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Resenhas Reviews

missa de que não há integralidade radical sem a possi- referência para outros serviços. Simples, óbvio, mas
bilidade de transversalidade (p. 199), o texto fornece um conceito que ainda causa estranheza no discurso
um referencial precioso para o exercício da efetiva mais simplista tanto dos serviços como da academia.
conquista da integralidade neste campo. Por outro Na apresentação do livro, os organizadores reve-
lado, ao reconhecer o peso dos serviços de urgên- lam o que esperam da leitura dos artigos. É inegável
cias/emergências como porta de entrada da população que o propósito foi plenamente alcançado: a leitura
no seu desejo de acessar o SUS (p.200), os autores con- desta coletânea auxilia efetivamente na compreensão
tribuem para a fundamental e urgente discussão a de sentidos e significados atribuídos ao princípio da
respeito do papel destes serviços no sistema de saúde integralidade, assim como na elaboração de ferramen-
que vai além das formas tradicionais e até agora pou- tas de análise de programas e serviços centrados nesta
co efetivas de se pensar o hospital. Encontramos diretriz, particularmente no que diz respeito às tecno-
exemplo concreto desta perspectiva na inversão da logias de gestão e cuidado em saúde com participação
retórica do hospital como referência (na direção da da sociedade civil (p. 6).
alta complexidade, no topo) para hospital fazendo

A saúde pelo avesso. Roberto Passos Nogueira. Se- sujeito autônomo. Essa digressão filosófica funciona
minare Editora, Natal 2003, 260pp. como um terreno importante para o encontro com a
hipótese central de A saúde pelo avesso, qual seja, de que
Waldir da Silva Souza no par conceitual autonomia/heteronomia reside a
Universidade Estácio de Sá filosofia kantiana, mas em uma versão pré-moderna.
Nesse percurso ganha destaque a correspondên-
cia da autonomia com uma vontade de cuidar de si,
A autonomia e a responsabilidade revisitada: sendo que essa vontade tem fundamento na liber-
Ivan Illich e a higiomania contemporânea dade do sujeito. Entretanto, é importante registrar
uma tensão entre a construção da autonomia em
A instauração do chamado mundo moderno – capi- Kant e em Aristóteles: a autonomia em Aristóteles es-
taneado pela constituição da sociedade capitalista, tá assentada em uma tradição cultural herdada; e em
com seus intensos processos de industrialização e ur- Kant o fato de a razão ser destacada faz com que a au-
banização das cidades e pelos problemas daí advin- tonomia, associada à moralidade, esteja centrada na
dos – inaugura mudanças radicais na sociedade. E as- subjetividade. Tal tensão é explicitada por Nogueira
sim vão se construindo formas explicativas de tais quando explora os pressupostos da conformação da
transformações que apontam para as mudanças fun- vontade em Kant e em Illich na busca de uma simi-
damentais no sistema social. Dentre essas mudanças laridade. Para Kant a vontade está relacionada com
podemos situar a medicalização da saúde e seus efei- uma razão prática, com um dever; já em Illich a von-
tos sobre os sujeitos e instituições sociais. É neste tade é uma tarefa, um compromisso com a idéia do
cenário que se desenvolve um conjunto de trabalhos “faça você mesmo”. De qualquer maneira impera a
investigativos que produzirão uma interlocução en- liberdade da vontade sobre o imperativo do dever ou
tre as perspectivas de análise sobre o mundo moder- da tarefa.
no, suas transformações e as condições sociais da po- Os temas da vontade, da verdade e da interiori-
pulação, tendo como exemplo as condições de saúde. dade como uma tríade básica, já foram explorados,
A obra de Ivan Illich, e as bases de seu pensamen- com objetivos diversos, por Luiz Fernando Dias Duar-
to são dissecadas de forma admirável, e com extrema te (1983) no contexto dos estudos sobre o processo
erudição filosófica, no trabalho de Roberto Passos de construção de si na modernidade e apresentação
Nogueira, em A saúde pelo avesso. A presente obra re- pública da pessoa moderna. Nesse contexto, ganha
aliza uma digressão importante acerca de alguns con- destaque a razão como um foco clareador que estru-
ceitos operacionais tanto para as políticas de saúde tura o pacto social, no intercâmbio e na dimensão
em seu sentido ampliado, quanto para as práticas que relacional.
fundam o cotidiano. A título de exemplo, podemos A obra de Illich A expropriação da saúde: nêmesis
citar os conceitos de autonomia, heteronomia, res- da medicina, de 1975, é uma das análises teóricas
ponsabilidade, e iatrogênese. acessadas por Nogueira e que representa uma impor-
O argumento de Roberto Passos Nogueira está tante referência para a crítica sociológica acerca das
fundado na interpretação sobre as bases filosóficas instituições sociais de uma forma geral, sendo a me-
que caracterizam o esforço analítico e político de dicina seu principal foco. A relação autonomia e he-
Ivan Illich. Essas bases, segundo Nogueira, têm no teronomia é explorada na obra através do recurso à
aristotelismo/tomismo, no estoicismo e no Iluminis- desnaturalização de uma perspectiva que reiterada-
mo três grandes campos nos quais são encontrados, mente prevalece em nossos discursos quando
respectivamente, a idéia de saúde como dom e bem, perdemos o recurso à história e à construção social
o espírito de exaltação das virtudes e o projeto de um da realidade. Como exemplo, Illich recorre às so-
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Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):1079-1085, 2004


ciedades pós-neolíticas para as quais não havia um um limite ao entendimento de que a vida é muito
conflito entre as formas de produção autônoma e he- maior que o controle e a prevenção dos riscos em
teronômica. Ambas concorriam para a realização de saúde. Os chamados estilos de vida saudáveis são dig-
objetivos sociais maiores. Relacionando a desinte- nos de crítica por sua pretensão totalitária de que ser
gração entre o par autonomia/heteronomia nas so- saudável significa somente ser capaz de criar e domi-
ciedades modernas Illich aponta o lugar ocupado nar os riscos. Mas como nos lembra Illich a saúde en-
pela instituição médica na redução da autonomia dos globa a angústia e os recursos internos para conviver
sujeitos em direção a uma heteronomia assumida pe- com ela. Segundo Nogueira essa compulsão por ser
las competências técnicas e expertises. Dessa maneira, saudável, controlar os riscos, pode ser identificada
se nas culturas tradicionais o homem é mais facil- como uma “higiomania contemporânea”.
mente identificado como responsável por seu com- Um mérito a ser apontado na obra de Nogueira
portamento, o homem industrializado entrega às ins- reside na possibilidade de retomar os temas da inte-
tituições sociais a sua responsabilidade de cuidar da gralidade e da humanização das práticas em saúde.
sua dor. Assim, o significado íntimo e pessoal da ex- Se considerarmos que a humanidade é a única espécie
periência da dor se transforma em um problema téc- viva cujos membros têm consciência de serem frágeis,
nico. Com relação à iatrogênese esta é definida como parcialmente enfermos, sujeitos a dor e votados à ces-
uma epidemia de doenças provocadas pela medicina. sação radical, isto é, a morte. Somente o homem pode
Uma doença iatrogênica é causada pela não adminis- sofrer e ser doente (Illich, 1975) precisamos pensar, re-
tração do tratamento de acordo com as regras re- fletir sobre a dimensão humana nos cuidados de saú-
comendadas pela profissão médica. Para Illich a ia- de e seus dilemas éticos. Ou seja, a finitude, a doença
trogênese clínica está referida ao ato médico e a sua e a administração subjetiva desses temas compõem o
técnica; a iatrogênese social é o efeito social não dese- universo humano e não só a “higiomania”, que talvez
jado e prejudicial do impacto social da medicina seja a expressão da busca da perfeição, da longevidade
(medicalização do orçamento, invasão farmacêutica, e de uma vida não sujeita a impasses e acidentes.
controle social pelo diagnóstico que etiqueta as dife- Outro mérito do trabalho de Roberto Passos
rentes idades humanas, dentre outros); e a iatrogê- Nogueira está na recuperação da obra de Ivan Illich
nese estrutural, que se refere ao processo de dele- como possibilidade de repensar as relações entre Es-
gação de elementos característicos da vida humana tado e sociedade via a micropolítica do cotidiano.
(como o significado da dor física, da morte e da Nesse espaço, situam-se atores políticos que, por exem-
doença), ao uso ilimitado da medicina. Esses três plo, ocupam e constroem o cenário das práticas sani-
níveis da iatrogênese, em seu conjunto, contribuem tárias. Profissionais de saúde (e aí não só os médi-
para o comprometimento da capacidade autônoma cos), e usuários dos serviços precisam recuperar seus
dos homens. lugares como sujeitos de fato e de direito. Uma di-
Nogueira retoma o conceito de risco como um mensão que apela para uma retomada do humano
instrumento tanto de previsão quanto de responsabi- naquilo que lhe é mais próprio: suas possibilidades
lização social. Essa retomada representa uma “so- de exercer autonomia e responsabilizar-se por suas
ciogênese dos riscos” na sociedade pós-industrial. práticas ultrapassando um lugar de objetualização,
Recuperar esse conceito de risco significa valorizar a como simples lócus operativo da terapêutica e al-
crítica de Illich ao controle totalitário exercido pela cançando sua dimensão de sujeito da história. Ou se-
medicina via seus serviços clínicos, seu corpo cientí- ja, não só os usuários são objetos de uma prática ou
fico e gerência técnica da saúde pública sobre a so- de um sistema de saúde, mas os próprios profissio-
ciedade. Para Nogueira a noção de risco em saúde se nais quando perdem a capacidade de refletir sobre
articula a uma função moral de instrumento de res- sua prática e sua história.
ponsabilização. Essa responsabilização acaba por se
qualificar como uma consciência do pecado pela pre- Referências bibliográficas
sença e ameaça do mal. Dessa maneira, a responsabi-
lização se transveste em culpabilização, já que im- Duarte LFD 1983. O culto do eu no templo da razão.
pede o desenvolvimento da espontaneidade material Boletim do Museu Nacional (Nova Série Antropo-
e espiritual na conjunção de esforços para o alcance logia) 41:1-69.
de objetivos outros na vida. Desta forma, o autor cri- Illich I 1975. A expropriação da saúde: nêmesis da me-
tica o cuidado compulsivo do próprio corpo como dicina. Ed. Nova Fronteira, São Paulo.

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