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TOCANDO SONHOS

Carlos Eduardo Nunes

1ª Edição

Câmara Brasileira de Jovens Escritores


Copyright©Carlos Eduardo Nunes

Câmara Brasileira de Jovens Escritores


Rua Crundiúba 71/201F - Cep 21931-500
Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (21) 3393-2163
www.camarabrasileira.com
cbje@globo.com

Julho de 2009

Primeira Edição

Coordenação editorial: Gláucia Helena


Editor: Georges Martins
Produção gráfica: Alexandre Campos
Projeto gráfico da capa: Heytor Alberto Valente Moore
Revisão: do autor

Contatos com o autor:


carlosenunes2003@hotmail.com

Página na Internet (Blog):


http://www.carloseduardonunes.blogspot.com

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por


qualquer meio e para qualquer fim, sem a autorização
prévia, por escrito, do autor.
Obra protegida pela Lei de Direitos Autorais
Carlos Eduardo Nunes

TOCANDO SONHOS

Julho de 2009

Rio de Janeiro - Brasil


Assuma a sua vida
você é livre para escolher
seja o senhor de si mesmo
e faça tudo o que sempre quis fazer

Assuma a sua vida


só você pode fazer
e só você pode saber
o que quer ser quando crescer
(só você)
Na capa deste livro, o mapa representa o mundo; o
relógio, o tempo.
Mas você reparou que não existe a marcação de horas,
minutos e segundos?

Existe um mundo imenso.


Existe o nosso tempo.
E existem os seus sonhos.

Podem ser os mais secretos, ou aqueles que você


sepultou porque disseram que era impossível realizar. Talvez
você tenha parado de escrever, de desenhar, de pintar seus
quadros, de correr, de nadar, de jogar futebol. Talvez tenha
desistido de lutar pelos mais diversos motivos.

Eu só queria lhe dizer que é você quem tem que decidir


o tempo de realizar seus sonhos. Nunca é tarde! E eu te
pergunto: quanto tempo ainda vai levar para você desafiar o
mundo e correr atrás do que acredita?

Que tal a partir de agora?

Existem pessoas que pensam na vida como se fosse


um pequeno conta-gotas, e vão liberando cada gota de emoção
aos poucos, querendo sempre guardar um pouco para amanhã.
Assim eu lhe pergunto:
“E se não houver amanhã?”

Por isso lhes afirmo:

Seguir tocando sonhos é a melhor forma de se viver.


PREFÁCIO

No início tudo era inspiração. Depois, trabalhava-se


aquela idéia escrevendo no velho bloco de anotações ou mes-
mo diretamente no computador. Não havia nem mesmo uma
ocasião específica e até em ônibus podia-se criar uma nova
composição. Qualquer fato ou acontecimento podia ser visto
como um tema proposto, onde a imaginação era livre para
despertar as mais variadas idéias e pontos de vista.
O segundo passo era o texto propriamente dito,
repousando silenciosamente nas gavetas e pedindo para ser
lido. E cada vez que se terminava um texto a única vontade
que existia era de mostrar para alguém, a fim de se obter uma
opinião sobre a obra que acabara de compor e do qual tanto
se orgulhava. Levou tempo até que isto se concretizasse, mas
quando houve a oportunidade, teve surpresa quando as
pessoas consideravam seus textos como sendo bons. E aquela
sensação lhe fez muito bem, aumentando gradativamente sua
vontade de escrever e de ter seus textos lidos.
O terceiro passo seria abranger um público maior.
Talvez divulgar suas idéias na internet, fazer-se conhecido
entre pessoas desconhecidas. E tudo isso foi feito.
Admirações à parte, o crescimento se deu de uma forma
gradativa e empolgante.
E foi assim que surgiram os primeiros concursos
literários e, mesmo não obtendo nenhuma premiação, não
desistiu de participar. Até que um dia um texto seu foi escolhido
para participar de uma coletânea de jovens poetas brasileiros
contemporâneos. Desta forma, aquele jovem aspirante a
escritor teve seu nome escrito em um livro junto com dezenas
de outras pessoas. E, pela primeira vez, pensou-se na possibi-
lidade de ter seus textos publicados em livro, onde na capa
estaria escrito seu nome com letras maiúsculas.
Ele cuidou de tudo pessoalmente; pensou na capa, na
diagramação, e reuniu seus textos exatamente da maneira como
imaginava que eles deveriam ser publicados. Alguns dos
melhores poemas foram colocados nas primeiras páginas de
forma a prender a atenção do leitor e despertar a curiosidade
frente ao restante do livro.
Hoje o jovem escritor se senta no calçadão de frente
para a praia ao lado da estátua do poeta maior, e fica a observar
as pessoas que passam alegres e sorridentes, as mulheres
deitadas sob a areia dourando sua pele ao sol, os guarda-chuvas
multicoloridos que se amontoam por toda a extensão daquela
praia famosa. Observa o horizonte que segue retilíneo e
uniforme, tentando conduzir seu pensamento para um novo
projeto, um novo livro, onde demonstraria sua passagem por
mais um estilo literário: a prosa. Observa o mar vindo de
encontro às pedras e ouve o som que este encontro produz.
Desta mesma forma, tenta encontrar a si mesmo ao se revelar
mais uma vez para aqueles que se propuserem a ler, e ao expor
fatos, acontecimentos e sentimentos através destas palavras
em formato de contos.
Esta é uma obra que requer do leitor um pouco de sua
atenção e um entendimento da vida não como a maioria das
pessoas a vêem, sendo algo passageiro e limitado, mas como
o somatório de pequenos momentos inesquecíveis que nos
transfor mam para sempre, momentos de magia e
encantamento que nos ajudam a ser pessoas melhores.
Este livro é uma coletânea de contos escritos entre os
anos de 2004 e 2007. Nesse período e em períodos recentes,
outros textos foram escritos neste estilo, mas minha idéia sem-
pre foi a de provocar o leitor a uma reflexão através das pala-
vras e, para isso, eu precisava reunir textos que falassem ao
coração, textos que trouxessem esperança, que motivassem,
que inspirassem suas vidas.
Se você está com esse livro em suas mãos neste
momento, sei que temos algo em comum: a esperança de que
podemos ser mais humanos, de que podemos construir coisas
boas para nós mesmos e para a nossa comunidade. Este livro
não vai mudar a sua vida, mas a leitura destes textos poderá
lhe trazer uma sensação diferente, uma sensação de que
podemos superar todas as dificuldades que surgirem, não
importando o grau em que elas aparecem. Tudo vai depender
da maneira como você vê o seu próprio problema e a maneira
como vai encará-lo.
São histórias comuns, de pessoas comuns, de sonhos
e conquistas, de sentimentos e frustrações escritos em
formato de contos. Posso afirmar que são metáforas do
cotidiano, histórias que cada um de nós pode estar vivendo
neste exato momento, mudando apenas o lugar, as pessoas,
o sonho e o objetivo.
ÍNDICE

1 – Tocando sonhos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 15
2 – Futebol e esperança ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 19
3 – Um salto importante ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 23
4 – Sobre problemas (ou seja, sobre todos nós) ○ ○ ○ ○ ○ ○ 29
5 – As voltas da vida ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 33
6 – Enquanto o amor não vem (a vida passa) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 39
7 – O circo na cidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 43
8 – Menino olhando estrelas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 49
9 – Uma vida por um tesouro ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
53
10 – A magia dos pingos de leite ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 57
11 – Amor e liberdade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 59
12 – O homem, a mulher e a ponte ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 63
13 – A bicicleta○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 69
14 – Um conto de Natal ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 71
15 – Os dois caminhos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 75
16 – Nunca é tarde ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 77
17 – Entendimentos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 79
18 – O relógio e o Amor ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 81
19 – Filosofia à beira-mar ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 83
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 14
TOCANDO SONHOS

1
TOCANDO SONHOS

Eu era chefe do Setor de Suprimentos em uma empresa


privada aqui na cidade. Por conta disso, havia aprendido a
prestar atenção nas pessoas e traçava um perfil de cada uma
delas somente analisando suas atitudes no ambiente de trabalho.
Mas há tempos atrás houve um funcionário que mudou minha
maneira de ver as coisas e minha maneira de encarar minha
própria vida.
Eu observava de longe a maneira como ele trabalhava:
Ernesto parecia sempre meio desligado, como se estivesse em
outro mundo. Uma vez ou outra era flagrado assobiando no
horário de trabalho. Ao ouvido dos outros funcionários era
algo que incomodava, mas aos meus ouvidos era uma bela
melodia. Mas, na qualidade de Chefe do Setor, eu não podia
concordar com aquilo, e o repreendia.
As mulheres diziam que Ernesto vivia no mundo da
lua. Eu o achava meio esquisito e tempos depois viria a
compreender que ele deveria pensar o mesmo de mim. Além
dos assobios, ele passou também a tocar com a ponta dos
dedos na mesa como se estivesse tocando algum instrumento.
Tentei uma aproximação e foi assim que descobri que
Ernesto tinha o sonho de tocar piano. Fiquei sabendo que ele,
todos os dias depois do trabalho, ia às aulas na Escola de Música
que leva o nome de Heitor Villa-Lobos e, como não tinha um
instrumento em casa, ficava repassando suas lições na mesa
do trabalho, imaginando os acordes e fixando os sons de cada
nota através de seu assobio.

15
Carlos Eduardo Nunes

Fiquei admirado diante de tamanha força de vontade.


Aquele rapaz tinha algo que eu tivera há muito tempo, mas
que já havia esquecido. De alguma forma ele me fez lembrar
de meus sonhos mais antigos e do momento em que os deixei
para trás para trilhar um novo caminho, mais fácil, seguro e
menos atraente.
Certo dia eu me aproximei de onde ele estava. Havia
uma pilha de papéis sobre sua mesa. Eu sabia que não estavam
acumulados por causa do assobio ou do piano imaginário sobre
a mesa. O trabalho estava acumulado devido ao cansaço que
ele deveria estar sentindo e eu sabia exatamente o que era aquilo
porque eu mesmo já vivera algo parecido na época da faculdade.
Então, neste dia, ele me contou que seu maior sonho
era tocar na Orquestra Sinfônica Brasileira e que estava
estudando para isso. Disse que durante suas aulas na Villa-
Lobos ele se sentia de uma maneira diferente, e que a música o
levava para lugares em que nunca sonhava ir.
Eu sorri com a empolgação do rapaz. Não poderia dizer
exatamente se ele fazia ou não fazia bem os seus trabalhos na
empresa, mas tinha uma grande certeza comigo: ele estava no
caminho certo, porque era este o caminho que havia escolhido.
De repente, compreendi que aquele trabalho era apenas
um passatempo, uma ponte para algo maior, onde ele iria trilhar
o caminho que escolheu, e não o caminho que lhe indicaram
como sendo o seu. Por um breve momento, tive medo de que
ele se acomodasse com aquele emprego e, com o tempo, deixasse
de tocar, abandonando seus sonhos definitivamente.
Houve uma recessão no país. A empresa ameaçava
fazer cortes, as pressões foram aumentando e chegou o dia
em que tive que demiti-lo. Não sem antes dizer a ele que este
era o grande momento de sua vida, uma grande provação, e
que ele deveria tocar como nunca aquele piano, esforçar-se
Prova 01
CBJE 16
TOCANDO SONHOS

para ser o melhor no que queria fazer, e se transformar num


grande músico.
Ernesto sorriu. Disse que com o dinheiro que iria rece-
ber na rescisão ele poderia ficar um tempo se dedicando aos
estudos ou mesmo comprar um instrumento, nem que fosse
inicialmente um teclado mais simples. E me agradeceu pela
oportunidade de trabalhar naquela empresa. Antes de ir em-
bora ele me disse: “Tudo tem seu tempo!”
Alguns anos depois eu, minha esposa e minha filha,
fomos assistir a um espetáculo no Teatro Municipal. Era um
espetáculo que já se apresentara no exterior e que agora fazia
uma nova temporada no Rio de Janeiro. Para a minha surpresa,
lá estava um rosto conhecido entre os músicos, e eu podia ver
Ernesto, batendo com a ponta dos dedos no piano, da mesma
forma que fazia na mesa do trabalho.
Eu, sentado na poltrona, fazia o mesmo, acompanhan-
do-o com os meus dedos batendo em minha perna. O som
era incrível, contagiante e, naquele momento, eu compreendi
que vale a pena cair, levantar e seguir em frente. Entendi que
vale a pena correr atrás de um sonho, passar por momentos
difíceis e conquistar seus objetivos. Entendi que você nunca
deve tirar a esperança de um homem, porque muitas vezes
isso é tudo o que ele tem.
Naquele momento, entendi que existem coisas que não
podemos compreender, que os sonhos existem para serem
realizados, e que tudo tem o seu tempo.
Não podemos só sonhar. Sonhar é necessário, mas agir
é imprescindível.
Foi isso o que Ernesto – um ex-funcionário da empresa
onde eu continuo trabalhando – agora pianista da Orquestra
Sinfônica Brasileira, me ensinou.
AGOSTO / 2005

17
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 18
TOCANDO SONHOS

2
FUTEBOL E ESPERANÇA

O rapaz acordou assustado como se acordando de um


pesadelo, dando um soco no ar. Era por volta das cinco da
manhã e chegara o grande dia: nesta tarde seria a partida final
do campeonato brasileiro de futebol que envolveria dois times
muito bons, embora um deles fosse o clube de maior torcida
do país.
Pela segunda noite consecutiva tivera o mesmo sonho
onde fazia o gol do título no jogo final. Ele já se considerava
um vencedor, mas no fundo de seu coração, torcia para que o
sonho se tornasse realidade.
O rapaz naquele quarto chamava-se Tonico e era o
centro-avante do Esperança Futebol Clube, um time do Norte
do país que até pouco tempo era considerado pequeno. Com
uma estrutura modesta, nas temporadas anteriores oscilava
ano a ano entre a primeira e a segunda divisão. Já seu adversário
possuía cinco títulos brasileiros e trazia toda a tradição
conquistada ao longo dos anos.
O Esperança havia sido fundado há mais de cinqüenta
anos e sua melhor colocação em campeonatos nacionais havia
sido um décimo nono lugar, onde participavam vinte e quatro
clubes. Mas neste ano, jogando em casa, o Esperança não perdeu
nenhum jogo e ainda surpreendeu vários clubes grandes diante
de suas próprias torcidas.
Os adversários reclamavam das péssimas condições
do gramado e jogo após jogo essa era a desculpa que davam
em todas as entrevistas. Reclamavam, esquecendo-se que o
campo era ruim para os dois times, e todos se negavam a ten-
19
Carlos Eduardo Nunes

tar entender porque aqueles homens jogavam com tanta gar-


ra, esforçando-se em cada jogada. Havia algo em comum en-
tre todos os jogadores, mas ninguém sabia o que era.
No início do campeonato, o patrocínio era apenas de
um supermercado que além de custear parte das despesas das
viagens, auxiliava os jogadores e suas famílias com cestas bá-
sicas. A maioria das viagens era feita de ônibus, e isso prejudi-
cava o rendimento dos jogadores, que muitas vezes sentiam-
se cansados.
Como o Esperança tornou-se a sensação do campeona-
to, uma grande empresa passou a patrociná-lo e passaram a
viajar de avião. A situação financeira também foi melhorando
com os prêmios pagos por cada vitória, mas estava longe de
receberem salários tão altos como o dos jogadores dos clu-
bes grandes.
Na verdade, naquele exato momento, todos da imprensa
se perguntavam o que era um time grande, já que o pequeno
Esperança ia conquistando mais pontos a cada jogo e outros clubes
de maior expressão a nível nacional acumulavam derrotas. Desta
forma, o pequeno time do Norte do país ia se aproximando de
um sonho que aos olhos de todos, parecia impossível.
Alguns comentaristas arriscavam o palpite de dizer que
ele iria nadar e morrer na praia. Outros ressaltavam as
qualidades dos jogadores e, principalmente, de Tonico, que
era o artilheiro do campeonato até o momento com uma
diferença de sete gols para o segundo colocado.
Pouco a pouco as previsões pessimistas caíam por terra
e o Esperança chegou à final do campeonato. No primeiro jogo,
no Norte, a partida terminou empatada, sem gols. Com esse
resultado, o adversário só precisaria de mais um empate para
conseguir o título, pois havia feito a melhor campanha ao longo
do campeonato.
Prova 01 Na semana da grande final, na televisão, nos
CBJE 20
TOCANDO SONHOS

jornais e nos bares, só se falava neste jogo. A TV local foi


entrevistar a família dos jogadores e todo o povo brasileiro
se emocionou com a história de vida de cada um deles.
Durante todo o dia, Tonico tentava não pensar no jogo,
mas era impossível. A chegada no estádio foi difícil por causa
do trânsito, mas por onde o ônibus passava, eles eram
saudados por vários torcedores, e isso emocionou o centro-
avante do Norte do país.
Os dois times entraram em campo. O Maracanã estava
completamente lotado e as arquibancadas estavam
completamente tingidas de preto e vermelho. Apenas alguns
torcedores arriscaram-se a vir do Norte para assistir à partida.
Estavam vestidos de verde e carregavam uma grande bandeira.
A cada lance o jogo ganhava em emoção. No início
todos pareciam um pouco nervosos, mas com o passar dos
minutos o nervosismo foi distanciando-se de cada um deles.
A pressão sobre os jogadores do Esperança era muito grande.
A torcida adversária entusiasmava-se a cada bom momento
da equipe. O jogo era equilibrado com ambas as equipes
respeitando-se mutuamente.
O primeiro tempo terminou. No intervalo, Tonico
contou ao goleiro de seu time o sonho que tivera nas duas
últimas noites. Antes de entrarem em campo, o goleiro contou
isso a todos os outros jogadores e, de alguma forma, eles
acreditaram que o título seria realmente possível.
Todos voltaram a campo. O apito do árbitro indicava
que faltavam quarenta e cinco minutos para o Brasil conhecer
o novo campeão brasileiro. Houve chance de gols para os
dois lados, mas ninguém conseguia marcar.
A torcida começava a ficar irritada com o próprio time
porque eles não conseguiam marcar um gol no Esperança,

21
Carlos Eduardo Nunes

embora o empate lhes desse o título, porque nenhum torce-


dor gosta de perder um título nos últimos minutos do jogo.
O jogo permanecia empatado. Aos quarenta e sete
minutos do segundo tempo, há um escanteio a favor do
Esperança. Como sempre acontece em todos os jogos, há muito
tumulto dentro da área antes da cobrança. O árbitro apita, o
lateral direito cruza a bola sobre a área. Todos observam sua
aproximação e o raio que ela descreve cortando o ar com
velocidade. Olhando apenas para a bola, os zagueiros não
percebem a aproximação de Tonico e, de alguma forma, ela
parece procurá-lo, fazendo uma curva até encontrar-se com
sua cabeça e parar somente após o toque na rede.
A grande torcida se cala. Em algum ponto do estádio
uma pequena torcida vestida de verde segurando uma grande
bandeira escrito “esperança” se agita nas arquibancadas. Os
jogadores do outro time levam as mãos à cabeça, enquanto os
jogadores do Esperança correm em direção à lateral do campo
para onde foi Tonico após a cabeçada certeira e o gol do título.
Correndo, com os olhos cheios de lágrimas, ele salta e
dá um soco no ar, conforme havia sonhado. Mas desta vez,
não era um sonho: era a vida real.

AGOSTO / 2005

Prova 01
CBJE 22
TOCANDO SONHOS

3
UM SALTO IMPORTANTE

Ela era uma atleta. Estava ansiosa com o ano de 2004,


pois era ano olímpico. Há poucos dias havia conseguido seu
índice e agora iniciaria outra batalha em busca de patrocínio
para poder viajar. Desde pequena praticava esportes. Na
verdade, foi o esporte quem lhe tirou das ruas.
Certo dia, num desses dias que modificam nossas vidas
por completo, passou um ônibus recolhendo a todos os que
estavam embaixo de uma marquise naquela praça no Rio de
Janeiro. Desta forma, ela também foi levada e todos foram
apresentados ao esporte. Uma assistente social, já bastante
idosa, lhes explicava que a rua não era lugar para crianças e
que ali estariam seguros. Seus amigos, na primeira
oportunidade, fugiram de lá. Estavam acostumados demais
com a “liberdade” das ruas. Sabiam que se ficassem teriam
que obedecer a ordens, seguir regras, e não estavam dispostos
a pagar esse preço.
Mas ela ficou. Eles a recriminaram, disseram que ela,
dali para frente, estaria presa. Mas foi justamente aquela atitude
que lhe libertou definitivamente para a vida.
A vida nas ruas não era nada fácil. Mas o que lhe
apresentavam também não seria. Certo dia foi até um clube,
juntamente com outras crianças retiradas de outros lugares da
cidade, e o esporte surgiu à sua frente. Escolheu o salto, pois
tinha uma boa impulsão ao subir muros, árvores, coisas que
fazia com facilidade.
Dedicava-se com afinco aos treinos. Acordava bem
cedo e logo iniciava seus saltos. Tinha que optar entre o salto
23
Carlos Eduardo Nunes

em distância ou o salto com varas. O salto em distância de-


pendia de sua velocidade e seu corpo magro lhe ajudava em
alguns momentos e em outros lhe atrapalhava. Quando tinha
que saltar com o vento contra, sentia que seu corpo não era
impulsionado de forma correta e, neste caso, centímetros de-
terminam a vitória.
Por conta disso, escolheu o salto com varas. Todos que
a observavam no treino ficavam admirados com seu empenho
e dedicação. Certa vez lhe perguntaram se não se cansava de
pular, cair no colchão, voltar ao início, pular novamente, cair
no colchão, se levantar, voltar ao início. Ela respondeu que
aquela era sua única oportunidade de vencer na vida. Disse
que sempre havia sido uma perdedora, que todos nas ruas lhe
apelidavam de nomes feios. Disse que iria ser uma grande atleta,
pois não queria ver novamente o olhar de pena das pessoas
em sua direção.
Seu treinador sentia orgulho da menina que treinava, e ela
era sempre destaque da equipe nas competições que disputavam.
A menina tornou-se mulher. A barra passou a subir cada
vez mais e seus limites foram aumentando. Quem a via saltar
achava que estava alto demais, mas ela nem mesmo tocava na
barra. Seu corpo caía sobre o colchão e ela esboçava um leve
sorriso de aprovação. E então, seu treinador subia a barra em
mais cinco centímetros e ela saltava fazendo tudo parecer
muito fácil.
Mas agora tinha que encontrar um patrocinador. Tudo
o que fizera até aqui foi com o apoio apenas de seu treinador
e de seus amigos.
Fizeram uma reportagem, um apelo na televisão, e dias
antes das olimpíadas de Atenas, um grupo empresarial estava
comprando sua passagem de ida. Ela agradeceu por demais a
Deus
Prova e
01todos que um dia acreditaram nela.
CBJE 24
TOCANDO SONHOS

Viajaram, ela e seu treinador para a Grécia. E entre


todos aqueles monumentos, o berço da civilização, ela esperava
brilhar, e que seu brilho seria estampado em seu peito sob a
forma de uma medalha.
Mas dois dias antes de sua primeira apresentação,
enquanto fazia o reconhecimento do local das provas, ela sentiu
uma pequena dor no tornozelo esquerdo. Era justamente este
tornozelo que servia de apoio quando ela firmava a vara no
chão para projetar seu corpo no ar. No início sentiu medo de
não poder participar, e os dias seguintes foram de intenso
tratamento com gelo. Seu treinador dizia que não era nada,
tentando animá-la, e que eles conseguiriam vencer.
No primeiro dia das competições de salto havia
competidores de várias nações. Apenas a olimpíada era capaz
de reunir tanta gente em busca de um mesmo ideal. Era uma
celebração da humanidade assistir àqueles jogos. Imagine,
então, participar deles.
Neste primeiro dia ela saltou muito. Foi classificada
para a próxima fase. Seu salto estava entre os sete melhores,
mas ela sabia que poderia saltar muito mais.
No segundo dia, o ritmo foi um pouco mais puxado.
Na primeira tentativa ela havia tocado na barra e esta caído
no chão. Na segunda tentativa, desistiu do salto, pois não havia
conseguido obter grande velocidade. Ficou então para a
terceira tentativa todo o peso de ter conseguido chegar até
ali. Se não conseguisse saltar, estaria desclassificada
definitivamente.
Ela tomou distância. Disse a si mesma que iria conseguir.
Toda sua concentração estava naquele salto. Toda a sua vida
dependia simplesmente de saltar sobre aquela barra que estava
bem abaixo do que ela saltava nos treinos.

25
Carlos Eduardo Nunes

Ela correu e saltou. Passou com facilidade sobre a bar-


ra que permaneceu totalmente inerte. Seu corpo caiu sobre o
colchão e ela sorriu, pois sabia que havia conseguido. Tentou
levantar-se, mas não conseguiu.
Havia forçado demais o tornozelo para saltar bem alto
e a dor que a incomodava antes das competições parecia ter
voltado. Teria apenas uma noite para se recuperar. Seu salto
foi colocado em segundo lugar e, desta forma, estava
classificada para a final no dia seguinte.
Passou a noite tentando recuperar-se. Sabia que seria
difícil. Seu treinador tentava não desanimá-la, mas a esta altura
ela já chorava.
Quando o dia amanheceu, ela se sentia um pouco
melhor. Ainda havia dor, mas sabia que precisava saltar. Aquela
era a sua olimpíada, tinha tudo para vencer. Nos jornais daquele
dia havia sido noticiado sobre sua contusão e muita gente que
aquele dia foi ao estádio deve ter lido.
Começaram os saltos. A barra estava bem alta, mas ela
sabia que em condições normais poderia vencer. Chegou então
a sua vez. Anunciaram seu nome pelo alto-falante e ela se
encaminhou à sua posição. O tornozelo ainda doía, mas não
era hora de sentir dor. Aquilo não era pior do que viver nas
ruas. Aquilo não era pior do que passar fome e frio embaixo
de marquises em praças públicas. Aquilo não era pior do que
o olhar das pessoas em sua direção e, neste exato momento,
ela se lembrava daqueles olhares. Aquela era a sua oportunidade
de mostrar a todos que ela tinha valor, que sua origem humilde
a fez uma mulher forte, capaz de saltar tão alto que todos
ficariam espantados.
“Eu vou conseguir!” – disse ela para si mesma.
“Eu vou conseguir!” – disse ela em voz alta.
Prova 01
CBJE 26
TOCANDO SONHOS

E correu em direção ao seu objetivo. E quando fir-


mou a barra e o pé no chão, sentiu uma dor tão intensa que
caiu. Seu tornozelo inchou na hora da queda. Era uma dor
terrível. Nunca sentira algo assim. Todos a rodearam e seu
treinador, após verificar que não havia fraturas, a levantou,
amparando-a no seu ombro. A multidão, que soubera que ela
havia tido problemas no dia anterior, a aplaudia intensamen-
te. Suas adversárias a aplaudiam. Os juízes a aplaudiam. E mais
do que os aplausos, ela percebeu os olhares das pessoas. Era
um olhar de admiração, de superação. Assim como foi uma
superação formidável ela ter chegado até ali. Aquilo era uma
competição importante, mas na vida, não havia perdido, e
mesmo sem medalhas brilhando no peito, era uma vencedora.
Ela voltou para o Rio de Janeiro e no aeroporto
dezenas de pessoas lhe esperavam. Era um drama, sim. Mas já
havia conquistado muitas coisas na vida. Era uma atleta, e novas
olimpíadas viriam pela frente. Ainda era jovem, ainda saltava
de uma maneira singular. Ninguém até hoje tem dúvida de
que ela poderia ter vencido aquela prova.
“Quando tiver um objetivo na vida, você deve segui-
lo. É claro que existem limites, mas você só saberá quais são
os seus quando se deparar com situações difíceis. Tente sempre
colocar a barra um pouco mais alta. Tente pular, se esforce.
E, se conseguir, suba mais um pouco a barra. Supere seus
próprios limites. Isto é tudo o que posso tirar desta lição:
SUPERAÇÃO”.– esta foi sua primeira entrevista e
emocionou todo o país.

MAIO / 2004

27
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 28
TOCANDO SONHOS

4
SOBRE PROBLEMAS
(ou seja, sobre todos nós)

Caminhamos juntos pela Lagoa Rodrigo de Freitas naquela


tarde onde as nuvens encobriam o sol que insistia em aparecer. Ela,
uma jovem menina chamada Mariana. Cabelos longos, corpo
esbelto, parecido com os corpos de modelos internacionais.
Modelo? Sim, Mariana também era modelo. E me
contava sobre sua recente viagem à cidade de Buenos Aires,
onde foi fazer algumas fotos e participar de um desfile. Era
natural do Rio de Janeiro, nascida de família rica, moradora de
Ipanema, bairro desta cidade, mas nada disso bastava: Mariana
queria ser modelo e, quem sabe, atriz. Já havia feito cursos para
atuar, e sua mãe sempre a acompanhava nestas “aventuras”.
Mas como nem tudo é perfeito, ela tem que enfrentar
um problema: seu pai não é a favor. Homem rico e bem-
sucedido que é, não concorda com tal situação. Seu pai herdou
parte de sua riqueza e trabalhou muito para transformar o
que já recebia em muito mais. Multiplicou várias vezes o que
recebera com muito esforço e trabalho.
Mas Mariana queria mais. Pensava, neste exato
momento, que sua vida era caminhar pelas passarelas da fama
de todo o mundo. Seguir os passos de outras tantas mulheres
que se arriscam pelo mundo e vencem. Queria não depender
apenas de tudo o que seu pai poderia lhe dar. Sobretudo, tinha
um sonho. E agora surgia uma oportunidade de viajar para a
Europa, mas seu pai não demonstrava vontade de liberá-la.
“Acho que vou fugir de casa”. – disse ela com um tom
de voz decidido.
29
Carlos Eduardo Nunes

“E assim você resolve todos os seus problemas...” –


foi meu comentário.
Paramos a longa caminhada. Mariana abaixou a cabeça
e eu percebi que seus olhos se encheram de lágrimas.
“Você vai voltar para casa e conversar com seus pais.
Se você fugir de casa estará apenas aumentando seus
problemas”.
Ela tinha um sonho e sabia que para continuar a segui-
lo teria que agir de alguma maneira. Mas, verdadeiramente,
não seria assim que as coisas se ajeitariam. Todos têm
problemas e tudo o que precisamos é de soluções.
Continuamos a caminhar pela Lagoa quando a imagem
de um homem nos chamou a atenção. Ele aparentava quarenta
anos e precisava de um skate para se locomover, pois não
tinha pernas. Aproximamos-nos e conversamos um pouco.
Lembrei-me de uma frase que havia lido certa vez:
“Eu me queixava de não ter sapatos novos até ver um
homem que não tinha pés”.
Num rápido encontro aquele homem nos contou como
ficara daquela maneira. Havia sido atropelado quando
adolescente por alguém que dirigia embriagado e, ao cair,
outro veículo passou sob suas pernas.
“Foi tudo muito rápido” – disse ele.
Olhei para Mariana e percebi que ainda tinha lágrimas
nos olhos enquanto o homem se distanciava dando impulso
em seu skate com seus braços fortes.
“Eu me queixava de não ter sapatos novos...” – disse
ela olhando o horizonte.
Foi uma tarde triste à beira da Lagoa, mas não era culpa
das nuvens que encobriam o sol. A culpa era de todos nós,
pessoas comuns, que muitas vezes nos queixamos do que nos
éProva
dado.01A culpa é nossa por querer sempre mais e esquecer
CBJE 30
TOCANDO SONHOS

que pequenas coisas também podem nos fazer feliz. A culpa é


nossa por termos medo de agir quando isso era o que mais
precisávamos. A culpa é nossa por acreditarmos que o que
está distante é o mais importante.
A tarde deu lugar à noite e fomos cada um para sua
casa. E se em todos os momentos de nossas vidas as coisas
surgem para nos ensinar, acho que aquela foi uma lição.
Enquanto meu ônibus seguia seu itinerário, torcia para que
sua situação se resolvesse e que no final as coisas dessem certo.

Sonhos custam caro!!!

SETEMBRO / 2003

31
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 32
TOCANDO SONHOS

5
AS VOLTAS DA VIDA

Roberto ia caminhando pela Avenida Presidente Vargas,


no centro da cidade do Rio de Janeiro. Como todos os dias,
deixava seu belo carro do ano no estacionamento e seguia alguns
metros a pé. Vestia seu tradicional terno e gravata que há tempos
passara a ser seu uniforme. Roberto é um alto funcionário
executivo de uma multinacional que atua na área petrolífera.
Quem o vê caminhando para o trabalho, não consegue
imaginar tudo o que ele passou ao longo de sua vida para chegar
onde está, ninguém pode imaginar quantas noites mal dormidas,
quantas horas debruçado sobre seus cadernos e livros.
Para finalizar, Roberto venceu na vida. Todos em sua
família têm orgulho dele. O garoto que outrora corria atrás
da bola agora assume grandes responsabilidades. Roberto foi
o melhor aluno de sua turma e, pelo seu desenvolvimento na
empresa, está prestes a se tornar o Diretor Regional, e cuidar
dos interesses da empresa em toda a região sudeste.
Mas hoje, justamente hoje, antes de entrar no prédio
onde fica a empresa, Roberto resolve ir até uma agência
bancária pagar suas contas e verificar seu saldo bancário
porque, embora vivesse num mundo globalizado, ainda não
confiava o suficiente na Internet para fazer tais operações
através de uma linha telefônica.
Antes de entrar na agência bancária, percebe que um
homem de aparência distinta, com um chapéu de boiadeiro
na cabeça está parado na porta do banco. Aos seus olhos,
acostumados com homens de terno e gravata e mulheres de
vestidos longos e curtos, ele pára e observa o jeito do homem
33
Carlos Eduardo Nunes

à sua frente. Percebe que em sua cintura há um cinto com uma


enorme fivela de ouro.
Do outro lado da cidade, num passado não muito
distante, enquanto Roberto jogava futebol, Tobias trabalhava
com o pai no arado da terra. O mundo globalizado ainda estava
longe de chegar até ali e, naquela pequena cidade do interior
do Rio de Janeiro, a vida era de muita luta.
Naquela época, Tobias não estava estudando porque a
família era grande e ele, o mais velho de nove irmãos. Mal
começou a crescer e seu pai lhe entregou uma enxada dizendo
que seu futuro estava na agricultura.
Tobias era ainda uma criança. Por volta dos dez anos
de idade nunca havia entrado numa sala de aula, mas já havia
aprendido muito sobre o tempo. Sem muitas dificuldades já
sabia identificar quando uma forte chuva estava se
aproximando da região, observando o vôo das andorinhas
que ocasionavam a mudança dos ventos que poderiam trazer
nuvens carregadas.
Mas havia um fato que lhes trazia tristeza, não apenas a
Tobias e a seu pai, mas a todos os agricultores: a terra em que
trabalhavam não lhes pertencia. E o fazendeiro dono das terras,
dizendo que queria melhorar o desenvolvimento da região,
exigiu que as crianças, para trabalharem, deveriam ao menos
estar na escola.
O trabalho infantil não deveria existir, mas todos
sabemos que em todo lugar deste país são muitas as crianças
que sustentam seus lares. Seguindo esta nova regra, Tobias teve
que abandonar os trabalhos no campo e seu pai ficou sozinho.
Ele entrou na escola, mas a adaptação era difícil. No
final do dia, percebia o quanto seu pai estava cansado quando
o mesmo chegava em casa. A vida real era totalmente diferente
daquilo
Prova 01 que ele via pela televisão; primeiro porque o mundo
CBJE 34
TOCANDO SONHOS

era colorido, e não em preto em branco como a tela se


apresentava. Segundo, porque as pessoas estavam sempre
sorrindo, nunca aparentando seus problemas e suas
frustrações. Tudo aquilo surgia à sua frente e lhe mostrava que
algo deveria ser feito por ele próprio e por sua família.
Na escola Tobias não conseguia aprender a escrever.
As professoras demonstravam impaciência porque ele não
conseguia seguir no mesmo ritmo dos demais alunos. As
crianças, que eram mais novas, riam dele e de suas dificuldades.
Assim, Tobias não conseguia se desenvolver e pouca gente
poderia imaginar, que neste exato momento, ele só pensava
no suor de seu pai trabalhando naquele campo, no rosto de
seus irmãos mais novos pedindo comida e na reação de sua
mãe ao ter que lhe dizer que não havia nada a lhes oferecer.
Certo dia, enquanto voltava para casa, Tobias ouviu
dois homens comentando que alguém havia encontrado ouro
numa cidade próxima dali. Ele não sabia o que era ouro e,
quando perguntou ao seu pai, este lhe disse que era algo que
poderia dar muita riqueza a quem o encontrasse. Mas Tobias,
que não sabia ler, também não sabia o que era riqueza e seu
pai lhe explicou que era algo muito diferente do que eles
tinham. Riqueza era o contrário de pobreza.
Pobreza ele sabia o que era. Estava à mostra em seus
pés descalços, na sua barriga inchada, nos cabelos
desarrumados. Pobreza era ter fome e não ter o que comer; e
tudo isso ele sabia muito bem.
Aos doze anos Tobias saiu de casa pegando carona num
caminhão junto com outros homens. Despediu-se de seus pais
dizendo que ia lhes trazer riquezas. A mãe chorou, o pai abençoou
o menino. Nos olhos de seu pai havia uma enorme vontade
contida de sair pelo estado em busca de melhorias para sua família.
Mas já estava acostumado demais com aquela situação.
35
Carlos Eduardo Nunes

Tobias aprendeu a garimpar e, ao longo do tempo, viu


muitas pessoas ficarem doentes em função da exposição ao
mercúrio. Quanto à riqueza que ele fora buscar, aos poucos,
foi conseguindo juntar pequenas quantidades de ouro.
Certo dia, já exausto de tanto garimpar em vão, ele se
lembrou de sua família. Pensou em seus pais e em seus irmãos.
Pensou em tudo o que vivera até aquele momento e, como
que por um milagre, avistou uma enorme pepita de ouro.
A venda da pepita lhe rendeu uma grande quantidade
de dinheiro e ele resolveu voltar para casa. Quando lá chegou,
viu que seu pai havia falecido enquanto trabalhava na lavoura.
Sua mãe estava sozinha e doente, seus irmãos tristes. Só o que
lhes alegrava neste momento era o retorno do irmão, mas nem
todo o dinheiro do mundo poderia suprir tal falta.
Tobias está parado em frente a uma agência bancária
no centro da cidade do Rio de Janeiro. À sua frente está um
homem de terno e gravata que o observa. Os dois entram no
banco no mesmo horário. Ambos permanecem de pé, na fila.
Roberto está na frente de Tobias, falando ao telefone celular e
tentando observar melhor a fivela de ouro do rapaz.
Roberto é atendido primeiro. O gerente lhe recebe com
um sorriso e um aperto de mãos. Quando termina o que foi
fazer ele sai andando rápido, como se estivesse atrasado.
Tobias se aproxima do gerente. Com o jeito e o sotaque
de um homem do interior, ele informa que gostaria de abrir
uma conta, mas o gerente pede que ele aguarde um pouco.
Tobias aguarda e percebe que o gerente atende a outra pessoa
antes dele na mesa ao lado. Talvez percebendo que o homem
humilde não desistiria, o gerente retorna à sua mesa.
Tobias volta a lhe informar sobre sua vontade de abrir
uma conta corrente. Todos os procedimentos começam a ser
feitos. O gerente lhe pergunta de quanto ele dispõe para o
Prova 01
CBJE 36
TOCANDO SONHOS

primeiro depósito e Tobias lhe diz um valor tão alto que o


gerente desconfia, mas abre a conta para o novo cliente.
Na hora de assinar, Tobias comenta com o gerente que
não sabe escrever. O gerente faz cara de quem não está
acreditando.
“Como um homem como o senhor, sem praticamente
estudo algum, conseguiu juntar uma quantia tão grande de
dinheiro?”
Então Tobias lhe contou sua história, desde o princípio,
e o gerente ficou impressionado.
“Então, doutor – disse Tobias – o dia em que o fazendeiro
disse que só poderiam trabalhar as crianças que estivessem na
escola, este momento foi decisivo para minha vida”.
“Mas como alguém que não sabe escrever nem seu
próprio nome consegue fazer algo tão grandioso?”
“Todo mundo sempre fala sobre estudo, não é, doutor?
Posso lhe garantir que se eu tivesse estudado como todas as
crianças de minha cidade, o máximo que eu conseguiria era
trabalhar na lavoura, para aquele fazendeiro que dizia que para
trabalhar em suas terras era necessário estudo. Como eu não
estudava, tive que aprender a me virar. Ganhei bastante
dinheiro, e isso melhorou a condição de vida de minha mãe e
de meus irmãos. A única coisa que me entristece é que todo o
dinheiro que ganhei, não pôde trazer a vida de meu pai de
volta. Isso prova que o dinheiro não é tudo, senhor”.
Então Tobias saiu da agência bancária caminhando
lentamente, contente pela oportunidade de ter uma conta bancária.
Do outro lado da rua, no oitavo andar de um prédio,
Roberto pensa em sua própria vida e chega à conclusão de
que é melhor tirar umas férias.

SETEMBRO / 2005
37
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 38
TOCANDO SONHOS

6
ENQUANTO O AMOR NÃO VEM
(a vida passa)

Enquanto o amor não vem


(a vida passa)
e você disfarça
fingindo que está tudo bem.

Abriu as cortinas, deixou que o sol invadisse seu quarto


e tocasse sua pele. Mais uma semana se passou e mais um
domingo despertava agora, junto com ela. Mais um dia de
vida – uma benção – diria seus vizinhos e todos que a
conheciam, mas pouca gente sabia o que se passava por sua
cabeça. Embora sempre esboçasse um belo e jovial sorriso,
não havia tantos motivos para sorrir. Mas era preciso continuar
vivendo, pois cada dia poderia lhe apresentar uma nova
oportunidade. Era nisso que acreditava.
Seus pais se preocupavam, pois ela saía pouco e não
tinha amigos. E ninguém podia acreditar que uma mulher tão
bonita quanto ela poderia estar sozinha por tanto tempo. Mas
somente ela sabia o preço que pagara por um amor que lhe
causou tanta dor e sofrimento. Como sempre fazia, entregara-
se aquele homem de corpo e alma, revelara seus sentimentos,
e tempos depois, quase dois anos, o ouviu dizer: “Eu não te
amo. Nunca te amei e nunca vou te amar”.
Ela não acreditava no que ouvira. Todos os seus sonhos
pareceram ilusões que agora se revelavam. Quase dois anos
de sua vida dedicados a cultivar a esperança de que um dia
pudessem se casar. Ela o considerava o grande amor de sua
39
Carlos Eduardo Nunes

vida e agora tudo o que lhe restava era recostar a cabeça no


travesseiro e chorar. E assim o fez.
Enquanto o Amor não vem, a vida passa. Para sentir-
se melhor, começou a trabalhar com mais força e vontade.
Passou a ocupar-se de coisas que considerava importante. Não
poderia passar o resto de sua vida se lamentando por uma
pessoa que não lhe dera o devido valor. Sim, ela sabia seu
valor. Era uma mulher bonita, íntegra, tinha um bom emprego,
planos para o futuro. Sempre que precisava agir pensava em
como seria amanhã, pois tinha a certeza de que suas atitudes
tomadas hoje seriam refletidas tempos depois.
“A gente planta o que colhe, mas quando depende
apenas de nós”. – era uma frase que havia criado adaptando o
ditado popular. Porque no seu caso, havia semeado amor, mas
colhera algo muito diferente.
Mas hoje era domingo. Recomeçar era a palavra. Iria
se encontrar com aquele rapaz que conhecera há alguns dias.
Eles se pareciam em algumas coisas: ele também tinha planos
para o futuro. E, diferentemente de outros homens que já havia
conhecido, este parecia sincero. Não que fosse um príncipe
encantado, pois estes só existem nos romances, mas foi algo
intenso e importante o encontro entre os dois.
Iriam ao cinema. Poderiam até mesmo comer pipoca
e beber refrigerante. Se ele tocasse em sua mão, estava disposta
a não fazer nenhum movimento de reprovação. Talvez até
mesmo pudessem se beijar. E ela definitivamente, estava
precisando disso.
Enquanto o amor não vem, a vida passa. E ela já estava
cansada de ver a vida passar, as pessoas se conhecerem, se
casarem e ela a esperar por alguém realmente interessante que
estivesse sozinho. Mas parecia que todas as pessoas que lhe
Prova 01
CBJE 40
TOCANDO SONHOS

interessavam estavam comprometidas. Mas com este rapaz


era diferente...
Enquanto o amor não vem, a vida passa, e passa bem
depressa.

ABRIL / 2004

41
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 42
TOCANDO SONHOS

7
O CIRCO NA CIDADE

Quando a caravana do circo chegou à pequena cidade,


todos os habitantes vieram ver os caminhões e todos aqueles
artistas que, em breve, iriam se apresentar. Há muito não
acontecia nada por ali, o que motivava ainda mais a todos. As
pequenas cidades, como sempre, mantinham-se esquecidas
pelas autoridades, que pareciam focar seus olhares apenas e
tão somente para o eixo Rio - São Paulo, deixando de
promover eventos em locais como aquela pequena cidade no
interior do nordeste.
Logo que chegaram contrataram algumas pessoas para
ajudar na armação da grande lona central e outras instalações
que serviriam para que os artistas se alojassem durante os dias
que passassem por ali. O circo é uma família. Pessoas que
passam todo o tempo voltados para levar sua arte e sua alegria
a todos os que quiserem assistir.
E no meio desse ambiente, muitas histórias acontecem,
sejam elas trágicas, cômicas ou românticas. Havia muita
amizade, mas também muitas confusões e brigas, como em
todas as famílias.
Como sempre, a figura mais procurada nos circos é a
do palhaço. Sabendo disso, a direção resolveu enviar dois de
seus palhaços para divulgarem o circo pela cidade, brincando
com as crianças que estivessem nas ruas e praças. Foi um dia
alegre aquele. Foi um dia especial, principalmente para o jovem
palhaço e para uma bela menina que atendia pelo nome de Clara.
O palhaço se aproximou lhe oferecendo uma flor, e ela
sorrindo, agradeceu. Ele novamente se afastou e continuou a
43
Carlos Eduardo Nunes

brincar com as crianças. De longe, ela o observava, acarician-


do a pequena flor que recebera. Não houve palavras, apenas
aquele pequeno gesto.
Histórias de amor sempre são impressionantes.
Estranhamente o amor normalmente surge de uma forma
casual, quando menos se espera, e acaba por revelar toda a
sua magia e encantamento. E foi assim que entre uma
apresentação e outra, ambos se encantaram. O jovem artista a
fazia sorrir, e ela se sentia extremamente feliz em estar em sua
companhia. Ele lhe contava sobre suas viagens, as cidades que
conhecia, a beleza dos lugares que visitava e ela sentia um pouco
de inveja, pois, embora tivesse muita vontade, nunca tivera a
oportunidade de sair de sua cidade. Clara tinha o sonho de
continuar seus estudos e sabia que para que isto acontecesse,
um dia teria que partir para a cidade grande.
Mas num breve momento ela, olhando para ele, pensou
que em alguns dias ele iria partir juntamente com o circo.
Pensou e logo deixou de pensar pois ele ainda estava ali e ela
podia sentir sua presença ao abraçá-lo com força.
Numa noite em que o circo não funcionaria, eles foram
até um local mais afastado da cidade onde ela dizia que tinha
algo para mostrar a ele. Chegaram a um campo desmatado
no alto de uma pequena montanha, o que demonstrava que
pessoas estavam sempre por ali.
“Todos os dias eu vinha até aqui para observar as
estrelas” – disse ela.
O rapaz olhou para o céu estrelado e a lua que nesta
época do ano estava cheia.
“Até você chegar. – continuou. Você é a resposta aos
meus pedidos às estrelas de um dia encontrar alguém especial,
um homem que tocasse meu coração e minha alma. Só eu sei
quanto
Prova 01tempo eu tive que esperar por isso”.
CBJE 44
TOCANDO SONHOS

O rapaz ficou em silêncio. Embora estivesse gostando


muito dela, tinha medo de magoá-la. Sabia que dentro de dois
dias o circo baixaria as lonas, e tudo o que viveram até agora
estaria apenas em sua lembrança. Não seria a primeira vez que
isto aconteceria.
“Fique aqui comigo. – disse ela. Vamos construir nossa
vida aqui”.
Mas o jovem artista sabia que isso não seria possível.
Desde muito cedo aprendera a não ter raízes em nenhum lugar.
“Não será possível. – disse ele. Minha vida é viajar
com o circo por todo o país”.
Clara ficou em silêncio e seus olhos encheram-se de
lágrimas. Ela também não poderia sair da cidade, pois sua
mãe estava muito doente e precisava dela ao seu lado. E como
ele também não poderia ficar, significava que nunca mais
estariam juntos, que nunca mais voltariam a se ver.
O rapaz a abraçou com força, mantendo-a entre seus
braços. Ambos sentiam a importância do encontro que
tiveram. Ambos sabiam que havia sido algo do qual
dificilmente iriam se esquecer.
E não mais se ouviu o som de palavras.
E foi assim que aquela noite terminou.
Dois dias depois, grande parte do circo já estava
desmontada. Uma nova cidade, novas apresentações viriam
pela frente.
O jovem palhaço procurou por Clara e a encontrou
sentada em um dos bancos da praça.
“Posso me sentar?” – perguntou.
“Claro que sim”. – respondeu ela.
“É chegada a hora de eu partir. – disse ele. Quero que
saiba que em toda a minha vida nunca senti algo tão forte por
uma mulher. Pela primeira vez em minha vida, duvidei de que
45
Carlos Eduardo Nunes

o circo fosse o mais importante, duvidei que este é o caminho


que devo seguir”.
“Esta é a sua vida. – comentou ela com um tom de voz
bem tranqüilo. Você deve seguir seu caminho. Muita gente
depende de seu trabalho. Se fosse em outra época, com toda
certeza, eu seguiria seus passos, mas hoje ainda não posso.
Sinto que ainda há algo a se fazer por aqui, por minha cidade”.
Ficaram por algum tempo olhando um nos olhos do
outro. Era um momento único na vida dos dois. Apenas o
silêncio lhes mostrava que não havia mais muita coisa a se
dizer, pois o que viveram naqueles dias havia sido algo
realmente importante.
“Ninguém pode possuir uma noite com um céu
estrelado igual aquele que vimos há dois dias. – disse ele. Mas
podemos conhecer, admirar e amar. Você será para mim a
mulher que amei verdadeiramente, porque tudo foi muito
espontâneo e sincero”.
O rapaz estendeu a mão a Clara e lhe entregou uma flor.
“E você será para mim o homem que não tive, mas que
mais me amou. Você me fez sorrir quando eu mais precisava.
Você disse tudo aquilo o que eu mais queria ouvir. Você me
mostrou que vale a pena sonhar e acreditar em um sonho... e
por isso eu te agradeço”.
Clara tocava a flor e se lembrava de que havia sido assim
mesmo, há alguns dias atrás, que toda aquela história havia começado.
“Quem tentar possuir uma flor verá sua beleza
murchando. – disse ele. Da mesma forma como os pássaros
que voam nesta região são mais belos do que os que eu já
havia visto, sempre dentro das gaiolas de alguns amigos meus”.
Ele tornou a pegar a flor de sua mão e devolveu-a a
natureza.
“Você nunca será minha, e por isso terei você para sempre”.
Prova 01
CBJE 46
TOCANDO SONHOS

Os caminhões da caravana do circo começaram a se


movimentar. Ele lhe deu um último beijo. Foram alguns
minutos onde a paixão foi aplacada naquele simples gesto;
talvez o gesto que demonstre maior afetividade e entrega entre
duas pessoas. E logo depois, se afastou.
Duas lições foram tiradas daquela história: a primeira
era de que o Amor é, sobretudo, liberdade. A segunda, e não
menos importante, é que quando você encontrar uma coisa
importante na vida, não quer dizer que precise renunciar a
todas as outras.
O jovem palhaço se afastou e subiu no caminhão. De
onde estava não podia ver que dos olhos de Clara algumas
lágrimas brotavam e escorriam pelo seu rosto. Mas mesmo se
estivesse próximo, não enxergaria tudo com clareza, pois seus
olhos também estavam marejados de lágrimas.

MAIO / 2004

47
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 48
TOCANDO SONHOS

8
MENINO OLHANDO ESTRELAS

Embora tudo na vida seja um ensinamento, não é todo


dia que se aprende uma lição. Às vezes determinadas coisas
têm que acontecer várias vezes para que a gente perceba que
está agindo errado e que temos que consertar algo. Foi assim
que fui surpreendido por aquele menino, aquela criança que
olhava fixamente para o céu.
Eu já sou adulto, mais de cinqüenta anos bem vividos,
muitas coisas e muitas histórias para contar. Ele, um menino de
mais ou menos sete anos de idade, sentado no banco da praça
vestindo uma bermuda marrom, sem camisa e pés descalços.
Lentamente me aproximei e sentei ao seu lado.
“O que tanto observas?” – foi minha pergunta tentando
puxar assunto.
“Estrelas”. – foi sua resposta.
Estrelas. Claro que eram estrelas. Foi neste dia que
percebi que existem coisas que são óbvias na vida. Existem
coisas que não precisam ser explicadas, não precisam ser
perguntadas.
“Você gosta de estrelas?” – insisti.
E os olhos do menino brilharam. E, naquele momento,
ele me revelou algo do qual eu nunca mais me esqueceria.
“Minha mãe disse que meu pai foi para o céu. Desde
então, sempre que eu me lembro de nossas brincadeiras, eu
paro e fico olhando para as estrelas. Acredito que ele esteja
perto do Cruzeiro do Sul e que de onde está também sente
minha falta”.

49
Carlos Eduardo Nunes

Eu estava diante não de um simples menino, mas isto


eu só iria perceber anos depois quando me lembraria de algo
que foi dito naquele dia. Eu tenho um casal de filhos. O rapaz
é o mais velho, tem 14 anos, e a menina tem 12. Todos os dias
quando chego em casa eles, muitas vezes, estão na rua junta-
mente com seus amigos. Sempre me esforcei para ser um pai
presente o máximo possível na vida de meus filhos, mas hoje
eles pensam que já cresceram e tenho certeza que sentem ver-
gonha de mim, de minhas brincadeiras com as pessoas, de
algumas atitudes.
Eu olhei atentamente para o céu. Não consegui
distinguir a constelação do Cruzeiro do Sul naquele céu.
Quando criança eu sempre o observava, contava estrelas, mas
acho que cresci.
“Eu tenho uma estrela em especial. – disse o menino.
É aquela que brilha um pouco mais que as outras. Minha mãe
diz que ela brilha mais forte porque está mais próxima da Terra
e, sendo assim, se um dia eu puder ir até uma estrela, aquela
será a primeira onde eu vou pisar”.
E falando isso, bateu com ambos os pés no chão.
“O que você quer ser quando crescer?” – foi minha
pergunta.
“Vou ser piloto. – disse ele. Vou voar como os pássaros,
por entre as nuvens e as estrelas. Você já andou de avião?”
Eu respondi que sim, mas que havia sentido muito
medo e o menino deu uma gostosa gargalhada. Lembrei-me
novamente de meus filhos, pois há tempos não conversamos
da mesma maneira como estávamos eu e aquele menino, dois
desconhecidos observando o céu.
E foi então que sua mãe se aproximou. Pegou-o pelo
braço e enquanto se afastava eu a ouvi dizer para que ele não
Prova 01
CBJE 50
TOCANDO SONHOS

conversasse com estranhos. Ainda fiquei um bom tempo ob-


servando as estrelas, perdido em meus pensamentos.
As estrelas, desde o meu tempo de infância, sempre
estiveram naquele mesmo céu. Mas, infelizmente, a gente cresce,
o mundo nos cobra tanta coisa, que esquecemos de olhar as
estrelas, admirá-las como nos velhos tempos. Não mais
contamos estrelas, mas sim, o dinheiro que ganhamos e que
muitas vezes é suficiente apenas para pagarmos nossas contas.
Desde aquele dia, todas as noites eu, antes de dormir, paro
por alguns minutos e observo o céu coberto por aqueles
inúmeros pontos luminosos. É neste momento que minha
esposa se aproxima e diz que me ama. Tudo o que faço é dizer
o quanto eu também a amo e pegá-la pelas mãos, caminhando
em direção à porta de casa.
E quando me pego contando estrelas, me lembro
daquele menino.

ABRIL / 2004

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Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 52
TOCANDO SONHOS

9
UMA VIDA POR UM TESOURO

Às vezes me pergunto por que sofremos tanto...


Deve ser porque nem sempre nos contentamos com
aquilo que temos.
Seria esse o grande mal da humanidade?
Certo dia um jovem rapaz avistou uma fazenda. O dono
das terras era um homem muito rico e, como todas as pessoas
de posses, dava muito valor ao dinheiro. Sempre que entrava
em um negócio visava o lucro, como todos os comerciantes,
porque ninguém quer pagar para trabalhar e todos precisam de
uma boa remuneração; faz parte da vida. O jovem pede um
emprego, pois qualquer coisa seria melhor do que nada, e ele
têm em sua casa uma mulher e um casal de filhos para sustentar,
que o aguardam ansiosamente. Há dois meses estava
desempregado e trabalho naquela região era coisa rara.
O dono das terras não fala em salário. Diz que em algum
lugar de suas terras há um tesouro escondido. Pergunta ao
jovem rapaz se ele tem interesse em procurá-lo informando
que se isso ocorrer, parte do tesouro lhe será dado. Diz
também que neste período em que estiver trabalhando para
ele, pelo menos uma vez por mês, terá à sua disposição o
mercado – que pertence ao fazendeiro – para retirar alguns
mantimentos, num determinado valor, e levar para casa. O
jovem rapaz fica feliz com a proposta e com a possibilidade
de alimentar sua família. No fundo, todos lutam pela
sobrevivência.
Ele chega em casa e sua esposa fica radiante. O jovem
fala sobre o tesouro e percebe que os olhos da mulher bri-
53
Carlos Eduardo Nunes

lham. Por um breve momento ele percebe que a fome dá lu-


gar à esperança e compreende que este trabalho é a solução
para seus dias de miséria. Pensa em poder melhorar a casa,
comprar roupas novas para a mulher e os filhos. As crianças
se aproximam, todos se abraçam e o ambiente muda comple-
tamente, porque ele se sente um homem mais digno. Sente
que dias melhores os esperam.
Começa a trabalhar. É servido um café e pão com
manteiga todas as manhãs em seu trabalho. Tem hora certa para
entrar e sair, bem como para almoçar. O fazendeiro – que agora
é seu patrão – lhe mostra o local onde diz que está enterrado o
tesouro. Diz que encontrá-lo e melhorar sua própria vida
depende do jovem rapaz. Como o fazendeiro demonstra ser
um homem justo, o jovem rapaz acredita na promessa.
O trabalho consiste em cavar um grande buraco na
profundidade em que estivesse o tesouro, porém, em ne-
nhum momento, tal profundidade foi mencionada. Com o
entusiasmo que todos demonstramos no início de uma nova
tarefa, o rapaz consegue retirar bastante terra. A cada dia,
imagina que trabalhando mais terá mais resultados, e co-
meça a não sair mais no horário. Compreende que encon-
trar o tesouro depende apenas de suas próprias forças e é
isso o que busca.
Enquanto trabalha por comida, para suprir suas
necessidades, para se sentir um homem digno e honrado, não
pensa que, naquela imensidão de terra, o tesouro pode não
estar justamente ali onde está cavando. Isso vem ao seu
pensamento, principalmente quando o cansaço bate mais forte,
com o sol a pino, mas ele procura não pensar nisso.
Mas pensa. E vê que se desistir agora, exatamente neste
momento, o tesouro poderia estar logo abaixo de seus pés,
esperando
Prova 01 que ele removesse uma última camada de terra.
CBJE 54
TOCANDO SONHOS

Então, ele remove mais uma camada, e outra, e mais


outra. O entusiasmo diminui, mas ele confiava no fazendeiro
que era seu patrão, e o homem dizia que o tesouro estava bem
ali, debaixo de seus pés. Ele sabia que já havia ido longe demais,
e que não poderia acreditar que o tesouro fosse uma lenda ou
uma invenção. Além do mais, não haveria motivos para alguém
contar uma mentira como esta.
Ele sabia que Deus estava com ele e que estava ao lado
de todas as pessoas que tinham fé em Sua existência e jamais
abandonaria um de seus servos. Então ele insiste no trabalho,
mas o tesouro não aparece.
Um dia volta para casa e comenta com sua esposa que
parece estar decepcionada. Também ela já fazia planos e
imaginava as oportunidades que tal acontecimento poderia
lhes proporcionar. Agora há comida todo mês na mesa do
jovem rapaz, mas ele esperava mais de seu trabalho. Não queria
acreditar que, depois de tanto esforço, seria escravo do
emprego que ele mesmo escolhera. A história do tesouro
despertara sua ganância e como ele não apareceu, o entusiasmo
se esvaiu por completo.
Certa tarde o jovem rapaz resolve parar de cavar por
alguns minutos. Há tempos atrás jamais faria tal coisa, pois
cada minuto era importante em sua busca. Então ele olha ao
seu redor e percebe que a terra que ele joga para fora do buraco
é lançada por outros dois homens para dentro da caçamba de
um caminhão. Percebe que estava tão obcecado com a idéia
de enriquecer da noite para o dia encontrando um tesouro
enterrado, que ainda não havia se dado conta da presença
daqueles homens durante todos esses dias.
Pergunta aos homens e eles dizem que aquela terra que
lançavam para dentro do caminhão havia sido vendida para
servir de aterro na construção de uma estrada que ligaria sua
55
Carlos Eduardo Nunes

pequena cidade com a capital do estado, fato que traria o pro-


gresso e dezenas de benefícios a todos os habitantes.
Pensa em conversar com o fazendeiro e dizer que se
sentia enganado, mas sabe que ele vai dizer que o tesouro está
ali. Embora o jovem não queira acreditar, pensa em largar
tudo, mas se lembra que no período em que tem trabalhado
ali, não tem faltado comida em sua casa. Mesmo que não tivesse
ficado rico, já não era tão pobre como antes.
Sabia que poderia tentar enganar seu coração insistindo
na idéia de que não existe tesouro, de que não existe futuro, e
sabe que se ficar repetindo essa história, vai acabar acreditando
que esta é a grande verdade. Então ele passa a achar que esse é
o seu destino, uma palavra que ele nem mesmo conhece o
significa, mas que as pessoas sempre utilizam. Já havia lido em
algum lugar que o sofrimento poderia ser uma forma de se
aproximar ainda mais de Deus, assim como faziam as pessoas
que se autoflagelavam. Embora não seja uma regra, esta é a
maneira que ele encontra para não pensar mais no tesouro.
Desta forma, volta a cavar até o fim de seus dias,
sabendo que não há tesouro algum e que tudo isso faz parte
de seu mundo e de sua história.

Todos nós temos um tesouro escondido, mas nem


todos reconhecem.
Nem todos sabem onde possa estar e nem mesmo onde
procurar.

MAIO / 2005

Prova 01
CBJE 56
TOCANDO SONHOS

10
A MAGIA DOS PINGOS DE LEITE

Quando eu era ainda uma criança muito pequena, minha


mãe sempre dizia que “a necessidade obriga o sapo a pular”.
Como dezenas de outros ditos populares, este eu guardo
comigo. Por uma estranha (ou mística) razão, os ditos populares,
muitas vezes, se encaixam perfeitamente às situações em que
estamos vivenciando. E nunca, nestes meus vinte e poucos anos
de vida, surgiu um exemplo tão real assim diante de mim, como
a magia encantadora do vendedor de pingos de leite.
Nesta sexta-feira, dia 12/11/2006, pude perceber que
a necessidade nos transforma. Na imagem do vendedor que,
tenho certeza, gostaria de ser um artista circense, está a
personificação do engenheiro que quer se tornar um escritor,
do médico que queria ser músico e do advogado que adoraria
estar fazendo tatuagens nas pessoas.
Mais do que tudo isso, me demonstra o poder de
adaptação e superação do ser humano frente às dificuldades
que o mundo lhe impõe, estando ele, também, com um belo
sorriso, demonstrando alegria e simpatia, raridades em nossos
dias tão cinzentos.
Vou lhes contar:
Enquanto estava no ônibus que me conduzia para casa
após mais um dia de trabalho, eis que surge um vendedor
ambulante. Aqui no Rio de Janeiro, os vendedores entram nos
ônibus com dezenas de produtos, que vão de balas até barras
de chocolate inteiras.
O produto que este vendedor nos oferecia era,
segundo ele, o famoso pingo de leite. Ele deveria ser apenas
57
Carlos Eduardo Nunes

mais um vendedor, desses que nos incomodam o sono ou


atrapalham a viagem.
Mas este era um vendedor diferente. Ele anunciou que
era também um palhaço, e que poderia apresentar-se em festas
de aniversário fazendo números de mágica. Quer dizer, ele
mesmo fazia questão de dizer que eram truques, e não mágicas.
E começou o show naquela noite chuvosa, com uma
fita cor laranja nas mãos, que sumia e reaparecia na hora em
que ele quisesse. Comecei a prestar atenção naquele número
pensando em desmascará-lo, mas suas mãos eram mais ágeis
que meus olhos. E ele me venceu. E tenho absoluta certeza de
que venceu a todos que estavam ali. E assim, nos cativou, com
seu sorriso e sua alegria. Como num passe de mágica, a platéia
daquele ônibus estava totalmente envolvida.
No segundo número, ele fazia sumir uma nota de um
real e ela reaparecia quando ele queria. No terceiro número,
ele fazia uma brincadeira com dois dados e, naquele momento,
todos estavam completamente envolvidos com a apresentação
do vendedor ambulante e artista de rua, dessas pessoas que
irradiam alegria no sorriso, no olhar e na maneira de falar.
Após os três números, os três truques, ele começou a
vender o pingo de leite a dez centavos cada um ou dez pingos
de leite por um real. Acho que não houve quem não comprasse.
Tenho certeza de que não era o doce que nós queríamos. Todos
queriam recompensar aquele artista que ajudara a tornar a viagem
mais alegre. Queríamos recompensá-lo por estar sorrindo
mesmo diante de todas as dificuldades que a vida lhe impõe.
Queríamos recompensá-lo por arrancar um sorriso de cada um
de nós, talvez o único ou o mais sincero daquele dia.

JANEIRO / 2007
Prova 01
CBJE 58
TOCANDO SONHOS

11
AMOR E LIBERDADE

Quem nunca amou, jamais compreenderá o que digo.


Mas quem nunca amou? Quem nunca teve aquela sensação de
que a vida só teria sentido se fosse ao lado daquela outra
pessoa? Eu senti isso da maneira mais nobre e mais triste.
Ele sempre me dizia que os seres humanos precisam
ter dois corações. Com um deles, deveríamos defender sempre
a liberdade. Com o outro, deveríamos acrescentar algumas
horas de esperança aos nossos amores. Dizia também, que
quando as coisas resistem às idéias e o mundo resiste aos nossos
sonhos por muito tempo, que nunca deveríamos pensar em
mudar de sonhos ou de idéias. Dizia que era preciso procurar
mudar de coisas e mudar de mundo.
Mas isso é o mais difícil.
Quando a gente ama da maneira como amei, dá-nos a
impressão de que o mundo inteiro existe dentro de nós. É
como se tudo fizesse sentido e a vida se transformasse de uma
maneira indescritível.
Considerando todas as máscaras que vestimos ao longo
de nossas vidas, posso dizer, sem medo de errar, que ele foi a
pessoa com a qual eu conseguia ser eu mesma o tempo todo.
Foi a pessoa com quem eu conseguia agir naturalmente, a
pessoa para quem eu não tinha medo de aparentar ser criança,
parecer boba, infantil, imatura, parecer fraca ou medrosa.
Porque quando isso acontecia, eu sentia seus braços me
envolvendo de uma maneira que, mesmo ao descrever aqui,
pareço sentir. Mesmo através destas palavras, ainda é algo quase
tátil. E quando fecho os olhos, sem tentar ter nenhum tipo de
pensamentos, é nele que minha mente viaja.
59
Carlos Eduardo Nunes

Ele era a pessoa para a qual eu não conseguia escon-


der, nem disfarçar quando eu estava triste ou aborrecida. Bas-
tava que ele olhasse para mim, e logo surgia a pergunta: o que
houve? O que te aflige?
Ele era a pessoa com quem eu queria perder tempo, a
pessoa com a qual eu queria me perder, definitivamente. A
pessoa com a qual eu gostava de conversar, a qual eu gostava
de estar junto, me sentia bem ao lado, me sentia feliz; a pessoa
que eu queria ter sempre por perto, sempre junto, fosse rindo
ou chorando, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença.
Ele era a pessoa com a qual eu gostava de rir, a pessoa
para quem eu poderia chorar sem medo de demonstrar
fraqueza, a pessoa que desde o inicio eu não queria – e nem
nunca quis – apenas como amigo. Mas mesmo assim, posso
afirmar que ele foi meu melhor amigo.
Ele era a pessoa que com um simples telefonema
transformava o meu dia. Eu podia estar envolta em problemas,
mas a tranqüilidade de sua voz e a sabedoria de suas palavras
me transmitia uma calma e uma serenidade intensas e incríveis.
Com ele eu falava o que eu pensava sem receio. Para ele
eu não tinha segredos e não conseguia esconder o que eu estava
sentindo. Ao seu lado, como já disse, eu não tinha vergonha de
aparentar fraqueza, e assim, percebi que a vida ficava mais fácil,
porque eu não precisava ficar provando para o mundo que sou
uma mulher de fibra. Sei que sou, mas como toda mulher, de
fibra ou não, eu também precisava de flores. E elas chegavam
para mim sem nenhuma data especial, sempre acompanhadas
com lindas palavras escritas com sua própria caligrafia.
Suas cartas ainda permanecem em minha gaveta. De
todos os homens que conheci, ele foi o único que deixou uma
parte física sua comigo: ele deixou seu coração. Afinal, aquelas
palavras escritas à mão, fazem parte de um tempo em que
vivemos
Prova 01 intensamente um grande amor. E quando se vive
CBJE 60
TOCANDO SONHOS

intensamente, não importa quanto tempo se esteve junto, esse


amor se propaga e vale por uma vida.
Quantas mulheres sentiram o que eu senti? Quantas
mulheres já se entregaram e se sentiram usadas por homens
que não valiam a pena, mas que, naquele momento,
representavam uma oportunidade de curtir um pouco mais a
vida? Um dia as mulheres vão perceber que ser desejada por
um único homem, e com ele viver, é melhor do que despertar
desejo em dezenas de outros, que nada tem a lhe acrescentar.
Com ele, as manhãs de sol brilhavam mais. Com ele, os
dias nublados eram carregados da esperança de que o dia
seguinte seria ainda mais belo. Ele foi a pessoa que me ensinou
que o céu é sempre azul, não importando se as nuvens um dia
o estão encobrindo. E, em minha vida, essa simples
observação já tem feito uma grande diferença.
Com ele eu tinha a liberdade para sorrir e para chorar
sem medo, sem receio, sem vergonha do que ele fosse pensar.
Com ele, eu sentia verdadeiramente essa coisa que as pessoas
chamam de liberdade, mas que, na verdade, poucas possuem.
Com ele eu fui livre. Livre para falar, livre para ser,
livre para chorar, livre para sentir, livre para caminhar de
encontro aos meus sonhos, livre para sorrir, livre para pensar.
E aprendi tanto com ele, sobre a vida e sobre liberdade,
que aprendi a respeitar e soube compreender a liberdade que
as pessoas precisam para fazer suas escolhas, baseadas naquilo
que acreditam. Sempre fazemos nossas escolhas baseadas
naquilo que acreditamos naquele momento.
Por amor, eu o deixei livre para escolher, mesmo
sabendo que em sua escolha eu poderia não estar incluída!

E com isso, ele virou apenas uma bela lembrança.

AGOSTO / 2007
61
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 62
TOCANDO SONHOS

12
O HOMEM, A MULHER
E A PONTE

Era uma noite de clima agradável e tudo parecia


tranqüilo, exceto para uma mulher que dirigia seu carro entre
lágrimas. Não havia muitas pessoas pelas ruas, pois já era cerca
de onze horas da noite e poucas pessoas se arriscavam a estar
naquele local neste horário. Ela parou o carro na ponte sobre
um rio no qual ela se banhava na infância. Costuma ir até ali
quando se sentia triste e sozinha; e nesta noite não era diferente.
Ela sentou-se no pára-peito, com sua face voltada para
o rio, de forma com que sua perna ficasse balançando ao vento.
Tinha trinta anos, era bonita, e pensava em sua própria vida
como algo que não ia pra frente. Trabalhava em um lugar que
odiava, mas era o que havia aparecido. Ganhava pouco
dinheiro, andava aborrecida, brigava com pais, irmãos,
parentes e amigos. Mas, sobretudo, havia brigado com o
namorado e, naquele momento, qualquer um que olhasse para
ela imaginaria que iria pular no rio que se estendia logo abaixo
de seus pés.
Até que um homem, a uma distância considerável,
surgiu ao seu lado. Ele também olhava o rio, e parecia ignorá-
la. Por um momento ela teve medo de estar ali, pois já era
tarde da noite e ninguém poderia socorrê-la.
“Vê como a água está calma?” – perguntou o rapaz
tentando puxar assunto.
Mas ela não respondeu.
“Gosta de observar a lua?” – insistiu ele olhando para ela.
Ela acenou com a cabeça dizendo que “sim”.
63
Carlos Eduardo Nunes

“Você não acha perigoso estar aqui a essa hora da noite?”


“Perigoso é estar viva!– disse ela. E você está me atra-
palhando”.
“Desculpe. Você deve ser realmente muito religiosa e
veio até aqui para fazer uma oração observando o rio...”
“Não é nada disso. Eu vim até aqui porque minha vida
está um caos. Vim até aqui porque tudo é muito difícil e eu
não agüento mais continuar desta maneira”.
Ele sorriu sem que ela percebesse.
“Então você pensa que essas coisas só acontecem com
você? Pensa que pode vir aqui e pular desta ponte e deixar seus
familiares lembrando de como você era bonita e inteligente?”
“Você não me conhece. – disse ela. Você não sabe nada
sobre mim”.
“Você está correta. Mas posso lhe afirmar que sei do
que estou falando, que sei de minha própria vida e sei que
você reclama mas nunca se esforçou para mudar...”
“Não me venha com sermões. Eu nem mesmo deveria
estar falando com você...”
“Você nem mesmo deveria estar aqui...”
Após essa última frase, ambos se calaram. Ele se
distanciou um pouco mais, virou de costas e começou a andar.
“A vida é sua. – disse ele. Estrague-a como quiser”.
Ela olhou para ele. Pela primeira vez reparou que trajava
uma roupa despedaçada. Na certa, era um mendigo, não
deveria saber nada sobre a vida e ainda queria lhe dar lições.
“Você é só um mendigo”. – disse ela.
O homem parou de andar, virou-se para ela e falou
algo do qual ela nunca mais iria se esquecer.
“Todos somos mendigos. – disse ele. Uns pedem
dinheiro, outros pedem carinho, outros pedem amor. Não
entendemos
Prova 01 que se quisermos dinheiro, temos que trabalhar.
CBJE 64
TOCANDO SONHOS

Não entendemos que para termos carinho, precisamos estar


dispostos a dar carinho. Não entendemos que para termos
amor, temos que amar. É muito fácil falar sobre essas coisas,
não é mesmo? Difícil é fazer. É muito fácil agredir uma outra
pessoa quando estamos fracos, pois assim nos sentiríamos mais
fortes. Posso lhe dizer uma coisa: você é como todas as
pessoas, como eu já fui, que fica reclamando que as coisas não
acontecem mas não fazem nada para mudar essa situação. Acha
que pulando da ponte resolve os problemas. Vamos lá, pule!”
Ela olhou para baixo e só que tinha sob seus pés era
água e tudo o que fez foi chorar.
“Eu não tenho culpa”. – disse ela.
“Ninguém tem. – respondeu ele. Ou todos temos”.
“Há um ano e meio que eu moro debaixo desta ponte.
Eu tinha família, mulher e um filho recém-nascido, mas
estraguei tudo. Certa vez, uma senhora vizinha minha, sabendo
que eu estava desempregado, me pediu para fazer pequenos
consertos em sua casa. Enquanto trabalhava, vi um relógio
muito bonito sobre a mesa da cozinha. Não sei o que me deu,
mas peguei o relógio e coloquei no bolso. O filho mais velho
desta senhora viu esse ato e, sem que eu percebesse, chamou a
polícia. Fui preso em flagrante. Com este ato insano, trai a
confiança de uma pessoa que só queria me ajudar, expus minha
família ao ridículo e ainda fui preso. Dois anos de reclusão e
aqui estou eu. Minha mulher não deixou que eu visse mais o
meu filho. Ela encontrou um outro homem e meu filho o chama
de pai. Desde então, moro debaixo desta ponte e sua presença
perturbou meu sono. Então, vim aqui para tentar espantar você
e encontrei uma mulher frágil que queria pular da ponte. Não
faça isso, menina. Você tem uma vida inteira pela frente. Basta
agir com seu bom-senso, com seu coração. Volte para casa,
diga a seus pais todo o amor que sente por eles. Telefone para
65
Carlos Eduardo Nunes

seu namorado e diga o quanto precisa dele ao seu lado. Traba-


lhe com amor. Viva com alegria”.
Ela pediu que ele a ajudasse a descer e ela assim o fez.
“Nem todo mundo tem uma segunda chance na vida.
Acho que ainda terei. Disse ele. Já passa da meia-noite. Significa
que é um novo dia. E, a cada dia, temos uma nova oportunidade.
Eu estou recomeçando minha vida, sabe? Embora não tenha
endereço, consegui um emprego. E olha que é difícil um ex-
presidiário conseguir voltar a trabalhar. Mas eu tenho força
de vontade. Quando era adolescente, decidi que iria parar de
fumar e consegui. Minha esposa disse que se não largasse a
nicotina que nunca mais iria me dar um beijo. Imagine só, amar
uma pessoa e não poder beijá-la?”
A mulher sorriu.
“Qual sua idade?” – perguntou ele.
“Trinta anos.”
“Trinta anos é uma bela idade para uma mulher. Embora
não seja uma regra absoluta, geralmente é a idade em que a
mulher inicia as melhores fases de sua vida. Para as mulheres
voltadas para a profissão – fato cada vez mais normal hoje
em dia – elas já se encontram estabelecidas, mais tranqüilas
quanto à disputa de cargos, quanto às pressões do mercado
de trabalho. É a idade em que elas, já mais amadurecidas,
podem desenvolver na profissão o melhor de suas qualidades
e, sobretudo, não se preocupam com as comparações com o
trabalho masculino. Na vida amorosa, a mulher de trinta sabe
o que quer. Se já encontrou “o amor de sua vida”, já superou
os tempos difíceis do início da convivência a dois. Aquela que
ainda não o encontrou (o dito “amor da sua vida”), está
esperando serena, sem ter de aceitar o “primeiro aventurei-
ro” que aparece. Há ainda que se comemorar o fato “cientifi-
Prova 01
CBJE 66
TOCANDO SONHOS

camente comprovado” que a fruta madura é a que nos dá o


suco mais doce”.
“Onde aprendeu essas coisas?” – perguntou ela.
“Quando eu era um adolescente, eu lia muito. Adorava
filosofia e as questões que preocupam o homem em si. Eu até
escrevia, sabia? Me achava o máximo, mas nunca mostrei meus
textos a ninguém. Hoje em dia ainda escrevo algumas coisas...”
“O que escreve?” – perguntou ele.
“Poesias.”
“Eu vou querer ler.”
“Quem sabe um dia.”
“Agora já está tarde, melhor você ir embora. Seus pais
já devem estar preocupados”.
“Muito obrigado. – disse ela. Aprendi uma grande
lição hoje”.
“Todos os dias são assim. – disse o homem. Mas a gente
não percebe. Normalmente as pessoas estão muito ocupadas.
Tem gente que nem almoça. Além do mais, se você pulasse, ia
ter muita polícia por aqui. Na certa, eles iriam querer me
interrogar perguntando se vi ou ouvi algo, iriam me tirar deste
espaço no qual estou me acostumando. Foi bom para nós dois”.
Ela sorriu. Sabia que não era por causa da polícia. Por
trás daquele homem com aparência lastimável, estava uma
pessoa de bom coração.
“Vá com Deus”. – disse ele caminhando enquanto ela
entrava no carro.
Ela deu partida e seguiu em frente, bastante devagar.
Pelo retrovisor, acompanhava os passos do homem que
caminhava de costas para ela, indo em outra direção. Não sabia
se era um anjo, ou se anjos existiam, mas foi algo extrema-
mente importante aquele encontro.

67
Carlos Eduardo Nunes

Dias depois ela voltou até a ponte com seu namorado,


mas debaixo dela não havia nenhum sinal de que alguém po-
deria estar “morando” por lá. Seu namorado não acreditou
no que ela havia dito. No fundo de seu coração, ela rezou por
ele, pedindo que Deus – ou alguém neste mundo – lhe desse
uma segunda oportunidade na vida.

11/08/2004

Prova 01
CBJE 68
TOCANDO SONHOS

13
A BICICLETA

Peguei a bicicleta e segui em frente sem olhar para trás.


Pedalava lentamente observando as coisas ao redor e
cumprimentando uma ou outra pessoa conhecida. Lembrei
de um instante importante de minha vida onde percebi que
estava realmente vivo. E a cada pensamento, pedalava com
mais força.
Muita coisa se passou, apesar de minha pouca idade.
Não sei dizer ao certo quantas coisas vi e senti, mas posso
garantir que não foram poucas. Lembrei daquele amor que
terminou de forma inesperada e que deixou muitas saudades.
Lembrei de sorrisos, de amigos, do frio que senti quando a
chuva fina caía sobre meu corpo certa noite em que cheguei
em casa cansado.
Agora pedalava mais rápido. Passei por um cruzamento
sem nem mesmo parar ou olhar para os lados. Pela primeira
vez em minha vida, agi por um impulso estranho e
incontrolável. Pela primeira vez, não media meus atos e suas
conseqüências.
E pedalava. E pedalava cada vez mais, e cada vez mais
rápido.
Minha bicicleta era velha, tal qual as pessoas em minha
rua. E neste momento, nada mais importava, pois eu queria
correr os riscos, ultrapassar limites interiores, limites estes,
impostos por eu mesmo. Poderia chamar estes limites de
medo, ou qualquer coisa assim, mas apenas desta vez, queria
fazer o que nunca fiz.

69
Carlos Eduardo Nunes

E, naquele momento, minha vida estava nos pés que


pedalavam como nunca, como se precisassem chegar rápido
em algum lugar, lembrando a correria das pessoas nos grandes
centros seguindo atrasadas para seus trabalhos. E tudo o que
eu queria, era sentir o vento contra o rosto, cada vez soprando
mais forte, e meu corpo e a bicicleta cortando o ar numa
velocidade incrível.
E passei por mais um cruzamento, e outro, e outro.
Por sorte, nenhum carro me atingiu.
Voltei à minha rua. Vi as mesmas pessoas fazendo as
mesmas coisas de sempre. Pensei na loucura que acabara de
cometer. Mas estranhamente, me sentia feliz; me sentia vivo.
Sei que fui inconseqüente, mas talvez tenha sido a primeira
vez que deixo as coisas fugirem do controle. Sei que ao entrar
em casa, volto ao conforto do lar e tenho pessoas que me
esperam. Guardarei minha bicicleta com muito mais cuidado
hoje. Talvez nem mesmo a empreste para mais ninguém.
Não sei que velocidade atingi, mas meu coração está a
mil por hora.

OUTUBRO/2003

Prova 01
CBJE 70
TOCANDO SONHOS

14
UM CONTO DE NATAL

O ano já se encaminhava para o seu final e a família de


Daniel resolveu passar os últimos dias de Dezembro na casa de
praia do avô. Há tempos ele já os convidara, mas Daniel estava
sempre muito ocupado com seu trabalho, a ponto de nunca
tirar férias. A correria do dia-a-dia havia consumido o homem
que um dia também fora criança e adorava esta época do ano.
Daniel é um homem de aproximadamente quarenta
anos, alto executivo de uma empresa multinacional no ramo
de bebidas. Sua esposa chamava-se Sofia, tem agora trinta e
seis anos, e após cursar a faculdade de Sociologia e se casar,
dedicara todo o seu tempo às tarefas de casa. Os dois formavam
um casal aparentemente feliz, e deste relacionamento nasceram
Gabriel, agora com dez anos e Marília, com oito.
Há tempos não visitavam o avô, mas neste ano, todos
da família se reuniram, pois no dia vinte e sete de Dezembro
ele completaria oitenta anos. Desta forma era uma boa
oportunidade de ter uns dias de férias e, ao mesmo tempo,
estar em família. E este prometia ser um dos melhores natais
daquela família, pois há tempos não tinham mais nenhum tipo
de confraternização. Como as três gerações ali se encontravam
– avô, filhos e netos – não coube todo mundo nas acomodações
da casa, mas eles foram prevenidos com colchonetes e uma
rede que armaram na varanda.
O dia 24 de Dezembro, véspera do Natal, amanheceu
realmente muito bonito. Todos da família acordaram cedo
para aproveitar o milagre de mais um dia. Havia muito mais
do que apenas sol naquele ambiente: havia sentimentos que,
71
Carlos Eduardo Nunes

nesta época do ano, aflora nas pessoas, aquilo que chamam de


espírito do Natal que, na verdade, é o símbolo maior do Amor
de Deus por nós. Amor que neste dia seria demonstrado por
várias pessoas.
Bastava atravessar a rua que já estavam na praia.
Quando a criançada chegou na areia, corriam um atrás do
outro, brincando de tentar molhar ou jogar areia. Os rapazes
traziam bola de futebol e as meninas suas cadeiras de praia e
bronzeadores para dourarem sua pele.
Os irmãos mais velhos conversavam sobre as coisas
da vida, relembrando de acontecimentos de um tempo que
não volta mais. O avô exibia com orgulho o chapéu de palha
que guardava há tempos.
De repente, Sofia percebeu que em direção deles vinha
uma senhora, com roupa esfarrapada e suja. Percebeu também
que ela de vez em quando se abaixava e colocava algo em uma
bolsa plástica. Como essa senhora foi se aproximando das
crianças, os pais se assustaram.
“Crianças, venham para cá!” – chamou Sofia.
Mas as crianças com suas brincadeiras nem escutaram
a mãe. E aquela senhora chegava cada vez mais perto das
crianças. Volta e meia ela se abaixava com rapidez, ajuntava
algo e enfiava na bolsa. Daniel percebeu a aflição da esposa e
se levantou.
“Crianças, venham para cá!” – gritou Daniel.
Outra vez as crianças não escutaram. Quando a senhora
já estava muito perto das crianças os pais correram em direção
a elas. Olharam para o rosto da senhora. Estava todo
enrugado. Tinha um olhar cansado e assustado. E foi aí que
eles perceberam que quando ela se abaixava, recolhia pedaços
de vidro do meio da areia e os colocava em sua bolsa, para
que as01
Prova crianças não cortassem os pés.
CBJE 72
TOCANDO SONHOS

Sentiram vergonha. Num dia como aquele, em que


todos celebravam o nascimento de Jesus Cristo, eles haviam
deixado que o medo e outros sentimentos tomassem conta
daquela situação. Sentiram necessidade de fazer por aquela
velha senhora o mesmo que ela havia feito por seus filhos.
Na noite de Natal, junto com toda família, lá estava
aquela velha senhora. Deram-lhe roupas novas e deixaram que
ela tomasse um bom banho. Ganhou também um frasco de
perfume com uma fragrância suave.
À meia-noite, todos estavam reunidos de mãos dadas
em volta da mesa onde estava a Ceia. Em sua oração o avô
agradecia a Deus por mais um ano de vida. Outros familiares
também fizeram suas orações agradecendo pela oportunidade
de estarem novamente reunidos.
Tomando a palavra, foi nesse momento que a velha
senhora agradeceu a Deus e a toda a família porque, segundo
ela, na noite anterior, havia sonhado com dois pequenos anjos
correndo ao seu redor. Logo em seguida, dois anjos maiores
se aproximavam dela, a pegavam pelas mãos e a levavam para
uma grande confraternização. Ela disse que não acreditava mais
em sonhos, que já não acreditava no espírito do Natal, porque
estava sempre sozinha e nada nunca acontecia de diferente.
Até aquele dia.
Acostumada com o frio e o relento, acostumada a não
ter momentos como aquele, ela chorou. E foi difícil para as
outras pessoas também conterem suas lágrimas.
Aquele era o verdadeiro espírito do Natal: mensagens
de Paz, de esperança e atos de Amor.

DEZEMBRO / 2005

73
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 74
TOCANDO SONHOS

15
OS DOIS CAMINHOS

Seguia caminhando pela estrada da vida. Em dado


momento essa estrada se transforma em outras duas e, para
chegar ao meu objetivo, eu deveria tomar uma decisão.
Na estrada da esquerda havia uma placa com letras bem
grandes com a inscrição “ATALHO”. Na da direita estava
escrito “CAMINHO MAIS LONGO”.
Na estrada do “ATALHO” o asfalto estava bastante gasto,
o que me demonstrava que a maioria das pessoas quando
chegavam àquela altura, passavam por ali. Na estrada do
“CAMINHO MAIS LONGO” havia algumas marcas de pés que
iam e vinham; na certa, eram pessoas que desistiam e voltavam.
Ponderei. Talvez fosse melhor eu voltar atrás. Eu
poderia até mesmo ficar ali para sempre, se quisesse, apenas
observando duas estradas que se estendiam até o meu objetivo.
Pelo menos eu era livre para escolher.
Na mesma placa onde estava escrito “ATALHO”,
pequenas letras quase imperceptíveis aos olhos mais desatentos,
dizia que a vida seria fácil, com alguns encantamentos, poucas
dificuldades e uma paz parecida com aquela que sentimos
numa tarde de domingo.
Na placa onde estava escrito “CAMINHO MAIS
LONGO”, as letras eram ainda menores, e estava escrito que a
vida seria difícil, que eu teria desilusões, que iria sofrer por amor,
que teria que lutar muito para conseguir as coisas que queria.
Então eu escolhi justamente um caminho que ainda não
existia e caminhei pelo meio do mato, atravessei rios e lagos,
devorei frutas colhidas diretamente das árvores, às margens
75
Carlos Eduardo Nunes

de tudo o que diziam que era certo. Arranhei meu corpo em


espinhos, senti medo do desconhecido e vontade de voltar, mas
o que eu buscava valia a pena qualquer esforço. E eu sabia disso.
Eu tinha um sonho. Era essa realização que me
impulsionava.
Escolhi o meu próprio caminho e me tornei um homem
incrível.

JULHO / 2007

Prova 01
CBJE 76
TOCANDO SONHOS

16
NUNCA É TARDE

Ela olhava para o céu e insistia em falar apenas da


escuridão. Eu fazia questão de ressaltar o brilho das estrelas.
Quando observava uma flor ela sempre se lembrava
dos espinhos que um dia lhe feriram. Eu tentava lhe mostrar
que o importante era a beleza que se via naquele momento e o
perfume que se sentia.
Sempre que algo dava errado e chorava, ela se lembrava
de todas as outras situações em que havia sofrido e chegava à
beira do desespero. Eu tentava lhe dizer que tudo era um
aprendizado e que cada ferida deveria servir como uma lição.
Mas ela não queria ouvir. E foi assim, que um dia ela
me deixou, dizendo que eu enxergava coisas que não existiam
e que essa minha mania de escrever poesias fazia de mim um
louco por metáforas que só sobreviviam na minha imaginação.
Ontem eu lhe fiz uma visita. Quanto tempo se passou
desde nosso último e fatídico encontro? Não me lembro. Levei
para ela uma estrela cadente, uma rosa e um poema.
Ela ficou radiante com o brilho da estrela. Admirou
como nunca o perfume que a rosa exalava e leu com atenção o
poema. E derramou lágrimas de emoção.
Mas antes de eu sair ela me disse: “Em sua loucura você
estava certo. Mas só agora compreendo. É tarde demais, não é?”
Foi necessário tudo isso para que ela abrisse seu coração.
E assim eu aprendi uma lição que passo agora para vocês:
“Nunca é tarde para admirar o belo!”
E com um singelo gesto, eu lhe estendi a mão.
AGOSTO / 2007
77
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 78
TOCANDO SONHOS

17
ENTENDIMENTOS

Talvez você jamais entenda esse meu romantismo, e essa


minha forma de cuidar e ser cuidado. Talvez jamais entenda
meus objetivos, e esse meu jeito de querer conquistar algo
difícil de ser conquistado.
Talvez jamais entenda meus planos e essa minha mania
de sempre planejar o próximo passo. Talvez jamais entenda o
meu jeito, os meus pensamentos e a minha nostalgia.
Talvez jamais entenda meu toque e essa minha maneira
de querer fazer amor por completo. Talvez você jamais entenda
a minha entrega e continue a se esquivar de novas emoções.
Talvez jamais entenda o valor de um beijo e o que se
deve sentir ao ser beijado. Talvez jamais entenda o que há num
abraço, e o que deve falar um abraço apertado.
Talvez jamais entenda que no carinho que te faço reside
a vontade de ser acariciado. Talvez jamais entenda que ao dizer
“eu te amo” esteja o desejo incondicional de ser amado.
Talvez jamais entenda que na minha alegria reside a
felicidade de te ver sorridente. Talvez jamais entenda que o
meu contentamento é te ver plenamente contente.
Talvez pense que tudo o que faço é besteira, que o que
digo é perda de tempo, e que estas coisas não são importantes.
Mas talvez, quem sabe um dia, perceba tudo isso que lhe digo
e compreenda que a vida é curta demais para pequenas brigas,
manhãs nubladas, tardes sem alegria ou noites mornas.
Mas saiba que estarei torcendo para que quando este
dia chegar, quando você enfim compreender tudo isto, que
ainda estejamos olhando para o mesmo horizonte e que você
79
Carlos Eduardo Nunes

possa entender que, na vida, tudo pode acontecer, mas que a


felicidade sempre está não do seu lado, mas dentro de você.

Prova 01
CBJE 80
TOCANDO SONHOS

18
O RELÓGIO E O AMOR

Ele antes ficava apenas nas paredes. Em seguida o


colocaram no bolso. Depois passou para os pulsos, sendo
assim inventado por um sonhador que queria controlar o
tempo de seus vôos. Com o advento da tecnologia, passou a
fazer parte do celular. Sim, o relógio faz parte de nossas vidas.
Todos sabem que ele serve para contar o tempo.
E todas as pessoas também passaram a contar o tempo
olhando para o relógio. Entre tanto trabalho nesta vida dura,
o tempo parece voar ou mesmo escorrer de nossas mãos.
Muitos já chegaram até a desejar que um dia tivesse mais do
que vinte e quatro horas.
Tempo. É o motor de nossas vidas, de nossos dias cada
vez mais velozes, o contador de nossas horas, o regulador de
nossos momentos. É o relógio de novo girando sem parar,
incessantemente, contando novas horas, minutos e segundos
que jamais voltarão.
Mas cabe aqui uma pergunta: que conta ingrata é essa
em que as horas passam tão devagar quando estamos distantes
e tão rápidas quando estamos próximos? O que será que os
relógios têm contra as pessoas que amam?
Mas como não há resposta correta para esta questão,
resta-nos fazer do pouco tempo em que estamos juntos um
tempo diferente, onde cada momento seja único e especial.
Para muita gente isso pode parecer apenas palavras, mas as
pessoas que amam, essas sim compreendem o que digo.

81
Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 82
TOCANDO SONHOS

19
FILOSOFIA À BEIRA-MAR

Há neste mundo uma meia dúzia de pessoas que te


amam. São elas que realmente se importam com você. Na
maioria das vezes essas pessoas são de sua família, ou um
grande amigo de infância, ou o seu companheiro.
O resto do mundo não tem o mínimo interesse em saber
como você se sente. E se você não disser a eles, eles também
não perguntarão, porque estão ocupados demais.
Estamos sempre muito ocupados para darmos aquele
telefonema. Estamos sempre muito ocupados para ouvirmos
o que o outro tem a nos dizer. Ou ouvimos, mas não escutamos.
Estamos sempre muito ocupados para estender a mão
a quem precisa. Estamos sempre ocupados com o trabalho
que nos consome.
E a gente não se preocupa com o outro, porque ele
está bem, com toda certeza; porque ele sabe o quanto eu gosto
dele. Mas nunca dizemos isso. Neste nosso mundo, dizer “eu
te amo” parece loucura, e até quem ouve não mais acredita.
Aprendemos desde cedo que falar de amor é fraqueza. Desde
cedo aprendemos que as meninas são frágeis e que os meninos
não podem chorar. E crescemos nos escondendo atrás de
palavras duras e gestos incompreensíveis.
Guardamos para nós todos os nossos sentimentos,
reprimindo-os, e não deixando que nos conheçam
verdadeiramente, porque não queremos revelar a ninguém
nossos defeitos.
E assim, vestimos máscaras. E para cada situação somos
uma pessoa diferente.
83
Carlos Eduardo Nunes

Temos medo que os outros um dia usem nossos defei-


tos contra nós. Temos medo de amar porque isso um dia já
nos causou decepção, dor e sofrimentos. Assim, não nos re-
velamos ao outro e guardamos escondidos a sete chaves o
que há de melhor em nós.
Passamos, assim, a ver o mundo com olhos menos
românticos e esperançosos. Confundimos isso com o fato de
estarmos amadurecendo, deixando de sermos crianças. Mas
com a falta de esperança e sonhos, assumimos uma postura
pessimista diante da vida.
E ficamos nos lembrando de como éramos puros e
felizes. Sim, e colocamos a culpa no outro, colocamos a culpa
no mundo, mas não admitimos que fomos nós quem
provocamos tudo isso, ao fazermos nossas próprias escolhas.
Devemos ter consciência de que cada momento que
passamos nos trouxe até aqui. E devemos celebrar.
Abrimos e fechamos portas na vida. Por elas entram e saem
pessoas importantes. Mas cada um deixa alguma coisa. Todos
deixam marcas, algumas superficiais, outras profundas demais.
O que temos que fazer, então?
Proponho uma reformulação no seu modo de agir e
pensar. O pensamento possui uma força incrível. Não deixe
para amanhã as coisas importantes que deveriam ser ditas hoje.
Não tolere que sejam indiferentes com seus sentimentos;
não seja indiferente com os sentimentos alheios.
Para cada pergunta, tente dar uma resposta, mesmo
que seja “eu não sei”.
Escreva cartas de amor. Todas elas são ridículas. Mas é
uma forma de dizer o que pensa e entregar à pessoa amada.
No futuro, ela sempre se lembrará de você, mesmo que estejam
distantes. Ela será para quem recebe a lembrança de que um
dia foi01amada incondicionalmente.
Prova
CBJE 84
TOCANDO SONHOS

Para cada ato de bondade que receber, tente fazer outros


três. Mas você pode fazer, mesmo sem ter recebido porque,
com toda certeza, isso fará bem ao seu coração.
Ame intensamente. Mas se este amor não for
correspondido, seja breve em esquecer. E esquecendo, não
guarde mágoas, porque elas não fazem bem algum.
Tenha esperança. Confie em si mesmo. Confie no ser
humano ao seu lado. Por mais que eles pareçam brutos, sempre
precisam de carinho e atenção.
Não espere que seja um homem ou uma mulher que
lhe trará a felicidade. Ela está dentro de você. Eles até podem
lhe mostrar o caminho, mas percorrê-lo, depende de você.
Dedique alguns minutos de seu dia para fazer algo que
realmente gosta.
Escreva um poema, pinte um quadro, toque um
instrumento, dance sozinho em seu quarto aquela música que
você tanto gosta. Se não tiver nenhuma música tocando, tente
imaginá-la.
Use mais a sua intuição.
Imagine.
Sonhe.
Defenda a liberdade com toda a força que possuir e
não tolere as pessoas que pensam que nascemos apenas para
trabalhar. A vida possui grandes maravilhas e não vivê-las terá
sido um grande desperdício.
Leia e releia este texto várias vezes. Mas não pense que
ele lhe trará as respostas que precisa. Elas se encontram em
algum lugar em seu coração. Basta que você preste um pouco
mais de atenção para perceber que você conhece a solução de
todos os problemas.
E se um dia você conseguir encontrar o caminho para
ser uma pessoa melhor, peço que me procure, me telefone,
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Carlos Eduardo Nunes

me envie um e-mail ou bata à minha porta, e me diga como


fazer, porque tanto eu quanto você (e todas as pessoas neste
mundo) estamos precisando.

Manhã de 24/06/2007
praia do Recreio dos Bandeirantes

Prova 01
CBJE 86
TOCANDO SONHOS

OBRAS PUBLICADAS

√ Palavras ao Vento (2003)


√O pássaro que aprendeu a voar (2008)

OBRAS DO AUTOR
AINDA NÃO PUBLICADAS

√ Tempo de Rasgar, tempo de costurar (Teatro)


√ Uma comédia em família (Teatro)
√ O retorno a Leon (Romance)
√ Jardins de Pedras (Romance)
√ O Valor da Vida (Romance)
√ A Vida e a Obra de Afonso Arinos de Melo Franco
(Ensaio)

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Carlos Eduardo Nunes

Prova 01
CBJE 88
TOCANDO SONHOS

SOBRE O AUTOR

CARLOS EDUARDO NUNES nasceu na cidade do


Rio de Janeiro no ano de 1980. É formado em Engenharia
Civil e em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Funda-
ção Técnico Educacional Souza Marques.
Começou a escrever poesias por volta dos 16 anos. Em
seguida, passou a escrever contos com início, meio e fim, sendo
este o primeiro passo para iniciar a escrever histórias maiores.
Participou da 2ª e 7ª Antologia de Poetas Brasileiros
Contemporâneos da CBJE (Câmara Brasileira de Jovens
Escritores), com os poemas “O Fim do Mundo” e “Um tempo
que não volta”, publicados, respectivamente, em setembro de
2003 e maio de 2004.
Em Outubro de 2003 lançou, pela Editora CBJE, o livro
“Palavras ao Vento”, com poesias e contos de sua autoria.
Em Dezembro de 2005, obteve “Menção Honrosa” no
Concurso Literário de Contos do Elos Clube de Santos com
o texto “Um conto de Natal” publicado neste livro.
Em Maio de 2008 lançou, novamente pela Editora
CBJE, o livro “O pássaro que aprendeu a voar”, texto
infanto-juvenil baseado num conto de sua própria autoria.

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Livro produzido pela
Câmara Brasileira de Jovens Escritores
Rio de Janeiro - RJ - Brasil
http://www.camarabrasileira.com
E-mail: cbje@globo.com

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