presencial e de 18 anos na modalidade EAD – Educação a Distância.

O Programa nacional de Inclusão de Jovens – Projovem –, criado pela lei


11.129/05 – que tinha como objetivo, promover e executar ações, que visem à
integração de jovens entre 18 e 24 anos, que não tenham concluído a oitava
série; sendo o programa inicialmente idealizado em caráter emergencial e
experimental, tendo como prazo final 2 anos, sendo avaliado no final do primeiro
ano, podendo ser prorrogado por mais 2 anos – e regulamentado pelo decreto
6.629/08, tem como modalidades a partir de então, o Projovem adolescente,
Projovem urbano, Projovem Campo e Projovem Trabalhador. O programa tem
como objetivo a reintegração de jovens de 15 a 29 anos, ao processo
educacional e à qualificação profissional.

Diferentemente de outros programas vistos até aqui o Projovem tem um


caráter mais socioeconômico, dialogando com outros ministérios, tendo em vista
o combate à fome, a formação cidadã. O programa oferece ainda um auxílio
1691

financeiro de 100 reais para os beneficiários.

Na modalidade Projovem Adolescente, são atendidos jovens de 15 a 17


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anos que pertençam às famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família – PBF


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–, egressos de medidas socioeducativas, egressos ou em cumprimento de


medidas de proteção, egressos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI) e egressos de programas de combate ao abuso ou exploração sexual.

Na modalidade Projovem Urbano, o objetivo é a elevação do nível de


escolaridade, formação profissional e prática cidadã de jovens entre 18 e 29 anos
que não tenham concluído o ensino fundamental e sejam alfabetizados. O
programa prevê ainda oferta de vagas para portadores de necessidades
especiais.

Na modalidade Projovem do Campo, o objetivo é a educação


fundamental, social e profissional de jovens e adultos da agricultura familiar,
entre 18 e 29 anos, que saibam ler e escrever e não tenham concluído o ensino
fundamental.

Na modalidade Projovem Trabalhador, o objetivo é a formação de jovens


de 18 a 29 anos, desempregados, pertencentes a famílias com renda per capita
de até um salário mínimo, que tenham iniciado o ensino fundamental e tenham
terminado o ensino médio, mas não tenham ingressado no ensino superior.
Nesta modalidade se busca a preparação do jovem para a obtenção de vínculo
empregatício e sua inserção no mundo do trabalho.

Com o decreto 7.589/11 fica instituída a rede e-Tec Brasil, idealizado em


2007 e que agora conta com polos de Educação a Distância e polos presenciais
em instituições de ensino, municipais, estaduais, instituições públicas que
ofereçam cursos de ensino profissional e tecnológico, assim como nas unidades
de ensino do “Sistema S”.

Com a lei 12.513/11, fica instituído o Programa Nacional de Acesso ao


1692

Ensino Técnico e Emprego – Pronatec. Seu objetivo é ampliar a oferta de


educação profissional e tecnológica. Para isso, o programa visa fomentar,
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interiorizar, democratizar e expandir o acesso e aumentar a qualidade do ensino


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técnico no país. Seu público alvo são estudantes da rede pública, da educação
de jovens e adultos, trabalhadores, beneficiários de programas federais de
transferência de renda.

Além do fomento à ampliação da oferta de vagas em cursos técnicos, o


programa prevê ainda a oferta de bolsas e a articulação dos estudantes com o
Sistema Nacional de Emprego, além de estimular a ampliação do acesso de
estudantes com deficiência.

O parecer CNE/CEB nº11/2012 define as Diretrizes Curriculares para a


Educação Profissional Técnica de Nível Médio, que entre outras coisas
estabelece que o ensino deve ser desenvolvido de forma articulada, para
aqueles que estejam cursando o ensino fundamental e médio, e de forma
subsequente, para aqueles que já tenham concluído o ensino médio além de
estabelecer também, uma reestruturação curricular.

A partir do decreto 7.824/12, criou-se o sistema de cotas para o ingresso


de alunos em cursos técnicos e profissionalizantes. Ficou instituído que as
instituições federais deveriam reservar no mínimo 50% das vagas para negros,
pardos, indígenas, alunos de baixa renda e estudantes de escola pública. O
ingresso se dá pelo Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM.

Em 2013 é criado o Sisutec – Sistema de Seleção Unificada da Educação


Profissional e Tecnológica –, pela portaria nº671/13, que visa possibilitar o
acesso de estudantes egressos do ensino médio, a vagas em cursos técnicos
gratuitos.

Com o decreto 8.268/14, se reitera a importância da qualificação


profissional – inicial e continuada –, com a articulação entre educação e trabalho.
1693

Com a portaria nº 817/15, ficam estabelecidas as normas para execução do


Bolsa Formação, que contemplam estudantes em idade própria a sua formação,
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jovens, adultos e trabalhadores para a formação continuada. O objetivo do


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programa é a formação técnica de jovens e adultos, para uma melhor inserção


no mercado de trabalho, visando atender as demandas do mercado. É neste
momento que surge o Pronatec Eja, como uma modalidade do Bolsa Formação.

O programa visa o custeio de todas as despesas relacionadas ao curso –


como material didático, uniformes, entre outros –, assistência estudantil. Seu
público alvo são jovens e adultos beneficiários de programas de transferência de
renda, indígenas, deficientes, estudantes de escola pública, beneficiários de
seguro-desemprego, trabalhadores domésticos, trabalhadores não
remunerados, autônomos, agricultores, pescadores, entre outros. Os cursos
poderão ser ofertados em instituições públicas, na modalidade Educação à
Distância, em instituições privadas e sistema “S”.

Com portaria 1.152/15, são dadas algumas disposições para o e-Tec


Brasil, que entre outras coisas, dispõe sobre o e-Pronatec que visa à oferta de
vagas do Pronatec na modalidade EAD. Em 2016, o objetivo do Pronatec, o
principal programa qualificação técnica e profissional, é a oferta de 2 milhões de
vagas. Com a chegada do governo de Michel Temer, o atual Ministro da
Educação, Mendonça Filho, afirma que irá manter e ampliar o número de vagas
ao Pronatec.

UM OLHAR TRANSVERSAL SOBRE O DILEMA DA EDUCAÇÃO TÉCNICA E


PROFISSIONALIZANTE

Podemos perceber ao revisitar a legislação sobre educação técnica e


profissional, que o argumento que justifica sua existência como tal, sempre foi o
mesmo. No decreto 7566 de 1909, a justificativa era a de manter os filhos das
1694

classes proletárias afastadas do ócio e do vício. Ciavatta afirma que,


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A educação profissional tem sido utilizada como estratégia


de hegemonia política da educação, convencendo-se os
próprios trabalhadores de que a formação dos seus filhos
para o trabalho é melhor do que eles estarem na rua
(CIAVATTA, 2014. P.52).

O objetivo deste tipo de argumento é obter e reforçar o consenso sobre


as vantagens de do ensino técnico e profissional, para o trabalho especializado,
ao passo que, uma formação geral ou humanística, não seria útil se eles não têm
uma formação para o trabalho (CIAVATA, 2014).

Para Lobo Neto, “a nomenclatura ‘educação profissional’ esconde seu


contrário – uma política de formação estreita e desvinculada de uma concepção
de educação ‘omnilateral’ do ser humano historicamente situado” (NETO, 2006,
p. 170). A leitura a seguir de um trecho de Paolo Nosella, irá contribuir para a
compreensão do argumento a ser apresentado.

“A função estratégica do ensino médio justifica-se também pela função


estratégica do setor médio da estrutura social da nação. Existe uma íntima
relação político-cultural entre a escolarização média e a elevação social deste
setor” (NOSELLA, 2015, p.124).

O que está em questão, é divisão que se faz, onde a educação profissional


ou qualificação, orientada para o trabalho manual e técnico, tem como objetivo
a formação de uma classe proletária, e do outro lado uma escolarização, um
ensino humanístico que visa formar outra classe, a classe dirigente (FRIGOTO,
2013) E (GRAMBOWSKI; KUENZER, 2006).

O debate sobre ensino humanista, desinteressado e escolarização,


1695

versus ensino técnico, profissionalizante e qualificação, à luz dos estudos


marxistas – antecipando o debate –, nos remete ao pensamento de Antônio
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Gramsci. É importante notarmos que Gramsci escreve em um contexto de


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profunda fragmentação cultural na Itália, onde o objetivo de intelectuais da época


era o da unificação cultural do país. Não iremos discorrer sobre o debate
semântico entre scuola unica e scuola unitaria, que ocuparia muito espaço em
nossa discussão. Para autores da época era necessário a elaboração de um
projeto geral, que visasse à unificação nacional, a partir de um sistema de
reformas no ensino, eliminando a distinção entre o tradicional Liceu clássico, com
ensino de latim, grego e o ensino profissional.

É interessante observar que o debate entre marxistas se dava entre


reformistas – e entre eles, Giovanni Gentile, que segundo Nosella (2015), era um
dos principais interlocutores de Gramsci –, e maximalistas, do qual Gramsci –
apesar de ter suas ressalvas, quanto ao imobilismo dos maximalistas, fazia
parte. Em sua obra La nuova scuola média, Gentile afirma que enquanto os
alunos não amadurecerem e forem capazes de compreender a cultura humana
e a cultura geral, eles não estarão preparados para escolher uma profissão a
seguir, de forma livre e autônoma (GENTILE, 2003).

Gentile utiliza termos chocantes ao falar o sistema de ensino na Itália.


Para o autor ao se subtrair os melhores alunos resta o estorvo. Gentile explica
que o termo “estorvo”, que em italiano é zavorra, tem uma conotação negativa,
que significa o lastro que os navios levavam e despejavam em alto mar, para
manter a estabilidade. Esse peso morto era admitido pelo Estado que os tolerava
(GENTILE, 2003). Nosella (2015) ressalta que o autor não é contra a criação de
escolas profissionais e técnicas e entende que o modelo não se presta a servir
de “escada para subir de andar” (NOSELLA, 2015, p.130) e entende que “a
subalternidade cultural é a melhor forma para preservar a velha ordem e
contribuir, em parte, com a economia burguesa e no acúmulo de capital”
1696

(NOSELLA, 2015, p.130).

O debate – relembra Nosella –, ainda incluía doutrinas positivistas, não


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mais hegemônicas à época, mas que exerciam forte influência ainda. Para os
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positivistas, o ensino profissional deveria ser ampliado e consideravam o ensino


humanista um sistema inútil. Seu critério era o da utilidade.

Gramsci entendia que se deveria priorizar “a dilatação da intelectualidade


das massas trabalhadoras e, por isso, a escola secundária tradicional devia ser
modernizada e universalizada, não substituída por escolas populares medíocres,
subalternas, de iniciação profissional” (NOSELLA, 2015, p. 132).

Para Gramsci a estratégia das classes dirigentes é a de permitir que as


classes subalternas obtenham algumas conquistas de modo que a revolução
radical-jacobina não ocorra. Sendo assim, para Gramsci o que acaba ocorrendo
é a revolução pelo alto, o que ele denomina de “Revolução Passiva”
(COUTINHO, 2014).

É importante ressaltar o caráter reformador contido na revolução passiva.


Ela impede ou retarda que a revolução jacobina ocorra. Esse artifício levaria à
hegemonia da classe dirigente, não apenas pela coerção ou controle econômico,
mas, com o elemento do consenso. Há, no entanto, uma ideologia oculta, a
manutenção do status quo, de uma divisão de classes. E, para que isso ocorra,
deve-se ter a ideia de que a mobilidade social é possível, dependendo apenas
do esforço individual de cada um. Paollo Nosella ressalta – resgatando Gentile
–, que “A subalternidade escolar não é o largo caminho de acesso à grande
cultura e à direção dos destinos da nação, e sim uma estratégia de preservação
de diferenças, de acomodação social e também de exploração de mão de obra
juvenil” (NOSELLA, 2015, p. 130).

Frigotto afirma – ao olhar para nossa história – que o projeto idealizado


pela classe burguesa de nosso país não contempla uma formação geral,
1697

humanística para todos, pois, o objetivo das classes dominantes é formar uma
massa de cidadãos produtivos, com olhos e mão aguçados para o trabalho
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técnico especializado (FRIGOTTO, 2007). Isso se alinha com o objetivo

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desenvolvimentista brasileiro, mas, sem que se altere a estrutura social. Para


Florestan Fernandes o conflito entre as classes acabaria por ser superado em
um acordo, uma conciliação de interesses, onde o arcaico se moderniza não
permitindo uma ruptura (FERNANDES, 2005).

O que percebemos no Brasil, é que vivemos em uma sociedade de


classes, onde a apropriação privada do produto do trabalho coletivo se dá de
maneira concentrada (CIAVATTA, 2014). A história recente nos mostrou que é
possível crescer sem distribuir renda, ser reduzir a desigualdade, sem geração
de emprego, concentrando capital (FRIGOTTO, 2007). O que muitos autores
marxistas vão dizer, é que estamos na fase monopolista do capital. Essa ideia
de um elitismo, de um monopólio, originário na formação educacional da
sociedade pode ser vista nas palavras de Durmeval Trigueiro Mendes que
Ciavatta destaca em seu texto.

Se se pode promover uma sociedade com cem ou mil


pessoas exercendo o papel diretorial, porque educar dez
milhões ou cem milhões para exercer a democracia? Se o
“desengrossamento” do povo até a limpidez é tão
dispendioso e incerto, porque não admitimos a meia
educação? (MENDES, 1996, apud CIAVATTA, 2014, p.
55).

Para compreendermos o engano contido no ensino técnico e profissional,


é necessário compreender a importância do tema do desenvolvimento nacional,
no país. Desde o século XIX nossos intelectuais se esforçavam em encontrar
saída para nossa posição de subdesenvolvimento. Alguns teóricos defendiam a
centralização e o controle central – tal como o autoritarismo instrumental de
1698

Oliveira Viana –, autores que defendiam a descentralização e a liberalização


como Tavares Bastos. Autores que encontravam na nossa raiz ibérica os
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problemas de nossa condição como Sergio Buarque de Holanda. Há também o


abolicionismo de Joaquim Nabuco e o pedagogismo de Ruy Barbosa.

Todas essas interpretações do Brasil, sejam elas ensaísticas ou já na sua


fase “mais metodológica” que nos convencionamos chamar de teoria, o tema do
atraso estava sempre presente. O objetivo era superá-lo. Na década de 1970 os
estudos da dependência deram um novo fôlego ao tema que hoje conta também
com estudos mais amplos que interpelam intelectuais e estudos sobre a América
Latina, que contam com chaves analíticas e soluções que poderíamos chamar
de pensadores ou teóricos identitários e cosmopolitas (VALDÉS, 2000) ou, numa
outra chave, nacionais-estadistas e liberais-cosmopolitas. (LYNCH, 2015)

Há, no entanto, na nossa trajetória, um grande número de autores que


entendem que o Brasil está – em relação ao mundo –, numa posição inferior, de
subdesenvolvimento, de dependência e que a educação é o caminho para a
superação desse problema. O que está em jogo é como educar. E, para as
classes dirigentes, a solução sempre foi a mesma desde 1909, perpetuando a
fragmentação.

Outro ponto que acreditamos merecer destaque em nossa discussão,


levantado por Ciavatta,

há certo oportunismo político com relação ao ensino médio


concomitante a educação profissional, porque ele resolve
o problema das escolas estaduais, que tem um nível de
formação inferior à rede das escolas federais e aos
colégios universitários e às grandes escolas privadas
(CIAVATTA, 2014, p. 63).
1699

Essa estratégia levantada por Ciavatta, nos mostra o quão frágil é o nosso
sistema de ensino. Esse nível inferior de que trata a autora está relacionado a
Página

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falta de professores, oferta de vagas, ao passo que em muitas localidades, estas


escolas acabam se tornado as melhores ou até as únicas opções disponíveis.

MARXISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Em sua concepção mais ampla, a política pública é o Estado em ação.


(ARRETCHE, 2003, p. 1) O que nos sugere que o Estado tem o poder de decidir
e agir, através de suas políticas públicas, com o objetivo de interferir na dinâmica
social. Marx e Engels nos dizem que “O executivo no Estado moderno não é
senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”
(ENGELS; MARX, 1998, p. 42). Diante dessas afirmações podemos verificar o
papel de relevo do Estado moderno no capitalismo. Ele é um ator importante na
estrutura capitalista que tem sua base na economia. Gurgel e Justen (2011), vão
buscar em O Capital de Marx a base para sustentar a ideia de que o Estado teve
um papel secundário na história. Para os autores, a burguesia tem um papel
revolucionário, a sociedade civil é o verdadeiro teatro da história (MARX, 2015).

No entanto, esse papel conjunto do Estado e da sociedade civil – neste


caso, a burguesia –, tem como objetivo o controle hegemônico do poder
econômico, base do capitalismo. Para os autores, a burguesia corroeu as bases
da aristocracia, implantou o livre mercado, a acumulação e o lucro (GURGEL;
JUSTEN, 2011). O Estado burguês, por sua vez,

...não constrói, seu papel não é edificar, mas calçar,


despedaçar, despojar, rasgar. Sua gestão consiste
fundamentalmente em destruir os obstáculos ou tudo
aquilo que se levante ou se tente levantar contra o avanço
1700

da propriedade privada, do lucro e da acumulação


(GURGEL; JUSTEN, 2011, p. 3).
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Podemos observar que o Estado age pari passu à burguesia, exercendo


um papel de destaque, se pensarmos que “a ideologia dominante é a ideologia
da classe dominante” (ENGELS; MARX, s/d), podemos perceber como o Estado
– que é o comitê de negócios da classe burguesa –, acaba por utilizar seus
Aparelhos Ideológicos para difundir, e, desta maneira reforçar a ideologia da
classe dominante, consequentemente, seus interesses particulares Interesses
estes que são levados à sociedade como sendo do Estado, que por sua vez,
também pertencem à toda a sociedade.

Nosso objetivo neste artigo não é o de apresentar um mapa das teorias


marxistas, nos limitamos a apresentar os elementos necessários para a
compreensão do papel do Estado como agente das políticas públicas. Sendo
assim, consideramos importante destacar seu papel como Estado gendarme.

Engels (1978) dirá que o Estado não é um poder que se impõe de fora
para dentro, mas antes, um poder que surge da sociedade, em decorrência de
um determinado grau de desenvolvimento. Esse grau de desenvolvimento é o
capitalismo, tanto em sua fase concorrencial, como depois, em sua fase
monopolista. O estado surge com o objetivo de amortecer os conflitos entre as
classes. “O Estado é a confissão de que essa sociedade se enredou numa
irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos
irreconciliáveis [...] faz-se necessário um poder colocado aparentemente por
cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos
limites da ‘ordem’” (ENGELS, 1978, p. 191).

Raymundo Faoro, em seu livro Os donos do poder, publicado em 1957,


afirma que:
1701

O estamento, implantado na realidade estatal do


patrimonialismo, não se confunde com a elite, ou a
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chamada classe política (cap. III, 3), mesmo quando esta

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se esclerosa, incapaz de renovar-se. A minoria governa


sempre em todos os tempos, em todos os sistemas
políticos. A organização, segundo o truísmo que o estudo
de Michels à oligarquia, à “lei de bronze da oligarquia”, os
poucos, eleitos ou cooptados, asseguram um estatuto
próprio de comando, mas não autônomo. O
aparelhamento, empresarial ou estatal, não se confunde
com o poder, sujeito, nos sistemas elitários, à escolha, à
renovação, à mudança, ao movimento circulatório,
pressionado de baixo para cima, nunca limitando a um
quadro fechado. [...] No governo estamental, tal como se
estrutura neste ensaio, há necessariamente, como sistema
político, a autocracia de caráter autoritário e não a
autocracia de forma totalitária. “O conceito ‘autoritário’” –
escreve Loewenstein – “caracteriza uma organização
política na qual um único do poder” – uma só pessoa ou
“ditador”, uma assembleia, um comitê, uma junta ou um
partido – “monopoliza o poder político sem que seja
possível aos seus destinatários a participação real na
formação da vontade estatal” (FAORO, 1989, p. 741).

Não pretendemos aprofundar nas ideias de Raymundo Faoro, apenas


levantar alguns pontos que podemos observar neste trecho. Faoro não entende
a classe política como estamento, nem o aparelhamento empresarial e estatal
como poder decorrente da elite, ele afirma – concordando com Michels –, que o
governo é sempre exercido por uma minoria – oligarquia –, eles possuem
1702

estatutos próprios. Depois ele afirma que no governo estamental, o sistema


político possui caráter autoritário e cita Loewenstein ao afirmar que o poder
autoritário pode ser exercido por um comitê, que monopoliza o poder político.
Página

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No marxismo, a sociedade é estruturada em classes. No Manifesto


Comunista, Engels e Marx afirmam que na história, por quase toda parte, as
sociedades se estruturam em classes distintas. Ele diz também que a história
das sociedades é a história da luta de classes (Engels; Marx, 1998).

Neste sentido, é interessante observar que Faoro identifica que a elite


governa sempre, por meio de eleitos ou cooptados. E, à exerce com caráter
autoritário, podendo ser exercido por um comitê. Apesar de divergirmos quanto
à estruturação da sociedade em estamentos ou classes – apesar de entender
que o conceito de estamento em Faoro, não é exatamente o de classes em Marx
–, outros elementos são importantes para nossa análise.

Essa elite à que se refere Faoro – no capitalismo –, é a mesma que Marx


assinala, é a classe burguesa, que controla a política, que tem o estado como
comitê e se serve do poder autoritário do Estado para agir. Para isso ela irá
dispor dos Aparelhos Ideológicos e Repressivos do Estado.

Os estudos gramscianos podem trazer uma enorme contribuição aos


estudos de políticas públicas. Já tivemos a oportunidade de trabalhar alguns
conceitos de Gramsci, de modo que nos reservamos a fazer um breve debate
sobre o autor neste momento. Para o autor, o controle por parte do Estado na
forma de coerção não se faz mais tão eficiente, seria necessário outro elemento
para que ele mantivesse seu controle, a hegemonia. Para Gramsci, seria
necessário o elemento do consenso (COUTINHO, 2014).

Este consenso só seria possível se as elites dirigentes cedessem às


demandas das classes subalternas. No entanto, o autor deixa claro que essas
demandas atendidas pelo Estado, não eliminariam os privilégios da classe
1703

burguesa (COUTINHO, 2014).

Ao atender demandas da sociedade, o Estado deixa de ser o “Estado


Página

Gendarme” para se tornar o que Gramsci irá chamar de “Sociedade Regulada”.


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THIAGO VIDAL RICARDO
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É o que o autor irá chamar de Estado ampliado, “que se expressa na equação


gramsciana ‘Estado = sociedade política + sociedade civil’, isto é, hegemonia
revestida de coerção” (GURGEL; JUSTEN, 2011, p. 16)

Em seu texto Ideologia e Aparelhos Ideológico do Estado, Louis Althusser,


define o Estado, a partir da teoria marxista-leninista, de Aparelhos do Estado, a
serviço das classes dominantes (ZIZEK, 2010). Althusser faz uma distinção entre
os tipos de Aparelhos do Estado. Para o autor os eles se dividem entre,
Aparelhos Repressivos do Estado (AE), e Aparelhos Ideológicos do Estado
(AIE). (ZIZEK, 2010).

Os AEs, são aqueles que se utilizam da coerção – o que Gramsci


denominou de Estado Gendarme. Já os AIEs são aqueles que operam pela
ideologia que segundo (ENGELS; MARX, s/d), é a ideologia da classe
dominante. Neste sentido, Althusser faz uma lista do que ele considera serem
os AIEs. Dentre eles destacamos o AIE religioso, familiar, cultural e escolar –
que para o autor é o AIE mais importante.

Como temos visto ao longo do texto, há uma relação direta deste tema
com o debate sobre educação técnica e profissional. Nosso artigo tem como
ponto central a crítica do modelo de ensino adotado pelo Estado como um
modelo impregnado de uma ideologia que – para os seguidores da corrente
marxista –, é da classe dominante. Ele minimiza as possibilidades de integrantes
das classes subalternas, chegarem às posições de destaque na sociedade.

Para alguns interpretes desse sistema, o modelo de educação técnica e


profissional implementado no Brasil, contribui para a divisão social do trabalho e
consequentemente, para a divisão da sociedade em classes distintas e amorfas.
1704

Althusser, faz uma contribuição importante no tocante à reprodução das


relações de produção. Para o autor, o que assegura a sua reprodução é a
Página

superestrutura jurídico-política e ideológica (ZIZEK, 2010). Ao pensar sobre o


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modelo de educação técnica e profissional adotado no Brasil, podemos


identificar que ele faz parte dessa superestrutura jurídica, haja vista a extensa
relação de leis, decretos e portarias editadas nesses mais de 100 anos. É
também político pois, além de corresponder às leis idealizadas pelo governo, é
também alvo de políticas públicas, que no âmbito do poder executivo ensejou
ações, programas, projetos de diversos tipos. Além de se constituir agenda de
campanha de partidos políticos.

Outro autor importante ao debate de políticas públicas à luz das teorias


marxistas é o Nico Poulantzas. Em seu livro O Estado, O Poder, O Socialismo
(1980), o autor ressalta que nem todas as ações do Estado são orientadas a
partir das ideologias da classe dominante. Haveria então, uma margem na
atuação do Estado para ações que visem o interesse das classes proletárias.

Para o autor,

o Estado apresenta uma ossatura material própria que não


pode de maneira alguma ser reduzida à simples dominação
política [...] Se o Estado não é integramente produzido
pelas classes dominantes, não o é também por elas
monopolizado” [...] Nem todas as ações do Estado se
reduzem à dominação política (POULANTZAS, 1985,
apud, GURGEL; JUSTEN, 2011, p. 19).

Dessa forma, a afirmativa de Engels e Marx no Manifesto Comunista,


quando eles dizem que o Estado não é nada mais que um comitê para gerir os
negócios da classe burguesa (ENGLES; MARX, 1998, p.42), aqui não se verifica
por completo. Para Poulantzas, as lutas e antagonismos de classe existentes no
1705

seio da sociedade, estão presentes no interior do Estado, na sua estrutura, de


modo que as ações do Estado, acabariam reproduzindo essa luta em seu interior
Página

(POULANTZAS, 1980). Dessa maneira, é possível que o Estado aja de forma a

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atender às demandas da classe proletária, não como Gramsci destaca – como


uma forma de consenso –, mas com o objetivo real de atender aos interesses
das classes subalternas.

Gurgel e Justen (2011), destacam ainda o conflito intraclasses que pode


ocorrer dentro do bloco do capitalismo, ou até mesmo do bloco da classe
proletária. No caso da burguesia, essa ruptura pode ocorrer entre defensores do
capital monopolista e não monopolista, entre produtores e não produtores, etc.
Este ponto se faz importante para podermos compreender que as ações do
estado não correspondem diretamente à um interesse bem definido. Há uma
disputa de forças, onde diversos interesses são representados, de modo que as
políticas implementadas pelo Estado acabam por atender a grupos diversos.

CONCLUSÃO

O que verificamos ao percorrer a história das leis e programas pensados


e executados pelo Governo Federal ao longo de mais de um século, foi que o
tema da educação técnica e profissional esteve sempre presente como solução
para os problemas das classes subalternas. Tentamos ao longo do texto manter
um rigor analítico, evitando juízo de valor e o enviesamento da pesquisa, o que
considero uma tarefa difícil, ao pensarmos que nosso estudo além de político, é
também social, de modo que somos o próprio objeto que estudamos. É
necessária experiência para manter um afastamento com relação ao objeto,
sobretudo, quando esse tema nos toca de modo a nos motivar para uma
pesquisa e, utilizamos teorias tão críticas.

Entendo que o objetivo do cientista é o de analisar seu objeto com


1706

imparcialidade e quando oportuno criticá-lo sempre à luz de teorias, testando as


hipóteses e as teorias utilizadas, com o objetivo de avançar o conhecimento, de
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modo a oferecer uma contribuição para a sociedade. Proponho-me agora a


analisar brevemente, de forma mais crítica o que foi apresentado até agora.

Fica claro ao longo do texto a importância que o Estado dá à educação


técnica e profissional como alternativa mais adequada às classes subalternas.
Acreditamos que a escolha do Governo, se fez de forma equivocada. Podemos
verificar que esse modelo acabou por perpetuar a divisão de classes na
sociedade, não permitindo que indivíduos das camadas menos favorecidas
possam mudar de classe. Ou, em última instância, que as classes se diluíssem
de modo a formar uma sociedade menos estamental, mais igualitária e com
oportunidades iguais a todos seus membros.

O que observamos é uma clara divisão social, onde cada um ocupa seu
lugar, sustentado por um discurso que afirma ser melhor esse modelo do que
nada. Em outras palavras, é melhor ser técnico do que não ter profissão alguma.
Mas porque não pensar em oferecer oportunidades iguais? Poderíamos
substituir esse discurso – que esconde uma ideologia de classes –, por uma
oferta de cursos de formação humanista, que ensine os jovens a pensar o
mundo.

O ensino técnico treina jovens e adultos para o trabalho, e não oferece


uma consciência cidadã, nem a possibilidade desses jovens ingressarem em
boas universidades. A divisão de classes começa na escola e este modelo
contribui para perpetuar esse erro ou engano. Como pensar em meritocracia se
as condições são extremamente desiguais e o modelo de ensino não contribui
para corrigir esse engano?

Podemos observar o curso técnico como uma forma de consenso, onde a


1707

classe dirigente admite que os filhos da classe proletária sejam algo mais que
pobres analfabetos. É permitido a eles chegarem à uma classe “c” e nada mais.
Página

O elemento da meritocracia também contribui para permitir que o consenso

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exista. Desse modo, não haveria uma revolta das classes proletárias contra as
classes burguesas. O elemento da ideologia está presente nesta política pública
que se estabeleceu como uma “Política de Estado”.

Nos últimos anos podemos verificar uma mudança nesse quadro. O


sistema de cotas, assim como outros sistemas de financiamento estudantil
permitiram o acesso de jovens que antes não teriam condições de disputar uma
vaga numa universidade de qualidade. Podemos ver essa política a partir de
algumas perspectivas.

O sistema de cotas pode ser visto como um modelo contra-hegemônico,


ao oferecer vagas à jovens pobres e de minorias desfavorecidas. Permitindo que
eles ascendam socialmente. Pode ser visto também, como uma forma de
consenso. É possível enxergar aqui o mesmo discurso que vimos até agora. “É
melhor o sistema de cotas do que nada”. E, entendê-lo como uma falsa
consciência. Pensar assim, significa pensar que o modelo não corrige as
desigualdades sociais, é apenas mais uma forma da classe burguesa “tolerar”
as classes subalternas. O objetivo de nosso artigo não é debater esse ponto
profundamente, apenas lançar luz sobre esse elemento que acreditamos
merecer um estudo mais aprofundado.

Outra alternativa de análise para este caso, vai buscar em Poulantzas os


elementos para tentar entendê-lo. Para o autor, há dentro do Estado uma
representação das classes e de suas lutas, de modo que, o sistema de cotas e
o financiamento estudantil podem ser considerados como uma política idealizada
para diluir as desigualdades sociais e oferecer oportunidade de acesso para
alunos das classes proletárias e grupos minoritários. A partir dessa análise, o
sistema se constitui como um fim e não como um meio de manutenção do status
1708

quo.
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Nosso objetivo não é defender uma tese, apenas pensar o tema à luz
desses autores. Tendo a me filiar à ideia de consenso em Gramsci, mas acredito
que esse estudo deva ser estudado mais profundamente.

Concluímos nossa análise cientes de que há muito que se estudar, de que


o tema não foi esgotado e acreditamos que os estudos marxistas têm uma
grande contribuição ao estudo das políticas públicas. Fizemos um resgate das
leis e programas de educação técnica e profissionalizante. Tentamos também
trazer elementos exógenos ao estudo das políticas públicas, como pensadores
e teóricos da chamada Teoria Social e Política Brasileira, além de pensadores
latino-americanos, como uma forma de fazer um estudo transversal, de modo a
enriquecer nosso debate. No tocante ao debate teórico de autores de políticas
públicas, mantivemos uma abordagem com menos debate teórico, ampliando
nosso olhar para um outro horizonte, trazendo elementos da teoria marxista que
acreditamos contribuir enormemente para o tema.

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1710

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de junho de 2014.
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1712

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THIAGO VIDAL RICARDO
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E PROFISSIONALIZANTE NA DIVISÃO SOCIAL DO THIAGO VIDAL RICARDO
TRABALHO
JULIANNE ALVES NAPORANO ARCHIPAVAS
CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO INTERMUNICIPAL DO VALE DO RIBEIRA: INSTRUMENTO
DE AÇÃO PÚBLICA E DISPOSITIVO

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT6


DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO
INTERMUNICIPAL DO VALE DO RIBEIRA:
INSTRUMENTO DE AÇÃO PÚBLICA E DISPOSITIVO
1718

JULIANNE ALVES NAPORANO ARCHIPAVAS


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CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO INTERMUNICIPAL


DO VALE DO RIBEIRA: INSTRUMENTO DE AÇÃO JULIANNE ALVES NPORANO ARCHIPAVAS
PÚBLICA E DISPOSITIVO
JULIANNE ALVES NAPORANO ARCHIPAVAS
CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO INTERMUNICIPAL DO VALE DO RIBEIRA: INSTRUMENTO
DE AÇÃO PÚBLICA E DISPOSITIVO

Bacharel em Economia pela UFSCar, mestranda


em Ciência Ambiental pelo PROCAM USP. E-
mail: julianne.archipavas@hotmail.com

RESUMO

São contrastantes à riqueza biológica, étnica e cultural os índices de


desenvolvimento humano do Vale do Ribeira. Diante do atraso regional e da
sensação de abandono dos municípios pelo Estado, especialmente depois da
extinção da SUDELPA, empreendedores políticos locais conseguiram
mobilizaram os prefeitos para a instituição do CODIVAR. O objetivo consistia em
promover desenvolvimento e superar a situação de pobreza e estagnação. Após
vinte e sete anos de existência, busca-se compreender os principais fatores que
permitem a sua sobrevivência. Até o momento o consórcio atuou mais sob o
fundamento de articulação política do que de desenvolvimento e implementação
de programas e projetos. A cooperação não se mostra o elemento central para
sua vitalidade, o que suscita a hipótese de que este consórcio opere como um
instrumento de ação pública e como um dispositivo, exercendo funções de um
mecanismo de dominação política e exercício de poder.

ABSTRACT

Biological, ethnic and cultural diversity are contrasting with human development
indices of the Ribeira Valley. Due to the regional backwardness and the
abandonment feeling of municipalities, especially after the extinction of
SUDELPA, local political entrepreneurs were able to mobilize mayors to the
institution of CODIVAR. The fundamental objective was to promote development
1719

and overcome poverty and stagnation in the region. After twenty-seven years of
the existence of the consortium, the goal is to understand the key factors that
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CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO INTERMUNICIPAL


DO VALE DO RIBEIRA: INSTRUMENTO DE AÇÃO JULIANNE ALVES NPORANO ARCHIPAVAS
PÚBLICA E DISPOSITIVO
JULIANNE ALVES NAPORANO ARCHIPAVAS
CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO INTERMUNICIPAL DO VALE DO RIBEIRA: INSTRUMENTO
DE AÇÃO PÚBLICA E DISPOSITIVO

allow its survival. So far the consortium acted more to promote political
articulation than develop and implement programs and projects in its scope.
Cooperation is not de central factor to provide vitality to this institutional
arrangement. This fact raises the hypothesis that the consortium operates as an
instrument of action public and as a “dispositif”, exercising functions of a political
domination and exercise of power mechanism.
1720
Página

CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO INTERMUNICIPAL


DO VALE DO RIBEIRA: INSTRUMENTO DE AÇÃO JULIANNE ALVES NPORANO ARCHIPAVAS
PÚBLICA E DISPOSITIVO
JULIANNE ALVES NAPORANO ARCHIPAVAS
CONSÓRCIO DE DESENVOLVIMENTO INTERMUNICIPAL DO VALE DO RIBEIRA: INSTRUMENTO
DE AÇÃO PÚBLICA E DISPOSITIVO

INTRODUÇÃO

O Vale do Ribeira Paulista caracteriza-se pela concentração da maior


área de Mata Atlântica contínua do país e pela presença 40% das unidades de
conservação do Estado de São Paulo. No território, aproximadamente 75% das
terras são regidas por leis de proteção ambiental, das quais 58% são
institucionalmente protegidas em unidades de conservação. Além de constituir
um patrimônio ambiental devido à biodiversidade em plena preservação, a região
também é singular por sua diversidade étnica e cultural: estão presentes no Vale
do Ribeira comunidades indígenas, caiçaras, caipiras e quilombolas (ROMÃO et.
al, 2006).

São contrastantes a esta riqueza em termos de diversidade biológica,


étnica e cultural os índices de desenvolvimento humano da região, que estão
dentre os mais baixos do estado de São Paulo. Segundo o Índice Paulista de
Responsabilidade Social de 2014, a maioria dos municípios do Vale do Ribeira1
(treze em um total de vinte e três) é classificada no Grupo 5 do IPRS,
caracterizando-se por apresentar baixa riqueza, baixa longevidade e baixa
escolaridade. São os municípios mais desfavorecidos, tanto em riqueza quanto
nos indicadores sociais. Os municípios que compõem o Grupo 4 apresentam
baixa riqueza, longevidade média e baixa escolaridade, com exceção São
Lourenço da Serra e Barra do Chapéu, que apresentaram baixa riqueza, alta
longevidade e baixa escolaridade. Cananeia foi o único município que se
classificou no Grupo 3, apresentando baixa riqueza, alta longevidade e média
escolaridade. A UGRHI 11 não possui municípios que se classificam nos Grupos
1 e 2, que agrupam os municípios com os melhores indicadores.

Segundo Braga (1998), grande parte do problema do atraso regional


1721

enfrentado pelo Vale do Ribeira deve-se ao fato de que a busca pelo crescimento
econômico, que gera a necessidade de aproveitamento máximo das economias
Página

de escala e das economias externas, tende a intensificar a concentração


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econômica. Dessa maneira, quanto mais acelerado é o processo de


crescimento, maior é a concentração territorial (dada a busca pelo
aproveitamento dos efeitos das economias de aglomeração), o que fortalece as
disparidades regionais. Portanto, o crescimento econômico traz consigo a
formação e permanência de regiões estagnadas, mesmo no estado mais
desenvolvido da Federação, como é o caso do Vale do Ribeira, do Pontal do
Paranapanema e Região Sudoeste (BRAGA, 1998).

O reconhecimento da contradição existente entre abrigar a riqueza da


Mata Atlântica e ser a região mais pobre do Estado de São Paulo fez com que
alguns prefeitos do Vale do Ribeira se motivassem para associarem-se e
aturarem de forma cooperada por meio do Consórcio de Desenvolvimento
Intermunicipal do Vale do Ribeira, o CODIVAR, no ano de 1989. O consórcio foi
empreendido por estes prefeitos com o ideal de construir uma nova realidade
para a região, por meio de um arranjo institucional que possibilitasse levar
demandas regionais para as esferas de governo estadual e federal.

Além das características locais peculiares do Vale do Ribeira em si, o


CODIVAR é um caso relevante de estudo porque é um consórcio que se insere
nesta região com uma proposta de promoção de desenvolvimento via
cooperação intermunicipal e que sobrevive desde a data de sua criação. Embora
não implemente políticas e não mobilize todos os membros com assiduidade e
compromisso fiel ao contrato de rateio, o CODIVAR consegue manter um espaço
vivo e atuante politicamente até hoje.

É relevante entender não somente o que leva à criação dos consórcios,


mas também devem ser compreendidos os fatores que garantem sua
estabilidade institucional (DIEGUEZ, 2011). No caso do CODIVAR, a hipótese a
1722

ser verificada por este trabalho é a de que o consórcio consegue sobreviver não
por se constituir apenas em um arranjo institucional que possui um pacto político
Página

de fundação forte entre os atores políticos locais envolvidos, capacidade de


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gestão e fluxo contínuo e suficiente de recursos financeiros, mas também por


comportar-se como um dispositivo, no sentido de Foucault, e como um
instrumento de ação pública.

O consórcio constitui-se em um instrumento que delineia a ação pública


no Vale do Ribeira, utilizado pelos municípios com a finalidade de cooperação.
Ao estudar institucionalidade a partida da abordagem de instrumentos permite
compreender a dinâmica de permanente construção e apropriação pelos atores,
o que confere aos instrumentos vida própria (LASCOUMES e SIMARD, 2011).

Ao se concentrar na questão do poder, a análise de Foucault insiste sobre


a importância de se ocupar não ‘do edifício jurídico da soberania, dos aparelhos
do Estado, das ideologias que o acompanham’, mas dos mecanismos de
dominação. A partir dessa escolha metodológica é que se engendra a utilização
da noção de ‘dispositivos’.

O principal argumento para discutir um consórcio enquanto um dispositivo


e como um instrumento consiste na ausência de mecanismos de controle social
em seu interior. Os consórcios não contam com participação popular no
momento de sua instituição tampouco no dia-a-dia de ações que definem os
rumos do consórcio, portanto não é um arranjo que constitui ação pública em
sua esfera de atuação.

Além disso, os consórcios sustentam em seu interior conflitos entre


autonomia e interdependência e entre competição e cooperação que afetam a
maneira como as decisões acerca de gestão compartilhada são tomadas pelos
atores. Dessa maneira, constituem-se em dispositivos uma vez que as ações
empreendidas dependem da capacidade de lideranças internas “carregarem”
1723

objetivos e ideais que atendam aos anseios coletivos do grupo e não aos dos
participantes que possam buscar efeito carona no consórcio apenas para
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tentativa de apropriação de seus benefícios.

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Embora o trabalho ainda esteja em curso, seu objetivo consiste em


compreender a trajetória do CODIVAR, desde os antecedentes que levaram à
sua formação até os dias atuais, e investigar como este consórcio se consolidou
como um arranjo institucional, embora todos os desafios e entraves que ainda
existam para que o mesmo possa evoluir para a condição de consórcio público
e atender os requisitos legais postos pela lei 11.107 de 2005, a Lei dos
Consórcios Públicos. Além disso, o objetivo é, a partir do conceito de “dispositivo”
proposto por Foucault e autores que o interpretam, entender como o CODIVAR
se materializa como um dispositivo, servindo como um mecanismo de poder aos
atores políticos que o integram e, principalmente, o lideram.

Além desta introdução, este trabalho está dividido em mais oito seções:
na segunda, descreve-se o cenário em que se inscreve o CODIVAR, a bacia
hidrográfica do Rio Ribeira do Iguape; na terceira, há uma breve descrição dos
condicionantes históricos do Vale do Ribeira; na quarta trabalha-se com a
definição de consórcios; na quinta há uma breve revisão de literatura sobre
arranjos institucionais e porque o consórcio em estudo se classifica como tal; as
seções seguintes têm como objetivo entender se o consórcio pode ser entendido
como um dispositivo e como um instrumento; por último são apresentadas as
considerações finais e referências.

O CENÁRIO EM QUE SE INSCREVE O CODIVAR: A BACIA HIDROGRÁFICA


DO RIO RIBEIRA DO IGUAPE

De acordo com a CEPAL (1994) a bacia hidrográfica é um território


definido pela própria natureza, essencialmente pelos limites das zonas de
1724

escoamento das águas superficiais que convergem para o mesmo canal. Os


recursos naturais, seus habitantes e suas condições físicas, biológicas,
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econômicas, sociais e culturais conferem características únicas a cada bacia. A

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partir dessa definição, a busca pelo desenvolvimento pode ocorrer a partir de


uma abordagem de bacia hidrográfica, tendo como ponto de partida o potencial
e a necessidade de manejo de recursos naturais de forma equilibrada, sendo a
água o eixo de articulação para coordenação de ações de desenvolvimento. Tais
ações devem ocorrer em harmonia com seu entorno, cujos limites são dados
naturalmente pelos contornos da bacia.

Barbosa et al (1997, p. 258) definem bacias hidrográficas como “(...)


sistemas terrestres e aquáticos geograficamente definidos, compostos por
sistemas físicos, econômicos e sociais”. Na visão dos autores, bacias são
sistemas ‘multiníveis’ que sobrepõem sistemas naturais e sociais. O sistema
natural é definido a partir das bases aquáticas e terrestres (fauna, flora, recursos
aquáticos e minerais), enquanto o sistema social determina como essas bases
serão utilizadas, a partir de políticas públicas que influenciam padrões locais de
utilização dos recursos naturais (BARBOSA et al., 1997).

O CODIVAR representa um dos níveis que se sobrepõe ao sistema


natural e social constituído no Vale do Ribeira Paulista, agrupando
institucionalmente municípios com o objetivo de cooperação intermunicipal. Os
municípios que fazem parte do consórcio tornaram-se elegíveis a partir do critério
de pertencimento à área de atuação de responsabilidade de gestão da
SUDELPA, a Superintendência do Desenvolvimento do Litoral Paulista. A
SUDELPA foi uma autarquia estadual criada em 1969 pra promover o
desenvolvimento do Vale do Ribeira e Litoral Paulista, que constituiu, a partir de
critérios geográficos e de delimitação de bacia hidrográfica, sub-regiões que
facilitassem a operacionalização das suas atividades.

Atualmente, o Estado de São Paulo está dividido em vinte e duas


1725

Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI), divisões que foram


realizadas de maneira a conformar as necessidades de gestão dos recursos
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hídricos com a configuração física e características locais (PORTO e PORTO,


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2008). A UGRHI 11 - Ribeira do Iguape e Litoral Sul, cenário onde se sobrepõe


o consórcio em estudo, abrange a porção paulista da bacia hidrográfica do
Ribeira de Iguape e as áreas de cursos d’água do Litoral Sul. Caracteriza-se pela
complexidade do ambiente natural que envolve o ambiente urbano dos
municípios que a integram, no qual a rede hidrográfica é indissociável (SÃO
PAULO, 2010).

A Bacia Hidrográfica do Ribeira de Iguape e Litoral Sul possui área de


aproximadamente 25 mil km2, dos quais 17 mil km2 (dois terços) estão no
território paulista. Abrange vinte e três municípios, com uma população total de
365 mil habitantes, dos quais 71% residentes na zona urbana (IBGE, 2010; SÃO
PAULO, 2010).

CONDICIONANTES HISTÓRICOS DO VALE DO RIBEIRA: DOS PRIMEIROS


CICLOS ECONÔMICOS À FORMAÇÃO DO CODIVAR

Embora a região do Vale do Ribeira seja a menos povoada do estado de


São Paulo, foi uma das primeiras no Brasil a ser ocupada com a chegada dos
colonizadores portugueses. A economia adquiriu primeiro impulso com o
primeiro empreendimento econômico em escala comercial, a mineração, que
constituiu o ‘ciclo do ouro’. Este ciclo durou todo o século XVII, tendo sofrido
evasão no século seguinte devido às novas descobertas na região das ‘Minas
Gerais’. Findado o ‘ciclo do ouro’ (fim do século XVII), emerge o ciclo econômico
regional da construção naval (BRAGA, 1998).

No século XVIII houve retomada da mineração. Porém, no fim deste


século a economia sofre estagnação devido ao declínio da construção naval no
1726

litoral e das limitações da mineração, que se depara com o esgotamento do ouro


de aluvião. Essa estagnação perdura até o início do século XIX, quando se inicia
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o ‘ciclo do arroz’, fase em que o espaço socioeconômico do Vale do Ribeira


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adquiriu dinamismo ligado à expansão da agricultura escravista de alimentos


(BRAGA, 1998).

No fim do século XIX os rizicultores escravocratas tornaram-se


vulneráveis diante de fatores como a proibição do tráfico de escravos em 1870,
a demanda por mão de obra para trabalhar na cafeicultura em expansão, a
concorrência do arroz norte-americano e de outras regiões produtoras no Brasil,
a fragilidade das forças sociais locais no sentido de moldar uma política
econômica a seu favor ou de se compor politicamente como os grupos
cafeicultores emergentes (MULLER, 1980).

A partir da dissolução do complexo rural escravista (que ocorreu entre


1810 e 1880), a região encontrou dificuldades em substituir o arroz por outra
lavoura mercantil e a mão de obra escrava pela livre dos colonos, que não se
fixaram na região. O Vale do Ribeira ficou à margem da cafeicultura e
despovoado, enquanto as regiões cafeeiras do planalto desenvolviam-se. Tal
fato foi determinante para dar origem ao quadro de disparidade regional que
persiste até os dias presentes (BRAGA, 1998). Assim, entre 1910 e 1940 o Vale
do Ribeira converte-se no ‘Sertão do Litoral’ (MULLER, 1980).

Uma vez excluída do ciclo do café, a região inicia seu processo de


incorporação ao mercado capitalista apenas entre 1940 e 1950, a partir do
surgimento da bananicultura e da teicultura, culturas impulsionadas pela mão de
obra japonesa. Os japoneses imigraram para a região do Vale do Ribeira a partir
de uma nova necessidade oriunda da rizicultura, dada a demanda alimentar
crescente por este produto. O sucesso da imigração dos japoneses reside no
empresariamento da colonização (realizado por uma empresa que cuidou de
todos os trâmites necessários, como administração da implantação e
1727

funcionamento das colônias) e no empenho desta empresa na construção de


acessos e redes de estradas vicinais.
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As principais culturas empreendidas pelos colonos japoneses foram a


banana e o chá, com sua bem-sucedida criação e expansão das agroindústrias
desses produtos. Embora o sucesso nessas atividades e a incorporação ao
mercado capitalista, dado a partir delas, estivessem perdidos, a oportunidade
histórica de integração ao ritmo da acumulação paulista, que iniciava uma nova
fase: a industrialização (BRAGA, 1998).

Assim, na visão de Braga (1998), o Vale do Ribeira que ficou à margem


do império do café também não conseguiu inserir-se no processo de
industrialização, permanecendo como região periférica. Embora o impulso dado
à economia pela introdução das lavouras comerciais de banana e chá, as
inovações trazidas por essas culturas não foram suficientes para imprimir à
economia regional o dinamismo requerido para a superação do quadro de
disparidade econômica e social que se estabeleceu (BRAGA, 1998).

Devido à marginalização do processo de industrialização e a um cenário


de disparidades socioeconômicas, a região começa a viver uma nova fase,
marcada pela atuação do Estado em termos de planejamento. Esse fato
culminou na criação da SUDELPA. O objetivo fundamental da autarquia consistia
na elaboração e execução do Plano de Desenvolvimento do Litoral, que visava
promover desenvolvimento econômico e social e incremento da indústria de
pesca, integrando a região ao dinamismo da economia do Estado de São Paulo.

A autarquia foi criada em setembro de 1969, no Governo de Abreu Sodré,


e extinta em março de 1987. Foi esvaziada, perdendo paulatinamente as suas
funções, até ser definitivamente encerrada em 1993, no Governo Fleury. Assim,
existiu formalmente por 24 anos, depois de muitos planos e promessas
institucionais estabelecidos, mas pouca atuação em prol do seu objetivo de
1728

promover desenvolvimento.
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Na visão de Braga (1998), a SUDELPA não foi uma experiência bem-


sucedida em termos de desenvolvimento socioeconômico, mas cumpriu
objetivos de caráter político, ou seja, fazer integração territorial e marcar a
presença do Estado na região. Isso porque o sistema de transportes e
comunicações instalado foi razoavelmente eficaz e a presença do Estado foi
reafirmada pelo grande número de obras de pequeno e médio porte
implementadas em toda a região.

Na visão de Muller (1980), a partir da criação da SUDELPA o Estado


trouxe para si a responsabilidade de construir infraestrutura regional nos campos
de transporte, comunicações e energia, visando propiciar condições para a
expansão e multiplicação das unidades empresariais privadas. Isso permitiria
acelerar a integração da região ao nível e ritmo do patamar geral de acumulação
capitalista. No entanto, também reconhece que a principal ação empreendida foi
fazer o Estado presente na região, a partir de objetivos políticos.

No governo Quércia, a SUDELPA passou a ser vista como uma autarquia


muito dispendiosa e que gerava poucos resultados. Assim, foi proposto seu
gradual esvaziamento, processo que acabou resultando em desemprego dos
colaboradores e na ociosidade de máquinas e equipamentos (tais como
motoniveladoras, caminhões, britadeiras, retroescavadeiras) que eram utilizados
basicamente para realização de terraplanagem e manutenção de estradas.
Quando a SUDELPA foi extinta, os municípios ficaram órfãos de um parceiro na
construção de infraestrutura urbana e rural e não houve mais planejamento para
o desenvolvimento da região.

Diante da ausência de uma instituição que coordenasse o planejamento


da região e do sentimento de abandono pelo governo do Estado, os
1729

empreendedores políticos do consórcio enxergaram na cooperação entre


municípios uma saída para seu fortalecimento e para que a voz da região
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voltasse a ser ouvida. Os prefeitos dos municípios de Iguape, Juquiá e


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Pariquera-Açu tiveram a iniciativa de reunir os prefeitos incluídos no escopo de


atuação da SUDELPA para, por meio de um consórcio, constituírem um convênio
com o governo estadual para que fosse possível a transferência dos
equipamentos e de verba de custeio (para combustível e manutenção das
máquinas).

Assim, a partir da extinção da SUDELPA, o CODIVAR encontrou sua


janela de oportunidade para surgir no cenário político da região, a partir da ação
de seus empreendedores políticos: os prefeitos que lideraram o processo
localmente e conseguiram exercer influência para convencer outros prefeitos a
aderirem ao arranjo de cooperação.

Foram fundamentais também os incentivos dados pelo governo estadual


anterior. O governador Franco Montoro apoiava a formação de novos arranjos
institucionais em formato cooperativo para promover o desenvolvimento
socioeconômico regional, buscar melhoria de qualidade de vida e maximizar
utilização de recursos.

Neste cenário, o CODIVAR foi constituído no ano de 1989, nos termos da


Constituição Estadual vigente, em conformidade com o Artigo 70 de Decreto-Lei
complementar nº 09 de dezembro de 1969, sob a forma jurídica de Associação
Civil, sem fins econômicos e de direito privado, regidos pelo Código Civil e
inscrito no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) (CODIVAR, 1989). Sua
organização é formalizada por um estatuto que define finalidades, estrutura
administrativa, atribuições dos municípios consorciados e competências dos
dirigentes, entre outros aspectos.

O objetivo fundamental de instituir um consórcio de desenvolvimento no


1730

Vale do Ribeira consistiu na ambição de buscar uma nova realidade para a


região, via superação da situação de pobreza e estagnação. O consórcio foi
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estabelecido como um instrumento institucional de ação política com a finalidade

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de cooperação entre as prefeituras, de modo que a ação conjunta representasse


voz fortalecida para a reivindicação de demandas aos governos estadual e
federal.

DEFININDO CONSÓRCIOS

Abrucio et. al (2013, p. 1.546) definem os consórcios destacando o âmbito


político de tomada de decisão: “(...) os consórcios intermunicipais são aqueles
formados por uma rede federativa em que se constituiu uma arena política de
cooperação horizontal entre dois ou mais entes federativos municipais, voltada
para a produção compartilhada de decisões sobre políticas públicas”.

Spink (2006, apud Caldas, 2007, p.53) define os consórcios em oposição


às regiões metropolitanas:

“se as Regiões Metropolitanas começaram com um esforço


de cima para baixo caracterizado por uma associação
forçada entre seus entes, os consórcios municipais tiveram
como base uma relação horizontal, ou mesmo uma relação
de baixo para cima, caracterizada por um arranjo
organizacional baseado na associação voluntária dos
entes participantes”.

Segundo o autor, o consórcio intermunicipal pode ser visto simplesmente


como um acordo de cooperação em torno de uma questão comum.

Cruz et. al (2009) e Vaz (1997) definem os consórcios a partir de ideia de


uma soma de esforços para obter melhores resultados. Na visão de Cruz et. al
1731

(2009, p. 5):

Os consórcios intermunicipais são uma forma de


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cooperação entre os municípios, destinados a solucionar


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problemas e obter resultados conjuntos de natureza


superior às capacidades política, financeira e operacional
individual de seus integrantes.

Vaz (1997, p. 1), por sua vez, define os consórcios conforme a seguir:

Consórcios intermunicipais são entidades que reúnem


diversos municípios para a realização de ações conjuntas
que se fossem produzidas pelos municípios,
individualmente, não atingiriam os mesmos resultados ou
utilizariam um volume maior de recursos.

Caldas (2007, p. 50) define os consórcios a partir da ideia de


territorialização:

Os consórcios intermunicipais são organizações capazes


de articular políticas públicas setoriais com políticas
territoriais; possibilitam, portanto, a territorialização de
políticas públicas setoriais, ou seja, de políticas públicas
vinculadas a setores como saúde, saneamento, dentre
outras.

Segundo o autor, “consórcios intermunicipais são organizações


resultantes da disposição de cooperação dos atores políticos relevantes de
diversos municípios (prefeitos) que decidem cooperar entre si para resolver
problemas relativos a um tema ou a um setor específico” (CALDAS, 2007, p. 55).

Os consórcios não são entidades supramunicipais, ou seja, não estão


acima das entidades municipais que os integram, e não possuem autonomia
1732

política. São organizações de auxílio e de cooperação com as unidades que os


integram, como objetivo de formulação de políticas e diretrizes intermunicipais,
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gerenciamento de planos e programas e realização obras e serviços de interesse


intermunicipal (CEPAM, 2011, apud MATOS e DIAS, 2012).

Os consórcios têm origem a partir da iniciativa autônoma dos municípios,


que decidem por atuação cooperada sobre uma questão de interesse comum
(CALDAS, 2007). Constituem-se em importante inovação de base territorial,
sendo em termos institucionais descritos como um fenômeno ‘bottom-up’ porque
iniciaram a partir de jurisdições locais e no exterior da governança existente
(SPINK, 2005).

Essa iniciativa surge a partir do diagnóstico de que problemas sob


responsabilidade dos governos municipais muitas vezes exigem soluções que
extrapolam o alcance da capacidade de ação da prefeitura em termos de
investimentos, recursos humanos e financeiros para o custeio e a atuação
política. Estas soluções podem exigir ações conjuntas, pois se referem a
problemas que afetam, simultaneamente, mais de um município (VAZ, 1997).
Como coloca Cruz (2001, p. 199): “Não há como um município isoladamente
pensar a despoluição de um rio ou um problema de uma estrada vicinal
intermunicipal se os vizinhos não se conscientizarem sobre esse problema”.

Ao assumir funções em conjunto, os municípios conseguem maximizar


seus recursos e viabilizar a prestação de serviços mediante escala. Além disso,
participar de um consórcio propicia a articulação regional dos municípios,
fortalecendo sua atuação em relação a outros níveis governamentais e
possibilitando a atuação municipal para além de suas fronteiras geográficas
(CRUZ, 2009).

Na visão de Dieguez (2011, p. 296), do ponto de vista político:


1733

[...] a formação de consórcios intermunicipais significa o


surgimento de uma nova arena pública, em que as
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autoridades governamentais negociam os conflitos e os


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limites que cercam suas decisões sobre as regras que


expressam uma intenção de influenciar, alterar e/ou regular
o comportamento individual ou coletivo e o acesso de
indivíduos e grupos sociais aos recursos distribuídos
socialmente. Isto é, um novo espaço institucionalizado de
decisão sobre políticas públicas, cuja principal
característica, [...] é a gestão compartilhada.

Assim, os consórcios nos colocam adiante de um processo de shared


decision making. Na visão deste autor, com consórcios são definidos a partir de
uma natureza jurídica (por tratar-se de uma relação contratual), de uma
dimensão institucional (por configurar regras do jogo que orientam o
comportamento dos atores e atribuem mais estabilidade e previsibilidade às suas
ações) e uma concepção política (ao representar a cooperação para produção
de decisão compartilhada e negociada) (DIEGUEZ, 2011).

Até antes da Lei 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos), os


consórcios eram definidos como “acordos firmados entre entidades estatais,
autárquicas, fundacionais ou paraestatais, sempre da mesma espécie, para
realização de objetivos de interesse comum dos partícipes”, mediante a
utilização de recursos materiais e humanos que cada um dispõe (MEIRELLES,
1993, apud CRUZ, 2001). Dessa maneira, os consórcios eram estabelecidos
entre pessoas públicas e só poderiam ser implementados entre aquelas
pertencentes à mesma natureza jurídica, ou mesma esfera de governo
(município com município, Estado com Estado, autarquia com autarquia, União
com União, etc.). Embora a legislação previsse essas possibilidades de
consorciamento, a forma mais comum era firmada entre municípios, ou seja,
1734

como consórcios intermunicipais ou consórcios administrativos (CRUZ, 2001).

A partir do marco legal representado pela Lei 11.107/2005 (‘Lei dos


Página

Consórcios Públicos’) as possibilidades de atuação dos consórcios foram


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ampliadas. Emerge a categoria dos ‘consórcios públicos’, que dão a


possibilidade de cooperação horizontal e vertical, com personalidade jurídica de
direito público, o que os permite integrar a administração indireta.

O CODIVAR COMO UM “ARRANJO INSTITUCIONAL”

Os consórcios constituem-se em arranjos institucionais no sentido de


North (1971), por serem formados por unidades econômicas (os municípios) que
se associam a partir de iniciativa autônoma com o objetivo de cooperação e
realização de ações conjuntas que se conduzidas individualmente pelos
municípios gerariam resultados inferiores. No sentido de Ostrom e Kiser (2000),
o consórcio é um arranjo por reunir indivíduos (municípios) para a tomada de
decisão acerca de problemas comuns, agregando ações para que sejam
empreendidas coletivamente com capacidade política, financeira e operacional
superior. No sentido de Pires e Gomide (2014), trata-se de um arranjo por
determinar regras, mecanismos e processos que vão definir formas de
implementação de políticas de forma conjunta pelos municípios.

Para além da ideia de “arranjo”, busca-se verificar se a trajetória do


CODIVAR permite compreendê-lo como um “dispositivo”, ou seja, como um
mecanismo de poder utilizado para tomada de decisões políticas.

CODIVAR COMO UM INSTRUMENTO?

A literatura sobre instrumentos é bastante extensa e há dificuldade de


acesso a certas publicações no Brasil. Dessa maneira, as definições dadas
1735

anteriormente não esgotam a literatura já construída sobre o tema. É relevante


destacar o trabalho de Perret (2010), que sintetizou uma definição consensual
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da noção de ‘instrumento’ a partir da análise das definições propostas por


diversos autores (p. 29, tradução nossa):

Se nós pudéssemos definir um consenso em torno da


definição do termo ‘instrumento’, nós poderíamos
argumentar que os autores concordariam em definir os
instrumentos de políticas públicas como os meios, as
técnicas, os mecanismos ou ferramentas, de acordo com a
terminologia utilizada, de que o Estado dispõe para
influenciar (modificar) os comportamentos dos atores
socioeconômicos (o grupo alvo), a fim de atingir um
objetivo de política pública, supostamente para resolver um
problema social.

Segundo Perret (2010, p. 29), esta definição implica no fato de que os


instrumentos a disposição do Estado: são técnicas, mecanismos, métodos,
processos, formas, meios ou ferramentas. Ou seja, são os ‘outputs’ do sistema
político em resposta a determinados problemas (‘inputs’);são projetados para
influenciar (modificar, transformar...) a atividade humana (o comportamento dos
atores socioeconômicos) com a perspectiva de atingir objetivos de política
pública que visam solucionar um dado problema; em outras palavras, os
instrumentos são concebidos para produzir impactos na sociedade.

A partir da abordagem de instrumentos objetiva-se reconhecer as


relações de poder, questões de legitimidade, dinâmicas de politização e
despolitização. Os objetivos consistem em explorar os efeitos que podem ser
gerados a partir deles, ou seja, olhar a partir do ponto de vista da instrumentação
em ação. Para esta finalidade, são adotados dois diferentes ângulos: observação
1736

dos efeitos políticos dos instrumentos e das relações de poder que ele organiza;
observação dos efeitos gerados pelos instrumentos em sua relativa autonomia
Página

(LASCOUMES e SIMARD, 2011).


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CODIVAR COMO UM “DISPOSITIVO”?

De acordo com Agamben90 (2005), a palavra “dispositivo” é um termo


técnico decisivo na estratégia do pensamento de Foucault. O objetivo último de
Foucault é tratar como os dispositivos atuam nas relações, nos mecanismos e
nos “jogos” de poder.

Foucault (1979)91 define “dispositivo” de acordo com três aspectos:


apontando os elementos heterogêneos que o compõe; demarcando a relação
que pode existir e a rede que pode se estabelecer entre estes elementos;
reconhecendo sua função estratégica. Assim, um dispositivo é:
Em primeiro lugar, “[...] um conjunto decididamente heterogêneo que
engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões
regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos,
proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são
os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre
estes elementos”.

Em segundo lugar, Foucault demarca “a natureza da relação que pode


existir entre estes elementos heterogêneos. Sendo assim, tal discurso pode
aparecer como programa de uma instituição ou, ao contrário, como elemento
que permite justificar e mascarar uma prática que permanece muda; pode ainda
funcionar como reinterpretação desta prática, dando-lhe acesso a um novo
campo de racionalidade. Em suma, entre estes elementos, discursivos ou não,

90
Filósofo italiano que carrega herança foucaultiana em suas obras e análises.
1737

91
As definições propostas por Foucault são oriundas do texto “Sobre a história da sexualidade”, publicado na
obra “Microfísica do poder”, de 1979, e de uma entrevistas concedidas pelo filósofo. É importante destacar que
o termo “dispositivo” não é cuidadosamente discutido nem definido por Foucault em suas obras, de modo que a
Página

compreensão deste conceito e a problematização de sua função metodológica é feita através de entrevistas dadas
por Foucault e por obras que o interpretam (SILVA, 2014).
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existe um tipo de jogo, ou seja, mudanças de posição, modificações de funções,


que também podem ser muito diferentes”.

Em terceiro lugar, o dispositivo é “um tipo de formação que, em um


determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma
urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante”. O fato
de o dispositivo ser de natureza essencialmente estratégica supõe que se trata
de “uma certa manipulação das relações de força, de uma intervenção racional
e organizada nestas relações de força, seja para desenvolvê-las em determinada
direção, seja para bloqueá-las, para estabilizá-las, utilizá-las, etc...”

“O dispositivo refere-se ao modo como variados elementos se vinculam


e se relacionam para atingir determinado fim, produzir algo que dê conta de um
problema, de um anseio ou surpresa” (SILVA, 2014, p.146). Neste sentido,
Agamben (2005) interpreta que o dispositivo tem sempre uma função estratégica
concreta e se inscreve sempre em uma relação de poder. De acordo com
Foucault (1979, p. 139):

O dispositivo, portanto, está sempre inscrito em um jogo de


poder, estando sempre, no entanto, ligado a uma ou a
configurações de saber que dele nascem mas que
igualmente o condicionam. E isto, o dispositivo: estratégias
de relações de força sustentando tipos de saber e sendo
sustentadas por eles.

De acordo com Ravel (2005, p. 39), o termo ‘dispositivo’ “[...] designa


inicialmente os operadores materiais de poder, isto é, as técnicas, as estratégias
e as formas de assujeitamento utilizadas pelo poder”. Ao se concentrar na
1738

questão do poder, a análise de Foucault insiste sobre a importância de se ocupar


não ‘do edifício jurídico da soberania, dos aparelhos do Estado, das ideologias
Página

que o acompanham’, mas dos mecanismos de dominação. A partir dessa

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escolha metodológica é que se engendra a utilização da noção de ‘dispositivos’.


A partir da definição de dispositivo, em adição à noção de arranjo, busca-se
compreender os fatores que levam a compreender o CODIVAR para além do
campo da análise institucional, a partir de um entendimento político de sua
atuação e das ações que permitem sua sobrevivência como consórcio.
Consórcios se estabelecem a partir de uma relação de poder que não
inclui participação da sociedade da civil em seus aspectos decisórios. A Lei dos
Consórcios Públicos (Lei nº 11.107 de 2005) não prevê ordenação normativa
expressa concernente à participação no controle dos consórcios públicos. A
partir do Decreto 6.107/2007, que regulamenta a lei, fica estabelecida a
participação de representantes da sociedade civil nos órgãos colegiados do
consórcio público, à exceção da assembleia geral. Ou seja, embora a
participação da sociedade civil esteja prevista em Lei, ela tem espaço apenas
nos órgãos colegiados do consórcio, de modo que a estrutura de tomada de
decisão seja constituída exclusivamente pelos chefes do poder executivo (no
caso do CODIVAR, os prefeitos), que deliberam em assembleia geral. Além
disso, o decreto prevê que o contrato de rateio do consórcio não pode afastar ou
dificultar fiscalização da sociedade civil.

Segundo Castro (2008), a democracia permite que cidadãos controlem e


busquem a transparência da gestão pública e das decisões que são tomadas no
seu interesse. “(...) não se deve nunca pensar as cidades de maneira egoística,
de um egoísmo governamental, mas pensa-las, as cidades, como formulação e
compreensão da solidariedade, em nova urbanidade civilizatória, cuja origem e
virtude agitam a revolução silenciosa das interlocalidades pela governança
contratualidade, de que os consórcios públicos são grande exemplo” (CASTRO,
1739

2008, p. 347).

No momento da discussão sobre o protocolo de intenções entre


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interessados, a consultação pública revela-se mecanismo de confiabilidade


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popular na decisão administrativa e legislativa dos entes. “A participação


popular, neste ato preliminar, ensejará maior visibilidade no fenômeno da
regionalidade, universo de ação e sentimentos coletivos estruturados dos
consórcios públicos”. A intervenção cidadã se materializaria por instrumentos
participativos de controle social, quanto às questões econômico-financeiras e
quanto às questões teleológicas dos consórcios públicos (CASTRO, 2008).

Se o consórcio incluísse já em seu protocolo de intenções a existência de


assembleias populares (que não têm alçada para legislar nem para governar,
mas para controlar), conquistaria legitimidade mediante controle social e
confiança legitimada na democracia.

Além da questão de participação da sociedade civil, o consórcio


demonstra agir arbitrariamente em relação a publicação de documentos como
atas, o que fere sua transparência. Uma vez solicitados os documentos à
superintendências, os pedidos foram ignorados repetidas vezes. Além disso, as
informações financeiras publicadas em jornal de circulação local são
disponibilizadas de forma incompleta.

O estatuto do consórcio prevê que apenas municípios que não estão em


atraso com os compromissos do contrato de rateio podem eleger seu prefeito
como presidente do consórcio, o que não se valida na prática. Outra questão
reside no fato de que embora estejam se encaminhando os trâmites para que o
consórcio se enquadre à lei e torne-se um consórcio público, alguns municípios
demonstram resistência para este processo pela possibilidade de erros
contábeis gerarem improbidade administrativa.
1740
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CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O trabalho em questão ainda encontra-se em desenvolvimento, razão


pela qual as considerações apresentadas têm caráter preliminar.

Embora o CODIVAR tenha atuado até o momento mais sob o fundamento


de articulação política do que de desenvolvimento e implementação de
programas e projetos em seu escopo, caracteriza-se como um espaço de
atuação política relevante por mobilizar em seu interior os interesses,
representações e conflitos dos representantes do poder público municipal do
Vale do Ribeira.

O amadurecimento do consórcio requer que os compromissos financeiros


sejam honrados, que exista uma participação mais ativa dos prefeitos nas
assembleias e dos representantes de cada município nas câmaras técnicas
criadas para discussão de temas pontuais, para que haja fortalecimento da
capacidade de planejamento e prestação de serviços públicos em seu escopo.

A sobrevivência de um espaço institucional estabelecido para a gestão


compartilhada entre municípios, via busca de soluções para problemas comuns
e defesa de interesses coletivos depende de coesão interna entre os atores, ou
seja de cooperação horizontal entre seus participantes. Os municípios
compreendem autonomia como autossuficiência, e acabam não reconhecendo
sua interdependência ao se sobreporem a um mesmo território, sujeitos a
problemas comuns e passíveis de soluções cooperadas mais eficientes do que
as empreendidas individualmente.

No entanto, o consórcio não foi estabelecido a partir de relações de


confiança e do reconhecimento da importância de atuar de forma cooperada,
1741

mas a partir de uma simples oportunidade de ratear equipamentos e conseguir


verba de custeio para sua melhor utilização. Este fator cultural perdura até os
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dias atuais, uma vez que o baixo capital social limita as oportunidades de
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cooperação, que definitivamente não é o elemento central para a vitalidade deste


consórcio. Assim, os próximos passos deste trabalho consistem em averiguar
como o fato de caracterizar como um dispositivo tem possibilitado sua
permanência e sobrevivência.

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DANIEL PROFITI MORETTI
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MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SÃO CARLOS

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT6


DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM


ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS DA
REGIÃO DE SÃO CARLOS

DANIEL PROFITI MORETTI

Administrador Público pela UNESP (2008),


1747

Especialista em Gestão Pública (2012) e Mestre em


Gestão de Organizações e Sistemas Públicos pela
UFSCar (2015). Secretário Executivo do Escritório de
Página

DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM


ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS DA DANIEL PROFITI MORETTI
REGIÃO DE SÃO CARLOS
DANIEL PROFITI MORETTI
DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS
MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SÃO CARLOS

Desenvolvimento Físico da UFSCar. E-mail:


daniel@moretti.org / danielmoretti@ufscar.br

RESUMO

O objeto do trabalho foi elaborar um painel sobre a capacidade institucional dos


municípios de Ribeirão Bonito e Dourado/SP, enquanto pequenas comunidades
no entorno de São Carlos, esta um polo industrial e universitário. A análise
descritiva parte do conceito polissêmico de Desenvolvimento, dissociando-o da
noção de crescimento econômico e acrescendo-lhe as características do Novo-
Desenvolvimentismo experimentado no século XXI, relacionadas às políticas de
distribuição de renda e empoderamento popular. Após, explora-se a diferença
entre esta fase e o nacional-desenvolvimentismo no Brasil do século XX, quando
a lógica de desenvolvimento passou a ser majoritariamente econômica. Parte-
se para uma análise sobre as capacidades necessárias ao Estado a fim de
promover o desenvolvimento, especialmente em comunidades pequenas,
desprovidas de estrutura endógena de transformação social. Encerra-se com o
diagnóstico da presença estatal nas cidades estudadas, demonstrando como a
universidade pública pode contribuir na capacitação dos agentes destas
localidades para promover o desenvolvimento de suas comunidades.

ABSTRACT

The objective of this work was to make a panel about the institutional capacity of
Ribeirão Bonito and Dourado/SP, characterized as small towns surrounding the
city of São Carlos, an industrial and university hub. The descriptive analysis starts
1748

with the polysemous concept of Development, dissociating it from the simple


notion of economic growth and adding the characteristics of the New-
Página

Developmentalism experienced in the 19th century, related to the politics of


DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM
ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS DA DANIEL PROFITI MORETTI
REGIÃO DE SÃO CARLOS
DANIEL PROFITI MORETTI
DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS
MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SÃO CARLOS

income distribution and popular empowerment. After, will explore the differences
between this phase and the national-developmentalism occurred on the 20th
century, when development was understood again as economic growth. Then, it
analyzes the characteristics that the State need to promote development,
especially in small communities, devoid of an endogenous structure of social
transformation. The work ends with a diagnostic of the State presence in these
cities, showing how a public university could contribute for the capacitation and
training of their agents.
1749
Página

DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM


ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS DA DANIEL PROFITI MORETTI
REGIÃO DE SÃO CARLOS
DANIEL PROFITI MORETTI
DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS
MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SÃO CARLOS

INTRODUÇÃO

O presente paper é uma derivação da dissertação de mestrado do autor


junto ao Programa de Pós-Graduação em Gestão de Organizações e Sistemas
Públicos da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.

O objetivo deste trabalho será o de compreender um aspecto da questão


local brasileira, com o foco na dificuldade de pequenos municípios em alcançar
grau satisfatório de desenvolvimento. Ainda que os mesmos se encontrem
próximos a zonas urbanas de maior expressividade, estes locais ainda
apresentam características de periferia na hierarquia urbana: muitas vezes
relegadas à entes de segunda categoria, por conta da falta de dinâmica
econômica que as coloque em patamar mais competitivo, os municípios do
entorno de centros médios ou mesmo de grandes metrópoles nem sempre se
servem dos benefícios que esta localização pode proporcionar, especialmente
em termos de qualificação para a gestão pública e aproveitamento de recursos.
Como consequência, tais territórios acabam por permanecer em atraso em
diversos aspectos, tais como gestão de mananciais e do lixo, acesso à cultura e
lazer, transporte de massas, infraestrutura, participação social e envolvimento
dos cidadãos, entre outros indicadores sociais. A estrutura produtiva permanece
voltada à agricultura ou comércio de bens e serviços simples. Tais cidades
também sofrem com carência de mão-de-obra especializada, tanto para sua
indústria incipiente – quando existe – como para a gestão pública, este último
aspecto sendo de todos o mais preocupante, pois acaba por mantê-los
incapazes de concorrer por novas fontes de recursos e financiamento a projetos
que as ajudariam a sair da inércia ao qual se encontram. Parte-se, portanto, da
concepção de que as pequenas cidades do Brasil carecem de mecanismos de
1750

capacitação para que possam disparar políticas e dinâmicas que as façam atingir
parâmetros mais aceitáveis de desenvolvimento e qualidade de vida.
Página

Para compreender a situação institucional dos chamados nano-


DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM
ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS DA DANIEL PROFITI MORETTI
REGIÃO DE SÃO CARLOS
DANIEL PROFITI MORETTI
DESENVOLVIMENTO E CAPACIDADES ESTATAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS PEQUENOS
MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SÃO CARLOS

municípios, entendidos como expressões genuínas da questão local no Brasil, é


necessário primeiramente que se faça uma imersão breve no conceito de
Desenvolvimento, procurando compreender algumas de suas características.
Parte-se da ideia de que não se pode compreender a situação de
subdesenvolvimento local sem antes se apropriar do conceito a que se refere,
com a premissa de que ainda que políticas de desenvolvimento sejam
geralmente consideradas no contexto nacional, isso não impede que se possa
analisar como se dá a dinâmica no contexto local. Segue-se então um pequeno
histórico da realidade brasileira ao longo do século XX, procurando apresentar o
surgimento de um movimento que ensejou encontrar um viés próprio – não
importado – para a resolução dos problemas do país: o Modelo
Desenvolvimentista. Essa abordagem abandona definitivamente o aspecto
meramente economicista do binômio crescimento = desenvolvimento pregado
pelos pensadores da escola neoclássica e romperam com a visão liberal da
autorregulação do mercado. Daí se seguirá à questão da importância do Estado
nacional como indutor ou catalizador do desenvolvimento, porquanto procure dar
características homogêneas ao seu território, fazendo-o crescer a partir de uma
estratégia nacional. Segue-se à análise das ferramentas e recursos pelos quais
o Estado opera um projeto de desenvolvimento: trata-se de um olhar sobre as
Capacidades Estatais, entendidas como o conjunto de recursos, estrutura,
princípios e pactos essenciais que precisam estar à disposição do Estado (ou
mesmo de um dado ente federativo) para que este consiga conduzir o seu projeto
de governo. Por fim, apresenta-se o caso sobre municípios do interior de São
Paulo, próximos de instrumentos capacitadores promovidos pelo Estado (e
também pelo mercado), quais sejam: grandes agências de fomento, institutos de
pesquisa, escolas de governo, instituições educacionais, organizações não
1751

governamentais de apoio a projetos, etc., buscando compreender suas


possibilidades de aproximação a estes recursos, a partir da consideração de que
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este nível de relacionamento ainda é incipiente. Mas mais propriamente, o objeto


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busca compreender sua interação com um ente específico desse universo de


geradores de capacidade para o desenvolvimento: a universidade pública. O
recorte, mais do que propício, pode apontar de alguma forma ao entendimento
da realidade local na qual a UFSCar (o centro de excelência em questão) se
insere na constelação de microcidades do seu entorno, de forma a adequar suas
ações ao atendimento das demandas destas comunidades.

DESENVOLVIMENTO E A TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO DE


FURTADO

Para começar, parece bastante apropriado utilizar o conceito de Boschi


(2012) sobre o que é desenvolvimento, dada a sua amplitude, compreendendo-
o já sob a ótica que nos interessa, vinculando-o ao campo das ciências sociais:

Desenvolvimento é um conceito polissêmico e seu


significado tem mudado ao longo do tempo, desde os
primeiros estudos sobre fatores de produção e causas do
atraso até as contribuições das Nações Unidas sobre
desenvolvimento sustentável. Nessa pesquisa
entendemos desenvolvimento socioeconômico como uma
dinâmica de diversificação da estrutura produtiva, inovação
e controle nacional sobre a economia e, ao mesmo tempo
a geração de emprego, distribuição de renda e inclusão
social, ou seja, um projeto de bem-estar ligados a direitos
de cidadania. Nesse sentido, desenvolvimento se refere
tanto aos aspectos qualitativos do processo de acumulação
1752

de capital e crescimento econômico quanto à proteção


social, além da dimensão da sustentabilidade articulando
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metas de curto prazo a uma perspectiva de longo prazo

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através de uma preocupação com os recursos naturais e


proteção do meio ambiente. A política é um componente
central nesta dinâmica, que não se esgota na consecução
de crescimento econômico, tanto em termos de processos,
quanto em termos de instituições voltadas a esses
objetivos. Assim entendido, desenvolvimento é um
processo de ordem interna que está estreitamente ligado
ao surgimento e consolidação de Estados com
capacidades de intervir na economia e a sociedade. Além
disso, um aspecto central da noção que aqui empregamos
é o fato de que desenvolvimento envolve simultaneamente
processos internos e alterações o poder relativo dos países
na esfera internacional (BOSCHI, 2012, p.1).

Tal conceito, tão amplo e polissêmico na sua contemporaneidade, diz


respeito às características não apenas econômicas de acumulação de capital,
mas também de oportunidades de bem-estar social, incluindo a mais recente
demanda ambiental. Esta conceituação pode ser comparada a outras, como a
de Sen (1999), que conceitua desenvolvimento como liberdade, na medida em
que a falta de condições para sobrevivência digna e participação social são
capazes de privar o ser humano de sua liberdade individual e coletiva, enquanto
defende o desenvolvimento como um processo de expansão da liberdade.

Enquanto ciência, o campo do desenvolvimento também é capaz de


explicar porque as relações econômicas dos países não geram ganhos iguais
em ambos os lados. Esta premissa é para nós importante, pois consegue
explicar a gênese da relação de dependência do Brasil nas relações de mercado.
1753

Esta relação desequilibrada ocorre porque, segundo Prebish (1973), a produção


de bens primários, base das economias “periféricas” como a brasileira não é
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capaz de agregar o mesmo valor do que os bens de capital produzidos nos

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países cuja industrialização emergiu ao mesmo tempo em que o próprio sistema


capitalista, ou seja, aquelas que participaram da vanguarda da revolução
industrial. Prebish denomina este fenômeno como a deterioração dos termos de
troca dentro do sistema capitalista. Dessa forma, não apenas o desenvolvimento
e a qualidade de vida da população, mas a própria soberania das nações
periféricas pode ser abalada, como se constatou durante a era colonial e mesmo
hoje nas relações globalizadas.

O Brasil pertence a um grupo restrito de nações que, ainda que não


tenham participado da revolução industrial desde seu princípio, sofreram
processos de industrialização tardios. Hoje, estes países, chamados
emergentes, buscam seu lugar ao sol no que se refere ao desenvolvimento
econômico, enquanto ainda têm muito a realizar na questão social. Importa
afirmar que estes países puderam alcançar algum grau de crescimento
econômico em parte por conta de investimentos externos dos países centrais,
que buscavam obter ampliação do seu mercado consumidor ao integrá-los na
malha comercial, ao mesmo tempo em que obtinham acesso a matérias-primas
e a mão-de-obra mais barata, podendo assim baixar seus custos de produção e
maximizar os lucros. Assim, para viabilizar esta estratégia, desde os anos 50 do
século XX estudos de grande penetração foram sendo realizados no sentido de
enquadrar as nações periféricas em preceitos, estatísticas e teoremas que
explicassem a natureza do subdesenvolvimento e predicassem as formas pelo
qual se poderia disparar o crescimento econômico, advindas das mais diversas
fontes, desde a Conferência de Bretton Woods até o Consenso de Washington.
Seguindo estes receituários, os países periféricos poderiam se qualificar para
obter o desenvolvimento externo necessário para impulsionar a geração de uma
1754

cadeia industrial interna e, consequentemente, a entrada no sistema capitalista


e a garantia de qualidade de vida para as pessoas – em outras palavras, o
acesso ao desenvolvimento.
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Esta visão vertical de dominação foi contestada nas estruturas da


Organização das Nações Unidas uma comissão para estudar a dinâmica do
desenvolvimento em uma abordagem bem particular: a CEPAL – Comissão
Econômica para a América Latina e Caribe, e com ela, a figura de Celso Furtado,
o maior economista de nossa história nacional. Para os pesquisadores da
CEPAL, a alternativa de importação de tecnologia para mera substituição de
importações não leva em conta que os pobres se apropriem dos meios de
geração dessa tecnologia; dessa forma, estes territórios estariam, sob esta
perspectiva, eternamente atrelados aos laboratórios de desenvolvedores de
produto das nações de onde estas tecnologias proviriam, permanecendo sempre
um passo atrás no tocante à vanguarda, como meros reprodutores de técnicas
sempre obsoletas. Antes de qualquer coisa, o subdesenvolvimento precisa ser
tratado de modo independente, com base em soluções endógenas, não
vinculado à ótica dos países centrais. Só assim este poderá ser superado, tendo
em vista suas trajetórias tão distintas. Em outras palavras, as teorias vindas do
Norte não são capazes de explicar as raízes do subdesenvolvimento, até porque
os países ricos não experimentaram o subdesenvolvimento durante suas
trajetórias de construção econômica. Nas palavras de Furtado: “o
subdesenvolvimento é um processo histórico autônomo, e não uma etapa pela
qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau
superior de desenvolvimento”. (FURTADO, 1961, p. 253). De igual modo,
autônomas também devem ser as alternativas para a superação deste estágio
pelos países de economia atrasada. Ainda segundo ele, o subdesenvolvimento:
“é, em si, um processo particular, resultante da penetração de empresas
capitalistas modernas em estruturas arcaicas” (FURTADO, 1961, p. 261).
1755

Trabalhando com a evolução dos ciclos econômicos experimentados no


Brasil – açúcar, ouro, café e manufatura – o autor ainda explica que existem três
estágios distintos que podem ser observados na economia de um país, e o
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subdesenvolvimento ocorre quando se observa a presença de empresas


estrangeiras de nações evoluídas operando em nações atrasadas, sem que essa
coexistência contribua para a mudança da estrutura econômica desta última, ou
seja, apenas gerando divisas para a primeira. O Brasil estaria em um segundo
momento, onde estes dois setores – moderno e rudimentar – convivem com um
núcleo industrial local atrelado à geração de tecnologia já ultrapassada, mas que,
no entanto, é capaz de promover em alguma medida a necessária substituição
de importações e possibilita o crescimento pelo atendimento à oferta local.
Resulta dessa situação uma situação perniciosa: a crescente indústria local não
consegue absorver a mão-de-obra que permanece no grupo de subsistência,
porquanto este setor já vai se construindo dentro de uma estrutura tecnológica
que dispensa um exército excedente de trabalhadores, por ser em grande
medida mecanizada; fosse de outro modo, nunca conseguiria concorrer contra o
produto externo. Esse quadro, sobretudo, impede a ascensão social da maioria
da população e mantém o país em situação de atraso.

Para superar este quadro e garantir o desenvolvimento, Furtado afirma a


necessidade de articulação do Estado e o planejamento público na definição de
estratégias de longo alcance. Caberia ao Brasil estabelecer um projeto de nação,
profundamente assentado sobre a reforma política. Aí estaria a estratégia capaz
de quebrar o ciclo do subdesenvolvimento, na medida em que organiza o
potencial endógeno de seu território na tentativa de reequilibrar a relação de
mercado com os países industrializados, através da adoção medidas
protecionistas aos seus produtos de exportação, no fomento à indústria local de
base, na manutenção de postos de trabalho, etc. enquanto reorganiza as
estruturas políticas para além das oligarquias tradicionais, as quais seriam
1756

empecilho à modernização institucional do país. Como mostra Gumiero (2011):

A aposta de Furtado é a ação coordenada do Estado em


Página

formular reformas de base com a democracia do sistema

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político. Segundo Furtado (1967), a saída para o


subdesenvolvimento deve ser dada pelas modificações
estruturais e uma eficaz política de desenvolvimento, do
tipo qualitativo. O desenvolvimento deve ser equilibrado,
gerenciado pelo Estado e pelo planejamento. (GUMIERO,
2011, p. 98).

DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO AO NOVO
DESENVOLVIMENTISMO: O PROJETO DE NAÇÃO E O PROTAGONISMO
DO ESTADO

Ao inaugurar o estruturalismo na ciência social brasileira, Furtado


exemplifica em sua obra a primeira experiência de pensamento do Brasil por um
viés sistêmico, não apenas considerando apenas aspectos de modernização do
sistema produtivo, mas defendendo o planejamento do país em todas as suas
esferas. Esta estratégia foi adotada pelos governos que se seguiram no país,
inaugurando a implementação da lógica desenvolvimentista, nas palavras de
Cepêda (2012):

De maneira geral, pode-se definir desenvolvimentismo


como um projeto de transformação social profunda,
operada politicamente de maneira racional e orientada pelo
Estado, vinculando economia e avanço social. (...).
Portanto, é mais que desenvolvimento: é mudança social
sistêmica, orientada e sustentada politicamente. O
desenvolvimentismo, percebido como projeto, é produto de
1757

um momento datado e de uma conjuntura específica, mas


mesmo nessa modalidade foi capaz de produzir um arranjo
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teórico e político capaz de ser atualizado e realinhado em

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outras situações históricas. (...) Das causas apontadas pela


teoria do subdesenvolvimento emergirão tanto o
desenvolvimentismo (proposta de superação do
subdesenvolvimento) quanto o nacional-
desenvolvimentismo (pacto social que sustenta a proposta
de intervenção e meio de construção da nação, clássico no
Brasil e América Latina) (CEPÊDA, 2012, p. 79).

O Brasil fez o esforço de planificar a ação do Estado, a princípio


embutindo esta estratégia com a política de redefinição da identidade nacional,
a fim de gerar na população um sentimento de unidade que nunca havia se
experimentado dadas as disparidades regionais e a desvalorização da
multiplicidade étnica: o nacionalismo viria unir os brasileiros valorizando o país
pela força do mestiço e pela cultura de cada região dentro do todo. Planejar para
crescer e expandir-se a partir um ideal (ou propaganda) comum eram faces de
uma mesma moeda. Surge o nacional-desenvolvimentismo, primeiro e segundo
movimentos dentre três distintas fases da era desenvolvimentista. Isto porque o
mesmo foi implementado tanto durante a era populista quanto durante o período
autoritário. Em ambos os momentos, porém, a lógica era a mesma: Estado forte,
capaz de manter um pacto nacional coeso e alinhado com as metas
estabelecidas de crescimento.

O Estado desenvolvimentista, através do seu aparato, não apenas


intervinha na ação das empresas, como muitas vezes entrava em mercados
considerados estratégicos para atuar onde as empresas do país não se
aventuravam dada a incapacidade de fazer investimentos tão pesados. Foi
assim que o país passou a atuar na indústria de base, na mineração e
1758

prospecção de petróleo, no sistema nacional de telecomunicações, etc., em


alguns casos, inclusive, mantendo o monopólio sobre o setor.
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Necessário dizer que, do ponto de vista do desenvolvimento social, o


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velho desenvolvimentismo, populista ou autoritário, concentrador e


primordialmente voltado à formação de infraestrutura de base e logística e
controle sobre a economia, não logrou o objetivo de diminuir as desigualdades
na distribuição da renda, tampouco conseguiu estender garantias sociais às
camadas mais pobres da população. Assim sendo, abriu-se espaço para que os
ditames neoliberais apregoados pelos países centrais pudessem se estabelecer
nos países periféricos da América Latina, bem como no Brasil, a fim de
responder à crise. Sob a perspectiva neoclássica, a distância entre ricos e pobres
se acentuou, com o reempoderamento de uma elite despreocupada com a
questão social, ainda que aspectos macroeconômicos tenham sido ajustados,
como o controle da inflação. Até que, por conta de um novo esgotamento de
modelo, agora do liberal, em fins do século XX e começo do século XXI, o Brasil
e o restante da região puderam experimentar um retorno aos ideais
desenvolvimentistas, agora baseados em um caráter redistributivo. Em outras
palavras, os planos econômicos passam a ter de conciliar crescimento industrial
e avanços sociais e também ambientais, com planos de ação orientados para
políticas de educação, saúde e bem-estar social, com vistas à maior equidade
entre as camadas sociais. Ao mesmo tempo, o intervencionismo econômico
segue por meio de instituições e agências de coordenação e controle, e não mais
pela própria ação produtiva nas mãos do Estado, dado que grande parte das
empresas estatais foram privatizadas ainda no período anterior.

Estas políticas públicas foram responsáveis pela diminuição do abismo


social no país e pela capacitação de mão-de-obra para a geração de tecnologia
nacional. Entre eles encontram-se o “Luz para Todos”, o “Bolsa Família”, o
“Minha Casa Minha Vida”, o “Brasil sem Miséria”, entre outros. Especialmente na
1759

área da educação, a revolução no acesso ao ensino superior se deu por


programas e projetos experimentados muito proximamente pela comunidade
universitária na qual nos inserimos, através do REUNI, do ProUNI, Pronatec,
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ENEM e o sistema de Ações Afirmativas. Todas essas ações também


contribuem para o empoderamento das comunidades que recebem os recursos,
pois ao serem reinseridas no contexto econômico graças a essas políticas, ao
terem restauradas as condições mínimas de sobrevivência digna, os
beneficiados passam a ter consciência também da sua capacidade de
participação social; passam a se considerar novamente cidadãos. Todas essas
ações, no entanto, podem ser reunidas em dois programas de geração de
infraestrutura que foram a base do planejamento público na era PT: tratam-se
dos Programas de Aceleração do Crescimento, o PAC 1 e o PAC 2. Esse pool
de políticas sociais atua, ao mesmo tempo, em dois momentos: enquanto
programas de transferência direta de renda, são capazes de alterar a dinâmica
econômica de determinado território, enquanto os programas de transferência
indireta, que se aplicam pela extensão de serviços e ampliação da infraestrutura,
podem favorecer a inclusão de camadas distantes da população na própria
noção de contemporaneidade, pelo bem-estar que podem trazer em pequenas
medidas como o direito à meios de transporte e comunicação. Como resultado,
de qualquer modo, o que se vê é o empoderamento de camadas antes excluídas
do prisma social, hoje demandantes de novos direitos e percebedores de seu
lugar como agentes de transformação social (CEPÊDA, 2012).

A fim de conseguir planejar, implementar e gerir políticas públicas de


caráter desenvolvimentista, portanto, cabe ao Estado capacitar suas estruturas,
agentes e atores, na medida em que promove o desenvolvimento de populações
excluídas (SEN, 2007). Em outras palavras, cabe ao Estado obter capacidade
de coordenação estratégica de seu projeto nacional, a partir da qualificação de
seus agentes e da coordenação institucional entre classes sociais, atores
1760

sociais, elites e gestores públicos em diferentes níveis burocráticos.


Historicamente, essa necessidade esteve premente em ambas as ondas da fase
desenvolvimentista, de modo que a discussão sobre as capacidades estatais,
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quer tenham sido assim denominadas ou mesmo enquanto tratadas como


estratégias ou políticas de transformação social e empoderamento local, sempre
assumiu lugar de destaque dentro da discussão do desenvolvimento. A premissa
principal relacionada às capacidades estatais diz respeito à manutenção de um
corpo institucional que instrumentalize as políticas de desenvolvimento e os
arranjos que esta instituição precisa fazer para lidar com as diferentes esferas
de poder que interferem na tomada de determinada decisão. Boschi assim define
o termo: "A noção de capacidade estatal remete, fundamentalmente, à
habilidade que tem um Estado de estabelecer objetivos e poder cumpri-los"
(BOSCHI, 2012, p. 4). A fim de ampliar esta discussão, Diniz (2010) resume a
emergência de uma estratégia nacional contemporânea por parte do Estado que
contemple um olhar para este cenário amplo:

O Estado necessita intervir, segundo uma estratégia, isto


é, uma visão de longo prazo, que o torne capaz de
coordenar a ação dos agentes públicos e dos atores
privados na consecução das metas coletivas. Entre estas,
destaca-se a reversão da trajetória de crescimento
associado à desigualdade na distribuição de renda, marca
do antigo padrão desenvolvimentista. De forma similar, já
não é mais possível enfatizar a expansão econômica em
detrimento dos recursos ambientais. Tais dimensões não
mais podem ser tratadas sob a ótica de um jogo de soma
zero. Ao contrário, representam aspectos indissociáveis de
um projeto nacional que responda às aspirações do
conjunto da população (DINIZ, 2010, p. 20)
1761

A realização do projeto estratégico citado por Diniz deve ocorrer dentro


dessa nova dinâmica democrática, diferente da experiência autoritária anterior,
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quando não havia a necessidade de qualquer tipo de consenso. Nos dias atuais,

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o Estado precisa ter a capacidade de articular-se com os demais atores


envolvidos com as políticas públicas (elites, mercado, sociedade, instituições)
para conseguir aplicar sua agenda, em um ambiente muito diverso daquele que
se experimentava antes da constituição de 1988 e da abertura política.
Diferentes capacidades estatais vêm sendo estudadas pelos cientistas sociais
ao longo da nova era desenvolvimentista, emergida no século XXI no Brasil.
Entre as principais, encontram-se: a natureza do funcionalismo público (se opera
por relações clientelistas e corporativistas, ou se insulada, operando com
especialistas e gerando trabalhos de relevância em sua área de ação, se
eficiente ou apenas eficaz segundo clientela, quais os impactos e resultados das
políticas), a fonte de recursos (natureza dos investimentos estatais na medida
para a consecução das atividades do órgão; se apresentam formas de desvio;
se materiais e equipamentos existem em quantidade suficiente para determinada
ação), os instrumentos de transformação social e os arranjos empregados para
sua implementação (os programas sociais em si: PAC, Bolsa Família, Plano
Nacional de Desenvolvimento Regional, planos de política externa, etc.), e a
aceitação social (a capacidade de capilarizar, no conjunto da sociedade, o
projeto através da consecução de alianças capazes de transformar determinado
programa em política de estado, visando sua perpetuação). Na experiência
neodesenvolvimentista brasileira, diversos projetos e programas acabaram
recebendo grande aceitação social, demonstrando a capacidade de articulação
dos agentes estatais no sentido de convencer grandes parcelas do eleitorado,
da elite produtiva, de comunidades importantes e formadores de opinião para
aderir ao mesmo. Esse tipo de arranjo é, em si, uma demonstração da
capacidade de articulação do Estado, que vem logrando êxito nos últimos anos,
em parte pela ação dos governos de esquerda. O BNDES, a Petrobrás, o IPEA,
1762

a FGV, o Banco Central e os bancos públicos são todos agentes do Estado na


condução da política econômica, na geração de indicadores e relatórios de
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acompanhamento do mercado e na qualificação de profissionais e especialistas


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para atuação na política econômica. No caso das políticas de desenvolvimento


social, as instituições que dão cabo destas atividades estão em processo de
estruturação, dado que foram criadas mais recentemente, contemporâneas da
nova era desenvolvimentista. Se antes os instrumentos de desenvolvimento
social (na medida em que eram propostos, como sabemos, em porcentagem
muito menor do que as ações econômicas) eram as superintendências (SUDAN,
SUDENE, SUFRAMA, etc.) e os órgãos da previdência social, hoje são
instrumentos cujas ações estão vinculadas ao Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome – MDS, responsável pela condução das atividades e
estratégias dessa área de ação do Estado, em ação articulada com os
ministérios da Saúde, Educação e Integração Nacional, entre outros. A grande
maioria das políticas sociais dos últimos anos foi conduzida pelo MDS, com
destaque para o “Bolsa Família” e o novo programa “Brasil Sem Miséria”.

Portanto, seja como fomentador da política macroeconômica ou como


impulsionador de estratégias de crescimento em longo prazo, seja em sua
atuação sobre as esferas locais, firmando parcerias, normatizando e financiando
estratégias de empoderamento a nível local – e especialmente capacitando os
governos locais e a sociedade civil, a ação do Estado nacional permanece ainda
extremamente importante, independentemente do protagonismo que se dê ao
local como recorte de estudo. A localidade depende da ação empoderadora do
Estado, pois não pode manter por si mesma política que promova o
desenvolvimento sem considerar uma cadeia de causalidades que fogem ao seu
controle e suplantam seu espaço, assim como não se pode acreditar cegamente
na benevolência de órgãos de responsabilidade social de empresas que se
utilizam dessa ferramenta muito mais como estratégia de marketing do que para
1763

o bem da comunidade onde se insere, pois o interesse desse tipo de organização


é gerar lucros, e não uma cadeia de virtudes onde esteja inserida, ainda que
qualquer iniciativa em prol da qualidade de vida de potenciais mercados
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consumidores seja sempre positivo. Dessa forma, sem a articulação do Estado


dificilmente surgem iniciativas populares de desenvolvimento humano e social
nas localidades e regiões que consiga, por si só, gerar impacto econômico
significativo. Cooperativas demandam treinamento, por exemplo, e nem sempre
este insumo está prontamente disponível.

Por outro lado, a ação capacitadora do Estado em comunidades excluídas


deve ser muito mais um instrumento de cidadania e de transformação social do
que a simples indução de dado modelo econômico, posto que propõe a
participação social da comunidade na geração de emprego e renda. Quanto aos
governos destes municípios pequenos e afastados, também necessitam dessa
força, que deve ser impulsionada pelo cada vez mais numeroso grupo de
cientistas sociais e profissionais do Campo de ciências Públicas que estão sendo
absorvidos pela administração direta e indireta do governo federal e dos Estados.

Em regiões já consolidadas, consideradas dinâmicas ou de alta renda,


pequenos municípios também possuem diversas contingências; porém suas
necessidades permanecem obscurecidas atrás de indicadores que não refletem
a realidade, puxados para cima pelas cidades polo ao redor. Por conta disso,
estruturas dependentes da pecuária e da agricultura, fornecedoras de alimento
para os grandes centros, são por vezes requalificadas como cinturões verdes
das cidades industriais que as cercam, enquanto sua população permanece
carente de uma série de serviços essenciais, tendo de se deslocar para o
trabalho e estudo diário longas distâncias ou mesmo suportando altos índices de
desemprego e violência. Ribeirão Bonito e Dourado, as cidades que serão
estudadas adiante, enquadram-se perfeitamente dentro destas características.
Não serão avaliados neste momento índices de violência ou agressões aos
1764

direitos humanos, por exemplo, mas estarão entre os indicadores verificados o


efetivo dos agentes de segurança pública, o número de estabelecimentos
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econômicos e os dados do censo escolar, entre outros fatores. Tais números

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buscarão refletir a presença do Estado nestas localidades, em três aspectos,


considerados em si como capacidades estatais: aparato, pessoal e recursos
financeiros e orçamentários, e um aspecto entendido como capacidade
social: sociedade civil organizada, na forma de sindicatos ou associações. Três
destes quatro aspectos, naturalmente excetuando os recursos financeiros,
podem (e devem) ser objeto de capacitação por parte do Estado (em suas
esferas federal ou estadual) através de políticas amplas de desenvolvimento,
com vistas à transformação social dos territórios vulneráveis.

Em todo o caso, o valor e a importância regional da universidade serão


levados em alta conta. Afinal, se existe tal instrumento nas proximidades das
pequenas comunidades, a ação do mesmo pode produzir e aprimorar os
mecanismos de empoderamento destas comunidades. Portanto, o estudo de
caso a seguir será finalizado com breve relato da absorção da estrutura da
UFSCar, enquanto agente capacitador do Estado e centro de excelência mais
próximo destas localidades, apresentando alguns números da universidade em
sua relação com estes dois municípios na promoção do ensino, da pesquisa e
da extensão.

Com base nestes dados, a conclusão deste trabalho procurará responder


às seguintes questões: 1) obter o levantamento das ferramentas e/ou
capacidades disponíveis nos municípios pequenos ao redor da universidade,
com vistas a compreender a vulnerabilidade de cada um deles, e 2) como uma
instituição pública de ensino superior tem sido acionada para promover o
desenvolvimento local e qual o grau de interlocução que há entre esta instituição
e o território ao seu redor. A partir de então, passamos primeiramente à análise
das capacidades institucionais instaladas em Ribeirão Bonito e Dourado.
1765
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HIERARQUIA URBANA E A NOÇÃO DE CIDADE NO BRASIL

Entre os municípios brasileiros encontram-se localidades com


características muito díspares, em parte assim definidas por conta do processo
histórico de ocupação do território. Assim, existe uma enorme quantidade de
cidades do país alocadas próximas do litoral, enquanto o interior é escassamente
povoado. Por conta disso, a maioria das grandes cidades encontra-se a menos
de 500 km da faixa litorânea. Geograficamente, os municípios que lhes abrigam
possuem territórios pequenos e bem distribuídos. No norte do país e nas faixas
de fronteira, no entanto, existem municípios com áreas maiores do que de
algumas nações do mundo, mas com pouca população. Enquanto as 200
maiores cidades do país concentram metade da população, a outra metade está
distribuída entre outros 5370 municípios. O IBGE discute no artigo Regiões de
Influência das Cidades (2007) a relação entre o excesso de criação de
municípios na segunda metade do século XX no Brasil com a facilidade
encontrada pelos gestores municipais do país para elevar vilas periféricas e
distritos das pequenas cidades em municípios autônomos, desconsiderando
quaisquer problemas que esse excesso poderia suscitar. Assim, surgem nos
anos 1990 municípios com menos de 2000 habitantes, sem a menor
possibilidade de manter orçamento equilibrado, gerando forte dependência ao
Fundo de Participação dos Municípios – FPM. Esta situação se altera apenas
em 1996, quando a União, via emenda constitucional, passa a atribuir para si a
criação de novos municípios.

Assim sendo, parece mais apropriado fazer a distinção entre grandes e


pequenas cidades, a fim de se adequar ao interesse de tal pesquisa, que busca
considerar apenas as últimas, utilizando-se do conceito de Hierarquia Urbana
1766

cunhado pelo IBGE. Nele, os municípios do país são divididos entre categorias,
conforme sua esfera de influência, levando em conta a questão populacional,
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mas não se resumindo a ela, considerando também a relação de ligação entre

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as cidades. Entre as categorias existentes, estão desde metrópoles globais,


nacionais e regionais, até centros de zona, passando por centros regionais, cada
categoria contendo também suas subdivisões. Vale ressaltar que apenas 812
municípios brasileiros se encaixam nesta estrutura, ou seja, apenas 15% dos
municípios do país se enquadram minimamente dentro dos critérios para serem
considerados como cidades autônomas e conseguem estabelecer relações com
a dinâmica regional. 4758 cidades, entre elas Ribeirão Bonito e Dourado, figuram
como cidades cuja estrutura só se relaciona com sua própria população e
aparecem como periferia na rede urbana nacional. Muitos deles, curiosamente,
situam-se tão próximos aos grandes centros que podem, nos próximos anos,
experimentar processos de conurbação com as localidades às quais margeiam;
mas desde já agem ante a eles como suas próprias periferias, afastados dos
serviços especializados ou das condições de acesso a mercados em expansão.
Próximos a polos industriais, essas localidades permanecem como agrário-
exportadoras, tendo pouca ou nenhuma atividade industrial. Ainda que sejam
servidos por boas estradas, esses locais permanecem à margem das rotas do
desenvolvimento.

Estas localidades, dada a sua inexpressividade no todo da geração de


riqueza do país e pelo fato de não se encontrarem em corredor logístico
expressivo, raramente são objeto de pesquisas sobre a capacidade do governo
instalado, pelo que pesquisas como esta ganham importância, demonstrando até
onde os pequenos municípios podem definir suas políticas e o quanto dependem
das demais instâncias do Estado. Ainda que situados na proximidade de centros
maiores, os pequenos ou nano-municípios (ou seja, aqueles que não pertencem
à constelação principal de cidades brasileiras) carecem de instrumentos que os
1767

capacitem para que possam concorrer frente às cidades maiores na obtenção


de recursos e na qualificação para acesso a políticas sociais e de infraestrutura,
entre outras. Competir com as cidades maiores não seria possível a não ser pela
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articulação com o governo federal e com os governos estaduais, em sua ação


homogeneizadora do território, buscando atender às demandas das regiões mais
desprovidas economicamente, como se verá no próximo tópico. Grandes
municípios, por outro lado, tendem a possuir uma maior estrutura para disparar
o desenvolvimento a partir do próprio aparato já instalado (especialmente
aqueles providos de universidades e centros de pesquisa), mas as pequenas
cidades carecem de todo o tipo de apoio, que vai desde a formação dos agentes
públicos até o financiamento de atividades fundamentais. Percebe-se, assim,
que o tamanho de um município pode ser um elemento importante no que se
refere à disponibilidade ou à falta de condições para disparar o processo de
desenvolvimento.

Vale destacar, para a finalidade dessa pesquisa, a diferenciação proposta


entre pequenos e nano-municípios. Este último termo, de recente aparição na
literatura, é usado neste trabalho a fim de designar qualquer cidade de pequeno
porte que, pela presunção de falta de recursos mínimos para sua gestão
sustentável, esteja estabelecida em uma relação de dependência de um centro
urbano maior ou que, por hipótese, não possuam uma estrutura econômica
diversificada o suficiente dentro de seu próprio território. Uma discussão
superficial poderia excluir dessa acepção cidades como Alumínio, Campos do
Jordão, Águas de São Pedro ou Aparecida, no Estado de São Paulo, por
exemplo, mas como a grande maioria das pequenas cidades do Brasil ainda
estariam enquadradas entre aquelas que se encaixam no conceito de nano-
municípios (base econômica em agricultura ou em serviços voltados a isso,
carência de diversos serviços e políticas públicas, etc.), ambas terminologias
acabam parecendo redundantes e adequadas, muitas vezes confundindo-se.
1768

Considera-se, para o propósito deste trabalho, que as cidades utilizadas neste


estudo estejam entre as que podem ser designadas como nano-municípios.
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INDICADORES SOCIAIS E CARACTERÍSTICAS DO FUNCIONALISMO EM


DOURADO E RIBEIRÃO BONITO

Doravante se apresentarão os indicadores da capacidade instalada nos


municípios de Dourado e Ribeirão Bonito, em termos de estrutura, recursos e
pessoal, ao que se passará à discussão da presença (ou ausência) de alianças,
planos e projetos nacionais, a partir do Estado, que atuem nos territórios em
recorte para a promoção do desenvolvimento local. Para tanto, o relato começa
com a apresentação da estrutura de governo dos municípios, passando por cada
um dos poderes estabelecidos.

Tabela 1: Estrutura dos Governos Municipais – I – Legislativo

Ribeirão Bonito Dourado

Vereadores (legislatura
9 9
2012-2016):
PT (presidente), PSDB (3), PSDB (presidente), PP (2),
Partidos representados PSB, PMDB, DEM, PRB, PV, PSD, DEM, PTB, PR,
PSD. PSB.
Constituição, Justiça e
Constituição, Justiça e
Redação; Orçamento,
Redação; Orçamento,
Finanças e Contabilidade;
Finanças e Contabilidade;
Obras e Serviços Públicos;
Comissões ativas no Saúde, Educação, Cultura e
Saúde, Educação, Cultura,
legislativo Turismo; Obras
Lazer e Turismo;
Assistenciais e Serviços
Planejamento, Uso,
Públicos; Planejamento, Uso
Ocupação e Parcelamento do
1769

e Ocupação do Solo.
Solo; Ética.

Fonte: camaradourado.sp.gov.br, cmrb.sp.gov.br


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Tabela 2: Estrutura dos Governos Municipais – II – Judiciário

Ribeirão Bonito Dourado

Sede de Comarca (fórum) Sim

1 Inicial (civil, criminal, Não (pertence à comarca de


Varas infância, execuções e Ribeirão Bonito)
distribuição)
2 Registro civil (sendo 1 no
distrito de Guarapiranga); 1
Cartórios Registro de Móveis; 1 Notas e 1 Registro Civil
Protestos; 1 Eleitoral (zona
107 – inclui Dourado)

Fonte: emsampa.com.br, entrevistas com agentes policiais do município.

Tabela 3: Estrutura dos Governos Municipais – III - Executivo

Ribeirão Bonito Dourado

Grupo político do prefeito PMDB PP

Número de servidores da
prefeitura (CLT, estatutários,
390 (2,7% da população) 303 (3,57% da população)
comissionados e eventuais) –
2014.
Gasto com funcionalismo (%
do orçamento municipal – 43% 53%
2014)
R$ 3.970,00 (médico,
engenheiro, arquiteto,
diretor de departamento) –
Teto do funcionalismo (2014) R$ 9.078,00 (prefeito)
dados referentes ao salário
do chefe do executivo não
1770

encontrados
R$ 732,00 (auxiliar de
R$ 678,00 (auxiliar de
Piso do funcionalismo (2014) serviços gerais da câmara de
serviços gerais)
Página

vereadores)

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Organograma municipal Vide abaixo Vide abaixo

3 (departamento, divisão,
Níveis de hierarquia 3 (diretoria, setor, seção)
seção)
Direitos da Criança e do
Segurança alimentar e
Adolescente; Direitos do
nutricional; Gestor do
Idoso; Saúde; Educação;
Conselhos municipais em FUNDEB; Direitos da
Assistência Social;
operação Criança e do Adolescente;
Desenvolvimento Rural;
Educação; Saúde;
Acompanhamento e Controle
Assistência Social
Social
Comitê de Bacia dos rios Comitê de Bacia dos rios
Participação em
Tietê/Jacaré, Associação dos Tietê/Jacaré, Associação
fóruns/organismos
Municípios da Região Central dos Municípios da Região
intermunicipais
do Estado Central do Estado

Mecanismos de participação
Nenhum Ouvidoria
popular no governo

Orçamento Participativo Não Não

Fonte: camaradourado.sp.gov.br, cmrb.sp.gov.br

Pelos dados apresentados, percebe-se que a estrutura dos poderes


destes municípios é condizente com o tamanho das cidades (na proporção de
pessoal alocado e da receita disponível) e com a existência dos serviços mais
essenciais – definidos pela Constituição como de responsabilidade dos
municípios –, ainda que isso signifique a inexistência de diversos aparelhos
importantes de participação da sociedade nas decisões do governo, cuja
obrigatoriedade não é exigida pela legislação, como a ouvidoria. Não se
conseguiu levantar a composição dos conselhos municipais, tampouco a
frequência de suas reuniões, o que pode significar que mesmo os conselhos
obrigatórios (aqueles cuja formação é exigida pelo governo federal como
1771

requisito para a destinação de recursos e repasses de verba nas áreas em


questão) existentes se reúnam o mínimo possível. Destaca-se também o fato da
Página

maioria da classe política nas cidades pertencer a partidos de centro e direita, o


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que justifica a quase inexistência de mecanismos de participação popular. No


entanto, as localidades demonstram ter sérias discrepâncias entre os salários
mais altos e mais baixos do funcionalismo, indicando que se está
comprometendo uma grande fatia do orçamento com pagamento de salários à
classe política que não condizem com o tamanho da cidade que governam. Os
salários dos funcionários de carreira, porém, parecem ser semelhantes ou
mesmo estão aquém daqueles praticados no mercado. O quadro a seguir
apresentará a estrutura orçamentária do município, bem como a produção total
da economia. Tais dados têm sua relevância, pois refletem a situação econômica
do governo e dos setores produtivos.

Tabela 4: Orçamento Municipal e Indicadores Econômicos

Ribeirão Bonito Dourado

Renda per capta (2010) R$ 590,72 R$ 621,72

PIB per capta (2012) R$ 14.459,67 R$ 20.165,51

PIB (2012) R$ 189.810.000,00 R$ 173.625.000,00

Indústria/Construção – 10,4% Indústria/Construção – 21,2%


Composição do PIB (2005) Comércio/Serviços – 57,2% Comércio/Serviços – 53,8%
Agronegócio – 28,0% Agronegócio – 18,6%
1772

CNPJ abertos (número de


625 352
empresas em 2014)
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Orçamento (2014) R$ 25.660.000,00 R$ 20.850.000,00

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FPM – 26,6% FPM – 29,3%


ICMS – 23,3% ICMS – 25,2%
Composição da Receita
(2005) Tributos municipais – 10,0% Tributos municipais – 5,8%
Outras receitas e Outras receitas e
transferências –40,1% transferências – 39,7%

Fonte: IBGE Cidades (cidades.ibge.gov.br), camaradourado.sp.gov.br, cmrb.sp.gov.br

Percebe-se pelo quadro apresentado que os pequenos municípios ainda


são extremamente dependentes das transferências de recursos de entes
federativos superiores na composição do seu orçamento. Considerando que tais
valores sempre se destinam previamente vinculados a determinadas políticas, o
poder de ação de prefeitos e legisladores para a realização de determinada
política local é muito reduzido. Soma-se a isso o fato de que estas cidades (como
todas as demais de mesmas características) não dispõem de pessoal em
número e capacitação suficiente para buscar o acesso a novas fontes de
financiamento de projetos, como editais e chamadas públicas promovidas por
agências de fomento e secretarias dos governos estaduais e federal. Com isso,
tais recursos acabam permanecendo vinculados a projetos nem sempre
relevantes de grandes polos, enquanto pequenas cidades permanecem
carecendo de recursos para projetos de iluminação e saneamento básico, por
exemplo. O indicador relacionado à participação do orçamento anual na relação
do PIB não pôde ser levantado pois os dados referentes ao orçamento e ao PIB
anual, dadas as fontes, são de anos distintos. No entanto, em ambos os casos,
o orçamento municipal diz respeito a cerca de um quarto do PIB anual, mais ou
menos.

No que se refere às iniciativas de reciclagem dos servidores, as equipes


1773

demonstraram em entrevista não ser capazes de auto induzir sua capacitação,


uma vez que estão restritos às atividades que lhes são afetas por força de lei e
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possuem restrições em termos de orçamento e disponibilidade de fontes de


aprendizado. Por consequência, os agentes públicos dos governos municipais
têm dificuldade de promover endogenamente quaisquer instrumentos com vistas
ao desenvolvimento local. Contribui para esta constatação o fato de que em
nenhuma das legislações de pessoal das prefeituras municipais existe a
presença de qualquer carreira ligada à formulação, análise, gerenciamento e
acompanhamento de políticas públicas. A ausência deste tipo de profissional nas
estruturas administrativas é ainda realidade nas administrações municipais pelo
país, o que é certamente um grave erro, uma vez que a presença de profissionais
desta categoria (i.e., gestores públicos, gestores de políticas públicas, cientistas
sociais e especialistas em planejamento governamental) tem se tornado cada
vez mais importante para modernizar e tornar mais efetivas as ações dos
governos e as políticas sociais. Para tanto, conclui-se que estava correta a
hipótese inicial deste trabalho, de que existe a necessidade de instrumentos
externos para a capacitação dos locais estudados, tanto dos agentes públicos
quanto da população, para que esta possa desencadear processos de
participação e fiscalização e o consequente desenvolvimento, uma vez que os
municípios estudados não possuem soluções próprias para disparar este
processo.

Enquanto umidade do serviço público federal, tanto por suas


características funcionais quanto por sua própria missão (a de ser um centro de
excelência em criação e difusão do conhecimento), a UFSCar pode se tornar um
agente capacitador dos governos locais. No entanto isto ainda não aconteceu,
tendo em vista a baixa taxa de infiltração das atividades da universidade nas
questões pertinentes ao desenvolvimento regional. Por um lado, haverá quem
1774

afirme que a própria presença das universidades no interior do país, o que


ocorreu em grande medida graças aos investimentos do programa REUNI,
ocorrido há poucos anos, já configure em si a extensão da ação do Estado para
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capacitar agentes e instituições regionais, e que o mesmo ocorre com a UFSCar,


estando baseada tão proximamente de tais localidades. Em todo o caso, é
inegável a competência das universidades para poderem transformar a realidade
das regiões onde se inserem, tendo em vista o aporte de investimentos que
geram, em virtude de sua implantação, no mercado local (comércio, imobiliária,
mão de obra para a indústria, etc.). O que se verificará doravante é se estas
transformações também podem se confirmar em outros aspectos, como geração
de tecnologias locais, produtivas ou mesmo sociais, que possam ser aplicadas
na comunidade ao seu redor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: POR UMA MAIOR PRESENÇA DA UFSCAR NAS


COMUNIDADES AO SEU REDOR

Segundo dados repassados pela Pró-Reitoria de Graduação da


universidade, nos últimos seis anos a universidade recebeu apenas 66 alunos
provenientes de Ribeirão Bonito e Dourado, dentre as 15.746 vagas ofertadas,
o que representa pouco mais de 0,004% dos ingressantes. E mesmo destes,
apenas dois alunos já se formaram, enquanto outros 40 permanecem na
universidade, e os demais 24 deixaram os cursos por outros motivos. Isto
representa uma taxa de 30% de desistências ou cancelamentos de matrícula no
período estudado. Este fator pode ter relação com a ausência de adesão destes
alunos aos programas de permanência estudantil da universidade: consultada a
ProACE, verificou-se que nenhum aluno proveniente das cidades estudadas
recebeu qualquer tipo de bolsa fornecida pela pró-reitoria no mesmo período.
Apesar da quantidade considerável de bolsas e auxílios que a UFSCar concede
anualmente, o montante ainda é muito inferior à demanda, o que faz com que
1775

fatores como distância da residência de origem pesem nos questionários


socioeconômicos. Assim, há a tendência de que alunos provenientes de locais
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próximos à universidade possam ser preteridos para aqueles que provêm de


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regiões mais distantes e ainda menos desenvolvidas. Desde sempre, apenas


cinco projetos de pesquisa envolvendo Ribeirão Bonito em algum aspecto foram
tramitados na universidade, e apenas um envolvendo Dourado. Houve apenas
um projeto de extensão que contavam com participantes locais a ele vinculados.

Apesar de a interação ser mínima atualmente, existe enorme espaço para


a participação da universidade na dinâmica regional. Dentre todos os agentes
capacitadores disponibilizados pelo Estado brasileiro, esta universidade é
inegavelmente o ponto focal nesta política para a região estudada. No entanto,
ainda há muito para ser feito para que a universidade se torne um apoio para os
municípios do entorno, e vice-versa. Novos convênios devem ser assinados,
mais pesquisas podem e devem ser conduzidas, e mais alunos podem ser
preparados para o acesso a esta grande instituição pela ação da mesma em
cursinhos preparatórios e outras políticas de extensão que podem ser
conduzidas com o mínimo de recursos.

As instituições precisam ser imbuídas de potencial para conseguirem


formular projetos que as levem ao desenvolvimento. No caso dos pequenos
municípios, raramente este potencial será endógeno, pois lhes faltam as
condições para disparar o processo de transformação. Portanto, a ação do
Estado, entendido enquanto ente federativo superior, ou mesmo intermediário, é
necessária, através da transmissão de expertise, da transferência de recursos e
do fortalecimento de pactos e metas. Não necessariamente este processo
precisa ser realizado pela administração direta. As universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo país podem ser um instrumento poderoso para
capacitar e produzir soluções para os problemas das cidades pequenas, dos
territórios distantes e para as comunidades rurais.
1776

Nesse sentido, percebe-se que permanece a relevância das escalas


intermediárias da política, que jamais irá se limitar ao relacionamento entre
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consumidor global e produtor local. Permanece essa relevância porque caberá


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sempre ao Estado Nacional dar coesão ao território, elevando as comunidades


não competitivas em âmbito global ao mesmo nível das demais regiões por meio
da estruturação de uma rede de negócios que venha, ao menos, a atender o
mercado interno com a produção agrícola local e prover as condições para a
elevação dos indicadores sociais, da segurança e da qualidade de vida dessas
localidades. A partir do momento em que a comunidade e os gestores públicos
locais tenham acesso a recursos, capacitação e instrumentos de ação política,
estarão preparados para concorrer por mais parcerias com as demais instâncias
do governo e com o setor privado por conta própria, criando uma cadeia de
programas que levarão ao desenvolvimento local sem, contudo, eliminar a
necessidade da atuação federativa conjunta em nenhum momento. Sem esse
tipo de sinergia entre Estado e localidade, os bolsões de pobreza e as economias
locais inertes nunca deixarão de existir.

O caminho, portanto, é desenvolvimentista. Não apenas em seu caráter


primário, defensor da industrialização, mas também em sua acepção moderna,
considerando que capacitar a localidade também passa por promover a cultura
e a identidade regional, empoderar o cidadão com instrumentos de acesso a
políticas sociais, dar as condições para que possa produzir e distribuir sua
produção, ter acesso a novas tecnologias e experimentar a geração de uma
cadeia de virtudes locais que não precisará se valer de marketing ou de guerra
fiscal. O velho jargão “as pessoas vivem nas cidades, não em outras instâncias”
traz a compreensão de que não há Estado desenvolvido sem cidades
desenvolvidas. Esta estratégia não partiu dos receituários estrangeiros, por que
tais não são capazes de explicar nossa condição de atraso, tampouco explicar
como podemos mudar o futuro. O Brasil, através de Furtado, da CEPAL, como
1777

de tantos outros pesquisadores, precisou encontrar seu próprio caminho para o


desenvolvimento, e o mesmo já está desenhado. Basta que se ponha em prática.
Utilizar as universidades no apoio aos municípios do entorno, especialmente
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para aqueles mais vulneráveis, pode ser uma importante inovação nas políticas
de desenvolvimento local, ajudando comunidades e governos em seus
processos de transformação social e ampliação da qualidade de vida.

Enquanto política de Estado, a Universidade Federal de São Carlos tem


também muito ainda a contribuir. Mesmo porque a universidade não precisa
aguardar que o cliente venha solicitar-lhe apoio, como tem sido conduzido o
conhecimento sob o modelo ofertista-linear. A universidade pode, por sua
iniciativa, buscar firmar parcerias com as comunidades do seu entorno, a fim de
realmente transformar a realidade local, não apenas se aproveitar de sua
condição logística. A expansão da universidade, alcançando novos territórios
desprovidos dos benefícios da academia, é outra forma de garantir este
propósito, bem como o aproveitamento de seu pessoal na elaboração de escolas
de governo para as cidades do entorno e mesmo outras espalhadas pelo país.
Estas e muitas outras iniciativas podem e merecem ser estudadas pela
universidade e prefeituras, na busca pela operacionalização de atividades em
comum que possam impulsionar o desenvolvimento local e regional e colocar
estas cidades no mapa do desenvolvimento.

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MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SÃO CARLOS

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REGIÃO DE SÃO CARLOS
ERIK AKIO HIGAKI E LORENA GUADALUPE BARBERIA
ECONOMIA, POPULARIDADE PRESIDENCIAL E POLÍTICAS ECONÔMICAS: UM BALANÇO SOBRE
OS GOVERNOS ARGENTINOS ENTRE 1984 E 2010

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT6


DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

ECONOMIA, POPULARIDADE PRESIDENCIAL E


POLÍTICAS ECONÔMICAS: UM BALANÇO SOBRE OS
GOVERNOS ARGENTINOS ENTRE 1984 E 2010

ERIK AKIO HIGAKI

Graduando em Ciências Sociais pela


Universidade de São Paulo (USP). E-mail:
erik.higaki@usp.br

LORENA GUADALUPE BARBERIA


1780

Doutora em Administração Pública e Governo


pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professora
do Departamento de Ciência Política da USP. E-
Página

mail: lorena.barberia@gmail.com

ECONOMIA, POPULARIDADE PRESIDENCIAL E


POLÍTICAS ECONÔMICAS: UM BALANÇO SOBRE OS ERIK AKIO HIGAKI E LORENA GUADALUPE BARBERIA
GOVERNOS ARGENTINOS ENTRE 1984 E 2010
ERIK AKIO HIGAKI E LORENA GUADALUPE BARBERIA
ECONOMIA, POPULARIDADE PRESIDENCIAL E POLÍTICAS ECONÔMICAS: UM BALANÇO SOBRE
OS GOVERNOS ARGENTINOS ENTRE 1984 E 2010

RESUMO

Este trabalho explora as relações entre os indicadores econômicos e a


popularidade presidencial na Argentina no período da redemocratização, entre
1984 e 2010. Além disso, analisamos, de forma geral, as políticas econômicas
adotadas frente às dinâmicas nos campos políticos e econômicos. As hipóteses
da pesquisa se baseiam na teoria do voto econômico. O nosso estudo
contextualiza a política econômica implementada e seu impacto através das
variações dos indicadores. Com base na análise de um banco de dados inédito
na literatura, evidenciamos que o crescimento econômico, expressa pelo
crescimento do PIB, tem um impacto positivo sobre a popularidade presidencial,
sendo ainda maior em longo prazo. O controle sobre a taxa de IPC tem um
impacto positivo a curto e negativo em longo prazo. O crescimento da taxa de
desemprego, baseado nas considerações feitas sobre as estatísticas descritivas,
tem um impacto negativo ascendente no decorrer do tempo.

ABSTRACT

This paperwork explores the relation between the economic indicators and the
presidential popularity in Argentina in the redemocratization period, between
1984 and 2010. Furthermore, we analyze, in a general way, the economic policies
adopted facing the dynamics in the political and economic fields. The hypotheses
of the research are based in the economic voting theory. Our study puts into
1781

context the economic policy implemented and its impact through the indicators
variation. Based in the analysis of an unprecedented data bank, we point out that
Página

the economic growth, measured by the GDP, has a positive impact in the

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presidential popularity, being even bigger in the long run. The control over the
consumer price index (CPI) has a positive impact in the short run and negative in
the long run. The unemployment rate growth, based in the analysis of the
descriptive statistics, has an ascending negative impact over time.

INTRODUÇÃO

No jogo da competição democrática, um presidente eleito estabelece e


executa uma agenda com o objetivo de obter o reconhecimento dos eleitores e,
futuramente, uma possível reeleição – ou, ainda, garantir a vitória de um
sucessor. Este artigo contextualiza as políticas econômicas adotadas pelos
governos argentinos, entre 1984 e 2010, e explora a relação entre a situação
econômica e a popularidade presidencial.

A pesquisa se baseia na teoria do voto econômico, que afirma que o


eleitor tende a atribuir a responsabilidade da situação econômica ao incumbente.
Assim, quando as taxas de IPC e/ou desemprego estão crescentes ou quando a
avaliação dos eleitores sobre a economia é negativa, por exemplo, espera-se
que o eleitorado puna o incumbente e que a taxa de popularidade do presidente,
consequentemente, diminua.

A popularidade presidencial é a variável dependente do estudo e expressa


a satisfação do eleitorado sobre o incumbente. Mueller (1970) foi o primeiro autor
a utilizar esse termo em um artigo ao analisar os impactos da economia nas
eleições presidenciais nos Estados Unidos – texto que se tornou um clássico na
literatura sobre o voto econômico. No entanto, a variável é mensurada de forma
distinta, como explicaremos na seção de metodologia. As variáveis explicativas
utilizadas são indicadores macroeconômicos e variáveis que expressam a
1782

percepção econômica dos eleitores.

Na primeira parte do estudo fazemos uma discussão teórica com a revisão


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da literatura sobre o voto econômico e com a síntese da trajetória econômica e


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de políticas econômicas adotadas nos governos estudados – de Raúl Alfonsín


(UCR), entre 1983 e 1989, aos primeiros anos do primeiro mandato de Cristina
Fernández Kirchner (PJ), entre 2007 e 2010.Em seguida, explicamos os
métodos que utilizamos para as análises de dados. Por fim, estudamos as
influências das principais políticas econômicas adotadas nas variações dos
indicadores econômicos e, posteriormente, analisamos os impactos nos
indicadores sobre a popularidade.

A TEORIA DO VOTO ECONÔMICO

A teoria do voto econômico resume-se por um comportamento eleitoral


orientado por fatores econômicos. Downs (1957) foi um dos primeiros cientistas
políticos a introduzir a ideia da escolha racional dos eleitores por seus candidatos
ou partidos, como se os eleitores fossem consumidores e os partidos
fornecedores daquilo que o eleitorado carece. A pergunta central da teoria do
voto econômico é se a performance do governo influencia a decisão dos
eleitores. Para responder esta questão, toma-se normalmente como explicação
a noção de que os eleitores escolhem os candidatos com base em sua influência
econômica. Em geral, os agentes que conduziram a prosperidade econômica
são recompensados nas urnas, enquanto aqueles que são considerados
responsáveis pelo declínio são punidos. Entram aí como medida, comumente, o
nível de desemprego, a taxa de inflação e o crescimento econômico.

Mueller (1970) contribuiu com a literatura ao explorar o caso americano.


Mesmo com métodos limitados, fez um detalhado trabalho testando a teoria do
voto econômico na aprovação presidencial dos Estados Unidos, entre 1945 e
1783

1969. Obteve significativos resultados ao testar a variável “popularidade


presidencial” (aprovação de governo), como dependente, com as variáveis
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“coalizão de minorias”, “crise econômica” (taxa de desemprego) e “guerra”, como

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explicativas. Com exceção do governo Eisenhower, Mueller concluí que os


eleitores responsabilizaram os presidentes pela situação econômica. Diferente
dos outros períodos, o estudo do mandato do presidente Eisenhower não
apresenta evidências significativas de declínio da popularidade. O fenômeno é
explicado pela figura carismática do presidente, pelo fato de ter sido considerado
o líder que terminou a guerra da Coréia, por ter um programa de governo que
dispersou as minorias e por ter exercido seu mandato em um período nacional
de controle da “crise moral”.

Este trabalho de pesquisa será desenvolvido principalmente com base


nas ideias desse autor. Apesar das limitações presentes em tal intento, é
importante começar como as explicações fundantes desta agenda de pesquisa.

Revisão da literatura: o voto econômico na América Latina

Entre os mais notáveis cientistas políticos que estudaram a teoria do voto


econômico através de estudos de caso na América Latina, destaca-se Weyland,
que elaborou três significantes obras sobre o Peru e a Venezuela. Dentre os
estudos, dois são baseados em governos considerados autoritários – o de
Fujimori e de Hugo Chávez – e o outro em um governo democrático – o de Carlos
Andrés Pérez.

O primeiro trabalho, publicado em 1998, foi reflexo de uma pesquisa sobre


o voto econômico que estava sendo realizado nos Estados Unidos. O autor
utilizou esse estudo como modelo e aplicou na Venezuela no período entre 1989
e 1993, no segundo mandato presidencial de Carlo Andrés Péres, com o intuito
de responder se o comportamento do eleitorado venezuelano é semelhante ao
do estadunidense. Com base em dados agregados, disponibilizados pelo
1784

instituto de pesquisa venezuelano Consultores 21 (N= 1500), o autor aplicou o


modelo de regressão multivariado. A variável dependente utilizada foi a
Página

popularidade do incumbente – no caso, a proporção de eleitores que conheciam

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o presidente Carlo Andrés Pérez -, convertida para “aprovação do presidente”.


As variáveis explicativas foram: a percepção do eleitorado sobre a economia;
alguns eventos relevantes no período estudado; as eleições regionais e
municipais; e a percepção sobre o clientelismo e a patronagem nas eleições. Os
resultados confirmaram a principal semelhança: os venezuelanos, assim como
os estadunidenses, orientam suas ações futuras através das experiências
passadas. Contudo, a pesquisa mostrou que, ao contrário do eleitorado dos
Estados Unidos, que se preocupa predominantemente com a economia do país
como um todo, os venezuelanos se preocupam mais com os fatores da economia
local – aquela que os afetam diretamente.

O segundo trabalho, publicado em 2000, explorou o desempenho do


presidente peruano Fujimori, entre 1992 e 1997. Por se tratar de um governo
considerado autoritário, essa pesquisa não pode ser equiparada aos trabalhos
feitos em países com regimes democráticos. Nesse estudo, no entanto, sua
principal questão de pesquisa era acerca do comportamento eleitoral em um
contexto de crise. Sendo assim, sua hipótese principal era a de que uma crise
tenderia a implodir a aprovação do incumbente.

O autor faz uma análise temporal (mensal) com dados fornecidos pelo
instituto peruano Apoyo (N=500). Para aplicar o modelo de regressão
multivariado, o autor não utilizou dados agregados. A variável dependente
utilizada foi a “aprovação de governo”. Essa variável foi obtida a partir da
seguinte pergunta do questionário: “Em geral, o sr./sra. Poderia dizer que aprova
ou desaprova a gestão do presidente Fujimori?”. As variáveis independentes
utilizadas foram: a avaliação do governo anterior; a proporção de eleitores que
apoiavam a política do presidente contra a guerrilha; a aprovação da política
1785

econômica do presidente; variáveis referentes à eventos relacionados com o


combate as guerrilhas; e a aprovação do autogolpe de Fujimori, em 1992. Os
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resultados obtidos reforçaram a importância da economia na determinação do


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voto do eleitor, pois os fatores econômicos são constantemente relevantes para


o eleitor, enquanto eventos políticos, como as ações contra a guerrilha, são
preocupações efêmeras.

No seu terceiro estudo, Weyland (2003) voltou a estudar a Venezuela e


explorou os fatores que levaram Hugo Chávez à vitória na eleição presidencial
de 1998. Assim como no caso do presidente peruano Fujimori, esse estudo
também trata de um presidente considerado autoritário. Nesse caso, o autor quer
verificar se as variáveis políticas e ideológicas possuem maior influência
estatística no total de votos obtidos na eleição do que as variáveis do voto
econômico. Suas hipóteses principais – e inéditas na literatura – são: (I) o
incumbente pode ser reeleito mesmo em situação de instabilidade e crise, caso
o eleitorado não acredite que a oposição resolverá os principais problemas do
país; (II) o partido não-incumbente também pode ser responsabilizado pela crise
econômica, caso tenha estado no poder anteriormente.

Para essa pesquisa, o autor utiliza survey pré-eleitoral disponibilizado pelo


instituto venezuelano Datos (N=1500). É aplicado o modelo de regressão
multivariado. A variável dependente utilizada foi a proporção de votos obtida pelo
incumbente e as variáveis independentes foram: avaliação da economia;
ideologia; e fatores políticos. O autor chegou a conclusão que, segundo as
evidências obtidas, o medo de voltar ao passado somado à esperança de um
futuro melhor foi o aspecto determinante para a vitória de Hugo Chávez.

Estudos transnacionais para a América Latina

Há ainda os estudos transnacionais, referente as inferências para toda a


América Latina, tendo como principal fonte de dados as pesquisas de opinião
1786

pública do Latinobarómetro.

O primeiro notável estudo foi o de Remmer (1991), que realizou uma


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análise temporal entre 1982 e 1990 com dados agregados em 21 eleições


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(N=21), com o intuito de explorar o impacto da crise econômica na política de


democracias em desenvolvimento. O autor utilizou o modelo de regressão
multivariado. As três variáveis dependentes utilizadas foram: percentual de votos
que o incumbente perdeu entre uma eleição e outra; voto no incumbente; e votos
recebidos (incluindo a votação dos concorrentes). As variáveis explicativas
utilizadas foram: taxa de inflação; crescimento econômico; variação da inflação;
e variação do crescimento econômico. Os resultados obtidos evidenciam que
todas as variáveis explicativas possuem significativo impacto na perda de votos
do incumbente, na variação de votos no incumbente e na variação de votos
totais. A taxa de inflação é o fator econômico mais impactante. Esse estudo
reforça a hipótese da teoria econômica e descarta a importância de variáveis
institucionais como determinantes do voto.

Camargos (2006), assim como Weyland (2000), testou se os eleitores


responsabilizavam os incumbentes pelas crises econômicas. O autor utiliza
dados agregados com base na análise de 62 eleições em 18 países latino-
americanos, entre os anos de 1980 e 2000. O modelo de regressão multivariado
aplicado utiliza o voto no incumbente como variável dependente e utiliza as
seguintes variáveis explicativas: performance econômica (crescimento do PIB +
inflação + taxa de desemprego); desempenho do incumbente na eleição anterior;
e clareza de responsabilidade. O diferencial nessa pesquisa foi a adição da
variável “clareza de responsabilidade”, definida como o comportamento da base
de apoio ao incumbente no parlamento juntamente com a força do partido do
presidente na coalizão. Os resultados confirmaram a hipótese: o autor encontrou
significativas evidências para afirmar que a inflação e o desemprego afetam o
voto no incumbente na América Latina.
1787

Um outro estudo recente, de Lewis-Beck e Ratto (2013), também segue a


mesma linha de pesquisa de Camargos e testa o impacto de crises econômicas
Página

no comportamento eleitoral. Com base em dados individuais de variados anos,


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disponibilizados pelo Latinobarómetro (N = 7000), o estudo abrange doze países


latino-americanos. O modelo de regressão multivariado com as variáveis
utilizadas foi o seguinte: voto no incumbente (variável dependente) = variável
sociodemográfica + ideologia + variáveis de ordem econômica (Martins, 2013).
Os resultados obtidos indicam que, embora a ideologia e a distância em meses
da eleição anterior tenham significativos impactos na variável dependente, as
variáveis de ordem econômicas têm mais impacto no voto no incumbente.

Outra pioneira no estudo transnacional foi Veiga (2013). Com base em 58


eleições para o Executivo e Legislativo (N= 58) entre o período de 1995 e 2010,
o estudo explora o impacto da economia no voto do incumbente sem utilizar
dados agregados. O modelo de regressão multivariado adotado pela autora leva
em consideração os impactos de variáveis exógenas (crescimento do PIB,
investimento social e inflação) e endógenas (avaliação subjetiva da economia)
no total de votos recebidos pelo incumbente. Sua pesquisa revelou que, além de
fatores econômicos, o investimento social – mensurado através dos
investimentos gerais feitos em políticas públicas de caráter redistributivo –
também impacta de forma significativa o voto do incumbente.

Os trabalhos de Singer (2013) mostram uma preocupação do


aprimoramento da metodologia para o estudo do voto econômico na América
Latina. O autor analisa uma série temporal de 79 eleições (N = 79) entre 1982 e
2010, disponibilizado também pelo Latinobarómetro. Na aplicação do modelo de
regressão multivariado, as variáveis dependentes utilizadas é o saldo entre os
votos que o partido incumbente recebeu na eleição anterior e os votos obtidos
na eleição da análise. Singer opta por escolher as principais variáveis
explicativas utilizadas com frequência pelos estudos em países de “democracia
1788

consolidada” (crescimento econômico, inflação e desemprego). Assim como


Weyland, o autor também chega a conclusão que as demandas dos eleitores
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são voláteis, mudando constantemente conforme o contexto. Os resultados


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encontrados indicam que o crescimento econômico é a variável explicativa com


maior impacto no voto. Além disso, após os períodos de crises econômicas e de
alta na inflação, a preocupação dos eleitores latino-americanos tende a ser
questões não econômicas, tais como a taxa de pobreza e taxa de criminalidade.

A TRAJETÓRIA ECONÔMICA DA ARGENTINA E AS POLÍTICAS


ECONÔMICAS ADOTADAS

Mandatos presidenciais na Argentina

Presidente Partido Mandato(s) Principais Eventos

Governo reconhecido por restabelecer a vigência


Raúl Alfonsín UCR 1984-1989 das instituições republicanas e dos direitos e das
garantias constitucionais.

Estabilização econômica: políticas neoliberais para


1º.: 1989-1995 combater a inflação. A queda da inflação
proporcionou uma nova vitória com larga vantagem
Carlos Saúl em 1995.
PJ
Menem
2º.: 1996 -1999 As políticas econômicas fracassam. Embora a
inflação estivesse controlada, as taxas de
desemprego e pobreza sobem paulatinamente.

Ficou apenas dois anos no poder. A grave crise


econômica argentina que se iniciou em 2001
Fernando de la
UCR 1999-2001 resultou em grandes manifestações populares que
Rúa
causaram, por fim, a renuncia de Fernando de La
Rúa.

Presidente interino eleito pelo Congresso Nacional


Adolfo 22/12/2001- e que substituiu Fernando de la Rúa. Sua principal
PJ
Rodríguez Saá 30/12/2001 ação, em apenas 8 dias no poder, foi a suspensão
do pagamento da dívida externa.
1789

Anulou o efeito da convertibilidade e aplicou outras


Eduardo
PJ 2002-2003 medidas econômicas que foram responsável pelo
Duhalde
reequilíbrio econômico e político da Argentina.
Página

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Os primeiros atos do governo foram a renegociação


e a auditoria da dívida externa. O governo é
Néstor Kirchner PJ 2003-2007
reconhecido pelos expressivos investimentos em
políticas sociais, com destaque para a educação.

1º.: 2008-2011 Governos marcados pela redução da pobreza, pela


Cristina criação de 3,5 milhões postos de trabalhos e pelo
Fernández PJ crescimento do PIB. No campo dos Direitos
Kirchner 2º.: 2012-2015 Humanos, Cristina Kirchner aprovou o matrimônio
igualitário.

Tabela 01: Mandatos presidenciais e principais eventos na Argentina após a redemocratização

O imobilismo de Raúl Alfonsín (1984-1989)

Raúl Alfonsín foi presidente, pela UCR, logo após a queda da ditadura
militar. Devido aos problemas econômicos graves herdados do regime ditatorial,
Alfonsín não conseguiu aprovar e executar as políticas capazes de reverter o
baixo crescimento econômico e controlar a inflação. Consequentemente, o
presidente e seu partido foram duramente rejeitados nas eleições posteriores.

Alfonsín, no entanto, é reconhecido por consolidar a vigência das


instituições republicanas e dos direitos e das garantias constitucionais.

As políticas neoliberais de Carlos Menem (1989-1999)

Carlos Menem é um político considerado contraditório na história do PJ.


O sucessor do impopular Alfonsín disputou a eleição presidencial de 1989 com
um programa baseado na defesa de dois principais motes, reconhecidamente,
peronistas: “salarazo” e “revolução produtiva”. O primeiro mote repousa na
1790

promoção de políticas de valorização da renda, para aumentar o poder aquisitivo


dos mais pobres e da classe média. O segundo tem um apelo nacionalista, com
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a proposta de impulsionar a indústria e a produção nacional, recordando a


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agenda desenvolvimentista adotada por Perón no período pós-guerra. No


entanto, Menem não correspondeu as expectativas dos peronistas e adotou
medidas duras e, de certo modo, impopulares.

O conjunto de políticas públicas do plano econômico de Menem tinha


objetivo de controlar a hiperinflação e a recessão e de organizar a economia,
problemas herdados do governo de Alfonsín e da ditadura militar. Menem
aproveitou a sua alta popularidade e seu amplo apoio do primeiro ano de
mandato para aprovar, no Congresso, as suas duas primeiras grandes medidas
neoliberais. A primeira, a Lei de Emergência Econômica, flexibilizou as leis
trabalhistas, extinguiu regimes de incentivos e facilitou a demissão de
funcionários das estatais. A segunda medida, a Lei de Reforma do Estado,
promoveu a privatização de várias empresas estatais.

As duas leis visavam, exclusivamente, garantir uma reserva de recurso na


caixa do governo. Outras medidas foram adotadas para reestruturar a economia
argentina. O “Plano BB”, iniciado em julho de 1989 e conduzido pelo então
Ministro da Fazenda Miguel Roig, foi elaborado com base nas ideias do
Consenso de Washington, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco
Mundial. As ações do plano foram, principalmente, duros ajustes fiscais, cortes
de gastos públicos, desvalorização em 100% da moeda nacional e aumentos
salariais abaixo da inflação. O plano fracassou: as taxas de inflação e a recessão
se agravaram. O Ministro da Fazenda foi substituído por Hernam Gonzalez.

Gonzalez iniciou o “Plano Bonex” e suas principais ações consistiam na


elevação dos juros e na reestruturação da dívida externa. As políticas adotadas
surtiram efeitos positivos no primeiro ano. Quando o país voltou a liquidar sua
1791

dívida com o FMI, no entanto, os problemas voltaram a persistir.

Com o agravamento da crise, Menem escolhe Domingo Cavallo como


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Ministro da Economia, no dia 1º. de abril de 1991. Cavallo conduziu os planos

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que conseguiram tirar a Argentina da crise. A sua principal ação foi a aprovação
da Lei de Conversibilidade, que estabeleceu a paridade cambial entre o dólar e
a moeda nacional e outras medidas para a conquista de confiança de
investimento externo. As políticas de Cavallo foram aplicadas em um momento
propício, de constantes quedas do dólar – devido, principalmente, a crise no
México e, posteriormente, a crise asiática.

Os bons resultados econômicos resultaram na reeleição de Menem em


1995. No entanto, as políticas neoliberais começavam a sinalizar o seu
esgotamento e revelaram os problemas gerados em longo prazo. As taxas de
desemprego e pobreza cresceram constantemente até o fim de seu segundo
mandato. A crise política iniciada em 1996, o aprofundamento da crise
econômica em 1998 e os problemas enfrentados dentro do próprio governo
afetaram o desempenho do presidente. Tal como aponta Vianini, “O aumento
dos juros da dívida, o encolhimento das fontes de crédito, a baixa nos preços
das commodities e a recessão compunham o cenário enfrentado pelo governo
Menem, que passou a receber uma oposição cada vez mais organizada” (Vianini,
2012, p. 43).

Menem, diante do colapso econômico e político que o país estava


mergulhado, não conseguiu garantir a vitória de um sucessor nas eleições de
1999. O seu principal opositor, Fernando de La Rúa, foi eleito para a presidência.

A crise econômica e a queda de Fernando de La Rúa (1999-2001)

Menem entregou o governo para o seu sucessor, Fernando de La Rúa,


em uma situação calamitosa. O esgotamento do modelo neoliberal, causado
principalmente pela combinação da conversibilidade com a abertura econômica,
1792

resultou em um ambiente de elevado desemprego, vulnerabilidade social e de


baixa produção industrial.
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De La Rúa não aplicou as mudanças necessárias para romper com as


políticas neoliberais e não teve força política para aprovar mais ajustes fiscais.
O presidente, que já não tinha maioria dos senadores, não conseguiu maioria
dos deputados nas eleições legislativas de 2001. O presidente se tornou
inoperante. As grandes manifestações contra o governo, em reação as situações
econômica e política caóticas, aumentavam na medida em que de La Rúa
tomava decisões autoritárias em resposta aos protestos.

O Congresso argentino iniciou um processo de impeachment do


presidente. Não restando alternativas, de La Rúa renuncia ao cargo.

O retorno dos peronistas: Rodriguez Saá (2001) e Duhalde (2002)

Através de um acordo entre os deputados da situação e oposição, Adolfo


Rodriguez Saá, do PJ, é escolhido para a presidência, após a renúncia de
Fernando de La Rúa, e novas eleições presidenciais são convocadas para março
de 2002. O peronista anunciou uma série de medidas econômicas, como a
renegociação da dívida pública e a criação de uma nova moeda. No entanto,
manteve a conversibilidade. O presidente transitório, que também enfrentou
grandes manifestações, perdeu o apoio de seu partido e não angariou o apoio
popular. Rodriguez de Saá também renunciou depois de oito dias no cargo.

Após um novo acordo, agora entre deputados e senadores, Eduardo


Duhalde, senador pela província de Buenos Aires e segundo colocado nas
eleições presidenciais de 1999, é escolhido o novo presidente. Ele foi
fundamental para o reequilíbrio econômico e político do país. A sua primeira
grande medida foi a execução da Lei de Emergência Pública e de Reforma do
Regime Cambial, que estabeleceu, definitivamente, o fim da convertibilidade.
1793

Com o fim da paridade entre o peso argentino e o dólar, o governo teve o


desafio de reestruturar o mercado interno e os sistemas financeiro e cambial. A
Página

desvalorização da moeda nacional resultou na melhora da balança comercial


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com o aumento de exportações – desdobrando, também, no estímulo à produção


nacional – e com a diminuição de importações. Por fim, Duhalde criou grandes
programas sociais, com caráter redistributivo, para mudar um cenário social de
45% da população na pobreza.

Eduardo Duhalde apoiou ativamente o seu sucessor, Néstor Kirchner, na


disputa presidencial realizada em março de 2002.

Os governos de Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-201092)

Considerados “neodesenvolvimentistas” (Bresser-Pereira, 2004 e 2006;


Stallings&Studart, 2006), Néstor e sua sucessora, Cristina Kirchner, governaram
a Argentina com relativa estabilidade. O casal desafiou grandes potências
econômicas mundiais e o FMI, principalmente quando promoveu a auditoria da
dívida pública e novas renegociações com os credores. Os dois, como chefes de
governo, são reconhecidos por criarem uma nova articulação econômica externa
estratégica, principalmente pelas alianças firmadas com países da América
Latina. As políticas econômicas adotadas nos dois mandatos foram semelhantes
às de Duhalde e marcadas, principalmente, pelo desmantelamento do modelo
neoliberal.

As agendas econômicas dos Kirchner, de forma geral, seguiram quatro


dimensões, conforme explora Bresser (2006): a redefinição do papel do Estado
como subsidiador para as fontes privadas de financiamento; a tolerância com as
políticas fiscais, evitando ajustes rígidos; a priorização das políticas de promoção
de emprego e valorização da renda, mas com o controle da inflação; e, por fim,
a promoção do aumento da produção de bens nacionais. Concretamente, as
principais políticas econômicas adotadas, tal como cita o artigo de Cunha Ferrari
1794

e Caldeiras, são: “(i) a manutenção de uma taxa de câmbio real competitiva; (ii)
Página

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Analisamos o mandato de Cristina Kirchner até 2010. No entanto, o seu primeiro mandato acabou em 2012.
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o estabelecimento de uma política fiscal “prudente”; e (iii) a implementação de


políticas de renda capazes de contra-arrestar a tendência anterior de
deterioração do quadro distributivo” (Cunha, Ferrari e Caldeiras, 2009, p. 9).

Néstor e Cristina Kirchner conseguiram fazer com que a economia


argentina voltasse a crescer. Os governos alcançaram a expressiva redução do
desemprego e da pobreza. Os mandatários não conseguiram, no entanto, ter o
controle absoluto da inflação – problema que persiste desde o fim do governo de
Menem.

METODOLOGIA

Para a análise dos dados, utilizamos as estatísticas descritivas dos dados


e elaboramos um modelo simples de regressão. Os dados utilizados sobre a
popularidade presidencial, que é a variável dependente deste estudo, foram
construídos com base na série de aprovação presidencial e do método estimativo
do Instituto IPSOS. É importante ressaltar que, na série histórica de aprovação,
há uma mudança, a partir de 2004, na forma de mensurar os dados, aplicada
pelo instituto. Destacamos essa mudança na análise descritiva. No entanto,
assumimos a série como única e contínua para o modelo de regressão.

Os indicadores macroeconômicos, que são as variáveis explicativas,


foram extraídos do Instituto INDEC. Utilizamos os seguintes indicadores: Índice
de Preço ao Consumidor (IPC); Desemprego; e Produto Interno Bruto (PIB).

O modelo de regressão que utilizamos é simples e apresenta uma análise


inicial dos impactos do IPC e do PIB sobre a popularidade presidencial.
1795

Considerando que os indicadores sofrem influências no decorrer do tempo,


criamos duas variáveis para incluir o impacto do tempo passado para o IPC e o
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PIB. Desemprego não foi utilizado no modelo, pois invalidaria a análise, devido
as poucas observações contidas na variável. Sendo assim, o modelo utilizado é:

Yi = α + Y-t + βXIPC + βXXIPC-t+ βXXIPC-t + βXXPIB + βXXPIB-t

O Yi é a variável dependente do estudo, ou seja, representa a


popularidade presidencial. O α é o intercepto. O Y-t corresponde aos dados
anteriores da popularidade presidencial. O βXIPCé correspondente a variável
IPC e βXXIPC-t representa os dados anteriores do IPC. Por fim, βXXPIBe
βXXPIB-t correspondem, respectivamente, ao PIB e aos dados anteriores do
PIB.

ANÁLISE DOS DADOS

A Popularidade Presidencial
1796
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Popularidade Presidencial
80
60
40
20
0

1985m1 1990m1 1995m1 2000m1 2005m1 2010m1 2015m1


mes

Entre 1984 e 2004 Entre 2004 e 2010

Figura 01: Gráfico sobre a variação da popularidade presidencial entre 1984 e 2010 (autoral).

A popularidade presidencial varia intensamente em quase todo o período


– reflexo, entre outros fatores, do desequilíbrio econômico. Entre 1984 e 1989, a
tendência de queda da popularidade presidencial de Alfonsín foi constante. A
herança dos graves problemas econômicos da ditadura militar e a incapacidade
de executar políticas econômicas eficazes resultaram na deteriorização da
popularidade – que era alta no início de seu governo. Na média, considerando o
tempo de seu mandato, Alfonsín obteve 48,5% de aprovação. Embora a
avaliação média seja moderadamente boa, a dispersão dos dados, indicada pelo
desvio padrão de 11,93, é alta. Sendo assim, a popularidade variou muito
durante o tempo que Alfonsín ficou no poder.
1797

Menem também iniciou o seu primeiro mandato, em 1989, com uma alta
popularidade, seguida de suscetíveis quedas nos meses posteriores. A
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popularidade, até 1995, também oscilou intensamente, devido a persistência dos

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problemas econômicos. O desvio padrão para esse período é correspondente a


9,66. No entanto, Menem angariou, em média, uma popularidade boa, de 50,2%.
O peronista iniciou seu segundo mandato já com queda de aprovação e essa
tendência se manteve até 1999. Foi um governo, segundo a opinião dos
eleitores, muito ruim. A média de aprovação foi 25,5% – menos da metade de
popularidade média do primeiro mandato. Isto se deve, sobretudo, ao
esgotamento do modelo neoliberal.

Fernando de La Rúa, reproduzindo a tendência de seus antecessores,


também iniciou o seu governo com alta popularidade. No entanto, a boa
avaliação tem uma intensa queda em um curto período de tempo e continua
decrescendo até a sua renúncia, em 2001. De La Rúa não aplicou as políticas
necessárias para reverter o cenário econômico e a estrutura de mercado criados
por Menem. A média de sua popularidade foi de 29,7%, considerando o alto
desvio padrão, de 19,7.

Eduardo Duhalde, que iniciou a sua gestão no dia 1º de janeiro de 2002,


foi eleito indiretamente pelos deputados e senadores – explicando o fato de não
ter uma alta popularidade no início de seu governo. Ficou apenas seis meses no
poder e herdou o país com uma crise intensa, agravada por Fernando de La Rúa.
As medidas econômicas executadas por Duhalde, sendo o fim a paridade entre
o peso argentino e o dólar a principal, tiveram impactos concretos na economia
a médio e longo prazo. Os bons resultados, no entanto, surgiram no governo
posterior, impossibilitando o reconhecimento de suas medidas pelos eleitores. A
sua média de aprovação foi de 12,63%.

Néstor Kirchner inicia seu governo, em 2002, com alta popularidade e


1798

colhendo os bons resultados das políticas econômicas implementadas por


Duhalde. As políticas de caráter “neodesenvolvimentistas”, semelhantes ao do
seu antecessor, garantiram, a Kirchner, uma situação econômica estável e
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próspera. Consequentemente, a sua aprovação média, até 2007, foi de 65,24%,


considerada muito boa.

Cristina Kirchner é eleita em 2007 e assume a presidência em 2008, com


a popularidade semelhante a aprovação média de seu antecessor e
companheiro. Nos meses seguintes, no entanto, a popularidade sofre constantes
quedas. Esse fenômeno pode ser explicado pelo retorno da alta inflação, que
cresce constantemente desde 2000 e alcança índices que começam a afetar
agudamente a economia e o mercado, em especial. A média de sua
popularidade, até 2010, foi de 31,73%.

Indicadores macroeconômicos

Desemprego
25
20
Desemprego
15
10
5

1985m1 1990m1 1995m1 2000m1 2005m1 2010m1 2015m1


mes

Figura 02: Gráfico sobre a variação da taxa de desemprego entre 1984 e 2010 (autoral).
1799

A taxa de desemprego é, em geral, crescente até 2001. Podemos


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observar que a variável começa a crescer expressivamente entre 1992 e 1993,


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sob as intervenções econômicas de Cavallo e de seu plano econômico de


convertibilidade e de paridade entre o peso e o dólar. Os períodos com as
maiores concentrações de desempregados são entre 1995 e 1996, início do
segundo mandato de Menem, e entre 2001 e 2003, período da maior crise
argentina. O desemprego começa a decrescer paulatinamente com as políticas
econômicas adotadas pelos peronistas Duhalde, Néstor e Cristina Kirchner,
entre 2002 e 2010.

Índice de Preço ao Consumidor


200
150
IPC
100
50
0

1985m1 1990m1 1995m1 2000m1 2005m1 2010m1 2015m1


mes

Figura 03: Gráfico sobre a variação da taxa de IPC entre 1984 e 2010 (autoral).

O Índice de Preço ao Consumidor, importante indicador para calcular a


inflação, sempre foi um problema para os argentinos. Observamos que o período
entre 1993 e 2001, correspondente aos governos de Carlos Menem e de la Rúa,
1800

foi o único em que o IPC esteve sob controle. No restante do período, o índice
cresce constantemente.
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PIB
150000 200000 250000 300000 350000 400000
pib

1985m1 1990m1 1995m1 2000m1 2005m1 2010m1 2015m1


mes

Figura 04: Gráfico sobre a variação de PIB entre 1984 e 2010 (autoral).

O Produto Interno Bruto é o principal indicador para medir o crescimento


econômico do país. A literatura sobre o voto econômico defende que o
crescimento econômico tem um expressivo impacto sobre a popularidade ou
votação do presidente. No gráfico, por exemplo, percebemos que o baixo e
decrescente PIB em 1989 pode ter sido decisivo na alternância de poder. Da
mesma forma, o crescente índice do PIB em 1995 pode explicar a reeleição de
Menem e a estagnação do indicador, entre 1998 e 2000, ajuda a compreender a
alternância no poder e a baixa popularidade do incumbente.
1801
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Análise de regressão

(1)
Popularidade
Β Ao longo do tempo

L. Popularidad 0.665**
(0.216)
PIB -0.065 0.073
(0.152) (0.107)
L.PIB 0,024 0.091
(0.125) (0.103)
IPC -0.561 0.849
(2.404) (0.434)
L.IPC 0.488 -0.967**
(2.) (0.463)
_cons 35.434**
(13.447)

r2 0.656
N 73.000
Tabela 02: Análise de regressão (autoral).

O resultado do nosso modelo de regressão, desconsiderando, neste


1802

momento, a significância estatística, nos mostra que o aumento das avaliações


anteriores de popularidade tem um impacto positivo sobre a popularidade
presidencial. O crescimento do PIB tem um impacto positivo sobre a
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popularidade presidencial, sendo ainda maior em longo prazo. O aumento da


taxa de IPC tem um impacto positivo a curto e negativo em longo prazo.

O modelo também indica as três variáveis que possuem relevância


estatística sobre a popularidade presidencial: a própria popularidade
presidencial, considerando as avaliações anteriores; o IPC, considerando os
seus valores anteriores e no decorrer do tempo; e o intercepto. Portanto,
podemos afirmar com confiança que essas variáveis influenciam a nossa
variável dependente.

O intercepto representa o impacto sobre a popularidade no caso,


hipotético, de todas as variáveis explicativas serem equivalentes a zero. O valor
é quase sempre relevante.

Em suma, com base em nossas outras duas variáveis com relevância


estatística, podemos fazer duas afirmações com 95% de confiança: (I) quando a
avaliação anterior a da analisada (L. Popularidad) cresce 1%, o crescimento da
popularidade será de 0,665%; (II) no decorrer do tempo, quando o IPC (L.IPC)
cresce em 1 unidade, a popularidade decresce 0,967%.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os governos argentinos, no período da redemocratização, adotaram


distintas políticas econômicas, em diferentes momentos históricos. Essas
políticas tiveram impactos, nem sempre previsíveis, a curto, médio e longo prazo
sobre a situação econômica. A situação econômica, por sua vez, influenciou os
eleitores na atribuição de uma avaliação da performance do presidente. A
1803

popularidade presidencial, além de servir como base para medir a satisfação


popular sobre o governante, também pode definir a força politica e a
Página

governabilidade do presidente.

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Neste artigo, consideramos que há dois modelos definidos e antagônicos


de políticas econômicas adotadas pelos governos argentinos: o neoliberal,
representado pelos dois mandatos de Menem; e o neodesenvolvimentista,
representado pelos governos de Duhalde, Néstor e Cristina Kirchner. Os
mandatos de Alfonsín e de Fernando de la Rúa foram marcados pela
continuação e reprodução de politicas da agenda assumida por governos
anteriores.

O primeiro modelo, o neoliberal, priorizou o controle da inflação e do IPC


e o crescimento econômico, em resposta aos principais problemas da época.
Comprovamos, com base nos gráficos do IPC e do PIB, que Menem não obteve
sucesso com os planos “BB” e “Bonex”, pois, entre 1989 e 1990, o IPC continuou
crescente e o PIB em queda. Somente em 1991, com o plano econômico
conduzido por Cavallo, que as variáveis começaram a ter o comportamento
esperado.

O modelo neoliberal fracassou. Em curto prazo, o neoliberalismo pareceu


responder aos problemas econômicos postos ao país. No entanto, a agenda de
políticas escolhida resultou, em longo prazo, em uma crise econômica e política.
O PIB estagnou no segundo mandato de Menem e o desemprego
constantemente crescia.

A situação econômica e política mudou e se estabilizou somente quando


Duhalde aplicou medidas estruturais para mudar os rumos da economia. Essas
medidas fazem parte do modelo neodesenvolvimentista. Tanto Duhalde quanto
os seus sucessores apostaram na combinação de crescimento econômico e
geração de empregos, em consonância com os gráficos de desemprego e PIB.
1804

A análise das estatísticas descritivas, na maior parte do período estudado,


evidenciou que a popularidade presidencial, atribuída pelos eleitores, é
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relevantemente impactada pela conjuntura econômica. Em momentos de

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crescimento do PIB, de equilíbrio do IPC e/ou do decréscimo do desemprego, a


popularidade presidencial tem significativos aumentos. Foi o que ocorreu no
primeiro mandato de Menem e no governo de Kirchner. O inverso também
ocorre: em situações de instabilidade e crise econômica, como em 1998, no
segundo mandato de Menem, ou como a crise iniciada em 2000, a popularidade
presidencial segue a tendência de queda.

Os resultados do modelo de regressão evidenciaram que, entre as


variáveis explicativas, a própria popularidade, quando consideramos as
avaliações anteriores, e o IPC, no decorrer do tempo, são os únicos que tem
impacto estatisticamente relevante sobre a popularidade do presidente. Sendo
assim, podemos afirmar com confiança que as duas variáveis influenciam na
avaliação atribuída ao incumbente.

Embora o desemprego não tenha sido utilizado no modelo de regressão,


constatamos, pelas estatísticas descritivas, que a variável pode ser importante
para compreender as dinâmicas da popularidade. Podemos, por exemplo, usar
o caso da ascensão da popularidade de Néstor Kirchner: o mandatário, que
obteve a maior média de aprovação entre os presidentes estudados e conseguiu
a vitória de uma sucessora do seu partido, foi o único que conseguiu aplicar um
plano econômico que fez a taxa de desemprego decrescer constantemente e de
forma intensa.

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ALMIR CLÉYDISON JOAQUIM DA SILVA, CAROLINA BAGATTOLLI E MAURÍCIO SERDÁ DE FARIA
NEODESENVOLVIMENTIS E POLÍTICAS PÚBLICAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO REGIONAL BRASILEIRA:
UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT6

DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

NEODESENVOLVIMENTISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS


DE INDUSTRIALIZAÇÃO REGIONAL BRASILEIRA: UM
ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-
PE

ALMIR CLÉYDISON JOAQUIM DA SILVA


Economista pela UFPB e mestrando em Políticas
Públicas pela UFPR. E-mail:
almirjoaquim@gmail.com

CAROLINA BAGATTOLLI
Doutora em Política Científica e Tecnológica pela
UNICAMP. Professora do Departamento de
Economia e do Programa de Pós-graduação em
Políticas Públicas da UFPR. E-mail:
1810

carolina.bagattolli@ufpr.br

MAURÍCIO SARDÁ DE FARIA


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NEODESENVOLVIMENTISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO


ALMIR CLÉYDISON JOAQUIM DA
REGIONAL BRASILEIRA: UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE SILVA; CAROLINA BAGATTOLLI;
GOIANA-PE MAURÍCIO SARDÁ DE FARIA
ALMIR CLÉYDISON JOAQUIM DA SILVA, CAROLINA BAGATTOLLI E MAURÍCIO SERDÁ DE FARIA
NEODESENVOLVIMENTIS E POLÍTICAS PÚBLICAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO REGIONAL BRASILEIRA:
UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

Doutor em Sociologia Política pela UFSC.


Professor do Departamento de Tecnologia e
Gestão da UFPB. E-mail: mausarda@gmail.com
RESUMO

Este trabalho apresenta uma discussão sobre as políticas públicas de


industrialização direcionadas para o Nordeste do país, especialmente, para o
território estratégico de Goiana-PE. Trata-se de uma nova orientação da política
industrial e, consequentemente, da problemática regional brasileira, onde o
Estado tem conduzido, a partir de uma concepção neodesenvolvimentista, uma
nova agenda de desenvolvimento com foco para grandes programas de
infraestrutura, logística, investimentos industriais e programas na área social.
Ainda que recente, a aglomeração de empresas nacionais e multinacionais na
região de Goiana-PE tem apontado tanto para tentativas de redução de
disparidades históricas entre as regiões brasileiras quanto para a priorização em
setores estratégicos e sem vinculação com a tradição econômica da região,
sendo reflexo das modificações estruturais nos seus aspectos econômicos,
sociais, culturais e ambientais. Com base nesse quadro, busca-se apresentar
uma discussão centrada nas políticas federais de desenvolvimento e
crescimento econômico regional, a partir da observação da dinâmica em curso
do território estratégico de Goiana-PE. Para tanto, utiliza-se informações
secundárias, a exemplo da evolução histórica do PIB, população, valor da
transformação industrial, desembolsos do BNDES por região, admissões e
desligamentos em setores de atividade econômica, além de observação
participante em visita a plantas industriais na região em questão.
1811

ABSTRACT
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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

This paper presents a discussion of the industrialization’s public policy focused


to the Northeast of the Brazil, giving a special look to the strategic territory of
Goiana-PE. This is a new approach to industrial policy and, consequently, about
the issues of this regional where the state has conducted, from a neo-
developmentalist design, a new development agenda with focus on large
infrastructure programs, logistics, industrial investment and programs in the
social area. Although by recent, the agglomeration of national and multinational
companies in Goiana-PE region have pointed to attempts to reduce historical
disparities among brazilian regions and for prioritization in strategic sectors,
without linked to the economic tradition of the region, being a reflection of
structural changes in their economic, social, cultural and environmental aspects.
Based on this framework, this paper seeks to present a discussion focused on
federal development policies and regional economic growth, from the observation
of the dynamics of this in the strategic territory of Goiana-PE. Therefore, we use
secondary information, such as the historical evolution of GDP, population, value
of manufacturing, BNDES' disbursements by region, admissions and dismissals
in sectors of economic activity, as well as participant observation of this autor in
the plants of industries localized in the Goiana-PE region.
1812
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INTRODUÇÃO

A recente concentração de grandes polos e projetos industriais em


algumas regiões do Estado do Pernambuco e em outros Estados da região
Nordeste, ao tempo em que apontam para uma nova orientação da política
industrial no país e de tentativas de desconcentração regional, trás a tona um
ambiente marcado por rearranjos constantes, deslocamentos recentes, formas
de contestação social, novas possibilidades econômicas e problemas sociais.
Nesta perspectiva, algumas questões ganham destaque no que concerne à
formulação e conformação de problemas que são inseridos na agenda de
políticas públicas, as formas em que os atores se relaciona no âmbito das
articulações de projetos industriais e sociais, e consequentemente na dinâmica
das transformações no convívio social e econômico, a partir de desdobramentos
em termos da temática do desenvolvimento.

Os debates sobre desenvolvimento econômico estiveram presentes ao


longo da história do pensamento econômico, atrelados, muitas vezes, às ideias
de crescimento econômico, progresso e industrialização. Entretanto, suas
discussões e diferentes concepções se intensificaram após as duas grandes
guerras mundiais, podendo ser justificado pelos problemas sociais acentuados
1813

ao término dos conflitos, a exemplo das desigualdades sociais, desemprego,


miséria, dentre outros. Neste mesmo período, destacam-se diferentes
concepções de atuação do Estado, seja na correção das distorções econômicas
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e sociais agravadas com as crises econômicas, seja no papel que assume na


conformação de estratégias de desenvolvimento, tanto em políticas nacionais
quanto internacionais.

Novas considerações e percepções sobre desenvolvimento têm surgido,


especialmente, em novos contextos econômicos e sociais, onde seu foco de
atenção passa a incorporar elementos qualitativos e a indicar uma perspectiva
de crescimento mais includente. Com isso, verifica-se que no cenário onde as
políticas são conformadas e desenvolvidas, neste caso a região, outros fatores
além dos geográficos também entram em cena, a exemplo de fatores culturais,
ambientais, sociais, políticos e econômicos.

As políticas de investimento industriais, direcionadas e estimuladas pelo


Estado, estão fortemente ligadas ao setor privado e a fatores externos a região
foco de atenção da política. Pela perspectiva neodesenvolvimentista, os novos
debates e agendas sobre desenvolvimento têm reconhecido o papel estratégico
do Estado na economia, que, de acordo com Alves (2013), atribui ao Estado uma
maior participação no financiamento de investimentos privados através de
fundos públicos, a priorização no investimento em infraestrutura e logística no
país, a exemplo de obras do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC,
assim como aponta para os investimentos na área social. Essa perspectiva
marcou uma nova orientação da política de desenvolvimento do país,
contrapondo-se às políticas de orientação neoliberal e apontando para a
desconcentração regional de políticas industriais e a formulação de uma nova
agenda e política de desenvolvimento.

Cabe destacar que as interações entre os atores, públicos e privados, com


1814

foco na identificação e resolução de um problema tomado como público são


fundamentais para compreender o ambiente em que as políticas públicas são
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conformadas (KNOEPFEL et al., 2007). Além disso, é por meio da interação dos
atores, dos seus interesses e da capacidade de mobilização de recursos, que se
compreendem os fatores que levam agentes a atribuir atenção a alguns temas
em detrimento de outros, priorizando ou negligenciando determinados assuntos
na agenda (KINGDON, 1995).

Com base nessas considerações iniciais, percebe-se que o Estado


apresenta-se enquanto uma importante instituição para a condução da
sociedade que se moderniza cada vez mais, com forte influência nas relações
sociais estabelecidas e na “materialização das contradições e das tensões
presentes na sociedade” (SERAFIM; DIAS, 2012, p.123). É com base nessa
tensão social, no conflito de interesses e na relação de poder dos atores
envolvidos que as agendas de governos são construídas, para posterior
conversão em política pública.

Os investimentos recentes direcionados para o Nordeste brasileiro têm


provocado impactos e transformações na dinâmica de sua economia. No Estado
do Pernambuco, novas atividades econômicas têm-se configurado, como
petróleo e gás, construção naval, automobilística, petroquímica, assim como a
redefinição de segmentos tradicionais, como metalmecânica, produtos
alimentares, bebidas, têxtil e material elétrico. Estudo realizado pela Fecomércio-
PE e Sebrae-PE (2015a) aponta para um conjunto de investimentos recentes e
previstos em torno de 17 bilhões de reais na Mata Norte pernambucana, com
destaque para os polos fármaco-químico, vidreiro, automotivo, bebidas e aos
projetos imobiliários, de infraestrutura e logística. Grande parte do volume destes
investimentos está localizado e em fase de instalação no município de Goiana-
1815

PE, cidade historicamente marcada pelas bases de ocupação colonial e de uma


economia tradicionalmente vinculada às atividades sucroalcooleira. Goiana tem,
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agora, se adaptado constantemente a uma nova dinâmica econômica local, a

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partir da construção da planta industrial mais moderna da montadora


multinacional de veículos do grupo Fiat Chrysler Automobiles (FCA), da Empresa
Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (HEMOBRÁS) e da Companhia
Brasileira de Vidros Planos (CBVP, também conhecido por VIVIX).

Dado o cenário supracitado, busca-se apresentar uma discussão centrada


nas políticas federais de desenvolvimento e crescimento econômico regional, a
partir da observação da dinâmica em curso do território estratégico de Goiana-
PE. Utiliza-se de informações secundárias, a exemplo da evolução histórica do
PIB, população, valor da transformação industrial, desembolsos do BNDES por
região, admissões e desligamentos em setores de atividade econômica.

DESENVOLVIMENTO E INDUSTRIALIZAÇÃO

Os conceitos de desenvolvimento e crescimento econômico aparecem


geralmente associados na literatura econômica. Entretanto, ainda que
lentamente, esta visão tem mudado e os indicadores sociais têm ganhado
importância ao refletir a verdadeira mudança da qualidade de vida da população.
Bresser-Pereira (2006a) associa o desenvolvimento econômico ao aumento da
renda per capita, na medida em que os países promovem suas revoluções
capitalistas. Considera ainda que o desenvolvimento é uma construção histórica
que apresenta como características a acumulação de capital, a incorporação de
tecnologia e o aumento da produtividade, por conta disso tende a se
autossustentar, quando iniciado.

Três tipos de origens do debate sobre desenvolvimento são destacados


1816

por Souza (2005): a) origens teóricas; b) origens nas crises econômicas e; c)


origens nos estudos empíricos na América Latina. O primeiro é associado ao
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pensamento mercantilista, às escolas fisiocrata e clássica, além do pensamento

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de Shumpeter. O segundo ocorre quando o crescimento econômico é


insuficiente para atender as demandas de regiões e classes sociais. Enquanto
que o terceiro apresenta o pensamento dos economistas da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em posição adversa aos
interesses defendidos pela Divisão Internacional do Trabalho (DIT)93. Além
disso, o autor enfatiza que “o debate sobre o desenvolvimento econômico, no
Brasil, tomou forma com os estudos da Comissão Mista Brasil-EUA (1951/1953)
e do Grupo Misto BNDE-CEPAL (1953/1955), que forneceram elementos para
os planos nacionais subsequentes” (SOUZA, 2005, p. 3-4).

Nestas condições, Prebisch (1949) destaca a importância da


industrialização para o processo de desenvolvimento dos países periféricos, o
que não impede o desenvolvimento do setor agrícola, pois este é fornecedor de
divisas. Contudo, alerta que a industrialização não é um caminho fácil, pois se
faz necessário a elevação do padrão de vida da população e da renda per capita.
Foi apenas no decorrer do primeiro e do segundo conflito mundial que os países
da América Latina se industrializaram com a finalidade de não depender das
economias centrais.

O processo de industrialização brasileira ocorreu de forma tardia e foi


caracterizado por um “desenvolvimento imitativo”, reforçando a opressão social
e o elitismo na sociedade, em que “o processo de acumulação foi posto a serviço
da modernização desbridada do estilo de vida dos estamentos sociais de rendas
médias e altas, desatendendo-se a satisfação das necessidades mais
elementares da massa da população” (FURTADO, 1984a, p. 27).
1817

93
O esquema da DIT incluía a América Latina no conjunto de países periféricos que deveriam se
especializar na produção agrícola e de matérias primas para os países do centro, enquanto que estes
Página

deveriam se especializar em produtos industriais. No entanto, a América Latina rompe com esse
esquema ao iniciar sua industrialização, através do Processo de Substituição de Importação (PSI).

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No âmbito do debate sobre subdesenvolvimento, atrelado este às rígidas


estruturas sociais no Nordeste, saldo negativo da decadência da economia
açucareira no século XVII, Furtado (1984a) considera que existe um impasse
estrutural ao se pensar desenvolvimento para a região a partir de uma lógica
importada do exterior, de maneira que esse impasse somente poderá ser
superado por dois fatores: elevação da homogeneidade da sociedade e abertura
para a realização das potencialidades da cultura interna. Ao pensar uma política
alternativa de desenvolvimento para o Nordeste, Furtado (1984) destaca o papel
das universidades no aprofundamento de estudos dos problemas complexos da
região, assim como para disseminar o conhecimento a um público que, em geral,
encontram-se excluídos dos centros de poder. O autor também aponta três
convergências de opiniões ao se tratar de questões relacionadas à evolução
recente da região: a) o avanço no conhecimento da região, das possibilidades e
limitações, através de estudos da estrutura agrária, hidrografia, estiagem e
dentre outros; b) a não correspondência entre crescimento econômico e
desenvolvimento e; c) a situação de desgoverno com “manobras” para atuar na
região.

Para Furtado (1984) é fundamental que exista um centro dinâmico para


impulsionar o desenvolvimento. No caso do Nordeste, esta função foi forjada
pela demanda externa, através da economia primário-exportadora e,
recentemente, pelos investimentos financiados em infraestrutura e aos
investimentos industriais, muitas vezes subsidiados. Entretanto, considera que o
crescimento gerado por esses centros dinâmicos pouco se vincula com a
demanda regional interna, motivo pelo qual as transformações sociais
1818

geralmente não recebem a devida atenção, quando comparado com os


investimentos industriais, nos centros dinâmicos.
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Considerando que a alternativa para o desenvolvimento do Nordeste seria


por meio da industrialização, Furtado (1984) questiona sobre qual tipo de
industrialização a região deve seguir para gerar as bases de uma política de
desenvolvimento, “pois sabemos de experiência que a tendência natural é para
favorecer indústrias sem qualquer vínculo direto com o mercado regional”
(FURTADO, 1984b, p. 74-75).

A decisão de instalação de indústrias em determinada localidade provoca


diversos efeitos desencadeadores de problemas e conflitos sociais em um
território. Essas indústrias, habitualmente, são atraídas por benefícios
concedidos em determinadas localidades, a exemplo de redução de tributos
locais e/ou isenções fiscais. É importante destacar que este tipo de situação
limita o governo no fornecimento de serviços públicos a uma população que
cresce descontroladamente devido às oportunidades que serão geradas.
Portanto, é um processo que, consequentemente, influencia a mudança do
quadro social e econômico, com custos superiores aos retornos sociais, como
bem enfatiza Ferreira (1989) ao apontar que dentre os principais problemas do
desenvolvimento socioeconômico encontram-se o elevado crescimento
populacional nas cidades, decorrentes de migrações rurais-urbanas e de outras
localidades, bem como as crescentes disparidades dos níveis de
desenvolvimento entre regiões.

Considerando as desigualdades regionais, Myrdal (1968) argumenta que


a expansão econômica em uma localidade pode gerar dois tipos de efeitos,
regressivos e propulsores. No primeiro, o autor considera que “os movimentos
de mão-de-obra, capital, bens e serviços não impedem, por si mesmos, a
1819

tendência natural à desigualdade regional” (MYRDAL, 1968, p. 53), enquanto


que o segundo efeito pode propagar a expansão econômica do centro para
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outras localidades.

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Quanto à trajetória do desenvolvimento no Brasil, especialmente na


Região Nordeste, Mattos e Martignoni (2010) apresentam uma discussão
histórica da desigualdade regional brasileira e das políticas de desenvolvimento.
O estudo faz uma análise de dados e informações que induzem a uma nova
convergência do desenvolvimento econômico do Nordeste, com um gradual
acréscimo das atividades industriais, de infraestrutura e estruturação do
mercado de trabalho, que tem impulsionado o crescimento econômico da região,
através da ampliação de alguns setores da economia. Entretanto, os autores
também apontam que, no Brasil, as desigualdades foram reforçadas pela
industrialização pesada, com concentração de renda setorial e regional, visto
que “a montagem da estrutura industrial brasileira, baseada nos setores de bens
de capital e de bens de consumo duráveis de alto valor unitário (cujo exemplo
maior é a indústria automobilística) ocorreu de forma concentrada na região
Sudeste [...]” (MATTOS E MARTIGNONI, 2010, p. 222).

Outro autor que debate o tema do desenvolvimento e do crescimento


econômico é Perroux, para quem o crescimento não ocorre de forma homogênea
em toda parte, “ao contrário, manifesta-se em pontos ou polos de crescimento,
com intensidades variáveis, expande-se por diversos canais e com efeitos finais
variáveis sobre toda a economia” (PERROUX, 1977, p. 146). Quando iniciado,
elevam-se as necessidades coletivas por serviços públicos diversos (saúde,
educação, saneamento, habitação, transporte etc.), estando diretamente
relacionados com a expansão do polo de crescimento econômico. O autor
considera ainda que estes são efeitos de intensificação, que podem ser
acrescentados por efeitos de disparidades inter-regionais, na medida em que “o
1820

polo industrial complexo, geograficamente aglomerado, modifica o seu meio


geográfico imediato e, se for poderoso, a estrutura inteira da economia nacional
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em que estiver situado” (PERROUX, 1977, p. 154).

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O debate sobre desenvolvimento ganha novos contornos no final do


Século XX com o fenômeno da globalização, amplificando abordagens
multidimensionais da economia. Nessa perspectiva, Stiglitz (2007) aborda o
processo de globalização econômica que, no início da década de noventa,
apresentava-se como a alternativa para a elevação dos padrões de vida da
população mundial. Entretanto, o que se têm observado são resultados
adversos, com desequilíbrios entre nações e no interior de cada país. Em
diversos fóruns e encontros mundiais o tema da globalização passou a figurar
como elemento central na discussão, onde “a preocupação era que a
globalização poderia estar criando países ricos com populações pobres”
(STIGLITZ, 2007, p. 68).

NEODESENVOLVIMENTISMO E POLÍTICAS INDUSTRIAIS

As experiências históricas próprias dos países latino-americanos têm


colocado o Estado como uma importante instituição responsável pela promoção
e condução de estratégias nacionais de desenvolvimento, ampliando sua
participação na segunda metade do século XX como forma de correção das
distorções provocadas pós-conflitos mundiais.

O desenvolvimentismo, ou nacional-desenvolvimentismo, surgiu no


período compreendido entre os anos de 1930 a 1970, quando emergiram as
estratégias nacionais de desenvolvimento que apontavam para a necessidade
de constituir e fortalecer o Estado nacional. Trata-se, portanto, das estratégias
que os próprios países dependentes passaram a traçar para impulsionar seu
1821

processo de industrialização, ainda que de forma atrasada, especialmente na


América Latina (BRESSER-PEREIRA, 2006b).
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Com a crise mundial do Petróleo, em 1973, observou-se a difusão das


ideias econômicas neoliberais no país, opondo-se as ideias intervencionistas
keynesianas e da corrente estruturalista latino-americana, formado
principalmente pelos economistas Celso Furtado, Raul Prebisch e Ignácio
Rangel. Durante a década de 1980, a década perdida devido ao período de
estagnação na economia brasileira e decorrente da grande crise da dívida
externa, foi notória tanto a elevação de movimentos sociais e políticos contrários
à ditadura civil-militar quanto os impasses de ordem política para construção de
um projeto de desenvolvimento voltado para uma maior integração entre as
nações.

Com o chamado consenso de Washington, em 1989, expressão da


hegemonia neoliberal, diversos países latino-americanos seguiram firmemente
as medidas neoliberais propostas pelos países ricos, o que só corroborou para
as oscilações políticas e econômicas nos país em desenvolvimento. Isso aponta
para a fase de substituição de uma estratégia nacional de desenvolvimento para
uma estratégia externa de desenvolvimento, a qual Bresser-Pereira (2006b)
chama de ortodoxia convencional.

No Brasil, essas ideias neoliberais foram bastante sentidas durante a


década de 1990, com a privatização de empresas estatais, abertura da economia
através da difusão da globalização, obtenção de poupança externa para
estimular o crescimento econômico e a concepção da redução da participação
do Estado na economia.

Os anos iniciais da década de 2000 caracterizam a retomada da


discussão do tema do desenvolvimento no Brasil e na América Latina, bem como
1822

o surgimento de uma nova orientação da política de desenvolvimento no país, o


chamado neodesenvolvimentismo, que, de acordo com Alves (2013), reconhece
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duas funções importantes para o Estado: investidor e financiador. O


neodesenvolvimentismo atribui assim tanto uma maior participação no
financiamento de investimentos privados através de fundos públicos, quanto a
priorização no investimento em infraestrutura no país. Isso também inclui
investimentos na área social e, sobretudo, na desconcentração regional de
políticas industriais.

Acrescenta-se, ainda, o papel regulador do Estado para a constituição e


financiamento de “grandes corporações de capital privado nacional com a
capacidade competitiva no mercado mundial”. Por outro lado, a vertente do
Estado investidor, dentre outras questões, busca satisfazer as necessidades das
grandes corporações por obras de infraestrutura e logística. Isso também aponta
tanto para uma nova organização do capitalismo brasileiro quanto para a
condução de estratégias de crescimento da economia, liderado pela atuação do
Estado (ALVES, 2013, p. 5).

No que se refere a vertente das políticas sociais, em muitos casos,


verifica-se que as mesmas não têm acompanhado o mesmo ritmo de
crescimento industrial, a exemplo da situação vivenciada no Complexo Industrial
Portuário de Suape (PE), na qual a expressão “Belíndia”94 ganha notoriedade ao
indicar uma conjunção de ambiguidade e contrariedade, em que prevalece,
simultaneamente, no mesmo território, um contexto econômico da Bélgica (país
muito rico) e uma realidade social da Índia (país pobre). Isso também aponta
para o fato de Alves (2013) referir-se tanto a política neoliberal quanto ao
neodesenvolvimentismo como projetos burgueses, uma vez que, em contextos
e realidades diferentes, estão voltados para a organização do capitalismo
1823

brasileiro, considerado pelo mesmo como um “novo modelo de desenvolvimento


Página

94
Expressão utilizada e popularizada pelo economista Edmar Lisboa Bacha, em 1974, ao tentar
explicar o nível de desigualdade econômica do Brasil.

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burguês”, assim como “um novo bloco histórico de hegemonia burguesa no Brasil
sob a direção do grande capital organizado” (ALVES, 2013, p. 3-4).

Historicamente, a industrialização tem sido a estratégia estrutural


perseguida pelos governos, especialmente após o rompimento do esquema da
divisão internacional do trabalho pelos países latino-americanos. Esse tipo de
estratégia possibilita forte elevação no crescimento econômico, embora não se
apresente de forma homogênea em toda parte.

Mito ou realidade, termos como “Estado forte”, “Estado


desenvolvimentista” ou “Estado-empresário” guardam ambiguidades estruturais
nos discursos e nas práticas políticas contemporâneas. Com base nessa
imprecisão entre o que se anuncia e o que se faz, Serafim e Dias (2012, p. 122)
questionam o papel do Estado forte, “[...] ele é forte para quem? Por trás dessa
ideia, aparentemente ingênua, esconde-se uma concepção de Estado e um
projeto político pró-capital. Trata-se, na realidade, de uma visão fetichizada do
Estado”. Com isso, ao longo dos anos e em contextos e realidades diferentes,
se observa a manutenção da essência própria do Estado, sua natureza
capitalista, embora com mudanças e adequações na formação e na composição
da sua agenda.

Ao tratar da agenda de desenvolvimento no país, a partir do início da


década de 2000, conduzida por grandes projetos de infraestrutura e logística,
bem como as formas diversas que resultam em concentração de investimentos
públicos e privados e na aglomeração industrial em territórios, Ramalho e Véras
de Oliveira (2015) distinguem as implicações desses investimentos sob os
aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais, apontando que
1824

O caráter especial dessas configurações implica, entre


Página

outros aspectos: em modificações nos padrões produtivos

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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

e em novos padrões de relações de trabalho; conexões


com cadeias produtivas globalizadas; impactos ambientais;
geração de mobilidades espaciais e sociais; eclosão de
conflitos sociais; constituição de novos atores e de novos
arranjos institucionais. No entanto, tais configurações não
podem, do ponto de vista analítico, mesmo que sob a forma
de “enclaves”, serem dissociadas de contextos mais
amplos, especialmente da conjunção de políticas
econômicas e sociais nacionais, assim como das
influências internacionais. (RAMALHO, VÉRAS DE
OLIVEIRA, 2015, p. 12).

No que concerne aos temas inseridos nas agendas públicas, cabe


destacar que os mesmos partem de problemas existentes ou criados e que
merecem resolução pública. Quanto aos problemas, Cobb e Elder (1995)
consideram que o mesmo compreende um conflito entre um ou mais grupos
referentes a questões processuais ou materiais, centrados na distribuição de
posições ou recursos. Nesta perspectiva, os autores identificam quatro meios de
criação de problemas, conforme segue: 1) conflito entre uma ou mais das partes
que percebem um viés desfavorável na distribuição de posições e recursos; 2)
criação de problemas para ganho próprio, sendo chamados de exploradores; 3)
evento inesperado ou reatores circunstanciais e; 4) problemas gerados sem
posições e recursos para fins próprios, são chamados de benfeitores. Vale
destacar que indivíduos ou grupos podem considerar mais de uma destas
categorias de criação de problemas enquanto motivo para uma ação particular.
1825

Nesta perspectiva, as agendas partem e envolvem um ambiente tido


como problemático, podendo ser alvo de atenção e resolução a partir de sua
Página

priorização enquanto política pública. Cobb e Elder (1995) observam e

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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

classificam dois tipos básicos de agendas políticas: a) agenda sistêmica e; b)


agenda institucional, governamental ou formal. A primeira abrangendo todas as
questões identificadas pelos membros de uma comunidade política como
merecedoras de atenção pública e que potencialmente são de competência
governamental. Já a segunda é compreendida como o conjunto de itens
explicitamente considerados, de forma “ativa e séria”, pelas autoridades que
detém decisão para tal.

Cabe destacar que as agendas são construídas e pautadas em um campo


de interesse político, que envolve concepções, disputas e relações de poder
diversas entre os atores envolvidos, caracterizando uma relação conflituosa de
poder e com margem para a contestação social. Todos esses elementos são
importantes para a compreensão da forma e da condução da agenda
desenvolvimentista que vem sendo implementada no país, especialmente no
Nordeste, e seus consequentes impactos sociais, econômicos, políticos e
ambientais, conduzidos por investimentos públicos e privados, com um forte fator
exógeno a região.

DISCUSSÕES SOBRE O TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

O território estratégico de Goiana-PE está localizado na Mesorregião da


Mata Pernambucana, na Microrregião da Mata Setentrional e compreende a
Região Estratégica de Desenvolvimento da Mata Norte. Sua posição geográfica
estratégica é visualizada a partir da distância com a capital pernambucana e
paraibana, ficando a 62,8 km e 57 km, respectivamente. Apresenta uma área de
1826

445.814 km², com densidade demográfica de 150,72 habitantes por km². Com
uma população estimada pelo IBGE, em 2015, de 78.618 habitantes, é o 20º
Página

município mais populoso do Pernambuco, o 3º da Mesorregião da Mata Norte e

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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

o 2º da Microrregião da Mata Setentrional. Em 2007 foi classificado pelo IBGE


como centro de zona A, por possuir influência em um contexto microrregional e
desempenhando função estratégica para municípios de seu entorno (IBGE,
2015). Suas principais vias de acesso são: PE-049, PE-062, PE-075 e BR-101.

O potencial econômico de Goiana esteve, por muito tempo, atrelado a


usinas e engenhos de cana-de-açúcar. Atualmente as atividades econômicas
estão relacionadas ao comércio, agropecuária e indústria de transformação. Em
2012, Goiana alcançou um PIB de R$ 872.238.000,00 e um PIB per capita de
R$ 11.491,63 (IBGE, 2015).

As recentes políticas industriais têm possibilitado um processo de


aglomeração industrial, desde o ano de 2009, no município de Goiana-PE e se
constituem como questões que inevitavelmente transcorrem nas agendas
políticas dos três níveis de governo. Destacam-se a construção de três grandes
polos industriais que tem sido responsáveis por impulsionar o dinamismo de
crescimento econômico de Goiana e de um conjunto de municípios que estão
em seu entorno, tanto da Zona da Mata Norte de Pernambuco quanto da Zona
da Mata Sul da Paraíba. Estes polos compreendem a construção da planta
industrial mais moderna da montadora multinacional de veículos do grupo Fiat
Chrysler Automobiles (FCA), da Empresa Brasileira de Hemoderivados e
Biotecnologia (HEMOBRÁS) e da Companhia Brasileira de Vidros Planos
(CBVP, também conhecido por VIVIX).

Pela perspectiva introduzida por Perrox (1977), a instalação de grandes


indústrias, as motrizes, atrai para a região em desenvolvimento outras empresas,
as indústrias movidas, sendo responsáveis pelo fornecimento de matérias-
1827

primas e serviços para a expansão da produção da primeira, o que tem


Página

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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

caracterizado um processo de aglomeração industrial e mudança de dinamismo


econômico com impactos diretos na qualidade de vida da população.

O polo automotivo de Goiana-PE, por exemplo, compreende a montadora


de veículos do grupo Fiat Chrysler Automobiles (FCA), inaugurada em abril de
2015, e mais 16 empresas sistemistas95 que juntas compreendem investimentos
de 7,1 bilhões de reais – que, quando atingir a capacidade máxima, produzirá
250 mil veículos por ano e irá gerar cerca de 8 mil oportunidades de empregos
de forma direta e outros milhares de forma indireta. Esse quadro caracteriza o
Supply Park 1 do polo automotivo, mas vale ressaltar que um segundo Supply
Park também já está previsto para ser implantado no município de Itapissuma-
PE, assim como um terceiro encontra-se em fase de estudo e com expectativa
de implantação no distrito de Tejucupado, em Goiana (FECOMÉRCIO-PE,
SEBRAE-PE, 2015; JORNAL DO COMMERCIO, 2015).

A partir das discussões realizadas até aqui, pode-se apresentar algumas


considerações sobre alguns dados e indicadores econômicos e sociais do
município de Goiana-PE. Primeiramente, cabe destacar a tendência de
crescimento para a população total e estimada residente. Pela taxa de
crescimento simples, verifica-se uma taxa maior para o período de 2012-2015
do que para o período de 2008-2011, 3,58% e 2,43%, respectivamente. Isso
pode ser justificado pelo início das obras civis dos polos industriais em Goiana.
Já pela taxa de crescimento composta, tem-se um crescimento em média ao ano
de 13,25%, conforme pode ser verificado pelo gráfico I, abaixo.

Gráfico I – População total e estimada de Goiana-PE (2008-2014)


1828
Página

95
Fornecedores diretos e que funcionam de forma integrada a montadora.

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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

Fonte: Elaboração própria, com base em informações do IBGE (2016).

Pela série histórica do Produto Interno Bruto em valores constantes,


correspondente ao período de 2002 a 2012, evidencia-se que o Estado do
Pernambuco apresentou um crescimento de 88,48%, índice superior ao
crescimento do Nordeste (75,96%), do Brasil (68,29%) e do município de
Goiana-PE (38,80%), conforme tabela I.

Já a participação relativa do Nordeste no PIB nacional apresentou uma


tendência crescente ao longo de toda a série, com uma média de 17,83%. A
participação do Pernambuco no PIB regional registrou queda de 2002 a 2005,
algumas oscilações entre 2006 e 2008, com posterior variação positiva até 2012,
sendo que a maior variação positiva observada foi em 2010. Já a participação
de Goiana tanto no PIB estadual quanto no PIB regional foi de oscilações
predominantemente nulas, mesmo com o inicio de obras civis de algumas
empresas ligadas aos polos vidreiro e fármaco-químico entre 2010 e 2011 e o
1829

início das obras civis do polo automotivo, no final do ano de 2012.


Página

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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

Tabela I – Brasil, Nordeste, Pernambuco e Goiana-PE: Produto Interno


Bruto a preços constantes (ano base: 2012) – 2002 a 2012 (em R$ 1.000).

PIB a preços constantes (2012=100) Participação relativa (%)


Ano Brasil Nordeste Pernambuco Goiana NE/BR PE/NE GO/PE GO/NE
2002 2.609.900.314,68 338.359.466,25 62.255.550,20 628.429,49 12,96 18,40 1,01 0,19
2003 2.746.738.198,13 350.684.312,69 63.513.698,06 565.819,52 13,44 18,11 0,89 0,16
2004 2.915.454.758,40 370.971.864,97 66.089.060,02 563.172,14 14,21 17,82 0,85 0,15
2005 3.050.814.821,94 398.600.665,68 70.929.214,79 566.605,53 15,27 17,79 0,80 0,14
2006 3.264.089.921,17 428.562.421,58 76.445.037,83 609.863,40 16,42 17,84 0,80 0,14
2007 3.509.613.780,87 458.652.863,91 82.098.884,77 601.836,13 17,57 17,90 0,73 0,13
2008 3.775.901.229,51 494.993.192,61 87.717.637,09 698.157,49 18,97 17,72 0,80 0,14
2009 3.867.243.589,87 522.555.627,86 93.628.756,07 729.748,21 20,02 17,92 0,78 0,14
2010 4.249.624.587,43 572.053.781,03 107.294.083,38 832.700,26 21,92 18,76 0,78 0,15
2011 4.384.965.315,39 587.756.327,37 110.490.588,86 838.376,63 22,52 18,80 0,76 0,14
2012 4.392.093.997,51 595.382.228,16 117.340.091,50 872.238,00 22,81 19,71 0,74 0,15
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPEADATA – Contas Regionais / IBGE Cidades.
Nota: Valores correntes deflacionados a partir do IPCA, com base fixa em 2012.
Legenda: BR (Brasil); NE (Nordeste); PE (Pernambuco); GO (Goiana-PE).

A Tabela II remete para a questão regional brasileira e a consequente


concentração da atividade industrial nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e
Rio de Janeiro, o que contribui para o fortalecimento do padrão da divisão inter-
regional evidenciada na participação das regiões Sul e Sudeste no valor da
transformação industrial do país96.

Os resultados da tabela II também apontam para a ausência de uma


melhor definição da estratégia nacional de desenvolvimento. O que se tem
observado, nos últimos anos, é a priorização de alguns setores na agenda do
país. Esse forte componente setorial nas políticas públicas, a exemplo de
atividades ligadas aos setores de construção naval, automobilística e
1830

petroquímica, induz a utilização de políticas compensatórias para regiões


Página

96
Valor da Transformação Industrial corresponde a “diferença entre o valor bruto da produção industrial e os
custos das operações industriais” (IBGE, 2015).

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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

pobres. Isso também pode ser corroborado pela ausência de preocupações com
as transformações e alterações na dinâmica econômica e social local, puxado
pelos investimentos setoriais.

Por meio da taxa de crescimento simples, verifica-se que, ao longo de


todo o período 2002 a 2013, o maior crescimento do valor da transformação
industrial foi para o Estado do Pernambuco (33,5%), seguido de Minas Gerais
(17,3%), Rio de Janeiro (9,3%) e crescimento negativo para São Paulo (-19,4%).
Pela taxa de crescimento em média ao ano, taxa de crescimento composta, o
Estado do Pernambuco (11,1%) também apresentou o maior crescimento,
seguido de Minas Gerais (9,8%), Rio de Janeiro (9,1) e São Paulo (6,7%). Em
nível regional, Centro Oeste, Norte e Nordeste obtiveram as maiores taxas de
crescimento, simples e composta.

Os dados também evidenciam que tanto Pernambuco quanto o Nordeste


conseguiram ampliar suas participações relativas no valor da transformação
industrial do país. Entretanto, em 2013, os três Estados do Sudeste (Minas
Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) ainda concentravam 56,6% de participação
na transformação industrial, enquanto que as regiões Sul e Sudeste, juntas,
concentraram 78,8% no mesmo ano. Portanto, mesmo apresentando bom
desempenho nas taxas de crescimento, as regiões Centro Oeste, Norte e
Nordeste permanecem aquém das participações das regiões Sul e Sudeste,
conforme pode ser visto na tabela abaixo.

Tabela II - Valor da Transformação Industrial (% sobre o total do país / 2002-


2013)
1831

Estados Tx. Crescimento


selecionados (%)
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
e Regiões
Simples Composta
brasileiras
Página

Minas Gerais 10,0 9,7 10,6 10,4 10,4 10,9 11,5 10,1 11,9 11,8 11,2 11,7 17,3 9,8
Rio de
9,6 10,4 10,4 10,5 10,9 10,1 10,6 10,5 10,4 10,5 11,3 10,5 9,3 9,1
Janeiro

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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

São Paulo 42,6 41,0 40,0 40,2 39,3 39,3 37,4 37,9 36,2 35,6 35,0 34,3 -19,4 6,7
Pernambuco 1,3 1,4 1,1 1,1 1,1 1,2 1,2 1,5 1,5 1,5 1,7 1,7 33,5 11,1

Norte 4,9 4,9 5,6 5,8 6,0 5,9 6,2 5,9 7,0 6,8 6,2 6,5 32,7 11,1
Nordeste 8,8 9,0 8,9 9,3 9,9 9,5 9,7 10,0 9,3 9,3 9,5 9,4 6,9 8,9
Sudeste 64,1 63,2 63,3 63,5 63,1 62,7 62,2 60,5 61,0 60,7 60,3 59,2 -7,7 7,7
Sul 19,2 19,5 18,8 17,7 17,6 18,5 18,3 19,1 18,2 18,7 18,9 19,6 1,8 8,5
Centro
3,0 3,4 3,5 3,7 3,4 3,5 3,7 4,4 4,5 4,5 5,1 5,3 78,5 14,9
Oeste
Brasil 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 - -
Fonte: Elaboração própria com base em dados do IBGE – Pesquisa Industrial Anual Empresa.

O cenário de novas oportunidades de emprego e de mudança na


percepção do trabalho em Goiana-PE pode ser evidenciado nos gráficos II e III
a seguir. O gráfico II apresenta o saldo de admissões e desligamentos
registrados no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) no
período de 2007 a 2015, onde é possível verificar que a queda das admissões
em 2009 foi puxada pelo número de desligamentos de postos de trabalho no
setor agropecuário. Grande queda no setor agropecuário também é registrada
no ano de 2011, conforme gráfico III, entretanto a elevação nos postos de
trabalho no setor de construção civil contribuiu para segurar o saldo final.

Gráfico II - Goiana: Saldo de admissões e desligamentos de 2007 a 2015 (nº


de pessoas)

Admissões;
Desligamento
2015;
Admissões;10907
s; 2015;
2014;10829
9158
Admissões;
2013; 6789
Desligamento
Desligamento Admissões;
Admissões; Admissões;
Admissões;
Desligamento s; 2014; 6516
s; 2008; 4878 2010; 5026
2007; 4999 2011; 2012;
4744 Desligamento
4924
Desligamento
Admissões;
Desligamento s; 2009; 4473 Desligamento
Desligamento
2012;s; 4564
2013; 4839
s; 2007;2008;
44534753Admissões; 2011;s;4543
s; 2010;s;4429
1832

2009; 2400
Página

Admissões

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Fonte: Elaboração própria, com base em dados do MTE / Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED).

É possível verificar, também pelos gráficos II e III, a tendência de


crescimento no número de admissões a partir do ano de 2012, decorrente da
elevação de postos de trabalho nos setores de construção civil, indústria de
transformação e serviços. Bom desempenho nas admissões do setor da
indústria de transformação e serviços também é registrado no ano de 2014.
Enquanto que o ano de 2015 indica para um crescimento superior no número de
desligamentos, quando comparado com as admissões, sendo puxado por uma
contração na indústria de transformação e saldo negativo para os setores de
construção civil e serviços.

Gráfico III - Goiana: Evolução do emprego por setores selecionados de


atividade econômica (saldo do nº de pessoas)

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015


Indústria de transformação 78 -36 192 62 2489 272 654 2291 1089
Construção civil 75 14 -60 132 -28 91 1.046 -199 -334
Comércio 82 156 89 315 60 131 -43 -46 3
Serviços 27 41 112 114 177 3 255 613 -709
Agropecuária 284 -299 -2412 -28 -2499 -102 3 12 44

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do MTE / Cadastro Geral de Empregados e
1833

Desempregados (CAGED).
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Nota: A evolução do emprego por setores de atividade econômica


corresponde ao saldo anual (admissões-desligamentos).

Em outra perspectiva de análise, a Federação das Indústrias do Rio de


Janeiro (FIRJAN) aponta para uma tendência de crescimento do Índice FIRJAN
de Desenvolvimento Municipal (IFDM) consolidado de Goiana, ao longo do
período de 2005 a 2013, com oscilação negativa no ano de 2011, decorrente de
uma queda no indicador de desenvolvimento de emprego e renda, conforme
gráfico IV. Ao longo do período em análise, o IFDM consolidado de Goiana saiu
de uma classificação de desenvolvimento regular para um desenvolvimento
moderado, quando atingiu um indicador de 0,7102 pontos em 2013, ocupando a
décima terceira colocação no ranking de municípios do Estado do Pernambuco.
O IFDM de saúde apresentou os indicadores mais elevados ao longo de toda a
série, mantendo-se em uma classificação de desenvolvimento moderado e em
2013 ficou na sexagésima nona colocação entre os municípios do Estado.

O destaque, em termos de crescimento, foi para o IFDM de educação que


apresentou um crescimento ao longo de todo o período de 42,22%, saindo de
uma classificação de desenvolvimento regular para desenvolvimento moderado.
Entretanto ainda continua a apresentar os menores indicadores, quando
comparado com as demais áreas de desenvolvimento, e na posição estadual
ocupou a centésima quarta colocação. Por fim, o IFDM de emprego e renda foi
o indicador que apresentou mais oscilações e reflete a conjuntura de
direcionamento de investimentos industriais para Goiana. De 2006 a 2009
verifica-se uma leve tendência de queda, mas com permanência na classificação
de desenvolvimento moderado. Em 2010 registra-se uma elevação em
1834

decorrência das obras civis da HEMOBRÁS, enquanto que em 2011 o indicador


cai para a classificação de desenvolvimento regular, voltando a crescer em 2012,
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REGIONAL BRASILEIRA: UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE SILVA; CAROLINA BAGATTOLLI;
GOIANA-PE MAURÍCIO SARDÁ DE FARIA
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UM ESTUDO DO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE

em decorrência das obras civis da fábrica da Fiat e em 2013 ocupou a oitava


posição entre os municípios do Estado.

Gráfico IV - Goiana: Evolução anual do Índice Firjan de Desenvolvimento


Municipal (FIRJAN) e áreas de desenvolvimento – 2005 a 2013

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013


IFDM Consolidado 0,5439 0,5928 0,6206 0,6282 0,6356 0,6650 0,6464 0,6895 0,7102
IFDM Educação 0,4559 0,4678 0,5163 0,5501 0,5551 0,5932 0,6109 0,6457 0,6484
IFDM Saúde 0,6142 0,6658 0,7113 0,7331 0,7423 0,7362 0,7414 0,7536 0,7755
IFDM Emprego e Renda 0,5618 0,6449 0,6342 0,6013 0,6093 0,6655 0,5869 0,6693 0,7065

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da FIRJAN, 2016.

Nota: Baixo desenvolvimento (inferiores a 0,4 pontos); Desenvolvimento regular (entre 0,4 e 0,6
pontos); Desenvolvimento moderado (entre 0,6 e 0,8 pontos) e; Alto desenvolvimento (superiores
a 0,8 pontos).

No que diz respeito às contrapartidas e financiamentos concedidos para


implantação do polo automotivo de Goiana, o quadro I apresenta uma síntese
dos mesmos, conforme objetivo descrito. Os principais financiamentos foram
concedidos por órgãos e bancos de desenvolvimento públicos, como o Banco do
Nordeste do Brasil (BNB)/Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste
(FNE), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)/Fundo de
1835

Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), os quais representam em torno de R$


4,7 bilhões. É importante ressaltar que a avaliação do crédito concedido pela
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SUDENE, através do FDNE, foi feita pelo Banco do Brasil, função até então

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restrita ao BNB e que, dada a urgência na liberação dos recursos para a Fiat, a
SUDENE estendeu a avaliação de crédito para outros bancos oficiais (Banco do
Brasil e Caixa Econômica Federal). Com isso, fica evidente a força do projeto da
Fiat Chrysler em Goiana e as articulações políticas para viabilização do
empreendimento no Pernambuco.

Já o Governo do Estado do Pernambuco entrou com contrapartidas na


preparação do terreno para construção civil da fábrica da Fiat Chrysler e do
Supply Park 1, além da realização (em parceria com Sesi, Senai, Fiat e
prefeituras do entorno de Goiana) de um amplo programa de qualificação
profissional destinado as obras civis da montadora. Ao considerar os
financiamentos públicos e as contrapartidas do Governo do Estado obtém-se um
valor entorno de R$ 4,8 bilhões concedidos para formação do polo automotivo
de Goiana. Com essa cifra, fica evidente que, em conjunto, os incentivos
ofertados superaram o anúncio de investimentos divulgado pela Fiat, no valor de
R$ 4 bilhões, e põe em questão a dependência, ainda existente, de recursos
governamentais para impulsionar empreendimentos na região Nordeste.

Quadro I – Contrapartidas e Financiamentos para o polo automotivo de


Goiana.

Órgão/Instituição
Objetivo do Financiamento Valor (R$)
Financeira
BNDES Financiamento para construção da fábrica da Fiat, 2.400.000.000,00
instalação de uma fábrica de motores, um campo de
provas, um parque de fornecedores e investimentos sociais
na comunidade local.
SUDENE/FDNE Empréstimos para a construção da montadora e fábrica de 1.959.000.000,00
motores.
BNB/FNE Financiamento para construção da fábrica da Fiat. 380.000.000,00
1836

Governo do Preparação de terreno de 1.400 hectares da Fiat em 81.900.000,00


Pernambuco Goiana (terraplenagem)
Governo do Capacitação de 6.782 pernambucanos para a construção -
Página

Pernambuco das obras da Fiat.


Total parcial* 4.820.900.000,00

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Fonte: Elaboração própria a partir de informações do Jornal do Commercio (26/12/12, 04/01/13,


19/04/13, 06/08/14).

Nota: * Os dados presentes neste quadro referem-se ao período temporal do estudo. São dados
divulgados pelos órgãos e instituições financeiras na mídia sobre os valores concedidos através
de financiamentos e contrapartidas governamentais. Os valores referentes à política de
capacitação profissional não foram divulgados em conjunto, tendo em vista que contaram com
ações de distintos órgãos.

Os desembolsos do BNDES por região confirmam o forte componente


setorial nas políticas públicas, sem, contudo, mostrar evidências de integração e
de potencial condução de programas de desenvolvimento regional contínuo.
Pela tabela III, verifica-se que, em 2009 e em menor variação em 2011, a
participação dos desembolsos do BNDES destinados para a região Nordeste e
para o Estado do Pernambuco, sobre o total do país, sofreu forte elevação,
podendo ser justificado pelos investimentos em setores priorizados pela agenda
do país. Como exemplo tem-se os investimentos em atividades ligadas a
construção naval, petroquímica, indústria químico-têxtil e metal mecânica,
concentrados na região estratégica do Complexo Portuário de SUAPE na zona
da mata sul pernambucana, e aos polos fármaco-químico e automotivo da Fiat
Chrysler, na mata norte do Pernambuco.

Verifica-se, também, que os três Estados da região Sudeste (Minas


Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) continuam a concentrar a maior fatia dos
desembolsos do BNDES, que em 2014 somaram 46%, enquanto que as regiões
Sul e Sudeste concentram 68% dos desembolsos do BNDES.

Tabela III - Desembolsos do BNDES por região (% sobre o total do país /


1837

2002-2014)

Estados 200 200 200


Página

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
selecionados 2 3 4

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e Regiões
brasileiras

Minas Gerais 5,4 9,3 6,0 6,3 7,9 9,2 9,0 6,5 7,9 9,5 8,1 9,1 8,1
Rio de
11,3 10,0 7,7 9,1 10,2 12,6 11,4 18,4 21,3 11,4 13,3 10,6 13,9
Janeiro
São Paulo 42,6 39,4 38,5 43,3 39,9 33,9 33,9 26,3 27,3 26,1 23,0 24,0 24,0
Pernambuco 1,2 1,0 0,8 1,6 1,2 2,0 1,8 9,6 2,5 3,3 2,1 1,9 3,1

Norte 5,0 2,1 4,9 3,4 3,2 5,3 5,4 8,2 7,0 7,8 8,6 7,2 7,5
Nordeste 10,1 9,3 6,9 8,1 9,4 8,2 8,4 16,2 10,2 13,5 13,5 13,5 13,0
Sudeste 61,7 59,7 53,5 61,2 61,2 57,9 56,1 52,6 58,2 49,1 46,4 45,7 47,6
Sul 16,3 20,4 21,8 20,3 19,1 19,7 19,2 15,2 17,9 21,4 18,6 22,6 20,4
Centro Oeste 6,9 8,4 13,0 7,0 7,1 8,9 10,9 7,9 6,7 8,2 12,9 11,0 11,5
100, 100, 100, 100, 100, 100, 100, 100, 100, 100,
Brasil 100,0 100,0 100,0
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Fonte: Elaboração própria com base em dados do BNDES, 2016.

Mesmo que o Nordeste tenha apresentando uma taxa de crescimento de


28,35% ao longo da série, esse valor revela-se pouco diante da necessidade de
redução das desigualdades regiões, via desembolsos do principal instrumento
de estímulo ao desenvolvimento regional do país, o BNDES.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou apresentar uma discussão sobre as recentes


políticas federais de desenvolvimento e crescimento econômico regional, a partir
da observação da dinâmica de aglomeração industrial em curso no território
estratégico de Goiana-PE. Para isso, procurou-se contextualizar um debate
entorno das temáticas do desenvolvimento, crescimento econômico,
industrialização e neodesenvolvimentismo, além de dados secundários sobre a
evolução histórica do PIB, população, valor da transformação industrial,
desembolsos do BNDES por região, admissões e desligamentos em setores de
1838

atividade econômica.
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Com o chamado neodesenvolvimentismo, desencadeia-se uma nova


orientação na política de desenvolvimento industrial do país, atribuindo ao
Estado uma maior participação no financiamento e investimento de obras
estruturadoras e de programas sociais. É na região Nordeste, e em especial no
Pernambuco, que as políticas de desconcentração regional de investimentos
industriais têm ganhado força e gerado expectativas em uma população que,
historicamente, esteve a margem das demais regiões do país e que carregou a
herança histórica do convívio com secas cíclicas e em meio a indicadores
sociais, de renda e infraestrutura não satisfatórios. Em período recente, decisões
políticas têm contribuído para a alteração desse cenário e possibilitado a
localização de grandes empreendimentos, antes direcionados para a região
Sudeste do país.

Em Goiana, a localização do polo automotivo foi direcionada por


motivações políticas e empresariais, e que no decorrer das negociações
surgiram diversos acordos, incentivos e financiamentos que estiveram
embasados no discurso de justificativa da geração de empregos diretos e
indiretos para a região, assim como ao grande efeito indutor e de
desenvolvimento que o grupo FCA possibilitaria para o conjunto de municípios
do entrono de Goiana.

Esse quadro apresentado também confirma e traz a tona questões apontadas


por Celso Furtado ao pensar o desenvolvimento para o Nordeste, na medida em que
a industrialização caracteriza-se por um processo tardio e imitativo, que além de
reforçar problemas de ordem social, segue uma lógica imposta pelo exterior e sem
vínculo com a cultura da região. Isso é confirmado pela produção global da linha de
1839

luxo da Fiat em Goiana, enquanto aposta para atender a uma classe média em
ascensão no Brasil e em países da América Latina.
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Portanto, os rumos do desenvolvimento para o Nordeste e em Goiana estão


fortemente ligados tanto a superação de questões estruturais e logísticas, tendo em
vista que muitos projetos são pioneiros na região, quanto aos projetos sociais a ser
incorporado a partir de um planejamento sistêmico e que priorizem a melhoria da
qualidade de vida da população, o que continuará a demandar e depender de
investimentos públicos e de uma vontade política para atender aos anseios históricos
do Nordeste. Isso seria o processo de metamorfose de crescimento para
desenvolvimento, com apontado por Furtado.

Por fim, o valor da transformação industrial e os desembolsos do BNDES por


região indicam para a concentração da atividade industrial no Sudeste do país e a
priorização de alguns setores nas políticas públicas. Entretanto, os investimentos
setoriais na região Nordestes, especificamente em Goiana-PE, ainda não têm
demonstrado evidências de integração e de potencial condução de programas de
desenvolvimento regional contínuo.

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LETÍCIA MOURAD LOBO LEITE
O CONCEITO DO TRABALHO DECENTE DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
(OIT)

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT 6
DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

O CONCEITO DO TRABALHO DECENTE DA


ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT)

LETÍCIA MOURAD LOBO LEITE

Graduada em Ciências Sociais e Mestre em


Políticas Sociais, Vice-Presidente da Comissão
1846

Estadual de Emprego e Trabalho Decente da


Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho
do Estado de São Paulo. E-mail:
Página

leticiamourad@gmail.com
O CONCEITO DO TRABALHO DECENTE DA
LETÍCIA MOURAD LOBO LEITE
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT)
LETÍCIA MOURAD LOBO LEITE
O CONCEITO DO TRABALHO DECENTE DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
(OIT)

RESUMO:

O presente trabalho tem como objetivo desenvolver um estudo acerca da Política


Nacional do Trabalho Decente instituída pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT), a partir da análise dos documentos da Agenda e do Plano
Nacional de Trabalho Decente desenvolvido pelo Ministério do Trabalho e
Emprego e pela Organização Internacional do Trabalho. O presente estudo é
necessário para entendermos e descrevermos, através de uma pesquisa
documental e bibliográfica, o conceito de trabalho decente que atualmente
norteia o panorama de políticas públicas de emprego e renda no Brasil.

ABSTRACT:

This study aims to develop a study on the Decent Work concept established by
the International Labour Organization ( ILO) , from the analysis of Agenda
documents and the National Work Decent Plan developed by the Ministry of
Labor and Employment and by International Labour Organisation . This study is
required to understand and describe , through a documentary and bibliographic
research , the concept of decent work that currently guides the panorama of
public employment policies and income in Brazil .
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O CONCEITO DO TRABALHO DECENTE DA


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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT)
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O CONCEITO DO TRABALHO DECENTE DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
(OIT)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como objetivo desenvolver um estudo acerca


da Política Nacional do Trabalho Decente instituída pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT), a partir da análise do documento da Agenda
Nacional de Trabalho Decente desenvolvido pelo Ministério do Trabalho e
Emprego e pela Organização Internacional do Trabalho, conforme Decreto de 4
de junho de 2009.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi fundada em 1999 e


possui como função promover o debate sobre as condições de trabalho e
estabelecer convenções com padrões mínimos para o exercício do Emprego e
das Relações do Trabalho nos países signatários. Em junho de 1999, na 87ª
Reunião da Conferência Internacional de Trabalho na cidade de Genebra na
Suíça, foi apresentado o conceito do Trabalho Decente. Este conceito se baseou
em quatro pilares, desenvolvidos a partir da Declaração da OIT sobre os
princípios e direitos fundamentais do trabalho, adotada na 86ª Reunião da
Conferência Internacional do Trabalho em Genebra no dia 18 de julho de 1998:
Direitos no trabalho, Empregos (geração de empregos), Seguridade Social e
Diálogo Social.

a Organização Internacional do Trabalho (OIT) é a agência


das Nações Unidas que tem por missão promover
oportunidades para que homens e mulheres possam ter
acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições
de liberdade, equidade, segurança e dignidade. O Trabalho
Decente, conceito formalizado pela OIT em 1999, sintetiza
a sua missão histórica de promover oportunidades para
1848

que homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo


e de qualidade, em condições de liberdade, equidade,
segurança e dignidade humanas, sendo considerado
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condição fundamental para a superação da pobreza, a


redução das desigualdades sociais, a garantia da
governabilidade democrática e o desenvolvimento
sustentável1.

Para entendermos o conceito do Trabalho Decente, a autora Cimbalista


expõe que a nomenclatura é a tradução de “decente work” que: “ (...) sugere o
sentido de dignidade do trabalho, mais do que qualquer outra conotação”
(CIMBALISTA, 2007, p.15).

O conceito do Trabalho Decente também se apoia nas convenções


instituídas pela Organização Internacional do Trabalho, sendo o Brasil signatário
das seguintes:

o Convenção nº 29: Trabalho Forçado (1930)


o Convenção nº 87: Liberdade Sindical e a Proteção do Direito
de Sindicalização (1948)
o Convenção nº 98: Negociação Coletiva e Direito de Sin-
dicalização (1948)
o Convenção nº 100: Igualdade de Remuneração para Mão de
Obra Masculina e Mão de Obra Feminina por um Trabalho de Igual
Valor (1951)
o Convenção nº 105: Abolição do Trabalho Forçado (1957)
o Convenção nº 111: Discriminação em Matéria de Emprego e
Profissão (1958)
o Convenção nº 138: Idade Mínima de Admissão no Emprego
(1973)2

Assim, a Política Nacional de Trabalho Decente foi institucionalizada no


1849

Brasil, em 2003, a partir da assinatura de um memorando de entendimento entre


a Organização Internacional do Trabalho e o Governo Federal, com o então
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Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os objetivos deste memorando


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contemplam: a criação da Agenda Nacional de Trabalho Decente, a definição de


prioridades para o desenvolvimento de projetos e atividades e o apoio às
políticas e programas de redução da pobreza, proteção social e revitalização
econômica, para a geração de empregos e consolidação do diálogo social.
A assinatura deste documento, em Brasília, demonstra que o Trabalho
Decente foi colocado como prioridade pelo Governo Brasileiro juntamente com
os demais países do continente americano em reuniões realizadas entre 2003 e
2005. Desta forma, as ações foram alocadas como prioridade nacional e
internacional, após a consolidação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
que foram reafirmados pelos chefes de Estado na Assembleia Geral da ONU de
2005 e da IV Cúpula das Américas3.
Em 2006, a Política Nacional de Trabalho Decente se efetiva como
documento, a partir da chamada Agenda Nacional de Trabalho Decente,
desenvolvida pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Organização
Internacional do Trabalho.

a Agenda Nacional de Trabalho Decente se estrutura a


partir de três prioridades:
Prioridade 1: Gerar Mais e Melhores Empregos, com
Igualdade de Oportunidades e de Tratamento.
Prioridade 2: Erradicar o Trabalho Escravo e Eliminar o
Trabalho Infantil, em especial em suas piores formas.
Prioridade 3: Fortalecer os Atores Tripartites e o Diálogo
Social como um instrumento de governabilidade
democrática. (BRASIL, AGENDA NACIONAL DE
EMPREGO E TRABALHO DECENTE, 2006).
A Agenda Nacional do Trabalho Decente afinca prioridades em
1850

conformidade com os pilares estratégicos do conceito. Esta conjuntura torna


cada vez mais importante o desenvolvimento de estudos, já que a Política
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Nacional de Trabalho Decente se trata da única política para este fim.

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Contudo, somente em 2009 é que se estabelece um Comitê Executivo


Interministerial que tem como objetivo desenvolver as metas estipuladas na
Agenda, que como vimos estavam apoiadas sob três eixos prioritários.

o PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição


que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea "a", da
Constituição,
D E C R E T A:
Art. 1º Fica instituído Comitê Executivo para estabelecer
programa de cooperação técnica objetivando a construção
de agenda de promoção do trabalho decente, de acordo
com o Memorando de Entendimento firmado entre o
Governo da República Federativa do Brasil e a
Organização Internacional do Trabalho - OIT, datado de 2
de junho de 2003.
Parágrafo único. O programa previsto no caput será
executado em consulta com as entidades representativas
de empregadores e trabalhadores de âmbito nacional.
Art. 2º Compete ao Comitê Executivo:
I - formular propostas de projetos e atividades de
cooperação técnica nas áreas de:
a) geração de emprego, trabalho e renda, microcrédito e
qualificação social e profissional;
b) viabilização e ampliação do sistema de seguridade
social;
c) fortalecimento do diálogo social, especialmente entre
governo, trabalhadores e empregadores;
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d) erradicação do trabalho infantil e combate à exploração


sexual de crianças e adolescentes;
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e) erradicação do trabalho análogo ao de escravo; e

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f) combate à discriminação no emprego e na


ocupação;(BRASIL, DECRETO DE 4 DE JUNHO DE 2009)

O Comitê Executivo foi responsável pela construção do plano de ação


que, a partir de consulta com sindicatos e federações patronais, elaborou um
documento com ações e metas estipuladas para o período de 2011 a 2015,
voltadas para a execução da Agenda, chamado de Plano Nacional de Emprego
e Trabalho Decente.

o Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente foi


construído por meio de trabalho participativo realizado pelo
Grupo de Trabalho Interministerial – GTI composto por
representantes dos Ministérios e Secretarias Especiais que
integram o Comitê Executivo Interministerial e em consulta
com os atores sociais, por meio de Grupo de Trabalho
Tripartite - GTT, integrado por representantes do governo,
dos trabalhadores e dos empregadores.(BRASIL, PLANO
NACIONAL DE EMPREGO E TRABALHO DECENTE,
2010)

O Plano Estadual de Trabalho Decente institucionalizou a necessidade de


execução da Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente que foi
convocada pelo Decreto de 24 de novembro de 2010.
o PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição
que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea “a”, da
Constituição,

DECRETA:

Art. 1o Fica convocada a 1a Conferência Nacional de


1852

Emprego e Trabalho Decente - CNETD, a se realizar na


cidade de Brasília, Distrito Federal, no período de 2 a 4 de
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maio de 2012, com o objetivo de promover a discussão do


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tema emprego e trabalho decente, visando a formulação de


proposta da política nacional de trabalho decente, bem
como a atualização do respectivo plano e agenda de
trabalho. (BRASIL, DECRETO DE 24 DE NOVEMBRO DE
2010).

A I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente ocorreu de 08


a 11 de agosto de 2012 em Brasília e teve como objetivo inserir a discussão do
emprego e da renda como diretriz para o desenvolvimento sustentável no Brasil.
É interessante verificar que não havia tido uma conferência de amplitude
nacional que tivesse o trabalho como tema central, tornando a Conferência
Nacional de Trabalho Decente em um rico instrumento de participação social dos
atores relacionados ao mundo do trabalho: empregadores, sindicatos, governo
e sociedade civil.
A referida Conferência tratou de um enorme desafio, no que tange ao
diálogo social, já que foram mobilizados representantes do governo, dos
trabalhadores, dos empregadores e da sociedade civil de cada Estado da
Federação, utilizando o tripartismo paritário como método deliberativo de
participação4. Assim como também, foram realizadas Conferências Estaduais e
Regionais, para deliberar indicadores de cada realidade do País, levando à
Conferência Nacional propostas de nível estadual e municipal.

A Conferência Nacional teve como principal executor o Ministério do


Trabalho e Emprego, com o apoio do Fórum Nacional das Secretarias de
Trabalho e com a assistência técnica da Organização Internacional do Trabalho.
Em 2013, seu relatório final foi divulgado em Seminários Regionais que
percorreram o país e mostraram as propostas que tiveram consenso por uma
mobilização tripartite paritária e fortemente representativa.
1853

Desta forma, este projeto visa estudar a Política Nacional de Emprego e


Trabalho Decente, em uma conjuntura neoliberal de intensas transformações do
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mercado de trabalho.
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A POLÍTICA NACIONAL DE TRABALHO DECENTE

Para tratarmos da Política Nacional de Trabalho Decente, nos deteremos


em analisar primeiramente seu histórico de institucionalização que se deu a partir
da instituição do conceito chamado de Trabalho Decente pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT), uma vertente da Organização das Nações
Unidas (ONU). Para posteriormente descrevermos como a implantação desta
política se deu no Brasil, sendo desenvolvida pelo escritório brasileiro da OIT,
juntamente ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

A Política Nacional de Trabalho Decente: uma análise histórica de sua


operacionalização internacional

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma vertente da


Organização das Nações Unidas (ONU) e tem como objetivo debater as relações
e promover as condições de trabalho. Sua fundação deu-se em 1919 e, por meio
de suas convenções, estabeleceu-se padrões mínimos para o exercício do
trabalho para todos os países que lhe são signatários5.
O processo que permeia a construção das diretrizes e das convenções
internacionais ocorre a partir da formação de consensos por meio de discussão
de um tema específico e por meio da incorporação da convenção na legislação
dos países que aderem voluntariamente as conclusões discutidas e aceitas
consensualmente. A OIT não possui um histórico de aplicação de sanções,
baseando a adesão das convenções no exercício da persuasão aos países
signatários.
Os princípios adotados pela OIT que se destacam são as proibições ao
trabalho escravo, ao trabalho forçado, a busca de igualdade de remuneração de
1854

gênero, a não-discriminação e a proibição do trabalho infantil. Os direitos civis


como a liberdade de expressão, a liberdade de associação sindical, a igualdade
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de oportunidade e de tratamento são considerados pela organização como


direitos fundamentais do trabalho.
Em julho de 1999, a OIT apresentou o conceito do Trabalho Decente, a
partir da Declaração sobre os princípios fundamentais no trabalho, adotada na
86ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, no dia 18
de junho de 1998. A OIT empreendeu outras ações, além das convenções que
foram concretizadas em documentos publicados pela instituição, para a
promoção e implantação das Agendas Nacionais de Trabalho Decente. Em
2006, a América Latina estabeleceu a sua agenda que tem por objetivo lidar com
os quatro pilares estratégicos do conceito de Trabalho Decente, colocados pela
OIT como os objetivos transversais: i) globalização justa, ii) superação da
pobreza; iii)promoção da igualdade de gênero, iv) maior influência das normas
internacionais do trabalho no processo de desenvolvimento, v) ampliação da
influência dos interlocutores sociais do diálogo social e do tripartismo6.

o Trabalho Decente sintetiza a sua missão histórica de


promover oportunidades para que homens e mulheres
possam ter um trabalho produtivo e de qualidade, em
condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade
humanas, sendo considerado condição fundamental para
a superação da pobreza, a redução das desigualdades
sociais, a garantia da governabilidade democrática e o
desenvolvimento sustentável7.

Assim, o conceito de Trabalho Decente se apoia em quatro eixos


estratégicos8:

• Direitos Fundamentais do Trabalho que são a base jurídica


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e legal que garantem e protegem os direitos do trabalhador. Estes direitos


são formalizados e devem ser exercidos e fiscalizados pelos órgãos
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competentes que garantem que não haja forma de tratamento e de


trabalho abusiva e/ou desumana.
• Geração de mais e melhores emprego: que aborda a
questão da garantia de acessibilidade e tratamento igualitário a qualquer
trabalhador. De acordo com este eixo, o trabalho deve ser garantido em
condições dignas e com remuneração justa e adequada, assim se refere
às políticas e ações de geração de emprego e renda, como também a
criação de postos de trabalho e a inserção da diversidade no mercado de
trabalho. Além de propor erradicar com a discriminação nas relações de
trabalho que podem ocorrer por inúmeras causas: raça, cor, etnia,
analfabetismo, distância do local do trabalho, local de moradia, opção
sexual, pessoas com deficiência, gênero, idade, entre outras. Assim
sendo, a Organização Internacional do Trabalho considerou as mulheres
e os jovens como um grupo de minorias prioritárias por serem
discriminadas pela baixa remuneração.
• Proteção Social e Segurança Social: que engloba a garantia
de direitos do trabalhador que se encontra afastado, como seguro
desemprego, auxílio-doença, auxílio-acidente, requalificação profissional,
licença maternidade e paternidade e previdência social. Há também
outros direitos que fazem parte da proteção social, como auxílio creche e
recolocação profissional. Prevê que exista nos países uma rede de
proteção social para os trabalhadores formais e informais, além de sua
universalização e integração. Indica que os Estados devem prover de
programas de assistência para famílias que se encontram em
vulnerabilidade social e saúde pública acessível à população.
• Diálogo Social : este eixo envolve antes de tudo o direito a
1856

representação e o direito a voz por parte dos trabalhadores, assim como


também, manter um diálogo ativo entre os sujeitos do trabalho (os
empregadores, os trabalhadores e o governo). A liberdade civil é
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garantida por ele e indispensável para o seu desenvolvimento, além do


que a Organização Internacional do Trabalho indica que qualquer
consulta ou negociação deliberativa deve ser realizada de forma tripartite,
ou seja, com diálogo entre os já citados sujeitos do trabalho.
Desta forma, na consonância do estabelecimento dos elementos
estratégicos mencionados nas Agendas Nacionais, a OIT na reunião de sua
Conferência Internacional em 2008, adotou a Declaração sobre Justiça Social
para uma Globalização Equitativa, em que recomendou a avaliação e
monitoramento de planos, ações e políticas que tenham como objetivo a
promoção do Trabalho Decente em seus países. No mesmo ano, na Reunião
Tripartite de Peritos especialistas na medição do Trabalho Decente, a OIT
estabeleceu os indicadores que auxiliarão os seus países membros a avaliar o
desenvolvimento do Trabalho Decente.
Em 2009, a OIT estabeleceu o Pacto Mundial para o
Emprego que foi adotado pelos países signatários durante a 98ª Reunião da
Conferência Internacional do Trabalho. O objetivo do Pacto é realizar políticas
que consigam diminuir o período de recuperação econômica em consonância ao
desenvolvimento do Trabalho Decente, a partir de um acordo tripartite.
Deste modo, o conceito do Trabalho Decente se tornou o centro das
discussões da OIT, concretizando-se como o conceito que sintetiza a sua missão
histórica e que converge seus objetivos e suas estratégias. Portanto, as
convenções, as discussões, normas e diretrizes que compactuam a missão de
garantir um trabalho digno a todos os homens e mulheres se concretizaram neste
conceito que visa agora ser aplicado nos Estados Nacionais.

A Política Nacional de Trabalho Decente no Brasil


No Brasil, a discussão e esforços de aplicar o conceito do Trabalho
1857

Decente e promover o seu desenvolvimento a nível nacional se iniciou em 2003,


com a assinatura do Memorando de Entendimento para o Estabelecimento de
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um Programa de Cooperação Técnica para a Promoção de uma Agenda do


Trabalho Decente entre o Governo Brasileiro e a OIT.
O Brasil iniciou os trabalhos e estabeleceu em 2006, juntamente a
OIT e com consulta aos trabalhadores e empregadores, a Agenda Nacional de
Trabalho Decente (ANTD), que se baseou em três eixos prioritários:
 Prioridade 1 - Gerar mais e melhores empregos, com igualdade de
oportunidade e tratamento.
 Prioridade 2- Erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho
infantil, em especial em suas piores formas;
 Prioridade 3 - Fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como
um instrumento de governabilidade democrática.
Para cada prioridade foram inseridas linhas de ação para o alcance dos
resultados.
Para a prioridade 1 foram estabelecidas seis linhas de ação:
• Investimento Público e Privado e Desenvolvimento local e
empresarial para a geração de emprego,
• Políticas Públicas de emprego, administração e inspeção do
trabalho,
• Políticas de Salário e Renda,
• Promoção de Igualdade de Oportunidades e de tratamento
e combate à discriminação,
• Extensão da Proteção Social,
• Condições de Trabalho.

Para a prioridade 2, as quatro linhas de ação são:


• Desenvolvimento da base de conhecimento,
1858

• Mobilização e conscientização social,


• Fortalecimento institucional de políticas públicas e programas
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nacionais,

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• Estratégias de intervenção.
E para a prioridade 3, foram estabelecidas três linhas de ação:
• Promoção das normas internacionais,
• Fortalecimento dos atores,
• Mecanismos de diálogo social.
A Agenda Nacional é coordenada pelo Comitê Executivo Interministerial,
cuja criação foi determinada no Memorando de Entendimento assinado em 2003.
Este Comitê foi institucionalizado pelo Decreto Presidencial de Junho de 2009,
que também criou um Subcomitê para desenvolver a Agenda Nacional focada
na Juventude.
O Subcomitê que foi criado para promover a Agenda Nacional de Trabalho
Decente específica para a Juventude (BRASÍLIA, 2011) é coordenado pela
Secretaria-Geral da Presidência da República, por meio da Secretaria Nacional
da Juventude, e pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com a assistência
técnica da OIT, e composto por integrantes do Conselho Nacional da Juventude,
do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério
da Ciência e Tecnologia, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e
representantes de outros órgãos indicados pelo Comitê Executivo.
A Agenda possui como prioridade:
1) Mais e melhor educação:
acessibilidade de qualidade em todos os níveis de ensino
para os/as jovens, com igualdade de oportunidades e
tratamento, elevação da escolaridade, melhor ensino
médio profissionalizante e tecnológico, ampliação do
acesso ao ensino superior, mais e melhor acesso ao
patrimônio cultural brasileiro; implementação de políticas
1859

públicas para garantir a observância efetiva da idade


mínima de ingresso no mercado de trabalho conforme
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legislação brasileira vigente, e implementação da política


pública de educação(BRASÍLIA, 2011, p.38).
2) Conciliação de estudos, trabalho e vida familiar:
ampliar as oportunidades e possibilidades de conciliação
entre os espaços do trabalho, dos estudos e da vida
familiar e em sociedade para os/as jovens trabalhadores e
estudantes, de forma que o trabalho não se sobreponha ou
mesmo prejudique as trajetórias educacionais e de
integração social(BRASÍLIA, 2011,p.45).
3) Inserção ativa e digna no mundo do trabalho:
mais e melhores empregos e outras oportunidades de
trabalho para os/as jovens com igualdade de tratamento e
de oportunidades: a) ampliação das oportunidades de
emprego assalariado e melhoria de sua qualidade;
igualdade de oportunidades e de tratamento; promoção da
saúde do/a trabalhador/a; combate às causas da
rotatividade; acesso a terra, trabalho e renda no campo; b)
melhorias na qualidade dos empregos, com ampliação das
oportunidades no campo dos “empregos verdes”; c)
geração de trabalho e renda através da economia popular
e solidária, associativismo rural e do
empreendedorismo(BRASÍLIA, 2011, p.47).
4) Diálogo Social:
ampliar e fortalecer o debate sobre as alternativas e
condicionantes para a melhor inserção juvenil no mercado
de trabalho; estimular as condições de participação juvenil
urbana e rural nos instrumentos de defesa de direitos do
1860

trabalho, na organização sindical e nas negociações


coletivas(BRASÍLIA, 2011,p.56).
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Um dos resultados da Agenda Nacional foi a indicação do Plano Nacional


do Emprego e Trabalho Decente (PNETD, BRASÍLIA, 2011), que foi
desenvolvido juntamente pelo Comitê Executivo e por representantes dos
empregadores e dos trabalhadores. As metas do Plano foram estabelecidas para
os anos de 2011 a 2015 e para cada meta foram apontados indicadores de
avaliação utilizando as prioridades da Agenda Nacional. Assim, o Plano tornou
os resultados mais concretos pela possibilidade de avaliação e monitoramento.
De acordo com o Plano Nacional as ações deveriam respeitar as
seguintes prioridades:

O Gerar mais e melhores empregos, com igualdade de


oportunidades de tratamento;
O Erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil, em
especial suas piores formas;
O Fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um
instrumento de governabilidade democrática.
O Plano Nacional também indicou a necessidade de realização de uma
Conferência Nacional do Emprego e Trabalho Decente e consequentemente a
execução de Conferências Estaduais, Regionais e a implantação de Agendas
Estaduais do Emprego e Trabalho Decente.
Desta forma, no ano de 2010 foi lançada a Conferência Nacional,
culminando na execução das Conferências Regionais e Estadual do Emprego e
Trabalho Decente que ocorreram no ano de 2011 e levaram as demandas para
a Nacional que ocorreu em 2012. Assim, a I Conferência Nacional do Emprego
e Trabalho Decente foi realizada em Brasília, no Distrito Federal, de 08 a 11 de
agosto de 2012, tendo como contexto social e econômico a crise financeira e
social que se abateu na Europa e obteve inúmeros desdobramentos nas
1861

economias do mundo.
A Conferência tratou de um enorme desafio, no que tange ao diálogo
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social de nível nacional, já que foram mobilizados representantes do governo,

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dos trabalhadores, dos empregadores e da sociedade civil de cada Estado da


Federação. Assim como, foram realizadas Conferências Estaduais e Regionais,
para deliberar indicadores de cada realidade do País, levando à Conferência
Nacional propostas de nível estadual e municipal. Foram deliberadas 3.966
propostas nas Conferências Estaduais que foram sistematizadas em 693
propostas que fizeram parte do Texto Base da Conferência Nacional (BRASÍLIA,
2013). Estas propostas constituíram-se em quatro eixos temáticos e 12 grupos
de trabalho que foram discutidas na Conferência Nacional.
Na Conferência Nacional, das 693 propostas foi obtido consenso ou
maioria qualificada (que se caracterizou como a maioria de 80% dos presentes)
em 225 propostas levadas a plenária final. Este resultado mostrou uma relação
produtiva entre os atores tripartites nacionais, como também, mostrou uma
grande mobilização para a promoção destas propostas pela via da garantia do
Trabalho Decente.
A Conferência teve como principal executor o Ministério do Trabalho e
Emprego, com o apoio do Fórum Nacional das Secretarias de Trabalho e pela
assistência técnica da Organização Internacional do Trabalho. Em 2013, seu
relatório final foi divulgado em Seminários Regionais que percorreram o país e
deixaram propostas que tiveram consensos por uma mobilização tripartite
paritária fortemente representativa.

TRABALHO DECENTE X PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

Buscou-se no presente artigo dissertar sobre o conceito de trabalho


decente instituído pela Organização Internacional do Trabalho, a fim de divulgar
e discorrer sobre a implantação da Política Nacional de Trabalho Decente no
Brasil. Contudo, buscarei problematizar neste artigo a implantação desta política
1862

em uma conjuntura de intensas transformações do mundo do trabalho.

Para Graça Druke (2007), a precarização moderna do trabalho no Brasil


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é histórica, mas se renova decorrente da necessidade de adaptação ao processo


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global de flexibilização das relações de trabalho, que configura novas formas de


precarização.

a Precarização Social do Trabalho, compreendida como


um processo em que se instala – econômica, social e
politicamente – uma institucionalização da flexibilização e
da precarização moderna do trabalho, que renova e
reconfigura a precarização histórica e estrutural do trabalho
no Brasil, agora justificada pela necessidade de adaptação
aos novos tempos globais [...] (DRUCK, 2007, p.19-20).

Para Druke (2007, p. 19-20) atualmente a precarização do trabalho se


envidencia na classe trabalhadora “na informalidade, na terceirização, na
desregulação e flexibilização da legislação trabalhista, no desemprego, no
adoecimento, nos acidentes de trabalho, na perda salarial, na fragilidade dos
sindicatos”, sendo resultados de uma desestruturação do Estado.

Além disto, o desemprego leva os trabalhadores a se submeterem a


qualquer forma de trabalho, a fim de garantirem sua sobrevivência. O que
queremos problematizar para entendermos esta realidade que aflige as
condições de vida dos trabalhadores, é como pensar em trabalho decente, nesta
realidade de intensa precarização.

Uma das linhas de ação da Agenda Nacional de Emprego e Trabalho


Decente chama-se Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Tratamento
e Combate à Discriminação e prevê:

desenvolvimento de ações de promoção da igualdade de


gênero e raça no mercado de trabalho, focalizadas
especialmente nos seguintes aspectos:
1863

– eliminação das barreiras de entrada das mulheres,


especialmente das mais pobres, no mercado de trabalho;
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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT)
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(OIT)

– diminuição das taxas de desemprego e aumento das


taxas de ocupação;
– diminuição das desigualdades de rendimento entre
homens e mulheres, brancos(as) e negros(as);
– diminuição da informalidade e aumento da proteção
social.
• Implementação de programas e ações de combate à
discriminação no trabalho, com atenção especial para
mulheres, população negra, jovens, idosos, pessoas
vivendo com HIV/Aids e pessoas com deficiência. Efetiva
aplicação das seguintes convenções da OIT: Convenção
nº 100, de 1951, sobre igualdade de remuneração para
trabalho de igual valor; Convenção nº 103, de 1952, sobre
proteção à maternidade; Convenção nº 111, de 1958,
sobre discriminação em matéria de emprego e ocupação;
promoção da ratificação da Convenção nº 156, de 1981,
sobre trabalhadores com responsabilidades familiares
(BRASÍLIA, 2006).

Em relação a questão das mulheres no mercado de trabalho, o relatório:


Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016: Transformar as economias para
realizar os direitos, divulgado no dia 27/04/2015, pela Organização das Nações
Unidas (ONU) Mulheres, mostra que em média, os salários das mulheres são
24% inferiores aos dos homens na mesma função. Outro resultado relevante
abordado é que as mulheres realizam quase duas vezes e meia mais trabalho
doméstico que os homens, além de terem uma carga voltada aos cuidados com
filhos, pessoas idosas e doentes.
1864

Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) realizada


pelo IBGE em 2007, a população brasileira chega a quase 190 milhões de
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(OIT)

brasileiros, com a estimativa de 51% de mulheres. Já, de acordo, com o Seade


– Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, do Governo do Estado de
São Paulo – quanto ao desemprego das mulheres na Região Metropolitana de
São Paulo, destacou que em 1985, essa taxa era de 15,5% para as mulheres e
de 10,1% para os homens, aumentando, em 2000, para 20,9% e 15,0%,
respectivamente. A análise conclui que no ano 2000, na Região Metropolitana
de São Paulo, uma em cada cinco mulheres que integravam a População
Economicamente Ativa, encontrava-se desempregada.
A pesquisa também destacou que a quantidade de mulheres que se
encontram no trabalho precário e informal é de 61%, sendo 13% superior à
presença dos homens (54%). Já a mulher negra apresentou uma taxa 71%
superior à dos homens brancos, sendo 23% delas empregadas domésticas.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), indica
que o desemprego no Brasil foi de 8,7% em 2015, o maior patamar da série
histórica iniciada em 2012. O contingente de desocupados chegou a 8,8 milhões
de pessoas.
O relatório sobre empregabilidade desenvolvido pela Organização
Mundial do Trabalho (OIT) indica que quase um em cada cinco novos
desempregados do mundo em 2016 e 2017 virá do Brasil e destaca que 700 mil
brasileiros se somarão ao contingente de desempregados até 2017, em um total
que pode chegar a 3,4 milhões de pessoas9.
De acordo, com este relatório da OIT, o desemprego no Brasil será de
7,7% em 2016 e 7,6% em 2017 , índices que estão abaixo da União Europeia
(na casa de 9%), mas acima de países como a China, a Índia e a Rússia.
Percebemos a partir destas análises que as crises estruturais decorrentes
do sistema capitalista trouxeram um aumento do desemprego e da precarização
da força de trabalho, além de manter os trabalhadores cada vez mais instáveis
1865

e desprotegidos, numa conjuntura de intensa flexibilização dos direitos do


trabalho.
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As novas formas de contratação que diferem dos contratos tradicionais de


emprego assalariado são reflexos do desemprego e da intensa exclusão, que
forçam a sociedade a tentar se inserir no mercado de trabalho através de outras
formas, resultando no aumento de trabalhos temporários e informais. De acordo
com o Ministério do Trabalho10 houve o fechamento de 1,54 milhão de vagas
formais de trabalho, a pior taxa em 24 anos. Em contrapartida, foi registrado um
aumento na informalidade.
Conforme o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), com
base na Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) a quantidade de trabalhadores autônomos no Brasil cresceu
de 17,9%, em janeiro de 2013, para 19,8% em novembro de 2015.
Como podemos ver os objetivos da Agenda Nacional de Trabalho
Decente como, a eliminação das barreiras de entrada das mulheres no mercado
de trabalho, a diminuição das taxas de desemprego e aumento das taxas de
ocupação, a diminuição das desigualdades de rendimento entre homens e
mulheres, brancos(as) e negros(as) e a diminuição da informalidade e aumento
da proteção social, são metas cada vez mais complexas de serem alcançadas
numa conjuntura de crise econômica, decorrente desta lógica capitalista
neoliberal.
De acordo com Druke(2011) a criação da política de trabalho decente:

“expressa as lacunas e deficiências ou o grau de


precarização do trabalho, observados a partir de um
diagnóstico sobre a década de 1990, especialmente na
América Latina, além de indicar que as transformações do
trabalho também fizeram regredir conquistas significativas,
redefinindo o patamar dos direitos sociais e trabalhistas em
1866

todo o mundo, inclusive nos países mais desenvolvidos”.


(DRUKE, 2011, p. 44).
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Para a autora a iniciativa da política de trabalho decente é positiva, já que


se trata de uma proposta de reafirmar direitos em plena crise mundial, contudo
de acordo com a sua análise, as propostas contidas na Agenda de Trabalho
Decente “partem de uma concepção da conjuntura de crise que omite as
condições e as responsabilidades pelo seu desencadeamento”(DRUKE, 2011,
p. 46).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera o emprego e a


renda como ferramentas necessárias para a sobrevivência e para a superação
da pobreza. De acordo com suas convenções o trabalho deve ser exercido em
condições de equidade, liberdade e segurança: Convenção nº 29 que prevê a
erradicação do Trabalho Forçado, Convenção nº 100 que busca a Igualdade de
Remuneração para Mão de Obra Masculina e Mão de Obra Feminina por um
Trabalho de Igual Valor, a Convenção nº 105 de Abolição do Trabalho Forçado,
a Convenção nº 111 contra Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão,
entre outras que buscam estabelecer recomendações de manutenção dos
direitos do trabalho.

As Convenções são marcos importantes que estabelecem padrões


mínimos para o exercício do trabalho, assim como o conceito de Trabalho
Decente instituído pela OIT que busca a partir da consolidação dos direitos do
trabalho estabelecer políticas integradas entre os países signatários e entre as
federações, como por exemplo no Brasil em que se desenvolveu Conferências,
Comissões Gestoras e Agendas Políticas: Nacionais, Estaduais e Municipais,
além do diálogo tripartite entre os sujeitos do trabalho.
Contudo, é preciso refletir sobre como implantar políticas de garantia
dos direitos do trabalho em conjunturas de crise econômica, que criam intensos
fluxos migratórios, aumento dos índices de desemprego, fechamento de postos
1867

de trabalho, aumento de trabalhos temporários e informais e que levam a uma


intensificação da precarização da classe trabalhadora.
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(OIT)

BIBLIOGRAFIA

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do Trabalho e Emprego, 2006. Disponível em:
<http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/pub/agenda_nacional
_trabalho_decente_298.pdf.> Acesso em: 02 fev. 2015.

BRASIL. Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente. Brasília: Ministério


do Trabalho e Emprego, 2010.

BRASIL. Conferência nacional de emprego e trabalho decente. Brasília:


Ministério do Trabalho e Emprego, 2011.

CIMBALISTA, Silmara. Trabalho decente: uma agenda brasileira. Análise


Conjuntural. V. 29. N. 11-12, Nov/dez, 2007.

DIÉGUEZ, Carla (Org.) ; LEITE, Leticia. M. L. (Org.). Realidade e Perspectivas


Do Trabalho Decente No Estado De São Paulo. 01. ed. São Paulo: , 2014.

DRUCK, G. A precarização social do trabalho no Brasil: uma proposta de


construção de indicadores. Salvador: CRH/ UFBA/CNPq. Projeto de Pesquisa
Bolsa Produtividade do CNPq, 2007/2010.
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DRUCK, G. Trabalho, precarização e resistência: novos e velhos desafios?.


Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. spe 01, p. 37-57,2011.Disponível em:
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<http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v24nspe1/a04v24nspe1.pdf>. Acesso em:


29/03/2016.

NOTAS

1 Informações retiradas do site da Organização Internacional do Trabalho.


Disponível em:
<http://www.oitbrasil.org.br/content/apresenta%C3%A7%C3%A3o>.Acesso em
27/03/2016.

2 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho decente nas


américas: uma agenda hemisférica, 2006-2015.Brasília, DF:2006.

3 Disponível em: < http://www.objetivosdomilenio.org.br/ > Acesso em


23/03/2016.

4 O conceito de tripartismo paritário refere-se a uma participação dos


empregadores, trabalhadores e governo com o mesmo número de
representantes e de votos.

5 Disponível em:
<http://www.oitbrasil.org.br/content/apresenta%C3%A7%C3%A3o> Acesso em
07/01/2016.

6 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho Decente nas


Américas: uma agenda hemisférica, 2006-2015.Brasília, DF:2006.
1869

7 Informações retiradas do site da Organização Internacional do Trabalho.


Disponível em:
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(OIT)

<http://www.oitbrasil.org.br/content/apresenta%C3%A7%C3%A3o>.Acesso em
27/03/2016.

8 DIÉGUEZ, Carla (Org.) ; LEITE, Leticia. M. L. (Org.). Realidade e Perspectivas


Do Trabalho Decente No Estado De São Paulo. 01. ed. São Paulo: , 2014.

9 Conforme a matéria: Brasil pode ter quase 1 em cada 5 novos desempregados do


mundo em 2017, diz OIT, disponível em:
<http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/brasil-pode-ter-quase-1-em-
cada-5-novos-desempregados-do-mundo-em-2017-diz-oit.html>Acesso em
14/03/2016.

10 Conforme a matéria: Com desemprego alto, processos da Justiça do Trabalho


disparam em 2015, disponível em: <http://g1.globo.com/concursos-e-
emprego/noticia/2016/02/com-desemprego-alto-processos-da-justica-do-
trabalho-disparam-em-2015.html>Acesso em 14/03/2016.
1870
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CARLOS EDUARDO SANTOS PINHO
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AUGE E DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT6


DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

O PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL DO NOVO


DESENVOLVIMENTISMO DEMOCRÁTICO: AUGE E
DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)

CARLOS EDUARDO SANTOS PINHO


1871

Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pelo


IFCS/UFRJ, Mestre e Doutor em Ciência Política
pelo IESP/UERJ (ex-IUPERJ). E-mail:
Página

cpinho19@gmail.com

O PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL DO NOVO


DESENVOLVIMENTISMO DEMOCRÁTICO: AUGE E CARLOS EDUARDO SANTOS PINHO
DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)
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RESUMO

O trabalho analisa o Planejamento Governamental do Novo Desenvolvimentismo


Democrático (2003-2016) a partir de quatro temáticas macroestruturais,
estratégicas e centrais. A primeira aborda a retomada do planejamento
governamental e a inserção da questão social na agenda pública quando da
chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, que ocorreu
em um cenário de pânico generalizado no mercado financeiro internacional. A
segunda analisa a inflexão desenvolvimentista por meio da substituição de
segmentos da burocracia econômica atrelados à ortodoxia. A partir de então, o
Estado brasileiro revigora suas capacidades estatais e burocráticas para a
promoção de políticas públicas estratégicas, de sustentabilidade no longo prazo
e prioritariamente voltadas à questão social. A terceira explora as reverberações
sociais das políticas públicas de planejamento governamental e o debate em
torno da Nova Classe Média (NCM). Finalmente, a quarta debruça-se a
investigar o esgotamento do planejamento governamental do Novo
Desenvolvimentismo Democrático, que irrompe entre o final de 2014 e o início
de 2015. Ele é causado por uma sucessão de componentes (a)diversos, contudo
complementares, como a crise fiscal do Estado, o escândalo de corrupção na
Petrobrás, a ausência de reformas estruturais, etc.

ABSTRACT

This work analyzes the Government Planning of the New Democratic


Developmentalism (2003-2016) from the view of four macro-structural, strategic
1872

and central themes. The first one deals with the return of the government planning
and the insertion of the social issue on the public agenda with the arrival of Luiz
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Inacio Lula da Silva to the presidency, which occurred in a scenario of


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DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)
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generalized panic in the international financial market. The second one analyses
the developmentalism inflection through the substitution of segments of the
economic bureaucracy attached to the orthodoxy. Since then, the Brazilian State
invigorates its state and bureaucratic capacities towards the promotion of
strategic public policies, of long-term sustainability and primarily focused on
social issues. The third one explores the social reverberations of the public
policies of the government planning and the debate regarding the New Middle
Class (NMC). Finally, the fourth deals with investigating the exhaustion of the
government planning of the New Democratic Developmentalism, which erupts
between the end of 2014 and the beginning of 2015. It is caused by a succession
of diverse components, yet complementary, as the State fiscal crisis, the
Petrobras corruption scandal, the absence of structural reforms, etc.
1873
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INTRODUÇÃO

Tendo em vista a eleição vitoriosa da coalizão de centro-esquerda


liderada por Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, o objetivo crucial desta pesquisa
é perscrutar o Planejamento Governamental do Novo Desenvolvimentismo
Democrático (2003-2016), bem como suas tensões, potencialidades e
esgotamento. No limiar do Século XXI, a retomada do planejamento
governamental enquanto função intrínseca, indelegável e estratégica do Estado
brasileiro contemporâneo (CARDOSO Jr., 2014), está vinculada à revitalização
do poder infraestrutural (MANN, 2008) do Estado, que diz respeito à sua
capacidade de mobilizar recursos necessários para penetrar uniformemente a
sociedade e implementar logisticamente suas decisões políticas em todo o
território por meio da provisão de serviços públicos indispensáveis (saúde,
educação, habitação, transporte/mobilidade, segurança e proteção social).
Trata-se de galvanizar o intervencionismo estatal para o desenvolvimento de
políticas públicas, a incorporação social de setores excluídos e a instauração de
uma estratégia de construção do mercado interno como “motor do crescimento”
(FURTADO, 2016). A inclusão se dá via aumento de renda - não contempla a
redistribuição de riqueza. Os detentores desta última (notadamente a financeira),
fortemente beneficiados pelas políticas da convenção de estabilização, têm seus
interesses preservados. Dada a regressividade da estrutura fiscal, na medida em
que a inclusão é financiada via gastos fiscais são os “pobres” que arcam com
parcela maior do seu custo. Neste sentido, os “pobres” são as vítimas principais
dos impasses que cercam a reforma fiscal do Estado brasileiro (ERBER, 2011).
A agenda de inclusão caminha em direção antípoda ao Nacional-
Desenvolvimentismo Autoritário, que primava exclusivamente pelo crescimento
econômico exacerbado e pela dinamização da estrutura produtiva capitalista, em
1874

detrimento da questão social, relegada à última instância das políticas públicas.


Ademais, contrasta com o ambiente institucional das Reformas Orientadas para
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o Mercado (1990-2002), caracterizado pela hegemonia da ortodoxia fiscal, da


abertura econômica, da privatização do patrimônio público, da
desregulamentação financeira e pela total negligência no tocante à questão
distributiva. A principal questão a ser respondida por esta pesquisa é a seguinte:
Na ordem corporativa e capitalista brasileira, quais os efeitos do planejamento
governamental levado a cabo pelo Novo Desenvolvimentismo Democrático
(2003-2016)?
A hipótese é que as capacidades estatais e burocráticas levadas a efeito
pelo planejamento governamental do Novo Desenvolvimentismo Democrático
foram mais eficazes no sentido de criar condições (inéditas) para o crescimento
econômico com distribuição de renda, inclusão social e retração das históricas
desigualdades estruturais. Não obstante, esta modalidade de planejamento
governamental se esgotou em razão dos seguintes fatores: baixo crescimento
econômico, fratura na coalizão político-econômica de suporte, enfraquecimento
das capacidades estatais de intervenção, resiliência das políticas neoliberais,
ausência de reformas estruturais, etc.
Convém conceituar detalhadamente capacidades estatais à luz da
literatura especializada, que será utilizada para um exercício analítico-
interpretativo acerca da conjuntura brasileira dos últimos 13 anos. Assim, na
perspectiva de Kent Weaver e Bert Rockman entre as capacidades estatais se
incluiriam: (1) definir prioridades entre as diferentes demandas feitas ao poder
público; (2) canalizar os recursos onde sejam mais efetivos; (3) inovar quando
for necessário, ou seja, sempre que velhas políticas demonstrem sinal de
esgotamento; (4) coordenar objetivos em atrito; (5) poder impor perdas a grupos
poderosos; (6) garantir a efetiva implementação das políticas logo após terem
sido definidas; (7) representar os interesses difusos e menos organizados, além
1875

dos poderosos e mais organizados; (8) garantir a estabilidade política para que
as políticas públicas possam ter tempo de maturação na sua implementação; (9)
Página

estabelecer e manter compromissos internacionais em comércio e defesa, de


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modo a alcançar o bem-estar no longo prazo; (10) gerenciar divisões políticas de


modo a garantir que não haja atritos internos (WEAVER e ROCKMAN, 1993).
Por sua vez, Ernesto Stein e Mariano Tommasi ressaltam que capacidade estatal
consiste em possibilitar a coerência entre as diferentes esferas de políticas, de
modo que as novas políticas se encaixem com as já existentes (STEIN e
TOMMASI, 2001). Já segundo Celina Souza, o conceito de capacidade estatal
incorpora variáveis políticas, institucionais, administrativas e técnicas. De forma
simplificada, pode-se definir capacidade estatal como o conjunto de instrumentos
e instituições de que dispõe o Estado para estabelecer objetivos, transformá-los
em políticas e implementá-las (SOUZA, 2015).
Pensa-se o planejamento governamental dirigido pelo Estado brasileiro
numa perspectiva macroestrutural de longo prazo, tendo em vista o
desenvolvimento capitalista, a produção de políticas públicas e a incorporação
social de setores populares excluídos. Em suma, mobiliza-se o Estado como o
instrumento de ação coletiva da nação (BRESSER-PEREIRA, 2014; 2009) no
âmago de uma estratégia de desenvolvimento. Daí resulta a necessidade de
ressaltar o modo de interação do Estado brasileiro com atores estratégicos como
o empresariado industrial, os sindicatos, os trabalhadores, os
economistas/intelectuais e a burocracia governamental. Analisar-se-á, também,
o modo como o capitalismo financeiro especulativo afeta a dinâmica de interação
entre aqueles atores, bem como as suas reverberações sociais e políticas.
Argumenta-se que o inimigo do planejamento governamental de longo prazo
para o desenvolvimento capitalista com crescimento econômico, distribuição de
renda e inclusão social é a dinâmica perversa do mercado financeiro
especulativo, rentista e apátrida. Em virtude de sua natureza curto-prazista e
predatória ele inviabiliza o Estado pensar a Nação numa dimensão temporal de
1876

amplo alcance.
Além desta breve introdução, o trabalho está dividido em quatro temáticas
Página

macroestruturais, estratégicas e centrais, que vêm norteando as políticas de


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planejamento e intervencionismo estatal do Novo Desenvolvimentismo


Democrático. A segunda seção analisa a primeira temática, que aborda a
retomada do planejamento e a inserção da questão social na agenda pública
quando da eleição de Lula da Silva, em 2002, que ocorreu em meio ao pânico
generalizado no mercado financeiro internacional. A terceira seção escrutina a
segunda temática, tratando da inflexão desenvolvimentista na política
macroeconômica e a revitalização das capacidades estatais e burocráticas para
a promoção de políticas públicas estratégicas e prioritariamente voltadas à
questão social. A quarta seção explora a terceira temática, focalizando as
reverberações sociais das políticas de planejamento governamental e o
complexo debate em torno da Nova Classe Média. A quinta seção investiga a
quarta e última temática, escrutinando o esgotamento das políticas de
planejamento, entre o final de 2014 e o início de 2015, que é causado por uma
sucessão de fatores concomitantes, como a crise fiscal do Estado brasileiro, o
escândalo de corrupção na Petrobrás, a fratura da coalizão político-econômica
de suporte, a ausência de reformas estruturais, a resiliência do neoliberalismo e
o enfraquecimento das capacidades estatais de intervenção, que vêm
revertendo o legado de inclusão social dos últimos anos. A sexta e última seção
realiza as considerações finais, mostrando os principais resultados empíricos do
trabalho.

A RETOMADA DO PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL COM


ESTABILIZAÇÃO MACROECONÔMICA E A EMERGÊNCIA DA QUESTÃO
SOCIAL NA AGENDA PÚBLICA: UM ARRANJO (IM)POSSÍVEL?

Em maio de 2002, a BCP Securities publicou um relatório intitulado “O


1877

Monstro Lula”, descrevendo o sentimento de pânico generalizado entre os


agentes econômicos quando perceberam que Lula poderia ser o próximo
Página

presidente brasileiro. Os investidores temiam que o candidato esquerdista

O PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL DO NOVO


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DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)
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cessasse as políticas econômicas de FHC, aumentaria o gasto social do governo


e aceitaria altos níveis de inflação. No cenário de pior caso, era esperado que
Lula renacionalizasse as empresas privatizadas e desse calote na pesada dívida
externa do país. A Goldman Sachs desenvolveu um Lulômetro – um modelo
matemático designado para quantificar a probabilidade de vitória de Lula por
meio do comportamento dos preços nos mercados de câmbio. Em junho de
2002, o otimismo foi totalmente deteriorado. O mercado de ações brasileiro caiu
amplamente e as taxas de juros futuros aumentaram. A depreciação do Real por
mais de 12% naquele mês, acumulou uma depreciação de 23% na primeira
metade do ano. O prêmio de risco dos títulos soberanos brasileiros subiu para
níveis nigerianos, entre os mais altos do mundo (CAMPELLO, 2015a). A inflação
ao consumidor estava em 12,5% ao ano e em aceleração, a dívida líquida do
setor público havia subido para 51,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e as
reservas internacionais do Brasil eram de apenas US$ 37,8 bilhões disponíveis
no BACEN, dos quais US$ 20,8 bilhões correspondiam a um empréstimo junto
ao FMI (BARBOSA FILHO e PEREIRA DE SOUZA, 2010).
A reação inicial do PT foi minimizar a crise, insistindo que os mercados
foram alimentados pelo exagero. Como a situação se agravou, o partido foi
publicamente chamado pela equipe econômica de FHC para esclarecer seu
compromisso com as políticas favoráveis ao mercado e a disciplina fiscal. Lula
respondeu com uma “Carta ao Povo Brasileiro” na qual este compromisso foi
explicitamente feito (CAMPELLO, 2015):
“O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a
superação do atual modelo, reclamada enfaticamente pela
sociedade, não se fará num passe de mágica, de um dia
para o outro. Não há milagres na vida de um povo e de um
1878

país. Será necessária uma lúcida e criteriosa transição


entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica.
Página

O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não


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DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)
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AUGE E DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)

será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá


ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como
ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo
voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional,
que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um
novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento
com estabilidade. Premissa dessa transição será
naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do
país. Vamos preservar o superávit primário o quanto for
necessário para impedir que a dívida interna aumente e
destrua a confiança na capacidade do governo de honrar
os seus compromissos (CARTA AO POVO BRASILEIRO,
Luíz Inácio Lula da Silva, 22/06/2002)”.
A carta endereçada aos mercados financeiros temerosos atribuiu a crise
de confiança à fragilidade do modelo econômico conduzido por FHC e prometeu
trazer estabilidade. Lula corajosamente garantiu que manteria a disciplina fiscal
e tornaria a inflação baixa uma prioridade, e que o governo do PT não tomaria
decisões unilaterais ou voluntaristas. Ele faria primeiro e, acima de tudo,
“respeitar os contratos”, um eufemismo para pagar a enorme dívida pública do
país e manter as privatizações. Além da Carta ao Povo Brasileiro, o programa
de governo foi formalmente apresentado em julho, muito mais moderado que os
anteriores. E, finalmente, em agosto, a “Nota sobre o Acordo com o FMI”, pela
qual o partido prometeu respeitar o acordo com o FMI negociado no final do
governo FHC. Alguns membros do partido ironicamente apelidaram o documento
de “Carta para Acalmar os Banqueiros” e interpretaram-na como um mal
necessário para prevenir a escalada de pânico dos mercados financeiros. Eles
1879

esperavam que, após as eleições, Lula retomaria a agenda original do PT


(CAMPELLO, 2015; GIAMBIAGI, 2005). Diante das limitações impostas pelo
Página

mercado financeiro, no campo social, uma das principais plataformas eleitorais


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do presidente Lula, em 2002, foi a campanha contra a fome e a extrema pobreza,


o que levou à criação dos programas “Fome Zero” e “Bolsa Família”, voltados à
distribuição de renda e apoio financeiro às famílias socialmente vulneráveis.
O ceticismo sobre a conversão do PT à agenda de políticas favoráveis ao
mercado e à disciplina fiscal foi generalizado. Havia um pessimismo do mercado
de ações com relação à vitória de Lula, contrastando com o otimismo que
prevaleceu em 1994 quando era esperada a vitória de FHC. O governo do PT
também deveria implementar um “quadro institucional coerente” que incluiu um
Banco Central independente, metas de inflação e uma taxa de câmbio flutuante
(CAMPELLO, 2015). A perspectiva de um governo Lula servia como um teste
importante para a economia brasileira. De fato, durante anos, inicialmente com
as reformas orientadas para o mercado dos governos Collor/Itamar Franco e,
especialmente, após o Plano Real, as autoridades tinham assumido o discurso
das mudanças estruturais. Isso implicava afirmar que a defesa da estabilidade
e, a partir do fim dos anos 1990, a austeridade fiscal, seriam transformações
permanentes, que cristalizariam ambições nacionais e não as de partidos. O
mercado pareceu durante muito tempo entender que o compromisso com a
estabilidade e a austeridade eram do presidente FHC, junto com seu ministro da
Fazenda (Pedro Malan) e o Banco Central. Havia dúvidas, entretanto, sobre até
que ponto esses compromissos seriam mantidos pelo governo subsequente.
Muitos observadores internacionais temiam a decretação de uma moratória em
2003, no contexto da adoção - que alguns julgavam certa - de políticas populistas
por parte de um novo governo liderado pelo PT (GIAMBIAGI, 2005).
A chegada de Lula à Presidência da República ocorreu em meio a um
quadro de ataque especulativo e fragilidade macroeconômica, com a dívida
líquida do setor público bastante elevada e reservas internacionais escassas. A
1880

urgência para ganhar a confiança do mercado a fim de voltar a atrair os fluxos


de capital sujeitou o governo à influência dos investidores, resultando não
Página

somente na adoção de um programa econômico inesperadamente ortodoxo,


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mas também nas nomeações de líderes conservadores como cabeças do Banco


Central (Henrique Meireles) e do Ministério da Fazenda (Antonio Palocci). Nas
palavras de um membro da equipe de Lula, foi uma questão de “dar os anéis
para manter os dedos97”. O PT consolidou a liderança de Antonio Palocci - o
principal interlocutor do partido com a comunidade financeira -, cujas políticas
econômicas mal diferiram daquelas da equipe de FHC. Nas palavras de um ex-
diretor do BACEN, entrevistado por Daniela Campello, Palocci “dificilmente
parecia um petista, e falou a linguagem do mercado” (CAMPELLO, 2015, p. 99).
Durante a campanha, Palocci consolidou uma reputação de ser moderado e
favorável ao mercado na comunidade financeira. Ademais, foi visto como uma
opção preferível do que nomes como Aloízio Mercadante ou Guido Mantega,
considerados “muito heterodoxos” e muito próximos da agenda econômica
tradicional do PT (CAMPELLO, 2015).
No primeiro mandato do presidente Lula, a política macroeconômica
caracterizou-se pela continuidade em relação à orientação predominante no
governo Fernando Henrique Cardoso, e a política fiscal, em particular, foi
marcada pela intensificação do nível do superávit primário e ainda por propostas
de déficit nominal zero (BARBOSA FILHO, 2013). O ano de 2003 começou com
juros altos, que chegaram a 26,5%, e com cortes no orçamento que
ultrapassavam R$ 14 bilhões, afetando áreas como saúde, educação e até o
programa Fome Zero (O GLOBO, 17/09/2015). O primeiro compromisso da
política econômica do governo foi resolver o problema fiscal e, para isso,
aumentou a meta de resultado primário do setor público de 3,75% do PIB para
4,25% do PIB. O principal objetivo de tal medida foi sinalizar, para os agentes
financeiros, o grau de comprometimento do governo Lula com o equilíbrio fiscal
e, portanto, dissipar as preocupações do mercado com um eventual aumento
1881

explosivo na dívida pública (BARBOSA FILHO e PEREIRA DE SOUZA, 2010;


Página

97 Entrevista de Daniela Campello com membro da equipe de campanha de Lula em 2002 (CAMPELLO, 2015).
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LOUREIRO, SANTOS e GOMIDE, 2011). Nesse sentido, a visão que Palocci


transmitia a seus interlocutores era de que o partido tinha mudado, passando a
mensagem de que o PT tinha rompido com a ideia de ruptura (GIAMBIAGI, 2005,
p. 200).
Em consonância com as medidas de aperto monetário e fiscal, outro
elemento importante para justificar a guinada do mercado após a onda de
desconfiança que precedeu a eleição de Lula foi o compromisso do novo governo
com as chamadas reformas estruturais, como a tributária e a previdenciária. No
processo de aprovação desta última reforma, que entre outras medidas taxou os
aposentados, criou regras mais rigorosas para aposentadoria e cortou o
montante recebido por viúvos, os parlamentares do PT expressaram seu
descontentamento ao votarem contra o governo. Após duras negociações, a
liderança do partido optou finalmente por expulsar os dissidentes, levando a uma
cisão que originou o PSOL e ampliou ainda mais o controle dos membros
conservadores do partido. A reação dos parlamentares do PT a agenda
econômica ortodoxa do governo não foi um evento isolado; a confiança dos
mercados financeiros e do FMI veio ao custo da decepção de muitos dos
apoiadores tradicionais do partido entre os movimentos de trabalhadores
organizados, os pobres e a esquerda radical (CAMPELLO, 2015).
Portanto, não há nenhuma maneira de compreender a presidência de Lula
ou suas consequências para a esquerda brasileira sem referência à globalização
financeira e a disciplina de mercado. A experiência do PT, por sua relevância,
lança luz sobre como a centralidade da construção da confiança do mercado tem
contribuído para a persistência do neoliberalismo na América Latina
(CAMPELLO, 2015).
1882
Página

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PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL E AUGE DAS CAPACIDADES


ESTATAIS: CRESCIMENTO ECONÔMICO COM INCORPORAÇÃO SOCIAL

Diferentemente do primeiro mandato, marcado pelo primado da ortodoxia


no Ministério da Fazenda, no segundo governo Lula, todavia, ocorreram
importantes mudanças institucionais, assim como a revitalização do poder
infraestrutural (MANN, 2008) do Estado brasileiro. Ambos os fatores dizem
respeito à retomada do planejamento governamental de longo prazo, uma vez
que a coalizão governativa do Novo-Desenvolvimentismo Democrático
conseguiu viabilizar, de forma sustentada no tempo, o crescimento econômico,
a inserção social do amplo segmento mais desfavorecido da população e a
criação de um mercado interno de consumo de massas robusto.
Primeiramente, as mudanças institucionais referem-se a uma inflexão
desenvolvimentista, que se consubstancia a partir da entrada de Dilma Rousseff
na Casa Civil, da substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega, no
Ministério da Fazenda, e da entrada de Luciano Coutinho na presidência do
BNDES. Este último, por sua vez, impulsionou a orientação de apoio às políticas
de viés desenvolvimentista, mais palatáveis a negociações com o empresariado
industrial e o setor produtivo. O fim da “era Palocci” representou não apenas a
inflexão da política fiscal, mas igualmente a ampliação da arena decisória. A
participação da Casa Civil no comando da gestão econômica significou maior
abertura desta arena a outros atores políticos, uma vez que constitui o espaço
institucional de articulação entre o Executivo e o Legislativo e entre o governo
federal e os governos subnacionais. O ajuste fiscal de 2003-2005 não acelerou
substancialmente o crescimento da economia nem tampouco ajudou o
compromisso de melhorar a renda e o emprego, o que fez a visão neoliberal ir
se esgotando nos primeiros três anos do governo Lula. Destaca-se outro ponto
1883

ainda mais relevante: a proposta neoliberal de novos ajustes recessivos acabou


fortalecendo a visão desenvolvimentista sobre política econômica ao final de
Página

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2005 (BARBOSA FILHO e PEREIRA DE SOUZA, 2010; LOUREIRO, SANTOS


e GOMIDE, 2011).
Por conseguinte, foram criadas as condições institucionais para que o
Ministério da Fazenda realizasse uma política macroeconômica fortemente
expansionista tanto pela ótica fiscal quanto monetária, reduzindo despesas e
aumentando o gasto público. Com esse objetivo houve redução dos impostos
dos setores de baixa renda, a diminuição da carga tributária sobre a indústria
automobilística e a redução da meta de superávit primário. Ademais, não
obstante a falta de cooperação do Banco Central, o Tesouro logrou intervir no
sistema monetário ao promover a capitalização do BNDES no valor de R$ 100
bilhões, ao aumentar os recursos para o financiamento das exportações e ao
determinar o aumento dos empréstimos dos bancos oficiais. O Estado, nesta
convenção desenvolvimentista, volta a assumir um papel de liderança no
processo de desenvolvimento, recuperando, inclusive, o protagonismo das
empresas estatais e dos bancos públicos, perdido durante o período liberal.
Esboça-se uma clara atualização da antiga proposta desenvolvimentista bem
como se restabelece a tradicional coalizão entre empreiteiras da construção
pesada e leve, fornecedores de insumos e equipamentos e seus empregados
com o governo (BARBOSA FILHO, 2013; BARBOSA FILHO e PEREIRA DE
SOUZA, 2010; BRESSER-PEREIRA, 2014; ERBER, 2011; LOUREIRO,
SANTOS e GOMIDE, 2011).
Em segundo lugar, a retomada do poder infraestrutural (MANN, 2008) do
Estado brasileiro diz respeito à capacidade do Estado de implementar logística
e estrategicamente as suas decisões políticas em todo o território, além de
intervir na sociedade mediante a provisão de políticas públicas, após a
hegemonia do receituário neoclássico dos anos 1990. Três iniciativas tomadas,
1884

ainda em 2006, marcaram a revitalização do Estado: (1) elevação substancial no


salário mínimo; (2) aumento no investimento público; e (3) reestruturação de
Página

carreiras e salários dos servidores públicos. Assim, em 2006 o salário mínimo


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subiu 16,7%, passando de R$ 300,00 para R$ 350,00. Em virtude desse reajuste


nominal e da redução na taxa de inflação observada naquele ano, o aumento
real médio foi de 14,1% em 2006, o maior percentual de reajuste concedido no
período 2003-2009. A economia respondeu rapidamente a essa nova estratégia
traçada e logrou uma taxa de 6,1% em 2007. No ano seguinte, o PIB subiu ainda
mais, puxado, preponderantemente, pelo consumo das famílias e demanda
doméstica (BARBOSA FILHO, 2013; BARBOSA FILHO e PEREIRA DE SOUZA,
2010; BRESSER-PEREIRA, 2014; ERBER, 2011; LOUREIRO, SANTOS e
GOMIDE, 2011).
Segundo o arcabouço teórico das Variedades de Capitalismo (VoC), as
instituições da macroeconomia resolvem problemas de coordenação, mas
também regulam conflitos distributivos (HALL, 2007). À luz de uma interlocução
com esta literatura para a caracterização do caso brasileiro, pode-se dizer que o
governo Lula foi capaz de instrumentalizar as instituições para a coordenação
entre as diversas instâncias responsáveis pela implementação de políticas.
Ainda assim, foi capaz de, diante do crescimento econômico propiciado por um
contexto internacional favorável, regular o conflito distributivo de modo a
beneficiar o empresariado industrial, o agronegócio, o setor bancário-financeiro,
a burocracia pública e os trabalhadores. Como veremos de forma mais
aprofundada na última seção deste capítulo, Dilma Rousseff não foi bem-
sucedida nessas tarefas em virtude da falta de coordenação política bem como
da estagnação e recessão econômicas, que acirraram o conflito distributivo e
debilitaram as capacidades estatais.
Sem reverter a prioridade absoluta concedida à estabilização econômica,
na Era Lula, as políticas do Estado do Bem-Estar ganham novo alento. A
novidade principal está na experimentação de novos modos de interação entre
1885

as políticas sociais e as políticas econômicas, em um modelo de “crescimento


redistributivo”, que é um processo pelo qual a renda da população aumenta
Página

enquanto a desigualdade diminui, crescendo com mais intensidade nos estratos


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inferiores que nos estratos superiores da distribuição. Tudo indica que o Brasil
passou por um processo de crescimento redistributivo na última década. Por
escolha política e intervenção pública, rompeu-se a inércia de desigualdades
persistentes para se inaugurar trajetória de desigualdades decrescentes a
despeito da fase do ciclo: a desigualdade de renda se contraiu em fase de
crescimento e seguiu diminuindo mesmo quando o crescimento arrefeceu
(KERSTENETZKY, 2015). De fato, o país testemunhou uma aceleração do
crescimento baseada em boa medida na expansão das políticas e dos gastos
sociais, especialmente as transferências governamentais e a valorização do
salário mínimo, com resultados inéditos em termos de redução consistente da
pobreza e da desigualdade. Uma inovação secundária, dado o ineditismo na
história brasileira, foi certa modulação da própria política econômica por
condicionalidades sociais. Em conjunto, essas mudanças configuram exemplos
das “políticas sociais economicamente orientadas” e “políticas econômicas
socialmente orientadas”, que se tornaram traços distintivos do modelo de
desenvolvimento escandinavo (KERSTENETZKY, 2012). Cada uma delas será
escrutinada abaixo.
No subconjunto das “políticas sociais economicamente orientadas”,
destacam-se a ampliação das transferências governamentais – aí incluídas as
aposentadorias dos trabalhadores do setor privado, urbano e rural, as políticas
e programas assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada98 (BPC),
a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e o programa Bolsa Família, o
seguro-desemprego e o abono salarial – e a política de valorização do salário
mínimo. Esta última é consistentemente perseguida, sobretudo, a partir do ano
de 2007, quando é firmado o Pacto pela Valorização do Salário Mínimo. Com o
pacto, a valorização do mínimo se torna uma política de governo, com um
1886

98É um direito de valor constitucional, não contributivo, e concedido no âmbito da Assistência


Social a todo idoso (65 anos ou mais) e portador de deficiência que possua renda mensal familiar
Página

per capita de até um quarto do salário mínimo. O valor mensal do benefício é equivalente a um
salário mínimo (KERSTENETZKY, 2015).
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mecanismo de reajuste institucionalizado que incorpora o crescimento da


inflação e do produto. O impacto dessa política é sentido não apenas nos salários
percebidos no mercado de trabalho – diretamente o salário dos trabalhadores
formais e indiretamente também os salários dos trabalhadores informais que têm
o mínimo como valor de referência -, como também sobre o conjunto de
transferências governamentais, pois, à exceção do PBF, que não é um benefício
constitucional, todos os demais benefícios o são e têm como piso o salário-
mínimo. A elevação do mínimo, contrariando algumas expectativas, foi em geral
acompanhada pelo incremento do emprego e da formalização e pela redução do
desemprego – portanto, também, por aumento do salário médio e da massa
salarial. A influência do mínimo sobre a distribuição de renda, seja no mercado
de trabalho, seja nas transferências governamentais, foi progressiva; por serem
os rendimentos de uma porção significativa e crescente de trabalhadores e
beneficiários de transferências do governo, sua contribuição para a redução da
desigualdade experimentada no país desde 2004 (quando o Gini cai mais de três
pontos percentuais, de 0,572 para 0,538 em 2009) foi amplificada pelo elevado
peso na renda familiar dos rendimentos do trabalho em conjunto com as
transferências (KERSTENETZKY, 2012).
No tocante as “políticas econômicas socialmente orientadas”, trata-se das
políticas macro e microeconômicas que foram moduladas por impactos sociais
antecipados. Houve uma variedade delas: monetárias, fiscais e regulatórias.
Entre as políticas monetárias socialmente moduladas estão o crédito
consignado, que permitiu a inclusão financeira de milhões de aposentados do
regime geral que não tinham acesso ao crédito e puderam acedê-lo tendo como
colateral as transferências que recebiam do governo; o crédito subsidiado
direcionado, que tornou a casa própria socialmente acessível e também se dirigiu
1887

à agricultura familiar e, de um modo geral, a tendência à redução da taxa básica


de juros, mais clara a partir de 2006, e que também impulsiona o crédito. O
Página

volume de expansão do crédito permitido por essas medidas, junto com algumas
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desonerações pontuais, como ocorreu com automóveis em 2009, abriu o acesso


a bens duráveis de consumo às classes populares, consumo que, de resto,
cresceu continuamente (KERSTENETZKY, 2012; 2014).
Do lado da política fiscal, novas regras foram estabelecidas para o cálculo
do superávit primário a partir de 2007, envolvendo o desconto de investimentos
públicos do PAC dentre os quais se incluem infraestrutura, sobretudo energia,
logística, saneamento, urbana e social. Tais investimentos receberam o
financiamento do BNDES e, em menor grau, diretamente pelo Estado. Parte
destes investimentos responde a carências há muito identificadas e podem ser
vistos como a “recuperação do atraso”. Pode-se afirmar que por intermédio do
PAC o governo começa a atribuir à política fiscal função adicional, ou seja,
mesmo garantido o superávit primário fixado, utiliza o espaço para uma política
de crescimento, criando, por exemplo, a possibilidade de abater da meta de
superávit primário de 4,25% gastos com investimentos nos Projetos Piloto de
Investimento (PPI) de até 0,5% do PIB e, posteriormente, de abater gastos do
próprio PAC. Além disso, destacam-se a correção da tabela do Imposto de
Renda da Pessoa Física (IRPF), que favoreceu a classe média, melhorando a
distribuição de renda entre os que pagam impostos; o corte de impostos indiretos
sobre trigo e derivados, em resposta ao aumento dos preços internacionais em
2008; o aumento do investimento público e do investimento privado induzido em
infraestrutura social (sobretudo em habitação popular e saneamento); a
simplificação tributária para facilitar a formalização de negócios e empregos,
especialmente entre os microempreendedores (MEI), e a adesão de
contribuintes facultativos; várias desonerações fiscais contracíclicas em 2008 e
2009; e, finalmente, a política de sustentação dos gastos subnacionais em 2009
(especialmente para cobrir a diminuição ocasionada pela crise de investimentos
1888

subnacionais em água, saneamento e transporte urbano) (ERBER, 2011;


KERSTENETZKY, 2012, 2014; LOUREIRO, SANTOS e GOMIDE, 2011).
Página

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Entre as políticas regulatórias moduladas pelo social destacam-se a


adoção de tarifas sociais, especialmente no setor de energia, e, de modo geral,
a nova ênfase das agências reguladoras não tanto nas vantagens do investidor
privado quanto nas dos consumidores. De fato, o Estado do Bem-Estar Social
foi parte constitutiva do projeto de desenvolvimento. Contra o pano de fundo de
experimentos de alto crescimento sem equidade e baixo crescimento e baixa
equidade típicos do Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1964-1985) e das
Reformas Orientadas para o Mercado (1990-2002), respectivamente, o recente
experimento destaca-se por combinar crescimento e equidade e ganhos de
capacidade no sentido de Amartya Sen (KERSTENETZKY, 2012).
Além das mudanças institucionais e da retomada do poder infraestrutural
(MANN, 2006; 2008) do Estado brasileiro, conforme mencionado no início desta
seção, houve um empenho do Poder Executivo no sentido de viabilizar novas
contratações e aumentos salariais para o funcionalismo público. A partir de uma
visão estratégica de longo prazo, isso foi feito no intuito de incrementar as
capacidades estatais e burocráticas de implementação de políticas públicas
desenvolvimentistas. Desde os anos 2000, têm-se destinado prioridade a
profissionalização e qualificação de uma burocracia recrutada por meio de
seleção competitiva (SOUZA, 2013).
É certo que a capacidade técnico-administrativa para implementação de
políticas de desenvolvimento pode existir tanto na presença quanto na ausência
de democracia – por exemplo, o caso dos Estados desenvolvimentistas
arquetípicos do Leste Asiático ou mesmo da América Latina. No entanto, no caso
brasileiro atual, a consolidação da democracia tem imposto à ação estatal
requisitos voltados à inclusão e à relação com os atores afetados na tomada de
decisão, na promoção da accountability e no controle de resultados. Isto
1889

demanda novas capacidades do Estado, além das necessidades de uma


burocracia profissional, coesa e meritocrática. Ou seja, no contexto de um
Página

ambiente institucional caracterizado pela existência de instituições


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representativas, participativas e de controle (social, burocrático e judicial), são


necessárias também capacidades políticas para a inclusão de múltiplos atores,
o processamento dos conflitos decorrentes e a formação de coalizões políticas
de suporte para os objetivos e as estratégias a serem adotadas (GOMIDE e
PIRES, 2014). Sugere-se que esse foi o caso do governo Lula, que, por meio do
fortalecimento das capacidades institucionais, tornou o Estado mais poroso tanto
ao empresariado como aos sindicatos e movimentos sociais e populares,
incrementando as interfaces socioestatais99 (IPEA, 2012). De todo modo, isso
propiciou a canalização das respectivas demandas desses atores, convergindo
para a constituição de coalizões de apoio à estratégia de planejamento
governamental para o desenvolvimento capitalista com crescimento econômico
e inserção social dos setores tradicionalmente excluídos da sociedade brasileira.
Os casos elucidativos foram o Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social (CDES) e as Conferências Nacionais de Políticas Públicas, reforçando

99A partir de uma leitura crítica da obra de Amartya Sen – Desenvolvimento como Liberdade –,
Peter Evans mostra que a expansão das capacidades é simultaneamente o principal objetivo do
desenvolvimento e um princípio através do qual o desenvolvimento é alcançado. O engajamento
dos atores sociais na implementação de políticas é crucial para as estratégias de expansão das
capacidades. A fim de ser capaz de criar vínculos efetivos Estado-sociedade, o Estado deve
facilitar a organização de contrapartes na sociedade civil. As relações efetivas entre Estado e
sociedade envolvem a transformação do próprio Estado em termos de adição de organizações
estatais, como conselhos de políticas setoriais e conselhos de orçamento participativo que
institucionalizem a participação da sociedade civil dentro do Estado, e por meio da incorporação
de atores que se identificam como agentes da sociedade civil em burocracias e agências estatais
mais tradicionais. A interação do Estado desenvolvimentista do século XX com a indústria deu
às elites industriais uma razão para tornarem-se uma classe mais coerente coletivamente. O
Estado desenvolvimentista do século XXI deve fazer o mesmo para com a sociedade ao construir
instituições deliberativas e participativas, uma vez que a democracia eleitoral não é suficiente.
Retomar à dimensão política da capacidade do Estado nos traz de volta às abordagens
institucionais e das capacidades para o desenvolvimento. As instituições políticas e a deliberação
democrática são fundamentais na abordagem das capacidades. Além disso, uma vez que a
capacidade de fazer escolhas é uma das mais importantes de todas as capacidades humanas,
os processos de participação têm que ser compreendidos como partes constitutivas dos fins do
1890

desenvolvimento em si mesmo. Isto implica dizer que o Estado necessita do engajamento ativo
da sociedade civil na entrega de serviços públicos como saúde e educação a fim de assegurar
que os investimentos produzam os efeitos desejados. O Estado desenvolvimentista do século
XXI deve ser ágil, ativo, rico e capaz de atuar independentemente dos interesses privados.
Página

Expandir a capacidade do Estado é, portanto, uma construção política (EVANS, 2005, 2008,
2014; EVANS, HUBER e STEPHENS, 2014; SEN, 1999).
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DESENVOLVIMENTISMO DEMOCRÁTICO: AUGE E CARLOS EDUARDO SANTOS PINHO
DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)
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a interface socioestatal, a democratização das políticas públicas e a democracia


representativa. Tais experimentos, circunscritos a um cenário de estabilidade
institucional e de vigência de um novo modelo de desenvolvimento centrado na
dimensão social, podem ser concebidos - à luz de uma interlocução com o
arcabouço teórico-conceitual das Variedades de Capitalismo (VoC) - como uma
vantagem institucional comparativa (HALL e SOSKICE, 2001) do Estado
brasileiro ao viabilizar a incorporação de atores estratégicos ao ciclo de
elaboração, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas, bem
como subsidiar a formulação de inovações na ação pública. O ambiente
institucional de concertação, no qual estes atores estratégicos operam, é um
elemento distintivo nas experiências de planejamento do desenvolvimento. Daí
a relevância das capacidades estatais, das instituições democráticas e de um
ambiente de concertação, que podem fazer a diferença para a materialização de
um projeto nacional e na direção de um desempenho econômico profícuo com
inclusão social.
De acordo com o título desta seção, por que razão este contexto de
planejamento governamental levado a efeito pelo governo Lula pode ser
caracterizado como o auge das capacidades estatais? Segundo o conceito de
capacidades estatais de WEAVER e ROCKMAN (1993), apresentado na
introdutção deste paper, levando em conta os itens de 1 a 10, esta questão
poderá ser respondida e analisada à luz de uma interface da teoria com a empiria
(conjuntura política). Primeiramente, diante das demandas apresentadas ao
poder público, definiu-se como prioridade resgatar o papel protagonista do
Estado na promoção do desenvolvimento, a despeito da necessidade
(irrefutável) de conciliar tal proposta com as políticas ortodoxas impostas pelo
mercado financeiro. Segundo, canalizaram-se os recursos disponíveis nos
1891

setores e políticas públicas que, para o governo, seriam mais efetivos para
impulsionar o capitalismo brasileiro e fortalecer o tecido social. São exemplos a
Página

ampliação do papel do BNDES para subsidiar o setor produtivo e o


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robustecimento da rede de proteção social vinculada à política de valorização do


salário mínimo. Terceiro, foi necessário inovar e o governo o fez ao atribuir maior
vigor ao Estado, diversamente da supremacia do receituário neoclássico dos
anos 1990, que remodelou o Estado para priorizar a estabilização
macroeconômica em detrimento do robustecimento das políticas sociais. Quarto,
delineou-se uma capacidade de coordenar objetivos em atrito entre as elites
políticas e econômicas por parte do chefe da coalizão sociopolítica do Novo
Desenvolvimentismo Democrático. De fato, é inegável que essa capacidade de
coordenação foi favorecida pelo crescimento econômico que, por sua vez,
potencialmente obstou a emergência de tensões distributivas. Quinto,
paradoxalmente, o governo não necessitou impor perdas aos grupos poderosos
do capitalismo brasileiro em virtude da bonança econômica e da capacidade
conciliatória e agregativa do chefe do Executivo. Foram beneficiados pela
dinâmica do crescimento os atores produtivos, financeiros, sindicais, trabalhistas
bem como a burocracia estatal. Sexto, garantiu-se a efetiva implementação das
políticas após o seu processo de definição, como é o caso e da criação do maior
programa de transferência de renda condicionada e focalizada (Bolsa Família)
bem como da ampliação da rede de proteção social. Sétimo, representou-se os
interesses difusos e menos organizados oriundos da sociedade civil
(movimentos sociais e populares), haja vista a maior porosidade e abertura do
Estado às suas reivindicações. Isso propiciou maior interface socioestatal e a
consequente canalização das demandas societais para a implementação de
políticas públicas, o que ampliou o escopo da democracia representativa em
suas instâncias participativa e deliberativa. Por outro lado, os interesses
poderosos e mais organizados provenientes do empresariado industrial e da
fração bancário-financeira do capitalismo especulativo foram demasiadamente
1892

contemplados pelo aparelho de Estado. Os primeiros receberam toda sorte de


incentivos, subsídios e desonerações; a segunda, com o total beneplácito do
Página

governo, usufruiu de lucros exorbitantes por meio das mais elevadas taxas de
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juros do planeta. Os bancos lucraram de forma exorbitante no governo Lula


quando comparados ao governo neoliberal de FHC. Oitavo, apesar do escândalo
do mensalão, que representou uma ameaça à reeleição do presidente Lula em
2006, o seu governo foi relativamente estável em virtude de uma coalizão
majoritária de apoio no Parlamento, da disciplina partidária e do sucesso
legislativo do Executivo. Isso pavimentou o caminho para a maturação das
políticas públicas que foram implementadas. Nono, para além de manter, o
governo diversificou compromissos internacionais, o que projetou a imagem do
Brasil no exterior e trouxe superávits na balança comercial. Finalmente, dotado
de sagacidade e astúcia, Lula foi capaz de gerenciar divisões políticas de modo
que não houvesse atritos internos no âmbito de sua coalizão de sustentação
governativa. O presidente institucionalizou instâncias de intermediação de
interesses (como o CDES) por meio das quais dialogava com os mais diversos
atores sociais, produtivos, financeiros e políticos (empresariado, banqueiros,
sindicalistas, religiosos, intelectuais, economistas, movimentos sociais e
populares), imbuídos de interesses assimétricos, de modo a estabelecer um
consenso em torno das políticas de desenvolvimento.
O crescimento econômico atrelado à distribuição de renda e a redução
das desigualdades sociais contribuíram para que Lula da Silva fizesse a sua
sucessora à Presidência da República. Segundo dados do Tribunal Superior
Eleitoral, no 2º turno das eleições presidenciais de 2010, a candidata Dilma
Rousseff venceu as eleições com 55.752.483 votos, totalizando 56,05% dos
votos válidos. Por outro lado, o candidato José Serra, do PSDB, obteve
43.711.162 votos, correspondendo a 43,95% dos votos válidos.
Embora no limiar de 2011 Dilma tenha optado por uma macroeconomia
fortemente ortodoxa ao elevar os juros, aumentar o esforço fiscal e adotar uma
1893

série de medidas para frear o crédito, no segundo semestre (agosto), o governo


Página

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dá início à Nova Matriz Macroeconômica100 (BIELSCHOWSKY, 2014;


ESTADÃO, 16/06/2013), alvo de intensa controvérsia no debate em torno da
economia política do Brasil contemporâneo. Entre as medidas implementadas,
destacam-se: redução da taxa Selic de juros; queda do Imposto sobre
Operações financeiras (IOF) para as linhas de crédito ao consumidor; diminuição
dos spreads bancários e aumento da oferta de crédito, especialmente, dos
bancos públicos; redução e isenção, momentânea, de IPI e outros impostos para
alguns setores econômicos, tais como automotivo, moveleiro, “linha branca” de
consumo duráveis e construção civil. Ademais, destacam-se a adoção de
mecanismos de controle de capitais com o aumento do IOF sobre várias
modalidades de transações financeiras entre não residentes e residentes,
reforma do setor elétrico e intervenções recorrentes no mercado cambial a fim
de estabelecer uma taxa de câmbio mais competitiva. Apostando na
reindustrialização, criou-se o Plano Brasil Maior, ou seja, uma nova política
industrial visando promover setores econômicos estratégicos e investimentos em
inovação tecnológica, pesquisa e desenvolvimento (FILHO e CUNHA,
19/12/2012; VALOR ECONÔMICO, 19/02/2016).
Em artigo publicado no jornal Valor Econômico (19/12/2012), no qual faz
um balanço da fase de transição para a Nova Matriz Econômica, o Ministro da
Fazenda Guido Mantega atentou para o fato de que a era do ganho fácil e sem
risco ficou para trás, apesar do choro e ranger de dentes dos poucos que se
beneficiavam dessa situação. A economia vivia numa estrutura curto-prazista e
isso está se alterando substancialmente para uma estrutura de longo prazo. Em
sua concepção, o Brasil estava viciado em juros altos e câmbio valorizado. Toda
estrutura produtiva estava adaptada para essa realidade e a desintoxicação não
ocorre do dia para noite. Enquanto os países avançados adotam medidas de
1894

austeridade fiscal, que levam a deterioração das condições econômicas e


Página

100Em recente artigo no qual analisa o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014), André
Singer designa esta política econômica de “ensaio desenvolvimentista” (SINGER, 2015).
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sociais, o Brasil tem buscado outro caminho, o da política fiscal anticíclica,


estimulando investimento, reduzindo custos, e mantendo a solidez fiscal, sem
deixar de preservar os direitos e conquistas dos trabalhadores, especialmente
aqueles de menor renda (MANTEGA, 19/12/2012).
A fim de restringir o lucro abissal dos bancos, Dilma chegou a baixar as
taxas de juros a 7,25% ao ano – o menor patamar da série histórica iniciada em
1986 (BANCO CENTRAL, 2012). De fato, configurou-se uma “queda de braço”
e um “conflito distributivo” do governo com o setor financeiro rentista e não
produtivo. A coalizão desenvolvimentista conduzida por Dilma Rousseff, ao
promover um verdadeiro enfrentamento com o capital financeiro rentista e
reforçar o papel indutor do Estado para atrair o investimento privado, viabilizou
uma inflexão no custo do capital. Medidas como a redução das taxas de juros
nos bancos públicos (BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), nos
bancos privados e nas instituições financeiras foram levadas a cabo. De fato,
deram-se os primeiros passos no sentido de criar condições institucionais de
combate ao rent-seeking e, portanto, o ímpeto voraz do setor financeiro rentista
e não-produtivo101. Em uma clara linha de descontinuidade com o governo Lula,
delineou-se uma tentativa de domesticação do capitalismo financeiro. Tal
movimento foi um esforço deliberado que esbarrou em interesses
poderosíssimos, tendo em vista a lucratividade desmedida dos bancos
acumulada nos últimos anos e os fracassos sucessivos da indústria, que perde
competitividade, dinamismo e participação no PIB. No ambiente de crise
internacional e de especulação financeira, ao iniciar uma política de juros baixos
e a redução dos spreads bancários, o governo Dilma Rousseff empreendeu uma

101 Embora a taxa básica (Selic) tivesse caído e alcançado o patamar mais baixo da história,
1895

7,25% ao ano, as taxas praticadas pelos bancos privados não estimulam o consumo e os
investimentos. Durante a 39º Reunião Ordinária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social (CDES), no dia 30/08/2012, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que: “Uma
das razões pelas quais a economia brasileira cresceu pouco foi a falta de liberação de
Página

financiamento pelas instituições financeiras e as taxas de juros elevadas (O GLOBO,


31/08/2012)”.
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“tentativa republicana” que esbarrou em interesses fortemente enraizados.


Houve uma iniciativa, ainda que efêmera, de robustecimento das capacidades
institucionais do Estado para impor perdas a grupos poderosos (WEAVER e
ROCKMAN, 1993). Tentou-se empecer as tendências de “oligarquização” e,
portanto, de concentração de vasta riqueza nas mãos de um grupo seleto e
avesso à democracia assentada nos valores do desenvolvimento com
incorporação social. A despeito desta iniciativa relevante e de curta duração, a
coalizão intervencionista “está perdendo a batalha ideológica e política para o
mercado financeiro” (BELLUZZO, 29/12/2013), que visa o retorno da “Santíssima
Trindade” macroeconômica e ortodoxa: metas de inflação, câmbio flutuante e
austeridade fiscal.
Além de enfrentar o poder inconteste do setor financeiro, o governo Dilma
inseriu o tema da infraestrutura na agenda pública nacional quando do
lançamento do Plano de Investimento e Logística (PIL), em 15 de agosto de
2012, e revigorou o planejamento governamental nesta área estratégica para o
desenvolvimento. Nesse sentido, foram criadas a Empresa de Planejamento
Energético (EPE), da Secretaria de Portos da Presidência da República (SP/PR)
e a VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A102. Dilma não superou os
entraves para a transição de um modelo de governança assentado em uma
coalizão favorável à redistribuição para um que tem no investimento o seu ponto
central. São eles: os elevados “custos de transação” e o reduzido êxito legislativo
do governo Dilma Rousseff quando comparado ao governo Lula da Silva, a
heterogeneidade de grupos e interesses que circundam a coalizão governativa
(SANTOS e CANELLO, 2014) e a defesa de políticas macroeconômicas
antitéticas, que põem em veredas antípodas os trabalhadores, o empresariado
industrial e o mercado financeiro. Daí, portanto, a debilidade em formar uma
1896

102 Trata-se de uma empresa pública, sob a forma de sociedade por ações, vinculada ao
Página

Ministério dos Transportes, nos termos previstos na Lei n. 11.772, de 17 de setembro de 2008.
A função social da VALEC é a construção e exploração de infraestrutura ferroviária.
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“coalizão minimamente vencedora” (LEFTWICH, 2010) tal como fizeram os


países asiáticos bem como constituir um “Bloco Social de Dominação” (AMABLE
e PALOMBARINI, 2009) relativamente coeso e estável para regular e estruturar
o conflito social em torno das políticas de desenvolvimento no Brasil. Isso vem
obstaculizando a feitura de uma coalizão política desenvolvimentista que
viabilize a passagem de um modelo redistributivo para um paradigma norteado
pelo investimento. Soma-se a essa dificuldade de transição para uma estratégia
de investimento com inclusão social, o fortalecimento cada vez mais incisivo da
retórica ortodoxa de diversos economistas - serviçais do mercado financeiro - e
de setores conservadores da imprensa corporativa, contrários ao aumento dos
gastos sociais, que reduziram substancialmente as desigualdades nos últimos
anos.
São de reconhecimento público as graves distorções da Nova Matriz
Macroeconômica por meio de desonerações fiscais, que acabaram resultando
em enormes transferências de recursos para a indústria sem contrapartida na
maior produção industrial, acarretando a perda da credibilidade do Tesouro para
fazer políticas fiscais contracíclicas (PAULA, 27/01/2016). Além disso, na maioria
das vezes o governo concedeu, a partir do BNDES, benefícios e subsídios ao
empresariado industrial sem transparência orçamentária, metas de
desempenho, avaliação criteriosa dos resultados e revisão diante de (possíveis)
fracassos. Ou seja, o governo careceu de maior controle de resultados e
capacidade de gestão. O retorno do empresariado (aos subsídios estatais) em
termos de geração de empregos e fomento ao investimento foi irrisório. A
despeito das distorções desta política econômica heterodoxa, da deterioração
dos indicadores econômicos e do baixo crescimento acumulado desde 2011, é
crucial salientar que ela inseriu a dimensão social no centro das políticas de
1897

planejamento governamental. Conforme mostra o gráfico 1, em dezembro de


2014, ela propiciou a mais baixa taxa de desemprego em toda a História do Brasil
Página

contemporâneo, de 4,3% (IBGE, 2016a). Ademais, preservou os ganhos de


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renda real dos trabalhadores, reduziu a pobreza extrema e deu continuidade à


política de valorização do salário mínimo, em clara contraposição às políticas
econômicas do Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1964-1985) e das
Reformas de Mercado (1990-2002). Infelizmente, esses fatores inovadores são
negligenciados pelos cardeais da ortodoxia convencional, cuja prioridade é o
pagamento de juros da dívida para o mercado financeiro, em detrimento dos
mais pobres e da integridade do tecido social da democracia brasileira.

Gráfico 1. Taxa de desocupação (%) dos meses de dezembro (2002-2014)


1898
Página

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Fonte: IBGE

Sem uma inflexão desenvolvimentista operada pelo planejamento


governamental do Novo Desenvolvimentismo Democrático, os seus efeitos
positivos no longo prazo seriam inviáveis. Acima de tudo, tal reconfiguração
elucida a centralidade do intervencionismo estatal e do regime político
democrático na direção do crescimento econômico com distribuição de renda e
inclusão social da grande parcela da população historicamente marginalizada
pelo Estado brasileiro e suas elites dirigentes. Assim, no período 2004-2014, a
distribuição de renda captada pela PNAD melhorou a cada ano: a média cresceu
e a desigualdade diminuiu. A pobreza, medida por várias linhas, também caiu.
Portanto, com relação à média da renda domiciliar per capita, a preços de junho
de 2011, a média passou de R$ 549,83/mês em 2004 para R$ 861,23/mês em
2014. O crescimento real foi de 56,6%, 4,6% ao ano. Levando os valores para
preços de dezembro de 2011, pode-se usar o fator de Paridade do Poder de
1899

Compra para consumo privado, calculado pelo Banco Mundial, para converter os
valores de reais para dólares internacionais. Multiplicando o valor mensal obtido
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por 12, e dividindo por 365, tem-se que a renda média passou de US$ 11,13/dia
para US$ 17,44/dia (IPEA, 2015).

Gráfico 2. Média da renda domiciliar per capita mensal a preços fixos de junho de
2011 – Brasil (2004-2014)

R$ 1.000 2014
R$ 861

R$ 800

R$ 600
2004
R$ 550
R$ 400

R$ 200

R$ 0
2004 2006 2008 2011 2013

Fonte: elaboração própria com base em IPEA (2015)

A despeito das medidas favoráveis ao empresariado industrial e das


possíveis convergências entre este setor e o viés desenvolvimentista do governo
Dilma Rousseff, os industriais foram progressivamente se afastando da
presidente, alinhando-se lenta e continuamente ao bloco rentista de oposição.
Cresceu entre eles a ideia de que se tratava de mandato “intervencionista”, que
inviabilizava os investimentos e não criava confiança103. O irônico é que a

103 A presidente teria aberto excessivas frentes de luta simultaneamente. Ao longo de muitos
meses, entre 2011 e 2012, Dilma, em pessoa, dedicou-se ao microgerenciamento dos projetos
1900

de ferrovias e rodovias envolvidos no Programa de Investimentos em Logística (PIL). Desejava


garantir que as concessões a serem realizadas, por meio de parcerias público-privadas, não
resultassem em privatização. Ao mesmo tempo, pretendia que houvesse limitação do lucro, por
meio da chamada “modicidade tarifária”. Os mesmos princípios foram aplicados para impor
Página

limites de ganho às empresas envolvidas na produção de energia elétrica, quando decidiu


reordenar o setor em 2012 e baratear o preço da energia em 20%. Nos dois casos, certamente
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intervenção, que de fato houve, visava atender aos próprios industriais. Estava
em curso, portanto, a dissolução da coalizão produtivista e a formação da frente
única burguesa antidesenvolvimentista (SINGER, 2015). Diante do insuficiente
desempenho econômico do país, a coalizão financeiro-rentista recuperou as
suas forças e os economistas a ela vinculados passaram a “explicar” o baixo
crescimento, que seria consequência da política industrial, sobretudo da política
de desonerações, que “confundiria” os empresários e os levaria a não investir.
Tal explicação não fazia sentido, todavia obteve certa credibilidade com a
redução do superávit primário e o aumento da inflação. Logo a burguesia rentista
e seus economistas liberais buscaram cooptar para sua causa os empresários,
embora seus interesses sejam conflitantes, enquanto a presidente mostra
dificuldade em fazer com eles o pacto político desenvolvimentista (BRESSER-
PEREIRA, 2013ab) ou construir uma coalizão de classes desenvolvimentista
(DINIZ, 2013).

OS IMPACTOS DAS POLÍTICAS DE PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL


SOBRE A (INÉDITA) DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASIL: VISÕES
ACERCA DA EMERGÊNCIA DA “NOVA CLASSE MÉDIA”

As reverberações sociais das políticas públicas de planejamento


governamental do Novo-Desenvolvimentismo Democrático ensejaram um
intenso debate entre intelectuais de campos diversos do conhecimento, como
economistas, sociólogos e cientistas políticos. Dado o viés inclusivo das políticas
de planejamento governamental e intervencionismo estatal dos últimos anos, o
debate centrou-se no caráter contraditório e limitado da incorporação social dos
mais pobres ao mercado doméstico de consumo de massas.
1901

movida pelo interesse público, feriu interesses privados que foram se juntar ao bloco rentista no
Página

momento em que a “batalha do spread” motivava crescentes ataques do setor financeiro ao


“intervencionismo” (SINGER, 2015).
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Tendo em vista o processo vigoroso de inclusão social, fruto de decisão


política que resultou na retirada de mais de 35 milhões de brasileiros da extrema
pobreza e sua posterior ascensão à “Nova Classe Média” (ou Classe C), diversos
intelectuais, economistas, sociólogos, filósofos e cientistas políticos expuseram
as suas concepções sobre este fenômeno social. A partir de então, analisaremos
como a temática da Classe C entrou na agenda pública e como ela foi
operacionalizada pelos economistas do governo e pelos intelectuais. Embora
perscrutando-as, a proposta aqui é divergir das análises de cunho economicista,
reducionista e ancoradas no senso comum. Trata-se de investigar as
potencialidades e tensões subjacentes à ascensão das classes populares à
dinâmica de funcionamento do capitalismo brasileiro assentado no mercado
interno, que adquiriu uma saliência importante na última década dado o seu
caráter inédito na História brasileira. O fenômeno social da Classe C é muito
mais complexo, candente e multifacetado do que sugere a retórica midiática,
jornalística e economicista.
O economista Marcelo Neri, pesquisador do Centro de Políticas Sociais
da Fundação Getúlio Vargas (CPS/FGV) e ex-presidente do IPEA, constatou o
aumento significativo da renda dos mais pobres no Brasil ao longo dos anos
2000. O autor desenvolveu um modelo de estratificação baseado no “Critério
Brasil”, que levava em consideração principalmente a renda e o potencial de
consumo para dividir as classes brasileiras. Assim, de acordo com Neri, de 2003
a 2011, um total de 40 milhões de pessoas ingressaram na Classe C, e a
previsão é de mais 13 milhões entre 2012 e 2014. Mudanças de classes
projetadas entre 1993 e 2014 indicam 21 milhões de pessoas migrando para as
classes A e B, ao passo que 73 milhões para a classe C. Neste mesmo período,
44 milhões de brasileiros saíram das classes D e E. Estas de fato configuram
1902

décadas inclusivas depois da chamada “década perdida” brasileira dos anos


1980 e começo dos anos 1990, marcadas pelo desemprego, recessão e
Página

estagnação (NERI, 2010, 2011ab; 2012).


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Gráfico 3. A Pirâmide Populacional e Classes Econômicas - 1993 e 2014

Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE

Importante ressaltar que Neri considera que as famílias constituem a


unidade básica de observação do economista e refuta o conceito de classe
social, operando meramente com “estratos econômicos”, de conotação
exclusivamente quantitativa e mercadológica104, o que lhe renderá críticas
1903

104A maioria dos dados quantitativos mobilizados por Neri é oriunda do CPS/FGV com base nos
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micro dados da PNAD/IBGE, do PNUD e da Pesquisa Mensal de Empregos (PME/IBGE), que


conferem embasamento às constatações acima.
O PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL DO NOVO
DESENVOLVIMENTISMO DEMOCRÁTICO: AUGE E CARLOS EDUARDO SANTOS PINHO
DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)
CARLOS EDUARDO SANTOS PINHO
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AUGE E DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)

contundentes do sociólogo Jessé Souza. Segundo ele, o tema das relações entre
as classes sociais no Brasil - único que pode permitir uma concepção crítica do
Brasil contemporâneo - é ainda hoje dominado e obscurecido por leituras
“economicistas”. O “economicismo” é a crença explícita ou implícita de que a
variável econômica por si esclarece toda a realidade social. Deste modo, a
construção do conceito de uma “nova classe média” por Marcelo Neri carece de
qualquer reflexão analítica aprofundada, na medida em que o autor toma o
“rendimento médio” como indicador daquilo que ele chama de classe C ou “nova
classe média”. Sem um estudo da “socialização anterior”, que explica a
incorporação de certo tipo de capital cultural, tem-se que, necessariamente,
pressupor que todos são iguais, um homo economicus que reage sempre do
mesmo modo, um “sujeito genérico”, o qual é, no fundo, o sujeito típico do
liberalismo clássico – sem passado, sem socialização prévia e, portanto, sem
classe – que o economista engajado compra sem saber. “Nova classe média” é
uma noção superficial e triunfalista que, ao reduzir às classes à sua renda,
simplesmente esquece o principal: as relações de dominação que fazem com
que alguns monopolizem todos os privilégios enquanto outros são excluídos
(SOUZA, 2015).
Dando prosseguimento à perspectiva crítica ensejada por Jessé Souza,
diversas pesquisas empíricas publicadas por Célia Lessa Kerstenetzky em
coautoria com outros autores, com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares
(POF/IBGE), têm mostrado que a ascensão das camadas populares ao consumo
de massas não configura a existência de uma nova classe média. Em artigo
recentemente publicado em Brazilian Political Science Review,
KERSTENETZKY, UCHÔA e VALLE SILVA (2015) apresentam um conjunto
mais amplo de elementos que implicam as ideias de padrões de consumo como
1904

proxies ao estilo de vida. Junto com a literatura crítica, as observações do novo


ângulo não apoiam o diagnóstico otimista de que os pobres migraram em massa
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para a “nova classe média”. A maioria deles parece ter terminado bastante
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vulnerável ou mesmo (padrão de vida) pobre. A hipótese é que uma proporção


considerável das pessoas que estão no critério de renda média e que foram
classificadas sob o rótulo de nova classe média estão mais como um estrato
social vulnerável do que um estrato de classe média bem estabelecido quando
os padrões de consumo são considerados. A intenção é verificar a equivalência
entre as percepções socialmente compartilhadas e a classificação estatística
baseada na renda. Para este fim, os autores combinaram os marcadores105 com
a informação disponível na base de dados da POF/IBGE. Dado que esta base
de dados fornece informações sobre os orçamentos familiares, a ênfase incidiu
sobre os padrões de consumo. Em variáveis como planos de saúde privados,
conta corrente com cheque especial, escola privada, internet em casa e
empregada doméstica, pobres e não pobres, do primeiro (até R$ 658,59) ao
quinto estrato de rendimento (R$ 3.375,71 a R$ 4.537,37), incluindo o grupo
“nova classe média” como um todo, compartilham uma situação semelhante: a
maioria de suas famílias simplesmente não têm acesso a esses recursos. Esta
camada social é, portanto, nitidamente heterogênea, a maioria dela sendo similar
em seus padrões de consumo aos estratos economicamente vulneráveis ou
totalmente pobres. Portanto, há muitos problemas com a identificação positiva
de uma “nova classe média” no Brasil, na medida em que não é correto
classificar a população que somente emergiu da pobreza para um estrato social
tradicionalmente caracterizado pela segurança econômica e por padrões de
consumo e estilos de vida distintos (KERSTENETZKY, UCHÔA e VALLE SILVA,
2013; 2015).
1905

105Por trás de marcadores como casa própria com padrões elevados de habitação; acesso ao
crédito; educação universitária e demanda privada por bens providos pelo Estado está a intuição
de Bourdieu de que classe média significa não exatamente um padrão de consumo, mas um
estilo de vida, que envolve diferenciação/distinção: morar “bem”, ter uma educação “distintiva”,
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consumir serviços “de qualidade”, ter acesso a “capitais”, entre outros (UCHÔA e
KERSTENETZKY, 2012).
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Em artigo publicado em Dados – Revista de Ciências Sociais e intitulado


Quem é Classe Média no Brasil? Um Estudo sobre Identidades de Classe, o
sociólogo André Salata constata que a maior parte dos brasileiros se vê entre a
classe baixa/pobre e a “classe média”. O autor toma como objeto de análise não
somente as identidades de classe, mas, também, as percepções dos indivíduos
sobre o que os mesmos consideram ser necessário para fazer parte da classe
média. Há uma aparente desconexão entre a denominação que vem sendo
utilizada e as percepções dos brasileiros em geral e, mais especificamente, dos
indivíduos que fazem parte da camada intermediária de renda. É importante
ressaltar, desde já, a pequena porcentagem de pessoas que se classificam como
classe média alta ou classe alta, o que pode ser um primeiro indicador de que,
no Brasil, a classe média é tomada quase como um limite superior. A análise
mostra que no Brasil a classe média - ao menos na condição de uma coletividade
com a qual os indivíduos se identificam, e são identificados - não corresponde
às características dos setores intermediários (intervalo de renda “C”) da
população brasileira; ao contrário, ela estaria muito mais próxima do perfil “AB”,
dos indivíduos e famílias mais abastados (SALATA, 2015).
Como ressaltado no início desta seção, a emergência das camadas
populares ao mercado de consumo de massas na última década foi um
fenômeno social complexo e multifacetado, produto da intervenção estatal
planejada e deliberada. Porém, diferentemente do discurso do senso comum
midiático e economicista que referenda a existência de uma “nova classe média”,
o que a literatura especializada e atualizada mostra é que, apesar dos ganhos
de renda, este segmento social é vulnerável às contingências econômicas,
possui baixa escolaridade e está inserido de forma precarizada no mercado de
trabalho. De fato, muito ainda precisa ser feito em termos de planejamento e
1906

aprimoramento de políticas públicas para evitar o retrocesso social deste setor


expressivo da sociedade brasileira, que é o que vem se realizando, como
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mostrará a próxima seção deste capítulo.


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O ESGOTAMENTO DO PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL: AUSÊNCIA


DE REFORMAS ESTRUTURAIS, RESILIÊNCIA DO NEOLIBERALISMO E
DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS

O esfacelamento do planejamento governamental do Novo


Desenvolvimentismo Democrático, que irrompe entre o final de 2014 e o início
de 2015, é causado por uma sucessão de componentes (a)diversos, contudo
complementares, que vêm resvalando para o declínio das capacidades estatais
de implementação de politicas públicas de longa duração. Logo abaixo, serão
explicados cada um deles.
Primeiramente, o crescimento econômico em notória desaceleração nos
últimos quatro anos minou gradualmente a arrecadação do Estado brasileiro e
deteriorou sua capacidade fiscal. Dados da Receita Federal mostram que a
arrecadação de tributos e contribuições federais encerrou o ano de 2015 em R$
1,221 trilhão, constituindo uma queda real de 5,6% em 2015 em relação a 2014.
Neste ano, os tributos federais recolhidos somaram R$ 1,274 trilhão, menor valor
desde 2010, considerando valores atualizados pela inflação (IPCA). Mais uma
vez, o resultado reflete o impacto da retração econômica em 2015, que derrubou
a produção industrial e as vendas de bens e serviços (FOLHA DE SÃO PAULO,
21/01/2016, 26/06/2015; O GLOBO, 21/01/2016; REUTERS, 17/11/2015). Os
gastos financeiros dispararam com a alta dos juros promovida pelo Banco
Central para conter a inflação. Em 2015, o setor público gastou R$ 501,8 bilhões
com o pagamento de juros, o equivalente a 8,46% do PIB. Trata-se de um forte
aumento (61%) em relação ao gasto de R$ 311,380 bilhões registrado um ano
antes (EL PAÍS BRASIL, 16/06/2015; ESTADÃO, 29/01/2016; FINANCIAL
TIMES, 06/11/2015; FOLHA DE SÃO PAULO, 03/05/2015). As receitas do
1907

Estado disponíveis para o prosseguimento das políticas expansionistas


tornaram-se escassas. Como as principais despesas federais (salários,
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aposentadorias, benefícios assistenciais e transferências a estados e


municípios) são obrigatórias, o ajuste fiscal em curso se concentra em
investimentos. A redução da desoneração da folha de pagamentos e o aumento
dos juros do BNDES para o empresariado industrial vêm provocando a reação
da FIESP e da CNI, que defendem o arrocho no âmbito do controle do gasto
público e não no aumento da tributação e no corte do investimento (G1,
27/02/2015).
Diante da eleição presidencial mais acirrada desde a redemocratização,
em 1985, a vitória da coalizão desenvolvimentista liderada por Dilma Rousseff
(PT) sobre o candidato Aécio Neves (PSDB), representante da coalizão
liberal/rentista, ocorreu em meio ao maior escândalo de corrupção na Petrobrás.
Este é o segundo fator responsável pelo declínio do planejamento de amplo
alcance, que envolveu a principal empresa brasileira, grandes conglomerados
econômicos de obras públicas (como OAS, Andrade Gutierrez, UTC, Camargo
Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, Engevix, Iesa, Galvão Engenharia e
Odebrecht), burocratas estatais e agremiações políticas da coalizão
governamental. Tal crise abarca as complexas relações entre grandes
construtoras - cujos processos de constituição, consolidação e
internacionalização remontam ao Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário106
(1964-1985) - e o Estado brasileiro por meio de vultosos contratos com a
Petrobras. Tendo em vista os seus desdobramentos econômicos e políticos
danosos, o escândalo de corrupção da Petrobrás vem abalando a capacidade

106 Convém reiterar que foi durante o regime militar, sobretudo no “milagre econômico” (1967-

1973), que as empreiteiras foram beneficiadas pelas políticas de proteção e incentivo estatal,
1908

tornando-se conglomerados monopolistas de projeção nacional e internacional. A Petrobras


tornara-se a principal contratadora das obras do governo federal. A elaboração dos editais
reforçava o processo de concentração do mercado de construção pesada em poucas empresas,
que constituíam cartéis. Havia uma tendência à conglomeração e ramificação, ou seja, a atuação
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das empreiteiras em ramos paralelos à construção para fugir dos fornecedores mediante a
produção de materiais usados nas obras ou comercialização dos mesmos (CAMPOS, 2014).
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de intervenção do Estado na promoção de políticas públicas107. A paralisação


das obras efetuadas por essas grandes empreiteiras vem impactando fortemente
a economia nacional e os investimentos em infraestrutura, que são vitais para o
aumento da competitividade e produtividade da economia de maneira a instaurar
um novo ciclo de desenvolvimento. Tais investimentos são elementares para a
transição de um modelo ancorado no consumo para outro que tenha no
investimento o seu ponto fulcral.
Em terceiro lugar, a crise político-institucional se agrava cada vez mais
tendo em vista as fraturas na coalizão governativa suscitadas pela ruptura do
PMDB – principal partido da “base aliada” – com o governo federal. Essa crise
política de proporções monumentais envolve os Três Poderes da República:
Executivo, Legislativo e Judiciário. Soma-se a este cenário político-institucional
adverso a fraqueza, o baixíssimo índice de popularidade da chefe do Executivo
bem como as articulações da oposição com setores rebelados da coalizão de
governo para levar a efeito o impeachment da presidenta reeleita
democraticamente. A crise política assinala óbito, expõe as vísceras e acentua
o estado de degradação do “presidencialismo de coalizão” (ABRANCHES, 1988)
enquanto dilema institucional brasileiro. A grave crise institucional advinda das
dissensões nas relações Executivo/Legislativo vem gerando paralisia decisória
e ameaçando a governabilidade democrática, com reverberações
socioeconômicas e políticas gravíssimas, uma vez que a pauta das políticas
públicas perde centralidade na arena decisória das elites estatais.
Quarto, a ausência de reformas estruturais imprescindíveis não garante a
sustentabilidade do planejamento governamental de longo prazo no Brasil, tais
como a democratização da propriedade fundiária, a tributação progressiva, a
reforma política, o combate sistemático à sonegação fiscal dos mais
1909

107Além do aperto fiscal, as obras federais também desaceleraram por dificuldades financeiras
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de construtoras envolvidas na Operação Lava Jato, o que coincidiu com os atrasos nos
pagamentos do governo (O GLOBO, 26/04/2015).
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aquinhoados, a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, sobre o


capitalismo financeiro especulativo/apátrida bem como a realização de uma
auditoria da dívida pública. No tocante à “renúncia fiscal” da sonegação, o
Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) estima
que em 2014 sonegou-se R$ 500 bilhões. Em só 1 ano, os sonegadores
tomaram para si, do patrimônio público, o equivalente a 20 anos de Bolsa Família
(FOLHA DE SÃO PAULO, 04/08/2014; LEVY, 2015).
Em quinto lugar, há que se ressaltar a guinada na política
macroeconômica realizada pela coalizão desenvolvimentista reeleita que,
paradoxalmente, dedica-se a garantir o cumprimento fidedigno do programa de
ajuste recessivo da coalizão rentista a que fizera oposição durante toda a
campanha presidencial de 2014. Assim, revigoram-se as bases do velho tripé
macroeconômico para gerar superávit primário e viabilizar o pagamento da
dívida pública, reequilibrar as contas do governo, evitar o descontrole fiscal,
arrefecer a inflação via elevação da taxa de juros, restabelecer a confiança do
empresariado e do mercado financeiro internacional. Por um lado, o governo
argumenta que o ajuste será feito sem sacrificar as conquistas sociais dos
últimos 13 anos, como a redução da pobreza e da desigualdade, a política de
valorização do salário mínimo e a ascensão da “nova classe média”. Por outro
lado, os setores conservadores da oposição, os economistas/consultores do
capital financeiro e as grandes corporações midiáticas asseveram que o país
chegou a atual situação em razão do excesso de gastos públicos, da
“contabilidade criativa” e da irresponsabilidade fiscal, que contribuíram para a
degeneração das contas públicas. É um verdadeiro contrassenso a retórica de
preservação das conquistas sociais diante de um ajuste recessivo.
O aumento do desemprego e a queda do rendimento dos brasileiros já
1910

mostram impactos na mobilidade social. Com os salários subindo menos do que


a inflação, em torno de 35 milhões de membros da classe média baixa do Brasil
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estão vulneráveis. Isso contrasta com período precedente, marcado pela


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exportação de commodities, que ampliou as receitas estatais e propiciou a


confecção de uma rede de seguridade social multifacetada, incluindo a
ampliação do Bolsa Família, que contempla quase 14 milhões de famílias
pobres. Bem assim, foram concedidos aumentos reais do salário mínimo, em
média mais de 11% ao ano desde 2003, transferindo mais riqueza para a parte
inferior do espectro distributivo brasileiro. De acordo com o economista Marcelo
Neri, entre 2003 e 2013, a renda familiar média do Brasil cresceu 87% em termos
reais, em comparação com um aumento de 30% no produto interno bruto per
capita. Neste mesmo período, a classe média expandiu-se de 67,9 milhões para
112,6 milhões. Ao longo da última década, os trabalhadores conseguiram obter
uma fatia maior de uma torta em crescimento; agora, todavia, estão recebendo
uma fatia menor de uma torta que está crescendo a um ritmo muito mais lento.
O número de brasileiros endividados subiu para 57 milhões em setembro de
2015, ou 39% da população adulta do país, segundo o Serviço de Proteção ao
Crédito (SPC) (THE WALL STREET JOURNAL, 09/11/2015).
Visto esse quadro político, econômico e social adverso, que atua como
um óbice ao planejamento macroestrutural do Estado e da Nação, ao
interpretarmos o esgotamento do planejamento governamental à luz das
capacidades estatais - conceituadas por WEAVER e ROCKMAN (1993) na
introdução deste trabalho -, sobretudo a partir dos números 4, 5, 7, 8 e 9,
respectivamente, podemos identificar achados empíricos muito relevantes.
Primeiramente, o atual governo é marcado pela falta de coordenação de
objetivos em atrito, ou seja, não se comunica entre si e tampouco com a
sociedade que o reelegeu e que é objeto de políticas públicas. Por conta da
adoção de um programa econômico antagônico ao que fora proposto nas
eleições presidenciais, vem perdendo a sua base social e tampouco se aproxima
1911

dela.
Em segundo lugar, o governo mudou o rumo da política macroeconômica
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em 2012 e baixou as taxas de juros a fim de estimular a competitividade entre


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os bancos públicos e privados para reforçar o investimento produtivo e minimizar


o rentismo. Por parte da coalizão outrora desenvolvimentista, isso configurou
uma verdadeira inflexão ao tentar domesticar o capitalismo financeiro. Não
obstante essas iniciativas relevantes, o governo vem sendo incapaz de impor
perdas a grupos poderosos, propiciando que a ortodoxia fiscal e o rentismo
financeiro usufruam de hegemonia no Brasil, em detrimento da sociedade e de
uma visão estratégica de ampla dimensão.
Terceiro, o governo reeleito vem representando e satisfazendo – mediante
sucessivas elevações da taxa de juros - os interesses poderosos e mais
organizados do capitalismo rentista/parasitário vinculado às finanças
internacionais e integralmente dissociado dos interesses nacionais. Por outro
lado, os interesses difusos e menos organizados provenientes da sociedade são
relegados a um patamar secundário dado o perfil insulado, centralizado e pouco
propenso a negociações da Presidência da República.
Quarto, a estabilidade política, essencial para que as políticas públicas
possam ter tempo de maturação na sua implementação, constitui a exceção num
contexto de escândalos de corrupção envolvendo a classe política, burocratas
do Estado, grandes conglomerados econômicos e elites empresariais. A crise
política e institucional se agrava cada vez mais tendo em vista as fraturas na
coalizão governativa, os conluios golpistas, a paralisia decisória e a interrupção
do mandato da presidente reeleita democraticamente por meio de um golpe
parlamentar revestido de legitimidade democrática.
Em quinto e último lugar, o governo vem sendo incapaz de gerenciar
divisões políticas no seio de sua tecnoburocracia formuladora da política
macroeconômica, de modo a garantir que não haja atritos internos. Um exemplo
é o conflito entre o Ministro da Fazenda, Joaquim Levy; por um lado, e a ala
1912

política do governo e do Ministério do Planejamento - encabeçado por Nelson


Barbosa - acerca do tamanho do aperto nas contas públicas para garantir o
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cumprimento da meta de superávit primário em 2015, ou seja, a economia para


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o pagamento dos juros da (imensa) dívida pública do Estado brasileiro. Embora


Nelson Barbosa tenha obtido êxito neste conflito e sido posteriormente alçado
ao principal cargo do Ministério da Fazenda, após a saída do ortodoxo Joaquim
Levy, não há garantias de mudança de rota no sentido de uma guinada
desenvolvimentista na política macroeconômica, tendo em vista as pressões do
mercado financeiro, do bombardeio sistemático da grande imprensa e das
expectativas negativas dos agentes econômicos para a retomada do
investimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de quatro temas macroestruturais, estratégicas e centrais, o


propósito deste paper foi analisar o Planejamento Governamental do Novo
Desenvolvimentismo Democrático (2003-2016). O primeiro diz respeito à
chegada inédita à Presidência da República de um líder sindical e trabalhista,
que retoma o papel protagonista do Estado na promoção do desenvolvimento e
elege a dimensão social como prioridade das políticas públicas. Não obstante,
tendo em vista o clima de terrorismo perpetrado pelo mercado financeiro, Lula
adotou políticas tão ou mais ortodoxas que o seu antecessor, a fim de controlar
a inflação, estabilizar a macroeconomia, garantir um superávit primário robusto
para o pagamento dos juros da dívida pública e acalmar os investidores
especulativos.
O segundo concerne à inflexão heterodoxa operada na política
macroeconômica, propiciando um amplo processo de inclusão social sustentado
no longo prazo, que ampliou a rede de proteção social, instituiu uma política de
valorização do salário mínimo, retraiu as desigualdades históricas e a extrema
pobreza. O Estado dotou-se de capacidades institucionais e burocráticas para o
1913

planejamento do desenvolvimento capitalista com distribuição de renda e


inclusão social. A ação política democrática efetivamente fez a diferença. No
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Novo Desenvolvimentismo Democrático, o país projetou-se internacionalmente


e foi o que mais reduziu as desigualdades sociais entre os BRICs, sobretudo na
década de 2000. Certamente isso seria impossível se o Brasil adotasse
acriticamente o obsoleto receituário neoclássico e fiscalista dos anos 1990.
Mesmo num contexto de baixo crescimento do PIB, o governo Dilma manteve os
ganhos de renda dos trabalhadores, a política de valorização do salário mínimo,
fortaleceu os programas sociais de transferência de renda e dotou o Estado de
capacidades para reduzir significativamente a pobreza extrema no país,
inaugurando a primeira geração de crianças que não passaram fome e estão na
escola.
O terceiro problematiza os impactos distributivos das políticas de
planejamento governamental, que resultaram na emergência de mais de 35
milhões de brasileiros à “Nova Classe Média”, configurando a criação de um
mercado doméstico de consumo de massas, um dos objetivos centrais do
programa de governo do PT. À luz de um debate entre economistas, de um lado;
sociólogos e cientistas políticos, de outro; procurou-se desmistificar a retórica
economicista, governamental e do senso comum midiático que sustenta a
existência de uma “Nova Classe Média” no Brasil. Mais do que isso, explorou-se
o perfil multidimensional, complexo e precarizado das classes populares que, na
última década, tiveram acesso ao mercado de bens de consumo duráveis via
aumento do salário mínimo, políticas sociais focalizadas, transferências
governamentais e acesso ao crédito. Em hipótese alguma, essas camadas
trabalhadoras podem ser equiparadas à classe média tradicional, que usufrui de
segurança econômica, padrões de consumo e estilos de vida distintos, como
escola privada para os filhos, empregada doméstica, planos de saúde, viagens
caras para o exterior nas férias etc. Ademais, possui capital cultural e tempo livre
1914

para se dedicar a aquisição de conhecimentos necessários ao êxito profissional


no mercado competitivo. Por outro lado, as classes trabalhadoras que emergiram
Página

durante o lulismo são marcadas por qualificação profissional e salários


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baixíssimos, moram em favelas majoritariamente, chegam a realizar dupla


jornada de trabalho, estudam em escolas públicas ruins e estão sujeitas a toda
sorte de exploração num mercado de trabalho ainda marcado pela volatilidade,
informalidade e rotatividade. Eis a classe de batalhadores típica do capitalismo
financeiro que goza de hegemonia no Brasil. Isso mostra o quanto é necessário
e indispensável o Estado brasileiro planejar estrategicamente políticas públicas
para este segmento que representa a maioria da população, mas que usufrui de
serviços públicos (educação, saúde, moradia, saneamento básico, transporte
público) de qualidade muito precária. A ênfase no consumo individualista “da
porta para dentro” e não no consumo universal “da porta para fora” somente
perverte a capacidade de o Estado prover bens públicos de qualidade e
universais para esse estrato social historicamente marginalizado pelas elites
dirigentes. A adoção de políticas macroeconômicas assentadas na austeridade
e na retração de direitos sociais (seguro desemprego e abono salarial), como as
iniciadas no fim de 2014, somente penalizam essa camada social. Isso faz com
que as políticas de inclusão de longo prazo que contribuíram para a emergência
dos mais pobres sejam desmontadas rapidamente e com impactos sociais
catastróficos.
O quarto e último tema macroestrutural diz respeito a uma miríade de
fatores que tem contribuído para o esgotamento do planejamento governamental
de longo prazo do Novo Desenvolvimentismo Democrático. Mais do que isso, ele
vem dando sinais de exaustão porque suas elites políticas que emergiram ao
poder em 2003 compactuaram com os setores mais retrógrados e arcaicos da
sociedade brasileira, e sequer contestaram as alianças tradicionais para
assegurar a governabilidade a todo custo. Foram incapazes de romper com o
tripé macroeconômico ortodoxo, que duplicou o desemprego em um ano,
1915

deteriorou a renda dos mais pobres e vem provocando a reversão do maior


legado social do planejamento de longo prazo no Brasil, que é a inserção de um
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vasto contingente de setores populares (outrora abandonados à própria sorte)


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ao mercado formal de trabalho. Num contexto de chantagem parlamentar, de


penetração do poder econômico na política, de conluio golpista, de crise fiscal
do Estado, de um escândalo de corrupção de grandes proporções econômicas,
de ausência de reformas estruturais como a taxação dos mais ricos e de
aguçamento do conflito distributivo, chegou-se a um patamar insustentável de
manutenção desta coalizão governativa fracionada, fragmentada e fraturada.
Prováveis soluções no campo progressista para minimizar os efeitos deletérios
da crise fiscal são fortemente rejeitadas pelo empresariado, pelas elites
parlamentares de oposição, pela fração financeira do capital e pela imprensa
conservadora.
Soma-se a isso a (tradicional) postura oportunista e curto-prazista do
empresariado industrial, que se retirou da coalizão política de sustentação do
Novo Desenvolvimentismo Democrático, suscitando a fratura do pacto social
desenvolvimentista. Além de ser contrária à instituição da CPMF e de defender
o corte de gastos públicos como medida de ajuste fiscal, a FIESP vem apoiando
publicamente – e juntamente com a grande imprensa - o impeachment da
presidente reeleita Dilma Rousseff. Portanto, configura-se a impossibilidade de
realização de uma coalizão, concertação ou pacto social de cunho
desenvolvimentista em virtude da degeneração dos indicadores
macroeconômicos, produtivos e sociais.
O fim do Novo Desenvolvimentismo Democrático assiste a um completo
descolamento entre os anseios empresariais – que primam pela precarização
dos direitos trabalhistas e pelo ímpeto autoritário/golpista, pervertendo a
natureza do regime político democrático – e as reivindicações dos trabalhadores
pela afirmação e aprimoramento dos direitos sociais. A postura autoritária do
empresariado brasileiro prevalece ao longo do tempo e suas demandas
1916

imperantes (ainda) são imediatistas, curto-prazistas e particularistas. Além de


imiscuir-se com as práticas rentistas do setor financeiro parasitário e boicotar o
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investimento produtivo por ser avesso ao risco, o empresariado referenda a sua


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propensão fortemente golpista, contribuindo para liquefazer a coalizão de


suporte ao Novo Desenvolvimentismo Democrático, após receber bilhões de
subsídios, incentivos e desonerações do Estado. Isso somente reitera o fato de
que a história do investimento no Brasil é a história do investimento público. O
investimento privado jamais tomou a iniciativa. Portanto, a impossibilidade de
consenso entre os atores estratégicos, a instabilidade política bem como o
agravamento do conflito distributivo diante da recessão tornam incertos e
erráticos os rumos do planejamento governamental de longo prazo no Brasil.
A partir de uma interlocução com Karl Polanyi, a análise do Brasil
contemporâneo aponta para a supremacia do princípio do liberalismo econômico
-, que visa estabelecer um mercado autorregulável por meio do laissez-faire
como método - sobre o princípio da proteção social (POLANYI, 2000). A
decrepitude dos indicadores sociais, o aprofundamento da recessão, o declínio
da renda dos mais pobres e a reversão do legado de inclusão dos últimos 13
anos sugerem que o que está em voga é uma grave crise do Estado do Bem-
Estar Social e a decomposição do planejamento governamental do Novo-
Desenvolvimentismo Democrático no Brasil. A crise - e a apatia decisória das
elites político-econômicas que a sucede - é potencializada pelo recrudescimento
das políticas recessivas de saneamento fiscal e financeiro instauradas nos anos
1990, quando da hegemonia do receituário neoclássico do Consenso de
Washington.

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DECLÍNIO DAS CAPACIDADES ESTATAIS (2003-2016)
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MURILO SANTOS DA SILVA
OS IMPACTOS DA INSTALAÇÃO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS DA UNICAMP EM
LIMEIRA/SP – PERCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DO ENTORNO E DEMAIS ATORES

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT 6
DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

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CIÊNCIAS APLICADAS DA UNICAMP EM LIMEIRA/SP –
PERCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DO ENTORNO E
DEMAIS ATORES

MURILO SANTOS DA SILVA


1930

Graduando em Gestão de Políticas Públicas -


FCA/UNICAMP. E-mail: silva.smurilo@gmail.com
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LIMEIRA/SP – PERCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DO ENTORNO E DEMAIS ATORES

RESUMO

O presente trabalho teve o intuito de analisar os impactos da instalação da


Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp em Limeira/SP. Para a coleta de
dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com a população
residente no entorno da Faculdade e também com autoridades-chave no
processo de instalação. Os resultados apontam que na percepção dos
moradores do entorno da Faculdade a sua instalação causou alguns impactos
para a região, sobretudo nas áreas de segurança pública e habitação, e revelam
que o público mais atingido por tais impactos foi a comunidade estudantil, pois
estes passaram a sofrer com furtos e roubos e também com os altos valores dos
aluguéis. Com base nos resultados, verifica-se a necessidade da incorporação
de dimensões multidisciplinares nas políticas públicas, e a importância de um
trabalho intersetorial entre os atores envolvidos na formulação e implementação,
a fim de que uma determinada política pública não venha a apresentar
consequências não-intencionais.

ABSTRACT

This paper’s intention was to analyze the installation of the Unicamp’s Applied
Science College and its impacts on its arounds in Limeira/SP. To collect the
information, many mesostructured interviews were made with the population
living around the College and also with some key-authorities during the
installation process. The results show that in the College around’s resident’s
perceptions, its installation caused some impact to the area, mainly when it
comes to public security and habitation, it also reveals the most reached public
1931

by those impacts was the students’ community, as they started going under theft
episodes and also the high renting prices. Based on the results it is verified the
Página

need of incorporating multi-disciplinary dimensions in the public politics, and the


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importance of an intersectoral job among the involved parts in the formulation


and implementation processes, willing that one determined public politic action
do not present unintended consequences.
1932
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INTRODUÇÃO

O Ensino Superior no Brasil passou por diversas mudanças nas últimas


décadas e sofreu influência de vários projetos, programas e leis, como por
exemplo: A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a Constituição Federal de 1988, o
Plano Nacional de Graduação (PNG) e o Plano Nacional de Educação (PNE). A
partir das mudanças ocorridas, o Conselho de Reitores das Universidades
Estaduais de São Paulo (CRUESP), no ano de 2001, passou a refletir sobre o
papel das Universidades Públicas Paulistas no ensino de graduação, e constatou
que apesar da USP, UNESP e UNICAMP serem responsáveis por metade das
produções científicas do país, a oferta de vagas no ensino de graduação
representava cerca de 5,5% do total (FERREIRA, 2013, p. 1-33). A fim
de melhorar o cenário, o CRUESP elaborou um documento intitulado “Expansão
do Sistema Estadual Público de Ensino Superior”, no qual constavam algumas
propostas, dentre elas: a expansão de vagas no ensino de graduação; criação
de novos campi universitários; oferecimento de cursos sequenciais e básicos;
apoio a cursos profissionalizantes; a formação de professores para o ensino
fundamental e a utilização de novas tecnologias para o ensino (PEDROSA, 2010,
p. 41). Para atender a política de
expansão de vagas e as propostas do CRUESP, as Universidades Estaduais
Paulistas (USP, UNESP e UNICAMP) iniciaram seus projetos, que além do
aumento no número de vagas nos cursos já existentes, resultou na criação de
novos cursos e construção de novos campi universitários por todo o Estado de
1933

São Paulo, foram eles: UNESP – Sete campi experimentais nas cidades de
Registro, Rosana, Dracena, Ourinhos, Itapeva, Tupã e Sorocaba/Iperó; USP –
Página

Um novo campus na Zona Leste da cidade de São Paulo e um segundo campus

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na cidade de São Carlos; UNICAMP – Um segundo


campus na cidade de Limeira, a Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA)
(CRUESP, 2005, p. 1-7). A Faculdade de
Ciências Aplicadas (FCA) da UNICAMP abriu suas portas no ano de 2009 com
oito cursos de graduação: Ciências do Esporte, Engenharia de Manufatura,
Engenharia de Produção, Gestão do Agronegócio, Gestão do Comércio
Internacional, Gestão de Empresas, Gestão de Políticas Públicas e Nutrição,
ofertando quatrocentos e oitenta vagas anuais (FCA, 2015). Midlej e Fialho
(2005, p. 186) enfatizam que:

Para instalação de instituições de ensino superior em


determinados locais, dada a sua natureza, são levados em
consideração aspectos infraestruturais materiais e sociais,
composição dos orçamentos públicos, estrutura de gastos
públicos, impactos sobre comportamentos individuais e
coletivos, sobre a economia, cultura, política e história
locais. Isto porque esses espaços detêm a
representatividade política e econômica e concentram os
setores mais dinâmicos de influência no seu entorno,
podendo gerar um fluxo multidimensional do “vivido”
territorial pelos membros daquela localidade, criando sua
territorialidade.

Nos anos 2000, com o anúncio da possível implantação de uma nova


unidade da UNICAMP no município de Limeira/SP, conforme o relato dos
moradores, o anseio da população local era de que a faculdade trouxesse muitos
benefícios estruturais, econômicos e sociais para a cidade e a expectativa da
1934

população era muito positiva em relação ao projeto.


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JUSTIFICATIVA

Atualmente a Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp está no seu


oitavo ano de funcionamento e não havia nenhum estudo que avaliasse qual foi
o impacto de sua instalação para a população do seu entorno. A partir de uma
busca bibliográfica preliminar percebeu-se também que os efeitos da instalação
de faculdades e universidades não são objetos privilegiados de estudos – o que
indica uma potencial lacuna na avaliação dos investimentos públicos em ensino
superior, a partir desta perspectiva.

OBJETIVOS

O objetivo deste trabalho foi identificar quais os impactos causados pela


instalação da Faculdade de Ciências Aplicadas da UNICAMP na percepção da
população dos bairros Jardim Morro Azul e Jardim Paulista da cidade de
Limeira/SP (Figura 1). Neste trabalho buscou-se identificar de que forma a
instalação do campus da Faculdade de Ciências Aplicadas veio a causar
possíveis consequências não-intencionais para uma população que não é direta
e imediatamente beneficiada com vagas na Universidade. As hipóteses iniciais
desta pesquisa eram de que dentre os possíveis impactos da instalação da
FCA/UNICAMP estavam: o aumento do custo de vida na região do entorno do
campus (aluguéis, supermercados, lojas), o aumento da criminalidade (furtos e
roubos) e o aumento dos ruídos (barulho de festas de estudantes e outras
desordens).
1935
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Figura 1: Entorno da Faculdade de Ciências Aplicadas, Morro Azul e Jardim

Paulista.
Fonte: Retirado do Google Maps108

METODOLOGIA
Este trabalho consistiu numa pesquisa de campo e o método utilizado na
coleta foi o qualitativo prospectivo, onde foram realizadas entrevistas
semiestruturadas, compostas por perguntas abertas, de opinião e percepção dos
moradores, referentes ao dia a dia, mudanças recentes e demais assuntos
relativos aos bairros do entorno. Para este grupo, inicialmente denominado de
atores impactados, foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) na forma verbal. O segundo grupo de entrevistados foi composto por
autoridades do poder público municipal e internas à Universidade, que de alguma
forma tiveram um papel importante na instalação da FCA/UNICAMP em
1936
Página

108Disponível em: https://www.google.com.br/maps/@-22.5577219,-47.4294382,17z Acesso em


27/01/2016.
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Limeira/SP. Para este segundo grupo, denominado de atores-chave, foi utilizado


o TCLE na forma escrita.
Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, foi submetida
e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de
Campinas, com CAAE nº 45987315.3.0000.5404, seguindo assim todos os
protocolos éticos estabelecidos para a coleta dos dados.
O método utilizado para a coleta foi o qualitativo, pois conforme afirma
Demo (2000, p. 152), “a pesquisa qualitativa quer fazer jus à complexidade da
realidade, curvando-se diante dela, não o contrário, como ocorre com a ditadura
do método ou a demissão teórica que imagina dados evidentes”.
Segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 195), as entrevistas são utilizadas
na investigação social para coletar dados a fim de identificar e solucionar
problemas sociais. De acordo com Best (1972, p. 172, Apud Marconi e Lakatos,
2003, p.196), utilizar entrevistas como instrumento “é muitas vezes superior a
outros sistemas de obtenção de dados”.
Foram realizadas 21 entrevistas com os moradores do entorno, residentes
na região há no mínimo sete anos, desde o início do funcionamento do campus,
os quais foram recrutados previamente junto às lideranças locais do bairro,
associação dos moradores e grupos religiosos. Foram entrevistados 5 atores-
chave no processo de instalação da FCA/UNICAMP, sendo que este grupo foi
composto por autoridades internas à Universidade e do Poder Público Municipal.
Por se tratar de uma pesquisa com Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido e que seguiu todos os protocolos estabelecidos pelo Comitê de Ética
em Pesquisa – CEP/UNICAMP, a identidade dos entrevistados ou qualquer
informação que indique a participação dos mesmos não serão fornecidas ao
1937

longo da apresentação dos resultados.

RESULTADOS
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ATORES
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Atores impactados

Para a análise dos dados coletados junto aos moradores, numa primeira
rodada os dados qualitativos foram transformados em quantitativos, a fim de que
fosse possível obter frequências que permitissem uma melhor visualização e
facilitassem o diálogo com os objetivos e hipóteses da pesquisa. Deste modo,
os resultados serão apresentados de forma quantitativa e qualitativa.
Para 57,1% (12) dos entrevistados, a simples ocupação do terreno onde
foi construída a Faculdade de Ciências Aplicadas já foi algo positivo, pois no local
existia um canavial, com muito mato e uma grande quantidade de lixo.
A ocupação do terreno melhorou a visão que se tinha da região, além de dar fim
ao canavial e ao lixo que incomodavam a população que vive no entorno, o que
indiretamente é motivo de melhora na saúde e qualidade de vida dos moradores.

Eu acho que o que teve de bom, é que assim a cidade


vende mais, os donos dos mercados, lojas, os comércios,
melhorou, restaurantes... E pra nós também (foi bom)
porque é um empreendimento que valoriza a cidade. Aí era
tudo canavial, até na Cidade Universitária ali (bairro) era
um depósito de lixo... Tinha um buraco onde jogavam as
coisas lá, morria criação (animais) jogavam lá, isso porque
o lixeiro passava três vezes por semana. Então melhorou
bem... De ruim só a violência, mas não contra nós
(moradores), mas com os alunos mesmo. Foi bom que
agora sempre tem uma base de polícia na porta da escola,
na pracinha (primeiro de maio), mas devia ter com mais
frequência e não só de vez em quando... Teve mais pontos
1938

positivos do que negativos, deu mais visibilidade pra


cidade, teve mais empreendimentos, mais empresas, o
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Estado vê mais a cidade por causa da Unicamp, os


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investimentos são maiores agora também, tanto que o


mercado imobiliário cresceu muito em Limeira...
(MORADOR(A) 09, 2016, p. 04)109

Para 19% (4), apesar de não apontarem pontos negativos referentes à


instalação da FCA, estes disseram que a vinda da Faculdade não mudou nada
em suas vidas e na realidade em que vivem, pois não estudam ou não tem
ninguém na família que estude e não foram beneficiados financeiramente com a
Faculdade, pois não possuem comércios e nem casas para alugar, mas
reconhecem sua importância para a educação e desenvolvimento do município.

Vou ser sincero com você, eu não tenho o que falar pra
você se pra mim foi bom ou se foi ruim... Eu não dependo
dali, não moro ali perto... Pra certas pessoas talvez tenha
sido bom, que tem filho estudando, mas pra mim não... Vou
dizer que não foi nem bom, nem ruim... Mas posso dizer
que foi bom... Porque só o nome (Unicamp) não tem nem
o que discutir, é cinco estrelas, um império, olha o tamanho
disso aí, vou falar o quê? É uma beleza... Fez uma limpeza
ali naquele terreno, era só cana e agora virou uma cidade,
só tenho que falar que está uma beleza, não tem o que falar
de ruim. Para muita gente aqui do Morro Azul foi bom...
(MORADOR(A) 12, 2016, p. 03)110
1939

109 ENTREVISTA MORADOR(A) 09. Disponível em: https://goo.gl/INuqso. Acesso em


01/06/2016.
Página

110 ENTREVISTA MORADOR(A) 12. Disponível em: https://goo.gl/kod0oI. Acesso em

01/06/2016;
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Figura 2: Mudanças ocorridas no bairro (Jardim Morro Azul e Paulista).

Fonte: Elaborada pelo autor.

Segundo o(a) Morador(a) 16 (2016, p. 01)111, “Vou falar pra você que eu
não vi mudança nenhuma, eu não acho que tem muita coisa aqui não, nesse
bairro aqui. ” Já para o (a) Morador (a) 25 (2016, p. 01)112, “O ‘negócio’ de polícia
ali (1 DP), centro comunitário... mercado, farmácia... mudou bastante coisa...”.
O(a) Morador(a) 11 (2015, p. 01)113 disse que “A única coisa que mudou foi a
vinda da Faculdade, porque o nosso cartão de visita aqui (praça primeiro de
maio) nunca muda.” No
que se refere às mudanças estruturais, apesar dos moradores não associarem
diretamente à instalação da FCA/UNICAMP, parte destas mudanças estão
ligadas à sua construção na região.
1940

111 ENTREVISTA MORADOR(A) 16. Disponível em: https://goo.gl/NoCjWU. Acesso em


01/06/2016.
112 ENTREVISTA MORADOR(A) 25. Disponível em: https://goo.gl/mqnqMh. Acesso em

01/06/2016;
Página

113 ENTREVISTA MORADOR(A) 11. Disponível em: https://goo.gl/5VRJes. Acesso em


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Os moradores também foram questionados sobre quais foram as


principais mudanças observadas no bairro após a instalação da FCA, sendo que
nesta pergunta poderiam citar mais de uma mudança.

Figura 3: Mudanças no bairro após instalação da FCA/UNICAMP.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Eu pensei que com os estudantes vindo pra cá fosse ter


mais comércios... Que melhorasse nesse aspecto. Mas o
que mudou é que ficou mais bonito, eu abro minha janela
e vejo a Faculdade, acho tão bonito, até fico olhando e
imaginando quando que em frente da minha casa iria ter
uma Faculdade dessa... Agora tem mais policiamento,
passa mais polícia aqui... Tem mais segurança, ficou muito
melhor assim. Ficou mais bonito, valorizou muito as casas,
eu não vendi a minha porque não queria sair daqui, mas
1941
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teve muita gente que vendeu, porque valorizou muito aqui


depois da Faculdade. (MORADOR(A) 17, 2016, p. 04)114
Figura 4: Custo de vida no bairro (Jardim Morro Azul e Paulista).

Fonte: Elaborada pelo autor.

De acordo com o(a) Morador(a) 23 (2016, p. 01)115 “Aqui é mais caro... eu


sei que nesse mercadinho da rua... ali as coisas são “salgadas” (caras)...” Já
para o(a) Morador(a) 05 (2015, p. 01)116, “Tem mercado aqui que eu compro
algumas coisinhas, mas minha filha vai mais no Enxuto (Supermercado)...
Eu acho que o preço regula com os outros supermercados, uma coisa é mais
barata aqui e mais cara ali... e às vezes tem coisa aqui que é até mais barata”.
Nenhum dos entrevistados associou o aumento ou diminuição do custo
de vida com a instalação da FCA na região.
1942

114 ENTREVISTA MORADOR(A) 17. Disponível em: https://goo.gl/6pdJ6l. Acesso em


01/06/2016;
115 ENTREVISTA MORADOR(A) 23. Disponível em: https://goo.gl/lIog1k. Acesso em 01/06/2016;
Página

116 ENTREVISTA MORADOR(A) 05. Disponível em: https://goo.gl/nf8gHV. Acesso em

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Figura 5: Valores dos aluguéis na região.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Essa região é muito procurada e cara... mais pro centro é


mais barato, a turma fala... Eu acho caro, meu aluguel aqui
eu até fiquei brava com a moça, porque eu moro aqui há
tantos anos, pago certinho e o aluguel de R$520 foi pra
R$700 (de um ano para o outro), eu acho um absurdo... E
aqui é quatro cômodos... (MORADOR(A) 26, 2016, p.
02)117
1943
Página

117 ENTREVISTA MORADOR(A) 26. Disponível em: https://goo.gl/PeCTDV. Acesso em:


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Figura 6: Causas dos altos valores dos aluguéis na região.

Fonte: Elaborada pelo autor.

De acordo com o(a) Morador(a) 02 (2015, p. 01)118, o valor do aluguel no


bairro “Aumentou, principalmente depois dessa escola aí (FCA). Ali mesmo...
essa casa está aumentando por causa de estudantes...”. Segundo o Morador(a)
21 (2016, p. 01)119, “Tem muito estudante... casas pra alugar pra estudantes...
Quem é que vai pagar também? “Puxa” dinheirão... (sempre foi caro ou isso
aconteceu nos últimos anos?) Nos últimos anos, nossa, agora está um
absurdo...”
1944

118 ENTREVISTA MORADOR(A) 02. Disponível em: https://goo.gl/LroHW3. Acesso em


01/06/2016;
Página

119 ENTREVISTA MORADOR(A) 21. Disponível em: https://goo.gl/1lKN7M. Acesso em

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Figura 7: Residência dos entrevistados.

Fonte: Elaborada pelo autor.

A maioria dos moradores do bairro residem em casas próprias há muitos


anos, então estes não sofreram com o aumento dos aluguéis observado após a
instalação da FCA/UNICAMP na região. Mas, como proprietários, acabaram se
beneficiando da valorização imobiliária ocorrida no entorno.
1945
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Figura 8: Percepção de violência/crimes no bairro.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Segundo o(a) Morador(a) 10 (2015, p. 02)120, “Até que melhorou, aqui não
tem muita violência.” Já para o(a) Morador(a) 24 (2016, p. 02)121, “Em vista de
outros não, aqui é mais tranquilo. Furto tem, mas não é sempre, mas a gente
ouve falar”.
1946

120 ENTREVISTA MORADOR(A) 10. Disponível em: https://goo.gl/wyDZZp. Acesso em


01/06/2016;
Página

121 ENTREVISTA MORADOR(A) 24. Disponível em: https://goo.gl/UzK8sD. Acesso em

01/06/2016.
OS IMPACTOS DA INSTALAÇÃO DA FACULDADE DE
CIÊNCIAS APLICADAS DA UNICAMP EM LIMEIRA/SP –
MURILO SANTOS DA SILVA
PERCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DO ENTORNO E DEMAIS
ATORES
MURILO SANTOS DA SILVA
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LIMEIRA/SP – PERCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DO ENTORNO E DEMAIS ATORES

Figura 9: Assaltados a moradores.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Figura 10: Possíveis causas de assaltos na região (Jardim Morro Azul e


1947

Paulista).
Fonte: Elaborada pelo autor.
Página

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De acordo com o(a) Morador(a) 03 (2015, p. 02)122, “Falam que depois


que fez a Faculdade aumentou muitos mais (os assaltos), sempre tem algum
“assaltinho” por aí, eu fico sabendo muito pouco porque pouco saio à noite,
sempre tem sim, a gente escuta falar que roubam repúblicas...”.

É, mas assim... Eu acho que eles atacam mais estudantes,


por isso que o mato alto contribui... Acho que é mais pra
estudantes o perigo, pra gente também tem que se
policiar... Mas os mais visados são os estudantes... Mais
repúblicas e estudantes. (MORADOR(A) 22, 2016, p. 02)123

Quando questionados se já tiveram algum problema com estudantes


(brigas ou desentendimentos), 100% dos entrevistados (21) disseram que
não/nunca tiveram problemas com estudantes.

Figura 11: Percepção de ruídos/barulhos no bairro.

Fonte: Elaborada pelo autor.


1948

122 ENTREVISTA MORADOR(A) 03. Disponível em: https://goo.gl/zpZ7IJ. Acesso em:


01/06/2016;
Página

123 ENTREVISTA MORADOR(A) 22. Disponível em: https://goo.gl/Z1ErTV. Acesso em:

01/06/2016.
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Segundo o(a) Morador(a) 15 (2016, p. 01)124, “Calmo, aqui é calmo...”. Já


o Morador(a) 18 (2016, p. 02)125, afirma que “De vez em quando passa um louco
aí com o som alto, mas dificilmente, uma vez, duas vezes por semana”.

Figura 12: Barulhos/ruídos existentes na região.

Fonte: Elaborada pelo autor.

De acordo com o(a) Morador(a) 06 (2015, p. 02)126, “É barulhento... é o


dia inteiro (carros) vendendo ovo, pato, galinha, vassoura, galo, manga, pera,
laranja...”.

Ah, já tiveram uns nessa rua bem danados, de ter que


chamar a polícia várias vezes... Mas como disseram que
chegou até a faculdade (as reclamações)... Agora eles
estão fazendo menos... Antes era a noite toda... E eles
gritam muito, parece que eles estão se matando (os
1949

124 ENTREVISTA MORADOR(A) 15. Disponível em: https://goo.gl/fVF8cc. Acesso em:


01/06/2016;
125 ENTREVISTA MORADOR(A) 18. Disponível em: https://goo.gl/ITX2II. Acesso em:

01/06/2016;
Página

126 ENTREVISTA MORADOR(A) 06. Disponível em: https://goo.gl/FV8Yd1. Acesso em:

01/06/2016;
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estudantes)... (E o bar aqui tem barulho?) Pra falar a


verdade, a única coisa é que eles (os clientes) deixam os
carros aqui e quando vem pegar o carro ficam
conversando, falando, comentando... (MORADOR(A) 01,
2015, p. 02)127

Figura 13: Ocorrência de festas no bairro (Jardim Morro Azul e Paulista).

Fonte: Elaborada pelo autor.

Segundo o Morador(a) 08 (2015, p. 03)128, “De estudantes eu não tenho


conhecimento... De estudantes eu não vejo assim, festas e barulhos.”

Não e se tem a gente chama a polícia... Aqui do lado


mesmo, tem uns oito, esse ano até que foi calmo, mas teve
ano que quase todo fim de semana eles faziam festa e
ficavam até 04h00min gritando e batendo, aquela
1950

127 ENTREVISTA MORADOR(A) 01. Disponível em: https://goo.gl/nU9Dhq. Acesso em:


01/06/2016;
Página

128 ENTREVISTA MORADOR(A) 08. Disponível em: https://goo.gl/YwWXZL. Acesso em:

01/06/2016;
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bagunça... Agora melhorou mais do que era.


(MORADOR(A) 25, 2016, p. 03)129

Atores-Chave

Este grupo de entrevistados foi composto por autoridades do Poder


Público Municipal e internas à Universidade, que de alguma forma participaram
do processo de negociação e instalação da Faculdade de Ciências Aplicadas da
Unicamp em Limeira/SP. Estes atores foram questionados sobre a trajetória,
suas impressões e percepções, expectativas e anseios quanto instalação da
FCA/UNICAMP.

1 – Ator-Chave 1 – Autoridade Poder Público Municipal

Quando questionado sobre quais eram as expectativas do município


quanto à instalação da Faculdade:

A expectativa com a instalação da Faculdade de Ciências


Aplicadas era a vinda de novos cursos, a vinda de um novo
público, um público principalmente jovem, um público
formador e membro de uma mão de obra altamente
qualificada. Então a nossa expectativa, primeiro, era da
renovação da nossa juventude trazendo, principalmente
pelas características dos alunos, trazendo pensamentos,
comportamentos culturais e sociais vindos de outros locais,
ou seja, a cidade se abrindo para receber novas formas de
pensamento, mas também a contribuição com aquilo que
seria produzido em termos de conhecimento dentro da
1951

Universidade através de cada um de seus cursos. Também


Página

129 ENTREVISTA MORADOR(A) 25. Disponível em: https://goo.gl/mqnqMh. Acesso em:


01/06/2016.
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uma forma de geração de empregos dentro do município,


eu diria que nossa grande expectativa era a que se está
confirmando hoje, de que a Universidade fizesse um up
grade na cidade, que a cidade melhorasse de nível pela
simples instalação da Unicamp aqui. (ATOR-CHAVE 1 –
AUTORIDADE PODER PÚBLICO MUNICIPAL, 2016, p.
01)130

Este ator também foi questionado se haviam expectativas específicas


quanto à região/bairro onde a Faculdade foi instalada:

...Naturalmente houve um impacto com a sua instalação,


primeiro um grande choque cultural, pois a população
residente naquela região é uma população operária
convivendo com estudantes com comportamentos
culturais, sociais e vestuários completamente diferentes,
então a primeira reação foi uma reação de choque. Mas
hoje eu vejo que estamos construindo uma boa relação de
convivência. Até porque é normal estudantes neste período
serem um pouco mais barulhentos, até com festas e o
pessoal utilizar para residências exclusivas e preferirem
muito mais o silêncio, mas hoje eu vejo uma fase de
convivência que está caminhando para uma harmonia
melhor. Eu acho que a tendência para o futuro é que se
conseguirmos conectar a Unicamp com esta comunidade
vai ser uma relação de ganha-ganha e de troca muito
1952
Página

ENTREVISTA ATOR-CHAVE 1 - AUTORIDADE PODER PÚBLICO MUNICIPAL. Disponível


130

em: https://goo.gl/3YtCPw. Acesso em 01/06/2016.


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profícua... (ATOR-CHAVE 1 – AUTORIDADE PODER


PÚBLICO MUNICIPAL, 2016, p. 01-02).

Questionado sobre a existência de algum efeito inesperado resultante da


instalação da FCA/UNICAMP na região, o ator-chave 1 respondeu o seguinte:

Um efeito inesperado eu não diria, mas sim esperado, que


era a expansão imobiliária ali da região, que envolveu até
mudança do nosso processo de construção permitindo
residências com características que antes a nossa
legislação não permitia, então enquanto vereador, nós
mudamos essa legislação permitindo a construção com
foco em moradias para estudantes que é diferente do foco
de moradias para famílias em geral. Então nós tivemos
esse efeito imediato, tivemos também um novo olhar com
relação à questão da segurança e também quanto ao
desenvolvimento de toda aquela região. Aquela região tem
sofrido um impacto imobiliário positivo com a instalação da
Unicamp. (ATOR-CHAVE 1 – AUTORIDADE PODER
PÚBLICO MUNICIPAL, 2016, p. 03)

2 – Ator-Chave 2 - Autoridade Poder Público Municipal

Quando questionado se era esperado algum impacto no bairro/região com


a vinda da Faculdade:

Eu diria que se esperava que não acontecessem


problemas, segurança, por exemplo, a gente esperava que
1953

não tivesse impacto negativo e que acabou acontecendo,


furtos, roubos a residências, a ponto de os estudantes
terem que recorrer a Faculdade, e a Faculdade não ter
Página

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poder pra isso, enfim, então isso é uma coisa que a gente
esperava que não acontecesse. Quanto ao restante só
causou benefício para a cidade. Há um impacto, sem
dúvida, imobiliário e financeiro, que é bom para a cidade,
mas, ao mesmo tempo, demanda um acompanhamento
social que não houve e acaba gerando o problema de
segurança. Outra coisa também que a cidade também está
ruim de sinalização, não indica muito onde é a Unicamp,
você vê pessoas que procuram onde é a Universidade,
agora, por exemplo, no início do ano letivo e demoram um
tempo, ou seja, essa parte da cidade acabou não
atendendo às expectativas que nós mesmos tínhamos. A
parte de engenharia está demorando muito para duplicar a
Pedro Zaccaria, a Unicamp lá atrás já havia doado o
terreno, feito a parte dela, e a Prefeitura assumiu de fazer
aquela obra. As pedras foram compradas, enfim, iniciou-se
essa duplicação, mas só agora vão retomar, mas isso são
sete, oito anos da instalação do campus, para cumprir um
protocolo de intenção feito naquela época, então essa é
uma parte que ainda falta dar certo. (ATOR-CHAVE 2 –
AUTORIDADE PODER PÚBLICO MUNICIPAL, 2016, p.
02)131

O ator-chave 2 foi questionado se era esperado algum tipo de efeito


indesejado referente à instalação da FCA:
1954
Página

ENTREVISTA ATOR-CHAVE 2 - AUTORIDADE PODER PÚBLICO MUNICIPAL. Disponível


131

em: https://goo.gl/m8MeBV Acesso em 01/06/2016.


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O único efeito indesejado seria uma supervalorização, uma


bolha imobiliária, que talvez agora esteja se ajeitando,
aliás, esse era (o efeito) que nós esperávamos, às vezes
as coisas valiam um valor e de repente explodem de valor,
mas nem sempre isso beneficia a cidade. Agora aconteceu
um (efeito) que nós não esperávamos que é a questão da
segurança (furtos e roubos)… (O efeito indesejado da
supervalorização imobiliária estava previsto, e a questão
da segurança não estava previsto?) Não, não estava
previsto no número que aconteceu, lógico que você espera.
Você faz um evento, até um evento de um dia você imagina
que possa ter assalto, que possa ter arrombamento, furto
e etc. O que a gente achava era que, nas reuniões que nós
fizemos com a Unicamp participaram a polícia militar, a
polícia civil, a guarda municipal, então nós esperávamos
algo menor do que aconteceu, e esperava também que
isso se resolvesse mais rapidamente, porque eu vejo pela
imprensa que ainda há, não sei como está hoje, mas ainda
os moradores ali e estudantes reclamam que ainda há
furtos nas residências. Mas não é uma coisa difícil de
resolver, é uma questão de política pública, se você
monitora… ali precisaria ter câmeras e tudo mais, acho que
já passou da hora já, é tão barato, é tão simples. (ATOR-
CHAVE 2 – AUTORIDADE PODER PÚBLICO
MUNICIPAL, 2016, p. 04-05)
1955

3 – Ator-Chave 3 - Autoridade Poder Público Municipal

O Ator-chave 3 comenta sobre a instalação da FCA/UNICAMP e seus


Página

impactos locais na região:


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... Diretamente para a cidade, essa leitura que eu faço,


talvez não seja uma leitura assim de um especialista com
conhecimentos profundos, mas são poucos os limeirenses
que frequentam aqui, inclusive eu já estive aqui mesmo em
algumas reuniões do CONSEG (Conselho de Segurança),
e sabemos que os benefícios são muito maiores, o bônus
é muito maior que o ônus, e não tem pessoa nesse Brasil
que pense diferente, que o bônus é muito maior. Só que
essas dificuldades com relação à segurança, com relação
a ruídos, barulhos e a própria característica de como vivem
os jovens que vem pra um bairro simples e operário como
esse, causou um impacto, e a gente sabia desde o começo,
e iria demorar um tempo até pela adaptação, primeiro
pensando no aspecto econômico as pessoas achavam que
os imóveis iriam triplicar de valor de uma hora para a outra,
então teve gente que já quis vender o imóvel, alugar ou
abrir um comércio, e as coisas não são tão rápidas assim
e nem tudo acontece como se acha e se prevê que vai
acontecer. Então principalmente para os moradores aqui,
eles devem ter sentido, alguns conseguiram se adaptar
bem, conseguiram até uma melhora na sua condição de
vida com o benefício que trouxe tanta gente cursando,
morando e consumindo aqui em Limeira... (ATOR-CHAVE
3 – AUTORIDADE PODER PÚBLICO MUNICIPAL, 2016,
p. 03)132
1956
Página

ENTREVISTA ATOR-CHAVE 3 - AUTORIDADE PODER PÚBLICO MUNICIPAL. Disponível


132

em: https://goo.gl/UHwbJR Acesso em 01/06/2016.


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Quando questionado se esperava algum tipo de efeito indesejado


referente à instalação da FCA:

Na verdade, não, mesmo sabendo que nós poderíamos ter


problemas com a segurança e tal, mas esse tipo de
atividade não é pra trazer prejuízos, traz alguns
inconvenientes e sempre tem, mas a gente tem ouvido e
sabe que na questão da segurança houve principalmente
nos primeiros anos um descontentamento muito grande,
mas agora os órgãos de segurança estão sendo mais
ativos, com a questão da iluminação pública, a questão de
rondas, e tal... Então nós não vislumbramos na época,
conversamos muito sobre isso, sabíamos que teria uma
especulação imobiliária, mas isso o mercado se acomoda
depois, mas prejuízos mesmo, eu só não posso falar pelos
moradores do entorno, porque acabou a tranquilidade
deles, afinal agora tem muita algazarra de repúblicas, e só
faltava não ter, não é? Mas para a cidade como um todo,
não houve prejuízos, pelo contrário, só houve ganhos.
(Então previa-se alguns problemas com a segurança e um
aumento dos aluguéis? E essa questão do barulho
também?) Sim, isso a gente sabia que iria ter... (ATOR-
CHAVE 3 – AUTORIDADE PODER PÚBLICO
MUNICIPAL, 2016, p. 07).

4 - Ator-Chave 4 - Autoridade Interna Universidade


1957

O ator-chave 4 foi questionado sobre de que forma o bairro e o entorno


foram considerados no projeto da FCA/UNICAMP:
Página

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Olha, eu acho que foi levado em conta de uma maneira


muito relativa, por exemplo, no curso que eu participei
diretamente do planejamento pedagógico… então, ok,
vamos ter aí quinhentas ou mil vagas, projeto original, na
região de Limeira, então isso obviamente vai beneficiar a
região, ponto, não se discute muito mais sobre isso. A
instalação de um campus num terreno que era ocupado
esporadicamente para rodeios e alguma coisa assim,
automaticamente trará desenvolvimento, mas não se
planejou isso, de como poderia ser e tal. A discussão no
GT era sobre os cursos em si, e na verdade eu sinto assim
que, não se pensou muito na região, quais seriam os
cursos mais apropriados para a região, pensou-se muito
em cursos que nunca vingaram no campus de Barão
Geraldo e seria a oportunidade de termos, administração e
engenharia de produção são dois exemplos disso...
(ATOR-CHAVE 4 – AUTORIDADE INTERNA
UNIVERSIDADE, 2016, p. 01)133.

Sobre a previsão de possíveis efeitos inesperados resultantes da


instalação da FCA/UNICAMP, o ator-chave 4 comentou que:

Não, da mesma forma que não havia nenhum receio para


algo indesejado, também não havia nenhuma expectativa
em relação a algo inesperado. Como não tínhamos
grandes expectativas de como seriam esses
desdobramentos ou esses efeitos, então não tinha nada
1958
Página

133ENTREVISTA ATOR-CHAVE 4 - AUTORIDADE INTERNA UNIVERSIDADE. Disponível em:


https://goo.gl/CSsemD Acesso em 01/06/2016.
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assim de antemão pensado. Mas o que é possível dizer,


que é uma impressão minha, é de que os efeitos no
entorno, mesmo se você considerar a urbanização do
entorno, são impressionantes pelo pouco tempo... As
reações iniciais que eu particularmente fiquei um pouco
receoso, algumas reclamações do entorno, de baderna de
estudantes, barulhos, repúblicas, etc. e tal, que é algo se
você parar para pensar, esperado. Mas eu em algum
momento pensei assim, como recebia os e-mails,
reclamações, essas coisas todas e também fazia parte do
conselho de segurança no começo… pensei “como lidar
com isso?” não sabia direito, não sabia como escalar ou
não, mas agora parece que está tranquila essa relação.
Existem ações que nossa comunidade faz, acho eu que
são muito bem apreciadas pela população e faz um bom
tempo que eu não vou nas reuniões do conselho de
segurança, mas acho também que os membros ali
entendem que os estudantes da FCA são muito
organizados e tem uma série de ações de comunitárias
para fora dos muros da FCA que acho que o saldo disso é
bem maior do que o déficit, de quando algum estudante faz
baderna, perturba, coisa desse tipo. (ATOR-CHAVE 4 –
AUTORIDADE INTERNA UNIVERSIDADE, 2016, p. 03-
04).

5 - Ator-chave 5 - Autoridade Interna Universidade


1959

O ator-chave 5 foi questionado sobre quais eram as expectativas e


anseios da Universidade para com a instalação de mais um campus em Limeira:
Página

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...o que a Unicamp queria era expandir a graduação, havia


um consenso interno na Universidade de que poderíamos
oferecer mais vagas, mais oportunidades no Ensino
Superior público com a qualidade da Unicamp e tínhamos
a absoluta certeza de que contribuiríamos de maneira
muito significativa para o desenvolvimento de Limeira, eu
acho que as duas coisas hoje se confirmam plenamente,
então essa eram as expectativas existentes no momento
de toda essa história e percurso... (ATOR-CHAVE 5 –
AUTORIDADE INTERNA UNIVERSIDADE, 2016, p. 02)134.

Naquele momento, o poder público municipal e estadual tinham anseios


diferentes?

Eu acredito que não, até o momento do lançamento da


primeira etapa em 2009, acho que havia aí uma
coincidência de interesses. A Unicamp queria, Limeira
queria e o Estado queria. Só que acredito que os desejos
aí tinham motivações diferentes, só que o da Unicamp não
muda em nenhum momento deste percurso todo, o da
prefeitura também acredito que não, a prefeitura sempre
entendeu que era muito importante para Limeira o campus
como um foco que permitiria o seu desenvolvimento e acho
que o interesse da prefeitura até hoje se mantém o mesmo,
até pelo projeto como um todo que é o mesmo caso da
Unicamp. No caso do Estado eu acho que já não dá pra
dizer o mesmo, porque imediatamente ao implantarmos o
1960
Página

134ENTREVISTA ATOR-CHAVE 5 - AUTORIDADE INTERNA UNIVERSIDADE. Disponível em:


https://goo.gl/D6xLcs Acesso em 01/06/2016.
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primeiro vestibular para os cursos em 2009 chamando a


primeira turma, imediatamente solicitamos o percentual
que estava combinado de 0,05 % do ICMS, que permitiria
terminar a implantação, estabelecer os 4, 5 anos dos
primeiros cursos até o final e permitiria também já pensar
na criação dos outros cursos que completariam as 1000
vagas que era o projeto inicial. Só que o Governo do Estado
recua e nunca cumpriu sua parte do acordo feito, então se
nós analisarmos com base nos fatos, os interesses da
Unicamp continuam os mesmos, avalio que os da
prefeitura também, mas os do Estado não. (ATOR-CHAVE
5 – AUTORIDADE INTERNA UNIVERSIDADE, 2016, p.
02).

Questionado se houve algum efeito inesperado (extramuros) com a


instalação da FCA, o ator-chave respondeu que:

Que eu saiba não. Há um impacto também da presença de


um número mais significativo de estudantes de nível
superior em Limeira, isso evidentemente muda a vida ali do
entorno e certamente foi afetada. Acho que muita gente
pode reclamar que ali era um lugar mais tranquilo para se
morar e hoje o número de estudantes é grande e isso pode
na visão de alguns causar alguma perturbação do entorno.
Em todo lugar onde você adensa a frequência de pessoas
você traz também o adensamento de outras coisas boas e
ruins, mas eu não diria que há nada inesperado ali. As
1961

pessoas reclamam um pouco do aumento da violência, é


claro num lugar onde não tinha ninguém, onde ninguém
Página

passa e não acontece nada, a violência é baixa, mas na


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medida em que você põe um campus com duas, três mil


pessoas ali, mais todo o crescimento de público que essas
duas, três mil pessoas geram naquele lugar, tudo vai
crescer. (ATOR-CHAVE 5 – AUTORIDADE INTERNA
UNIVERSIDADE, 2016, p. 05).

E com relação aos crimes na região, previa-se um possível aumento?

Não, prever certamente não, porque isso nunca é


desejável, mas a competência para cuidar disso não é da
Universidade, essa preocupação deveria ter sido e deveria
ter tido atenção dos lugares competentes para isso. Nós
geramos ali com a criação do campus um aumento muito
grande do fluxo de pessoas, bom isso significa mais
ônibus, e a prefeitura fez o seu planejamento e colocou
mais ônibus do que tinha antes, porque antes praticamente
nem tinha. Há mais necessidade de atender as pessoas
que circulam por ali e isso gerou negócios, lanchonetes,
restaurantes, comércio, enfim e as pessoas se planejaram
para ter isso. Era sabido que aumentando a frequência de
pessoas você vai aumentar a frequência de complicações
também, no caso a criminalidade que não há nenhum lugar
isento a isso, o que precisa é ter a política pública que
efetivamente dê conta disso. Então os órgãos de
segurança deveriam ter planejado adequadamente que ali
passaria a ser uma região com aumento de demanda de
policiamento, de rota, de patrulha e com isso dado conta
1962

disso de maneira adequada, mas acredito que há alguns


momentos de desacertos, mas também alguma ação no
Página

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sentido de fazer as devidas correções. (ATOR-CHAVE 5 –


AUTORIDADE INTERNA UNIVERSIDADE, 2016, p. 05).

Apesar das questões relativas ao controle e monitoramento da


criminalidade, custo de vida e aluguéis, e ruídos não serem competência da
Universidade, o ator-chave 5 foi questionado se em algum momento no projeto
de Limeira houve algum adendo falando algo sobre isso, ou que acionasse os
órgãos competentes para as devidas ações, e a resposta foi a seguinte:

Não que eu me lembre, algumas questões do ponto de


vista físico sim, nós indicávamos já para a prefeitura que o
sistema viário precisava ser reforçado, que o sistema de
saneamento precisava ser reforçado, a mesma coisa para
iluminação e água. Esses foram indicativos formalmente
realizados, mas na área de políticas especificamente não,
isso é uma competência de cada setor que tem a
responsabilidade de fazer o seu planejamento. Toda
Limeira, todos os órgãos sabiam que ali seria criada uma
Faculdade com o dobro do tamanho que na verdade foi,
quer dizer, todo mundo sabia que seria o dobro do que é,
então poderia ter se preparado para dar conta dessas
questões. (ATOR-CHAVE 5 – AUTORIDADE INTERNA
UNIVERSIDADE, 2016, p. 07).

Em algum momento todos os atores envolvidos, Universidade, poder


público municipal e estadual estiveram juntos para conversar sobre os possíveis
problemas que poderiam ocorrem após a instalação da Faculdade?
1963

Do ponto de vista físico, infraestrutura física sim, bem


antes. Do ponto de vista das políticas, não. Isso foram
Página

coisas que ocorreram depois que os problemas estavam já


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chamando atenção. (ATOR-CHAVE 5 – AUTORIDADE


INTERNA UNIVERSIDADE, 2016, p. 07).

De acordo com o Ator-Chave 5 – Autoridade Interna Universidade (2016,


p. 08),

Todo lugar onde você aumenta o número de pessoas, você


está também criando oportunidades para coisas que não
são só boas. Quer dizer, não tem como você separar muito
isso. Você cria oportunidade para que um monte de coisas
boas aconteçam, as coisas ruins tem uma tendência a
aparecerem juntas, o que é preciso é que você crie uma
política que previna as coisas ruins e possa até estimular
as coisas boas. Pode não ser uma coisa muito fácil de
fazer, mas também não é algo de outro mundo, acho que
o que falhou um pouco aí foram as políticas públicas de
maior atenção as coisas ruins que viriam e poderiam ter
sido evitadas com um pouco mais de planejamento e
atenção.

BREVE REFERENCIAL TEÓRICO

O conceito de consequências não-intencionais vem sendo abordado por


diferentes áreas do conhecimento, dentre elas a sociologia e a economia. Um
dos percursores do conceito foi o sociólogo Robert K. Merton com a publicação
em 1936 do artigo The Unanticipated Consequences of Purposive Social Action.
1964

Em 1977, Raymond Boudon baseado no trabalho de Merton publica a coletânea


Effets Pervers et Ordre Social. Já em 1988, Anthony Giddens traz reflexões
importantes sobre o conceito na Teoria da Estruturação.
Página

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Segundo Merton (1936), Boudon (1979) e Giddens (1989),


as consequências antecipadas de uma determinada ação
equivalem àqueles resultados que os agentes pretendiam
obter ao empreenderem esta ação, ou seja, suas intenções
iniciais. Já as consequências não-antecipadas das ações
sociais (Merton, 1936), chamadas de efeitos perversos por
Boudon (1979) e de consequências impremeditadas por
Giddens (1989), podem ser entendidas como as
consequências não-desejadas, não-previstas, ou não-
esperadas de ações individuais ou coletivas, decorrentes
de ações intencionais ou não-intencionais, passíveis ou
não de previsão e que podem, uma vez ocorridas, ser
avaliadas como “positivas” ou “negativas”, dependendo da
perspectiva do observador. (FURTADO et al, 2011, p. 02).

No caso específico de uma unidade de ensino superior, estas


consequências não-intencionais resultantes da política e os dados coletados
nesta pesquisa, apontam para a importância da intersetorialidade nas políticas
públicas, pois a Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp faz parte de uma
política pública de ensino superior, mas sua implementação depende de áreas
como segurança pública, habitação, mobilidade urbana, saúde, urbanização,
entre outras, dependendo assim de uma série de atores e de diferentes níveis
de Governo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
1965

Na percepção da população do entorno, a instalação da Faculdade de


Ciências Aplicadas não apresentou impactos negativos relacionados com a sua
Página

construção que afetassem diretamente suas vidas e realidades. Para os

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moradores, os maiores prejudicados deste processo foram os próprios


estudantes, pois estes passaram a ter que alugar casas por altos valores e
também a sofrer com os furtos e assaltos, pois os estudantes são as principais
vítimas de crimes na região do entorno da Faculdade de Ciências Aplicadas.
Inicialmente o objetivo era verificar de que forma os atores não
beneficiados diretamente pela instalação da FCA, neste caso os moradores,
eram impactados. Porém, verificou-se que os maiores impactados foram os
beneficiados, ou seja, os próprios alunos da instituição. Com base nos resultados
obtidos, verifica-se a necessidade da incorporação de dimensões
multidisciplinares, e transversais nas políticas públicas, e que deve haver
também trabalho intersetorial entre os atores envolvidos, a partir de uma visão
sistêmica e levando em consideração o médio e longo prazo, para que uma
determinada política pública não venha a apresentar consequências não-
intencionais relativas à sua implementação, pois apesar de neste caso ser uma
política pública de ensino superior, sua implementação acaba envolvendo áreas
como habitação, mobilidade urbana, segurança pública e urbanização.

BIBLIOGRAFIA

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ATORES
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DISCURSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT6


DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

PARTICIPAÇÃO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS NA


ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

RENATA MARIA PONTES CABRAL DE MEDEIROS


Programa de Pós-Graduação em Planejamento e
Análise de Políticas Públicas da Faculdade de
Ciências, Humanas e Sociais da Unesp
Mestranda. E-mail:
renatapcmedeiros@hotmail.com

LUCIMARY BERNABÉ PEDROSA DE ANDRADE


1972

Programa de Pós-Graduação em Planejamento e


Análise de Políticas Públicas da Faculdade de
Ciências, Humanas e Sociais da Unesp
Página

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ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO LUCIMARY BERNABÉ PEDROSA DE ANDRADE
RENATA MARIA PONTES CABRAL DE MEDEIROS / LUCIMARY BERNABÉ PEDROSA DE ANDRADE
DISCURSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

Professora Doutora. E-mail:


lucimarypandrade@yahoo.com.br

RESUMO
O estudo analisou a participação dos Conselhos Municipais na elaboração do
Plano Municipal de Educação (PME), na função de intermediários entre os
anseios da sociedade na área educacional e o Estado. Os objetivos foram
identificar a composição dos conselhos de um Município do Estado de São
Paulo, verificar sua forma de atuar e analisar a participação popular através dos
Conselhos na elaboração e implementação do PME. Como instrumentos para a
coleta de dados, além da análise documental, essa pesquisa fez uso de
entrevistas semiestruturadas realizadas com presidentes dos Conselhos
Municipais, utilizou-se da metodologia qualitativa da análise do discurso. Os
resultados mostraram que apesar exigência legal de participação dos Conselhos
na efetivação do PME, isso não basta para que realmente ocorra à participação
da sociedade na implementação dessa política. A almejada ação popular
necessita de apropriação de uma cultura de democracia participativa, que ainda
não acontece nesse município.

ABSTRACT

The study analyzed the participation of municipal councils in drafting the


Municipal Education Plan (PME) in the role of intermediaries between society's
aspirations in education and the state. The objectives were to identify the
composition of the boards of a municipality of São Paulo, check his way of acting
and analyze popular participation through the Councils in the development and
implementation of EMPs. As instruments for data collection, in addition to
document analysis, this research made use of semi-structured interviews with
1973

presidents of municipal councils, we used qualitative methods of discourse


analysis. The results showed that despite the legal requirement for participation
Página

of the Councils in the execution of SMEs, it is not enough to actually occur the

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participation of society in the implementation of this policy. The desired class


action requires appropriation of a participatory democracy culture, which does not
happen in this city.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a participação dos
Conselhos Municipais na elaboração do Plano Municipal de Educação (PME)
como intermediários entre os anseios da sociedade na área educacional e o
Estado.
Com a promulgação da Constituição cidadã (1988), possibilitou-se a
criação de órgãos colegiados nas áreas sociais, os denominados Conselhos,
como espaços privilegiados de participação popular com competência para
propor, debater e aperfeiçoar as políticas públicas e dar uma nova dinâmica as
políticas sociais. Dessa forma, os Conselhos Gestores de Políticas Públicas
representam uma das possibilidades de efetivação da participação da sociedade
civil, representando uma nova relação entre Estado e sociedade na gestão
pública.
No Brasil contemporâneo, os Conselhos Gestores representam uma das
principais formas de democracia participativa, consagrando a importância da
participação popular na elaboração, fiscalização e controle de políticas públicas,
tornando possível a inclusão do cidadão no cenário político decisório, visando à
efetiva garantia dos direitos fundamentais, através do exercício da cidadania e
tornando real a possibilidade de transformação social. Sem dúvida, os
Conselhos representam uma inegável conquista relativamente à construção de
um país que se quer e diz democrático.
Nesse contexto de participação, o Plano Nacional de Educação (PNE)
estabeleceu que cada Município brasileiro elaborasse seu Plano Municipal de
1974

Educação (PME) considerado o instrumento de maior relevância da política


educacional local, pois estabelece os objetivos para a educação do município,
Página

bem como as metas e estratégias para atingi-los, visando estruturar


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efetivamente uma política pública para área da educação através da construção


coletiva entre gestores e sociedade civil, com vistas a uma educação de
qualidade para todos.
É por este prisma que a análise de participação dos Conselhos Gestores
no processo de elaboração do Plano Municipal de Educação, constitui objeto de
investigação e de estudo de grande relevância para a democratização do poder
através da participação popular na elaboração de políticas públicas.

APONTAMENTOS SOBRE A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR

Ao abordar o tema “Conselhos Gestores de Políticas Públicas”,


imediatamente somos remetidos à ideia de democracia, pois um tema está
necessariamente associado a outro.
Bonavides conceitua democracia como
Aquela forma de exercício da função governativa em que a
vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente,
todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja
sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o
sujeito passivo do poder legítimo (BONAVIDES, 1996,
p.17).
O aludido autor parte do conceito de democracia consagrado por Lincoln,
como sendo um governo do povo, pelo povo e para o povo. Esse conceito,
embora sucinto, conclui o que é democracia.
É preciso esclarecer que a democracia, didaticamente, é dividida em três
formas: a democracia direta, a indireta ou representativa e a participativa.
Historicamente, a democracia direta nos remete à Grécia antiga, que se
caracterizava pela participação de todos que fossem considerados cidadãos nos
1975

atos de governança. Não havia a figura do representante do povo, mormente


eleições. Isso significa que, a democracia grega fundamentava-se no principio
Página

de que o próprio povo, sem intermediários, deveria se autogovernar.

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Na democracia chamada indireta ou representativa o povo delega todo


poder decisório aos seus representantes. Como bem observa José Afonso da
Silva, “na democracia representativa a participação popular é indireta, periódica
e formal, por via das instituições eleitorais que visam a disciplinar as técnicas de
escolha dos representantes do povo”. (2006, p. 137).
Assim, os cidadãos são representados por políticos eleitos e as decisões
destes são tomadas de forma autônoma, não estando vinculada a vontade do
povo que os elegeram. Dessa autonomia surgem inúmeras críticas à
democracia representativa, das quais se destacam a falta de legitimidade e a
discrepância entre a vontade do povo e seus representantes, além do fato de
não existir instrumentos de fiscalização e controle por parte dos cidadãos.
Outro conceito de democracia é denominado de democracia
participativa, que tem como pressuposto a soberania popular, ou seja, apesar de
manter estruturas representativas, baseia-se no principio de que o povo participe
de todos os processos decisórios, dotado de iniciativa e sanção dos atos de
interesse público. Assim, é o povo, “instância suprema do processo político”.
(BONAVIDES, 1996. p. 28)
Ensina José Afonso da Silva que no Brasil, a Constituição Federal de 1988
adéqua a democracia representativa e a democracia direta, com tendência à
democracia participativa, conforme previsto no parágrafo único do art. 1º que
declara que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos (democracia representativa) ou diretamente (democracia participativa)
(2006, p. 137).
Assim, a Constituição brasileira regulamentou diversos instrumentos de
participação popular, possibilitando o exercício da democracia participativa, ou
seja, em todo o texto constitucional verificam-se mecanismos de intervenção
popular na atividade estatal, esclarecendo que Estado brasileiro não admite
1976

poder estatal ilimitado e sem dispositivos de controle.


A esse respeito Figueiredo declara que
Página

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O Estado só poderá ser democrático se e quando o povo


exercer efetivamente o poder por meio de seus
representantes, ou, em algumas circunstâncias
diretamente ( 2007, p. 319).
Portanto, a democracia participativa, indiscutivelmente legitimada pela
Constituição Federal de 1988, surge como meio eficaz de atuação do Estado,
proporcionando instrumentos para que a população efetivamente possa intervir
no cenário político. E, dessa forma, a sociedade vê-se obrigada, além de cobrar
também a agir. A democracia participativa estabelece a participação da
sociedade, não apenas para escolher seus representantes, mas obriga
igualmente na participação da efetivação de direitos, que admite, requer e preza
a participação direta e o controle por parte daqueles que são titulares das
políticas públicas – o cidadão.

CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Os denominados Conselhos Gestores constituem um dos instrumentos


concretos estabelecido constitucionalmente que viabiliza o exercício da
democracia participativa, possibilitando a participação da sociedade civil na
elaboração, fiscalização e controle de políticas públicas, “eles têm o papel de ser
instrumentos mediadores na relação sociedade/Estado” (GOHN, 2006, p. 6). São
órgãos colegiados e paritários articulando membros da população e
representantes do poder público, em práticas relativas à gestão pública.
No Brasil, os Conselhos aparecem como peças fundamentais, no
processo de reorganização das políticas, tornando possível uma interação entre
governo e sociedade civil na gestão de políticas públicas.
Assim, “[...] nascidos sob a égide da Constituição de 1988, assumem
1977

natureza própria que demanda perfil específico, determinado por suas funções
e atribuições que, por sua vez, determinam a organização e a composição, bem
Página

como o funcionamento”. (BORDIGNON, 2009, p. 73)

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Como espaços democráticos, possibilitam que a população participe das


decisões políticas, identificando e expressando quais são os anseios e
interesses da sociedade e quais as políticas que atenderão o bem comum,
através da prestação de serviços públicos.
Cada Conselho Gestor é competente para interferir na promoção, defesa
e divulgação dos direitos e interesses coletivos relacionados a seu campo de
atuação, de acordo com a forma prevista na legislação que os instituiu
(MARTINS, OLIVEIRA E SOARES, 2008). Destarte,
Os temas discutidos por um Conselho devem ser todos
voltados ou interligados à sua área específica, conforme o
setor público objeto de seu funcionamento, não obstante a
possibilidade de interface com outros Conselhos no caso
de discussões de políticas intersetoriais. (2008, P. 158)
Assim, apesar de cada Conselho Gestor, ser responsável por atuar em
determinada área, é de fundamental importância que em casos de Políticas
Públicas que demandem o envolvimento de diversas áreas, a atuação se dê de
maneira integrada com vistas a atingir o bem de toda a coletividade com
representatividade de órgãos colegiados de diversas áreas, como no caso da
elaboração do Plano Municipal de Educação, em que foram convocados a
participar de sua elaboração os segmentos representativos da sociedade civil.

OS CONSELHOS GESTORES NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS


MUNICIPAIS

Para implementar melhorias na área educacional, o governo federal


determinou diretrizes, metas e estratégias para a política educacional através do
Plano Nacional de Educação, tendo sua última versão aprovada através de lei
1978

ordinária com vigência de dez anos a partir de 26 de junho 2014, previsto no


artigo 214 da Constituição Federal.
Página

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O Plano Nacional de Educação - Lei 13.005/2014 - determinou que os


Estados e Municípios criassem ou revisassem as suas versões locais de metas
e estratégias, estabelecendo objetivos e enumerando as ações imprescindíveis
para atingi-los num prazo de 10 anos.
Art. 8º Os estados, o Distrito Federal e os municípios
deverão elaborar seus correspondentes planos de
educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em
consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas
neste PNE, no prazo de um ano contado da publicação desta
lei (BRASIL, 2014).
Por conseguinte, todo Município ficou obrigado, a implementar seu plano
para a educação de acordo com as diretrizes, objetivos e metas do PNE e do
Plano Estadual de Educação (PEE), o que significa que todos os Municípios
brasileiros, sem exceção, devem ter um Plano Decenal que estruture ações
visando promover uma educação de qualidade (os Municípios tiveram como
prazo final para concluírem seus PMEs o mês de julho de 2015).
O papel dos PMEs é planejar as políticas públicas para a área em longo
prazo e, com isso, contribuir para a efetivação de medidas pautadas em uma
política educacional séria e comprometida com os anseios da sociedade, tendo
como suporte a legislação educacional vigente e as condições humanas,
materiais e financeiras disponíveis para a realização de uma educação de
qualidade.
Quanto aos agentes que deveriam participar da elaboração estabelece o
artigo 8º, § 2º da lei 13.005/2014 que
§ 2º Os processos de elaboração e adequação dos planos
de educação dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios, de que trata o caput deste artigo, serão
1979

realizados com ampla participação de representantes da


comunidade educacional e da sociedade civil.
Página

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DISCURSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

Ressalta-se que a função de elaboração do Plano de Educação é de


competência do Poder Executivo e Legislativo, sendo a Secretaria Municipal de
Educação responsável por sua coordenação, porém o Conselho Municipal de
Educação "[...] é o coração da gestão democrática da educação e do futuro do
Município" (MONLEVALE, 2005, p. 25), lhe sendo atribuídas as competências
de elaboração, implantação e o acompanhamento do PME.
A participação de diversos segmentos do governo e da sociedade civil no
processo de elaboração do documento é fundamental para garantir o
conhecimento, o entendimento, o auxílio técnico e o envolvimento nas ações,
além de viabilizar o processo democrático.
No caso dos representantes do Poder Executivo, conforme Bordignon
(2009) é indicado que haja um de cada Secretaria – Municipal de Educação, do
Planejamento e da Fazenda. Para consolidar o processo, o autor sugere que
participem das fases de construção do Plano os Conselhos profissionais da
educação, alunos e seus familiares, Ministério Público, Poder Legislativo e
sociedade civil. Relativamente à participação dos Conselhos, além do Conselho
da Educação, podem e devem participar o Conselho dos Direitos da Criança e
do Adolescente; o Conselho do FUNDEB; o Conselho da Alimentação, entre
outros.
Diante do exposto, pode-se concluir que o papel agregador e atuante do
CME no município é fundamental para a elaboração do PME, no
acompanhamento, no desenvolvimento e na avaliação das metas estratégias
estabelecidas para a educação do município em longo prazo, e, ainda, configura
um marco na gestão democrática da educação municipal.

METODOLOGIA
1980

O estudo foi realizado em fevereiro e março de 2016, em um Município do


interior do Estado de São Paulo, situado na região da Alta Mogiana - Ituverava,
Página

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com aproximadamente 45 mil habitantes (de acordo com o Censo do IBGE de


2010).
Para análise empírica foram identificados quatro Conselhos Gestores
Municipais que figuram como participantes da elaboração do Plano de Educação
do município objeto de estudo: Conselho Municipal de Educação (CME),
Conselho Municipal de Alimentação Escolar (CAE), Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e Conselho Municipal do Fundeb
(Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica).
Pesquisa qualitativa, que procura entender o fenômeno de acordo com a
perspectiva dos participantes e com a situação estudada. Quanto aos meios, a
pesquisa foi bibliográfica, documental e de campo.
A coleta de dados primários foi realizada através de aplicação de
questionários semiestruturados com os Presidentes dos Conselhos Gestores,
com o escopo de identificar as características dos Colegiados do Município, e
avaliar a participação dos mesmos na elaboração do Plano de Educação do
Município.
O questionário foi dividido em cinco partes, quais sejam: 1) identificação
do perfil do Presidente do Conselho; 2) de que maneira as informações sobre o
PME foram repassadas pelo órgão competente; 3) se os Conselhos foram
convocados e por qual órgão a participarem da elaboração do PME; 4) se a
participação no processo de elaboração do PME envolveu todos os membros do
colegiado; 5) a descrição da participação do Conselho na implementação do
PME.
Para análise dos dados obtidos com o questionário aplicou-se a
metodologia da análise do discurso, visando compreender o sentido e não
apenas o conteúdo do texto, “pode-se afirmar que o corpus da AD é constituído
pela seguinte formulação: ideologia + história + linguagem” (MUTTI,
1981

CAREGNATO, 2006, p. 680).


A utilização da análise do discurso fundamenta-se pelo de “tentar
Página

entender e explicar como se constrói o sentido de um texto e como esse texto

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se articula com a história e a sociedade que o produziu. O discurso é um objeto,


ao mesmo tempo, linguístico e histórico; entendê-lo requer a análise desses dois
elementos simultaneamente” (GREGOLIN, 1995, p.20).
As respostas foram transcritas, analisadas e, posteriormente foram
interpretadas. Procurou-se identificar, na percepção dos presidentes, como os
Conselhos Gestores estão realizando de maneira efetiva suas atribuições
enquanto mecanismos de controle e de gestão das políticas públicas.
Para coleta de dados secundários foram analisados documentos da
Secretaria de Educação do Município (atas e listas de presença elaboradas
durante a elaboração do PME) e os documentos dos Conselhos Gestores (atas
de reuniões visando discutir o PME e listas de presença).

ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DOS CONSELHOS GESTORES NA


ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO – O QUE A
PESQUISA REVELOU

Com a análise do perfil foi possível constatar que os Conselhos contam


com presidentes com curso superior, funcionários da administração pública,
efetivos ou em comissão, com parcos conhecimentos prático e teórico
relacionado às áreas de atuação e relataram dificuldade política para estruturar
e intermediar consensos e conflitos que aparecem nos Conselhos.
Os Conselhos gestores do Município estudado possuem uma quantidade
mínima de seis e máxima de dez integrantes. As reuniões ordinárias são
realizadas mensalmente, podendo ser realizadas convocações extraordinárias
para assuntos urgentes. A representação do colegiado corresponde a 50% dos
membros representantes do governo local e 50% para os membros não
governamentais.
1982

Averiguou-se que os Conselhos Gestores estudados possuem natureza


consultiva e deliberativa, sendo que estas prerrogativas estão regulamentadas
Página

nas legislações que criaram os respectivos Conselhos.

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Desse modo, todos os Conselhos Gestores do município, apresentam


regimento interno que normatiza o funcionamento e as atribuições dos mesmos.
O mandato dos conselheiros corresponde a um período de dois anos, podendo
ser reconduzidos uma vez por igual período, sendo esta disposição cumprida
fielmente, com convocação do colegiado no período de novas eleições.
No Município os Conselhos Gestores possuem sede própria, a
denominada “Casa dos Conselhos”, isto é, um local utilizado para as reuniões
do colegiado. Apesar da existência do espaço físico, não há um quadro pessoal
próprio, nem suporte estrutural.
O questionário aplicado aos presidentes dos Conselhos gestores implica
em quatro aspectos a serem analisados:
O primeiro aspecto da análise da participação dos Conselhos gestores na
elaboração do PME refere-se ao modo que as informações sobre o PME chegou
ao conhecimento dos presidentes dos mesmos, ou seja, se as etapas de trabalho
como a constituição do fórum, o cronograma de trabalho, os representantes, o
diagnóstico, a discussão das metas foram informadas aos conselheiros e se eles
foram convocados a participarem.
Os entrevistados responderam de forma unânime que foram apenas
comunicados pelo representante do órgão responsável que o PME estava em
processo de elaboração e ainda, que os representantes de cada segmento do
Fórum foram convidados por um assessor da Secretaria da Educação do
Município responsável pelo PME. Poucas foram às informações dadas pelo
órgão executor durante toda a tramitação do plano, não existindo um documento
formal sistematizando o processo de elaboração e dando conhecimento sobre
as fases de planejamento e execução.
O segundo aspecto de análise refere-se a quando e como ocorreu
participação dos Conselhos na elaboração do Plano, se agiram apenas como
1983

figurantes ou exerceram uma atuação efetiva e com qualidade.


Os presidentes do Conselho de Alimentação Escolar, Conselho dos
Página

Direitos da Criança e do Adolescente e do Fundeb, foram enfáticos ao


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assumirem que participaram apenas em duas ocasiões, a primeira para


apresentação do Plano Nacional de Educação e conhecimento da
obrigatoriedade do município em elaborar seu plano e a segunda para
apresentação do PME já concluído.
Sobre isso declarou o entrevistado do CAE,
O plano acaba não tendo a efetiva participação daqueles
que estão na ponta, em contato direto com a comunidade.
[...] Os Conselhos acabam olhando apenas os seus
problemas, trabalham para ações pontuais que exigem
tempo e dedicação, não conseguindo sistematizar ações
para propor no Plano (PRESIDENTE DO CAE).
A falta de participação dos Conselhos em assuntos de interesse do
Município como um todo, na visão dos presidentes, é uma falha que precisa ser
superada, e não sabem se será plenamente corrigida, pois acreditam ser um
desafio muito grande promover uma ampla participação em todas as temáticas
de interesse da comunidade local.
Com relação ao CME o presidente relatou que a participação do órgão se
deu de forma insatisfatória
O PME deveria ter sido discutido melhor. Faltou um plano
de ação, de trabalho, a Secretaria (SME) pecou no
planejamento, que deveria ter sido feito anteriormente e
não de maneira apressada, o CME deveria ter sido
comunicado com antecedência. [...]. O PME deveria ter
sido proposto pelo CME e não ao contrário, o Executivo
propor o PME e o CME aprovar, o plano tinha que ter
nascido dentro do CME (ENTREVISTADO DO CME).
O terceiro ponto objeto de análise diz respeito à participação do colegiado
1984

do Conselho nas etapas de elaboração do PME. De acordo com os depoimentos


colhidos, com exceção do CME, nos demais Conselhos, alguns conselheiros não
Página

tiveram sequer conhecimento sobre a elaboração do documento. Esse


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desconhecimento ou desconsideração sobre a implementação do plano foi


corroborada pela análise das atas dos Conselhos Gestores – CAE, CMDCA e
Fundeb, cujo assunto não consta de nenhuma das reuniões do órgão colegiado.
Constatou-se também que, embora realizadas algumas reuniões na fase
de implantação do plano, não apresentaram uma participação expressiva dos
representantes dos conselhos, fato verificado a partir da lista de presença
apresentada pela Secretária da Educação do Município. Observou-se ainda, que
não se realizou Fóruns e Conferências para diagnóstico do município e para
discussão das metas e estratégias.
Sobre a responsabilidade de participação do CME perguntado a respeito,
o presidente justificou que também houve uma falta de estrutura de “cima para
baixo”.
Se o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação) tivesse exigido que o PME partisse do CME,
tinha ocorrido de forma diferente. Há uma falta de estrutura
de cima para baixo. (ENTREVISTADO DO CME)
O último item analisado refere-se à descrição feita pelos presidentes dos
Conselhos sobre a participação dos colegiados na elaboração do PME. Como já
destacado acima, os Conselhos Gestores participaram apenas de algumas
reuniões marcadas pelos representantes do Poder Executivo. O Conselho de
Educação além dessas reuniões discutiu o PME em uma única reunião
extraordinária.
A esse respeito, a presidente do CMDCA se manifestou
O representante do Poder Executivo tinha conhecimento
que esse plano deveria acontecer, então deveria ter trazido
para os Conselhos com maior antecipação. [...] Por outro
lado, o Conselho é muito passivo, deveria ser mais atuante,
1985

deveria deliberar, e os membros não entendem esse poder


de deliberação [...] deliberar é mandar fazer de acordo com
Página

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a lei, nenhum Conselho utiliza essa ferramenta


(PRESIDENTE DO CMDCA).
O CME com todos os seus membros participou apenas na fase final do
Plano, sobre esse aspecto
Foi marcada uma reunião extraordinária, porque o Plano
tinha uma data para ser aprovado, trouxeram o Plano
pronto, foi lido, discutido alguns pontos, abriu-se para fazer
algumas alterações, mas não poderia ter sido assim [...]
São nesses momentos que o Conselho percebe a
importância do Conselho [...] trazer uma coisa pronta só
para o Conselho aprovar perde o sentido. Os Conselhos
deveriam ter feito parte disso (PRESIDENTE CME).
Analisando a ata da Reunião extraordinária realizada pelo CME sobre o
PME, é possível extrair do documento que foi apresentado o PME, discutidas e
esclarecidas dúvidas das metas propostas com uma assessora de Educação da
SME, após a leitura o PME foi aprovado por unanimidade. Os conselheiros
apenas realizaram a leitura do documento, não houve alteração e o documento
foi aprovado da forma originalmente enviada pela SME.
Sobre o assunto o presidente do CAE destacou que a sociedade não sabe
da importância do Conselho “[...] o jeito oficial de se discutir alguma coisa é
através do Conselho”.
Sobre a responsabilidade dos Presidentes dos Conselhos, como
representante do colegiado, pela inexistência de participação no processo de
elaboração do documento os mesmos alegaram de forma geral que não tem o
poder de decidir nenhum assunto sozinho, todo tema tem que ser objeto de
debate e pode ser trazido por qualquer um dos membros, deve ser discutido por
todos os conselheiros, colocado em votação e constar em ata para ter poder
1986

legar.
Todos os presidentes afirmaram que é necessária uma capacitação para
Página

os conselheiros, para que possam exercer de forma efetiva o seu papel.


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No que concerne à avaliação e monitoramento do plano, afirmaram que


participarão desse processo, acompanhando a concretização dos objetivos e
metas traçadas no plano.
Do exposto nas entrevistas apresenta-se as seguintes conclusões:
Primeira, o município não apresenta uma cultura de democracia
participativa, apenas o direito ao voto e a existência de instituições democráticas
não garantem o exercício da cidadania se os cidadãos não forem os
protagonistas desse processo. A elaboração do PME, que exigia uma
participação democrática, revelou uma gestão municipal burocratizada e
centralizadora, distante dos cidadãos e das reais necessidades da comunidade
local. É de fundamental importância introduzir a gestão democrática no âmbito
municipal, aliando conceitos como participação popular, legitimidade, eficiência
e controle de poder.
Nesse sentido, passada a fase de elaboração do PME resta ao Município
garantir a implementação, acompanhamento e avaliação das metas e
estratégias, realizando debates, consultas e audiências públicas, numa
crescente conscientização do princípio da participação popular.
Ao tornar plena a eficácia dos dispositivos democráticos na gestão
pública, previstos constitucionalmente, aliando democracia representativa com
democracia participativa, o gestor público operacionaliza o princípio
constitucional da participação.
No dizer de Regis Fernandes de Oliveira “a democracia implica o respeito
ao intersubjetivismo de ações e reações como forma de sentir o pulsar da
coletividade”. Nas palavras do autor “os debates são a essência da democracia.
A ausência do debate leva à falta de raciocínio dialético, em que prevalece
apenas uma opinião e, o mais das vezes, nem sempre a correta” (2002, p.109)
Ao restringir a participação da sociedade no que diz respeito às decisões
1987

que afetem o Município implica em afrontar os princípios constitucionais


fundamentais e rejeitar a cidadania. Requer-se que os governantes criem
Página

mecanismos de participação que tornem possível a cidadania e a tomada de


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decisões de forma igualitária, onde todos tenham oportunidade de participar, o


que permitirá um maior comprometimento do indivíduo com o coletivo. Só assim
será possível uma gestão participativa, possibilitando uma gestão de todos para
todos.
Segunda, a sociedade civil desconhece a importância dos Conselhos
Gestores como organismos de representação popular, e provavelmente por este
motivo, não exercem suas funções consultivas, deliberativas e de controle de
políticas públicas. Contrariamente, os representantes da administração pública,
mesmo conhecendo referidas atribuições, não as utilizam, pois se submetem a
vontade do Poder Público.
A autora Maria da Glória Gonh declara
De um lado, observa-se que a operacionalização não plena
dessas novas instâncias democratizantes se dá devido à
falta de uma cultura de participação da sociedade civil, em
canais de gestão dos negócios públicos, a curta trajetória
de vida desses conselhos e, portanto, à falta de exercício
prático (ou até a sua inexistência), e ao desconhecimento
– por parte da maioria da população, de suas
possibilidades (deixando-se espaço livre para que eles
sejam ocupados e utilizados como mais um mecanismo da
política das velhas elites e não como um canal de
expressão dos setores organizados da sociedade). De
outro lado, a existência de concepções oportunistas, que
não se baseiam em postulados democráticos e veem os
conselhos apenas como instrumentos/ferramentas para
operacionalizar objetivos predefinidos (2002, p. 15).
Vislumbra-se que os Conselhos Gestores são espaços sociais, de
1988

participação democrática, devendo criar condições para que se tenha um maior


controle sobre a gestão pública e uma maior cobrança sobre o Poder Executivo
Página

em suas tomadas de decisões, mormente em nível municipal.


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Entretanto, para que isso seja possível, é imprescindível discutir certas


questões no que diz respeito à criação e implementação dos Conselhos
gestores, ou seja, é preciso se repensar a forma como estão estruturados os
Conselhos atualmente, bem como o acesso às informações e ações dos
Conselhos e utilização de meios jurídicos para execução das decisões dos
órgãos colegiados.
A representação paritária requer que sua composição deva ser
representativa de diferentes setores sociais, territoriais e forças políticas
organizadas. Bem como, deve haver um real equilíbrio entre representantes do
Executivo e representantes da sociedade civil, pois os primeiros “têm o que os
representantes da sociedade civil não têm (pela lei, os conselheiros municipais
não são remunerados e nem contam com estrutura administrativa própria)”
(GONH, 2006).
Ademais, a sociedade tem que ter acesso às informações e as ações dos
Conselhos devem ter publicidade. É fundamental implantar mecanismos de
supervisão e o controle sobre os atos praticados pelos conselheiros (GOHN,
2006). E, finalmente, os conselheiros devem utilizar os meios jurídicos para que
as decisões discutidas e consumadas dos Conselhos obriguem ou vinculem o
Poder Executivo, qualificando em tese, seus resultados, para que não funcionem
simplesmente como extensão da vontade do poder local.
Os Conselhos Gestores representam uma conquista social, por isso
[...] os conselhos assinalam para possibilidades concretas
de desenvolvimento de um espaço público que não se
resume e não se confunde com o espaço
governamental/estatal. A possibilidade de a sociedade civil
intervir na gestão pública, via parcerias com o Estado,
representa a instauração de um novo padrão de interação
1989

entre governo e sociedade; novas arenas de intermediação


e novos mecanismos decisórios implantados poderão ter a
Página

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capacidade de incorporar uma grande pluralidade de


atores e de diferentes interesses (GOHN, 2006, P.10).
Dessa forma, a criação e funcionamento dos Conselhos Gestores são de
extrema importância para atuação do povo na seara política, todavia para que
haja efetividade e eficácia em sua atuação, é imperioso que tenham força
política, bem como competência e poderes normativos e possibilidade de
destituição dos conselheiros que não cumpram com seus deveres, para que se
torne possível à democratização desses espaços públicos.
Terceira, mostra-se urgente uma formação para atuação dos
conselheiros, principalmente os advindos da sociedade civil. Gohn denuncia
Faltam cursos ou capacitação aos conselheiros, de forma
que a participação seja qualificada quanto, por exemplo, à
elaboração e gestão das políticas públicas; não há
parâmetros que fortaleçam a interlocução entre os
representantes da sociedade civil com os representantes
do governo. (2006, p. 9).
Ao tratar do tema formação, significa que deve haver um preparo dos
cidadãos antes e durante o tempo em que estiverem exercendo suas funções
nos Conselhos Gestores, preparo que envolve tanto aspectos técnicos como
éticos e políticos. Essa qualificação permitirá que o conselheiro conheça o
espaço em que irá atuar, “assim como um código de ética e posturas em face
dos negócios públicos” (GOHN, 2006).
Isso não quer dizer que somente os representantes da sociedade civil
necessitam de formação para atuarem nesses espaços democráticos. A
qualificação deve ser ampla para que tanto os membros da sociedade civil como
os representantes do poder público possam se tornar conselheiros atuantes e
conscientes de seu papel.
1990
Página

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CONCLUSÃO

A democracia como prática social é um aspecto relativamente recente no


Brasil, país conhecido pela sua tradição autoritária e conservadora. Com o
advento da Constituição Federal de 1988, são criadas determinadas instituições
orientadas para a concretização do Estado Democrático de Direito, dentre essas
instituições os Conselhos Gestores.
Referidos Conselhos representam a possibilidade do exercício da
democracia, expressando a soberania popular, com a verdadeira inclusão do
cidadão na sociedade em que vive, viabilizando o poder de atuar e transformar
sua comunidade. É o direito do ser humano desenhar seu próprio futuro e
colaborar para o progresso e desenvolvimento da sociedade do qual faz parte.
Entretanto, a partir do exposto, observa-se que apesar dos Conselhos
Gestores do Município estarem sob a égide constitucional da gestão
democrática, foi possível verificar que estes colegiados com experiências ainda
incipientes exprimem certa natureza burocrática, com estruturas frágeis para
garantir uma efetiva participação popular. Apenas a criação e a regulamentação
dos órgãos não se mostra suficiente para assegurar a participação da sociedade
civil nas tomadas de decisão das políticas públicas do Município.
Os Conselhos Gestores estudados apresentaram certo distanciamento do
processo decisório e certa submissão da população para com o Estado,
demonstrando uma estrutura elitista e hierarquizada, apoiada em procedimentos
burocráticos. Como resultado, o papel normativo e fiscalizador dos Conselhos
têm ficado mais na aparência do que na ação concreta.
A participação popular através dos Conselhos constitui um novo processo
de descentralização, que demanda muito aprendizado por parte da sociedade
dos processos democráticos, pois ainda não incorporamos o principio
democrático em sua essência.
1991

Quanto à participação dos Conselhos na formulação do PME, na maneira


como estão estruturados, será pouco provável que consigam se impor sobre as
Página

determinações do Poder Executivo. Dessa forma, a determinação legal da


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participação dos Conselhos na elaboração do PME se mostra insuficiente para


que realmente ocorra a participação da sociedade civil.
A democracia como aludida por Lincoln exige também uma cultura de
participação popular, fato que está muito longe de muitos municípios brasileiros,
que consideram os Conselhos Gestores em função do Poder Executivo e avesso
à participação popular.

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dos Tribunais, 2002.

SANTOS, M. R. M. Conselhos municipais: a participação cívica na gestão das


1993

políticas públicas. Dissertação. (Mestrado). Programa de Mestrado da


Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Planejamento Urbano e
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Regional. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.


PARTICIPAÇÃO DOS ONSELHOS MUNICIPAIS NA RENATA MARIA PONTES CABRAL DE MEDEIROS E
ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO LUCIMARY BERNABÉ PEDROSA DE ANDRADE
RENATA MARIA PONTES CABRAL DE MEDEIROS / LUCIMARY BERNABÉ PEDROSA DE ANDRADE
DISCURSOS E AÇÃO: OS DISCURSOS DOS MINISTROS DO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 186

SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2006.
1994
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PARTICIPAÇÃO DOS ONSELHOS MUNICIPAIS NA RENATA MARIA PONTES CABRAL DE MEDEIROS E


ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO LUCIMARY BERNABÉ PEDROSA DE ANDRADE
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GRUPO DE TRABALHO 6 – GT 6

DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

POLÍTICA PÚBLICA COMO PARADIGMA: A QUESTÃO


DA MERENDA ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE ATIBAIA –
SP

REGINA DEGANI RAMOS

Bacharel em Ciências Econômicas pela UNESP,


Especialista em Gestão Pública pela UTFPR e
Mestranda em Gestão de Políticas Públicas pela
1995

USP. E-mail: reginadegani@gmail.com


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MERENDA ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE ATIBAIA - SP
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RESUMO

Em 2010, para a implantação do Programa Nacional de Alimentação Escolar


(PNAE), Atibaia se tornou o primeiro município de sua região (microrregião
bragantina) a cumprir com essa regulamentação. Na ocasião, os produtos
fornecidos foram orgânicos, atributo não obrigatório pela Lei Federal 11.947/09
(Política Nacional da Agricultura Familiar). A partir disso, o trabalho analisará
como se deu a transição de fornecedores tradicionais para agricultores familiares
no provimento de produtos destinados à merenda escolar em Atibaia,
especificamente com relação à compra de alimentos orgânicos. As categorias
analíticas mobilizadas são paradigmas e imagens. A metodologia escolhida é a
pesquisa qualitativa, amparada pelos trabalhos de Yves Surel e John Campbell.
Os dez pontos levantados por Surel fundamentaram a mudança de paradigma
analisada nesse texto com a inserção da alimentação orgânica e familiar na
oferta de merenda nas escolas públicas do município.

ABSTRACT

In 2010, for the implementation of the National School Feeding Programme


(PNAE), Atibaia became the first municipality in your area (micro area bragantina)
to comply with those rules. At the time, the products supplied have organic, not
mandatory attribute by Federal Law 11.947/09 (National Policy of Family
Farming). From this, the work will examine how was the transition from traditional
suppliers to family farming in the provision of products for use in school meals in
Atibaia, specifically with regard to buying organic foods. The analytical categories
1996

are mobilized paradigms and images. The chosen methodology is qualitative


research, supported by Yves Surel and John Campbell research’s. The ten points
raised by Surel substantiate the paradigm shift analyzed in this text with the
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inclusion of organic food and family in the provision of meals in public schools in
the city.

INTRODUÇÃO

Nos anos recentes a agricultura familiar vivencia um dos processos mais


transformadores da sua história, na interface com as relações governamentais:
as compras públicas sustentáveis. Apesar de significativos avanços em relação
ao financiamento da produção dos pequenos rurais, a comercialização sempre
foi um grande entrave ao desenvolvimento e perpetuidade no campo. Por ser um
segmento extremamente pulverizado e pouco organizado, a produção desses
agricultores muitas vezes foi destinada a atravessadores ou grandes redes de
supermercados, que, por pagarem baixos valores pelas mercadorias, fazem com
que a produção possa se tornar inviável. A não garantia nem de preço nem de
demanda fez com que essa categoria se tornasse extremamente frágil.

Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


(PNAD) de 2008, apesar de 78% dos agricultores familiares declararem ter
vendido parte de seus produtos, somente 27% o fizeram a partir de
compromissos de venda estabelecidos antes ou no momento do plantio (IPEA,
2010).

O advento de políticas públicas federais destinadas à compra de produtos


de agricultores familiares, como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e
principalmente o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar),
proporciona aos pequenos produtores a oportunidade inédita de participarem de
canais de comercialização perenes e que privilegiam padrões sustentáveis de
produção e de consumo.
1997

Para isso, como mostrado em IPEA (2014, p.75), os governos passaram


a atuar “tanto para corrigir as falhas de produção, buscando um processo
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produtivo mais sustentável, quanto no consumo, ao optar por adquirir, nas


compras públicas, produtos com menor impacto no meio ambiente”. Segundo
este mesmo trabalho, como o consumo governamental de bens e serviços
representa algo entre 10% e 30% do produto interno bruto (PIB) de um país, este
pode criar “economias de escala e aumentar a demanda por determinados
produtos e, consequentemente, induzir a produção e oferta de bens de consumo
produzidos em bases mais sustentáveis” (IPEA, 2011 in IPEA, 2014, p. 75).

Dessa forma, as compras públicas em políticas como o PAA e,


principalmente, o PNAE, podem trazer, no médio prazo, uma grande
transformação no mundo rural brasileiro, se tornando uma prática garantidora do
desenvolvimento socioeconômico no campo, estimuladora do desenvolvimento
regional, responsável pela segurança alimentar e nutricional de mais de três
milhões de alunos da educação básica e grande auxiliadora na sustentabilidade
ambiental.
Em 2010, para a implantação do Projeto Agricultura Familiar na Merenda
Escolar, a prefeitura de Atibaia, município a 66 km de São Paulo e caracterizado
há décadas pela produção de flores e morangos, contratou por meio de chamada
pública a cooperativa Entre Serras e Águas, se tornando o primeiro município da
região (microrregião bragantina) a cumprir com essa regulamentação. Ademais,
todos os produtos fornecidos são orgânicos, atributo não necessário à
caracterização de agricultor familiar pela Lei Federal 11.326/06 (Política Nacional
da Agricultura Familiar).

Em função disso, este trabalho analisará como se deu a transição de


fornecedores tradicionais para agricultores familiares no provimento de produtos
destinados à merenda escolar em Atibaia, especificamente com relação à
compra de produtos orgânicos entre os períodos de 2001 a 2012, durante a
1998

gestão do Partido Verde (PV). Tal governo sucedeu administrações mais


conservadoras, pouco preocupadas com a produção agrícola sustentável e
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marcadas por investigações de irregularidades político-administrativas e


cassações de mandato.

A mudança em questão não se restringiu a uma transação econômica que


objetivava reduzir custo, ou a uma decisão política cujo propósito era auferir
benefícios a um grupo econômico da região, independente do produto oferecido.
Observou-se, essencialmente, o caráter de mudança de paradigma, com a
inserção da alimentação orgânica e familiar na oferta de merenda nas escolas
públicas do município, a partir de grupos que se identificavam com a ideia. Desta
forma, as categorias analíticas mobilizadas na discussão desse trabalho são
paradigmas (SUREL, 2008; CAMPBELL, 1998) e ideias (CAMPBELL, 1998).

MUNICÍPIO ESTUDADO

Atibaia faz parte da região conhecida como Circuito das Frutas Paulista,
que compreende 10 municípios e é caracterizada pela forte presença de
agricultores familiares. Conforme o Censo Agropecuário de 2006, dos 3.595
estabelecimentos agropecuários dessa área, 2.162 foram identificados como
sendo de agricultura familiar, representando 60,14% do total de
estabelecimentos (BRASIL. CENSO AGROPECUÁRIO, 2006 in
BERGAMASCO; SOUZA-ESQUERDO, 2015). Os pontos de destaque da região
são a intensa produção de frutas e o turismo rural, sendo um dos principais
destinos turísticos do estado de São Paulo. Fazem parte do Circuito das Frutas
os municípios de Atibaia, Indaiatuba, Itatiba, Itupeva, Jarinu, Jundiaí, Louveira,
Morungaba, Valinhos e Vinhedo, e seus principais produtos são uva, morango,
pêssego, goiaba, ameixa, caqui, acerola e figo.

Atibaia é conhecida tanto por sua expressiva produção de flores e


1999

morangos quanto por ser uma estância turística muito procurada por aqueles
que buscam tranquilidade fora dos grandes centros urbanos. A proximidade com
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São Paulo e Campinas aumentou o fluxo migratório nos últimos anos,


transformando o município em cidade dormitório.

A história de Atibaia está diretamente ligada à atuação dos bandeirantes


no século XVII. O município era a primeira parada para aqueles que saíam de
São Paulo na busca de metais preciosos em Minas Gerais. As pessoas que
começaram a se fixar na região iniciaram suas atividades com fazendas de gado
e produção de cereais, principalmente trigo. Dessa forma, a população era
composta principalmente de pequenos produtores e a economia caracterizada
por uma pequena produção agropecuária diversificada.

No final do século XIX e início do XX chegam à região muitos imigrantes


europeus e a partir da década de 1930 são os japoneses que começam a se
fixar no município, principalmente após a II Guerra Mundial. Hoje a colônia
japonesa é formada por aproximadamente 1300 famílias, sendo as principais
responsáveis pela produção de flores e morangos. Com relação à produção de
morangos, o município é o maior produtor do Estado de São Paulo, sendo a
primeira cidade brasileira a receber o selo PIMO (Produção Integrada de
Morangos) que certifica os produtores locais que utilizam menos agrotóxico e
seguem procedimentos nas lavouras que elevam a qualidade da fruta. Em
Atibaia também são produzidos 25% da produção nacional de flores, com mais
de 400 produtores na cidade.

Além da forte característica agrícola, a imigração japonesa trouxe também


as crenças religiosas dessa comunidade, como o Budismo, a Seicho-no-ie, o
Taoismo e a Igreja Messiânica (ou Fundação Mokiti Okada). A questão da
alimentação mais saudável ou sem uso de agrotóxicos é uma marca comum
para a maioria das religiões orientais, sendo que para a Igreja Messiânica é um
2000

dos seus pontos fundantes. Isso porque a doutrina messiânica é pautada no que
eles chamam de “três pilares da salvação”: o Johrei, o Belo e a Agricultura
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Natural. O primeiro é dito como a transmissão de energia universal através da

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impostação das mãos. O Belo está atrelado à valorização da arte através da


literatura, música, artes plásticas, teatro, entre outros. Já o terceiro é entendido
como um método de cultivo que não utiliza agrotóxicos nem fertilizantes
químicos, pois são entendidos como venenos para o solo e prejudiciais ao meio
ambiente e à saúde humana (GONÇALVES, 2009).

Em meados da década de 1970 chegam a Atibaia os primeiros sete


membros messiânicos japoneses responsáveis pela produção e disseminação
da agricultura natural no país. A Igreja recebe como doação uma fazenda onde
esses agricultores se instalam e formam uma colônia agrícola. Os produtos são
inicialmente ofertados aos integrantes da comunidade religiosa para serem
trocados por donativos.

A fazenda se desenvolve e em 1994 torna-se a empresa Korin Agricultura


Natural, baseada na filosofia e métodos da agricultura da Igreja Messiânica.
Atibaia foi seu primeiro polo de cultivo, mas hoje a instituição é composta por 65
pequenos e médios produtores de regiões de São Paulo, Minas Gerais, Paraná,
Santa Catarina e Bahia, com faturamento em 2015 de R$ 108 milhões.

A fazenda da Korin em Atibaia se tornou um importante centro


disseminador de conhecimento da produção agroecológica. Isso porque, além
de transmitir as técnicas da agricultura natural aos funcionários, atraiu também
agrônomos e produtores interessados na aprendizagem de métodos mais
sustentáveis de cultivo, difundindo esse conhecimento para além dos adeptos
da Igreja Messiânica.

METODOLOGIA: INSTRUMENTOS PARA O LEVANTAMENTO DOS DADOS


2001

A pesquisa utilizada no desenvolvimento desse trabalho foi a qualitativa,


por permitir identificar os fatores que determinaram ou que contribuíram para o
Página

rápido cumprimento da lei 11.947/09 em Atibaia, visando compreender a

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formulação e a implementação de políticas públicas voltadas à agricultura


familiar através do processo político e das dinâmicas institucionais e societais. A
estratégia analítica baseou-se na pesquisa bibliográfica e documental, além de
entrevistas semiestruturadas com gestores públicos da época e atores
relevantes da sociedade civil ligados à questão da agricultura familiar e orgânica
no município. Outro método utilizado foi a observação através da participação da
pesquisadora em reuniões do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural.

ARCABOUÇO TEÓRICO

O alicerce teórico do trabalho é a análise de Surel (2008) sobre


paradigmas e políticas públicas, desenvolvida a partir da discussão de Kuhn
(1983) em sua obra Estrutura das Revoluções Científicas. Ele considera a
natureza dual das políticas públicas, sendo estas concebidas como um arranjo
entre uma dimensão simbólica e um conjunto de processos concretos. A fim de
explicar o papel das políticas públicas no processo de categorização cognitiva e
de construção social da realidade, o autor discute a natureza das políticas
públicas, definidas como paradigmas. Dessa forma, serão apresentadas as
fases, os elementos e os efeitos que caracterizam as políticas públicas
desenvolvidas pelo autor, além da comparação de cada um com o caso estudado
nesse texto.

AS TRÊS FASES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

O contexto ou ambiência em que se dá a mudança de um paradigma é


tão importante quanto os elementos que o definem. Nesse sentido, Surel separa
2002

o contexto em três momentos ou fases, que vão da pré-política pública até a fase
de crise, passando por um período chamado política pública normal.
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Na pré-política é o momento da emergência de uma agenda através da


convulsão de percepções e definições distintas para um mesmo problema, de
forma que os atores formulam soluções incompatíveis para essa realidade. A
disputa entre paradigmas distintos se dá num ambiente em que desacordos
prevalecem sobre os consensos. Como mostrado pelo autor, é nessa fase que
se formam as redes temáticas (issue networks), sendo estas caracterizadas pela
ampla participação de atores que se reúnem em torno de temas específicos. Elas
também possuem baixa integração entre os membros, onde prevalecem o
dissenso e o conflito (RHODES, 2008 in CAPELLA; BRASIL, 2015).

O caso estudado mostrou que o cenário agrícola de Atibaia, até os anos


2000, era marcado principalmente por duas redes temáticas, a da agricultura
natural e a das flores e morangos. Apesar de essa última ser aparentemente
mais organizada e coesa, era formada por centenas de agricultores que muitas
vezes trabalhavam de forma independente, não se observando o
desenvolvimento de estratégias que beneficiassem o bem-estar comum.

Com relação à rede da agricultura natural, era formada principalmente por


atores da sociedade civil extremamente dispersos e com origens e atuações
distintas. Seus membros variavam desde seguidores de filosofias orientais,
portanto defensores dessa temática pelo aspecto da espiritualidade, até
produtores, intelectuais, políticos e membros da sociedade civil, mais ligados à
questão da saúde e sustentabilidade.

Paralelamente, havia centenas de outros pequenos agricultores com


produção diversa, mas que por possuírem um grau de integração extremamente
baixo não poderiam ser identificados como uma rede temática. A inexistência de
um compartilhamento de crenças suficientemente forte impossibilitava a defesa
2003

de um objetivo comum nesse grupo.

Seguindo o modelo de Surel, a fase subsequente é a denominada política


Página

pública normal, marcada principalmente por uma relativa estabilidade em


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função da consolidação de um paradigma dominante. Esse momento


corresponde à noção de comunidades de política (policy communities),
caracterizadas por uma maior estabilidade e consenso, maior hierarquia e mais
fechadas ao exterior. Como definidas por Rhodes (2008) in Capella e Brasil
(2015), uma comunidade de política caracteriza-se por

um número limitado de participantes com alguns grupos


conscientemente excluídos; interação frequente e de alta
qualidade entre todos os membros da comunidade em
todos os assuntos relacionados com as questões das
políticas; coerência em valores, filiação e resultados das
políticas que persistem ao longo do tempo; consenso, com
a ideologia, valores e preferências políticas gerais
compartilhados por todos os participantes; e relações de
troca com base no controle de alguns recursos por todos
os membros da comunidade de políticas. Assim, a
interação básica envolve a negociação entre os membros
com recursos (RHODES, 2008, p. 427 in CAPELLA;
BRASIL, 2015, p. 83).

Nesta fase predominam períodos relativamente regulares em que se


verifica a estabilização dos conflitos e o alcance da legitimidade advém do maior
compartilhamento de ideais, valores e normas. As mudanças frequentemente
se dão de forma marginal, semelhante à noção de incrementalismo do Lindblom
(1959; 1968). Segundo Surel,

la fase de ciencia normal o de política pública normal es por


tanto um periodo relativamente tranquilo de funcionamiento
2004

del campo social, donde las relaciones de fuerza, las


representaciones y los modos operativos son compartidos
Página

y legitimados (SUREL, 2008, p. 55).

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No caso de Atibaia, essa fase pode ser identificada com a chegada do PV


no executivo municipal. Nos anos entre 2001 e 2009, percebe-se o fomento de
políticas voltadas à agricultura familiar que objetivavam principalmente a
inserção e consolidação dos pequenos produtores na economia local, atitudes
estas não observadas até então. No entanto, apesar da produção orgânica ser
valorizada, esse não era o foco principal das ações governamentais. Medidas
como a realização de exposições periódicas, a criação de uma feira semanal
apenas com produtores familiares, a construção de um centro de capacitação
técnica e a aquisição dos produtos agrícolas para a merenda escolar antes de
2009 fizeram com que os pequenos produtores do município, antes dispersos,
aumentassem seu grau de integração.

Como isso, a partir do ambiente favorável pré-existente em relação à


valorização de produtos agroecológicos, foi possível a consolidação de um novo
paradigma em relação ao fomento de políticas voltadas à agricultura familiar.
Portanto, a implementação da Lei 11.947/09 em Atibaia, já em 2010, e a compra
de produtos orgânicos foram apenas consequências de um paradigma já
estabelecido. Mesmo o município não possuindo cooperativa de agricultores
familiares, condição imposta pela lei para o fornecimento de produtos à merenda,
havia um contexto dominado por ideias de uma produção agrícola mais
sustentável que influenciou o novo grupo político.

Baseado no modelo de multiple streams de Kingdon (1995 [1984]), a


promulgação da lei parece ter sido a janela de oportunidade na confluência do
fluxo dessas novas ideias, do fluxo de soluções para a implementação dessa
norma (como a fundação da Cooperativa Entre Serras e Águas que visava
justamente o fornecimento para o PAA e PNAE) e do fluxo político (os doze anos
de uma gestão que incluía a pauta da agricultura familiar na agenda). Dessa
2005

forma, a articulação entre os produtores familiares de orgânicos e atores políticos


interessados pela causa da agricultura familiar e produção sustentável foi
Página

viabilizada. A imposição legal da compra institucional de alimentos


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agroecológicos permitiu que ideias e valores pré-existentes se tornassem uma


prática constante.

Finalizando o ciclo de Surel, a terceira etapa seria a fase de crise, em


que ocorre o esgotamento de um paradigma dada sua impossibilidade de
solucionar os problemas vigentes ou, segundo o autor, de anomalias. Um
exemplo seria a falta de instrumentos resolutivos para lidar com as críticas da
opinião pública, levando ao fim de um paradigma. Como mostra o autor,

esta pérdida de referentes e instrumentos legítimos tiene


por corolario la búsqueda de nuevas formulaciones de
problemas, así como la puesta a punto de nuevas
soluciones más apropiadas. Volvemos a caer en una fase
análoga a aquella de la pre-ciencia, en que los paradigmas
competidores sostenidos por actores distintos están en
lucha por la definición legítima del sector, de la acción a
seguir y de las herramientas a emplear (SUREL, 2008, p.
57).
No campo político, o período de alternância de poder é a ocasião em que
frequentemente se dá a renovação da ação pública. A chegada de novos atores
normalmente implica a negação das escolhas políticas passadas. No caso de
Atibaia, isso ocorreu a partir de 2013, período em que um novo grupo político
assumiu o executivo municipal. Apesar de essa nova gestão ser dissidente da
anterior, mesmo se afirmando como oposição, a troca dos principais policy
makers e mediadores das políticas voltadas à agricultura familiar levou a um
refreamento das ações passadas. Ainda que o recorte temporal e análise
empírica desse texto seja o período entre 2001 e 2012, o levantamento
documental e a pesquisa de campo demonstraram a não priorização de políticas
2006

voltadas à agricultura familiar na atual gestão.


A partir desses três contextos, que demarcam o surgimento, a
Página

consolidação e a substituição de um paradigma, Yves Surel especifica quatro


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elementos que evoluem durante essas fases até que se consolide a mudança do
paradigma.

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DE UMA POLÍTICA PÚBLICA

Segundo Surel (2008), num espaço marcado pela alocação de recursos


escassos e exercício legítimo da força, como é o campo político, a mudança de
um paradigma se dá pela coexistência de quatro elementos: 1) princípios
metafísicos gerais; 2) hipóteses e leis; 3) metodologia e 4) instrumentos. Esses
componentes formam o que Kuhn chamou mais tarde de matriz disciplinar.

O primeiro elemento trataria das visões de mundo, ou, no caso das


políticas públicas, seriam os “paradigmas sociais”. Surel o define como um
conjunto de meta imagens sociais coletivamente legitimadas, ou seja, indicações
abstratas do modo de funcionamento da sociedade ou do campo político.

Essa definição se assemelha a de paradigmas cognitivos de Campbell


(1998), que trabalha com uma compreensão abrangente de como o mundo
funciona e como as instituições e instrumentos de política devem ser
organizados de forma a atingir os objetivos políticos gerais.

No caso de Atibaia, dos princípios metafísicos gerais fariam parte a


valorização de uma agricultura mais sustentável influenciada pelas crenças
religiosas enraizadas na região. Esses valores locais funcionaram como filtros
tanto para a entrada da pauta da produção agroecológica e da sustentabilidade
na agenda do novo grupo político, como para a consequente implementação da
lei 11.947/09 pelo município.

Já o segundo elemento, também chamado de normas de ação, seriam


2007

as razões que estabelecem um vínculo entre o sistema simbólico e o universo


concreto ou normativo. Ou seja, é a forma em que se arranjam os elementos a
Página

fim de se assegurar a operacionalização dos princípios metafísicos gerais. Dito


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de outra forma, é a passagem da dimensão puramente abstrata ou cognitiva


(também chamada de primeiro nível) para os marcos gerais de compreensão de
mundo (que seriam o segundo nível). A dimensão cognitiva está mais próxima
de uma visão individual e já a normativa se assemelha a uma pactuação coletiva.

Fazendo relação com as conceituações de Campbell (1998), essa


segunda fase se assemelha ao que ele descreve como quadros normativos.
Estes são formados por três componentes: ideias normativas, crenças
normativas e identidades. Ideias normativas seriam valores, atitudes, normas
ou expectativas coletivamente compartilhadas que podem afetar a posição dos
formuladores sobre as políticas públicas, de forma que os policy makers levam
em consideração o peso moral e social na tomada de decisão.

Por crenças normativas Campbell se refere a valores individuais tão


fortes que se sobrepõem ou substituem o autointeresse na tomada de decisão.
Seriam verdades ou axiomas enraizados e inquestionáveis que não permitiriam
sua ruptura por ações autointeressadas dos decisores políticos. Já as
identidades são imagens ou ideias historicamente construídas de como o
indivíduo ou a instituição se vê em relação aos outros. É o processo de como os
atores percebem seus interesses e a partir disso fazem escolhas acerca das
instituições e políticas que mais lhes beneficiam.

Em Atibaia, as normas de ação podem ser compreendidas como os temas


que entraram na agenda do novo grupo político. Tanto os programas de governo
quanto a formulação dos planos de ação foram influenciados pelos valores pré-
existentes, sendo materializados pela pauta do reconhecimento da pequena
produção e do desenvolvimento sustentável.
2008

Por terceiro elemento, ou metodologia, é o que Surel se refere à


articulação entre as normas de ação e a realidade. Para transformar o mundo
Página

concreto atual naquele que se pretende alcançar, os atores definem as relações

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e comportamentos apropriados para que se alcance um objetivo específico. Ou


seja,
Aplicar este tercer nivel a las políticas públicas implica
definir los tipos de relación que se consideran los más
apropiados en un caso específico, entre el Estado y el
sector concernido. Esta noción parece abarcar entonces
posturas tales como la coerción, la mediación o la
concertación. Si se consideran legítimas las autoridades
públicas, la actualización de tales metodologias supone
entonces analizar las elecciones hechas entre consulta de
los actores sociales, la investigación explícita de un
compromiso o bien la preferencia por una relación de
fuerza entre Estado y sociedad civil (SUREL, 2008, p.50).
No caso analisado, esse elemento faz alusão à formulação de políticas
em si. Ou seja, a elaboração de políticas que tinham por objetivo o fomento à
agricultura familiar e sustentabilidade. A partir de um mapeamento da produção
agrícola local, através de levantamento do número de agricultores, tipo de
produção e canais de comercialização, foram desenhadas políticas que
pretendiam tanto aproximar os produtores do município quanto viabilizar seu
desenvolvimento financeiro. Dentre elas estão as políticas já citadas
anteriormente, como a realização de exposições periódicas, criação de uma feira
semanal somente com produtores familiares, construção de um centro de
capacitação profissional, além da aquisição dos produtos agrícolas para a
merenda escolar antes da Lei Federal 11.947/09.
Por fim, o quarto elemento se refere aos instrumentos e ferramentas
que facilitam a observação, explicação e ação de um novo paradigma, ou seja,
2009

de uma nova política. Um exemplo seria a aprovação de uma lei, a construção


dos discursos ou a criação de uma instituição específica. Essa etapa se relaciona
com o que Campbell (1998) chamou de ideias programáticas, que seriam
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MERENDA ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE ATIBAIA - SP
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ATIBAIA - SP

ideias que facilitam o processo de formulação de forma a resolver determinados


problemas políticos. Dito de outra forma, seria a orquestração entre atores,
instituições e instrumentos na busca de solução para problemas específicos
dados princípios paradigmáticos bem estabelecidos.
Em Atibaia, um dos instrumentos observados foi a aprovação da lei
orgânica nº 4087, de iniciativa de um grupo de funcionários da prefeitura trazidos
pelo novo grupo político. Ela criou o Programa Municipal da Agricultura de
Interesse Social - PMAIS, voltado aos agricultores familiares e empreendedores
familiares rurais, bem como às respectivas associações e cooperativas. De
acordo com essa norma, 20% dos recursos destinados à aquisição de gêneros
alimentícios in natura ou processados pelos órgãos da administração pública
devem advir da compra de produtos da agricultura familiar e do empreendimento
familiar rural, mediante chamada pública. Ou seja, diferentemente da Lei Federal
nº 11.947/09, essa lei municipal permite que além das associações e
cooperativas, agricultores familiares autônomos também sejam fornecedores de
produtos à prefeitura, contemplando com isso todos os produtores locais.
Portanto, definir uma política pública como paradigma supõe considerar
um conjunto formado pelos quatro elementos descritos. Dessa forma, um
paradigma não se resume a uma ideia coletivamente compartilhada, mas se
constitui em algo muito maior que abarca elementos simbólicos e concretos. Ou
seja, “un paradigma no es solamente una imagen social, sino un conglomerado
de elementos cognitivos y prácticos que estructuran la actividad de un sistema
de actores, que lo hacen coherente y durable” (SUREL, 2008, p. 51).
Por fim, o trabalho de Surel discutirá as consequências da adoção de uma
política pública tanto nas relações internas dos atores políticos quanto na
interação deles com a sociedade, sendo esses vínculos estruturantes do campo
2010

em que ocorrem. Ele tratará também da construção social da realidade a partir


de um sentimento coletivamente legitimado, além de analisar o impacto das
políticas no progresso social.
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FUNÇÕES OU EFEITOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

A estabilização de um paradigma gerará efeitos internos e externos ao


núcleo de atores que o consolidou, de forma que sua sustentabilidade se dará
através da legitimidade atribuída a ele pelo conjunto da sociedade. Com isso, as
políticas públicas ou paradigmas funcionam como um elemento aglutinador dos
atores sócio-políticos, tanto no universo abstrato (cognitivo) quanto no concreto
(normativo). O compartilhamento de crenças, que define as ações desejáveis e
que interfere diretamente na formulação de políticas, alimenta a matriz setorial
de forma que seus elementos sempre estarão afinados com a vontade de um
grupo social, sendo este restrito ou geral. Assim, Yves Surel divide os efeitos das
políticas públicas em três funções principais: função estruturante, definição de
um sentido coletivamente legítimo e progresso social.
A função estruturante ocorre tanto no interior quanto no exterior do setor
observado. Do ponto de vista interior, a adoção de um paradigma por um grupo
de atores modifica as relações de força dentro do aparelho do Estado. As novas
ideias materializadas em políticas redistribuem as prioridades, as formas de ação
e, consequentemente, a alocação de recursos de poder. Já na estruturação
externa se observa a afirmação da identidade do grupo pelas escolhas políticas
adotadas, sendo estas as que definirão sua relação com a sociedade. Com isso,
as autoridades públicas se legitimam para além dos procedimentos tradicionais
do voto, estreitando sua relação com o meio externo.

Essa legitimação acaba também por intervir nas imagens gerais que a
sociedade tem dela e do seu tipo ideal, permitindo às políticas públicas também
participarem da construção social da realidade em que estão envolvidas,
2011

podendo inclusive modificar o seu entorno. Apesar de o campo social ser sempre
permeável a enfrentamentos, o sentido de legitimidade coletivamente
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compartilhada permite que uma ação, sustentada por um grupo menor de


atores, perdure durante determinado período de tempo.

Portanto, as políticas públicas podem ser entendidas como produtos da


sociedade. Elas permitem que haja a integração entre os atores políticos e
sociais através de um compartilhamento de valores, crenças e normas que
definem a auto imagem de uma realidade e as ações desejáveis, ou seja, o
progresso social. Dito de outra forma,

las políticas públicas constituyen uno de estos modos de


producción de la sociedad por ella misma, por tanto, que
ellas forman un modo de integración de los actores socio-
políticos en un marco cognitivo y normativo que
circunscribe las imágenes y las acciones deseables. En
consecuencia, si hay “necesidad” del paradigma es más
bien en el sentido de que la matriz permite a la sociedad
preservarse bajo otra forma, adaptarse a ella misma
(SUREL, 2008, p. 63).
No município de Atibaia observou-se que os legados pré-existentes, como
a valorização de uma produção agrícola mais sustentável, já estavam
cristalizados nas relações internas do novo grupo político. No campo exterior, as
políticas voltadas à agricultura familiar materializaram algo que já era um valor
local. Logo, a transformação de um valor em políticas públicas reforçou o
sentimento social de representação pelo aparelho estatal, e isso reafirmou a
legitimidade da gestão estudada.

As políticas adotadas na gestão do PV, sendo algumas perpetuadas na


gestão subsequente por escolha própria ou por imposição legal, podem ser
2012

entendidas como um progresso social advindo do compartilhamento de imagens


suficientemente fortes que possibilitaram a realização de ações coletivamente
Página

desejáveis.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar de mudança de paradigma pode ser algo especialmente delicado,


principalmente quando o objeto de estudo é único ou limitado. Entretanto,
desconsiderá-la pode ocultar processos sociais e políticos importantes que
interferem no direcionamento das políticas públicas. Além disso, a união de dois
subsistemas institucionalmente apartados até 2009, como o da agricultura
familiar e o da alimentação escolar, reforça a ideia da complexidade analítica
que o PNAE impõe.

Para superar esse desafio, foram utilizados os norteadores do trabalho de


Yves Surel (2008) para analisar a instauração do paradigma da agricultura
familiar e alimentação orgânica em Atibaia. Foi possível observar, portanto, que
a propagação das ideias relacionadas à produção e consumo da agricultura
natural, inicialmente atrelada às crenças religiosas de um grupo específico,
ganhou força e se enraizou na região.

Com isso, esses códigos informais (valores e convenções sociais), que


podem ser considerados instituições, funcionaram como filtros para a penetração
das novas regras do PNAE, a partir de uma ambiência política já permeada por
tais valores. Isto é, as instituições que se consolidaram em Atibaia através do
compartilhamento dessas crenças podem ter viabilizado a pauta da produção
agrícola sustentável na agenda governamental durante a gestão do PV,
possibilitando a instauração de um novo paradigma. Dessa forma, a
implementação da lei 11.947/09 foi facilitada, pois exigiu algo que já era um valor
local, ou seja, a importância da agricultura familiar e orgânica.
2013
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2015
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GRUPO DE TRABALHO 6 – GT6

DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

POLÍTICAS PÚBLICAS E COMPETITIVIDADE NA


INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: OS CASOS DO BRASIL E
DA ÍNDIA135

KLEBER ALVES DA SILVA FRANCULINO

Economista pela UNESP – Universidade


Estadual Paulista, mestrando no Programa de
2016
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135Trabalho publicado no Anais do XVI Congresso Latino-Iberoamericano de Gestão da


Tecnologia – ALTEC 2015. ISSN: 2447-3340
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BRASIL E DA INDIA

Pós Graduação em Economia Pela UNESP. E-


mail: kleber.franculino@gmail.com

RESUMO

Este trabalho procura avaliar de que forma as políticas públicas adotadas pelo
Brasil e pela Índia ao longo da história influenciaram o desenvolvimento da
indústria farmacêutica nesses países. Para isso, realizamos uma breve revisão
histórica da indústria e das medidas adotadas por ambos os países. Além disso,
verificamos por meio de indicadores de comércio internacional o desempenho
demonstrado ao longo de um período que visa captar os efeitos da adoção do
acordo TRIPS (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights) sobre a
estrutura produtiva de medicamentos. A hipótese assumida é a de que os fluxos
de comércio internacional podem revelar aspectos da competitividade da
indústria. Após a análise dos indicadores, verifica-se que a continuidade das
políticas adotadas é de fundamental importância para que seja possível
promover o desenvolvimento da indústria farmacêutica nos países em
desenvolvimento.

ABSTRACT

This study evaluates how the public policies adopted by Brazil and India
throughout history have influenced the development of the pharmaceutical
industry in these countries. To this end, we conducted a brief historical review of
the industry and the measures adopted by both countries. In addition, we found
through international trade indicators performance demonstrated over a period
which aims to capture the effects of the adoption of the TRIPS Agreement (Trade
2017

Related Aspects of Intellectual Property Rights) on the production structure of


drugs. The assumption made is that the international trade flows may reveal
Página

aspects of the industry competitiveness. After analyzing the indicators, it appears

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that the continuity of the policies is crucial to be able to promote the development
of the pharmaceutical industry in developing countries.

INTRODUÇÃO

O ambiente produtivo e as oportunidades para o desenvolvimento de cada


região ou país variam significativamente. Ao observar o tipo e o montante de
produção e comércio internacional das nações, podemos constatar diferentes
desempenhos. Todavia, essas diferenças são mais visíveis quando se associa
os patamares de desenvolvimento industrial ao grau ou domínio das tecnologias
consolidadas pelos países. Em indústrias intensivas em ciência e tecnologia,
como é o caso da indústria farmacêutica, as diferenças são bastante visíveis.

Dosi e Soete (1988) argumentam que a tecnologia – e mais


especificamente, cada paradigma tecnológico - sob o qual são produzidos
determinados bens, rendem um padrão de mudança técnica relativamente
cumulativo e irreversível, com características específicas ao país. O processo de
mudança técnica segue uma lógica evolucionária de inovação e difusão de novas
técnicas produtivas e produtos, que, de acordo com os graus de oportunidade,
cumulatividade e apropriabilidade da tecnologia (MALERBA; ORSENIGO, 1997),
podem conduzir a um maior grau de convergência ou divergência nas
capacidades tecnológicas dos países e das empresas.

Segundo Amendola et al (1991), as diferenças tecnológicas entre os


países são fundamentais para explicar os padrões de comércio. As assimetrias
tecnológicas existentes, resultado da especialização, afetam o desempenho
competitivo dos países no comércio mundial, em especial dos latecomers. No
entanto, o desenvolvimento de maior eficiência produtiva não é um processo que
2018

ocorre naturalmente via aquisição de maquinas e equipamentos que possuem


maior tecnologia, mas depende da construção de capacidades internas ou
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domésticas não incorporadas e não derivadas diretamente dos bens de capital


ou da aquisição de know-how tecnológico (BELL; PAVITT, 1995).

As políticas governamentais podem exercer um papel importante na


construção e consolidação de ambientes e oportunidades propícias para o
desenvolvimento de diferentes indústrias. A participação ativa dos governos é
capaz de influenciar não somente o modo como as empresas atuam no mercado
e a forma como tomam decisões estratégicas, mas também o surgimento de
novas firmas. Assim, muitas vezes essa ação implica em resultados e
consequências que possuem ligação com a consolidação de um ambiente
econômico favorável.

Em termos de políticas governamentais – e mais especificamente,


políticas industriais - que influenciam as atividades econômicas, é preciso
considerar as diferentes visões existentes. Conforme Suzigan e Furtado (2006),
a visão liberal defende que política industrial é uma forma de corrigir imperfeições
de mercado (externalidades, incerteza, informação assimétrica, entre outros),
sendo essencialmente de natureza horizontal, ou seja, elaborada de forma a não
diferenciar setores ou atividades. Por outro lado, a visão da economia
evolucionária propõe uma política industrial ativa, direcionada a setores ou
atividades capazes de induzir mudança tecnológica, bem como ao ambiente
econômico e institucional responsáveis por influenciar o desenvolvimento das
empresas e indústrias. Da mesma forma que a política governamental pode ter
um papel determinante no desenvolvimento econômico, ela pode incitar
vantagens competitivas nas firmas e no país. No entanto, para que isso seja
possível, é necessário que os incentivos gerados pela política sejam percebidos
e explorados apropriadamente por parte das firmas (GUENNIF; RAMANI, 2012).
2019

A estratégia empresarial que visa aproveitar ou construir vantagens deve


considerar a estrutura da indústria e as forças que compõem a sua lógica
Página

competitiva, como o poder de barganha dos fornecedores e dos compradores, a


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ameaça de entrada de novas empresas e produtos e a própria rivalidade dos


competidores existentes (PORTER, 1989). Na relação existente entre essas
decisões estratégicas e as políticas governamentais, os regimes regulatórios dos
países são elementos essenciais para a condução do comportamento
empresarial, o que se se observa mais claramente na atuação das empresas
multinacionais (IETTO-GILLIES, 2005), que decidem alocar diferentes etapas de
seu processo produtivo de acordo com as vantagens que diferentes países
oferecem.

Embora se discuta e procure compreender as vantagens competitivas dos


países, são as empresas que competem no mercado, muitas vezes para isso
adotando estratégias de internacionalização. Grande parte da competição entre
as empresas depende de elementos como as políticas de cambio, de juros e de
comércio exterior. Neste trabalho, o objeto de estudo será o comércio
internacional da indústria farmacêutica e as vantagens competitivas dos países.
As empresas multinacionais serão consideradas quando, por motivos de
estratégia alocativa de etapas produtivas, sua atuação influenciar os resultados
de comércio internacional dos países nos quais atuam. Nesse sentido, a
interpretação dos indicadores implica também em se fazer as devidas
considerações em termos de atuação de empresas multinacionais sobre esses
resultados nacionais. Apesar disso, a decisão de uma empresa multinacional em
alocar uma etapa de seu processo produtivo em um país (ou utiliza-lo como
plataforma exportadora) decorre da percepção da existência de uma vantagem
a ser aproveitada neste país (IETTO-GILLIES, 2005). Desse modo, embora a
exportação seja feita por uma empresa multinacional, a discussão sobre as
vantagens ou desvantagens dos países continua válida.
2020

O Desenvolvimento da indústria farmacêutica


O desenvolvimento e a consolidação de uma indústria farmacêutica
Página

nacional dependem de diversos fatores, principalmente aqueles relacionados

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com o patamar de domínio técnico das empresas e as condições estruturais da


economia (marco regulatório, mecanismo de fomento, taxa de cambio, entre
outros). GUENNIF e RAMANI (2012) e RAY (2008), entre outros estudos,
indicam que a aplicação de políticas bem direcionadas em países em
desenvolvimento promoveu a construção de capacitações que induziram
mudanças na estrutura e competitividade da indústria. Em alguns desses casos,
o processo de aprendizado pautou-se na produção de medicamentos genéricos,
uma vez que não requerem conhecimentos técnico-científicos da fronteira
tecnológica.

Apesar de o sucesso de uma determinada política pública depender


fortemente de condições econômicas não diretamente influenciadas pelo estado,
verifica-se que adoção de determinadas políticas públicas pode ser decisiva no
processo de desenvolvimento industrial e tecnológico. Nesse sentido, a
condução da política que visa o desenvolvimento de uma determinada indústria
deve ser baseada na resposta dos agentes, dadas as mudanças ocasionadas
no ambiente competitivo relacionadas ao surgimento de janelas de
oportunidades.

Observa-se, no entanto, que fatores externos às decisões deliberadas de


um estado nacional podem, ocasionalmente, também gerar janelas de
oportunidade para o desenvolvimento de uma indústria. A atuação do estado,
nesse caso, por meio de alterações em marcos regulatórios, visando
corresponder às novas condições estabelecidas, podem acelerar a resposta dos
agentes na busca por elevar seus níveis de capacitação técnico-produtivas. De
todo o modo, a combinação dada pelo grau de capacidade produtiva e
tecnológica das firmas e o ambiente competitivo sob o qual os agentes operam
2021

e tomam decisões definem as reais possibilidades de desenvolvimento de uma


indústria.
Página

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BRASIL E DA INDIA

O presente estudo procura avaliar os resultados das políticas públicas que


objetivaram o desenvolvimento da indústria farmacêutica no Brasil e na Índia.
Nesse intuito, inicialmente analisamos as medidas governamentais adotadas por
ambos os países. A seguir, tomando como pressuposto que a competitividade
de uma indústria pode ser estimada pelos fluxos de comércio exterior,
empregamos alguns indicadores (valor médio, vantagem comparativa revelada,
entre outros) como medida de competitividade da indústria farmacêutica nos dois
países. Os indicadores foram calculados para o período de 1995 a 2011. Esse
período foi escolhido por captar os efeitos de importantes mudanças em termos
de regime de propriedade intelectual que impactaram fortemente a atuação dos
agentes no esforço de construir capacitações produtivas e tecnológicas. A
hipótese principal é de que o sucesso das políticas públicas se traduz também
no aumento da competitividade internacional.

ANÁLISE DOS INDICADORES DE COMÉRCIO

Analisamos o comércio exterior da indústria farmacêutica do Brasil e da


Índia através de diferentes indicadores. Esses indicadores são utilizados como
instrumentos de avaliação das condições estruturais, de desempenho e das
capacitações produtivas e tecnológicas dos dois países.

Nessa perspectiva, os indicadores utilizados permitem determinar o grau


de dependência de um país com relação à produção estrangeira, bem como a
presença que esse país possui no mercado internacional. Os fluxos de
exportação de bens produzidos por um país podem revelar o grau de
competitividade, enquanto os fluxos de importação podem indicar a
2022

dependência, tanto de insumos - inserção internacional - quanto de bens finais


produzidos – (in)dependência externa. O comércio internacional, sob essa
perspectiva, reflete a realidade técnico-produtiva na qual o país está inserido,
Página

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podendo também revelar o grau de maturidade de sua indústria. A hipótese


básica é a de que os países exportam bens nos quais possuem vantagem
competitiva, enquanto importam bens nos quais não possuem essa vantagem.

O segundo pressuposto assumido é de que os países com mão de obra


qualificada e disponibilidade de capitais, podem produzir e comercializar bens
que possuem alto valor agregado. Alternativamente, os países com menos
desses recursos apresentam forte dependência tecnológica, que se refletem nos
baixos índices de exportações de bens de elevado conteúdo tecnológico,
acompanhada de percentuais elevados de importações de bens dessa natureza.

No entanto, as estratégias produtivas adotadas, por exemplo, pelas


empresas multinacionais podem influenciar no resultado dos indicadores
calculados. Isso é especialmente verdadeiro quando se considera a
internacionalização de diferentes etapas de uma mesma cadeia de produção. No
caso da indústria farmacêutica, observa-se a tendência da concentração das
etapas de produção de maior valor agregado em países mais desenvolvidos. Os
países menos desenvolvidos atuam nas etapas que possuem menor dinamismo
técnico-econômico, especialmente na manufatura, seja de medicamentos de
referência ou genéricos a partir de insumos importados. Além disso, as empresas
multinacionais podem utilizar um país como base exportadora para outras
regiões. Dessa forma, é exigido um estudo atento das condições históricas para
que se possa compreender determinados resultados alcançados em termos de
comercio internacional.

Para a construção dos indicadores foram utilizados dados disponibilizados


pelo COMTRADE (United Nations Commodity Trade Statistics Database). Os
dados possuem nível de desagregação de quatro dígitos, o que permite uma
2023

distinção entre as diferentes classes terapêuticas. As classes estudadas são os


antibióticos (código 5421), hormônios (5422), alcaloides (5423) e medicamentos
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n.e.s. (not elsewhere specified) (5429) que são medicamentos não especificados
em outras categorias.

FLUXOS DE COMÉRCIO

O período em exame inicia-se logo após o Plano Real, em 1995. Para o


Brasil, verifica-se um volume de importações significativamente superior ao das
exportações de medicamentos, resultado que indica a necessidade de
abastecimento do mercado doméstico com importações, dada a insuficiente
produção nacional. As importações são tanto de medicamentos prontos quanto
insumos farmacêuticos, necessários para a produção de medicamentos,
enquanto as exportações brasileiras realizadas no período são principalmente
de medicamentos genéricos. Essas últimas são compostas por medicamentos
prontos, de valor agregado mais baixo. Os medicamentos de referência
exportados pelo Brasil são, na maioria das vezes, produzidos por empresas
multinacionais que utilizam o país como plataforma exportadora.

No caso da Índia, as exportações são maiores que as importações no


período observado. Ao contrário do Brasil, com a liberalização da economia
indiana nos anos 90 a produção de medicamentos e bens farmacêuticos
aumentou. Novas firmas entraram no mercado e as já existentes expandiram a
manufatura, o que anteriormente só era permitido através de autorização
(Ramani & Guennif, 2011). A produção indiana cresceu tanto em termos de
medicamentos prontos quanto em farmoquímicos e insumos farmacêuticos,
indicando um adensamento das etapas produtivas da indústria. No entanto, os
genéricos respondem pela maior parte das exportações indianas.
2024

As importações indianas permanecem em patamares baixos, se


comparado com as exportações: se as primeiras aumentaram de forma não
Página

linear, as taxas de crescimento da segundas foram superiores, revelando o

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esforço de diminuição da dependência externa. Com o crescimento da produção,


uma parcela importante da demanda doméstica passou a ser atendida por
medicamentos produzidos na Índia por empresas de capital nacional. Isso foi
possível devido a especialização dessas empresas na produção de
medicamentos genéricos, que possibilitou a construção de capacitações técnico-
produtivas ao longo do tempo.

DESTINOS DAS EXPORTAÇÕES

O volume e os fluxos de comércio são elementos importantes para a


compreensão da dinâmica produtiva dos países, pois essa interação auxilia a
determinar o nível de capacitação produtiva de um país. Para isso, devemos
considerar não apenas o tipo de bem comercializado, o volume e o sentido da
transação comercial, mas também os parceiros comerciais.

Na tabela 1, vemos os destinos das exportações de medicamentos


brasileiros e indianos. Os destinos das exportações revelam diferenças
importantes. Exportar para países que reconhecidamente possuem níveis de
exigência regulatória elevados implica em uma produção que atenda a esses
requisitos, o que envolve não só um rígido controle no modo de produção, mas
também capacidade para adequação a padrões internacionais de qualidade.

Nesse sentido, a capacidade de diversificação de parceiros comerciais é


um importante indicativo de capacidade em lidar com diferentes sistemas
regulatórios. Os países centrais possuem padrões de qualidade mais exigentes,
além de representarem mercados mais competitivos, enquanto que os países
menos desenvolvidos podem ter níveis menores de exigência regulatória, e
2025

mercados em que a concorrência é menos acirrada.

No caso indiano, a acumulação prévia de capacitações permitiu a entrada


Página

nos principais mercados do mundo, mais competitivos e exigentes. De 1995 a


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2011, observa-se um crescente fluxo de exportações os Estados Unidos. A


exportação de medicamentos para os Estados Unidos cresceu de 7,12 % do total
das exportações indianas em 1995, para 17,27 % em 2004 e 30,4 % em 2011.
Para a Europa e Ásia, observa-se uma diminuição no valor das exportações,
embora em volume as exportações tenham se mantido, indicando crescimento
no volume total exportado.

Esses percentuais podem ser explicados por um conjunto de fatores


associados. Primeiro, a construção de capacitações produtivas pelas firmas
indianas. Esse feito frequentemente é realizado no longo prazo, levando em
consideração o tempo necessário para que as firmas respondam às políticas
setoriais praticadas para estimulo à produção e a qualidade. Em segundo lugar,
a janela de oportunidade que se abriu, especialmente em 2003 e entre 2005 e
2010, com a expiração de patentes de diversos medicamentos nos Estados
Unidos, criando a possibilidade de comercialização de genéricos. Em terceiro
lugar, a necessidade de diminuição de gastos com a saúde impulsionou as
vendas dos novos genéricos que se apresentavam como alternativa a
medicamentos utilizados pela população. Uma vez que havia a possibilidade de
comercializar genéricos em conjunto com a intenção de diminuir gastos com
saúde, as empresas indianas, já capazes de produzir medicamentos genéricos
com qualidade, obtiveram sucesso ao entrar no mercado dos Estados Unidos.

No caso do Brasil, o destino das exportações de medicamentos é


principalmente o mercado regional. Historicamente, o principal destino de
exportação dos medicamentos brasileiros são mercados periféricos latino-
americanos. Por exemplo, no ano de 1995, Argentina, Chile, Peru, Venezuela e
Bolívia representaram cerca de 70% do total de exportações brasileiras,
2026

indicando forte concentração nesses mercados.

Embora a América Latina ainda represente o principal destino das


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exportações brasileiras, observa-se o crescimento da participação do mercado


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europeu, apesar de ocorrer de forma bastante concentrada em poucos países.


No ano de 1995, de toda a exportação brasileira, 11,74% foi destinada à Europa,
sendo que deste montante 10,22% teve como destino a Alemanha. Em 2004,
5,56% das exportações tiveram como destino a Europa, com a Alemanha
representando praticamente a totalidade. Em 2011, 31,59% das exportações de
medicamentos realizadas pelo Brasil foram para a Europa, sendo que a
Alemanha representou 3,4 %, enquanto a Dinamarca representou 22,66% do
total.

Essa mudança na participação relativa da América Latina com relação à


Europa pode ser explicada pela atuação de empresas multinacionais no Brasil,
em especial no caso da Dinamarca como destino de exportação. O surgimento
da Dinamarca como destino de exportação é resultado da estratégia particular
da empresa dinamarquesa Novo Nordisk: aquisição de tecnologia e planta
produtiva da brasileira Biobrás e utilização do Brasil como plataforma
exportadora de medicamentos contendo hormônios.

Em suma, as exportações indianas são, em grande parte, de


medicamentos genéricos produzidos por empresas de capital indiano, com cerca
de 50% destinados para o mercado dos EUA (30%) e Europa (18%). Assim, a
presença de medicamentos indianos no mercado dos Estados Unidos em grande
medida é resultado dos esforços dispendidos no sentido de tornar a indústria
farmacêutica indiana mais competitiva a nível internacional.

Por outro lado, as exportações brasileiras são, em grande parte,


concentradas nos mercados regional (50%) ou dependentes das estratégias
praticadas por empresas multinacionais (32%). Assim, a presença no mercado
europeu não se dá devido à construção de capacitações produtivas pelas
2027

empresas brasileiras, mas sim pela inserção do país na cadeia internacional de


produção através de um produto específico.
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BRASIL E DA INDIA

Tabela 1:Destinos de exportação e saldo comercial do Brasil e da Índia

Brasil India Brasil India Brasil India


1995
Exp Exp Imp Imp Exp-Imp Exp-Imp
Região % % % %
(US$) (US$) (US$) (US$) (US$) (US$)
Estados Unidos 10,1 6,0 56 7,8 174,4 17,8 45,1 11,2 -164,3 10,9
Europa 56,1 33,5 269,1 37,2 656,7 67,1 207,3 51,2 -600,6 61,8
Asia 8,1 4,9 185,8 25,7 24,7 2,5 137,2 33,9 -16,6 48,6
América Latina 89,8 53,6 19,2 2,7 113,4 11,6 4,5 1,1 -23,6 14,7
Africa/Ori. Médio 2,6 1,6 148,8 20,6 2 0,2 8 2,0 0,6 140,8
Total 166,9 99,6 679,1 93,8 971,4 99,2 402,4 99,4 -804,5 276,7
Brasil India Brasil India Brasil India
2004
Exp Exp Imp Imp Exp-Imp Exp-Imp
Região % % % %
(US$) (US$) (US$) (US$) (US$) (US$)
Estados Unidos 30,4 7,7 352,4 15,5 449,2 21,0 61,3 9,0 -418,8 291,1
Europa 59,6 15,1 598,7 26,4 1.234 57,6 347,5 51,1 -1174,4 251,2
Asia 11,9 3,0 317,7 14,0 219,5 10,2 239,7 35,2 -207,6 78
América Latina 271,6 68,7 147,8 6,5 180,6 8,4 16,9 2,5 91 130,9
Africa/Ori. Médio 6,3 1,6 534,6 23,7 5,3 0,3 3,7 0,5 1 530,9
Total 380 96,1 1.951 86,1 2.089 97,5 669,2 98,4 -1.709 1.282
Brasil India Brasil India Brasil India
2011
Exp Exp Imp Imp Exp-Imp Exp-Imp
Região % % % %
(US$) (US$) (US$) (US$) (US$) (US$)
Estados Unidos 169,6 10,8 2.485 26,2 1.406 19,4 273,30 10,0 -1.236 2.211,7
Europa 444,4 28,3 2.118 22,3 4.806 66,3 1.152 42,1 -4.362 966,0
Asia 83,6 5,3 1.262 13,3 627,7 8,7 1.201 43,9 -544 61,0
América Latina 738,85 47,1 497,8 5,2 304,6 4,2 38,7 1,4 434 459,1
Africa/Ori. Médio 7,2 0,5 2.496 26,3 33,2 0,5 33,8 1,2 -26 2.462,2
Total 1.443 91,9 8.860 93,2 7.177 99,0 2.699 98,7 -5.734 6.161,0

Fonte: Comtrade. Elaboração dos autores.


2028

Nota: produtos classificados no SITC. Ver. 3, cód. 54.


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EXPORTAÇÕES POR CLASSE TERAPÊUTICA

No gráfico 1, podemos avaliar os fluxos de exportação de medicamentos


por classes terapêuticas. A participação de cada país no montante de
exportações mundiais pode ser observada por classe de medicamentos.

Conforme o gráfico, a maior parte das exportações indianas consiste em


antibióticos. A predominância dos antibióticos existe desde o início da série, com
forte tendência de crescimento. Em 2008, 8% de todas as exportações de
antibióticos do mundo foram feitas pela Índia, classe terapêutica na qual o país
é especializado. Além dessa aparente expertise, as exportações indianas de
alcaloides e hormônios e medicamentos n.e.s. também crescem, mas a taxas
inferiores a dos antibióticos. Esse desempenho é explicado pelo esforço histórico
do setor público para capacitar a indústria indiana nesse segmento.

A grande mudança da indústria farmacêutica mundial, que possibilitou o


crescimento das exportações de antibióticos indianos, foi o termino de patentes
de uma quantidade de medicamentos sem precedentes. O conjunto de
medicamentos blockbuster que tiveram suas patentes expiradas incluem
medicamentos para depressão, diabetes, colesterol, enjoo, alergia, HIV,
hepatite, antivirais, alergênicos, calvície, anticoagulantes e antibióticos. Analistas
revelaram que entre 2005 e 2010, medicamentos que movimentavam de 55 a 60
bilhões de dólares teriam suas patentes expiradas. (ECONOMIC TIMES, 2004).
Assim, as janelas de oportunidade geradas pela expiração de patentes foram
bem percebidas e aproveitadas pelas empresas indianas.

Gráfico 1: Participação no comércio mundial por classes terapêuticas


2029
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1,80
Bilhões

1,60

1,40

1,20 hormônios India


alcalóides India
1,00
antibióticos India
0,80 hormônios Brasil

0,60 alcalóides Brasil


antibióticos Brasil
0,40

0,20

0,00
95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15

Fonte: COMTRADE. Elaboração dos autores.


Nota: produtos classificados no SITC. Ver. 3, cód. 5421 e 5413, 5422 e 5415,5423 e 5414

A oportunidade de iniciar a produção de um medicamento genérico,


somada às necessidades de diminuição dos custos com saúde nos países
representa uma janela de oportunidade para as firmas indianas extremamente
importante. A junção desses dois fatores contribui para a inserção nos mercados
internacionais.

Ademais, os resultados também expressam que as firmas indianas


tiveram sucesso na tentativa de obter autorização para produzir antibióticos,
capacitando-se na produção e no trato com sistemas regulatórios. Por isso, a
exportação de antibióticos indianos aumenta nos períodos de vencimento das
2030

patentes desses medicamentos. Antes de ocorrer o fim da patente de um


medicamento, as firmas produtoras de genéricos já se antecipam para solicitar
Página

autorização para produzi-lo. Essa estratégia permite as firmas garantir seu direito
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a produção do genérico, um elemento essencial para a competição no mercado


de genéricos.

No caso do Brasil, o destaque está no crescimento das exportações de


hormônios. Como mencionado, esse fluxo de exportações é resultado da
atuação da empresa dinamarquesa Novo Nordisk, que adquiriu a empresa
brasileira Biobrás, pioneira na fabricação de insulina no Brasil (VALOR, 2001). A
Biobrás era uma empresa de capital nacional, que possuía a tecnologia para
fabricação de insulina humana. A aquisição da Biobrás pela Novo Nordisk ocorre
devido a busca tecnológica das grandes empresas multinacionais, que ao
adquirir uma empresa, passar a ter controle não somente de sua parcela de
mercado, mas também da tecnologia produtiva que ela possuía.

Dessa forma, vemos que o aumento das exportações de hormônios


produzidos no Brasil não representa um ganho em capacitação produtiva, mas
sim perda de um ativo. Além disso, a Biobrás era a única produtora de insulina
no Brasil. A aquisição do controle da Biobrás por uma firma estrangeira é um
indicativo de agravamento da dependência externa por medicamentos.

VALORES MÉDIOS E PARTICIPAÇÃO POR PAÍSES

Nas tabelas 2 e 3 (anexo), temos os valores médios (VM) das exportações


(dólares/Kg) e os destinos, bem como o percentual que cada destino representou
em termos de exportações totais do Brasil. Para os valores médios, admitimos
que o valor elevado indica maior conteúdo tecnológico. Este estudo limitou-se as
parcerias com os países que representaram mais de 1 % das exportações. Se
associarmos esse critério pouco restritivo ao reduzido número de países,
2031

verificamos a concentração das exportações em poucos destinos.

Para o caso brasileiro, observa-se a estrutura concentrada do mercado de


Página

exportação. Durante todo o período analisado, 80% das exportações de


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medicamentos brasileiros foram destinados a 12 países, a maior parte países da


região da América Latina. Somente em anos mais recentes, países fora da região
passaram a fazer parte dos destinos de medicamentos brasileiros, com exceção
da Alemanha, que consta como destino de exportação desde 1995.

Outro ponto importante a ser observado é o valor médio dos


medicamentos exportados. Para os países da América Latina, os valores médios
permanecem em patamares muito inferiores em relação aos outros destinos.
Considerando o valor médio como um indicador de conteúdo tecnológico
(recursos incorporados no bem) o maior valor médio dos bens destinados à
Europa e Estados Unidos é explicado pela utilização do Brasil como plataforma
exportadora pelas empresas multinacionais. No caso de medicamentos de
referência, essas empresas alocam as últimas etapas, especialmente o processo
de fabricação, no Brasil e exportam para seus principais mercados. Embora o
valor da exportação seja elevado, a etapa realizada no Brasil é a de fabricação
do medicamento final, isto é, “montagem” dos insumos farmacêuticos que, em
conjunto com o princípio ativo, resultará no medicamento pronto. Empresas
multinacionais também exportam medicamentos genéricos, mas se
considerarmos as diferenças nos valores médios das exportações destinadas
aos países desenvolvidos e em desenvolvimento, esses bens devem ser
preferencialmente dirigidos para o mercado local e regional. A Pfizer, por
exemplo, adquiriu a empresa nacional Teuto, especializada em genéricos, para
produzir no Brasil genéricos de seus próprios medicamentos que tiveram a
patente vencida (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2014).

Na tabela 3 estão listados os principais destinos de exportação dos


medicamentos indianos. Embora também se observe certa concentração em
2032

poucos países, ela ocorre em menor patamar se comparada às exportações


brasileiras. Em 1996, os países selecionados responderam por 57 % das
Página

exportações indianas, enquanto em 2011 responderam por 70%, com especial

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participação dos Estados Unidos. Além das exportações possuírem destinos


mais diversificados em países da Ásia, África e Europa, ao longo da série novos
países aparecem como destino de exportação, como África do Sul, Austrália,
Brasil, Canadá e França. O sucesso na expansão do comércio e a conquista de
novos mercados podem ser entendidos como reflexo das políticas adotadas pela
Índia.

Os valores médios das exportações são mais baixos que os valores dos
medicamentos exportados pelos países desenvolvidos, pois a Índia é
exportadora de genéricos, cópias dos medicamentos de referência. Dessa
forma, esses medicamentos tornam-se mais acessíveis a países de menor
renda, permitindo que a Índia exporte esses medicamentos a destinos mais
variados.

VANTAGENS COMPARATIVAS REVELADAS

A tabela 2 apresenta o índice de vantagens comparativas reveladas para


o Brasil e a Índia, por classe de medicamentos.

Tabela 2: Vantagens comparativas reveladas – Brasil e Índia: 1995 a 2014


2033
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Fonte: COMTRADE. Elaboração própria.


SITC. Ver. 3, cód. 5421 e 5413,5422 e 5415,5423 e 5414, 5429

O índice de vantagem comparativa revelada permite destacar o


desempenho dos medicamentos antibióticos indianos, com elevada vantagem
nesta classe de medicamentos durante todo o período avaliado. Apesar das
oscilações, percebe-se que a vantagem comparativa nos antibióticos se mantém
de forma duradoura para o país. A constância e o elevado grau da vantagem
comparativa indicam uma estrutura produtiva competitiva. Os medicamentos
n.e.s. também revelam possuir elevada competitividade. Os medicamentos
indianos com base em hormônios apresentaram baixos índices de vantagem
comparativa durante toda a série. No caso dos alcaloides, no entanto, se observa
considerável oscilação nos índices, com recuperação a partir de 2007. Assim, se
2034

as demais classes de medicamentos não possuem o mesmo desempenho que


os antibióticos, podemos supor que os avanços farmacêuticos da Índia
Página

resultaram em certa especialização.

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No caso do Brasil, o IVCR apresenta ausência de vantagem comparativa


em todas as classes de medicamentos analisadas, durante todo o período
observado. Somente a partir de 2010, na classe dos hormônios, o país começa
a apresentar um discreto avanço no indicador, não sendo possível, no entanto,
admitir a existência de vantagem comparativa. A utilização do Brasil como
plataforma exportadora pode explicar o progressivo aumento dos hormônios que
inicia em 2004. Para os alcaloides, observa-se forte oscilação nos indicadores,
que são marcados por períodos de elevação nos valores seguidos de fortes
quedas – indicando incapacidade de sustentar a posição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho procuramos avaliar o desempenho da indústria


farmacêutica no Brasil e na Índia. O estudo realizado consistiu na avaliação de
indicadores de comércio exterior a partir de aspectos históricos da indústria em
ambos os países. Entendemos que em termos de políticas públicas adotadas
para estímulo da indústria farmacêutica, tanto o Brasil quanto a Índia adotaram
medidas semelhantes e em períodos muito próximos ao longo da história – seja
por representar aspectos da industrialização tardia das duas economias, seja por
responder a condicionantes e/ou mudanças no marco regulatório internacional.
No entanto, o contexto macroeconômico, além das diferentes formas de
percepção dos agentes econômicos sobre as políticas adotadas geraram
diferentes resultados para os dois países. Além disso, as diferentes posturas dos
governos indiano e brasileiro no processo de adoção do novo regime de
propriedade intelectual estabelecido pelo acordo TRIPS é um elemento
fundamental para explicar as diferenças observadas nas empresas de ambos os
2035

países.
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Tanto o Brasil quanto a Índia especializaram-se na produção de


medicamentos genéricos. A Índia, no entanto, tornou-se exportadora para
grandes países centrais, em especial os Estados Unidos. A construção de
capacitações produtivas e tecnológicas, juntamente com a promulgação da Lei
Hatch-Waxman nos Estados Unidos em 1984 proporcionaram a janela de
oportunidade necessária para as empresas indianas produtoras de genéricos
(Ramani; Guennif, 2011). Dessa forma, os Estados Unidos crescem
consideravelmente como destino de exportação para os medicamentos indianos.
A produção indiana também atende à demanda doméstica, sendo as
importações em grande parte de medicamentos que a Índia não possui
capacitação tecnológica para produzir, além de insumos necessários para a
produção de medicamentos indianos. Tanto as exportações quanto as
importações realizadas pela Índia, assim como para o Brasil são concentradas
em poucos países.

No caso do Brasil as exportações são, em grande medida, resultado da


atuação de empresas multinacionais que utilizam o país como plataforma
exportadora. O principal exemplo é o da empresa dinamarquesa Novo Nordisk,
que adquiriu a empresa brasileira Biobrás, produtora de medicamentos que
possuem hormônios (especialmente insulina humana). Após essa aquisição, a
Dinamarca é o país que mais cresce como destino de exportação de
medicamentos produzidos no Brasil, caracterizando a especialização da filial
dentro da corporação e/ou o comércio intrafirma. Também se observa uma
elevação nas exportações de medicamentos hormônios, além de elevação no
índice de vantagem comparativa revelada para essa classe em comparação
com outras classes de medicamentos. Dessa forma, vemos que a atuação de
uma única empresa influencia fortemente os indicadores brasileiros. As
2036

empresas de capital nacional exportam principalmente para mercados regionais


da América Latina, enquanto empresas multinacionais exportam para o mercado
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europeu. O Brasil depende de importações para atender a demanda doméstica,


além de precisar de insumos e princípios ativos para a produção nacional.

As principais atividades desenvolvidas no Brasil consistem nas etapas


finais do processo de produção dos medicamentos. As etapas finais são as que
apresentam menor complexidade técnico-produtiva, além de representarem
menor dinamismo tecnológico e econômico. Esse quadro ocorre tanto para a
produção de empresas multinacionais quanto para grande parte da produção de
empresas de capital nacional. Uma vez que, na indústria farmacêutica, a
construção de capacitação produtiva e tecnológica ocorre quando se consegue
atuar em etapas anteriores da cadeia de produção, o Brasil permanece com
baixos níveis de capacidade tecnológica na indústria.

Conforme apontado por Ramani e Guennif (2011), do estudo da indústria


farmacêutica do Brasil e da Índia destacam-se quatro pontos. Em primeiro lugar,
a janela de oportunidade que surgiu para os dois países não ocorreu devido a
uma descontinuidade tecnológica. Mudanças regulatórias foram capazes de
gerar janelas de oportunidade para empresas indianas e brasileiras, indicando
que políticas públicas e o conjunto de regulamentos de um país podem gerar o
ambiente necessário para a construção de capacitações.

Em segundo lugar, é necessário que os atores envolvidos percebam as


janelas de oportunidade e atuem de forma a acumular capacitações. Percebe-
se, nesse caso, as diferenças entre as empresas indianas que procuraram
desenvolver novos métodos de produção, quando a Índia estabeleceu um
regime de patentes mais permissivo em 1972, e as empresas brasileiras, que
não investiram em reengenharia mesmo com um regime de patentes mais
favorável, preferindo imitar as empresas multinacionais ao focar nas últimas
2037

etapas da cadeia de produção.


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Em terceiro lugar, políticas adotadas geram resultados esperados e não


esperados. No caso brasileiro, a reformulação do sistema de patentes não
resultou em acumulação de capacitação produtiva, enquanto a Lei dos
Genéricos, que visava interesses da saúde pública, foi percebida como
oportunidade pelas empresas de capital nacional, que passaram a construir
capacitações em medicamentos genéricos.

Em quarto lugar, as autoras apontam que os agentes podem perceber


janelas de oportunidades distantes. As empresas indianas entraram no mercado
dos Estados Unidos por meio de mudanças regulatórias nesse país e na Índia,
indicando que a promulgação da Lei Hatch-Waxman nos Estados Unidos em
1984 foi percebida como uma janela de oportunidade para as empresas indianas.

Dessa forma, vemos que a construção de capacitações produtivas e


tecnológicas é elemento fundamental para que se possa aproveitar as janelas
de oportunidade que surgem. Para isso, as políticas públicas exercem papel
essencial na criação do ambiente propício para que os agentes econômicos
respondam adequadamente às janelas de oportunidade que surgem, tanto no
aspecto comercial quanto no aspecto da construção de capacidades produtivas
e tecnológicas.

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Tabela 2: Valor médio (vm) das exportações e importações brasileiras e países de destino e origem
Exporta çã o 1995 1999 2004 2008 2011 Importa çã o 1995 1999 2004 2008 2011
País % VM % VM % VM % VM % VM Pa ís % VM % VM % VM % VM % VM
Di na marca 11,2 27,2 5,3 153,2 15,3 106,8 EUA 25,2 51,5 24,3 79,5 21,0 81,4 19,4 535,5 19,4
Venezuel a 6,6 52,9 6,4 43,7 12,4 24,9 13,0 37,5 11,3 35,0 Al ema nha 18,2 24,5 12,8 87,0 8,4 70,6 14,3 100,2 17,6 154,0
Argenti na 21,3 21,0 32,4 11,1 18,0 9,2 13,2 14,2 10,9 33,7 Suiça 17,5 224,3 7,5 106,4 10,9 129,1 12,4 190,8 10,2 230,1
EUA 6,0 71,5 4,5 55,6 7,7 21,4 11,8 28,9 10,8 37,1 Ita l i a 8,4 237,7 5,9 200,7 5,8 161,2 5,2 283,8 6,1 300,3
Méxi co 2,2 97,5 8,2 34,0 12,1 42,2 9,0 80,5 5,3 81,9 Fra nça 9,4 166,3 7,4 103,6 8,7 97,0 7,2 174,3 5,8 338,1
Canada 0,1 38,2 0,0 7,0 1,2 47,9 3,4 113,1 4,7 135,6 Bél gi ca 0,0 0,0 2,3 61,1 4,5 104,5 4,3 156,8 5,1 433,5
Col ombi a 3,5 11,5 5,9 27,8 7,7 29,2 6,7 59,5 4,4 59,1 Chi na 2,3 69,4 1,2 11,4 3,6 11,3 4,8 22,9 4,2 24,1
Part. (%) 39,8 57,4 59,2 62,4 62,8 Pa rt. (%) 81,1 61,3 63,0 67,6 68,4

Tota l (US$) 167,5 277,8 395,4 1.051 1.570 Total (US$) 978,9 1.951 2.142 4.971,2 7.250,3
Pes o (ton.) 9.112 16.867 24.341 33.751 32.993 Pes o (ton.) 20.529 25.359 36.932 52.044,0 49.940,4
Va l or Médi o 18,4 16,5 16,2 31,1 47,6 Val or Médi o 63,30 76,9 58 95,5 145,2
Fonte: Comtrade. El a boração dos a utores

Tabela 3: Valor médio (vm) das exportações e importações indianas e países de destino e origem
Exporta çã o 1996 1999 2004 2008 2011 Importa çã o 1996 1999 2004 2008 2011
País % VM % VM % VM % VM % VM Pa ís % VM % VM % VM % VM % VM
EUA 8,5 17,5 7,8 23,5 15,5 24,8 17,8 30,2 26,2 23,6 Chi na 19,1 22,2 19,6 18,0 28,3 36,8 36,5 34,2 41,5
Rus s i a 13,1 12,9 10,2 26,5 6,7 13,9 5,8 19,0 5,6 32,2 Sui ça 3,9 71,2 8,9 94,8 11,4 369,8 15,5 640,8 14,9 1506,4
Rei no Uni do 2,8 16,0 2,3 10,9 3,8 11,3 3,6 10,8 4,2 15,1 EUA 8,4 58,4 7,8 42,7 9,0 10,1 114,1 10,0 212,7
Afri ca do Sul 1,6 15,3 3,4 22,0 3,4 24,8 Al ema nha 13,2 32,1 7,5 42,6 5,8 5,6 140,9 7,2 212,5
Ni geri a 4,2 6,7 5,9 6,8 4,1 7,5 3,5 10,6 2,9 12,1 Ita l i a 7,8 44,4 8,0 176,9 4,9 3,6 185,1 4,0 270,8
2043

Al emanha 7,4 15,2 3,6 9,4 2,8 13,5 2,3 21,6 2,4 23,3 Fra nça 3,2 127,5 5,0 119,0 3,6 164,5 3,1 84,1 3,3 332,0
Part. (%) 36,1 29,8 34,6 36,4 44,7 Pa rt. (%) 55,6 56,8 63,1 74,8 73,5

Tota l (US$) 814 1.068 2.272 5.823 9.503 Total (US$) 306,7 372,8 680,3 1.870 2.735
Página

Pes o (ton.) 64.398 74.437 153.662 351.018 749.334 Pes o (ton.) 10.429 12.561 2.486 27.679 31.432
Va l or Médi o 12,6 14,4 14,8 16,6 12,7 Val or Médi o 29,4 29,7 67,5 87
Fonte: Comtrade. El a boração dos a utores
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Obs .: Tota l em mi l hões (US$) KLEBER ALVES DA SILVA FRANCULINO
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PARANÁ, BRASIL

GRUPO DE TRABALHO 6 – GT 6

DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL:


CONTRIBUIÇÕES DO PRONAF NO LITORAL DO
PARANÁ, BRASIL

ELAINE PADUCH

Bacharel em Gestão Ambiental Mestranda em


Desenvolvimento Territorial Sustentável pela
Universidade Federal do Paraná. E-mail:
paduch.elaine@gmail.com

LILIANE MARILIA TIEPOLO

Doutora em Zoologia (Museu Nacional/UFRJ).


Professora do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Territorial Sustentável,
Universidade Federal do Paraná. E-mail:
liliani@ufpr.br

CLEONICE SCHULL DA CRUZ


2044

Graduanda em Gestão Pública pela Universidade


Federal do Paraná. Bolsista do Programa de
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PARANÁ, BRASIL

Educação Tutorial – PET/Comunidades do Campo.


E-mail: cleoniceschull@gmail.com

RESUMO

A agricultura familiar tem se mantido por meio de políticas públicas como o


Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Nesse
sentido, buscou-se analisar como o Pronaf contribuiu para o desenvolvimento do
Litoral do Paraná, a partir de um referencial teórico e banco de dados disponíveis.
Para o período de 1999 a 2015, o repasse foi de R$ 45.161.260 de reais, em
relação ao número de contratos, os municípios de Morretes 28,44%, Guaratuba
27,85%, Paranaguá 12,41% tiveram maior desempenho, já Antonina e
Guaraqueçaba apesar de seu potencial apresentaram resultados abaixo do
esperado 11,8%. Matinhos e Pontal do Paraná tem pouca representatividade com
5,3%. Deste modo pode-se dizer que o Pronaf vem cumprindo consideravelmente
seus objetivos, no entanto, é necessário fortalecer as cadeias produtivas, nichos de
mercados, grupos sociais, pequenas produções, o autoconsumo e a pluriatividade
que é a célula básica de reprodução social e econômica da agricultura familiar.

ABSTRACT

The familiar agriculture has been maintained by means of public policies such as
the National Program of Strengthening Familiar Agriculture (PRONAF). In this
sense, the present paper, based on a theoretical referential and the use of an
available database, sought to analyze how the PRONAF contributed for the
2045

development of the coast of Paraná. The period between, 1999 – 2015, the transfer
to the municipalities was R$ 45,161,260. In relation to the number of contracts, the
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municipalities of Morretes 28.44%, Guaratuba 27.85%, Paranaguá 12.41% had

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presented higher performance. About the municipalities of Antonina and


Guaraqueçaba, despite of its potential, they presented results below the expected
11.8%. The municipalities of Matinhos and Pontal do Paraná have a lower
representation with 5.3%. This way, it can be said that the PRONAF is
accomplishing considerably its objectives, however, it is necessary to fortify the
productive chains, markets nests, social groups, small productions, self-
consumption, pluriactivity that is the main cell of social and economic reproduction
of the familiar agriculture.
2046
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PARANÁ, BRASIL

INTRODUÇÃO

Nota-se que o rural brasileiro apresentou uma série de mudanças que


conformaram a atual configuração do território. O reconhecimento e afirmação da
identidade e da categoria de agricultores familiares se deu por meio de lutas
sociais, onde os principais atores, os camponeses, foram os elementos chaves
para o estabelecimento e consolidação das políticas da agricultura familiar.

Pode-se dizer que até a década de 1990, não haviam políticas públicas
voltadas para o setor, no qual camponeses, extrativistas e pescadores não
possuíam dispositivos jurídicos de afirmação dessas profissões.

É interessante notar que a agricultura familiar responde por 84% dos


estabelecimentos no meio rural de acordo com o IBGE, censo agrícola de 2006. A
consolidação dessa categoria passa a ter apoio governamental recentemente com
o reconhecimento e a implementação do PRONAF, em 1996, por meio do Decreto
n° 1946/96 e posteriormente a com Lei n° 11.326 de 24 de julho de 2006.
Anteriormente, pequenos produtores rurais vinham sendo alijados de políticas
públicas e encontravam serias dificuldades para se manterem na atividade
2047

(SCHNEIDER, 2006).
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Deve-se ressaltar a importância das políticas públicas voltadas para


pequenos agricultores, especialmente nas regiões com fragilidades econômicas,
sociais e ambientais como é o caso do litoral paranaense, onde se verifica uma
complexidade de sistemas naturais e sociais.

Conforme Andriguetto Filho e Marchioro (2002), o Litoral do Paraná é


constituído de sete municípios sendo: Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba,
Matinhos, Morretes, Paranaguá e Pontal do Paraná, que juntos somam uma área de
6.057 km2, entre o Oceano Atlântico e a Serra do mar. Entre as principais
atividades econômicas estão: o turismo, a agropecuária, a pesca, e o extrativismo
vegetal.

No meio urbano e rural apresentam-se diferentes situações de acesso aos


recursos, condicionadas pela posse da terra, capital, legislação ambiental e grau de
participação no mercado que geram uma série de conflitos na região
(ANDRIGUETTO FILHO e MARCHIORO, 2002). Todos estes elementos são
fundamentais para a compreensão da importância das políticas públicas, é através
dessas que estas populações têm acesso a recursos, créditos e incentivos a
produção e comercialização.

Este trabalho é resultado de pesquisas realizadas no Grupo PET (Programa


de Educação Tutorial – Conexões de Saberes/Comunidades do Campo) e teve
como objetivo analisar como o Pronaf contribuiu para o desenvolvimento do Litoral
do Paraná.

A metodologia adotada para a construção constitui uma revisão bibliográfica


e dados coletados em portarias/sites oficiais do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto
2048

Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), correspondente


à situação atual do rural e os repasses ao PRONAF para o período de 1999 a 2015.
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PARANÁ, BRASIL

Para compreender a atual conjuntura da implementação desta política, foi


parte fundamental as leituras e discussões em grupo, a participação e organização
de palestras e seminários com a temática do desenvolvimento sustentável. As
pesquisas do grupo PET, são relativas as comunidades rurais as dinâmicas locais
suas formas de produção e reprodução no meio rural. Para domínio de analise, faz-
se um resgate histórico do desenvolvimento da agricultura brasileira e políticas
públicas de fortalecimento da agricultura familiar, destacando as mudanças nos
processos produtivos e nas relações sociais que contemplam este cenário.

AGRICULTURA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO: O CONTEXTO HISTÓRICO


E SUAS CONSEQUÊNCIAS

No Brasil, a agricultura familiar teve uma história de lutas e tensões sociais


em que poucas foram as situações onde os camponeses obtiveram vitória, este
cenário deve- se ao modelo de desenvolvimento rural adotado, pautado em
modelos da indústria. Este modelo teve como fio condutor fatores econômicos
decorrentes de interesses do mercado e das crescentes demandas do setor de
exportação de commodities, justificada pela produção de alimentos no combate a
fome no mundo.

Baseados no aumento na produtividade associado a tecnologias e a


modernização dos setores privilegiados do agronegócio modificando grande parte
das atividades agrícolas. De acordo com Brandemburg (1998) as transformações
do rural tradicional ao rural moderno e apenas recentemente o rural
socioambiental, se devem-se a estrutura fundiária, as políticas centradas na
“modernização” e tecnificação da agricultura brasileira e as dificuldades de acesso
2049

ao mercado.
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PARANÁ, BRASIL

Para o autor, o rural tradicional concentrava pequenas propriedades rurais


constituindo uma base de organização social. As colônias, vilas, comunidades e
bairros rurais eram caracterizados pelo modo de vida distinto da urbana, por meio
da identidade e sociabilidade, das relações de boa vizinhança, sentimento de
pertencimento e compadrio em organizações comunitárias nas diversas regiões do
país.

Estas relações são verificadas nos estudos de Sabourin (1999) e Sabourin


(2011), através da teoria da reciprocidade e do sentimento de pertencimento são
manifestadas nas formas de organização coletivas, como os mutirões. Entende-se
por coletividade territorial “o conjunto de atores (individuais e institucionais) de um
dado território”. Essa noção associa-se a representação social e política das
comunidades, dos distritos, municípios e estados considerados como atores
institucionais jurídicos.

Ainda de acordo com Sabourin (2002), o mundo rural apresenta diversas


peculiaridades sejam elas históricas, sociais, culturais ou ecológicas. O autor faz
um referido destaque sobre as duas faces do mundo rural. A primeira refere-se ao
espaço físico diferenciado. Trata-se da construção social do espaço rural, resultado
da ocupação do território, das formas de dominação social que tem como base
material a estrutura de posse e o uso social das paisagens naturais e construídas e
das relações campo-cidade. Na segunda, enquanto um lugar de vida, isto é, espaço
onde se vive (particularidades do modo de vida e referência de identidade), onde
se vê e se percebe o mundo (a cidadania do homem rural e sua inserção na
sociedade nacional).

Diante dessa concepção é possível caracterizar os territórios rurais como


2050

espaços de construção social, geográfica e cultural, destacando a diversidade de


organizações sociais presentes. Este espaço reúne membros de comunidades e
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sítios que realizam trocas e intercâmbios, chamadas redes sócio técnicas de

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proximidade conforme Callon (1998 apud SABOURIN, 1999). Conforme o autor a
solidariedade se manifesta por meio da troca de alimentos, o mutirão para a
colheita, as rezas, as trocas de ideias, informações, práticas e técnicas.

A partir da perspectiva de desenvolvimento do capitalismo que


transformaram o espaço rural e as formas de produção agrícola, diversos conflitos
foram gerados especialmente sobre a questão agrária e a concentração das terras.
As políticas públicas se concentravam na modernização da agricultura estimuladas
pelos créditos subsidiados beneficiando a grande propriedade. A situação precária
em que foram submetidos fizeram com que grande parte dos camponeses
procurassem atividades fora da unidade de produção familiar e também
migrassem para as regiões urbanas, fenômeno conhecido como êxodo rural. As
grandes propriedades sem dúvida foram as grandes responsáveis pelo vazio nos
espaços rurais (BRANDENBUG, 1998),

A partir desse momento verifica-se uma mudança e uma reorganização da


vida no campo, as relações sociais foram abandonadas, os modos de vida das
comunidades tradicionais foram redefinidos, o mercado reorientou os sistemas
produtivos.

Segundo Brandemburg (1998), essa transformação se verifica a medida que


o camponês se integra a sociedade de mercado e das relações comerciais, trata-
se de uma mudança na vida econômica e social. Até então o rural era centrado na
vida comunitária voltadas para a subsistência e passa-se a produzir para o
mercado visando a aquisição de produtos industriais até para a alimentação. As
relações de troca, os processos de diferenciação social e a expropriação por
parte dos pequenos agricultores se limita por conta de uma política de
2051

modernização conservadora que privilegia a grande propriedade rural.


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POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL: CONTRIBUIÇÕES DO PRONAF NO LITORAL DO
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A ruptura de alguns desses paradigmas surge em meados da década de 90,


com a afirmação e reconhecimento da “agricultura familiar” a partir do Decreto n°
1946 de 28 de julho de 1996, posteriormente atualizado pela Lei n° 11.326 de 24
de julho de 2006, que estabelece diretrizes para a formulação da Política Nacional
de Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Este período foi
bastante significativo para o meio rural, os movimentos sociais e políticos
resultaram na afirmação da noção da agricultura familiar, identificados como
pequenos agricultores ou trabalhadores rurais (SCHNEIDER, 2006).

A lei n° 11.326 de 24 de julho de 2006, criada posteriormente definiu a


agricultura familiar como:

Art. 3°. Para efeitos desta lei, considera-se agricultor familiar


e empreendedor familiar rural, aquele que pratica atividades
no meio rural, atendendo os seguintes requisitos:

I – Não detenha, a qualquer título, área maior do que 4


(quatro) módulos fiscais;

II – Tenha renda familiar predominantemente originadas


de atividades econômicas vinculadas ao próprio
estabelecimento ou empreendimento;

III – Tenha renda familiar predominantemente originadas


de atividades econômicas vinculadas ao próprio
estabelecimento ou empreendimento com sua família
(BRASIL, 2006).

Para tanto, esta lei também definiu quais seriam as categorias beneficiarias,
2052

são eles: silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores compreendendo as


respectivas atividades por eles exercidas.
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PARANÁ, BRASIL

Desse modo, podemos perceber que até os anos 1990 não existiam
políticas públicas de abrangência nacional, voltada a categoria de agricultores
familiares, o PRONAF surge em resposta ao cenário político e social brasileiro
(MATTEI, 2014). Deve-se ressaltar que neste processo os atores sociais, através
de sua luta, desempenharam um papel decisivo na implementação do Pronaf,
considerado uma bandeira histórica dos trabalhadores rurais, pois permitiu a estes
o acesso aos diversos serviços oferecidos com a finalidade de prover crédito
agrícola e apoio institucional, até então negligenciados aos agricultores familiares.

POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL: CONTRIBUIÇÕES DO


PRONAF NO LITORAL DO PARANÁ, BRASIL

Com a consolidação das políticas públicas a agricultura familiar ganhou


maior visibilidade inclusive na academia, onde passou a ser objeto de pesquisas de
cunho teórico e epistemológico reafirmando a necessidade de valoração da
categoria social – agricultores familiares – que até então era praticamente
marginalizada em termos de acesso aos benefícios da política agrícola.

Embora o rural tenha se transformado a partir da modernização da


sociedade não podemos generalizar, pois esta modernização não atingiu todos os
espaços do ambiente rural, permanecendo em alguns casos o rural tradicional, e
atualmente o rural se configura para um novo rural, o socioambiental.

Segundo Schneider (2009) essa nova ruralidade se configura não mais em


uma visão sistêmica do meio rural como o agronegócio e a agricultura intensiva,
mas em um rural voltado para a preservação ambiental com programas e projetos
2053

sociais e comunitários, extensão rural e produção orgânica em pequena escala.

Para Brandemburg (1998) a modernização e industrialização da agricultura


Página

também provocou uma série de alterações nas relações com a natureza, a

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POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL: CONTRIBUIÇÕES DO PRONAF NO LITORAL DO
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produção intensiva resultou na degradação do solo, dos recursos hídricos e na


perda da biodiversidade. Os solos erodidos em função do manejo inadequado,
ecossistemas simplificados em função da exploração e devastação, as florestas
foram dizimadas para o monocultivos e o uso abusivo de agroquímicos.

Segundo o censo agropecuário de 2006 (IBGE, 2006), a agricultura familiar


representa 84,4% dos estabelecimentos rurais brasileiros, sendo identificados
4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar e com uma ocupação 24,3%
das terras de uso agrícola, sendo responsável por 38% do valor bruto da produção
e empregando 74,4% do pessoal ocupado no campo. Contudo, este total não se
enquadra na lei 11. 326/2006, pois inclui pequenos e médios estabelecimentos.

Estes dados ajudam a revelar a importância da agricultura familiar na


produção de alimentos e sinalizam a diversidade dos sistemas produtivos. A
agricultura familiar é ainda a maior responsável pela produção de alimentos que
abastecem os mercados brasileiro, 87% da mandioca, 70% da produção do feijão,
46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e apenas 21% da soja
(IBGE, senso 2006).

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PRONAF NO LITORAL DO PARANÁ, BRASIL

A agricultura familiar ainda encontra restrições no campo institucional e


organizacional, em questões de infraestrutura e em relação do distanciamento com
grandes mercados.
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INTERAÇÕES ENTRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS DINÂMICAS LOCAIS


DA AGRICULTURA FAMILIAR NO TERRITÓRIO DO LITORAL PARANAENSE

Localizado em uma região pertencente ao bioma Mata Atlântica,


considerada um hotspots mundiais de biodiversidade (MMA, 2002). A Mata
Atlântica representada por diversas fisionomias vegetais em grande parte florestais
e caracterizada pelas formas de relevo da Serra do Mar e da Planície Litorânea.

O litoral do Paraná, ocupa uma área de 6.058 km2 do bioma (conforme


Figura 01) apresenta-se privilegiado, pois em seu território encontram-se os
remanescentes mais bem conservados, graças às características geomorfológicas
regionais, aos processos históricos de ocupação do litoral e à presença de
Unidades de Conservação, entre ambientes naturais biodiversos de extremo valor
ecológico e as paisagens modificadas historicamente, vivem cerca de 265.362
habitantes em sete municípios (TIEPOLO, 2015).

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PRONAF NO LITORAL DO PARANÁ, BRASIL
2055

FIGURA 1: Mapa das divisões geográficas dos municípios que compõe o


litoral paranaense.
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Fonte: Adaptado de: (ANDRIGUETTO FILHO E MACHIORO, 2002).


2056
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PRONAF NO LITORAL DO PARANÁ, BRASIL

Segundo Andriguetto Filho e Machioro (2002) o meio rural litorâneo é


bastante heterogêneo apresentando alguns conflitos entre agricultores
familiares, pescadores, extrativistas e empresários rurais. Para Tiepolo (2015) o
não reconhecimento dos territórios de povos tradicionais amplifica a imbricada rede
de conflitos ambientais, trazendo à tona elementos de uma política do
abandono. Em suma esses conflitos envolvem a disputa pela terra e acesso a
recursos naturais.

Outra questão culminante é o estabelecimento de grandes empresas que


se dedicam na exploração e cultivo de palmito, da banana, da madeira e de
atividades portuárias que merece destaque, sendo o Porto de Paranaguá um dos
maiores do Brasil e o maior exportador de grãos da América do Sul. Observam-se
outros empecilhos no processo de reprodução material e social das comunidades
e grupos tradicionais como a expansão das atividades de turismo e especulação
imobiliária onde tem atraído alguns agricultores que abandonam suas atividades
de cultivo e se dedicam a ela, apenas sazonalmente.

Outros autores têm mencionado a legislação ambiental e a presença das


unidades de conservação como geradora de conflitos, visto que a região concentra
a maior área protegida do estado. As políticas conservacionistas bem como a
criação de Parques e Áreas de Proteção Ambientais em geral através de política
restritivas tem efeitos adversos sobre as populações tradicionais que ocupam
essas áreas e dependem da exploração desses recursos locais para a
sobrevivência.
2057

De fato, a analise cientifica dos ecossistemas naturais se desvincula cada


vez mais da ideia de equilíbrio, a partir da formação do conceito de resiliência,
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ou seja, da capacidade que os ecossistemas têm de responder a choques

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externos, sabe-se que populações e espécies desaparecem e algumas espécies


tornam-se extintas mesmo em ambientes sem interferência humana. Temos aqui
um claro conflito de interesses que, se não resolvido, pode comprometer novas
iniciativas de elaboração de políticas públicas que acolham estas populações.

Neste caso, a compreensão entre as dinâmicas naturais e usos torna-se


fundamental, conforme Raynalt et al (2002), a resolução desses conflitos no litoral
do

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PRONAF NO LITORAL DO PARANÁ, BRASIL

Paraná tem como obstáculo a compreensão das dinâmicas sociais e


ambientais da região e das interações entre as mesmas.

Novamente, se percebe aqui importância de políticas públicas adequadas e


atualizadas, à ampliação ou implantação efetiva de programas já existentes, a
participação das populações locais e desburocratização no acesso a esses
programas.

O subtema fortalecimento da produção familiar abarca uma série de ações


necessárias, a maioria delas relacionadas a fomento e regras a respeito do acesso
as linhas de crédito. Dentre elas, destaque para a ampliação do Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), fomento a projetos de
diversificação da produção e desburocratização do processo de aprovação de
crédito individual e coletivo para os agricultores familiares.
2058
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O PRONAF

De acordo com MDA (2016), o PRONAF é um programa criado para


subsidiar os pequenos agricultores familiares meio de créditos agrícola, seja para
investimento, custeio ou comercialização da produção a juros acessíveis,
fomentando assim o desenvolvimento rural e local. Este tem como principal
finalidade atuar na proteção social criando condições para que a pequenos
agricultores possam investir em suas terras.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, (MDA, 2016), existem


atualmente 12 linhas de crédito dentro do programa são elas:

1. Pronaf Custeio: Destinado ao financiamento das atividades


agropecuárias e de beneficiamento ou industrialização e comercialização de
produção própria ou de terceiros enquadrados no Pronaf.

2. Pronaf Mais Alimentos – Investimento: Destinado ao financiamento da


implantação, ampliação ou modernização da infraestrutura de produção e serviços,
agropecuários ou não agropecuários, no estabelecimento rural ou em áreas
comunitárias rurais próximas.

3. Pronaf Agroindústria: Linha para o financiamento de investimentos,


inclusive em infraestrutura, que visam o beneficiamento, o processamento e a
comercialização da produção agropecuária e não agropecuária, de produtos
florestais e do extrativismo, ou de produtos artesanais e a exploração de turismo
rural.

4. Pronaf Agroecologia: Linha para o financiamento de investimentos dos


sistemas de produção agroecológicos ou orgânicos, incluindo-se os custos
2059

relativos à implantação e manutenção do empreendimento.


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5. Pronaf Eco: Linha para o financiamento de investimentos em técnicas


que minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente, bem como permitam
ao agricultor melhor convívio com o bioma em que sua propriedade está inserida.

6. Pronaf Floresta: Financiamento de investimentos em projetos para


sistemas agroflorestais; exploração extrativista ecologicamente sustentável, plano
de manejo florestal, recomposição e manutenção de áreas de preservação
permanente e reserva legal e recuperação de áreas degradadas.

7. Pronaf Semiárido: Linha para o financiamento de investimentos em


projetos de convivência com o semiárido, focados na sustentabilidade dos
agroecossistemas, priorizando infraestrutura hídrica e implantação, ampliação,
recuperação ou modernização das demais infraestruturas, inclusive aquelas
relacionadas com projetos de produção e serviços agropecuários e não
agropecuários, de acordo com a realidade das famílias agricultoras da região
Semiárida.

8. Pronaf Mulher: Linha para o financiamento de investimentos de


propostas de crédito da mulher agricultora.

9. Pronaf Jovem: Financiamento de investimentos de propostas de crédito


de jovens agricultores e agricultoras.

10. Pronaf Custeio e Comercialização de Agroindústrias Familiares:


Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associações para que financiem
as necessidades de custeio do beneficiamento e industrialização da produção
própria e/ou de terceiros.

11. Pronaf Cota-Parte: Financiamento de investimentos para a


2060

integralização de cotas-partes dos agricultores familiares filiados a cooperativas


de produção ou para aplicação em capital de giro, custeio ou investimento.
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12. Microcrédito Rural: Destinado aos agricultores de mais baixa renda,


permite o financiamento das atividades agropecuárias e não agropecuárias,
podendo os créditos cobrirem qualquer demanda que possa gerar renda para a
família atendida. Créditos para agricultores familiares enquadrados no Grupo B e
agricultoras integrantes das unidades familiares de produção enquadradas nos
Grupos A ou A/C.

Pode-se observar a diversidade situações e públicos que estas linhas


abarcam seja pela questão de gênero, com o Pronaf mulheres ou aqueles
destinados a produções especificas como o Pronaf floresta e Pronaf
agroecologia. Contudo, as dificuldades encontram-se nas dificuldades que estes
grupos têm de acessar esta política, os entraves burocráticos que mesmo
amparados pela lei as comunidades e os grupos precisam de interfaces jurídicas.

Alguns autores como Carneiro (1997), chamam a atenção para os efeitos


nefastos e alertam para os riscos que esta política trazer. Segundo a autora o
Pronaf tem suas diretrizes baseadas em modelos europeus, como a França, onde a
partir de uma “revolução agrícola” se realizou com o esforço conjunto de vários
setores da sociedade interessados em transformar a base social histórica da
agricultura francesa em um setor produtivo dinâmico, que envolve ao mesmo
tempo produtor e consumidor (CARNEIRO, 1997 citado por LAMARCHE, 1993).
Afirma ainda que quando se trata de adotar políticas de outros países é importante
lembrar das especificidades e conjunturas de cada realidade.

Para a Carneiro esta conjuntura de política pública para a agricultura familiar


torna-se duvidosa a medida que o Brasil se difere da base econômica e de
desenvolvimento dos países europeus. Além disso, cabe ressaltar as diferenças
2061

estruturais da composição social da produção agrícola em um e outro país.


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A partir desta provocação cabe perguntar se o pronaf alcançou seus


objetivos, e de que maneira esta política pública provocou alterações na
agricultura familiar local.

Pensando nas dinâmicas e nos processos de mudanças que aconteceram


em escala local, contexto em que está inserido, conforme nos orienta Carneiro
(1997) e Sabourin (2009).

Em relação aos contratos do PRONAF, percebemos que para os municípios


analisados o número de contratos apresentaram diferenças significativas para o
período analisado. É interessante notar que entre os municípios de Guaraqueçaba
e Morretes, há uma relevante diferença ao longo do período em que Guaraqueçaba
teve maior número de contratos especialmente entre os anos de 2005 a 2006,
enquanto que para os demais anos apresentou uma queda expressiva, chegando
ao ponto de praticamente zerar. Já o município de Morretes se manteve mais
estável para o período analisado, este é o município que apresentou maior acesso
ao programa, conforme mostra a figura 2.

FIGURA 2: Apresenta os números de contratos do PRONAF para os sete


municípios do Litoral Paranaense.
2062
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Fonte: MDA, 2016.

E notável que os municípios de Morretes, Guaratuba e Paranaguá tiveram


maior acesso ao Pronaf, em relação ao número de contratos, Morretes apresentou
um percentual de 28,44% dos contratos, seguido de Guaratuba 27,85% e
Paranaguá 12,41% tiveram maior desempenho e pouca oscilação ao longo dos
anos.

Já Antonina e Guaraqueçaba apesar de seu potencial com uma ampla área


agrícola apresentaram resultados abaixo do esperado 11,8%. Matinhos e Pontal
do Paraná tem pouca representatividade no setor agropecuário apenas 5,3% dos
2063

contratos, sobressaindo as atividades de turismo. Entre os municípios que tiveram


maiores repasses observa-se (Figura 3) que Morretes e Guaratuba tiveram
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maior aporte em relação aos demais municípios.

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FIGURA 3: Apresenta os valores (R$) dos repasses por município do Litoral


Paraná.

Fonte: MDA, 2016.

De fato, a expressiva diferença entre os municípios está principalmente


relacionada ao fato de estes possuírem maior área e número de estabelecimentos
de produção da agricultura familiar. Para os pequenos produtores de
Guaraqueçaba e Antonina apresentam maiores dificuldades em relação a
organização e fortalecimento. Outra questão que pode ser observada no contexto
local refere-se a infraestrutura de acesso e serviços como bancos, cartórios e a
questões logísticas devido a distância dos centros urbanos como é o caso de
Guaraqueçaba. Isso implica em dificuldades em relação aos entraves burocráticos
de acesso ao crédito e o baixo apoio do poder público municipal e da assistência
2064

técnica rural no cumprimento dos requisitos. O que queremos dizer é que os


agricultores do município de Morretes e Guaratuba possuem algumas estratégias
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de organização de cooperativas, associações e entre os próprios agricultores além


do apoio municipal, é claro.

A forma de organização dos agricultores verificadas em Morretes e


Guaratuba, e o auxílio de órgãos públicos como a EMATER, tem efeitos sobre o
número e valores dos contratos. Assim, verifica-se que os estabelecimentos
familiares mais distantes, com menor infraestrutura e apoio como é o caso dos
municípios de Guaraqueçaba e Antonina terem menor acesso ao programa.

Geralmente, as políticas ou estratégias contratuais implicam em normas


burocráticas exigidas pela administração para garantir a transparência das
operações financeiras, que obriga instituições e beneficiários dos programas se
submeter a uma lógica de funcionamento que os é alheia. Estes elementos exigem
uma postura, melhor dizendo uma gestão por parte dos agricultores no
cumprimento dos requisitos exigidos pelo programa.

Uma questão importante que deve ser ressaltada é a não exigência do título
de propriedade por parte dos agricultores como era anteriormente, este era o
principal entrave para o acesso a política, visto que como já mencionamos o Brasil
não passou por uma reforma agrária.

Para Sabourin (2009), a melhor maneira de se superar estes limites é


fortalecer os dispositivos institucionais, a assimetria e disparidades na organização
agricultores e por parte dos municípios faz com que haja uma diferença na e de
negociação e na aplicação dos recursos entre os municípios analisados.

Ainda neste quesito, nota-se que o número de contratos e valores de


contratos tiveram um crescimento no exponencial nos anos de 2002 até o 2008
2065

neste período houve uma ampliação no número de contratos e valores, a partir de


2008 iniciou-se um processo de estagnação. Esse aumento pode estar relacionado
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com a retomada do crescimento econômico e o aumento do emprego, que de

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modo geral ocorreu durante o governo do Lula, até uma crise financeira
internacional em 2008. Entende-se que esta melhora na economia e nos
investimentos no programa promoveu uma considerável elevação da demanda
interna da economia.

Explorando ainda mais a noção de território, para tentar entender em que


medida a localização espacial de determinado recurso ou atividade produtiva pode
influenciar no seu custo e na formação dos preços relativos dos produtos
(SCHNEIDER, 2009). Entendemos que o Pronaf apresenta algumas limitações
especialmente quanto a comercialização dos produtos e acesso ao mercado para
escoamento da produção, esta é uma limitação verificada na região.

Os mercados locais dificilmente comercializam produtos da região ao


contrario compram produtos de outras regiões. Com isso agricultores buscam
através das feiras uma alternativa para a comercialização da produção. As feiras
são um diferencial e tem se mostrado bastante importante para os agricultores
locais na comercialização, são também espaços de trocas e relações entre
produtores e consumidores.

Partindo da abordagem do MDA, uma aproximação entre produtor-


consumidor é o melhor caminho, indicando que essa relação permite resgatar
fatores culturais locais e ambientais, propiciando uma maior interação entre o
econômico e o social. Além disso, permite que o produtor possa utilizar-se de
estratégias culturais e na diferenciação do produto como um elemento de
consolidação do desenvolvimento territorial, isso pode ser verificado através das
feiras livres presentes nos municípios do litoral paranaense, a Figura 4, sendo a)
festa de feira realizada todos os anos no município de Morretes e b) a feirinha do
2066

município de Matinhos litoral Paraná) são as estratégias utilizada pelos agricultores


para comercialização dos produtos.
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FIGURA 4: Feiras livres do Litoral do Paraná, espaços de comercialização local

a) b)

Foto: PADUCH, 2014.

Segundo Andrade et al. (2011), as feiras se mostram como a melhor


alternativa para o escoamento da produção agrícola, já que garante uma renda
semanal ao produtor familiar e desvincula-o da figura do atravessador. Além disso,
com a comercialização direta, agrega maior valor aos produtos.

Para Darol (2013) e Ribeiro et al. (2005), a combinação entre a agricultura


ecológica e circuitos curtos tem vantagens econômicas, sociais e culturais. No
aspecto econômico local traz oportunidades de trabalho e maior circulação de
renda, serviços e produtos; na dimensão social, além de permitir a aproximação
2067

entre produtores e consumidores, alavanca a criação de associações e


cooperativas pela necessidade de formalização das relações entre produtores,
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promovendo o desenvolvimento local e proporcionando um ambiente de trocas de

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experiências e saberes. Os circuitos curtos trazem também vantagens no âmbito


ambiental, como a valorização da paisagem e dos recursos naturais, a preservação
da biodiversidade, dos recursos hídricos da propriedade e da produção sem o uso
de agroquímicos proporcionando a qualidade dos alimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pudemos observar o processo de consolidação das políticas


para a agricultura familiar foi por meio de lutas e conflitos sociais. O PRONAF
teve um importante papel no fortalecimento da agricultura familiar, o acesso a
recursos possibilitou uma melhora no contexto rural local, verifica-se ainda
inúmeras outras possibilidades, como exemplo podemos citas que são
características positivas as relações sociais, a troca de saberes entre os
agricultores, os mutirões, a organização e cooperação.

Verifica-se como ponto positivo as diversidades das culturas com a garantia


da segurança alimentar e nutricional, a preservação da biodiversidade uma
peculiaridade local é a reprodução do patrimônio cultural das populações rurais; e
a manutenção da diversidade territorial dos espaços rurais interessam e beneficiam
a toda a sociedade, uma vez que ela pode usufruir de alimentos de qualidade e
diversificados, de ambientes naturais preservados e de uma pluralidade de
manifestações culturais, etc. Isso revela um potencial para o desenvolvimento do
turismo rural e de base comunitária.

Em contrapartida, é quase unânime a ausência de apoio municipal no


2068

fortalecimento dos agricultores, do mercado interno a da exportação de produtos


agrícolas. Outro ponto a destacar são as dificuldades com a infraestrutura e logística
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entre a propriedade rural e o comércio, problema comum a todas os

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estabelecimentos familiares e as adversidades climáticas são outro entrave comum


na região.

Nesse sentido que as políticas públicas devem atuar, focados nos territórios,
na proteção social e nas áreas com maior fragilidade econômica e ambiental. A
atuação de serviços públicos básicos e infraestrutura são essenciais pensando na
criação de um território da coletividade.

Outro ponto a se destacar são as frequentes crises nesses de setor agrário


associada a alterações ambientais e mudanças climáticas, traz novos
questionamentos sobretudo ao modelo de desenvolvimento adotado, é necessário
repensar as atividades produtivas, é necessário repensar qual o “tipo” de
desenvolvimento que se deseja para esses territórios. As consequências dessas
atividades apontam para um desenvolvimento não agrícola, sobretudo na área de
serviços, onde o meio rural não seria apenas um lugar de produção agrícola, mas
um espaço diferenciado, capaz de oferecer formas de lazer ligadas ao contato com
a natureza.

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produção, distribuição e consumo: novas oportunidades de comercialização pela
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POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO ELAINE PADUCH, LILIANE MARILIA TIEPOLO E


RURAL: CONTRIBUIÇÕES DO PRONAF NO CLEONICESCHULL DA CRUZ
LITORAL DO PARANÁ, BRASIL
ELAINE PADUCH, LILIANE MARILIA TIEPOLO E CLEONICE SCHULL DA CRUZ
POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL: CONTRIBUIÇÕES DO PRONAF NO LITORAL DO
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2072
Página

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RURAL: CONTRIBUIÇÕES DO PRONAF NO CLEONICESCHULL DA CRUZ
LITORAL DO PARANÁ, BRASIL
PEDRO GUILHERME SANTOS BORGES
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GRUPO DE TRABALHO 6 – GT 6

DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS (PROUNI):


PESQUISA NA BIBLIOTECA ELETRÔNICA SCIELO E NA
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PEDRO GUILHERME SANTOS BORGES

Graduando em Ciência Sociais pela PUC Campinas


e orientando de iniciação científica em Políticas
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Públicas e Educação. E-mail:


borgespedro@live.com
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RESUMO

O Prouni – Programa Universidade para Todos – foi instituído em 2005 e visa


conceder bolsas em universidades particulares de 25% a 100%, o ingresso no
programa é feito pelo Exame Nacional do Ensino Médio. Esta pesquisa tem como
metodologia o estado da arte, visa compreender como se apresenta a produção
científica qualificada em relação ao tema Prouni. Assim como caracterizar do
conjunto dessa produção, os trabalhos que estabelecem conexão entre o Prouni e
os estudantes com casos de vulnerabilidade social. Levantamentos na biblioteca
eletrônica Scielo, na Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações e outras bases,
realizados em 2015 e 2016, indicou que existem 35 artigos, teses ou dissertações
cadastrados nessas bases com o descritor Prouni entre 2005 a 2014. Espera-se
que esta investigação possa contribuir para uma melhor compreensão da produção
científica qualificada sobre o Prouni, suas análises e percepções nesses dez anos
de existência.

ABSTRACT

Prouni – University for all program – was founded in 2005 and it aims to grant
scholarships for students attending private universities covering 25%% - 100% of
the cost of education. Entry into the program is based on performance on the
National High School Exam. Using state of the art research methodology, we aim
to understand how the qualified scientific production presents itself in relation to
Prouni. In addition, we aim to study the Works that establish a connection between
Prouni and students of low social economic status. Surreys in the electronic library
2074

Scielo – the Brazilian Library of Theses and Dissertations and the other Works –
carried out in 2015 and 2016, indicated that there exists 35 articles, theses, or
Página

dissertations registered between 2005 and 2015. We expect that this research will

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contribute to the better understanding of the qualified scientific production about


Prouni, its analyses and its perceptions in its last ten years of existence.

INTRODUÇÃO

O Prouni – Programa Universidade para Todos – foi instituído em 13 de


Janeiro de 2005 pela LEI N° 11.096 e visa conceder bolsas em universidades
particulares de 25% a 100% de acordo com a renda familiar mensal per capita. O
meio de entrada ao programa é o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Os
estudantes que pretendem obter bolsas precisam ter mais de 45% de acertos nas
provas objetivas e não "zerar" a prova discursiva do ENEM. Os candidatos que
obtiverem esse desempenho e se enquadrarem nos requisitos do programa
passam para a segunda etapa que consiste na solicitação de matrícula em uma
das Instituições de Ensino Superior (IES) participantes.
Existem três tipos de bolsas de estudo: a bolsa integral, na qual o aluno
contemplado recebe 100% de isenção da mensalidade; a bolsa parcial de 50%, por
meio da qual o aluno fica encarregado de pagar metade da mensalidade; e a bolsa
parcial de 25%, a qual obriga o aluno a custear 75% do valor da mensalidade com
recursos próprios. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) tem evitado permitir
que as IESP ofereçam as bolsas parciais de 25%, embora elas tenham sido
instituídas por lei.
Para concorrer às bolsas, os candidatos devem comprovar alguns
requisitos: ter renda familiar mensal per capita menor que três salários mínimos;
não ser graduado ou estar matriculado em instituição pública de ensino superior;
ter cursado e estudado integralmente na rede pública de ensino, ou frequentado
ensino particular com bolsa integral; ser portador de necessidade especial; ser
docente da rede pública de educação básica, desde que não possua formação
2075

superior na área de atuação, e queira formar-se nas áreas de licenciatura,


pedagogia ou normal superior. Para os professores da rede pública que queiram
Página

participar do programa, não é necessário cumprir com as exigências relativas à

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renda e à frequência na escola pública. Destaca-se que as pessoas com renda


familiar per capita mensal inferior a um salário mínimo e meio podem pleitear as
bolsas integrais. Quem possui renda familiar mensal per capita entre um e meio e
três salários mínimos está apto a conseguir uma bolsa parcial.
A seleção dos estudantes para o Prouni deve levar em conta o perfil
socioeconômico do candidato feito por ocasião do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) ou outros critérios de avaliação a serem definidos pelo Ministério da
Educação, sendo na etapa final, selecionado pela Instituição de Ensino Superior,
segundo seus próprios critérios. A IES tem a incumbência de aferir as informações
apresentadas pelo candidato. O beneficiário é responsável legalmente pela
veracidade e autenticidade das informações socioeconômicas por ele expostas. A
manutenção da bolsa dependerá do cumprimento de requisitos de desempenho
acadêmico, estabelecidos em normas expedidas pelo Ministério da Educação.
A instituição privada com ou sem fins lucrativos que adere ao Prouni deve
oferecer no mínimo, 1 (uma) bolsa integral para o equivalente de 10 (dez)
estudantes regularmente pagantes e devidamente matriculados no ano letivo
anterior.
Durante os dez anos de existência do programa muitas pesquisas e
discussões foram feitas a respeito das suas funcionalidades e da sua efetivação na
inclusão de alunos com baixa renda familiar per capita no ensino superior. Sem ter
a pretensão de esgotar este debate, ao qual nossa compreensão se inicia com esta
pesquisa de Iniciação Científica, apresentaremos algumas posições favoráveis e
contrárias em relação a esta política.
Em um primeiro momento mostraremos uma visão otimista do Prouni.
Pesquisa realizada com estudantes do Prouni numa IES do Estado de Minas
Gerais (Saraiva e Nunes, 2011) mostrou que na visão destes alunos o programa
2076

promoveu inclusão social, concretização dos sonhos, associando o Prouni a


mudança na vida dos beneficiados. Os principais resultados encontrados sugerem
Página

que o ProUni cumpre seus objetivos por oferecer o acesso à educação superior de
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esferas sociais desfavorecidas do ponto de vista socioeconômico. Estar em um


curso superior provoca melhorias nas oportunidades e nas posições profissionais
e na remuneração, o que reflete sobre a autoestima e as expectativas dos bolsistas,
que veem seu futuro de forma positiva.
Em contrapartida, há críticas em relação aos possíveis efeitos do programa
quando se considera a qualidade das escolas públicas, de maneira que o Prouni
se apresenta como medida paliativa, em detrimento da não melhoria da educação
pública. Na visão de Catani, Reis e Gilioli (2006), um dos problemas do Prouni é
que ele se baseia apenas em promover uma política pública de acesso à educação
superior, não se preocupando com a permanência do estudante, elemento
fundamental para sua democratização. Toma como base a concepção de
assistência social, oferecendo benefícios e não direitos aos bolsistas. Os cursos
superiores ofertados nas IES privadas são, em sua maioria, de qualidade
questionável e voltados às demandas imediatas do mercado.
Uma vez que o Prouni se destina a garantir o acesso e a permanência de
indivíduos com baixa renda per capita familiar ao ensino superior, torna-se
importante relacioná-lo com outra política dirigida aos mais pobres, o Programa
Bolsa Família, o qual vincula o recebimento de benefício monetário a crianças e
jovens até 17 anos, desde que os mesmos cumpram frequência escolar mínima
estabelecida pelo programa. Em relação ao Programa Bolsa Família, lançado em
2003 e instituído pela Lei 10.836 de janeiro de 2014, os destinatários desta política
de transferência de renda são as famílias pobres, definidas pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Ministério do Desenvolvimento Social,
2012) como aquelas que possuem renda de até R$ 140,00 mensais por pessoa.
Na saúde (BRASIL, 2004) são exigidos acompanhamento pré-natal e pós-natal
para mães e nutricional e de vacinação para as crianças. Na educação, exige-se
2077

frequência escolar mínima de 85% para crianças entre 6 e 15 anos e de 75% para
jovens entre 16 e 17 anos. O acompanhamento e controle da frequência escolar
Página

são de responsabilidade do Ministério da Educação, feitos em parceria com demais


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entes federativos. Bimestralmente, as escolas devem reportar a frequência dos


alunos que recebem o benefício às prefeituras, que se encarregam de enviá-las ao
Ministério da Educação por meio do Sistema de Acompanhamento da Frequência
Escolar.
Os Programas de Transferência de Renda não constitucionais, como o PBF,
partem da premissa de que a educação é um dos vetores mais importantes para o
enfrentamento da pobreza. Segundo (Fonseca, 2001) e (Suplicy, 2004), as
contribuições do economista José Márcio de Camargo às propostas iniciais dos
Programas de Garantia de Renda Mínima, encabeçadas pelas prefeituras
municipais e pelo distrito federal, teve papel importante na consolidação da
exigência de frequência escolar mínima para crianças e jovens. De acordo com o
economista, “as crianças pobres saem cedo da escola, se engajam em trabalhos
pouco qualificados e sem perspectivas profissionais. Sua contribuição para a renda
familiar de hoje é relativamente grande, mas serão os pobres de amanhã. Nessas
condições, aumentar a renda da família é fundamental para que ela possa manter
seus filhos na escola e quebrar este elo entre pobreza de hoje e pobreza do futuro”
(Camargo, 26 de Dezembro de 1991)
Num trabalho realizado a partir de informações disponibilizadas pelo Censo
Demográfico de 2010, Pires (2013) apresenta alguns desafios a serem enfrentados
pelo PBF. Dentre estes, o ingresso de beneficiários do PBF no ensino superior.
Levando em conta informações relacionadas ao município de Campinas (SP), o
autor aponta que nenhum beneficiário do Programa Bolsa Família, entre 18 e 29
anos, frequentava curso superior em 2010. Nas palavras do autor:
“Torna-se difícil imaginar que a superação intergeracional da pobreza, pelo
incremento da frequência escolar e da escolaridade, se encere de maneira tão
abrupta quando os jovens completam 17 anos.” (Pires, 2013, p. 193)
2078

É importante sublinhar diferenças importantes entre o Prouni e o PBF,


especialmente no que se refere ao valor da renda familiar per capita utilizada como
Página

corte para ingresso nos Programas. Como visto, o PBF é bem mais restritivo,
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estabelece renda familiar mensal de até R$ 140 (cento e quarenta reais). Já o


Prouni possibilita o acesso de pessoas com até 3 Salários mínimos (em valores de
março de 2015, R$ 2.364 – dois mil, trezentos e sessenta e quatro reais), para
bolsas parciais, e até R$ 1.182 (um mil cento e oitenta e dois reais) para bolsas
integrais. No entanto, parece plausível que se um beneficiário ou ex-beneficiário do
PBF queira fazer curso superior de graduação, um caminho possível (além das
Universidades Públicas) seja pela via do Prouni. Assim, nos interessa também
analisar nesta pesquisa se na produção qualificada sobre o Prouni, entre 2005 e
2014, há alguma relação com o Programa Bolsa Família.
Esta pesquisa, fundamentada no método de investigação de tipo estado da
arte, visa compreender como se apresenta a produção científica qualificada (teses,
dissertações e artigos científicos) em relação ao tema Prouni. Em sentido
complementar, visa caracterizar, do conjunto dessa produção, os artigos que
tratam sobre programas de transferência de renda, em especial, sobre o Programa
Bolsa Família.
Vejamos como Ferreira define as pesquisas intituladas “estado da arte”
“Definidas como de caráter bibliográfico, elas parecem trazer em comum o
desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes
campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm
sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas
e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses
de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos
e de seminários.” (Ferreira, 2002, p. 258)
Os estudos do tipo “estado da arte” constituem pesquisas bibliográficas
sobre um determinado tema e/ou área do conhecimento. Colaboram para que os
pesquisadores construam o que poderia intitular-se um inventário analítico da
2079

produção acadêmico-científica. O desconhecimento quanto a totalidade ou


parcialidade de produções acadêmicas num determinado campo e a análise do
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crescimento quantitativo e/ou qualitativo de produções num determinado período


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se apresentam como fortes estimulantes para a realização de estudos de tipo


“estado da arte”. (Romanowiski; Ens, 2006; Ferreira, 2002).
Levantamentos de dados na biblioteca eletrônica Scielo (www.scielo.br) e
na Brasileira de Teses e Dissertações (http://bdtd.ibict.br/), realizados em
Outubro/Novembro de 2015 e Março/Abril de 2016, indicou que existem 35
pesquisas cadastradas nessas bases com o descritor Prouni entre 2005 a 2015. A
partir do procedimento de análise dos artigos, teses e dissertações foi realizada
uma seleção dessas produções para que se encontrassem aquelas que mais se
aproximavam com os programas de transferência de renda.
Através da leitura dos resumos de todos os artigos, teses ou dissertações
encontradas, foram selecionados 35 trabalhos, ao passo que a pesquisa foi se
incorporando e ganhando forma, verificou-se através da leitura dos trinta e cinco
textos selecionados que não foi encontrado nenhum artigo, tese ou dissertação que
propusesse a conexão direta entre o Prouni com programas de transferências de
renda.

CAPÍTULOS

Partindo do critério de vulnerabilidade social, já que a proposta inicial da


conexão entre Prouni e programas de transferência de renda se mostrou incipiente.
Foram selecionados trabalhos que tinham como foco além do Prouni a questão de
recortes sociais, pesquisas com jovens de baixa renda bolsistas do programa, e
também foram incluídas pesquisas que tratavam a questão da inclusão e ascensão
social do Prouni. Não foram selecionados por exemplo trabalhos que tratavam
apenas o Prouni enquanto programa de ação afirmativa sem estabelecer uma
relação com os alunos, ou trabalhos que buscavam apenas analisar o processo de
criação do Prouni e de outras políticas públicas educacionais.
2080

Assim, constitui o universo dessa investigação os referidos 35 trabalhos


Página

entre artigos, teses e dissertações. A escolha do período deu-se em função de que

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o Prouni existe desde 2005. Assim, buscou-se analisar a produção qualificada


sobre o Programa (artigos, teses ou dissertações) dos primeiros 10 anos de
existência do Prouni.

Os principais resultados do trabalho foram a partir da leitura dos artigos,


teses e dissertações, classificar aqueles que tratavam do tema proposto, o Prouni,
assim como aqueles que tinham de certo modo alguma relação com programas de
transferência de renda e/ou esferas sociais e econômicas pertinentes (foram
encontrados artigos, teses e dissertações que trabalhavam a questão do Prouni
com estudantes de origem pobre mais sem fazer relações diretas com programas
de transferências de renda específicos, ou por exemplo trabalhos que faziam
recortes raciais) . Tendo selecionado trinta e cinco trabalhos que se encaixavam
nesses pré-requisitos foram realizadas fichas de leituras com roteiros instituídos
pelo orientador desta pesquisa.

Título Autor (es) Data Modalidade Programa ou


Revista

Os egressos do prouni e Aparecida das 2010 Dissertação Programa de Pós-


cotas no mercado de Graças Graduação em
trabalho: uma inclusão Geraldo Educação da
possível? Universidade
Presbiteriana
Mackenzie

Entre a realidade e a Aparecido 2010 Dissertação Programa de Pós-


possibilidade: prouni e a Lupércio Rizzo Graduação da
dinâmica Universidade Nove
inclusão/exclusão de Julho.

Alunos do ProUni da Maria 2009 Tese Programa de Pós-


2081

Universidade de Passo Aparecida Graduação em


Fundo: trajetórias, Tagliari Educação da
percepções/sentimentos Estacia.
Página

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e aproveitamento Universidade Federal


acadêmico do Rio Grande do Sul

Consciência dos Flávia de 2013 Dissertação Programa de Pós-


prounistas sobre sua Mendonça Graduação em
inserção no ensino Ribeiro Psicologia da PUC-
superior Campinas

Programa Universidade Márcio 2014 Dissertação Programa de Pós-


para Todos (PROUNI), Donizetti Graduação em
satisfação, expectativa, Corrêa Educação da
evasão e permanência Universidade do
de bolsistas em uma Oeste Paulista
faculdade particular de
Presidente Prudente –
SP

Os impactos diretos e Geoges 2009 Dissertação Programa de Pós-


indiretos do Prouni em Rebouças Graduação em
trajetórias juvenis. Ferreira Políticas Sociais e
Estudo de caso com Cidadania da
jovens em uma ies, em Universidade
Salvador. Católica de Salvador

PROUNI: estudo Maria 2014 Tese Programa de Pós-


multicasos com Aparecida Graduação em
bolsistas beneficiários Bovério. Educação da
(estudantes e egressos) Universidade
de sete instituições de Estadual Paulista
ensino supeiror do "Júlio de Mesquita
Estado de São Paulo Filho" idem

Uma margem outra: Idalina Souza 2014 Tese Programa de Pós-


itinerâncias de jovens Mascarenhas Graduação em
2082

das classes populares Borghi Educação da


na educação superior.
Página

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Universidade Federal
da Bahia

O acesso a educação Valquíria 2008 Dissertação Programa de Pós-


superior na percepção Pinheiro Graduação da
de concluintes do ensino Coelho Couto Universidade
médio: um estudo de Católica de Brasília
sua trajetória e
aspirações

O Programa Izabel 2014 Artigo Revista Senai


Universidade Para Petraglia; José
Todos: Prouni e a Angelo Ferreira
Democratização do
Ensino Superior

O sentido social do Alípio Márcio 2015 Artigo Revista Ensaio


ProUni – Programa Dias Casali; Avaliação e Políticas
Universidade Para Maria José Públicas em
Todos Viana Marinho Educação
de Mattos

Aluno ProUni: impacto Vera Lucia 2014 Artigo Revista


na instituição de Felicetti, Latinoamericana de
educação superior e na Alberto F. educação superior
sociedade Cabrera e
Marilia Costa
Morosini.

A ampliação da base Edna 2012 Artigo Revista Brasileira de


social da educação Imaculada Estudos
superior no contexto do Inácio de Pedagógicos
Centro Universitário do OliveiraI,
Leste de Minas Gerais: o Rosane Maria
2083

caso do ProUni Kreusburg


Molina
Página

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A efetividade de Luiz Alex Silva 2011 Artigo Revista de


programas sociais de SaraivaI, Administração
acesso à educação Adriana de Pública
superior: o caso do Souza Nunes
ProUni

O Prouni e a conclusão Daniela 2011 Artigo Ensaio: Avaliação e


do ensino superior: Patti do Políticas Públicas em
novas trajetórias AmaralI, Educação
pessoais e profissionais Fátima Bayma
dos egressos de Oliveira

O ProUni e a conclusão Daniela Patti do 2011 Artigo Ensaio: Avaliação e


do ensino superior: AmaralI, Políticas Públicas em
questões introdutórias Fátima Bayma Educação
sobre os egressos do de Oliveira
programa na zona oeste
do Rio de Janeiro

Ações afirmativas no Clarissa 2012 Artigo Revista Brasileira de


ensino superior: análise Tagliari Santos Estudos
do perfil Pedagógicos
socioeconômico e da
experiência universitária
de bolsistas do ProUni
na PUC-Rio

Comprometimento do Vera Lucia 2014 Artigo Revista Brasileira


aluno ProUni: acesso, Felicetti de Estudos
persistência e formação Pedagógicos
acadêmica
2084

Programa Universidade Márcio Rodrigo 2014 Artigo Ensaio: Avaliação e


para Todos (PROUNI): de Araújo Políticas Públicas em
SouzaI; Educação
Página

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quem ganha o quê, Monique


como e quando? Menezes

O novo perfil do campus Dilvo Ristoff 2014 Artigo Revista da Avaliação


brasileiro: uma análise da Educação
do perfil Superior (Campinas)
socioeconômico do
estudante de graduação

Crescimento pessoal, Andrea Bayerl 2015 Artigo Revista Educação e


mediação e sacrifício: Mongim Sociedade
itinerários sociais de
estudantes beneficiários
do Prouni.

Equidade na Educação Cristina B. de 2015 Artigo Revista de Ciências


Superior no Brasil: Uma Souza Sociais
Análise Multinomial das Rossetto,
Políticas Públicas de Flávio de
Acesso Oliveira
Gonçalves

Os herdeiros e os Wilson 2015 Artigo Revista Educação e


bolsistas do Prouni na Mesquita de Sociedade
cidade de São Paulo Almeida

Alunos ProUni e não Vera Lucia 2014 Artigo Educar em Revista


ProUni nos cursos de Felicetti, Paulo
licenciatura: evasão em Fossatti
foco

Prouni: trajetórias João dos Reis 2011 Tese Programa de Pós-


da Silva Junior Graduação em
2085

Educação
Página

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Prouni: o ponto de vista Marise 2010 Dissertação Programa de Pós-


dos alunos Nogueira Graduação em
Ramos Políticas Públicas e
Formação Humana

Prouni: uma política de Maria das 2011 Dissertação Programa de Pós-


democratização do Graças Graduação em
ensino superior? Marcelo Ribeiro Educação

PROUNI: Dimensão Alfredo Macedo 2011 Dissertação Programa de Pós


nacional e perfil dos Gomes Graduação em: em
estudantes de Educação
Pernambuco

Acesso ao ensino Letícia Bicalho 2015 Dissertação Programa de Pós


superior e trajetórias dos Canêdo Graduação em:
egressos do Prouni Educação

Qualidade da educação Maria Isabela 2010 Tese Programa de Pós


superior e o PROUNI: da Cunha Graduação em:
limites e possibilidades Educação
de uma política de
inclusão

Prouni – Uma reflexão Vicente Lima 2013 Dissertação Programa de Pós


sobre o. A voz dos Crisóstomo Graduação em:
beneficiários do Políticas Públicas e
programa Gestão da Educação

A seguir serão apresentadas algumas fichas de leitura que


fundamentaram a análise do material encontrado e que fazem parte do
2086

escopo da pesquisa, de sua análise e percepções.


Página

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Título: ENTRE A REALIDADE E A POSSIBILIDADE: PROUNI E A


DINÂMICA INCLUSÃO/EXCLUSÃO.

Autor: Aparecido Lupércio Rizzo

Data: 2010

Orientadora: Cleide Rita Silvério de Almeida.

A localização: São Paulo - SP

Programa de Pós- Graduação: Dissertação da Universidade Nove de Julho.

Área de conhecimento: Ciências Humanas: Educação.

Título do grupo ou linha de pesquisa: Educação.

Tipo de pesquisa realizada: Teórica e empírica (pesquisas de campo com


entrevista estruturada foram aplicadas questionários, contendo questões
estruturadas e questões abertas, aos alunos do curso de Pedagogia).

Técnica de pesquisa utilizada: Bibliográfica e entrevista.

Autores que são citados nas teses e dissertações. A seleção de autores


selecionados foi realizada privilegiando os autores de mais destaque na pesquisa,
ou seja, os autores que apareceram com maior frequência em citações no escopo
da pesquisa: Cleide Rita Silvério de Almeida, Elaine T. Dal Mas Dias, Izabel
Petraglia, Lupércio A. Rizzo, Robert Castel, Jacques Delors, Mariângela Belfiore
Wanderley, José Antônio Silva Júnior, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Egdar Morin.

Prouni é o tema principal da pesquisa: Sim, o Prouni é o tema principal da


pesquisa através da dinâmica inclusão/exclusão dos alunos dentro de uma
instituição da cidade de São Caetano do Sul.
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Aspectos Positivos destacados do Prouni: Os aspectos positivos destacados


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é que o programa proporciona a continuidade dos estudos e equidade social.

PROGRAMA UNIVERSIDAE PARA TODOS (PROUNI):


PESQUISA NA BIBLIOTECA ELETRÔNICA SCIELO E NA PEDRO GUILHERME SANTOS BORGES
BIBLIOTECA BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES
PEDRO GUILHERME SANTOS BORGES
PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS (PROUNI): PESQUISA NA BIBLIOTECA ELETRÔNICA
SCIELO E NA BIBLIOTECA BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES

Aspectos negativos do Prouni destacados: Os aspectos negativos se


baseiam na questão da inclusão desse aluno dentro das instituições, pois alunos
beneficiários de baixa renda muita vezes se deparam com situações distantes de
suas realidades, como tecnologias, o contato com novas vivências, acesso a bens
e serviços antes inacessíveis.

Comentários: O foco e a preocupação da dissertação são de fato


pertinentes, e a mescla de técnicas tornou o trabalhou rico, pois explorou a teoria
de como deve ser uma política afirmativa, ou seja, inclusiva e através das
entrevistas mostrou se de fato essa inclusão existe totalmente e quais são as
deficiências apontadas pelos alunos. Foram realizadas 85 entrevistas com
estudantes do sexo masculino e feminino dentro do curso de pedagogia da
Universidade Nove de Julho, a pesquisa foi composta por 45 questões fechados e
3 abertas, distribuídas em 13 divisões ou áreas de interesse.

Título: Alunos do ProUni da Universidade de Passo Fundo: trajetórias,


percepções/sentimentos e aproveitamento acadêmico.

Autor: Maria Aparecida Tagliari Estacia

Data: 2009

Orientadora: Arabela Campos Oliven.

Localização: Porto Alegre – RS.

Programa de Pós- Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do


Sul: Tese.
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Área de conhecimento: Ciências Humanas: Educação

Título do grupo ou linha de pesquisa: Universidade, Teoria e Prática.


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Tipo de pesquisa realizada: Empírica (Foram estudados através de


entrevistas os alunos bolsistas do Prouni da Universidade de Passo Fundo que
entraram no ano de 2005 pelo programa).

Técnica de pesquisa utilizada: Entrevistas com 14 alunos de diversas IES e


cursos variados.

Autores que são citados nas teses e dissertações. A seleção de autores


selecionados foi realizada privilegiando os autores de mais destaque na pesquisa,
ou seja, os autores que apareceram com maior frequência em citações no escopo
da pesquisa: Susana Arrosa, Norberto Bobbio, Zygmunt Bauman, Paulo Sergio da
Costa Neves, Maria Alice Nogueira.

Prouni é o tema principal da pesquisa: Sim. Dentro das políticas afirmativas


que a pesquisa estudou o programa Prouni é o destaque.

Aspectos Positivos destacados do Prouni: Os aspectos positivos destacados


são de que o Prouni tem cumprido seu objetivo, levando uma maior igualdade de
ensino, assim como promovendo uma ascensão intelectual, profissional e pessoal.

Aspectos negativos do Prouni destacados: Como aspectos negativos foram


levantados as seguintes questões, que o programa pode ser confundido de cunho
populista, da pequena dimensão diante da atual conjuntura do ensino superior no
país, de caráter paliativo, ressalta que o programa deveria dar mais atenção aos
alunos carentes como auxílio transporte, moradia, alimentação, ampliação de
vagas.

Comentários: A pesquisa se baseia em uma IES específica do Rio do


Grande Sul, mais é de grande valia, pois avalia através de entrevistas os alunos
beneficiários dos cursos mais e menos procurados e a relação dos mesmos com o
2089

programa e a instituição. Primeiramente foi realizada a localização das fichas de


identificação, dos endereços dos alunos, assim como os boletins acadêmicos, a
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partir disso foram realizados contatos com os diretos de cada unidade de ensino
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pesquisada, explicando o objetivo da pesquisa e solicitando a entrevista com seus


alunos. O convite aos entrevistados foi realizado via contato telefônica onde se
explicou a pesquisa e foi feito o agendamento do horário para a entrevista de
acordo com a disponibilidade de cada aluno.

Título: Uma margem outra: itinerâncias de jovens das classes populares na


educação superior.

Autor: Idalina Souza Mascarenhas Borghi.

Data: 2014

Orientador: Pimentel Álamo.

Localização: Salvador - BA

Programa de Pós- Graduação da Universidade Federal da Bahia: Tese.

Área de conhecimento: Educação.

Título do grupo ou linha de pesquisa: Educação.

Tipo de pesquisa realizada: Teórica e empírica de inspiração etnográfica.

Técnica de pesquisa utilizada: observação participante, entrevista


semiestruturada e análise documental, através da criação de seis biografias
sociais.

Autores que são citados nas teses e dissertações. A seleção de autores


selecionados foi realizada privilegiando os autores de mais destaque na pesquisa,
ou seja, os autores que apareceram com maior frequência em citações no escopo
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da pesquisa: Idalina S. Mascarenhas Borghi, Pierre Bourdieu, Bernard Charlot,


Norbert Elias, Paulo Freire, Bernard Lahire, Álamo Pimentel.
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Prouni é o tema principal da pesquisa: O programa Prouni é parcialmente o


tema principal da pesquisa.

Aspectos Positivos destacados do Prouni: A pesquisa aponta o programa


como a ponte que liga os jovens de renda baixa ao ensino superior.

Aspectos negativos do Prouni destacados: Como aspecto se destaca que o


Prouni não atinge todos os níveis de pobreza, já que a permanência nas instituições
depende de mudanças socioeconômicas. O estudo multicasos foi realizado com
seis alunos dos cursos de Administração, Pedagogia, Direito, Psicologia,
Fisioterapia e Jornalismo, todos pertencentes às classes populares, moradores de
periferia, sendo três do sexo feminino e três do sexo masculino, três
autodeclarados negros, dois pardos e uma branca. As entrevistas foram realizadas
dentro da própria IES e após o questionário inicial e em seguida as entrevistas
foram feitas biografias sociais dos seis participantes selecionados.

Título: O sentido social do ProUni – Programa Universidade Para Todos.

Autor: Alípio Márcio Dias Casali; Maria José Viana Marinho de Mattos.

Título da Revista: Revista Ensaio.

Data: 2015

Localização: Rio de Janeiro – RJ

Método: Teórico.

Autores que são citados. A seleção de autores selecionados foi realizada


privilegiando os autores de mais destaque na pesquisa, ou seja, os autores que
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apareceram com maior frequência em citações no escopo da pesquisa: Sergio


Abranches, Cristina Helena Almeida de Carvalho, Afrânio Catani.
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Prouni é o tema principal da pesquisa: Sim, o Prouni é o tema principal deste


artigo.

Aspectos Positivos destacados do Prouni: Por ser um programa de política


inclusiva e de ação afirmativa, o aspecto positivo destacado que é o Prouni tem
contribuído para a notável mobilidade social dos estudantes e promovidos alcances
de cunho social, alcance histórico e cultural.

Aspectos negativos do Prouni destacados: Os pontos negativos mais


polêmicos seriam as renúncias fiscais (que teriam ocorrido segundo a pesquisa
através da isenção de impostos que o governo cede as instituições privadas que
adere ao Prouni, essa crítica é levantada, pois a renúncia fiscal ocorrida através da
isenção de oposto contribui mais para o

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