Resumo. A proposta inicial deste trabalho é fazer uma abordagem sobre o tema da política na
filosofia de Platão, mais propriamente um panorama da pressuposição socrática de justiça no
diálogo Górgias e na República. Faz parte da proposta, esboçar como que do problema da
justiça, que é discutido no Górgias, a definição de Sócrates se tornará o fio condutor da sua
perspectiva politica pelo texto da República, de modo a ser o ideal do politico e do estado
perfeito. Apresenta-se também neste trabalho a crítica socrática as formas degeneradas de
governo e como estas são provenientes das deformidades da alma humana.
1. Introdução
Podemos notar que as descobertas dos pesquisadores sobre Platão revelam que
possivelmente seu objetivo não era simplesmente elaborar um corpo doutrinário, mas sim, por
luz sobre o processo do conhecimento1. Desta forma, sua análise sobre a política não teria
outra finalidade senão pedagógica. Para Platão as questões culturais específicas de um povo e
seus costumes são questões marginalizadas. É para além dessas características que se adequa
a sua compreensão de política, visando como ideal, a educação perfeita para um estado
perfeito. Por exemplo, tomemos a crítica exposta no livro III da República sobre o uso da
poesia na educação dos jovens, a qual Sócrates recomenda que sejam rejeitados2. Para ele o
ideal pedagógico nunca poderia ser inspirado no modelo de comportamento dos deuses, pois a
forma como são representados nas poesias, além de irreais, refletem valores ligados ao mundo
sensível, sujeitos a mudança, uma vez que o verdadeiro modelo comportamental deve ser
fundamentado na ideia do Bem.
Isto nada mais é do que um reflexo de sua abstrusa reflexão, assumindo a teoria das
formas como verdade absoluta, criando uma forma de estado perfeito que fosse superior a
qualquer circunstância.
Trabalho apresentado para avaliação da disciplina Politica I do curso de licenciatura em Filosofia da UESB
ministrada pelo professor Dr. Paulo Gilberto Bertoni.
1
JAEGER, 1995, p. 749
2
República, 387b
Havia na Hélade desde muito tempo, conflitos em torno do que poderia ser o estado
perfeito e como a ideia desse paradigma poderia ser derivada da melhor concepção possível.
Assim como a perfeição das coisas e dos corpos eram importantes aos gregos, de igual
modo, a política deveria, a partir da ideia do estado, alcançar o máximo de perfeição3. A ideia
de perfeição platônica não pode ser de modo algum relacionada à mutabilidade das causas
sensíveis, das quais frui algumas deformidades da alma humana.
Platão é enfático no sentido de que a evidência da natureza, no aspecto moral, não
necessariamente poderá nos conduzir sobre a sua verdade e que devemos nos orientar sempre
por outro viés, o do conhecimento verdadeiro, para se chegar àquilo que corresponde a
verdadeira natureza da alma que deve ser justa. É nesse contexto que mais exatamente se
localiza no diálogo denominado Górgias que Platão fundamenta algo que posteriormente
temos como as bases para o bom politico e o estado perfeito.
3
JAEGER, 1995, p.754
4
MARTINS, 1995, p. 386
baseando na pratica retórica ou cultivando a filosofia, como quer sugerir Sócrates5. São
nítidas as malhas tecidas pelo filósofo para indicar a primazia e superioridade desta última
opção, pois uma vida bem vivida tem como pressuposição, assim como todo o texto
platônico, a busca pela verdade, como objetivo para chegar ao conhecimento, ao verdadeiro
saber.
Sócrates faz como que Górgias admita que para ser justo é necessário ter o
conhecimento verdadeiro da justiça, isto implicará que o orador só poderá falar da justiça se
for justo6. Assim negando qualquer possibilidade de mau uso da retórica. O problema para
Sócrates é, no entanto, o problema de definição, pois ao apresentar uma nova conceituação
dos termos se poderá chegar a verdadeira conclusão do que é felicidade e justiça.
Uma intervenção é feita pelo anfitrião Cálicles, que apresenta seu posicionamento,
defendendo a lei do mais forte como a verdade implícita da própria natureza. Para ele justa é a
lei do mais forte e o mais poderoso deve dominar o mais fraco. Jaeger diz que esse impasse
gerado pela defesa da antítese nomos-physis apresentado por Cálicles, é devido o contexto
político da Grécia, que advinha de discussões anteriores até mesmo o tempo de Platão e que
tradicionalmente obteve maior espaço, a Lei da natureza era tida como a própria verdade, por
este motivo aparece Sócrates para refutar as ideias do velho Cálicles que era “o tipo de
político que representa a falta de escrúpulos”, e também denota “a luta entre educação e poder
pela alma humana”, todas essas coisas representavam o problema primordial daquele tempo7.
O anfitrião de Górgias e Sócrates avança seu ataque e interpela sobre o sentido e
utilidade da filosofia. Para Cálicles a filosofia afasta o jovem da realidade e não deveria ser
para este uma preocupação, assim também as leis são para os fracos. Como já percebemos
este posicionamento revela questões já postas na sociedade grega daquela época.
É ai que Platão começa a esboçar aquilo que posteriormente veremos exposto na
República, a partir da sua justificação da filosofia Sócrates estabelecerá mais tarde como
sendo ela o objetivo do bom político. Sócrates determina no Górgias que a verdadeira
finalidade da ação politica é a natureza da alma e esta determina os traços principais de sua
atividade. A lei é o que torna os cidadãos justos8 e é algo diferente de apenas uma convenção.
A retórica deve se ajustar ao telos que é fazer nascer a justiça nas almas do ouvintes,
5
Górgias, p.146, 500c
6
Idem, p.73, 460c
7
JAEGER, p. 757
8
Górgias, p 154, 504d
tendo portanto nisto sua dimensão politica e não na ideia de a poder usar em ambientes
políticos.9
Sócrates exige então que o politico torne o homem justo e feliz. O nexo platônico entre
filosofia e politica é orientar sua ação pela justiça, só aí existe verdadeira realização, pois a
areté humana e a areté politica coincidem segundo Platão e contribuição da filosofia é para
que essa telos seja alcançada10.
A partir desse ponto podemos compreender então a proposta politica de Sócrates na
República que determina que a formação politica encerre na própria disciplina da filosofia,
em levantar um rei-filósofo, pois desta forma ele cumprirá a sua verdadeiro função, sendo
justo e tornando a comunidade em pessoas justas e felizes.
9
Górgias, p.154, 504d-e
10
Martins, p.395
11
Jaeger, p 924
12
República, p. 368,548a
riqueza, acima da virtude e dos menos considerados13, gerando uma instabilidade social. A
seguir o estado sofrerá, pois à medida que oligarquia assume o poder, este poder será
repassado de pai para filho, de modo que a sabedoria e a razão perderão seu valor máximo e o
governo será corrompido pela luxúria e prodigalidade tola da hereditariedade dos
governantes. É neste dilema que faz surgir, de uma forma deficiente de governo, uma outra
forma degenerada, que para Platão que é a democracia. Partindo de que o estado é um corpo
doente, quem melhor fará bem ao corpo do que senão o médico, neste sentido quando a
oligarquia perde seu poder para o povo, este não saberá o que é melhor para o Estado a não
ser através daquele que esteja preparado o suficiente para tal tarefa, a critica de Platão a
democracia, não deve ser vista através de uma ótica atual do debate politico como apresenta
Wolff:
A saúde do estado tem tanta ou mais importância que a saúde de um dado
individuo. Tomar decisões politicas - decisões no interesse do estado – requer
reflexão e competência na matéria. Segundo Platão é função que se deveria deixar
aos especialistas. Permitir que o povo decida é como viajar em alto mar consultando
aos passageiros, ignorando ou desprezando aqueles que verdadeiramente são
competentes para a arte da navegação. Tal como um navio assim comandado se
transviará e irá a pique, também – diz Platão – o navio do estado naufragará14.
A última forma apresentada é a da tirania, Sócrates discorre sobre ela por todo o Livro
IX, não pela sua importância, mas por ser para ele a mais repudiável. Nela o poder é usurpado
por um politico totalitarista e ditador, o qual assume o controle do estado, por negligencia,
medo ou própria incapacidade do demos de assumir o poder. Para Sócrates esta seria a pior
das formas, pois representa bem aquilo que Cálicles já havia apresentado no Górgias. O tirano
representa o politico inescrupuloso, que rege a ferro e fogo pela politica do mais forte,
concretiza no estado de acordo apenas a sua vontade.
Todas estas formas se opõem a aquela que Sócrates em toda a República defende, um
modelo aristocrático, não compreendido pelo termo, em uma chave de leitura atual, mas o
governo daquele que está apto a governar. Cujo objetivo é o de promover a justiça, formando
cidadãos justos e felizes como já fora exposto.
4. Conclusão
Visto todas estas coisas cabe ressaltar que a proposta deste texto é de apenas
apresentar um breve panorama do que consiste o ideal politico platônico, em suas obras a
13
Rep. 373, 551a
14
Wolff. p.98
Republica e o Górgias. Acima de tudo salientar que o tema é amplo e não fora possível aqui
tratar de todas as minucias que configura os textos politico de Platão.
Pode-se extrair a interpretação do ideal platônico mais propriamente destes textos e a
partir deles formarem-se chaves para situar o contexto politico de Platão e entender o discurso
socrático.
Em suma, compreendemos que para Platão o ideal de justiça deve estar implícito na
formação do politico e que a justiça não somente se apresenta como temática da formação do
individuo como também, deve ser o objetivo da constituição do próprio Estado.
Referências.
JAEGER, Werner. Paidéia; a formação do homem grego. Martins Fontes, São Paulo, 1995
________, Górgias. Trad. Jaime Bruna. Difusão europeia do livro. São Paulo, 1970