Alice de Oliveira Viana1, Danielle Rocha Benício2, Arnon Burato Vieira3, Priscila
Maria Dias Bertoncini3, Renne de Jesus Turibio3.
1Mestre em Teoria e História das Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e professora assistente do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo do Centro de Educação Superior da Região Sul (CERES) da Universidade
do Estado de Santa Catarina (UDESC).
2Mestre em Conservação e Restauro pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Resumo:
Desde 1985 está em funcionamento o Escritório Técnico do IPHAN na cidade de Laguna/SC, que apresenta
um sítio tombado em nível federal. Nesse período, o Escritório foi conduzido por diferentes gestões e métodos
de trabalho, cujos procedimentos guiaram as ações projetuais e executivas na área e interferiram na imagem
da cidade. O objetivo desta pesquisa é analisar o acervo de processos arquivados no Escritório de 1985 até
2010 e os instrumentos de preservação da área tombada; os documentos exigidos que constituem tais
processos; e a existência de fundamentação teórica na condução desses. Nesse sentido, realizaram-se
pesquisas bibliográficas para compreensão da trajetória nacional do IPHAN e sua ação em Laguna;
levantamento de dados e consequente levantamento fotográfico/digitalização de todo o acervo; construção
de uma Ficha de Análise Processual, com o conteúdo a ser considerado para a abertura, movimentação e
aprovação de um processo; e análise dos dados levantados e sua sistematização. Os resultados obtidos
confirmam a ausência de algumas etapas de representação de um projeto de intervenção; falta ou
parcialidade de entrega de documentos; a discordância entre os usos dos termos de identificação de uma
intervenção; o significativo número de pastas vazias ou somente com o inventário; além de dificuldade de
identificação dos gestores e seu período de atuação no ET-IPHAN em Laguna. Pretende-se finalizar a
pesquisa com o estudo dos discursos utilizados pelos técnicos nos seus pareceres e dessa forma relacionar
as teorias da conservação e do restauro estudadas com as práticas realizadas no Escritório Técnico do IPHAN
em Laguna.
Palavras-chave: Patrimônio. IPHAN. Acervo de processos.
Resumen:
Desde 1985 está en funcionamiento el Escritorio Técnico del IPHAN en la ciudad de Laguna/SC, que
representa un area protegido a nivel federal. En ese período, el Escritorio fue conducido por diferentes
gestiones y métodos de trabajo, cuyos procedimientos guiaron las acciones de proyecto y ejecución en el
área e interfirieron en la imagen de la ciudad. El objetivo de esta investigación es analizar el acervo de
procesos archivados en el Escritorio desde 1985 hasta 2010 y los instrumentos de preservación del área
protegida; los documentos exigidos que constituyen tales procesos; y la existencia de fundamento teórico en
la conducción de ellos. En ese sentido, se realizaron investigaciones bibliográficas para entender la trayectoria
nacional del IPHAN y su acción en Laguna; relevamiento de datos y consecuente relevamiento
fotográfico/digitalización de todo el acervo; construcción de una Ficha de Análisis de Procedimientos, con el
contenido a ser considerado para la apertura, movimentación y aprobación de un proceso; análisis de los
datos levantados y su sistematización. Los resultados obtenidos confirman la ausencia de algunas etapas de
representación de un proyecto de intervención; falta o entrega parcial de documentos; la discordancia entre
los usos de los términos de identificación de una intervención; un significativo número de carpetas vacías o
solamente con el inventario; además de la dificultad de identificación de los responsables y su período de
actuación en el ET-IPHAN de Laguna. Se pretende finalizar la investigación con el estudio de los informes
utilizados por los técnicos en sus pareceres y de esa forma relacionar las teorías de la conservación y de la
restauración estudiadas con las prácticas realizadas en el Escritorio Técnico del IPHAN en Laguna.
Palabras-clave: Patrimonio. IPHAN. Acervo de procesos.
Abstract:
The Institute for National Historic and Artistic Heritage (IPHAN) Technical Office is operating in the city of
Laguna/SC since 1985, which presents a heritage area at federal level. During this period, the Office has been
led by different managements and working methods, of which administrative procedures have beenguided the
projectual and executive actions in the heritage area and responsible for interfering on the image of the city.
The aim of this study is analyzing the archive of documents from the Office from 1985 to 2010 and the
instruments of preservation in the heritage area; the required documents which forms the processes; and the
existence of theoretical foundations in conducing the processes. In that sense, bibliographical researches have
been performed in order to comprehend the trajectory of IPHAN at national scope and its actions in Laguna;
collecting data and consequent photographic survey as well as scanning documents into secure digital files;
the creation of a Procedure Analysis Card with the relevant content to the opening, movement, and approval
of proceedings; and analyzing the collecting data and the systematisation process. The results obtained
confirm the absence of some stages of an intervening project representation; lack or partiality of delivering of
documents; conflict with the use of terms to designate an intervention; a large number of empty folders or only
the inventory is present; moreover, the difficulty of identifying the managers and their period of activity in the
Office throughout the years. The reasearch will be finalized through the study of the written speeches used by
each manager in their technical opinion and, thereby relate the theories of conservation and restoration which
have been studied with the practices developed and applied by the IPHAN Technical Office in Laguna.
Keywords: Heritage. IPHAN. Filing processes.
ESTUDOS DAS AÇÕES DO ESCRITÓRIO TÉCNICO DO IPHAN EM
LAGUNA/SC INCIDENTES NA ÁREA ABRANGIDA PELA POLIGONAL DE
TOMBAMENTO DESDE 1985 A 2010
Resultante do projeto do grupo de Teoria e Projeto de Arquitetura e Urbanismo, na linha de Teoria,
História e Patrimônio do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC), sediado no Campus VI, no Centro de Educação Superior da Região Sul
(CERES) na cidade de Laguna/SC, o presente artigo apresenta as considerações preliminares da
pesquisa que teve por objetivo estudar as ações processuais do IPHAN de Laguna incidentes na
poligonal de tombamento de 1985 a 2010.
Fundada oficialmente em 1676 pelo bandeirante Domingos de Brito Peixoto, Laguna foi escolhida
como ponto de ancoradouro para os colonizadores portugueses por sua posição geográfica
estratégica junto às margens da Lagoa Santo Antônio dos Anjos (FIGURA 1). No decorrer de sua
história, a cidade passou por diferentes momentos econômicos, de prosperidade e estagnação,
formando e mantendo um conjunto de diferentes linguagens arquitetônicas, o que caracterizou a
transformação da cidade.
A partir da observação das diferentes linguagens arquitetônicas, das suas transformações no centro
preservado do município e das ações do Escritório Técnico para salvaguardar esse patrimônio,
notou-se a necessidade de se estruturar um registro da trajetória do IPHAN na cidade de Laguna.
De fato, não há um histórico sobre o legado deixado por cada gestor, nem relato organizado de
informações estatísticas acerca de quantos projetos foram aprovados ou não por determinados
períodos/gestões; de justificativas/pareceres para aprovação ou indeferimento; tipos de intervenção
aprovadas ou rechaçadas. Constatou-se também que a legislação em nível federal, estadual e
municipal aplicada à poligonal de tombamento encontra-se dispersa, dificultando o acesso à mesma
e, assim a sua observação e cumprimento. Tal situação torna duvidoso o processo de aprovação
dos projetos arquitetônicos tanto quanto complica a aproximação acadêmica a essa legislação.
Portanto, observou-se através desta pesquisa estudar os arquivos de documentos e, por sua vez,
as ações do Escritório Técnico do IPHAN em Laguna e, consequentemente, construir um relato a
cerca da trajetória do órgão na cidade; analisar as legislações federal, estadual e municipal vigentes
entre 1985 e 2010 na área abrangida pela poligonal de tombamento; inventariar as intervenções
arquitetônicas realizadas após a inscrição do conjunto no Livro do Tombo Histórico e no Livro do
Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; e, por fim, confrontar as intervenções
arquitetônicas com as principais teorias da conservação e do restauro.
No decorrer da pesquisa, iniciada no mês de agosto de 2011, até o momento, realizou-se o registro
digital de todo o acervo documental do órgão; a pesquisa teórica e histórica para compreensão da
trajetória do IPHAN e sua ação em Laguna; a elaboração de uma ficha para nortear a análise do
acervo; o preenchimento das Fichas de Análise de Processos; a saída a campo para registro
fotográfico das edificações; a análise e a sistematização dos resultados com a construção de
gráficos para, por fim, desenvolver a produção de conclusão crítica da pesquisa, etapa atual de
trabalho.
Para efetivar o estudo das ações do Escritório Técnico do IPHAN em Laguna, foram realizados
levantamento de dados no acervo do ET-IPHAN, bem como intensas pesquisas bibliográficas, para
posterior análise desse material recolhido, incluindo a legislação vigente, cartas, normas,
convenções, declarações, seminários e demais escritas referentes às teorias da conservação e do
restauro e à trajetória do órgão nacionalmente e em Laguna.
Com relação aos estudos de restauração Kühl (2004, p. 102) chama a atenção para esse ponto
onde “a palavra restauração, raramente comparece nos artigos. Fala-se com frequência de
revitalização, recuperação ou mesmo reciclagem, procurando evitar a questão culturalmente
complexa que a restauração envolve.”. Torna-se dessa forma mais importante ainda e necessária
uma análise mais aprofundada dos arquivos do IPHAN bem como a apresentação desses
resultados, já que é desconhecida uma atividade semelhante a esta que está sendo desenvolvida
no município de Laguna.
Para que haja uma organização e padronização na documentação para as aberturas de processos
nos Escritórios Técnicos, o IPHAN disponibilizou em seu blog um Quadro Resumo (ANEXO 1), com
as diretrizes e documentos que devem ser seguidas e entregues para o órgão. Esse Quadro
Resumo divide-se em categoria da intervenção; descrição; documentação mínima a ser entregue e
a documentação expedida pelo órgão.
Para tornar mais fácil e prático o levantamento digital, foi adotado uma organização de informações
em mapa, indicando a localização da gaveta do arquivo, a pasta e o número da casa levantada.
Esta organização foi intitulada “Mapa das Gavetas” (FIGURA 3) e foi desenvolvido conforme os
moldes da própria organização encontrada atualmente no ET-IPHAN de Laguna. Primeiramente,
foram criadas colunas, que representam os arquivos, e, posteriormente, foram nomeadas as ruas
que se encontram nas respectivas gavetas. Dentro das mesmas, encontram-se dispostas
numericamente as casas da rua correspondente, devidamente identificada.
Totalizando, foram levantados dezoito mil duzentos e sessenta e um arquivos digitais das vinte e
duas gavetas do Escritório, cada gaveta contendo em média trinta pastas com processos. No
decorrer do levantamento digital, pode-se observar os documentos mais significativos para a
solicitação e andamento de um processo, e através desse exame elaborou-se uma ficha de
avaliação processual, de auxílio à análise de todos os dados obtidos.
Essa ficha, intitulada “Ficha de Análise de Processos” (ANEXO 2), foi elaborada com base no
conteúdo necessário ao conhecimento das ações do ET-IPHAN no centro tombado, nos
levantamentos fotográficos e também segundo o item “Categoria” do Quadro Resumo (ANEXO 1).
Apresenta, também, os principais itens que devem ser levados em consideração para abertura,
movimentações e aprovação de um projeto. Como se pode observar na Ficha, a estrutura se divide
em seis itens: dados do imóvel, requerimento, intervenções, parecer técnico, vista a campo e
considerações.
No primeiro item devem ser preenchidos os dados do imóvel, como localização, o arquivo em que
ele está inserido, o número do processo de inscrição, o assunto do processo. Caso não haja
documentação ou haja somente o inventário da edificação, assinala-se o item correspondente a
essas observações.
No segundo item devem ser analisados os documentos que obrigatoriamente devem conter na
pasta, podendo ser assinalado tanto a entrega correta, a não entrega e a entrega parcial dos
mesmos. Constam também nesse item a definição pelo proprietário da intervenção desejada no
imóvel e a entrega ou não de levantamentos e diagnóstico nas edificações.
No terceiro item devem ser explicitadas as intervenções que foram pretendidas pelo requerente,
que podem variar desde a pintura do imóvel até o acréscimo de construções novas. No quarto item,
é observado o parecer do técnico que analisou a intervenção pretendida. Em caso de aprovação,
assinala-se o item correspondente e assim sucessivamente. Registra-se também a definição do
técnico sobre a intervenção. Os demais itens de visita a campo e considerações são completados
com a finalização das fichas de análise dos processos.
ARQUIVOS 6
GAVETAS 22
PASTAS 704
ARQUIVOS
18.261
DIGITAIS
FICHAS
912
PREENCHIDAS
Tabela 1 – Total de documentos levantados e analisados.
Fonte: Viana, et. al., 2013.
1%
EDIFICAÇÕES - 658
ESPAÇOS PÚBLICOS - 7
99%
Ainda mais significativo constitui o dado referente aos 26% de fichas que registram somente
inventário. Esse número equivale diretamente à quantidade de edificações, visto que cada
edificação apresenta apenas um inventário. Além dessas, constata-se também a existência de 18%
de pastas vazias, outro valor importante a ser interpretado, pois se subentende que não houve,
durante os 25 anos de atuação do Escritório Técnico do IPHAN em Laguna, intervenções nos
imóveis.
Nas notificações podem ser encontradas irregularidades em placas, letreiros e toldos, assim como
estudos de cores para as fachadas das edificações e até mesmo a especificação da marca dos
materiais a serem empregados. Já nos processos judiciais podem ser notados embargos expedidos
pelo ET-IPHAN para a paralisação da execução de intervenções realizadas pelos proprietários,
considerando, por exemplo, construções indevidas e/ou modificações descaracterizadoras no
imóvel tombado; falta de alvará do IPHAN ou da Prefeitura Municipal de Laguna para projeto e
execução de obras; etc.
17% 39%
PARCIAL - 126 PARCIAL - 40
46%
OUTROS - 52 OUTROS - 81
18%
Gráfico 4 – Pastas Com Processo – Apresentação de Gráfico 5 – Pastas Sem Processo – Apresentação de
Documentos. Documentos.
Fonte: Viana, et. al., 2013. Fonte: Viana, et. al., 2013.
Com base na “Documentação mínima", do Quadro Resumo (ANEXO 1), exigida pelo ET-IPHAN,
quantificou-se a entrega completa, a ausência e a parcialidade das documentações para as
propostas de intervenção, e assim, elaborou-se os Gráficos 4 e 5. Esses foram separados em
pastas com processo e sem processo, principalmente para verificar se atendiam às exigências do
órgão segundo o Quadro Resumo de Documentação. O Gráfico 4 corresponde às pastas que
possuem aberturas de processos e o Gráfico 5, por sua vez, corresponde às pastas que não
possuem processo.
Percebe-se no Gráfico 4 que apenas em 18% das fichas com aberturas de processos constam os
documentos obrigatórios exigidos pelo IPHAN para aprovação de projetos. Diante disso, coloca-se
como preocupante o elevado percentual de processos sem as documentações exigidas. Há também
a porcentagem correspondente às notificações e aos processos judiciais que possuem aberturas
de processos no órgão. Essa parcela, classificada como “Outros”, corresponde a 19%. Já no Gráfico
5, registra-se que nas fichas sem aberturas de processos é notória a ausência de documentação,
apesar de haver 7% de apresentação de documentação que poderiam se tornar processos.
2%
2%
SIM -4 SIM - 5
19%
NÃO - 158 37% NÃO - 112
Gráfico 8 – Pastas Com Processo – Apresentação de Gráfico 9 – Pastas Sem Processo – Apresentação de
Projeto.Fonte: Viana, et. al., 2013. Projeto.
Fonte: Viana, et. al., 2013.
Além disso, considerando a aprovação de projetos de intervenções, o Gráfico 10, mostra que 17%
das fichas preenchidas não esclarecem o que ocorreu com os pareceres técnicos. A falta desses
pareceres denota, também, a ausência de uma metodologia de aprovação e arquivamento dos
processos.
APROVADO - 58
12%
28% 8% NÃO APROVADO - 41
APROVADO COM
ORIENTAÇÕES - 173
17% 35% NÃO CONSTA - 85
OUTROS - 135
Registra-se também, grande preocupação quanto a algumas propostas de intervenções que não
são realizadas sob a responsabilidade de um profissional habilitado. Em algumas pastas há apenas
croquis ou desenhos do proprietário do imóvel tentando esclarecer o que deseja fazer no imóvel.
Isso reflete a carência de técnicos e profissionais qualificados para o significativo número de
edificações presentes do centro tombado de Laguna.
Por fim, através do levantamento e análise dos dados e sobretudo da sistematização das fichas, foi
possível identificar os gestores do IPHAN em SC e seus respectivos períodos de atuação. Inclusive
foi possível traçar uma sequência cronológica dos técnicos que já passaram pelo Escritório Técnico
do IPHAN em Laguna, como mostra a Tabela 2.
REFLEXÕES PRELIMINARES
Com a realização desta pesquisa, através dos documentos e levantamento fotográfico dos mesmos,
constatou-se que, em Laguna, existem 658 edificações tombadas e 7 espaços públicos presentes
na poligonal. Por esse número significativo de edificações tombadas e diversas linguagens
arquitetônicas em seu centro preservado, quatro categorias de preservação foram determinadas
pelo Escritório Técnico: P1 para edificações excepcionais; P2 para edificações importantes; P3 para
edificações de acompanhamento; e P4 para edificações passíveis de preservação (CITTADIN, et.
al). Esses níveis são utilizados como diretrizes para intervenção, sendo assim parâmetros para
avaliação quanto ao valor histórico e artístico do imóvel. Quanto mais “importante historicamente” a
edificação é considerada, mais restrita é a intervenção que pode ser proposta.
Apesar da classificação indicada acima, um dos pontos constatados com o levantamento de dados
é o fato de haver grande número de pastas que não possuem processos, ou que apresentam
somente notificações, inventários, ou se encontram vazias, levando a crer que durante os anos de
atuação do órgão na cidade de Laguna, os imóveis tombados não sofreram nenhuma intervenção.
Há também a possibilidade de que com o decorrer dos anos tenha ocorrido o extravio e a perda
desses documentos.
A indicação pelo órgão de materiais a serem utilizados nas intervenções assim como notificações
sobre letreiros, placas, toldos entre outros meios de comunicação e proteção também aparecem
com frequência durante a análise dos documentos e preenchimento das fichas. Preocupante é o
fato de as indicações desses materiais em alguns casos não serem as mais adequadas, como a
constante indicação da cor e tipo de tinta a ser utilizada, por exemplo, a tinta do tipo PVA, que não
é a mais aconselhável para tais superfícies arquitetônicas. Conforme informa Kühl,
Na prática têm-se verificado, porém, numerosas ações em bens culturais que não
respeitam o documento histórico, sua configuração, seus aspectos memoriais e
tampouco as especificidades e características dos materiais de que são compostas:
ocorrem, mas não poderiam ser classificadas como ações de preservação (apesar
de se autodenominarem como tal), pois são ditadas especialmente por razões
econômicas, políticas ou utilitárias e não respondem a preceitos teóricos de
qualquer ordem. (KÜHL, 2004, p. 319)
Dos 46% e 23% dos projetos apresentados (GRÁFICO 8 e 9), com e sem processo
respectivamente, a maioria necessita de uma melhor fundamentação teórica, visto que a ausência
das etapas de representação, que se acreditam ser necessárias para um projeto de restauração, é
notória (GRÁFICO 6 e 7). É perceptível também a carência de memoriais descritivos; levantamentos
que englobem fotos e outros documentos importantes; assim como os diagnósticos das edificações.
Quando presentes, os documentos encontrados nas pastas, em sua grande maioria, não estão em
ordem cronológica, fazendo com que se tenha dificuldade no entendimento do processo. A
dificuldade é maior quando existem apenas as notificações e não existe projeto, e vice-versa. Kühl
enfatiza a importância e a ausência do conhecimento do bem que se tem por objetivo intervir,
É dada pouca atenção ao preexistente, que aparece, não raro, como personagem
secundário em uma trama estruturada em torno da manifestação da arquitetura
contemporânea e, poucas vezes, como protagonista de uma história que é a sua.
Em geral, não é possível avaliar os aspectos conservativos da ação, pois quase
nunca é apresentada uma análise do edifício como se encontrava antes, o que foi
conservado, valorizado e transformado no projeto, e por que razão e com que
fundamentação foram feitas as opções. (KÜHL, 2004. p. 102)
A pesquisa ainda em andamento buscou identificar, quando possível, quais as matrizes teórico-
conceituais utilizadas nos pareceres dos gestores. Preliminarmente, constatou-se que muitos
projetos estruturam-se nas teorias do francês do restauro Viollet Le-Duc, como se evidencia nas
figuras abaixo. Segundo KÜHL (2004, p. 103) o teórico almejava “atingir um estado idealizado da
obra, normalmente tendo como objetivo a unidade de estilo, não importando se, para tanto, tivessem
que ser sacrificadas várias fases da obra e feitas substituições maciças”. Na atualidade entendem-
se muitas dessas intervenções como um “falso histórico”, pois iludem o observador, fazendo com
que o mesmo pense que o presente aspecto do bem seja pré-existente e tenha valor histórico.
Esse “falso histórico” se repete nas Figuras 4 e 5, que também apresentam a mesma edificação em
diferentes épocas. A primeira figura mostra uma edificação sem uma linguagem arquitetônica
definida. Já a segunda, induz-se a pensar que a edificação possui realmente características e
tipologia eclética. Esses exemplos confirmam que atualmente essas práticas ainda ocorrem mesmo
após a disseminação das teorias de conservação e do restauro.
Figura 2 - Sobrado localizado na Praça República Juliana. Figura 3 - Sobrado localizado na Praça República Juliana,
Fonte: ET-IPHAN de Laguna. mesmo da Figura 2, após reforma, com modificação de
linguagem arquitetônica.
Fonte: VIEIRA, 2012.
Figura 4 - Edificação localizada na Rua Conselheiro Figura 5 - Edificação localizada na Rua Conselheiro
Jerônimo Coelho. Jerônimo Coelho, mesma da Figura 4, após reforma, com
Fonte: ET-IPHAN de Laguna, Inventário de Nacional de modificação de linguagem arquitetônica.
Bens e Imóveis – INBI, 2006. Fonte: TURIBIO, 2012.
Por esses motivos, acredita-se que pela complexidade da preservação de bens históricos, tanto em
aspectos técnicos quanto teóricos e humanísticos, erroneamente são criadas “fórmulas” ou “regras”
para as intervenções ou novas construções (KÜHL, 2004), o que se presencia nas intervenções no
centro preservado de Laguna. Muitos dos pareceres analisados apresentam repetidamente as
orientações quanto à aprovação de projeto, sendo algumas dessas diretrizes o uso de telha
cerâmica na cor natural; o uso de reboco liso, sem texturas no pano da fachada; a inserção de
esquadrias de madeira; o alinhamento da nova construção com as edificações vizinhas; e o volume
não devendo ultrapassar o limite do telhado vizinho. Essas orientações engessam as propostas de
intervenção, generalizando as linguagens arquitetônicas, os métodos construtivos e as patologias
do imóvel.
Nota-se, contudo, que a palavra restauração, assim como os demais termos que devem ser
empregados para a definição da intervenção proposta raramente aparecem nos pareceres, levando
a crer que se evita a complexa questão que envolve o emprego desse termo. Amplia-se, dessa
forma, o uso dos termos “recuperação”, “revitalização”, “renovação” e até mesmo “reciclagem” e
“reforma”, refletindo posturas conceituais inadequadas e que procuram afastar-se da restauração.
Sendo assim, a restauração é, segundo a Carta de Veneza (1964), uma operação que deve ter
caráter excepcional, pois enquanto a conservação subsistir, o edifício deve ser conservado e, dessa
forma, não é recomendada qualquer modificação no imóvel. Portanto, não se deve conferir à
edificação qualquer linguagem arquitetônica pela qual ela tenha passado ou, ainda, lhe propor uma
imitação. O que se deve fazer é uma reinterpretação, para que as próximas gerações possam
manter o futuro no horizonte de suas reflexões. (KÜHL, 2004)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pretendeu-se com esse artigo apresentar os resultados e as considerações até então atingidas pelo
projeto de pesquisa. Este, motivado pela necessidade urgente de preservação da memória do órgão
estudou as ações do Escritório Técnico do IPHAN na cidade de Laguna através de seu acervo de
documentos arquivados.
Após o levantamento fotográfico, foi possível o preenchimento das fichas e a sua contabilização,
resultando nos gráficos apresentados no presente artigo. Esses auxiliaram na melhor compreensão
da atuação do órgão, pois transformaram as informações obtidas em dados quantitativos.
Para a conclusão do projeto, pretende-se finalizar o estudo dos discursos utilizados pelos técnicos
nos seus pareceres e dessa forma relacionar a teoria estudada na academia com a prática no
referido órgão. Além disso, incitar novas pesquisas nesta área, já que ainda não há registro de
pesquisas acadêmicas que tenham objetivado a sistematização e publicação de dados deste
acervo, sobretudo se abarcando especificamente as ações processuais do IPHAN.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-lei n. 25, de 30 de janeiro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico
nacional. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 06 de dez.1937.
CITTADIN, Ana Paula; ESCRITÓRIO TÉCNICO DO IPHAN; GOVERNO FEDERAL. Centro Histórico de
Laguna. Folder.
MENESES, Ulpiano. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo das
Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo: n° 34, 1992.
KÜHL, Beatriz M. Questões teóricas relativas à preservação da arquitetura industrial. Desígnio Revista de
História da Arquitetura e do Urbanismo. São Paulo: n. 1, 2004.
______. O tratamento das superfícies arquitetônicas como problema teórico da restauração. In: Anais do
Museu Paulista, São Paulo. 2004.
ANEXOS
Anexo 1 – Quadro Resumo de Documentação do ET-IPHAN em Laguna.
Fonte: Blog do ET-IPHAN em Laguna. Acessado em 2012.
Anexo 2 – Ficha de Análise dos Processos do acervo do ET-IPHAN em Laguna.
Fonte: Viana et. al., 2012.