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Carlos Henrique Menegozzo

Juventude e socialismo:
Ensaios e entrevistas

Janeiro – 2015
São Paulo – SP
Sobreo autor:
Carlos Henrique Metidieri Menegozzo é sociólogo e bibliotecário especialista em arquivologia. Ex-
militante estudantil (1999-2003), dedica-se ao estudo da história da esquerda e dos movimentos de
juventude no Brasil, e também ao tratamento de fontes documentais relacionadas a essas temáticas.
Atuou em projetos de arquivo e memória junto a entidades como MST e UNE. Trabalha atualmente
como documentalista no Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo, onde é
responsável pelo acervo histórico do Diretório Nacional do PT. Entre outras obras do autor,
incluem-se: “Centro Sérgio Buarque de Holanda: Guia de Acervo” e “Partidos dos Trabalhadores:
bibliografia comentada (1978-2002)”, publicados em 2009 e 2013 respectivamente.
Sumário

Apresentação ...................................................................................................................................... 4
Parte 1. Juventude e transformação social ...................................................................................... 5
Juventude e socialismo: questões fundamentais .................................................................................. 5
Trabalho de base com jovens, no rumo do socialismo ...................................................................... 17
Educação e luta estudantil em perspectiva estratégica....................................................................... 24
Estudantes, revolução e questão educacional .................................................................................... 28
Determinações de classe da práxis estudantil .................................................................................... 34
Parte 2. A crise do movimento estudantil e sua difícil interpretação .......................................... 44
Onde estará o “novo movimento estudantil”?.................................................................................... 44
“A culpa é dos partidos”: crise de representatividade........................................................................ 46
“Direções traidoras” versus “novo movimento estudantil”: crise de direção .................................... 50
“Desinteresse pela política”: crise de valores .................................................................................... 53
“Falta de integração”: crise de identidade ou de vivência ................................................................. 58
“O poder jovem” e a sublimação da crise .......................................................................................... 61
Parte 3. Movimento estudantil na atualidade ................................................................................ 66
Em crise, estudantes só se articulam em pautas efêmeras ................................................................. 66
Lutas estudantis hoje, em perspectiva histórica ................................................................................. 70
Movimento estudantil para além da USP ........................................................................................... 75
Extremismos e politica estudantil ...................................................................................................... 79
Reação conservadora no meio estudantil ........................................................................................... 81
Parte 4. Estudantes universitários e luta de classes (1960-2012) ................................................. 83
Introdução .......................................................................................................................................... 83
Anos 1930 aos 1960: conformação e radicalização política do movimento estudantil ..................... 83
A suposta “retomada” dos anos 1970: coesionamento transitório na luta contra a ditadura ............. 86
A chamada “crise” do movimento estudantil nos anos 1980 e posteriores ....................................... 88
Dinâmica dos protestos no período da “crise”, dos anos 1980 aos dias atuais .................................. 90
Resignificando a “crise” do movimento: sintoma de normalidade sob a crise da esquerda .............. 92
Parte 5. Juventude nas manifestações de 2013 ............................................................................ 100
Introdução ........................................................................................................................................ 100
Ondas de protestos e uma revolta contra a política .......................................................................... 101
A juventude nas manifestações: parâmetros de interpretação ......................................................... 104
Os setores organizados da juventude ............................................................................................... 106
Juventude organizada e “massa de jovens”...................................................................................... 109
Conteúdos de classe dos protestos: desafio ao governo de coalizão................................................ 115
Potencial renovação do campo democrático-popular ...................................................................... 118
“Espontaneidade” e “direção política” ............................................................................................. 121
Dilemas de uma formação capitalista-dependente na contramarcha do neoliberalismo ................. 124
Parte 6. A juventude e o novo ciclo politico ................................................................................. 131
Acumulando forcas para as reformas estruturais ............................................................................. 131
Potencial estratégico da juventude na atualidade ............................................................................. 136
Apresentação

Entender a relação entre a condição juvenil em suas diversas manifestações e a luta pela
transformação da sociedade, em perspectiva socialista, é tarefa que provavelmente nunca se fez tão
premente. Concorrem para isso não apenas as lacunas nas formulações de esquerda em relação a
esse tema, a visibilidade que adquiriu a juventude nas manifestações de junho de 2013 e a
significativa proporção de jovens existentes atualmente na população brasileira; mas também o fato
de que é crescente a população estudantil universitária – cuja participação nos protestos de junho foi
evidente, e que tem sofrido profundas alterações em sua composição de classe – num contexto de
persistência da chamada “crise” do movimento estudantil, configurando um aparente paradoxo.
Diante disso cabe uma série perguntas: qual o potencial estratégico dos movimentos de
juventude em relação à mudança da educação e da sociedade como um todo? Que impactos sobre o
engajamento estudantil podem se esperar com a mudança do perfil de classe da população
universitária? Quais as causas da chamada “crise” do movimento estudantil? Seria ela um sinal da
despolitização? Pressupondo isso, que fatores explicariam a diversificação das manifestações das
várias juventudes nos últimos anos, incluindo-se aí os protestos de 2013 e o fortalecimento de
posições conservadoras no meio juvenil? E, finalmente, que papel poderia a juventude desempenhar
na atual conjuntura, desde uma perspectiva de esquerda, no rumo das reformas estruturais?
O que leitor tem em mãos é uma seleção de ensaios e entrevistas que, inspiradas por uma
visão marxista, buscam oferecer pistas a estas e outras perguntas, levantando novos problemas e
desafios à investigação científica e à prática militante. Publicados entre 2009 e 2013, e compilados
aqui com revisões e ampliações, representam uma síntese parcial de pesquisas que venho
desenvolvendo sobre o assunto desde o início dos anos 2000. Destaco, em particular, um esforço de
levantamento e análise da bibliografia existente sobre o engajamento político estudantil no Brasil
que reúne mais de 1,8mil estudos publicados aqui e no exterior entre 1821 e 2003 – um trabalho
ainda inédito que espero publicar em breve.
Muitos são os agradecimentos que deveria registrar, considerando que as ideias
compartilhadas aqui têm sido há muito tempo maturadas em conversas em passeatas e greves, nas
mesas de bar e em debates, no comentário de dezenas e dezenas de versões preliminares dos textos
que circularam pela internet. Na impossibilidade de apontar nominalmente todos e todas a quem
devo a conclusão deste trabalho, registro aqui de meus sinceros agradecimentos aos que
participaram direta ou indiretamente da empreitada. A vocês certamente soarão familiares muitas
das passagens dessa obra que, tomara, sirva de algum modo para avançar a luta pela sociedade com
a qual sonhamos.
Parte 1. Juventude e transformação social

Juventude e socialismo: questões fundamentais1

Introdução

Juventude: um tema controverso

Se há algum consenso no debate sobre a questão da juventude, ele passa pelo


reconhecimento da enorme controvérsia que envolve até a definição do termo. Isto, em parte, se
deve e é agravado pela aparente transparência de seu conteúdo: muitos de nós já vivemos a
experiência de ser jovem ou convivemos com grupos juvenis, o que faz com que todo mundo tenha
uma opinião sobre o tema. De um ponto de vista geral, pode-se dizer que as várias opiniões sobre a
própria definição do conceito de juventude oscilam entre dois extremos.
De um lado, há uma visão demasiado subjetivista, que entende a juventude com uma espécie
de estado de espírito ou atitude diante do mundo. Materializada no culto ao corpo e em padrões de
consumo, a juventude é alçada, assim, à condição de ideal para todas as idades. No extremo oposto,
bastante arbitrário, as percepções e experiências específicas deste segmento da sociedade acabam
ocultadas pela delimitação estanque de faixas de idade. Neste caso, ser jovem equivale a ter de 16 a
29 anos, por exemplo.

A juventude sob os olhares da esquerda

Também na política, sobretudo entre as esquerdas, as opiniões a respeito do tema são


variadas. Raramente, entretanto, a discussão se pauta por uma definição qualificada do conceito. É
comum, por exemplo, a associação da juventude com uma tendência natural à rebeldia e à
identificação com as lutas populares. Assim como a consideração da juventude como um momento
de dedicação abnegada a uma causa, o que acaba por reduzir o seu papel estratégico à rotina
“tarefeira” na celebrada condição de “pau pra toda obra”.

1
Versão revisada e ampliada de ensaio publicado no portal da Fundação Perseu Abramo (17 jul. 2012), reproduzido
eletronicamente em diferentes órgãos de imprensa da esquerda, tais como o portal do Partido dos Trabalhadores, do
jornal Página 13 e a Revista Brasis. Em sua primeira e preliminar versão, o ensaio foi apresentado no Seminário “Os
Movimentos Sociais e a Luta pelo Socialismo”, realizado em São Paulo em julho de 2012, promovido por militantes do
PSOL.
Noutros casos, a juventude é entendida, de modo mais rigoroso, como uma etapa específica
da vida, atravessada por situações concretas muito diversas – não se tratando de uma juventude
genérica no singular, mas de juventudes, no plural (juventude negra, feminina, trabalhadora, etc) – e
merecedora de cuidados especiais. Ocorre é que a consideração das várias situações concretas em se
apresenta a condição juvenil, e que reflete um entendimento mais qualificado do assunto, há anos
vem sendo repetido como novidade, sem desdobramentos imediatos ou estratégicos significativos.
O mais significativo desses desdobramentos corresponde, provavelmente, à acertada tradução deste
entendimento mais qualificado em políticas públicas. Estas, todavia, acabam muitas vezes reduzidas
a visões estritamente reformistas ou ao mero eleitoralismo: perde-se de vista a articulação entre
reformas parciais e revolução.
A ausência de uma compreensão mais apurada das condições em que vive e, portanto, dos
limites e potencialidades da juventude numa estratégia de transformação social, por parte das
esquerdas, torna-se evidente nas declarações que se ouve quando da aparente apatia ou da explosão
de movimentos juvenis. Ora a desmobilização é atribuída a nociva intervenção dos partidos, ora a
uma cultura política conservadora e consumista, ora à traição das direções. Pouco se fala, por
exemplo, dos fatores de ordem econômica que determinam os fluxos e refluxos de movimento.
Como também falta muita autocrítica das forças políticas organizadas a respeito de sua própria
incompreensão do fenômeno.
Ao contrário, frente às explosões de movimento, não tardam em se manifestar as leituras
segundo as quais a tendência à rebeldia é natural da juventude. Bem como as posturas auto-
celebratórias por parte das forças políticas organizadas que, traçando paralelos diretos com
explosões de movimento do passado – aí as referências sobre 1968 e sobre os caras-pintada em
1992 são obrigatórias – procuram extrair, de modo oportunista, algum saldo político de uma onda
de protestos para cuja emergência deram pouca ou nenhuma contribuição efetiva. Essas explosões
têm sido muito mais fruto de uma combinação de fatores circunstanciais onde as forças organizadas
têm cumprido um papel passivo do que o resultado de uma construção efetiva desde as bases.
Tais considerações nos levam a constatar que falta às esquerdas um entendimento mais
elaborado a respeito da condição juvenil. O que se deve considerar como algo da maior gravidade,
já que este entendimento é imprescindível não apenas a uma percepção mais completa dos reais
limites e possibilidades que oferece a juventude do ponto de vista da luta pelo socialismo; mas
também à potencialização dessa capacidade transformadora por meio de ações que não passam
somente pelos próprios movimentos juvenis, mas pela articulação de um amplo conjunto de lutas e
setores diversos num projeto politico globalmente articulado.
Mais que um exercício meramente acadêmico, portanto, a tarefa de estabelecer uma rigorosa
definição para o conceito de juventude compreende um esforço de análise da realidade concreta,
imprescindível a toda a ação transformadora que, dialogando com este segmento específico da
sociedade, se pretenda politicamente eficaz.

Conceito de juventude

Juventude como etapa transitória da vida

Não se pode negar que a vida humana é marcada por um ciclo que se inicia com o
nascimento e que se encerra com a morte. E que em toda e qualquer cultura, este ciclo vital é
segmentado em etapas diferenciadas de desenvolvimento biológico, psicológico e social, marcadas
em maior ou menor grau por um período de imaturidade, de maturidade, e de decaimento ou
inatividade. Apesar das polêmicas existentes em torno do conceito de juventude, uma ideia
fundamental, e relativamente difundida, é de que a juventude corresponde a um momento
intermediário entre duas etapas deste ciclo da vida – mais precisamente ente a imaturidade e a
maturidade plena, ou entre a infância e a fase adulta.
Os critérios que caracterizam essa passagem, todavia – e aí reside a polêmica de um debate
mais qualificado – não podem ser apreendidos em toda a sua complexidade a partir da redução do
conceito de juventude a um estado de espírito ou uma atitude diante do mundo; a faixas etárias
estanques ou a um comportamento, supostamente natural, de rebeldia e identificação com as causas
populares. Os critérios que definem a condição juvenil são muitos e envolvem fatores biológicos,
psicológicos, econômicos, educacionais e culturais. A ênfase num ou outro aspecto varia conforme
as visões adotadas em diferentes campos do conhecimento científico.
Em vertentes da medicina ocidental moderna, por exemplo, a ênfase recai no
amadurecimento biológico do organismo humano perspectiva à qual corresponde, mais
precisamente, o conceito de puberdade. Na psicologia, por seu turno, esta fase de transição é
associada mais ao desenvolvimento de aspectos cognitivos ou de certas faculdades mentais e
corresponde, geralmente, ao conceito de adolescência. Finalmente, esta etapa intermediária pode
não estar associada a critérios biológicos ou psicológicos, mas a um conjunto determinado papéis –
um conjunto de direitos e deveres social e historicamente estabelecidos – que são reservados a
grupos sociais específicos, e que se encontra mais comumente associada ao conceito de juventude.

A condição juvenil de um ponto de vista totalizante

A visão especializada que cada uma dessas áreas certamente contribui para um entendimento
mais aprofundado de cada aspecto do complexo fenômeno da juventude. Entretanto, não se pode
perder de vista uma visão de conjunto dessa passagem. Em função disso é que um entendimento
mais completo da condição juvenil pressupõe a adoção de um ponto de vista totalizante. Um ponto
de vista que leva em consideração a complexa interação de fatores de ordem biológica, psicológica,
educacional, econômica e social derivados do reconhecimento da especificidade desta etapa
transitória da vida.
São vários os pontos a partir dos quais podemos avançar na caracterização da condição
juvenil, sendo um deles o que corresponde ao esforço por descrever o conjunto de direitos e deveres
que a singulariza – entendendo este conjunto como uma construção histórica e social que se faz
sobre processos de ordem biológica e psicológica, a ele subjacentes. Mas é preciso reconhecer que
essa tarefa é das mais difíceis. Não que seja impossível empreendê-la. É que se trata,
primeiramente, da descrição de meias-medidas postas entre situações e papéis sociais mais
facilmente identificáveis porque definidos como extremos: completa imaturidade e maturidade
plena. Mas essa dificuldade se deve também ao fato de que tais direitos e deveres são estabelecidos
socialmente em condições históricas determinadas. Isto quer dizer que o seu conteúdo pode variar
de uma sociedade para outra bem como numa mesma sociedade ao longo do tempo.
Esta necessária relativização histórica, vale dizer, não impede que se descreva
minuciosamente os fatores que concretamente envolvem a condição juvenil. Apenas exige que essa
descrição deve se dar sempre com referência a um contexto social concreto e levando em
consideração, insistindo num ponto de vista totalizante, fatores como situação de classe, condição
de gênero e identidade étnica, por exemplo. E o contexto social concreto no qual nos inserimos é o
das modernas sociedades capitalistas.

Juventude no capitalismo: situação e potencial político

Relação experimental com o presente e capacidade de renovação cultural

Um primeiro traço marcante da condição juvenil no capitalismo corresponde àquilo que na


sociologia tem sido definido como uma moratória em relação a certas condições e obrigações
consideradas próprias da idade adulta tais como ao exercício de uma atividade profissional em
caráter definitivo, a responsabilidade pelo próprio sustento, além da constituição e sustento de um
núcleo familiar autônomo. Entendida em sentido amplo, contempla também o que alguns chamam
de “moratória virtal” relativamente ao processo de amadurecimento do próprio corpo, conduzindo a
uma situação de mais ampla disposição física e disponibilidade psicológica.
Esta moratória, entendida em sentido amplo – isto é, enquanto moratória social e vital –
alarga as possibilidade da vivência de uma relação provisória ou experimental com o presente
marcada pela busca do próprio papel e lugar no mundo, pela preparação para o exercício deste papel
e, portanto, pelo amadurecimento da própria identidade. Isso não significa que a juventude
corresponda a uma fase de inteira liberdade. Ao contrário, sobre ela recaem pressões e
responsabilidades específicas. A pressão pela necessária definição de um papel e de um lugar no
mundo é a primeira delas.
Esta combinação particular de fatores encerra um potencial explosivo, que corresponde à
chamada crise da juventude. Em termos gerais esta crise consiste na incompatibilidade entre
expectativas e aspirações alimentadas nesta fase de busca e de preparação, com as possibilidades
reais de desenvolvimento pessoal e profissional oferecidas nos limites da ordem estabelecida. As
frustrações advindas dessa incompatibilidade, não raro, se combinam com conflitos de ordem
geracional, isto é, com o confronto entre as próprias aspirações e expectativas e aquelas projetadas
sobre o jovem pelas gerações pregressas, notadamente pelos pais.
Isso se combina também com a insegurança e a ansiedade derivadas da impossibilidade de
ocupação de qualquer espaço na sociedade. Nas formações modernas capitalistas, as relações de
produção são reguladas pelas leis de mercado, não havendo papéis sociais reservados os quais
aqueles reconhecidos como jovens devam assumir através de uma transição institucionalizada em
ritos de passagem, como as provas de força e resistência em sociedades indígenas, por exemplo.
Dito claramente: a juventude nas modernas sociedades capitalistas vive uma insegurança advinda,
sobretudo, do risco do desemprego.
Ansiosos e inseguros na busca pela definição de seu papel na sociedade, os jovens procuram
agregar-se em torno de afinidades, adotando valores e práticas próprios. Nesse contexto, os jovens
tornam-se uma força potencialmente disponível a movimentos que ofereçam possibilidades de
identificação e de ocupação efetiva de um papel na sociedade – o que pode ocorrer com
movimentos transformadores ou conservadores (vide, por exemplo, a experiência das juventudes
nazista e fascista nos anos 1930 e 1940). As tensões e rupturas envolvidas nesse processo de
agregação e conflito no meio juvenil fizeram associar intimamente os jovens à instabilidade social,
à potencial ruptura das normas socialmente estabelecidas, determinando seu ingresso na sociologia
como um “problema social”.
Esse potencial que carrega a juventude, de inovar no campo de práticas e valores, cuja
manifestação pode assumir dimensões conflitivas, coincide com sua capacidade – politicamente das
mais relevantes – de renovação cultural da sociedade. Essa capacidade renovadora que carrega a
juventude e que consiste, digamos, num de seus maiores trunfos políticos, se deve
fundamentalmente ao caráter transitório de sua condição enquanto momento de passagem à idade
adulta. Ao mesmo tempo, todavia, é a este seu caráter transitório que deve sua maior debilidade,
inclusive em termos políticos: a brevidade e turbulências da experiência juvenil não permitem um
olhar mais aprofundado e sistemático sobre as relações nas quais os próprios jovens se vêm
inseridos, reforçando a necessidade de combinação e orientação destas energias com o acúmulo
construído junto a diferentes atores políticos, notadamente os partidos – tema ao qual voltaremos
mais adiante.

Pontos de encontro juvenis e movimentos de juventude

Importante registrar também o modo como a ansiedade, as expectativas e as frustrações dos


jovens se agregam, conformando aqueles movimentos de dimensão coletiva que realizam
concretamente a capacidade culturalmente renovadora da práxis juvenil. Uma analogia que ilustra
bem esse processo é a da preparação de um bolo. Seu preparo adequado exige dois elementos
básicos, a saber: uma receita produzida a partir de ingredientes combinados em proporções exatas, e
também a acomodação da massa resultante dessa mistura numa assadeira. Sob calor, a massa cresce
e o bolo fica pronto.
Nesses termos, podemos considerar a ansiedade, as expectativas e as frustrações juvenis
como os ingredientes de uma receita que, sem forma ou influência do calor dos acontecimentos,
terminaria simplesmente como uma massa espalhada. A assadeira corresponde exatamente às
instituições que canalizam e regulam os fluxos de relações sociais no meio juvenil, contribuindo ou
não para sua formatação em movimento coletivo organizado.
As “assadeiras sociais” de “bolos de juventude”, digamos, são de enorme variedade e estão
geralmente associadas à responsabilidades e compromissos socialmente atribuídos aos jovens, entre
os quais se destaca a preparação escolar, do que se depreende o papel da escola enquanto espaço
privilegiado de vivência juvenil; ou então estão associadas ao uso do tempo livre e ao lazer, tais
como a quadra, o espaço da rua e do bairro, as lanchonetes, bares, cinemas, bailes, shows musicais,
exposições e cafés. Nesses espaços, a juventude se encontra, experimenta os limites de
sociabilidade da ordem estabelecida, desenvolve práticas e valores próprios – que se manifestam
por meio da linguagem, do vestuário, dos gostos musicais e dos padrões de relacionamento afetivo,
por exemplo – projetando papéis sociais culturalmente inovadores.
Muitos acreditam que o desenvolvimento tecnológico em curso, sobretudo das redes sociais,
conduz à potencialização deste processo encontro e de troca de experiências. É verdade, por um
lado, que o desenvolvimento dos meios de comunicação promove algum nível de intercâmbio,
ainda que filtrados pelos interesses das corporações que os detém. Historicamente, isto tem
conduzido desde os anos 1960 não apenas ao desenvolvimento da indústria cultual, mas também ao
que se convencionou denominar de “descentramento do sujeito”, e que corresponde ao processo de
conformação de personalidades individuais compósitas, constituídas não raro por afinidades
múltiplas e eventualmente conflitantes, proporcionada pelo intercâmbio cultural potencializado pela
mídia.
Por outro lado, não é menos verdadeiro que a mediação tecnológica da sociabilidade,
conforme sugerem estudos recentes, é responsável também pelo relativo enfraquecimento do
vínculo interpessoal. Este é um dado da maior relevância se considerarmos que experimentações
transgressoras, incluindo o engajamento em ações de alto risco – que além do risco social ou
político, envolve em casos extremos o risco de morte – pressupõe sólidos laços interpessoais . Este
tipo de vínculo forte, pressuposto no comprometimento pessoal com uma causa ou coletivo, tende a
se produzir muito mais no contato direto que no contato tecnologicamente mediado pelas chamadas
“redes sociais”. Isso não implica em desconsiderá-las, mas em chamar a atenção para os processos
sociais e políticos que, na ausência do contato direto proporcionado pela existência daqueles pontos
de encontro, possivelmente não se viabilizariam como antes.
Potencializados ou não pelas novas tecnologias, é afinal nos pontos de encontro que a
juventude compartilha suas frustrações e ansiedades, seja para consolida-as em formas de
organização coletiva que desestabilizam a normas vigentes – num sentido que não é
necessariamente progressista, mas que pode se orientar também pela celebração do ódio e da
violência. Seja para reelaborá-las em perspectivas conservadoras – o que inclui a canalização de
suas frustrações e inseguranças no consumo de produtos voltados ao público jovem e que
reelaboram a capacidade renovadora destas culturas juvenis emergentes, anulando-a ou contendo-a
em espaços socialmente delimitados e em práticas tanto previsíveis quanto politicamente
negociáveis. Em outras palavras, deve-se reconhecer que a experiência juvenil pode conduzir,
também, a uma integração ao sistema de práticas e valores imposto pela sociedade – completando
dessa forma, sem “problemas”, o processo de socialização das novas gerações.
É importante registrar, também, que nesses processos os jovens enfrentam uma resistência
ativa, começando pelos conflitos que se estabelecem na própria família. As expectativas e desejos
que a juventude assume para si e projeta na sociedade nem sempre coincidem com as práticas e
valores considerados os mais adequados e justos pelas gerações pregressas, notadamente os pais (e
tanto menos coincidirá quanto mais intensa for a reelaboração coletiva da própria experiência
proporcionada pelo convívio com seus iguais). A família, por seu turno, também projeta no jovem
suas próprias expectativas, sendo a primeira delas a de que ele representa a possibilidade de
aproveitamento de oportunidades de elevação ou manutenção de um padrão de vida já alcançado. E
para isso, investiu tempo e recursos, a custa de sacrifícios pessoais. Quando as expectativas e
desejos dos próprios jovens se chocam com os dos adultos (incluindo-se aí a família), temos o que
se define como conflito de gerações.
Mas não é somente em função de questões de relacionadas à expectativa de ascensão social
e econômica projetada no jovem que esses conflitos se estabelecem. Na sociedade (inclusive no seio
familiar) encontramos práticas e valores arraigados que, por outras razões, podem tolher a
possibilidade de vivência de uma relação experimental com o presente. As práticas e valores
conservadores e restritivos associados a certas crenças religiosas são um exemplo disso. O
machismo também é uma variável importante. Sua influência sobre as possibilidades de vivência da
condição juvenil vem de há muito tempo: até meados do século XIX as moças não frequentavam a
escola, por exemplo, e eram criadas desde cedo como mulheres em miniatura, destinadas a casar, a
servir ao marido, e a permanecer reclusa na esfera familiar, alijadas do convívio social e do trabalho
– atividade que poderia lhe conferir uma margem de autonomia – restringindo-lhe o acesso a certas
condições econômicas e sociais indispensáveis ao exercício da condição juvenil. Estes são
elementos arraigados culturalmente que ainda hoje se manifestam em maior ou menor medida.

Condições econômicas para a realização da juventude

Vimos que a juventude, definida como o direito a uma relação experimental com o presente,
carrega um potencial de renovação cultural da sociedade e que este potencial se condensa em certos
contextos institucionais podendo, ainda que sob a resistência ativa dos adultos, dar origem a
movimentos coletivos de juventude. Isso, todavia, não explica tudo. Falta um elemento
frequentemente omitido em debates sobre a questão da juventude, e que nos remete à questão
econômica. A juventude se define como um papel social relacionado à possibilidade de vivência
experimental com o presente na exata medida em que lhe é assegurado o direito à
desresponsabilização com o próprio sustento. Dito claramente: a possibilidade efetiva de usufruto
do direto à juventude está intimamente associado a uma certa condição de classe.
Quando, por força das circunstâncias, alguém é obrigado a engajar-se numa atividade
profissional, seja para sustentar-se, seja para garantir o sustento de um núcleo familiar pelo qual é
responsável, então não existe a possibilidade de uma vivência experimental com o presente, de
escolha, e de preparação para um papel futuro. As opções já estão dadas e a margem para inovação
cultural é muito pequena. Pois é exatamente o que acontece entre as famílias economicamente
menos privilegiadas – aspecto que em nosso país encontra-se indissociavelmente atrelado à questão
étnica ou racial. Nesses casos a experiência juvenil acaba restrita praticamente à entrada num
mercado de consumo tipicamente jovem que é particularmente voltado ao lazer e à moda e que
acaba tomado como válvula de escape de uma realidade massacrante. Na raiz desse fenômeno
encontra-se a divisão entre as classes e a exclusão social, inscritas como traços estruturais do
capitalismo.
No extremo oposto temos os filhos e filhas das famílias muito privilegiadas. Nestes casos a
condição juvenil é experimentada, frequentemente, em situações de completa dependência
econômica em relação à família. Essa dependência, inclusive, tem se alargado historicamente, na
medida em que se alonga o período necessário a preparação educacional para a disputa do mercado
no trabalho e o exercício de uma profissão especializada.
Essa situação de alargamento é produto de uma tendência, resultante da pressão – sobretudo
da classe média – de ampliação, para si, das oportunidades educacionais no capitalismo, tidas
erradamente, inclusive, como condição suficiente à diminuição das igualdades sociais (é a chamada
ideologia da ascensão social). O fato é que essa pressão, sob as restritas oportunidades de trabalho
oferecidas pelo sistema, fazendo massificar um dado nível de formação educacional, cria a
necessidade nível superior de formação como critério de recrutamento da força de trabalho. Esse
fenômeno de alargamento do tempo de escolarização (reforçado muitas vezes pela luta estudantil)
adia a entrada dos jovens de famílias privilegiadas no mercado de trabalho, reforçando uma situação
de dependência que se tem descrito como “adolescência tardia”.
Como o próprio conceito indica, essa situação de dependência econômica prolongada reduz
a margem de autonomia do jovem, incidindo inclusive sobre os processos de amadurecimento
psicológico que envolvem a elaboração da própria identidade. Não apenas pelos laços de
dependência emocional, que se reforçam nessa situação, mas também pelos mecanismos de controle
sobre o jovem que a família continua a dispor – inscritas na relação de dependência econômica –, e
que se traduzem na maior possibilidade desta em regular o uso do tempo livre do jovem,
canalizando suas energias em direção à realização do projeto que ela, a família, reserva para ele.
Mas devemos evitar uma abordagem “economicista” deste problema. A condição de classe
da família e as relações de manutenção que com ela estabelecem o jovem , na situação de
dependente, nem sempre leva à perda de autonomia. Existem aí fatores culturais a interferir na
equação e que são condicionados pela economia sem serem inteiramente determinados por ela.
Caso evidente é o dos pais das classes médias que, por diversas razões (mas sobretudo o trabalho),
confiam a educação dos filhos aos avós ou a trabalhadoras domésticas. Isso reforça nos país um
sentimento de culpa que inverte a equação: buscando compensar sua ausência se submetem aos
“caprichos” das crianças e jovens.
Isso favorece uma vivência experimental com o presente e, portando, a experiência da
juventude. Em alguns casos a situação de extremo privilégio podem, por um sentimento de culpa do
próprio jovem, em situações de engajamento político. Por outro lado, se faz acompanhar também de
uma espécie de “tirania” infantil e juvenil que, estendendo a adolescência por uma educação sem
limites, chega mesmo a determinar padrões de consumo familiares, reforçando uma atitude
individualista e de indiferença em relação aos problemas sociais.
O que isso tudo significa, em suma, é que as possibilidades de exercício efetivo da condição
jovem são restringidas por situações econômicas desfavoráveis. Enquanto no extremo oposto, as
condições econômicas para o efetivo exercício da condição juvenil estão dadas, mas mediadas
conforme o caso por fatores culturais. A dependência absoluta em relação à família, quando
estabelecida em contextos culturais menos liberados, reforçam mecanismos de controle por meio
dos quais a família se impõe como um elemento de resistência ativa à possibilidade de
experimentação e inovação cultural. Em contextos culturais liberados podem conduzir ao
engajamento reforçando um sentimento alimentado pelo jovem que é de culpa pelo privilégio. Mas
sob o sentimento de culpa dos pais em relação aos filhos por sua ausência, a dependência absoluta
pode resultar numa autonomia sem limites e um extremo individualismo que amorte o engajamento
coletivo.
Frente a isso, se poderia considerar que a situação econômica mais favorável ao pleno
exercício da condição juvenil, ao contrário do que se pensa, não se encontra apenas na dependência
absoluta do jovem em relação a família, quando estabelecida em contextos culturalmente liberados.
O mesmo ocorre com a situação de dependência relativa. O exercício de uma atividade profissional,
desde em que caráter parcial ou provisório, permite ao jovem dispor de recursos que pode investir
conforme o critério de suas próprias expectativas e desejos – isto, pressupondo que sua situação
econômica lhe permita, ao mesmo tempo, completar o necessário ao seu sustento –, reforçando a
autonomia em relação ao núcleo familiar; ao passo em que favorece o contato com contextos sociais
conflitivos capaz de reforçar e dar sentido à pratica do engajamento – isto é, desde que os pontos de
encontro juvenil existam e que neles o convívio e a interação sejam garantidos, agregando
socialmente os jovens.

Os socialistas e a juventude, a juventude e o socialismo

À luz dos elementos até aqui expostos, pode-se concluir o seguinte: o estágio particular da
vida que se define como juventude está associada a um conjunto de direitos e deveres. Na
modernidade capitalista, em poucas palavras, estes correspondem ao direito à vivência experimental
do presente, à busca por um lugar no mundo e à elaboração da própria identidade; mas que se
realiza sob a pressão de integração definitiva na sociedade, materializada na preparação escolar
como uma obrigação ou um dever.
Além disso, vimos que a possibilidade de experimentação, de definição da própria
identidade, e de busca por um papel na sociedade, se realiza num contexto material e cultural
concreto. Ou seja, existem certos fatores que condicionam ou determinam a possibilidade de
usufruto da condição juvenil e da conformação de sua capacidade de renovação cultural em
movimentos coletivos. A dependência econômica absoluta (em relação a família (quando
combinada a uma criação liberada e ao sentimento de culpa do jovem pelo próprio privilégio); e a
dependência relativa em relação a família estão entre os primeiros daquelas fatores. Eles permitem
ao jovem uma potencial margem de manobra em relação às pressões sociais e também o tempo livre
necessário à busca e à experimentação.
Mas essa experimentação não se realiza plenamente em escala individual. É no convívio e
na interação que os desejos, expectativas, frustrações e inseguranças são reelaborados coletivamente
e se materializam em movimentos de caráter político ou cultural, por exemplo. E para que isso
aconteça algumas condições culturais e institucionais devem ser garantidas além das econômicas: é
preciso que os jovens tenham a possibilidade de estabelecer seus pontos de encontro (liberdade que
pode sofrer restrições por fatores religiosos ou de gênero, por exemplo); e que estes pontos
comportem a possibilidade de integração (do contrário, o potencial de renovação cultural se
dissipa).
Frente a isso podemos, finalmente, estabelecer alguns nexos entre a condição juvenil e o
programa e estratégia socialistas. Antes de qualquer coisa, é preciso reconhecer que a opção por
potencializar a presença e a prática da juventude enquanto elemento culturalmente inovador
pressupõe uma opção ético-política por uma sociedade dinâmica, atravessada por pressões
renovadoras. A plena realização deste objetivo implica – e entendendo ser a condição de privação
econômica uma situação restritiva à vivência da juventude como momento de experimentação –
numa luta pelo fim das desigualdades sociais e, portanto, pelo aprofundamento do projeto socialista.
Ao mesmo tempo, introduz neste projeto um componente de instabilidade indispensável à sua
caracterização enquanto projeto radicalmente democrático de organização da vida coletiva. Afinal,
o socialismo não representa o fim dos conflitos humanos – parcial, mas agudamente manifestados
na experiência juvenil –, e sim uma maneira radicalmente democrática de equacioná-los.
Mas não é somente do ponto de vista do programa socialista que a juventude pode ocupar
um papel importante. Na própria estratégia de construção deste projeto a juventude pode ser
incorporada como elemento dinâmico. Neste caso, cabe aos socialistas lutar para que o potencial de
renovação cultural que se opera a partir do meio juvenil se realize, sob o capitalismo, no sentido de
consolidação de uma cultura participativa e humanista, marcada pelo respeito à diferença e pelo
intransigente combate à desigualdade e às opressões de toda ordem. Cabe aos socialistas, ao mesmo
tempo, lutar para que essas energias sejam aproveitadas nas lutas pelo alargamento das próprias
condições sociais e econômicas que condicionam os movimentos de renovação cultural da
sociedade.
Nessa tarefa, o papel que os partidos de esquerda podem e devem desempenhar junto à
juventude é verdadeiramente imprescindível. A brevidade e as turbulências que marcam a
juventude, e que respondem por sua capacidade de renovação cultural, ao mesmo tempo limita
politicamente este segmento da sociedade. Em outras palavras, isto significa que as ideologias
juvenis – entenda-se por ideologia uma visão de mundo não sistemática que se tem da realidade a
partir de um lugar social concreto – enfrentam enorme dificuldade de apreender o mundo e de nele,
assim, projetar-se estrategicamente – o que equivaleria a reconhecer a autonomia impossível da
práxis política juvenil.
Esta autonomia impossível dos movimentos juvenis, derivada de sua capacidade de projetar-
se politicamente em termos estratégicos, põe em evidência, sua maior suscetibilidade e mesmo
dependência à influência externa. Isso conduz, antes de qualquer coisa, ao reconhecimento dos
riscos de tutelagem e manipulação – riscos que se manifestam na sua especial sensibilidade aos
estímulos da mídia, sendo frequentemente manipulados pelas classes dominantes. Também em
função desta dependência externa, os movimentos de juventude manifestam – na forma de uma
crise muitas vezes interpretada como presente no meio juvenil, mas que corresponde nestes termos
à sua situação de normalidade – a incapacidade de organizações partidárias em refletir sobre os
limites e capacidades destes movimentos de juventude, imprimindo-lhes consequência estratégica.
Frente a isto, as tarefas impostas à esquerda relativamente à juventude poderiam ser
sintetizadas num duplo desafio: primeiro, o de reunir e organizar as energias disponíveis no meio
juvenil, procurando, a partir de uma análise da realidade, identificar os lugares e setores da
sociedade em que o seu potencial de renovação se manifesta sob condições mais favoráveis,
sobretudo em termos econômicos e sociais, potencializando-o e imprimindo-lhe consequência
estratégica (coisa que os movimentos juvenis são incapazes de realizar autonomamente).
Em segundo lugar, devem aproveitar as energias já dadas neste e noutros segmentos da
sociedade para alargar as condições existentes, onde quer que estas sejam restritivas à experiência
juvenil; tarefa esta que se desdobra em duas frentes: a luta por dentro do Estado, traduzindo as
mudanças necessárias, por exemplo, em políticas públicas voltadas ao segmento jovem; e também
na luta por fora do Estado, reunindo energias e exercendo pressões sem as quais nenhuma mudança
significativa no plano institucional pode efetivamente se realizar.
Trabalho de base com jovens, no rumo do socialismo2

Apresentação

O primeiro passo para avançarmos no debate sobre as possibilidades do trabalho de base


com a juventude consiste em entender a importância e a necessidade desse esforço.
Independentemente da orientação política que se possa assumir em termos de estratégia de
superação do capitalismo, uma coisa é certa: nada acontecerá sem uma correlação de forças mais
favorável à revolução.
Na prática, isso quer dizer que, num primeiro momento do processo de formação do
militante jovem, não importam as questões estratégicas de fundo, caras à militância já organizada –
tais como o debate sobre se o Estado tem de ser enfrentado e derrubado, se pode ser de alguma
maneira transformado por dentro ou se as reformas desempenham papel preponderante na
revolução, por exemplo. Um fator, entre outros, é imprescindível: vamos precisar de gente
suficiente do nosso lado para resistir e avançar no rumo das transformações sociais profundas.
A ideia do trabalho de base chama atenção para essas tarefas essenciais, apesar das
divergências estratégicas existentes entre as esquerdas, que são estimular o protagonismo político e
conquistar aqueles que são de direita ou não têm opinião formada, convencendo-os a contribuir de
modo protagonista – ainda que esporadicamente – para a construção de uma nova sociedade, na
qual a satisfação das necessidades da maioria seja o critério elementar de distribuição de riqueza e
poder – em outras palavras, uma sociedade socialista.

A quem se dirige o trabalho de base

O segundo aspecto sobre o qual devemos nos deter em relação ao trabalho de base é seu
exato significado. A ideia de fazer trabalho de base pode parecer simples, mas existem maneiras
distintas de entender seu conteúdo. Tais diferenças giram, basicamente, em torno da noção do termo
“base”.
Para muitos, “base” designa a base da pirâmide social das formações capitalistas, e portanto
entendem trabalho de base como articulação política que se empreende naquele amplo segmento da
sociedade que ganha a vida com o suor do próprio rosto. Para outros, designa genericamente
aqueles setores politicamente não organizados da sociedade, contrapostos de alguma forma às
noções de militantes ou dirigentes. Esta é a acepção que empregaremos neste artigo.

2
Versão revisada e ampliada de artigo originalmente publicado na revista Teoria e Debate (n. 104, set. 2012) sob o
título “O necessário trabalho de base com jovens”.
Nesse sentido, as condições efetivas para o exercício da experiência de ser jovem, ou pelo
menos as expectativas de alcançar essa possibilidade, incluem setores tanto materialmente
privilegiados quanto oprimidos na sociedade que podem e devem ser organizados, seja em
movimentos de juventude ou movimentos não especificamente juvenis, por outros setores que –
jovens ou não – acreditam na possibilidade e na necessidade da transformação social.

Tarefas do trabalho de base no meio juvenil

Definir os objetivos a partir de um processo contínuo de formação política de si mesmo

Na execução do trabalho, uma primeira questão a ter em mente é que tal esforço, por meio
do qual pretendemos estimular o protagonismo político de amplos setores da sociedade – da
juventude, inclusive –, consiste em uma característica central da sociedade radicalmente
democrática que queremos construir. Isso significa que, ao realizar o trabalho de base, realizamos
também parte de nossos objetivos maiores.
Mas não podemos perder de vista que nosso objetivo maior não se reduz a estimular o
debate e a participação. Nosso objetivo maior, para o qual o trabalho de base é também um meio,
coincide com o esforço para transformar a sociedade que temos e fazer vingar uma nova maneira de
organização da vida coletiva, na qual a satisfação de nossas necessidades e o desenvolvimento das
potencialidades humanas sejam o critério de distribuição de riqueza e poder. A questão é que pensar
nessa outra sociedade e no modo como chegaremos a ela implica avançar em um debate
controverso, que é de programa e estratégia.
É importante que o militante que realiza o trabalho de base, muito mais que aqueles aos
quais o trabalho se dirige, procure se informar continuamente sobre essas discussões controversas,
definindo para si um norte. Pois de nada adianta caminhar se não souber, mais ou menos, para onde
vai. Ao mesmo tempo, não se deve pensar que essa compreensão política mais aprofundada evolui
de modo linear ou virá somente do estudo ou do trabalho prático. A formação política é um
processo de idas e vindas no qual a teoria sistematiza e responde a elementos postos no nível da
prática. Prática e estudo devem, portanto, caminhar juntos.

Planejar a implantação do trabalho, aplicando os recursos de forma produtiva.

Outra questão a considerar no trabalho de base com jovens é avaliar os espaços onde pode
render mais frutos. Nossas forças são poucas ainda, então vamos aplicá-las de forma planejada e
produtiva, identificando os segmentos juvenis em que o tempo e o esforço despendidos podem gerar
mais movimento real e maior impacto na sociedade. Para isso, precisamos avaliar o modo como os
elementos econômicos, sociais e culturais da experiência juvenil se traduzem em estímulo ou
obstáculo ao engajamento.
A possibilidade de alguma autonomia financeira e advinda de uma atividade profissional
realizada em tempo parcial – permitindo algum tempo livre – são condições favoráveis ao
engajamento. Nesse contexto, por exemplo, o trabalho de base tem maiores chances de se
consolidar. Ao contrário, a falta de tempo por conta de longas e desgastantes jornadas de trabalho
ou a ausência de autonomia financeira, caso se dê em contextos de criação muito restritiva ou muito
liberada, são condições objetivas que podem dificultar o engajamento. Por outro lado, geram
sentimentos que podem ser canalizados para modalidades menos regulares de atuação, e o trabalho
de base pode dar consequência a isso.
A possibilidade de participação em grupos juvenis proporcionada pelo tempo livre é outra
condição que favorece o trabalho de base. No encontro com pares, o jovem reelabora suas
experiências e frustrações, consolida-as em práticas e valores compartilhados que podem assumir
um caráter progressista. Por outro lado, certos valores atrasados, reproduzidos inclusive no meio
familiar (machismo, racismo, homofobia e dogmatismo religioso, por exemplo), podem dificultar
essa participação. Mas também isso gera frustrações que podem e devem ser canalizadas
politicamente, mesmo em modalidades menos regulares de engajamento.

Potencializar as “tribos” juvenis, condição primeira ao engajamento

Outro aspecto a considerar na realização do trabalho de base no meio juvenil é a tendência


do jovem a estabelecer grupos de pares, bem como a importância dessa aglutinação para a
conformação de movimentos juvenis e para o processo de politização.
A juventude é um segmento que tenta encontrar e assumir um papel próprio na sociedade, já
que esse papel não lhe é reservado automaticamente, o que gera insegurança e ansiedade. Isso
provoca uma tendência à aglutinação na qual os jovens se agrupam em torno de afinidades. Formam
o que chamamos de “tribos” juvenis, buscando a legitimação social dos valores e práticas que estão
experimentando e vivenciando um processo de amadurecimento da própria personalidade numa
relação que é, também, de demarcação com o diferente.
Tal tendência à aglutinação e à afirmação distintiva, típica da sociabilidade juvenil na
modernidade e base dos movimentos de juventude, pode e deve ser aproveitada como impulso
inicial em trabalhos políticos organizados. Na prática, isso implica considerar aqueles elementos
inicialmente agregadores – de caráter estético, emocional, comportamental etc. – como
catalisadores de interesses e práticas que não são politizados desde um primeiro momento, mas
podem e devem servir de estágio inicial de politização, em um processo em que o diálogo e a
prática ocupam papel central.

Politizar as “tribos” juvenis a partir de uma atitude “dialógica” e prática

Não se pode esperar que os jovens, uma vez organizados em grupos, se politizem por conta
própria. A politização é um processo de alargamento da compreensão do mundo que ocorre em
determinadas condições. Entre essas, duas se destacam: a existência de expectativas e frustrações
em relação à vida e um espaço no qual elas possam ser reelaboradas (entram aqui a importância da
“tribo”, do diálogo e da ampliação do universo de experiências pessoais).
As tarefas do trabalho de base frente a isso são entender as frustrações e expectativas dos
jovens, traduzindo-as em valores e práticas progressistas, e perceber os valores e práticas
progressistas já existentes, reforçando-os e imprimindo-lhes consequência política. Nesse caso,
leituras aprofundadas nem sempre são uma boa opção como ponto de partida. Prefira o debate e o
estímulo a situações concretas que suscitam reflexões. Ambas as tarefas indicadas impõem o
desafio de entender que o jovem, não dispondo ainda das ferramentas para expressar-se
sistematicamente, manifesta seus valores, expectativas e frustrações de maneira que um militante
“bitolado” pode acabar não compreendendo.
Vejamos alguns exemplos. Uma jovem pode se identificar com uma personagem de novela
que foi vítima de machismo. Esse reconhecimento pode legitimar uma indignação represada por
vergonha antes mesmo que a jovem possa conceituar teoricamente aquele ato odioso como
“machismo”. Nesse caso, uma visão progressista do mundo se manifestou por meio de produtos da
indústria cultural, que é a ferramenta de que a jovem dispõe para despertar e expressar suas aflições.
Outro exemplo: o estudante que entra na faculdade, ao frustrar-se com a formação, reivindicará uma
reforma do currículo por motivos que são, primeiro, de melhor inserção no mercado de trabalho –
coisa que pode coincidir com uma visão conservadora quanto à formação acadêmica. Uma reflexão
mais abrangente só aparecerá com o aprofundamento do debate e da participação.
A politização é um processo que começa, necessariamente, em bases e linguagens
despolitizadas – por meio, por exemplo, da apropriação de elementos da indústria cultural ou da
expectativa frustrada de ingresso no mercado de trabalho, motivado pelo desejo de autonomia. Ao
mesmo tempo, enquanto processo, mostra que essas manifestações expressam um certo nível de
entendimento do mundo, uma experiência e uma linguagem que o militante precisa dominar se
quiser entender e organizar politicamente a juventude, além de se fazer entender por ela também.

Os limites do trabalho de base


A autonomia impossível dos movimentos de juventude

Frente a tudo o que foi colocado até aqui, uma primeira dificuldade se impõe: os jovens
dispõem das condições materiais e subjetivas necessárias à compreensão da sua situação social? E
mais: dispõem eles de condições, mesmo com o apoio do trabalho de base, para planejar e executar
ações coordenadas em larga escala? A resposta a essas questões, deixadas o jovem à sua própria
sorte em praticas que são estritamente juvenis, é não.
As razões são várias, a começar pelo fato de a condição juvenil corresponder a um momento
de amadurecimento que é também de ordem psicológica. Isso dificulta muito a projeção e a
compreensão de si mesmo num contexto social mais amplo. Além disso, o jovem encontra-se
submetido a pressões de diversas ordens (na família, no trabalho ou na escola), o que não lhe
permite concentrar-se no esforço por compreender o mundo, e se compreender nele também. Por
fim, vale lembrar que a condição juvenil é transitória. Essa transitoriedade está diretamente
relacionada com seu potencial político, mas é também uma de suas maiores limitações: os jovens
não dispõem do tempo de experiência necessário para compreender-se no contexto em que se
inserem de maneira aprofundada.
Por conta disso, os movimentos juvenis são particularmente suscetíveis à manipulação e à
tutelagem por agentes externos, sobretudo dos meios de comunicação de massa e da indústria
cultural. O que nos impõe um duplo desafio: habilidade para empregar instrumentos como a mídia e
a indústria cultural para precipitar movimentos coletivos de caráter progressista e o reconhecimento
do papel indispensável que instrumentos externos aos movimentos juvenis, como os partidos
políticos, desempenham em sua viabilização como movimentos transformadores.

A estigmatização dos partidos políticos na sociedade

Os partidos políticos são ferramentas muito desacreditadas e estigmatizadas na sociedade. O


meio juvenil, como é de se esperar, assimila em maior ou menor medida essa compreensão. Os
partidos políticos são geralmente associados àquilo que a política tem de pior (troca de favores,
personalismo, carreirismo etc.). Tais impressões negativas, algumas vezes, aparecem associadas
ainda à ideia de que os partidos – nesse caso, os de esquerda – são movimentos extremistas e pouco
democráticos, afeitos à manipulação de uma “massa de manobra” desinformada de seus reais e
ocultos interesses.
Nessa aversão há um tanto de verdade e – no caso dos partidos de esquerda – também muito
de desinformação e exagero (em parte, difundidos pela grande mídia). Essa situação torna premente
a tarefa de resgatar a definição e o papel dos partidos: nada mais são que um programa globalmente
articulado de sociedade, materializado numa máquina organizativa – o que significa que são mais
do que uma organização que começa com “p” e participa de eleições. O problema é que o que
temos hoje, muitas vezes, são máquinas sem programa, ou programas que não são projetos de
sociedade, e sim objetivos pequenos que visam somente à reprodução da própria máquina (algumas
vezes disfarçados em roupagens revolucionárias).
Nosso problema, desse ponto de vista, não são os partidos. Mas a falta de um ponto de vista
e de uma prática genuinamente partidários. Tais elementos são absolutamente indispensáveis para
sustentar um trabalho de base que possa projetar estrategicamente, no rumo de transformações
profundas, a energia dos movimentos juvenis (incluindo-se a articulação destes com outros
movimentos sociais, bem como a ligação de suas lutas específicas com as lutas gerais), já que essa é
uma tarefa que tais movimentos não têm condições de desempenhar autonomamente.

Os desvios da prática militante

A militância organizada é muito importante. Mas é bom estar alerta para uma série de
desvios em que podemos frequentemente incorrer. O primeiro deles é o isolamento social. Quem
milita em grupos organizados tende a restringir suas relações a esse círculo limitado de contatos já
politizados. Certas formas de organização partidária chegam a estimular isso intensamente. Isso
“fecha” a organização e impede o militante de estar em contato com um contingente maior de
jovens e de compreender suas expectativas e frustrações, provocando assim um descolamento do
discurso político em relação à experiência das pessoas, que acabam se afastando.
Outro desvio nos remete à relação entre base e liderança. Só se torna liderança quem admite
a própria limitação, criando as condições para crescer politicamente. Quem se julga liderança
formada, não evolui. E ofusca o protagonismo de todo um grupo, sentindo-se ameaçado pelo
crescimento dos outros. Mas a atitude oposta a essa consiste num outro erro que devemos
igualmente evitar: o democratismo. Repartir o poder e delegar responsabilidades é importante, pois
amplia o universo de experiência das pessoas e suscita reflexões. Mas, numa sociedade desigual
como a nossa, não podemos antecipar completamente as formas de organização radicalmente
democráticas que queremos construir no futuro.
A liderança, devendo existir, é um ponto de apoio e de referência para aqueles que desejam
se engajar e se informar mais, mas não dispõem de condições para isso em função das
desigualdades que queremos combater ou não estão se propondo a fazer da militância uma atividade
central em sua vida. O papel da liderança é atender a essas necessidades e limitações, promovendo o
protagonismo e repartindo responsabilidades sempre que as condições para isso estiverem dadas.
Saiba mais

ABRAMO, Helena W. Cenas Juvenis: Punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta,
1996.

BOFF, Clodovis. Como trabalhar com o povo: metodologia do trabalho popular. Petrópolis: Vozes,
1986.

COUTINHO, Carlos Nelson. “O partido como ‘intelectual coletivo’”. In: ______. Gramsci: um
Estudo sobre Seu Pensamento Político. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 165-
180.

MENEGOZZO, Carlos Henrique M. “Juventude e socialismo: questões fundamentais”. São Paulo:


Fundação Perseu Abramo, 2012. Acesso em 22 ago. 2012.

PAPA, Fernanda; JORGE, Flávio; MORAES, Rafael (Orgs.). Juventude em formação: textos de
uma experiência petista. Fundação Friedrich Ebert, 2008.

PELOSO, Ranulfo (Org.). Trabalho de Base: seleção de roteiros organizados pelo Cepis. São Paulo:
Editora Expressão Popular, 2012.
Educação e luta estudantil em perspectiva estratégica3

Gabriela Moncau (Caros Amigos) – Quais os principais avanços da direita brasileira no


ensino? Qual o interesse político, social e econômico que há por trás?
Carlos Henrique M. Menegozzo – Este avanço é algo que se pode verificar de um modo geral a
partir de uma análise das relações existentes entre educação e capitalismo. Antes de qualquer coisa,
o ensino é treinamento e qualificação da força de trabalho, enquanto a pesquisa consiste num
instrumento de desenvolvimento técnico-científico. Sendo estes fatores imprescindíveis ao
investimento capitalista, obviamente haverá uma pressão da burguesia pela adequação dos
currículos e da pesquisa aos seus interesses. Mas o ensino superior foi durante anos um
investimento arriscado, de retorno incerto. Por essa razão, foi delegado ao Estado, que assim
proporcionava as condições gerais necessárias à produção capitalista. Fato, aliás, notório no que se
refere à instalação da infraestrutura básica do país. A privatização do ensino, que veio depois,
expressa, portanto, apenas uma parcela (talvez a mais evidente hoje) dos interesses da classe
proprietária em relação à educação.

O crescimento de universidades pagas em todo o Brasil está contribuindo para um suposto


declínio na qualidade da educação brasileira?
Penso que sim. Mas o problema vai além. A ampliação da rede privada se acelera a partir dos anos
1970. Nesse período o capitalismo viveu uma crise, provocada pela saturação do investimento nas
áreas onde se encontrava estabelecido, o que exigiu que se expandisse, por exemplo, sobre o setor
de serviços públicos. A partir daí, o ensino e a pesquisa passaram não apenas a atender as condições
gerais do sistema enquanto instrumento de treinamento e qualificação para o trabalho e de
desenvolvimento técnico-científico, mas passaram à condição, eles mesmos, de investimento
capitalista. No longo prazo, esse movimento implicou não apenas no estrangulamento financeiro
das instituições públicas como estratégia de privatização e na tecnicização geral dos currículos,
levando à queda da qualidade, como também a um processo de reorganização interna das
instituições superiores que afetou os movimentos de resistência articulados nas universidades.

O que é e o que você acha da Reforma Universitária? Quais os impactos dela nas
universidades públicas? E nas pagas?

3
Entrevista inédita concedida a Gabriela Moncau e utilizada como subsídio à matéria “O processo de privatização da
educação continua a todo vapor”, publicada na revista Caros Amigos, edição especial intitulada “A direita continua
forte, ataca e morde” (a. 14, n. 49, abr. 2010).
Apesar da importância de se analisar a ação do governo Lula, insisto num olhar de longo prazo, que
às vezes se perde nas lutas do dia-a-dia. Desde a reforma de 1968, que definiu o ensino superior tal
como hoje o conhecemos, se consolidaram certas tendências fortemente fragmentárias:
deslocamento dos campi às periferias, retirando a centralidade que assumia a política universitária
no contexto urbano; diversificação institucional, com a ampliação das instituições privadas e
confessionais, que se apresentam ainda como faculdades integradas, centros universitários, entre
outras configurações; desagregação interna das instituições, antes articuladas em torno das
Faculdades de Filosofia, o que criou feudos espaciais e acadêmicos; e implantação da matrícula por
créditos, o que diluiu a unidade básica de sociabilidade estudantil, a turma. Tais tendências, que em
parte atendem a necessidades de investimento privado no setor, alteraram as condições sobre as
quais a política acontece no âmbito da educação superior nestes últimos 40 anos.

De que modo estas mudanças têm interferido no movimento estudantil? Que outras mudanças
afetaram o movimento desde o fim da ditadura militar?
A ação estudantil é condicionada por uma série de fatores. Mas a verdade é que, para além do
conteúdo das reivindicações (determinado, entre outros fatores, pela condição de classe do
estudante) o movimento assume uma dada forma, determinada principalmente pelo modo como a
universidade se organiza internamente. A fragmentação intensificada a partir de 1968 dificulta o
compartilhamento de experiências que dá base às identidades coletivas e aos movimentos de massa,
impedindo que o movimento estudantil se expresse de forma mais homogênea e a articulada. Nos
anos 1970 esta situação já se impunha, mas a polarização do cenário político permitiu que o
movimento se unificasse apesar disso. A existência de condições objetivas que dificultam a
identificação coletiva, combinada à complexificação do espectro ideológico devido ao fim da
ditadura, compõe o cenário de fundo sobre o qual se desenrola a crise do movimento no período
posterior aos anos 1970. Um cenário, aliás, que se estende até os dias de hoje.

Supondo correta essa análise, como se poderia explicar as ocupações de reitorias nas
universidades nos últimos anos?
Muitos têm visto as ocupações como um fato histórico novo. Ouve-se falar de um “novo
movimento estudantil” e mesmo de uma retomada de 1968. A verdade é que as ocupações não
escapam ao padrão dos últimos 30 anos, onde uma aparente desmobilização estudantil é pontuada
por ações explosivas e efêmeras que surpreendem as lideranças. A razão disso é que tais ações
resultam da confluência circunstancial de interesses discrepantes presentes no meio estudantil,
resultantes justamente daquelas tendências fragmentárias as quais me referi anteriormente. O
movimento estudantil, em função de sua alta rotatividade, carece da memória histórica necessária à
percepção desse padrão e, portanto, à correta análise do quadro atual. E é exatamente nesse vácuo
que florescem as visões simplistas, tais como as apegadas ao mito de 1968 e as que atribuem a atual
crise do movimento à presença dos partidos, à traição das direções, ou ao desinteresse do estudante
pela política.

A que você atribui o refluxo dos movimentos estudantil, de professores e funcionários no


período posterior ao das ocupações?
Pelas razões que expus anteriormente, penso que o refluxo se deve mais a elementos estruturais que
conjunturais. O fato de as lideranças estudantis e os partidos serem pegos de surpresa no momento
de eclosão de manifestações como as de ocupação de reitorias é uma prova de que desconhecem as
condições sobre as quais esses movimentos acontecem efetivamente. Natural, portanto, que não
tenham condições de conduzir o movimento a outro desfecho senão o do refluxo. Isto faz do refluxo
– um processo natural e mesmo inevitável nos ciclos dos movimentos de massa – um revés político,
ou seja, um agudo desencontro entre aquilo que pensam as lideranças e partidos e o rumo concreto
dos acontecimentos. Acontecimentos estes que têm sido condicionados, repito, pelas profundas
transformações vividas pelo movimento e pela universidade desde 1968.

Como a esquerda que trava a luta no âmbito da educação tem se portado frente a isso?
Como já afirmei noutras oportunidades, a esquerda não tem cumprido o seu papel, que é o de ajudar
os movimentos a se pensar no quadro geral. Tomado isoladamente o movimento estudantil está
amarrado, pois não tem força suficiente para transformar a realidade que condiciona sua própria
fragilidade. Isso não quer dizer que as lutas pontuais não sejam importantes. Quer dizer que,
paralelamente, deve-se cuidar da relação com os demais setores da sociedade, o que nos remete à
necessidade de um projeto político globalmente articulado. Mas os movimentos se definem pelo seu
viés corporativo, respondendo aos anseios de um segmento da sociedade. A responsabilidade pela
definição desse projeto, portanto, não é do movimento, mas dos partidos, no caso, os de esquerda.
Nesses termos, se a superação dos desafios que se impõem ao movimento depende da elaboração de
um projeto globalmente articulado, e se esse projeto hoje inexiste, então não se trata de uma crise
do movimento, mas de uma crise da esquerda.

Quais os rumos da educação no Brasil?


Penso que estão sujeitos às oscilações da correlação geral de forças. Na medida em que crescem as
forças transformadoras na sociedade, crescem também as chances de que mudanças aconteçam no
âmbito educacional. O desafio central é o de entender o funcionamento do capitalismo. Isso
permitirá identificar a energia social resultante da dinâmica intrinsecamente contraditória do
sistema e organizá-la num projeto globalmente articulado, estruturado em torno de um eixo
estratégico. Quanto mais próximo estiver aquele eixo do elo fraco da cadeia de relações de
dominação, mais eficiente será uma ofensiva contra-hegemônica. E quanto mais articuladas a esse
eixo estiverem as lutas específicas dos movimentos, inclusive o estudantil, maior será sua
contribuição à luta geral. A questão que se impõe, portanto, é a seguinte: o que impede as esquerdas
de realizar esta tarefa? Da resposta a esta questão dependem, acredito, os rumos da educação e do
movimento estudantil em nosso país.

De que modo se poderia avançar nessa direção?


Estudos sobre consciência política mostram que a existência de uma impossibilidade geral a se
enfrentar constitui uma das condições para a elevação das visões mais corporativas às mais
abrangentes. E esta elevação corresponde à base sobre a qual se constroem as ações unificadas de
categorias e classes sociais. A relativa invisibilidade da direita na sociedade, reforçada por fatores
como a fragmentação da sociabilidade, a complexificação do cenário político pós-ditadura e a
blindagem proporcionada pela mídia corporativa, correspondem a alguns dos tantos obstáculos que
se impõe hoje à ação transformadora, incidindo sobre a correlação de forças. Nesse contexto,
identificar e analisar a direita de uma forma geral contribui não apenas para a construção de uma
identidade geral transformadora, como também para uma compreensão dos mecanismos pelos quais
a complexa cadeia de relações que reproduz capitalismo se mantém. Esforço este imprescindível à
identificação do elo fraco dessa cadeia e, portanto, à definição do eixo estratégico de um projeto
político alternativo ao capitalismo.
Estudantes, revolução e questão educacional4

Os estudantes no processo revolucionário: um tema em aberto

Em 2013, o Brasil foi varrido por onda de manifestações. Nela, conforme revelam pesquisas,
foi massiva a presença dos estudantes. Em pesquisa Ibope realizada em meados de junho, 52% dos
manifestantes declarou ser estudante. Pesquisa DataFolha, realizada na Av. Paulista no mesmo
período, chegou a apontar 70% de manifestantes naquela condição. Que esta participação não
encontre no movimento estudantil um canal de expressão é fato que tem sido pouco mencionado
nos debates sobre os protestos; sendo ainda mal compreendido não apenas pelas esquerdas, mas
também pela sociologia. Pois essa é apenas a ponta do iceberg da situação atual de
desconhecimento da esquerda quanto às reais condições de engajamento e potencial estratégico das
lutas estudantis. Este artigo pretende contribuir para o desafio de enfrentarmos este problema.
Retrocedendo para além das manifestações recentes, constamos que há muito refletem os
marxistas sobre o papel dos estudantes na revolução socialista. E que nessa reflexão se encontram
ao menos duas certezas: não há consenso sobre o tema; e as divergências se manifestam em
posições extremadas, contemplando dois aspectos principais. O primeiro refere-se à relação do
estudante com a educação, e desta com a infraestrutura da sociedade, a partir da qual se poderia
determinar a potência transformadora do estudante quanto sua incidência sobre a superestrutura. O
segundo refere-se às situações de classe associadas à condição estudantil, a partir das quais se
poderia compreender sua disposição à mudança educacional, além de sua disponibilidade objetiva
ao engajamento e incidência direta sobre a infraestrutura da sociedade.
No presente ensaio, empreendemos uma investigação preliminar do problema colocado,
considerando sua dimensão educacional. Em outras palavras, tentaremos determinar a centralidade
da condição estudantil relativamente aos processos de mudança no capitalismo, do ponto de vista de
sua incidência sobre o aparelho educacional – ou seja, sobre a esfera da superestrutura. Para isso,
será preciso: 1) abordar brevemente o entendimento existente no marxismo sobre a relação entre
infra e superestrutura, considerando as implicações estratégicas desta relação; 2) identificar os
papéis atribuídos à educação em processos de reprodução e mudança social; 3) para em seguida,
refletir sobre o lugar do estudante naquela atividade. Uma abordagem ampla do problema exigiria
investigar a dimensão de classe daquela condição e as implicações estratégicas disso – tema que
reservamos a estudo futuro.

4
Versão revisada de artigo originalmente publicado no portal Página 13 (19 ago. 2013).
Dinâmicas da mudança social e caracterização dos seus agentes fundamentais

Sobre o primeiro ponto, referente à relação entre infraestrutura da sociedade e sua


superestrutura, partimos do ponto de vista segundo o qual existe uma relação de condicionamento
recíproco entre ambas, determinada em última instância pela infraestrutura. Marx reflete sobre essa
relação, por exemplo, em célebre passagem do Prefácio da Contribuição à Crítica da Economia
Política (C.f. Marx, 1982). Esta proposição implica não numa visão ingênua de que tudo tem causa
ou motivação econômica; mas na compreensão de que as ideias só podem existir num campo
prático-objetivo cuja configuração é dada primeiramente pelas atividades de produção das
necessidades básicas da sociedade (sem a qual não existiria a possibilidade de um traço cultural
qualquer). Tais relações conformam a infraestrutura de uma dada formação social, condiciona as
possibilidades de desenvolvimento da superestrutura que sobre ela se ergue, podendo incidir sobre a
base que primeiramente a condicionou.
Outro aspecto a considerar diz respeito à caracterização dos agentes dessa mudança. No
marxismo não se trata apenas de interpretar a realidade, mas de transformá-la, numa combinação de
análise científica com um projeto de poder identificado com os trabalhadores. Essa opção de classe
não é apenas ética, mas também uma necessidade estratégica: são os trabalhadores os produtores da
riqueza que lhes é usurpada, ocupando a posição de uma das classes fundamentais no âmbito das
relações que em última instância condicionam o desenvolvimento das sociedades capitalistas. A
centralidade dos trabalhadores à revolução, assim, é uma contrapartida estratégica daquela
determinação em última instância: sem mudança à esquerda na infraestrutura, que em última
instância somente os trabalhadores são capazes de provocar, as condições objetivas para as
mudanças culturais que almejamos podem, simplesmente, inexistir.

O papel do processo educacional na mudança social

Esse quadro geral nos permite agora refletir sobre o papel do aparelho educacional na
reprodução e transformação da sociedade. Uma primeira concepção sobre o tema poderia ser
caracterizada como “não crítica”, pois minimiza o condicionamento econômico da educação,
atribuindo-a uma autonomia que sobrevaloriza seu papel transformador. Consiste de uma visão
típica das concepções burguesas de educação; embora seja bastante influente em setores médios,
mesmo progressistas. Tal concepção considera a mudança educacional não apenas como necessária,
mas suficiente à melhoria das condições de vida e trabalho das maiorias. Exemplo dessa leitura
reside no reforço de expectativas de ascensão social entre as classes médias e estratos superiores da
classe trabalhadora por meio da educação – o que, desligado de mudanças econômicas profundas,
acaba por reforçar os mecanismos de sustentação ideológica do próprio capitalismo (Saviani, 2003a,
p. 5-15; Saes, 2004).
No extremo oposto, localizam-se abordagens que, não obstante serem “críticas” por
reconhecerem o condicionamento econômico da educação, negam-lhe autonomia, mesmo relativa,
diante das bases econômicas que a condiciona, conduzindo a uma visão que minimiza o papel da
educação na mudança social. Tal concepção encontra-se formulada em diversas contribuições, tais
como as de Althusser (1982), Bourdieu e Passeron (1975), e Bowles e Gintis (1976). Na prática, a
educação nesta visão desempenha o papel de disciplinamento e capacitação da força de trabalho,
reproduzindo ideologicamente e economicamente as desigualdades. Pouca ou nenhuma seria a
margem a uma iniciativa contra-hegemônica operada desde dentro do aparelho educacional;
restando concentrar-se nas mudanças na infraestrutura da sociedade por outras vias, as quais
possibilitariam uma posterior mudança nas relações de poder materializadas no Estado e, depois
disso, a transformação educacional (Saviani, 2003a, p. 15-29).
Uma terceira posição poderia ser considerada também como “critica”, mas atenta às
determinações da superestrutura sobre a base econômica que a condiciona, entendendo ser a
educação um fator de mudança mediada: não muda diretamente a economia, mas as consciências e
práticas dos agentes que podem transformá-la (Saviani 2003a e 2003b). Afinada à nossa proposição
inicial quanto à relação entre infraestrutura e superestrutura, esta concepção encontra em Saviani,
no caso do Brasil, uma referência inequívoca (Silva Jr., 1994). Deste ponto de vista, em termos
práticos, a educação, ainda que condicionada economicamente, encontra-se sujeita a mudanças
parciais que, dentro das condições existentes, pode contribuir para alargar a consciência dos agentes
fundamentais de mudança. Desta concepção partimos aqui. E dela, depreende-se uma outra questão:
podem os estudantes, desde sua localização específica, operar mudanças no aparelho educacional,
mudando assim a sociedade?

Centralidade da práxis estudantil relativamente ao aparelho educacional

Existe relativo consenso entre marxistas quanto à caracterização da educação como uma
modalidade de trabalho não-material. Neste sentido, ela consiste na produção da própria condição
de humanidade, que não é dada naturalmente por nossa constituição psicofísica, em cada indivíduo
particular. Além disso, desta condição de trabalho não material, a educação pode se desenvolver de
maneira informal ou formal. No primeiro caso, ela encontra-se difundida por todo o tecido social,
acontecendo concomitantemente às atividades de subsistência, por exemplo. Quando formalizada –
o que ocorre senão sob condições materiais específicas, as quais nos recordam da determinação
econômica em última instância também da atividade educacional – ganha materialidade
institucional na forma do aparelho educacional e de papéis socialmente especializados nas
atividades de ensino-aprendizagem, dentre as quais a própria condição estudantil (Saviani, 2003b).
Não existe consenso, todavia, sobre o lugar que ocupa o estudante neste processo. Para
alguns, dentre os quais se inclui Saviani, o produto do trabalho educacional é a aula, que não se
separa de seu produtor, o professor, atuando o estudante como consumidor daquele produto
(Saviani, 2003b). Nesta equação, o estudante ocupa posição marginal relativamente à atividade
educacional, o que sugere ser pequena a potência de que dispõem para transformá-la. Isso, todavia,
não implica em anular seu potencial transformador, mas em relativizá-la quanto à incidência sobre
as consciências de sujeitos fundamentais de transformações por meio de mudanças no aparelho
educacional. Nestas leituras o estudante pode persistir como “vanguarda ideológica” de mudanças
não-educacionais, e mesmo como meio privilegiado ao recrutamento de quadros revolucionários
profissionais, muito embora em geral se minimize, com isso, as implicações políticas da condição
de classe privilegiada que, geralmente, aquela condição pressupõe. Incluem-se aí as contribuições
de Chasin (1961 e 1962), Ianni (1968) e Marini (1970), entre outros.
Para outros, todavia, o produto daquela atividade educacional é a força de trabalho
potenciada, atuando o estudante enquanto coprodutor de sua própria valorização. Nesta concepção,
que aparece desenvolvida em contribuições como, por exemplo, as de Baldino (1996), Ovetz (1996)
e Paro (2003), a potência transformadora inscrita na condição estudantil parece relativamente maior.
Neste caso, desde a peculiar posição de uma mercadoria que trabalha sobre si mesma, teria o
estudante condições mais eficazes de incidir e transformar a atividade educacional, atuando como
agente efetivo de mudança social mediada. Acrescente-se a isso a ideia de que sob o neoliberalismo,
que avança como solução à crise do capitalismo instalada nos anos 1970, a educação passa a ser, ela
mesma, desenvolvida como atividade empresarial (Silva Jr. e Sguissardi, 2001; Enguita, 1993) – o
que vem a reforçar a centralidade estrutural da práxis estudantil, muito embora este seja um tema
sujeito ainda a maiores investigações mesmo no plano acadêmico (Ovetz, 1996).

Considerações finais, mas não conclusivas

Considerando o exposto aqui, pode-se concluir que existe sim a possibilidade de


considerarmos o estudante, tomado desde sua localização social específica, enquanto agente efetivo
de mudança social profunda, ainda que mediada pelo aparelho educacional – muito embora não
pareça ser esta uma posição de consenso mesmo entre os marxistas. Além das controvérsias,
existem problemas pouco investigados ainda. Sobretudo no que se refere ao impacto que teria
provocado a mercantilização do ensino sobre a posição estrutural da práxis estudantil (teria a
deslocado da superestrutura à infraestrutura, potencializando seu impacto estrutural?).
Além disso, existem aspectos de classe relacionados à condição estudantil para são
necessários considerar tendo em vista uma avaliação mais abrangente de seu potencial
transformador, seja quanto à disposição de transformação do próprio aparelho educacional, seja
quanto à direta incidência sobre a infraestrutura da sociedade. Estas são questões fundamentais; mas
que deixo em aberto, reservando-as a estudo posterior.

Referências

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Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alvez Editora, 1975.

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de Janeiro, n. 39, p. 139-152, 1962.

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IANNI, O. “O Jovem Radical”. In: BRITTO, S. Sociologia da Juventude: da Europa de Marx à


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OVETZ, Robert Frank. Entrepreneurialization, resistance and the crisis of the universities: a case
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PARO, Vitor Henrique (Org.). A teoria do valor em Marx e a educação. São Paulo: Cortex, 2006.

SAES, Décio. “Educação e socialismo”. Crítica Marxista, n. 18, mai. 2004, p. 73-83.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 36 ed. rev. ampl. Campinas: Autores Associados,
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SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2003b.

SILVA JUNIOR, Celestino Alves da (Org.). Dermeval Saviano e a educação brasileira: o Simpósio
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Brasil: reforma do Estado e mudanças na produção. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Cortez; Bragança
Paulista: Universidade São Fransisco, 2001.
Determinações de classe da práxis estudantil5

Introdução

Os protestos de junho de 2013 marcaram uma virada de ciclo político no país e o momento
atual é de relativa ascensão das lutas populares. A juventude vem desempenhando papel importante
nesse processo – um papel que os analistas têm tido dificuldade em interpretar. Exemplo disso
encontra-se em pesquisas realizadas durante as manifestações em diversas capitais. Nas ruas, 52%
dos manifestantes declararam ser estudantes (Ibope), enquanto em São Paulo a proporção chegou
aos 70% (Datafolha). Esse dado parece paradoxal se considerado à luz da crise que muitos analistas
acreditam acometer o movimento estudantil há décadas, que é interpretada como um desinteresse do
estudante pela política, reforçado com a baixa adesão ao movimento por parte dos setores da classe
trabalhadora que tem alcançado o ensino superior (Pochmann, 2014).
Esse aparente paradoxo revela a fragilidade das leituras correntes sobre a experiência de
engajamento estudantil no Brasil, o que prejudica uma adequada resposta a questões que vão
adquirindo maior importância na nova conjuntura. Por exemplo, que contribuição pode dar o
movimento estudantil neste novo ciclo em termos de potência de transformação social? Ou: pode
ser ele um canal de manifestação da “nova classe trabalhadora”, que chega às universidades em
maior número, e tem sido um ator decisivo neste novo momento político? A adequada abordagem
dessas questões envolve a consideração de uma variável rara ou insuficientemente tratada nos
estudos dedicados ao movimento estudantil: sua composição e seu conteúdo de classe.

Classes sociais: definições gerais sobre um tema controverso

O tema das classes sociais envolve muita polêmica (Bobbio, 1998; Bottomore, 1997). Não é
nosso objetivo abordá-las em profundidade, mas apenas buscar definições gerais que nos serão
úteis. Em primeiro lugar, é preciso estabelecer um critério para nossa definição de classe social.
Adotamos aqui o critério da posse de propriedade, o qual permite reconhecer desigualdades sociais
fundamentais que condicionam profundamente as experiências e dinâmicas de grupos sociais e
ajudam a dimensionar sua potência transformadora, proporcional à sua incidência sobre as relações
de produção – determinantes aos demais aspectos da sociedade. São proprietários os que detêm os
meios de produção, trabalhadores os que vendem aos proprietários sua força de trabalho como

5
Versão revisada e ampliada de artigo originalmente publicado na revista Teoria e Debate (n. 121, fev. 2014) sob o
título “Nova classe trabalhadora e o movimento estudantil”.
condição de sustento, enquanto entre ambos se localizam as classes médias, que incluem setores
como pequenos proprietários e antigos profissionais liberais (Pomar, 2013).
Adicionalmente, não se pode negligenciar o fato de que é constitutiva do capitalismo a
separação entre a esfera da economia e a da política, conduzindo a uma igualdade político-jurídica
formalmente estabelecida sobre desigualdades econômicas reais que não chegam a ser
juridicamente reconhecidas ou justificadas. Isso reforça a descontinuidade entre a localização
objetiva de classe (“classe em si”, definida em relação à posse de propriedade) e seu
reconhecimento como comunidade de interesses correspondentes a essa localização (“classe para
si”). É na política que esse reconhecimento pode ou não acontecer, daí a importância de
considerarmos aspectos como as faixas de renda ou o acesso à educação superior: eles estabelecem
grupos cujos critérios de estratificação não se reduzem aos critérios de classe, mas que manifestam
de modo mais imediato conflitos de interesses profundos, inclusive os relacionados à condição de
classe.

Caracterização de classe da população estudantil universitária no Brasil

Tais considerações nos ajudam a entender a relação entre as noções de “classe social” e
“estudante”. A primeira pergunta a fazer é a seguinte: a condição de estudante é uma condição de
classe? Afinal, não seria o papel do estudante equiparável ao de uma profissão, ou seja, de alguém
que trabalha? Em termos mais elaborados: na condição de integrante da força de trabalho em
processo de preparação ou de capacitação, e pressupondo seu papel de copartícipe desse processo
formativo, não seria a situação do estudante a de um trabalhador que trabalha sobre si mesmo
(visando à valorização de sua própria força de trabalho) e, portanto, uma condição equiparável à da
classe trabalhadora?
Essa equiparação seria possível, caso o rendimento necessário ao seu sustento proviesse de
um salário estudantil, correspondente ao reconhecimento social do trabalho que o estudante de fato
exerce sobre si mesmo (Saes, 1978; Ovetz, 1996). Não é esse o caso em nosso país, todavia. Diante
da inexistência de uma tal remuneração, a condição de classe do estudante é determinada pelas
relações que o mantêm: se trabalha, sua classe será determinada por sua posição no mercado de
trabalho; se depende da família, sua classe corresponderá à da família de que depende para
sustentar-se (Foracchi, 1965; Saes, 1978)6.

6
Vale destacar que existem visões alternativas sobre essa questão. Segundo Baldino (1998), por exemplo, a condição
do estudante é ambígua, podendo ser interpretada, em termos de classe, como simultaneamente de trabalhador e de
proprietário. Seria trabalhador, pois trabalha sobre si mesmo, potencializando e qualificando sua condição de força de
trabalho. A condição de proprietário adviria de uma interpretação do autor quanto à natureza da própria força de
trabalho (entendida como fator de produção) ser possuída pelo estudante a partir da graduação. Nesse caso, ao valorizar-
Nesses termos, a condição estudantil não se define como uma “classe social”, mas uma
“categoria social”, podendo reunir num mesmo grupo social setores de muitas classes, que se
encontram “estratificados” pelo critério do acesso à educação formal, ou seja, identificados
objetivamente pelo pertencimento a uma instituição de ensino por meio de relação formalizada com
o ato da matrícula. Isso significa que, na ausência de um salário estudantil, não é na própria
condição estudantil que encontramos elementos para sua caracterização de classe, mas no grau de
abertura do sistema de ensino – no caso, o ensino superior – às distintas classes sociais, definidas
conforme as relações de manutenção que o estudante estabelece com o mercado ou a família.
Embora inexistam pesquisas abrangentes capazes de identificar precisamente as
oportunidades de acesso ao ensino superior conforme a condição de classe (definida com base na
propriedade), algumas tendências podem ser identificadas. É fato inquestionável, por exemplo, que
a expansão recente tem favorecido o ingresso de estudantes de baixa renda (DataPopular, 2010),
não obstante o aumento das taxas de evasão nesse segmento (Semesp, 2011). Em parte identificado
em termos de status aos setores médios e almejando ascender pela educação (podendo assim ser
compreendido como parcela de um “estrato” médio), esse setor da classe trabalhadora tem sido
equivocadamente denominado por alguns de “nova classe média”.
Além dessa tendência geral, é preciso reconhecer que a distribuição das classes sociais no
sistema de ensino superior não é homogênea; e portanto a consideração do movimento estudantil
por esse aspecto deve levar em conta determinados padrões. A julgar por pesquisas realizadas nos
anos 1990 no estado de São Paulo, e diferentemente da impressão corrente sobre o tema, a
proporção de estudantes provenientes de famílias de classe média e trabalhadora era em geral
equivalente nas redes pública e privada; que tendiam a se elitizar conforme localização geográfica
(proximidade das capitais), região do país (Sul e Sudeste), configuração do estabelecimento
(universitário em relação ao não universitário), carreira (profissões concorridas) e também
conforme a carga horária/período dos cursos (Cardoso e Sampaio, 1994).

Atitudes de classe dos estudantes em relação à educação

Se aqueles critérios gerais de distribuição das classes sociais no sistema de ensino superior
no Brasil permanecem, isso é algo ainda a se verificar. Inegável, de qualquer forma, é que existem
padrões de distribuição da população estudantil pelo sistema de ensino superior se considerarmos o
critério de classe. Inegável também que cada experiência de classe se traduz numa atitude particular
do estudante em relação ao próprio sistema educacional e sua transformação. Em outras palavras: as

se, o estudante estaria valorizando um fator do qual será futuramente proprietário. Trata-se de uma visão identificada
com as chamadas “teorias do capital humano”.
atitudes dos estudantes diante do processo educacional e sua disposição de transformá-lo não é algo
que se possa considerar abstratamente, como fato dado e presente de maneira homogênea no meio
estudantil. Elas variam conforme a experiência de classe, sugerindo haver padrões de
comportamento que uma melhor compreensão da distribuição das classes sociais pelo sistema de
ensino poderia apontar mais claramente.
No que tange às atitudes diante do ensino, vejamos primeiro o caso dos estudantes de classe
média. Nesse segmento, diferentemente do que ocorre com os setores privilegiados da sociedade,
observa-se uma íntima associação entre a formação técnico-científica proporcionada pela educação
superior e as oportunidades de ocupação profissional. Assim, não é de espantar que nele se encontre
acentuado comprometimento com a educação superior – além de tendencialmente portadores da
chamada “ideologia da ascensão social pela educação” (que absolutiza o acesso a educação como
fator de ascensão, minimizando aspectos econômicos), manifesta na demanda pela ampliação de
oportunidades educacionais – esses estudantes mostram-se particularmente sensíveis aos problemas
do ensino e das condições futuras de exercício da carreira, encontrando aí um verdadeiro germe do
processo de politização (Foracchi, 1972 e 1982; Saes, 2004).
Relativamente diversa é a situação do estudante oriundo dos estratos superiores da classe
trabalhadora. Ascendendo à universidade, também vivencia a possibilidade de ascensão, assumindo
por isso a ideologia de ascensão pela educação e pelo esforço pessoal. Mas a fragilidade de sua
condição familiar, suscitando a valorização positiva exacerbada do ensino superior, pode reforçar
uma valorização também positiva das autoridades professoral e universitária, desfavorecendo o
engajamento (Saes, 2004; Foracchi, 1965 e 1972). O oposto parece se verificar nos estratos
inferiores da classe trabalhadora (notadamente no meio rural), onde se observa uma maior
disposição de enfrentamento político. Pelo menos é o que se deduz de uma leitura preliminar da
dinâmica das lutas estudantis em instituições localizadas às margens do sistema de ensino superior.
Isso poderia ser explicado pela relativização do valor positivo atribuído à formação superior, pois
pouco decisiva às possibilidades de ascensão social, nesse caso (Saes, 2004).

Condicionamento de classe do movimento estudantil universitário

Mas a localização de classe do estudante não incide apenas sobre sua disposição ao
envolvimento político e à mudança educacional; envolve também sua disponibilidade ao
engajamento. Com isso se quer dizer que a condição estudantil, e portanto também o movimento
estudantil, não se define por uma determinada localização de classe. Mas determinadas localizações
de classe favorecem o engajamento e a existência do movimento estudantil, fazendo deste
(tendencialmente) a expressão privilegiada de determinadas classes sociais presentes no meio
universitário.
Para uma melhor apreciação dessa questão precisamos partir de uma desnaturalização da
ideia de “estudante”. Tende-se a empregar o conceito de maneira indiscriminada, tomando-o como
sinônimo de “aluno”, ou seja, definido pela situação administrativa correspondente à matrícula num
estabelecimento de ensino superior. Pois a ideia de “estudante” é mais complexa que isso.
Corresponde a um grupo ou “categoria social” que se constitui não apenas naquela condição
objetiva compartilhada, mas também no reconhecimento dos interesses comuns suscitados por
aquela condição compartilhada. Em outras palavras, a condição de “estudante” representa uma
“categoria para si” derivada da condição de “aluno”, entendida como “categoria em si”. Ser
estudante é mais que ser aluno: é olhar para o mundo e agir sobre ele desde esse ponto de vista
particular.
Resta-nos perguntar que condições determinam essa passagem e que incidência tem nesse
processo a questão de classe. O primeiro fator importante daquela passagem é a condição juvenil.
Ela se define, primeiro, pela busca de uma identidade social – de um lugar no mundo –, que nesse
caso acaba preenchida pelo sentimento de pertencimento coletivo a uma “comunidade
universitária”. A isso se soma a tendência à agregação e ao convívio, que é estimulado pelo desejo
de compartilhamento e reelaboração das aflições próprias dessa etapa transitória da vida. Mas essa
agregação, base de movimentos de caráter coletivo, só pode acontecer nos casos em que o ambiente
social possibilite a integração – algo que a universidade tem deixado cada vez mais de oferecer
desde os anos 1960 (Ferreira, 1985) e que explica em parte aquilo que se define correntemente
como uma “crise” do movimento estudantil.
A esses dois fatores deve-se acrescentar um terceiro, que os determina, pois está relacionado
justamente à condição de classe. Vejamos: a busca por um lugar no mundo e por uma identidade
coletiva, preenchida com o sentimento de pertença a uma “comunidade acadêmica”, só pode se
estabelecer nos casos em que o aluno não definiu esse lugar ainda, inclusive profissionalmente. Ou
seja, depende de uma privilegiada desobrigação com o próprio sustento, a permitir uma relação
“experimental” com o presente. Ao mesmo tempo, aquele sentimento só floresce com o convívio
universitário. Pois essa possibilidade depende de uma relativa autonomização diante das exigências
e pressões familiares, obtida pelo estudante com recursos advindos de uma atividade ocupacional de
tempo parcial (que não lhe impede a vivência universitária, como ocorre com o trabalhador que
estuda) e cujo rendimento ele pode empregar conforme seus próprios desejos e interesses (Foracchi,
1965, 1972 e 1982).
Em outras palavras, embora diferentes classes componham a população estudantil, é na
classe média que a passagem da condição de aluno (“categoria em si”) à de estudante (“categoria
para si”) é favorecida. Existem aí a expectativa de ascensão pela educação (a reforçar a relação do
aluno com o estabelecimento de ensino) e a frustração com o curso e a profissão (presente também
entre os alunos de origem popular, mas atenuada entre as classes dominantes – caso que o
engajamento muitas vezes corresponde a uma espécie de sentimento de culpa, suscitado pela
própria condição privilegiada). Com o tempo livre advindo da relativa desresponsabilização para
com o próprio sustento e a relativa autonomização em relação à família possibilitada pela ocupação
em tempo parcial (situação menos provável entre alunos de extração popular), essa frustração pode
ser reelaborada coletivamente no espaço da universidade e gerar politização. Isso pressupondo a
instituição como espaço agregador – coisa que já não acontece como nos anos 1960.

O movimento estudantil e as transformações econômicas

Diante do exposto até aqui, conclui-se o seguinte: na ausência de um salário associado ao


exercício dessa “profissão”, a condição de “aluno” não se define como uma condição de classe, mas
como “categoria social” cuja condição de classe é determinada pelas relações de manutenção que
estabelece com o mundo do trabalho ou a família e cuja composição varia conforme o grau de
elitização do ensino superior; apesar dessa diversidade, a passagem da condição de “aluno” à de
“estudante” é favorecida por determinadas condições de classe, e não outras, fazendo do movimento
protagonizado por estudantes a expressão tendencial de certas classes sociais, e não de outras; e as
condições associadas àquela passagem correspondem, sobretudo, às da classe média.
Neste ponto podemos então afirmar que o esforço por determinar a potência transformadora
do movimento estudantil, considerando suas determinações de classe, deve levar em conta não
apenas a disposição e a disponibilidade ao engajamento associadas às classes médias (tal como
fizemos até aqui) ou o alcance de sua prática em termos de mudança do aparelho educacional
(Menegozzo, 2013), mas também a potência transformadora das classes médias relativamente à
estrutura econômica da sociedade. Muito já se discorreu sobre o tema nas últimas décadas, e seria
impossível aqui resgatarmos a complexidade do debate. Apresento aqui três posições principais.
Em primeiro lugar, há quem considere que, não obstante sua condição predominantemente
“pequeno burguesa” e sua relativa impotência política (atribuída a essa classe em função da
marginalidade de sua posição relativamente à produção), o estudante desempenha ou pode
desempenhar o papel de “vanguarda ideológica” de forças revolucionárias, entendidas aí enquanto
“movimento operário”. Essa posição, que tende a minimizar o condicionamento de classe do
comportamento e da consciência estudantis, encontra-se, segundo Martins Filho (1987), nas
contribuições de Chasin (1961 e 1962), Ianni (1968) e Marini (1970), por exemplo. Tais posições
tendem a ser teoricamente acompanhadas de concepções crítico-reprodutivistas da educação (Cf.
Menegozzo, 2013), resultando em proposições que minimizam o potencial do estudante em termos
de mudança do aparelho educacional, valorizando-o todavia como segmento privilegiado ao
recrutamento de quadros revolucionários profissionais.
Uma segunda posição pode ser encontrada, por exemplo, em Cavalari (1987). Ela
compartilha da ideia da impotência política do estudante em termos econômicos, derivados de sua
condição “pequeno burguesa” marginal – o que explicaria, por exemplo, o particular apreço do
movimento estudantil por “ações simbólicas” e seu estilo de participação “iluminista” (pretendendo
falar em nome de outros setores da sociedade na condição, digamos, de vanguarda esclarecida).
Mas se localiza no extremo oposto da primeira posição, no que tange ao aspecto ideológico: aponta
uma absoluta limitação política do estudante também nesse quesito, interpretando as manifestações
de engajamento estudantil, não obstante as formas radicais que pode assumir, como produto de
reações corporativas de classe destituídas de potencial revolucionário. Nesses termos, pautas como
a ampliação de oportunidades educacionais poderiam ser interpretadas como manifestação da
“ideologia da ascensão social” a capturar estratos superiores da classe trabalhadora numa
irrealizável expectativa de ascensão, servindo assim ao comprometimento dos trabalhadores com a
ordem social vigente e, portanto, de contenção ideológica de forças potencialmente revolucionárias
(C.f. Saes, 2004).
Uma terceira posição, que julgo mais adequada, se encontram em Martins Filho (1987),
Foracchi (1965, 1972 e 1982), Soares (1968) e Saes (1978), entre outros, e aparentemente também
em Bresser-Pereira (1979), Mandel (1979) e Habermas (1987). De uma maneira geral, nesse caso, o
potencial de mudança da “pequena burguesia” aparece ampliado, se comparado a outras leituras,
seja em função de um processo de “proletarização” das ocupações de classe média, seja pela
mercantilização do ensino, a deslocar aquele setor de uma posição marginal a uma condição de
maior centralidade econômica na sociedade. Outro aspecto dessa ampliação aparece no próprio
sentido do protesto: carentes de um projeto próprio de sociedade, os setores médios se voltam
contra os obstáculos de sua própria perspectiva de ascensão, podendo sofrer polarizações à esquerda
e à direita, servindo às forças da reação ou da revolução. Isso, a partir da politização das frustrações
e disposições próprias dessa classe, tal como o descontentamento com as condições de ensino ou
seu estilo de participação “iluminista”, que, pretendendo falar em nome de outros setores no papel
de vanguarda esclarecida, pode servir de estímulo ao engajamento no meio popular.

Conclusão

A partir do debate exposto aqui, podemos concluir que a condição estudantil universitária e,
portanto, o movimento estudantil também, muito embora não se definam pela condição de classe,
encontram na situação da classe média condições mais favoráveis para se desenvolver, tendendo a
manifestar as aspirações e frustrações dessa classe social. Isso não significa que esteja reduzido a
uma posição meramente corporativa e estrategicamente marginal. Carente de um projeto próprio de
sociedade, a classe média – representada aqui pelos estudantes e pelo movimento estudantil – pode
sofrer polarizações à esquerda e servir às forças da revolução. Ademais, sua posição econômica
marginal é relativizada por muitos, que admitem poder ter havido um deslocamento da posição do
estudante com a mercantilização do ensino, o que elevaria sua potência transformadora no que
tange à incidência sobre a esfera da economia, para além de sua incidência sobre o aparelho
educacional.
Quanto à relação do movimento estudantil com a “nova classe trabalhadora” – colocada em
evidência como ator decisivo na conjuntura política atual –, pode-se concluir, em caráter de
hipótese, o que se segue. Primeiro: não obstante as disposições progressistas existentes nesse
segmento estudantil, sua condição de classe tende a desfavorecer a disposição quanto à mudança
educacional. Segundo: tais condições restringem as possibilidades de participação num movimento
com as características do estudantil, problematizando tanto a possibilidade de que se possa
estabelecê-lo como movimento constitutivamente popular quanto a expectativa de que a politização
dos estudantes da “nova classe trabalhadora” se manifeste plenamente por aí. Nessa limitação,
todavia, reside um enorme potencial, frequentemente negligenciado: ligado à sua comunidade de
origem por vínculos fortes, esse estudante desempenha um papel de formador de opinião no seio da
“nova classe trabalhadora”, podendo servir de ligação entre os setores médios radicalizados,
presentes nas universidades, e as periferias neste momento de relativa ascensão das lutas populares.

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Parte 2. A crise do movimento estudantil e sua
difícil interpretação7

Onde estará o “novo movimento estudantil”?

A impressão mais comum que se tem tido nas últimas décadas é que, depois dos anos 1960 e
1970, quando desempenharam um papel importante, os estudantes deixaram o cenário político no
Brasil. Nos anos 1980 e posteriores, marcados pelo que tem sido caracterizado como uma “crise do
movimento estudantil”, raros são os momentos em que as manifestações estudantis vêm à tona com
força. E quando o fazem, reacendem controvérsias referentes à superação ou a persistência desta
suposta crise. As ocupações de reitoria ocorridas entre 2007 e 2008 constituem um exemplo disso.
Também a ele se seguiu um acalorado debate sobre se seriam as ocupações um indício do retorno
dos estudantes à cena política; uma falsa impressão nesse sentido, ocorrida em meio a uma suposta
crise que continua a se fazer presente; ou ainda o sinal do surgimento de um “novo movimento
estudantil”.
Num primeiro momento, uma expectativa quanto à inauguração de uma nova etapa na
história das lutas estudantis aplacou pesquisadores envolvidos com as questões educacional e
juvenil e parcela importante da militância de esquerda. Tais leituras encontram-se registrada em
contribuições de intelectuais como Álvaro Bianchi, Ruy Braga e Henrique Carneiro (C.f. Bianchi,
2008), Silene Moraes Freire (C.f. Freire, 2008), além de Maria Orlanda Pinassi (C.f. Pinassi, 2008)
e Roberto Leher (C.f. Leher, 2008), entre outros. Silene Freire, por exemplo, em artigo no qual
analisa os protestos estudantis desde os anos 1960, afirma que “apesar de todas as adversidades, [...]
recentemente o movimento estudantil no Brasil apresentou um certo revigoramento, sobretudo, a
partir do ano de 2007, quando os estudantes voltaram a se mobilizar em âmbito local”. Em seguida,
analisando mais detidamente esse processo, considera que “a ocupação da reitoria da Universidade
de São Paulo contra os decretos do governador de São Paulo, José Serra, pode ser considerada o
ponto de partida de um novo movimento estudantil, que voltou a se organizar para questionar os
rumos da educação” [grifo nosso] (Freire, 2008, p. 144).
Outros autores vão além. O historiador Henrique Carneiro, por exemplo, referindo-se ao
“maio de 1968” francês, afirma ter sido aquele movimento “uma explosão de fúria juvenil e
7
Ensaio inédito elaborado e revisado entre 2008 e 2012.
estudantil, uma onda de barricadas e o despertar de uma inteira geração para o sonho de transformar
a realidade com a indignação justa dos jovens que resolveram combater a injustiça do mundo”. Em
seguida, questiona em tom de expectativa: “será este, de novo, o roteiro paulista e brasileiro de
2007? Começou uma 'nova onda' na história do movimento estudantil brasileiro?”. Supondo que
sim, completa: “qual será seu caráter, a sua amplitude e a sua profundidade?” (Carneiro, 2008, p.
31).
A verdade é que, contrariando essas expectativas, após irromper intensa e inesperadamente
sob a inspiração das lutas de 1968, ocupando também os noticiários da grande imprensa e
estimulando movimentos congêneres por todo o país, a ocupação da reitoria da USP ocorrida em
2007 deu lugar a um cenário desolador. O 10º Congresso dos Estudantes daquela universidade,
programado para meados de 2008, acabou cancelado por falta de quórum (Buzzo, 2009) tendo sido
realizado apenas dois anos mais tarde, num contexto de profunda divisão interna do movimento.
Emergindo da ocupação e vitoriosa nas eleições do Diretório Central dos Estudantes da USP
realizadas naquele mesmo 2008, a chapa Nada será como antes amargou em 2009 uma semana de
recepção aos calouros tão ou mais esvaziada que antes: a mesa dedicada a discussão das ocupações
foi cancelada por falta de participantes. Tampouco a greve ocorrida na universidade naquele ano
alcançou as dimensões que notabilizaram a ocupação da reitoria em 2007. Esta é uma realidade que
contrasta com o que se esperava do “novo movimento estudantil” supostamente surgido da
experiência da ocupação.
Esse processo reflete claramente o dilema que dá título ao livro: de um lado as expectativas
de ascenso inspiradas no mito do “maio de 1968 francês” e, de outro, as circunstâncias do refluxo e
da desmobilização. Esse dilema, longe de ser um traço específico das manifestações recentes, marca
toda a atividade política estudantil nas últimas décadas, sendo o movimento pelo “Fora Collor!” o
mais conhecido exemplo dessa dinâmica: muitos, sob a sombra de 1968, também celebraram as
ações de 1992 como um sinal da emergência de um “novo movimento estudantil”, mas o que se
seguiu foi o refluxo e um questionável saldo político em termos de conscientização e organização
coletiva (C.f. Rodrigues, 1993), tal como no contexto posterior às ocupações. Essa semelhança
confirma o que já se apresenta como uma tendência e mesmo um padrão em relação ao movimento
estudantil nas últimas décadas no país: longos período de refluxo, de aparente apatia, pontuados por
ações de protesto tão espetaculares quanto inadvertidas e efêmeras.
A história tem provado que, apesar das expectativas existentes em relação à emergência de
um suposto “novo movimento estudantil”, se impõe com força, ainda hoje, o que tem sido
caracterizado como uma “crise” desse movimento. Natural, portanto, que uma investigação sobre a
dinâmica e o potencial das manifestações estudantis no Brasil hoje se inicie justamente a partir de
uma análise dos fatores que determinam seu ascensos e refluxos. Além disso, considerando que este
trabalho assume o próprio militante estudantil como um interlocutor privilegiado, pareceu
pertinente que a investigação se desenrolasse, mais precisamente, a partir de um exame crítico das
principais leituras elaboradas pelos próprios estudantes a respeito das razões disso que tem sido
designado como uma “crise do movimento estudantil”.

“A culpa é dos partidos”: crise de representatividade

Uma primeira interpretação da suposta “crise do movimento estudantil” que se poderia


destacar, dentre aquelas elaborada pelos próprios estudantes, identifica a presença dos partidos
políticos como variável determinante nesse processo. Amplamente difundida, aparece mais
comumente formulada pelos chamados grupos “independentes”, ou por coletivos identificados com
teses “libertárias” ou “autogestionárias”, que acusam (não apenas, mas sobretudo) os partidos
políticos de devolverem práticas divisionistas, aparelhistas, verticalizadas e centralizadoras; e de
resistirem em diversificar os temas abordados em suas reflexões e atividades; provocando o
esvaziamento das entidades e o aprofundamento de uma crise de representatividade. Essa posição
aparece, por exemplo, em documento produzido em 2007 pelo Movimento Universidade Popular,
coletivo estudantil organizado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Referindo-se ao
problema do esvaziamento do movimento estudantil, afirma que:
“Não há saídas imediatas e a questão passa necessariamente pela capacidade de
inovarmos no conteúdo e em nossos métodos. [...] Devemos rechaçar as disputas que
insistem em impor uma alternativa de ‘cima para baixo’. O movimento estudantil não passa
por uma crise de direção e seu problema está longe de ser resolvido pela simples troca nas
entidades das forças que a compõe. [...] Inovar no método significa que devemos lutar para
que as entidades estudantis sirvam para representar os interesses dos estudantes, suas
aspirações políticas, culturais, econômicas ou científicas. Parece óbvio dizer isso, mas no
dia-a-dia do ME [Movimento Estudantil] não é o que acontece. As entidades estão cada vez
mais partidarizadas, super burocratizadas e menos representativas dos anseios e da
vontade dos estudantes” [grifos nossos] (Movimento Universidade Popular, 2007).

No mesmo sentido aponta a avaliação de um estudante de história da USP identificado com


posições “autogestionárias”, publicada em livro em 1999:
“Atualmente, o movimento estudantil no Brasil encontra diversos obstáculos para se
caracterizar enquanto segmento da sociedade civil organizado de forma democrática. [...] O
nefasto ressurgimento da UNE constitui um dos maiores exemplos do atraso em que se
encontra o movimento estudantil. Se durante a ditadura militar, a UNE procurava [...]
combater o autoritarismo [...], hoje em dia [final dos anos 1990] configura-se uma entidade
absolutamente afastada dos problemas reais e cotidianos dos estudantes, burocratizada,
servindo quase que exclusivamente para palco das disputas hegemônicas entre as
juventudes desorientadas dos partidos políticos brasileiros. [...] a ausência da prática da
autonomia no seio do movimento estudantil [em relação aos partidos] é que reserva para a
UNE um papel anulado no fortalecimento da luta anti-capitalista” [grifos nossos] (Mariana,
1999, p. 172).

Um primeiro aspecto desta tese que chama a atenção é que parte das formulações nela
inspiradas assume como pressuposto a ideia de que a representatividade do movimento consiste
simplesmente na sua capacidade em refletir “as aspirações” presentes no meio estudantil. Certos
grupos estudantis, especialmente os partidos, obstruiriam esse processo, sendo assim identificados
como a principal causa da crise do movimento. Desse modo, em suas versões mais extremadas, esta
tese desconsidera a importância das entidades como palco de divergência e embate político:
destinadas a reproduzir as experiências e demandas do corpo estudantil – quaisquer sejam elas –,
tais entidades acabam, nessas leituras, reduzidas a funções meramente administrativas e a lutas
estritamente corporativas.
O que tais leituras ignoram é que as entidades são expressão de um conflito de posições que
ocorre no âmbito de sua base social. A representatividade, portanto, mais que a capacidade de
refletir uma ideia já estabelecida, consiste na capacidade de coletivos organizados de convencer a
maioria do acerto de uma posição proposta como solução a um problema comum, que procura
assim se fazer representativa. Os partidos são e devem ser considerados uma forma tão legítima
como qualquer outra de organizar coletivamente essas posições – inclusive aquelas forma proto-
partidárias mediante as quais muitos coletivos independentes se organizam para fazer valer suas
posições e que encontra na tendência Vento Novo, surgida na USP em 19778, uma de suas
expressões mais acabadas.

8
O grupo atuou na USP entre 1977 e o início da década de 1980 em oposição às tendências estudantis da época que
fossem vinculadas à organizações partidárias.– orientação que, inclusive, leva certos pesquisadores a caracterizá-la
como uma corrente anarquista (C.f. Hayashi, 1986). Suas formulações foram marcadas pela centralidade atribuída à
prática dos partidos como determinante à crise do movimento. Segundo carta-programa apresentada pelo grupo em
1977 às eleições do Centro Acadêmico de Ciências Sociais: “Porque surge Vento Novo? A partir de um determinado
momento surge uma preocupação com os rumos do M.E.[movimento estudantil]: a grande maioria dos estudantes está à
margem de seu processo de decisão. Apenas os estudantes engajados diretamente em nossas lutas participam das
decisões tomadas a nível geral, fazendo-nos crer que essa pequena parcela mobilizada não representa mais do que ela
própria. A postura intransigente e extremamente divisionista das lideranças frente a quaisquer manifestações contrárias
às posições por elas defendidas, configura em si mesma uma relação difícil de ser solucionada. Essa intransigência que
se observa em debates, reuniões de escola ou mesmo em assembléias gerais na USP e que frutifica num esvaziamento
das mesmas é como se configuram as estruturas aparentemente democráticas de participação e deliberação do
Ademais, uma avaliação criteriosa da história do movimento estudantil torna insustentável a
associação entre a mera presença dos partidos nas universidades e a crise desse movimento. Do
mesmo modo, problematiza a associação – dada praticamente como certa pela tese em questão –
entre a predominância de grupos independentes e a superação da crise do movimento estudantil. O
fato é que os grupos independentes existem na universidade desde que ali existem partidos,
revelando que aquilo que se (auto)define como “novo” é tão antigo quanto o “velho”, tendo ambos
acompanhado as oscilações históricas do movimento no Brasil.
Fontes documentais que mereceriam estudos mais aprofundados sugerem, por exemplo, que
a presença de estudantes “independentes” na USP remonta aos anos 1940 e 1950, à época
articulados em oposição às células estudantis do PCB9. Algo semelhante se poderia dizer em
relação aos anos 1960: ao mapear as forças existentes no movimento estudantil daquela
universidade em estudo publicado à época, a socióloga Marialice Mencarini Foracchi refere-se a
uma série de agrupamentos políticos e correntes estudantis apontando que estas se encontram “em
maior ou menor grau, ligadas a correntes políticas nacionais”. Ao mesmo tempo, se refere “aos
chamados ‘independentes’”, os quais “embora não constituam um grupo organizado, atuam em
todas as unidades estudantis”. Segundo declarações de estudantes vinculados a essa perspectiva e
recolhidos pela autora, “os independentes constituem uma força nova (sic) no movimento
estudantil”; força esta organizada, completa Foracchi, a partir da “insatisfação com as soluções
partidárias existentes” [grifo nosso] (Foracchi, 1965, p. 228-229).
Adicionalmente, nos anos 1960, quando os protestos estudantis alcançaram enorme
repercussão, os partidos integravam os núcleos mais dinâmicos do movimento, revelando que sua
presença não é sinônimo necessário de desmobilização e crise. São inúmeras as referências à
significativa presença dos partidos no movimento e à vinculação de suas principais lideranças a
organizações político-partidárias. Luis Raul Machado, por exemplo, vice-presidente da UNE em
fins dos anos 1960, recorda-se de “um levantamento feito por [Aldo] Arantes em meados de
[19]68”, no qual dizia ter anotado “43 grupos ou organizações diferentes” (Santos, 1980, p. 61). O
sociólogo Marcelo Ridenti, por sua vez, estima essa presença em termos estatísticos: a partir de
dados sobre a repressão às organizações de esquerda em fins dos anos 1960 o autor afirma ser “a
proporção de em torno 30% de estudantes uma constante para as organizações urbanas armadas,
como também para grupos radicais que se opunham à via armada imediata” (Ridenti, 1993, p. 116).
Vale sublinhar ainda que o início da década de 1980 foi um período onde coletivos não-
partidários ou independentes alcançaram razoável nível de representatividade, e nem por isso

movimento. [...] Preocupado com uma real mobilização das bases estudantis, [...] com a falta de democracia interna de
fato, surgimos como uma nova tendência dentro do movimento” (Vento Novo, 1977, p. 1).
9
Verificar a esse respeito, por exemplo, documentos sobre o movimento estudantil da época abrigados nos arquivos sob
a guarda do Centro de Apoio à Pesquisa Histórica (CAPH), vinculado ao Departamento de História da USP.
aqueles anos foram lembrados como momentos de intensificação das lutas ou de massificação do
movimento – aliás, ocorreu exatamente o inverso. O estudante Rogério Simões Silva, por exemplo,
em livro-reportagem organizado pela pesquisadora Cremilda Medina, se refere a uma “forte reação
anárquica” às tendências estudantis e aos partidos políticos “que a USP viveu nos anos [19]80” e
que, “em suas versões mais radicais, acabou por destruir os principais alicerces da organização
estudantil” (Medina, 1988, p. 34).
Um exemplo concreto desse processo pode ser encontrado no Centro Universitário de
Pesquisas e Estudos Sociais (CEUPES), o Centro Acadêmico de Ciências Sociais da USP. A vitória
da chapa Biodegradável nas eleições de 1982 abriu caminho à implantação de um sistema de
autogestão na entidade. Combinado à dispersão dos diretores e à ausência sistemática do conjunto
dos estudantes em seus fóruns – o que equivocadamente se supunha ser resultado da postura
antidemocrática das tendências estudantis, então desgastadas – a iniciativa provocou o completo
fechamento do Centro. Essa situação persistiu até meados de 1984/1985, quando a entidade foi
reaberta após um incêndio, possivelmente criminoso, que destruiu seus arquivos e instalações
(Menegozzo, 2003, p. 127-129).
A situação não era muito diferente em Brasília. Em artigo publicado em 1987, Motta
apresenta uma pesquisa realizada entre estudantes da UnB. A investigação revelou que “Mais de
noventa e três por cento deles não estavam filiados a nenhum partido político, num momento de
grande mobilização e organização partidária em Brasília e no país”, referindo-se ao debate em torno
da Assembléia Constituinte (Motta, 1987, p. 7). Não obstante à rarefeita presença dos partidos
naquele universidade, “há quatro anos o DCE não consegue eleger uma nova diretoria por falta de
quorum e desinteresse dos alunos pelas eleições estudantis”. Frente a isso, o “Reitor da UnB,
professor Cristovam Buarque, depois de desafiar por muito tempo os estudantes a se mobilizarem e
participar de sua gestão, acabou entregando os pontos. […] resignado, declarou: 'a opção da UnB é
pelo público externo'” (Motta, 1987, p. 6).
Outro aspecto que chama atenção na leitura que atribui a crise à presença dos partidos no
movimento é que Federações e Executivas de curso e temas específicos como cultura e feminismo
são frequentemente apontados como espaços de organização e pautas de reivindicação alternativos,
surgidos como expressão de um “novo” movimento estudantil em oposição aos espaços
partidarizados do movimento na década de 1970. Pesquisas preliminares revelam que esta é um
visão equivocada e historicamente imprecisa. Na verdade, tais entidades têm origem anterior,
demonstrando o quão superficial tem sido o tratamento dado pela militância e pela investigação
científica a essa questão.
Os jornalistas Luiz Henrique Romagnoli e Tânia Gonçalves, em reportagem dedicada à
história da UNE, dão claras indicações nesse sentido. Ali, registram que após a repressão ao
congresso de Ibiúna em 1968, Jean Marc van der Weid, eleito posteriormente presidente da
entidade, “defendia um ‘recuo tático’ do movimento estudantil e a ativação das executivas
nacionais por área de estudos como forma de organização a nível nacional” [grifo nosso]
(Romagnoli e Gonçalves, 1979, p. 15). Dentre outras indicações que apontam nessa direção, pode-
se destacar as referências a um Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Econômicas
(ENECE), realizado em 1968 (Fernandes, 1975, p. 234); à Executiva Nacional de Estudantes de
Sociologia e Ciências Sociais (ENESCS), que em meados de 1964 convocava seu 3º Encontro
Nacional (Centro Universitário de Pesquisas..., 1963, p. 2); à União Nacional dos Estudantes de
Medicina (UNEM), fundada em 195710; ao 1º Congresso Nacional de Estudantes de Arquitetura,
realizado em 1952 pelo Bureau de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (Bureau..., 1952); e ainda
à União dos Estudantes de Agronomia e Veterinária do Brasil (UEAVB), formada em 1951
(Federação dos Estudantes de Agronomia..., 2009, p. 5).
Em resumo, inúmeras são as evidências históricas que apontam para a impossibilidade de
uma associação direta entre a aparente apatia política dos estudantes universitários e a presença dos
partidos políticos no meio universitário. Isso faz desta perspectiva – caracterizada aqui como tese da
crise de representatividade – uma leitura incapaz de interpretar e, consequentemente, de superar
efetivamente aquilo que tem sido definido como uma “crise do movimento estudantil”.

“Direções traidoras” versus “novo movimento estudantil”:


crise de direção

Diagnóstico semelhante no que se refere à centralidade atribuída ao papel dos partidos na


suposta “crise” aparece associado a grupos organizados de esquerda, para os quais esta se deve,
sobretudo, às “traições” de sua “direção burocratizada”; se deve, em outras palavras, a uma crise de
direção. Esta leitura pressupõe a existência de uma disposição latente de luta no meio universitário
e supõe que nessa latência resida um sentimento de oposição e crítica aos setores predominantes nas
entidades representativas, tido como os responsáveis pelo refreamento do movimento de massas por
meio da “traição” de suas bandeiras. Junto àqueles segmentos considerados mais combativos, os
proponentes desta tese procuram se apresentar como direção alternativa, a institucionalizar-se
como oposição às “direções traidoras” ou “burocratizadas” na forma de novos instrumentos

10
Informação constante da ata de 07/08/1957 da Congregação de Alunos do Centro Acadêmico “Oswaldo Cruz”, descrita em Menegozzo
(2009a). Referência à existência de outras executivas nos anos 1960 encontram-se na ata de 1º de abril de 1964 da Congregação de Alunos do Centro
Acadêmico “Oswaldo Cruz” (Menegozzo, 2009b).
organizativos – mais precisamente, na forma de novas entidades representativas e novos partidos
políticos.
Característica aos agrupamentos de esquerda de inspiração trotskista – dentre os quais se
destaca o PSTU –, esta formulação, invertida, tem servido como base de interpretação da
experiência das ocupações de Reitorias corridas em 2007 e 2008, supostamente livres da influência
de partidos de esquerda considerados traidores, integrantes da diretoria majoritária da UNE e
ocupantes de posições no governo em diferentes níveis, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), por exemplo; e que por isso mesmo têm sido identificadas
como indício da emergência de um “novo movimento estudantil”. Tal posição encontra-se expressa
em contribuição de um apoiador da corrente A Plenos Pulmões – uma das tendências presentes na
ocupação da Reitoria da USP em 2007, ligada ao agrupamento Liga Estratégia Revolucionária-
Quarta Internacional (LER-QI):
“A primeira questão a se destacar é que esse movimento estudantil [das ocupações],
organizado sem o controle dos aparatos tradicionais e das direções traidoras, revelou um
elemento positivo importante: o forte potencial de superação destes aparatos e direções. Para
isso, há duas debilidades a superar: o movimento não conseguiu construir organismos ou
direção alternativa […]. A segunda questão é a debilidade do anti-partidarismo revelado na
ocupação […] que nega a necessidade imperiosa […] de construção de um novo instrumento
político: um novo partido” [grifos nossos] (Margem Esquerda, 2007, p. 79).

Dito isto cabe questionar: poderiam os protestos estudantis recentes serem interpretados a
partir da tese que atribui os descensos do movimento à “traição de suas direções burocratizadas”; e,
inversamente, seus ascensos à capacidade de “superação” destas mesmas direções, objetivadas na
consolidação de “novos instrumentos” de articulação das lutas? De fato, um dos primeiros traços
que chamam a atenção no movimento de ocupações – ao menos na USP – é a ausência dos partidos
de esquerda acusados de traição por estes setores, como PCdoB e PT. Isso, em contraste com a
presença marcante de setores dissidentes daquela agremiação, como PSTU e PSOL, entre outros
agrupamentos menos representativos como PCB e PCO, além de significativo contingente de
estudantes independentes, sugere ser este um aspecto a se considerar na avaliação dos protestos de
2007 e 2008.
Em contrapartida: como, a partir da tese da crise de direção, interpretar as dificuldades
enfrentadas por entidades como Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (Anel), cuja fundação
foi encabeçada pelo PSTU no contexto posterior ao das ocupações, de firmar-se como direção
hegemônica e alternativa à UNE no movimento estudantil? Como se explica, para ser mais
específico, o arrefecimento do impulso dessa mobilização apesar da vitória dos grupos ligados aos
movimentos de ocupação e críticos ao governo e à UNE nas eleições que renovaram as diretorias
dos DCEs e que se seguiram àquelas mobilizações?
A situação da USP no início de 2009, por exemplo, era de relativa apatia. Isso, num
momento em que o DCE daquela instituição era majoritariamente composto por setores críticos às
“direções traidoras” consideradas derrotadas na ocupação. Tal apatia fora perturbada por uma greve,
é verdade. Mas é preciso admitir que a força e a projeção que alcançaram aquela iniciativa se
deveram muito mais à reação da Reitoria que à capacidade política da “direção” do movimento: a
entrada da Polícia Militar no campus da USP no Butantã em 2009 e a repressão violenta ao
movimento provocaram um fato político extremo que, paradoxalmente, contribui para a ampliação e
unificação dos protestos; fenômeno que se refletiu nos agradecimentos de lideranças estudantis à
Reitora pelo “presente” dado ao movimento, manifestados nas assembleias que se seguiram à
repressão policial.
Essa mesma situação, de apatia nas bases de entidades estudantis integradas por direções
combativas, ocorreu em outras épocas. No final dos anos 1970, por exemplo, correntes trotskistas
como Mobilização Estudantil e Alicerce (vinculadas à Convergência Socialista, embrião do PSTU)
e Liberdade e Luta (vinculada à Organização Socialista Internacionalista, que encontra-se na
origem de O Trabalho, hoje tendência interna do PT) – proponentes da tese da “crise de direção” –
ocupavam posições hegemônicas em inúmeras entidades estudantis, tais como em grêmios
secundaristas e no DCE-Livre da USP, por exemplo. Não obstante, naqueles anos observaram-se
claros sinais de refluxo das mobilizações estudantis. Na USP, inclusive, o esvaziamento foi sentido
intensamente (C.f. E os estudantes não protestam?, 1978).
Também nos anos 1980 episódios semelhantes podem ser identificados. Em meados daquela
década, enfrentando enormes dificuldades de organização de uma intervenção unitária nas
universidades, boa parte das correntes petistas atribuíam a crise do movimento estudantil ao viés
supostamente imobilista e reformista do PCdoB, grupo hegemônico na diretoria da UNE desde
praticamente a refundação da entidade em 1979. Após duros embates no 37º Congresso da entidade
em 1985, o PT logrou coesionar sua base estudantil e organizar um intervenção unificada, vindo a
assumir a diretoria da agremiação nos 38º, 39º e 40º Congressos, realizados entre 1987 e 1989,
condição que mantiveram até o Congresso de 1991.
Em que pese a persistência das dificuldades de uma intervenção petista unitária decorrentes
da heterogeneidade ideológica de sua base estudantil, e que repercutiu negativamente sobre a
capacidade dirigente da própria diretoria, o fato é que a presença de uma direção combativa não foi
capaz de imprimir uma orientação mais combativa ao conjunto do movimento desde as bases. Quer
dizer, a presença de uma direção contrária, diferentemente do PCdoB à época, à Aliança
Democrática – que consistia numa frente partidária integrada por segmentos progressistas da
sociedade e parcela das classes dominantes que sustentou politicamente a transição conservadora à
democracia com o fim da ditadura instaurada em 1964 – não foi suficiente para colocar em
movimento o conjunto dos estudantes universitário sob essa bandeira.
Essas e outras evidências mostram claramente o quão insuficiente se mostra a tentativa de
reduzir a assim chamada “crise do movimento estudantil” à traição das direções majoritariamente
presentes em suas entidades representativas. Isso nos conduz à inevitável conclusão de que a tese da
crise de direção consiste numa leitura tão inadequada à interpretação da atual situação do
movimento estudantil quanto aquelas que a atribuem à presença dos partidos políticos no meio
universitário.

“Desinteresse pela política”: crise de valores

Há ainda quem atribua a crise do movimento estudantil ao descrédito generalizado dos


estudantes em relação à política, associado ao predomínio de valores como individualismo,
hedonismo e consumismo – processos interpretados como resultados diretos do avanço do projeto
neoliberal. Tal processo tem sido caracterizado por certos setores estudantis como uma crise de
hegemonia, convertida em sinônimo de uma crise de valores, a partir do que se estabeleceu uma
oposição entre as ideias de crise de direção e crise de hegemonia. Conforme indica documento
elaborado pelo campo Contraponto, ligado à corrente Ação Popular Socialista, do PSOL:
“No mesmo período [anos 1990], a ofensiva neoliberal provocou efeitos
devastadores sobre a juventude brasileira. Os índices de participação política dos jovens
decresceram e a crise do movimento estudantil – que não se resume a uma 'crise de direção'
– teve efeitos avassaladores, disseminando práticas e valores cada vez mais conservadores
[...]. Se a UNE encontra-se hoje burocratizada e com posturas políticas defensivas e
adesistas, é preciso ver que essa situação deve-se menos à direção e à estrutura da entidade e
muito mais a uma cultura política que prevalece entre os estudantes brasileiros. Essa é a
verdadeira raiz do problema” [grifos nossos] (Contraponto, 2008).

Em documento apresentado ao 49º Congresso da UNE, realizado em 2005, o campo


Reconquistar a UNE, composto pela tendência petista Articulação de Esquerda, aponta numa
direção semelhante. No texto, diversos fatores são indicados como determinantes a crise do
movimento. Dentre estes, destacam-se “a transitoriedade própria do movimento estudantil”, “a
estrutura anacrônica, verticalizada, centralizada e burocrática” das entidades estudantis, a postura
“imobilista e antidemocrática” da “atual [2005] direção da UNE”, além da “conjuntura desfavorável
à organização coletiva”. Referindo-se a este último item, continua o documento:
“Vivemos em um período de grande hegemonia das elites dominantes. A
criminalização dos movimentos sociais, as barreiras legais impostas para sua organização e
o avanços de uma ideologia individualista e consumista são parte dessa hegemonia que
busca impedir as organizações sociais. O ME [movimento estudantil], assim como os
demais movimentos, sofre com esses ataques, fica em uma postura defensiva e vive um
período de refluxo de suas mobilizações” [grifos nossos] (Reconquistar a UNE, 2005, p. 15)

Vale destacar, como complemento, que eu pessoalmente, como militante, oscilei sempre
entre esta posição, a da crise de valores, e a da crise de identidade, analisada mais à frente. Segundo
texto de minha autoria, elaborado em 2001, “podemos dizer que o estudante quando entra na
universidade, já vem com toda uma noção, uma concepção do que vem a ser a política”, uma
concepção baseada em “pré-conceitos [...] que adota antes mesmo de participar, fazendo com que se
feche à experiência no movimento estudantil”. Em resumo, “se na crise de direção existe vontade de
participar mas não existe um grupo encampando um projeto político claro, na crise de hegemonia o
estudante não participa por que não acredita no movimento estudantil, ou talvez na política em
geral” (Menegozzo, 2001, p. 1).
Dada a insuficiência das teses que atribuem aos partidos, ou às suas direções “burocratizadas
e traidoras”, o refluxo vivido pelo movimento nas últimas décadas, seria correto então atribuir esta
situação ao “desinteresse dos estudantes pela política”, tal como formulada naas diversas passagens
que transcrevemos aqui? E mais: é possível atribuir esse suposto desinteresse ao avanço do
neoliberalismo?
Primeiramente, a associação entre desinteresse pela política e neoliberalismo parece
insuficiente quando se constata a ocorrência de ações de protesto no período posterior à implantação
do neoliberalismo nas instituições de ensino – ações que são inclusive assumidas por coletivos
referenciado na tese da “crise de valores” como exemplo de combatividade do movimento
estudantil. Este é o caso das ocupações de 2007/2008 e do movimento pelo “Fora Collor!”. Este
último, um movimento articulado contra um Presidente cujo mandato notabilizou-se justamente
pelo aprofundamento do projeto neoliberal – projeto que, vale ressaltar, não apenas se instala no
país no início dos anos 1990, como assume a educação como um de seus alvos privilegiados (C.f.
Silva Júnior, 1996, p. 11-12).
Inversamente, se é verdade que o neoliberalismo se aprofunda no país no início dos anos
1990 e se volta sobretudo à educação – particularmente ao ensino superior –, impactando desde
então o movimento e provocando assim a sua suposta crise – isso, a despeito da ocorrência das
ocupações e de ações como as pelo “Fora Collor!”; que dizer dos protestos do início anos 1980, tão
assemelhados aos da década seguinte em termos de radicalidade política e amplitude social? O
estudante Rogério Ferreira, em livro-reportagem organizado por Cremilda Medina e publicado em
1988, assim resume o cenário político juvenil daquele período:
“Segundo pesquisa, os jovens não se sentem disponíveis para se dedicar à política.
‘A gente tem que curtir a vida do jeito que ela vem’, disse um dos entrevistados. A frase
revela o conformismo de uma geração que, apesar de viver o conflito entre o ‘anseio de
liberdade’ e o desejo de integração social, não se julga rebelde até por uma questão de falta
de saco. O ‘saco’ é uma justificativa permanente para a apatia. Ao mesmo tempo – alerta
Gonzaga Motta – a sociedade industrial instala o domínio da moda, do esportismo, da
malhação, do culto exagerado ao corpo, do narcisismo individualista. É preciso gozar o
mundo, conviver prazeirosamente com as novas tecnologias. É o reino do hedonismo” [grifo
nosso] (Medina, 1988, p.28).

Esta passagem frisa claramente o fato de que aquilo que tem sido caracterizado como
desinteresse do jovem pela política, refletidos em valores como consumismo e individualismo, não
são traços exclusivos da experiência juvenil e estudantil no período neoliberal, mas características
da moderna sociedade industrial já presentes inclusive nos tempos da ditadura e mesmo antes. Basta
considerar a explosão da indústria cultural nos anos 1950 e 1960, por exemplo: lanchonetes, calças
jeans, jaquetas de couro, Elvis Presley e James Dean, são ícones de uma estratégia de mercado que,
ao converter o comportamento transgressor em objeto de consumo, limitava seu potencial
transformador aos padrões estabelecidos pela ordem vigente (Brandão e Duarte, 1990; Caldas,
2008).
No Brasil, essa tendência se materializou na década de 1960, por exemplo, com o
movimento da “Jovem Guarda”, comandada pelo “Rei da Juventude”, Roberto Carlos, e seus
parceiros Erasmo Carlos, “O Tremendão”, e Vanderleia, “A Ternurinha”. Assim Antônio Carlos
Brandão e Milton Fernandes Duarte se referem à chamada “cultura do iê-iê-iê”:
“A nova moda entrava nos lares, nos ouvidos e nos guarda-roupas. Para os rapazes,
a onda era usar cabelos compridos – influência dos Beatles – e calças colantes bicolores,
com a indispensável boca-de-sino. A minissaia era a peça básica da ‘garota papo-firme’,
acompanhada por botas de cano alto e cintos coloridos. A juventude adolescente consumia
ferozmente todos esses produtos lançados por uma agência de publicidade, que, a partir de
uma campanha publicitária bem articulada, procurava explorar esse novo mercado
consumidor que se abria com a expansão dos meios de comunicação e o desenvolvimento
urbano no país” (Brandão e Duarte, 1990, p. 65).
Não obstante, ações importantes marcaram o cenário político estudantil no período
compreendido entre fins dos anos 1950 e meados dos anos 1960, tais como os debates sobre a
reforma universitária e a chamada greve do 1/3, ocorrida em 1962. Aliás, uma importante onda de
protestos deflagrada em 1966 rompia o silencia instalado no meio estudantil desde 1964 (C.f.
Martins Filho, 1987, p. 99-109; Mendes Júnior, 1982, p. 74-80) num contexto que o movimento da
“Jovem Guarda” atingia seu auge.
A mesma relação vale para os anos 1970. Conforme aponta a socióloga e ex-ativista
estudantil Helena Abramo, pode-se verificar naquele período a existência de uma “indústria
cultural” identificada com o “processo de despolitização”, de um “ufanismo das classes
dominantes”, associados a “valores superficiais, consumistas e moralizantes da classe média” e que
assumiram a juventude como público alvo. Não obstante, “contra esse universo político e cultural”
onde “ditadura, autoritarismo e mediocridade se associavam e se mostravam reinantes”, se articula
“toda uma série de produções alternativas, de semanários como ‘Opinião’ e ‘Movimento’, a grupos
de teatro, revistas e filmes ‘underground’, poesia marginal, etc”. E nesse processo os estudantes e a
universidade desempenharam papel fundamental (Abramo, 1994, p. 75).
Na década de 1980 não poderia ser diferente. Sob o predomínio da “falta de saco”, muitos
estudantes, ainda que de forma não organizada – quer dizer, não articulados em torno de uma
identidade estudantil ou de entidades representativas estudantis – integraram-se ao movimento pelas
Diretas Já em 1984 e na campanha presidencial de 1989, por exemplo (Barros, 1986/1987, p. 91;
Rodrigues, 1993; Lorenzotti, 1989; Martins Filho, 1998, p. 24). Tais processos confirmam as
considerações de Catani e Gilioli (2008), para os quais:
“Nenhum desses estereótipos (da posição ‘revolucionária’ ou ‘rebelde’ à
‘alienação’) corresponde ao que era – e ao que é hoje – a juventude. A multiplicidade de
comportamentos jovens existentes em cada geração não pode ser reduzida a um traço – ou a
alguns poucos traços – que supostamente resumiriam a condição estudantil de todo um
período. Na prática isso significa dizer, por exemplo, que nem todos os jovens das décadas
de 1960 e 1970 eram ‘revolucionários’, seja no campo da política, dos costumes, da música
ou da moda. Muitos eram tradicionalistas, conservadores, etc. De modo similar, nem todos
os jovens da atualidade são ‘consumistas’ (no caso das camadas médias e altas),
‘delinquentes’ (quando se refere aos pobres) ou ‘desocupados’. Há muitos que se interessam
por política, participam de movimentos sociais e trabalham” (Catani e Gilioli, 2008, p. 72-
73).
Considerações como estas nos alertam sobre os riscos, por exemplo, de mitificação das lutas
estudantis dos anos 1960 e 1970, o que tem contribuído para ofuscar o complexo processo de
politização ocorrido meio universitário daquele período. Em estudos publicados em 1965 e 1972,
Foracchi aponta não somente que a turma mais mobilizada na época era uma minoria (Foracchi,
1965, p. 279; idem, 1972, p. 36 e 80) e que as dificuldades de mobilização da “massa” estudantil
eram atribuídas por essa minoria a uma “falta de visão do estudante universitário” (Foracchi, 1965,
p. 232); mas destaca também o modo como isso se refletia no cotidiano do movimento estudantil na
época. Relatando o processo de mobilização ocorrido na USP no contexto da luta pela reforma
universitária, mais especificamente na deflagração da greve estudantil de 1962, Foracchi destaca ser
mais fácil conquistar a adesão da “massa” à paralisação do que mantê-la em movimento. Isto
porque, para além das pautas específicas da greve, o conjunto da população estudantil sente o peso
do acúmulo de tarefas acadêmicas e adere ao movimento também como estratégia de adiamento dos
calendários de trabalhos e provas finais, politizando-se muitas vezes no próprio processo de
mobilização (Foracchi, 1965, p. 226).
Para além desta atitude, digamos, oportunista e despolitizada, o jovem da época era também
movido pela frustração de expectativas em relação, por exemplo, à infra-estrutura da universidade,
ao conteúdo dos currículos e à possibilidade de inserção no mercado de trabalho. Em preocupações
como essa reside o germe de radicalismo do protesto estudantil dos anos 1960 (Foracchi, 1982, p.
58). Isso é que conduz Foracchi a caracterizar movimento estudantil como um estilo de
engajamento político juvenil como um movimento que – embora possa se radicalizar mediante
identificação com os setores oprimidos da sociedade – expressa as frustrações do segmento no qual
majoritariamente era recrutada a população estudantil universitária, qual seja, a classe média
(Foracchi, 1982, p. 33). Tais considerações problematizam os estereótipos correntes, evidenciando
que uma frustração que se poderia caracterizar como despolitizada (presente nos anos 1960 como
nos dias hoje), não impediu – ao contrário, lastreou – o processo de radicalização da luta estudantil
ocorrido há 40 anos atrás.
Os elementos aqui expostos permitem apontar, em suma, que se é verdade que “a relação
entre jovens e política perdeu força relativa nas décadas de 1980 e 1990” (Catani e Gilioli, 2008, p.
81), isso não significa que valores como consumismo, individualismo e expectativa de ascensão
social, erroneamente tomados como exclusivos ao período de hegemonia neoliberal, possam ser
considerados como fatores suficientes para tanto. Também não significa, tampouco, que a presença,
e mesmo predomínio, destes valores e expectativas constituíram em anos anteriores, ou devam
constitui hoje, um impeditivo absoluto às expressões de protesto estudantil. Mais que isso: tais
valores e expectativas compõem o terreno necessário sobre o qual se desenvolve toda a politização,
já que ninguém nasce politizado. Em suma, tais indicações sugerem fortemente a incapacidade
desta leitura, que atribui à uma crise de valores desencadeada pelo neoliberalismo a causa primeira
da aparente “crise do movimento estudantil”.

“Falta de integração”: crise de identidade ou de vivência

Há ainda quem considere fatores como a “falta de integração” ou de “vivência”


universitária, e a “dificuldade de comunicação” ou de “democratização das informações”, ou ainda
à inexistência de uma “identidade coletiva”, supostamente existentes no meio estudantil, como
causas da crise do movimento. Menos comum que as demais teses, esta emerge, por exemplo, em
contextos marcados pela dificuldade de se articular movimentos localizados nos cursos e faculdades
em ações de protesto mais amplas – caso das greves estudantis de 2002 e 2009 na USP, para citar
dois episódios relativamente recentes.
Um primeiro exemplo desta leitura pode ser localizado em documento produzido por uma
chapa apresentada às eleições do DCE da Universidade de Brasília (UnB) em 2007, composta pelo
Coletivo Reconstruir o Cotidiano, que teria mostrado “preocupação com a falta de integração do
movimento estudantil e com a apatia dos estudantes alheios às discussões do DCE” [grifo nosso]
(Heitor, 2007). Segundo relatório de reunião do grupo realizada em 2008, dentre outros fatores (que
remetem inclusive às demais leituras apontadas aqui), são considerados “problemas do movimento
estudantil na UnB”:
“Falta participação (integração/contato com os estudantes) […]; dialogamos e
disputamos pouco a opinião dos estudantes (linguagem e falta de política) […]; a
comunicação/integração da rede do movimento estudantil não funciona (grupos extensão,
CAs, PETs, DCE, outros) […]; os grupos políticos organizados [...] são muito fechados […];
as gestões de entidades não têm projeto político claro (dispersão dos membros) […]; falta
unidade entre os grupos para pautas comuns (pouco se trabalha as convergências)” [grifos
nossos] (Coletivo Reconstruir o Cotidiano, 2008).

Conforme já indicado, eu, enquanto militante, oscilava entre esta formulação e a da crise de
valores, analisada anteriormente. Segundo documento de minha autoria, elaborado em fins de 1999,
a situação do movimento se devia à “falta de informação por parte dos estudantes. Isso faz com que
não proponham, não elaborem projetos”, o que, acreditava, os afastava da militância (Menegozzo,
2000). Em 2002, em contribuição à carta-programa de um chapa concorrente à diretoria do Centro
Acadêmico de Ciências sociais da USP, afirmava que “uma das razões que [...] contribui para o
esvaziamento do movimento” é uma “crise de identidade”, que “consiste [...] no não
reconhecimento do conjunto do corpo discente enquanto uma categoria” (Composição Publica,
2002). Em ambos os documentos apontava para a inexistência de um campo de experiência ou de
uma identidade comuns no meio estudantil enquanto elemento decisivo à fragmentação das lutas.
Elementos essenciais desta leitura aparecem também em documentos produzidos por
militantes estudantis nos anos 1980, tais como o anteprojeto de tese apresentado a um Encontro de
Estudantes do PT realizado em 1985. A despeito da presença de elementos característicos de
diferentes leituras, já analisadas anteriormente – o que se deve provavelmente ao esforço de
coesionamento da heterogênea base social do PT no meio estudantil –, a reflexão aponta para um
quadro de intensa fragmentação e de perda de identidade coletiva entre os estudantes. Segundo
aquele documento, “a crise do movimento estudantil”:
“[...] salta aos olhos quando se observa o grande número de entidades de base se
dissolvendo, quando se vê a autonomização das entidades gerais face à base do movimento,
com suas instâncias parlamentarizadas e, em consequência, com suas decisões quase nada
significando em termos concretos. Ou quando se assiste à despolitização do movimento e
sua total fragmentação. Enfim, um quadro de verdadeira perda de identidade política e
ideológica” (Partido dos Trabalhadores, 1988, p. 88).

Em períodos mais recusados ainda, como a década de 1970, são numerosas em documentos
produzidos por estudantes de importantes núcleos universitários do país as referências a um
processo de fragmentação da sociabilidade no ambiente acadêmico – e mesmo de ausência de uma
“vivência universitária” –, bem como o impacto desse processo sobre a mobilização estudantil.
Num simpósio realizado no curso de Ciências Sociais da USP no início de agosto de 1972, por
exemplo, essa questão mereceu atenção especial. Segundo registram os relatórios daquele evento,
alí concluiu-se que “não existe, verdadeiramente, vida universitária” no curso (Centro
Universitário..., 1972a e 1972b).
Frente aos vários exemplos de passagens em que a fragmentação e a falta de vivência são
indicados como determinantes à chamada “crise do movimento estudantil”, cumpre-nos analisar o
modo como as diferentes visões projetam a superação dessa dificuldade. Dentre as soluções
propostas para aquela suposta “crise”, tal qual formulada, destacam-se, entre outras, a implantação,
junto às entidades representativas, de mecanismos de dinamização da “vivência” universitária
mediante a renovação dos espaços coletivos das universidades e entidades estudantis; além da
intensificação dos esforços de democratização de informações, como a publicação de jornais e
convocação de reuniões ampliadas e a formação de comissões de representantes de sala; e até o
reforço de iniciativas como a unificação da intervenção das correntes organizadas.
Os registros do simpósio de Ciências Sociais realizado na USP em 1972 revelam que, entre
as sugestões indicadas ante à inexistência de uma verdadeira vivência universitária no curso,
constavam propostas como a “criação de comissões de classe (renovadas mensalmente) para
participação de tudo que ocorre dentro da faculdade e da universidade, em todos os campos
(esportivo, cultural, etc.)”, a “criação de um centro de vivência de professores e alunos” (Centro
Universitário..., 1972b); a “criação de um centro aglutinador, como um Teatro da USP, ou um
cinema, que propiciasse debates entre os alunos”; e até a “realização, pelos alunos, de uma pesquisa
sobre a falta de Vida Universitária, levada a cabo junto com os estudantes de Psicologia” (Centro
Universitário..., 1972a).
Avaliações que apontam que a superação da fragmentação do movimento passa pela
unificação das tendências organizadas podem ser encontradas, por sua vez, no anteprojeto de tese
apresentado ao Encontro de Estudantes do PT realizado em 1985. Nele, a fragmentação do protesto
estudantil é tida ou como uma política deliberada de atomização das lutas ou como reflexo da
intervenção desarticulada das correntes organizadas, que supostamente instrumentalizam as
entidades representativas estudantis ao invés de encará-las como entidades de frentes de massa.
Segundo aquele documento:
“As entidades precisam ser encaradas como organismos de massa, capazes de
promover a unidade dos estudantes. Para tanto, a primeira questão a ser atacada é a dos
programas, que não podem ter como objetivo maior marcar a cara do partido que as dirige,
mas serem a expressão de uma linha de massas, onde se precisa trabalhar muito mais as
questões da escola, do curso e da juventude. Um segundo aspecto é a capacidade de
equacionar as diversas correntes em seu interior. Uma política de diretorias unitárias com
base no processo de proporcionalidade é uma perspectiva para bem relacionar as forças e
garantir a realização do programa. Por fim, a democracia interna precisa ser exercida com a
realização de congressos que decidam sobre os estatutos e carta de princípios, e com a
criação de organismos de controle da diretoria, a representação direta dos estudantes
através dos conselhos de representantes de turma” [grifo nosso] (Partido dos Trabalhadores,
1988, p. 91).

Uma avaliação pormenorizada das formulações em questão revela que, em função de seu
caráter em geral mais intuitivo, tais leituras são muitas vezes incapazes de apontar claramente a
causa efetiva do problema que identificam, o que as conduzem a uma certa incongruência entre o
diagnóstico e as propostas de superação do problema. Prova disso encontra-se no próprio
anteprojeto de tese produzido por estudantes petistas em 1985. Ao mesmo tempo em que indica
uma série de políticas com vistas a “promover a unidade dos estudantes”, num contexto de crise
marcado pela “total fragmentação” e por uma “crise de identidade política e ideológica”; o
documento aponta que as “as causas desta situação” de refluxo remetem, para além da divisão entre
as correntes e da forma anti-democrática com que se estruturam as entidades representativas,
também ao fato “de que os estudantes não têm peso no processo de produção e que a crise
econômica restringiu o papel da universidade como formadora de mão-de-obra qualificada e
promotora da ascensão social” (Partido dos Trabalhadores, 1988, p. 88). “Desta forma”, continua o
documento “movimento estudantil torna-se incapaz de obter conquistas substanciais ou conferir
uma trajetória de maior durabilidade às suas lutas fora de um quadro de ascenso do movimento
operário, ou sem que suas lutas estejam aliadas a este movimento” – algo que “os setores
majoritários” do movimento à época supostamente insistiam em fazer (Partido dos Trabalhadores,
1988, p. 88-89).
O próprio documento esclarece, entretanto, que “as mobilizações dos trabalhadores
continuam ocorrendo”, mas que “o movimento estudantil ainda não saiu da crise que atravessa já há
alguns anos” (Partido dos Trabalhadores, 1988, p. 88). Isto, sem prejuízo às propostas nas quais a
“total fragmentação” e a “crise de identidade” – elementos que apareciam como causas da suposta
“crise” do movimento – poderiam ser enfrentadas mediante a consideração das entidades
representativas como “organismos de massa” por parte das tendências, e não como meros aparelhos
de sua própria política.
A relativa imprecisão, e mesmo confusão, a respeito das causas do processo de
fragmentação estudantil, patente nos argumentos citados, é comum a toda uma série de formulações
identificadas com aquilo que se definiu aqui como a tese da “crise de identidade”. Formulações
estas que incluem ainda os vagos diagnósticos que a associam à crise de paradigmas provocada pela
emergência da pós-modernidade, e a resignação esotérica suscitada pela chegada da Era de Aquário
– ponto de vista que, acredite você, teria sido apresentado em rodas de debate ao longo da greve
ocorrida na USP 2009. Incapazes de identificar claramente as causas dos fenômenos que captam de
modo relativamente intuitivo, as formulações identificadas com a chamada “crise de identidade”
revelam-se, assim, insuficientes para compreender adequadamente a situação vivida pelo
movimento estudantil nas últimas décadas.

“O poder jovem” e a sublimação da crise

Além dos mitos de que a crise do movimento estudantil se deve sobretudo à atuação dos
partidos políticos, aos partidos burocratizados, ao desinteresse do estudante pela política ou à falta
de integração e de vivência universitárias, vale ressaltar também a existência do mito mediante o
qual a suposta “crise”, apontada nas demais leituras, é simplesmente sublimada – o mito do poder
jovem. Desse ponto de vista, conforme indica o sociólogo João Roberto Martins Filho, os
movimentos estudantis não são considerados a partir dos aspectos que os singularizam em cada
tempo e lugar. Ao contrário, sua trajetória é assumida como a realização de uma tendência natural à
contestação, à rebeldia, e à identificação em relação às aspirações nacionais e populares, tida como
intrínseca à condição estudantil (Martins Filho, 1987, p. 18-23).
Esta leitura encontra-se num estudo realizado pelo jornalista Arthur José Poerner intitulado,
O Poder Jovem, publicado originalmente em 1968. Mesmo em não se tratando de um documento
produzido por militantes estudantis, a obra exerce sobre estes notória influência política. Essa
caracterização é reforçada não apenas pela sua reiterada caracterização como uma espécie de
“bíblia” da história do movimento estudantil (C.f. Saldanha, 2005); mas também na sua reedição
1979, 1995 e 2004. Isso sem contar a reimpressão clandestina efetuada por estudantes paulistas em
1977 e que passou a ser considerada, na edição de 2004, como uma 2ª edição do livro. A
perspectiva de idealização das lutas estudantis, que atravessa toda a obra, é notória desde o prefácio
do General Pery Constant Bevilaqua à edição de 1968. Nas palavras de Bevilaqua:
“Ele [Poerner] focaliza, assim, a contribuição dos moços estudantes na construção da
própria pátria, que é a associação da pátria física, com seus encantos naturais, à pátria moral,
com sua história, que é o repositório de suas belezas morais. Esta é a alma vivificadora
daquela. A mocidade brasileira, como mostra o autor, esteve sempre presente, ou foi
pioneira, nos grandes movimentos cívicos que a nossa história registra” [grifo nosso]
(Poerner, 2005, p. 20).

Mais adiante, afirma o General que:


“A mocidade é [...] sinônimo de generosidade. Quase invariavelmente, ela esposa as boas
causas; somente por equívoco poderá desviar-se, temporariamente, dos rumos certos,
democráticos, patrióticos, cristãos, nacionalistas. [...] Constituem os jovens estudantes uma
floração humana caracterizada por estuante patriotismo e que se destina a assumir, em futuro
próximo, postos de responsabilidade na direção dos destinos de nossa pátria” (Poerner,
2005, p. 25).

Poerner compartilha elementos essenciais das formulações do prefaciador da sua obra. Na


introdução d´O Poder Jovem, afirma claramente:
“O estudante aqui, como em muitos outros países da América Latina, é movido por
algo mais do que o simples espírito anarquista que caracteriza o jovem moderno na Europa
ou nos Estados Unidos. Esse algo mais, que torna o estudante brasileiro muito mais maduro
politicamente do que seu colega europeu ou norte-americano, consta de uma profunda
decepção quanto à maneira como o Brasil foi conduzido no passado, de uma violenta revolta
contra o modo pelo qual ele é dirigido no presente e de uma entusiástica disposição de
governá-lo de outra forma no futuro. Devido a essa perspectiva de poder – que muitas
pessoas, imediatistas e carentes de imaginação podem considerar utópica, mas que é,
afinal, uma consequência inevitável das leis naturais –, o estudante brasileiro é um
oposicionista nato” [grifo nosso] (Poerner, 2004, p. 39-40).

Esta visão idealizada e até ufanista adotada pelo autor se manifesta claramente ao longo de
todo seu trabalho. Não apenas do ponto de vista da forma – mais precisamente no estilo
grandiloquente e solene que é característica a abordagens como esta –, mas principalmente em
termos do conteúdo, ou seja, enquanto chave de interpretação das manifestações de protesto
estudantil observadas na história do Brasil. Em edições mais recentes de seu estudo, referindo-se à
participação dos estudantes na luta armada contra regime instaurado no Brasil com o golpe de 1964,
afirma o autor que:
“[...] o poder jovem foi constrangido pela ditadura ao silêncio ou ao engajamento na
luta armada, uma tragédia para todos os brasileiros, quaisquer que sejam as suas posições
políticas, por haver representado o sacrifício de uma geração heróica e idealista – talvez a
melhor e mais completa com que o país contou em seu meio milênio de existência” [grifos
nossos] (Poerner, 2004, 276).

Presente no movimento desde pelo menos os anos 1950, esta concepção acompanha o
protesto estudantil até hoje (Saldanha, 2005 e 2008), encarnada sobretudo nas leituras romantizadas
das manifestações de 1968 (Hagemeyer, 2008). Em nota divulgada pela UNE à época de sua
reconstrução em 1979, por exemplo, essa influência é patente. Segundo a nota, “os estudantes
sempre estiveram ao lado do povo brasileiro em todas as lutas” (Romagnoli e Gonçalves, 1979, p.
4). A influência daquela visão mitificada das lutas dos anos 1960 sobre a representação que faziam
os estudantes dos anos 1970 acerca de suas lutas passadas, é apontada por diversos trabalhos.
Pellicciotta, por exemplo, referindo-se à obra de Poerner, considera que:
“O retorno de O Poder Jovem para o interior das movimentações estudantis dos anos
[19]70 [...] é muito significativo, tanto como fonte de dados quanto de identidade militante; de
forma que esta obra exerce um papel fundamental no processo de reconstrução institucional
dos anos [19]70 como instrumento de resgate e legitimação de ideários organizados em
recomposição” (Pellicciotta, 1997, p 24).
Mas não é somente nesse momento de efervescência política que se pode observar o peso da
obra de Poerner no cenário político estudantil. Mesmo no período de relativo descenso da atividade
que se seguiu à refundação da UNE, a presença desta tese em documentos produzidos pelos setores
majoritários na diretoria da entidade é marcante. Este é o caso do relatório de Aldo Rebelo, ex-
militante da União da Juventude Socialista (UJS) e presidente da UNE entre 1980-1981,
apresentado como informe ao 7º Congresso Nacional do PCdoB realizado em 1988. Segundo
Rebelo:
“O mais importante na juventude é o impulso revolucionário natural, próprio da fase
de transição em que se encontra na vida. [...] A experiência ainda pequena não a impede de
realizar feitos, pois tem a seu favor a colossal generosidade com que abraça a causa dos
explorados” [grifos nossos] (Rebelo, 1989, p. 174).

O depoimento de Lindbergh Farias à edição de 1995 de O Poder Jovem aponta neste mesmo
sentido. Refletindo sobre a influencia exercida por aquele trabalho sobre sua trajetória política
relembra: “li o livro de Poerner quando já estava no Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal da Paraíba e nele me inspirei para continuar uma luta há tantas décadas por
outros começada e por tantos milhares de estudantes já trilhada” (Poerner, 2004, p. 15). Revelando
a força e a profundidade daquela influência, sentencia: “os estudantes não se conformam em ver a
vida passar na janela da sala de aula sem nela interferir. É inerente à juventude a rebeldia, a
necessidade de contestar, de gritar seu inconformismo com as injustiças” (idem, p. 16). “O
movimento estudantil”, conclui, “é fiel depositário dessa vocação libertária juvenil” (idem) [grifos
nossos].
A ampla difusão e profundo enraizamento desta tese junto ao movimento não deve ser
subestimada. As teses que atribuem a suposta crise do movimento aos partidos, à traição das
direções e ao desinteresse do estudante pela política, ao contraporem o atual contexto de crise a uma
leitura romantizada de protestos anteriores como as passeatas de 1977 (C.f. Ribeiro e Mariutti,
2007) e pelo “Fora Collor” em 1992 (C.f. Contraponto, 2008), por exemplo, projetando sobre elas o
mito d´O Poder Jovem, contribuem sobremaneira para atualizá-lo historicamente.
Ao omitir-se em relação às singularidades que caracterizam o protesto estudantil em cada
tempo e lugar, o mito d´O Poder Jovem ignora rotundamente a crise do movimento, apontada nas
demais leituras aqui analisadas, insistindo numa abordagem idealizada da história do movimento
estudantil. Desse modo, em nada contribui para a reflexão acerca dos seus desafios atuais, a não ser
como objeto de investigação e crítica sistemáticas. Por outro lado, mesmo reconhecendo a
existência de uma crise, ao se justificarem sobre as mesmas premissas e não refletirem sobre a
determinação histórica da disposição militante, naturalizando-a, em muito as demais teses
aproximam-se do mito d’O Poder Jovem. Isso revela o enraizamento desta concepção entre os
coletivos e lideranças estudantis e, concomitantemente, sua dificuldade em caracterizar
adequadamente a situação atual de seu próprio movimento.
Parte 3. Movimento estudantil na atualidade

Em crise, estudantes só se articulam em pautas efêmeras11

“Ocupações, greves, fragmentação política. Nos últimos anos, temas como esses pautaram os
debates em torno do movimento estudantil brasileiro. Em entrevista, o sociólogo Carlos
Menegozzo, do Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo, afirma que o
movimento estudantil enfrenta “uma crise prolongada, pontuada por ações de protesto tão
explosivas quanto efêmeras”. Mais. Ele comenta as novas perspectivas de organização da União
Nacional dos Estudantes (UNE) diante da criação do Programa Universidade para Todos
(Prouni). A reforma universitária, segundo ele, é um dos principais elementos para que a
mobilização dentro do movimento estudantil atinja um número maior de pessoas”.

Eduardo Sales Lima (Brasil de Fato) – Atualmente, você acredita que ocorre um processo de
reorganização política e ideológica do movimento estudantil? Sobretudo após as ocupações
das reitorias em 2007?
Carlos Henrique M. Menegozzo – Sou cético em relação ao que se tem chamado de “novo
movimento estudantil”. As ocupações de 2007 e 2008 reforçam uma tendência histórica do
movimento nas últimas décadas, em que há uma crise prolongada, pontuada por ações de protesto
tão explosivas quanto efêmeras. Esse processo se dá sobre uma base objetiva que remonta à reforma
universitária de 1968, quando as instituições se fragmentaram, dividindo também o movimento.
Cada universidade ou faculdade têm perfil e movimento próprios, enquanto, nos cursos, as turmas
se diluem com o sistema de matrícula por créditos. Os movimentos explosivos e efêmeros emergem
quando, apesar de uma crise prolongada e da dedicação militante, a diversidade de experiências
estudantis fragmentadas se articula circunstancialmente em torno de uma pauta comum. Foi isso
que ocorreu em 2007: o movimento se tornou coeso em torno das ocupações, tomadas como forma
de protesto. O mesmo se deu no “Fora Collor” com a questão da “ética na política”. Daí meu
ceticismo em relação à ideia de um “novo movimento estudantil”.

11
Entrevista concedida a Eduardo Sales Lima e publicada no jornal Brasil de Fato (n. 334, 23-29 ago. 2009, p. 6).
O que muda na organização do movimento estudantil no Brasil a partir do acesso de um
número maior de jovens no ensino superior, sobretudo nas universidades privadas? A
tendência da UNE, hoje, é debater mais com esses estudantes?
A ampliação do ensino superior não é uma novidade. Historicamente, me parece que está associada
a um incremento da atividade política na universidade. Foi assim nas reformas de 1870 e 1940-
1960, por exemplo. Mas há outros fatores que determinam o protesto estudantil e, por essa razão,
uma coisa não leva à outra necessariamente. Esse é caso dos anos de 1980 e posteriores. Quanto às
instituições particulares, também não são novidade. Não vejo sua ampliação como uma mudança
substantiva em termos de impacto sobre o movimento: reforçam a tendência à fragmentação
intensificada desde a reforma de 1968. De todo modo vale o registro de que, nas particulares, por
sua natureza e composição social, fatores como a pressão do mercado são maiores, o que pode
afetar o nível geral da mobilização. Quanto à UNE, penso que sua intervenção compreende e
organiza melhor a experiência e as reivindicações desses setores. Coisa que a porção minoritária da
diretoria da entidade, apesar da maior radicalidade de seu programa, não consegue, e deveria, fazer.

O movimento estudantil já foi mais combativo ou isso é um mito levado a cabo pelos
saudosistas? Hoje o estudante sobrepõe as questões práticas às ideológicas?
O movimento já foi mais forte e politizado, e isto não é um mito. Obviamente há toda uma
mitologia que se construiu em torno de episódios como o maio de 1968 e muitas vezes isso impede
o movimento de perceber certos processos: quem acha que nas ações de 1968 todo mundo era
socialista, por exemplo, não vai entender porque a participação diminuiu na universidade de lá para
cá. Nesse contexto, a falta de participação acaba sendo explicada pela presença dos partidos ou pela
“traição das direções”. Insuficientes, tais leituras ignoram variáveis como a dificuldade de inserção
no mercado de trabalho, além das responsabilidades ou dependência do estudante em relação à
família, que afetam a disponibilidade e a disposição para a militância. Paralelamente a isso, existem
também formas de politização que o militante não compreende e, nesse caso, a aparente falta de
interesse do estudante reflete também a incapacidade do movimento em falar a língua dele.

A representatividade partidária dentro dos diretórios centrais de estudantes (DCEs) é


legítima? Em que sentido ela pode atrapalhar a ação política dentro do espaço universitário?
A presença é legítima porque a entidade é expressão de um conflito de ideias que ocorre na sua base
política. E os partidos são uma forma de organizar coletivamente essas ideias tão legítima quanto os
grupos não-partidários. Muitos acham que a culpa pela crise do movimento é dos partidos, mas essa
leitura ignora o fato de que o movimento nunca foi tão forte e partidarizado quanto nos anos de
1960, nem tão fraco e despartidarizado quanto nos anos de 1980. Ou seja, a presença dos partidos
não é necessariamente sinônimo de crise e desmobilização. Mas os partidos têm ajudado pouco: não
têm cumprido a sua função, que é a de levar o movimento a se pensar no quadro geral – uma
condição imprescindível para a superação de sua atual crise. Por essas razões, acho que falta ação
partidária na universidade, apesar da presença dos partidos. Mais que legítimos, portanto, os
partidos são imprescindíveis.

O movimento estudantil está mais próximo dos movimentos sociais?


Não me parece haver uma mudança substantiva nesse sentido em relação às últimas décadas. A
relação existe, mas na falta de projeto global de sociedade – e aí o problema é dos partidos, como
disse antes – essa relação se reduz a uma somatória de reivindicações corporativas, o que
efetivamente não transforma a sociedade. O quadro hoje está mais para “cada um na sua, mas com
alguma coisa em comum” do que para uma ofensiva contra-hegemônica. Não basta estar lado a
lado, é preciso haver um acordo em relação a um eixo estratégico. Quanto mais próximo estiver
esse eixo do “elo fraco da cadeia”, então mais efetivo será o papel dos movimentos, inclusive do
movimento estudantil, na luta geral. Mas, para isso, insisto, falta uma atuação partidária mais
consistente.

Por não haver um impulso à formação política, o movimento estudantil, hoje, é mais reagente
que agente? Parece que os estudantes uspianos só aderiram à greve por causa da presença da
PM na USP.
Acho que há uma ligação entre esses dois elementos. Como disse anteriormente, a coesão
circunstancial de experiências fragmentadas em torno de uma pauta comum é uma tendência do
movimento estudantil nas últimas décadas. O movimento recente não escapa a essa dinâmica: nesse
caso, foi a violência policial que detonou o mecanismo. Vejo a formação política como um dos
fatores que podem ajudar a esquerda e o movimento a compreender historicamente essa dinâmica e
a equacioná- la estrategicamente. Na falta de uma formulação estratégica, impossível sem formação
política, a tendência é não pautarmos a conjuntura e a história, mas sermos pautados por elas. Por
outro lado, é verdade que certas leituras que fazemos da história, a partir das quais construímos
nossa própria identidade, tornam a experiência e o estudo bastante seletivos, impedindo que se
abram à compreensão do real. Nesses casos, doutrinária, a formação não resolve, mas agrava o
problema da “reatividade”.

Qual o maior desafio para que o movimento estudantil seja massivo e atinja um número
maior de estudantes?
Como num bolo, a forma é tão importante quanto a massa. Isso também vale para os movimentos:
quer dizer, não basta a receita do protesto estar ali, pois sem expressão organizada não há
movimento, mas ações espalhadas. Acho que nesse contexto a massificação se constrói em duas
frentes. Primeiro, é preciso sensibilidade por parte do movimento para dialogar com as experiências
e culturas estudantis que se multiplicam com a fragmentação da universidade, ampliando e dando o
máximo de coesão ao movimento. Do contrário o movimento vira um gueto e é exatamente isso que
tem acontecido nas últimas décadas. Segundo, é preciso superar a base objetiva, fragmentária, sobre
a qual os movimentos existentes se dispersam. E, para isso, é preciso uma reforma universitária, que
por sua vez depende não somente da luta estudantil, mas de uma mudança na correlação geral de
forças. Insisto uma vez mais: faltam aos partidos capacidade de estabelecer uma estratégia que
permita essa mudança. E é por essa razão que estou convicto de que a crise do movimento é, na
verdade, uma crise da esquerda.
Lutas estudantis hoje, em perspectiva histórica12

Resumo: Aborda a dinâmica do movimento estudantil na atualidade, identificando a persistência de


uma situação de refluxo, atribuída a uma série de mudanças econômicas, políticas e educacionais
ocorridas na passagem dos anos 1970 para os 1980. Aborda também, em perspectiva comparativa,
as ações dos anos 1960, cujas visões correntes confundem processo histórico e mitificação; bem
como o papel desempenhado pelos partidos em cada época, desconstruindo a tese de que a “crise”
do movimento se deve à sua presença no meio universitário. Ao final, propõe uma periodização das
lutas estudantis no Brasil e reflete sobre a articulação das lutas estudantis específicas com as lutas
gerais.

Lucas Cajueiro (jornal Esquina) – Comparando com os anos da ditadura, parece que, hoje
em dia, o movimento estudantil universitário perdeu força e foco. Isso é verdade? Qual a
razão disso?
Carlos Henrique M. Menegozzo – Sim, é verdade. E as razões são várias. Para compreender isso é
preciso entender que o movimento estudantil no Brasil é determinado por vários fatores: resulta de
tensões estabelecidas no quadro de experiências da classe média de uma economia capitalista
dependente, produzidas por conflitos geracionais e familiares e por expectativas e frustrações de
ascensão social, cuja reelaboração e organização no ambiente universitário podem ou não
desembocar num estilo radical de engajamento identificado com os setores oprimidos da sociedade.
Transformações ocorridas ao longo dos anos 1970, tais como a fragmentação do sistema de ensino
superior e a retração da atividade econômica, incidiram sobre esses fatores. Ao fragmentar o
movimento e reduzir a autonomia do estudante em relação à família em função do desemprego e da
pressão pela realização acadêmica e profissional, por exemplo, essas transformações contribuíram
para dispersar e enfraquecer as lutas estudantis.

Hoje, mesmo estudantes que têm alguma disposição de participação não se interessam pelos
movimentos estudantis. Como isso se relaciona com as transformações que você mencionou?
O fato da disposição de engajamento existente não ser canalizada necessariamente na forma de
movimento estudantil se deve a vários fatores. Primeiramente, à reforma universitária de 1968, que
fragmentou o sistema de ensino e, portanto, a sociabilidade e o protesto estudantis em diferentes
níveis: entre instituições, diferenciadas quanto à configuração institucional e dependência

12
Entrevista inédita, concedida em 2010 à Lucas Cajueiro, produzida originalmente para o Esquina, jornal laboratório
do curso de jornalismo do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).
administrativa; entre unidades de uma mesma instituição, que se isolam com a tecnicização dos
currículos; até o nível das turmas, diluídas pelo sistema de matrícula por crédito. Depois, com a
abertura política nos anos 1970/80, a universidade deixa de desempenhar o papel de refúgio
privilegiado à produção intelectual e artística crítica ao regime. Nesse contexto, os estabelecimentos
de ensino se perdem enquanto espaço de encontro e relaboração de experiências, fazendo dispersar
o engajamento existente em formas de participação que, ao contrário do movimento estudantil, não
se definem pelo pertencimento as instituições superiores; formas de participação estas que a
esquerda nem sempre é capaz de compreender e organizar.

Algumas lideranças estudantis têm ligação com partidos políticos, inclusive muitos políticos
participaram do movimento. Esta ligação afasta ou aproxima os estudantes das causas dos
movimentos estudantis?
A ligação do movimento estudantil com partidos é objeto de muita polêmica. Muitos acreditam,
inclusive, que a crise do movimento se deve à presença dos partidos, mas uma análise comparativa
entre as lutas dos anos 1960 e 1980 desmente essa leitura. Quanto às “causas do movimento” eu
diria o seguinte: se por um lado os movimentos sociais se definem pela luta por bandeiras
corporativas, como a melhoria do ensino, por exemplo; por outro, a conquista dessas reivindicações
passa por uma leitura da realidade e um conflito que envolve outros setores organizados da
sociedade. Raramente os movimentos têm capacidade para elaborar leituras e traçar planos dessa
complexidade. Isso, no caso do movimento estudantil, é notório, sobretudo em função da
transitoriedade da condição estudantil. É aí que os partidos são imprescindíveis. Noutras palavras,
as “causas do movimento” – suas lutas corporativas – são importantes, mas sua viabilidade depende
de um projeto global de transformação que só os partidos podem articular. A questão é saber se os
partidos têm ou não cumprido essa função. Estou convencido que não.

Há algum fator que afaste os estudantes universitários deste tipo de movimento?


A leitura mais difundida é a de que os partidos provocam esse afastamento. Concordo apenas em
parte. A constatação de que nos anos 1960 o movimento ganhou força com a participação dos
partidos, e de que nos anos 1980 entrou em crise apesar do descrédito em que mergulharam, revela
que a presença dos partidos no movimento não é sinônimo necessário de desmobilização e crise. O
fato é que hoje, submetidos à fragmentação que acomete o meio estudantil como um todo, os
partidos se firmam enquanto redes estudantis guetificadas, como as atléticas, empresas juniores e
grupos de estudos, por exemplo. Diferenciadas em termos de experiências e aspirações culturais,
políticas e profissionais, estas redes frequentemente se chocam no meio universitário. A conflituosa
relação que envolve certos círculos estudantis e os partidos é uma expressão particular desse
processo de guetificação, embora não se explique unicamente por ele: caberia aos partidos
identificar as causas desse processo e equacionar estrategicamente a sua superação, o que não tem
acontecido. Sua incapacidade em cumprir essa tarefa é uma das tantas indicações de que aquilo que
se toma hoje por uma crise do movimento consiste, em última análise, numa crise da esquerda.

O movimento estudantil hoje é mais ou menos politizado?


Estudos indicam que a disposição de engajamento nos anos 1960/70 resultava inicialmente da
frustração de expectativas de ascensão social do jovem estudante de classe média – frustração ainda
presente no meio universitário, geralmente apontada como uma preocupação despolitizada. Os
mesmos estudos indicam que a turma mais combativa da época não só era minoritária, como estava
despreparada para lidar com essa situação: tomava a suposta “falta de visão” do estudante como
causa da dificuldade de mobilizá-lo politicamente. Isso significa que as lutas dos anos 1960/70
resultaram da politização de uma motivação inicialmente despolitizada; e que isso se deu de forma
mais ou menos espontânea ante a incapacidade da esquerda em conduzir esse processo
organizadamente. Nesses termos, creio que a atual crise do movimento se deve menos a uma falta
de politização dos jovens de hoje, e mais à incapacidade dos grupos de esquerda em politizar a
experiência cotidiana, o que deixou de ocorrer espontaneamente em função de transformações
sociais ocorridas ao longo dos anos 1970/80.

Hoje, há um maior acesso dos estudantes ao Ensino Superior, especialmente nas faculdades
privadas. Isso afeta de alguma forma o movimento estudantil? Há muita diferença entre os
movimentos estudantis das universidades privadas e das universidades públicas?
É preciso cautela ao falar de maior acesso. Muita gente acha que isso significa mais estudantes em
condição econômica desfavorável com acesso à formação superior, sobretudo na rede privada. Isso
é um mito. Diferenças de classe existem quando se considera cursos distintos ou fatores como
tamanho ou localização do estabelecimento de ensino, distribuindo-se de forma semelhante entre
instituições públicas e privadas. É preciso analisar dados recentes e verificar se houve mudança nos
últimos anos. Mas pelo menos até fins dos anos 1990 as redes pública e particular eram igualmente
elitizadas, acessíveis majoritariamente a estudantes de classes médias e proprietárias. Quanto às
diferenças, diria primeiramente que na rede particular o movimento tendia a ser fragmentado em
função da configuração dos próprios estabelecimentos. Mas isso tem se alterado com o crescimento
de federações de escolas e universidades particulares. A essa diferença se somam uma maior
dependência familiar do estudante, reforçada pelo peso das mensalidades sobre o orçamento
doméstico; e as proibições quanto ao acesso às instituições, a panfletagens e a passagens em sala.
Tudo isso contribui para conter e dispersar o movimento político na rede particular.
Qual a principal atividade do movimento estudantil atualmente?
É difícil falar numa única atividade principal já que o traço marcante do movimento nas últimas
décadas tem sido a fragmentação das manifestações. Algo próximo a isso pode ser identificado a
partir de uma análise panorâmica da situação, que revela um padrão: nos últimos 20 ou 30 anos,
num cenário de aparente desmobilização e crise, pontuam ações de protesto tão explosivas quanto
efêmeras. Se existe algo em comum entre esses movimentos desarticulados é o dilema que os
acomete ante tais ações explosivas, decorrente da incapacidade das lideranças estudantis e também
da esquerda de entender o mecanismo que está por trás disso: de um lado a imagem mitificada das
manifestações dos anos 1960/70; de outro, as circunstâncias do aparente desinteresse e da
desmobilização. No caso do movimento, isso se deve ao vácuo de memória coletiva condicionado
pela transitoriedade da condição estudantil. No caso da esquerda, deve-se ao interesse em
reproduzir as visões mitificadas sobre as quais se legitimam politicamente enquanto ocupantes de
diretorias em entidades representativas. Então se existe uma postura comum aos vários movimentos
desarticulados atualmente em curso eu diria que a perplexidade frente à dinâmica assumida pelo
próprio movimento estudantil é um dos aspectos que mais claramente se destaca.

É possível dividir por fases a história do movimento estudantil brasileiro? Quais as principais
diferenças, que você pode apontar, entre o movimento estudantil no Brasil de hoje e do
passado?
A tarefa não é fácil pois os critérios de delimitação possíveis são vários. Arriscando uma
combinação de diferentes variáveis, penso ser possível identificar pelos menos cinco ou seis fases
distintas. 1) Até fins do séc. XVIII, a participação política dos estudantes, recrutados entre as elites,
era pontual e esporádica. 2) Daí em diante, influenciados pelas revoluções francesa e americana,
passam a organizar-se em pequenos clubes e engajar-se em lutas de caráter republicano com a
abolição da escravidão. 3) Nos anos 1930, a instalação das universidades e o corporativismo
varguista favorecem a organização política do movimento que, sob a bandeira da UNE, assume nos
anos 1940/50 lutas nacionalistas e democráticas. 4) Já nos anos 1960, sob as frustrações de ascensão
social impostas às classes médias – setor em que passam a ser majoritariamente recrutados os
estudantes –, o movimento se radicaliza somando-se às pressões por reformas de base. Atingindo o
seu auge em 1968, se esgota em 1973 com a diluição da UNE. 5) No início dos anos 1970, sentindo
o efeito fragmentário imposto pelas transformações no ensino, o movimento se coesiona
transitoriamente em torno da luta contra a ditadura, reconstruindo suas entidades representativas. 6)
Enfim, na década de 1980, com a retração econômica e a redemocratização, o movimento perde
foco e força. E isso estabelece o cenário que, me parece, vivemos até os dias de hoje.
De forma se poderia atingir um maior número de estudantes com vistas à ampliação do
movimento?
Um esforço nesse sentido deve considerar dois desafios. Por um lado, é preciso sensibilidade para
compreender as culturas guetificadas que se estabelecem no meio universitário em função da
fragmentação (institucionalizadas na forma de grupos de estudo, associações atléticas, centros
acadêmicos, etc.). Por outro lado, é preciso admitir que a massificação do movimento depende de
outros fatores, dentre os quais a superação da dinâmica fragmentária que o condiciona, determinada
pela configuração assumida pelo sistema de ensino superior nas décadas de 1970 e posteriores. A
sensibilidade para aglutinar as energias existentes na forma de movimentos organizados deve ajudar
a preservar minimamente a educação dos ataques que tem sofrido. Mas não seria suficiente para
provocar uma transformação profunda o suficiente para uma reconfiguração de todo o sistema de
ensino superior, por exemplo. Daí a importância dos partidos. Seu papel é ajudar o movimento
estudantil a equacionar essa tarefa em interação com outros setores da sociedade nos termos de um
projeto global de transformação social. Na exata medida em que isso não tem ocorrido é que afirmo
uma vez mais: vivemos não uma crise do movimento estudantil, mas sim uma crise de viabilidade
histórica de um projeto radicalmente transformador.
Movimento estudantil para além da USP13

“A mobilização dos estudantes da Universidade de São Paulo (USP) contra a Polícia Militar no
campus fez o debate sobre o papel do movimento estudantil ser retomado. A mídia corporativa se
apressou em afirmar que as correntes estudantis dividem-se entre extremistas de esquerda violentos
e adesistas que se calam diante de movimentos como o de combate à corrupção. Para além dessa
análise superficial, o especialista em movimento estudantil e pesquisador da Fundação Perseu
Abramo, Carlos Henrique Menegozzo, discute os temas relativos às pautas dos estudantes, como a
presença de partidos nas entidades, o repúdio à PM nos campi e a configuração ideológica das
correntes mais atuantes. Confira.”

Renato Godoy de Toledo (Brasil de Fato) – O repúdio à PM no campus é uma bandeira


histórica do movimento estudantil, da USP e de outras universidades? Há outros exemplos de
movimentações como essa na história?
Carlos Henrique Menegozzo – Acho que a própria ideia das “bandeiras históricas” é uma primeira
questão a se debater. Muito mais que retratar uma realidade histórica, o emprego do termo reflete
uma busca por legitimação, como se “histórico” significasse “certo”. Mas a história muda e o que
foi correto numa época nem sempre será em outra. Ao mesmo tempo, o uso do termo reflete a
tentativa de recuperar um sentido de continuidade do qual carece o movimento em função da
transitoriedade da condição estudantil. Então, evitando a expressão, acho que o mais adequado seria
considerarmos que há uma tensão ao longo da história entre as forças policiais e um certo espírito
universitário, hoje marginalizado. Antes, mais do que atualmente, a universidade era considerada e
valorizada como espaço de reflexão, estabelecendo-se assim como foco privilegiado de contestação
cultural e política. Coisa que nunca combinou com ação policial, daí a tensão. Exemplos disso não
faltam: além da invasão da USP ocorrida em 2009, poderiam ser citadas as ações policiais
realizadas na USP, UnB e UFMG nos anos de 1970, quando a ditadura empenhou-se em impedir a
reorganização do movimento após o período mais duro de repressão política.

Ao criticar o movimento estudantil da USP, a mídia aponta que as bandeiras atuais são
ilegítimas, ao contrário daquelas dos que lutavam contra a ditadura. Qual é sua opinião sobre
esse fato e como era o posicionamento dessa mesma mídia sobre aquelas movimentações?

13
Entrevista concedida a Renato Godoy de Toledo e publicada no jornal Brasil de Fato (a. 9, n. 456, 24-30 nov. 2011,
p. 8).
A ação dos principais meios de comunicação no Brasil, concentrados nas mãos de poucos, reflete
geralmente interesses corporativos que se confundem com os da elite. Na ditadura, muitos desses
veículos que hoje celebram a luta democrática foram beneficiados e chegaram a colaborar
ativamente com o regime. E se alguma luta do movimento é considerada legítima ela, muito
provavelmente, é fruto das tentativas da própria mídia em manipular os estudantes a seu favor e a
favor dos grupos que representa. Isso ocorreu em importantes manifestações estudantis nos anos de
1968, 1977 e 1992, por exemplo. Hoje, esses meios ainda se pautam em função de interesses
corporativos e da sua associação com os grupos dominantes. Concretamente, tais interesses se
traduzem, por exemplo, na exploração comercial da violência e na tentativa de manipulação da
opinião pública, reduzindo a cobertura jornalística a um texto panfletário. Paradoxalmente, isso
acaba em parte beneficiando o movimento: quando retratado na imprensa, mesmo que de modo
distorcido, o meio estudantil recupera um sentimento de identidade coletiva enfraquecido nas
últimas décadas por uma série de fatores, o que potencializa ações mais massivas. Isso ocorreu na
USP com a invasão da PM em 2009 e tornou a ocorrer neste ano.

Esses agrupamentos da chamada ultraesquerda são uma novidade no movimento estudantil


da USP? Em sua opinião, essas agremiações têm chances de dirigir alguma entidade de
caráter nacional e pautar as ações dos estudantes?
Esses grupos não são uma novidade. Ao contrário, o meio universitário tem se mostrado um viveiro
de posições extremistas, tanto à esquerda quanto à direita. Esse processo é complexo e envolve uma
série de fatores estruturais e conjunturais. Entre os estruturais vale destacar a fragmentação da
sociabilidade no meio acadêmico, resultante de políticas de adequação do ensino às necessidades do
mercado. Tais mudanças, que vêm sendo implementadas desde os anos de 1970, implicaram, por
exemplo, na segregação das áreas do saber, refletida na arquitetura do campus, e também na
implantação do sistema de matrícula por créditos. Ao fraturar o convívio na universidade, essas
mudanças desencadeiam a formação de guetos de experiência no meio estudantil que se fecham
cultural e politicamente às diferenças, produzindo um ambiente propício ao desentendimento e aos
extremos. A ultraesquerda, em parte produzida por essa situação socialmente fragmentária, tem tido
dificuldades de superar sua própria estreiteza, de elaborar uma leitura da situação e de, assim,
dialogar com setores mais amplos. Na minha opinião, esses são alguns dos fatores que explicam a
incapacidade da ultraesquerda em assumir posições dirigentes.

Na União Nacional dos Estudantes (UNE), maior entidade estudantil do país, o PCdoB e o PT
são as maiores forças políticas há décadas. Por que na USP essa realidade não é refletida? Isso
é uma tendência histórica?
O PCdoB tem se mostrado mais eficiente em dialogar com amplos setores no meio estudantil, o que
o torna hegemônico na UNE. Ao mesmo tempo, assume um programa mais moderado e sofre o
desgaste à esquerda com o direcionamento dado àquela entidade há décadas. Isso o faz alvo de
oposição ferrenha junto a parcelas da esquerda, geralmente melhor implantadas em instituições
universitárias públicas de grandes centros urbanos, como a USP. Nessa parcela da esquerda
incluem-se partidos como PSOL, PSTU e correntes do PT, além dos grupos políticos minoritários
como os que protagonizaram a ocupação da reitoria da USP este ano. A ausência do PT na USP, por
sua vez, eu atribuiria a uma inflexão na conjuntura política da universidade com a crise de 2005.
Para alguns setores, aquela crise representou a prova da falência histórica do PT enquanto
instrumento transformador, reforçando posições que pretensamente se opõem ao petismo e ao
lulismo pela esquerda. Num contexto propício a extremos, esse movimento implicou também num
fortalecimento relativo da ultraesquerda, que apesar disso continua minoritária no meio
universitário.

A eleição do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, adiada para 2012, terá uma
chapa de direita chamada “Reação”. Diante da fragmentação da esquerda, você acredita que
movimentos como esses podem ganhar força? Existe algum exemplo na história parecido com
esse?
Uma análise mais sistemática da presença da direita no movimento estudantil acaba prejudicada
porque, diferentemente da esquerda, essa posição não chega muitas vezes a apresentar-se como uma
força política organizada. De todo modo, acredito que essa posição tenha adquirido mais peso e
capacidade organizativa nos últimos anos, por meio de grupos religiosos e partidos políticos. Esse
processo se insere num contexto geral de polarização ideológica que se tem observado no meio
acadêmico, ao qual me referi antes, e que se deve a inúmeros fatores estruturais e conjunturais. No
caso do fortalecimento da direita, em particular, eu não incluiria entre os principais fatores a
fragmentação da esquerda. Creio que essa fragmentação, ainda que seja uma causa a considerar, é
mais uma consequência do mesmo processo de polarização. Acho que o fortalecimento da direita na
universidade reverbera uma reação de parte das camadas médias e dos setores privilegiados da
sociedade ante aos avanços relativos obtidos pelos segmentos mais pobres das populações ao longo
do governo Lula. Ao mesmo tempo, esses grupos se ampliam canalizando um sentimento mais ou
menos difundido no meio acadêmico, e muitas vezes carente de orientação política clara, de crítica
aos excessos e equívocos da ultraesquerda, que aos olhares desavisados acaba associada
imediatamente à forma de organização partidária.
A crítica aos partidos políticos, que usariam os estudantes como massa de manobra, aparece
também nesse caso atual da USP. Essa crítica é válida?
Considero que esse é um dos temas centrais e complexos da política universitária na atualidade.
Não obstante sua importância, está também entre os temas que têm recebido o pior dos tratamentos.
Frustrações imediatas e preconceitos à parte, o fato é que nos anos de 1960 o movimento estudantil
foi forte num tempo em que a presença dos partidos era significativa. E também muito fraco nos
anos de 1980, quando os partidos caíram em descrédito. Isso mostra o quão superficial têm sido as
análises que atribuem os problemas do movimento estudantil à mera presença dos agrupamentos
partidários. Conceitualmente, os partidos políticos correspondem a grupos dedicados a elaborar e
construir projetos globais de sociedade. Minha opinião é a de que esse ponto de vista partidário é
necessário a toda reflexão seriamente empenhada em compreender o potencial, os limites e os
desafios do movimento estudantil no contexto social mais amplo. Coisa que o próprio movimento
tem dificuldades de fazer por conta própria em função de características que lhe são intrínsecas, tais
como a transitoriedade da condição estudantil, por exemplo. Nesses termos, eu diria que as
dificuldades de viabilização do movimento estudantil como ator político relevante se deve muito à
ausência de um ponto de vista genuinamente partidário. Ausência que se tem sentido apesar da
presença dos partidos no meio universitário.
Extremismos e politica estudantil14

Mario Tonnochi (Diário do Comércio) – A chamada “esquerda radical”, hoje, não consegue se
comunicar com grande parte da sociedade. Qual sua opinião sobre isso?
Carlos Henrique M. Menegozzo – Primeiro, diria que o termo radical está mal empregado. Radical
é quem discute as coisas a fundo, pela raiz, e isso é bom. Ajuda a identificar e resolver os
problemas. Ruim são as posições extremistas de direita e de esquerda, que estão mais preocupadas
em se afirmar que em enxergar a realidade a fundo e resolver as questões que nos afetam. Exemplo
disso na universidade, tomando uma situação que é menos comentada na imprensa, pode ser
encontrado na crítica rasa feita aos alunos de esquerda: estes acabam sendo acusados de “filhinhos
de papai” por setores extremistas de direita que são tão ou mais privilegiados economicamente que
eles. Acho que atitudes extremistas desse tipo, de direita e de esquerda, se fecham a qualquer
possibilidade de diálogo. Daí a dificuldade de se comunicar com a maioria dos estudantes e a
sociedade.

A política estudantil é o foco da chamada esquerda extremista hoje?


Não sendo necessariamente o seu foco, tanto os extremismos de direita, quanto os de esquerda, têm
crescido na universidade nos últimos anos. As razões disso são várias. No caso da direita, esse
processo, no plano universitário, reflete sobretudo uma reação de setores privilegiados da sociedade
ante aos ganhos relativos obtidos pelas camadas pobres da população nos últimos anos, tanto quanto
ao avanço de posições políticas progressistas na sociedade. De um ponto de vista de esquerda, o
extremismo reflete diversas razões. Entre estas eu destacaria aqui a forma antidemocrática pela qual
um determinado projeto de educação tem sido imposto nas universidades; e o modo deturpado com
que movimentos sociais legítimos têm sido tratados pelos meios de comunicação, concentrados nas
mãos de poucos.

A política estudantil é dominada por tendências extremistas de esquerda? Outras tendências,


de direita e de centro, também estão representadas dentro da política estudantil?
Visões extremistas de direita e de esquerda têm se fortalecido em universidades Brasil afora. E isso
deveria incomodar os que hoje analisam os problemas sociais desde a raiz e brigam por um mundo
melhor para todos. Por outro lado, afirmar que essas visões extremistas dominam o movimento
agora seria um exagero e um equívoco. O clima atual na USP demonstra isso claramente. Hoje o

14
Entrevista inédita concedida a Mario Tonnochi e utilizada como subsídio à matéria “USP reacende extrema
esquerda”, publicada no jornal Diário do Comércio (a. 87, n. 23.498, 12-14 nov. 2011, p. 7).
sentimento geral é de ressalva à ocupação da reitoria e de veemente repúdio à violência na
desocupação apoiada e reivindicada pela extrema direita, que tende a tratar os problemas sociais
como caso de polícia. O que resta é um amplo contingente, majoritário na assembleia geral (9/11),
de estudantes progressistas, de esquerda ou mesmo sem opção política definida. Um contingente
que tende, pelo seu perfil, a garantir um nível de debate mais qualificado e que estão engajados
numa luta legítima pela preservação do ensino de qualidade.

Você crê que a detenção dos estudantes que gerou os protestos e acabou em conflito pode
favorecer os grupos extremistas de esquerda no processo eleitoral do DCE?
Mantida na votação do DCE a composição das últimas assembleias, a tendência é que as posições
extremistas à direita e à esquerda se enfraqueçam. Nesse cenário, é provável que se mantenham as
ressalvas à ocupação e o repúdio à violência policial. Isso representa a possibilidade de superação
das polarizações extremistas que vêm prejudicando a política estudantil na USP nos últimos anos.
E, portanto, da retomada de um debate mais qualificado em torno da melhoria das condições de
ensino e da implantação de uma política efetiva de segurança para o campus. Resumindo, acredito
que as posições extremistas de direita e esquerda tendem a se isolar após a desocupação da reitoria,
incluindo-se aí as eleições do DCE.

A política estudantil, hoje, reflete somente a política partidária?


Eu diria que esse assunto é, dentre os temas relacionados à política na universidade, o que tem
merecido o pior dos tratamentos. Muito do que se lê e se ouve são análises desinformadas e
politicamente enviesadas que não resistem ao mais simples exercício de reflexão. Nas décadas de
1960 e 1970 a presença dos partidos no movimento era forte. O movimento era forte. E hoje aquele
movimento é celebrado por todos os que defendem a democracia. Nos anos 1980, por outro lado, os
partidos se enfraqueceram muito. E o movimento se enfraqueceu também. Isso revela o quão
superficial são as análises que atribuem os problemas da política estudantil à mera presença dos
partidos. Apesar de nem sempre funcionarem, eles são uma importante ferramenta de organização
de ideias em regimes democráticos. No caso, o problema do movimento não tem sido os partidos
em si mesmos, mas as posições extremistas de direita e de esquerda, que nem sempre se organizam
enquanto partido.
Reação conservadora no meio estudantil15

Perturbador. Tal é o caráter dos relatos da eleição ocorrida em 2010 para escolha da nova
gestão do Centro Acadêmico “Armando Salles de Oliveira” (CAASO), entidade estudantil do
campus da USP em São Carlos. Ocorrida em outubro, a disputa se deu entre uma chapa composta
por militantes de vários grupos de esquerda e independentes, rotulados como “vermelhos”; e outra
integrada por estudantes autodenominados “amarelos” (cor oficial do CAASO), ligados ao
milionário mercado das festas universitárias que se estabeleceu por lá. A disputa foi tensa. Mas na
apuração dos votos é que o clima esquentou: em grotesca manifestação de conservadorismo um
estudante “amarelo” ostentava uma capa onde se lia a expressão “Caçador de Comunistas”.
Atônitos, os “vermelhos” tentaram registrar o episódio, na expectativa de denunciá-lo
amplamente. Depois de amarelar, desviando das câmeras ciente da gravidade da sua atitude, o
“amarelo” afinal cedeu e, constrangido, posou para a foto. Ainda indignada, a chapa “vermelha”
protestava, esclarecendo que a inscrição remetia à posição de grupos que apoiaram a ditadura. Em
resposta, ouviram debochados “qual o problema?”, “é brincadeira” e, pior: “é a liberdade de
expressão” (lição que aprenderam com a mídia corporativa). Tal foi o clima que pairou sobre a
apuração dos votos, que ao final deu vitória à chapa apoiada pelo “caçador de comunistas”.
Nas instituições de ensino superior do país há núcleos de conservadorismo latente, e isso é
fato já conhecido. A novidade é que esse conservadorismo parece estar se manifestando de forma
cada vez mais ostensiva e organizada. Episódios ocorridos recentemente noutras instituições como
Universidade de São Paulo (USP) ou a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por
exemplo, reforçam essa impressão. Isso sem contar as manifestações xenofóbicas publicadas contra
nordestinos por estudantes na rede social Twitter ao longo da campanha presidencial. Tão
preocupante quanto esta tendência, entretanto, é a incapacidade da esquerda e do movimento
estudantil em compreendê-la; tendência esta que poderá se acentuar na conjuntura que se avizinha.
Para entender e enfrentar esse processo é preciso, antes de mais nada, identificar a
composição socioeconômica da população estudantil matriculada no ensino superior: pesquisas
apontam que, não obstante a ampliação de vagas e os recortes de classe que certamente existem
(entre carreiras e regiões, por exemplo), o estudante universitário parece ainda ser recrutado
majoritariamente entre famílias de classe média, tanto do ponto de vista ocupacional como de renda,
encontrando ao mesmo tempo condições mais favoráveis de permanência e conclusão do curso.
Além disso, é preciso admitir o deslocamento ideológico ocorrido nesse segmento: antes frustrada

15
Versão revisada de artigo publicado originalmente no jornal Página 13 - Edição Eletrônica (n. 15, 12 nov. 2010, p.
9), sob o título “Conservadorismo estudantil”.
com o neoliberalismo, a “antiga” classe média, menos privilegiada pelos movimentos
redistributivos ocorridos nos últimos anos, tem sido polarizada pelo discurso conservador.
Esse discurso, difundido pela imprensa, nasce onde o pulso da direita ainda pulsa: na
burguesia e alta classe média, parcialmente beneficiárias do modelo de desenvolvimento em curso.
Desconectado socialmente, protegido do assalariamento pela propriedade ou pela auto-ocupação,
esse setor é antinacional e antiestatista, beneficiando-se da financeirização da economia e do livre
mercado. Também é refratário a políticas redistributivas, desejoso em manter seus privilégios, além
de tratar a pobreza e a divergência como caso de polícia, em postura notadamente antirrepublicana.
A influência dessas práticas e valores sobre o estudante se deve, entre outros fatores, à
dificuldade de desvinculação ideológica da família. Um dos fatores é o reforço dos vínculos de
dependência financeira em relação à família, em contextos de educação restritiva, e que resultam ou
de uma situação de privilégio ou da dificuldade de colocação no mercado. Nos casos de condição
privilegiada, mas sob uma educação mais livre, outro fator deve ser considerado: o sentimento de
culpa alimentado pelos pais pela ausência no contexto familiar pode levar a atitudes compensatórias
que, satisfazendo sem limites as exigências do jovem, podem reforçar sentimentos de extremo
individualismo e desinteresse pelos problemas sociais.
Também a transformações ocorridas no ensino superior desde os anos 1970 concorrem para
a conformação desse quadro: a diferenciação dos tipos de estabelecimento, a desagregação interna
das instituições e a implantação do sistema de matrícula por créditos, por exemplo, contribuíram
para fragmentar a sociabilidade na universidade, enfraquecendo-a como lugar de encontro, de
reelaboração de experiências em relação a outros espaços de socialização, como por exemplo a
família. Além disso, fragmentando a sociabilidade na universidade, tais mudanças contribuíram
para isolar o movimento estudantil e expor sem contraponto parcelas do estudantado à influência
conservadora; contribuindo também para o estabelecimento de um ambiente propício aos extremos.
Isso tudo sugere que a situação colocada é mais intrincada do que em geral se supõe. O
desafio da disputa de hegemonia, na universidade como na sociedade em geral, não se reduz a uma
disputa de valores – isto é, não deve se reduzir ao confronto ideológico de tais posições
conservadoras, já que elas se estabelecem e difundem em contextos materiais concretos que são
condicionados também por fatores econômicos. Consiste, portanto, numa disputa pela inteira
transformação da sociedade desde as relações de produção, sem a qual as práticas correspondentes
aos valores da democracia e, portanto, do socialismo – por generosa que seja nossa disposição
militante – não poderão se consolidar. Resta-nos definir com clareza o papel que os movimentos
sociais e mandatos democrático-populares, considerando seus limites e possibilidades, podem e
devem cumprir nas universidades visando a esse radical projeto de transformação social.
Parte 4. Estudantes universitários e luta de
classes (1960-2012)16

Introdução

Em estudo ainda inédito, dedicado ao levantamento e análise da produção bibliográfica


dedicada ao engajamento político estudantil no Brasil, constatei que apesar de numerosas os estudos
realizados nas últimas décadas pouco têm contribuído para a compreensão mais aprofundada do
fenômeno. Diferentemente dos anos 1960, os estudos sociológicos e históricos apresentam
abordagens demasiado recortadas ou descritivas. Isso tem dificultado uma leitura da presença dos
jovens e dos estudantes na cena política brasileira, não apenas nos protestos de 2013 ou nos últimos
anos, mas desde o final da década de 1970 pelo menos (Menegozzo, 2013a). Com isso há uma
dificuldade para analisar os limites e potencial estratégico dos estudantes no contexto da luta de
classes. No presente ensaio, pretendemos colaborar para superar tal defasagem.
Almejando aquele objetivo a partir da sistematização de estudos já disponíveis, propõe-se
aqui um balanço das manifestações estudantis ocorridas no país entre os anos 1960 e 2000. Para
isso, partirei de hipóteses detalhadas teoricamente em artigos anteriores (Menegozzo, 2012 e
2013b). Por meio delas, proponho que o movimento estudantil, sobretudo universitário, tende a
manifestar as experiências de estratos médios da sociedade, podendo, desde esta localização social,
sofrer polarizações à esquerda ou à direita, a depender da época e lugar; e que a viabilização
estratégica das energias transformadoras que ele carrega, não pode prescindir – o que se deve em
função de limitações próprias da experiência juvenil, que o condiciona – de reflexões e práticas
propriamente partidárias, concretizadas num projeto globalmente articulado de luta pelo poder.

Anos 1930 aos 1960: conformação e radicalização política do


movimento estudantil

16
Versão revisada de ensaio originalmente publicado na revista FPA Discute (n 1., mai. 2013).
A ascensão do movimento estudantil nos anos 1960 parece dever-se a uma série de fatores
amadurecidos desde os anos 1930. A começar pelo avanço da industrialização e a ampliação das
burocracias pública e privada, a demandar profissionais de qualificação técnico científica e de
funções gerenciais (Guerra et al, 2006, p. 20-40; Martins Filho, 1987, p. 34-35). Nesse processo,
sob pressão das classes médias, que assim passam a predominar nos bancos universitários,
ampliam-se a demanda na sociedade e a oferta de vagas no ensino superior – o que confere cada vez
mais peso numérico e visibilidade aos estudantes, condição a qual se reduzia a experiência juvenil
no período (Abramo, 1994, p. 22-24, Menegozzo, 2012). A ampliação do sistema de ensino,
ocorrida entre meados dos anos 1940 e 1950, consolida, por sua vez, a predominância de
estabelecimentos públicos e de tipo universitário – internamente melhor integrados, por meio das
antigas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras – constituídos a partir da federalização e
aglutinação de estabelecimentos isolados já existentes (Cunha, 1989, p. 73-107).
Em termos políticos, os anos 1960 foram fortemente marcados pelo debate sobre o
desenvolvimento do país, e que acaba por incidir na experiência da classe média da época.
Privilegiada pelos processos econômicos em curso, a classe média em geral, e os estudantes em
particular, alimentam expectativas de ocupar postos-chave nos campos da política e da economia
(Ribeiro Neto, 1985; Martins Filho, 1987), levando a bom termo aquele projeto de desenvolvimento
ou de modernização do país. Nesse impulso, se inspiram num estilo de participação “iluminista”, ou
seja, pretendem falar em nome de setores não organizados na sociedade, enquanto setor
“esclarecido” – uma situação resultante da concentração das oportunidades educacionais em
sociedades marcadas por brutais desigualdades socioeconômicas (Abramo, 1994, p. 24; Foracchi,
1972. p. 140 e 157). Além disso, aquela expectativa de dirigir o desenvolvimento do país, no caso
dos estudantes, acaba canalizada num movimento de caráter fortemente unitário, aproveitando
estruturas de representação de viés corporativo introduzidas pelo Estatuto das Universidades
Brasileira, decretado por Vargas em 1931 (Albuquerque, 1977, p. 70-71; Brasil, 1931, art. 102 a
108).
Ao longo dos anos 1960, todavia, a classe média experimenta a frustração daquelas
expectativas, politizando-se (Foracchi, 1982, p. 33-34). Isto ocorre, primeiramente, em função da
obstrução dos canais de ascensão social decorrentes da monopolização da economia – que deteriora
as condições trabalho mediante o assalariamento, em detrimento do maior controle do profissional
sobre os instrumentos e processos de sua atividade (C.f. Foracchi, 1965, p. 191-206; Foracchi,
1972, p. 45). Concorre para isso, a obstrução das oportunidades educacionais, com a
impossibilidade de matrícula de aprovados no vestibular por falta de vagas, desencadeando a
chamada crise dos excedentes, e com a deterioração das condições de formação acadêmica em
função do processo de massificação (Martins Filho, p. 117-125; Foracchi, 1982, p. 58). Também
determinante à frustração e politização das camadas médias deste período é o fechamento dos
canais de ascensão e participação política mediante o recrudescimento da ditadura. Isso isolou os
setores civis, inclusive estudantes, que de início haviam apoiado o golpe, polarizados
conservadoramente sob o pretexto de contenção do avanço comunista (Martins Filho, 1987, p. 75-
116; C.f. Foracchi, 1982, p. 34).
Este conjunto de fatores, determinantes à politização no meio estudantil, acabou
encontrando no meio universitário um terreno fértil para sua radicalização. Primeiro, pelo fato de o
momento de expansão econômica proporcionar, ao jovem da época, oportunidades de trabalho em
tempo parcial que representavam a chance de relativa autonomização, não apenas econômica, mas
também politica, em relação à família (Foracchi, 1965, p. 17-122). Além disso, os estudantes da
época, ainda que pertencentes a setores privilegiados, acabavam influenciados por uma perspectiva
popular em função da ascensão da ala progressista da Igreja católica (Cunha, 1989, p. 67), da
crescente introdução do marxismo nos currículos (Cunha, 1989, p. 67; Foracchi, 1972, p. 48 e 74).
E porque era conduzida à realização vicária da experiência de oprimido em função do
recrudescimento da repressão política (Foracchi, 1972, p. 40). Além disso, no intenso convívio,
proporcionado pelo ambiente universitário de então, melhor integrado pela existência das antigas
faculdades de filosofia e das turmas fechadas anteriores ao sistema de matrícula por crédito, essas
experiências e frustrações diversas puderam se encontrar, se politizar e, assim, se radicalizar
politicamente (Foracchi, 1972, p. 26-27 e 38).
Identificando nas classes dominantes a origem de suas frustrações, frações da classe média
foram conduzidas ao que se poderia definir como uma “polarização revolucionária” (Foracchi,
1965, p. 221-222 e 239; Foracchi, 1982, p. 39) que, acrescente-se, não atingiu seu estrato mais
privilegiado, a classe média alta, e que aderiu decisivamente ao regime (Saes apud Martins Filho,
1987, p. 37). Motivada pela crítica às condições de exercício profissional e à formação acadêmica,
consideradas inadequadas ao desafio do desenvolvimento, a disposição do estudante voltou-se ao
esforço por adequar a universidade às exigências de sua época, por meio da ampliação da
participação estudantil nas instâncias de decisão, orientada pela perspectiva de uma Reforma
Universitária (C.f. Fávero, 2009). No curso das mobilizações, o que surgira como luta corporativa
isolada converte-se numa luta setorial de uma campanha geral por mudanças estruturais – as
chamadas Reformas de Base. Impossibilitados de elaborar e propor aquela campanha em razão das
limitações próprias da juventude, os estudantes puderam se “encaixar” na campanha geral por
mudanças estruturais, desempenhando papel progressista (C.f. Menegozzo, 2012; Albuquerque,
1977, p. 72; Rodrigues, 1993, p. 142-143).
Neste ponto – final dos anos 1960 – as lutas sociais atingiram uma escala maciça, além de
um elevado grau de radicalização, eclodindo – no caso da juventude – uma verdadeira onda mundial
de revoltas (Groppo, 2001; Martins Filho, 1998). Frente a isso, as autoridades recrudesceram o
controle e a repressão sobre as entidades estudantis, desestruturando o movimento e suas
representações, e marginalizando, assim, os estudantes (Foracchi, 1972, p. 154). Ao mesmo tempo,
que a pauta da Reforma Universitária foi assimilada conservadoramente, o que desarmou
politicamente o movimento.
Combinados, estes processos provocaram a “desinstitucionalização” do movimento
estudantil, que acabou por lançar mão do recurso da luta armada (Foracchi, 1972, p. 100 e 150;
Ridenti, 1993), somando-se à revolução pela esquerda. Ainda que de modo vanguardista, pois
descolado dos trabalhadores e das frentes de massa, os estudantes vivenciaram neste processo uma
experiência de “polarização revolucionária”.

A suposta “retomada” dos anos 1970: coesionamento


transitório na luta contra a ditadura

Muitos dos fatores determinantes ao ascenso das lutas estudantis, nos anos 1960, sofreram
mudanças na década seguinte, o que parece ter assentado as bases para a aparente crise do
movimento estudantil. A primeira delas ocorreu com a reforma universitária de 1968. Ela implicou
numa reconfiguração do sistema, envolvendo a tecnicização dos currículos e o reforço da autoridade
professoral (Forachi, 1972, p. 57-60), a centralização do poder, desestimulando a crítica, tão cara ao
pensamento científico; além da diversificação dos tipos de estabelecimentos, a fragmentação das
antigas faculdades de Filosofia e a diluição das turmas, com a implantação do sistema de matrícula
por crédito (Ferreira, 1985; Romanelli, 2002, p. 232). Ao obstruir o convívio e esvaziar o aspecto
crítico da formação superior, as mudanças ocorridas no ensino superior passaram a dificultar o
encontro e a politização (Foracchi, 1972, p. 68), fragmentando internamente também o movimento
estudantil (Ferreira, 1985, p. 73; O campus está dividido..., 1984). Algo que se pode verificar
também em outros países da América Latina (Brunner, 1986; Pronko, 2002).
Sob este processo, tendências latentes à dispersão começaram a se manifestar, embora
contidas nas universidades, traduziram-se numa embrionária diversificação institucional das
representações estudantis. Nesse ponto é que ocorreu uma certa autonomização dos grupos de
estudos, de pesquisa, das comissões relacionadas aos estágios, dos cineclubes e das atléticas, por
exemplo, em relação ao espaço das entidades representativas estudantis. Exemplo disso pode ser
observado num aspecto central dos protestos dos anos 1970: a produção cultural. Em torno dela
organizaram-se diferentes setores, crescentemente diferenciados pela fragmentação, tais como os
coletivos ditos “libertários”. Para estes, a produção cultural era vista como exercício da crítica e da
liberdade. Já os grupos marxistas a viam como ferramenta de manifestação política sob a
clandestinidade. De modo geral, esse processo se manifestou num relativo esvaziamento das
entidades gerais de representação com base local, como diretórios centrais e uniões estaduais de
estudantes, compensadas pelo fortalecimento das executivas de curso, acolhendo aspectos de
identidade coletiva que persistiram ante à fragmentação: as bases curriculares das carreiras e a
legislação que regula o exercício da profissão (C.f. Menegozzo, 2003; Pellicciotta, 1997).
Aquela tendência de dispersão das representações e de esvaziamento das entidades até então
existentes, potencializada pela fragmentação, não seria sentida com força ao longo dos anos 1970; a
extrema polarização política instaurada não apenas no país, mas em escala internacional, e também
o fechamento de outros canais de participação na sociedade contribuíram para manter acesa e
articulada, a partir da universidade, a energia política existente no meio estudantil. Nessas
condições, os estudantes se reorganizaram politicamente desde as bases, enquanto se esgotaram as
energias remanescentes do impulso de 1966-68 (Santos, 1981). Este processo culminou na volta dos
estudantes às ruas em 1977, numa luta por mais verbas para a universidade e em defesa das
“liberdades democráticas”. Tal movimento, primeiramente interpretado como uma verdadeira
“retomada” do movimento estudantil, encarnou o divórcio das classes médias – representadas aí
pelos estudantes – com a ditadura, encaixados politicamente num quadro geral de redemocratização
do país (Romagnoli e Gonçalves, 1979; Pellicciotta, 1997; Ribeiro Neto, 1985).
Avançando na luta, todavia, o movimento estudantil deparou se com um impasse: não
dispunha dos meios para provocar, diretamente, mudanças estruturais na sociedade – impondo seus
anseios, por exemplo, mediante à paralisação da produção –, mas apenas de influenciar
ideologicamente outros atores políticos. Não dispunha também – pelas condições próprias da
juventude e de sua localização de classe – de condições para assumir para si a tarefa de elaborar um
projeto político globalmente articulado, capaz de orientar a superação daquele impasse, o que
implicaria no desempenho de uma função propriamente partidária (Soares et al, 1978, p. 49-50).
Dessa maneira, o movimento estudantil alcançava o limite da correlação de forças da época (Centro
de Estudos..., 1978, p. 71). Ainda sim, colocando se em atividade, o movimento estudantil acabou
exercendo influência estimuladora no meio popular, particularmente no meio operário. Solidários
aos estudantes em luta por liberdades democráticas, os trabalhadores perceberam a possibilidade e
necessidade de mobilizar-se (Abramo, 1999, p. 189-191; Soares et al, 1978, 61 e 70).
Ainda que sofrendo resistência por parte dos trabalhadores, justificada pelo estilo
“iluminista” de atuação da classe média, a partir do qual pretendiam dirigir os trabalhadores em sua
luta (Silva, 1980; Morel, 1981), os estudantes contribuíram para potencializar o trabalho de
articulação que vinha sendo empreendido clandestinamente nos bairros e nas fábricas, e para que as
insatisfações latentes no meio popular se manifestassem de maneira aparentemente espontânea, mas
evidentemente explosiva, no final dos anos 1970, na forma de greves deflagradas por tendências
sindicais combativas. Tais tendências eram inicialmente hostis aos partidos políticos e à sua própria
organização partidária – manifestando certa despolitização, decorrente do ambiente repressivo da
ditadura militar. Entretanto, acabaram por se politizar na luta, resolvendo formar depois o seu
próprio partido, o Partido dos Trabalhadores (Oliveira, 1988; Sader, 1988; Keck, 1991). As
manifestações operárias permitiram elevar a pressão popular sobre o regime, acelerando o processo
de abertura que, contraditoriamente, resultaria na dispersão do movimento estudantil.

A chamada “crise” do movimento estudantil nos anos 1980 e


posteriores

Por essa razão, a aparente crise do movimento foi sentida apenas nos anos 1980. É que com
a abertura, ocorreu a multiplicação de espaços de participação e a complexificação do cenário
político. Isto parece ter dificultado o processo de politização e fez extravasar relações e interesses
fragmentados até então contidos nas universidades, amplificando as expressões juvenis, além da
estudantil (Abramo, 1994, p. 75-79; Fiuza, 2010; Mische, 1997, p. 142-143; Mische, 2008; Ribeiro
Neto, 1985, p. 64-65). Ao mesmo tempo, a abertura alterou profundamente o papel político da
classe média na sociedade brasileira, esvaziada em seu estilo de participação “iluminista” frente à
auto-organização de amplos setores populares (C.f. Cancian, 2008, p. 282-283). A este cenário se
soma a eclosão de uma crise econômica, concomitante à abertura e aprofundada com o
neoliberalismo. Ao reduzir, em função do risco do desemprego e da proletarização, o tempo livre e
a margem de autonomia relativa do jovem de classe média em relação à família, a crise – embora
tenha aproximado politicamente a classe média dos trabalhadores – contribuiu para o arrefecimento
das lutas na universidade (Abramo, 1994, p. 77-78; Prandi, 1982; Guerra et al, 2006, p. 24-61; C.f.
Foracchi, 1972, p. 87-88).
Sob o processo de abertura política, que efetivou a fragmentação da vida universitária, seu
espraiamento pelo tecido social (latentes desde a reforma de 1968), sob a crise econômica que,
acometeu os setores médios no final dos anos 1970, se fez sentir na restrição da disponibilidade do
jovem para a política, houve o enfraquecimento e a fragmentação do movimento estudantil.
Paralelamente, as manifestações juvenis se diversificaram, fomentadas pela ampliação da cobertura
do sistema educacional, pelo desenvolvimento da indústria cultural e pela incorporação – sobretudo,
no meio popular – de jovens e mulheres ao mercado de trabalho, como condição de sobrevivência
ante a política de arrocho (Abramo, 1994, p. 59). Amparada por alguma margem de autonomia
financeira, e identificada à condição juvenil pelo pertencimento ao aparelho escolar e pelo consumo
associado ao lazer e ao tempo livre (música, vestuário, pontos de encontro voltados aos jovens etc.),
tais energias acabaram por se manifestar politicamente, ainda que de modo difuso. No processo de
abertura, os jovens se viram engajados em inúmeros movimentos, políticos e culturais, muitos não
especificamente juvenis, manifestando suas angústias ou contribuindo para a reconstrução dos
canais de manifestação da sociedade civil, obstruídos pela ditadura (C.f. Abramo, 1994; Mische,
2008).
Mal compreendida pelos setores politicamente organizados da sociedade, essa diversificação
e dispersão das manifestações juvenis, bem como sua expressão não corporativa, fez prevalecer a
impressão da juventude enquanto setor politicamente alienado, tematizado geralmente como um
problema social, além de vitimizado pela deterioração das condições de vida e trabalho –
particularmente pelas drogas e a criminalidade – agravada nos anos 1990, com o avanço do
neoliberalismo (Abramo, 1997). Somente nos últimos anos é que essa perspectiva está sendo
superada, levando a maior visibilidade das manifestações diversas da juventude e das suas
necessidades específicas. Não apenas do ponto de vista de políticas públicas, mas também enquanto
setor específico e politicamente organizado no âmbito de diferentes frentes de massa, essa
visibilidade está expressa na formação de coordenações e secretarias dedicadas ao segmento – um
processo que parece decorrer, em parte, do estímulo provocado por expectativas de implantação de
políticas públicas geradas com a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002 (C.f. Papa e
Freitas, 2011; Campos, 2008).
Já com a eleição de Lula, ganharam força programas de expansão do acesso ao ensino
superior, provocando uma mudança parcial do perfil dos ingressantes, entre os quais foi crescente a
proporção de jovens oriundos da classe média baixa e de certos estratos da classe trabalhadora, que
vislumbram, assim, a possibilidade real de ascensão social. Dois parecem ser os processos políticos
desencadeados em função desta mudança na universidade em termos de engajamento político
estudantil. O primeiro deles consiste na notória reação de estudantes provenientes das classes
proprietárias e da alta classe média, que identificam na ascensão dos estratos inferiores da sociedade
como uma ameaça à sua própria condição em termos de status e poder. Nesse sentido, a reação
contra as políticas de cotas, por exemplo, se equivale à insatisfação quanto à possibilidade de
consumo, por parte de setores desfavorecidos da sociedade, de serviços antes considerados
privilégio das elites, como as viagens aéreas; ou então aos protestos contra a garantia de direitos
trabalhistas no caso de serviços pessoais de cuja superexploração estes setores se beneficiam, como
é o caso das trabalhadoras domésticas, por exemplo (Menegozzo, 2010; C.f. Guerra et al, 2006).
No extremo oposto, localizam-se os estudantes de mais baixa renda. Estes, ascendendo à
universidade em condições socioeconômicas adversas, encontram menos tempo livre para o
convívio universitário. Não apenas por conta do trabalho, mas também pelo esforço redobrado que
lhe é exigido em função das deficiências da educação básica (C.f. Foracchi, 1965, p. 123-169;
Foracchi, 1972, p. 36 e 40-44). Além disso, estes setores vivenciam a possibilidade real de ascensão
pela educação, manifestando por vezes valores conservadores, tais como a ideologia da ascensão
pelo esforço pessoal; e a valorização positiva e o respeito em relação às autoridades professoral e
universitária (C.f. Saes, 2004; Foracchi, 1972, p. 41
42 e 87-88). Tais fatores reduzem sensivelmente a disponibilidade deste estudante à experiência
universitária, para o engajamento estudantil (Foracchi, 1965, p. 123-169; Foracchi, 1972, p. 36 e
40-44). Assim, muito embora a mudança de perfil possa suscitar potenciais motivações de
engajamento em torno de pautas como a assistência, por exemplo, ela tende a introduzir variáveis
que reforçam o quadro há muito desfavorável ao engajamento político estudantil.

Dinâmica dos protestos no período da “crise”, dos anos 1980


aos dias atuais

Uma análise da conjuntura política nos anos 1980 e 1990 aponta para uma tendência geral
de enfraquecimento e fragmentação das lutas estudantis em todo o ocidente. Quando os estudantes
subsistiram como ator relevante, isso ocorreu em contextos de opressão ditatorial – situação que se
assemelha a dos protestos estudantis no Brasil dos anos 1970. Apesar disso, em certos momentos o
movimento emergiu com força, mesmo em sociedades formalmente democráticas. Na compreensão
de tais eventos encontra-se a chave de interpretação da dinâmica do engajamento político estudantil
nos dias de hoje, e um ponto de referência indispensável à reflexão sobre o real significado histórico
das manifestações ocorridas neste ano de 2013. Os paralelos possíveis das ações recentes com
protestos anteriores, na França (1986) e no Brasil (1992), com o Fora Collor, são muitos: contexto
de relativa liberdade política, exposição à ampla influência dos meios de comunicação,
reivindicações de conteúdo difuso que, uma vez conquistadas, não implicaram em salto
organizativo expressivo; e relativa surpresa das forças organizadas diante de eventos tão explosivos
quanto efêmeros (Martins Filho, 1998, p. 23-25; Mische, 1997; Rodrigues, 1993).
Uma tentativa de interpretação do perfil e desenvolvimento destas ações conduz à hipótese,
primeiramente, de que seu conteúdo aparentemente difuso revela uma composição política
internamente diversificada, resultando na confluência – circunstancial, mais que orgânica, daí o
baixo saldo organizativo – de motivações discrepantes geradas pela fragmentação da sociabilidade
no meio universitário. Exemplo desse fenômeno encontra-se nos casos de reação à repressão
policial, que converte ações de minorias, incapazes de influenciar grandes contingentes, em
manifestações massivas em torno do próprio direito de manifestar – tal como ocorrido nos conflitos
com Polícia Militar na USP em 2009, 2011 e 2012 (Menegozzo e Lima, 2009). Em outros casos, o
que ocorre é a sincronização de tempos fragmentados pelos padrões também fragmentários de
sociabilidade no meio universitário, estimulada geralmente por influência da mídia – dinâmica
representada na participação estudantil nas Diretas Já, em 1984, e no Fora Collor, em 1992
(Rodrigues, 1993); além das ocupações de reitoria em 20072008, que se generalizam por meio da
mídia enquanto método, provocando manifestações bastante distintas em termos de conteúdo por
todo o país.
Descendo aos corredores universitários, podemos encontrar a expressão de tais mecanismos
em escala concreta. Vejamos o caso da greve estudantil, em 2002, na Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), que teve certa repercussão à
época. Lá, membros do Centro Acadêmico de Ciências Sociais (entre os quais, eu) tomaram ciência
da greve somente alguns dias após o seu início no curso de Letras, instalado no prédio ao lado (um
sintoma da fragmentação e uma surpresa ao movimento organizado). Uma ampla diversidade de
opiniões (acentuadas pela fragmentação da sociabilidade) – como “acho um absurdo cair ventilador
em cabeça de aluno”, “paguei imposto e tenho direito”, “vou garantir a formação pra arrumar um
bom emprego”, “transformar a universidade para transformar a sociedade”, e “fazer da USP um
soviet” – confluíram no curso (apenas em parte por um esforço consciente de costura) para um
movimento de greve deflagrado antes mesmo da definição de uma pauta de reivindicações
(manifestando assim uma insatisfação difusa); e sem que esta diversidade de expectativas fosse
completamente percebida pela direção do movimento por configurar uma rede relativamente isolada
pela fragmentação, tanto quanto as atléticas e empresas jr., por exemplo). De alguns professores
ouvia-se: “a primeira greve estudantil desde maio de 1968” (um estímulo externo, ainda que
historicamente equivocado, sancionado pela autoridade professoral).
Passados meses de greve, o movimento, generalizado na FFLCH, se fortaleceu sob a
cobertura da imprensa (papel da mídia foi decisivo). Mas foi incapaz de se ampliar em direção a
outras faculdades, apesar da existência, também naquelas unidades, dos problemas que nos afligiam
(tais como a falta de professores). Diante dessa dificuldade, as diferenças se acirraram e afloraram
intensamente, aprofundando a divisão de um movimento iniciado dividido. Refluindo sob o
desinteresse da mídia em atos de rua que aos poucos se esvaziavam, o movimento foi encerrado
numa imensa, polarizada e dramática assembleia. Nas Ciências Sociais, o movimento logrou a
conquista de parte dos cerca de 90 professores contratados (dos 259 reivindicados pelos cursos da
FFLCH, pauta em torno da qual a diversidade acabou sendo dirigida) e a instalação de uma
Comissão de Reestruturação do Curso, vagamente acompanhada pelo conjunto dos alunos,
regressos que estavam em suas atividades cotidianas. O acompanhamento dos desdobramentos da
ação acabou restrito aos grupos já mobilizados antes da greve (resultando assim em nenhum saldo
organizativo importante), tomados de surpresa pela velocidade e repercussão dos acontecimentos,
bem como pelo marasmo que se seguiu ao seu encerramento.

Resignificando a “crise” do movimento: sintoma de


normalidade sob a crise da esquerda

Se é verdade que as condições atuais desfavorecem a manifestação maciça dos movimentos


estudantis, conforme ilustram os exemplos apontados, certas características próprias da vivência
juvenil acabam por agravar a situação. A provisoriedade da condição estudantil, as pressões sociais
familiares, profissionais etc., que dilaceram o jovem entre múltiplos interesses e compromissos,
além do processo de amadurecimento psicológico próprio deste momento da vida (Foracchi, 1965,
p. 142; 1972, p. 78), são alguns dos elementos que contam para isso. Eles dificultam, nos
movimentos estudantis, a elaboração de uma visão própria de mundo e a apreensão daqueles fatores
que condicionam seu próprio arrefecimento, reduzindo sua capacidade de entender e superar os
limites que lhes são impostos e, portanto, de viabilizar-se autonomamente em perspectiva
estratégica. Isso torna tais movimentos, na exata medida de sua capacidade de inovação cultural,
suscetíveis à influência de agentes externos (Foracchi, 1965, p. 236 e 240; 1972, p. 93; 1982, p. 59).
Nesses termos, aquilo que se tem percebido como crise do movimento estudantil pode ser
interpretado, em caráter de hipótese e apenas em parte, como arrefecimento das lutas na
universidade. Corresponde também à diversificação e dispersão do engajamento juvenil pelo tecido
social (o que tem ocorrido desde a década de 1980), sentidas no movimento estudantil como sinal
de desinteresse do estudante pela política; combinado à dificuldade das forças organizadas (e,
consequentemente, da própria juventude) em interpretar e equacionar estrategicamente esta situação
(Barros, 1986/1987, p. 91-92). Assim, deixado à sua própria sorte, o movimento organizado acaba
muitas vezes em posição reativa frente aos picos de protesto que eclodem mediante a confluência
ou sincronização das motivações e insatisfações fragmentadas no meio juvenil. Ao mesmo tempo
acaba, sob o vácuo de memória coletiva, equivocando-se na recorrente interpretação de tais picos
isolados de protesto como manifestação da “retomada do movimento” à luz das imagens mitificadas
do ano de 1968 – fato ocorrido no Fora Collor, em 1992, e na onda de ocupação de reitorias em
2007/2008, por exemplo.
Em outras palavras, a “crise” dos movimentos de juventude corresponde, em verdade, à sua
situação de normalidade, vivida sob incapacidades ou sob a crise de instrumentos externos a eles,
dos quais dependem para superar as adversidades com que se defrontam, viabilizando-se
estrategicamente (C.f. Foracchi, 1965, p. 236). Aquela situação instalada nos anos 1980, assim, do
nosso ponto de vista, não corresponde a de uma crise dos movimentos de juventude em geral ou,
particularmente, do movimento estudantil, mas da experimentação antecipada da relativa
incapacidade da própria esquerda em entender e transformar a realidade com a qual se deparava,
vivida depois – sob a queda do Muro de Berlim em 1989 e a dissolução da União Soviética em
1991 – mais intensamente como uma crise da esquerda. Em outras palavras, a dificuldade da
esquerda, nos anos 1980, em lidar com as lutas da juventude em geral, e as estudantis em particular,
pode ter refletido antecipadamente neste setor, por suas particulares características, uma crise mais
ampla que se aprofundou depois (C.f. Pomar, 1991; Lyra, 1992).
O mecanismo responsável é complexo e não podemos resumi-lo em poucas páginas, mesmo
se fosse completamente conhecido. Todavia, existem pistas a esse respeito e parecem remeter à
dificuldade da esquerda em entender a realidade e atuar sobre ela adequadamente. Isso nos conduz –
visando ao aprofundamento desta questão – a melhor compreensão da dinâmica do próprio processo
de “conhecer”. Pressupõe, antes de tudo, uma capacidade de alcançar a realidade pelo contato
direto. Temos neste caso, uma dimensão organizativa no processo de conhecer. Mas nesse processo,
não se trata apenas de “poder” conhecer. É preciso também “querer” conhecer – o que nos remete a
uma aspecto cognitivo (Coutinho, 2007, p. 107-108). A questão é que nesse “querer” reside uma
tensão latente entre a crítica exigida à análise científica da realidade, e as simplificações e certezas
exigidas à ação política de massas (C.f. Gianetti, 2005, p. 137-146). Por razões pragmáticas (apego
imediatista em detrimento dos princípios e metas) ou dogmáticas (apego a teorias que podem não
explicar a realidade), aquela tensão se acentua em detrimento da capacidade crítica tão cara ao bom
entendimento da realidade sobre a qual se quer atuar.
Nem sempre se atenta a isso, mas essa tensão latente a engessar a crítica, e que é tão nociva
ao processo de “conhecer”, pode e deve ser equacionada também em termos organizativos. Para
isso existem os institutos e fundações de apoio partidário, aos quais cabe a importante tarefa de
manter acesa a chama da análise crítica, blindando relativamente a capacidade de elaboração
política coletiva dos desvios pragmáticos e dogmáticos da luta política. Essa tarefa é das mais
delicadas, pois envolve uma suspensão permanente das certezas que uma dada organização constrói
para si e que são caras à sua unidade interna – o que equivale dizer que o papel de tais fundações e
instintos é o da permanente crítica do mundo, pressuposta numa crítica de si mesmo, isto é, das
forças políticas a que se vinculam (C.f. Gramsci, 2006a, p. 95; Gramsci, 2006b, p. 56). Pois um dos
temas que cabe a tais institutos e fundações elaborar (enquanto expressão organizativa de um
esforço de “poder” conhecer sob o calor da luta política) diz respeito a melhor forma organizativa
para “poder” conhecer e agir sobre o mundo. Em síntese, se os partidos desconhecem, no caso, a
experiência juvenil e as dinâmicas dos protestos protagonizados por esse segmento da sociedade,
sendo incapazes de orientar esse setor viabilizando-o estrategicamente, então este é um problema
que, para ser pensando e superado concretamente, precisa ser traduzido em termos organizativos.
Assim, pode se dizer que o problema posto remete ao desafio de “poder” conhecer, pelo contato
direto, a realidade que se quer transformar, remetendo à questão da melhor forma organizativa que
deve ser assumida para isso. Ou então é um problema relacionado ao “querer” conhecer, e que
remete à (d)eficiência cognitiva dos institutos e fundações de apoio partidário, entendidos – eles
mesmos, neste caso – enquanto elemento organizativo a se trabalhar.
Eis um bom debate, ao qual penso estarem relacionados os desafios mais elementares da
práxis transformadora, mas cujo aprofundamento deixo para outra ocasião. Por ora, basta
constatarmos, concluindo este artigo, que é na incapacidade dos partidos de levar a bom termo este
esforço em seu aspecto duplamente organizativo que residem, em última instância, as causas
também da dificuldade de projeção estratégica dos movimentos estudantis e juvenis, que são
incapazes de fazê-lo por conta própria.
O problema atual do movimento estudantil, para sintetizar numa frase, não corresponde à
presença dos partidos como pensam alguns, mas à ausência de um pensamento e de uma prática
efetivamente partidários, apesar da presença, no meio estudantil, de organizações que reivindicam
formalmente esta caracterização. Esta ausência tem dificultado a adequada interpretação dos fluxos
e refluxos do movimento estudantil, aproveitando-o assim como uma energia transformadora no
contexto da luta de classes. A tentativa que empreendemos aqui se preencher esta lacuna sugere
que, embora expresse privilegiadamente as expectativas e frustrações de extratos médios da
sociedade, os estudantes podem sofrer, desde esta localização, polarizações progressistas e mesmo
revolucionárias. Sem dúvida há ainda muitas dúvidas sobre o papel que podem os estudantes
cumprir no contexto da luta de classes – notadamente naquilo que se refere à centralidade de sua
localização social ante à mercantilização do ensino (Menegozzo, 2013b). Mas não resta dúvida,
também, de que algum papel progressista podem desempenhar. Cabe às forças partidárias entender
e saber canalizar esta energia.

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Parte 5. Juventude nas manifestações de 201317

Introdução

As eleições presidenciais ocorridas no Brasil em 2014 confirmam uma tendência à


polarização política. De um lado, recrudescem posições que, em reação às mudanças ocorridas nos
últimos anos, buscam meios de impor ao atual governo medidas de ajuste que penalizam os
trabalhadores. De outro, há setores de esquerda que reivindicam o aprofundamento daquelas
mudanças no rumo de reformas estruturais. Este embate se projeta sobre as manifestações de junho
de 2013 na forma de uma disputa sobre seu significado político: a direita delas se utiliza buscando
popularizar uma agenda de redução de direitos, inclusive de participação política; enquanto para a
esquerda as manifestações representaram sobretudo um clamor por mais participação, cuja resposta
encontra-se na reforma do sistema político.
A centralidade das manifestações de junho nos duros embates na atualidade se deve ao fato
de que vivemos um novo ciclo político, e que seu ponto de inflexão se dá justamente naquelas
manifestações. Assim, para entender este novo ciclo e, a partir daí, intensificar a ofensiva à
esquerda e aprofundar mudanças radicalizando a democracia, é preciso entender em minúcia
minúcias as novas circunstâncias colocadas pelo ciclo que se abre agora. Mas isso não basta. É
preciso também interpretar as circunstâncias considerando tendências de fundo (condensadas nas
manifestações de junho), estabelecendo ao mesmo tempo uma estratégia capaz de recolocar a
disputa pelo governo tanto no quadro da luta por reformas estruturais quanto da conquista do poder
político. Tal é o desafio para o qual buscamos colaborar neste breve ensaio.
O desafio é bastante complexo. Em razão de seu perfil e dimensões, as manifestações de
junho de 2013 surpreenderam analistas e ativistas de todos os matizes, que desde então têm
buscando compreendê-las e pautar as energias que ali se puseram em movimento. A tarefa de
entender junho segue pendente e urgente, não obstante a profusa literatura existente sobre o tema,
que peca em três sentidos: incorre em abordagens superficiais que, ignorando tendências de fundo,
não avançam na interpretação dos acontecimentos; força a leitura das manifestações em função de
uma tese pré-estabelecida; ou, então, embora apresentem boas e aprofundadas reflexões, o fazem de
maneira demasiado fragmentada. Nesta contribuição, o que se pretende é revisitar este fenômeno

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Ensaio inédito apresentado ao Colóquio Internacional “Desafios das Democracias na América Latina” (24-28 nov.
2014), promovido pelo Grupo de Trabalho “A formação da cultura democrática pelas esquerdas latino-americanas”,
vinculado ao Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
complexo buscando uma interpretação de conjunto que sintetiza e complementa muitas análises já
publicadas.

Ondas de protestos e uma revolta contra a política

Protestos de junho de 2013: episódio tão importante quanto complexo

Em junho de 2013, uma onda de protestos varreu a conjuntura, marcando uma virada de
ciclo político. Protagonizada por jovens numa escala que não se via há anos, foi inicialmente
motivada pela redução de tarifas do transporte público. Em seguida, massificou-se em reação à
violência policial, expressando insatisfações difusas. Conquistada a reivindicação inicial, as ações
repercutiram em atos descentralizados, com pautas e composição de classe as mais diversas,
atingido no final de junho mais de 430 municípios (Madeiro, 2013) e recebendo o apoio de 75% dos
brasileiros (IBOPE, 2013b). Quem não foi, viu pela TV. Quem foi, e é militante, viveu momentos
de alegria, de surpresa, de frustração e até de medo. A sensação de muitos foi de satisfação de ver a
massa conquistando vitória com luta; mas também de temor, devido ao fato de que os protestos, em
parte, se voltaram contra os partidos e contra a própria política.
A complexidade e a dimensão daqueles eventos introduziram incertezas e inquietações que
deverão ocupar analistas e ativistas de todos os matizes por muitos anos ainda. Tentando aqui
contribuir para a leitura daqueles eventos, e buscando ao mesmo tempo uma interpretação de
conjunto das manifestações, acredito que uma adequada abordagem do fenômeno deve reconhecer
de partida que não de trata (o que ocorreu em junho) de “um evento” (no singular), mas de uma
série de processos distintos com variados pontos de irradiação, cada qual com sua origem e ritmo
próprios no quadro das transformações pelas quais vem atravessando o país desde a vitória de Lula
em 2002. Processos estes que por condições históricas (estas sim singulares) se encadearam numa
grande onda, produzindo um impacto político profundo. Se existe um denominador comum em tais
atos, ele parece corresponder a uma insatisfação latente e difusa com a política.

Movimento em ondas sucessivas desencadeadas pelas mudanças da última década

O início das manifestações se localiza na primeira quinzena de junho (cf. Locatelli, 2013;
Judensnaider et al, 2013), quando ocorrem os primeiros atos pela redução das tarifas do transporte
público. Convocados pelo Movimento Passe-Livre (MPL) – apartidário, mas de esquerda – e
integrados por jovens secundaristas e universitários, os atos contaram com apoio da esquerda
(Alves, 2013; Leher, 2013; Singer, 2013a), incluída aí não apenas a oposição de esquerda mas
também setores da base do atual governo. Este impulso encarna o descontentamento de setores
médios radicalizados – em parte excluídos da coalizão do atual governo. Encarna também
expectativas quanto ao avanço de reformas estruturais, suscitadas com a vitória de Lula em 2002.
Manifestações deste impulso já haviam sido sentidas em inúmeros atos pela redução das tarifas do
transporte, ocorridos no país desde 2003 (cf. Movimento Passe-Livre..., 2013), no descolamento
eleitoral e partidário de parte da base petista; e numa série de embates no meio universitário, como
as ocupações de reitoria em 2007-2008; a greve das universidades federais em 2012; e a Jornada
Nacional de Luta da Juventude, ocorrida entre abril e maio de 2013.
Irradiado deste ponto inicial, as ações alcançaram o noticiário, onde acabaram associadas à
violência numa tentativa da direita em isolá-los politicamente, justificando a intervenção policial. O
resultado foi o inverso: as ações receberam solidariedade massiva, convertendo-se em atos pelo
próprio direito de manifestar. Neste momento, marcado pelos protestos ocorridos em 17 de junho
em diversas regiões do país (cf. Locatelli, 2013; Judensnaider, 2013), entram em cena amplas
parcelas da juventude escolarizada, sobretudo da classe média (Alves, 2013; Carlotto, 2013;
Maricato; 2013; Evelin, 2013; Singer 2013a), alargando a pauta, tornada difusa. Ganham força,
também, as manifestações de moralismo, nacionalismo e anti-partidarismo, reforçadas pela mídia –
agora simpática aos atos, na tentativa de aproveitá-los para instaurar um clima de instabilidade e
atingir o governo. A manobra gera desconfiança em parte da esquerda quanto ao rumo dos
protestos, vistos como um risco de golpe contra o governo e contra o PT (Maringoni, 2013). Neste
segundo ponto de irradiação, encontram-se a maior parcela dos setores médios, descontentes com o
sistema político, excluídos da coalizão de governo, e suscetíveis à manipulação conservadora da
mídia.
Já nos próprios atos de 17 de junho, mas sobretudo nos seguintes, abre-se uma nova fase (cf.
Locatelli, 2013; Judensnaider et al, 2013) um novo componente aflui às ruas: os jovens de baixa
renda, notadamente da parcela de maior escolaridade (Alves, 2013; Singer; 2013a). Sensibilizados
pela reivindicação de mais verbas para os serviços públicos, também presente nos atos,
manifestaram seu descontentamento enquanto setor que menos se beneficia com as políticas do
atual governo; e que mais sofre com a violência dos centros urbanos. Revoltados com a política –
tal como os jovens de classe média – se mostraram mais suscetíveis à violência, protagonizando
depredações e enfrentamentos com a esquerda organizada (neste caso, incitados pela extrema-
direita, diluída nas manifestações). Nesta terceira fase dos protestos, que reverberou nas periferias
em atos descentralizados, encontramos manifesta a indignação com a repressão e os despejos que
têm acompanhado os megaeventos esportivos realizados no país. Esta onda parece refletir a
insatisfação de segmentos da nova classe trabalhadores que, beneficiados pelas políticas do atual
governo e empregados – mas precariamente – tem sido sentida, por exemplo, em conflitos nos
canteiros de obras de grandes projetos de infraestrutura nos últimos anos (cf. Braga, 2013).

Respostas politizadas a um movimento de revolta contra a política

A resposta do governo às ruas (cf. Brasil, 2013; Singer, 2013a) evidencia as tensões que se
acumulam no interior da coalizão: de um lado, o governo atende as reivindicações dos setores
populares e parte dos setores médios ao propor a alocação de recursos advindos da exploração do
Pré-Sal em serviços básicos como saúde e educação. Por outro, reforça o compromisso com a
austeridade fiscal, sinalizando favoravelmente aos setores que se beneficiam, por meio do
pagamento da dívida pública, dos mesmos recursos que faltam às áreas da saúde e a educação, entre
outros. Esta tensão evidencia a descontinuidade existente entre os anseios progressistas dos setores
médios e populares e os interesses de frações das classes dominantes identificadas com o
neoliberalismo e encasteladas no aparelho de Estado, escudadas pela blindagem do sistema político
– bem diagnosticada pelo governo e respondida, também no contexto dos protestos, com uma
proposta de plebiscito sobre a reforma política, da qual recuou sob pressões conservadoras.
Passados os protestos de junho, abriu-se um período de certo voluntarismo, onde as forças
políticas buscaram acionar as massas em torno de bandeiras variadas numa espécie de teste da
correlação de forças. Esquerda e centrais sindicais de diversas tendências protagonizaram a
convocação de atos como os de 11 de julho e 30 de agosto, buscando mobilizar os trabalhadores
(em grande parte ausentes nos protestos, não obstante à tendência de aumento de greves e
paralisações no país), alcançando com eles apenas parcelas da classe já organizadas politicamente.
Já a maioria das classes médias se dispersa em atos fragmentados, influenciados pela direita e pela
mídia, em torno da crítica moralista e da resistência a medidas progressistas anunciadas pelo
governo em resposta aos protestos, tais como o programa Mais Médicos. Os jovens de baixa renda,
por sua vez, revoltados com o atual sistema político, não parecem se identificar imediatamente com
qualquer destas alternativas, optando muitas vezes pelas ações extremistas articuladas pelos
chamados Black Blocs (David, 2013) e, depois, por “aparições” em espaços reservados a setores
privilegiados, como os shopping-centers – protagonizado os chamados “rolezinhos” (David, 2014).
A consideração dos protestos de junho sob esta perspectiva, ou seja, sua caracterização
como uma onda composta por processos com pontos de irradiação e ritmos bastante diversos,
evidencia sua enorme complexidade. Apesar disso, ao menos um aspecto pode ser apontado como
predominante, atravessando diversos setores sociais: as manifestações representam uma revolta
contra a político (cf. Stédile e Viana, 2013; Chauí, 2013; Musse, 2013; Betto, 2013; Boff, 2013;
Nobre, 2013), apresentando-se como um movimento que embora possua consequências políticas,
não se identifica nem se manifesta tão claramente em termos políticos, apresentando reivindicações
associadas à ampliação de direitos. Um mês antes das manifestações de junho, a Fundação Perseu
Abramo realizou uma pesquisa sobre a reforma política (Núcleo de Estudos..., 2013) e que ajuda a
dimensionar o peso com componente político na motivação dos manifestantes.
Na pesquisa, 75% dos entrevistados defendem reforma política, 65% concordam com a
eleição de novos representantes com atribuição exclusiva de realizá-la, enquanto 72% são contra o
financiamento de empresas em campanhas. Mas diante da pergunta aberta “o que você faria numa
reforma política?” a proposta tal como a entendemos aparece em menos de 30% das respostas, ao
lado de uma série de reivindicações que talvez ajudem a entender os eventos de junho: melhoria dos
serviços públicos (citados em 19,9% das respostas), combate à corrupção (15,2%), mudança do
sistema judiciário (13,5%), aumento de salário (5,6%), mudanças diversas na legislação (4,5%) e
questões econômicas gerais (3,5%), entre outros. Individualmente, os temas mais colocados são
“punir políticos corruptos” ou “acabar com a corrupção” (14,6%), “reduzir o salário dos políticos”
(10,5%), “mais saúde” (8,2%), “respeito à Lei da Ficha Limpa” (7,8%), “mais educação” (7,7%),
“redução da maioridade penal” (7,1%) e “diminuição da quantidade de políticos” (6,7%).
Entre temas espontaneamente mais associados à reforma, portanto, predominam o repúdio
aos políticos e à política, a questão da corrupção e demandas imediatas relacionadas à saúde,
educação e segurança, temperadas com doses de conservadorismo que frequentemente
acompanham a proposta de redução da maioridade penal. Dado importante: nas respostas
espontâneas associadas à reforma política a ideia da “participação” está ausente. Isso indica que
talvez as manifestações de junho não sejam aquilo que nos pareceu ter sido, ou seja, um clamor por
mais participação. Outro dado importante, revelado na pesquisa da FPA, se refere à confiança nas
instituições, o que também ajuda muito a entender os eventos de junho: no topo da lista, constam
família, Forças Armadas, juízes, mídia e as Igrejas. No fim da lista, entre as menos confiáveis:
movimentos sociais, governo, empresários, políticos e, por último, os partidos.
O desafio fundamental posto pelas manifestações parece ser justamente o de aprofundar o
processo de politização desde sentimento de negação da política, partido de reivindicações
espontâneas e imediatamente sentidas, dirigindo-as ao avanço das reformas estruturais. A definição
de uma abordagem concreta que permita reforçar esta passagem exige um melhor entendimento da
composição social, dinâmica interna e sentido político das manifestações.

A juventude nas manifestações: parâmetros de interpretação

Relativizando o ineditismo: a juventude em junho e no Brasil pós-redemocratização


Pesquisas realizadas no curso dos protestos de junho revelam o predomínio relativo (que em
alguns locais foi absoluto) de jovens com até 25 anos em relação a outras faixas etárias (IBOPE,
2013d; Singer, 2013a). Isso confirma as impressões que se teve nas ruas; e ajuda a precisar os
significados daqueles protestos: eles representam o retorno da juventude ao cenário político em
ações que se neste sentido se equiparam às grandes manifestações da história recente do Brasil –
como a luta por Diretas Já (1984) ou pelo Fora Collor (1992). Por outro lado, uma melhor
interpretação desse aspecto, decisivo em junho, acaba prejudicada pelas dificuldades de
pesquisadores e analistas políticos em compreender as particularidades da experiência da juventude
e suas consequências em termos de engajamento – um problema que se arrasta há décadas.
Daí a importância de se buscar parâmetros históricos e sociológicos para uma melhor
interpretação da massiva presença de jovens nas ruas e das implicações políticas disso. Em termos
históricos, e a primeira vista, muitos parecem ser os paralelos de junho com os protestos estudantis
ocorridos desde os anos 1980: ações explosivas e efêmeras; detonadas em contexto de relativa
liberdade e em torno de pautas difusas; em articulações aparentemente fragmentadas; bastante
suscetíveis ao estímulo dos meios de comunicação; e pouco significativas em termos de saldo
organizativo imediato; apesar de sua capacidade, em alguns casos, de estimular politicamente outros
setores da sociedade (C.f. Menegozzo, 2013). Este aspecto sugere que há fatores profundos
presentes nas últimas décadas a condicionar a experiência da juventude na política e que precisam
ser melhor identificados e compreendidos.

O conceito de juventude e suas implicações ao engajamento político

Para além destas condições particulares de nossa realidade contemporânea, todavia – às


quais retornaremos de modo aprofundado adiante e que relativizam o ineditismo de junho –,
existem fatores gerais associados à experiência juvenil nas modernas sociedades capitalistas,
fundamentais a um melhor entendimento sobre o seu lugar na política, e que é preciso considerar
também. E para isso, devemos partir de um entendimento mais preciso do próprio conceito de
juventude.
A juventude corresponde a uma série de condições associadas à preparação para a vida
adulta. Elas incluem, em termos gerais, a disposição física e a disponibilidade psicológica próprias
da imaturidade do corpo jovem. No capitalismo, incluem também a desresponsabilização com o
próprio sustento, decorrente da alongada preparação educacional exigida ao exercício de profissões
cuja especialização técnico-científica é crescente (inscrevendo recorte de classe na experiência
juvenil); a disponibilidade de recursos advindos de atividade profissional cujo exercício não impeça
o usufruto de tempo livre (recursos que reforçam a relativa autonomização ante à família); além da
possibilidade de que estes se apliquem no convívio com pares. Sob tais circunstâncias, a ansiedade
devida ao choque entre aspirações e oportunidades reais pode eventualmente ser reelaborada em
práticas e valores distintos dos socialmente estabelecidos, e podem adquirir a forma de movimentos
sociais organizados (cf. Menegozzo, 2012).

Condições do engajamento juvenil: subsídio para uma interpretação dos eventos de junho

Isso explica a razão pela qual juventude poder atuar como fator de descontinuidade e
renovação cultural, o que lhe confere enorme potencial político – e interessa aos setores
progressistas estimular esse potencial, buscando a consolidação de uma cultura de justiça social e de
participação política. Mas é a esse potencial que se deve, também, a maior limitação política da
juventude: a transitoriedade que a lastreia desfavorece a elaboração de uma memória coletiva, o que
dificulta a autônoma viabilização estratégica dos movimentos de juventude, tornando-os ao mesmo
tempo suscetíveis à influência e manipulação por atores políticos externos – notadamente a mídia.
Isso sugere que a dinâmica dos protestos, dada por sua composição essencialmente juvenil, possa
ser também compreendida a partir desta tensão entre renovação e suscetibilidade à influência
externa que marca profundamente a experiência política da juventude.

Os setores organizados da juventude

Juventude em 2013: virada geracional e antecipação de processos políticos gerais

Um dos aspectos evidentes de junho é que sendo protagonizados por uma geração nova na
política, ele não carrega a memória do período anterior à vitória de Lula em 2002. Deste lugar,
impõe novas demandas e formas de articulação que parecem em parte se chocar com as das
gerações pregressas. Isso explica as tensões internas à própria esquerda diante dos protestos,
evidenciando um processo de renovação geracional em pleno curso. Paralelamente, esta dimensão
geracional dos protestos suscita outro mecanismo – este, pouco considerado até aqui e derivado de
características próprias da juventude, notadamente sua particular suscetibilidade à influência de
agentes externos – que é o de antecipação, entre os jovens politicamente organizados, de tendências
latentes no quadro político, e cuja propagação e expressão é mais lenta e dificultosa entre as
gerações pregressas, cultural e politicamente mais consolidadas. Refiro-me especificamente às
tendências à unidade em torno de uma pauta de reformas estruturais, as quais, mais evidentes agora,
foram antecipadas pela primeira fase dos protestos de junho e em ações que a precederam.

Jornada Nacional de Lutas da Juventude (maio/abril): prenúncio de junho

Esta antecipação aparece, por exemplo, na Jornada Nacional de Lutas da Juventude, ocorrida
entre os dias 25 de março e 11 de abril de 2013. Segundo os próprios participantes, em sua maioria
identificados com os governos Lula e Dilma, a campanha teria sido marcada pelo caráter geral das
reivindicações, sustentada por amplo arco de forças, contemplando cerca de 30 organizações
juvenis, entre forças partidárias e de frentes de massa, como os movimentos sindical, de mulheres,
religioso, e de negros e negras, por exemplo (Albuquerque, 2013; C.f. Brasil de Fato, 2013;
Manifesto..., 2013). Relevante também é o fato de ter sido inicialmente convocada em 10 cidades
brasileiras, ocorrendo depois em 22 municípios de 15 estados – dado revelador de certa energia
latente no meio juvenil, cuja manifestação, se esperava, poderia servir de estímulo à organização de
outros setores da sociedade (Amorim e Coutinho Jr, 2013). Com tais características, a Jornada foi
tomada pelos seus próprios protagonistas como indicativa da retomada das lutas no meio juvenil
(em comparação a um período de descenso das lutas que teria marcado as últimas décadas) e
também de tendências à unidade na própria esquerda.
Uma adequada apreciação desta Jornada, todavia, não pode depender da avaliação de seus
jovens protagonistas. Isto porque aquela mesma transitoriedade a lastrear na juventude sua
capacidade de renovação cultural e de manifestação antecipada de tendências latentes provoca
também um vácuo de memória coletiva (Menegozzo, 2012), exigindo que se desconfie das
impressões sobre os movimentos de juventude, sempre que manifestada por seus próprios
protagonistas, notadamente no que se refere ao seu suposto ineditismo. Sob tal vácuo, várias das
ações ocorridas nas últimas décadas no Brasil foram anunciadas como marcos de retomada das lutas
da juventude em seu tempo – caso do “Fora Collor!” em 1992 e a onda de ocupações de reitoria em
2007-2008 –, referidas via de regra a uma representação mitificada dos eventos de 1968 (cf.
Menegozzo e Lima, 2009); e que acabaram desmentidas pelo desenrolar dos acontecimentos. Isso
se manifestou também na Jornada, superdimensionada em vários aspectos e identificada por muitos
como uma “primeira” jornada de lutas da juventude brasileira.
A verdade é que jornadas deste tipo têm sido realizadas nos últimos anos, encabeçadas por
entidades representativas estudantis. A singularidade da Jornada de Lutas de 2013 se deve, em
termos mais precisos e em primeiro lugar, à amplitude do arco de forças envolvidas e que
extrapolou o universo estudantil, envolvendo numa mesma articulação entidades de outras frentes
de massa como sindical, de mulheres, de negros e negras, entre tantas outras. Mas esta ampliação
acabou, por outro lado, restrita (neste caso até mais que em jornadas anteriores) ao nível das forças
políticas já organizadas. Em segundo lugar, em termos de pauta, seu ineditismo não se deve à
presença de reivindicações estruturais, observada em anos anteriores (cf. Ventura, 2011), mas ao
seu peso relativo no conjunto da pauta de reivindicações, e também ao comprometimento unitário
de um amplo arco de forças políticas – integrada sobretudo por partidos e movimentos identificados
com os governos Lula e Dilma, mas não apenas por eles – com aquela pauta (cf. Manifesto da
jornada..., 2013).

Atos pela redução da tarifa do transporte público: o estopim

Nos atos pela redução da tarifa dos transportes, que vinham acontecendo há anos sem no
entanto alcançar a repercussão que alcançaram depois (cf. Movimento Passe-Livre..., 2013), foi
possível também perceber um processo de efervescência no meio juvenil, e aquela mesma tendência
de realinhamento político, que neste caso foi até mais amplo, contemplando forças identificadas ao
governo, à oposição de esquerda e coletivos de esquerda apartidários (cf. Manifesto... 2013). No
decorrer dos protestos, essa unidade foi se consolidando, tendo sido consumada na conformação de
“plenárias de movimentos sociais”, reunindo separadamente um “bloco combativo” (articulação
mais efêmera que agregou grupos identificados com a oposição de esquerda) e o “bloco popular” ou
“democrático-popular” (a reunir forças políticas identificadas em maior ou menor medida com os
governos Lula e Dilma); e que convergiram depois para uma Plenária de Movimentos Sociais,
composta por setores de ambos os campos, com maior peso relativo do primeiro.
Este processo de unificação, antes latente, acaba acelerado em resposta à hostilidade do anti-
partidarismo nas ruas (evidente nos atos 17 de junho e incitada pela extrema-direita); consolidando-
se em torno de uma pauta de reformas estruturais, como especial destaque à democratização da
mídia e à reforma política (cf. Esquerda se une...). Por esta articulação, e também por articulações
de centrais sindicais de diferentes tendências, passaram a convocação do “Dia Nacional de Luta”
(11 julho) e o “Dia Nacional de Paralisação” (30 de agosto). Ocorridas ainda sob certo impulso
voluntarista do imediato pós-junho, tais ações permitiram uma melhor compreensão da real
correlação de forças, sentida também com os recuos por parte do governo em relação à proposta da
reforma política. Isso permitiu que o voluntarismo inicial desse lugar a uma campanha – de enorme
potencial unitário entre as forças organizadas – por um plebiscito visando à convocação de uma
Constituinte Exclusiva para a reforma política. Seu lançamento nacional em 16 de novembro
confirmou tendências latentes de realinhamento e uma perspectiva relativamente unitária de
acumulação de forças em torno de uma agenda de reformas estruturais.
Autonomia estratégica impossível da juventude na luta por reformas

Antecipada pela juventude nas manifestações de junho e em ações que as precederam, a


tendência à unidade consumada agora na campanha pela reforma política se apresenta como uma
saída estratégica que permitirá melhor aproveitar as energias acumuladas no meio juvenil. Em
função de condições que lhe são intrínsecas (sobretudo a intensa transitoriedade), a juventude é
incapaz de elaborar uma leitura própria da realidade com se defronta e, assim, de oferecer uma
resposta estratégica global a cenários que – pelo potencial derivado daquelas mesmas características
que lhe são intrínsecas – ela contribui para estabelecer. Isso a torna não apenas suscetível à
influência externa, mas dependente da viabilização, por parte de atores externos, de uma alternativa
estratégica global na qual ela possa se “encaixar”. Assim aconteceu, por exemplo, nos 1960, quando
a luta pela reforma universitária pôde se “encaixar” na campanha pelas Reformas de Base,
impulsionadas ao mesmo tempo pela radicalização estudantil; e nos anos 1970, com a luta pelas
liberdades democráticas, “encaixada” no processo de abertura que pôs fim à ditadura militar (1964-
1985), e no qual os estudantes foram concomitantemente protagonistas (cf. Menegozzo, 2013).

Juventude organizada e “massa de jovens”

O difícil engajamento dos setores não-organizados da juventude no contexto pré-junho

Fator também importante a se considerar nos protestos de junho é a presença de uma “massa
de jovens” não organizados politicamente, cuja interpretação deve revelar aspectos essenciais da
dinâmica interna e das condições sobre as quais se desenrolaram aquelas manifestações. Pistas a
esse respeito podem ser encontradas em manifestações que precederam as de junho. Refiro-me à
Jornada de Lutas da Juventude e os primeiros atos pela redução das tarifas, que se diferenciam
bastante em termos de dinâmica interna. No caso da Jornada, por exemplo, o embrionário
realinhamento de forças que a sustentou, embora tenha transbordado o universo estudantil, se
limitou praticamente ao nível dos militantes já organizados. Nas ações que não se enquadram nesta
tendência foi evidente o peso das agendas locais, amplificadas pela repercussão midiática. Exemplo
disso foram as mobilizações pela redução das tarifas do transporte ocorridas na região sul do país –
nas quais, aliás, foi significativa e decisiva a participação da oposição de esquerda. Tais protestos,
não obstante sua dinâmica local, acabaram sendo bem “encaixadas” num calendário nacional – no
que se deve, vale acrescentar, à capacidade dirigente dos setores articulados na Jornada Nacional de
Lutas.
A dificuldade da Jornada em extravasar os setores organizados, envolvendo a juventude em
escala massiva e pressupondo uma abordagem que na prática privilegiou os estudantes, pode ser em
parte explicada pela persistência de fatores que há décadas tem condicionado o enfraquecimento e
fragmentação das lutas no meio estudantil, e que incluem a fragmentação da sociabilidade na
universidade, intensificada com a Reforma Universitária de 1968. Ao acentuar a diferenciação entre
os vários tipos de estabelecimento (inicialmente mediante o estímulo à iniciativa privada); ao
reforçar o viés tecnicista da formação, isolando faculdades de uma mesma instituição; e ao diluir os
vínculos fortes das turmas mediante a implantação do sistema de matrícula por créditos; a reforma
enfraqueceu a universidade como espaço de sociabilidade e reelaboração de experiências coletivas
(Menegozzo, 2013). É fato conhecido, inclusive, que estas mudanças visaram, entre outros
propósitos, a facilitação do investimento privado na educação superior (Cunha, 1988, p. 84).
O resultado desse processo é a introdução, desde o nível das relações interpessoais, da
hegemonia conservadora encarnada no individualismo e na competição. Isto, às custas da
dissolução dos laços de colaboração e interação acadêmica, tão caros à produção crítica e
interdisciplinar do conhecimento. O impacto desse processo sobre a política universitária – que não
se restringe ao Brasil mas abrange outros países da América Latina (Brunner, 1987; Pronko, 2002)
– é brutal: ele dificulta a identificação do estudante com uma “comunidade universitária”, minando
as formas de engajamento que se poderia definir rigorosamente como estudantis, bem como sua
radicalização política – processo análogo ocorreu no âmbito da produção industrial com a
reestruturação produtiva nos anos 1980 e 1990, marca de avanço do neoliberalismo em escala
internacional (Bihr, 1999). A isto se soma a diversificação da condição socioeconômica da
população estudantil. Intensificada nos últimos anos, representa a entrada na universidade de setores
que apresentam menor disponibilidade e disposição de engajamento no meio universitário
(Menegozzo, 2013 e 2014).

A contrapartida das dificuldades anteriores como impulso inicial dos protestos de junho

A fragmentação das relações no meio universitário e a mudança de perfil socioeconômico


dos estudantes, se por um lado obstruem as formas de engajamento articuladas desde o espaço
universitário, por outro parecem favorecer um maior comprometimento, quando a disposição de
engajamento se apresenta, com lutas que extrapolam as pautas estudantis corporativas, e associadas
ao mundo do trabalho, ao local de moradia, expressas por outras redes de convívio cuja capacidade
de polarização acaba por prevalecer ante às relações no meio universitário, bastante enfraquecidas.
Tal quadro, que se encontra na base dos processos de diversificação das manifestações juvenis na
passagem dos anos 1970 para os anos 1980 no Brasil (cf. Menegozzo, 2013), na exata medida em
que potencializa o extravasamento das energias políticas dos muros das universidades, desaconselha
– se o esforço é atingir a juventude (e mesmo os estudantes) como um todo – as tentativas por
canalizar e potencializar as energias acumuladas neste contexto somente por meio das entidades
estudantis.
A contrapartida deste processo, que limitou na base o potencial de massificação da Jornada
de Lutas da Juventude, cuja ampliação na prática se restringiu ao espaço escolar e universitário
(embora tenha extravasado os setores que se organizam enquanto movimento estudantil),
corresponde justamente à dinâmica das primeiras ações em torno da redução da tarifa do transporte
ocorridas em junho. Estas foram protagonizadas por jovens cuja disposição de engajamento, não
obstante sua condição estudantil (sobretudo universitária), não passou por reivindicações
especificamente estudantis, nem pelas instituições de ensino superior enquanto espaço privilegiado
de articulação, acumulando forças ao longo de anos em ações juntos a jovens secundaristas e às
escolas de periferia dos grandes centros urbanos (C.f. Movimento Passe-Livre..., 2013).

Sociabilidade fragmentária como chave explicativa

Com o desenvolvimento da onda de protestos em junho, aquele padrão de sociabilidade


fragmentário – difundido por todo o tecido social (cf. Finelli, 2003; Bihr, 1999) – seguiu como fator
determinante. Manifestou-se, por exemplo, no (baixíssimo) grau de (re)conhecimento existente
entre as muitas “tribos” de manifestantes, o que não reflete uma desejada diversidade de opiniões,
mas uma verdadeira interdição do debate político. Revelou-se também na atomização até mesmo do
ato de manifestar, cada vez mais reduzido à própria opinião, materialmente refletida na moda dos
cartazetes individualizados. É verdade que mesmo individualizados, tais cartazes sugerem um
padrão: refletem a manifestação de “classes em si”, historicamente condicionadas em termos de
frustração e orientação política. Mas este potencial permanece como coincidência compartilhada
apenas objetivamente, isto é, não chega a proporcionar a conformação de “classes para si”,
conscientes de suas determinações e desejos coincidentes. Para os jovens, essa atomização é fatal,
pois o processo de reelaboração das próprias frustrações (no qual reside em germe a politização e a
radicalização política) depende e muito da possibilidade – hoje bastante obstruída – do encontro e
da experimentação coletiva.
Ao mesmo tempo, o reconhecimento deste processo coloca um novo problema: que
“ambiente” ou “contexto” de articulação seriam os dos protestos de junho, se não – como já foi no
passado, no caso das grandes ações protagonizadas por jovens – as universidades e escolas? Que
mecanismo acionou a articulação dessa “massa de jovens”?
Papel da mídia e das redes sociais

Relativizando o poder da internet: o papel dos laços interpessoais fortes

Muitos têm celebrado as plataformas virtuais de redes sociais como componente


fundamental e uma novidade trazida pelos protestos de junho. Esta empolgação com as
possibilidades abertas pelas redes, todavia, deve ser relativizada. Estudos recentes sugerem que as
ações exigentes de alto grau de comprometimento, como a participação em protestos de rua,
pressupõem laços fortes que encontram na internet um meio de interação, mas que se gestam no
contato interpessoal muito mais do que na relação mediada tecnologicamente (Galdwell, 2010). Isso
conduz à hipótese de que aquilo que, nos atos, aparece como massa disforme, agregada num etéreo
ambiente virtual, corresponde à articulação difusa de redes de relacionamento interpessoal de laços
fortes, materializadas em instituições diversas das formas consideradas tradicionais de organização
coletiva, tais como os movimentos sociais e os partidos políticos (Arantes, 2013). A julgar pela
observação militante, essa hipótese se materializa, nos protestos de junho, na presença de
familiares, turmas de colégio e faculdade, torcidas de futebol, escolas de samba, colegas de
trabalho, grupos de mães, que se comprometem e afluíram às ruas em função de laços fortes.
Os dados disponíveis reforçam a hipótese acima: é verdade que 75% dos manifestantes
repercutiram as convocações para os atos através do Facebook ou Twitter; que 62% deles ficaram
sabendo das manifestações por meio do Facebook; enquanto os atendentes aos atos teriam
respondido (estima-se) a 10% da população internauta brasileira (IBOPE, 2013a e 2013c) – o que
reafirma a ideia de que estas configurações em rede representam uma poderosa ferramenta de
difusão, de amplificação de mensagens (cf. Galdwell, 2010). Por outro lado, 65% dos manifestantes
foram acompanhados de colegas, 11% estiveram acompanhados por cônjuge, e 8% de irmãos ou
parentes. No total, portanto, 76% dos manifestantes ouvidos pela pesquisa foram acompanhados de
amigos, cônjuges e/ou familiares, restando 22% dos participantes, que declarou ter ido
desacompanhado às ruas (IBOPE, 2013c). Tais dados reforçam o fato de que a participação em
ações de alto risco envolvem vínculos fortes que não se estabelecem apenas por meio das
plataformas de redes sociais. Plataformas estas que, de resto, também são incapazes (pelo caráter
difuso e não hierárquico de sua estrutura) em estabelecer metas e prioridades definidas (cf.
Gladwell, 2010) – aspecto evidente nas manifestações.

Calibrando o poder das mídias em geral: sincronização de tempos sociais fragmentados


Conforme revela a referida pesquisa, o fato de o comprometimento de alto risco, tal como a
participação num protesto, pressupor vínculos mais fortes que os proporcionados pelas plataformas
de redes sociais não deve, todavia, nos levar à ideia absurda de que os meios de comunicação de
forma geral – incluindo-se aí a TV e mesmo o cinema, além da internet – não tenham cumprindo
papel relevante nos protestos. Desde a popularização da mídia impressa, tais meios têm contribuído
para a amplificação de mensagens, oferecendo também elementos de identificação coletiva que são
caros às ações políticas em escala de massas (Tarrow, 2009, p. 67-78). Isso quer dizer que não é
apenas no contato direto que se sedimentam identidades coletivas.
Nos atos, isso ficou evidente na repercussão midiática da violência policial, que
potencializou insatisfações difusas em torno do próprio direito de manifestar (cf. IBOPE, 2013a,
2013b e 2013c; Manifesto contra..., 2013; Singer, 2013a). Pode-se dizer, assim, que a cobertura da
imprensa – que não é neutra, daí o risco de manipulação – ajuda a acionar um mecanismo essencial
às explosões políticas de massa: a sincronização de tempos individuais e sociais distintos –
alcançando, no caso dos atos contra o aumento das tarifas, até brasileiros no exterior (cf.
Manifestações pelo mundo..., 2013). Esse mecanismo, que na sociologia se define como um
processo de “superpolitização do cotidiano” (Rodrigues, 1993), foi o que permitiu acionar a
articulação difusa dos grupos de laços “fortes” observada em junho.

Conteúdos conservadores e sua reapropriação e resinificação como arma de protesto

Interessante observar também, tratando ainda do papel dos meios de comunicação nos atos,
que sua influência não é de mão única. Com isto se quer dizer o que “telespectador” não recebe
passivamente a mensagem transmitida, mas a reelaborada em contextos simbólicos particulares.
Isso faz com que possa servir também ao protesto, sobretudo em situações de relativa imaturidade
ou indisponibilidade das linguagens e instrumentos da política, e inclusive entre jovens (C.f.
Abramo, 1994, p. 35-38; Cardoso e Sampaio, 1995, p. 22-25). Isto explica, por exemplo, o fato de
as redes sociais terem sido utilizadas como uma rede de comunicação alternativa: seu conteúdo,
embora pautado pela grande mídia, é resignificado, podendo servir também à denúncia e à
mobilização. Exemplo dessa resignificação encontra-se nas referências a músicas do grupo Legião
Urbana em junho (“Somos os filhos da revolução!”). Não é coincidência que no contexto dos
protestos estivesse em cartaz nos cinemas o filme Somos Tão Jovens, que retrata a vida do principal
expoente da banda, ícone jovem nos anos 1980 e 1990.
O mesmo se pode dizer, embora de modo mais sutil, da Copa das Confederações. O evento –
tal como o conjunto dos megaeventos esportivos que tem sido realizados no país – tem suscitado
frustrações no meio popular, em função dos abusos policias, dos despejos para as grandes obras, e
dos aparentes contrastes entre as grandes obras e a precariedade dos serviços públicos. Ao mesmo
tempo, o evento atraiu olhares da imprensa internacional, abrindo uma janela de oportunidade que
acabou aproveitada pelos protestos. Além disso, em sua chamada televisiva convocava: “vem,
vamos pra rua que a rua é maior arquibancada do Brasil!”. De certo modo, foi o que aconteceu em
junho, sobretudo a partir dos massivos atos do dia 17: foi-se à rua, de verde e amarelo, torcer pelo
Brasil contra a sujeira da política. Os paralelos entre os atos recentes e os de 1992 não parecem
mera coincidência: se a série Anos Rebeldes (a retratar a lutas dos estudantes dos anos 1960 e
transmitida pela TV Globo à época) serviu à manipulação da juventude no quadro de um conflito
interno às classes dominantes, foi ao mesmo tempo apropriada pelos manifestantes, servindo à
significação de suas próprias motivações.

Quando a celebração das novas mídias reforça as relações de dominação

Mas o maior erro de avaliação quanto ao papel dos meios de comunicação e das redes
sociais em protestos como os de junho reside na celebração do papel da internet como meio de
articulação de tempos sociais dessincronizados, desacompanhada de uma reflexão acerca da
conveniência e causas desta dessincroniza. Conforme sugeri anteriormente, ela decorre de um
processo de fragmentação das relações interpessoais que, avançando junto com o capitalismo,
reorganiza as relações em função do lucro. O resultado disso é um desencontro cultural que é
celebrado pelos ideólogos da ordem como uma desejada pós-modernidade, mas que representa um
grande estrago à democracia: ele estabelece, desde a escala interpessoal, a hegemonia do pequeno
interesse, ou da manifestação individual de qualquer interesse, em detrimento da grande política,
minando a convivência e o terreno de experiências compartilhadas tão caro aos processos de
decisão coletiva; atuando como decisivo elemento de desarticulação dos setores populares e indireta
blindagem do sistema político (cf. Finelli, 2003; Bihr, 1999).
Para os jovens, esse mecanismo de fragmentação é fatal, pois o processo de reelaboração das
próprias frustrações (no qual reside em germe a politização e a radicalização política) depende e
muito da possibilidade – hoje bastante obstruída – do encontro e da experimentação coletiva. Ao
celebrar o papel das redes sociais e o aspecto organizativamente difuso das manifestações em curso,
incorremos num discurso conservador velado que não questiona – e colabora, portanto, para
perpetuar – tanto as condições materiais a partir das quais aquele discurso conservador se sustenta e
se reproduz; quanto à demasiada dependência das ações coletivas de instrumentos de mediação
tecnológica cujo conteúdo encontra-se centralizado na mão de empresas capitalistas, servindo ao
lucro, ao monitoramento e à manipulação por poucos – daí, inclusive, a importância estratégica da
democratização dos meios de comunicação. Celebremos, portanto, as inovações tecnológicas, mas
sem descuidar do debate acerca da necessária mudança dos padrões de relacionamento interpessoal,
encarnada num profunda “reforma econômica”, como condição e expressão concreta da nova
hegemonia que queremos estabelecer na sociedade (cf. Gramsci, 2007, p. 15).

Conteúdos de classe dos protestos: desafio ao governo de


coalizão

Manifestações de junho e a nova estrutura de classes no Brasil

Outro importante significado dos protestos de junho encontra-se no fato, que é preciso
reconhecer como inédito, de protestos inicialmente impulsionados por um arco tão amplo e
heterogêneo de forças – integrado por apartidários, por partidos da base do governo e pela oposição
de esquerda (conforme já apontado em artigos anteriores) – ter não apenas alcançado repercussão
massiva, mas ter também dialogado com preocupações candentes das camadas populares e médias,
que se puseram em movimento. Também de extrema importância, tanto quanto inédito, é o fato de
tais ações terem encontrado um PT desacostumado ou indisposto a agitações desta natureza nos
últimos anos, e na posição de partido de governo (Altman, 2013); ou seja, em posição desvantajosa
para responder e capitalizar as mobilizações, reforçada pela inabilidade, por exemplo, da gestão do
PT na cidade de São Paulo – eleita com apoio de setores que parecem ter, inclusive, engrossado as
manifestações (C.f. Medeiros, 2013, p. 58) –, que encontrou dificuldades por se diferenciar
politicamente das forças de oposição de direita encasteladas no governo do Estado de São Paulo.
Esse cenário se instala paralelamente a um entendimento mais apurado das conquistas dos
governos encabeçados pelo PT, materializadas na recomposição econômica e potencial dinamização
política de segmentos da classe trabalhadora (cf. Singer, 2012; Sader, 2013). E o que este melhor
entendimento revela é que, se por um lado as conquistas que obtivemos criam as condições para a
dinamização de novos e potenciais sujeitos de mudança, elas resultaram de uma política de
conciliação de interesses de classe envolvendo a burguesia produtiva e os segmentos mais
pauperizados da sociedade – assumida em parte como alternativa de acumulação de forças sob as
derrotas impostas pelo neoliberalismo nos anos 1990 –, consolidada num pacto pelo
desenvolvimento. Este pacto, todavia, além desfavorecer a politização daqueles potenciais sujeitos
de mudança na medida em que prescinde da mobilização de massas e evita conflitos, acaba também
por excluir a classe média. Não apenas seu extrato privilegiado, mas também suas camadas média e
baixa, que até pelo menos o primeiro mandato de Lula compunham parcela importante da base de
sustentação do PT, tanto quanto de uma política de reformas sociais (Singer, 2012).

Classe média: precisando um conceito polêmico e problemático

Neste ponto, é imprescindível identificarmos de maneira mais precisa essa classe média,
reconhecendo que o conceito é controverso (cf. Pomar, 2013). Evitando os meandros teóricos do
debate tomaremos a classe média como um segmento heterogêneo formado por pequenos e médios
proprietários, profissionais assalariadas não manuais e também por certas ocupações ligadas ao
setor de serviços e os trabalhadores inativos. Este contingente pode ser decomposto em ao menos
três estratos distintos. O mais alto, formado por pequenos e médios empresários; funcionários da
alta direção na administração pública e privada como executivos, gerentes e administradores; e por
antigos profissionais liberais como professores universitários, engenheiros, economistas e médicos,
por exemplo. Já seu segmento médio é integrado por professores do ensino médio e profissionais de
ocupação técnico-científicas de nível intermediário de uma forma geral. Por fim, temos a classe
média baixa, composta por lojistas, vendedores, auxiliares de escritório, técnicos de contabilidade,
professores primários e também por setores inativos economicamente, como os aposentados e
pensionistas, por exemplo (Guerra et al, 2006, p. 13 e 24; Pomar, 2013, p. 28-29).

As perdas relativas da classe média sob o governo de coalizão

Ao que parece, atendendo parcialmente aos interesses econômicos do segmento mais


pauperizado da sociedade, deslocando-o relativamente e subtraindo-o da influência eleitoral dos
setores conservadores, as ações do governo provocam ao mesmo tempo uma reação destes
segmentos médios. Primeiro, entre seus estratos privilegiados, como os que se beneficiam, por
exemplo, de serviços pessoais (segurança, motoristas, faxineiras, etc.) cujo custo se eleva com
ampliação de direitos; e que, apesar de beneficiadas em parte pelo atual arranjo político,
experimentam uma queda relativa de status e poder (Guerra et al, 2006; Fon Filho, 2013). Eis um
sentimento que, sob o risco de perder seu almejado apelo de massas, uma candidatura à direita não
pode vocalizar explicitamente. Veladamente, entretanto, ele invade a cena política com um discurso
moralista e também retrógrado quanto aos custos sociais do crescimento e do controle da inflação.
Isto, ante ao risco de deterioração (sob o possível esgotamento do crescimento econômico) do pacto
pelo desenvolvimento que garantiu as tendências redistributivas recentes (Singer, 2013b e 2013d;
Singer et al, 2013; Safatle, 2012).
Já para os estratos médio e baixo das classes médias, fragilizados pelo desmonte neoliberal
dos anos 1980 e 1990 – sobretudo pelo enxugamento das funções de gerência e informatização de
serviços provocadas pelas privatizações e a reestruturação produtiva (Guerra et al, 2006, p. 24-39;
Pomar, 2013, p. 44-46; Medeiros, 2013, p. 56) – a sensação é de aumento relativo do custo de vida
e de pressão sobre o orçamento familiar, derivados da carga tributária regressiva e da especulação
imobiliária, combinada aos custo associados à mobilidade urbana e à baixa qualidade dos serviços
públicos (cf. Pomar, 2013, p. 46; Maricato, 2011 e 2013; Chauí, 2013; Singer, 2013a). Sensação
esta atribuída, em geral, à corrupção e à má gestão do Estado. Isto torna tais setores suscetíveis a
discursos oportunistas quanto à corrupção (focalizada contra o governo e o PT sob o bombardeio da
mídia), à violência (canalizada à justificação do extermínio e encarceramento da população pobre e
negra), à carga tributária (servindo à manutenção de um sistema regressivo), à inflação (visando a
desestabilização do governo) e o descontentamento com os serviços públicos (sobre o qual se
estimula o desmonte do Estado e a hostilidade contra a ascensão e consumo da população de mais
baixa renda) (cf. Medeiros, 2013, p. 59-60; Grabois, 2013), favorecendo setores conservadores da
sociedade – que, aliás, para complexificar a equação, estão em parte representados na atual coalizão
de governo.

Diante de perdas relativas, a polarização conservadora da classe média

Frustradas em sua expectativa de ascensão pelas classes dominantes nos anos 1960, a classe
média viveu naquele período um processo de polarização progressista e mesmo revolucionária. A
partir do final dos anos 1970 e durante os anos 1980 e 1990, reagiu à proletarização de que foi
vitima sob o neoliberalismo, identificando-se com setores populares – contexto em que surge o PT –
, porém cada vez mais reduzida e enfraquecida politicamente (Menegozzo, 2013). Agora, frustradas
em sua expectativa de recuperação sob os governos petistas, as classes médias estão divididas. Em
sua maior parte, encontram-se “depolarizadas” politicamente, mas sujeitas ao risco da polarização
conservadora – o que, aliás, tem sido sentido nas universidades há alguns anos (cf. Menegozzo,
2010). Isso decorre da frustração com a política, resultante da aparente indistinção entre esquerda e
direita suscitada pelo governo de coalizão; e também pelo bombardeamento da mídia, a reforçar
aquela indistinção aparente (Alves, 2013; Pomar, 2013). Ao que tudo indica, esse quadro responde
por parcela significativa dos 80% dos ativistas que declarou não se sentir representado por nenhum
partido ou político e alegou não ser filiado a qualquer entidade associativa (IBOPE, 2013c). Apenas
uma porção minoritária dos setores médios escapa a esta estatística, sendo atraída ou pelo campo
liderado pelo PT, ou pela oposição de esquerda.
A julgar pelo teor pelas manifestações ocorridas a partir do dia 17, os protestos de junho
representam também a reentrada em cena desta porção “despolarizada” dos setores médios, por
meio da juventude – que também nisso pode ter, por suas particulares características, antecipando
processos gerais em curso. Esta hipótese permite encontrar alguma coerência na insatisfação difusa
manifestada nas ruas: insatisfação com o custo de vida, expectativa de melhoria dos serviços
públicos com vistas à desoneração do orçamento familiar e denúncia da corrupção como sintoma do
descaso ou da disfuncionalidade do Estado. Isto, temperado com certa dose de um “iluminismo”
próprio de setores escolarizados que, em contextos de desigualdade brutal, se apresentam como
representantes supostamente “legítimos” dos interesses de todos – o que se percebe em declarações
como “o Brasil acordou” (ou então em “conduzo, não sou conduzido”, na tradução paulistana desse
fenômeno).

A juventude da nova classe trabalhadora: sinais de descontentamento

Mas não é somente a entrada em cena dos setores médios que representa um desafio ao
governo de coalizão, respondendo assim por um dos importantes significados dos protestos de
junho. Também os jovens pertencentes às famílias da classe trabalhadora afluíram às ruas, numa
reação à violência sofrida por parte da polícia e do crime organizado; e à situação ainda precária
que encontra em termos condições de trabalho: ante ao risco do desemprego, empregos
desestimulantes, de baixa remuneração e alta rotatividade, e ante a cargas e rotinas de trabalho
extenuantes, vêm frustradas sua expectativa de ascensão, prometida pelo acesso ao ensino superior
(C.f. Campos, 2010, p. 27-74; Alves, 2013; Boito Jr., 2013; Braga, 2013; Singer, 2013a).
Contribuem para o descontentamento deste segmento o problema do transporte e custo dos aluguéis
– derivado do colapso urbano resultante do atendimento de interesses econômicos representados na
coalizão de governo, como as montadoras e empreiteiras – e também à revolta contra o sistema
político, que tem se expressado na adesão aos Black Blocs e, mais recentemente, no fenômeno dos
“rolezinhos” (David, 2013 e 2014).

Potencial renovação do campo democrático-popular

Protestos de junho reforçam o acerto da estratégia de acúmulo de forças

Provavelmente um dos aspectos menos mencionados das manifestações ocorridas em junho


de 2013, por paradoxal que isso possa parecer, diz respeito às consequências políticas potenciais de
lutas como a redução das tarifas do transporte público – e que foi conquistada pelos protestos. Isso é
da maior importância à juventude, na medida em que no convívio com pares reside uma variável
determinante à conformação da juventude enquanto grupo social e à sua politização. Em outras
palavras, a qualidade do transporte é uma das muitas variáveis associadas à realização no contexto
urbano de uma experiência (a juventude) cujo potencial de renovação cultural é tremendo; e
interessa aos socialistas realizar este potencial na perspectiva de aproveitá-lo à renovação das
energias do campo democrático e popular (cf. Menegozzo, 2012). Para isso contribui, em alguma
medida, a melhoria das condições de mobilidade urbana.
Além disso, a conquista da redução da tarifa reforça a viabilidade de certa perspectiva de
mudança expressa na chamada estratégia democrático-popular – sistematizada pelo PT entre os seus
4º e 7º Encontros e em seu 1º Congresso (1986-1991) (cf. Partido dos Trabalhadores..., 1998). Em
termos mais específicos, ela prevê que a construção do socialismo não se dá por uma súbita
sublevação ocorrida em contexto de extrema opressão e desigualdade; mas se dará, provavelmente,
a partir de um processo de acumulação de forças. Mais precisamente, por uma combinação de lutas
que, passando por fora e por dentro do aparelho de Estado, e impulsionadas pelos trabalhadores e
pelas classes médias em contradição com a burguesia, possa obter conquistas de impacto estrutural
a partir do nível de consciência atual das massas, e que ao mesmo tempo cria condições mais
favoráveis ao engajamento. Tal possibilidade parece ter sido reafirmada historicamente pela
dinâmica e desdobramento das manifestações.
Isto se observa não apenas na potencialização da experiência do jovem na cidade (reforçada
com a redução da tarifa) e pela potencial aproximação dos setores populares e médios na luta por
mais direitos; se observa também na motivação dos manifestantes, que não se justifica na piora, mas
na melhoria das condições de vida. Ao mesmo tempo em que apontam que os protestos receberam
apoio de 75% dos brasileiros, pesquisas revelam que na população em geral 71% consideram-se
satisfeitos com sua vida atual. Entre os 75% de brasileiros que apoiam os protestos, a proporção dos
satisfeitos com a própria vida é alto, chegando a 69% (IBOPE, 2013a). O elevado nível de
satisfação mesmo entre os apoiadores dos protestos problematizam leituras segundo as quais quanto
pior forem as condições de vida melhores as condições de luta. Em conjunto, estes dados sugerem
que as conquistas obtidas nas últimas décadas melhoram as condições de engajamento; e que a
motivação dos protestos reside muito mais numa baixa expectativa sobre o futuro (43% na
população em geral e 39% entre os manifestantes) do que na precariedade das condições de vida e
trabalho propriamente ditas.

A juventude como fator de estímulo aos movimentos de massa


Outro aspecto a considerar em termos de oportunidades abertas pelos protestos, diz respeito
à influência que as ações inicialmente protagonizadas por jovens de classe média exerceram sobre
outros setores, como os jovens trabalhadores – fato ocorrido também 1977 e 1992 (Menegozzo,
2013). Isso contribuiu para colocar amplas massas em movimento, abrindo oportunidade de
politização em escala também massiva, e possivelmente de renovação do campo democrático-
popular; muito embora o estímulo tenha desencadeado um movimento acentuadamente
despolitizado (aspecto presente também 1977 e 1992). Isto aponta para o desafio que tem pela
frente o campo democrático-popular em perspectiva estratégica: o de aproveitar o estímulo exercido
pela juventude sobre amplos setores para, neste ambiente de mobilização, reconquistar as camadas
médias e os trabalhadores para a política – e mais especificamente para uma política de esquerda,
capitalizando as conquistas econômicas parciais da última década, sobretudo junto às camadas mais
pobres da população.
Os caminhos para avançarmos nesta direção são muitos. Mas também neste aspecto os
eventos de junho oferecem pistas importantes. As ações localizadas em sua origem se
desenvolveram ao longo de anos a partir de um trabalho combinado entre estudantes universitários e
secundaristas nas periferias. Esta fórmula revela a particular sensibilidade que apresentam os
secundaristas em relação aos problemas urbanos locais, como o transporte – fato, aliás, reforçado
pela evidência histórica (Cintra e Marques, 2009, p.74-76 e 304-307). E também seu potencial de
mediação entre setores médios radicalizados (tais como aquele que impulsionou inicialmente os
protestos) e as periferias urbanas. Acrescente-se a esta fórmula a própria forma de articulação (um
movimento que não aparece identificado ao sistema político, recebendo assim o apoio de um
movimento que é também de revolta contra a própria política) e também o teor “econômico” da
pauta pela redução da tarifa, que enquanto reivindicação concretamente sentida permitiu furar o
bloqueio ideológico da mídia – obrigada em junho a legitimar os protestos, disputando-os pela
direita.

Enfrentando o risco real de popularização da agenda conservadora

Por outro lado, a suscetibilidade dos protestos ao esforço da direita por popularizar uma
agenda reacionária, sobretudo entre os jovens, mostra que as ruas ainda estão em disputa. O
interesse por política, declarado por mais de 60% dos manifestantes, é acompanhado pelo fato de
80% deles não se sentirem representados por partido ou político algum, e pela enorme confiança
ainda depositada nos grandes meios de comunicação de massa. Isso revela que a politização não
está dada, mas é uma possibilidade, cujo avanço se dá num processo em que o povo se engaja na
luta por reivindicações mais sentidas – e que num contexto de revolta contra a política estão se
manifestando como reivindicações econômicas. Nossa capacidade, enquanto esquerda, de acumular
forças neste processo de politização em escala de massas depende diretamente de nossa capacidade
de “direção política” desde impulso “espontâneo”. Nisso, deixamos a desejar em junho.

“Espontaneidade” e “direção política”

Relação entre esquerda e a massa de manifestantes: déficit de organicidade

Um dos mais preocupantes aspectos das manifestações de junho foi a revolta, em escala de
massas, contra a própria política. Tão preocupante quanto este aspecto foi a incapacidade da
esquerda em interpretar o sentimento da massa, detectando antecipadamente a detonação que varreu
a conjuntura política do país. Um melhor entendimento deste problema passa por uma investigação
mais detida acerca do próprio processo de conhecer; o que nos remete não apenas às condições do
“poder conhecer”, mas do “querer conhecer” também. O primeiro aspecto corresponde, no caso, à
distância ou às interferências que se impuseram no contato entre a esquerda e os ativistas,
impedindo que a realidade tivesse sido captada diretamente, ou seja, através da prática. A questão
do “querer”, diferentemente, remete a fatores de ordem cognitiva a interferir entendimento da
realidade – o que nos alerta quanto ao necessário aprimoramento do esforço de blindagem da
reflexão crítica na própria esquerda, entendida (esta blindagem) como uma solução que precisa se
materializar organizativamente (cf. Menegozzo, 2013).
Outro aspecto do problema nos remete à atitude da esquerda diante dos protestos, depois de
detonados. Se desconhecia, antes, a motivação dos ativistas, continuou a desconhecê-las depois,
numa atitude que insistiu em “meter as pessoas na organização partidária e a sociedade no projeto
partidário” ao invés de “meter a política na vida das pessoas e a organização partidária na
sociedade” (Harnecker, 2000, p. 363). Isso ficou evidente nas ruas, sobretudo nos protestos de 17 de
junho, com a indignação da massa contra os partidos numa verdadeira revolta contra a política.
Tristemente dirigida por elementos de direita (que não levam faixas mas influenciam o povo)
(Ribeiro et al, 2013) – mostrando o grau de influência a que se encontram sujeitos mesmo os setores
populares ao discurso conservador (Singer, 2013; Weissheimer, 2013; Alves, 2013) – tais atitudes
encontraram na esquerda uma reação de defesa dos seus modos e símbolos contra a massa,
materializada num cordão de isolamento que traduziu fisicamente a distancia entre a esquerda e a
massa que ela pretende representar (cf. Arcary, 2013).
Primeira causa do distanciamento: problema cognitivo

Exploremos esse problema de modo mais sistemático. Para isso, partamos do


reconhecimento de que existem basicamente duas modalidades de conhecimento ou de saber.
Primeiramente, há o “conhecimento objetivo”, produto da ciência, e que investiga – ainda que de
modo sempre parcial e aproximativo – uma realidade desantropomorfizada, ou seja, que é
independente “do sujeito que conhece” (forma de conhecimento que se liga àquele tipo de práxis na
qual o sujeito age sobre a natureza, e que se poderia definir como “trabalho”). A outra modalidade
de conhecimento resulta de um tipo distinto de atividade, que corresponde à ação do sujeito sobre a
vontade e a ação dos outros (ou “ação sobre ação”), e que por essa razão é definida como práxis
interativa. A diferença entre ambas pode ser ilustrada na ideia de “quando me empenho em agir
sobre a ação do outro (ou de outros), devo estabelecer com a consciência dele (ou deles) um tipo de
relação que, obviamente, não é a mesma que estabeleço com o mármore no qual trabalho para
construir uma estátua” (Coutinho, 2006, p. 102-118).
Isso implica em admitirmos que, por mais que se conheçam objetivamente as condições e as
motivações da ação do outro, só se pode transformar essa ação se formos capaz de convencer o
outro a agir no sentido por nós desejado. Esta capacidade de estabelecer com o outro uma relação de
paralelismo intersubjetivo é que define a natureza da direção moral-ideológica ou do exercício da
hegemonia. Em outras palavras, a capacidade dirigente não constitui uma relação verticalizada, uma
função de comando da massa que, ao tratá-la como “mármore” a ser talhado, ignora sua experiência
e visão de mundo. Tampouco representa a redução de uma visão sistemática, de projeto político, ao
nível das percepções do senso comum. Aquela função dirigente se realiza, isto sim, na combinação
entre “direção consciente” e “espontaneidade”. E se materializa no esforço por identificar elementos
de “bom senso” das percepções do senso comum e de aproveitá-lo como ponto de entrada da nossa
visão de mundo (Coutinho, 2007, p. 165-180; Gramsci, 2006, p. 93-114).
Somente desta forma é que as visões de mundo coerentes, elaboradas pelo elemento
dirigente, podem deixar de ser uma “produção cerebrina” restrita a “pequenos grupos intelectuais” e
torna-se “real”, influenciando o rumo dos acontecimentos. O agente desse esforço de conformação
de uma “vontade coletiva” em torno da qual se estabelece um “bloco de poder” é precisamente o
“intelectual”, que não se define pela erudição ou formação acadêmica mas pelo desempenho desta
função cultural e organizativa (Gramsci, 2006, p. 93-114). O que os eventos de junho demonstram é
que temos em parte falhado nisso; e que o reconhecimento deste erro depende muitas vezes de um
revés, cuja força seja capaz de por abaixo algumas de nossas “panaceias favoritas” (cf. Marx e
Engels, 2006, p. 68 ; Tsé-Tung, 1999, p. 14-15).
Segunda causa do distanciamento: problema organizativo

O enfrentamento desse problema, do “querer conhecer”, certamente passa por uma


revisitação e por um balanço das experiências e teorias de esquerda a respeito da questão da
organização política, inspirada pela seguinte questão: que forma organizativa seria a mais adequada
ao conhecimento e à transformação da realidade atual? A adequada resposta a esta questão
pressupõe que não cabe à esquerda a reivindicação de qualquer modelo por princípio, já que a
organização, enquanto um meio para se alcançar um fim, deve sempre adequar-se às condições
interpostas à conquista deste fim. Por outro lado, uma resposta adequada deve também reconhecer e
adaptar-se ao terreno no qual se atua visando uma dada finalidade, no caso, adaptar-se ao caráter
acentuadamente fragmentário dos padrões de relacionamento interpessoal impostos pelo
capitalismo contemporâneo – como vimos anteriormente.
Nestes termos, uma organização adequada aos desafios da luta revolucionária na atualidade
deve se configurar em função do objetivo de alcançar diretamente, para compreender e transformar,
as realidades fragmentadas que nos cercam; mas sendo capaz, ao mesmo tempo, de estabelecer uma
direção política centralizada – atenta à neutralização das tendências à burocratização que ela acaba
por suscitar em combinação com a blindagem do sistema político reforçada sob o neoliberalismo.
Em termos sintéticos, isto implicaria na adoção combinada do centralismo em torno de questões de
ordem estratégica com a autonomia tática relativa, sobretudo nos organismos de base; acompanhada
da ação como critério de recrutamento das direções (cf. Menegozzo, 2009). Em outras palavras,
deve possuir uma instância central capaz de definir rumos (cf. Gladwell, 2010); ramificada em
organismos de base relativamente autônomos, dedicados não apenas à adequada e rápida tradução
daqueles rumos gerais aos múltiplos e fragmentados cenários e consciências locais, mas também de
interpretar e assim, informar adequadamente as direções sobre as particularidades daquelas
realidades fragmentadas.
Na pratica, isto se traduz no desafio de reforçar a presença da esquerda junto às bases que
pretende representar, operando a partir de um arranjo organizativo eficiente a tarefa de organizar
moral e ideologicamente estas experiências, imprimindo-lhes direção política. Entre os aspectos a se
contemplar numa forma organizativa eficiente a este propósito destacam-se a ligação com
lideranças populares “orgânicas” às realidades fragmentadas que se pretende alcançar; e também a
habilidade dos elementos “dirigentes” para “meter a política e o partido na vida das pessoas” e não
o inverso – o que se deve obter, por exemplo e considerando as condições atuais, mediante o
emprego de instrumentos organizativos não diretamente identificados com o sistema político,
possibilitando sua identificação com forças “espontâneas”; e o reforço, em termos de conteúdo de
agitação política, do núcleo sadio daquelas experiências “espontâneas” (bom senso). Exemplos
disso em junho encontram-se no próprio MPL e nos comitês de denúncia dos impactos dos
megaeventos esportivos; ou na possibilidade de “tradução” do sentimento nacionalista presente em
junho: “sou brasileiro e não desisto nunca”, complementada por “não desisto dos meus direitos”,
por exemplo.

Dilemas de uma formação capitalista-dependente na


contramarcha do neoliberalismo

Diante do exposto, podemos localizar os protestos de junho num quadro mais amplo,
identificando seu significado histórico e os desafios que se anunciam agora. No Brasil, como no
resto do mundo, o neoliberalismo avançou com a blindagem do sistema político contra a vontade da
maioria, garantindo a transferência de recursos e patrimônio público aos setores financistas e
privatizantes da classe dominante. Esta blindagem se deu no nível das instituições políticas
(evidente por exemplo na interferência do poder econômico sobre o processo eleitoral) e que é
determinante ao risco de burocratização de que têm sido vítimas mesmos os partido identificados
com a classe trabalhadora. Para além do sistema político, todavia, aquela blindagem difundiu-se por
todo o tecido social num rearranjo operado desde a esfera da produção (reestruturação produtiva e
desemprego), e escudado pela concentração dos meios de comunicação de massa; o que
desarticulou econômica, social e ideologicamente a classe trabalhadora e seus aliados estratégicos
na passagem dos anos 1980 aos 1990.
Nesse contexto, amplos setores de esquerda – sofrendo ao mesmo tempo as agruras do
processo de burocratização – foram conduzidos a uma saída: a coalizão entre trabalhadores e
burguesia produtiva como estratégia de recuperação, pela via eleitoral, das condições de vida e
trabalho das maiorias. Conjugando interesses dos muito ricos e dos muito pobres, amalgamados
num pacto pelo desenvolvimento ancorado no aquecimento do mercado externo e ampliação do
marcado interno, esta estratégia foi capaz de aumentar a oferta de empregos e de crédito aos mais
pobres, e também de aumentar a participação dos salários na renda nacional e o acesso dos
trabalhadores a bens, serviços e direitos considerados antes privilégios das classes médias e
dominantes. Com isto lançaram-se as bases econômicas para uma nova hegemonia e à radicalização
da democracia. Mas à custa do embate político aberto, o que obstruiu a politização dos próprios
beneficiados pelas conquistas obtidas desde 2002; e, portanto, a disputa ideológica da sociedade
pela esquerda. A continuação deste tenso equilíbrio pode persistir ainda, mas depende do
incremento dos investimentos da burguesia produtiva, permitindo sobretudo a ampliação da oferta
de empregos de qualidade, notadamente na indústria (Singer, 2013b; Boito Jr., 2013) – algo que não
parece provável no cenário posterior às eleições presidenciais de 2014.
Pois aí reside o centro do problema: apesar das sinalizações positivas dadas pelo governo no
passado (redução dos juros, redução do custo da energia, ampliação do financiamento público) o
investimento não se realiza (Evelin, 2013; Boito Jr., 2013; Singer, 2013b), colocando as esquerdas
diante de um dilema. De um lado, os anseios da classe trabalhadora (calçada pela melhoria das
condições de vida e trabalho) e as frustrações das camadas médias (excluídas e penalizadas no
governo de coalizão), cujo atendimento passa pela ampliação dos gastos públicos e pelo
crescimento da economia, dependente do investimento produtivo que não acontece. Do outro lado,
os interesses da burguesia e da alta classe média, beneficiárias da pilhagem do patrimônio público
mediante as privatizações e a rolagem da dívida – que a esquerda tenta isolar. Entre os dois
encontram-se os setores produtivos, cuja expectativa de lucro, sempre polarizada pelo ganho fácil
da ciranda financeira (Lucena, 2014) – tem se traduzido na pressão pela redução de direitos
trabalhistas; ou então se assenta num modelo de desenvolvimento social e ambientalmente
insustentável, como as montadoras e empreiteiras; e também o agronegócio, beneficiário da
tendência de reprimarização da economia – todos representados na coalização de governo.
Diante disso, os protestos de junho poderiam ser interpretados como a potencialidade
material, mas politicamente obstruída, de uma hegemonia contra-neoliberal; manifestada como uma
carga de demandas “econômicas” (potencialmente progressistas, mas ainda “cruas”) aplicada sobre
um sistema “político” tensionado ao limite pela blindagem dos interesses conservadores
encastelados no aparelho de Estado – e cujos mecanismos incluem a exigência de uma coalizão de
governo a obstruir a “politização” das motivações “econômicas” impulsionadas agora sobre nova
base material. Mais que o resultado imediato da crise econômica internacional, portanto (como
chegaram a sugerir alguns analistas), os eventos de junho parecem manifestar mais diretamente as
contradições latentes inscritas na estrutura de classes de uma formação de tipo capitalista-
dependente; agudizadas pela transição, ainda em curso, que se opera na contramarcha do
neoliberalismo a partir de um sistema blindado a mudanças estruturais.
O desafio que se impõe, diante dessa hipótese (a se confirmar), parece claro com o quadro
político evidenciado em junho: reconquistar amplas massas para a própria política (ampliando a
participação e, portanto, radicalizando a democracia), numa delicada operação na qual, sob
condições materiais agora mais favoráveis, as energias populares possam se politizar na luta por
reivindicações imediatas (que sendo realmente sentidas suscitam movimento e contornam o
bloqueio midiático) mas dirigidas não necessariamente ao seu atendimento imediato (dificultado,
apesar da disponibilidades dos recursos do Pré-Sal para isso, pela situação econômica e pelas
exigências de sustentação do governo de coalizão, a não ser num cenário de retomada do
crescimento econômico). Mas dirigidas à mudança do sistema político, reforçando a base popular
das esquerdas, aproveitando as energias da militância jovem para isso, e desarmando a própria
coalizão como um dos mecanismos de blindagem do sistema político (Menegozzo, 2014b). Mas é
preciso agir rápido: o risco de retrocesso é real, sobretudo pela capacidade de renovação das forças
conservadoras a partir do descontentamento latente com a política.

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Parte 6. A juventude e o novo ciclo politico

Acumulando forcas para as reformas estruturais18

Um elo perdido: a justa mediação entre as lutas econômicas e políticas

Das manifestações de 2013 à Copa de 2014, intensificam-se as lutas por mais direitos.
Transporte, moradia, saúde, educação e segurança destacam-se entre os temas em pauta. Tal cenário
é uma conquista dos 10 últimos anos, pois resulta da melhoria das condições de vida e trabalho das
maiorias, gerando novas demandas. Mas as vitórias parciais do período foram obtidas sob uma
correlação desfavorável e a partir de governos de coalizão, o que coloca amplos setores de esquerda
diante de um novo desafio: com a coalizão concretizamos uma tática de conciliação de interesses de
classe em torno de um pacto pelo desenvolvimento que, permitindo avanços parciais importantes,
exigiu ao mesmo tempo uma despolarização dos conflitos, obstruindo a politização das energias que
despertam agora para a luta.
Neste arranjo, os setores direta ou indiretamente beneficiados pelas conquistas da última
década (setores pauperizados e tradicionais da classe trabalhadora), juntamente com segmentos
excluídos da coalizão (notadamente a classe média), despertam para o engajamento em torno de
demandas econômicas “cruas”, manifestadas na forma de uma revolta contra a política (reforçadas
pelo bombardeamento ideológico da mídia corporativa). Isto tem gerado pressões que, aplicadas
sobre um sistema político blindado a reformas profundas, tensiona os acordos conservadores que
sustentam a coalizão de governo, que integramos e construímos por dentro daquela
institucionalidade blindada. Daí a importância da luta pela reforma política: ela seria capaz de
desarmar esta blindagem, permitindo a conquista de reformas estruturais.
O problema central que se coloca neste particular momento da luta de classes em nosso país
é que entre a reforma política e as lutas econômicas “cruas” que despontam no cenário atual existe
uma enorme distância. Precisamos estabelecer um elo entre estas duas pontas soltas, encontrando
um justo equilíbrio entre a luta econômica e a luta política. Tentaremos aqui contribuir para esse
debate, partindo da localização das variáveis em jogo num cenário histórico mais amplo: a
emergência e a crise do modelo neoliberal.

18
Artigo originalmente publicado no portal Carta Maior (18 jun. 2014).
Neoliberalismo: concentração de renda escudada na blindagem da política

A desigualdade social é marca indelével das sociedades capitalistas e no Brasil não é


diferente. O que muitos não sabem é que estamos regredindo a níveis de concentração de renda
próximos aos do século XIX. Isto tem acontecido em todo o mundo sob regimes neoliberais,
implantados a partir dos anos 1970 em resposta a uma crise estrutural do capitalismo. Neles,
intensifica-se a concentração de renda com o sequestro de parte da riqueza coletiva por uma minoria
através do comprometimento do orçamento dos estados com a dívida pública; numa operação que é,
ao mesmo tempo, escudada pela blindagem do sistema político. Tal blindagem decorre não apenas
de deformações institucionais, da monopolização da mídia, do desmonte do Estado e da ação
repressiva, mas também da desarticulação política da classe trabalhadora causada tanto pelo
aumento da desigualdade quanto pelas consequências da reestruturação produtiva.
Neste quadro, o Estado – que é terreno estratégico do exercício do poder –, entendido em
sentido amplo (isto é, como arranjo que compreende tanto as instituições estritamente estatais
quanto a rede de práticas e valores que na sociedade civil sustenta as posições conquistadas naquele
terreno) não atua como um ente intrinsecamente comprometido com a classe dominante; tampouco
como uma aparelho jurídico neutro a serviço de quem vier a ocupá-lo pela via eleitoral. O Estado
corresponde a uma condensação material da correlação de forças na sociedade. Na mudança desta
correlação de forças reside, portanto, a chave para a superação do neoliberalismo – o que já vem
ocorrendo na América Latina com a vitória de forças progressistas em diversos países, inclusive o
Brasil.

Uma alternativa pós-neoliberal e anti-capitalista passa pela reforma política

Apesar dos avanços, entretanto, tais experiências compartilham da dificuldade em acumular


força suficiente à conquista de reformas profundas, consolidando assim uma alternativa anti-
capitalista e pós-neoliberal onde o combate às desigualdades seja condição à plena realização da
democracia. Papel fundamental neste esforço de inflexão política e econômica ocupa o
estabelecimento de uma política tributária progressista, e com ela a reforma do Estado e uma
minuciosa auditoria da dívida pública, o que permitira que a riqueza coletiva arrecadada por meio
do orçamento público fosse revertida em investimentos produtivos e na ampliação de direitos em
lugar de alimentar a especulação financeira em benefício de uma minoria.
Tal inflexão acaba todavia, refreada pela blindagem do sistema político. E nisto reside um
aspecto central da nossa época: relativa perda de legitimidade do neoliberalismo, combinada à
dificuldade de avanço de alternativas pós-neoliberais, refreadas por aquela blindagem. Instala-se,
assim, a uma verdadeira crise: o velho está morrendo mas o novo não consegue nascer. A resolução
dessa crise passa por aproveitar os descontentamentos gerados pelo arranjo atual para destravar os
sistemas políticos, permitindo que as reformas exigidas a um modelo de desenvolvimento
democrático e popular, possam se impor, legitimadas pela vontade de uma maioria real e nacional,
que se constrói nas ruas. No Brasil, este desafio se reveste de particularidades.

Lutas econômicas: momento necessário de acumulação de forças para a luta política

Aqui, os descontentamentos se manifestam na forma de novas demandas econômicas que,


derivadas das conquistas parciais da última década, encontram-se em crescente tensionamento com
a alternativa política da qual são produto. Este intrincado cenário é fruto de uma tática, assumida
sob um contexto de descenso da luta popular, de reforço da luta institucional nas entranhas de um
sistema político deformado e de uma conciliação com frações da classe dominante, amalgamada
num pacto pelo desenvolvimento. Disso resultou um impulso reformista fraco que, garantindo
ganhos parciais necessários à retomada da luta popular, se sustentou num rebaixamento de
conflitos que não estimulou, concomitantemente, a politização dos sujeitos populares que aquela
tática contribuiu para recompor em termos materiais.
Aquele pacto parece, agora, ter atingindo seu limite. Setores da esquerda brasileira
apostaram na intensificação de investimentos produtivos pelo setor privado sob estímulos
governamentais, buscando prolongar esta tática conciliatória e os ganhos parciais aos trabalhadores
que ela proporciona (diminuição do desemprego, aumento do consumo e do crédito, recuperação do
salário mínimo). Tais investimentos, todavia, não vieram. Entre os impeditivos destacam-se o
imbicamento das atividades econômicas produtivas e especulativas, cujas expectativas de lucro tem
privilegiado a segunda alternativa em detrimento da primeira; e a pressão do empresariado pela
redução de direitos trabalhistas como condição para a reversão daquela preferência. Ademais, o
estímulo a certos setores produtivos (como imobiliário e automobilístico) devem agravar
insatisfações já latentes relativas ao custo de vida e à mobilidade urbana.
Diante disso, nosso desafio consiste em derrubar as barreiras impostas pelas distorções do
sistema político (mediante uma reforma política, o que inclui a democratização da mídia),
possibilitando a retomada do controle sobre o orçamento e sobre a capacidade de planejamento e
investimento do poder público (Reformas Tributária e do Estado e auditoria da dívida pública), de
modo que possam ser empregados em benefício dos interesses populares e de um outro modelo de
desenvolvimento. Para isto é preciso criar as condições para a reforma política num contexto de
relativa despolitização e mesmo de revolta contra a política, manifestadas nos protestos de junho de
2013 e agora no contexto da Copa como uma carga de demandas econômicas “cruas” aplicada
sobre um sistema político blindado à mudanças estruturais; e no interior do qual operamos na ultima
década, contribuindo para o estabelecimento da situação mais favorável que encontramos agora.

O atual terreno da luta de classes e alguns parâmetros para uma estratégia revolucionária

Uma adequada resposta tática e estratégica a este complexo cenário não pode prescindir de
uma mais aprofundada leitura do momento atual. Não farei isso em detalhe, remetendo o leitor a
uma série de artigos em que procuro avançar nessa direção a partir de uma análise das
manifestações de junho de 2013. Neles analiso a dinâmica e composição de classe dos protestos
(artigos 2, 7 e 8); a presença da juventude, considerando as particulares condições pelas quais ela se
insere no processo político (artigos 3, 4 e 5); a configuração profunda, e socialmente fragmentária,
das formações capitalistas contemporâneas, e suas implicações do ponto de vista da dinâmica dos
movimentos de massa (artigo 6); o distanciamento sentido entre os setores políticos organizados e a
massa de manifestantes, a revelar desafios organizativos prementes (artigo 9); e a relação entre
demandas econômicas e reformas estruturais no atual estágio da luta de classes no país (artigo 10).
Resumindo e desenvolvendo alguns dos aspectos abordados mais aprofundadamente
naqueles artigos, creio que o estabelecimento de um elo entre as lutas imediatas e as reformas
estruturais – ou de um justo equilíbrio entre as lutas econômicas e políticas no momento atual –
deve considerar os seguintes parâmetros:
1) uma nova aliança de classes (isto é, um novo bloco de poder), composta não apenas por
setores tradicionais da classe trabalhadora (beneficiados pelo nosso governo) e pela classe média
(descontente pois excluída da coalizão), mas também pelo subproletariado (bloco mais amplo que o
que constituímos nos anos 1980, portanto), capaz de fazer frente aos interesses da classe dominante,
sobretudo de sua fração especulativa;
2) um programa de reivindicações que consolide este bloco de poder, apontando
estrategicamente para a reforma política, mas taticamente estruturado como uma ampla campanha
de luta por direitos, e com ênfase nas questões da saúde, educação, moradia, transporte e segurança,
que são as questões que tocam tanto a classe trabalhadora quanto a classe média e o subproletariado
(e por isso podem, também, furar o bloqueio midiático);
3) reconhecer a importância das reivindicações imediatadas como momento de
(auto)formação política do povo e, portanto, necessário à acumulação de forças para as reformas
estruturais, evitando com isto tanto uma atitude vanguardista de “ensinar o povo a fazer politica”,
desconsiderando este momento econômico, quanto uma atitude retrógrada. de refugiar-se nos pactos
conservadores que sustentam a coalizão, distanciando-se das ruas;
4) reconhecer o papel central que pode e deve desempenhar a juventude nesse processo,
tanto os segmentos pertencentes aos setores progressistas da classe média (excluídos da coalizão)
como a aos segmentos mais fragilizados da classe trabalhadora (que menos se beneficiam com a
coalizão e são polarizados por alternativas extremistas como os Black Blocs), como elemento de
ligação entre entre os setores médios e o meio popular, através de ações tipo mutirão nos bairros
periféricos;
5) empregar neste movimento – o que é muito importante frisar – as mediações
organizativas que permitam ao povo se reconhecer em instrumentos de luta coletiva não
diretamente identificados com o sistema político (atualmente em descrédito), devendo se
materializar, por exemplo, em articulações por local de trabalho ou moradia, estabelecidas por fora
dos partidos e movimentos já existentes.
Potencial estratégico da juventude na atualidade

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