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A MÁFIA DE PALETÓ
ELEANDRO PASSAIA

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Feliz o homem que não procede conforme o
conselho dos ímpios, não trilha o caminho dos
pecadores, nem se assenta entre os escarnecedores;
feliz aquele que se compraz no serviço do Senhor e
medita a sua Lei dia e noite.

Salmos 1- 2

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AGRADECIMENTOS

Não é prudente mencionar o nome de ninguém.


Não quero expor as pessoas que eu amo. Mas
jamais esquecerei de nenhum gesto que transmitiu
confiança e motivação. Aos meus familiares e
amigos, muito obrigado.

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A MÁFIA DE PALETÓ
Operação Uragano*. No olho do Furacão. O dia em que
a Polícia Federal desmascarou os donos do poder.

* URAGANO - FURACÃO NO IDIOMA ITALIANO.

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APRESENTAÇÃO

Às vezes me pergunto como eles sempre


conseguem voltar. São denunciados,
chegam a parar na cadeia, estampam as
capas dos jornais e em pouco tempo
renascem das cinzas. A perseverança de
muitos políticos envolvidos com escândalos
é no mínimo admirável. Usam a memória
curta do eleitor para se deleitar com o
dinheiro público. Mas até quando? O
brasileiro ainda saberá dar o troco nas urnas
aos abusos dos candidatos com ''vida suja''?

Talvez este dia já tenha chegado. Não


com o ritmo desejado, mas com sinais
capazes de acender uma luz no coração de
quem quer acreditar na política. Ou
acreditamos e nos envolvemos, ou sempre
estará nas mãos de gente desonesta o
sistema capaz de mudar as regras sociais de
nossas vidas. A política determina nossos

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limites. Cria as leis que nos beneficiam ou
incriminam. Estabelece, mesmo que
indiretamente, nossa posição diante da
sociedade.

Que nossas falhas sejam esquecidas.


É impossível reeditar o passado, mas
podemos escrever o presente ignorando os
rascunhos. E tenha certeza, o futuro vai
dizer quem somos hoje: editores de nossas
histórias ou coadjuvantes da vida dos
manipuladores do poder.

No mundo da política ser honesto não


é tão difícil. O maior esforço está em evitar
a omissão e tomar as decisões que o medo
nos enfraquece. A honestidade dos
moradores de uma cidade não elimina a
opressão, nem destrói a imoralidade de seus
líderes. A ação sim pavimenta nossos
destinos ao local que desejamos.

Mexi num vespeiro ao escrever este


livro. Estou ciente dos processos que
enfrentarei; das ameaças inevitáveis; do
dissabor da censura. Mas não me arrependo
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de ter puxado o gatilho da sensatez. A vida
apresentou uma encruzilhada. Local e
tempo ideais para descortinar um grande
esquema de corrupção. A decisão foi
solitária, sem o apoio ou consolo de
ninguém. Meus pais e amigos teriam dito
para sair sem me envolver. Alguns colegas
certamente incentivariam a me lambuzar no
''pote de mel'' dos corruptos.

Ofereço esta obra às pessoas que


amo. Busquei forças no olhar confiante da
minha família. Na admiração da minha
filha. Na lealdade de meus amigos. Todos
foram propositadamente evitados nos
últimos meses. Fui cobrado, mas não pude
me explicar. Agora peço perdão. O perigo
passou a ser a minha companhia e não
quero que ele conheça os rostos de quem
levo no coração.

Preciso me desculpar também com a


população de Dourados. Coordenei a
campanha de comunicação que convenceu
os eleitores de que valia a pena votar em Ari

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Artuzi. O defendi depois de eleito por mais
de um ano em dezenas de entrevistas. No
começo acreditava realmente no que falava.
Mudei de idéia quando ultrapassei a ante-
sala dos acordos políticos e encarei a
''máfia'' que se esconde nos gabinetes.

A força invisível que corrompe os


''líderes do povo'' é cruel. Muito mais
venenosa do que os cartéis de drogas, de
armas e de prostituição. A máfia infiltrada
na política além de arrancar boa parte do
dinheiro que deveria ser investido no bem
coletivo, cria leis que beneficiam o crime e
estendem um tapete vermelho à
malandragem. A maior diferença é que na
política os bandidos não se vestem de preto,
não exibem tatuagem e não dão tiros para o
alto. Eles sorriem para a gente, pregam
lealdade e pedem o nosso voto.

Faço da maior reportagem de minha


carreira, um pequeno livro. Não há
nenhuma metralhadora de letras apontada
para alguém. Não denuncio indivíduos e

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sim, fatos. A ausência de sensacionalismo
ou qualquer tipo de romantismo, explica o
porquê não me estendi, renunciando o
excesso de páginas e de fotos flagrantes.

Particularmente tenho motivos para


admirar algumas pessoas aqui denunciadas,
mas reprovo a ação deles. Deus me ensinou
a amar o pecador, não o pecado.

Que este livro encoraje mais gente a


combater o desvio de dinheiro público. Do
contrário, a velhice nos apresentará a fatura
do silêncio. Alguém já disse que o que
deixamos de fazer provoca arrependimento
muito maior do que os erros que
cometemos.

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INTRODUÇÃO

Se uma criança que você ama perguntasse


sua opinião sobre a corrupção certamente
você diria que é contra. Mas se ela também
questionasse o que você tem feito para
evitar a ação dos corruptos, que resposta
daria? Eu particularmente penso que ainda
não tenho muitos argumentos. As gravações
entregues a Polícia Federal serviram apenas
para que os homens da lei façam a sua parte
no processo. Cabe agora a nós, população,
punir com o descrédito qualquer
''profissional'' da política. Quem já se
envolveu com qualquer tipo de fraude no
setor público deve ser esquecido
impiedosamente.

A atitude é o antídoto contra os


líderes corrompidos. O abismo da
desigualdade entre quem governa e quem é
governado se alimenta do nosso egoísmo.

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Queremos resolver apenas os nossos
problemas.

O homem moderno reenvia por e-


mail slides que satirizam políticos, mas se
recusa a participar de qualquer movimento
contra a corrupção. Crucifica os políticos
que desviam milhões, mas não devolve o
troco dado a mais por engano. Se revolta
contra os policiais que aceitam suborno,
porém é capaz de pagar R$ 50,00
(cinqüenta reais) para evitar uma multa de
R$ 500,00 (quinhentos reais) no trânsito.

Percebei a incoerência do discurso do


cidadão brasileiro quando assumi a
Secretaria de Comunicação da prefeitura de
Dourados, a maior cidade do interior de
Mato Grosso do Sul. Fui bombardeado por
pedidos dos mais diversos. A maioria se
achava no direito de gozar dos
favorecimentos do serviço público
simplesmente porque votou no candidato
eleito nas últimas eleições. Uma verdadeira
extorsão. Casa popular ou o esquecimento

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do candidato nas urnas. Anistia do IPTU
atrasado ou protestos mobilizados por um
certo presidente de bairro que manipula as
''massas'' para defender causa própria.

A realidade é que cada civilização


tem o governo que merece. Parte da
sociedade alimenta a corrupção. Ao exigir
benefícios ilegais o cidadão corrompe o
agente público. Quando vende seu voto por
dinheiro ou qualquer troca de favor o eleitor
coloca no poder alguém predestinado a
roubar. SIM, A ROUBAR. Assistencialismo
de qualquer natureza tem custos elevados e
quem o faz fatalmente vai arrumar uma
forma desonesta para equacionar o
problema mais tarde.

O prefeito Ari Artuzi doava caixões,


passagens, cadeiras de rodas, dentaduras e
até dinheiro enquanto era deputado. Os
recursos vinham de empresários locais que
souberam muito bem como cobrar cada real
emprestado. Apesar de existir um processo
de licitação que na teoria é elaborado para

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escolher prestadores de serviços ou
fornecedores com os menores preços, na
prática, ganham as empresas que o governo
quer.

Os contratos superfaturados pagam


dívidas de campanha e ainda engordam as
contas de uma lista suja formada por
prefeito, empresários, vereadores,
secretários e outros colaboradores.

Geralmente os empresários que se


envolvem com a política se tornam
''olheiros''. Buscam talentos capazes de
capitalizar números expressivos nas urnas.
Um mesmo patrocinador de campanha
financia dois ou mais concorrentes à cadeira
de prefeito e às vezes a dezenas de
candidatos a vereador de uma única vez. O
mesmo pode acontecer quando as eleições
escolhem governadores, deputados,
senadores e, que ninguém duvide, até o
presidente da república

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É uma forma de perpetuar a
contaminação do sistema, apesar da troca de
gestores e de siglas partidárias no poder.

Não significa que todos os candidatos


e partidos aceitam acordos com a ''máfia''
que dá fôlego a corrupção. Mas é preciso
admitir: apesar de haver muita gente
honesta no setor público, ainda é carente de
homens com coragem de denunciar e tomar
ações decisivas contra os bandidos de
paletó.

O que vou relatar nos próximos


capítulos vai aborrecer os leitores que
desejam ver o Brasil como um país melhor.
Em minhas viagens a Brasília, após
conversar com senadores, deputados,
prefeitos, vereadores e empresários de todo
o país, pude concluir que casos semelhantes
aos constatados em Dourados acontecem
em muitas prefeituras do Brasil.

Não me cansarei de afirmar que a


revolta maior deve ser contra o silêncio. Se
as coisas não são como gostaríamos que
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fossem, é hora de lembrar: sim, nós
podemos combater a corrupção, juntos.

PRIMEIRA OPERAÇÃO

Primeiro de janeiro de 2009. Eu era o mais


novo entre os 12 secretários nomeados pelo
novo prefeito, 32 anos de idade. A bolsa de
apostas dizia que suportaria 6 meses na
pasta. Estavam errados, foram otimistas
demais, ao final do terceiro mês pedi para
sair. O projeto de reformulação do
jornalismo da repetidora da Rede Record no
estado havia me seduzido. Salário acima da
média e colocação de matérias em rede
nacional.

Porém não consegui dizer não ao


pedido de Darci Caldo, então Secretário de
Governo. Ele solicitou que eu ficasse mais
algumas semanas até contratar outra pessoa.
O tempo passou rápido e ninguém apareceu

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para ocupar o posto. Ainda pertencia ao
quadro de servidores municipais quando um
clima pesado tomou conta de Dourados.
Manhã da terça-feira, dia 7 de julho de
2009, a operação OWARI (ponto final em
japonês) da Polícia Federal mandou para
cadeia 42 pessoas. Na lista constavam os
nomes do vice-prefeito, de três vereadores e
de 9 funcionários da prefeitura, entre eles 4
secretários. A PF também colocou atrás das
grades o patriarca Sizuo Uemura, a esposa e
seus 5 filhos.

De acordo com investigações da


Federal, os Uemura presenteavam
funcionários públicos com viagens, objetos
de valor e dinheiro. Em troca queriam
favorecimento para vender produtos das
empresas da família. Apenas nos últimos 2
anos teriam ganhado R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais) em licitações. Mas
não tiveram tempo para se acostumar com a
vida de presidiários. Passaram poucos dias
detidos. Um habeas corpus deu direito a
responderem o processo em liberdade.
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A operação policial foi mais um
incentivo para deixar Dourados.
Arrumamos um novo secretário para a pasta
da comunicação institucional do município
e eu voltei à capital sul-mato-grossense. No
entanto, minha história na Prefeitura de
Dourados ainda não havia chegado ao fim.
Artuzi insistia para que eu voltasse. Resisti
ao convite várias vezes. Um detalhe apenas
me intrigava: os comentários de um
blogueiro maquiavélico.

O jornalista Valfrido Silva sempre


quis ser o secretário de comunicação de
Artuzi. Quando soube do desejo do prefeito,
começou a me atacar em seu blog. Deixava
nas entrelinhas a impressão de que eu seria
o próximo responsável por organizar os
esquemas de desvio de dinheiro da
prefeitura. Uma vez por telefone perguntei
porque tanta agressividade. Respondeu que
era para o meu bem, queria me
desencorajar. Valfrido afirmava que um dia
o agradeceria muito. Para a minha carreira

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profissional seria muito melhor continuar
em Campo Grande atuando como jornalista.

Não acreditei nas palavras amigáveis


de meu desafeto. Estava convencido de que
seu desejo era apenas limpar o caminho
para voltar a ser o marketeiro de Artuzi.

Ele tinha motivos para não gostar de


mim. Fui contratado no lugar dele para
coordenar a campanha de comunicação do
PDT nas eleições de 2008. Mágoa que o
bloqueio aliviava com a ponta dos dedos.
Seus textos eram cada vez mais amargos.
Além de corrupto, passou a me chamar de
cafetão.

Por duas vezes seguidas cheguei a


redação para trabalhar e encontrei o blog
aberto em páginas que me denegriam. Foi
um golpe dolorido. Coisa da minha cabeça
ou não, o clima na emissora ficou hostil.
Não estava a fim de levar todos aqueles
desaforos para casa.

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O RETORNO

Três meses após a minha saída da Prefeitura


de Dourados voltei a ocupar o cargo de
secretário de comunicação. Desta vez estava
convencido sobre a minha real missão:
desmascarar o blogueiro que manchou a
minha honra. Em minha primeira gestão ele
pediu dinheiro para não falar mal do
prefeito no blog. Aceitei o pedido desde que
os pagamentos fossem legalizados e que ele
nos ajudasse a construir a imagem de Artuzi
como um bom prefeito.

A resposta foi um ''não'' em tom


grave. Valfrido queria receber as escondidas
e sem nenhum compromisso. Sua única
função seria não escrever mais nada contra
a prefeitura. Cometi o erro de não registrar

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nem denunciar nada. Uma falha que não se
repetiria da próxima vez.

O desentendimento com Valfrido


logo foi esquecido quando me deparei com
um problema maior. O contrato com a
agência de publicidade havia encerrado.
Sem propaganda o município perde
visibilidade. Não há político que sobreviva
a falta de aprovação popular, logo, era
necessário “licitar uma nova agência”. O
contrato seria de R$ 2.750.000,00 (dois
milhões e setecentos e cinquenta mil reais).
Números generosos que encheram os olhos
do prefeito.

Ari Artuzi queria indicar uma agência


para vencer a licitação. Eu sabia que isso
era ilegal e perigoso. Se a intenção fosse
descoberta, poderia ser incriminado pois era
o administrador da pasta para a qual a
licitação seria feita.

Enviei o edital antes de ser publicado


ao Sindicato das Agências de Publicidade
de Mato Grosso do Sul (SINAPRO), uma
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forma de me blindar. A entidade apresentou
uma série de erros e vícios no documento
elaborado pela prefeitura e sugeriu
modificações. Estranhamente o pedido foi
recusado pelo setor de licitação. Fiz questão
de registrar todos os detalhes.

Corretamente a diretoria do
SINAPRO pediu a justiça a impugnação do
processo licitatório alegando falta de lisura
e transparência do edital divulgado pelo
Diário Oficial. O setor jurídico do
município recorreu da decisão. Semanas
mais tarde, após várias tentativas frustradas,
a prefeitura renovou o contrato com a antiga
agência. O prefeito sabia que a volta dos
informes publicitários em rádio, TV, jornais
e sites era fundamental para a sustentação
do governo diante da comunidade local.

Paz selada com a imprensa,


ressentimento contra Valfrido revigorado.
Muita gente se deixou levar pelo blogueiro
e passou a me rotular como o mal feitor de
Artuzi. Certo dia numa lanchonete conheci

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uma garota bem desaforada. Ela apresentou
o prefeito da cidade e os seus secretários
num altar a Baal. Disse que todos
precisavam ser exorcizados. Segundo ela, a
administração pública havia incorporado o
demônio da ganância.

A mocinha era leitora do blog


sensacionalista. Deixei a tagarela à vontade,
falou bem mais do que devia. Só depois
contei que eu era o secretário de
comunicação de Dourados. Nunca ninguém
me fez tantos pedidos de desculpas em tão
pouco tempo. Hoje somos amigos. Rimos
juntos do episódio todas as vezes que nos
encontramos. Ela jura que não me acha
mais um corrupto. Menos mau.

Senti que era hora de voltar a falar


com Valfrido Silva. Queria gravar a
conversa e depois desmascará-lo. Mas o
destino não quisera que fosse desta vez.
Alziro Moreno, que substituiu Darci Caldo
na Secretaria de Governo após a operação
Owari, cambaleava na função de

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Articulador político. O prefeito queria
substituí-lo e me chamou para a função. O
próprio Alziro me pediu para aceitar o
convite pois não estava suportando as
pressões do cargo. Acertamos os detalhes
em primeiro de maio de 2010. No dia
seguinte passei a dirigir as Secretarias de
Comunicação e de Governo.

Meu tempo agora era tomado pelo


trabalho. O blogueiro não me saía da
memória, mas eu teria de esperar mais um
pouco para provar quem era o vigarista.
Tinha certeza de que o dia da prestação de
contas não tardaria.

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SECRETARIA DO DINHEIRO

Chefiar a Secretaria de Governo (SEGOV)


foi a minha maior experiência de vida. A
pasta é o cérebro da administração.
Oficialmente representa o município
perante as demais esferas políticas.
Coordena também todas as Secretarias.
Ninguém faz nada sem a aprovação prévia
do Secretário de Governo, que tem a
responsabilidade de fazer valer os anseios
do prefeito.

Há ainda outro atributo da SEGOV


conhecido por um número restrito de
pessoas. Extra-oficialmente o secretário de
governo paga o mensalão dos vereadores e
faz os acordos com as empresas prestadoras
de serviços. É o portal do inferno para

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aqueles que desejam ganhar dinheiro de
forma rápida e fácil. Sempre desconfiei de
que os antigos secretários de governo
estavam envolvidos com negócios
fraudulentos, só não sabia que essa era uma
obrigação de quem ocupava o cargo.

Havia uma regra estabelecida por


Artuzi. Do valor bruto pago aos prestadores
de serviços e produtos, 10 por cento
deveriam ser devolvidos a ele. Nem todos
os empresários aceitaram tal imposição.
Neste caso só se tornaram fornecedores da
prefeitura porque conseguiram furar os
direcionamentos criados nos editais. Nas
gravações entregues à Polícia Federal, a
secretária de finanças dá a lista de alguns
empresários que nunca devolveram dinheiro
a Artuzi.

Nos primeiros dias como secretário


de governo tentei riscar da agenda qualquer
encontro que pudesse trazer complicações
com a justiça. Mas isso me incomodava.
Estava sendo conivente com as práticas

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ilícitas apresentadas assim que assumi o
novo cargo. Para a justiça, fazer vistas
grossas é crime. Não sobrou outra
alternativa. Teria de abandonar o barco. Já
havia feito isso um dia. Não custava pular
na água outra vez.

Decepção estampada no rosto.


Colegas de trabalho estranhavam meu
comportamento. Apesar de sentir desejo de
ir embora, sabia no fundo que seria um erro
para a minha reputação. Me chamariam de
covarde ou inconstante e continuariam me
colocando na galeria dos corruptos, caso
não desmascarasse os comentários
maldosos em valfridosilva.com.

Artuzi percebeu minha insatisfação.


Antes que eu entregasse uma nova carta de
demissão, se valeu de um recurso muito
usado por ele em seus relacionamentos
profissionais. Afirmou que em breve me
recompensaria com boa quantia de dinheiro.

Fui procurado também por Eduardo


Uemura. Ele apresentou detalhadamente os
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principais negócios que tinha com Artuzi.
Reclamou que alguns pagamentos estavam
atrasados e me prometeu até R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais) por mês para defender
os negócios da família com a prefeitura.
Empreiteiras como CGR, Planacon e MS
Construtora também prometeram propina
caso firmassem novos contratos com o
município.

As propostas de ''retorno'' financeiro


vieram até do vereador Junior Teixeira.
Poderia ter faturado tranqüilamente cerca de
R$ 100.000,00 (cem mil reais) mensais se
tivesse aceitado me vender.

Com tanta generosidade a vista fiquei


imaginando quanto receberia o prefeito. Ele
nunca me contou. Me esforcei para chegar a
um valor aproximado. Calculei uma média
de meio milhão de reais por mês. Darei
detalhes sobre esta conta mais adiante.

A fome de Artuzi por dinheiro se


tornou tão grande que os recursos
destinados à compra de medicamentos para
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os postos de saúde também eram desviados.
Pouca coisa saía dos cofres públicos sem
que parte engordasse o ''caixa 2''.

Em busca de morada, a ambição fez


rondas constantes em torno da
administração pública nos últimos anos.
Encontrou refúgio confortável no coração
de dois vereadores. Até quem conhece os
porões da política se assusta com a ''gula''
do presidente da Câmara Sidlei Alves-
DEM, e do primeiro secretário Junior
Teixeira-PDT. Em conversa com Darci
Caldo e Alziro Moreno, os dois últimos
secretários de governo de Ari Artuzi,
chegamos a conclusão de que cada um
havia retirado dos cofres públicos quase um
milhão de reais desde o início da gestão.

Em pouco tempo percebi o tamanho


da confusão que havia me metido.
Mergulhei num oceano cheio de tubarões
famintos. Precisava tomar uma atitude e não
tinha muito tempo para pensar. A mente

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exigia que agisse pela razão e fosse embora,
o coração insano clamava por justiça.

Decidi desmascarar Artuzi e seus


seguidores. Foi meu único projeto de vida
desde o dia 19 de maio de 2010, menos de
três semanas após assumir a SEGOV.

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ACORDO COM A POLÍCIA FEDERAL

Assim que assumi a Secretaria de Governo


os primeiros pagamentos aos vereadores
foram feitos por terceiros. Os próprios
empreiteiros entregaram as propinas.
Porém, era hora do meu 'batismo'. A grande
encruzilhada surgiu impiedosa. Precisava
decidir que caminho seguir. Eu sabia o que
fazer, faltava apenas coragem. A decisão
mudaria toda a minha vida, ou a encurtaria
ligeiramente.

Imaginei a multidão dos famigerados


e oprimidos pelo sistema. Isso me fez voltar
aos caminhos do meu Senhor, pois sozinho
sucumbiria. Deus foi a minha força, o meu
refúgio e o único amigo durante todos os
dias de investigação.

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Peguei com um amigo jornalista o
número do telefone do Delegado de Polícia
Federal responsável pela Delegacia de
Dourados. Bráulio José Galoni tem fama de
valente. Homem da lei que prendeu alguns
dos bandidos ou coronéis mais temidos da
cidade. Mas não era o jeito durão do
delegado que me tranqüilizava. Doutor
Galoni é um homem de princípios cristãos e
isso por sí só era uma garantia de que podia
confiar nele.

Nove horas da manhã de uma quarta-


feira. Minha terceira semana no novo cargo.
Liguei de um número de celular recém-
habilitado.

- Olá doutor, aqui é o Passaia, Secretário de


Governo da Prefeitura de Dourados.

- Fala rapaz, como posso ajudá-lo?

- Marcando uma audiência. Pode me


atender?

- Amanhã às 14 horas tenho um tempo livre.

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- Apareço em seu escritório então.

- Tô te esperando.

Fiquei um pouco decepcionado. Não


me saía da cabeça que ele deveria ter
marcado a tal audiência para o mesmo dia.
Foram 29 horas angustiantes. Ensaiei o que
falar umas 3 vezes, a cada 10 minutos. Data
e hora sem atraso. Às 14 horas em ponto do
dia 21 de maio de 2010 subia as escadas que
conduzem a sala do chefão da Federal em
Dourados.

Cumprimento forte e olhar firme nos


olhos do mesmo cara que mandou prender
42 pessoas, entre elas um secretário que
ocupara o mesmo posto que o meu na
administração municipal há exatamente um
ano.

Sorriso fácil, quase que de um


psicanalista que prepara o paciente para o
divã. Bráulio Galoni foi educado. Me mediu
dos pés a cabeça sem entender o que eu

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fazia ali. Pedi para fechar a porta, dispensei
o cafezinho e falei sem rodeios.

- Estão assaltando a cidade. Eu posso ajudar


a polícia a prender uma quadrilha inteira.

- Seja mais claro secretário – disparou o


delegado, franzindo a testa.

Conversamos por 1 hora e 42


minutos. A enxurrada de informações
parecia lavar a alma de quem investigava a
administração pública há 3 anos, durante a
transição de dois mandatos. Deixei claro
que eu não era um bandido arrependido, ou
em busca de vingança após ter sido traído
pelo próprio grupo. Pelo contrário, bem
larga e generosa era a porta que me
convidava a entrar para o mundo do crime.

O dinheiro fácil desviado dos cofres


do governo ainda não tinha passado por
minhas mãos. Não havia executado nenhum
pagamento até aquela data. Minha primeira
ação criminosa estava marcada para o dia
seguinte. Apresentei meus planos: pediria as

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contas naquele mesmo dia após deixar a
delegacia ou, continuaria no cargo com o
propósito de colaborar com a Federal. A
segunda opção foi aceita.

Já não era mais possível retroceder.


Uma overdose confusa de adrenalina,
agonia e satisfação foram aplicadas em
minhas veias. Os dias seguintes reservariam
o período mais angustiante de minha
existência.

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COMEÇA A OPERAÇÃO URAGANO

No dia seguinte um novo encontro com


doutor Galoni. Desta vez veio acompanhado
de dois policiais federais. Eram peritos do
setor de tecnologia. Foram eles que me
apresentaram alguns "brinquedinhos letais".
Micro-equipamentos capazes de registrar
áudio e vídeo com definição suficiente para
incriminar mãos que pegam o que não
devem.

Fiquei encantado ao saber que tudo o


que tinha visto até hoje nos filmes
americanos estava à disposição dos policiais
federais brasileiros.

Decidi não revelar neste livro


detalhes dos aparelhos usados para não

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prejudicar outras operações que possam
colocar na cadeia quem ainda não tomou
consciência de que, para cuidar do dinheiro
público, não é preciso levá-lo para casa.
Posso garantir apenas que os Federais estão
bem equipados e a tecnologia se tornou uma
grande aliada contra o crime.

Um aviso aos navegantes no oceano


da política: fiquem longe da corrupção!

Comecei com os vereadores da base


aliada. Eram oito de um total de 12
parlamentares. Dividi os pagamentos em
duas vezes, uma forma de assegurar que
ninguém escaparia das filmagens. Meu
nervosismo evidente encontrava disfarce.
Alegava que toda a afobação era coisa de
quem estava estreando como mais um
''marginal da política'', quando na verdade o
maior medo era de que as gravações fossem
descobertas.

Por muito pouco a Operação Uragano


não foi encerrada na fase embrionária. No
primeiro pagamento feito em meu escritório
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ao vereador Zezinho da Farmácia-PSDB,
fui traído pela falta de experiência. Marcelo
Hall, secretário de serviços urbanos,
acompanhava o vereador. Ele se encantou
por uma jaqueta que escondia uma das
câmeras filmadoras, estendida em cima da
mesa. Chegou a pegar a peça de roupa na
mão, sem perceber o equipamento. Se o
secretário tivesse sido um pouco mais
curioso, eu não teria conseguido gravar
tanta gente mal intencionada.

A expressão ''lavar dinheiro sujo''


nunca foi tão apropriada. No caso de
Dourados a lavagem era feita com sangue.
Recursos desviados da Secretaria de Saúde
pagavam o silêncio e a generosidade da
maioria dos legisladores municipais. E
pasmem, os três membros da Comissão
Parlamentar de Inquérito criada para
investigar a saúde pública da cidade
"bebiam'' do sangue derramado pelos
pacientes nos hospitais. A CPI não passou
de um teatrinho para dar a sociedade a

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impressão de que os vereadores são homens
sérios e comprometidos com a população.

Juninho Teixeira-PDT sempre foi um


dos mais apressadinhos. Como recompensa
foi o primeiro a sorrir às câmeras da justiça,
pegou R$ 10.000,00 (dez mil reais) com
uma tranquilidade impressionante. Talvez
fosse a força do hábito.

Zezinho da Farmácia-PSDB e Paulo


Henrique Bambu- DEM, venderam a honra
por um pouco menos. Eu mesmo entreguei
a cada um R$ 7.000,00 (sete mil reais).

No último escalão do nada saudável


mensalão estavam Aurélio Bonato-PDT,
José Carlos Cimatti-PSB, Edvaldo Moreira-
PDT e Tio Julio-PRB. Receberam de
minhas mãos R$ 5.000,00 (cinco mil reais)
em espécie cada um. Tais valores foram
repassados mensalmente aos vereadores
''aliados'' desde o início de 2009. Quase 2
anos de farra sem qualquer peso na
consciência.

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A base de sustentação era
fundamentada ainda com a presença de um
oitavo membro, o presidente da Câmara
Municipal. Sidlei Alves-DEM foi o segundo
mais votado nas últimas eleições. Ele me
confidenciou certo dia que o sucesso nas
urnas foi garantido por um forte esquema de
compra de votos. O democrata sempre
recebeu mais do que todos os outros pares
do parlamento municipal juntos. Triste
história que contarei mais adiante.

Menos de dois meses antes a lista era


composta também por Dirceu Longhi-PT,
de acordo com Alziro Moreno. O ex-
secretário de governo afirmou que R$
10.000,00 (dez mil reais) todos os meses
garantiram por mais de um ano uma
esquerda cega aos indícios de corrupção do
executivo e extremamente ''companheira''
na aprovação dos projetos enviados pela
prefeitura.

Assim que assumi tive uma conversa


com o petista.

41
- Vamos voltar à base vereador.

- Não sei cara, o prefeito quase não honra os


compromissos com a gente.

- Mas você não vinha recebendo?

- Sempre atrasado né, e tem promessas


ainda pendentes.

Nunca avancei nas negociações com


Dirceu Longhi. Ele sempre deixou claro que
estava com medo de ser descoberto e não
queria mais pegar dinheiro, dizia que um
interlocutor faria isso por ele. O que nunca
aconteceu. Eu já tinha registros que
apontavam que ele também fez parte do
esquema de corrupção e para mim era o
suficiente.

Quem assistir a uma sessão do poder


legislativo após ler este livro certamente
será bem mais crítico ao analisar cada
discurso. A impressão é de que os
parlamentares acreditam muito pouco no
que falam. Uma afronta aos princípios

42
pessoais compensada com dinheiro. Os
''edis'' governistas mesmo descontentes com
o prefeito promovem juras de amor em
busca de um bem maior, ou de ben$
maiores.

Já os oposicionistas mudam a rota


mas não o destino. Todos acabam sentando
no colo do poder público. A divisão do
dinheiro desviado elimina a função real do
vereador, que é a de fiscalizar o poder
executivo. O Parlamento Municipal não só
pode como deve estar atento as ações do
administrador municipal. Cabe aos
vereadores, inclusive, cassar o prefeito,
quando as denúncias de corrupção forem
evidentes.

Gino Ferreira-DEM é famoso por


seus discursos ponderados. Faz oposição,
mas não raivosa. Ele assinou o pedido de
CPI contra o ex-prefeito Laerte Tetila-PT e
o atual Ari Artuzi-PDT, porém justificou
que a decisão foi um mal necessário. Em

43
determinada conversa me deu conselhos
sobre a política.

- Meu rei, você pode até não ser honesto,


mas todo mundo precisa acreditar que você
é. Você pode não ser rico, mas as pessoas
tem que acreditar que você é. Daí quando a
gente ganhar muito dinheiro ninguém vai
desconfiar de nada.

- Ahã.

- E tem mais, é importante que pensem que


tô na oposição, mas na verdade somos
parceiros. Sou o melhor cara pra vocês
mexerem nesta Câmara, sabia?

- Ahã.

Gino nunca passou o chapéu em


busca do dinheiro ''podre'' da saúde, no
entanto sempre pensou grande, como é de
se esperar de um vereador fazendeiro. Ele
intermediou o convênio fechado entre a
prefeitura de Dourados e uma empresa de
São Paulo para a compensação de tributos

44
perdidos. São recursos que a União deixou
de repassar ao município e que nunca foram
reclamados judicialmente. Havendo
sucesso a empresa contratada ficaria com 19
por cento do montante, dos quais 10 por
cento seriam entregues ao democrata. As
previsões iniciais são de encher os olhos, e
os bolsos. Pelo menos R$ 35.000.000,00
(trinta e cinco milhões de reais).

Outro democrata que lucra, mas com


discursos mais raivosos é o vereador
Marcelo Barros-DEM, conhecido como o
grande adversário de Ari Artuzi na Câmara.
É preciso reconhecer, ele sabe interpretar
muito bem. Alziro Moreno me garantiu que
pagou a ele R$ 60.000,00 (sessenta mil
reais) no final de 2009 para adoçar os
discursos de Barros na tribuna. A quantia
também teria servido para que o legislador
fizesse vistas grossas ao desvio de recursos
da Secretaria de Educação, denunciado pelo
jornal O Progresso.

45
Visitei Marcelo em sua residência 4
vezes. Sujeito sempre desconfiado, abriu o
coração aos poucos, até chegar a um acordo
claro. Ele escreveu o que queria num papel.
Uma mão trêmula deu vida ao número 10.
Dez cargos para acomodar gente amiga?
Valor de uma certa emenda parlamentar?
Ou as cifras iniciais de mais um mensalão
pago com dinheiro do contribuinte? Talvez
se Lula fosse indagado a respeito,
certamente diria que ''nunca na história
política desta cidade houve um enigma tão
fácil de ser respondido''.

No início de agosto de 2010 procurei


Marcelo Barros com o dinheiro solicitado.
Ele não recebeu. Convidou-me a dar uma
volta de carro. Passamos em frente ao local
onde eu deveria deixar o dinheiro, para um
tal de Hilton. Mais uma vez o termo
''lavagem de dinheiro'' vestiu como roupa
cara. Lavanderia do Lar Santa Rita. Deixei
R$ 7.000,00 (sete mil reais) para o
emissário. O processo de mutação
aconteceu quase que imediatamente, o lobo
46
das tribunas semanais se tornou num
cordeirinho menos rebelde.

Faltou apenas falar de Délia Godoy


Razuk-PMDB. A única mulher com
mandato na Câmara de Vereadores
douradense tem ''ficha limpa''. É admirável
a educação e o respeito usados no trato com
o público. Estendo um tapete vermelho à
parlamentar, mas não ao marido dela.
Roberto Razuk tem fama de homem mau.
Denunciado pelo Ministério Público por ter
feito um empréstimo fraudulento no valor
de R$ 3.500.000,00 (três milhões e meio e
reais), foi condenado em 2003 a 20 anos de
prisão por crime contra o sistema financeiro
nacional, falsificação de documento público
e falsidade ideológica. Passou três anos
preso até ganhar o direito de cumprir a pena
no regime semi-aberto.

Em 4 de junho de 2007 Razuk foi


preso novamente na operação Xeque-Mate
da Polícia Federal, acusado de fazer parte
do esquema da exploração de caça-níqueis

47
no estado. Mais uma vez conseguiu
autorização para pagar por seus pecados em
casa, longe das celas frias.

Visitei a vereadora para pedir apoio


político. Minha reivindicação se restringia a
aprovação de projetos importantes para a
cidade. Não falei sobre dinheiro em nenhum
momento, mas Razuk não se controlou.
Como lhe é peculiar, se intrometeu na
conversa. O comandante do jogo do bicho
em Dourados falou com ódio sobre Ari
Artuzi por três fortes razões:

* O prefeito não permitiu a nomeação


de 50 amigos da família em cargos da
prefeitura.

* Não deu abertura para que o filho


dele administrasse a Secretaria de
Planejamento quando este foi gestor da
pasta no início de 2009.

* E a maior ferida: Artuzi não


atendeu empresários do Rio de Janeiro
trazidos por Roberto Razuk. O grupo estava

48
interessado em ganhar a licitação de coleta
de lixo da cidade. Serviço com custo médio
para os cofres públicos de R$ 800.000,00
(oitocentos mil reais) por mês.

Razuk lembrou que a esposa é uma


mulher honesta e que nunca pegou dinheiro
da prefeitura. Afirmou também que os dois
sabem de todas as falcatruas envolvendo os
vereadores e o prefeito municipal. Quase
pedi ajuda para cumprir minha missão, mas
antes mesmo de ser convencido sobre a boa
intenção daquele senhor, lembrei que
Roberto Razuk já foi deputado estadual.
Empossou a voz para se gabar que sabia dos
esquemas de desvio de dinheiro dentro da
Assembléia Legislativa do Mato Grosso do
Sul. Quem não teve peito para denunciar os
colegas de parlamento, certamente não fará
nada para combater qualquer tipo de fraude.
Admiro a postura de dona Délia. Apenas a
dela.

49
HOSPITAL EVANGÉLICO

Alegando que os valores pagos pelo


Governo Federal eram insuficientes, em
2007 a direção do Hospital Evangélico (HE)
suspendeu todos os contratos com a gestão
pública e passou a realizar apenas
atendimentos particulares. A saúde pública
de Dourados havia sido municipalizada,
cabendo a prefeitura administrar os recursos
destinados ao setor.

No entanto, em março de 2009 uma


reviravolta provocou diferentes reações. A
notícia de que o HE voltaria a atender pelo
SUS fez com que parte da sociedade e o
Ministério Público levantassem suspeitas.

50
Porque insistir com um sistema que não
fazia muito tempo havia fracassado?

Com a troca de prefeito a direção do


HE desconsiderou tudo o que já havia
afirmado anteriormente e tirou da câmara
fria o velho projeto sobre saúde pública
integrada. Com recursos da União, do
Estado e do Município o hospital assinou
dois convênios e um contrato com a
prefeitura para administrar os atendimentos
públicos hospitalares novamente.

Na prática algumas coisas


melhoraram. O mais completo hospital do
interior do estado oferece especializações de
alta complexidade só disponíveis na capital.
Significa que diminuíram as transferências a
Campo Grande e conseqüentemente os
óbitos. Porém os gráficos poderiam ser bem
mais inclinados para cima se houvesse
seriedade na administração do dinheiro
destinado a salvar a vida de quem não pode
pagar por atendimento médico.

51
Conversas gravadas com a direção do
hospital, prefeito, vereadores e com a
família Uemura desmascaram um esquema
cruel de desvio de verbas. Dos cerca de R$
3.000.000,00 (três milhões de reais) pagos
mensalmente ao hospital, R$ 50,000,00
(cinqüenta mil reais) são entregues para
complementar a renda dos vereadores
aliados. Esporadicamente o prefeito também
se apodera de parte dos recursos que em
campanha jurou que seriam usados
dignamente.

Dilson Deguti, secretário adjunto de


saúde e ex-prefeito de Fátima do Sul, cidade
vizinha de Dourados, disse que no final de
2009 entregou R$ 100.000,00 (cem mil
reais) a Artuzi. Em agosto de 2010 fez um
novo pagamento no mesmo valor ao
prefeito. Dinheiro que foi usado inclusive
para pagar a cirurgia estética da primeira
dama. A “recauchutagem” custou R$
9.000,00 (nove mil reais).

52
No mesmo dia em que Maria Artuzi
saiu do hospital ''turbinada'', uma mãe da
Vila Mari, bairro da periferia, recebeu a
notícia de que o filho de apenas 6 anos de
idade poderia ficar cego. Os olhos teriam de
ser extraídos por causa do diagnóstico
tardio de uma doença rara, mas com
tratamento disponível pelo SUS. Tudo
poderia ter sido evitado se a criança não
tivesse esperado quase 3 meses para fazer
uma simples consulta. Por mais que alguém
chore de revolta ao ler esta informação,
nada jamais vai se comparar a dor daquela
mãe.

Os bisturis que dilaceram o sistema


de saúde criado para a população de baixa
renda reservam os pedaços mais generosos
para o pagamento de dívidas de Ari Artuzi.
A família Uemura reclama que com o
credenciamento do HE deixou de fazer
negócios lucrativos com o município, como
a venda de medicamentos. Se lamenta que
foi obrigada a fechar as empresas de
distribuição de remédios e de limpeza de
53
postos de saúde. O prejuízo teve de ser
pago por alguém.

Para liquidar a fatura ficou acordado


que o Hospital Evangélico repassaria
secretamente R$ 110.000,00 (cento e dez
mil reais) por mês aos Uemura durante os 4
anos de mandato de Ari Artuzi. Quando a
operação Owari foi deflagrada, entretanto,
os pagamentos à família nipônica tiveram
de ser interrompidos.

Porém, quando falta fiscalização


sempre sobram atalhos para chegar ao pote
de ouro. A Secretaria de Saúde, a direção do
Hospital Evangélico e Eduardo Uemura
arquitetaram mais um esquema genioso de
desvio de dinheiro. O prédio onde funciona
o Hospital da Mulher, pertencente a família
japonesa, foi colocado a venda. Os diretores
mais influentes do hospital convenceram o
restante do conselho administrativo de que
seria um bom negócio adquirir o imóvel.
Uma das maiores transações imobiliárias da
história da cidade foi fechada com cifras

54
bem generosas, R$ 8.000.000,00 (oito
milhões de reais).

Um dia durante almoço na fazenda


dos Uemura, Eduardo me contou detalhes
do acordo. O prédio na verdade valeria
pouco mais de R$ 2.500.000,00 (dois
milhões e quinhentos mil reais). O restante
seria usado para saldar a conta de Artuzi.
Bom para o HE que adquiriria mais um
hospital patrocinado com dinheiro público,
excelente para os japoneses que
aumentariam o seu império e um alívio para
o prefeito que já não suportava mais a
pressão de quem sempre teve fama de
cobrar com juros e correção cada centavo.

Ainda bem que o plano não era


perfeito. Mesmo já tendo depositado R$
1.100.000,00 (um milhão e cem mil reais)
na conta do patriarca dos Uemura, o medo
fez com que o HE desistisse de comprar o
imóvel em agosto de 2010. Os diretores
mais influentes do hospital alegaram que
tinham informações de que a Policia

55
Federal estava investigando o caso.
Preferiram perder pouco mais de um milhão
a continuar com o esquema fraudulento que
colocaria todos na cadeia. Foram os
primeiros frutos da Operação Uragano.

A dívida do prefeito douradense


havia diminuído, mas não liquidada. No
início de setembro de 2010, se a ação dos
federais não tivesse posto fim a farra dentro
da administração municipal, mentes
brilhantes já teriam apresentado uma nova
fórmula para subtrair as contas da Secretaria
de Saúde do Município.

56
COMO DEPUTADOS FEDERAIS E
SENADORES DESVIAM DINHEIRO

A Secretaria de Obras é o negócio mais


rentável no ''mundo do crime político''.
Verbas federais, estaduais e municipais
pagam contratos cheios de números, na
maioria das vezes com mais de 7 dígitos.
Com todos os empreiteiros e legisladores
que conversei recebi a mesma informação:
para cada centavo investido, parte é rateada
entre os envolvidos.

As regras já estão definidas.


Pavimentação, drenagem e construção de
pontes oferecem os maiores lucros. A
57
empreiteira responsável pela obra é
obrigada a devolver 10 por cento do valor
bruto recebido. O dinheiro roubado é
dividido entre o prefeito e o deputado ou
senador que viabilizou os recursos. Já obras
civis como casas populares, escolas, creches
e hospitais por exemplo, rendem menos, os
salteadores dos impostos pagos pela
população exigem 5 por cento dos valores.
O diretor do departamento de obras da
prefeitura de Dourados Jorge Torraca,
garante que todos os parlamentares exigem
o retorno dos recursos que viabilizam em
Brasília.

Como não tenho provas, vou me ater


as conversas gravadas e entregues a Polícia
Federal. Sérgio Castilho assessor especial
do deputado federal Dagoberto Nogueira-
PDT, sempre cobrou o direcionamento das
licitações. Mais 5 por cento do valor
depositado nos cofres do município pelo
Governo Federal a pedido de seu chefe.

58
Walquiner Gonçalves França,
assessor do deputado federal José Carlos
Biffi-PT, também fazia as mesmas
exigências. Falando em nome do deputado
nunca deixou de cobrar o ''retorno'' dos
investimentos garantidos através da
intervenção do legislador petista.

É interessante notar que os deputados


e senadores mandam comparsas para tratar
dos ''esquemas''. Que ninguém tenha dúvida
de que eles dirão que não sabiam de nada
quando estas denúncias balançarem as
estruturas de seus confortáveis gabinetes.
Os assessores serão recompensados
financeiramente para se calarem. Ganharão
dinheiro, mas perderão a honra.

O deputado federal mais votado em


Mato Grosso do Sul nas últimas eleições
também não fala pessoalmente de dinheiro.
Mas o funcionário público Sandro Omar de
Oliveira Santos diz ser o mensageiro de
Vander Loubert. O parlamentar petisca é
super carismático, chega a ser idolatrado

59
nas ruas por membros de seu reduto
eleitoral. Fala de reformulação na política
como poucos, convence com facilidade os
desavisados. Tenho certeza de que Loubet
ou Sandro, vai me chamar de mentiroso
quando ler este livro. Será a única maneira
de tentar provar inocência.

O maior ator entre os deputados do


estado na minha opinião é Geraldo
Resende-PMDB. Soa tambor em praça
pública para cobrar da prefeitura empenho
no processo de licitação. Discursa que a
austeridade e a agilidade dos serviços
públicos precisam ser mais evidentes. Numa
conversa em seu escritório em Dourados me
convenci de que seus ideais não são tão
puros quanto parecem. Reclamou que
precisa do ''retorno'' das verbas garantidas
por ele para dar o mínimo de viabilidade a
seus projetos.

No dicionário da política “retorno”


significa o dinheiro que as empresas
devolvem para o prefeito e aos

60
parlamentares depois que as obras são
concluídas. Seria por isso então que
Resende cobra incansavelmente mais
agilidade na execução dos projetos
intermediados por ele? É claro que à polícia
e à população Resende vai dar outra
interpretação para a palavra retorno.
Certamente vai me processar como farão
outros tantos. Nada que me assuste. Terei
problemas bem maiores para me preocupar
do que o processo por calúnia e difamação
que o deputado poderá representar contra
mim.

Tentei fazer com que Geraldo


Resende falasse mais sobre os ''retornos''.
Mas o legislador se esquivou como o diabo
foge da cruz. Disse que um assessor faria
isso por ele. Dias depois Artuzi e Geraldo
romperam suas relações políticas e os
''retornos'' nunca mais foram discutidos com
a prefeitura. O dono da empreiteira
Planacon Construtora LTDA, Geraldo
Alves de Assis, afirmou que o deputado do
PMDB passou a cobrar diretamente sua
61
parte do dinheiro, sem a interlocução da
prefeitura.

Sinto-me muito à vontade para falar


do deputado Marçal Filho-PMDB. Um
peixe grande que fatalmente vai morrer
politicamente pela boca. Marçal e a esposa
Keliana Fernandes cobraram pessoalmente
o adiantamento do ''retorno'' das obras.
Concordaram inclusive em desviar dinheiro
da Secretaria de Saúde para pagar as
despesas de um show da rádio 94 FM de
propriedade do casal.

Boa pinta e voz de veludo como é


conhecido, o deputado lidera a audiência
nas manhãs do rádio douradense. É o
queridinho das donas de casa, considerado
um dos melhores críticos da cidade. Fico
imaginando o que ele vai fazer para provar
que são inverdades as afirmações feitas
neste livro. .

A lista de deputados federais eleitos


em Mato Grosso do Sul tem ainda
Waldemir Moka-PMDB, Nelson Trad-
62
PMDB, e Antonio Ferreira da Cruz Filho-
PP. Não tive a oportunidade de conversar
com nenhum deles sobre recursos
destinados a Dourados enquanto estive a
frente da Secretaria de Governo. Entre os 3
senadores do estado coletei suspeitas de
desvio de dinheiro contra o simpático
Delcídio do Amaral-PT. Não conversei
institucionalmente com a senadora Marisa
Serrano-PSDB e com o senador Valter
Pereira-PMDB. Ambos ficaram longe de
Dourados durante os 4 meses em que a
SEGOV ficou sob a minha
responsabilidade.

Já Delcídio do Amaral permaneceu


próximo, mas se esquivou de conversas
abertas sobre dinheiro. O mesmo cuidado
não tiveram assessores do senador,
empreiteiros e diretores da prefeitura.
Gravações deixam entender que o petisca
cobrou a sua parte num empréstimo de R$
33.000.000,00 (trinta e três milhões de
reais) feitos pelo município para o avanço
do serviço de drenagem nas regiões mais
63
pobres da cidade. Benefício para 80 mil
pessoas em 40 bairros da periferia.

A liberação dos recursos envolveu até


o alto escalão do Ministério das Cidades.
De acordo com Ari Artuzi um secretário
influente exigiu um por cento do valor
liberado. O bolo seria dividido em três
partes:

Certa vez fui cobrado pela vereadora


Thaís Helena-PT, de Campo Grande. Ela e
o marido reclamaram do atraso do prefeito
em devolver o ''retorno'' a Delcídio do
Amaral. Os interesses do senador no entanto
não foram prioridade na conversa. “Farinha
pouca, meu pirão primeiro”. A vereadora
lembrou de uma dívida de R$ 200.000,00
(duzentos mil reais) que Artuzi teria com
ela. Ameaçou prejudicar o futuro político do
prefeito caso a conta não fosse quitada.

Aos 25 anos de idade a jovem


vereadora quebrou o cristal da transparência
que a protegia. Os constantes discursos
contra a corrupção na tribuna da Câmara
64
foram invalidados. Ela concordou desviar
recursos da Secretaria de Obras para saldar
o seu crédito. A dívida com a vereadora foi
contraída durante a última campanha
eleitoral. É o valor cobrado para que Thaís
apoiasse Artuzi na disputa pela prefeitura de
Dourados.

Diante das declarações e dos fatos


constatados, o Governo Federal poderia
rever os valores liberados para as
prefeituras. Se está sobrando dinheiro para
dividir entre os políticos é preciso exigir
que as obras tenham maior qualidade ou, os
valores liberados sejam menores.

Foi o que fez o Ministério da


Integração Nacional em junho de 2010. O
preço pago para cada metro de matéria
prima para a construção de asfalto foi 15
por cento menor do que o solicitado pela
prefeitura de Dourados. Não demorou nada
para que os prejudicados batessem as portas
do Ministério, que neste caso, não cedeu as
pressões.

65
SINDICATOS E CONSELHOS
TAMBÉM SE CORROMPEM

Se Dourados e outros municípios castigados


pela corrupção quiserem se ver livres desta
maldição, terão de repensar profundamente
como tem escolhido seus representantes.
Políticos se corrompem e ajudam a
corromper outras estruturas que deveriam
defender os direitos de categorias e
trabalhadores.

Assumi o Governo em plena


negociação salarial. Professores estavam em
greve e outros servidores ameaçavam cruzar
os braços. Chegamos a um acordo. A
reposição não foi como os funcionários
exigiam, mas atingiu índices maiores do que
pretendia a administração. Poucos dias

66
depois fui procurado pelo presidente do
Sindicato dos Servidores Municipais de
Dourados (SINSEMD) Romanci Venâncio
da Silva me apresentou uma conta
trapaceira, mas lucrativa para os cofres do
município.

Disse que ele poderia convencer os


servidores a aceitar reajustes menores no
próximo acordo salarial. Em troca queria
um emprego para o filho e um ''mensalinho''
de R$ 1.000,00 (mil reais). Seus argumentos
foram convincentes. Provou que a prefeitura
poderia economizar milhões. Os
prejudicados seriam os quase 6000
servidores municipais que deixariam de
receber salários mais justos.

As exigências pessoais do presidente


do Sindicato teriam custo de R$ 25.000,00
(vinte e cinco mil reais) por ano. Já o
reajuste de apenas 2 por cento na folha de
pagamento dos servidores concursados
representaria um impacto financeiro de mais
de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais)

67
no mesmo período. Artuzi aprovou
imediatamente a proposta de Romanci
Venancio.

O tráfico de influência também foi o


argumento usado pelo presidente do
Conselho Municipal de Saúde. João Alves
de Souza implorou por uma "teta" do
governo. Se vendeu por R$ 1.000,00 (mil
reais) mensais. Enquanto a saúde pública da
cidade experimenta uma de suas maiores
crises, o conselheiro que deveria fiscalizar
faz de conta que é míope.

Meio a tantos escândalos, parabenizo


a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores
em Educação (SIMTED). Nenhum diretor
jamais fez qualquer insinuação sobre o
pagamento de propinas ou deleite de
vantagens. José Carlos Brumatti preside a
entidade há vários anos. Gente assim
deveria ser eleita para as cadeiras da
Câmara Municipal. Quando faltam
vereadores que fiscalizam de verdade o

68
poder executivo, os ''ratos'' tomam conta da
casa.

No balaio da desonestidade cabem


ainda muitos líderes comunitários. Alguns
custam R$ 500,00 (quinhentos reais) por
mês, outros querem um emprego fantasma,
tem até quem se contente com cestas
básicas. Quanto maior o bairro que
representam, mais valiosos devem ser os
presentinhos oferecidos.

Para a administração pública o


investimento vale a pena. É a certeza de que
os protestos cessarão, afinal há sempre um
presidente de bairro ''amigo'' amenizando os
ânimos da população enganada por
promessas sem respostas.

69
FUNCIONÁRIO DO TRIBUNAL DE
CONTAS SE VENDE

Dois de julho de 2010, 15 horas e 45


minutos, o país lamenta a destruição de um
sonho. Os holandeses vingaram as
desclassificações impostas pelos brasileiro
nos mundiais de 94 e 98 . A falta de
confiança na seleção de Dunga era gritante,
mas no fundo, todos queriam acreditar no
Hexa. Quanto choro. O sofrimento dos
torcedores não me atingiu. Eram tensos os
dias que antecediam as prisões inevitáveis
da Operação Uragano. Minha imaginação
estava encarcerada na ação dos federais.

As duas colheres de sal colocadas na


nossa laranjada descortinaram um paralelo:
uma derrota nacional no esporte é mais

70
lamentada do que as perdas diárias que
sofremos para a corrupção. O resultado de
2x1 favorável a Holanda foi imperdoável.
As lágrimas derramadas feriram uma nação
inteira que exigiu o ''impeachment'' de
Dunga.

Mas e os bandidos de paletó, quando


vão ser vaiados de verdade e expulsos
definitivamente dos gramados da política?
O que nos faltam são as vuvuzelas. Falta
barulho, muito barulho. Somos coniventes
todas as vezes que nos calamos. Da mesma
forma que as cornetas africanas tiraram a
comunicação dos jogadores dentro de
campo, a cobrança pública e sistemática da
sociedade desarticulará qualquer jogada
ensaiada dos quadrilheiros.

E já que o futebol esta metaforizando


este capítulo, vamos reforçar a equipe de
Artuzi. Quinze minutos após o
encerramento da partida entre Brasil e
Holanda, um funcionário do Tribunal de
Contas do Estado (TCE) fez contato através

71
do vereador Junior Teixeira. O vereador
propôs a contratação de mais um defensor
para a seleção do prefeito.

O encontro aconteceu no dia seguinte,


8 horas e 45 minutos, em frente a um hotel
da cidade. Trechos do diálogo deixam bem
claro que seria excelente para a
administração municipal negociar o passe
do novo ''jogador''.

- Sou o amigo do vereador JuninhoTeixeira,


do TCE.

- Opa, o Juninho pediu pra te dar R$


20.000,00 (vinte mil reais).

- Sim, sim. É a prestação de uma camioneta


que vendi pra ele.

- Ele me disse também que você quer


conversar sobre o Tribunal de Contas. Você
faz as vistorias das obras, certo?

72
- Faço sim, se a prefeitura for minha
parceira nunca vai ter problema comigo.
Não quero ferrar ninguém.

O primeiro contato foi apenas para


combinar o jogo para as próximas vistorias
de obras. O funcionário do TCE deixou
entender que se déssemos dinheiro a ele,
seus relatórios jamais apontariam qualquer
tipo de irregularidade durante as
fiscalizações.

Algo dito pelo conselheiro do


Tribunal de Contas me chamou a atenção.
Ele poderia encontrar ''problema''onde não
tem ou, fingir que não viu irregularidades
realmente existentes. A gravação está em
poder da Polícia Federal.

Creio que, a título de vingança,


alguém do TCE poderá reprovar a contas da
Secretaria de Comunicação durante o
período em que eu administrei a pasta. O
tempo dirá.

73
A DECADÊNCIA DE ARI ARTUZI

Ele era a esperança dos oprimidos. A


certeza de que vale a pena acreditar em dias
melhores. Muitos apostaram suas vidas que
Ari Artuzi seria um administrador diferente.
Humanista, perseverante, guerreiro.
Adjetivos não lhe faltavam. Vontade de
trabalhar também não. Assim o
conhecemos, assim o colocamos no poder.

Os mais chegados perguntam: o que


aconteceu com o nosso menino travesso?
Será que a arrogância e o orgulho o
aprisionaram? Ou sempre foi assim e nós
nunca havíamos percebido? Onde está o
homem simples que pedia votos de chinelo
de dedo e prometia justiça para todos?

74
Vi pessoas chorando de decepção nas
ruas. Ouvi gritos de revolta na porta de
hospitais. Fui cobrado exaustivamente em
meu gabinete por credores cansados de
acordos não cumpridos. Senti vergonha de
ser chamado de o homem de confiança de
Ari Artuzi. Inevitavelmente precisei trair
alguém. Ou seria o prefeito que me deu a
oportunidade de administrar uma cidade
fantástica como Dourados, ou seria a
população desta cidade. Traí Artuzi. Mas
Artuzi traiu a todos nós.

No primeiro mês como chefe da


SEGOV criei uma série de ajustes
administrativos que foram do
remanejamento de pessoal ao corte de
despesas. Estabeleci uma meta de economia
de gastos de 20 por cento. Mas o dinheiro
continuou desaparecendo, só que por outro
ralo. Tudo o que sobrava nos cofres, Ari
Artuzi dava um jeito de desviar. O ex-
motorista de caminhão se tornou um
homem muito rico. Aprendeu rápido como
arrancar merenda de crianças, remédios de
75
doentes e cestas básicas dos pobres. Nem a
Secretaria de Assistência Social escapou de
suas ações criminosas.

Quando ficou sabendo que sobravam


R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) no
orçamento da Secretária de Serviços
Urbanos (SEMSUR) o prefeito fez um
acordo com uma empresa credora. A
Financial Construtora Industrial LTDA
cobrava uma dívida de R$ 370.000,00
deixada pela antiga administração. Foi o
restante da última fatura do serviço de
coleta de lixo da cidade. Como o valor
poderia virar precatório, possibilitando que
o pagamento se estendesse por anos, Artuzi
decidiu tirar vantagem. Pediu R$
120.000,00 (cento e vinte mil reais) como
''retorno'', dos quais R$ 20.000,00 (vinte mil
reais) seriam entregues ao vereador
licenciado Marcelo Hall-PR, responsável
pela SEMSUR. O negócio foi concretizado.

Outro exemplo de como Ari Artuzi


arrebanhava dinheiro está na compra de um

76
terreno no jardim Novo Horizonte. A
prefeitura pagou R$ 560.000,00 (quinhentos
e sessenta mil reais) pela área de 8 hectares
para a construção de casas populares. O
antigo dono concordou em devolver R$
80.000,00 (oitenta mil reais) a Artuzi.
Quando contrariado sobre o ''retorno''
desejado, o prefeito chegou a tomar
medidas duras. É o caso de uma área nobre
ao lado da BR 163. O município
desapropriou 10 hectares por um preço bem
abaixo do mercado. Pagou apenas R$
300.000,00 (trezentos mil reais), deixando o
antigo proprietário enfurecido.

Nem a morte amedronta a ganância


de Artuzi. O empresário Ronei Dutra
Sanches, interessado em explorar o serviço
funerário na cidade, recebeu a proposta
imoral de Sidnei Donizete Lemos Heredias,
um dos ''laranjas'' do prefeito, de trocar o
alvará de funcionamento pela propina de R$
300.000,00 (trezentos mil reais). Só assim
Artuzi se sentiria encorajado a estremecer o
seu relacionamento com Sizuo Uemura, o
77
homem que há quase duas décadas cuida
sozinho de ''nossos mortos''. Mas Ronei
Dutra enterrou qualquer possibilidade de
comprar o alvará. Briga na justiça até hoje
para que a prefeitura libere a documentação.

A abertura da concorrência aliviaria o


fardo das famílias mais pobres. Com o
monopólio das funerárias concentrado nas
mãos dos Uemura, os caixões mais baratos
custam em Dourados R$ 1.200,00 (mil e
duzentos reais). Os mesmos modelos valem
pouco mais de R$ 200,00 (duzentos reais)
em outros municípios. A família japonesa
oferece todos os demais produtos
necessários para o funeral. Das velas, ao
aluguel da capela, passando inclusive pela
locação do carro que transporta o caixão. Os
preços são de ''matar'' e nada pode ser
comprado em outra empresa.

Uma amiga no início deste ano


precisou enterrar a tia. Contratou o pacote
mais simples oferecido pela Funerária Bom
Jesus. Pagou R$ 2.950,00 (dois mil,

78
novecentos e cinquenta reais). Fez um
empréstimo no banco sob a ameaça de
cobradores que exigiam a liquidação da
fatura. Esporadicamente a funerária dá
caixões às famílias mais miseráveis. Uma
forma de marketing para aliviar a fama de
mau de Sizuo Uemura, o homem mais
temido e perigoso da região.

Nos últimos 20 anos, em Dourados,


apenas 2 empresários tiveram a audácia de
combater o monopólio do serviço funerário.
Misteriosamente ambos foram assassinados.
Ronei Dutra Sanches é a nova esperança.
Encontrou um prefeito corajoso, disposto a
enfrentar seus patrocinadores de campanha.
Pena que Artuzi precise de 300 mil motivos
''reais'' para mostrar que quer ajudar a
população a usufruir de serviços e produtos
mais baratos.

Sem saber que estava prestes a ser


traído por Ari Artuzi, Sizuo Uemura me
procurou no início de agosto de 2010. Pediu
para impedir o andamento de qualquer

79
documentação que beneficiasse o grupo
concorrente. O filho Eduardo ofereceu,
inclusive, propina para os funcionários
responsáveis em liberar os alvarás. A vida
de uma cidade inteira sofre os efeitos da
corrupção de uma família até na hora da
morte.

O prefeito douradense descobriu


outro caso de amor entre o dinheiro e o
poder. Percebeu que a sua assinatura era
capaz de abrir os bolsos de muitos
empresários. Em julho de 2010 recebeu R$
20.000,00 (vinte mil reais) do usineiro
Celso Dal Lago. Foi o valor cobrado por
Artuzi para sancionar a lei municipal que
deu permissão as usinas de álcool para
queimar a palha da cana durante a colheita.
O usineiro reclamou que a lei havia ficado
cara demais, pois também foi obrigado a
recompensar a generosidade dos vereadores,
que cobraram R$ 70.000,00 (setenta mil
reais) pela criação do projeto de lei.

80
- O Ari e o Sidlei Alves vieram aqui na
minha casa combinar o jogo. Tá fácil fazer
o esquema, é só não dá importância a
pressão dos ambientalistas - aconselhou Dal
Lago.

Depois que mediu o peso de ouro de


sua rubrica, o ''chefão'' de Dourados ficou
cada vez mais ousado. Para renovar por
mais 1 ano o contrato com a GWA
Transportes LTDA, responsável pela
condução dos estudantes da zona rural, Ari
não fez cerimonia. Exigiu a quantia de R$
200.000,00 (duzentos mil reais) por sua
assinatura no contrato com valor mensal de
R$ 680.000,00 (seiscentos e oitenta mil
reais) para os cofres públicos. Adilson
Osiro dono da GWA, reclamou na véspera
da Operação Furacão que desde o início de
2009 deu R$ 1.500.000,00 (um milhão e
meio de reais) ao prefeito. Por razões como
estas boa parte das prefeituras prefere

81
terceirizar o transporte escolar, ao invés de
comprar ônibus e realizar os serviços.

Coincidentemente a empresa
responsável pelo transporte coletivo de
Dourados também precisou estimular a boa
vontade de Artuzi. A Medianeira
Transportes limitada solicitou em agosto de
2010 a renovação por mais 5 anos da
concessão pública que dá direito a
exploração do serviço. Paulo e Marcelo
Saccol, donos da empresa, me garantiram
que deram dinheiro a Ari Artuzi e aos
vereadores, porém sem especificar os
valores.

Ao abrir a sua mala preta, Paulo


Saccol tinha dois maços de notas de R$
100,00 (cem reais) com o meu nome. Me
entregou R$ 20.000,00 (vinte mil reais). A
propina foi comunicada a Polícia Federal e
depois usada para o pagamento dos
vereadores. Foi com parte deste dinheiro
inclusive que paguei a benignidade de
Marcelo Barros.

82
MAIS DE 20 ANOS DE CORRUPÇÃO

O limite real de tolerância de uma


comunidade termina quando a indignação
ocupa seu espaço. Em Dourados os eleitores
já deram sinais de que clamam por
mudanças. Procuramos pessoas capazes,
com disposição para alcançar o sucesso.
Trocamos nomes e partidos mas
continuamos tropeçando na busca por um
líder. Talvez aí esteja o nosso grande erro.
Precisamos de lideranças com valores, e não
pré-dispostas ao sucesso.

Um breve tour pelo passado mostra o


quanto já fomos enganados. Os primeiros
negócios dos Uemura com a Prefeitura de
Dourados foram assinados na época em que
Braz Melo era prefeito, entre 1988 e 1991.

83
O cargo foi entregue a Humberto Teixeira
em 1992. O filho, vereador Junior Teixeira,
sempre deixou entender que o pai também
entrou na fila dos gestores corruptos. No
mandato de ''Teixeira Pai'' o município
recebeu dinheiro para a construção da
Perimetral Norte. A obra foi orçada
recentemente em R$ 30.000.000,00 (trinta
milhões de reais). Sem explicação os
recursos desapareceram dos cofres da
prefeitura e nenhum metro de estrada foi
pavimentada.

O mandato seguinte foi ocupado mais


uma vez por Braz Melo, que até hoje
responde processos por improbidade
administrativa.

Laerte Tetila-PT surge como o novo


comandante municipal em 2001. Homem
ponderado, de voz mansa e estilo refinado,
ficou no poder até o final de 2008. Estaria
acima de qualquer suspeita não fossem os
deslizes cometidos pelo filho. André Tetila
foi preso pela Polícia Federal durante a

84
Operação Owari. As investigações o
apontam como um dos líderes do esquema
que fraudava licitações enquanto o pai era
prefeito.

Gravações feitas com o empresário


Eduardo Uemura, ex-secretários da
prefeitura e empreiteiros também colocam
Laerte Tetila em saia justa. Ele é
reverenciado por quadrilheiros. Eduardo
Uemura chegou a afirmar uma vez que
nunca viu homem tão sério quanto Tetila.
Seriedade neste caso tem uma interpretação
diferente do que entende a justiça. No
mundo do crime é a pré-disposição a
repartir os recursos disponíveis para o
desenvolvimento da cidade.

Ari Artuzi jogou no lixo a chance de


ser herói e virar uma página manchada da
história do município. A soma de todos os
mandatos mencionados anteriormente
totaliza quase 22 anos de escravidão
financeira.

85
Casas luxuosas no lugar de moradias
populares. Carrões modernos em vez de
viaturas para a Guarda Municipal ou
ambulâncias. Fazendas adquiridas com o
dinheiro que deveria ter sido usado para o
desfavelamento da periferia.

Viagens ao exterior patrocinadas com


o dinheiro retirado do treinamento de
servidores. Perdemos bastante, porque
''combatemos'' pouco. Muitos morreram a
espera do atendimento médico. Outros sem
a honra da casa própria. E alguns sufocados
pela pobreza.

Os medicamentos formam um dos


grades gargalos por onde desce muito
dinheiro. Mesmo amparadas pela lei federal
que permite a compra diretamente dos
laboratórios, e sem licitação, todas as
administrações mencionadas neste capítulo
preferiram adquirir de distribuidoras a
maioria dos remédios que abasteceram
hospitais, postos de saúde e farmácias
populares. Além da obrigação do processo

86
licitatório, o que quase sempre é demorado,
os custos nestes casos chegam a ficar 400
por cento mais caros, já que as
distribuidoras revendem o que compram dos
laboratórios.

Se o fornecimento fosse feito apenas


pelos laboratórios, os recursos seriam
suficientes até para os medicamentos de alto
custo. Não haveria mais falta de remédios, o
que seria um grande alívio para quem está
sempre acompanhado da dor. O fator
desmotivante no entanto, é que os
laboratórios não dividem o lucro, nem
aceitam superfaturar as notas fiscais. Em
Dourados várias campanhas eleitorais foram
pagas com dinheiro das distribuidoras. Em
2008, na gestão de Laerte Tetila, as
empresas da família Uemura negociaram
mais de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de
reais) em medicamentos com o município.

O quadro pendurado na história


vergonhosa de Dourados também é pintado
pela Camara de Vereadores. No final de

87
2009 o presidente Sidlei Alves-DEM,
gastou muito dinheiro com publicidade ao
divulgar a devolução de R$ 3.000.000,00
(três milhões de reais) para a prefeitura.
Dizia a lenda tratar-se de uma gestão séria e
transparente que havia conseguido
economizar recursos destinados ao
legislativos nos últimos 12 meses.

Na verdade o que houve foi um


acordo criminoso firmado no início do ano
passado entre o secretário de governo Darci
Caldo e o presidente da Casa de Leis. Ao
vereador foi assegurado de que receberia
por baixo dos panos 30 por cento do
montante devolvido. A Secretaria de Obras
"lavou" o dinheiro. Os esquemas eram
concentrados nas obras de tapa-buraco e
recapeamento. Por este mesmo motivo o
município nunca gastou tanto com os
serviços, que chegaram a atingir valores
próximos a R$ 800.000,00 (oitocentos mil
reais) por mês.

88
Sidlei Alves levou a sua parte
estabelecida no acordado e ficou R$
900.000,00 (novecentos mil reais) mais
rico. Artuzi garantiu várias vezes que fez
um excelente negócio, afinal comprou o
apoio do vereador do DEM usando o
dinheiro que ''pertencia'' aos próprios
parlamentares. Diante de todos estes fatos
fica uma certeza, se está sobrando verba, os
vereadores devem ser obrigados a se
explicar melhor sobre como gastam o nosso
dinheiro.

O amigo leitor deve ter ficado


enojado ao saber como certos gestores tem
administrado os impostos e tributos
recolhidos sistematicamente. Que os relatos,
no entanto, não sirvam para desanimar e
sim, encorajar cada brasileiro a exigir
mudanças. Há uma esperança. Não está
num homem. Muito menos num partido
revolucionário. Se escolhas mal tomadas
nos provaram que não podemos confiar no
individualismo, podemos então apostar na
coletividade de nossas idéias e ações.
89
Podemos ser o gato que vigia a dispensa.
Não há rato que encare os olhos atentos de
um bichano faminto.

NOVO JEITO DE GOVERNAR

O velho ditado que afirma que quem vê cara


não vê coração, se encaixa perfeitamente
com a política. A sabedoria popular mostra
que é impossível para o homem
esquadrinhar o que realmente pensam os
candidatos. Resta-nos então dar uma olhada
na ficha de cada concorrente e analisar as
propostas de trabalho.

Aprendi na Secretaria de Governo


que tipo de procedimentos tornam as
licitações mais transparentes e justas.
Havendo preocupação com os gastos
públicos, as compras podem ser feitas
através do pregão presencial. A modalidade
de licitação reúne em data e local pré-
definidos, todas as empresas interessadas
em fechar contrato com a prefeitura. Uma

90
espécie de leilão entre os concorrentes
determina os vencedores. Ganham as
propostas com os preços mais baixos.
Grande parte dos processos que solicitam a
compra de produtos ou a contratação de
serviços, pode ser feita através do pregão
presencial.

Mas as administrações corrompidas


evitam este tipo de modalidade licitatória.
Deixam claro que o desejo não é comprar
pelo menor preço, e sim, favorecer os
''parceiros'' que inflacionam os valores
cobrados e repartem os lucros. Para
certificar o sucesso de processos
fraudulentos, os responsáveis pelos setores
de licitação fazem tudo para esconder
informações. Artuzi chegou a ordenar que o
site da prefeitura fosse tirado do ar por 3
dias, apenas para impedir o acesso ao Diário
Oficial online, onde são publicados os
editais.

Um bom exemplo de como rejeitar


estas práticas criminosas vem de prefeituras

91
da região sul do país. Moradores criam
conselhos comunitários responsáveis por
acompanhar bem de perto cada processo
licitatório. Do início ao fim de cada
processo, a marcação não dá espaço para os
mal intencionados. Até a entrega dos
produtos é acompanhada para conferir
quantidade, qualidade e preço discriminados
nas notas fiscais.

Proponho que a idéia dos conselhos


comunitários seja adotada por todas as
prefeituras do Brasil. O administrador que
dificultar a participação dos moradores deve
ser considerado suspeito. É hora de
despertar para uma nova postura dos líderes
comunitários brasileiros. Presidentes de
bairros devem se preocupar muito mais em
se infiltrar no setor público para dar pitaco
onde devem, do que incitar a população a
crucificar seus governantes.

Quando há cobrança sistemática de


como são investidos os recursos para a
manutenção da rede de iluminação pública

92
por exemplo, dificilmente um grupo de
moradores precisa protestar contra a
escuridão. Que xingar político em praça
pública, jamais seja confundido com
combater a corrupção. Mandar prefeito e
vereadores para cadeia também não
significa moralização. Prender os corruptos
é apenas uma questão de justiça. Vamos
mudar o jeito de governar dos nossos
administradores, quando repensarmos
primeiro, o nosso jeito de participar das
gestões públicas.

Fomos vítimas de Artuzi, dos


vereadores e de seus antecessores. Mas eles
também foram vítimas de nossa omissão. O
silêncio pode ter encorajado aqueles que
não se arriscariam tanto se tivessem sido
fiscalizados. Nossa grande missão será
apresentar uma nova plataforma aos eleitos
pelo povo. Que se sintam vigiados.
Motivados a ousar, mas com o dever de
prestar contas de seus atos. Se forem
tímidos, poderemos encorajá-los. Se faltar
instrução, provaremos que é a hora de pedir
93
conselho aos anseios da comunidade. Só
não temos o direito de cobrar nada disso,
enquanto formos meros espectadores.

O combate a corrupção está em


nossas mentes.

94
FINAL

Não fui bom o bastante como investigador.


Descobriram minhas gravações 3 semanas
antes da Operação Uragano. Todos se
afastaram de mim, menos Artuzi,
imaginando que a minha intenção era
apenas usar os vídeos para aliviar a extorsão
dos vereadores. Ninguém suspeitou que as
gravações já estavam em poder da Polícia
Federal.

O vice-prefeito Carlinhos Cantor


conversou comigo a respeito do assunto.

- Cuidado meu irmão. Vai ser o seu fim na


cidade se você realmente estiver gravando a
gente. Pensa bem - Alertou Cantor.

95
Ele disse ainda que eu não
encontraria mais emprego no meio político
e as portas dos veículos de comunicação se
fechariam para mim.

Carlinhos está equivocado. Ainda


restam políticos éticos. Quanto a imprensa,
apesar de colegas desleais como Valfrido
Silva, acredito na maioria dos meus
companheiros de trabalho. O vice de Ari
também desafinou quando disse que seria o
meu fim em Dourados. Não é. Prefiro ficar
e olhar nos olhos de meus desafetos, do que
viver fugindo sob a sombra da covardia.

Não encerraria esse livro sem


desfazer toda a confusão semeada por
Valfrido Silva Melo. Erra quem pensa que
não o perdoei. A mágoa já foi lavada, mas
preciso encarar a sociedade lá fora de
cabeça erguida.

Procuraria Vafrido onde estivesse,


mas ele veio até mim. Chegou sem avisar.
Procurou a mim em minha sala, na
prefeitura.
96
- Quanto tempo Passaia!

- Verdade Valfrido, só nos vemos em seu


blog não é?

- Ha sim, mas as coisas podem mudar.

Conversamos por quase meia hora


sobre política. Ele reclamou que o filho
bateu o carro e precisava de um novo. A
mensagem não deixou dúvida, ele queria se
''entregar". Precisava de dinheiro e estava
disposto a negociar seus textos. Foi uma
gravação tensa, me provocou mais
nervosismo do que os registros feitos com a
"máfia nipo-brasileira".

- Mas e ai Valfrido, quer que o Artuzi te


pague o carro.

- Sim, o Tetila me deu um carro na


administração passada.

97
- Por isso então você era tão bonzinho com
ele? - perguntei num tom irônico.

- Eu era amigo do Tetila, posso ser teu


amigo e do Ari também poxa!

- Então vamos deixar claro: eu pago o carro


e o seu blog não ataca mais a gente?

- É isso - confirmou Valfrido.

Disse a ele que pensaria a respeito. Nos


despedimos e nunca mais atendi as suas
ligações. Não irei processá-lo por calúnia ou
difamação. Não me importarei mais com
novos ataques. Já provei quem é quem na
triste história da era Artuzi. Minha conversa
derradeira com Valfrido Silva me devolveu
o que havia perdido há alguns meses: um
coração livre.

Antes de ser calado pelo ponto final,


preciso lembrar que não fiz tudo isso por
vingança. A vida pode até ser curta, mas
precisa ter uma bela história. E uma bela

98
história não depende de um personagem
cheio de sucesso, precisa apenas estar
cercada de pessoas com valores morais. Se
vivermos com justiça, morreremos com
honra. Vida longa a todos nós.

Obrigado Dourados!

99

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