cientifico
Priscila Amorim*
Sendo assim, o presente artigo tem a intenção de questionar até que ponto a
formação religiosa de professores e alunos podem interferir na tênue linha que dentro
das escolas acaba separando o conhecimento científico – base do Estado Laico – do
tendencialismo religioso – no Brasil notadamente cristão – presentes no interior da sala
de aula. Para tanto, fez-se necessário revisitar a história da educação nacional desde
seus primórdios, onde todo conhecimento estava em poder dos padres jesuítas,
responsáveis não apenas pela catequização dos povos nativos como também pela
criação das primeiras escolas na recém surgida colônia. Assim, partiremos de uma
análise do desenvolvimento legal do processo educacional brasileiro até chegarmos a
este, que é sem duvidas um dos principais temas de debates entre estudiosos da
educação na atualidade: a laicidade da escola. Para tanto, foram consultados uma série
de artigos e entrevistas de diversos autores que debatem o assunto.
2. A história da Educação no Brasil colônia e a presença jesuíta
Somente após a vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808, é que
passa a existir uma certa preocupação da Coroa com a questão educacional. No entanto,
essa preocupação parecia restringir-se a formação universitária dos jovens – filhos de
portugueses – que aqui já viviam ou que vieram com suas famílias fazendo parte do
séquito de D. João VI. Ao longo do século XIX, houve o surgimento também de
algumas Universidades e Escolas de Medicina, Direito em regiões como Salvador, Rio
de Janeiro, Curitiba entre outras. Com a ascensão da República e da cafeicultura, na
transição entre os séculos XIX e XX as escolas de primeiras letras e Liceus, estavam
localizados nas sedes dos municípios sendo que as escolas isoladas, com turmas
multisseriadas atendiam as crianças da zona rural, porém, sem grande assistência estatal.
A principal interferência do Estado brasileiro em princípios do século XX estava
relacionada ao currículo.
Após a ascensão de Getúlio Vargas na década de 1930, pode-se observar uma
maior preocupação do governo federal com o sistema educacional. As leis educacionais,
influenciadas pelo pensamento de intelectuais de universidades como a USP e outras
sofreu alterações significativas, separando o ensino formal, da educação de caráter
confessional religioso aplicado pelas escolas existentes.
Porém, como tal histórico pode influenciar ou ainda se reflete no cotidiano
escolar da atualidade? Em que medida ainda temos em nossas práticas e nos conteúdos
formais resquícios desses primórdios da educação nacional onde a religião estava
diretamente relacionada com a formação educacional/cultural das crianças?
Entre as décadas de 1960, 1970 e 1980 existiram debates e criação de legislações
educacionais que visavam, principalmente, a preparação para o trabalho, explicitas no
currículo imposto principalmente pela ditadura civil militar – lei 5692/71 – exaltando
também temas como moral e civismo, tal currículo cuidou de “esvaziar” os conteúdos
das disciplinas da grade das ciências humanas, tais como História e Geografia que no
ensino fundamental (antigo ginasial), foram diluídas na disciplina de “Estudos Sociais”,
no atual ensino Médio (antigo 2º grau), disciplinas como Sociologia e Filosofia foram
substituídas por Educação Moral e Cívica e OSPB. Porém, gradativamente, essa grade
curricular foi sofrendo alterações até que a Constituição de 1988, a partir da garantia do
Estado Laico, propôs um novo formato educacional para o país, traduzido pela Lei nº
9394/96.
Em perfeita síntese, Celso Lafer leciona que “em um Estado laico, as normas
religiosas das diversas confissões são conselhos dirigidos aos seus fiéis e não
comandos para toda a sociedade”.
Apesar de o Estado brasileiro ter se tornado laico em 1890, pelo decreto 119-A,
de autoria de Ruy Barbosa, não havia liberdade de culto no país. Ou seja, havia
liberdade de escolha mas não de culto, todo e qualquer culto religioso diferente dos
cultos cristãos eram considerados ilegais. Somente com a constituição Republicana de
1891 é que afirmou-se definitivamente o Estado Laico no Brasil, bem como a liberdade
religiosa e de culto (desde que “não contrariasse a ordem pública e os bons costumes” –
Constituição dos Estados Unidos do Brasil, 1934).
Mesmo assim, é comum observar-se em vários estabelecimentos escolares
símbolos religiosos com crucifixos, Bíblia, imagens religiosas nos corredores, salas de
professores e direção dos mesmos. Outra situação que se observa em algumas salas de
aula, é o momento de “oração”, conduzido por professores ou membros da equipe
pedagógica e diretiva do estabelecimento, porém, o que se percebe também é que esses
símbolos e orações são, em sua imensa maioria, de caráter confessional cristão, podendo
ser o mesmo católico ou evangélico. Onde está a presença ou o respeito a laicidade
nesses momentos?
Por mais isento que o professor busque ser em sala de aula, quando aborda
determinados assuntos, como por exemplo: Criacionismo X Evolucionismo; Reforma
Protestante e Contra Reforma Católica, Inquisição, Escravidão no Brasil,
homossexualidade, sincretismo religioso, diversidade religiosa, novas estruturas
familiares presentes na sociedade atual,entre outros, a resistência ou até mesmo a não
compreensão dos alunos – e por vezes até de colegas – é frequente. Procurar quebrar
essa resistência tem sido nos últimos tempos um dos principais entraves ao
desenvolvimento do trabalho dos professores das áreas de Humanas em sala de aula.
Pois, os alunos, sejam eles crianças ou adolescentes, não impõem mas enfatizam sua
visão religiosa em questionamentos e debates durante as aulas.
É inegável que questionamentos por parte dos alunos são essenciais ao bom
desenvolvimento da aula, principalmente porque as diversas visões e o conhecimento
prévio dos alunos são de extrema importância para que os mesmos possam não apenas
formar conceitos como também relacioná-los com os conceitos previamente
estabelecidos pelos autores trazidos pelo professor. No entanto, a linha entre a opinião,
o conhecimento prévio do aluno e uma certa tendência à “pregação” religiosa
(proselitismo) no intuito de convencer professor e colegas de sua crença como sendo a
mais correta, é muito tênue. Porém, cabe lembrar que não apenas os alunos trazem
consigo dogmas, crenças e tradições aprendidas em seu convívio religioso, mas também
os professores o trazem.
Em que momento, a crença torna-se proselitismo em sala de aula?
Estabelecer uma análise que identifique até que ponto uma simples discussão de
conceitos em sala de aula transforma-se em debate de valores religiosos é não apenas
delicado, como também muito sério e necessário. A escola não é apenas uma instituição
voltada para a formação do cidadão, com também segundo Klein e Pátaro(p. 15-16)
Em tempos onde a Educação está no foco dos debates políticos, seja devido ao
momento políticos de eleições municipais, ou no momento político nacional, mais
delicado devido a um processo de impeachment e alternância de poder, cabe aos
educadores tomares parte de tal debate, visto que são eles, assim como os alunos e
demais membros da comunidade escolar, os maiores interessados nos mesmos.