por
Mundicarmo M. R. Ferretti
por
Mundicarmo M. R. Ferretti
Introdução
1[1]
Baseado em comunicação apresentada no VII Encontro de Ciências Sociais do Norte-
Nordeste, João Pessoa-PB (Brasil) 05/1995.
Norte do Brasil -, o caboclo, embora tenha, geralmente, alguma
ligação com o índio, pode ter uma origem não indígena (pode ser
turco, francês ou ter outra nacionalidade). Não obstante, todos os
caboclos são considerados brasileiros, pois, "nasceram" no Brasil
enquanto entidade espiritual, isto é, começaram a ser recebidos
em transe mediúnico nos terreiros brasileiros (FERRETTI, M.
2000).
Os caboclos são muito antigos na religião afro-brasileira e
surgiram em terreiros nagô e bantu (angola, congo e cambinda).
Mas, enquanto sua expansão foi pequena nos nagô, seu
crescimento foi tão grande em terreiros bantu que, alguns deles
passaram a ser conhecidos como casas de caboclo ou deram
origem a candomblés de caboclo - chefiados, espiritualmente, por
entidade cabocla, onde a identidade africana (angola, nagô) foi
progressivamente substituída pela brasileira (LANDES, 1967).
A incidência maior de caboclos em terreiros bantus, ou deles
derivados, tem sido interpretada como decorrente de terem
entrado no país, como escravos, antes dos jejes e nagôs
(CASTRO, 1980:138). Afirma-se também que, tendo chegado
primeiro, afastaram-se mais de suas tradições culturais do que
aqueles e que, como ainda encontraram o território brasileiro
habitado por muitos índios, tiveram maior contato com eles e
absorveram mais elementos de sua cultura. Contudo, não se
procura examinar em que medida aquelas entidades espirituais
podem ser encaradas como divindades ou ancestrais indígenas.
Em outras palavras, deixa-se de examinar em que medida sua
presença nos terreiros pode ser interpretada como influência da
religião indígena ou do culto aos ancestrais praticado, no passado,
por populações indígenas (como se fala na literatura afro-
brasileira). O fato de alguns caboclos recebidos nos terreiros afro-
brasileiros serem conhecidos por nomes indígenas, como Tabajara
e Tupã, não deve ser visto como prova de que ali são cultuados
ancestrais e divindades indígenas. Afirma-se no Tambor de Mina
que o turco Tabajara, nasceu em Damasco e recebeu esse nome
no Brasil, ao entrar na aldeia de Caboclo Velho (o índio
Sapequara).
A presença maior de caboclos nos terreiros bantu foi
também interpretada, de forma preconceituosa, nos estudos afro-
brasileiros, como conseqüência de sua "pobreza religiosa" e
tendência ao sincretismo. Comparados aos nagô, os bantu são
apresentados como tendo uma mitologia pobre, pouco consistente
(CARNEIRO, 1937:28), e uma religião mais voltada ao culto de
ancestrais (LANDES, 1967:289).
Embora se considere o caboclo como o "dono da terra
brasileira" e se afirme que os africanos costumavam adotar
divindades de outros povos, quando os dominavam politicamente
ou se instalam em seus territórios, a presença de caboclos na
religião afro-brasileira tem sido vista por pesquisadores e
"devotos" como deturpação e perda de autenticidade da religião
africana. Por essa razão, sua presença em terreiros "de nação" -
vistos como preservadores de tradições religiosas africanas - foi
negada por Roger BASTIDE (1974) até o final de sua vida, embora
Edison CARNEIRO (1969:62), há muito, tenha afirmado que viu se
cantar e dançar para caboclo em terreiros tradicionais da Bahia,
como Engenho Velho e Gantois. Uma das dificuldades para a
aceitação do caboclo em terreiros "de fundamento" africano é que,
alem de "brasileiros", eles são vistos como espíritos de mortos
(eguns) e não como divindades associadas a forças da natureza
(como os orixás) e que, na tradição religiosa afro-brasileira, o
culto aos orixás é separado do culto aos eguns. Para justificar essa
separação, muitos pais-de-santo afirmam: "orixá não gosta de
morto".
A idéia de que a presença de entidades espirituais não
africanas na religião afro-brasileira decorre do contato do negro
africano e/ou de seus descendentes com a cultura indígena (dos
nativos - primeiros "donos da terra" brasileira), encontrada no
discurso de muitos pesquisadores e praticantes, é reforçada pela
observação de rituais onde há transe com essas entidades. Em
muitas manifestações religiosas afro-brasileiras (como Candomblé
de Caboclo e Umbanda) os médiuns incorporados com caboclos
costumam usar peças de indumentária indígena ou nela inspiradas
(como tanga e cocar confeccionados com penas de aves), e muitas
daquelas entidades espirituais são conhecidas por nomes
indígenas.
Embora não se possa afirmar que o caboclo da religião afro-
brasileira tenha vindo da África, tal como os orixás, voduns e
inkissis, e não se queira negar o impacto causado na religião afro-
brasileira da absorção da cultura indígena pelo africano e da
valorização do índio, enquanto herói e símbolo nacional brasileiros,
quando o Brasil se libertou do domínio português, pesquisas por
nós realizadas no Tambor de Mina têm demonstrado a ineficácia
da idéia de sincretismo afro-ameríndio (entre cultura africana e
indígena) na compreensão das entidades caboclas. Essas
pesquisas têm também chamado atenção para a necessidade de
elaboração de um conceito de caboclo menos influenciado pelo
ideal de pureza africana, que tem levado muitos a encarar os
elementos não africanos daquela religião como "contaminação"
pela cultura indígena (dos primeiros habitantes da terra
brasileira).
Não pretendemos fazer aqui uma discussão aprofundada do
termo sincretismo ou uma análise da influência da cultura indígena
na religião afro-brasileira2[2]. Pretendemos discutir neste trabalho
se a existência de entidades espirituais caboclas na religião afro-
brasileira pode ser encarada sempre como sincretismo afro-
ameríndio - como influência da cultura indígena na religião de
origem africana. Tomamos aqui como referência o caso dos turcos
do Tambor de Mina, apoiando nossas analises em dados
etnográficos, nos depoimentos de Pai Euclides (no comando do
Terreiro da Turquia desde 1972), de grandes conhecedores e
2[2]
Tratamos desta questão em trabalho apresentado em São Luís, 07/1995, na Reunião
Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência - SBPC (FERRETTI,M.
1995:62-67) e em comunicação apresentada na XX Reunião da Associação Brasileira de
Antropologia - ABA, Salvador-BA, abr. 1996 (FERRETTI,M. 1997:47-57).
seguidores da religião afro-brasileira no Maranhão, e no trabalho
de outros pesquisadores3[3].
No período 1984-1992 desenvolvemos em São Luís (MA) um
programa de pesquisa sobre o caboclo na Casa Fanti-Ashanti -
terreiro aberto por Pai Euclides em 1958 que se apresenta como:
preservador de uma das raízes da Mina, introdutor do Candomblé
no Maranhão e continuador de tradições culturais indígenas.
Naquela pesquisa procuramos suprir a carência de informações
sobre a mitologia do caboclo com a análise das letras de suas
músicas cantadas em rituais observados. Como os principais
caboclos daquele terreiro são turcos, centramos nossa atenção
sobre a família do Rei da Turquia. Em 1992 iniciamos uma
segunda pesquisa sobre entidades espirituais não africanas do
Tambor de Mina, procurando conhecer outras categorias e famílias
de encantados de terreiros da capital e de duas cidades do Estado
onde a população negra é também expressiva: Cururupu (no
litoral) e Codó (no interior). Os trabalhos produzidos nessas duas
pesquisas têm sido discutidos em reuniões científicas e encontros
promovidos por instituições ligadas à religião afro-brasileira.
4[4]
As mulheres ciganas que andam, geralmente, pelas ruas das cidades brasileiras, lendo a
sorte das pessoas, nas cartas do baralho ou nas linhas de suas mãos, são representadas na
religião afro-brasileira. As ciganas, embora mais conhecidas na Umbanda, são encontrada
em terreiros maranhenses, tanto em rituais ligados a Cura (a pajelança de origem indígena),
como o Baião, como ao Tambor de Mina (FERRETTI, M. 1991). No Terreiro da Turquia
eram comandadas pela princesa Floripes, irmã do Rei da Turquia - o Ferrabraz de
Alexandria, da conhecida "História do Imperador Carlos Magno e dos doze Pares de
França". Rio de Janeiro: Livraria do Império, s.d.
Cabocla Jurema e o Caboclo Velho, ou ligadas à criação de gado,
como as entidades da família de Légua-Boji-Buá - entidade que
comanda a Mata de Codó (manifestação religiosa afro-brasileira
típica do interior do Estado do Maranhão, de grande influência nos
terreiros da capital e do Norte do Brasil) - e os boiadeiros
recebidos a partir dos anos oitenta na Casa Fanti-Ashanti, quando
esta introduziu o Candomblé.
No Maranhão o termo caboclo designa também turcos (como
a Cabocla Mariana), europeus de origem nobre (como Antônio
Luiz, vulgo Corre-Beirada - filho de Dom Luís, Rei de França) e
encantados das matas (florestas), como os Surrupiras, sem
ligação com a pecuária e de origem indígena discutível. Além do
nome Surrupira lembrar Curupira (ser da mitologia tupi que
protege a mata e assusta os caçadores), em algumas casas os
Surrupiras são denominados Curupiro, ou mesmo, Curupira.
Contudo, nos terreiros de São Luís, os Surrupiras são conhecidos
como entidades da mata do "Gangá" e classificados, por Mãe
Elzita, como "Fulupa", termos que parecem remeter à África - aos
Felupe (povo da Guiné Bissau, de quem fala SILVA/1983) e a uma
"nação" africana muito conhecida em Cuba - Gangá (GUANCHE,
1983).
5[5]
Ouvimos falar, pela primeira vez, em Carlos Magno e os doze Pares de França, na Casa
Fanti-Ashanti. Pai Euclides, em transe com caboclo, nos disse: "não estou aqui para falar da
minha história, não quero e nem posso... se você quer saber, a dos turcos, veja a história de
Carlos Magno e doze Pares de França". Consultamos, inutilmente, livros de História mas
um dia, lento um texto de um folclorista encontramos, como personagem da Chegança,
Ferrabrás, Floripes e seu pai, o Almirante Balão, de quem ouvira falar no terreiro. Vimos
depois a obra citada por Beatriz DANTAS (1976), que nos forneceu uma copia xerox.
Confrontamos a narrativa literária com a do terreiro (FERRETTI,M. 1992,) mas, só
comprovamos a existência do livro no Terreiro da Turquia no ano de 1969. Nossos
trabalhos despertaram grande interesse entre as pessoas mais letradas de terreiros de Mina e,
em 11/1996, vendo uma exposição de fotos antigas na Casa Fanti-Ashanti, constatamos que
a história dos turcos havia sido reelaborada a partir dos nossos trabalhos e, evidentemente,
da leitura do precioso livro, que, por sinal, desaparecera do Terreiro da Turquia, antes do
falecimento de Dona Zeca.
6[6]
A obra impressionou tanto a população brasileira que muitos pais deram aos seus filhos
nomes de alguns de seus personagens, como Roldão (cavalheiro cristão) e Floripes
(princesa turca que converteu-se ao cristianismo, como o seu irmão Ferrabrás de
Alexandria). Roldão Lima, falecido técnico da Secretaria de Cultura do Estado, explicando-
nos a origem do seu nome, informou que em Turiaçu, cidade do litoral maranhense onde
nasceu, os nomes de estabelecimentos comerciais eram também tirados daquele livro.
Adiantou-nos ainda que conheceu ali um homem que lia, diariamente, em baixo de um
poste de iluminação pública, trechos daquela obra para várias pessoas e que uma de suas
ouvintes sabia “de cor” vários deles...
7[7]
Pai Jorge, preparado na Mina no extinto Terreiro do Egito, como Pai Euclides, conta que
os turcos atravessaram o Atlântico em direção ao Brasil, depois da última cruzada dos
cristãos contra os mouros que foi comandada por Luiz IX. Dom Luiz foi para a Casa de
Nagô e Rei da Turquia para a de Manoel Teus Santos e depois para o Terreiro da Turquia,
onde nem todos adotaram o cristianismo.
Os turcos do Tambor de Mina são caboclos mas não são
índios aculturados ("civilizados"), descendentes de índios, e, muito
menos, ancestrais ou seres da mitologia indígena, como se
pensava que fossem todos os caboclos (BASTIDE, 1974:19-28). O
Terreiro da Turquia não foi fundado por curador ou pajé (chefe de
culto afro-ameríndio, sem “fundamento” na religião afro-brasileira)
. Foi aberto por uma descendente de africanos, iniciada na religião
afro-brasileira que, sendo amiga particular da conhecida Mãe
Andreza, chegou a morar na Casa das Minas-Jeje (dahomeana).
A idéia da origem indígena (generalizada) das entidades não
africanas ou classificadas como caboclo, tão recorrente na obra de
pesquisadores e no discurso de pais-de-santo, tem sido, às vezes,
reforçada pela interpretação apressada de elementos de rituais
observados, onde elas são recebidas em transe mediúnico e onde
podem aparecer com nomes e, ás vezes até, com trajes indígenas.
Um exame mais aprofundado do perfil daquelas entidades, uma
análise das letras de músicas cantadas por elas ou para elas, e
uma leitura atenta de relatos míticos recolhidos naqueles terreiros,
podem levar o pesquisador a encara-las de modo bastante
diferente.
Na Mina maranhense o nome das entidades espirituais e o
uso por elas, nos rituais, de peças de indumentária indígena, não
são suficientes para atestar sua origem ameríndia, embora falem
da valorização do índio no Tambor de Mina e sugiram alguma
conexão com ele. Assim, a explicação da adoção de nomes
indígenas por turcos não deve ser buscada em sua origem étnica
ou em um possível empréstimo cultural indígena, e sim, no
contexto histórico em que surgiram no Tambor de Mina enquanto
entidades espirituais. A atribuição de nomes indígenas a vários
filhos do Rei da Turquia pode ser interpretada:
8[8]
Segundo Pai Euclides, os turcos eram recebidos na Casa de Nagô, como encantados
"taipa", mas não podiam se manifestar de modo diferente dos das entidades africanas. Na
sua casa podem ser alegres e barulhentos, podem emitir "brados", dançar dando rodadas e,
fora do barracão, tomar bebida alcoólica.
observada em outros países da América do Sul (BASTIDE, 1974).
Pode ser também explicada pela abertura do Terreiro da Turquia,
um ano após a abolição da escravatura no Brasil (1889), quando é
possível que os ex-escravos e seus descendentes tenham sido
mais motivados a se afirmarem como brasileiros do que como
africanos. A identidade brasileira da família do Rei da Turquia
aparece nas cores escolhidas para simboliza-los no Tambor de
Mina: 1) o vermelho (que, há muito, representava os turcos nas
danças mouriscas e que, certamente, tem a ver com o seu caráter
belicoso), e que era também associado a índios americanos
("peles vermelhas"); 2) o verde e o amarelo (cores que
representam o Brasil, desde que deixou de ser colônia
portuguesa).
A associação dos turcos à nação brasileira e ao índio (nativo)
aparece também no discurso de Pai Euclides quando trata do mito
de Tabajara - herói da guerra contra o Paraguai (1865-1870), da
qual participaram muitos negros na esperança de obterem alforria.
Casado com a índia Bartira que, encontrando-o no campo de
batalha, cuidou de seus ferimentos, o turco Tabajara tornou-se
chefe de muitas aldeias indígenas e contribuiu para sua pacificação
e civilização9[9].
Ao serem apresentados na Mina como encantados da "nação
taipa" (africana) associados a Caboclo Velho (índio), os turcos
foram vinculados tanto à África quanto ao Brasil, desviando as
atenções de sua origem pagã e permitindo ao Terreiro da Turquia
a conquista de um espaço no meio religioso afro-maranhense,
dominado pela Casa das Minas-Jeje (consagrada a Zomadonu) e
pela Casa de Nagô (consagrada a Xangô) . Como naqueles
terreiros abertos por africanos os turcos não eram "donos da casa"
e nem "donos da terra" (nativos do Brasil), só puderam se
expandir na Mina após a abertura de um terreiro para eles.
Mas, no Tambor de Mina do Maranhão existem outros
caboclos que podem ser mais associados do que os turcos à
cultura indígena, como os Surrupiras do Gangá, menos aceitos do
que eles nos terreiros antigos da capital, mas também muito
conhecidos nos terreiros de Mina. O nome Surrupira do Gangá fala
também de sua vinculação à África (Gangá) e à cultura indígena.
O Surrupira é, ou tem a ver, com o Curupira do folclore de origem
indígena - negrinho da floresta, sem origem humana, que tem os
pés voltados para trás, que protege a mata e a caça, e que é
temido pelos povos da floresta (CASCUDO, 1962: 262). O
Surrupira do Tambor de Mina, tal como o Curupira do folclore
brasileiro, apresenta características da entidade espiritual indígena
da floresta, de mesmo nome, temido pelos índios, de quem falou
no século XVI o Padre José de Anchieta, em suas cartas (LEITE,
1954): perigoso e temido, responsável por rumores inexplicáveis,
pavores súbitos, morte, desaparecimento, e perda de caminho por
caçadores na floresta.
9[9]
História semelhante à de personagens do Brasil-Colônia como João Ramalho, que
desposou uma índia do mesmo nome, e como Diogo Álvares, o Caramuru, que chefiou
muitas aldeias de índios pacificados (FERRETTI, M. 2000:272).
Conclusão
Bibliografia Citada
.............................................
Uma versão revista e atualizada foi publicada em:
FERRETTI, Mundicarmo M.R. The presence of non-african spirits in
an afro-brazilian syncretism? In: GREENFIELD, Sidney M. e
DROOGERS, André. Reinventing religions: syncretism and
transformation in Africa and the Americas. Rowman & Littlefield,
2001, ps.99-111.
1[1]
Baseado em comunicação apresentada no VII Encontro de Ciências Sociais do Norte-
Nordeste, João Pessoa-PB (Brasil) 05/1995.
10[2]
Tratamos desta questão em trabalho apresentado em São Luís, 07/1995, na Reunião
Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência - SBPC (FERRETTI,M.
1995:62-67) e em comunicação apresentada na XX Reunião da Associação Brasileira de
Antropologia - ABA, Salvador-BA, abr. 1996 (FERRETTI,M. 1997:47-57).
11[3]
O Tambor de Mina, apesar de menos conhecido na literatura do que o Candomblé e a
Umbanda foi tratado extensamente por: PEREIRA (1979), COSTA EDUARDO (1948),
LEACOCK (1975), BARRETO (1977), Sergio FERRETTI (1995; 1996), Mundicarmo
FERRETTI (2000) e outros.
12[4]
As mulheres ciganas que andam, geralmente, pelas ruas das cidades brasileiras, lendo a
sorte das pessoas, nas cartas do baralho ou nas linhas de suas mãos, são representadas na
religião afro-brasileira. As ciganas, embora mais conhecidas na Umbanda, são encontrada
em terreiros maranhenses, tanto em rituais ligados a Cura (a pajelança de origem indígena),
como o Baião, como ao Tambor de Mina (FERRETTI, M. 1991). No Terreiro da Turquia
eram comandadas pela princesa Floripes, irmã do Rei da Turquia - o Ferrabraz de
Alexandria, da conhecida "História do Imperador Carlos Magno e dos doze Pares de
França". Rio de Janeiro: Livraria do Império, s.d.
13[5]
Ouvimos falar, pela primeira vez, em Carlos Magno e os doze Pares de França, na Casa
Fanti-Ashanti. Pai Euclides, em transe com caboclo, nos disse: "não estou aqui para falar da
minha história, não quero e nem posso... se você quer saber, a dos turcos, veja a história de
Carlos Magno e doze Pares de França". Consultamos, inutilmente, livros de História mas
um dia, lento um texto de um folclorista encontramos, como personagem da Chegança,
Ferrabrás, Floripes e seu pai, o Almirante Balão, de quem ouvira falar no terreiro. Vimos
depois a obra citada por Beatriz DANTAS (1976), que nos forneceu uma copia xerox.
Confrontamos a narrativa literária com a do terreiro (FERRETTI,M. 1992,) mas, só
comprovamos a existência do livro no Terreiro da Turquia no ano de 1969. Nossos
trabalhos despertaram grande interesse entre as pessoas mais letradas de terreiros de Mina e,
em 11/1996, vendo uma exposição de fotos antigas na Casa Fanti-Ashanti, constatamos que
a história dos turcos havia sido reelaborada a partir dos nossos trabalhos e, evidentemente,
da leitura do precioso livro, que, por sinal, desaparecera do Terreiro da Turquia, antes do
falecimento de Dona Zeca.
14[6]
A obra impressionou tanto a população brasileira que muitos pais deram aos seus filhos
nomes de alguns de seus personagens, como Roldão (cavalheiro cristão) e Floripes
(princesa turca que converteu-se ao cristianismo, como o seu irmão Ferrabrás de
Alexandria). Roldão Lima, falecido técnico da Secretaria de Cultura do Estado, explicando-
nos a origem do seu nome, informou que em Turiaçu, cidade do litoral maranhense onde
nasceu, os nomes de estabelecimentos comerciais eram também tirados daquele livro.
Adiantou-nos ainda que conheceu ali um homem que lia, diariamente, em baixo de um
poste de iluminação pública, trechos daquela obra para várias pessoas e que uma de suas
ouvintes sabia “de cor” vários deles...
15[7]
Pai Jorge, preparado na Mina no extinto Terreiro do Egito, como Pai Euclides, conta
que os turcos atravessaram o Atlântico em direção ao Brasil, depois da última cruzada dos
cristãos contra os mouros que foi comandada por Luiz IX. Dom Luiz foi para a Casa de
Nagô e Rei da Turquia para a de Manoel Teus Santos e depois para o Terreiro da Turquia,
onde nem todos adotaram o cristianismo.
16[8]
Segundo Pai Euclides, os turcos eram recebidos na Casa de Nagô, como encantados
"taipa", mas não podiam se manifestar de modo diferente dos das entidades africanas. Na
sua casa podem ser alegres e barulhentos, podem emitir "brados", dançar dando rodadas e,
fora do barracão, tomar bebida alcoólica.
17[9]
História semelhante à de personagens do Brasil-Colônia como João Ramalho, que
desposou uma índia do mesmo nome, e como Diogo Álvares, o Caramuru, que chefiou
muitas aldeias de índios pacificados (FERRETTI, M. 2000:272).