Resenha do livro “Os Filósofos e as Máquinas”, Paolo Rossi
1. ARTES MECÂNICAS E FILOSOFIA NO SÉCULO XVI
1. A nova avaliação técnica: Bernard Palissy, Robert Norman, Vives e
Rabelais, Vesálio, sir Humphrey Gilbert
Ao questionar acerca da aquisição de conhecimento não através
cultura livresca e da tradição filosófica mas sim da observação e experimentação, Bernard Palissy, ceramista francês, no ano de 1580, buscou a identificação da filosofia com a arte de observar a natureza. Essas duas idéias centrais seriam o embrião do pensamento de Francis Bacon: substituição do culto aos livros pelo culto a natureza; e a finalidade da coleção, não como entretenimento mas como meio de estudo. Esse primitivismo científico, que rejeita os livros em nome da natureza e das teorias em nome de um empirismo artesanal pode ser encontrado em outros autores, em diferentes visões. É o caso de Robert Norman, marinheiro inglês que lançou um livreto sobre magnetismo e a inclinação da agulha magnética, mesmo se considerando um “unlearned mathematician”. Um outro autor é Juan Luis Vives, homem de vasta e refinada cultura, onde encontramos esses mesmos conceitos, menos ingênuos mas com idêntica energia, e uma crítica a dialética, tratada como “idéia platônica e outras monstruosidades que mesmo aqueles que as inventaram não conseguem entender” (pp. 24) Outros exemplos são: Rabelais, que em 1533, propôs o estudo das obras dos artesãos entre os elementos indispensáveis a uma educação completa; Andrea Vesalio (1543), que lutava pela convergência da teoria e da observação direta na medicina; e Humphrey Gilbert, que, em 1562, insistia principalmente nos aspectos da instrução técnica que pudessem contribuir para a formação de um novo tipo de nobre, unindo a lógica e a retórica. São cinco décadas, compreendidas entre 1530 e 1580, propondo que os procedimentos dos artesãos, engenheiros e técnicos têm valor para os fins do progresso do saber. Em Palissy, Norman, Vives, Vesalio e Gilbert, encontramos uma afirmação destinada a ter ampla difusão o singular destino na era da nova ciência: alguns dos procedimentos utilizados pelos homens para produzir objetos de uso ou construir máquinas, para modificar e alterar a natureza através do trabalho das mãos, favorecem o efetivo conhecimento da realidade muito mais do que aquelas construções intelectuais ou aqueles sistemas filósoficos que acabam por impedir ou limitar a exploração ativa das coisas naturais por parte do homem. Essa polêmica avança na afirmação de um novo tipo de conhecimento. A valorização das artes mecânicas, o reconhecimento de uma “dívida” do saber científico em relação aos procedimentos da técnica, que em última análise refutava o conceito de uma ciência que nasce somente quando se prepararam as coisas necessárias à vida humana: apenas na busca e contemplação desinteressada da verdade. Defendendo a dignidade das artes mecânicas e recusando a imagem de uma natureza concebida como uma rígida hierarquia de formas, esses autores contribuíam para a destruição de uma veneranda visão de mundo.