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DIFERENÇAS

Sob o signo do
consumo: status,
necessidades e
estilos Introdução

“Era uma vez um homem que vivia na


Raridade. Depois de muitas aventuras e
de longa viagem através da Ciência
Econômica, encontrou a Sociedade da
Abundância. Casaram-se e tiveram
muitas necessidades.”1

MUITAS VEZES, procura-se justificar as práticas


consumistas em torno da descoberta das
necessidades das pessoas e da procura de
objetos para satisfazê-las. Esta visão pressupõe
que as necessidades humanas são tão objetivas
que é possível identificar suas causas e suas
respectivas soluções. Não que isso seja
impossível, mas este movimento não acontece
de forma tão simples assim. Desconsidera-se
aí toda a abstração que envolve os sentimentos,
gostos e estímulos que embasam o sistema
das necessidades e satisfações das pessoas.

O consumo encontra-se no campo da


complexidade humana – envolve seus valores,
desejos, hábitos, gostos e necessidades. Daí
importa perguntar: o que dá sentido ao
consumo? Em que termos as pessoas o
definem? O que as estimula a praticá-lo
continuamente?

As linhas que seguem procuram mergulhar,


ao menos na superfície, do universo de três
autores que buscam compreender a “socie-
dade de consumo” atual. Jean Baudrillard,
Gilles Lipovetsky e Mike Featherstone
abordam vários e diferentes aspectos deste
tema na tentativa de oferecer uma explicação
sobre o consumo – o que este oferece às pessoas
e o que estas buscam nele. Partiremos da obra
Mariângela Machado Toaldo de Jean Baudrillard – Para uma crítica da
Mestranda em Comunicação Social economia política do signo – onde o autor
FAMECOS/PUCRS defende que, para além do valor de troca e o

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valor de uso dos objetos, o que prepondera é se na seguinte lógica: necessidade de inovar e
seu valor-signo, sua capacidade de represen- nada mudar na ordem fundamental”.2 Ou
tar. Em contraponto a Baudrillard, Gilles seja, a satisfação das necessidades continua
Lipovetsky, em O império do efêmero, investe insatisfeita.
na superioridade das necessidades das
pessoas. Diante da multiplicidade de escolhas, O objeto-signo, segundo Baudrillard, é um
hoje existentes, acredita na autonomia dos instrumento para manter e concretizar
sujeitos perante seus gostos e necessidades. Já relações de consumo e de diferenciação social
Mike Featherstone fala sobre a importância advenientes. Não é o simbolismo deste objeto-
dos estilos de vida para os indivíduos. Entre signo nem sua utilidade que lhe dão sentido.
outros pontos, são algumas observações sobre O estímulo para sua aquisição se dá a partir
os gostos e estímulos dos sujeitos que de um conjunto de conotações e propriedades
provocam seu movimento entre os estilos de que lhe diferencia de outros objetos, confe-
vida que ele registra no livro Cultura de rindo os mesmos atributos a seu usuário. Não
consumo e pós-modernismo. se consome o objeto em si, pela sua utilidade,
e sim pelo que ele representa, pela sua
Essas idéias fazem parte de um recorte capacidade de diferenciar, de remeter o
específico que possibilita compreender a visão consumidor a uma determinada posição, a
dos autores, de uma forma geral, sobre a um determinado status. Daí a característica
cultura e os objetos de consumo. Seus sígnica do objeto, que engloba o valor de troca
pensamentos não se limitam aos pontos aqui e o valor de uso do mesmo, sendo prepon-
ressaltados, oferecem, contudo, recursos para derante a eles. Assim, vigora uma classificação
desenvolver a abordagem em questão e dos indivíduos atrelada à constante renovação
estimular a continuidade de seu estudo. do material distintivo (objeto de consumo) e
seu respectivo uso.

Baudrillard e o Objeto-Signo A significação social de um objeto (seus


valores, qualidades, vantagens...) tem sua
Para uma crítica da economia política do signo força na troca, nas posições que os indivíduos
foi publicado em 1972, em Paris. Neste livro, são estimulados a ocupar – sempre em relação
Jean Baudrillard faz uma abordagem crítica a seus semelhantes. Baudrillard diz que “o
da economia de consumo, descaracterizando- sentido nunca tem origem na relação (...)
a como “sociedade de consumo” e aproxima- econômica, (...) racionalizada em termos de
ndo-a da ideologia. Sua teoria se desenvolve escolha e de cálculo entre um sujeito (...) e um
a partir da concepção sígnica dos objetos de objeto (...), mas numa diferença sistematizável
consumo, os quais denomina objetos-signo. em termos de código (...).”3

Os objetos de consumo, para Baudrillard, são Os indicadores das “novas” tendências


lugares de trabalhos simbólicos, onde se mudam constantemente de objetos, assim
procura constituir uma moral do consumo, como retornam ao que, anteriormente, foi
baseada em valores “sociais”, como o ter, a considerado ultrapassado. Não há coerência
ostentação e a distinção. Eles se renovam, e sim contradição. “O valor de moda é
sustentados pelos mesmos valores. A reversível”,4 os efeitos de beleza, o sentimento
necessidade de acompanhar suas mudanças, de utilidade e distinção estão nos mais
cada vez mais efêmeras, é passada aos diversos objetos, basta acreditar neles.
indivíduos como meio para alcançar sua
realização. Na verdade, esta é apenas Para Baudrillard, a lógica do consumo provoca
substituída por outros objetos, por outras algumas ilusões, a começar pela idéia de
ilusões. Segundo o autor, “a moda movimenta- satisfação “real” dos indivíduos. Os meios

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“realizadores” das pessoas, sugeridos pelo movimentos de idéias que efervesceram após
consumo, nunca encontram lugar fixo, estão 68. O império do efêmero, publicado em 1987,
sempre em “coisas” diferentes e inferiores às na França, gerou muita discussão em torno
expectativas geradas. Assim, é possível que do tema abordado, principalmente pelo fato
eles dêem conta de satisfações mais superfi- de o autor analisar o consumo sob um prisma
ciais e não de aspectos profundos da vida mais positivo que negativo. Segundo ele, as
humana, como muitas vezes propõem. A práticas consumistas podem colaborar na
busca da distinção social, através do consumo, educação de vários aspectos da vida humana.
é outro engano, segundo o autor. A diferença
entre as pessoas, os grupos, não se manifesta Para Lipovetsky, o surgimento de uma
apenas naquilo que exteriorizam. Há todo multiplicidade de oferta possibilitou uma
um conjunto de concepções, hábitos, gostos, multiplicidade de escolha. As pessoas são
comportamentos, conhecimentos, compondo estimuladas a pesquisar seus gostos, costu-
os sujeitos. Os limites da aparência não mes, personalidade e investir em si a partir de
conseguem comunicar sua essência, por isso, suas próprias características e não segundo a
não servem de parâmetro para classificar os dos outros. Hoje, os indivíduos buscam
sujeitos como iguais ou não. Acreditar que legitimar-se e não legitimar o grupo ao qual
vivemos numa “democracia do consumo”5 é pertencem. Assim, o autor contesta a idéia de
mais uma ilusão para Baudrillard. Como na que os processos de diferenciação social
observação anterior, não podemos compre- comandem o consumo de massa.
ender a semelhança das pessoas pelo que elas
consomem. Há diferença de escolhas, de Gilles Lipovetsky caracteriza a época do
gostos, de valores, de possibilidades que, antes consumo atual como um momento em que se
de democratizar a sociedade, colaboram com busca “prazer para si mesmo”. Segundo ele,
a manutenção de determinadas posições. as necessidades humanas estão no valor de
uso – o que Baudrillard diz ser apenas um
O termo “sociedade de consumo” para ele suporte –, na utilidade aliada à imagem. O
também é uma construção enganosa. Seu uso gozo íntimo, as qualidades do objeto, a
corrente supõe que o consumo seja um valor sensação, o espetáculo, o culto ao corpo, o
universal para a satisfação das necessidades novo, a autonomia, a informação... prepon-
das pessoas. Na verdade, diz Baudrillard, deram sobre a preocupação com o outro.7 Até
“trata-se de uma instituição e de uma moral os produtos de grife não significam apenas
(...) e de um elemento da estratégia do poder. diferenciais sociais, testemunham a “ten-
A sociedade é aqui, a maior parte das vezes, dência neonarcísica de se dar prazer, de um
ingênua e cúmplice: toma a ideologia do apetite crescente de qualidade e de estética
consumo pelo próprio consumo”.6 A adesão (...), o prazer da excelência técnica, da
dos sujeitos às práticas consumistas, à ânsia qualidade e do conforto absolutos”.8
pelo “novo”, pela posse e pela distinção, acaba
conferindo uma estratificação social dos O valor de uso liga o homem às coisas que,
mesmos sob a promessa do seu oposto. Os por sua vez, na sociedade de consumo,
objetos significam também o limite das mudam constantemente. A hiperescolha, a
possibilidades das pessoas e, assim, marcam sedução e a inconstância embasam os
seus lugares no social. processos da moda e predispõem o homem
constantemente ao desprendimento do que
foi adquirido. As coisas são dessubs-
Lipovetsky e a Satisfação das Neces- tancializadas pela moda através da utilidade
sidades e da novidade.9 Este movimento significa,
para Lipovetsky, uma democratização do
Gilles Lipovetsky situa-se na esteira dos mundo material. Ao contrário de Baudrillard,

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ele acredita que o consumo estimula essa problemas dos outros e da sociedade como
democratização pelo fato de oferecer uma um todo, em seus diversos aspectos, não são
variedade cada vez maior de objetos que se limites para a realização dos interesses
tornam instrumentos de escolha dos indi- particulares. O autor admite, a partir de suas
víduos. Segundo seu raciocínio, os indivíduos concepções sobre a dinâmica da moda, que
têm igual liberdade e possibilidade para optar ela contribui com o privilégio do eu sobre o
entre um objeto e outro, apegando-se ou não todo, prejudicando o comprometimento social
a eles conforme sua própria vontade. dos indivíduos. A administração desse
impasse, no entanto, ele reserva às instâncias
A moda, então, instigou o indivíduo a políticas.
autodeterminar-se, a ser mais “sujeito da sua
existência privada, operador livre de sua vida
por intermédio da superescolha na qual Featherstone e o Estilo de Vida
estamos imersos” 10 para conquistar sua
realização pessoal. Lipovetsky vê na idéia de Em Cultura do consumo e pós-modernismo,
autonomia do sujeito a não continuação da Mike Featherstone desenvolve uma aborda-
distância social pela “universalização dos gem do consumo de acordo com o contexto
padrões modernos”11 oferecidos a todos. desta época chamada pós-moderna. Apesar
de partilhar da maioria das idéias de
Com sua ênfase nas necessidades e escolhas Baudrillard, ele imprime uma mudança de
individuais, aponta a falha de Baudrillard, rumo na discussão sobre o consumo ao
entre outros, em não ter considerado o “vetor acrescentar o conceito de estilo de vida.
de indeterminação na cultura da moda”12
sempre presente através das características e Estilo de vida, segundo Featherstone, na
particularidades de cada um. Pela própria cultura de consumo contemporânea conota
influência da moda os sujeitos tornaram-se individualidade, auto-expressão e uma
volúveis, “sem apego profundo, móvel, de consciência de si estilizada.16 Assim, o
personalidade e de gostos flutuantes”13 – um indivíduo expressa-se através da roupa, do
empecilho, portanto, para as classificações carro, das opções que faz e do comportamento
sociais deterministas. Lipovetsky salienta que que adota. A multiplicidade de escolhas
é disso mesmo que a lógica da moda precisa: favorece o rompimento de fronteiras pré-
sujeitos maleáveis como ela. Mas o autor estabelecidas entre os estilos de vida. Estes
compreende que esse aspecto colabora para não requisitam mais prioridade a seus
socializar os seres na mudança, preparando- adeptos. Esta característica atual interfere na
os para a reciclagem permanente. 14 A solidez dos grupos de referências, permitindo
familiaridade com essa predisposição a mescla de costumes, o descompromisso
contribui “para acelerar as mutações em com seus princípios e, conseqüentemente, a
curso, constituir uma sociedade armada em desestabilização da sua autonomia. Isto,
face das exigências continuamente variáveis porém, não significa o fim das distinções
do futuro”.15 sociais, mas um novo movimento no interior
do social.
Gilles Lipovetsky observa, ainda, que,
teoricamente, a moda impulsiona à inovação, Os próprios avanços tecnológicos oferecem
mas o imobilismo dos interesses pessoais e uma maior variedade de escolha, o que não
das vantagens adquiridas pode se manifestar significa um princípio de igualdade, embora
na prática. A ênfase no “para si”, o estímulo essa promessa exista. Para Featherstone, mais
em satisfazer as próprias necessidades podem capacidade técnica significa mais variedade
ofuscar o olhar para a preocupação com o de produtos e, em conseqüência, uma maior
social. Neste sentido, os prejuízos, os diferenciação a ser incorporada nas séries de

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produção. Os produtos podem se oferecer o processo social. Não há mais uma preocu-
parecidos e as ofertas compensatórias, pação rígida em garantir um único estilo de
equivalentes, mas a essência revela a diferença. vida, mas um estilo. Não importa se sua
É o mercado que se fragmenta. Os indivíduos, composição se dá a partir de diferentes
por sua vez, consomem cada vez mais tendências.
produtos diferentes.
Featherstone identifica alguns “instrumentos”
Featherstone se vale de Bourdieu para colaboradores desse movimento mais solto
salientar que os elementos, em cada campo que se verifica entre as novas tendências.
social específico, possuem valores diferentes, Além da lógica do consumo, estimuladora
os quais determinam a preferência de cada constante da renovação de estilos de vida, o
grupo por determinados bens culturais. Estes autor ressalta a presença de intermediários
são, ao mesmo tempo, “marcadores de culturais, cada vez mais diferentes – que vão
classe”,17 indicadores de posição social e, desde grupos de intelectuais até a mídia e
assim, refletem o “poder” desta classe em seus desdobramentos. Aqui, incluem-se
detrimento de outras. A reprodução das pessoas, instituições e órgãos envolvidos com
relações entre si e os outros é a garantia de a circulação permanente dos bens culturais.
manutenção da sua legitimidade e singula- Estes passam a ser analisados, registrados,
ridade. O acesso aos diferentes campos se preservados, legitimados ou ignorados de
pretende limitado, pois o valor dos seus acordo com os interesses e objetivos de sua
valores está na distinção e não na sua divulgação. Aliada ao tratamento dado aos
popularização. O que passa a ser do acesso de produtos culturais está a articulação, a
todos, ou de um grande número, já não destaca representação e a transmissão de experiências,
ninguém. O objetivo de preservar a singula- costumes e valores sociais. Aí se manifesta a
ridade é justamente garantir o “privilégio” dimensão social dos estilos de vida, possível
daqueles que acreditam diferenciar-se por uma vez que o homem vive em sociedade,
meio de certos elementos. mas reforçada pela construção que se realiza
a partir dos bens culturais.
A escolha dos valores que se transformam em
bens culturais não se dá necessariamente pelo O processo de globalização, para Featherstone,
fator econômico. Cada sistema de valores tem vem colaborar com o desenvolvimento desta
sua própria lógica, gostos e características. dimensão social dos estilos, já que possibilita
Featherstone diz que as pessoas, hoje, o aumento da circulação das informações,
constroem seu estilo de vida, onde manifes- envolvendo as mais diversas culturas. As
tam sua individualidade, através do que se hierarquias tradicionais perdem a hegemonia,
apropriam. Elas têm consciência de que se cedendo lugar às diferentes vozes e estímulos
comunicam por meio do estilo adotado, que dos intermediários culturais. O mesmo
serão “interpretadas e classificadas em termos acontece com seus produtos. Estes não
da presença ou falta de gosto”.18 conservam mais a “aura” tão valorizada no
passado, mas passam por constantes adapta-
As pessoas mais jovens, já adaptadas à cultura ções e caracterizações. Os instrumentos que
de consumo atual, possuem um sentimento ajudam a interpretar os estilos existentes e as
de curiosidade, de gosto pelo novo, são “novas” tendências se multiplicam, estimu-
predispostas a experimentar o diferente em lando um movimento que “leva em conta as
nome de suas expectativas. Não abandonam novas circunstâncias de produção dos bens
a segurança da legitimidade de seu estilo, culturais”. 19 As tendências, os estilos se
mas redimensionam-no em busca de novas consagram nos objetos de consumo, cada vez
sensações, de práticas “sempre mais estimu- mais variados, rompendo as hierarquias, mas
lantes”, de afinidades que vão surgindo com conservando as diferenças.

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Em busca da síntese... com as motivações íntimas e existenciais. O
homem também encontra prazer próprio na
O breve olhar sobre as teorias abordadas antes diferença, como, por exemplo, nas marcas de
de proporcionar o acordo de idéias em torno grife. A intenção, neste caso, pode ser de um
de uma síntese, ressaltam aspectos e consumo de qualidade para si, como acredita
problematizações envolvidos na questão do Lipovetsky. O diferencial do consumo em
consumo. É a continuidade da reflexão destes relação ao outro, o privilégio da possibilidade
pontos que pode conduzir a um maior do uso de uma determinada marca, no entanto,
esclarecimento a seu respeito, ou à indicação acaba se exteriorizando e significando. Assim
de brechas que precisem ser melhor explora- o “para si mesmo” acaba sendo um prazero-
das para uma compreensão mais profunda samente “para o outro”.
da “cultura de consumo”.
É preciso concordar com Baudrillard e
Featherstone diz que os indivíduos constituem Featherstone quando salientam a conscien-
seu estilo de vida baseando-se nas suas tização das pessoas em relação à capacidade
características “pessoais”, nas quais agregam sígnica dos estilos adotados. Não sendo
o gosto pelo novo. Observa, no entanto, que a possível, assim, classificar os objetivos estritos
disposição a aderir às novidades tem um de cada compra. Antes, podemos nos
pouco de aventura, ousadia, mas também de contentar em compreender que o consumo
segurança. Talvez, a partir desta dicotomia tem em sua base um significado ambíguo,
possamos entender, pelo menos, um pouco difuso, definido por múltiplos motivos,
da complexidade que é decodificar o conscientes e inconscientes.
significado e o uso de bens culturais.
As idéias de “democratização do mundo
É preciso compreender, em primeiro lugar, material”, “liberdade de escolha” e “autono-
que as decisões de consumo, os atos de compra mia do sujeito” também estão implícitas nas
não ocorrem a partir de motivos isolados. A práticas de consumo. Contudo, é preciso
sugestão de Baudrillard, do objeto-signo, e a refletir um pouco sobre estes conceitos. O
de Lipovetsky da satisfação das necessidades pressuposto da “democratização do mundo
das pessoas, não são excludentes nem mesmo material”, sugerido por Lipovetsky, é a
por estes autores – embora cada um aposte na igualdade e a liberdade da escolha dos
preponderância da sua hipótese. O consumo, “padrões modernos” oferecidos a todos.
sendo justificado tanto pelo valor distintivo
do objeto, como pelo estilo de vida dos Fazemos parte, então, de uma democracia
indivíduos ou pelas necessidades destes, que nos permite escolher e trocar objetos,
envolve inúmeras dimensões sociológicas, adotar ou excluir tendências, mas que oferece
psicológicas, como também os fatores apenas o contexto do consumo como opção
racionais e financeiros. para o seu exercício. É aí que se pretende um
indivíduo livre, autônomo, convidado
Satisfação das necessidades, possibilidades ininterruptamente a escolher, aderir, mudar,
de escolha, gostos, são conceitos tão amplos, consumir, assumir modelos dentro da lógica
capazes de englobar inúmeros determinantes, descartável, que sustenta o consumo.
inclusive a diferenciação social. O homem
busca o que para ele parece ser útil, mas quem A existência das múltiplas ofertas, por sua
o seduz primeiro: a utilidade em si ou a vez, não garante a possibilidade das múltiplas
imagem construída a partir de atributos (o escolhas. Há a possibilidade de circulação
objeto-signo em ação)? Difícil discernir. Todos entre as diferentes tendências, faltam, no
os motivos que levam ao consumo, a aderir às entanto, as condições para que isso se
tendências da moda, mexem com o prazer, concretize de fato. Esse movimento envolve

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uma série de dimensões que abrange desde as sínteses. Ao contrário, eles os adaptam de
características aparentes – como a estética – acordo com os estímulos recebidos, suas
até as características “pessoais” dos indiví- expectativas e o conjunto de características
duos e o fator econômico dos mesmos. Estes que possuem. O resultado dessa articulação
elementos não podem ser desconsiderados, acaba restringindo o âmbito de opções dos
nem as infusões psicológicas e sociológicas sujeitos, através da seleção de gostos, práticas
que constantemente incidem sobre eles. e estilos.

O fato das tendências do consumo não estarem As múltiplas ofertas revelam, então, sujeitos
mais restritas às vitrines das lojas, mas diferentes e escolhas diferentes, não abun-
expostas nas pessoas, nos lugares, nos carros, dantes, talvez, nem variadas. Bourdieu e
na mídia, favorece mais a influência dos gostos Williams20 observam que a idéia dos indiví-
que a individualidade de suas escolhas. duos possuírem os mesmos bens antes de
Featherstone observa que o prazer da indicar a igualdade dos mesmos, reflete o
utilização das diferentes tendências se dá limite de suas possibilidades. Limite este que
quando elas são legitimadas. Daí o engaja- se apresenta, especialmente, na dificuldade
mento das pessoas a determinados estilos e o da realização de escolhas sem influências
direcionamento de sua “liberdade”, pois, do externas e sem a consideração do poder
contrário, elas podem não significar o que aquisitivo dos sujeitos.
pretendem.
Neste sentido, Baudrillard e Featherstone
A liberdade total das opções não vigora de salientam que as práticas do consumo acabam
fato. A prática daquilo que se propõe acaba refletindo o “poder” de alguns grupos pelos
requerendo limites no social. O olhar do outro, privilégios que lhes são reservados em termos
as mensagens que embasam um estilo, os de possibilidade de aquisição. Este fator não
estereótipos já formulados em torno de se manifesta no acúmulo de objetos de
determinados bens e comportamentos consumo, mas na vantagem de possuir bens
tornam-se, mesmo que inconscientemente, de alta qualidade, que os distingue dos demais.
condicionantes do consumo, limitadores das Assim, a classificação diferenciada dos
opções. indivíduos no social acaba aparecendo. Os
aspectos externos, como os bens de consumo,
Por outro lado, a multiplicidade de ofertas por exemplo, podem ser seu primeiro indício.
não garante a multiplicidade de escolhas, A aparência, no entanto, revela-se insuficiente
porque os sujeitos não são iguais. Os objetos para definir os sujeitos sem considerar a
de consumo realmente se oferecem a todos, complexidade de seus modos de vida e
mas a todos que tenham condições financeiras concepções.21
para adquiri-los, a todos que compartilhem
os mesmos gostos e valores neles represen- Independente dos equívocos de concepções e
tados. As diferenças manifestas nos gostos, crenças que a própria lógica do consumo
costumes, conhecimentos, atitudes e concep- possa promover, é a sua condição sígnica que
ções dos sujeitos precisam encontrar algumas não se pode desconsiderar. Ela embasa as
afinidades naquilo que lhes é oferecido. A práticas consumistas, recobrindo os objetos
“bagagem” individual que os sujeitos trazem de atributos e abstrações sedutoras. São os
consigo elabora-se e reelabora-se constan- signos daí emergentes que apelam ao
temente com a colaboração de diferentes imaginário dos sujeitos, fazendo-os conceber
fontes, entre elas, os intermediários culturais. a possibilidade da realização de suas
O misto de opiniões, sugestões, indicadores expectativas em determinados objetos.
de procedimentos que os indivíduos recebem
não os impedem de fazer suas próprias É a construção feita a partir destes objetos –

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suas propriedades, vantagens e valores – que Notas
indica sua(s) utilidade(s). Aí já não são mais
as necessidades pura e simples, conscientes, 1 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de
dos sujeitos que se manifestam, mas aqueles Janeiro, Elfos, 1995, p. 68.
sentimentos que as sugestões compreendidas
nos objetos insistem em mostrar que faltam 2 BAUDRILLARD, Jean. Para uma crítica da economia política
em suas vidas. Os estímulos daí provenientes do signo. Paris, Gallimard, 1972, p. 39-40.
oferecem “materiais” constantes para a
formação dos estilos dos indivíduos e dos 3 Idem, p. 78.
grupos.
4 Idem, p. 79.
São os sistemas de signos, portanto, mantidos
e estimulados pela lógica do consumo, que 5 Termo usado pelos demais autores abordados e desenvol-
fazem o homem relacionar-se com ela própria vido por Baudrillard em Para uma crítica da economia
através dos objetos e das concepções de política do signo, op. cit., p. 53.
necessidade e realização. “Necessidades e
prazeres”, como disse Baudrillard, são apenas 6 Baudrillard tenta desmitificar o termo “sociedade de
“efeitos de palavra” 22 que encobrem a consumo”. Ver BAUDRILLARD, J., op. cit., p. 55.
arquitetura sígnica que estrutura as práticas
consumistas(B, SC, 80). 7 LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo,
Companhia das Letras, 1989, p. 173.
A ressalva de Featherstone de que as pessoas
também procuram um lugar “seguro”, 8 Idem, p. 174-175.
“legítimo” no social refere-se exatamente à
significação que assumem através dos bens 9 A partir deste pensamento, Lipovetsky começa a desenvolver
adquiridos. Elas optam entre este ou aquele seu raciocínio para mostrar como a moda pode colaborar no
objeto, entre esta ou aquela proposta, desenvolvimento da vida humana. Ver LIPOVETSKY, G.,
considerando a posição (e todos os meandros op. cit., p. 175.
que esta pode envolver) em que serão
“enquadradas” socialmente. 10 São pontos positivos como estes que Lipovetsky reconhece
como fruto dos processos de mudança constante estimulados
O consumo para si que comunica algo para o pela moda. Ver LIPOVETSKY, G., op. cit., p. 175.
outro é apenas um viés em que se manifestam
as diferenças que os signos do consumo 11 Termo utilizado por LIPOVETSKY, G., op. cit., p. 175.
imprimem na sociedade. A união deste
aspecto aos pontos já citados e aos que ainda 12 Idem, p. 176.
se puder identificar levam a aceitar o fator
distintivo do consumo. O que, a partir disso, 13 Id. Ibid.
incita a curiosidade são os mecanismos através
dos quais as construções sígnicas conseguem 14 Conclusão a partir do pensamento que LIPOVETSKY
articular os desejos, as necessidades e carências desenvolve em Para uma crítica da economia política do
dos sujeitos em relação a seus semelhantes e signo, op. cit., p. 177.
aos objetos de consumo. Saber como se
desenvolve a lógica da diferenciação na vida 15 Id. Ibid.
dos sujeitos para mantê-los em constante
movimento de escolha entre os objetos, mesmo 16 FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-
que as promessas de satisfação neles inseridas modernismo. São Paulo, Studio Nobel, 1995, p. 119.
lhes traga freqüentes decepções ■
17 Termo de Pierre Bourdieu citado por FEATHERSTONE, M.,

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op. cit., p. 125.

18 FEATHERSTONE, M., op. cit., p. 123.

19 Idem, p. 132.

20 Featherstone desenvolve algumas idéias de Raymond


Williams e Pierre Bourdieu para abordar as diferentes
características que envolvem as pessoas de acordo com o
campo social em que se encontram. A este respeito ver
FEATHERSTONE, Mike, op. cit., p. 123-128.

21 Observação inspirada nas ressalvas de Williams e Bourdieu


in FEATHERSTONE, M., op. cit., p. 124.

22 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, op. cit., p. 80.


Ana Diehl

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