Anda di halaman 1dari 16

Luiz Signates

Estudo sobre o conceito de


mediação e sua validade como
categoria de análise para os
estudos de Comunicação1

Resumo
O presente texto retoma estudos categorizá-lo em seus múltiplos
anteriores do autor buscando aspectos.
identificar os parâmetros conceituais O objetivo deste trabalho é, pois,
e teóricos que vêm fundamentando a dentro das possibilidades de uma
prática crescente no Brasil e na noção teórica tão complexa e, até certo
América Latina de utilização do termo ponto, obscura, contribuir para um
e da significação das mediações entendimento mais claro de sua
culturais em comunicação. história, suas possibilidades e seus
Luiz Signates é pesquisador e
professor adjunto da Faculdade de limites. Sem a ingênua pretensão de
Comunicação e Biblioteconomia da exaustividade, fundamos as
Universidade Federal de Goiás, onde considerações que o enfeixam em três
coordena o Núcleo de Pesquisas em 1. Introdução autores fundamentais, todos
Comunicação, Política e Sociedade - Apenas a abundância de citações vinculados ao campo dos estudos
NPCPS. Especialista em Políticas e usos do verbo “mediar” e dos termos culturais: Raymond Williams, Martín-
Públicas pela UFG, mestre em “mediação” e “mediador” nos textos Barbero e Orozco-Gómez2. O primei­
Comunicação pela UNB e doutor em referentes aos estudos recentes de ro, por ser a fonte comum onde foram
Ciências da Comunicação pela ECA/
recepção na América Latina já seria beber os principais autores que hoje
USP.
suficiente para demonstrar a impor­ influenciam os estudos de recepção,
tância desse conceito na reflexão pela linha da sociologia da cultura, na
contemporânea sobre essa relevante América Latina e, mais especifica­
área da pesquisa em comunicação. mente, no Brasil. E, os demais, por
Devido a esse uso continuado, seria de serem os que mais densa e copiosa-
se esperar que a palavra mediação mente têm produzido trabalhos a
(01) Texto originalmente remetesse a um significado claro, respeito.
publicado na Revista Novos consensualizado entre os diversos Em seguida, e como atualização
Olhares, Ano 1, N. 2, 2o. autores e pesquisadores, e a opera­ do que publicamos anteriormente a
dores metodológicos cujas possibili­ este respeito (Signates, 1998C),
Semestre de 1998, São Paulo:
dades e limites fossem minimamente efetuaremos uma rápida análise do que
ECA-USP, pg. 37-49; apresentado
conhecidos. Por incrível que possa parece ser a contribuição contempo­
ao GT Recepção da Com pós 1999,
parecer, não é isso o que acontece. O rânea mais efetiva para a consolidação
realizada em Belo Horizonte-MG; próprio Martín-Barbero, em sua obra do conceito de mediação no Brasil: o
e ora revisado. principal, De los medios a las trabalho, recentemente publicado, de
(02) Reconhecemos, no uso mediaciones (1987), apesar de utilizá- Lopes, Borelli e Resende (2002), que,
deste conceito pelos autores lo no próprio título, não o define embora omitindo qualquer citação à
latino-americanos, a nítida claramente, nem o historia. As nossa crítica, buscou, num esforço
presença da inspiração da visão contribuições nesse sentido são extraordinário de pesquisa, superar o
sociológica de Manuel Martin esparsas, e, entre elas, é digno de problema de base que identificamos e,
Serrano (1986), que, por razões menção o esforço de Orozco-Gómez assim, converter o conceito de
de espaço, não abordaremos em procurar não apenas definir o mediação numa categoria de análise
conceito, como avaliar suas pos­ metodologicamente viável, para os
neste trabalho.
sibilidades descritivas de forma a estudos de comunicação.
2. Esboço histórico do conceito condição de sua produção” (Lalande,
A palavra mediação, conforme idem, ibidem), e nesse sentido aparece
Lalande (1993, 656), procede do na dialética hegeliana, como todo e
adjetivo inglês mediate (embora se qualquer termo, exceto o primeiro e o
admita também vinculação com o último, que se preste a operador
francês mediat e, em seguida, indispensável a uma proposição teórica
médiation) do qual se originou o que assuma a pretensão de oferecer
substantivo mediation e seus uma descrição completa do mundo.
derivados, como intermediation. Em Na herança marxista, é Benjamin
alemão, Vermittelung, se faz presente o pioneiro a teorizar a mediação
sobretudo na filosofia de Hegel. fundamental que permite pensar a
O conceito de mediação procede relação da transformação nas
principalmente de duas vertentes condições de produção com as
filosóficas: a idealista, de origem mudanças no espaço da cultura
cristã, e a hegeliana, bem como a (transformações do sensorium dos
tradição marxista. Tais vertentes são, modos de percepção, da experiência
obviamente distintas, a primeira social). Outra preocupação, no
ligando-se sobretudo à herança entanto, animava os estudiosos do
teológica (mediação do Cristo entre marxismo, a da relação entre infra-
Deus e o mundo; mediação dos santos estrutura e superestrutura, dando
entre os pecadores e Deus) e, em origem a uma noção que antecede a de
seguida, tornando-se corrente no mediação: a noção de reflexo.
existencialismo, e a segunda, numa Segundo Raymond Williams
preocupação específica de explicar os (1979, 98), a conseqüência habitual da
vínculos dialéticos entre categorias fórmula infra-estrutura/superestrutura
separadas. Ambas as orientações, é conceber a arte e o pensamento como
contudo, às vezes se tocam, como reflexos. A arte seria, pois, reflexo do
parece ser o caso do quase insuperável mundo real ou da realidade por trás
problema do dualismo, que o conceito das aparências (natureza interior do
implica. mundo, ou formas constitutivas), ou,
O significado mais corrente de ainda, reflexo do mundo tal como é
mediação vincula-se à idéia do visto pela mente do artista. Tal noção
intermediário. Como tal é a noção pode levar ao conceito de falso reflexo
utilizada num contexto da episte- ou reflexo deformado, no qual algo
mologia behaviorista, como “elos (metafísica, ideologia) impede o
intermediários” entre o estímulo verdadeiro reflexo. Duas versões desse
inicial e a resposta, gerando “ao materialismo tornaram-se dominantes
mesmo tempo, as respostas aos no pensamento marxista: a
estímulos que os precedem e, por sua interpretação da consciência como
vez, estímulos para os elos que “reflexos, ecos, fantasmas,
seguem” (Dubois, 1997, 405). Na sublimações” e como “verdade
verdade, a apropriação filosófica do científica”, alternativa que deixou a arte
conceito não se restringe a esse relativamente negligenciada, pois
sentido, podendo, sem perder o sentido embutida numa teoria positivista, para
de intermediação, não se aplicar ao a qual a atividade artística deveria
próprio elemento intermediador, mas refletir a realidade (realismo ou
“... àquele que se liga ao primeiro (ou naturalismo) e, se não o fizesse, seria
dele deriva) por intermédio do falsa ou sem importância. Para essa
segundo” (Lalande, idem, ibidem). concepção, a realidade é a produção e
Pode, também, adquirir uma feição a reprodução da vida real, a infra-
mais processual ou ligada à idéia de estrutura, sendo a arte parte da
movimento “... entre um termo ou um “superestrutura”. Tanto naturalismo
ser do qual se parte e um termo ou um quanto realismo vinculam-se a uma
ser ao qual se chega, sendo esta ação redução da realização artística a uma
produtora do segundo, ou pelo menos doutrina estática, objetivista.
Raymond Williams (idem, 99) cita sários, em um determinado meio; como
a distinção radical entre materialismo tal, indica as relações práticas entre
mecânico (ver o mundo como objetos e formas sociais e artísticas. Em seus
excluir a atividade) e materialismo usos mais comuns, porém, refere-se a
histórico (ver o processo da vida um modo indireto de relação entre a
material como atividade humana), para experiência e sua composição”. O
afirmar que as mais simples teorias do problema subjacente é óbvio: se a
reflexo baseavam-se no materialismo realidade e o falar a realidade são
mecânico. Mas, uma visão diferente tomados como categoricamente
seria a de ver o “mundo real”, em lugar distintos, conceitos como “reflexo” e
de ser isolado como um objeto, ser um “mediação” são inevitáveis.
processo social material com certas Raymond Williams, porém,
qualidades e tendências inerentes. A abandona o conceito de mediação, por
arte seria, pois, reflexo não de objetos considerar quase insuperável o
separados e eventos superficiais, mas problema que, de forma menos
como forças e movimentos essenciais sofisticada, já existia nas chamadas
a ele subjacentes. Houve ampliações “teorias do reflexo”: uma subjacente
precipitadas desse modo de pensar: e pressuposta visão dualista do mundo,
artes progressista/reacionária; so­ em que a realidade e o falar a realidade
cialista/burguesa; não arte, mas cultura são tomados como categoricamente
de massa; etc. Foi decisiva essa teoria distintos. O problema é diferente,
da arte como reflexo não de objetos, mas porém, se se percebe a linguagem e a
de processos históricos. significação como elementos indis­
Para Raymond Williams, o erro solúveis do próprio processo social.
dessa abordagem foi não ser Entretanto, ainda assim Raymond
suficientemente materialista. Dessa Williams considera um estorvo
necessidade surgiu a idéia de descrever o processo geral de
mediação, concebida como um significação e comunicação como
processo ativo, um ato de intercessão, mediação, porquanto a metáfora “nos
reconciliação ou interpretação entre leva de volta ao conceito mesmo do
adversários ou estranhos. Na filosofia ‘intermediário’, que, na melhor das
idealista, o termo já se estabelecera hipóteses, esse sentido constitutivo e
como conciliação entre opostos, constituidor rejeita” (Williams, 1979,
dentro de uma totalidade. Ou, num 103).
sentido mais neutro, interação entre No esforço que este autor
forças separadas. Ou, ainda, conexão desenvolve para adequar ou superar o
indireta, uma agência, entre tipos conceito de mediação, ele faz uma
separados de ato. Williams percebe extensa análise das noções de
que o termo é atrativo para a tipificação e homologia, passando por
compreensão do processo de relação categorias muito utilizadas pelos
entre “sociedade” e “arte”, ou entre teóricos de Frankfurt, como corres­
“infra-estrutura” e “superestrutura”. pondência e imagem dialética. Ao
Reformulado, indicaria não mais fim e ao cabo, Raymond Williams
realidades refletidas, e sim realidades conclui que (1979, 110) “nenhuma das
que passam por um processo de teorias dualistas, expressa como
“mediação”, no qual o seu conteúdo reflexo ou mediação, e nenhuma das
original é modificado. teorias formalista e estruturalista,
É, pois, conforme Raymond expressa em variantes de correspon­
Williams, quando a análise social da dência ou homologia, pode ser
arte se estende às relações sociais, que plenamente levada à prática
a noção de reflexo é substituída pela contemporânea, já que de modos
idéia de mediação. Segundo esse autor diferentes todas elas dependem de uma
(1992, 21), nesse caso, “a mediação história conhecida, de uma estrutura
pode referir-se primordialmente aos conhecida, de produtos conhecidos”
processos de composição neces­ (grifos do autor citado). Uma
abordagem alternativa para Raymond se de uma negação a um uso que, em
Williams passa a ser o conceito em português, seria comum, sem que se
evolução de “hegemonia”. obtenha, em contrapartida, alguma
Será, contudo, Martín-Barbero afirmação que pareça suficientemente
quem, na década de 1980, retomará a clara.
abordagem da hegemonia, aplicada à Mas, as críticas ao que seria
cultura, e recuperará com extra­ talvez o seu uso óbvio são consis­
ordinária ênfase a idéia de mediação, tentes; referem-se sobretudo ao fato
tomada de posição que terminará de que a idéia de intermediação é
influenciando durante toda a década de diretamente dependente de um modo
1990, na América Latina e, positivista de ver a realidade, que
especialmente no Brasil, os ainda raros separa as suas categorias em partes
estudos de recepção em comunicação. tidas por preexistentes e indepen­
Que sentido, a partir de então, dentes entre si e que, por isso mesmo,
adquirirá o conceito de mediação? necessitam de outras categorias,
Terão as novas abordagens, nessa externas a cada uma delas, para cumprir
retomada, se libertado dos problemas o papel de intermediárias e garantir as
que levaram o sociólogo inglês a ligações que as tornam interdepen­
abandoná-lo? Eis a indagação que dentes. A esse modo de pensar
passaremos a estudar. Raymond Williams denominou (1979,
102) “dualismo básico”, afirmando, no
3. Fronteiras de um mapa entanto, que “é quase impossível
conceitual: o que não é mediação manter a metáfora da ‘mediação’
Comecemos a tentativa de um (Vermittlung) sem um certo senso de
mapa conceitual pelas bordas, ou seja, áreas separadas e preexistentes, ou
pelos limites: definindo o que a ordens de realidade”, e denunciou sua
mediação não é, em seu uso orientado presença tanto na filosofia idealista,
à sociologia da cultura e em especial quanto em importantes vertentes do
ao campo da comunicação. Claro que marxismo.
esse jogo de significados na verdade Mediação não é tampouco “filtro”.
explicita posicionamentos teóricos O uso metafórico dos termos “filtro” e
nessas áreas do conhecimento, não se “filtragem” em estudos de comu­
tratando de uma mera discussão nicação pode ser encontrado em
semântica, daí a razão pela qual a abordagens psicológico-experimentais,
abordagem negativa ao conceito como a dos filtros de seletividade
procurará, senão desfazer, ao menos (exposição, percepção e memorização
dispensar significados consagrados seletivas), e empírica de campo, como
por dicionaristas e etimólogos. nos estudos de fluxo comunicativo que
Mediação não é intermediação. utilizou a metáfora da filtragem para
Mesmo que permaneçamos na hoje descrever o papel dos opinion leaders
discutível “função” das instituições de (Wolf, 1987, 28 e seg. e 49). Como
comunicação como intermediários parece evidente, a idéia de filtragem
entre grupos e instituições sociais ou remete especificamente à seleção de
mesmo entre racionalidades distintas conteúdos e pressupõe um enfoque
(uma abordagem weberiana poderia condutivista ou informacional de
admiti-los fazendo a ponte discursiva comunicação, dentro da linha das
entre as fissuras das autonomizadas chamadas teorias “administrativas”,
racionalidades estético-expressiva, conforme a tipologia adotada por Mauro
moral-prática e cognitivo-instrumental), Wolf (1987). O conceito de mediação
chamar tais instituições de “meios de não cabe nesse reducionismo teórico.
comunicação” não implica de forma Mediação também não é inter­
alguma afirmá-las como “mediações”. venção no processo comunicativo, o
Este talvez seja o mais caro preço que que significa que o termo deve ser
se paga pela tentativa de um uso usado com cuidado, ao se referir às
consistente desse conceito, pois trata- diversas formas de controle social da
informação. Um ato de censura ou de em 21 oportunidades o autor o utiliza como
modificação de um fragmento de categoria vinculante de dicotomias
informação não significa uma específicas e, em maioria, antinômicas
mediação, malgrado esteja havendo (vide tabela ao lado). Nas demais, efetua
interferências no processo de simples citações, sem um compro­
significação e mesmo que haja metimento explícito com sua definição.
mediações envolvidas na produção Reconhecemos, no uso deste
desses significados. conceito pelos autores latino-
americanos, a nítida presença da
4. Marcas e caminhos: o que pode inspiração da visão sociológica de
ser mediação Manuel Martin Serrano (1986), que,
por razões de espaço, não abordaremos
4.1 Martín-Barbero: dos meios às neste trabalho.
mediações
Parece sintomático que um dos Dessa extração, avaliamos as
principais autores responsáveis pela seguintes possibilidades de definição
revivescência da figura das mediações para o conceito de mediação3:
na pesquisa latino-americana não haja a) Como construto ou categoria
trabalhado rigorosamente na sua teórica: Categoria teórica explicativa
delimitação conceitual. Essa crítica é de uma relação entre antinomias ou
tranqüilamente feita mesmo por modo de apropriação que torna
estudiosos que se baseiam nele, como possível a relação com o possível ou
é o caso de Guillermo Orozco Gómez o radicalmente outro. Temporalidade
(1994, 74), que afirma, sem rodeios, específica que torna possível a
que “sin embargo, Martín-Barbero no comunicação entre diferentes
há elaborado el concepto de durações.
mediación en términos más b) Como discursividade
concretos”. específica: Discursividade específica
A admissão dessa lacuna não implica que absorve formas diversas de
reduzir a importância de Jesús Martín- apresentação ou que vincula diferentes
Barbero para o pensamento latino- temporalidades ou socialidades.
americano, razão pela qual a sua obra de c) Como estruturas, formas e
maior repercussão, publicada práticas vinculatórias: Prática social
originalmente em 1987 (e sobre a qual vinculatória de estruturas
este trabalho se detém), deve ser entendida categoricamente diferenciadas.
dentro do percurso intelectual desse autor. Estruturas, formas ou práticas que
Segundo Desirée Rabelo (1998, 06), o vinculam diferentes racionalidades, ou
livro De los medios a las mediaciones: que sustentam diferentes lógicas ou
comunicación, cultura y hegemonia “... diferentes temporalidades, num
faz a passagem da preocupação inicial mesmo processo. Processo ou
com a análise do discurso dos meios para estrutura que permite chegar a um
a investigação das culturas populares, os ordenamento temporal sem sair
modos de comunicação desses setores e completamente do anterior. Práticas de
a relação entre o que se passa nos meios produção, distribuição e consumo
com o que se passa nos bairros, nas ruas. (econômicas, portanto), possibilitando
Estabelecendo uma nova relação entre simultaneidade e acordo entre sentidos
culturas populares e cultura massiva, o opostos, antinômicos, ou ainda um
autor faz uma análise das mediações deslocamento de modos de produção
acontecidas nos meios de literatura de e suportes, que resulta em formato
(03) Onde não se citou o cordel, no século XVI na Espanha, até os discursivo específico (como, por
endereço bibliográfico, é que a meios massivos, como rádio, cinema e exemplo, o folhetim). Prática cultural
conclusão foi livremente tirada televisão, na América Latina que absorve diferentes discursi-
pelo autor deste trabalho, a partir contemporânea”. vidades. Relação institucional e/ou
de menções diversas na obra em O conceito de mediação é citado 37 econômica, cujos modo e periodici­
foco. vezes, dentro da obra. Dessas citações, dade reorientam a intencionalidade
Pg. Categoria 1 Mediação/mediador Categoria 2 Relação
113 - Linguagens Cordel - Religiosidades Prática cultural que absorve
- Linguagem “alta” - Linguagem diferentes discursividades
114 Tradição culta Trabalhadores da imprensa “baixa” Seletores de conteúdos e
Tradição oral formas de diferentes
131 Folclore das férias Melodrama procedências
Espetáculo Discursividade específica que
popular-urbano absorve formas diversas de
139 Livro Técnicas de escrita (massivo) apresentação
jornalística e aparato Deslocamento de modos de
tecnológico Imprensa produção e suportes, que
140 Escritor resulta em formato específico
Relação assalariada (folhetim)
Texto Relação institucional e
econômica, cujos modo e
periodicidade reorientam a
141 Exigências do intencionalidade artística do
mercado (fórmula - Estrutura tipográfica escritor
comercial) - Composição e Formas da cultura Práticas de produção,
fragmentação do relato (demanda cultural) distribuição e consumo,
- Ritmo da entrega semanal possibilitando acordo e
143 Estruturas da - Forma de pagamento simultaneidade entre
sociedade Leitura (como atividade sentidos opostos,
constituinte) Estruturas do antinômicos
146 Tempo do ciclo texto Prática social vinculatória
Periodicidade da narração de estruturas diferenciadas
popular e sua estrutura categoricamente
Tempo linear do Processo ou estrutura que
148 Mito (espaço do progresso permite chegar a um
sobrenatural) Herói do folhetim ordenamento temporal sem
160 Espectador sair por inteiro do anterior
Indistinção entre ator e Novela (espaço da Personagem de tipo híbrido,
personagem (dispositivo descrição do real) ligando sentidos
195 - Estado específico: primeiro plano) Mito Categoria teórica
- Rural Meios de comunicação de explicativa de uma relação
- Tradições massa entre antinomias
- Massas Instituição cuja prática
- Urbano relaciona sentidos, modos de
- Modernidade vida e instituições
197 Racionalidade (simulação e desativação
informativo- Especificidades tecno- dessas relações significa
instrumental da discursivas do rádio abandono da condição
modernidade Mentalidade mediadora)
209 Memória expressivo- Estruturas e práticas que
Objetos sagrados e ritos simbólica do vinculam diferentes
mundo popular racionalidades
214 Experiências de
setores populares Ativistas, quadros do partido Utopia Modo de apropriação que
socialista, pequenos torna possível a relação
comerciantes e profissionais com o radicalmente outro
217 Universo privado do bairro Experiências do Construtores de nexo em
da casa Bairro mundo intelectual instituições dentro de um
237 Tempo do capital e das esquerdas bairro
Série e gêneros
Mundo público da Lugar de vivência de
239 Lógicas do sistema cidade sentidos ambíguos ou
produtivo Gêneros Tempo da sintetizadores
cotidianeidade Formas ou práticas
239 Lógicas do formato
discursivas para sustentação
241 Gêneros Lógicas do sistema de diferentes temporalidades
244 Tempo da história de consumo Formas ou práticas discursivas
Tempo familiar (a partir do para a sustentação de
qual o homem - como Lógicas dos modos diferentes lógicas, em um
245 Tempo da vida parente - se pensa social) de ler, dos usos processo
(socialidade negada, Melodrama (por via de um Tempo da vida Idem o anterior
economicamente sentido de anacronia, como
desvalorizada e transformação capitalista do Temporalidade específica que
politicamente trabalho e do ócio, abolindo Tempo do relato viabiliza comunicação entre
desconhecida) a socialidade popular) (que afirma a diferentes durações
artística de um tipo de produtor cultural trabalho) e recomposição (integração
(por exemplo, o escritor). dos fragmentos em tipicidades que
d) Como instituição ou local revertem do nacional e do transna-
geográfico: Instituição cuja prática cional sobre as comunidades, em
relaciona sentidos, modos de vida e formas de condutas ou necessidades
instituições (simulação e desativação de objetos industriais sem os quais a
dessas relações significa abandono da vida já é praticamente impossível).
condição mediadora). Lugar de vivência Nesse deslocamento de relações entre
de sentidos ambíguos ou sintetizadores objetos e usos, entre tempos e
(como o bairro). Martín-Barbero (233) práticas, aquilo que as comunidades
fala também em mediações como produzem e seus modos de produzir
lugares dos quais provém as constrições se convertem em veículos mediadores
que delimitam e configuram a da desagregação.
materialidade social e a expressividade Em duas circunstâncias (148 e
cultural da TV. Tais lugares são: a 214), Martín-Barbero faz uso do termo
cotidianidade familiar, a temporalidade “mediador” e do verbo “mediar” para
social e a “competencia” cultural. indicar agentes que atuam como
e) Como dispositivo de seletores de conteúdos e formas de
viabilização e legitimação da diferentes procedências ou como
hegemonia ou resolução imaginária construtores de nexo em instituições
da luta de classes no âmbito da dentro de um lugar social específico
cultura: Ofício da cultura, de cobrir (como um bairro), ou no caso
diferenças e reconciliar gostos, específico da literatura folhetinesca,
cobrindo o conflito de classes pela para compreender o herói, um
produção de uma resolução no ima­ personagem literário de tipo híbrido,
ginário que assegure o consentimento ligando sentidos diversos.
ativo dos dominados, o que culminou Em diversos outros pontos da
na inversão da cultura popular em obra, a mediação é apenas citada, sem
cultura de massa, evitando que se condições claras de análise conceitual.
tomasse uma cultura de classe (135). Deixamos de indicar tais menções, por
desnecessárias.
Dentro desse processo hegemô­
nico, a mediação é também a mutação 4.2 Orozco Gómez: as mediações
da materialidade técnica em potencia­ múltiplas
lidade socialmente comunicativa, A busca de Orozco Gómez4 foi
processo de transformação cultural desenvolver um marco conceptual que
que viabiliza as modalidades de não se sustentasse em dicotomias
comunicação, revelado pelas inova­ (macro-micro, emissores-receptores,
ções tecnológicas. Tal é o sentido de etc.) e uma estrutura epistemológica
situar os meios no âmbito das que desse conta da intermediação de
mediações (153-4). A mediação é, diversos elementos, níveis e regras que
assim, definida como processo pelo assumem os membros da audiência, ao
qual os meios de comunicação interatuar com as mensagens da TV.
(04) O trabalho em que esse adquirem materialidade institucional e Para superar o primeiro problema e
pesquisador tenta situar e fazer espessura cultural, abordagem que escapar de uma racionalidade dualista
avançar o conceito de mediação, supera os estudos sobre estrutura entre contextos sociais macro e micro,
e sobre o qual este texto se econômica e conteúdo ideológico ele sugere adotá-los como fontes de
detém, é intitulado Recepción (177). mediação. E, por fim, sua busca
televisiva y mediaciones: la A mediação é ainda situada (207) epistemológica é por um enfoque
construción de estrategias por la como dispositivo pelo qual a hege­ integral da recepção, capaz de reunir
monia transforma, de dentro, o sentido em função da recepção televisiva a
audiencia. Publicado originalmente
do trabalho e a vida da comunidade. Tal teoria da estruturação de Giddens, a
em inglês em 1992, foi vertido
mediação é realizada por uma dupla teorização da mediação cultural de
para o espanhol e divulgado pela
operação: desconexão (separação do Martín-Barbero e sua própria concei-
Universidad Autónoma de indivíduo de sua comunidade e tuação de recepção e mediações como
Barcelona em 1993. dissolução do sentido social de seu processo.
Para isso, desenvolve a e literários) ou scripts (recepção
perspectiva da múltipla mediação, televisiva). Os scripts definem
partindo do pressuposto de que a seqüências específicas de ações e
interação TV-audiência emerge de um discursos, proporcionando ao sujeito
processo complexo, multidimensional diretrizes para atuar de acordo com
e multidirecional, que abarca vários uma representação generalizada
momentos, cenários e negociações daquilo que se espera dele, ou ao que
que transcendem a tela da TV. Orozco se pensa ser adequado que ele faça em
Gómez trabalha com diferentes um cenário específico. Determinados
categorias de mediação. Inicialmente, social e culturalmente, os scripts são
define as mediações como “processos aprendidos por meio da interação
de estruturação derivados de ações social, embora nem sempre requeiram
concretas ou intervenções no um ensino explícito, e significam
processo de recepção televisiva”, para, pelas instituições sociais ou pela
em seguida, distinguir entre agência do sujeito, adquirindo sentido
mediações e fontes de mediação, em significações específicas, bem
sendo estes os lugares onde se como podem ser transformados pela
originam esses processos estrutu- agência do sujeito e pela mediação
rantes. Assim, a mediação se manifesta múltipla que os sujeitos enfrentam no
por meio de ações e do discurso, mas processo da recepção. Outras fontes
nenhuma ação singular ou significado de mediação são o gênero, a idade e a
particular a constitui enquanto tal. É, etnia. Todas as mediações individuais
portanto, um processo complexo e devem ser entendidas dentro de meios
difuso, diferente da soma de seus culturais concretos.
componentes, não devendo ser A mediação situacional é a que
entendido como um objeto de tem como fonte a situação da interação,
observação, e sim como algo similar entendida como algo que transcende
à classe social. o simples momento do contato direto
As fontes de mediação são várias: com a TV e se multiplica conforme os
cultura, política, economia, classe diferentes cenários nos quais a
social, gênero, idade, etnicidade, os interação se desenrola. São cenários
meios, as condições situacionais e os lugares onde são produzidas as
contextuais, as instituições e os negociações e as apropriações da TV,
movimentos sociais. Também se razão pela qual fatores como o tamanho
origina na mente do sujeito, em suas e o nível de diferenciação da habitação
emoções e suas experiências. Cada ou o estar só ou acompanhado
uma dessas instâncias é fonte de constituem mediações situacionais,
mediações e pode também mediar pois implicam possibilidades e
outras fontes. limitações para o processo de
Para Orozco Gómez, as recepção televisiva. As mediações
mediações, em seu caráter múltiplo, situacionais procedem também dos
se dividem em quatro grupos: cenários específicos onde os membros
individual, situacional, institucional e da audiência interatuam usualmente
vídeo-tecnológica. (escola, bairro, lugar de trabalho, etc.),
A mediação individual é a que sendo que alguns são mais relevantes
surge do sujeito, como indivíduo ou do que outros como fontes de
como sujeito social, membro de uma mediação.
cultura. A “agência” do sujeito se A mediação institucional se faz
desenvolve em diferentes cenários. A presente quando as instituições sociais
mediação cognoscitiva (resultado mediam a agência do sujeito. A
derivado da estrutura mental por meio audiência não é audiência só quando
da qual o sujeito conhece) é a principal interatua com a TV. A audiência são
mediação individual. Suas fontes são muitas coisas ao mesmo tempo e
“esquemas mentais” (psicologia), participa de diversas instituições
repertórios ou textos (estudos culturais sociais, de forma que a identificação dos
sujeitos receptores não apaga as outras cesso altamente sociocultural que
identidades. As instituições utilizam segue alguns padrões ou combinações
diversos recursos para implementar sua preferenciais de mediação, as quais são
mediação, como o poder, as regras, os sempre dinâmicas, nunca estáticas.
procedimentos de negociação, as Como afirmara Hall, “interatuamos
condições materiais e espaciais, a criativamente com a TV sob condições
autoridade moral e acadêmica, e, que não são inteiramente de nosso
principalmente, a construção de domínio”. Esse dinamismo pode ser
identidades e o desenvolvimento de explicado pelas mudanças concretas
classificações que outorguem sentido nas relações de poder (“dialética de
ao mundo. As instituições se controle”, conforme Giddens, pela
diferenciam entre si pelas diferenças em qual nem todos os sujeitos participam
seu acúmulo de poder, autoridade, do contexto com os mesmos recursos
recursos e mecanismos de mediação, e e possibilidades de influenciar os
podem mesmo competir entre si, demais).
podendo ser percebidas pelos sujeitos A operacionalização sugerida para
como contraditórias ou mutuamente o jogo da mediação é a das “comuni­
neutralizantes. Por isso, não se deve dades interpretativas”. O processo de
entender a mediação institucional recepção teria diferentes tipos de
como um processo estruturador comunidades: comunidade televiden­
monolítico. te, de apropriação e de reapropriação,
A mediação tecnológica é a que sendo que todas possuiriam em
parte do pressuposto que a TV, como comum a função de dar significação à
instituição social, não reproduz interação TV-audiência. Entretanto, só
simplesmente as outras mediações a “comunidade interpretativa”,
institucionais. Ao contrário, produz sua compreendida como combinação
própria mediação e utiliza recursos para particular de outras comunidades,
impô-la sobre sua audiência. Como define finalmente o sentido da
meio eletrônico, a TV tem especifici­ interação. Por comunidade interpre­
dades, para incorporar “o que está fora”, tativa, Orozco Gómez entende um
dentre as quais uma muito importante grupo de sujeitos sociais unidos por
é o gênero, definido como combinação um conjunto particular de práticas
específica de códigos que resultam em comunicativas. Por exemplo: a família
modos particulares tanto da estru­ é a comunidade televidente mais
turação do discurso quanto da freqüente, mas não é necessariamente
televidência. Isso chama a atenção para sua comunidade interpretativa.
o fato de que a abordagem múltipla da Apesar do predomínio de algumas
mediação não se refere apenas à comunidades interpretativas, a
existência de formas culturais da TV, e audiência não é uma entidade
sim à circunscrição dessas formas monolítica, nem um sujeito passivo,
culturais. Isto é, a mediação própria da nem uma categoria a priori (a
TV não é um processo estruturador audiência não nasce audiência, mas se
derivado somente das características faz e se vai transformando). A
video-tecnológicas gerais do meio, mas interação, pois, não deve ser tida como
de um processo muito específico que conjunto único de ações, e sim como
se origina principalmente dos gêneros uma prática comunicativa, na qual se
televisivos por meio dos quais a TV dão combinações específicas de
efetua uma vinculação concreta de sua mediação e da qual derivam resultados
audiência. Assim, gêneros, graus de particulares. A agência dos membros
verossimilhança e possibilidades de da audiência e suas práticas de
representação reforçam a eficácia da recepção têm um propósito e são
mediação tecnológica. seletivas, desenvolvendo ao longo de
A noção de mediação múltipla cenários socioculturais específicos e se
implica supor que a interação TV- traduzindo por estratégias de recepção
audiência compreende combinações televisiva. Uma estratégia de recepção
específicas de mediações, num pro­
é uma “concretização da agência” do latino-americana dos estudos de
sujeito em relação à TV. Nesse sentido, mediação. Insere-se, pois, essa
é ilustrativa a teorização de Martín- pesquisa, exatamente no campo dentro
Barbero sobre a “prática de do qual este texto busca analisar,
comunicação”, composta de podendo, por tal razão, lançarmos à sua
socialidade (conjunto de interações fundamentação teórica e à ambição
estruturadas pelo auditório em sua luta metodológica que o inspira, os mes­
por apropriar-se criativamente da mos questionamentos que fizemos aos
ordem social, transcendendo a simples autores os quais lhe servem de base.
ordem de racionalidade institucional, As autoras, nos capítulos iniciais,
o que inclui as negociações cotidianas parecem atentas a buscar uma melhor
entre os membros da audiência e o definição para o conceito, para isso
poder institucional), ritualidade recorrendo, como é comum nas
(resultado das interações específicas renovações conceituais em ciência e
repetidas na prática da audiência) e filosofia, ao emprego de metáforas5.
tecnicidade (o “organizador percep- É como metáfora que, no trabalho de
tivo”, pelo qual a inovação e o discurso Lopes, Borelli e Resende, a noção de
se articulam de modo significativo e mediação é vista e descrita como
intencional, sendo que cada meio tem “lugar6”, “perspectiva”, “estrutura”
sua tecnicidade específica e que a per­ (Lopes et alli, 2002, 39). E, nestes
cepção do sujeito media ao organizar termos, passa a assumir uma
sua negociação de significados com a preocupação categorial muito maior
TV). do que a conceitual, de Martín-
Barbero; em outras palavras, a busca
5. Lopes, Borelli e Resende: a fundamental passa a ser torná-la uma
contribuição brasileira noção que se preste a ser um instru­
A mais recente e significativa mento para a pesquisa empírica.
contribuição para a elaboração do O problema do dualismo,
conceito de mediação procede dos denunciado aqui, aparece de forma
estudos desenvolvidos por um específica e inusitada no texto. Há o
conjunto de pesquisadores, coor­ reconhecimento de um dualismo
denados pela professora Maria fundamental nos estudos de comunica­
Immacolata Vassalo de Lopes, da ção: produção/recepção ou consumo
Universidade de São Paulo, e (algumas vezes as autoras acrescentam
recentemente publicados em livro o produto, o qual, de forma interes­
(Lopes, Borelli e Resende, 2002). sante, não aparece como mediador,
Trata-se de um enorme e copioso pois a idéia de mediação está reservada
esforço de pesquisa, que reuniu a priori para certos elementos
diferentes metodologias, quantitativas simbólicos que se fazem presentes nos
e qualitativas, para deslindar as movimentos de interpretação). Ante o
mediações estabelecidas na recepção dualismo produção/recepção, a noção
da telenovela A Indomada, da Rede de mediação comparece não como (05) Sobre a legitimidade do uso
Globo. aquilo que simplesmente une os pólos, da metáfora na metodologia
Em vista dos objetivos deste e sim como um elemento articulador, científica, no âmbito das ciências
trabalho, não analisaremos neste presente em “...todo o processo de
sociais, é muito interessante o
momento diretamente os resultados comunicação” (Lopes et alli, 2002,
trabalho de Nunes (2005).
de pesquisa do grupo, e sim a trajetória 39). É possível entrever aqui uma
do conceito de mediação, na abor­ tentativa de superação do dualismo (06) Distingue-se, nestes termos,
dagem e no embasamento teórico que revelado por este estudo. Nesse o uso da metáfora "lugar" como
dele fazem as autoras. Desse ponto de contexto, mediação seria aquilo que as mediações e os "lugares de
vista, não resta dúvida que é mantida a estaria presente em ambos os mediação", que as autoras do
perspectiva dos estudos culturais, processos o que, portanto, resultaria trabalho em análise assumem a
referenciando o trabalho fortemente em numa perspectiva “integradora” e partir de Orozco-Gómez, em seu
Martín-Barbero e Orozco-Gómez, no “compreensiva” do processo de modelo de "mediações múltiplas ‘
que tem se denominado a vertente comunicação, restando saber até que (Lopes et alli, 2002, 43).
ponto isso se consolida na articulação raro desaparecendo dos relatos o
teórico-metodológica do trabalho conceito de mediação — o que sugere
desenvolvido. ter sido ele uma categoria de
A fim de alcançar este desiderato, justificação do uso das multi-
optam por uma estratégia de caráter metodologias, e não uma categoria
multidisciplinar. A mediação, nesta explicativa dos processos de
visão, não articula um método comunicação.
específico e sim uma imbricação A análise de mediação e
metodológica. Esse movimento revela subjetividade é mais copiosa no
sobretudo uma busca, originária da tratamento teórico. Ali, as autoras
inconsistência metodológica da buscam discutir a interface entre
própria área da pesquisa em psicologia e estudos culturais,
comunicação, cujos estudos anunciando inclusive a possibilidade
continuam metodologicamente de construção de um novo arcabouço
perplexos e profundamente usufru- teórico com a conjunção entre a noção
tuários das heranças metodológicas de mediação e as categorias
das ciências humanas e sociais em psicológicas. É no item das “interfaces
geral. conceituais” que o conceito aparece
A pesquisa das autoras se efetua com maior clareza e, também, onde
a partir de quatro “lugares” de revela sua característica dualística
mediação: a família, a subjetividade, o com maior limpidez. Mediação, ali, é
gênero e a videotécnica. É interessante assumida como interação entre as
notar que o conceito de mediação instâncias de produção e recepção e
parece se alterar, conforme o “lugar” entre indivíduo e ambiente, como
de onde é percebido, mas, senão o modo pelo qual o sujeito investe em
dualismo, uma apreensão genérica e um produto cultural e utiliza recursos
intermediadora entre realidades afetivos, cognitivos e intelectuais, e,
conhecidas se mantém, no uso do enfim, como forma de engendramento
conceito. da subjetividade (Lopes et alli, 2002,
Dentro da análise da mediação 183). Mais adiante, quando as autoras
“cotidiano familiar”, para as autoras, introduzem uma discussão sobre
as identidades culturais básicas conceitos da psicanálise, a idéia de
constituem as mediações, que são: mediação aparece novamente como
posição familiar, sexo e idade (Lopes “campo da ilusão”, isto é, como
et alli, 2002, 137). Essa mediação intermediário entre registro,
assume, então, múltiplas dimensões, imaginário e imagem, ou como forma
nas formas das comunidades de de mediar a realidade (Lopes et alli,
consumo, estética, afetiva, de poder e 2002, 192).
de interpretação (também chamada no Nos estudos de gênero, essa
texto de “hermenêutica”). Para avaliá- característica de mediação como
las, as pesquisadoras utilizaram três intermediação aparece da mesma
categorias de análise: espacialidade forma. Os gêneros seriam, para as
familiar, temporalidade familiar e autoras, “mediação fundamental na
competência cultural (Lopes et alli, relação entre produtores, produtos e
2002, 141). Nesse contexto, a noção receptores na cultura moderna” (245),
de “mediação” comparece como todo ou “portadores de referencial comum
e qualquer sinal de intermediação de mediação entre produtores cul­
simbólica entre dois ou mais elemen­ turais, autores, produtos e receptores”
tos ou dimensões. Não há, porém, uma (Lopes et alli, 2002, 247). Neste item,
forte repercussão da idéia de mediação aparece a noção de “pacto de
na teorização referente ao que poderia recepção”, correlata aos “pactos de
ser uma sociologia da família, já que o leitura” de Lejeune, dentro da qual a
texto passa a abranger os resultados noção de mediação vincula-se de novo
percebidos ou as diferentes maneiras a uma racionalidade dualista, isto é,
pelas quais a novela é interpretada, não como aquilo que possibilita o diálogo
entre leitores e receptores. As autoras Dois seriam os principais
parecem então assumir explicitamente problemas deste trabalho de
o caráter dualista da noção de pesquisa. Primeiro, a carência ainda
mediação, ao definirem gênero como sentida de uma discussão conceitual
elemento de articulação de duas mais aprofundada, capaz de dar conta
lógicas: a dos produtos e a dos usos do problema filosófico inscrito na
sociais (Lopes et alli, 2002, 254). idéia de mediação. Embora a análise
O uso dualista do conceito de deste trabalho leve a concluir isso com
mediação não se altera também no bastante clareza, as autoras não
estudo do lugar da videotécnica. A reconhecem a presença do dualismo
mediação videotécnica efetua, para as em Martín-Barbero, assumindo
autoras, os nexos entre produção e acriticamente o deslocamento “dos
consumo, permitindo, assim, ao meios às mediações”, sem abordar a
analista, não dissociar produto de questão filosófica aqui expressa, o
produção. Dizem as autoras que “... a que constitui, sem dúvida, a
mediação videotécnica indaga sobre permanência de uma fragilidade
como se estabelece um contrato de teórica que, a nosso ver, carece ser
recepção entre produção e consumo” enfrentada. Apesar disso, há o
(Lopes et alli, 2002, 331). reconhecimento do dualismo presente
Interessante observar a utilização aqui no que chama “teorização atrasada”
da noção de “forma cultural”, de das pesquisas da área no Brasil. Para
Raymond Williams, definida como as autoras, a abordagem das
“mediação entre texto cultural e tecido “mediações” supera esse problema, o
social” (Lopes et alli, 2002, 311 e que, como demonstramos aqui, não
seg.), numa interpretação que corresponde à verdade.
estranhamente ignora o abandono da Poderíamos, por fim, sintetizar,
noção de mediação, por este autor. a partir da contribuição das autoras,
A análise deste trabalho se algumas vantagens e desvantagens do
restringe ao uso da noção de mediação, uso do conceito de mediação como
seja como conceito, seja como categoria de análise nos estudos de
categoria de pesquisa. Embora, comunicação. A principal vantagem é,
aparentemente, haja, nos resultados sem dúvida, dar visibilidade aos
dessa pesquisa, muita complexidade deslocamentos de sentido dos
metodológica com pouca novidade - processos interpretativos, dentro de
inclusive nos resultados atingidos após repertórios compartilhados.
a pesquisa empírica, o que se pretende Mas, há desvantagens. Primeiro,
aqui não é uma discussão das teorias a condição totalizante, presente nessa
de televisão ou, muito menos, da categoria, não permite identificar o
telenovela. que não seja mediação. Todas as
Em toda a imbricação meto­ categorias adquirem o mesmo grau de
dológica postulada, a proposta parece importância e a “saturação de sentidos”
ser inovadora em alguns detalhes, como não se constrói, ao final, como crítica
é o caso do procedimento denominado teórica ou, menos ainda, como uma
TVN-R (sigla para indicar “telenovela nova teoria da comunicação. O ganho
reeditada”, o que talvez seja uma teórico, enfim, deixa a desejar, embora
denominação restritiva, já que o as informações sejam curiosas,
procedimento parece ser útil para abundantes, excessivas até.
outros formatos e gêneros em Ao final, a dimensão teórica
comunicação). A técnica pode ser aparece empregada a partir de
bastante proveitosa para os estudos de conceitos de fundamentação
recepção de televisão e caberia uma consolidada, como “hegemonia”
abordagem mais cuidadosa e específica, (Gramsci), “habitus” (Bourdieu),
para a delimitação das possibilidades e “modernidade tardia” e, quase sempre,
limites de sua aplicação para os estudos retomando a perspectiva dualista, com
empíricos na área. que parece que o conceito não
consegue se desprender pelas razões ser difícil afirmarmos com segurança a
elencadas neste trabalho. natureza específica de seu objeto
É, por fim, uma perspectiva teórica teórico. Estudar comunicação é como
que pode ser utilizada como categoria fazer retrato do movimento: o que
de análise, mas não elabora uma nova resulta é sempre uma figura estática
teoria da comunicação, nem articula cuja imagem em si já começa negando
uma metodologia própria. Antes desloca o que se propôs retratar, e talvez seja
o olhar da comunicação para a condição isso que nos obrigue a pensá-la a partir
oblíqua de abstrair-se das de categorias que lhe são externas.
materialidades da comunicação - o que O valor epistêmico do olhar
representa um ganho e, também, uma sobre as mediações culturais parece
perda. repetir esse talvez insuperável
Trata-se, portanto, de uma deslocamento, que torna a comuni­
abstração que ainda não produziu teoria cação um objeto oblíquo, apenas
nem método, mas que pode e deve ser possível de ser vislumbrado - embora
vista como uma perspectiva válida, para jamais visto - de um ponto de vista que
a compreensão dos processos de parta de uma epistemologia mais
recepção, na sua interligação com a consagrada, ora a das ciências
produção. matemáticas e físicas, quando a
Talvez venha a servir, no futuro, abordagem se prende às conexões da
para fundamentar uma nova teoria do tecnologia, ora a das ciências sociais
sentido em comunicação, entretanto, e da linguagem, sempre que se busca
desde que não se tenha que dizer - uma compreensão dos modos e
como vem sendo afirmado, direta ou processos como os homens se
indiretamente - que tudo é mediação. relacionam. Nesse sentido, a
Enfim, parece-nos ainda impres­ perspectiva das mediações desloca o
cindível, para a avaliação de suas olhar da comunicação para os sentidos
possibilidades heurísticas, conhecer que a transcendem, vinculados à cultura
com nitidez os limites da noção de e suas matrizes de significação
mediação, tanto em seu uso conceitual, complexa e múltipla.
como elemento de construção teórica, Certamente, esse é o traço de um
quanto em seu uso categorial, como tempo em que a comunicação se
ferramenta para o desenvolvimento autonomizou em estruturas institu­
metodológico em comunicação. E cionais de discursividade específica
isso ainda não foi feito, embora se deva (Ribeiro, 1996) e cujas redes se
elogiar o esforço enorme da pesquisa constituíram em materialidade tec­
que resultou na obra Vivendo com a nológica da própria circulação do
telenovela. capital (Bucci, 1997; Signates,
1998A), e que talvez até já possam ser
6. Conclusão caracterizadas pela construção de uma
Ao final deste estudo, ainda racionalidade específica (Signates e
permanece de certa forma a dúvida Lima, 1998B) mas que, como já
inicial, sobre o grau de precisão teórica afirmara Habermas (1996, 390) não
e de aplicabilidade empírica do são capazes de se autonomizar
conceito de mediação. Parece claro completamente porquanto seguem
que a necessidade de uma discussão dependendo da linguagem para realizar
teórica mais profunda ainda é a necessária conexão entre os
presente; as fissuras talvez ainda sejam subsistemas sociais e o mundo da vida.
mais aparentes do que as definições. É possível, no entanto, que a tão
É que o campo de indefinições decantada fragilidade epistemológica
extrapola a simples reflexão concei­ da comunicação seja seu principal
tual. O próprio interesse pelo uso da valor heurístico. Talvez não haja campo
noção de mediação sugere isso. A mais propício, pelas próprias
comunicação é uma área de estudos possibilidades que suas indefinições
demasiadamente imprecisa, a ponto de deixam em aberto, para o desenho
possível da metáfora com que Martín- cacionismo (tendência a ontologizar a
Barbero trabalha - a do mapa noturno comunicação, como o lugar de onde
(numa referência não explícita à fase se desvelaria a secreta essência da
noturna de Bachelard). E, nesse caso, humanidade), o mediacentrismo
a complexidade e a rede de (identificação da comunicação com os
possibilidades implicada nas “meios” ou instituições) e o
indefinições do conceito de mediação marginalismo alternativista (crença
seriam justamente os operadores metafísica em uma “autêntica”
teóricos da abertura, e o cerne deste comunicação, fora da contaminação
texto seja uma lamentação de tipo tecno-mercantil, ou também o
diurno... populismo nostálgico da fórmula
Alguma luz, contudo, é sempre essencial e originária, horizontal e
necessária. Afinal, se a noção de participativa da comunicação
mediação se tomar um conceito do tipo identificada com o mundo popular).
guarda-chuva, que permita levar até à Para essa busca, a noção de
mais simplória das totalizações - tudo mediação parece atrativa, pois insere
é mediação (logo, nada o é) - todo o a comunicação em sentidos sociais
valor heurístico propiciado pela mais amplos, mantendo o viés
abertura de suas possibilidades pode altamente crítico, embora livre, graças
redundar apenas em generalizações à orientação típica dos cultural
sem qualquer utilidade teórica. Daí studies, de abordagens aporéticas ou
porque uma abordagem consistente economicistas. Além disso, o conceito
não precisa necessariamente implicar é altamente permeável ao método
uma exigência de rigor positivista, mas dialético, favorecendo a manutenção
deve ser estruturada conceitualmente de perspectivas socio-históricas e
dentro de certos limites políticas, entranhadas na vivência
epistemológicos traçados com um cultural.
mínimo de clareza. Há, entretanto, problemas que
É nesse sentido que torna-se permanecem. A abordagem de Martín-
preciso admitir, após essa varredura Barbero, por exemplo, é claramente
conceitual, que o uso da noção de dualista, deixando de evitar a principal
mediação tem sido problemático, crítica feita por Raymond Williams ao
denotando alguma razão de ser, na uso do conceito. Orozco Gómez,
atitude de Raymond Williams em contudo, ao propor a multiplicidade das
desistir dele. Assim, parece correto mediações, desenvolve uma interes­
indagar, a esta altura, pelas prováveis sante linha de superação, embora sua
razões que levaram teóricos do porte categorização pareça um tanto
de Martín-Barbero e Orozco Gómez a restritiva, razão pela qual talvez
insistirem em sua utilização, chegando mereça um tratamento mais
a colocá-lo, como é o caso de Martín- sofisticado. E o copioso trabalho de
Barbero, como um conceito central em pesquisa empírica de Lopes, Borelli e
sua importante obra. Resende não resolvem o problema
A justificativa mais óbvia é, sem teórico.
dúvida, a busca de saídas para o Porém, mesmo com o tratamento
entendimento de um quadro complexo e a centralidade que todos estes autores
como o da recepção, sem cair nos dão ao conceito, a segunda dificuldade
velhos problemas das chamadas mencionada por Williams se mantém:
“teorias fundadoras”, seja nas a mediação, mesmo admitida sua
preocupações instrumentais das multiplicidade, somente se estabelece
teorias administrativas, por um lado, como operador útil no tratamento de
seja, por outro, nas aporias da vertente realidades ou estruturas conhecidas.
crítica. Ou mesmo para evitar as novas Essa restrição, claro, não torna o
armadilhas teóricas, como as que conceito proibitivo, não invalida a sua
denunciou recentemente Martín- utilização, até porque, frente a
Barbero (1990), como o comuni- categorias de análise que possam ser
admitidas como pressupostas ao estudo estudos de comunicação de um suporte
que se quer fazer, tratá-las a partir das teórico que possa ser admitido como uma
mediações pode significar um ganho superação das teorias e interpretações
metodológico relevante, porquanto existentes. Enquanto esse trabalho
permite fazê-lo de forma dialética. A conceitual não for realizado pelos seus
mediação, nesse sentido, pode ser teóricos, não haverá — mesmo que se diga
compreendida como aquilo que haver - qualquer “teoria das mediações”,
permite a presença simultânea ou capaz de sustentar uma arquitetura
processual de antinomias, como conceitual própria ou, menos ainda, como
condição de emergência do novo nas pretenderam as autoras analisadas por
mudanças sociais. último neste texto, indicar um
Enquanto, contudo, seus limites instrumental metodológico capaz de
teóricos e metodológicos não ficarem produzir uma nova forma de
suficientemente definidos, dificilmente o conhecimento dos processos
uso da noção de mediação dotará os comunicacionais.

Bibliografia do Artigo

BUCCI, Eugênio. Alguns amigos que eu tenho (e de como o capital aprendeu


a falar). Praga, n. 3, 1997.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis,


Vozes, 1994.

DUBOIS, Jean et alli. Dicionário de Lingüística. São Paulo, Cultrix, 1997.

FAIRCLOUGH, Norman. Discourse and social change. Cambridge, Polity


Press, 1994.

HABERMAS, Jürgen. The theory of communicative action. Lifeword and


system: a critique of functionalist reason (V. 2). Boston, Beacon Press,
1996.

LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo,


Martins Fontes, 1993.

LOPES, Maria I. V. de; BORELLI. Sílvia H. S.; RESENDE, Vera da R. Vivendo


com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo,
Summus, 2002.

MAINGUENEAU, Dominique. Os termos-chave da Análise do Discurso.


Lisboa, Gradiva, 1997.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. De los medios a las mediaciones: comunicación,


cultura y hegemonia. Barcelona, Gustavo Gili, 1987.

_________________________ De los medios a las praticas. In: comunicación


de las praticas sociales. Cuadernos de Comunicacion y praticas sociales.
Univ. Ibero Americana, México, n.01, 1990.
MARTÍN-SERRANO, Manuel. La producción social de comunicación.
Madrid, Alianza, 1993.

NUNES, Jordão H. As metáforas nas ciências sociais. São Paulo, Humanitas;


Goiânia: Editora UFG, 2005

OROZCO GÓMEZ, Guillermo. Recepción televisiva y mediaciones: la


construción de estrategias por la audiencia. In: Televidencia.
Cuadernos de Comunicación, n. 6, Mexico, 1994.

RABELO, Desirée C. Jesús Martín-Barbero: da linguagem às mediações.


São Paulo, Umesp, 1998. (paper )

RIBEIRO, Lavina. Contribuições ao estudo institucional da comunicação.


Teresina-PI, EDUFPI, 1996.

SANTOS, Boaventura. Introdução a uma ciência pós-moderna. Porto,


Afrontamento, 1990.

SIGNATES, Luiz. O evento além das grades: um estudo socio-interacionista


e fenomenológico da comunicação. Brasília, UNB, 1998a (Dissertação
de Mestrado)

SIGNATES, Luiz; LIMA, Weber. Um estudo sobre a racionalidade específica


da comunicação. São Paulo, Compós/GT Experiência e Compreensão,
1998b (paper)

SIGNATES, Luiz. Estudo sobre o conceito de mediação. Revista Novos


Olhares, ano 1, n.02, CTR-ECA-USP, 1998c

WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.

_____________________ Cultura. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.

WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa, Presença, 1987.

Anda mungkin juga menyukai