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12 Um antievangelho: as Toledot Yeschu Bisuiocraria — S. Krauss, Das Leben Jesu nach jiidischen Quellen, Berlin, 1902 (reimpr. Hildesheim, 1977, 71994). — G. ScHiLicHTING, Fin jiidisches Leben Jesu. Die verschollene Toledot Jeschu-Fassung Tam 0-mi'ad, Tubingen, 1982 (WUNT 24). —R. Di Secny, il vangelo del ghetto. Le “storie di Gesit’: leggende e documenti della tradizione medievale ebraica, Roma, 1985 (Magia e religioni 8). — H. J. KLAUcK, Judas, ein Jiinger des Herrn, Freiburg iBr, 1987, 21-23 (QD 111). — E. BAMMEL, Judaica et Paulina, Kleine Schriften Il, Tubingen, 1997, 3-63 (WUNT 91). A obra que aqui é apresentada em tltimo lugar certamente no pertence aos “apécrifos cristdas antigos”. Ela no é de origem crist@, mas de origem judaica, como critica ao cristianismo, e pode-se discutir se as origens da obra de fato podem remontar a época antiga. Diversa é a situago se nos basearmos no conceito “evangelhos apécrifos”, pois este texto tem mais a ver com a forma literdria evan- gelho do que muitos outros escritos que analisamos sob este titulo geral, mesmo que ele contrarie o evangelho cristo. Isso causa mal-estar ao leitor cristéo, sem dtivida alguma. Adquire-se a perspectiva correta para tratar esta obra se se a entende como uma forma de protesto de oprimidos e perseguidos. Trata-se, como Ricardo Di Segni formulou, de um “evangelho do gueto”. (D Enquadramento Toledot Yeschu significa, literalmente, tanto “origens” como “inicios” de Jesus (no ‘Antigo Testamento usa-se toledot para arvores genealdgicas ou registro de geracdes).. 253 Fvangelhos Apécrifos Na obra judaica que apresenta este titulo, é renarrada a hist6ria de Jesus, desde 6 nascimento até a morte, sendo ainda ampliada além destes dois pontos extremos, As Toledot Yeschu também informam sobre a concepcao de Jesus © como apés sua morte a histéria continuou com seus discipulos. Pode-se dizer que 0 corpo do evangelho é ampliado mediante um Proto-evangelho ¢ uma histéria (atos) dos apéstolos. Quanto ao contetido, se assemelha ao de uma cart catura ou satira. O que é dito pelos evangelhos cristéos, tanto candnicos como apécrifos, & simplesmente invertido. Jesus aparece como o malfeitor, Judas como 0 heréi Uma versio segura, ao mesmo tempo canénica e autorizada das Toledot Yeschu, a que poderiamos recorrer jamais existiu. O estado de transmisséo da obra estava em constante transformagao. Nem mesmo possuimos manuscritos antigos confidveis, 0 que nos obriga a trabalhar com manuscritos e textos impressos da ra moderna, Isso se deve ao fato de a obra ter um cardter de literatura subversiva, ccultando-se, por razBes evidentes, a sua existéncia aos crstdos, tendo sido divul- gada apenas de mio em mio. Conseatientemente torna:se dificil a datagao do inicio das Toledot Yeschu. As sugestes apresentadas divergem mais do que nunca, indo desde 0 século | (Voltaire) te o século XI, O certo é que a indicagio “século I" é demasiado antiga e surgi ais da satisfacdo do iluminista pela perspectiva de que tao cedo ja pudesse ter havido critica ao cristianismo do que da sdbria observacio hist6rica. Se avangamos até 0 século X, as Toledot Yeschu no mais integram a tradicdo antiga, ¢, neste Caso, no estariam dentro do quadro deste livro Uma tradiedo poderia levar-nos um pouco adiante. O adversério do cristianismo Celso conduz no século II uma polémica bastante sagaz contra a apresentagio de Jesus nos evangelhos, para o que ele se apéia num judeu — provavelmente ficticio — de confianga. O Proto-evangelho tacitamente jd entra em discussao com cesses duspeites Get, acivia, capil’, @). Os divetaos ponio desse catalogs — origem ilegitima de Jesus, aprendizado da magia no Egito etc. — por sua vez tam bém ocorrem nas Toledot Yeschu, sendo plausivel que tenham exatamente aqui as suas raizes. O inicio da obra, neste caso, deveria ser situado na época da lgreja antiga, talvez. no século IV. inter Schlichting, em seu livro Ein jidisches Leben Jesu, apresentou uma edicao impressa e tradugdo das Toledot Yeschu que traz 0 titulo “Fam 0-ma"éd Esta é tuma formula proveniente do direito civil rabinico e significa “plenamente teste: munhado'. Conforme Schlichting, trata-se “provavelmente da mais bem elaborada versio das Toledot Yeschu’, e que o tom zombeteiro ¢ satirico “foi combinado tom uma roupagem literdria artistica e séria reflexdo teol6gica’ (6). As numerosas 254 Um antievangelho: as Toledot Yeschu duplicagdes no decorrer da narrativa — ao menos duas vezes Jesus manifesta a intencdo de ir para o Egito, duas ou trés vezes é aprisionado etc. — devern ser avaliadas como passagens critico-literarias proximas entre si (Schlichting chega a enumerar 23 duplicagdes). Elas so indicativas de uma histéria da transmi: so mais extensa dessa versio, com o que ela aparece como uma tentativa de integrar o maior numero possivel de detalhes. Visto o estado fluido do texto, para que se possa de alguma maneira ter um ponto de referéncia, seguiremos 6 texto apresentado por Schlichting (seguindo também sua traducdo e a nume- taco dos pardgrafos). (2) Contevido ‘A PRE-HISTORIA No se deve esperar exatiddo histdrica de um livro popular. O § | leva-nos ‘20 ano 3708 apés a criagio do mundo, o que corresponderia a 52 a.C. (outras versées das Toledot Yeschu apresentam, por vezes, dados mais harménicos). Je rusalém 6 governada pela rainha Helena, da casa dos Hasmoneus (seus tragos sao tomados de Salomé, vitiva de Alexandre Janeu, e de Helena, mae do imperador Constantino e personagem principal da tradigaio sobre a descoberta da cruz). Por essa época, um jovem chamado José Panderi (cf. Panthera na obra de Celso) enamora-se da virgem Miriam, que, por sua vez, nao quer saber dele, uma vez que jé 6 noiva do piedoso Yochanan. José, por citime, fica mortalmente enfermo e, aconselhado por seus familiares, recorre a métodos violentos, que, por diversos descaminhos, acabam levando ao ato de desonra. Ele conquista a confianca de Yochanan, o que é visto com desdém por Miriam, embriaga-o e, por causa de uma tempestade, consegue abrigo em casa de Miriam. Ela julga tratarse de seu noivo. Embora relute, referindo-se & sua menstruagdo, que conforme a Lei a tora impura, acaba ocorrendo a relagdo sexual e Miriam engravida Quando, no dia seguinte, Miriam interpela Yochanan por causa do sucedido, percebe na conversa, parte por parte, toda a verdade, mas mantém publicamente a afirmacdo de que Yochanan havia se deitado com ela. Yochanan dirige-se a seu mestre, rabi Simeon ben Schetach, que 0 aconselha apenas a mandar vigiar a casa de Miriam, para apoderar-se do malfeitor, mas Yochanan sabiamente mantém-se discreto durante 0 tempo que se segue. Quando a gravidez de Miriam se torna visivel, Yochanan foge para Babel, e ld continua a estudar a Lei. Diante disso, Miriam nao somente se entrega a José, como se toma prostituta. 255 Evangelhos Ap6crifos NASCIMENTO E IMPOSIGAO DO NOME ‘Apés nove meses Miriam da 8 luz seu filho em Belém e “espalhou o boato de ter concebido seu filho sem concurso de homem algum. Mas s6 quem é dominado pela ingenuidade darlhe-d crédito” (§ 56). ‘Ao nome da crianca é dada uma interpretacao nada simpatica: “O nome Yeschu, porém, significa: ‘seu nome seré apagado, bem como a sua meméria!” (§ 58). Para isso € necessdrio — numa espécie de acréstico — entender as trés primeiras letras hebraicas do nome Yeschu, yod, shin e waw, como iniciais de trés palavras que, unidas, formam esta frase. AGOES NA INFANCIA Miriam leva o menino & escola do rabi Yehoschua (em grego, Jesus) ben Perachja. Apés alguns dias Yeschu ja se destaca dos demais estudantes por sua aplicagdio e instrugao. Ele até mesmo ousa, na auséncia do mestre, assumir pessoal- mente seu posto, para explicar a Lei. Por isso, as vezes cai em desgraca, sabendo, porém, novamente, mediante aplicado estudo, recuperar as boas gracas do mes- tre. Ele, contudo, sempre é uma crianga problematica: no sabado, lana a bola a mais de quatro cévados de distancia, o que era proibido, e nega-se a saudar respei- tosamente as pessoas instruidas de mais idade. O mais grave € que, enquanto seu mestre ora, interrompe gritando: “O senhor poderia dar-me 0 prazer de tomar-me um Deus!” (§ 74). ‘Até 0 momento, Miriam mantém a ficco, até para Yeschu, de que ele é filho de Yochanan. Mas o Sinédrio, o tribunal superior, ao qual pertencem também o rabi Yehoschua e os homens instrufdos que Yeschu nao saudava, recolheu o material de acusacdo contra ele, concluindo de seu comportamento que ele deve ser “um bastardo e filho da menstruada” (§ 82). Miriam é obrigada a depor, vindo a luz toda a verdade, primeiramente perante o Sinédrio, e, em casa, diante de Yeschu que Ihe extrai a verdade com violéncia. Diante disso Yeschu foge para Alexandria no Egito, onde “por meio da magia empilha tijolo sobre tijolo” (§ 101). Esse episédio “até agora ndo obteve nenhuma explicagio suficiente” (afirma SciuicumING, 197). Uma poderia ser aduzida: desse modo se tencionava explicar etiologicamente o surgimento das piramides egipcias. © NOME SECRETO DE Deus Voltando secretamente do Egito, Yeschu chega ao interior do Templo de Jeru- salém, onde havia uma pedra misteriosa denominada “Schetiyach” (§ 104): 256 Um antievangelho: as Toledot Yeschu Nesta pedra estava gravado o nome de Deus. Quem o aprendesse e conhecesse © seu segredo, sendo capaz de escrevé-lo na ordem certa sobre um pergaminho, € carregasse 0 nome sobre o seu peito, tinha o poder de perturbar a ordem das coisas, de ressuscitar mortos e realizar tudo 0 que seu coracao desejasse. Embora os mestres de Israel houvessem tomado medidas preventivas contra uma apropriagao indevida do nome de Deus, Yeschu conseguiu contorné-las, apo- derando'se desse nome. Agora ele pode realizar sinais e milagres, enganar a muitos em Israel e reunir multidées em redor de si. Antes de mais nada exprime uma exigéncia que esta em flagrante contraste com sua origem social (§ 108): Como esté corrompida a sabedoria dos mestres que me disseram que sou um bastardo e filho da menstruada, que nao haveria redenc&o para a minha alma que o nome de meu pai seria José Panderi [...] Deus disse me: “Tu és meu filho” (SI 2,7). Minha mae deu-me & luz sem 0 concurso de um homem, e de mim predisse 0 profeta: “O Senhor disse-me: ‘Eis que uma virgem conceberd € dard & luz um filho” (ls 7,14). Jé o rei Davi predisse a meu respeito: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei” (SI 2,7), A recepcao cristoldgica dessas citagdes veterotestamentarias é combatida, ao serem postas na boca de uma figura narrativa que ndo merece confianca. Mas depois de mais dois milagres, a cura de um paralitico e a cura de um leproso, a auto-afirmacdo mostra sua eficacia (§ 112): Entdo os transgressores da lei que se haviam reunido em tomo dele ergueram suas vozes em unissono, aclamando-o: “Tu és o filho de Deus!”. Eles caiam por terra, ajoelhavam-se e o adoravam. A controvérsia sobre quem possui a escritura e quem a interpreta correta- mente € levada adiante na presenga da rainha Helena. Os mestres acusam Yeschu de magia, exigindo a sua morte. Yeschu permanece itredutivel (§ 117): Mas 0 tolo repetiu sua insensatez. Ele se tornou insolente, dizendo: “A meu Tespeito Isafas j4 predisse: ‘Um ramo surge do tronco de Isai, e um rebento cresce de suas taizes’ (Is 11,1). E 0 rei Davi disse antes de mim: ‘Bem-aventurado 0 homem que nao anda no conselho dos pecadores’ (SI 1,1)". Os mestres reagem com a citacdo de Deuteronémio 18,20, que funciona como texto guia de todo o livro e é repetido ao final: “Mas o profeta que tiver a presunco de dizer em meu nome uma palavra que eu nio lhe tiver ordenado que profira, ou falar em nome de outros deuses, esse profeta serd morto” (§ 119). Mas quando Yeschu ressuscita mortos a rainha assume seu partido, repreendendo os mestres. 257 Evangelhos Apécrifos OUTROS MILAGRES Paira sobre Israel 0 perigo de uma formal guerra civil, estando os partidos ja com as espadas desembainhadas, quando Yeschu faz uma proposta de paz: por meio de uma série de milagres ele pretende alicergar que “sou eu aquele que meu Pai do céu enviou’ § 136). Ele molda passaros de argila, fazendo-os voar (cf. InfThom 2). Ele navega sobre o ago, sobre uma pesada pedra de moinho, como se fosse uma balsa de madeira leve (cf. Mc 6,48-51). ‘A impressiio que essas obras causam & rainha os mestres, dessa vez, querem rebater recorrendo a Deuteronémio 13,2-6: também o falso profeta, € justamente este, € capaz de realizar sinais e milagres. Yeschu defende-se contra os dois principais argumentos deles, que so as passagens de Deuterondmio 18,20 ¢ 13,2-6, ao referir a si, na presenga da rainha, um versiculo préximo, 0 15: “Javé, teu Deus, fara surgir do teu seio, dentre os teus irmaos, um profeta igual a mim: escuté-lo-eis”. Além disso, cita ainda Jeremias 1,5: “Antes de te formar no seio de tua mae, Eu te conheci L...]". OS ADVERSARIOS Os mestres percebem que também eles precisam de armas de outro calibre. Escolhem entre eles um homem integro, rabi Yehuda “isch Bartota, por tras do qual se oculta Judas Iscariotes, permitindohe que igualmente aprenda 0 nome secreto de Deus. Entrementes, amargurado por causa da dura cerviz dos mestres, Yeschu, anuncia: jim, diante de vossos olhos elevar-me-ei para junto de meu Pai no céu” (§ 157), iniciando uma bem-sucedida experiéncia de véo. Yehuda segue-o e com isso ocorre uma batalha aérea, sem vencedor, até que Yehuda deixa cair seu sémen sobre Yeschu. A impureza que assim se instala imediatamente rouba a forca miraculosa de Yeschu, e ele cai por terra. Sua forca miraculosa esta perdida. Os mestres zom- bam dele na presenga da rainha Helena (§ 164, composto segundo Mc 14,65, como de resto, a partir de agora passam a aparecer ressondncias da narrativa da paixao), que thes entrega Yeschu para a execucio. MOMENTOS RETARDANTES Mas por meio de uma série de elementos retardantes o fim sempre é protelado. Yeschu, que de inicio fica totalmente prostrado na prisdo, por duas vezes conse gue libertar-se. Ap6s a primeira libertacio, ele ordena que seus seguidores se vista com um uniforme com capuz, que va da cabeca a sola dos pés, tornando-os 258 Um antievangelho: as Toledot Yeschu irreconheciveis. Com esse traje todo o grupo vai ao Templo, para a matancga dos cordeiros da Pascoa, ficando as autoridades perplexas, sem poderem identificar qual dos homens encapuzados é Yeschu. Gaissa, um dos seus seguidores, que comegou a duvidar dele, o trai diante dos guardas, identificando-o por meio de uma incli- nago. No julgamento que segue, Yeschu reassume a postura (§ 195): Ele entdo comesou a clamar em alta voz, para que todos os renegados ouvissem, dizendo: “Com jabilo quero alegrar-me e exultar, porque haverei de ter um ttimulo. Entdo minha forga serd maior do que agora, pois minha divindade e realeza manifestar-se-o por toda a terra. E este sera para v6s o sinal: trés dias ap6s meu sepultamento, todos vireis ao meu ttimulo, mas no mais me encontrareis, pois eu subirei ao céu e me assentarei a direita do Pai’ Mais uma vez seus seguidores 0 libertam e fogem com ele para a cidade. Mediante um banho de imersio no Jordéo, Yeschu se purifica de sua impureza € recupera sua forga magica. Ele consegue fazer com que uma peda de moinho, que teria lugar para apenas trés pessoas, transporte as centenas de seguidores através da agua. Ele sussurra um dito mégico e os peixes se retinem, saltam para fora da agua, servindo-lhes de alimento (cf. Jo 21,1-14). Yeschu também produz outros alimentos e bebidas, bem como vestuario fino, na quantidade que quer, Para seus seguidores (motivo do pais das delicias). PRISAO E EXECUCAO. No auge da crise, rabi Yehuda precisa agir novamente. Ele faz para si uma ttinica de linho, como as que so usadas pelos seguidores de Yeschu, e permanece disfarcado entre eles por diversos dias, até descobrir na ttinica de Yeschu um pequeno sinal de identificagao. Os mestres escrevem duas cartas amigaveis a Yeschu, decla- rando-se vencidos e convidando-o a vir a Jerusalém. Ele aceita o convite, ocorrendo entdio 0 que a tradicao cristé conhece como “traigao de Judas” (§ 229s): Quando a multiddo maivada chegou com Yeschu junto ao pé do monte, Yehuda langou'se ao seu pescogo, exclamando em alta voz: “Este é 0 Messias. Nés queremos adoré-lo, nao temos nada a temer diante dele! Ele é nosso pai e nosso rei’. Abra- gouro € o beijou. Todos os mestres de Israel viram isso e ouviram o brado de Yehuda, de que era ele. Eles entdo se ergueram, cairam sobre ele e, em sua fiiia, deram-the um violento murro, cheio de atrocidade contra um Deus como ele. Diante da rainha, que, Por fim, também se distancia dele, Yeschu é Processado, © 08 mestres ordenam que durante quarenta dias um arauto anuncie: “Yeschu, 0 259 Evangelhos Apécrifos nazareno, seré condenado ao apedrejamento, por ter exercido a magia, tendo sransviado Israel e 0 levado & rebeldia. Quem souber algo em sua defesa, venha € 0 apresente” (§ 245). Mas nenhuma testemunha de defesa se apresenta. Yeschu 6 apedrejado até a morte. Seu corpo deveria ser entiio dependurado no tronco de uma drvore, conforme as indicagdes de Deuteronémio 21,21-23. Mas como se houvesse pressentido isso, Yeschu, em vida, havia esconjurado todas as drvores “para que elas no o aceitassem para ser pendurado” (§ 250). Rabi Yehuda traz um enorme caule de repolho grosso e forte como uma tora de arvore, que havia sido ignorado por Yeschu. Torna-se possivel dependurar 0 corpo, seguindo-se © sepultamento ao pér-do-sol (cf. Dt 21,23: “Seu cadaver nao podera passar a noite sobre a arvore”). © TUMULO VAZIO Rabi Yehuda recorda-se da previsio de Yeschu, de que apés trés dias sairia de seu tiimulo e subiria ao céu, e comete um preventivo roubo do cadaver (cf. Mt 28,13-15). Consegue apoderar-se dele, sem que ninguém o perceba, e 0 oculta em seu proprio jardim, numa cova sob 0 canal de agua. Nao diz nada a ninguém, nem mesmo a sua mulher e a seus filhos, e empreende uma viagem pelas localidades circunvizinhas. Na cidade descobre-se o ttimulo vazio. Os seguidores de Yeschu exultam, vendo nisso a realizagao de sua previsao. A rainha exige dos mestres que num prazo de sete dias apresentem o cadaver de Yeschu, caso contrario todos mor- rerao. Com certo atraso, rabi Yehuda toma conhecimento disso e exultante (§ 269: “Este 6 um dia de boa nova") esclarece a sua medida preventiva. Os mestres retiram 0 cadaver do esconderijo, amarram-no pelos cabelos no rabo de um cavalo e o arrastam através da cidade até a residéncia da rainha. Isso traz conseqiiéncias no somente para o cadaver, mas também para a imagem pos- terior dos seguidores de Yeschu, para a qual aqui se apresenta uma mordaz etiologia (§ 276): Como conseqiiéncia de ter sido arrastado pelo cavalo, todo 0 cabelo de sua cabeca foi extirpado, ficando sua cabega totalmente calva. Por essa razdio os sacerdotes de Yeschu até o dia de hoje andam com o cabelo cortado, com a cabeca calva. Finalmente a rainha dé razo aos mestres e ordena a execucao dos seguido- res de Yeschu, justificando-a com a palavra da Escritura: “Assim farés desaparecer © malvado de vosso meio” (Dt 13,6, citado no § 282). 260 Um antievangelho: as Toledot Yeschu PROSPECTIVA PARA A HISTORIA DA IGREJA Basta finalmente desse jogo cruel, assim se deveria pensar, mas as Toledot Yeschu descrevem ainda o que fazem no futuro os doze discipulos de Yeschu que sobreviveram, a partir de agora se denominam “apéstolos’ (§ 287), e seguese uma espécie de “histéria (atos) dos apdstolos”. Os ctistdos se fortalecem cada vez mais, provocando discérdia entre 0 povo de Israel. Os olhos dos mestres voltam'se para 0 rabi romano Yochanan (Eliahu, em outra versio das Toledot). Antes de tudo, como consta no § 296, principalmente por causa do banho de imersdo que toma, assume os tragos de Jodo Batista, que aqui de “precursor” se torna “‘seguidor’, e apresenta ao mesmo tempo tracos do apéstolo e evangelista Jodo. Yochanan deve associar-se aos cristos, com o encargo de “desvid-los completamente dos costumes da fé israelita” (§ 292). Ele induz os cristdos a rejeitar totalmente a Tord, a ndo mais observar o sdbado e sim o primeiro dia da semana, e a evitar as casas judaicas de oracdo e instrucdo. Aparecem ainda Paulo, Nestério e Simao Cefas. Paulo e Pedro agem totalmente na linha de Yochanan, como agentes secretos judeus entre os cristios, que disso nada percebem e elegem Pedro como seu chefe supremo. Constroem para ele uma torre (a basilica constantiniana), onde pode trangiiilamente estudar a Lei e viver de modo kosher. Pedro e Paulo cimentam o desejado e necessdtio processo de separacio, visto. com bons olhos pelo lado judaico. Causa surpresa que nessa linha também apareca Nestorio (século V). As Toledot Yeschu 0 véem da perspectiva de seus adversarios da Igreja universal: ele teria tentado reintroduzir ritos judaicos e teria negado a divindade de Cristo. O § 336 pde em sua boca estas palavras: Como é que podeis crer que Yeschu é Deus? Como a razio poderia suportar a sentenga de que Deus seja alguém nascido de mulher e que devesse morrer como os seres humanos ¢ os demais seres vivos, quando ele préprio afirmou ser apenas um profeta!? Nestério, contudo, nao é avaliado positivamente por isso, antes pelo contrario. Sua intervenco ameaca reverter a separacdio tio penosamente obtida. Conse- qiientemente, ele no aparece no pardgrafo conclusivo (§ 366), em que Yehuda, Yochanan, Paulo e Pedro s4o louvados como salvadores de Israel, cuja memséria € uma béncao. Recorrer a Nest6rio, contudo, poderia ser um indicativo para a historia da origem das Toledot Yeschu, com o que, somados aos contatos com a polémica de Celso, teriamos mais um ponto de referéncia da época da Igreja antiga (Krauss, 246, estabelece a datagdo do escrito no século V). 261 Evangelhos Apécrifos (3) Avaliagao Pode parecer uma vantagem o fato de termos, na descri¢&o das Toledot, uti- lizado 0 nome “Yeschu” em lugar de “Jesus”, mantendo-nos em acordo com 0 original, Quer-se com isso alcangar um efeito de distanciamento, de modo que © escandalo que essa apresentagdo provoca no leitor cristo, embora nao o tore mais suportdvel, no minimo torne menos pesada a continuidade da leitura. Mas esse distanciamento, em Ultima anilise, esté baseado num engano. O nome “Jesus”, que utilizamos tao naturalmente, é uma forma grega do nome, tal como é utilizada no Novo Testamento (grego). © prdprio Jesus nao era chamado de “Jesus” por seus coeténeos, mas de “Yoschua” (ou algo semelhante). As Toledot Yeschu inexo- ravelmente nos Iembram de que Jesus era um judeu, um controverso judeu, ¢, mais ainda, que para o seu povo ele permanece assim. Sobre a forma como da parte judaica se trata da pessoa de Jesus na controvérsia com 0 cristianismo, pode-se ter opinies divergentes (o que vale também para outras verses das Toledot Yeschu, ainda mais rudes). Sempre retorna a satisfagdo de poder aplicar magistralmente um golpe no adversdrio, fazendo com que suas armas se voltem contra si proprio. Os cristdios so apresentados como sendo tao ignorantes a ponto de nao reconhecerem os agentes judaicos em suas proprias fileiras. Por vezes, motivos folcléricos adquirem vida propria, dando asas & pura satisfacdo narrativa. Com tudo isso, porém, nao se deve esquecer de que aqui, como ja aludimos no inicio, se manifesta a voz dos perseguidos. A pressdo social, religiosa e politica exercida por uma maioria crista provocou tais reacbes da minoria oprimida. Zomba-se do que é sagrado para o adversario Nio se deve olvidar que no pano de fundo disso tudo surgem sérias questdes teoldgicas e hermenéuticas. Destacamos apenas duas: — Que no século I/II paulatinamente se tenha chegado a separagio entre judaismo e cristianismo (lembremos o judeu-cristianismo que encontramos no capitulo 3) é um proceso nada facil de explicar. Por muito tempo essa questi foi totalmente ignorada pelo cristianismo. Mas 0 holocausto no século XX desencadeou nas Igrejas crist’is uma reflexo retroativa as suas raizes judaicas. Nas Toledot Yeschu, percebemos que, por parte do judaismo, a separaco é vista como um resultado almejado, vendo-se com ceticismo os movimentos de retorno as raizes. Sera que, de repente, somos vistos como hdspedes inoportunos? — A Biblia de Israel é também a Biblia do cristianismo. Mas essa constatagao é tudo o que temos em comum. Discute-se como deve ser entendida essa 262 Um antievangelho: as Toledot Yeschu tinica Biblia, e isso j4 ocorre nas Toledot Yeschu. No plano narrativo, contra- pde-se uma citacao a outra: Deuteronémio 18,15 contra Deuteronémio 18,20. Sub-repticiamente as Toledot apresentam um comentério, do ponto de vista judaico, sobre a maneira como por parte dos cristdos a Escritura é interpre- tada em vista de Cristo. Também exegetas cristéos, entrementes, aprenderam a respeitar a Escritura do Primeiro Testamento em seu valor proprio e como base da fé judaica até os dias de hoje. Nao se pode afirmar que com isso todas as questdes metodoldgicas ja estejam eliminadas. A primeira vista pode parecer inconveniente ocupar-se das Toledot Yeschu, mas na verdade todos os apécrifos tém algo de inconveniente, e por vezes aprende-se mais ndo estando exatamente no meio, mas olhando de fora para o acontecimento. 263

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