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Direito das Coisas FDUP

Direito das coisas

Introdução

Capítulo I – Dos direitos reais em geral

1. O direito patrimonial

Direito Civil → Não patrimonial → ex. Direitos pessoais de


família; direitos de
personalidade; etc. Não se
inserem nas normas que
regulam a troca de bens em
termos económicos, nem nas
normas que definem a atribuição
dos bens e a sua utilização.
→ Patrimonial → regulador das relações de
conteúdo económico e susceptíveis
de avaliação pecuniária.

Tem como função a definição do regime
de bens económicos. Estes bens económicos, sendo bens escassos,
geram frequentes conflitos de interesse. Daí que o direito apareça a
regular estas situações de conflitualidade imanentes à procura dos
bens económicos, que reclamam uma ordem que arbitre o domínio
desses bens.

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É então ao Direito Patrimonial (no qual se enquadra o direito


das coisas) que cabe fazer esta regulação da utilização e da
disponibilidade dos bens e ainda do acesso e circulação desses bens.
Distinguem-se deste modo dois tipos de normas que constituem o
direito patrimonial:
1) normas que regulam o acesso aos bens e a sua circulação
entre as pessoas (acesso e circulação dos bens).
2) normas que regulam a disponibilidade dos bens, isto é, a sua
apropriação, utilização e disposição imediata (apropriação,
utilização e disposição dos bens).

Assim, dentro do Direito Patrimonial encontram-se dois ramos
distintos do Direito:
1) Direito das Obrigações (regula o acesso e a circulação dos
bens).
2) Direitos Reais/Direito das Coisas (regula a disponibilidade e a
disposição efectiva dos bens).

1) Direito das Obrigações → conjunto de normas que regulam o


acesso e a circulação dos bens no sentido da sua aquisição. O seu
tratamento jurídico incide sobre a transmissibilidade e acesso aos
bens numa perspectiva de dinâmica patrimonial. Regula a mobilidade
da vida económica. As normas obrigacionais permitem uma utilização
indirecta do bem, porque a sua fruição está dependente da
intervenção do devedor.

2) Direito das coisas → conjunto de normas que regulam a


disposição plena dos bens e a sua apropriação. Daí que as suas
normas se prendam essencialmente com o domínio e a utilização dos
bens, regulando o autêntico e autónomo poder das pessoas sobre as
coisas. O direito das coisas tem assim uma disciplina específica e

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directa da utilização do bem, o poder que determinado sujeito possui


sobre um bem, numa perspectiva de estática patrimonial, numa
perspectiva de domínio. Nessa medida, conferem maior segurança
sobre os bens ao seu titular. É neste sentido que se pode afirmar que
o direito das coisas regula as infra-estruturas sócio-económicas de
uma sociedade.

Resumindo, os direitos de crédito estão relacionados com a
mobilidade da vida económica, com a dinâmica patrimonial, com a
circulação dos bens no comércio jurídico, ao passo que o direito das
coisas trata da estática patrimonial.
O detentor de um direito real sobre um bem goza, por isso, de
uma maior protecção do que aquela que é conferida pelo direito das
obrigações e daí que se possa dizer que os direitos reais, pela maior
segurança que conferem aos seus titulares, são o alicerce de toda a
ordem jurídica no que se refere ao controlo de bens económicos.
Ao contrário do direito das obrigações, os direitos reais
permitem a disponibilização plena dos bens e conferem vantagens ao
seu titular de natureza não económica como, por exemplo, posições
de poder, prestígio e autoridade.
Enquanto regulador do poder e domínio dos bens, o direito das
coisas regula as infra-estruturas sócio-económicas de uma sociedade,
tendo, por isso, um papel privilegiado na definição e modo de ser de
uma sociedade. Daí o relevo que o direito das coisas assume no
direito patrimonial.

Assim, os direitos reais, enquanto fonte de domínio dos bens,


assumem uma grande importância normativa no desempenho do
papel privilegiado no plano da disposição de tais bens económicos,
ainda que essa função seja auxiliada pelo direito das obrigações. A
gestão conferida pelo direito das coisas deverá ser, nessa medida, o

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mais abrangente possível, a fim de diminuir com eficácia o maior


número de conflitos possíveis, procurando-se, com tal intenção, a
ausência de lacunas normativas.

2. As grandes formas de ordenação de domínio

A plena regulamentação normativa não tem sido historicamente


suficiente para impossibilitar o aparecimento de lacunas que têm
existido ao nível da organização dominial.
De facto, a situação ideal é que a cada coisa pertença um
titular. Quando é assim, o domínio não tem lacunas e não há conflitos
de interesse.
Todavia, nem sempre assim acontece. Há situações em que se
abrem lacunas: pessoa que perde um bem; alguém que faz um
contrato não sendo sujeito a forma escrita (contrato nulo); pessoa
que utiliza um bem sem ser seu titular; alguém que furta o bem;
alguém que morre sem herdeiros; etc.
Assim, distinguem-se duas grandes formas de ordenação
dominial:

1) Ordenação dominial definitiva → composta por instrumentos


jurídicos que, por excelência, têm por missão regular, em
termos definitivos, incontestáveis e não duvidosos o domínio
dos bens (domínio definitivo).

2) Ordenação dominial provisória → baseada no instituto da


posse. Trata-se de um expediente provisório destinado a
preencher as lacunas de ordenação definitiva. A relação
dominial obtida através da posse, não apresenta as mesmas
garantias que a ordenação definitiva, podendo, inclusive,
ambas as ordens entrarem em conflito (domínio provisório).

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3. Direito das coisas e direitos da pessoa

O direito das coisas regula o domínio dos bens em sentido


estrito, dos bens considerados em si mesmo, regula a directa e
imediata relação das pessoas com as coisas, o que significa que entre
o titular e a coisa não há qualquer intermediário, há sim uma relação
linear entre a pessoa e a coisa.

Noção jurídica de coisa → art.202º CC: “Diz-se coisa tudo
aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas.”

Esta noção de coisa é muito ampla e até
tecnicamente errada. Enquanto objecto de um direito real, coisa é
todo o bem externo e escasso, desprovido de personalidade jurídica,
de carácter estático, corpóreo ou incorpóreo, com existência jurídica
autónoma, susceptível de apropriação individual e apto a satisfazer
interesses ou necessidades humanas.

Não cabem na noção de coisa (não são coisa):


1. Direitos sobre a pessoa;
2. Prestações;
3. Situações económicas não autónomas (não se podem
dominar, nem possuem existência própria. Ex. Clientela de
um estabelecimento comercial – o estabelecimento vive da
clientela, o valor do estabelecimento mede-se em função da
clientela. Não há nenhum direito sobre a clientela, porque,
sendo ela um bem económico, é não autónomo, uma vez
que sem estabelecimento comercial não há clientela. A sua

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tutela só ganha sentido em função do estabelecimento


comercial).

Neste âmbito importa distinguir:


− Bem patrimonial → bem que tem um equivalente
pecuniário. Do ponto de vista dos interesses há um
equivalente.
− Bem não patrimonial → bem ligado à pessoa (qualquer
indemnização por lesão de um bem não patrimonial
destina-se a compensar a lesão sofrida). As pessoas não
são bens patrimoniais, mas são fonte de interesses.

Direitos sobre as pessoas → atribuição de um poder directo e


imediato sobre a própria pessoa ou sobre a pessoa de outrem. São
diferentes dos direitos das coisas.
→ Direitos sobre a própria pessoa → são os chamados direitos
de personalidade, atendíveis numa dupla dimensão: por um lado, a
personalidade no seu todo e então temos uma tutela geral da
personalidade; por outro lado, aspectos da personalidade, isto é,
direitos que incidem sobre manifestações específicas da
personalidade. Trata-se como é óbvio de duas perspectivas da
mesma realidade. Visam proteger a própria pessoa humana. Ela é
simultaneamente titular e objecto destes direitos de auto-protecção.
→ Direitos sobre a pessoa de outrem → regulam os bens não
patrimoniais ligados a esta e atribuem ao titular um poder directo e
imediato sobre a pessoa de outrem. Aqui o titular e objecto do direito
são pessoas, mas pessoas distintas. Tais direitos visam tutelar a
pessoa objecto do direito em causa enquanto ser em
desenvolvimento, nos primeiros anos de vida. Este tipo de direitos
são os chamados poderes-deveres, que possuem um carácter
excepcional, porque satisfazem não o titular do direito, mas a pessoa

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objecto desse direito. Não há, por isso, uma coisificação da pessoa,
porque a pessoa é objecto, mas não titular do direito.

4. Distinção entre direitos reais e direitos de


crédito

a) Distinção no plano dos interesses e no plano técnico-


jurídico: a teoria realista e a teoria personalista

Plano dos interesses:


O objecto do direito das obrigações são as prestações.
O objecto do direito das coisas são as coisas.
Deste ponto de vista, a definição entre os dois ramos não é
muito clara, principalmente quando os direitos obrigacionais têm
como objecto uma prestação de “dare” (prestação de coisa). No caso
destas obrigações, o que interessa para o credor é a entrega da coisa
e não o caminho que o devedor teve de seguir ou os esforços que
teve de fazer para prestar a coisa.
Do mesmo modo, nas obrigações de “facere” ou de “non facere”
a diferença também não é relevante, porque o interesse do credor
não é tanto a prestação, mas antes o resultado dela. O que importa
não é o modo de cumprimento, mas o resultado. O que conta é o
efeito da prestação, a satisfação que o credor tira da
actuação/omissão do devedor para o credor.

Assim, no plano dos interesses, a diferença entre obrigações e


coisas acaba por ser atenuada ou anulada. Daí que, para se distinguir
o direito das coisas e o direito das obrigações, se torna necessário
recorrer ao critério técnico-jurídico.

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Plano técnico-jurídico:
No plano técnico-jurídico, a distinção faz-se atendendo à
anatomia do direito em causa.
(Note-se, todavia, que um critério que se fundamente no
objecto dos direitos reais ou dos direitos obrigacionais não procede,
porque ambos os direitos pertencem ao direito patrimonial e,
portanto, dirigem-se tipicamente às coisas, quer se situem no
domínio, quer no acesso a essas coisas.)
A distinção no plano técnico-jurídico é feita pela doutrina
através da chamada teoria realista e teoria personalista.

a) Teoria clássica ou realista → Aparece no séc. XVII e


XVIII, na Holanda e na Alemanha. O critério de distinção
entre o direito das coisas e o direito das obrigações
assenta na relação homem-coisa.
Nos direitos reais há uma relação homem-coisa, que se
traduz numa relação directa e imediata, sem
intermediários entre a pessoa e a coisa objecto da relação
jurídica.
No direito das obrigações a relação homem-coisa é uma
relação indirecta, mediata, porque entre ambos está a
pessoa do devedor. O acesso do bem pela pessoa está
condicionado pela acção do devedor, não sendo um
acesso directo como sucede com o direito das coisas.
Pressupõe o cumprimento da prestação do devedor. A
relação obrigacional seria sempre uma relação homem-
homem, ou quando fosse uma relação homem-coisa,
distinguir-se-ia da relação real por ser sempre mediada
por um terceiro (o devedor).
Até ao séc. XIX, esta doutrina colhia unanimidade no
panorama civilista, sendo de resto tradução de um

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fenómeno empírico perspectivado no direito real, segundo


o qual o titular do direito real se assenhora da coisa numa
relação sem intermediário.
b) Teoria personalista ou obrigacionalista → surge no séc.
XIX e tem como principais seguidores Ferrara, Planiol,
Ripert, Windscheid e, na doutrina portuguesa, Manuel de
Andrade. Defende que toda a relação jurídica é inter-
subjectiva, isto é, é estabelecida entre pessoas, em
sentido técnico-jurídico. Só em sentido figurado se pode
dizer que há uma relação entre a pessoa e a coisa. Deste
modo, também a relação real assume esta natureza
inter-subjectiva, mesmo que os sujeitos passivos não
sejam conhecidos. Admite-se então que pode haver
relações jurídicas entre pessoas desconhecidas.
Ora, estaríamos perante uma relação obrigacional
quando a relação inter-subjectiva for composta por
pessoas individualizadas. Se, por sua vez, apenas um dos
pólos da relação jurídica for conhecido e o outro lado for
desconhecido, estamos perante uma relação real.
Nesta perspectiva, a relação homem-coisa oculta uma
relação inter-subjectiva, caracterizada pelo facto de
apenas o titular do direito ser conhecido e de os sujeitos
passivos estarem indeterminados.
Na relação obrigacional, sendo determinados e
conhecidos, quer o titular do direito, quer o sujeito
passivo, há uma relação homem-homem.
Na relação real também há uma relação homem-homem,
só que enquanto que o titular do direito real (sujeito
activo) está determinado e individualizado, o outro lado
da relação jurídica não está. O nexo que liga um pólo ao
outro é a chamada obrigação passiva universal, ou

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melhor, os sujeitos passivos estão vinculados por uma


obrigação passiva universal. O seu conteúdo é uma
obrigação de “non facere” geral. É universal porque
abrange todas as pessoas que não são titulares do
direito. É passiva porque consiste numa obrigação de não
perturbação do gozo do direito, traduzindo-se num “non
facere”, num dever de não interferência.
Resumindo, a diferença entre obrigações e coisas é que
nas primeiras há uma relação homem-homem, estando
ambos os sujeitos definidos, ao passo que nas segundas
há uma relação homem-homem, não estando uma das
partes (o sujeito passivo) individualizada.

b) Pertinência de cada uma das doutrinas

Estas duas teorias destacam apenas uma faceta do conjunto


complexo de factores utilizados para distinguir direitos reais e direitos
de crédito: a teoria realista destaca o conteúdo do direito real,
esquecendo o elemento de protecção desse direito real; a teoria
personalista resolve o problema da protecção do direito, mas
desvaloriza o seu conteúdo.

Vimos até agora as teorias dualistas, que defendem a distinção


entre os direitos reais e os obrigacionais.
Porém, há ainda que expor a teoria monista, que nega a
diferenciação entre aqueles dois direitos e tem a sua origem na
concepção que neles o elemento principal é o patrimonial. Daí que
esta teoria concebe o direito real e o obrigacional numa só noção.
Um dos grandes defensores desta teoria monista foi René
Demogue, que concluiu que, verdadeiramente, não existe ou não é
possível uma distinção qualitativa entre os dois tipos de relação. É

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que a obrigação passiva universal, sendo uma obrigação geral de


respeito, também existe nos direitos de crédito, não sendo precludida
pelo facto de a relação se estabelecer entre pessoas determinadas.
Ao invés, também aqui as demais pessoas têm a obrigação de
respeitar aquela relação.
Para Demogue, a distinção entre direitos de crédito e direitos
reais seria feita através de um critério quantitativo, assente no
número de sujeitos passivos. Assim, os direitos fortes têm como
sujeitos passivos um número indeterminado de pessoas e os direitos
fracos, que existem entre pessoas determinadas, correspondem aos
direitos de crédito, embora estes direitos se alargassem acabando por
incluir os chamados direitos fortes. Estamos aqui perante uma
posição monista ou unitária, na medida em que negam a
diferenciação entre direitos reais e direitos obrigacionais. Como se
disse, ambos têm a sua origem na concepção que o seu elemento
principal é o patrimonial, pelo que estas teorias monistas concebem
os direitos reais e os direitos de crédito numa só noção, em virtude
do facto de ambos poderem ser abrangidos pelo direito patrimonial
(as teorias monistas subdividem-se em duas: numa prevalece o
elemento obrigacional – tese defendida por Demogue; na outra
prevalece o elemento real – cfr. “Da distinção entre direitos reais e
obrigacionais – a partir do ordenamento jurídico português” de
Leonardo Gomes de Aquino).

A doutrina personalista é pertinente ao assinalar que todo o


direito assenta na inter-subjectividade e ao valorizar a sanção
traduzida na obrigação passiva universal, uma vez que os direitos só
são relevantes quando exista a sua garantia. Por outro lado, ela
esquece o conteúdo do direito ao defender que o poder directo e
imediato sobre uma coisa só é relevante quando haja uma sanção
que proteja o seu exercício (neste caso, a obrigação passiva

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universal, que impende sobre todos os outros sujeitos). Ou seja, o


direito real só se traduz num poder jurídico, porque lhe está
associada a obrigação passiva universal. O poder sobre a coisa não
será uma realidade jurídica autónoma, mas uma consequência do
poder reconhecido pelo direito de impor aos outros o dever de não
interferir.
Serão sujeitos passivos todos os sujeitos a quem a ordem
jurídica impõe tal dever, pelo que, relativamente a bens móveis,
serão sujeitos passivos todas as pessoas que estão sob a alçada da
ordem jurídica que reconhece o direito real, mas também todas as
pessoas sujeitas a ordens jurídicas que reconheçam aquela ordem.

A doutrina realista é pertinente ao afirmar que, não obstante


todo o direito pressupor uma sanção, esta sanção só tem sentido, só
é realizável, se existir um conteúdo (um poder directo e imediato que
a pessoa tem sobre a coisa) para o qual seja determinada tal sanção.
Para esta doutrina, a tónica que caracteriza o direito real deve estar
no poder directo e imediato sobre o bem, poder este que faz
desencadear a garantia. Temos, então, uma relação biunívoca (os
interesses são a causa da sanção e, por outro lado, é a existência da
sanção que dá relevo jurídico aos interesses), que nos permite
perspectivar um direito real segundo um lado externo (sanção) e um
lado interno (conteúdo do direito real).

c) Doutrina dominante

A doutrina dominante consiste numa teoria eclética, mas que


tem por base as teorias dualistas (teoria clássica ou realista e a teoria
personalista ou obrigacionalista).
Para esta teoria eclética, conteúdo e sanção são determinantes
e indissociáveis para uma correcta definição dos direitos reais face

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aos direitos de crédito. Todavia, o elemento que desencadeia a


protecção do direito será sempre o poder absoluto, directo, imediato
sobre a coisa/bem, sendo a sanção o instrumento que o ordenamento
jurídico utiliza para assegurar este poder directo e imediato. Há então
uma primazia funcional do conteúdo sobre a sanção.
Para distinguir, portanto, direitos reais dos demais ramos do
direito, em especial o direito das obrigações, é necessário recorrer ao
critério do conteúdo e ao critério da sanção.
Porém, o conteúdo do direito real, enquanto poder directo e
imediato sobre uma coisa, só é perceptível se tivermos em conta
duas características que contendem com o seu lado interno e com o
seu lado externo. Assim, temos:
− imediação → relaciona-se com o lado interno do
direito real e traduz-se no seu conteúdo, isto é, no
poder directo e imediato sobre a coisa que
caracteriza o direito real. Ao invés, no direito das
obrigações a relação é mediata, porque entre a coisa
e o bem existe a pessoa do devedor.
− estabilização → ligado ao lado externo do direito real
e põe em destaque a eficácia “erga omnes”, eficácia
absoluta, do direito real, que deste modo fica
protegido contra a generalidade das pessoas. Esta
característica está, então, ligada à sanção/protecção
conferida pelo ordenamento jurídico, que se traduz
numa segurança face às agressões exteriores. Por
outro lado, o direito das obrigações tem uma tutela
relativa, dirigindo-se apenas contra determinadas
pessoas. Na perspectiva dos interesses, o direito real
confere maior segurança do que os direitos de
crédito, pois enquanto que a estes apenas se admite
o efeito externo das obrigações em casos contados,

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em relação aos direitos reais, eles têm como


essência, natureza e razão a eficácia “erga omnes”
(absoluta).

5. Noção de direito das coisas e o paradigma da


“plena in re potestas”

Posto isto, podemos tentar ensaiar uma noção de Direito Real:


poder directo e imediato sobre uma coisa, impondo-se à generalidade
dos membros da comunidade jurídica e constituindo uma
aproximação, derivação ou expressão da forma plena de domínio
sobre os bens, com vista a organização sólida das infra-estruturas
sócio-económicas existentes. Esta forma plena e absoluta é o Direito
de Propriedade.

O direito real visa a organização
das infra-estruturas económicas de um país, sendo que se destaca o
direito de propriedade como único instrumento jurídico que realiza no
plano do aproveitamento o pleno gozo sobre uma coisa. Este é o
direito principal, do qual todos os outros dependem ou ao qual se
reconduzem. Assim, qualquer noção de direito real tem
obrigatoriamente que partir da noção de direito de propriedade.

6. Obrigações reais e ónus reais

Há um conjunto de situações que ocupam um espaço normativo


entre os direitos de crédito e os direitos reais:

a) Obrigações reais → encargos que recaem sobre quem é


titular de um direito real, pelo que a causa da obrigação é

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determinada pela titularidade do direito real. Desse modo, o


titular da obrigação e o titular do direito real são a mesma
pessoa. Há, assim, uma relação estrutural genética,
funcional e instrumental entre a titularidade da obrigação e o
aproveitamento do direito real.
Ex. Art.1375º CC – reparação e reconstrução do muro; na
compropriedade, as despesas feitas na manutenção da coisa
comum; as despesas de condomínio na propriedade
horizontal; as despesas de conservação de uma coisa que
incidem sobre o administrador dessa coisa.
Obrigação real ≠ Obrigação em geral:
− transmissão – a obrigação real transmite-se com
a transferência do direito real, isto é, as
obrigações acompanham necessariamente a
transmissão do direito real, apesar do adquirente
só responder pelas obrigações futuras. As
obrigações anteriores à transmissão continuam a
ser do titular anterior do direito. Por sua vez, nas
obrigações em geral, a obrigação só se transmite
se o adquirente assim consentir. Por exemplo, A
deve a B €50 e por essa dívida convencionaram
um juro de 5%. Se A transmitir a dívida a C, o
juro não se transmite automaticamente, mas só
se C aceitar.
− exoneração/extinção – nas obrigações reais o
titular do direito fica exonerado quando transmite
o direito. O devedor liberta-se do vínculo, desde
que renuncie ao direito real. Na obrigação em
geral, o devedor não pode, unilateralmente,
exonerar-se do débito, já que precisa de
autorização do adquirente.

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b) Ónus reais → de acordo com Henrique Mesquita, não


existe no direito português um conceito unívoco de ónus
real, sendo a noção empregue pelo legislador em diferentes
contextos jurídicos. Há todavia um elemento comum: a
existência de gravames, isto é, encargos sobre
determinadas coisas que constituem objecto dos ónus.
Ónus real será então um encargo imposto a quem é titular
de um direito real, em benefício de outra pessoa a favor da
qual o ónus é constituído. Estes encargos têm eficácia “erga
omnes” e recaem directamente sobre o próprio bem, o que
não acontece nas obrigações reais.
Ex. Art.2018º CC – falecendo um cônjuge, o sobrevivo tem
direito a ser alimentado pelos rendimentos dos bens
deixados pelo falecido. Assim, são obrigados à prestação de
alimentos os herdeiros ou legatários a quem tenham sido
transmitidos bens.

Obrigações reais Vs. Ónus reais:


Semelhança → a determinação do sujeito passivo é feita por
aferição à titularidade do direito real.
Diferenças → no ónus real, o encargo ou obrigação real não tem
carácter acessório relativamente ao direito real, antes constitui uma
situação juridicamente autónoma, que recai directamente sobre a
coisa e não como na obrigação real sobre o titular do direito real;
→ no caso de transmissão do direito real, a
transmissão do ónus implica que o novo titular fique obrigado não só
em relação às dívidas que se venham a gerar após a transmissão,
mas também em relação àqueles que já estão vencidas, o que é um
reflexo de que o encargo recai sobre a coisa em si.

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Características que aproximam os ónus reais a direitos reais e


outras que os aproximam das obrigações em geral:
 elementos obrigacionais:
 existência de um direito a uma
prestação que envolve a colaboração do
titular do direito real, ou seja, o titular
do direito real está obrigado a uma
prestação face ao credor. O que
distingue o ónus real da obrigação é a
relação com a titularidade do direito
real.
 elementos realistas:
 há elementos reais presentes na ligação
da prestação com a coisa. É a coisa que
é objecto da transmissão que responde
pelo pagamento pelo cumprimento do
ónus, ou seja, a coisa serve como
garantia.
 o ónus possui uma eficácia “erga
omnes” ou absoluta, porque face aos
bens sobre os quais recaem os ónus, o
adquirente é responsável tanto pelos
ónus anteriores como posteriores.
 o titular do ónus, em caso de
transmissão dos bens, goza do direito
de preferência nessa transmissão, o que
permite que se concentre na mesma
pessoa a titularidade e os encargos, o
que faz com que os encargos
desapareçam.

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7. Noção jurídica de coisa

Toda a relação jurídica tem por objecto um bem, mas bem não
é necessariamente uma coisa. De facto, há bens coisificáveis e bens
não coisificáveis.

Não nos interessa, como é evidente, a noção vulgar de coisa,


quer ampla – “tudo o que pode ser pensado, suposto, afirmado ou
negado” (Lalande) –, quer restrita – o objecto material delimitado no
espaço. Interessa-nos, pois, o sentido jurídico.

Noção legal de coisa → art.202º CC:


nº1: “Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações
jurídicas.”
nº2: “Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas
que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se
encontram no domínio público e as que são, por sua natureza,
insusceptíveis de apropriação individual.”

Este é um conceito, de acordo com o Prof. Dias Marques,
amplíssimo e tecnicamente errado de coisa, que deve ter tido como
fonte o art.810º do Código Civil Italiano (Pires de Lima). Há entes
susceptíveis de serem objecto de relações jurídicas que não são coisa
em sentido jurídico, como por exemplo, prestações, direitos e até as
próprias pessoas. É uma noção que confunde objecto de relações
jurídicas com coisa.

Coisa em sentido jurídico → todo o bem externo e escasso,


desprovido de personalidade jurídica (o CC de 1867 definia coisa no
seu art.369º CC, como tudo aquilo que carece de personalidade), de

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carácter estático (as de carácter dinâmico como contratos,


prestações, efeitos jurídicos não estão abrangidas pela noção de
coisa), corpóreo ou incorpóreo, com existência jurídica autónoma,
susceptível de apropriação individual e apto a satisfazer interesses ou
necessidades humanas.

Assim, para que exista uma coisa em sentido jurídico é


necessário:
1. carência de personalidade jurídica;
2. existência autónoma ou separada;
3. possibilidade de apropriação exclusiva por alguém;
4. aptidão para satisfazer interesses ou necessidades
humanas.

Inversamente, não é necessário:


1. que se trate de bens de natureza corpórea;
2. que se trate de bens com valor de troca, isto é, bens
permutáveis;
3. que se trate de bens efectivamente apropriados (basta que
sejam bens apropriáveis).

O art.202º nº2 CC especifica, dentro das coisas, as que estão


fora do comércio, por não poderem ser objecto de direitos privados
(só podem ser objecto de relações jurídicas públicas ou internacionais
– direito público), exemplificando as coisas de domínio público e as
que são, por natureza, insusceptíveis de apropriação individual.

Situações económicas não autónomas: posições com valor
económico, sem autonomia jurídica.
Dois grandes grupos:

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1) Situações económicas não autónomas ligadas


incindivelmente a outros bens → situações económicas que se ligam a
outras situações, designadamente a estabelecimentos comerciais.
São situações ligadas à titularidade do estabelecimento. À volta do
estabelecimento comercial geram-se determinadas situações que,
muito embora mereçam tutela jurídica (dado o seu valor económico),
não são coisas, por não se tratarem de entidades com autonomia
jurídica. Exs. Clientela, fama, relações fácticas, fornecedores, honra,
nome, bom acreditamento na banca.
A clientela enquanto bem jurídico, só existe incindivelmente
ligada ao próprio estabelecimento.

2) Situações económicas não autónomas que se ligam à


titularidade de um direito → fenómeno a que Orlando de Carvalho
chamou de “direitos sobre direitos”. São valores, como por exemplo
situações de crédito, que muito embora assumindo valor económico,
não são susceptíveis de domínio. É a vantagem ligada à titularidade
de um direito, mas que não tem a ver directamente com o objecto do
direito, mas com a envolvência económica da titularidade do direito.
É a chamada “coisificação do direito real”. Associadas a estes direitos
sobre direitos estão situações privilegiadas de vantagem. A situação
económica não se liga a esse direito, mas antes às vantagens
relacionadas com a titularidade do direito.
São 5 os casos:
 Penhor de direitos (art.679º CC)
 Hipoteca de superfície (art.688º nº1 c) CC)
 Hipoteca dos direitos resultantes dos bens de domínio
público (art.688º nº1 d) CC)
 Hipoteca do usufruto das coisas e direitos (art.688º nº1 a)
a d) CC)
 Usufruto de direitos (art.688º nº1 e) e art.1439º CC)

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A vantagem não se tira do crédito que se tem (do conteúdo do


direito), mas da vantagem de se ser titular de um crédito/direito.

Classificação das coisas

Art.203º CC: “As coisas são imóveis ou móveis, simples ou


compostas, fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não
consumíveis, divisíveis ou indivisíveis, principais ou acessórias,
presentes ou futuras.”

a) Coisas móveis e imóveis (art.204º e art.205º CC)

Coisas móveis (art.205º CC) → tudo aquilo que não é


classificado pela lei (no art.204º CC) como coisa imóvel.

Coisas imóveis (art.204º CC) → nº1:


a) Prédios rústicos e urbanos;

 nº2 → prédio rústico → parte delimitada do
solo, bem como as construções nele existentes
que não tenham autonomia económica –
terrenos;
Prédio urbano → qualquer edifício incorporado
no solo, bem como os terrenos que lhe sirvam
de logradouro – edifícios.
 o problema surge a propósito dos prédios mistos
(não definidos no nº2). O critério para classificar
um prédio misto como rústico ou urbano é o
elemento económico predominante. Se o prédio
é predominantemente rústico, é um prédio
rústico; se é predominantemente urbano, é um

- 21 -
Direito das Coisas FDUP

prédio urbano (critério da autonomia


económica).

b) As águas;

 apesar de estarem em constante deslocação, são
consideradas como imóveis, porque a sua
imobilidade advém da integração no solo. Daí que
um rio e as suas margens e leito devam ser
considerados, no seu todo, como um imóvel.
Porém, a água ganha carácter móvel quando retirada
de um lençol e colocada num conservatório,
parecendo dever ser qualificada como um fruto, dada
a sua renovação constante.
A propriedade das águas encontra-se regulada nos
arts. 1385º e seguintes CC.

c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto


estiverem ligados ao solo;

 só são imóveis enquanto estiverem ligados ao
terreno, isto é, plantados ou, no caso dos
frutos, ligados à árvore.

d) Os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas


alíneas anteriores;

 é imóvel o direito real sobre uma coisa
imóvel. Ex. O usufruto sobre uma coisa
imóvel é um bem imóvel. O usufruto sobre
uma coisa móvel não cabe aqui e, por isso, é

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Direito das Coisas FDUP

uma coisa móvel por força do art.205º nº1


CC.

e) As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos.



 nº3 → é parte integrante toda a coisa móvel
ligada materialmente ao prédio com carácter de
permanência.
 apesar de ligadas à coisa imóvel, mantêm a sua
individualidade. Não se fundem na estrutura da
coisa imóvel. Embora possam aumentar a
utilidade da coisa a que estão ligadas, não são
indispensáveis à sua função normal. Ex.
Quadro.
 este regime também se estende às partes
componentes.
 partes componentes → confundem-se com a
estrutura do prédio, sem as quais o prédio não
preenche o seu valor, nem consegue alcançar o
fim económico a que se destina. Ex. Portas e
janelas. Distinguem-se das partes integrantes
pela sua funcionalidade.
 partes acessórias → não têm uma ligação
permanente à coisa principal e, por isso, são
coisas sempre móveis.

Para Oliveira Ascensão, a enumeração do art.204º CC é


meramente exemplificativa, porque existem várias coisas integradas
em terrenos, como monumentos, minas, estradas, que apesar de não
constarem do artigo são consideradas coisas imóveis.

- 23 -
Direito das Coisas FDUP

A lei determina com clareza a necessidade das coisas imóveis


estarem ligadas materialmente ao solo. Assim, a terra é um imóvel,
bem como todos os elementos nela incorporada com carácter de
permanência.

b) Coisas acessórias e partes integrantes (art.210º CC)

Coisas principais → existem de “per si”



Coisas acessórias → subordinadas à coisa principal

As coisas acessórias são coisas móveis afectadas de modo
duradouro a outra coisa, mas não se confundindo com as partes
integrantes. As coisas acessórias são sempre móveis, enquanto que
as partes integrantes, porque integram um imóvel, são consideradas
imóveis (art.204º nº1 e) CC). Além disso, a afectação duradoura de
uma coisa acessória não carece de ser material, podendo ser de cariz
económico não físico.

Regime das coisas acessórias:


Art.210º nº2 CC → “Os negócios jurídicos que têm por objecto
a coisa principal não abrangem, salvo declaração em contrário, as
coisas acessórias.”
Porém, Castro Mendes distingue duas situações diferentes:
1) há coisas acessórias com valor autónomo, sem as quais a
coisa principal mantém a sua utilidade normal (ex. alfaias
em relação à quinta).
2) há coisas acessórias sem valor autónomo, sem as quais a
coisa principal perde a sua utilidade.

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Direito das Coisas FDUP

Segundo este autor, só as primeiras estariam abrangidas pelo


art.210º nº2 CC, sendo as segundas obrigatoriamente abrangidas no
negócio.

Partes integrantes → art.204º nº3 CC: “toda a coisa móvel


ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência.”
Apesar de estarem ligadas a um prédio com carácter de permanência,
mantêm a sua individualidade material, não se funde com a estrutura
do prédio a que está ligada, nem a sua falta torna esta imperfeita.
Podem aumentar a utilidade da coisa a que estão ligadas, mas não
são indispensáveis à sua função normal (ex. antena de um prédio;
quadro de uma sala).

Partes componentes → aquelas que se confundem com a


estrutura do prédio e são indispensáveis ao bom funcionamento da
coisa, como portas, janelas, tijolos. Possuem um carácter funcional.

c) Coisas corpóreas e coisas incorpóreas: as obras de


engenho e as invenções industriais, o estabelecimento
comercial e os direitos sobre direitos

A distinção não consta do CC, mas ela assenta na possibilidade


de percepção das coisas pelos sentidos.
Assim,
Coisas corpóreas → aquelas que podem ser apreendidas pelos
sentidos, possuem complexão física e são materialmente palpáveis
(res quae tangi possunt).
Coisas incorpóreas → não são perceptíveis pelos sentidos, não
têm existência física, são meras construções de espírito (res quae
tangi non possunt).
Há 3 espécies de coisas incorpóreas:

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Direito das Coisas FDUP

a) ideias ou bens ideais (integram a propriedade industrial


ou intelectual)
b) valores de organização (ligadas ao estabelecimento
comercial)
c) direitos sobre direitos (direitos enquanto objecto de
outros direitos)

a) Ideias ou bens ideais ou ideações


Compreendem as obras de engenho e as invenções inventivas,
isto é, obras enquanto construção de ideias ou de conceitos ou ideias
inventivas como, por exemplo, patentes, desenhos industriais,
modelos de actividade, sinais distintivos do comércio (marca, nome e
insígnia, firma). Estes sinais distintivos do comércio são colectores de
clientela e são uma forma descentralizada de tutela do
estabelecimento, não tendo autonomia funcional, mas só autonomia
do ponto de vista estrutural.
As ideias inventivas ou obras de engenho são valores em si e
podem ser exploradas economicamente. São expressões de uma
personalidade criadora e, nessa medida, estão directamente ligadas à
pessoa (ao contrário dos sinais distintivos do comércio que têm uma
ligação mais ténue com o seu criador e mais forte com o
estabelecimento comercial ou produto).
No âmbito destas ideias inventivas ou obras de engenho há que
distinguir a ideia inventiva em si (que pode assumir o estatuto de
coisa incorpórea) e aquilo que suporta a ideia inventiva e permite a
sua expressão material, o “corpus mechanicum”.
Ora a ideia inventiva só adquire o estatuto de coisa incorpórea
e, com isso, autonomia e relevo jurídico na medida em que for
corporizada ou materializada ou, ainda, exteriorizada e, portanto, se
torna susceptível de exploração económica pelo seu autor. É a

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Direito das Coisas FDUP

potencialidade de conferirem lucro que lhes atribui especificidade


para efeitos de direito patrimonial.
Com vista a garantir a sua exclusividade existe o direito de
propriedade, enquanto direito de pleno uso, gozo e fruição da coisa.
Contudo, apesar da ideação se tornar independente, ela
mantém-se intrinsecamente ligada ao seu criador e, uma vez que ela
é um prolongamento da personalidade do seu criador, o direito
protege de várias formas a obra em si. Por exemplo, não se pode
comprar um quadro e mudar o nome do autor, sob pena de violar um
direito de personalidade – o direito de criação artística. Outro
exemplo, o autor tem direito a não querer publicar um livro ou tem o
direito a não permitir que a sua obra não seja transporta para o
teatro.
Daqui decorre, segundo Orlando de Carvalho, que
relativamente à coisa incorpórea surgem dois direitos germinados,
que visam a tutela da coisa incorpórea e que são reflexo da
autonomia e da ligação ao criador:
− Direito patrimonial de autor → direito real que permite ao
autor da obra inventiva explorá-la economicamente, ou
melhor, é um direito de exclusividade económica.
− Direito moral de autor → é um direito de personalidade,
que garante o respeito pela criação.
Todavia, Oliveira Ascensão discorda desta posição, pois o direito
sobre a obra intelectual não é um direito real, na medida em que não
abrange a totalidade de poderes sobre a coisa, por exemplo, não
abrange a possibilidade de gozo estético da coisa, somente a
exploração da coisa. Este direito não protege a obra, apenas permite
que ela seja economicamente explorada. Após a criação da obra, esta
separar-se-ia dos bens intelectuais e do seu autor, transformando-se
em entidades que podem ser usufruídas por outrem, sem qualquer
espécie de mediação.

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Direito das Coisas FDUP

Em suma, a ideia inventiva tem de ser corporizada para adquirir


o estatuto de coisa incorpórea, mantendo-se todavia distinta e
independente, embora incindivelmente ligada, quer ao autor quer ao
“corpus mechanicum” que a corporiza.
A nível de tutela real, a ideação só releva se for explorada
economicamente, o que constitui uma limitação funcional. Assim,
uma coisa será o bem susceptível de exploração económica, outra
coisa será o bem na sua dimensão da personalidade do seu autor. A
protecção da ideação através do direito real não visa regular o gozo
cognitivo ou estético do bem, mas só aquela possibilidade de
exploração económica do bem e fá-lo através do direito de
propriedade, enquanto direito pleno e exclusivo.

b) Valores de organização
Correspondem ao estabelecimento comercial. É uma coisa
incorpórea “sui generis”, porque tem no seu núcleo a ideia de
organização, a combinação de factores produtivos utilizados naquela
empresa (pessoas e coisas), mas esta ideia organizatória não
subsiste sem os factores produtivos que a concretizam e que
corporizam o estabelecimento. Trata-se de uma ideia organizatória
plasmada nos próprios factores de produção organizados de
determinada maneira e que só têm existência jurídica concretizada no
“corpus mechanicum”.
O estabelecimento comercial é então uma organização de
factores de produção, como as pessoas e as coisas, não se reduzindo
às coisas corpóreas, mas compreendendo também bens incorpóreos e
valores como a firma, nome do estabelecimento e insígnia (sinais
distintivos do estabelecimento) e, ainda, situações patrimoniais não
autónomas, como a clientela.

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Direito das Coisas FDUP

Este conjunto de bens materiais/corpóreos, bens incorpóreos e


situações patrimoniais não autónomas conferem ao estabelecimento
a sua capacidade lucrativa (capacidade de gerar lucro), capacidade
essa que lhe confere relevância no âmbito do direito patrimonial.
Sendo um bem com especial capacidade lucrativa está associado à
ideia de mercado e daí que seja entendido como uma coisa composta
funcional.
Orlando de Carvalho definiu estabelecimento comercial como
uma organização concreta de factores de produção com valor de
posição de mercado.
É uma coisa composta, porque é integrada por elementos de
natureza variada e é uma coisa funcional, porque tem em vista a
ideia de capacidade lucrativa. Daí que o valor do estabelecimento
comercial não se afira pelos bens materiais que o incorporam, mas
pelo seu valor de posição de mercado, isto é, pela capacidade
lucrativa e pela clientela a ele ligada, valores esses que não
dependem, pelo menos directamente, dos factores produtivos que
integra.
Como a capacidade organizativa visa gerar lucro, isso confere
ao estabelecimento um valor diferente da soma do valor das unidades
que a integram, ou seja, o valor do estabelecimento é diferente do
valor dos elementos que a compõem, porque a organização tem uma
função de lucro, que deriva da sua posição de mercado, que lhe dá
valor acrescido.

Sendo o estabelecimento comercial uma coisa incorpórea, é ou


não objecto do direito de propriedade?
Art.1302º CC → “Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis,
podem ser objecto do direito de propriedade regulado neste código.”
Ora, o art.1302º CC restringe o direito de propriedade às coisas
corpóreas. Todavia, em algumas disposições do CC, o legislador

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Direito das Coisas FDUP

trata-o como sendo alvo de direitos reais. Assim, o direito de


propriedade que incide sobre o estabelecimento comercial recai sobre
a sua organização, enquanto bem único e simultaneamente sobre
cada um dos elementos que integra o estabelecimento.
Sendo o estabelecimento comercial uma coisa incorpórea, tem-
se entendido que é mais adequado classificá-lo como um bem móvel,
não sujeito a registo, mas um bem móvel anómalo, porque
relativamente a alguns efeitos é-lhe aplicado o regime dos bens
imóveis (por exemplo, para efeitos de alienação). Esta posição é
sustentada pelo facto de para o trespasse se exigir escritura pública,
típico dos negócios que envolvam coisas móveis. Já para efeitos de
garantia, é objecto de penhor e não de hipoteca, apesar de alguns
dos seus elementos poderem ser objecto de hipoteca.

c) Direitos sobre direitos


Obedecem ao princípio da taxatividade, pelo que só podem
existir direitos sobre direitos nos casos especialmente previstos na
lei: penhor (art.679º CC), hipoteca (art.688º CC) e usufruto
(art.1439º CC).

d) Coisas presentes e futuras (art.211º CC)

Art.211º CC: “São coisas futuras as que não estão em poder do


disponente ou a que este não tem direito ao tempo da declaração
negocial.”

Falam ainda de coisas futuras os arts.399º CC, 408º CC e 880º


CC.

A noção dada pela lei de coisa futura não é a mais correcta em


termos técnicos. De facto, uma coisa que não está em poder do

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Direito das Coisas FDUP

disponente é uma coisa alheia e uma coisa que ele não tem ao tempo
da declaração ou não existe ou, se existe, é alheia.

Coisa futura → é uma coisa esperada, uma coisa que se espera


vir a adquirir para integrar o património do disponente (“res
speratas”), em contraposição à coisa presente que o disponente já
possui.
Distinguem-se:
− Coisas relativamente futuras → já estão na
disponibilidade de alguém, mas que não é o disponente,
que espera, ao momento da declaração negocial vir a
adquiri-las.
− Coisas absolutamente futuras → ainda não existem ao
momento da declaração, mas esperam-se vir a ter.

e) Universalidade de facto e universalidade de direito

Universalidade de facto → complexo de coisas móveis,


corpóreas, objecto de uma única relação jurídica, ou seja, é uma
unificação sobre a qual recai um único direito.

Orlando de Carvalho → conjunto de coisas unificadas por
interesses económicos, em que existe um valor de agregação. Por
exemplo, rebanho, conjunto de selos, colecção de moedas.

Este conjunto não é uma coisa una, porque o seu conjunto não
é alvo de um direito real. Só cada coisa isoladamente o será.
A universalidade de facto é então uma coisa que existe apenas
enquanto conjunto de bens ligados por um valor de reunião, bens
esses que, entre si, se encontram numa posição de paridade, tendo o
mesmo valor quer agrupados, quer individualizados.

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Direito das Coisas FDUP

Por isso, para Orlando de Carvalho, universalidades de facto


não se confundem com as coisas compostas funcionais, porque nas
primeiras, o valor do conjunto é igual ao somatório das coisas
individuais, ao passo que nas segundas, o valor do conjunto é
superior ao somatório.

Requisitos das universalidades de facto:


1. Valor económico e jurídico próprio/individual → cada
elemento da universalidade tem um valor independente do
valor de agregação.
2. O conjunto deverá ter uma função económica unitária, um
destino económico comum e daí que exista um valor de
agregação.

Reflecte-se no regime legal das universalidades de facto,
nomeadamente no regime dos frutos das universalidades de animais
(art.212º nº3 CC).

A universalidade de facto é objecto de uma única relação


jurídica ou objecto de várias relações jurídicas?
→ Tese unitária → A universalidade de facto é alvo de uma
única relação jurídica. Sobre ela há um único direito que abrange
todo o conjunto de coisas que compõem a universalidade.
Vantagem: facilidade de prova da propriedade e,
consequentemente, de reivindicação da propriedade sobre a
universalidade de facto. Basta provar a propriedade sobre o conjunto
e não é necessário provar a propriedade de cada elemento da
universalidade.
Esta tese é defendida por Henrique Mesquita com base no
disposto no art.206º CC.

- 32 -
Direito das Coisas FDUP

Orlando de Carvalho entende que desta norma não se


pode retirar a unificação do objecto, embora haja duas situações em
que a lei trata a universalidade como uma coisa única: art.942º CC –
doação de universalidades – e art.1462º CC – usufruto de animais.

→ Tese atomista → o domínio incide sobre cada uma das coisas


individualmente consideradas, coisas essas que constituem a
universalidade de facto e, portanto, há tantos direitos quanto as
coisas que constituam a universalidade.
Desvantagem: por esta tese, teria que se provar o domínio
sobre cada elemento individual da universalidade.
Porém, os defensores desta tese admitem que, numa acção de
reivindicação, é possível invocar apenas o domínio sobre a maioria
dos bens, não sendo necessário provar o domínio o domínio sobre a
totalidade.

Universalidade de direito → conjunto de relações jurídicas de


índole patrimonial (por exemplo, uma herança), que para efeitos de
transmissão são tidas como um valor conjunto. Também aqui cada
coisa tem, no seu conjunto, o mesmo valor que possui isoladamente
e o valor do conjunto é igual à soma aritmética do valor das partes.
Porém, por vezes, a lei, por variadas razões, tem necessidade de
regular os bens em conjunto. Ex. Património comum dos cônjuges;
herança.

f) Frutos e produtos

Art.212º CC: “Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz
periodicamente, sem prejuízo da sua substância.”

− Carácter periódico

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Direito das Coisas FDUP

− Tem que estar em condições de, per


si, sobreviver

Frutos → Civis
→ Naturais

Frutos naturais → “dizem-se naturais os que provêm


directamente da coisa”
Frutos civis → “as rendas ou interesses que a coisa produz em
consequência de uma relação jurídica”

Frutos naturais:
− Pendentes → ainda não se fez a separação (art.215º nº2
CC)
− Percebidos → já se fez a separação (art.213º nº1 e 215º nº1
CC)
− Percipiendos → podiam ter sido colhidos, mas não o foram
por culpa do detentor da coisa
− Maduros → aptos para a colheita (art.214º CC)

Regime jurídico dos frutos:


Art.204º CC → Os frutos naturais são imóveis enquanto
estiverem ligados ao solo. Logo os negócios jurídicos relativos aos
imóveis abrangem-nos, salvaguardando-se as cláusulas específicas
sobre esses mesmos frutos que imponham um regime diferente.

O momento da separação é o momento decisivo para saber se


quem tinha o gozo ou desfrute da coisa-mãe adquire ou não a
propriedade dos frutos.

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Direito das Coisas FDUP

Art.213º nº1 CC → Se a separação se deu no decurso do seu


direito, os frutos pertencem-lhe.
Art.214º CC → Mas a lei prevê que a colheita de frutos
prematuros obrigará à sua restituição, se o direito se vier a extinguir
antes da época normal de separação.
Art.215º nº1 CC → Por vezes, a lei impõe a restituição de frutos
percebidos, pelo que quem o fizer terá direito a ser indemnizado de
todas as despesas feitas com eles.
Art.215º nº2 CC → Se quando o direito se extinguir, houver
frutos pendentes, não há direito a nenhuma restituição.
Art.408º nº2 CC → O efeito da compra e venda de uma coisa
futura é meramente obrigacional até ao momento da separação, pelo
que só com a colheita ou separação dos frutos se verifica a
transferência nos termos do art.408º nº2 CC. Se entretanto o pomar
for vendido, o negócio sobre os frutos é inoponível ao adquirente.

Frutos ≠ Produtos

Utilidades que das coisas derivam com carácter eventual
(ao contrário dos frutos que tem um carácter periódico). O produto é
o rendimento que não tem carácter periódico ou, tendo-o, a sua
produção causa prejuízo ao carácter da coisa.
Por outras palavras, produtos são, tal como os frutos,
derivações das coisas, mas que esgotam a sua substância, enquanto
os frutos, sendo colhidos periodicamente, não prejudicam a sua
substância.
Ex. A pedra extraída de uma pedreira não é um fruto, mas um
produto, uma vez que a sua extracção implica, como é óbvio, o
esgotamento do terreno.

g) Benfeitorias

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Direito das Coisas FDUP

Art.216º CC → Despesas feitas para conservar, melhorar ou


aumentar o valor de uma coisa.

Podem ser (art.216º nº2 e nº3 CC):


1. Necessárias → têm por fim evitar a perda, destruição
ou deterioração da coisa;
2. Úteis → não sendo indispensáveis para a conservação
da coisa, aumentam-lhe o valor;
3. Voluptuárias → não sendo indispensáveis para a
conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor,
servem apenas para recreio do benfeitorizante.

Benfeitorias → despesas para melhorar ou conservar a coisa;


incidem directamente sobre a coisa.

Encargos → despesas periódicas feitas por causa da coisa (ex.


pagamento de rendas, impostos, amortizações,
juros); despesas que decorrem de relações
jurídicas que o titular tem com a coisa.

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Direito das Coisas FDUP

Título I – Ordenação dominial provisória

Capítulo I – A posse

1. Distinção entre posse e direito

A ordenação dominial tem duas facetas: a ordenação dominial


definitiva, levada a cabo através dos direitos reais; e a ordenação
dominial provisória, estabelecida mediante a posse.

De acordo com o art.1251º CC, a posse é um poder de facto,


que alguém exerce sobre uma coisa de forma correspondente ao
exercício do direito de propriedade ou de outro direito real e que está
na origem de todo o domínio.

Daqui decorre que a posse é admissível em relação a qualquer
outro direito real que não o direito de propriedade: pode haver uma
posse traduzida na prática de actos correspondentes ao conteúdo,
não do direito de propriedade, mas de um outro direito real. Ex.
Posse de uma servidão; posse de um usufruto; etc.

Porém, mesmo quando nos referimos à posse traduzida na


prática de actos correspondentes ao direito de propriedade (caso
mais comum), ainda aqui posse e propriedade distinguem-se.
As mais das vezes, a posse coincide com a titularidade do
direito de propriedade ou de outro direito real (servidão, usufruto,
etc.) a que corresponde. Ex. Um proprietário que habita o seu prédio
é simultaneamente proprietário e possuidor. Aqui a posse, por força
desta coincidência, não tem autonomia em relação ao direito real (no

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Direito das Coisas FDUP

caso, o direito de propriedade). Nestes casos, assiste-se a uma


reunião, na mesma pessoa, das qualidades de proprietário e
possuidor.
Pode, contudo, não acontecer assim.
Exemplos:
Um agricultor começa a cultivar o terreno vizinho, fazendo-o de
forma reiterada, sem autorização e afirmando o seu intento de se
comportar como proprietário, recolhendo os frutos, etc. Nesta
hipótese, este agricultor torna-se possuidor deste terreno. Tem a
posse, mas não tem a sua propriedade. O proprietário é o dono do
prédio, que, por sua vez, não tem a posse correspondente, que
pertence ao agricultor.
Um indivíduo acha uma coisa perdida ou furta um objecto e o
guarda, passando a fruí-lo. Surge aqui também uma dissociação
entre a qualidade de possuidor e de proprietário. O proprietário é o
lesado; este continua a ser proprietário da coisa, apesar de já não ser
seu possuidor.
Um indivíduo compra um objecto a quem não era o seu
proprietário, seja porque o alienante não proprietário vende
conscientemente uma coisa alheia, seja porque o alienante não
proprietário a tinha adquirido por acto nulo. Nesta situação, o
adquirente não se torna proprietário, dado o princípio “nemo plus
iuris in alium transfere potest quam ipse habet”. O comprador nada
adquire, visto o alienante não possuir nenhum direito sobre a coisa
alheia. Não obstante, se a coisa lhe foi entregue, o adquirente torna-
se possuidor dela. Não é o seu proprietário. Proprietário é aquele cuja
coisa foi vendida por outrem. O adquirente, uma vez que a coisa lhe
foi entregue, é apenas o seu possuidor.
Em todos estes casos, a posse não coincide com a titularidade
do direito real correspondente, uma vez que, neles, há um indivíduo

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Direito das Coisas FDUP

que detém a coisa em seu poder e que, embora se comporte como


seu proprietário, não tem essa qualidade.
Assim, o regime da posse baseia-se numa mera situação de
facto reconhecida pela ordem jurídica e que se traduz na
possibilidade de alguém utilizar e fruir de um bem, embora não possa
invocar o direito real correspondente para legitimar o seu uso, como
sucede nos casos abrangidos pela ordenação dominial definitiva, que
assentam sempre num direito real.

2. O problema da tutela possessória e a posse


como caminho para a dominialidade

Como acabou de ser dito, normalmente, o direito de


propriedade e a posse surgem juntos. Quem tem a posse é o
proprietário. Há, então, uma coincidência normal entre a propriedade
(poder jurídico) e a posse (poder de facto).
Pode, todavia, acontecer que quem tenha o domínio factual ou
empírico sobre uma coisa, não tenha o domínio jurídico sobre essa
mesma coisa. Ex. Caso de furto da coisa; caso de perda da coisa; etc.

A posse pode, assim, ser exercida directamente ou


indirectamente (no caso de a coisa se encontrar na disposição de
outra pessoa). A posse pode ser exercida através da utilização directa
e imediata do bem ou através da colocação do bem à disposição de
outra pessoa (mediante, por exemplo, o comodato – emprestando a
coisa a alguém). Ainda aqui, o possuidor estará a exercer um poder
de facto sobre a coisa, embora de modo indirecto. Considera-se que
conferir o uso de um bem a um terceiro é ainda uma manifestação do
exercício do poder de facto sobre o bem.

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Direito das Coisas FDUP

Nestes termos, existe posse logo que a coisa entre na


disponibilidade fáctica de alguém e permita exercer sobre ela um
poder empírico, ou seja, há posse sempre que o bem se mantenha na
reserva de disponibilidade fáctica do sujeito.
Daí que Heck defina posse como “a entrada factual de uma
coisa na órbita de um senhorio ou de interesses”.

A posse implica, então, que haja uma voluntariedade ou uma


intencionalidade no seu exercício por parte do sujeito (que a exerce).
Por exemplo, ninguém pode exercer a posse se estiver a ser sujeito a
coacção.

Sendo a posse um poder de facto e não um poder jurídico, ela


surge como um mecanismo de preenchimento das lacunas da
ordenação dominial definitiva.
Nessa medida, a posse é o objectivo a que aspira toda a
dominialidade, porque o que verdadeiramente se pretende com a
ordenação dos bens é o seu exercício através de um poder de facto,
directo ou indirecto.

Posto isto, ela desempenha um duplo papel:


1) Integrar as lacunas da ordenação dominial definitiva;
2) Possibilitar a transição para um direito definitivo,
restabelecendo a ordenação dominial definitiva através do
instituto da usucapião.
Isto consegue-se, porque entre a posse e os direitos reais há
uma identidade funcional e uma identidade estrutural, já que os fins
visados por estas duas figuras são os mesmos: a organização das
infra-estruturas económico-sociais e dos meios de produção.

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Direito das Coisas FDUP

Ora, a posse, não obstante constituir uma ameaça ao direito


real, na medida em que se apoia numa dominialidade empírica com a
qual se atinge o suprimento de lacunas da ordenação dominial
definitiva, é alvo de uma tutela/protecção jurídica, por parte do
ordenamento jurídico.
O fundamento desta tutela jurídica assenta na promoção da paz
social, que com ela se alcança, na medida em que através dela se
evitam conflitos de interesses que decorrem das lacunas da
ordenação dominial definitiva (tanto mais que o direito presume a
titularidade do direito do possuidor – a posse indica a aparência do
direito – art.1268º nº1 CC).

Além disso, a posse é um valor de organização, que permite o


aproveitamento dos bens e a continuidade da sua exploração, uso e
fruição.
Deste modo, ela permite uma reintegração do domínio dos
bens, pois esta continuidade de exploração, uso e fruição forma e
consolida os interesses de facto que têm de ser protegidos,
nomeadamente quando o proprietário do bem não tenha, durante
certo tempo, reagido nem reivindicado o bem.
A posse é, nesta medida, uma via para a dominialidade e é-o
mediante o instituto da usucapião, enquanto efeito possessório.
A posse pretende-se como uma situação provisória, exercida
durante determinado período de tempo limitado. Porém, ela pode e
deve transformar-se e passar de poder de facto para um novo poder
jurídico que se substitui ao anterior. Com isto, dá-se a transformação
do domínio provisório em domínio definitivo, mediante o instituto da
usucapião, que funciona como mecanismo de sucessão na
dominialidade.
A possibilidade desta transformação justifica-se, desde logo,
pela necessidade de tutela dos valores de organização e de

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Direito das Coisas FDUP

continuidade que a posse permite, não obstante o facto da tutela da


posse poder vir a proteger um ladrão. Esses casos são, acima de
tudo, excepcionais e têm que ser assumidos pelo sistema.

3. Os sistemas possessórios

Na análise de uma situação possessória é possível distinguir


dois elementos:
I – Elemento material – “corpus” – actos materiais praticados
sobre a coisa.
II – Elemento psicológico – “animus” – intenção de se
comportar como titular do direito real correspondente aos
actos praticados.

I – Elemento material (“corpus”):


Traduz-se no exercício de “poderes de detenção” (Mota Pinto),
ou seja, em guardar ou conservar a coisa em seu poder no caso de
um bem móvel; em ocupar no caso de um bem imóvel.
Note-se que não é necessário um permanente contacto físico
com a coisa. Basta que a coisa esteja dentro do âmbito de um poder
de facto do possuidor ou, por outras palavras, na sua reserva de
disponibilidade fáctica ou empírica. Assim, por exemplo, não deixa de
ser possuidor de um automóvel o indivíduo que o deixa estacionado
numa rua e se afasta durante um certo período de tempo.
Pode, também, o corpus traduzir-se em “actos de fruição”
(Mota Pinto) ou, até em actos de detenção e fruição conjuntamente.
Assim, pode não haver uma detenção da coisa, mas haver uma
fruição da coisa, mediante a recolha das vantagens económicas
desta. Por exemplo, um indivíduo que recolhe os frutos de um prédio

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Direito das Coisas FDUP

rústico ou que recebe as rendas de um prédio. O indivíduo que frui o


prédio está a possuí-lo.
O facto de não se tratar de um poder físico sugere a
possibilidade de exercer a posse por intermédio de outrem. Por
exemplo, um indivíduo arrenda um imóvel e está a receber as rendas
do locatário, que é quem se encontra em contacto físico com a coisa.
Este locatário não é possuidor por se encontrar a possuir em nome de
outrem, não se comportando, por isso, em relação à coisa, como um
proprietário (falta-lhe o animus). Ele é um mero detentor ou
possuidor precário.

II – Elemento psicológico (“animus”):


Para haver posse, além do exercício de um poder de facto sobre
a coisa, é necessária a vontade de se comportar como o titular do
direito correspondente aos actos realizados.
Não basta, portanto, o praticar, em relação ao bem, actos
idênticos aos do titular do direito real, é necessário também que haja
intenção de se comportar como titular do direito em termos do qual
se possui.
Fala-se assim num animus possidendi, que não se identifica,
necessariamente, com um animus domini (intenção de se comportar
como proprietário da coisa), mas abrangendo ainda situações em que
há intenção de se comportar como, por exemplo no caso de usufruto,
usufrutuário. Trata-se, na verdade, do intuito de se comportar como
o titular do direito correspondente aos actos que se praticam.
Assim, por exemplo, uma pessoa que se senta numa cadeira
em casa de outrem, não é possuidor dessa cadeira pois falta-lhe o
animus, a intenção de se comportar como proprietário dela.
Situação idêntica se verifica nos casos de locatário ou
comodatário. Estes não são possuidores por lhes faltar o animus
correspondente à propriedade, embora pratiquem em relação à coisa

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Direito das Coisas FDUP

actos equivalentes ao conteúdo da propriedade (ou, pelo menos, do


usufruto).

Ora, aqui, levanta-se a questão de saber se para existir posse é


necessário que concorram estes dois elementos.
Surgem, então, duas concepções de posse: uma objectiva e
outra subjectiva.

→ Sistema objectivo:
Para a concepção objectiva da posse, à qual se associa o nome
de Ihering, para que haja posse é necessário que exista um poder de
facto sobre determinado bem, bastando, portanto, que se verifique o
corpus. Dispensam-se especiais intencionalidades nesse exercício (o
animus).

→ Sistema subjectivo:
Para a concepção subjectiva, defendida por Savigny, para haver
posse é necessário que se verifiquem os dois elementos: o elemento
externo/fáctico (o corpus), enquanto poder de facto sobre o bem; e o
elemento interno/intencional (o animus), enquanto intenção de
exercer o poder de facto como se fosse titular do direito real
correspondente.
Mas, tal como a posse se adquire quando se reúnem os dois
elementos, a posse também se perde se se perdem os dois
elementos ou, do mesmo modo, se se perde só um deles (pode
acontecer que se perca só o elemento psicológico ou só o elemento
material). Por exemplo: perde-se o elemento material, quando a
coisa fosse é perdida, furtada ou usurpada por terceiro; por outro
lado, perde-se o elemento psicológico nos casos de constituto
possessório (o proprietário de um prédio vende-o, mas convenciona
com o adquirente que continua no prédio como locatário).

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Direito das Coisas FDUP

Assim, havendo o corpus, mas não havendo o animus, estamos


perante um direito de crédito, não havendo consequentemente tutela
possessória.
Havendo corpus e animus, mas sendo um animus detinendi (e
não um animus possidendi), não há tutela possessória, porque
estamos perante uma mera detenção (que corresponde, portanto, ao
exercício de um direito de crédito).

Da comparação dos dois sistemas resulta que o sistema


objectivo confere uma tutela mais ampla, porque abrange quer os
casos em que o poder de facto se faz ao abrigo de um direito real,
quer os casos em que o poder de facto se faz ao abrigo de um direito
de crédito.
Por exemplo, A empresta a B um bem móvel. Para o sistema
subjectivo, A é possuidor, mas B é um mero detentor. Já para o
sistema objectivo, tanto A como B são possuidores: A é possuidor
mediato e B é possuidor imediato. Ambos gozam, nessa medida, de
tutela possessória.

A verdade é que estas duas concepções da posse se explicam,


porque cada uma delas parte de diferentes justificações que atribuem
à tutela possessória.
Para Savigny, o fim e a causa da protecção jurídica da posse é
a defesa da paz pública. A posse é protegida, porque, se os
possuidores não pudessem recorrer ao tribunal quando fossem
perturbados ou esbulhados da coisa, os possuidores teriam que
recorrer à auto-tutela dos seus direitos e à justiça privada, o que
geraria a desordem, além de que esta auto-tutela é rejeitada pelo
ordenamento jurídico (art.1º CPC), salvo os casos contados de acção
directa (art.336º CC), legítima defesa (art.337º CC), estado de
necessidade, etc.

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Direito das Coisas FDUP

Já para Ihering, a razão pela qual se protege a posse não é a


defesa da paz pública, mas o facto de a posse ser o sinal visível ou
exterior do direito real correspondente. É certo que se protegem
alguns não proprietários (ladrões e usurpadores), mas esta protecção
também é uma protecção provisória. Depois discutir-se-á a
propriedade da coisa, mas, imediatamente, tem protecção como
possuidor. Além disso, estatisticamente, a maioria dos possuidores
são os proprietários das coisas possuídas. Se não se protegesse a
simples posse, as pessoas teriam que provar o seu direito, o que
exigiria, muitas vezes, a prova ininterrupta de uma cadeia de
transmissões, o que se consubstancia numa prova dificilíssima ou
mesmo impossível. Facilita-se, portanto, aos autênticos proprietários
(maioria estatística dos possuidores) a defesa da sua posse só com
base na prova da posse, sem que tenham que provar a propriedade
com os vários títulos.

4. Noção de posse (posição legal do


ordenamento jurídico face à dualidade dos
sistemas possessórios)

O art.1251º CC apresenta a noção legal de posse.


Esta noção legal aponta para a exigência dos dois elementos da
posse: corpus e animus.

Da conjugação do art.1251º CC com o art.1253º CC resulta,


que entre nós está acolhida a posição subjectiva. Se faltar o animus
possidendi, estamos perante uma mera detenção ou posse precária.

Porém, a nossa lei admitiu quatro excepções ao consagrar


resultados que se aproximam da concepção objectiva, uma vez que,

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Direito das Coisas FDUP

por disposições “ad hoc”, a nossa lei concedeu tutela possessória,


permitindo o recurso aos meios de defesa da posse, a meros
detentores ou possuidores precários:
1) Art.1037º nº2 CC – locatário;
2) Art.1125º nº2 CC – parceiro pensador;
3) Art.1133º nº2 CC – comodatário;
4) Art.1188º nº2 CC – depositário.
Embora estes não sejam autênticos possuidores, a lei, por
norma avulsa, vem dizer que eles podem valer-se dos meios de
defesa da posse.
Todavia, não estão equiparados aos possuidores para todos os
efeitos, nomeadamente para efeitos de usucapião.

O nosso sistema, de cariz subjectivo, concebe, então, a posse


como uma relação entre o corpus e o animus.
Corpus → poder de facto sobre um bem, que se encontra na
zona de disponibilidade empírica do sujeito. Implica a ideia de
estabilidade. Não tem forçosamente que implicar um poder físico.
Animus → consciência e intenção de exercer um domínio factual
sobre um determinado bem.

O facto de a lei exigir o corpus e o animus para efeito de haver
posse implica que o possuidor tenha de provar a existência dos dois
elementos, o material e o psicológico – para poder, por exemplo,
adquirir por usucapião ou lançar mão das acções possessórias.
Ora como a prova do animus poderá ser muito difícil, para
facilitar as coisas, a lei estabelece uma presunção. Em caso de
dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto.
Daqui decorre que, sendo necessário o corpus e o animus, o
exercício daquele faz presumir a existência deste.

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Direito das Coisas FDUP

Ao contrário do que se passava antigamente,


nomeadamente no Direito Romano, admite-se hoje que a posse pode
ser exercida em termos correspondentes a direitos reais menores e
não apenas em termos de direito de propriedade. Assim, encontram-
se diferentes animus consoante o direito real a que a intenção
subjacente ao exercício dos poderes de facto sobre uma coisa
corresponda (animus de propriedade; animus de usufruto; animus de
superfície; etc.).

Se surgirem dúvidas
acerca do direito real em termos do qual o poder de facto é exercido,
deverá entender-se, atendendo à ideia de “plena in re potestas” que
integra a dominialidade, que estamos na presença de uma posse “uti
dominus”, isto é que os poderes de facto são exercidos como se
existisse titularidade de um direito real de propriedade.

5. Posse formal e posse causal

Posse formal → posse autónoma; posse que não é suportada


por nenhum direito real; opera desligada do direito real; não tem
atrás de si um verdadeiro direito real a legitimá-la; ela surge de um
conflito com esse direito real.
“Dá-se a posse formal quando alguém exerce aparentemente
um direito sobre uma coisa, estando a sua situação dissociada da
titularidade substantiva” (Oliveira Ascensão).

Posse causal → tem causa no direito real; o possuidor causal


exerce o poder de facto (a posse) não apenas em termos de um
direito real, mas na medida em que é efectivamente o titular de um
direito real; a posse é suportada por um efectivo direito real (no caso

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Direito das Coisas FDUP

de estar em causa um direito de propriedade, o possuidor coincide


com o proprietário).
“Posse causal é aquela que tem a justificá-la a titularidade do
direito a que se refere” (Oliveira Ascensão).

O possuidor formal apenas pode invocar a posse para se


defender; o possuidor causal pode invocar não só a posse, mas
também o próprio direito real, consoante o que lhe for mais
conveniente.

6. Posse precária ou detenção

Posse ≠ Detenção

Art.1253º CC → corresponde ao exercício de um poder de
facto (corpus), sem que lhe corresponda um direito real, mas sim um
direito de crédito. Há um corpus e um animus detinendi. O simples
possuidor ou o possuidor precário não tem o animus possidendi.

Art.1253º CC:
a) Engloba os actos facultativos, em que os poderes de
facto são exercidos pelo detentor em consequência da
inércia do titular do direito ou da inércia do possuidor.
Nestes casos, quem exerce o poder de facto não tem
intenção de agir como beneficiário do direito.

b) Refere-se a actos de mera tolerância. Corresponde aos


casos em que os poderes de facto são concedidos pelo
próprio titular do direito, mas sem qualquer
intervenção vinculativa, sem qualquer intenção de

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Direito das Coisas FDUP

atribuir àquela pessoa quaisquer poderes jurídicos. Ex.


Emprestar um bem a uma pessoa.

c) Abrangem os detentores por título jurídico, que dizem


respeito a detenções que têm atrás de si a existência
de um título jurídico, nomeadamente um direito de
crédito.

7. Natureza jurídica da posse

Será a posse uma simples aparência do direito, um “fumus boni


iuris” ou será ela um verdadeiro direito?
De acordo com as prelecções de Mota Pinto, uma análise do seu
regime revela ser a posse um verdadeiro direito, mas um direito real
provisório. A posse não é, então, um mero facto. Ela tem mais relevo
do que um simples facto aparente do direito.
É um direito, porque a posse é uma situação jurídica subjectiva
que confere um poder sobre uma coisa em face de todos os outros e
daí que seja um direito real. É uma situação negociável, hereditável,
susceptível de registo e que pode ser defendida por meios jurídicos.
Está, portanto, dotada de garantia jurídica.
É um direito real provisório, porque esta protecção só se
mantém, ou melhor, cessa perante a acção de reivindicação (meio de
defesa do direito de propriedade – art.1311º CC), salvo se entretanto
operar a usucapião.

8. Direitos em termos dos quais se pode possuir

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Direito das Coisas FDUP

Disse-se que podem existir vários tipos de animus, consoante


as intenções de exercer os poderes de facto correspondentes aos
variados direitos reais.
Por esse motivo, cumpre delimitar o conjunto de direitos em
termos dos quais se pode possuir, em termos dos quais pode existir
um animus possessório. Para tal, é necessário ter presente que o
corpus exercido não tem que ser necessariamente um poder físico. A
posse é sim um poder de facto que se encontra na esfera de
disponibilidade empírica do seu titular.

Daí que há direitos reais que não conferem posse:


− Direitos reais de aquisição;
− Hipoteca (alguns direitos reais de garantia);
− Servidões não aparentes (direito real de gozo – art.1280º
CC – não pode haver posse nas servidões não aparentes,
“salvo quando a posse se funde em título provindo do
proprietário do prédio serviente ou de quem lho transmitiu.”
Justificação: os actos correspondentes ao conteúdo das
servidões não aparentes são normalmente actos de
tolerância do proprietário da coisa).

Contudo, já conferem posse:


− Direitos reais de gozo (propriedade; usufruto; uso e
habitação; superfície; servidão – exceptuam-se as servidões
não aparentes; direito real de habitação periódica);
− Alguns direitos reais de garantia:
o Penhor;
o Direito de retenção;
o Consignação de rendimentos.

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Direito das Coisas FDUP

9. Objectos passíveis de posse

São passíveis de posse todos os bens passíveis de domínio, ou


seja, genericamente, todas as coisas.

→ Coisas corpóreas → não levantam dúvidas de que podem ser


objecto de posse.

→ Coisas incorpóreas:
− Estabelecimento comercial → pode ser objecto de
posse, porque o estabelecimento não existe sem um lastro material.
Ele assenta em valores ostensivos, com relevo jurídico-económico
fora do próprio estabelecimento, valores esses, grande parte das
vezes, materiais. Além disso, o poder de facto da posse não tem que
ser um poder físico, pelo que basta que o estabelecimento, enquanto
organização de factores produtivos, se encontre na reserva de
disponibilidade empírica do sujeito. A posse pretende garantir a
exclusividade da disponibilidade destes bens ao seu titular. Logo,
parece não haver nada contra o facto de estes bens incorpóreos
serem passíveis de posse, desde que visem preservar a exploração
económica do estabelecimento comercial (o que constitui um
verdadeiro requisito para a sua classificação como coisa incorpórea).
− Ideias inventivas → também pode haver posse, já
que através desta é possível salvaguardar a exploração económica e
a exclusividade económica do bem, até porque a posse tem que ser
entendida como um poder empírico e não como um poder físico, de
reserva de exclusiva disponibilidade do bem.

Grande parte da doutrina levanta
problemas quanto à admissão da usucapião destes bens.

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Direito das Coisas FDUP

Para Orlando de Carvalho pode haver posse sobre estes bens,


defendendo, quanto à usucapião, que esta possui natureza diferente,
até porque ela não é um efeito necessário da posse, podendo ser
excluída pelo CC para certas situações possessórias.
Assim, para as invenções e obras de engenho, sendo eles bens
protegidos pelo direito patrimonial de autor, não é de admitir a
usucapião, pelo menos quando for exercida contra o titular do direito
patrimonial de autor (já se levantam sérias dúvidas quando ela for
exercida contra os sucessores do titular daquele direito).
Quanto aos sinais distintivos do comércio, por via da sua
ligação à personalidade e, não obstante a necessidade da aquisição
do estabelecimento, também parece não ser correcto admitir a
usucapião.

− Direitos sobre direitos → pode haver posse sempre que o


direito sotoposto (direito sobre o direito) confira poderes de facto
sobre o direito sobreposto (direito objecto do direito real; direito
coisificado).

10. Capacidade para adquirir a posse

Art.1266º CC: “Podem adquirir posse todos os que têm uso da


razão e ainda os que o não têm, relativamente às coisas susceptíveis
de ocupação.”

A lei basta-se com o uso da razão. Com o discernimento que
apenas requer da pessoa a capacidade natural de querer e entender
os poderes de facto inerentes ao exercício da posse. Basta que o
sujeito tenha a capacidade natural de entender e de querer suficiente
para exercer os poderes de facto sobre a coisa.

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Direito das Coisas FDUP

A lei não exige a capacidade de exercício.


Nos termos do art.488º CC, presume-se que haja uso da razão
a partir dos 7 anos.
Os menores de 7 anos e os inimputáveis por anomalia psíquica
não têm capacidade para exercer posse, salvo quando a coisa é
susceptível de ocupação. Trata-se de uma presunção ilidível.

Casos em que os menores de 7 anos e os inimputáveis por


anomalia psíquica podem possuir:
2) Casos em que a coisa é susceptível de ocupação. Estes
casos de ocupação constituem meras operações materiais
de apreensão física.
3) Quando a posse tenha sido adquirida por intermediário,
desde que seja em nome e no interesse do sujeito que não
tem o uso da razão e desde que o intermediário tenha o
uso da razão. O intermediário, aqui, abrange todas as
figuras da representação.
4) Casos do art.1890º nº3 CC: o suprimento da falta de
aceitação ocorre por intervenção dos pais ou representante
legal. Se os pais nada declararem, a liberdade tem-se, em
princípio, por aceite. O menor adquire a posse dos bens,
tendo ou não o uso da razão, o que se justifica porque a lei
constrói uma ficção de aceitação do intermediário.

11. Caracteres da posse

O relevo jurídico da posse depende das suas características.


Estas características contendem com:
1) O nexo da posse com o direito em termos do qual se possui.
2) A consciência da aquisição da posse.

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Direito das Coisas FDUP

3) O facto de se adquirir a posse com ou sem violência.


4) A cognoscibilidade da posse.

Atente-se que a posse se afere no momento da aquisição.

Há características que são permanentes (fixadas em termos


definitivos) e outras que são não permanentes (a sua natureza varia
ao longo do tempo).

Há características que são absolutas (valem face a qualquer


interessado) e relativas (valem só para alguns interessados, em
princípio, o anterior possuidor).

Assim, a posse pode ser:


1) Posse titulada ou posse não titulada
2) Posse de boa-fé ou posse de má-fé
3) Posse pacífica ou posse violenta
4) Posse pública ou posse oculta

A 1) e 2) são características permanentes e absolutas.


A 3) e 4) são características não permanentes e relativas.

a) Posse titulada e posse não titulada


Art.1259º nº1 CC: “Diz-se titulada a posse fundada em
qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente quer do
direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio
jurídico.”

Esta destrinça tem importância para efeito das presunções


legais do art.1260º CC e para efeitos de usucapião. Na verdade, a

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Direito das Coisas FDUP

usucapião obedece a prazos diversos, consoante a posse que a


fundamenta é titulada ou não titulada.

Ela contende com o nexo de aproximação entre a aquisição da


posse e o direito real em que se funda.

“Modo legítimo de adquirir” → Adquirir o quê? O direito em


termos do qual se exerce o poder de facto, se exerce a posse.

“Modo” → Título, no sentido de justa causa de aquisição do


direito real.

“Legítimo” → Possibilidade abstracta de aquele título constituir


aquele direito. Deve ler-se título existente, pois a causa de aquisição
prescinde de saber se há ou não o “direito na esfera do transmitente”
e da “validade substancial do negócio jurídico”, pelo que a aquisição
nestes termos não pode considerar-se legítima.

Quando a lei diz “posse fundada em
qualquer modo legítimo” significa que a posse tem atrás de si, como
causa legitimante da sua aquisição, um título adquirente que, em
abstracto, é idóneo a transmitir o direito real.

“Fundada” → Significa que a posse não deriva de um
negócio translativo do direito real, mas é uma posse que tem como
causa mediata, atrás de si, um título que, em abstracto, é apto a
transmitir um direito real, apesar de em concreto não se transmitir
esse direito real.

“Independentemente quer do direito do transmitente, quer da


validade substancial do negócio jurídico” → Parece que se refere só

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Direito das Coisas FDUP

aos negócios jurídicos como a única forma de aquisição da posse, o


que não é verdade, porque também existem outras formas de
aquisição da posse que são simples operação jurídicas (e não
negócios jurídicos), como o são a ocupação, a acessão e a usurpação.
Todavia, o artigo quer mesmo referir-se somente aos negócios
jurídicos, daí que ele só se aplique às formas de aquisição derivada
da posse, i.e., àqueles que implicam uma verdadeira traditio do bem.
Já não se aplicará às formas de aquisição da posse originárias.

Assim, a posse é titulada se o título for,
em abstracto, apto/idóneo à transmissão do direito real em causa,
independentemente de, em concreto, não o ser, ou porque o direito
não existia na esfera jurídica do transmitente (mas existia na esfera
jurídica de outrem – o transmitente não tinha legitimidade para
transmitir a coisa) ou porque faltaram os requisitos substanciais do
negócio e, desse modo, ele padecia de um vício substancial
(requisitos de validade substancial do negócio jurídico).

Ao invés, a posse é não titulada se os vícios do negócio


conduzirem à inexistência jurídica do mesmo ou se ele padecer
dalgum vício formal.
Este regime justifica-se, porque enquanto que a falta de
legitimidade do transmitente e os vícios substanciais do negócio não
são visíveis, a inexistência e os vícios formais são, pela sua natureza,
ostensivos e cognoscíveis do declaratário.

Todavia, é importante fazer uma redução do alcance desta 2ª


parte deste art.1259º CC. É que há casos de invalidade substancial
que não podem ser tratados como posse titulada:
1) Simulação absoluta → nos actos absolutamente simulados, o
negócio é nulo (art.240º nº2 CC), porque, por acordo entre

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Direito das Coisas FDUP

um declarante e um declaratário, no intuito de enganar


terceiros, há uma divergência entre a declaração negocial e a
vontade real do declaratário. As partes fingem celebrar um
negócio jurídico, embora não pretendam, na realidade,
negócio algum. Há somente o negócio simulado (não há
nenhum negócio dissimulado). Ora, a posse supõe um animus
ou uma vontade de possuir, vontade essa que não existe
nestes negócios. Desse modo, não havendo vontade de
adquirir, não há animus possidendi. O vício substancial retira
aqui o animus e, por isso, nestes casos, não há sequer posse.
Se o declaratário ficar com a coisa é em termos de detenção.

2) Simulação relativa → Há simulação, como se disse supra,


quando por acordo entre declarante e declaratário, e no
intuito de enganar terceiros, se verificam divergências entre a
declaração negocial e a vontade real do declaratário (art.240º
nº1 CC). Ora, na simulação relativa as partes fingem celebrar
um determinado negócio, mas, na realidade, elas pretendem
um outro negócio jurídico de sentido diferente. Nestas
situações, por detrás do negócio simulado, há um negócio
dissimulado (que está oculto). Tal como no caso de simulação
absoluta, aqui, o negócio simulado também é nulo (art.240º
nº2 CC). Porém, esta nulidade do negócio simulado não
prejudica a validade do negócio dissimulado (art.241º nº1
CC). Daí que terá que se analisar este negócio dissimulado.
Assim, se ele produzir somente efeitos obrigacionais, também
não haverá posse, uma vez que não há o animus possidendi,
mas somente o animus detinendi. O declaratário será, nestes
termos, um mero detentor ou um possuidor precário.

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Direito das Coisas FDUP

3) Reserva mental → O art.244º nº1 CC define a reserva


mental como a emissão de uma declaração contrária à
vontade real com o intuito de enganar o declaratário. Quanto
aos seus efeitos, dispõe o nº2 daquele artigo, que a reserva
mental se equipara à simulação e que, portanto, a declaração
deve considerar-se nula, sempre que ela seja conhecida do
declaratário. Neste sentido, o conhecimento efectivo, por
parte do declaratário, da divergência entre a declaração
negocial e da vontade real retira-lhe o animus possidendi,
pelo que nestes casos de reserva mental também não haverá
posse. Mais uma vez, o declaratário será um mero detentor
ou um possuidor precário.

Atente-se que os casos de coacção física ou absoluta


consubstanciam um caso de inexistência jurídica do negócio, por
força do art.246º CC. Estas situações configuram hipóteses em que o
declarante é coagido pela força física a emitir a declaração: o
declarante é reduzido à condição de puro autómato. A posse que
resulte de um negócio celebrado sob coacção física é, nestes termos
uma posse não titulada.

Em suma, com excepção dos vícios formais, dos vícios que


geram inexistência jurídica do negócio e dos casos de simulação (à
qual se equipara a reserva mental) que, sendo vícios substanciais não
configuram situações de posse, todos os outros vícios não afectam a
titularidade da posse.

Assim, podemos considerar como requisitos da posse titulada:


→ Negativo → no negócio jurídico não pode haver vícios
formais;

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Direito das Coisas FDUP

→ Positivo → o negócio jurídico tem que ser existente e tem


que ser, em abstracto, idóneo a transmitir o
direito real.

Vimos que o art.1259º CC não é aplicável às formas de


aquisição originária da posse (acessão, ocupação e usurpação).

→ No caso de direitos reais de garantia, o título aquisitivo
deriva da lei. Logo, a posse é titulada.

→ No caso de ocupação:
 Coisas que nunca tiveram dono → a posse é
titulada.
 Coisas perdidas:
o O achador sabe a quem pertence
a coisa → configura um caso de
usurpação: a posse é não titulada
e presume-se de má-fé.
o O achador não sabe a quem
pertence a coisa:
 Não anuncia a coisa →
configura um caso de
usurpação: a posse é
não titulada.
 Anuncia a coisa → o
achador tem o direito
de retenção da coisa,
ficando, desse modo,
com o direito de
propriedade da coisa.
→ No caso de acessão:

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Direito das Coisas FDUP

 Natural → a posse é titulada.


 Industrial:
o O sujeito está de boa-fé → a
posse é titulada.
o O sujeito está de má-fé →
configura um caso de usurpação:
a posse é não titulada.
→ No caso de usurpação:
 Por esbulho → a posse é não titulada.
 Por inversão do título de posse → a posse é
não titulada.

Nos termos do art.1259º nº2 CC, a posse titulada não se


presume, pelo que tem que ser provada por quem a invoca.

b) Posse de boa-fé e posse de má-fé


Art.1260º nº1 CC: “A posse diz-se de boa-fé, quando o
possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.”

Desta disposição ressalta a noção
de posse de boa-fé, para a qual releva a ignorância do adquirente.
Trata-se de uma concepção puramente psicológica de ignorância que
se está a lesar um direito de outrem.
Daqui também se infere, a contrario sensu, a noção de posse
de má-fé.

Porque se trata de uma prova difícil, a lei estabelece, no


art.1260º nº2 CC, duas presunções ilidíveis: “A posse titulada
presume-se de boa-fé e a não titulada de má-fé.”

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Direito das Coisas FDUP

A existência do título não é suficiente, per si, para


fundamentar a boa-fé, mas constitui um sério indício de que se julgou
adquirir o direito.

O art.1260º nº3 CC presume sempre de má-fé a posse


adquirida por violência, mesmo que seja uma posse titulada. Esta
presunção é uma presunção inilidível.

A boa-fé afere-se no momento da aquisição e é uma


característica permanente, não se admitindo alterações
supervenientes, excepto em duas situações:
1) Art.1270º nº1 CC → O possuidor de boa-fé faz seus os frutos
naturais até ao dia em que souber que, com a sua posse,
está a lesar o direito de outrem. A partir desse momento em
que tem conhecimento, passa a estar de má-fé, com as
consequências do art.1271º CC.
2) Art.481º CPC → Há aspectos relativos ao prazo de
interrupção em matéria de tutela possessória em que o
proprietário pode notificar o possuidor, transformando a
posse de boa-fé em posse de má-fé.

Esta classificação tem importância em matéria de prazos de


usucapião – o prazo é mais curto, quando a posse é de boa-fé e mais
longo quando é de má-fé – e em matéria de frutos e benfeitorias – os
direitos do possuidor de boa-fé são diversos dos do possuidor de má-
fé (arts.1270º, 1271º e 1275º CC).

c) Posse pacífica e posse violenta


Art.1261º nº1 CC: “Posse pacífica é a que foi adquirida sem
violência.”

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Direito das Coisas FDUP

Art.1261º nº2 CC: “Considera-se violenta a posse quando, para


obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral nos
termos do art.255º CC.”

Relativamente à coacção moral, o legislador remeteu para o


regime geral do art.255º CC, pelo que não constitui coacção o
exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.

Quanto à coacção física, o legislador não faz referência, mas


considera-se que abrange situações em que se coloca o coacto em
situação de absoluto automatismo, retirando-lhe qualquer liberdade
de escolha.

A noção de violência traz ainda à colação o art.154º nº1 CP,


que engloba a ameaça de violência ou qualquer acto que constranja
alguém a praticar uma acção ou omissão ou a supor uma actividade.

A violência pode ser exercida por terceiro.

A violência, em princípio, é exercida sobre a pessoa, mas


também pode ser exercida sobre a coisa. Esta violência sobre a coisa
releva se, dolosamente, se destinar a intimidar, directa ou
indirectamente, a pessoa, quando a conduta do agente constrangir o
possuidor.

Esta é uma característica relativa (válida para o anterior


adquirente) e não permanente (pode variar ao longo do tempo). Ela
afere-se no momento da aquisição da posse.

Em consequência destas características, Orlando de Carvalho


fala em posse sob violência.

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Direito das Coisas FDUP


A violência é, como se disse, uma característica relativa (válida
para o anterior adquirente). Contudo, a posse pode ser pacífica nas
relações imediatas e violenta nas relações mediatas.
Por exemplo, A adquire um bem a B, tendo sobre ele exercido
coacção moral. A, após a compra, continua a exercer ameaças sobre
B. A posse de A é uma posse violenta, porque adquiriu com coacção
moral.
Se o A transmite a coisa a C, sendo a posse de C pacífica e
continuando o A a exercer ameaças sobre B, a posse de C é pacífica
relativamente ao A e violenta relativamente ao B.
A posse de C não é violenta, mas está sob violência.
Aqui há um prolongamento no tempo da violência (coacção ou
ameaças).

Esta classificação visa proteger quem é desapossado


violentamente da posse e está diminuído em termos de liberdade
jurídica.

Ela releva para efeitos de começo de contagem dos prazos da


usucapião.

Até este ponto analisámos a violência exercida pelo adquirente


sobre o transmitente ou alienante. Porém pode suceder, em casos
mais remotos, que seja o próprio transmitente/alienante a exercer
violência sobre o adquirente. Por exemplo, A transmite a B,
exercendo coacção sobre ele. Como é que se caracteriza a posse
deste adquirente?
O adquirente aqui é o coagido e, por isso, não há posse
violenta, porque é o ex-possuidor (A) que coage e é o actual
possuidor (B) que é coagido.

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Direito das Coisas FDUP

Ora, nestes termos, ainda se torna necessário ver se estamos


perante coacção física ou coação moral:
→ Coacção física → O adquirente (B) não tem posse, porque,
sendo ele reduzido a um mero autómato, ele não tem
animus possidendi. Nessa medida, ele é um mero detentor
ou possuidor precário. Ele não tem vontade aquisitiva.
→ Coacção moral → Consiste no “receio de um mal de que o
declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter
dele a declaração” (art.255º nº1 CC). É, portanto, a
perturbação da vontade, traduzida no medo resultante de
ameaça ilícita de um mal ou de um dano, cominada com o
intuito de extorquir a declaração negocial. Porém, ela já não
se trata de um caso de divergência entre a declaração
negocial e a vontade real do declarante, mas sim de um
verdadeiro caso de vontade viciada. Isto porque, ao
contrário do que se passa com a coacção física ou absoluta,
a liberdade do coacto não foi totalmente excluída. Ainda lhe
foram deixadas possibilidades de escolha, embora a
submissão à ameaça fosse a única escolha normal. Tendo
havido, então, uma declaração negocial (ainda que viciada)
por parte do adquirente, já há aqui uma forma de aquisição
da posse. O negócio é apto, em abstracto, a transmitir um
direito real. O coagido deve, assim, ser considerado
possuidor.

d) Posse pública e posse oculta


Art.1262º CC: “Posse pública é a que se exerce de modo a
poder ser conhecida pelos interessados.”
A esta posse pública contrapõe-se logicamente a posse oculta
ou clandestina.

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Direito das Coisas FDUP

Também para esta classificação releva o momento da aquisição,


sendo que a posse pode ter sido adquirida ocultamente e,
posteriormente, se exerça publicamente. Não obstante, para efeitos
de usucapião releva é o modo como ela é exercida (art.1297º e
1300º CC). É a partir do momento em que ela passa a ser pública,
que se começa a contar o prazo para a usucapião. Por exemplo, um
indivíduo furta um objecto e guarda-o. Trata-se de uma posse
clandestina, que não conta para a usucapião, enquanto se não tornar
pública. O indivíduo furtou o objecto e escondeu-o durante vinte
anos. Ainda assim não o adquire por usucapião e isto porque, como
se disse, a usucapião exige que a posse se torne pública, se torne
conhecida dos interessados.
Se a posse é adquirida de modo público, mas depois passa a
ser exercida de modo oculto, o prazo para a usucapião começa a
contar-se de imediato.

O critério a que se tem que atender é a possibilidade de


conhecimento da posse pelo interessado, de acordo com as regras do
bom pai de família face ao caso concreto, e à teoria da impressão do
destinatário (art.236º CC) – a posse pode ser cognoscível quando um
interessado medianamente diligente, colocado na posição do
interessado, dela tive percepção.

O meio de conhecimento é irrelevante e o registo da posse não


implica a cognoscibilidade da posse.

Ainda que, relativamente a determinadas coisas, a sua natureza


móvel ou imóvel facilite ou dificulte o conhecimento da posse, nem
por isso ela deixa de ser pública se for exercida com a exteriorização
correspondente à normal utilização da coisa. O legislador entende que
para o requisito da cognoscibilidade estar preenchido, basta que o

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Direito das Coisas FDUP

adquirente dê um uso normal ao bem, como se se tratasse de um


possuidor público ou como um normal titular do direito que
corresponde à posse de acordo com a natureza do bem.

Esta classificação releva para efeitos de tutela possessória e em


matéria de contagem dos prazos da usucapião.

Enquanto a posse for oculta, os prazos para a
usucapião não correm e, sendo os bens duradouros, gera-se uma
incerteza, pois a reintegração do domínio do bem não acontece. Há
um prejuízo da certeza e da segurança do comércio jurídico.
Enquanto o bem permanecer escondido, a posse permanece
oculta. Contudo ainda não há um critério exacto que nos permita
saber se um bem está ou não escondido/clandestino. Daí que se
entenda que a posse sobre um bem passa a ser pública, quando o
bem passa a ser usado de acordo com a fruição normal desse bem.

Esta classificação é relativa e não permanente.

À semelhança do que se passa na posse violenta, também na


posse oculta, dado o seu carácter não permanente, se pode verificar
uma posse sob ocultação.

Nestes casos, há um prolongamento da posse oculta.
A posse pode ser pública nas relações imediatas, mas ser oculta
nas relações mediatas.
Assim, por exemplo, B adquire ocultamente uma posse de A e
transmite publicamente a C. Se quando C adquire a posse, esta se
mantiver oculta face a A, a posse de C é pública face a B e oculta
face a A e está sob ocultação.

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Direito das Coisas FDUP

12. Formas de aquisição da posse

1) Aquisição Originária
A. Acessão
B. Ocupação
C. Usurpação
i. Por Prática Reiterada
ii. Por Inversão do Título de Posse
1. Por Oposição do Detentor
a. Explícita
b. Implícita
2. Por Acto de Terceiro
iii. Por Esbulho

2) Aquisição Derivada: Traditio

A. Tradição Real

i. Tradição Explícita

1. Material
a. Tradição Directa
b. Tradição à Distância

2. Simbólica
a. Tradição das Chaves
b. Tradição documental

3. Emissão na posse

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Direito das Coisas FDUP

ii. Tradição Implícita

1. Traditio Brevi Manu

2. Constituto Possessório
a. Bilateral
b. Trilateral

B. Tradição Ficta

1) Aquisição Originária
Na aquisição originária da posse, a posse do adquirente surge
“ex novo” na esfera da disponibilidade empírica do sujeito, porque
não depende geneticamente de uma posse anterior, nem quanto à
existência, nem quanto ao âmbito ou conteúdo, nem quanto à
extensão ou área de incidência. A aquisição apenas depende do facto
aquisitivo. A posse não tem causa em nenhuma posse anterior, mas
adquire-se contra ela ou apesar dela.

A. Acessão (art.1325º CC)


A acessão é uma forma de aquisição do direito de
propriedade, tanto sobre bens imóveis, como bens móveis e decorre
da junção por obra da natureza ou por obra do homem de uma coisa
à outra.
Há dois tipos de acessão:

→ Natural → resulta exclusivamente das forças da natureza.


Art.1327º CC: “Pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer
por efeito da natureza.” Dá origem a uma posse titulada. A lei faculta
um prazo para o anterior possuidor retirar os seus bens da coisa em
causa. Enquanto não o fizer há uma situação de mera detenção do

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Direito das Coisas FDUP

proprietário enriquecido, ele é mero detentor. Se o objecto


enriquecido for propriedade do sujeito e estiver no seu âmbito de
disponibilidade fáctica, haverá posse.

→ Industrial → quando, por facto causado pelo homem, se


confundem objectos ou coisas pertencentes a diversos donos ou
quando alguém aplica o trabalho próprio a uma coisa pertencente a
outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade
alheia. A acessão industrial pode ser mobiliária ou imobiliária.
A acessão industrial dá origem a uma posse titulada nos casos
em que exista boa-fé. Existindo má-fé, a posse não será titulada, pois
configura-se, nessa situação como um caso de usurpação.

Alguns casos especiais de acessão industrial imobiliária:


Art.1339º CC: “Aquele que em terreno seu construir obra ou
fizer sementeira ou plantação com materiais, sementes ou plantas
alheias adquire os materiais, sementes ou plantas que utilizou,
pagando o respectivo valor, além da indemnização a que haja lugar.”

Estamos perante um
caso em que o terreno é propriedade do sujeito que realizou as obras
ou que fez as sementeiras ou plantações, mas o material por ele
utilizado para esse escopo é alheio. Nos termos desta disposição, o
dono da coisa principal (do terreno) terá, então, direito às plantações
que nele faça, mas terá que pagar o valor dos materiais, sementes ou
plantas ao seu proprietário, bem como uma indemnização a que este
tenha direito.

Art.1340º CC: “Se alguém, de boa-fé, construir obra em


terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação e o valor que as
obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do

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Direito das Coisas FDUP

prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da
incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o
prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.”

A lei prevê aqui o critério do valor trazido ao
prédio, pelo que a titularidade do prédio depende do valor anterior do
prédio e do valor que a incorporação lhe trouxe.

B. Ocupação (art.1323º CC)


A posse funda-se numa mera operação jurídica. Trata-se de
uma forma de aquisição da propriedade de coisas móveis sem dono,
ou porque nunca o tiveram ou porque, se já tiveram, foram
abandonadas ou se perderam, esconderam ou enterraram.
A sua apropriação dá-se pela simples operação jurídica de
apresamento ou pela apreensão material, o que significa que nesse
acto a coisa entra na disponibilidade fáctica do sujeito.
Tem que se distinguir:
→ Ocupação de coisas que nunca tiveram dono (já se viu que
dá lugar a uma posse titulada).
→ Ocupação de coisas perdidas:
− O achador sabe a quem pertence a coisa
(configura um caso de usurpação e dá lugar a
uma posse não titulada).
− O achador não sabe a quem pertence a coisa:
o Anuncia o achado (dá lugar a uma
posse titulada).
o Não anuncia o achado (configura
um caso de usurpação e dá lugar
a uma posse não titulada).

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Direito das Coisas FDUP

Capacidade de aquisição para a ocupação → não é necessário


ter o uso da razão para as coisas susceptíveis de ocupação (art.1266º
CC).

As coisas imóveis não são susceptíveis de ocupação, já que


revertem para o Estado (art.1345º CC).

C. Usurpação
Conjunto de todas as formas originárias feitas sem ou contra
a vontade do anterior possuidor.
Reveste três modalidades: prática reiterada, inversão da
titularidade da posse, esbulho.

i. Por prática reiterada


Prevista no art.1263º a) CC. É uma situação pré-
possessória que conduz à aquisição da posse. É um procedimento que
já prefigura a posse.
A prática reiterada é um conjunto de actos que, não
constituindo o exercício da posse, são reveladores de um poder de
facto sobre o bem que se converte num poder possessório.

Requisitos (art.1263º a) CC):


→ Actos materiais sobre um bem → actos que prefiguram um
corpus no seu sentido mais material – exercício do poder de
facto, que pode ser material ou empírico. A posse não tem
que se traduzir num poder físico, mas antes num poder
empírico. Logo, estes actos têm que revelar um poder
empírico-material sobre o bem. Não pode ser uma mera
intenção, têm que ser actos materiais.
→ Reiteração → os actos têm que ser repetidos e frequentes. A
qualificação da reiteração mede-se pela ideia de estabilidade

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Direito das Coisas FDUP

entre quem pratica os actos e o bem. Não é uma forma de


aquisição instantânea, pois pressupõe o exercício frequente.
Se estiver em causa um bem móvel bastará que haja uma
apreensão empírica do bem. Se o bem for imóvel, aí já se
exige a reiteração da utilização ou fruição do bem.
É indiciado pela reiteração dos poderes de facto, pelo que os
actos podem ser praticados com intervalos e não têm que
ser sempre os mesmos actos.
Quanto à frequência, pretende-se que desta prática não
resultem dúvidas que é aquela pessoa que exerce domínio
sobre aquele bem. Visa tornar inequívoco que o bem, em
virtude da prática reiterada dos actos, tem estado na posse
empírica daquela pessoa. Está aqui patente a ideia de
estabilidade.
→ Publicidade → a reiteração dos actos materiais praticados
sobre o bem deve ser publicitada.
Os actos não podem ser clandestinos, pretendendo a lei que
não haja dúvidas que o bem tenha estado na zona de
disponibilidade exclusiva daquela pessoa, o que pressupõe a
não interferência de outras pessoas, dentro do círculo social
que rodeia a prática reiterada.
Há aquisição da posse pela prática reiterada quando, em
consequência de um conjunto de actos materiais
reiteradamente praticados, se cria a convicção no círculo
social que rodeia a prática reiterada desses actos que se age
como titular do direito real.
→ Os actos têm que corresponder ao exercício de um direito
real → são pré-figurações do animus. Os actos têm que
corresponder ao conteúdo dos direitos reais.
Se do exercício do direito real em causa resultarem dúvidas
acerca de qual o direito em termos do qual se exercem os

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Direito das Coisas FDUP

actos deve ser aplicada a ideia do “uti dominus”, pois todo o


poder jurídico tende na dúvida a ser exercido pelo direito de
propriedade.

ii. Por inversão do título de posse


Prevista no art.1263º d) e art.1265º CC.
O legislador foi pouco preciso, já que não define a inversão,
mas apenas refere quais são as suas modalidades: oposição do
detentor; por acto de terceiro.

A inversão é a conversão da detenção em posse, ou melhor, do


animus detinendi em animus possidendi. Pode acontecer em duas
situações:
1. Aquele que inverte a posse ou cuja situação é invertida por
terceiro não é possuidor, mas mero detentor.
2. Aquele que inverte a posse ou cuja situação é invertida por
terceiro é possuidor, mas em termos de um direito real
menor ou, pelo menos, diferente daquele que invoca (por
exemplo, quando há a inversão de um animus em termos de
usufruto para um animus em termos de propriedade).
A inversão do animus decorre de um processo eminentemente
psicológico em que se assiste à transformação da intenção com que
se exercem os poderes de facto, seja para a transformação da
detenção em posse, seja para a transformação de uma posse com um
conteúdo para uma posse com um conteúdo diferente.

A aquisição da posse é instantânea, porque se adquire no


momento em que se verifica o processo de inversão.

Para haver, então, inversão do título de posse têm que estar


preenchidos dois pressupostos:

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Direito das Coisas FDUP

1. O inversor já está anteriormente numa situação de


detenção, exercendo sobre a coisa um poder empírico.
2. O inversor passa a agir em termos de um direito real ou de
um direito real mais denso do que o anterior.
A intenção psicológica de alterar a situação, para poder ser
deduzida, tem de ser expressa em termos de actos externos à própria
pessoa, donde se possa deduzir a nova intenção de exercer o poder
de facto em termos de um direito real (o corpus tem que vir a
coincidir com o animus).

1. Por oposição do detentor


A expressão do art.1265º CC “por
oposição do detentor do direito” é algo dúbia, porque a posse não é
um direito semelhante aos direitos reais definitivos.
A inversão do título de posse por oposição do detentor pode ser
explícita ou implícita. Em qualquer um dos casos, o detentor tem um
comportamento através do qual assume uma posição em que exerce
poderes de facto como se fosse proprietário do bem.
A inversão tem que assentar num acto sério que convença o
anterior possuidor.

a. Explícita
O detentor leva ao
conhecimento do possuidor a declaração de oposição. Por exemplo, o
arrendatário deixa de pagar a renda e declara que não paga, porque
considera que o apartamento é seu.
O acto em si é levado ao conhecimento do anterior possuidor e
é inequívoco quanto à inversão.
A declaração do detentor produz os seus efeitos de acordo com
a teoria da recepção da declaração (art.224º CC).

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Direito das Coisas FDUP

b. Implícita
Não há qualquer declaração,
mas o acto do detentor é inequívoco, em si mesmo, de que o
detentor se arroga do direito real. Por exemplo, o arrendatário decide
vender o prédio em que está a morar, já que tem a convicção de que
é seu possuidor.

2. Por acto de terceiro


O terceiro é um sujeito estranho à
relação possessória (entre possuidor e detentor). É alguém que não
tem posse, mas que se arroga da titularidade da coisa e, por isso,
transfere ou constitui um direito real em benefício do detentor, que
ao participar em tal transferência ou constituição, assume a posição
de possuidor.
A inversão do título dá-se no momento em que o detentor
participa no acto atributivo, pois só nesse momento é que ele
substitui o seu animus detinendi por um animus possidendi.
O terceiro não é possuidor nem detentor. Por isso, quando a lei
fala em “acto de terceiro capaz de transferir a posse”, estabelece
uma formulação errónea, porque se o terceiro não tem posse, o seu
acto não é capaz de transferir a posse. A lei devia falar em “inversão
do título da posse, por acto de terceiro capaz, em abstracto, de
atribuir o direito real”. Só desta maneira é que ele consegue a
mutação psicológica no detentor, isto é, só assim é que o terceiro cria
no detentor a convicção de que pela seriedade do acto se passou a
arrogar da posição real sobre o bem. Em concreto, o acto do terceiro
não transfere posse nenhuma, já que ele não é possuidor nem
detentor.

Porém, este acto do terceiro não pode padecer nem de um vício


formal nem de um vício que conduza à sua inexistência jurídica, uma

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Direito das Coisas FDUP

vez que, nestes casos, o acto não cria a aparência abstracta de


possibilidade de transmissão e, assim, não gera a mutação
psicológica no detentor, não gera a convicção no detentor que ele é o
novo possuidor.

Em suma, o acto do terceiro não funda a posse do inversor,


apenas a desencadeia pela via da mutação psicológica do animus
detinendi em animus possidendi. O acto do terceiro é um acto que
apenas desencadeia e não funda a aquisição da posse e, por isso, o
acto do terceiro nunca titula a posse do inversor. A posse deste é
sempre não titulada, porque a inversão não é um meio
abstractamente idóneo de aquisição do direito real.

iii. Por esbulho


Esta é uma modalidade residual. Ela está
associada à ideia de ilicitude e abrange todas as formas de aquisição
da posse contra ou sem a vontade do antigo possuidor que não
preencham a modalidade da usurpação por prática reiterada ou da
usurpação por inversão do título de posse.

Não se considera esbulho as expropriações lícitas.

Não se exige uma especial intenção de esbulhar (animus


spoliandi). Basta que alguém adquira uma coisa, privando outrem da
posse, sem ou contra a vontade desse outrem e querendo a posse
para si (animus possidendi).
É uma aquisição instantânea.

Art.1267º nº1 d) CC: “O possuidor perde a posse pela posse de


outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova
posse houver durado por mais de um ano.”

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Direito das Coisas FDUP


Sendo o esbulho um facto
instantâneo, parece haver uma contradição entre a lei e o facto.
Por exemplo, um indivíduo furta um bem a outrem. De acordo
com este artigo, o desapossado, durante aquele ano, não perde a
posse. Todavia, o possuidor também tem a posse, porque é ele quem
tem o corpus e o animus. Estamos, então, perante duas situações
possessórias antagónicas que se excluem mutuamente.
O que este artigo, na verdade, quer dizer é que adquirida uma
posse por esbulho, a posse anterior extingue-se, mas durante um
ano ela goza da tutela possessória e, se for restituída a posse ao
possuidor esbulhado, a restituição retroage ao momento da privação.

2) Aquisição Derivada
A posse transmite-se, no âmbito da aquisição derivada da
posse, pela traditio da coisa, muito embora ela acompanhe o negócio
jurídico. Os negócios jurídicos não transferem a posse.
A aquisição derivada da posse é aquela em que a posse
adquirida se funda ou filia na existência de uma posse que se
encontrava, anteriormente, na titularidade de outra pessoa. A posse
depende jurídico-geneticamente da posse anterior quanto ao
conteúdo, amplitude e existência.
Há duas grandes modalidades:
1. Tradição real → tradição de um bem para a posse de
outrem.
2. Tradição ficta → a tradição é uma ficção legal, já que a lei
ficciona uma tradição da posse que efectivamente não
aconteceu.

A. Tradição Real

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Direito das Coisas FDUP

Trata-se de uma verdadeira tradição de um bem para


outrem. É uma tradição efectiva.

i. Tradição Explícita
A aquisição derivada diz-se explícita, quando existe
um acto exterior que materializa ou simboliza a entrega ou
transmissão da coisa que é objecto de posse.

1. Tradição Material
Art.1263º b) CC: a posse transmite-se
pela entrega da coisa, sendo este acto de entrega, aquele em que se
manifesta a intenção de transmitir e adquirir a posse.
A tradição material pode ser directa ou à distância.

a. Tradição Directa
Há tradição material directa,
quando a coisa passa de mão em mão (coisas móveis) ou quando o
novo possuidor toma contacto directo com a coisa, como, por
exemplo, entrar no prédio (coisas imóveis).

b. Tradição à Distância
Designa-se tradição à distância
ou traditio longa manu, quando a tradição da coisa não é feita
directamente, mas com a coisa à vista. Tem lugar, por regra, em
relação a coisas imóveis.

2. Tradição Simbólica
A tradição é simbólica, quando o objecto
da posse não é transferido, antes se transfere um bem que simboliza
a entrega do objecto da posse. A tradição simbólica pode ser, por
exemplo:

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Direito das Coisas FDUP

a. Tradição das Chaves


Traditio clavium. Por exemplo,
entrega das chaves de um carro. A tradição simbólica das chaves tem
que conferir poderes empíricos sobre a coisa. Tem lugar em relação a
coisas corpóreas (móveis ou imóveis) e incorpóreas. Prevista, por
exemplo, no art.669º CC.

b. Tradição Documental
Traduz-se na entrega dos
documentos que simbolizam a posse. A entrega dos documentos tem
que conferir poderes empíricos sobre a coisa. Tem lugar em relação a
coisas corpóreas (móveis ou imóveis) e incorpóreas. Prevista, por
exemplo, no art.937º CC.

3. Emissão na Posse
A tradição faz-se por emissão na posse,
quando se realiza através de um conjunto de actos destinados a
colocar o adquirente em condições efectivas de exercer a posse, ou
seja, de poder explorar ou fruir a coisa. Verifica-se relativamente à
transmissão do estabelecimento comercial, em que é necessário o
adquirente tomar conhecimento dos segredos de fabrico, dos clientes,
dos fornecedores, etc.
O conhecimento do bem por parte do novo possuidor
consubstancia-se num conjunto de actos que concorram para o
mesmo fim: a transmissão do domínio de facto sobre o
estabelecimento.

ii. Tradição Implícita


Diz-se implícita, porque não há qualquer acto que
sensibilize ou materialize a transmissão da posse; a posse transfere-

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Direito das Coisas FDUP

se solo consensu. Esta forma de aquisição é admitida por razões de


economia procedimental, permitindo assim evitar actos materiais
que, atendendo à situação possessória existente, seriam
desnecessários.
A lei só prevê uma forma no art.1264º CC, mas admite-se
outra.

1. Traditio Brevi Manu


Consiste na conversão do detentor em
possuidor por acordo entre aquele que detém a coisa (detentor) e
aquele em nome de quem detém (possuidor).
Por exemplo, A é detentor (a título de locação, comodato, etc.)
de que B é possuidor. Se B transmitir a posse da coisa a A, este
adquire a posse sem se verificar qualquer acto externo de
transmissão da posse.
De facto, não é preciso um acto externo, porque há um acordo
que torna tal acto desnecessário, logo evita-se a devolução do bem
ao ex-possuidor e a transmissão para o novo possuidor.

2. Constituto possessório
É a aquisição da posse sem efectivo
empossamento, isto é, sem entrada na posse e na detenção material
da coisa. Pode ser bilateral ou trilateral.

a. Bilateral
Art.1264º nº1 CC: “Se o titular
do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a
outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o
adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a
coisa.”

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Direito das Coisas FDUP

A lei, mais uma vez, confunde direito com posse, esquecendo


que a posse é independente do direito real, embora seja um exercício
de poderes de facto em termos do direito real.
Por exemplo, A possuidor transmite a posse a B de uma coisa,
convencionando as partes que A continua a manter ou a dispor da
coisa. B adquire a posse, apesar de não se verificar qualquer acto
explícito que a materialize. A posse não deixa de considerar-se
transferida, não obstante A continuar a manter a coisa.
Aqui, há apenas uma relação entre duas pessoas (anterior e
novo possuidor) em que o anterior transmite a posse ao novo
possuidor, mas este não exerce a posse, cabendo ao anterior
possuidor a posição de detentor da coisa.
O novo possuidor adquire a coisa sem empossamento (sem ter
a detenção material da coisa), porque, por acordo entre ele e o
antigo possuidor, não exerce os poderes de facto sobre o bem.
Neste caso, a tradição é implícita, porque não há um acto que
manifeste a tradição da posse, porque o A continua a exercer poderes
de facto sobre a coisa, apesar de ser a título de detentor e não de
possuidor.

b. Trilateral
O nº2 do art.1264º CC
consagra o Constituto Possessório Trilateral.
Há dois casos possíveis:
→ A é possuidor e B detentor. A transmite a posse a C (um
terceiro), mas os dois acordam que a detenção continua na
disponibilidade de B (que já era o detentor). Ainda assim considera-
se transmitida a posse para C.
→ A é possuidor e B detentor. A transmite a posse a B (antigo
detentor e novo possuidor), mas os dois acordam que a detenção

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Direito das Coisas FDUP

passa a ser de C (um terceiro). Ainda aqui a posse se considera


transmitida.

B. Tradição Ficta
Art.1255º CC: “Por morte do possuidor, a posse continua
nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente
da apreensão material da coisa.”

Trata-se de uma sucessão mortis causa.
A posse adquirida por sucessão mortis causa constitui uma
posse ficta, porque a lei ficciona que há um corpus e um animus.
Com a morte do possuidor, a posse só é adquirida no momento em
que o herdeiro aceita a herança (art.2050º nº1 CC).
Anteriormente, a herança permanece jacente, pelo que não há
qualquer apreensão material da coisa, logo não há corpus. De igual
modo, como o herdeiro não tinha manifestado vontade de adquirir,
não há animus.
A existência e a reunião destes dois elementos apenas se
verificam no momento em que o herdeiro aceita a herança. Logo,
entre a abertura da herança (o momento da morte – art.2031º CC) e
a aceitação não há posse. No entanto, a lei considera que, uma vez
aceite, a posse se adquire desde o momento da abertura da
sucessão, ficcionando assim a posse entre aqueles dois momentos,
isto é, uma vez aceite a posse, ela retroage ao momento da abertura
da sucessão (art.2050º nº2 CC).

A posse adquirida por via sucessória tem as mesmas


características da posse do de cujus. Está aqui em causa uma
sucessão legal.
Ora, Orlando de Carvalho questionava a continuação das
mesmas características do de cujus no caso da sucessão (em geral).

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Direito das Coisas FDUP

É que na sucessão contratual e testamentária há um título pelo qual o


herdeiro adquire a posse, enquanto que na sucessão legal ele adquire
a posse por força da lei.
Como na sucessão contratual e testamentária há um título
autónomo, Orlando de Carvalho defendia que, nestes casos, se o
herdeiro tivesse nisso vantagens (se a sua posse fosse melhor que a
posse do de cujus), a posse se define em função do título aquisitivo e
não em função das características anteriores.
Ou seja, ao invés do que se passa nos casos de sucessão legal,
na sucessão contratual e testamentária, há um título intercorrente,
dirigido à transmissão da posse, autónomo daquele que fundamenta
a posse do de cujus. Neste caso, pode o sucessor, se isso lhe convier,
invocar esse título e arrogar-se uma posse autónoma relativamente à
posse do de cujus.

13. Conjunções de posse

Trata-se da existência de várias posses no mesmo plano


temporal ou de várias posses situadas em planos temporais
diferentes.
Distinguem-se as posses sincrónicas e as posses diacrónicas.

a) Conjunção sincrónica
Trata-se da existência de várias posses no mesmo plano
temporal.

→ Posse simultânea → sobre a mesma coisa existem duas ou


mais posses em termos de direitos reais diferentes. Por
exemplo, posse em termos de propriedade e posse em
termos de usufruto sobre um mesmo bem.

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Direito das Coisas FDUP

→ Composse → é a situação correspondente à compropriedade


nos direitos reais. Consiste numa contitularidade de posses
em que cada compossuidor tem uma posse autónoma sobre
uma quota ideal ou alíquota da coisa.

→ Posse in solidum → é a figura que corresponde à


comunhão de direitos. Consiste numa contitularidade na
posse, mas o conjunto dos contitulares que encabeça a
única posse que incide sobre o objecto indiviso. Aqui há uma
única posse, mas vários titulares, ou seja, os contitulares só
têm uma posse que incide sobre o bem.

b) Conjunção diacrónica
Aqui existe uma junção de várias posses situadas em planos
temporais diferentes.

→ Sucessão na posse → prevista no art.1255º CC. No caso de


sucessão legal, o sucessor mortis causa da posse adquire a
mesma posse do de cujus. Ou seja, uma posse, por via
sucessória, junta-se/continua uma posse anterior. É um
efeito “ex legem”. Por exemplo, na sucessão na posse, o
herdeiro adquire uma posse que é a mesma do de cujus.
(Tenha-se em atenção que no caso de sucessão contratual
ou testamentária não pode haver sucessão na posse, se o
sucessor fundar a sua posse no título aquisitivo – cfr.
Tradição ficta.)

→ Acessão na posse → art.1256º nº1 CC: “Aquele que houver


sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão
por morte pode juntar, à sua, a posse do antecessor.”

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Direito das Coisas FDUP


O adquirente da posse junta
à sua posse a posse do anterior possuidor, desde que
ligadas por um nexo de derivação. A acessão serve, nestes
termos, para facilitar a aquisição do direito real por
usucapião, permitindo ao actual possuidor interessado em
usucapir encurtar o respectivo prazo, através da junção do
tempo de posse do anterior possuidor à sua posse. O
adquirente que adquire a posse acede ao direito real de
forma mais expedita.

Requisitos da acessão:
− Existência de um nexo de derivação entre as duas posses
(a aquisição originária quebra a acessão), desde que
essa derivação seja por título diferente da sucessão
mortis causa. Ou seja, a acessão não se verifica na
sucessão mortis causa, à qual se aplica a sucessão na
posse do art.1255º CC. Além disso, só acontece nas
formas de aquisição derivada da posse (“…sucedido…”).
Só nestes casos faz sentido.
− Só opera entre posses consecutivas, isto é, em relação
ao anterior possuidor (nas relações imediatas).
− A posse do acessor terá de ser pública e pacífica, ou
melhor, não pode ser exercida ou mantida com violência
ou ocultamente, nem estar sob violência ou sob
ocultação. Enquanto a posse do adquirente for violenta
ou oculta, o prazo de posse violenta ou oculta não é
junto. A duração do prazo da posse violenta ou oculta do
anterior possuidor não pode ser aproveitado pelo novo
possuidor.
− A acessão é facultativa e voluntária.

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Direito das Coisas FDUP

− Tratando-se de posses diferentes, a acessão tem lugar


dentro da posse de menor âmbito.

1256º nº2 CC: “Se, porém, a
posse do antecessor for de natureza diferente da posse
do sucessor, a sucessão só se dará dentro dos limites
daquela que tem menor âmbito.”

Por exemplo, se o anterior possuidor era
proprietário e o actual era usufrutuário, a acessão só
ocorre em termos da posse de usufruto, porque o
usufruto é um direito de âmbito menor que a
propriedade.

Há, todavia, que ter em atenção um outro aspecto. Os prazos


da usucapião variam conforme a posse seja de boa ou de má-fé, pelo
que a posse do ex-possuidor pode adiar o início da contagem do
prazo para usucapião do actual possuidor. A lei não resolve os
problemas da junção atendendo à boa ou má-fé, pelo que Orlando de
Carvalho sugere uma solução:
→ quando as posses têm a mesma natureza (ambas de boa ou
má-fé) → os prazos juntam-se.
→ quando a posse do antecessor é de boa-fé e a do sucessor é
de má-fé → os prazos juntam-se.
→ quando a posse do antecessor é de má-fé e a do sucessor é
de boa-fé → é preciso estabelecer uma proporção,
convertendo a duração da posse do antecessor de má-fé em
posse de boa-fé do sucessor.

Esta conversão faz-se em razão do tempo necessário para
adquirir a usucapião em função da boa ou da má-fé:

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Direito das Coisas FDUP

 15 anos de boa-fé equivalem a 20 anos de má-fé.


Por exemplo, se alguém adquire um bem de boa-fé depois de
este ter estado 4 anos de má-fé, através da conversão, só adquire 3
anos de boa-fé.
15 = x
20 4
X=3

14. Tutela possessória: fundamento da tutela


jurídica da posse

Neste ponto, questiona-se qual o fundamento da tutela jurídica


da posse. A resposta já foi algo avançada nas considerações
anteriores, mas fica aqui melhor sistematizada.
Pode parecer estranho que, às vezes, a lei proteja o possuidor
contra o próprio proprietário, nomeadamente nos casos de usurpação
ou nos casos em que o indivíduo adquiriu a posse sem se ter
verificado sequer a transferência da propriedade por a coisa lhe ter
sido vendida por quem não era seu proprietário ou até por quem
furtou. A verdade é que a tutela da posse pode conduzir a que este
indivíduo seja efectivamente protegido.
Não obstante, é necessário ter presente que a tutela
possessória é sempre uma tutela provisória, visto que os meios de
tutela possessória – o chamado contencioso possessório – só
resolvem de imediato o litígio, mas não definitivamente.
Mota Pinto aponta, então, três razões que justificam a tutela da
posse:

1. Defesa da paz pública

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Direito das Coisas FDUP

A tutela da posse, a tutela desta situação de facto resultante


de um indivíduo estar em contacto com as coisas (detê-las,
explorá-las, fruí-las) tem a vantagem de evitar a desordem
e, nesses termos, de garantir a paz pública, por não forçar as
pessoas à auto-tutela dos direitos.
Por exemplo, se o possuidor de um automóvel não puder
recorrer aos tribunais para a restituição do veículo no caso de
ele ter sido furtado, então ele iria buscá-lo por suas mãos.
Deste modo, a tutela da posse destina-se a impedir a
desordem e a anarquia no que toca ao domínio dos bens.

2. Dificuldade de prova do direito definitivo


Esta justificação foi avançada por Ihering.
A protecção da posse permite facilitar aos autênticos titulares
dos direitos reais a continuação do exercício dos poderes de
facto correspondentes (continuação do exercício da posse),
sem necessidade de estarem constantemente a invocar e a
provar a existência do seu direito sobre eles. A aparência, a
visibilidade exterior, que é o facto de as pessoas se
comportarem como se fossem proprietárias da coisa, leva a
que, provisoriamente, sejam tratadas como proprietárias e,
na verdade, estatisticamente, são-no na maior parte dos
casos. Assim, facilita-se a defesa dos titulares dos direitos
reais, pois só têm que provar que têm a posse da coisa,
embora, repita-se, esta seja uma protecção provisória.
Nesta medida, até o autor do furto pode obter uma acção de
manutenção/restituição ou até de prevenção, desde que
prove que está na posse da coisa. E se estiver há mais de um
ano na posse dela, basta que prove esse facto para que
continue na posse da coisa (art.1267º nº1 d) CC).

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Direito das Coisas FDUP

O proprietário pode depois socorrer-se da acção de


reivindicação (art.1311º CC) para reaver a coisa de forma
definitiva, demonstrando que a coisa (que era sua
propriedade) lhe foi furtada. Mas isto implica uma
investigação mais demorada. Provisoriamente, mediante a
simples prova da posse, o indivíduo que tinha a coisa em seu
poder (o autor do furto) consegue que ela seja mantida em
seu poder, até contra o verdadeiro proprietário.

3. Valor económico da posse


A posse, enquanto exploração das coisas, tem em si um valor
económico. Isto repercute-se na ideia de que interessa mais
à economia a exploração da coisa do que a propriedade
inerte, passiva ou, por outras palavras, a inacção.
O facto de uma coisa ser explorada por alguém, facto esse
que se traduz na posse, é um valor económico que deve ser
respeitado em geral pelos outros.

15. Tutela possessória: meios extra-judiciais e


meios judiciais

Meios Extra-Judiciais:

→ Acção Directa → art.336º e art.1277º CC

→ Legítima Defesa → art.337º CC

Recorde-se que, por definição, só se pode recorrer a estes


meios extra-judiciais, no caso de não ser possível o recurso, em
tempo útil, aos meios judiciais.

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Direito das Coisas FDUP

Tanto no caso de acção directa como no caso de legítima defesa


se exige o requisito da actualidade da perturbação ou do esbulho.
Além disso, como se faz notar a seguir, o legislador disponibilizou
uma acção judicial preventiva (acção de prevenção), para o momento
prévio à perturbação ou ao esbulho; uma acção de manutenção, para
o momento simultâneo à perturbação ou ao esbulho; e uma acção de
restituição, para o momento posterior à perturbação ou ao esbulho.
Os meios extra-judiciais só serão, então, admitidos no
momento intermédio, naquele em que já se verifica a perturbação ou
o esbulho, mas em que o possuidor ainda não se encontra destituído
da posse da coisa e desde que não possa recorrer, a tempo de evitar
a perturbação ou o esbulho, ao tribunal através da acção de
manutenção.

Meios Judiciais:
Estão aqui em causa as chamadas acções possessórias.
De facto, a posse confere a possibilidade de vir a juízo requerer
determinadas providências, mediante as chamadas acções
possessórias. Nessa medida, pode-se falar aqui de um contencioso
possessório para designar o conjunto destas acções, por oposição ao
contencioso petitório, representado fundamentalmente pelas acções
destinadas a defender a propriedade.
Recorrem-se a estas acções possessórias sempre que há um
facto jurídico-empírico que viola ou ameaça violar a posse, isto é,
quando o facto visa perturbar (“animus turbandi”) ou privar o
possuidor da posse (“animus spoliandi”).
As acções possessórias seguem a forma de processo comum.
Os meios judiciais são:

→ Acção de Prevenção (art.1276º CC) → recorre-se à acção de


prevenção quando há uma ameaça de perturbação ou privação

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Direito das Coisas FDUP

(esbulho) da coisa. A ameaça é geradora de um justo receio de se ser


perturbado ou esbulhado da coisa.
Com esta acção pretende-se que o autor da ameaça seja
intimado a abster-se desse comportamento, sob pena de multa e
responsabilidade pelo prejuízo que cause. Ela destina-se a afastar o
perigo de perturbação da posse.
É portanto, uma acção preventiva.
A legitimação para intentar a acção de prevenção cabe ao
ameaçado.
Por exemplo, fazem-se obras no terreno vizinho e delas advém
o grave receio de vir a ser perturbada a posse sobre o terreno
contíguo. Nesta hipótese, o ameaçado pode requerer que o autor da
ameaça seja intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena
de multa e responsabilidade pelo prejuízo causado.

→ Acção de Manutenção (art.1278º CC) → aqui há uma


perturbação da posse. Esta acção visa reagir contra actos materiais
de perturbação ou agressão da posse.
Alguém só é perturbado se sobre a pessoa forem praticados
actos materiais, que traduzam uma pretensão possessória contrária à
do possuidor.
É o que acontece quando um indivíduo está na posse de uma
coisa e alguém vem perturbar essa posse, porque se considera a si
próprio legitimado para ter a posse da coisa.
Atente-se que esta acção pressupõe que o requerente conserva
a posse da coisa. Só se pode manter algo que se tem. Se já foi
esbulhado, não há lugar a uma acção de manutenção, mas de
restituição.
A legitimidade para intentar a acção de manutenção cabe ao
perturbado ou aos seus herdeiros (legitimidade activa) contra o
perturbador (legitimidade passiva) – art.1281º nº1 CC.

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Direito das Coisas FDUP

→ Acção de Restituição (art.1278ºCC) → esta acção pressupõe


um esbulho da posse, uma privação da posse. Aqui o possuidor é
esbulhado da posse, ele fica privado de poder exercer a posse.
Saliente-se que o esbulho pode ser parcial.
A acção de restituição destina-se a obter a recuperação da
posse de que se foi privado por esbulho.
A legitimidade para intentar a acção de restituição cabe ao
esbulhado ou seus herdeiros (legitimidade activa) contra o
esbulhador, os seus herdeiros ou contra quem esteja na posse da
coisa e conheça o esbulho (legitimidade passiva) – art.1281º nº2 CC.
Por exemplo, se um indivíduo foi privado da posse de um
automóvel ou mesmo de um imóvel, ele pode recuperá-lo mediante a
acção de restituição da posse.

Na prática, as situações de perturbação e esbulho podem


confundir-se. Assim, se for instaurada uma acção de manutenção e o
juiz se aperceber que devia ter sido intentada uma acção de
restituição ou se for intentada uma acção de restituição quando devia
ter sido intentada uma acção de manutenção, o art.661º CPC permite
ao juiz, oficiosamente, alterar a acção.

Posto o que foi dito, retenha-se, todavia, que só é plenamente


protegido por estas duas acções, o possuidor cuja posse é superior a
um ano, ou seja, que detém a “posse suficiente”. Este possuidor pode
sempre, provada que fique a sua posse superior a um ano, obter a
manutenção ou restituição da posse, não sendo admitido à
contraparte provar que tem melhor posse (art.1278º nº2 CC).
Esta “posse suficiente” confere, por isso, plenamente o direito a
estas acções.

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Direito das Coisas FDUP

Já se a posse actual durar há menos de um ano, então ela pode


soçobrar perante a prova de melhor posse aduzida pela outra parte.
Melhor posse, segundo o art.1278º nº3 CC, é “…a que for
titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual
antiguidade, a posse actual”.

O art.1282º CC prevê um prazo de caducidade das acções de


manutenção e de restituição da posse. Elas caducam “se não forem
intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do
esbulho, ou ao conhecimento dele, quando tenha sido praticado a
ocultas”.

Já o art.1283º CC estabelece uma ficção legal no âmbito dos


efeitos da manutenção e da restituição, já que “é havido como nunca
perturbado ou esbulhado o que foi mantido na sua posse ou a ela foi
restituído judicialmente”.

→ Acção de Restituição em caso de Esbulho Violento (art.1279º


CC e art.393º CPC) → trata-se de um procedimento cautelar
especificado. Aqui protege-se o possuidor contra uma privação
violenta da posse – um esbulho violento.
Esta acção de restituição tem lugar sem audiência do
esbulhador, é uma providência cautelar concedida sem respeito do
prévio contraditório (art.394º CPC).
Tal como todos os procedimentos cautelares, ela só se mantém,
ou melhor, ela não caduca, se a respectiva acção for intentada dentro
de um certo prazo (no caso, 30 dias), nos termos do art.389º a) CPC.

→ Embargos de terceiros (art.1285º CC e art.351º CPC) →


quando a ofensa da posse resulta da existência de uma diligência
judicial, nomeadamente de penhora ou arresto e não tendo o

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Direito das Coisas FDUP

possuidor sido parte no processo, será este o meio adequado para a


defesa da posse.
Por exemplo, o credor A executa B, seu devedor, e nomeia à
penhora, sendo apreendido, v.g., um aparelho de televisão, que está
na posse de um terceiro (C), mas que o credor entende pertencer a
B. O possuidor (C) pode opor-se à penhora com embargos de
terceiro. Não tem, assim, de provar a sua propriedade. Basta-lhe
provar a posse para fazer cair essa diligência judicial.
Trata-se, como se viu, de uma manifestação do valor indiciário
ou probatório da posse.

Oliveira Ascensão falava ainda na posse judicial avulsa, que


estava prevista no art.1044º CPC, actualmente revogado. Note-se
que, embora o nome possa sugerir o contrário, o facto é que este
processo especial não é um meio de defesa da posse. Apesar de
sugerir uma conexão com a tutela possessória, a posse judicial avulsa
nada tem a ver com ela.
Trata-se de um processo especial, pelo qual o adquirente de um
bem, por força de um acto translativo, pode requerer que ele lhe seja
entregue. Assim, por exemplo, o comprador a quem não foi entregue
a coisa, exibindo o título, pode requerer a entrega do objecto
comprado.
É este um processo destinado a permitir com mais facilidade
conseguir esse resultado do que se tivesse que recorrer ao processo
comum.
Daí que esta “entrega judicial” não é um meio de defesa da
posse, mas, pelo contrário, um meio destinado a obter a chamada
investidura da posse por parte de alguém que já a devia ter, mas não
a tem.

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Direito das Coisas FDUP

16. Efeitos da posse

Antes de enunciar os efeitos da posse, tenha-se presente que


estes efeitos favoráveis da posse resultam das três razões
justificativas ou dos três fundamentos apontados supra para a tutela
possessória.

a. Presunção da titularidade do direito


A posse faz presumir a titularidade do direito (art.1268º
CC). Chama-se, assim, à colação o valor probatório da posse.
Significa isto presumir-se que, quem está na posse de uma
coisa, é titular do direito correspondente aos actos que se praticam
sobre ela. Na origem desta presunção está a experiência (“o quod
plerumque accidit”).
É que, de facto, pode ser difícil ou impossível provar,
directamente, por uma cadeia ininterrupta de transmissões, a
titularidade do direito.
Esta presunção significa, portanto, que numa acção de
reivindicação – acção posta pelo proprietário contra o possuidor, onde
aquele pretende obter a declaração da propriedade e a restituição da
coisa –, o possuidor não tem o ónus da prova, cabendo ao
reivindicante esse ónus.
Trata-se, assim, de uma presunção ilidível. Cabe ao opositor,
mediante contraprova, a titularidade do direito sobre o bem em causa
que está possuído por outrem.
Por exemplo, se A está na posse de um bem e B vem a juízo
requerer que lhe seja entregue esse bem através de uma acção de
reivindicação, porque é seu proprietário, A, pelo facto de estar na
posse (de ser o possuidor), não tem o encargo de provar que está
legitimamente na posse, ou seja, que é ele o proprietário. Basta-lhe

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Direito das Coisas FDUP

alegar que é proprietário, não tendo que o provar. Ele beneficia dos
critérios de repartição do ónus da prova, que vai caber à outra parte,
no caso, o B. Este é que tem que provar que o proprietário não é o A,
mas sim ele.
Ressalta deste exemplo a capital importância desta presunção.
É que pode ser atribuída a propriedade ao possuidor (no exemplo, o
A), não porque este tenha conseguido provar que era o proprietário,
mas antes porque não foi provado que ele não o era.
Decorre daqui que, em situações de dúvida, ela é superada em
favor do possuidor, situações estas onde se espelha a doutrina de
que em igualdades de circunstâncias a posição do possuidor é melhor
(“in pari causa melior est condictio possidentis”).

Havendo colisão de presunções, tem prioridade a posse que for


registada; sendo ambas as posses registadas, prevalece a primeira
(art.1268º nº2 CC).

Posto isto, compreende-se que esta é uma presunção muito


importante, especialmente, face aos bens móveis e aos bens
consumíveis, já que é através da posse e posterior usucapião que se
defende a respectiva titularidade. Além disso, tome-se em linha de
conta que os bens móveis sujeitos a registo são poucos.
Contudo, isto não significa que ela não releve face aos bens
imóveis.

Comprovou-se deste modo que a posse continua a ser o grande


fundamento do direito de propriedade.

b. Perda ou deterioração da coisa


Art.1269º CC: “O possuidor de boa-fé só responde pela
perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com culpa.”

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Direito das Coisas FDUP

Se o possuidor estiver de má-fé, ele sabe que está a lesar o


direito de outrem e cabe-lhe um dever de restituição. Enquanto não
entregar a coisa, ele está em mora e, por isso, aplicam-se-lhe as
regras dos arts.804º e 807º CC.

c. Direitos do possuidor em relação aos frutos


Referem-se a estes direitos os arts.1270º a 1272º CC,
tendo relevo para este efeito a destrinça entre possuidor de boa-fé e
possuidor de má-fé. É que o possuidor de boa-fé faz seus os frutos,
enquanto que o de má-fé deve restituir não só os frutos que a coisa
produziu, como tem mesmo de responder pelo valor daqueles que um
proprietário diligente poderia ter obtido (em função do critério do
homem médio).

d. Direitos do possuidor em relação a benfeitorias


Também para aqui releva a distinção entre possuidor de
boa-fé e de má-fé.
Quanto às benfeitorias necessárias e úteis, ambos os
possuidores, quer o de má-fé, quer o de boa-fé, estão colocados
numa situação de paridade. Tratando-se de benfeitorias necessárias
têm ambos o direito de ser indemnizados e, tratando-se de
benfeitorias úteis, têm o direito de as levantar, desde que o possam
fazer sem provocar o detrimento da coisa (art.1273º nº1 CC).
Quando não for possível levantar as benfeitorias úteis sem
provocar o detrimento da coisa, tanto os possuidores de má-fé, como
os de boa-fé têm direito a uma indemnização calculada segundo as
regras do enriquecimento sem causa (art.1273º nº2 CC).
Já as benfeitorias voluptuárias, ou seja, as que apenas servem
para recreio do benfeitorizante, não aumentando o valor da coisa,
estão sujeitas ao regime especial do art.1275º CC. Enquanto o
possuidor de boa-fé tem direito a levantá-las, desde que o seu

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Direito das Coisas FDUP

levantamento não cause o detrimento da coisa (se causar, o


possuidor de boa-fé não pode levantá-las, nem tem direito ao valor
delas), o possuidor de má-fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias
voluptuárias que haja feito.

e. Usucapião – a posse como criadora de direitos

NOÇÃO:
Art.1287º CC: “A posse do direito de propriedade ou de outros
direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao
possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo
exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.”

Desta definição legal da usucapião ressalta a faculdade da
posse de reintegrar a coisa/o bem no seio da ordenação dominial
definitiva, através do instituto da usucapião, pelo qual a posse se
transforma no direito real em termos do qual a posse foi exercida.
Há, portanto, uma correspondência entre a posse exercida e o direito
real adquirido.

A posse faz, então, adquirir o direito, desde que ela se


mantenha durante um certo período de tempo. Ela é uma forma
originária de aquisição de direitos reais, que decorre do exercício
ininterrupto da posse com determinadas características.
A posse que se prolongue por um certo período de tempo, com
determinadas características, conduz à aquisição de um direito real
correspondente à posse que se exerceu.

Atente-se, porém, que a usucapião é um efeito da posse de


natureza facultativa, pelo que, verificados os pressupostos exigidos

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Direito das Coisas FDUP

por lei, o possuidor tem a faculdade de beneficiar do seu regime, não


sendo, todavia, obrigado a fazê-lo.

DIREITOS OBJECTO DA USUCAPIÃO:


Os direitos que se adquirem por usucapião são os direitos reais
de gozo. Exceptuam-se os previstos no art.1293º CC:
 Servidões prediais não aparentes (são direitos ocultos que
não permitem ao titular a percepção de que há uma posse
antagónica ao direito de propriedade);
 Direitos de uso e habitação (assumem um carácter
intuitus personae, isto é, têm um carácter pessoal, pelo
que só podem ser adquiridos pela pessoa perante quem
foram constituídos e não perante outra pessoa que não o
titular. São direitos directamente ligados à pessoa
relativamente à qual diz respeito. Abranger estes direitos
no objecto da usucapião era por em causa o seu carácter
intuitus personae).

REQUISITOS DA USUCAPIÃO:
a) Decurso do tempo → Varia consoante os bens em causa.
Faz-se a distinção entre bens imóveis e bens móveis. Dentro
dos imóveis temos que considerar as características de boa
e má-fé da posse e a existência ou não de título de registo
aquisitivo ou de registo da posse. Dentro dos bens móveis,
há a considerar se os bens estão ou não sujeitos a registo.
A lei fixa taxativamente o prazo.

b) Posse pacífica e posse pública → Art.1297º CC: “Se a posse


tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente,
os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que
cesse a violência ou a posse se torne pública.”

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Direito das Coisas FDUP

Enquanto a posse for mantida ou exercida com violência ou


ocultação, o prazo não corre.
Recorde-se que para efeitos de usucapião, as características
da posse aferem-se no momento do exercício da posse e
não no momento da sua aquisição.
A ratio desta disposição que tutela os interesses do anterior
possuidor compreende-se, porque o titular do direito contra
quem a posse vai ser exercida não poderá reagir se a posse
for oculta ou se ela for violenta. Se for oculta, o titular do
direito não sabe da sua existência, não podendo, por isso,
fazer uso dos seus direitos. Se for exercida com violência, o
titular, apesar de ter conhecimento do facto, possui a sua
liberdade jurídica suprimida, não se encontrando em
situação de estabilidade que lhe permita exercer o seu
direito em termos plenos.
Este mecanismo de tutela não é afastado no caso de um
terceiro de boa-fé adquirir a posse antes da cessação da
violência ou da ocultação. Por isso, o tempo que o terceiro
possui o bem não conta para efeitos de usucapião enquanto
em relação ao titular do direito não cessar a violência ou a
posse não se tornar pública.

Porém, a lei reconhece que, nestes
casos, o terceiro de boa-fé carece de alguma tutela jurídica, pelo que,
excepcionalmente, estabeleceu o art.1300º nº2 CC, que tutela os
casos em que terceiros adquirem a posse sob violência ou sob
ocultação, permitindo-lhes que, caso estejam de boa-fé, o prazo da
usucapião comece a correr a partir do momento da aquisição,
prevendo-se, contudo, prazos maiores do que os que são impostos no
art.1299º CC.

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Direito das Coisas FDUP

Note-se que o art.1300º CC está enquadrado no regime de


bens móveis indistintamente, isto é, regula tanto os bens móveis
sujeitos a registo, como os bens móveis não sujeitos a registo
(móveis simples). Não obstante, deve entender-se que o nº2 deste
artigo só deve valer face aos bens móveis simples e já não
relativamente aos bens móveis sujeitos a registo.
Isto é assim, porque, se se aplicasse o art.1300º nº2 CC ao
art.1298º b) CC (coisas imóveis sujeitas a registo e não registadas),
o prazo de 10 anos previsto aqui seria encurtado para 7 anos. Ora,
tal solução redunda numa distorção do espírito do art.1300º nº2 CC,
que pretende alargar os prazos para aquisição por usucapião no caso
da posse se encontrar sob violência ou sob ocultação.
Daí que o art.1300º nº2 CC não deva ser aplicado nos casos
previstos pelo art.1298º b) CC.

EFEITOS DA USUCAPIÃO:
Referiu-se já que a posse tem como efeito a aquisição de um
direito real.
O que ainda não se disse foi que “invocada a usucapião, os seus
efeitos retrotraem-se à data do início da posse” (art.1288º CC).
A confirmação da retroactividade da usucapião ao momento do
início da posse encontra-se, a respeito do direito de propriedade, no
art.1317º c) CC: “O momento da aquisição do direito de propriedade
é, no caso de usucapião, o do início da posse”.

CAPACIDADE PARA USUCAPIR:


Diz a epígrafe do art.1289º CC: “Capacidade para adquirir”

Para adquirir por usucapião prescinde-se
do uso da razão (art.1289º nº1 CC que remete para o art.1266º do

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Direito das Coisas FDUP

mesmo diploma), sendo que os incapazes podem adquirir tanto por si


só, como por interposta pessoa (nº2 do art.1289º CC).

Atente-se que, de acordo com o art.1290º CC, “os detentores


ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião,
excepto achando-se invertido o título da posse”, caso em que deixam
de ser detentores e passam a ser verdadeiros possuidores. Porém, na
2ª parte deste artigo, a lei ressalva imediatamente que “neste caso, o
tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a
inversão do título”.

SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A USUCAPIÃO:


O decurso do prazo para a usucapião está sujeito a algumas
vicissitudes.
Tanto assim é, que o art.1292º CC remete para o regime da
suspensão e da interrupção do prazo da prescrição, nos arts.318º e
323º e segs. CC.
Além disso, a lei manda ainda aplicar algumas disposições do
regime da prescrição: arts.300º, 302º, 303º e 305º CC.
A usucapião apresenta, então, algumas semelhanças com a
figura da prescrição, como aliás se nota na realização de um estudo
histórico daquela figura, no qual o primeiro aspecto particular a que
se poderia atender seria na própria designação: ela era conhecida
como “prescrição aquisitiva”.

Regime da prescrição:
 Art.300º CC → os prazos da usucapião são prazos
imperativos, sendo nulos quaisquer actos ou negócios que
visam reduzir ou aumentar os prazos da usucapião.

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Direito das Coisas FDUP

 Art.302º CC → os actos de renúncia à prescrição são nulos, a


não ser que o prazo já tenha decorrido.

 Art.303º CC → a usucapião, para ser eficaz, tem de ser


invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem
aproveita.

 Art.305º CC → a prescrição aquisitiva é invocável pelos


credores ou terceiros que nisso tenham interesse, ainda que
o devedor a ela tenha renunciado.

Suspensão do prazo:
Verificada qualquer uma das causas que levam à suspensão do
prazo para usucapir, esta dá origem a uma paralisação do prazo e,
por isso, se já tiver decorrido algum, este não fica inutilizado, apenas
não continua a correr.

Tipos de suspensão:
a) de início → as causas da suspensão verificam-se
simultaneamente ao início da posse. Exemplo: art.318º
a) CC – “…não começa…” – se um cônjuge é titular do
direito e o outro é possuidor, o prazo suspende-se (não
começa a correr) enquanto durar o matrimónio. Daí
que no momento em que um dos cônjuges adquire a
posse de um bem de que o outro era titular, o prazo
suspende-se de início.
b) de curso → as causas da suspensão verificam-se
durante o exercício da posse. Exemplo: art.318º a) CC
– “…nem corre…” – se A tem a posse e, posteriormente,
se casa com B, que é o titular do direito, o prazo
suspende-se.

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Direito das Coisas FDUP

c) de termo → as causas da suspensão verificam-se


quando o prazo de usucapião terminou, mas não
venceu por ainda não se encontrar cumprida
determinada exigência da lei. Exemplo, art.320º nº1 2ª
parte CC – “…sem ter decorrido um ano…”.

Suspensão a favor de menores (art.320º nº1 CC):


Se o menor não tiver representante, ele está incapacitado de
defender o seu direito real, pelo que, nestas circunstâncias, o prazo
da usucapião não começa a correr.
O prazo da usucapião só começará a correr quando o menor
tiver representante legal.
Quando o menor tiver representante, a usucapião (mesmo que
o prazo já se tenha vencido) não produz efeitos enquanto não
decorrer um ano após o termo da incapacidade, ou seja, até um ano
depois de o menor atingir a maioridade ou adquirir a sua
emancipação. A lei estabelece este prazo para permitir ao menor
acautelar os seus direitos no caso do seu representante não ter sido
zeloso na defesa dos interesses do menor.
Trata-se de uma suspensão de termo, pois apesar de o prazo já
ter terminado, a lei impõe ainda uma última exigência: que a
incapacidade esteja finda e que tenha decorrido um ano após o termo
dessa incapacidade.
O menor dispõe, por esta razão, de um prazo alargado para
intentar a acção de reivindicação para fazer valer o seu direito real
sobre a coisa que está na posse de outrem.

Suspensão a favor de interditos e inabilitados (art.320º nº3


CC):
Nestes casos há uma diferença de tratamento face aos
menores. É que enquanto que a menoridade cessa sempre com a

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Direito das Coisas FDUP

maioridade ou com a emancipação, sem mais (art.129º CC), a


interdição e a inabilitação necessitam de uma sentença judicial que
decrete o levantamento da incapacidade (art.151º e 155º CC), pelo
que estão sujeitas a um prazo de cessação indefinido, podendo
mesmo não chegar a cessar.
Não obstante, para efeitos de suspensão do prazo da
usucapião, o art.320 nº3 CC equipara o interdito e o inabilitado ao
menor, com algumas ressalvas.
Assim, enquanto o interdito/inabilitado não tiver representante,
o prazo não corre.
Quando o interdito/inabilitado tiver representante, a usucapião
não produz efeitos enquanto não decorrer um ano após o termo da
incapacidade. Ou seja, após o termo da incapacidade, o
interdito/inabilitado têm ainda um ano para fazer valer o seu direito
real, podendo intentar uma acção de reivindicação para recuperar a
coisa que está na posse de outrem. Findo esse ano, a usucapião
produz os seus efeitos e o possuidor adquire o direito real sobre a
coisa.
Porém, se a interdição/inabilitação não for levantada antes de
decorrido o prazo necessário para usucapir, a lei ficciona o termo da
incapacidade decorridos três anos após o termo do prazo da
usucapião. A estes três anos terá depois que se acrescentar o prazo
de um ano previsto no nº1 do art.320º CC, pelo que, nestes casos, só
quatro anos após o termo do prazo da usucapião é que ela produz os
seus efeitos.

Interrupção do prazo:
Verificada qualquer uma das causas que leva à interrupção do
prazo para usucapir, esta dá origem à inutilização do prazo. Cessando
o efeito interruptivo, começa a contar-se um novo prazo (art.326º
nº1 CC).

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Direito das Coisas FDUP

Título II – Ordenação dominial definitiva

Capítulo I – Princípios constitucionais dos


direitos reais

Ao contrário do que é sugerido pela designação, os princípios


expostos neste capítulo não têm qualquer matriz jurídico-
constitucional, nem sequer é possível encontrá-los na Constituição da
República Portuguesa.
Eles pretendem traduzir um conjunto de regras e princípios
orientadores da constituição, transmissão e extinção de direitos reais.
Tratam-se dos princípios fundamentais que dominam a constituição e
a vida deste ramo do direito.
Estes princípios, estas ideias gerais, podem ter as mais diversas
determinantes. Com efeito, eles podem assentar em razões político-
ideológicas, históricas ou económicas, em considerações racionais,
éticas ou morais ou, ainda, em razões de técnica jurídica.
Porém, estes princípios não são necessariamente infrangíveis.
Eles também esbarram nalgumas excepções. Tanto assim que alguns
são de validade absoluta e outros limitam-se a exprimir tendências.

Ora, como ramo do Direito Privado do nosso ordenamento


jurídico, os direitos reais e os seus princípios enformadores têm
subjacentes a si alguns pressupostos. Destes, cite-se desde logo o do
reconhecimento da propriedade privada, autêntica trave-mestra do
nosso ordenamento jurídico-privado.
O reconhecimento da propriedade privada, a concessão aos
particulares da propriedade é um princípio de Direito Privado que
assenta numa consideração ideológico-política. Trata-se de uma

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Direito das Coisas FDUP

opção político-ideológica correspondente a uma determinada


concepção do mundo e da vida no que toca à organização da
sociedade (repare-se que este ponto marca a grande diferença entre
os regimes capitalistas e os regimes socialistas da ex-União
Soviética).
Feita esta opção, em execução dela é lançado todo um sistema
de direitos reais.
Edificado nesta base, concorrem na constituição e na vida deste
sistema de direitos reais determinados princípios que assentam nas
razões já indicadas.
Quer isto dizer que, sendo os direitos reais um ramo do direito
privado, por trás de todo esse sistema de direitos reais (de todas as
normas e princípios inerentes que se encontram plasmados no Livro
III do CC e que assentam em múltiplas razões) se encontram
determinados pressupostos que constituem autênticos princípios do
direito privado, que ressaltam de opções político-ideológicas. Destes
princípios de direito privado, destaca-se para efeitos do direito das
coisas o princípio da autonomia privada, enquanto reconhecimento da
propriedade particular.

Na determinação destes princípios orientadores da constituição


e da vida dos direitos reais deve atender-se à anatomia dos direitos
reais. Esta metodologia permite-nos distinguir, no seio destes
direitos, um lado interno (o conteúdo do direito real enquanto
conjunto de poderes) e um lado externo (protecção/garantia
conferida ao titular do direito real).
Por esta razão, é possível encontrar princípios ligados ao lado
interno (relacionados com a coisa em si e com os poderes ou
faculdades que sobre ela podem ser exercidos) e princípios ligados ao
lado externo (relacionados com a obrigação passiva universal e com a
eficácia erga omnes dos direitos reais).

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Direito das Coisas FDUP

A – PRINCÍPIOS LIGADOS AO LADO INTERNO (conteúdo do


direito real):
1. Princípio da Coisificação
2. Princípio da Actualidade
3. Princípio da Especialidade
4. Princípio da Compatibilidade
5. Princípio da Elasticidade

B – PRINCÍPIOS LIGADOS AO LADO EXTERNO (garantia do


direito real):
1. Princípio da Taxatividade ou numerus clausus
2. Princípio da Causalidade
3. Princípio da Consensualidade
4. Princípio da Publicidade

A – Princípios ligados ao lado interno

1. Princípio da coisificação

O direito real versa sobre coisas corpóreas e coisas incorpóreas


(cfr. Classificação das coisas).
Muito embora o art.1302º CC pareça restringir o objecto do
direito de propriedade às coisas corpóreas, também as coisas
incorpóreas podem ser objecto de direitos reais. Aliás, o próprio CC
contém normas em que reconhece tal facto. Por exemplo:
− Art.1303º → refere-se à propriedade intelectual que
compreende os direitos de autor e a propriedade
industrial. Estatui o nº2 que as disposições do CC e,
em particular, as do direito de propriedade (que é

- 109 -
Direito das Coisas FDUP

onde se encontra sistematicamente o artigo) são


aplicáveis subsidiariamente a estes direitos, sempre
que se harmonizem com a sua natureza e não
contrariem o seu regime especial.
− Arts.94º nº3, 1682º - A e 1938º → tratam o
estabelecimento comercial como objecto de negócios,
de forma a que seja objecto de domínio.
− Os já falados casos dos direitos sobre direitos →
penhor – art.679º; casos de hipoteca – art.688º;
usufruto – art.1439º.

2. Princípio da actualidade

Art.408º nº2 CC: “Se a transferência respeitar a coisa futura


(…) o direito transmite-se quando a coisa for adquirida pelo alienante
(…)”.

Ficou já definido
supra, a respeito da classificação das coisas, o que são coisas futuras.
Diz a lei que só há direitos reais sobre coisas presentes e que já
existam e estejam no poder do alienante e, por isso, não há direitos
reais sobre coisas futuras.
Os negócios translativos ou constitutivos de direitos reais que
tenham por objecto uma coisa futura são válidos, mas apenas
produzem efeitos obrigacionais (do lado passivo gera a obrigação do
alienante de realizar todos os esforços para adquirir o bem e do lado
activo a expectativa jurídica do adquirente de ter o bem).
Só quando a coisa se torna presente (entra no património do
alienante) é que se transfere automaticamente para a esfera jurídica
do adquirente, tornando-se este imediatamente seu titular.

- 110 -
Direito das Coisas FDUP

O mesmo negócio que só produzia efeitos obrigacionais passa a


produzir efeitos reais, transferindo-se o direito real para o adquirente.
O princípio da actualidade não admite derrogações face às
coisas absolutamente futuras, mas já as admite no caso de coisas
relativamente futuras (por exemplo, nos termos do art.243º e 291º
CC, no caso de protecção de terceiros de boa-fé).
Note-se que não se deve confundir o regime da venda de coisas
futuras com o regime da venda de coisas alheias. Coisa futura e coisa
alheia não se referem à mesma problemática.

3. Princípio da especialidade

Art.408º nº2 CC: “Se a transferência respeitar a coisa (…)


indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for determinada
com o conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto
em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se,
porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou
integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou
separação.”

Significa este princípio que só há direitos reais sobre coisas
certas e determinadas, isto é, sobre coisas individualizadas. É que só
pode haver o direito de excluir todos (só há uma obrigação passiva
universal) em relação a uma coisa, se esta for certa e determinada.
Não podem, por isso, constituir-se direitos reais sobre coisas não
individualizadas ou indeterminadas.

Dentro deste contexto também se acentua um outro aspecto


que não constitui senão um outro lado da mesma realidade: é que os
direitos reais são únicos, no sentido de que o direito real que incide

- 111 -
Direito das Coisas FDUP

sobre uma coisa não é o mesmo que incide sobre outra coisa. Será
porventura igual, mas não será certamente o mesmo. Ora, isto não é
mais do que um corolário da ideia de que os direitos reais têm por
objecto coisas certas e determinadas, coisas individualizadas.

Esta é uma característica dos direitos reais que os distinguem


dos direitos de crédito, na medida em que, nestes, a prestação pode
ter por objecto uma coisa determinada apenas pela sua referência a
um tipo ou a um género e por uma certa quantidade. Assim, por
exemplo, a obrigação de entregar x pipas de vinho, sem que se saiba
se será esta ou aquela que será entregue (trata-se aqui de uma
obrigação genérica). O objecto da prestação não tem que se
encontrar determinado ao momento da constituição da obrigação.
Ao invés, o objecto de direitos reais tem que se encontrar
individualizado quando aqueles se constituem, dado que, de outra
forma, não poderiam existir os direitos de sequela e de preferência.
Para que estes existam é, portanto, necessário que os direitos reais
incidam sobre coisas certas e determinadas.

Por outro lado, atente-se que este princípio da especialidade


não exclui, todavia, a possibilidade de se constituírem direitos reais
sobre coisas colectivas, nomeadamente coisas compostas e
universalidades. O facto de os direitos reais terem como objecto
coisas certas e determinadas, coisas individualizadas, não é
incompatível com a possibilidade de o seu objecto ser uma coisa
composta ou uma universalidade. Isto porque a universalidade
(aceitando-se a teoria unitária – cfr. Introdução, Cap. I, 7.e)
Universalidades de facto e de direito) ou a coisa composta são, elas
próprias, uma forma de determinação ou de individualização. A coisa
não deixa, assim, de ser certa e determinada ou individualizada pelo
facto de ser constituída por uma pluralidade de coisas simples.

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Direito das Coisas FDUP

Continua a ser na mesma coisa determinada, cujos limites estão


traçados em termos cognoscíveis.

Há, desta sorte, que atender a duas realidades:


1. Não há direitos reais sobre coisas genéricas (coisas definidas
pela quantidade ou qualidade) – só há direitos reais quando
se dá a concentração (art.541º CC – regime das obrigações
genéricas) ou a escolha (art.543º CC – regime das
obrigações alternativas).
2. Não há direitos reais sobre coisas individualizadas do ponto
de vista físico ou material, mas que não o estão do ponto de
vista jurídico (partes componentes, partes integrantes,
universalidades – sempre que se aceite a teoria unitária –,
frutos naturais; não se incluem aqui as partes acessórias,
uma vez que estas são coisas individualizadas quer do ponto
de vista físico quer do ponto de vista jurídico e, nesse
sentido, têm autonomia jurídica).
Assim:
 Elas seguem o mesmo destino jurídico que as coisas
principais com que estão fisicamente conexionadas e o
direito que recai sobre a parte principal recai também
sobre elas. As coisas principais, componentes e
integrantes têm um destino unitário.
 No que toca às partes integrantes, enquanto não forem
separadas fisicamente ou individualizadas, não podem
ser objecto autónomo de direitos reais. Quanto às
partes componentes, elas não podem ser separadas ou
individualizadas, pois esse processo implicaria a
destruição total ou parcial da coisa ou tornaria a coisa
incompleta ou imprópria para o uso a que se destina.

- 113 -
Direito das Coisas FDUP

Daí que as partes componentes seguem sempre e


inevitavelmente o destino unitário da coisa.
 Enquanto não se der a separação, qualquer negócio
jurídico sobre uma destas coisas só produz efeitos
obrigacionais (do lado activo, a expectativa jurídica do
adquirente de adquirir a coisa e, do lado passivo, o
dever do alienante de fazer a separação). Só depois da
separação, é que o negócio produz automaticamente
efeitos reais, transferindo-se para o adquirente o
domínio do bem.

A ideia de destino jurídico único da parte componente conexa
com a coisa principal tem várias repercussões, nomeadamente no
âmbito do regime da acessão. Esta circunstância (a acessão)
possibilita ao dono do prédio que assim foi aditado adquirir a
propriedade sobre aquilo que lhe foi acrescentado, por facto natural
ou por indústria do homem, regime que representa um corolário da
tal ideia que tem vindo a ser afirmada: a de que “o direito real
alcança a totalidade da coisa”.

 Acessão natural → o direito que recai sobre a coisa principal
recai também sobre as coisas que com ela se conexionam
(arts.1327º, 1329º e 1331º CC).
 Acessão industrial mobiliária → quando a acessão é feita de
boa-fé, o legislador estabelece o critério do maior valor – o
proprietário do bem com maior valor é aquele que fica com o
bem final (art.1333º CC). Quando é de má-fé, vigora a regra
da prevalência do direito sobre o objecto enriquecido.
 Acessão industrial imobiliária → vale a regra da primazia do
solo. Em princípio, o titular do prédio rústico passa a ter o
domínio sobre os bens imóveis incorporados no solo

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Direito das Coisas FDUP

(art.1339º CC). Porém, quando alguém de boa-fé construir,


plantar ou semear e trouxer ao prédio um valor superior
(mais do dobro) que aquele que ele tinha, o autor da
incorporação pode adquirir a totalidade do prédio,
prevalecendo aqui a regra do maior valor (art.1340º nº1 CC).
Se a incorporação for de má-fé, vigora o princípio da
primazia do solo (art.1341º CC). Quanto a hipóteses de
prolongamento de edifício em terreno alheio subjaz o
princípio do maior valor (art.1343º CC).

Excepções ao princípio da especialidade:


→ Compropriedade → neste caso, sobre o bem, incide uma
quota ideal determinada. Contudo, o objecto da quota não é
determinado e daí que o direito está determinado, mas o objecto não
(art.1403º CC).
→ Propriedade horizontal → aqui há: 1 – um direito de
comunhão sobre as partes comuns (direito que abrange o solo, que é
parte principal); 2 – um direito de propriedade autónomo e distinto
das fracções. O direito sobre o solo não se estende às partes
componentes (art.1414º CC).
→ Desmembramento do objecto → minas, árvores e pedreiras
consideram-se separadas do solo em que se situam. Há uma divisão
jurídica do bem em dois e sobre cada bem recaem direitos diferentes:
um direito sobre o solo e outro sobre as minas, árvores e pedreiras.
→ Direito de superfície e de propriedade superficiária →
também aqui há uma divisão jurídica do bem. Distingue-se o direito
sobre o solo e o direito sobre a propriedade superficiária. O direito
que recai sobre o solo não se estende às plantações e edifícios que,
em abstracto, seriam partes integrantes do solo, mas que, em
concreto, se separam do solo (art.1524º CC).

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Direito das Coisas FDUP

→ Servidões prediais → quando impliquem a realização de


obras no prédio serviente (art.1566º CC), as obras realizadas pelo
proprietário do prédio dominante não pertencem ao titular do prédio
serviente, mas do prédio dominante. Daí que o direito sobre o que se
constrói não se estende ao solo em que se constrói, nem o direito ao
solo se estende às construções nela realizadas (art.1543º CC). É uma
excepção, porque o direito sobre a coisa principal não se alarga às
coisas que se incorporam à coisa principal.

4. Princípio da compatibilidade

Só pode existir um direito real sobre um bem, na medida em


que seja compatível ou não conflituante com outro direito real que
recaia sobre o mesmo bem. Se o direito real pressupõe uma reserva,
não pode existir um direito conflituante.
Porém, tal não impede que exista todo um conjunto de direitos
reais sobre o bem, desde que tenham conteúdo diferente ou tendo o
mesmo conteúdo, pela especial natureza desses poderes, possam
coexistir.
Assim, conseguimos estabelecer várias configurações da
coexistência de direitos reais sobre o mesmo objecto:
 Direitos reais de natureza diferente → podem coexistir
direitos reais de gozo, direitos reais de aquisição e
direitos reais de garantia. Embora sejam abstractamente
incompatíveis, eles podem coexistir.
 Direitos reais com a mesma natureza, mas com conteúdo
diferente → por exemplo, podem coexistir vários direitos
reais de gozo sobre o mesmo objecto, desde que tenham
um conteúdo diferente: direito de propriedade e direito de
usufruto.

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Direito das Coisas FDUP

 Direitos reais com a mesma natureza e com o mesmo


conteúdo → é possível coexistir vários direitos reais de
garantia ou vários direitos reais de aquisição, mesmo que
tenham o mesmo conteúdo, desde que haja entre eles
uma graduação: um credor tem um direito de preferência
no pagamento de um crédito e, por isso, se o valor do
bem hipotecado se esgotar na liquidação da dívida do
credor que tem a preferência, os restantes credores
perdem a sua garantia. Mas se o credor que tem a
preferência ficar completamente ressarcido e a coisa
ainda tiver valor, esse valor restante satisfaz, de acordo
com a graduação, os restantes credores.
Pode também haver concurso entre direitos reais de
aquisição e direitos reais de garantia.

5. Princípio da elasticidade

O direito de propriedade, por excelência, tem uma estrutura


elástica que lhe permite sofrer contracções sem que tal gere uma
mutação deste direito.
Isto implica que os direitos reais menores se constituam à custa
de uma contracção do direito de propriedade, não provocando,
contudo, a sua extinção, mas apenas a sua limitação.
Quer isto dizer que no que respeita a este princípio se entende
que os direitos reais limitados, os tradicionalmente chamados “jura in
re aliena” – o usufruto, a servidão, o direito de superfície, o direito de
uso e habitação – oneram, restringem, limitam a propriedade.
Sempre que estamos perante um direito real limitado, concorrem dois
direitos sobre o mesmo objecto: o direito de propriedade e o direito
real limitado a certas utilidades da coisa. Por exemplo, no usufruto,

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Direito das Coisas FDUP

há um usufrutuário e há um proprietário de raiz; na servidão, há um


direito de servidão sobre o prédio e há a propriedade sobre o prédio.
Patenteia-se nestes casos uma concorrência de direitos.
Extinto o direito real menor, o direito de propriedade expande-
se novamente, recuperando a plenitude da sua compreensão e do seu
conteúdo, reconstituindo-se desta forma a plena propriedade.
Todo o direito real tende a abranger o máximo das faculdades
que o seu conteúdo permite, isto é, tende a expandir-se ao máximo
dessas faculdades. Há, então, como que uma força expansiva do
direito de propriedade, desencadeada pela extinção dos direitos reais
que a limitavam, surgindo-nos aí a figura da aquisição originária,
derivada ou restitutiva.
Qualquer constituição de um direito real menor ocorre através
da aquisição derivada constitutiva, o que implica uma contracção do
direito progenitor.
A aquisição derivada restitutiva permite que o direito real se
expanda novamente.
Não admitem contracções ou onerações aqueles direitos cujo
conteúdo permite a sua utilização apenas pelo seu titular: direitos
reais de garantia e direitos reais de aquisição. Há também alguns
direitos reais de gozo que não permitem estas contracções:
− Uso e habitação → tem um carácter intuitus personae,
pelo que não pode ser alvo de contracções ou onerações.
− Servidões → qualquer oneração podia levar a que, em
caso de incumprimento, um terceiro que não o titular do
prédio dominante pudesse adquirir um direito que não
tenha por base a predialidade (art.1543º CC).

B – Princípios ligados ao lado externo

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Direito das Coisas FDUP

1. Princípio da taxatividade ou numerus clausus

Art.1306 CC: os direitos reais apresentam-se em figuras pré-


determinadas na lei. Este princípio implica que não possam constituir-
se direitos reais que se não enquadrem dentro de um daqueles tipos
de que a lei faz menção expressa e com um conteúdo que não seja
aquele que a lei lhes atribui.
Nestes termos, a taxatividade abrange não só o tipo, mas
também o conteúdo destes direitos reais.
Assim, apesar desta predefinição, os tipos não são
forçosamente fechados, isto é, o facto de só se poderem adoptar
estes direitos reais não quer dizer que a lei fixe absolutamente o
conteúdo desses direitos. De facto, as partes têm alguma liberdade
para modelar este conteúdo de acordo com o seu livre alvedrio,
desde que não violem os limites externos de cada tipo de direito real
(por exemplo, as servidões podem ter como objecto qualquer
utilidade – art.1543º e 1544º CC).
Quanto aos negócios constitutivos de direitos reais não há
princípio da taxatividade. Eles são negócios obrigacionais (com
eficácia real). Exceptuam-se os casos previstos no art.457º e segs.
CC, que respeitam aos negócios unilaterais.

Razões que justificam a taxatividade dos direitos reais:


1) Mecanismo de segurança e certeza jurídica (os direitos reais,
na medida em que são organizadores das infra-estruturas
económicas e definidoras do regime de bens, devem ser pré-
fixadas pela lei como mecanismo de resguardo de segurança
e certeza jurídica do modo de organização destes).

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Direito das Coisas FDUP

2) Natureza absoluta dos direitos reais. Trata-se de um


mecanismo que visa impedir as pessoas de criarem direitos
reais que contornem o seu carácter absoluto.
3) Evitar conflitos que surgissem com a criação livre de direitos
reais entre os titulares desses direitos reais. Estão em causa
interesses de ordem pública e paz social, que, por tal, se
compreende serem regulados imperativamente pela lei.
4) Este princípio impede uma proliferação de direitos reais que
se pretendem evitar por várias razões. Referimo-nos aqui à
criação de direitos reais ocultos e à criação de direitos reais
característicos de uma estrutura feudal da propriedade. Ora,
a criação destes direitos reais é desvantajosa de um ponto
de vista económico, na medida em que os primeiros podem
suscitar confluência de direitos sobre a mesma coisa ou
serem fontes de discórdia e os segundos, por implicarem a
existência de vários direitos reais distintos sobre o mesmo
objecto, nunca poderem ser explorados tão intensiva e
eficazmente como aqueles que se encontrem numa situação
de exploração exclusiva ou de apropriação por uma só
pessoa.

Crítica:
A livre criação de direitos reais permite um melhor
aproveitamento da riqueza dos bens.

Se de jure constituto se consagra o princípio da taxatividade,


tipicidade ou numerus clausus (art.1306º CC), de jure constituendo,
as opiniões na doutrina não são uniformes. Autores como Oliveira
Ascensão ou Philip Heck, civilista alemão, entendem ser mais
razoável vigorar o princípio do numerus abertus dos direitos reais.
Argumentam, no fundo, com o interesse da espontaneidade social,

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Direito das Coisas FDUP

uma vez que o princípio da tipicidade pode conduzir a um


desfasamento entre os esquemas legais e a vida prática.
Porém, a opinião mais consolidada e que encontra defensores
em Mota Pinto e Orlando de Carvalho, postula a vigência do princípio
da tipicidade ou do numerus clausus neste domínio, com base nas
razões acima apontadas.
Esta divergência doutrinal reflecte-se na adopção pelos vários
sistemas jurídicos de um princípio ou de outro. É que se no nosso
sistema se segue a doutrina maioritária e se adopta o princípio do
numerus clausus (art.1306º CC), na maior parte dos regimes não
vigora este princípio, mas um regime meramente indicativo (que se
funda no princípio da atipicidade ou numerus abertus), já que as
partes podem adoptar ou não os direitos reais previstos
expressamente na lei com o conteúdo fixado pela lei ou não.
Não obstante, na prática, este sistema redunda sempre na
aplicação do elenco tipificado e fechado na lei, procedendo somente a
algumas combinações das figuras que já previstas. Daí que esta
questão não seja muito pragmática, já que, na prática, há um
sistema de taxatividade, pois os direitos reais tipificados traduzem a
lógica de domínio e de plena apropriação, pelo que num regime de
livre apropriação e tendo em conta esta lógica, a apropriação de um
bem tende a excluir, na prática, outras formas de domínio.

Se as partes adoptarem outros tipos de direitos reais não


previstos na lei ou cujo conteúdo extravase o limite externo dessa
figura, impõe-se a sua nulidade, pois o art.1306º CC é uma lei
imperativa (art.294º CC).
É ainda possível a conversão do negócio nulo num negócio
válido (art.293º CC), com vista o aproveitamento desse negócio nulo.
Exigem-se dois requisitos para que se possa verificar a conversão (de
acordo com o regime geral):

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Direito das Coisas FDUP

− O negócio inválido tem que conter os requisitos de


forma e de substância do negócio a converter
(art.293º 1ª parte CC).
− A vontade hipotética das partes em converter o
negócio nulo num negócio válido.

O legislador presumiu esta vontade hipotética
das partes na 2ª parte do nº1 do art.1306º CC, facilitando-se assim a
conversão. Assim, só é necessário provar que os requisitos de forma
e substância do negócio inválido são suficientes para converter o
negócio nulo num negócio válido. Visa-se com isto facilitar a
constituição de um direito de natureza obrigacional, quando há
dificuldade de prova pelas partes. Como há uma analogia de
interesses entre direitos reais e direitos de crédito, a pessoa em
nome da qual iria ser constituído um direito real, desde que usufrua
da coisa através de um direito obrigacional, está favorecido.
Contudo, esta presunção só é aplicável às restrições aos
direitos reais e já não às figuras parcelares:
− Restrições aos direitos reais → Verifica-se a contracção
do direito real, surgindo na sua sequência um direito
real que desvirtua a natureza do direito de
propriedade.
− Figuras parcelares → Com a revogação da figura da
enfiteuse já não há nenhuma figura parcelar na lei. Na
enfiteuse previa-se um desmembramento do direito de
propriedade, criando-se com esse desmembramento
dois direitos autónomos: o direito do senhorio
(domínio directo) e o direito do enfiteuta (domínio
útil).

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Direito das Coisas FDUP

2. Princípio da causalidade

É o princípio à volta do qual se conforma o regime de


constituição e transmissão dos direitos reais.
Todo o direito real é causado pelo acto através do qual se
manifesta a vontade de constituir ou transmitir um direito real.

Tem de ser incontestável,
pois o direito só terá eficácia erga omnes se for um direito adquirido
regularmente.

Um direito é incontestável se:
− A aquisição for regular.
− A aquisição for indiscutível face a terceiro.

Não tem que haver uma coincidência entre o interesse da
regularidade e o interesse da indiscutibilidade. Pode haver aquisição
do direito independentemente da validade/regularidade do título. Por
exemplo, na usucapião. São situações em que o sistema jurídico dá
prevalência ao acto de transmissão de um bem em detrimento do
acto de manifestação da vontade.

Título → acto através do qual se transmite ou adquire direitos


reais.

Sistemas de articulação entre o interesse da regularidade e o


interesse da indiscutibilidade:
1) Sistema do título
2) Sistema do modo
3) Sistema do título e do modo

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Direito das Coisas FDUP

Título → toda a causa ou fundamento jurídico que justifica a


atribuição dos direitos reais. É o acto em que se manifesta a vontade
de adquirir e transmitir o direito real.

Modo → acto de execução do título; acto pelo qual se concretiza


ou se realiza a constituição ou transmissão do direito real. Há três
espécies de modo: tradição; registo; notificação.

1) Sistema do título (caso português)


A transmissão do direito real é uma consequência legal do acto
em que se manifesta a vontade de transmitir e adquirir, isto é,
é uma consequência do título.
A estabilidade do direito real está dependente da regularidade
do título.
Assenta no interesse da regularidade (o registo e a traditio não
têm efeitos constitutivos do direito real).
O título produz efeitos reais e obrigacionais.

2) Sistema do modo (caso alemão)


A produção do efeito real, relativamente a bens móveis, dá-se
com a entrega da coisa (traditio) e, relativamente aos bens
imóveis, dá-se com o registo.
Não interessa aqui o acto de transmissão ou aquisição do direito
real. O que é decisivo é a entrega dos bens ou o registo da
aquisição.
Antes da traditio dos bens ou do registo, há um contrato em
que se manifesta a vontade de transmitir ou adquirir, mas
deste contrato não resultam efeitos reais, só efeitos
obrigacionais.

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Direito das Coisas FDUP

É com a traditio (entrega do bem) e com o registo que se


realiza o direito real. Não se atende à regularidade da
transmissão.
Há uma prevalência do interesse da indiscutibilidade face ao
interesse da regularidade (este interesse esgota os seus efeitos
no âmbito obrigacional).

3) Sistema do título e do modo (caso espanhol)


O título por si só é insuficiente. Exige-se também o modo.
Para a transmissão dos bens móveis é necessário o negócio
com efeitos reais e a tradição (a entrega da coisa).
Para os bens imóveis serem transmitidos é necessário o negócio
real e a inscrição no registo.
Assentam quer no interesse da regularidade do título, quer no
interesse da indiscutibilidade do modo.

Excepções:
1) Sistema do título:
− Há casos em que além da regularidade é necessário a
transmissão, sendo nesses casos um sistema de título
e de modo (ex. transmissão de bens móveis sujeitos a
registo).
− No caso de usucapião é possível adquirir
independentemente da boa-fé.
− É possível, em certos casos, adquirir quando o título
não é válido (ex. casos de protecção de terceiros de
boa-fé e casos de terceiro para efeitos de registo).
2) Sistema do modo: quando o acto de atribuição do bem, que
antecede a traditio (a entrega do bem) ou o registo for
inválido, gera-se a obrigação de restituição ao abrigo do
enriquecimento sem causa.

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Direito das Coisas FDUP

3) Sistema do título e do modo: há casos em que não se exige


os dois requisitos da regularidade do título e da
indiscutibilidade do modo, uma vez que se admitem
tradições implícitas (tradição ficta; traditio brevi manu;
constituto possessório).

Regularidade do título:
Tem que ter em conta os vícios que geram a nulidade e/ou
anulação (invalidade).
Para o título ser regular a causa que lhe dá origem e, por
inerência, o próprio título, tem que ser existente, válido e procedente
(art.408º nº1 CC). A transmissão e a aquisição do título dependem
da sua regularidade, isto é, da sua existência, validade e procedência
(os negócios sobre coisas futuras ou indeterminadas não procedem).

O contrário do princípio da causalidade é o princípio da


abstracção.

Princípio informador do sistema modo. A transmissão do bem
abstrai-se da validade do título.

Sistema do título ↔ Princípio da causalidade


Sistema do modo ↔ Princípio da abstracção

Há casos, não obstante o sistema português assentar na


regularidade do título, em que se dá prevalência aos interesses do
adquirente em prejuízo dos interesses da transmissão, o que constitui
um desvio à regra geral de protecção do transmitente. Assim, o
interesse da regularidade é sacrificado face ao interesse da
indiscutibilidade. Contudo, estas são situações excepcionais e que

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Direito das Coisas FDUP

não constituem manifestações do princípio da abstracção. São três os


casos:
− Terceiros adquirentes de boa-fé (protegidos pelos
arts.243º e 291º CC).
− Primeiro adquirente de boa-fé, no caso de venda de
coisa alheia (art.892º CC).
− Terceiros para efeitos de registo.
O vício nestes casos traduz-se na falta de legitimidade do
transmitente.

Além destes casos, há outros em que não prevalecendo um


interesse sobre o outro, exige-se quer a regularidade do título quer a
indiscutibilidade do modo (por exemplo, transmissão de coisas
móveis sujeitas a registo).

3. Princípio da consensualidade

Previsto no art.408º nº1 CC – os contratos de constituição ou


de alienação de direitos reais sobre coisa certa e determinada
produzem o efeito real ex contractu, isto é, por mero efeito do
contrato.
Significa isto que celebrado o acto constitutivo ou translativo do
direito real, a constituição ou a transmissão dá-se por mero efeito do
contrato, não sendo necessário qualquer acto adicional para a
produção de efeitos, que se produzem solo consensu. A atribuição de
efeitos depende só do acordo de vontades entre as partes, do negócio
de alienação do título.
Inversamente ao exigido noutros sistemas (por exemplo, o
sistema alemão), não se torna necessária a tradição da coisa para a
transferência de um direito real sobre móveis, nem se exige para os

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Direito das Coisas FDUP

imóveis outro acto, bastando o contrato – o contrato constitutivo ou


translativo de direitos reais – para que estes se constituam ou se
transfiram. Basta, para esse efeito, o consenso no contrato.
Nesses outros sistemas, como o alemão (como se
exemplificou), as coisas passam-se de maneira diferente. Aí um
contrato de compra e venda só tem uma eficácia obrigacional, mas
não transfere logo a propriedade. Por força dele, o comprador tem
apenas o direito a exigir a entrega da coisa (móveis) ou que se
pratique um acto de inscrição do negócio (imóveis) para se produzir o
efeito real.
Entre nós não é assim. O direito real está ligado ao próprio
contrato, mesmo que a coisa continue na posse do vendedor e,
quanto aos imóveis, independentemente de registo, que é só
condição de eficácia em relação a terceiros.

Porém este princípio pode ter outro sentido. Dizem-se


consensuais os negócios que não carecem, para a sua eficácia, de
formalismo especial; aqueles negócios que podem realizar-se por
qualquer das formas que as declarações de vontade possam revestir.
Neste sentido, aos negócios consensuais opõem-se os negócios
formais. Nesta perspectiva não se poderia dizer que vigorasse no
domínio dos direitos reais o princípio da consensualidade, pois pelo
menos para os negócios sobre imóveis é exigido um formalismo
especial (a lei exige escritura pública para estes negócios).
Ou seja, com base neste princípio, o acordo entre as partes
pode ser formalizado ou não, salvo se for exigida forma escrita, caso
em que tem que ser necessariamente formalizado.
Posto isto, não é esta acepção que tomamos em conta ao falar
em princípio da consensualidade. O sentido com que aqui utilizamos
esta expressão visa pôr em relevo que se podem constituir ou
transferir direitos reais sobre coisa certa e determinada por mero

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Direito das Coisas FDUP

efeito do contrato, sem necessidade de um acto posterior que venha


acrescer ao negócio jurídico.

Desvios (situações em que para além do acordo é preciso um


acto ulterior):
− Art.947º nº2 CC: “A doação de coisas não depende de
formalidade alguma externa, quando acompanhada de
tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de
tradição da coisa, só pode ser feito por escrito.”
− Art.681º nº2 CC: Quando o penhor de direitos tiver
por objecto um crédito, ele só produz os seus efeitos
desde que seja notificado ao respectivo devedor, ou
desde que este o aceite, salvo tratando-se de penhor
sujeito a registo, pois neste caso produz os seus
efeitos a partir do registo.
− Art.669º nº1 CC: Na constituição do penhor, ele “só
produz os seus efeitos pela entrega da coisa
empenhada, ou de documento que confira a exclusiva
disponibilidade dela, ao credor ou ao terceiro”.
− Art.687º CC: A hipoteca tem que ser registada, já que
sem o registo, a constituição não é válida.

4. Princípio da publicidade

Este princípio implica que a constituição ou transmissão de


qualquer direito real deve revestir notoriedade, ser acessível ao
conhecimento geral.
Significa isto que o direito real tem que ser conhecido. É que a
eficácia erga omnes dos direitos reais exige que eles sejam

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Direito das Coisas FDUP

conhecidos ou, pelo menos, que sejam cognoscíveis pelas pessoas


que afectam: os terceiros.

Entre as partes intervenientes não há qualquer regime que


exija a publicidade, pois ela não se justifica. O acto é, por definição,
conhecido dos intervenientes (exceptuam-se os casos de hipoteca –
art.687º CC – em que o registo é sempre condição de eficácia,
mesmo inter partes).

Já face a terceiros exige-se a publicidade, pois sendo aqueles


interessados no negócio (têm interesses conflituantes com os
interesses dos intervenientes do negócio), precisam de ser protegidos
de forma a conhecerem a situação jurídica dos bens. Ora, esta
protecção faz-se através da publicidade.

O registo aponta para uma ideia de segurança e de tutela


jurídica de terceiros. É isto que justifica a publicidade. A publicidade
garante-se através dos actos registados perante terceiros.
Ressalta desta ideia que por trás deste princípio da publicidade
se encontra o interesse da comunidade. É que se o tráfego jurídico
tem de ser fluente, na medida em que não se compadece com
demoras excessivas no seu processamento, ele tem de ser,
imperativamente, seguro e certo. As pessoas não podem estar à
mercê de surpresas. Não é conveniente que os actos mediante os
quais essas pessoas adquiriram direitos possam vir a ser destruídos
por ilegitimidade de quem lhes fez a alienação. Para tal, devem esses
actos ser públicos, i.e., fornecer a possibilidade de um conhecimento
geral, para que seja conhecida a situação jurídica das coisas.

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Direito das Coisas FDUP

Este princípio tem, porém, de acordo com as prelecções de


Mota Pinto, uma validade tendencial no campo dos direitos reais. Não
é um princípio absoluto que vigore para todos.
Nestes termos, os bens mais necessitados da tutela deste
princípio da publicidade são os bens imóveis e os bens móveis
sujeitos a registo, porque são os mais transaccionados e os mais
capazes de gerar riqueza.
Assim, quanto aos:
→ Bens imóveis → para estes existe o instituto do registo
predial, precisamente com a finalidade de dar publicidade à
situação jurídica destes bens.
Embora o formalismo a que a lei sujeite os actos sobre estes
bens imóveis tenha um efeito de dar publicidade a esses
actos, não é esse o seu desiderato primário. Para tal fim
existe, ex professo, o registo predial, que se traduz num
serviço público realizado em repartições próprias onde
existem livros que contêm a história jurídica dos imóveis.
Mediante este instituto introduz-se uma dose mais elevada
de segurança na contratação. Não uma segurança absoluta,
pois o registo não dá direitos (por exemplo, pode suceder
que um determinado imóvel não pertença à pessoa em cujo
nome estava registado). Todavia, o registo garante, pelo
menos, que se o imóvel alguma vez pertenceu à pessoa em
cujo nome está registado, então ainda continua a pertencer-
lhe.
→ Bens móveis sujeitos a registo → esta exigência de
publicidade para os bens imóveis, consistente no registo, foi
também transplantada para alguns móveis. Alguns destes,
pelo seu valor e mercê da possibilidade de individualização
que oferecem, foram sujeitos a registo. É o caso dos
automóveis, dos navios, dos aviões, etc.

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Direito das Coisas FDUP

Quanto a outros móveis (por exemplo, uma jóia, um


electrodoméstico, etc.) não vigora qualquer necessidade de
registo.
Diferentemente do que acontece entre nós, nalguns
sistemas, já o sabemos (cfr. supra, princípio da causalidade),
há regimes que procuram alcançar esta mesma finalidade de
certeza sobre a situação dos bens móveis mediante princípios
diferentes. É o caso dos sistemas (v.g., o sistema alemão)
em que a transferência da propriedade dos móveis exige a
tradição ou, ainda, o caso dos sistemas em que vigora o
princípio de “posse vale título”, nos termos do qual o
adquirente de boa-fé de uma coisa que seja seu possuidor,
vê a sua situação jurídica de adquirente protegida em termos
definitivos (nalguns países, isso vai mesmo ao ponto de se
considerar válida a aquisição daquele que de boa-fé adquiriu
um objecto furtado ou achado). Contudo, entre nós não
vigora nenhum destes princípios.

Posto tudo o que acabou de ser dito, conclui-se que o registo é


uma condição de eficácia do facto registado perante terceiros, ou
melhor, é uma condição de oponibilidade do acto constitutivo ou
translativo do direito real a terceiros. O registo é uma condição de
eficácia perante terceiros, mas não é condição de eficácia nem de
validade do acto translativo do direito real (salvo nos casos, já
referenciados, da hipoteca). Ele visa somente a publicidade deste
acto translativo.
Também não confere a eficácia erga omnes aos direitos reais.
Esta resulta da própria lei.
Do mesmo modo, os factos jurídicos sujeitos a registo são
inoponíveis face a terceiros enquanto não forem registados.

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Direito das Coisas FDUP

No que respeita a aquisição de direitos reais sobre as coisas que


estão sujeitas a registo, o critério que prevalece em matéria de
aquisição é o da prioridade cronológica. Quando duas pessoas
adquirem direitos reais conflituantes ou incompatíveis entre si e
registam o bem, prevalece o direito registado em primeiro lugar.

Há ainda que atender à regra da prioridade do registo.


Assim, quando um primeiro adquirente não regista e há uma
posterior aquisição que é registada, embora a segunda aquisição
padeça de ilegitimidade do transmitente (porque ele, quando realiza a
segunda alienação, já não é titular do direito real sobre a coisa
alienada), é esta segunda transmissão que prevalece, já que a
primeira aquisição, como não foi registada, é inoponível a terceiros.
Ao invés, a segunda aquisição, como foi registada, é oponível face ao
primeiro adquirente. A aquisição “a non dominum” do segundo
adquirente (que adquire posteriormente e regista e que é um terceiro
em relação à primeira alienação) torna-se “ad dominum” e pode opor
a aquisição ao primeiro adquirente. Isto é assim, porque quem
regista tem a aparência do direito. O primeiro adquirente, como não
registou, vê o seu direito decair.

Efeitos do registo:
→ Efeito imediato → Presunção da titularidade do direito – O
registo presume a existência de um direito real e presume
que ele pertence àquele cujo nome consta do registo. É uma
presunção ilidível, porque o registo subjaz com base no
documento que regula a transmissão. Por isso, o registo não
garante que o direito existe, mas garante que se ele existe
tem como titular a pessoa que o registou.
→ Efeito lateral → Tutela de terceiros de boa-fé (art.291º CC)
→ visa proteger aqueles que, encontrando-se numa mesma

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Direito das Coisas FDUP

cadeia de transmissão, vêem a sua posição afectada por


uma invalidade anterior.
→ Efeito central → O registo não é condição de eficácia nem de
validade, mas é uma condição de oponibilidade do acto
constitutivo ou translativo do direito real a terceiros.

Quem são terceiros para efeitos de registo?


o Art.5º nº4 Código de Registo Predial – “terceiros para efeitos
de registo são aqueles que tenham adquirido de um autor
comum direitos incompatíveis entre si.”
o Parece que não é necessário que o terceiro esteja de boa-fé,
apesar de haver autores que defendam que este é um
requisito imperativo. Manuel de Andrade e Orlando de
Carvalho sustentando que tal requisito não necessário,
afirmam que o que está aqui em causa é a segurança do
comércio jurídico e, portanto, importa um interesse geral
(interesse comunitário) e não um interesse individual. Além
disso, a boa-fé determina-se segundo critérios objectivos e
não subjectivos. Ora, o critério objectivo é dado pela
existência ou não do registo.
o Manuel de Andrade e Orlando de Carvalho defendem ainda
que serão protegidos os que tenham adquirido
onerosamente e os que tenham adquirido gratuitamente,
indistintamente.

Registo (quanto aos efeitos):


− Constitutivo
− Declarativo

Registo (quanto à natureza e quanto à cominação de sanções


de natureza penal ou administrativa):

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Direito das Coisas FDUP

− Facultativo → o registo é um ónus; não há sanções para


quem não registar.
− Obrigatório → o registo é um dever; há cominação de
sanções para quem não proceder ao
registo.

Em princípio, o registo é facultativo.

(Princípio do trato sucessivo → para o adquirente poder registar


a sua aquisição, o transmitente tem que ter registado previamente a
sua. Daí que o transmitente tem de ter registado o bem para que o
adquirente também possa registar e dessa forma quem adquire tem
interesse que o transmitente também já tenha registado. Tal não
significa que o registo seja obrigatório, embora, na prática, para se
transmitir tenha que ser registado.)

- 135 -
Direito das Coisas FDUP

Capítulo II – Características dos direitos


reais

Como prodrómo deste capítulo relativo às características dos


direitos reais diga-se que também para aqui vale a metodologia de
decomposição anatómica dos direitos reais. Assim, distinguem-se
características que se ligam ao lado interno (ao conteúdo ou licere do
direito real) e características que se ligam ao lado externo do direito
real (a protecção/garantia conferida ao titular do direito real).

1. Características ligadas ao lado interno:


independência do direito real das pretensões
a que dá origem

O lado interno do direito real corresponde a um poder directo e


imediato sobre a coisa: exercício de um poder que não é mediatizado
por outrem e que tem como corolário o facto de o direito existir e ser
independente das pretensões positivas a que possa dar origem.
É esta característica aqui referenciada uma das responsáveis
pela distinção que se realizou no prolegómeno deste curso entre
direitos reais e direitos de crédito e direitos sobre as pessoas.
É que os direitos de crédito correspondem sempre a uma
pretensão a um comportamento e esgotam-se nessa pretensão, isto
é, extinguem-se quando essa pretensão é cumprida.
No caso dos direitos sobre as pessoas, estes postulam uma
obrigação de respeito, mas que vai no sentido do desenvolvimento da
pessoa e que incluem um conjunto de actos (pretensões) que têm
que ser realizados quer por parte do Estado, quer por parte dos
particulares (diferentemente do que se passa nos direitos reais em

- 136 -
Direito das Coisas FDUP

que a obrigação de respeito é uma obrigação de abstenção, logo, não


é uma pretensão).
Por seu turno, os direitos reais, quando dão origem a
pretensões, são pretensões que resultam da violação do direito e não
do exercício do direito. São pretensões que o titular do direito tem,
mas que não identificam o direito real. O exercício dos direitos reais
dispensa qualquer pretensão e esta, quando surja, visa reintegrar o
direito numa dominialidade definitiva e não exercê-lo.
É o poder directo e imediato sobre o bem que confere a
autonomia do direito real face a qualquer forma de reintegração a
que o seu exercício possa dar origem.
A pretensão que lhe pode estar associada não se confunde,
assim, com o seu conteúdo.

2. Características ligadas ao lado externo

→ Direito de Sequela (ou de seguimento)

O direito de sequela ou de seguimento constitui uma


consequência da eficácia absoluta dos direitos reais. É, de facto, por
força desta característica que as relações jurídicas reais se encontram
dotadas desta nota, tradicionalmente designada por direito de
perseguição, direito de sequela ou, ainda, direito de seguimento.
Significa isto que o direito segue a coisa, persegue-a,
acompanha-a, podendo fazer-se valer seja qual for a situação em que
a coisa se encontre. Daí que o titular do direito real possa sempre
exercer os poderes correspondentes ao conteúdo do seu direito,
ainda que o objecto entre no domínio material ou na esfera jurídica
de outrem.

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Direito das Coisas FDUP

Assim, o direito de sequela pode definir-se como o direito ou a


faculdade do titular do direito real de perseguir ou seguir a coisa onde
quer que ela se encontre, nomeadamente quando seja pertença de
um terceiro adquirente, manifestando-se desta maneira o poder
directo e imediato sobre o bem e a própria garantia.
É o poder que o titular de um direito real possui de fazer valer o
seu direito real sobre a coisa, onde quer que ela se encontre, ainda
que seja no domínio material ou jurídico de outrem. O proprietário
pode reivindicar a sua coisa de um terceiro, isto é, chamar a si um
determinado bem, mesmo que ele seja reclamado por outrem que
não o titular.
Por exemplo: um indivíduo comprou um prédio a A, mero
locatário, julgando ser este o proprietário respectivo. O proprietário
pode reivindicar a coisa deste indivíduo que a adquiriu por um título –
compra e venda – normalmente idóneo para transferir a propriedade,
mas que, não o é, no caso em apreço, por o transmitente não possuir
legitimidade para alienar uma coisa que lhe não pertence. Não fica,
por isso, o proprietário inibido de reivindicar a coisa, podendo fazê-lo,
com excepção dos casos em que se verifique alguma excepção ao
direito de sequela.
O proprietário poderá exercer uma acção de reivindicação,
constituindo esta o meio processual pelo qual a sequela se manifesta
neste exemplo em que se apresenta uma situação material
incompatível com o direito do proprietário. Porém, note-se que a
acção de reivindicação não é o único meio processual pelo qual a
sequela se manifesta.

Nas hipóteses em que, não se verificando essa situação de


incompatibilidade, mas apenas a existência de uma situação jurídica
susceptível de perturbar o direito real, não havendo lugar à acção de

- 138 -
Direito das Coisas FDUP

reivindicação, não deixa, porém, também aí, de se manifestar a


sequela.
Assim, por exemplo, tanto ao usufrutuário, como ao titular de
um direito real de garantia (v.g., a hipoteca) assiste o direito de
sequela, se a coisa for alienada a terceiro pelo seu proprietário, na
medida em que esses direitos reais podem ser opostos ao terceiro
adquirente para quem a coisa se transmitiu. Não se justifica, porém,
o exercício de uma acção de reivindicação, desde logo porque, por
exemplo, na hipótese do usufruto, o usufrutuário até está na posse
da coisa, não tendo assim nada a reivindicar.
O direito de sequela manifesta-se aqui na circunstância de o
usufruto poder ser exercido em relação ao novo adquirente da nua
propriedade. Só que, agora, o exercício da sequela não se vai traduzir
numa acção de reivindicação, mas numa acção de simples
apreciação.
O usufrutuário está na posse da coisa e, não obstante esta ter
sido transmitida do proprietário de raiz para outro, ele pode afirmar o
seu direito de usufruto em face ao novo proprietário. É nesta
possibilidade que assiste ao usufrutuário de fazer valer o seu direito
contra qualquer adquirente da propriedade, limitada pelo usufruto,
que reside a sequela. Só que aqui este direito de sequela não vai
manifestar-se através de uma acção de reivindicação, uma vez que
nada há a reivindicar. O meio processual idóneo para o direito de
sequela se manifestar aqui é a acção de simples apreciação que deve
ser intentada pelo usufrutuário.
As coisas passam-se de forma idêntica em relação ao outro
exemplo citado – a hipoteca. Também ao credor hipotecário, ao
titular do direito real de garantia, assiste a possibilidade de continuar
a dar a coisa, objecto do seu direito, à execução, independentemente
de esta pertencer ainda ao proprietário que constitui a hipoteca ou já
a um posterior adquirente. É precisamente nessa possibilidade que o

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Direito das Coisas FDUP

titular da hipoteca tem de fazer valer o seu direito,


independentemente da transmissão da propriedade, que reside esse
direito de sequela.

Destas considerações arranca uma nota específica dos direitos


reais em face dos direitos de crédito. É que ao titular destes não
assiste o direito de sequela. Este surge-nos, assim, como privativo ou
exclusivo dos direitos reais.
Os direitos de crédito não proporcionam um direito real sobre o
património do devedor. Os direitos de crédito esgotam a sua eficácia
inter partes, uma vez que o titular destes direitos não pode perseguir
os bens que saem do património do devedor, excepto através da
impugnação pauliana, verificados os pressupostos deste instituto.
Porém, a sequela não se confunde com a impugnação pauliana,
uma vez que esta implica, diferentemente do que resulta do exercício
do direito de sequela, a anulação do acto de transmissão da coisa
para um terceiro adquirente, exigindo ainda, para que possa ser
exercida, a verificação de certos e determinados requisitos. Não é,
portanto, a impugnação pauliana uma manifestação do direito de
sequela.

Já nos direitos reais, em consequência da sua natureza erga


omnes, o titular do direito pode reivindicar a coisa,
independentemente de onde se encontra, ou seja, mesmo que ela
esteja no património de terceiro.

Esta característica é especialmente visível nos pactos de


preferência.

Limites à sequela:

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Direito das Coisas FDUP

 Há certos direitos reais que se extinguem pelo não uso


(por exemplo, alguns direitos reais menores de gozo).
 Todos os direitos reais de gozo se podem extinguir pela
usucapião (ao reconstruir a dominialidade definitiva,
faz perder o direito).
 Para efeitos de terceiro de boa-fé também pode não
haver direito de sequela, se os pressupostos de boa-fé
estiverem preenchidos.
 Para efeitos de registo predial também pode não haver
direito de sequela. Exemplo, A vende a B, que não
regista e depois vende a C, que regista. É C quem
adquire e B vê a sua sequela paralisada.

→ Direito de preferência (ou de prevalência)

Outra característica dos direitos reais é o direito de preferência


ou de prevalência. Esta traduz-se na circunstância de os direitos reais
constituídos sobre uma coisa prevalecerem quer sobre outros direitos
reais posteriormente constituídos sobre a mesma coisa e que se
revelem total ou parcialmente incompatíveis com o anterior, quer
sobre os direitos de crédito, posteriores ou anteriores, relativos a
essa coisa.
Desta sorte, verificando-se uma constituição sucessiva de
direitos reais sobre a mesma coisa e incompatíveis entre si, o conflito
resultante dessa situação é dirimido de acordo com a regra “prior in
tempore, potior in jure”, ou seja, é a prioridade temporal da
constituição do direito real que determina a prioridade jurídica.
Constitui, também, esta característica uma emanação da
eficácia absoluta dos direitos reais. De facto, quem adquire um direito
real pode opô-lo por força da sua eficácia absoluta, erga omnes, a
todas as pessoas que tenham adquirido posteriormente um direito

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Direito das Coisas FDUP

real sobre a mesma coisa incompatível com o anterior ou que sejam


titulares de um direito de crédito, que lhes confere meramente uma
eficácia inter partes. O direito de preferência surge-nos, por isso,
como um corolário da eficácia absoluta dos direitos reais,
encontrando algum apoio no art.408º nº1 CC, que estabelece a regra
da transmissão dos direitos por mero efeito do contrato.

Encontram-se, porém, na doutrina portuguesa, posições que


defendem que este direito de preferência não se estende a todos os
direitos reais, mas apenas aos direitos reais de garantia.
De facto, Luís Pinto Coelho e ainda Oliveira Ascensão sustentam
que se é verdade que quanto a direitos reais de garantia constituídos
sucessivamente e incompatíveis entre si se compreende que seja
necessário estabelecer uma prioridade, uma ordem de exercício, o
que se consegue fazendo prevalecer o direito primeiramente
constituído (ou, no caso da hipoteca, primeiramente registado), já no
que respeita aos direitos reais de gozo tal necessidade não se verifica
pois, nestes termos, a transmissão sucessiva da propriedade sobre a
mesma coisa a dois sujeitos diferentes não cria nenhum direito de
preferência. O que se verificaria nesta situação seria a existência de
um direito e de um “não-direito”, porque, tendo-se o transmitente
despojado do seu direito na primeira transferência, não pode agora,
na segunda transferência, transmitir um direito que não possui. Daí
que não se verifique, segundo os autores mencionados, uma situação
de conflito entre dois direitos que necessite de ser resolvida mediante
a intervenção do direito de preferência, mas uma “colisão entre um
direito e um não-direito”.
Não obstante a virtude desta tese pôr em relevo a diferença
que existe entre os termos da preferência no domínio dos direitos
reais de garantia e aqueles em que surge na esfera dos direitos reais
de gozo, ela não é acatada pela generalidade da doutrina. É que,

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Direito das Coisas FDUP

enquanto que o princípio da preferência estabelece nos direitos reais


de garantia uma prioridade de exercício do direito, nos direitos reais
de gozo, esse direito de prevalência vai decidir da própria existência
ou inexistência do direito.
Assim, é o direito de preferência ou prevalência uma
característica que, com toda a lógica, se pode imputar aos direitos
em reais.

Excepções:

→ Casos em que os direitos reais anteriormente constituídos


não prevalecem sobre os direitos reais posteriormente
constituídos:

 Privilégios creditórios imobiliários → art.751º CC – os


privilégios creditórios traduzem-se na faculdade que a
lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos
credores de serem pagos pelo valor de certos bens com
preferência relativamente a outros credores. Os
privilégios creditórios não estão sujeitos a registo,
produzindo a sua eficácia sem necessidade deste. A lei
atribui-os directamente.
Os privilégios imobiliários beneficiam de um privilégio
sobre os bens imóveis com os quais estão
conexionados.
Ora, nos termos do art.751º CC, estes privilégios
imobiliários preferem à consignação de rendimentos, à
hipoteca e ao direito de retenção, ainda que estas
garantias tenham sido constituídas anteriormente.
Assim, se um indivíduo dá um prédio em hipoteca,
registando-a, mas, posteriormente, assume uma dívida

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Direito das Coisas FDUP

que é garantida por lei com um privilégio creditório


imobiliário sobre esse prédio, o beneficiário deste
privilégio, embora o crédito garantido seja posterior à
hipoteca e até nem se encontre registado (o registo não
é exigido pelo regime dos privilégios), tem preferência
sobre o titular da hipoteca anteriormente constituída.
Já o mesmo não sucede com os privilégios mobiliários
especiais, uma vez que o art.750º CC determina o
acatamento do direito de preferência, ao estatuir que
“no caso de conflito entre o privilégio mobiliário
especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais
cedo se houver adquirido” (excepção apontada por
Mota Pinto).
 Terceiros para efeitos de registo → no caso de venda de
coisa sujeita a registo, se o primeiro adquirente, muito
embora adquira a propriedade, a não registou, não
goza do direito de preferência em face de um segundo
adquirente que registou a sua aquisição. Isto porque os
actos sujeitos a registo, mas não registados, são
inoponíveis a terceiros (excepção apontado por Mota
Pinto).

→ Casos em que os direitos reais não prevalecem sobre direitos


de outro tipo, nomeadamente, direitos de crédito:

 Locação → art.1057º CC – o direito real, neste caso,


não prevalece sobre o direito de crédito. A, proprietário
de um prédio, arrenda a B e depois vende a C. O B, se
C o exigisse, teria que devolver o prédio a C. Porém, de

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Direito das Coisas FDUP

acordo com o art.1057º CC, o direito real não


prevalece, neste caso, sobre o direito de crédito.
 Privilégios (creditórios) mobiliários gerais → art.736º
CC – parecem ser um direito real de garantia. Contudo,
tal não acontece pois o privilégio não incide sobre coisa
certa e determinada, não observando o princípio da
especialidade. Por isso, não são direitos reais de
garantia, mas sim garantias reais.
Alguns privilégios mobiliários gerais gozam de
prioridade sobre privilégios mobiliários especiais, que
são verdadeiros direitos reais de garantia,
independentemente do momento da respectiva
constituição. Assim, os privilégios mobiliários gerais,
enquanto direitos de crédito, prevalecem sobre os
privilégios mobiliários especiais que são verdadeiros
direitos reais (art.739º e 747º CC).
Por exemplo, um crédito emergente do contrato de
trabalho (o crédito a salários) é um crédito privilegiado
uma vez que o trabalhador (credor) pode pagar-se
pelos móveis do devedor com preferência sobre
qualquer outro (art.737º nº1 d) CC). Os privilégios
mobiliários gerais dão, portanto, preferência em relação
aos credores comuns. Ora, este privilégio mobiliário
geral que concede uma preferência não constitui um
direito real, mas uma garantia especial das obrigações.
Isto porque o privilégio mobiliário geral incide sobre
todos os bens do devedor e, como se disse, os direitos
reais têm necessariamente de incidir sobre coisas
certas e determinadas. Aliás, isto infere-se claramente
do art.749º CC, que ao estatuir que “o privilégio geral

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Direito das Coisas FDUP

não vale contra terceiros…”, lhe recusa a eficácia


absoluta.
Além disso, na hipótese de o privilégio geral ser um dos
previstos no art.736º nº1 CC (crédito do Estado ou das
autarquias locais), ele prevalece sobre os seus
congéneres mobiliários especiais que constituem
direitos reais, nos termos do art.747º nº1 a) CC.
 Pactos de preferência → art.422º CC – os direitos legais
de preferência prevalecem sobre os direitos
convencionais de preferência com eficácia real.

Tanto o direito de sequela como o direito de preferência


emprestam ao direito real uma tutela particularmente forte, o que
justifica o interesse que certos credores manifestam dentro do mundo
económico, do mundo do crédito, em reservar ou adquirir o direito de
propriedade sobre certos bens até ao cumprimento dos contratos de
onde emergem os créditos de que são titulares.
Surge então aqui, a figura da venda com reserva de
propriedade, figura esta que se encontra regulada no art.409º CC.
Assim, por exemplo, A vende a B, a prestações, um determinado
objecto, reservando, porém, a propriedade deste até ao pagamento
da última prestação. Pretende-se com isto que o credor do preço
fique numa posição privilegiada perante outros credores. É que se
não houvesse reserva de propriedade, no caso de não pagamento das
prestações em falta, o vendedor/credor podia apenas executar o
património do comprador/devedor, tendo de suportar nessa execução
a concorrência de todos os outros credores, inclusive no que toca à
execução da própria coisa vendida.

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Direito das Coisas FDUP

Capítulo III – Dos direitos reais em


especial

1. Classificação dos direitos reais

No contexto do quadro classificatório dos direitos reais usa


fazer-se a clássica distinção entre:
a. Direitos Reais de Gozo
b. Direitos Reais de Aquisição
c. Direitos Reais de Garantia

Dissemos já que o direito de propriedade constitui a matriz de


todos os direitos reais, enquanto poder de “gozo pleno e exclusivo
dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe
pertencem”, ou seja, poder de pleno domínio (art.1305º CC).
Ora, os direitos reais são uma mera aproximação ao direito de
propriedade, são uma forma de expressar o pleno domínio
(paradigma da “plena in re potestas” – supra Introdução, Cap. I,
ponto 5). Daí que qualquer outro direito real (de gozo, de aquisição
ou de garantia) pode ser apelidado de direito real limitado, na medida
em que não confere a plenitude dos poderes sobre uma coisa.
Confere apenas a possibilidade de exercer certos poderes sobre uma
coisa, mas não a plenitude dos poderes correspondentes à clássica
tripartição romana “jus utendi, jus fruendi e jus abutendi”. São,
portanto, direitos sobre coisas que em propriedade pertencem a
outrem. Eles pressupõem uma concorrência de direitos, isto é, sobre
uma coisa recai, além de um destes direitos reais limitados, um
direito de propriedade que é restringido por esse direito real limitado.
Pode mesmo dizer-se, de acordo com os ensinamentos de Mota Pinto,

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Direito das Coisas FDUP

que são “jura in re aliena” (direitos sobre coisa alheia) ou, pelo
menos, direitos sobre coisa não própria.

Uma outra classificação parte, contudo, de um critério diverso,


que contende com a natureza teleológica do direito real. Assim,
distinguem-se dois grandes grupos onde se encaixam os três tipos de
direitos reais acima apresentados:

1. Direitos Reais Principais ou Finais:

→ Direitos Reais de Gozo → Conferem um poder directo e


imediato sobre o bem, permitindo a sua efectiva
utilização, bem como a fruição dos respectivos frutos.
Têm uma existência própria, ou seja, não dependem
de outros direitos reais.
No nosso direito são o direito de propriedade (no
âmbito do qual se encontram duas modalidades
distintas de contitularidade do direito – direito de
compropriedade e direito de comunhão, com especial
destaque para a propriedade horizontal) e vários
direitos reais menores: o usufruto; o uso e habitação;
o direito de superfície; servidões prediais; direito real
de habitação periódica.
Desapareceram do actual sistema alguns direitos reais
de gozo conhecidos por outros sistemas anteriores: a
enfiteuse, o quinhão e o compáscuo.

2. Direitos Reais Acessórios ou Instrumentais → São direitos


que versam sobre situações que se constituem como uma
aproximação ao pleno domínio do direito de propriedade.
São instrumentais, porque asseguram o exercício do

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domínio sobre outros direitos reais (direitos reais de


garantia) ou contribuem para a aquisição de outros direitos
reais (direitos reais de aquisição):

→ Direitos Reais de Aquisição → Permitem ao seu titular


adquirir direitos reais de gozo ou de garantia, ou,
excepcionalmente, um direito de crédito. Podem ter
origem na lei ou em convenção.
Os direitos reais de aquisição são os direitos
potestativos de aquisição; os direitos reais de
preferência; e as promessas reais de alienação ou
oneração.

→ Direitos Reais de Garantia → Conferem ao seu titular o


poder de se fazer pagar à custa dos rendimentos ou
bens do devedor ou de terceiros e com preferência
sobre os demais credores do devedor que não tenham
essa preferência. Visa proteger direitos de crédito já
que se destina a assegurar o cumprimento de
obrigações. Há certos direitos reais de garantia que
conferem um poder sobre a coisa, mas não atribuem o
poder de utilizar a coisa, salvo quanto à consignação
de rendimentos.
O critério que marca a distinção entre os direitos reais
de gozo e direitos reais de aquisição e os direitos reais
de garantia é o da função económica do direito real.
Os direitos reais de garantia são o penhor; a hipoteca;
os privilégios creditórios; o direito de retenção e a
consignação de rendimentos (esta era designada no
nosso antigo direito e ainda em alguns sistemas

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Direito das Coisas FDUP

jurídicos estrangeiros de países de língua latina por


antícrese).
Já se sustentou que os direitos reais de garantia não
são verdadeiros direitos reais, mas meros direitos
acessórios dos direitos de crédito. Porém, se é verdade
que há uma conexão funcional entre os direitos reais
de garantia e os direitos de crédito, uma vez que os
primeiros estão ao serviço do pagamento ou da
satisfação do interesse do credor (são acessórios dos
direitos de crédito), isso não significa que eles não
tenham uma natureza própria. Ora, a natureza jurídica
destas figuras parece ser a dos direitos reais, dado que
apresentam as notas características destes,
designadamente o direito de sequela e o direito de
preferência.

Há certas situações que são de qualificação real duvidosa ou


controvertida. Referimo-nos a hipóteses como o direito do locatário, o
direito de retenção (actualmente, as dúvidas relativas a este direito
de retenção não são muito prementes, na medida em que, nos
termos do regime dos arts.754º e segs. CC, a sua qualificação tem de
ser como a de um verdadeiro direito real de garantia. Ele consiste
numa causa legítima de não cumprimento e atribui ao seu titular a
possibilidade de se pagar com preferência aos outros credores sobre
o valor da coisa retida.), os ónus reais (cfr. supra Introdução, Cap. I,
ponto 6), etc.
Não nos ocuparemos aqui da discussão destas situações
controvertidas, sistematicamente autonomizadas, mas fixe-se que,
no termo dessa discussão, nalgumas destas hipóteses, se não chega
a nenhuma conclusão segura, pelo que a sua qualificação continua a
ser duvidosa.

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Direito das Coisas FDUP

2. Direitos Reais de Gozo

2.1. Direito de Propriedade


→ Direito de Compropriedade
→ Direito de Comunhão: a Propriedade Horizontal

2.2. Direitos Reais Menores


→ Direito de Usufruto
→ Direito de Uso e Habitação
→ Direito de Superfície
→ Direito de Servidão Predial
→ Direito de Habitação Periódica

2.1. Direito de Propriedade

A propriedade em geral

NOÇÃO:
O direito de propriedade é o poder pleno de uso e gozo de uma
coisa, ou melhor, é o poder pleno de uso, fruição e disposição de uma
coisa. Estes poderes conferidos pelo art.1305º CC podem não
coexistir na sua totalidade.

CONTROVÉRSIA ENTRE A PROPRIEDADE INDIVIDUAL E A


PROPRIEDADE COMUNITÁRIA:
Como resulta da noção exposta, o direito de propriedade
confere poderes plenos e ilimitados sobre as riquezas. Este foi o
motivo pelo qual, ao longo da história, se desenvolveram as mais
veementes controvérsias.

- 151 -
Direito das Coisas FDUP

Um dos debates que despertou uma discussão mais


apaixonada, sobretudo após a II Guerra Mundial, foi o problema da
sua titularidade – individual ou comunitária (colectiva) – e quais os
poderes que devem estar apropriados por uma ou outra forma.
Este problema transcende o quadro puramente jurídico e é
vivificado por considerações de carácter político-ideológico,
económico, social, cultural, etc.
Apologistas duma apropriação colectiva das coisas, críticos da
propriedade privada e manifestantes a favor de formas comunitárias
ou colectivas de apropriação encontramos, na Antiguidade Clássica,
Platão ou os Essénios; no Renascimento, Thomas More em “Utopia”
ou Campanella em “A cidade do sol”; os chamados socialistas
utópicos como Proudhon e, em Portugal, Oliveira Martins ou Antero
de Quental; e também os socialistas científicos com Marx e Engels e
seus seguidores.
Contestam estes estudiosos a liberdade de apropriação, a
anarquia económica (que se opõem à planificação), a exploração do
homem pelo homem, as desigualdades artificiais, etc.
A lista dos defensores da propriedade privada é composta por
filósofos como Aristóteles e S. Tomás de Aquino; por economistas
liberais como Jean-Baptiste Say (que põe em relevo o papel da
propriedade individual como estimulante económico contra o
desperdício e contra a preguiça) ou Stuart Mill (não acentuando tanto
o aspecto do estímulo económico, mas antes as vantagens morais da
propriedade, enquanto fonte de aperfeiçoamento moral); a Igreja
Católica, nomeadamente Leão XIII, Pio XI e Pio XII.
Como méritos da propriedade individual, argumenta-se com o
estímulo económico por ela representado e o seu valor como garantia
de liberdade individual ou familiar.

CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE:

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Direito das Coisas FDUP

O CC não define o direito de propriedade, mas o art.1305º


caracteriza-o, dizendo que “o proprietário goza de modo pleno e
exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe
pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições
por ela impostas”.
Esta definição parece ser inspirada por princípios individualistas.
Não se repercute aqui nenhuma ideia ligada à função social da
propriedade, nem lá se contém nenhuma cláusula geral donde
pudesse derivar uma limitação. Não obstante, o recurso às cláusulas
limitativas gerais não está afastado, desde logo, o abuso do direito
(art.334º CC).
Notas que ressaltam da caracterização legal do conteúdo do
direito de propriedade, previsto no art.1305º CC:
→ Carácter ilimitado → não há qualquer tipificação dos poderes
do proprietário. Podem inclusive traduzir-se na destruição do
bem, ao contrário do que acontece com outros direitos reais
de gozo menores. Significa isto que o proprietário tem
poderes indeterminados. A base é o adágio romano “jus
utendi, jus fruendi e jus abutendi”.
As únicas restrições são fixadas pela lei e pela própria
natureza dos bens (por exemplo, art.1344º e segs. CC).
No direito de propriedade há uma indeterminação na
delimitação dos poderes, ao contrário dos de um usufrutuário
ou dos do titular de um outro direito real limitado que são
apenas aqueles especificamente atribuídos pela lei. No direito
de propriedade, o titular tem, em princípio, todos os poderes.
→ Carácter elástico → o direito de propriedade é elástico, é
dotado de uma força expansiva. Ou seja, extinto o direito
real que limita o direito de propriedade da coisa, reconstitui-
se a plenitude da propriedade. O proprietário limitado
recupera a plenitude do seu direito de propriedade. O direito

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Direito das Coisas FDUP

de propriedade pode sofrer, então, contracções ou


descompressões com a constituição ou extinção de direitos
reais.
→ Carácter perpétuo → o direito de propriedade é um direito
perpétuo. Ele não se extingue pelo não uso. A inércia
também é uma manifestação do direito de propriedade. Não
usar a propriedade é ainda uma forma de a usar. O
proprietário tem tais poderes que pode querer estar inactivo
e esta possibilidade cabe ainda dentro do conteúdo do seu
direito.
Porém, a perpetuidade do direito de propriedade é limitado
pela posse e consequente usucapião. Estes limites são
impostos pela função social da propriedade de incentivo à
exploração da coisa.
Corolário deste carácter perpétuo é a não existência da
propriedade temporária que, nos termos do art.1307º nº2 CC
“só é admitida nos casos especialmente previstos na lei”.
Exemplos: de alguma forma na venda a retro ou num
negócio translativo da propriedade sob condição resolutiva e,
também, na venda com reserva de propriedade.

PROPRIEDADE DE BENS INCORPÓREOS OU IMATERIAIS:


A propriedade pode abranger bens incorpóreos ou imateriais.
Viu-se supra que estes bens são tratados como autêntica
propriedade, como se infere logo do art.1303º CC entre outros.

FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE (ART.1316 CC):


− Contrato (negócio jurídico)
− Sucessão por morte
− Usucapião
− Ocupação

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− Acessão
− Etc.

DURAÇÃO:
− Perpétua (o direito de propriedade tem um carácter
perpétuo)
Casos excepcionais:
− Temporária ou a termo:
 Art.1307º CC → propriedade temporária
 Art.2286º CC → propriedade do
fideicomissário
− Resolúvel:
 Art.927º CC → venda a retro
 Art.960º CC → cláusula de reversão nos
contratos de doação

RESTRIÇÕES:
Art.1305º 2ª parte CC: “…dentro dos limites da lei e com
observância das restrições por ela impostas.”
Por exemplo:
 Expropriações (art.1308º CC)
 Requisições (art.1309º CC)
 Restrições à vizinhança (art.1344º CC)

MEIOS DE DEFESA DA PROPRIEDADE:


A propriedade, como direito que é, está dotada de garantia
jurídica. A sua violação permite o recurso quer a meios judiciais,
quer, em certas situações, a meios extra-judiciais.
− Meios extra-judiciais:
 Legítima defesa (art.337º CC)
 Acção directa (art.336º CC)

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Direito das Coisas FDUP

− Meios judiciais:
 Acção de reivindicação (art.1311º CC) →
manifestação por excelência da defesa da
propriedade. Esta acção é exercida pelo
proprietário não possuidor contra o detentor
ou possuidor não proprietário da coisa – só
pode utilizá-la o proprietário que não está na
posse contra o possuidor não proprietário.
Também se pode designar de acção petitória.
Pode existir também uma acção negatória: o
proprietário que está na posse da coisa
exerce essa acção para que seja repelida a
pretensão de outrem como proprietário da
coisa. Destina-se, portanto, a fazer negar um
outro direito real sobre a coisa, arrogado por
outrem, exercido ou não em termos de
perturbar o gozo da coisa.

Propriedade de imóveis

CONTEÚDO:
A propriedade de imóveis é regulada nos artigos 1344º e segs.
CC.
Esta figura abrange o imóvel rústico ou urbano, o espaço aéreo
correspondente à sua superfície, bem como o subsolo ou tudo o que
nele se contém e não desintegrado do domínio por lei ou negócio
jurídico. Esta ressalva entende-se porque há na CRP normas que
integram o domínio público certas riquezas subterrâneas (jazigos
minerais, águas minero-medicinais, etc.). Esses bens não pertencem
ao proprietário do terreno, porque estão integrados no domínio
público, embora o proprietário tenha uma posição especial

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Direito das Coisas FDUP

relativamente a esses bens, nomeadamente, preferência na


concessão ou um direito a receber uma prestação. Outras coisas que
não estejam expressamente integradas no domínio público, por
exemplo, um tesouro, são já pertença do proprietário do subsolo ou
do espaço aéreo.
O art.1344º nº2 CC limita em certos termos os poderes do
proprietário: “o proprietário não pode, todavia, proibir os actos de
terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja
interesse em impedir”. É o caso exemplar das companhias de
navegação aérea que, não fosse esta norma, violariam todos os dias
os limites dos prédios. Acontece que o proprietário não tem interesse
em impedir esses actos.
Refira-se que a propriedade dos imóveis é uma propriedade que
existe sempre, ou melhor, não é nunca “res nullius” (coisa de
ninguém), pois corre-se o risco de se perder a propriedade sobre o
prédio por abandono. Ora, preceitua o art.1345º CC que “as coisas
imóveis sem dono conhecido consideram-se do património do
Estado”.
A propriedade de imóveis confere certos direitos específicos
gerados pela natureza desses bens – direito de demarcação, de
tapagem, de construção, de plantação de arbustos, etc. Porém estes
poderes indeterminados têm limitações.

LIMITAÇÕES AOS PODERES DO PROPRIETÁRIO:


I → Restrições de direito público:
A este respeito encontra-se inúmera legislação avulsa.
Por exemplo, não se pode impedir que sejam colocados postes
para passagem de linhas eléctricas de alta tensão, linhas telegráficas,
telefónicas, etc.; há restrições ao direito de construção por motivos
de defesa militar nas zonas de servidão militar por motivos de higiene
e salubridade, por razões históricas e artísticas, etc.; consagra-se a

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Direito das Coisas FDUP

possibilidade, nos casos contados na lei, de expropriação e de


requisição referidas na CRP e no CC (art.1308º e 1309º).

II → Restrições de interesse particular


Reguladas no CC, elas decorrem das relações de
vizinhança que se estabelecem por haver proximidade ou
contiguidade entre prédios. Daí que o direito de propriedade vê-se
limitado por restrições derivadas da coexistência.
Exemplos:
1. Art.1346º CC – Proíbe a emissão de fumos de fuligem,
vapores, cheiros, calor, ruídos, trepidações, que importem
prejuízo substancial para uso do imóvel ou que não resultem
de uma utilização normal do prédio donde emanam. Atente-
se que este preceito parece aplicar-se a quaisquer vizinhos e
não apenas ao vizinho contíguo.
2. Art.1347º CC – Prescreve as instalações prejudiciais.
3. Art.1348º CC – Preceitua que não se pode escavar no
próprio terreno em termos de provocar riscos de
desmoronamento do terreno contíguo.
4. Art.1349º CC – Impõe a obrigação de dar passagem forçada
momentânea. O proprietário de um terreno é obrigado a
conceder passagem momentânea, se um vizinho precisar,
por exemplo, para reparar um edifício; de colocar um
andaime ou uma escada para reparar um parede; de tolerar
a passagem momentânea para que, como se diz no nº2,
alguém possa ir buscar uma coisa que acidentalmente nele
se encontre. Note-se que não está aqui em causa qualquer
servidão. É somente uma passagem momentânea, embora
forçada.
5. Art.1351º CC – Quando exista um terreno inclinado, o
proprietário da parte inferior não pode instalar um dique

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Direito das Coisas FDUP

contra o qual a água de torrente natural ou da chuva fique


retida. Isso prejudicaria o proprietário do terreno superior.
6. Art.1357º e 1359º CC – Tratam do direito de tapagem. No
caso de tapagem com valas ou regueiros é necessário deixar
uma “mota externa de largura igual à profundidade da vala”,
para que as águas não inundem. No caso de tapagem com
sebes vivas impõe-se a colocação de marcos divisórios.
7. Art.1360º CC – Sobre a abertura de janelas, portas ou obras
semelhantes é necessário deixar um intervalo de metro e
meio em relação ao prédio vizinho. Quanto às varandas,
terraços e eirados, em princípio, têm de estar a mais de um
metro e meio quando sejam servidos de parapeitos de altura
inferior a metro e meio, mas já podem estar na própria linha
divisória se tiverem um parapeito superior a essa altura.
As restrições impostas por estes artigos não se aplicam às
situações previstas no art.1361º e 1363º CC.
Este regime não impede que se possa constituir uma
servidão de vistas por acordo ou por usucapião (art.1362º
CC).
8. Art.1365º CC – Refere-se ao problema dos beirais. Dispões
este artigo que se deve deixar, na construção, um intervalo
mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira se do
outro modo não puder evitá-lo.
Pode também constituir-se aqui uma servidão de estilicídio
por usucapião ou por acordo.
9. Art.1366º CC – Permite a plantação de árvores e arbustos
até à linha divisória dos prédios, sendo, no entanto, lícito ao
dono do prédio vizinho cortar ou arrancar as raízes, os
troncos e os ramos que invadam o seu terreno, se o dono do
prédio, rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer
dentro de três dias.

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Direito das Coisas FDUP

10.Art.1370º e segs. CC – Relativo à comunhão forçada de


paredes e muros de meação. Estas construções podem ser
feitas por acordo, pagando cada um dos proprietários
metade do muro e do terreno.
Pode suceder que, no exercício do direito de tapagem, o
proprietário mure o seu terreno sem acordo do vizinho, mas
fá-lo no seu terreno e inteiramente à sua custa. Nesta
hipótese, o proprietário confinante, se quiser, pode adquirir
metade do muro, pagando metade do terreno e metade da
construção. Há sempre a possibilidade de tornar comuns os
muros ou paredes feitos na divisória.
É um direito potestativo – o proprietário construtor como
que é expropriado, há aqui uma expropriação forçada de
metade do muro no interesse do proprietário confinante.

Estas limitações podem extinguir-se por negócio jurídico,


podendo designadamente constituir-se uma servidão (de estilicídio,
de vistas, uma servidão inominada, etc.).
Exemplo de uma servidão inominada: o caso de ramadas
inclinadas sobre um terreno vizinho. Em princípio não poderão estar
assim, mas pode constituir-se “ex contractu” uma servidão e então o
dono do prédio adquire o direito de essas árvores poderem invadir o
prédio vizinho com as suas raízes ou os seus ramos, desaparecendo
estas limitações pelo acordo constitutivo de uma servidão.

Propriedade das águas

Esta matéria tem um regime especial em função das


características do seu objecto (art.1385º e segs. CC).
Há logo uma distinção fundamental entre águas públicas e
privadas. Ao direito civil cabe apenas estudar o regime das águas

- 160 -
Direito das Coisas FDUP

particulares e dos direitos adquiridos por particulares sobre águas


públicas.
Remete-se para bibliografia especial esta matéria.

Direito de compropriedade

NOÇÃO:
A figura da compropriedade apresenta-se-nos “...quando duas
ou mais posses são simultaneamente titulares do direito de
propriedade sobre a mesma coisa”, noção esta que consta do
art.1403º nº1 CC. Ela consiste, então, em vários direitos de
propriedade que incidem sobre quotas ideais ou intelectuais do bem
globalmente considerado.
Estes vários direitos de propriedade são qualitativamente
iguais, mas podem ser quantitativamente diferentes. Não obstante,
na falta de indicação em contrário no título constitutivo, as quotas
presumem-se quantitativamente iguais (art.1403º nº2 CC).

As disposições legais que contêm o regime da compropriedade


são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de
quaisquer outros direitos, de acordo com o art.1404º CC. Isto porque
a compropriedade não é mais do que uma manifestação de um
fenómeno que pode ocorrer para outros direitos. Por exemplo, pode
haver comunhão numa servidão, num usufruto, ou até em relação a
um direito de crédito.
Esta aplicação das regras da compropriedade à comunhão de
quaisquer outros direitos tem importância, designadamente para
efeitos de direito de preferência.

DISTINÇÃO ENTRE COMPROPRIEDADE E SOCIEDADE:

- 161 -
Direito das Coisas FDUP

Podem surgir algumas dificuldades em distinguir a


compropriedade das sociedades, em especial, das sociedades civis
(art.980º e segs.), uma vez que estas, segundo o entendimento
generalizado, não têm personalidade jurídica.
Este problema levanta-se, sobretudo, quando nos deparamos
com situações jurídicas em que há um fundo comum de bens ou, por
outras palavras, um fundo patrimonial comum. Nestas situações tem
cabimento saber se estamos perante uma simples compropriedade
dos bens ou se estamos perante uma autêntica sociedade.
Esta distinção releva, porque há regimes diferentes quer
estejamos perante uma realidade quer estejamos perante a outra.
Assim, enquanto que para a compropriedade se aplicam os
arts.1403º e segs., para as sociedades civis aplicam-se os arts.980º
e segs. CC.
O critério preferível a adoptar é o resultante da definição da
sociedade, dada no art.980º CC: a sociedade supõe uma actividade
económica que não seja de mera fruição. A sociedade pressupõe uma
actividade dirigida não apenas a fruir os rendimentos que a coisa dá,
mas também a actuar sobre ela, potenciando a sua produtividade ou
rentabilidade.

NATUREZA JURÍDICA:
Este problema é passível de três soluções:
a) De acordo com a doutrina tradicional, perfilhada por Manuel
Rodrigues entre outros, a compropriedade resulta da
coexistência dos direitos de cada um dos contitulares sobre
uma quota ideal ou intelectual do bem. Assim, cada um dos
comproprietários tem direito a uma quota ideal não
especificada do objecto. (Vários direitos ↔ Vários objectos)
b) Segundo uma outra perspectiva apoiada por Luís Pinto
Coelho, não se trata aqui da coexistência de direitos

- 162 -
Direito das Coisas FDUP

incidindo cada um deles sobre uma quota ideal (doutrina


tradicional), mas sim da coexistência de vários direitos de
propriedade sobre todo o objecto, direitos esses que se
limitam reciprocamente. Aqui, há várias propriedades sobre
o mesmo objecto, limitadas por outras propriedades com
idêntico objecto. (Vários direitos ↔ Um objecto)
c) Uma terceira posição entende que estamos perante um único
direito com vários titulares. (Um direito ↔ Um Objecto)

A construção que parece traduzir com mais exactidão e de


forma mais harmoniosa a realidade em questão (embora não esteja
isenta de dificuldades) e que é, aliás, suportada por uma generalizada
aceitação doutrinal é a tese tradicional, de acordo com a qual cada
um dos comproprietários tem direito a uma quota ideal ou intelectual
do objecto da compropriedade.
Alerta-se para o facto de que a noção de compropriedade acima
apresentada assume esta perspectiva como um pressuposto.

Os fundamentos desta solução são de ordem teleológica e


literal. Em primeiro lugar, a análise da ratio e do espírito da lei,
nomeadamente com a consagração da possibilidade que cada
comproprietário tem em alienar a sua quota ideal e da possibilidade
de cada um deles requerer a divisão da coisa comum assim faz
entender. Em segundo lugar, porque se encontram pontos de apoio
literais ou formais desta doutrina em vários preceitos legais,
designadamente nos arts.1403º, 1405º ou 1408º, todos do CC.
Além destes, encontram-se outros argumentos pela negativa.
Assim, a segunda posição não é de aceitar, porque choca com a ideia
de não se poder conceber mais do que um direito de propriedade
sobre a mesma coisa: a propriedade é, por definição, um direito
absoluto que opõe o seu titular a todos os outros. Há, nesta medida,

- 163 -
Direito das Coisas FDUP

um ilogismo na ideia da possibilidade de vários direitos de


propriedade sobre o mesmo objecto na sua totalidade.
Já em relação à terceira hipótese, que concebe a
compropriedade como um só direito com vários titulares, ela também
não é de admitir, pois não dá expressão às diferenças entre o regime
da compropriedade e o regime da comunhão, onde, aí sim, há um só
direito com vários titulares, até porque não se pode aí pedir a divisão
da coisa comum dada a afectação especial do património a um fim
específico, nem pode cada um dos contitulares alienar a sua quota do
objecto. Ora, na compropriedade não se passa assim. Aqui, cada um
dos contitulares tem alguma liberdade para agir isoladamente quanto
à sua fracção ou quota ideal do objecto. E isto, porque estamos face
a vários direitos de propriedade, cada qual pertencente a um único
titular, que incidirão sobre toda a coisa, mas cada um deles versa
somente sobre uma parte não especificada dela, isto é, sobre uma
quota ideal.
E nem por isso, se poderá dizer que esta solução viola o
princípio da especialidade, segundo o qual os direitos reais têm que
incidir sobre coisa determinada. De facto, aqui a coisa está
determinada: é a quota ideal do objecto, que, potencialmente, incide
sobre todo ele, mas que não é exactamente um direito sobre todo o
objecto, antes é um direito sobre uma fracção daquele objecto.

REGIME JURÍDICO:
O problema central que aqui se põe é o de saber quais são as
possibilidades de ser praticado um acto sobre a coisa comum,
isoladamente, por um comproprietário ou por um grupo de
contitulares que não represente a totalidade dos contitulares dos
direitos que recaem sobre o objecto.
Quanto à possibilidade que todos têm de, por unanimidade,
praticar quaisquer actos sobre a coisa, ela não suscita dúvidas. O

- 164 -
Direito das Coisas FDUP

art.1405º CC é claro quando estipula que os comproprietários


exercem em conjunto os poderes que pertencem ao proprietário
singular, sendo que participarão nas vantagens e encargos da coisa
em proporção das suas quotas.
A questão está efectivamente em saber quais os poderes dos
comproprietários, considerados isoladamente ou em grupos
parcelares.
Assim, há actos que podem ser praticados isoladamente por um
comproprietário; outros que exigem o acordo da maioria deles; e
outros ainda que exigem a sua unanimidade.

Actos que podem ser praticados isoladamente:


O art.1406º CC prevê o uso da coisa comum por qualquer
comproprietário, na falta de acordo sobre o seu uso, “...contanto que
a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e
não prive os outros comproprietários do uso a que igualmente têm
direito”.
Também pode cada um deles, nos termos do art.1408º CC,
“dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela”. E
podendo dispor também pode onerá-la, v.g., dá-la em hipoteca
(art.689º nº1 CC).
Porém, não pode isoladamente alienar ou onerar uma parte
especificada da coisa comum (art.1408º nº1 in fine), visto que o seu
direito não recai sobre uma parte concreta, individualizada, do
objecto, mas apenas sobre uma quota ideal, pelo menos, até se
proceder à divisão da coisa comum). Se o fizer, o nº2 daquele
art.1408º CC manda aplicar ao acto as normas relativas à disposição
ou oneração de coisa alheia (arts. 892º e segs. CC).
A disposição da sua quota ideal está sujeita à forma exigida
para a disposição da coisa (art.1408º nº3 CC). Por exemplo, a venda

- 165 -
Direito das Coisas FDUP

por um comproprietário de metade de um imóvel exige escritura


pública, tal como se exige para a venda do imóvel.
Pode, ainda isoladamente, nos termos do art.1405º nº2 CC,
cada consorte reivindicar de terceiro a coisa comum sem que se lhe
possa opor o facto que ela lhe não pertence por inteiro. Ou seja, cada
comproprietário pode exercer a acção de reivindicação da coisa
comum em relação a terceiro que a possua indevidamente.
Conexionada com esta matéria (disposição e oneração da
quota), atente-se que quando há uma disposição da quota ideal por
um dos comproprietários a um terceiro que não seja comproprietário,
há lugar ao exercício do direito de preferência. Nos termos do
art.1409º CC, os restantes comproprietários têm preferência e têm
primazia face a outros preferentes legais no caso de venda ou dação
em cumprimento da quota ideal. Se este direito de preferência não
for respeitado, os outros comproprietário podem intentar uma acção
de preferência, tendo o direito de haver para si a quota alienada
(art.1410º CC). Realce-se a circunstância de estes mecanismos só
valerem no caso de venda ou de dação em cumprimento.

Actos que podem e devem ser praticados pela maioria:


Abrangem-se aqui os actos de administração da coisa (prática
de actos de conservação e de normal frutificação, não já o seu uso),
previsto no art.1407º CC, que remete para o art.985º. Este artigo,
integrado no regime do contrato de sociedade, prescreve que
pertencendo a administração a todos os sócios ou apenas a alguns
deles e não havendo convenção, todos podem administrar tendo,
portanto, poderes iguais. Admite-se, contudo, convenção no sentido
de que só alguns deles possam administrar.
Quando a administração pertença a todos ou a alguns deles,
qualquer dos administradores tem o direito de se opor ao acto que
outro pretenda realizar, cabendo depois à maioria decidir. A maioria,

- 166 -
Direito das Coisas FDUP

para os efeitos do art.1407º não é uma maioria numérica, mas uma


maioria do valor das quotas: é necessário que ela represente, pelo
menos, metade do valor total das quotas.
Conexionado com o problema da administração da coisa está a
questão dos encargos com benfeitorias necessárias, feitas para
conservar o objecto. Esses encargos impendem sobre todos os
comproprietários da coisa na proporção das respectivas quotas,
podendo cada um dos proprietários eximir-se desse encargo
renunciando ao seu direito nos termos do art.1411º CC. No caso de
alienar para terceiro, continua responsável pelos encargos. Se
renunciar, os outros proprietários adquirem a quota (trata-se de uma
espécie de compensação pelo encargo acrescido que têm nas
despesas de conservação com as benfeitorias necessárias).

Actos que exigem a unanimidade dos comproprietários para


serem praticados:
Nos termos do art.1408º CC, a disposição ou oneração de toda
a coisa ou de parte especificada da coisa exige o consentimento de
todos os comproprietários.

EXTINÇÃO DA COMPROPRIEDADE:
A compropriedade pode extinguir-se por via negocial: qualquer
comproprietário pode adquirir as quotas de quaisquer dos outros ou
mesmo de todos os outros.
Além desta, importa ainda referir a forma de extinção prevista
nos arts.1412º e 1413º CC, que estipulam o direito dos
comproprietários a exigir a divisão da coisa comum.
Pode, às vezes, clausular-se, durante um certo número de
anos, a indivisão da coisa. A lei admite essas cláusulas de indivisão,
mas limita a sua validade a cinco anos, podendo depois renovar-se
esse prazo.

- 167 -
Direito das Coisas FDUP

Se for pactuada um indivisão superior a 5 anos, a cláusula deve


ser considerada nula, embora se aceita uma redução do negócio
jurídico nos termos gerais da teoria geral do negócio jurídico
(art.292º CC).
Para valer em relação a terceiros, esta cláusula de indivisão tem
de ser registada (1412º nº3 CC).
A divisão pode ser feita judicial (em processo judicial) ou extra-
judicialmente (divisão amigável). Neste último caso, ela tem de ser
feita obedecendo aos requisitos de forma que a lei exige para a
alienação onerosa da coisa. Quer dizer, só se pode dividir, por
exemplo, um prédio rústico, por escritura pública, tal como ela seria
exigida para a alienação do prédio.

Direito de comunhão

Trata-se da contitularidade de um único direito sobre um


património global que é encabeçado por vários titulares (um direito ↔
um objecto). Por exemplo, património dos cônjuges no regime de
comunhão de bens.

Caso particular da Propriedade horizontal:

NOÇÃO E DOMÍNIO DE APLICAÇÃO:


A propriedade horizontal é a propriedade que incide sobre as
várias fracções componentes de um edifício, fracções essas que
devem estar em condições de constituírem unidades independentes.
É um regime de propriedade, não sobre um edifício na sua
estrutura unitária, mas sobre fracções do mesmo edifício que
constituam unidades independentes.
A noção é dada no art.1414º CC e o seu objecto no art.1415º
CC: “Só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções

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Direito das Coisas FDUP

autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam


distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte
comum do prédio ou para a via pública”.
É necessário portanto que se trate de fracções privativas, mas
existindo instalações comuns ou serviços de utilização comum.
A lei chama-lhe propriedade horizontal, mas o seccionamento
pode ser numa linha vertical e não segundo uma linha horizontal. O
que é realmente necessário para podermos falar da figura da
propriedade horizontal é que as unidades obtidas por seccionamento
vertical, tendo autonomia, são, ao mesmo tempo, interdependentes.
A propriedade horizontal supõe que não haja autonomia
estrutural das várias fracções, na medida em que fazem parte do
mesmo objecto unitário, e que funcionalmente haja utilização de
coisas comuns.
Se cada uma das partes for absolutamente autónoma, se não
houver coisas comuns, então, não há propriedade horizontal. O que
existe são duas propriedades contíguas.

NATUREZA JURÍDICA:
A propriedade horizontal parece ter uma natureza dualista, ou
seja, ela é integrada por um concurso de dois direitos: direito de
plena propriedade sobre as partes privativas (sobre cada fracção
autónoma) e comunhão sobre as partes comuns.
(Apesar do art.1420º nº1 CC dizer que cada condómino é
“comproprietário das partes comuns do edifício”, deve ler-se aí
“contitulares”.)
Estes direitos estão ligados, de tal forma que na alienação do
direito de propriedade horizontal vão coenvolvidos a propriedade
sobre a parte privada e o direito de comunhão sobre as partes
comuns (art.1420º nº2 CC).

- 169 -
Direito das Coisas FDUP

A comunhão das partes comuns dum edifício em propriedade


horizontal é uma comunhão forçada, uma vez que não é possível sair
da indivisão, ao contrário do que sucede no regime da
compropriedade em que é sempre lícito requerer a divisão da coisa
comum. Nesta medida, ela é forçosa e perpétua. Nenhum dos
membros da colectividade pode pedir a divisão da coisa (art.1423º
CC), enquanto vigorar a causa que deu origem à comunhão. É esta
uma exigência que decorre do facto de a lei impor uma relação
jurídica de vizinhança e só quando esta relação cessar é que o bem
pode ser dividido, passando-se neste caso ao regime de
compropriedade.
Este carácter forçoso e perpétuo deriva da natureza do direito
de comunhão, que se traduz na existência de um só direito com
vários titulares, manifestação essa que resulta da afectação especial
do património a um fim específico.
Em suma, a figura da propriedade horizontal reveste uma
natureza dualista, resultante do concurso destes dois direitos: direito
de propriedade e direito de comunhão.

MODOS DE CONSTITUIÇÃO:
A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio
jurídico, usucapião ou decisão judicial (art.1417º CC).
→ Por negócio jurídico:
Há várias modalidades negociais. Porém, em primeiro lugar, é
necessário que seja lavrado um título constitutivo de propriedade
horizontal por escritura pública. A atribuição de cada uma das
unidades a vários proprietários é que poderá ter lugar por diversas
vias negociais.
a) Pode um indivíduo, proprietário pleno e exclusivo de um
bloco habitacional, recém construído ou mesmo construído há já
muito tempo, constituir o regime de propriedade horizontal sobre

- 170 -
Direito das Coisas FDUP

esse bloco, para depois alienar separadamente as várias unidades a


outros sujeitos.
b) O caso mais vulgar é o de uma entidade (por exemplo, uma
empresa de construção) tomar a iniciativa de reunir os fundos que
lhe sejam entregues por determinadas pessoas interessadas em
adquirir uma fracção a título de propriedade horizontal e, com esses
fundos e eventualmente com outros provenientes de crédito bancário,
iniciar a construção. À medida que as construções vão atingindo
determinadas fases, a entidade vai recebendo prestações e as
fracções vão sendo atribuídas a cada um dos indivíduos a quem
foram prometidas e que foram adiantando importâncias para a
construção do edifício.
A via negocial normalmente utilizada para esta modalidade de
constituição da propriedade horizontal é o contrato-promessa, mas
outras vias podiam ser seguidas, v.g., através de escritura de venda
de coisa futura e simultaneamente de venda do direito de comunhão
sobre o solo que já existe.
c) Sobre um edifício já existente e pertencente a um só
indivíduo ou a vários (em regime de propriedade horizontal), podem
vir a construir-se novos andares sendo que esse direito de construir
sobre edifício já existente pode pertencer a outrem. A esta situação
refere-se o art.1526º CC e que deve ser enquadrada no direito de
superfície. Porém, levantado o edifício são aplicáveis à ampliação
efectuada as regras da propriedade horizontal, nos termos do mesmo
preceito (art.1526º CC).
d) Também pode acontecer que, não havendo um elemento que
tenha a iniciativa de reunir todos os outros, sejam os vários
interessados que se unam, constituindo eles próprios uma sociedade
para efeitos de construírem um prédio em regime de propriedade
horizontal.
→ Por usucapião:

- 171 -
Direito das Coisas FDUP

Nos termos gerais da usucapião.


→ Por decisão judicial:
A decisão judicial pode ser proferida em processo de divisão de
coisa comum ou em processo de inventário.

DIREITOS E OBRIGAÇÕES OU ENCARGOS DOS CONDÓNIMOS:


A propriedade horizontal supõe relações de vizinhança, isto é,
uma contiguidade e uma interpenetração de esferas pessoais e
patrimoniais dos vários condóminos. Criam-se grupos ligados por
interesses contíguos e solidários por força da referida
interdependência resultante do regime de propriedade horizontal a
que está sujeito o prédio composto pelas várias unidades
habitacionais. Daqui resulta a existência de vários direitos e deveres
recíprocos de cada um dos condóminos.
Quanto às fracções autónomas, cada condómino é pleno
proprietário da sua fracção. Esta fracção é uma unidade habitacional
fechada e tapada pelas partes comuns.
Em relação a ela, o titular tem os poderes normais de um
proprietário: pode usá-la, fruí-la, arrendá-la e receber as rendas,
dispor dela com plena liberdade sem necessidade de submeter a sua
decisão a qualquer aprovação da assembleia de condóminos ou a
qualquer outra entidade. Significa isto que, em relação a estas partes
privativas, o condómino tem o “ius utendi, fruendi e abutendi”, como
qualquer normal proprietário. Nem sequer há aqui lugar, ao contrário
do que sucede na compropriedade, ao direito de preferência
(art.1423º CC). Este aspecto revela precisamente o carácter forçado
da comunhão atrás enunciado.
Porém, há a registar algumas limitações, derivadas das relações
de vizinhança, que não se verificam na propriedade em geral
(emissão de fumos, produção de ruídos, etc. – art.1346º CC) e ainda
algumas limitações especiais. Assim, não se pode prejudicar, em

- 172 -
Direito das Coisas FDUP

resultado de obras (novas ou de reparação), a segurança ou o


arranjo estético do edifício; não pode destinar a sua fracção a uso
ofensivo dos bons costumes; não pode dar-lhe um fim diverso do uso
a que é destinada nem para outras actividades que tenham sido
proibidas no título constitutivo ou por acordo dos condóminos
(art.1422º CC).
Quanto às partes comuns (enunciadas no art.1421º CC), cada
um dos condóminos está sujeito ao regime do direito de comunhão.
Por força deste regime, cada condómino tem encargos de
conservação e fruição do imóvel, são obrigados a suportar as
despesas correspondentes ao pagamento de serviços de interesse
comum (electricidade de um elevador, serviços de um porteiro,
iluminação das partes comuns, etc.). A participação de cada um
nestas despesas é estabelecida em função do valor relativo das
respectivas fracções, que está prefixado no título constitutivo da
propriedade horizontal, em percentagem ou permilagem, sempre que
outro critério especial de repartição desses encargos não for acordado
(art.1424º CC).
Qualquer inovação ou ampliação do edifício também implica um
encargo para os condóminos, desde que tenham sido aprovadas por
uma maioria qualificada de dois terços do valor total do prédio
(art.1425º nº1 CC).
Este ponto está, igualmente, sujeito a limites. É que a
assembleia de condóminos não pode aprovar inovações nas partes
comuns, que prejudiquem a utilização por parte de algum dos
condóminos, tanto das suas coisas próprias, como das suas coisas
comuns (art.1425º nº2 CC).
As despesas com as inovações são repartidas pelos condóminos
nos termos do art.1424º CC, mas os condóminos que não tenham
aprovado as deliberações (que será a minoria) podem recusar-se a
contribuir para as despesas, a não ser que seja judicialmente

- 173 -
Direito das Coisas FDUP

declarada infundada a sua recusa. A recusa será fundada quando a


inovação seja de carácter voluptuário (art.216º nº3 CC) ou que não
seja proporcionada à importância do edifício (art.1426º nº 1, 2, 3 e 4
CC).
Uma outra obrigação importante que a lei impõe aos
condóminos é a obrigação de segurar o edifício contra o risco de
incêndio (art.1429º CC).

ADMINISTRAÇÃO DAS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO:


Ficou dito já que sobre as fracções autónomas recai um direito
de propriedade, pelo que elas são administradas pelo próprio titular.
Porém, para as partes comuns é necessária a existência de uma
estrutura adequada à prática dos actos de administração dessas
partes comuns. Essa estrutura está definida no art.1430º e é
composta por uma assembleia de condóminos e por um
administrador.
A assembleia de condóminos é um órgão colegial constituído
por todos os condóminos, com carácter deliberativo, que tem poderes
de controlo, de aprovação e decisão final sobre todos os actos de
administração. Realce-se que ela não pode interferir com a
administração das fracções autónomas de qualquer dos condóminos.
Ela só pode exercer estes poderes em relação às partes comuns.
Além disso, só se abrangem aqui actos de administração. Estão desta
forma excluídos os actos de disposição em relação ao imóvel
(fracções autónomas e partes comuns), pelo que não poderá, por
exemplo, alienar as partes comuns. Os actos de disposição das partes
comuns só podem ser decididos por unanimidade. Não pode também
tomar deliberações administrativas que privem qualquer dos
condóminos de direitos que lhes foram conferidos pelos títulos, por
força dos quais adquiriram a sua propriedade (por exemplo, se um
condómino adquiriu uma fracção com aquecimento central, não pode

- 174 -
Direito das Coisas FDUP

a assembleia de condóminos privá-lo desse direito, a não ser que


tenha o seu acordo).
O administrador é o órgão executivo, nomeado e exonerado
pela assembleia de condóminos, a quem tem de prestar contas da
sua actividade. Procede, portanto, à execução das decisões daquela e
à adopção das medidas necessárias à conservação e vida do edifício
(art.1436º). Assume especial importância a legitimidade conferida
pelo art.1437º para estar em juízo em representação dos
condóminos, quer como autor, quer como demandado.

2.2. Direitos Reais Menores

2.2.1. Direito de Usufruto

NOÇÃO:
O usufruto é o direito de gozar – de usar e fruir – uma coisa ou
um direito de outrem, sem, todavia, afectar a substância do objecto
usufruído (art.1439º CC).
Reportando-nos à clássica tripartição dos poderes do
proprietário “jus utendi, jus fruendi e jus abutendi”, constatamos que
o usufrutuário detém apenas os dois poderes primeiramente
referidos: o “jus utendi” e o “jus fruendi”. O usufrutuário não detém,
assim, o “jus abutendi”, o poder de dispor da coisa.
Toda a situação de usufruto implica um concurso de direitos
reais. Onde existe um usufruto, coexiste uma propriedade esvaziada
do “usus” e do “fructus”.
Por esse motivo é esta propriedade classicamente designada
por “nua propriedade” ou propriedade de raiz.

- 175 -
Direito das Coisas FDUP

Porém, atente-se que neste concurso da nua propriedade e do


usufruto, ninguém possui plenamente o “abusus”, ou seja, a
possibilidade de dispor da coisa.
É que este “jus abutendi” não abrange só a possibilidade de
alienar a coisa. Isso ambos o podem fazer na medida dos seus
direitos: tanto o nu-proprietário pode alienar a nua propriedade,
como o usufrutuário o pode fazer no tocante ao seu direito de
usufruto.
Contudo, nenhum deles pode destruir a coisa, muito embora o
poder de destruição seja um dos poderes contidos no “jus abutendi”.
Aqui, na situação de concurso entre propriedade de raiz e usufruto,
ninguém tem o poder de destruir a coisa. Nem o pode fazer o
usufrutuário, porque tem que ressalvar aquele limite da substância da
coisa, nem o pode fazer o nu-proprietário, porque assim violava o
usufruto.
De tudo isto se conclui que o somatório dos poderes do nu-
proprietário e do usufrutuário não integra os poderes da propriedade
plena.
O que se pode dizer é que, se o nu-proprietário e o usufrutuário
se encontrarem de acordo, podem, os dois, exercitar todos e
quaisquer poderes que caibam na propriedade plena.

De tudo o que se disse até agora resulta que o usufruto é um


“jus in re aliena”, i.e., um direito real sobre coisa alheia, que consiste
numa derivação do direito de propriedade e, ao mesmo tempo, numa
limitação deste direito. Ele decorre das relações de vizinhança ou das
relações de natureza familiar. O usufruto é o direito mais denso de
todos os direitos reais menores. Ele confere o pleno gozo do bem
(art.1439º CC), podendo o usufrutuário aproveitar todas as
disponibilidades do bem.

- 176 -
Direito das Coisas FDUP

Pode ter por objecto uma coisa móvel ou imóvel, coisas


corpóreas e incorpóreas e até um direito.

CARACTERÍSTICAS:
Com base no art.1439º CC podemos alinhavar algumas
características do direito de usufruto:
→ Temporariedade → O usufruto é um direito temporário e, no
comum dos casos, vitalício.
Este carácter resulta da circunstância de o usufruto se extinguir
pelo decurso do prazo, quando no título constitutivo foi estabelecido
um prazo, e da de o usufruto se extinguir igualmente pela morte do
usufrutuário (art.1476º nº1 a) CC).
Assim, desde que não haja prazo estipulado para duração do
usufruto, este extingue-se pela morte do titular desse direito.
Havendo prazo estipulado, o usufruto extingue-se no termo
deste, excepto se, antes de decorrido o lapso de tempo pelo qual foi
constituído, se verificar a morte do usufrutuário. Neste caso, o
usufruto extingue-se antes do decurso do prazo.
É este o regime aplicável às pessoas físicas, regime este em
que se encontra bem vincado o carácter “intuitus personae”. É que,
efectivamente, o usufruto é concedido a alguém durante um
determinado prazo, mas nunca para além da vida do beneficiário
(art.1443º CC).
No que respeita às pessoas colectivas, quer de direito público,
quer de direito privado, o art.1443º CC estabelece que a duração
máxima do usufruto é de trinta anos. Traduz-se aqui a preocupação
do legislador em limitar o usufruto. Se a lei utilizasse o mesmo
critério para a delimitação do prazo do usufruto para as pessoas
colectivas o mesmo critério que utiliza para a delimitação do prazo de
usufruto para as pessoas singulares poderiam surgir usufrutos

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Direito das Coisas FDUP

perpétuos a favor de pessoas colectivas, dada a sua duração


normalmente indeterminada ou natureza perpétua.
As razões que levaram a lei a negar o carácter perpétuo do
usufruto (ao contrário do que acontece no direito de propriedade) são
várias:
o Graves inconvenientes de ordem económica geral (não há
um estímulo para a exploração dos bens);
o Prejuízos na circulação dos bens (qualquer adquirente do
bem, não adquire a plena propriedade; adquire-o
limitadamente); etc.
Porém, a aquisição de um usufruto tem algumas vantagens:
o O usufruto permite realizar capital, isto é, mediante o
usufruto, a pessoa pode compatibilizar a sua necessidade de
realizar capital com a continuação da fruição dos
rendimentos.
o Possibilita a certas pessoas o proverem à situação de
necessidade de outrem, mas conseguindo simultaneamente
que os bens não saiam da família do disponente.
A lei, em face das vantagens e dos inconvenientes do usufruto,
consagrou a figura do usufruto com uma certa regulamentação em
ordem ao melhor aproveitamento das suas vantagens e redução a um
mínimo dos seus inconvenientes.
→ Plenitude do gozo do objecto → Traduz-se no direito de gozar
plenamente a coisa (art.1439º CC). Com esta formulação pretende a
lei explicitar que a posição do usufrutuário é mais sólida que a de
outras pessoas, não obstante deterem estas igualmente certos
poderes de gozo sobre uma coisa, como é o caso do locatário ou
arrendatário.
As manifestações deste direito de gozo pleno sobre uma coisa
são:

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Direito das Coisas FDUP

o Alienabilidade do usufruto: o usufrutuário pode alienar


inter vivos o seu direito real, tal como resulta do nº1 do
art.1444º CC, ao estatuir que “o usufrutuário pode
trespassar a outrem o seu direito…”. É esta uma
possibilidade que não assiste ao locatário.
Não há qualquer incompatibilidade entre este poder de
trespasse ou de oneração do usufruto e o seu carácter
intuitus personae e isto porque o usufruto não exige a
fruição em espécie da coisa usufruída. Ele confere apenas
uma maior maleabilidade e autonomia ao usufrutuário ao
permitir-lhe tomar as medidas mais adequadas à
satisfação do seu interesse.
Esta possibilidade de transferência do usufruto é, todavia,
limitada por restrições, quer de natureza voluntária, quer
de natureza legal. Podem surgir, desde logo, restrições
resultantes do seu título constitutivo (se, por exemplo,
um testador estipular no testamento, que o usufrutuário
não pode alienar o seu direito); as restrições podem
surgir também em resultado de disposições legais, por
exemplo, do art.1893º nº1 e 1896º CC.
A transmissão do seu direito feita pelo usufrutuário, não o
isenta de responsabilidade pela coisa usufruída. O
art.1444º nº2 CC impõe ao usufrutuário a obrigação de
responder perante o titular da nua propriedade pelos
danos que a coisa sofrer por culpa da pessoa que o
substitui.
o Ausência de especial limitação pelo fim: o usufrutuário
não sofre as mesmas limitações que sofre o locatário, no
que tange ao fim a que a coisa se destina.
O usufrutuário pode, com efeito, usá-la e fruí-la sem
afectação teleológica, enquanto que o locatário tem de

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Direito das Coisas FDUP

usar a coisa para certos fins sob pena de fundar com a


sua actuação a resolução do contrato, como sucederá,
v.g., na hipótese de o locatário afectar a fins comerciais
uma casa que arrendou para sua habitação.
→ Princípio da conservação da forma e substância → O
usufrutuário pode gozar temporária e plenamente a coisa fruída, mas
sem alterar a sua forma e substância. Não é, portanto, possível que o
usufrutuário, nomeadamente por contrato ou testamento, seja
legitimado para alterar a forma ou a substância da coisa usufruída.
Contudo, há que ter alguma cautela na interpretação desta
característica. É que, no caso de usufruto de coisas consumíveis, as
coisas podem ser alienadas ou destruídas (o que importa a alteração
da forma e da substância). Aqui, pela própria natureza das coisas, o
seu uso implica necessariamente o seu desaparecimento.
Estes casos de usufruto de coisas consumíveis são resolvidos
pelo art.1451º CC. De facto, nas coisas consumíveis (definido no
art.208º CC), o usufruto regular implica a destruição ou alienação da
coisa.
Assim, atendendo à própria natureza dos bens (que se
destinam à sua alienação ou consumo), releva o valor dos bens e não
os bens em si e, por isso, o legislador considera que devolver o valor
dos bens ou o próprio bem são situações com valor jurídico
semelhante, uma vez que, em ambos os casos, o interesse do
proprietário fica satisfeito de forma equivalente.
→ Usufruto sobre direitos → O usufruto pode incidir, nos termos
do art.1439º CC, não só sobre coisas, mas também sobre direitos
alheios, como seja o caso em que incide sobre créditos, participações
sociais, direitos de autor, etc.

LIMITES:

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Direito das Coisas FDUP

1.O usufruto tem que respeitar a forma ou substância da coisa


(art.1439º 2ª parte CC).
2. Se o contrário não for estabelecido no título constitutivo, tem
de obedecer ao destino económico da coisa (art.1446º CC),
de acordo com o critério do bom pai de família.

DURAÇÃO:
De acordo com o art.1443º CC, a duração do direito de usufruto
não pode exceder a vida do usufrutuário ou, tratando-se de pessoa
colectiva, não pode exceder os 30 anos.

CONSTITUIÇÃO:
A constituição do direito de usufruto é regulada pelo art.1440º
CC. Segundo ele, o usufruto pode ser constituído por contrato,
testamento, usucapião ou disposição da lei.
O elenco apresentado por este artigo é um elenco não taxativo.
→ Contrato → Pode operar-se por duas formas distintas:
a) Constituição “per translationem”, que ocorre quando o
proprietário cria directamente ao terceiro o usufruto, detendo
ele a nua propriedade. Ex. A, pleno proprietário, passa para B
o usufruto, ficando com a nua propriedade.
b) Constituição “per deductionem”, que ocorre quando o
proprietário aliena a nua propriedade, ficando com o
usufruto. Ex. A, pleno proprietário, aliena a nua propriedade
a B, ficando com o usufruto.
Esta dupla possibilidade revela-se, desde logo, no domínio da
prestação de caução pelo usufrutuário. É que, nos termos do nº1 do
art.1469º CC, o usufrutuário está dispensado de prestar caução no
caso de o seu direito ter sido constituído mediante alienação com
reserva de usufruto, ou seja, no caso típico de constituição “per
deductionem”. Daí que o proprietário, se continuar a usufruir a coisa,

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Direito das Coisas FDUP

limitando-se a transferir a nua propriedade, não tenha de prestar


caução.
Esta só é, assim, exigida na constituição do usufruto “per
translationem”, ou seja, quando o proprietário cria um usufruto a
favor de terceiro.
Admitindo a lei que o usufruto se possa constituir por contrato,
poderá o proprietário do prédio, em vez de o arrendar, constituir
antes um usufruto.
Esta solução daria uma posição mais sólida ao adquirente e, por
outro lado, sendo o usufruto necessariamente de natureza
temporária, apresenta vantagens de carácter pessoal para o
proprietário, na medida em que lhe permitiria fugir à aplicação das
normas especiais que protegem o arrendatário.
A generalidade das legislações modernas manifesta-se no
sentido da protecção do arrendatário, protecção que se manifesta,
entre nós, por exemplo, naquela norma que impõe a renovação
obrigatória do contrato de arrendamento (art.1054º CC).
O arrendatário tem uma muito maior possibilidade de
permanecer no prédio do que o usufrutuário. Isto porque, enquanto o
direito de usufruto caduca ao fim do prazo por que foi constituído, o
arrendamento pode ser renovado por vontade unilateral do
arrendatário.
Esta situação é até paradoxal. De facto, é curioso que um
direito de crédito como o é o arrendamento, goze de uma protecção
maior do que um direito real típico como o é o usufruto.
Ora, esta “fraude à lei” que resulta da constituição de um
usufruto em vez da celebração do arrendamento não pode ser
admitida. Daí que, para prevenir hipóteses deste tipo, se devam
sujeitar obrigatoriamente ao regime do arrendamento todos os
contratos que conferem o uso e fruição de uma coisa, mediante uma
contraprestação que afastará de todo aquela possibilidade.

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Direito das Coisas FDUP

Assim, por exemplo, se o senhorio A cede o usufruto de um


prédio a B, pretendendo por esta forma fugir às normas vinculativas
do regime do arrendamento, este contrato vale como arrendamento,
dado que “o negócio celebrado com fraude à lei é nulo, como resulta
logo dos princípios gerais”.
→ Testamento → A situação de usufruto que se verifica com
mais frequência é constituída por testamento.
É este um ponto que não levanta particulares dificuldades.
→ Usucapião → O usufruto pode adquirir-se por usucapião.
Já se entendeu na nossa doutrina que o usufruto não podia ser
adquirido por esta via. É que a posse do usufruto é equívoca, uma
vez que a posse do usufrutuário se analisa em termos idênticos à do
proprietário. Tanto a posse de um como a do outro se traduz afinal
no uso da coisa e na recolha dos seus frutos. Não sendo possível esta
destrinça, optava-se pela impossibilidade da aquisição do usufruto
por usucapião.
Esta posição é, porém, de afastar, pois há um elemento que
permite distinguir a posse do usufrutuário da posse do proprietário e
esse elemento é o elemento psicológico, o “animus possidendi”.
Assim, configure-se o seguinte exemplo: A constitui um
usufruto por mero escrito particular, passando o usufrutuário a gozar
a coisa.
Como, porém, para a constituição de direitos reais sobre
imóveis é exigida escritura pública, o usufrutuário não adquiriu
validamente o direito de usufruto, mas apenas a posse
correspondente.
Neste caso, a sua intenção é nitidamente de usufrutuário, não
podendo por isso adquirir a propriedade.
Pode, porém, adquirir o usufruto, uma vez que, estando
psicologicamente na posição do usufrutuário, passou a fruir a coisa
como tal. Isto não ocorrendo inversão do título da posse. Enquanto

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Direito das Coisas FDUP

não se verificar uma eventual inversão do título, há apenas uma


posse de um usufruto.
→ Disposição da lei → Por último, o usufruto também pode
constituir-se por disposição legal.

USUFRUTOS SUCESSIVOS OU SIMULTÂNEOS:


De acordo com o estipulado no art.1441º CC, o usufruto pode
ser constituído simultânea ou sucessivamente.
Decorre daquele preceito que a um indivíduo é legítimo
constituir um usufruto, quer simultaneamente a favor de duas
pessoas, quer sucessivamente, i.e., a favor de uma e, por morte
desta ou por decurso do prazo, a favor de outrem.
Por outras palavras, no caso de usufruto simultâneo, há uma
contitularidade do usufruto. No caso de usufruto sucessivo, os
usufrutuários entram sucessivamente pela ordem fixada no título
constitutivo.
Esta possibilidade de se constituírem usufrutos sucessivos é
contrastante com o carácter temporário do usufruto. Porém, não é
assim. Atente-se na parte final do art.1441º CC: “…contanto que
existam ao tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne
efectivo”. Para se constituir o usufruto, é necessário que o segundo
usufrutuário já exista no momento em que esse direito se torna
efectivo.
O usufruto, ainda que sucessivo, não pode, pois, nunca ter uma
duração maior do que aquele que teria se tivesse sido directamente
constituído a favor do último beneficiário. Ou melhor, qualquer dos
instituídos tem de estar, no momento da efectivação do usufruto,
numa situação segundo a qual pudessem ser imediatamente
nomeados.
O usufruto simultâneo tem, por isso, uma duração tabelada
pela vida do último usufrutuário, excepto se, antes da morte deste,

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Direito das Coisas FDUP

decorrer o prazo pelo qual foi constituído, no caso de o ter sido a


prazo (caso de decurso do prazo).
De tudo isto decorre que se encontra excluída a possibilidade de
constituição de usufrutos sucessivos a favor de concepturos.
Quanto a nascituros, rigorosamente, nos termos da lei, não é
uma pessoa existente, não podendo, por isso, ser beneficiário de um
usufruto.
A “ratio” do preceito, porém, não exclui que os nascituros
possam ser beneficiários desse direito.
De facto, se se pode deixar um usufruto a uma pessoa que
acabou de nascer, porque não a um nascituro já concebido? Esta
possibilidade não alarga incomportavelmente o prazo do usufruto.
Por outro lado, também a própria situação de pendência do
usufruto não é muito dilatada, uma vez que, no caso de nascituros já
concebidos, o seu nascimento será questão de pouco tempo.
A “ratio” não exclui, portanto, que os nascituros já concebidos
possam ser beneficiados com a instituição de um usufruto simultâneo
ou sucessivo.
De qualquer forma, é esta uma questão controversa.

Por último, diga-se que, no usufruto simultâneo, existe um


direito de acrescer, não só quando esse direito resulta de testamento,
mas também quando seja constituído por contrato.
Assim, se alguém deixa um usufruto simultaneamente a duas
pessoas e uma delas falece, a outra adquire o usufruto de toda a
coisa. O falecimento de um dos co-usufrutuários não atribui ao outro
apenas metade do usufruto. O outro adquire-o na totalidade.
O fundamento desta solução é uma presunção correspondente à
vontade presumida das partes. Presume-se, com efeito, que,
constituindo-se por testamento ou contrato um usufruto simultâneo
sobre um prédio, pretendeu-se deixar aos instituídos a totalidade do

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Direito das Coisas FDUP

usufruto. Como são vários os instituídos, o direito de usufruto divide-


se. Mas se fosse unicamente um instituído, este seria o beneficiário
da totalidade do direito de usufruto.
É com este fundamento material que o art.1442º CC vem
consagrar o direito de acrescer destes usufrutuários simultâneos,
quer o seu direito resulte da disposição testamentária, quer de um
contrato.

DIREITOS DO USUFRUTUÁRIO:
Relativamente aos poderes do usufrutuário sobre o próprio
usufruto, dissemos já, que o usufrutuário pode alienar ou hipotecar o
seu direito de usufruto; pode defender esse seu direito, exercitando
acções possessórias ou acções do tipo da acção de reivindicação (a
chamada acção confessória do usufruto – “vindicatio usufrutus”).
Já no que toca aos direitos do usufrutuário sobre a coisa
usufruída, cite-se, em primeiro lugar, o art.1445º CC que apela para
o título constitutivo: “os direitos e obrigações do usufrutuário são
regulados pelo título constitutivo do usufruto; na falta ou insuficiência
deste, observar-se-ão as disposições seguintes”.
Significa isto que há uma certa variabilidade do conteúdo do
usufruto, uma vez que é possível estipular-se uma dimensão de
poderes e um conteúdo do usufruto varáveis de caso para caso.
Não existe, por isso, uma configuração rígida do usufruto. O
que acontece, normalmente, é que as partes abstêm-se de estipular,
havendo então lugar à aplicação de normas dispositivas. Nessa altura
o usufruto vê o seu conteúdo delimitado e conformado pelas normas
supletivas.
Esta liberdade de conformação interna do usufruto significa
que, em princípio, o usufruto incide sobre todas as utilidades da
coisa, podendo, porém, excluir-se uma ou outra utilidade da coisa. É

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Direito das Coisas FDUP

nesta medida que pode dizer-se que o conteúdo do usufruto é


variável.

Quais são essas normas supletivas que definem o conteúdo do


usufruto?
O art.1446º CC responde a esta questão ao estatuir que “o
usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como
faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico”.
Desta disposição decorre que o usufrutuário pode usar a coisa
para seu uso pessoal, fruí-la, colhendo directamente os frutos
respectivos ou arrendando-a, e administrá-la como um bom pai de
família, ressalvando o seu destino económico.
Esta referência ao padrão do bom pai de família implica o
recurso a uma cláusula geral. Nesta linha, o usufrutuário não pode
deixar de fazer obras de conservação ou, pelo uso excessivo e
imoderado da coisa, prejudicar a sua normal rentabilidade.
Do mesmo modo, não pode abster-se de utilizar processos
técnicos de cultura da terra, que se apresentem como os mais
convenientes à conservação da coisa.
Tudo isto significa que o usufrutuário tem de proceder como
procederia um bom administrador, sendo este o sentido que, em
última análise, se deve atribuir ao padrão do “bonus pater familias”.
Dentro destes poderes de usar, fruir e administrar que
competem ao usufrutuário estão abrangidas, nos termos do art.1449º
CC, não só as coisas acessórias ou as acessões que vêm acrescer à
coisa, mas também todos os direitos inerentes à coisa usufruída. Será
este o caso das servidões, por exemplo.

Uma outra nota a que alude o princípio geral do art.1446º CC é


a de que o usufrutuário tem de respeitar o destino económico da

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Direito das Coisas FDUP

coisa, ou seja, que o usufrutuário pode usar e fruir a coisa desde que
respeite o seu destino económico.
Daí decorre, “a contrario sensu”, que o usufrutuário não pode
alterar o destino económico da coisa usufruída. Não pode, por
exemplo, transformar um pomar ou prédio rústico num campo de
jogos. O destino económico que a coisa tem deve ser conservado. É
esta vinculação uma expressão da falta do “jus abutendi”, ou seja, da
falta do direito de dispor da coisa.

Cumpre ainda referir a possibilidade de se levantarem vários


problemas a propósito quer do início, quer do termo do usufruto.
Assim, pode, desde logo, perguntar-se qual o regime aplicável
ao usufrutuário, quer no início, quer no termo do seu direito, no
tocante aos frutos da coisa usufruída.
Como resulta do art.1447º CC, os frutos que estejam já em
maturação, como será, por exemplo, o caso de uma vinha muito
próxima da colheita no momento em que se constitui o usufruto,
esses frutos podem ser integralmente colhidos pelo usufrutuário, sem
que este tenha de abonar qualquer despesa feita.
Esta solução baseia-se numa presunção de vontade. A lei
presume que a vontade do instituidor se manifestaria no sentido de
pretender que o beneficiário do usufruto passe, logo após a
instituição, a colher os frutos da coisa.
No tocante ao termo do usufruto, a lei estabelece, na 2ª parte
do art.1447º CC que “…findo o usufruto, o proprietário é obrigado a
indemnizar aquele (o usufrutuário) das despesas de cultura,
sementes ou matérias-primas e, de um modo geral, de todas as
despesas de produção feitas pelo usufrutuário, até ao valor dos frutos
que vierem a ser colhidos”.

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Direito das Coisas FDUP

Decorre deste artigo que, no termo do usufruto, a solução


consagrada conduz a um resultado inverso do verificado para o início
desse direito.
Efectivamente, no termo do usufruto, o proprietário é que vai
colher os frutos, tendo, porém, que abonar as despesas de cultura,
sementes e matérias-primas, etc., realizadas pelo usufrutuário.
Esta solução justifica-se pelo intuito de evitar um
locupletamento do proprietário da raiz à custa do usufrutuário, que se
verificaria com outra solução que não a legal. Por outro lado, o
regime da lei afasta o inconveniente de, no último ano do usufruto, o
usufrutuário se quedar numa atitude de inércia.

O usufrutuário tem, pois, o direito de usufruir, uma vez que o


usufruto abrange, além do direito de uso, o direito aos frutos.
A noção de frutos, como se sabe, encontra-se na parte geral do
CC, art.212º nº1 CC ao estatuir que “diz-se fruto de uma coisa tudo o
que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância”.
(Para mais desenvolvimentos a respeito dos frutos cfr. supra
Introdução, Capítulo I, ponto 7, alínea f))
Um ponto importante conexionado com esta matéria é o de que
o usufrutuário tem direito aos frutos, ma não tem direito aos
produtos.
(Para saber os termos desta distinção cfr. supra Introdução,
Capítulo I, ponto 7, alínea f))

Também quanto à forma como os frutos são recolhidos há uma


importante distinção a fazer.
É que nos termos do art.213º nº1 CC, os frutos naturais são
adquiridos ou até um momento determinado ou a partir desse
momento, pertencendo ao usufrutuário os frutos percebidos durante
a vigência do seu direito.

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Direito das Coisas FDUP

Segue-se, portanto, aqui, a doutrina da percepção.


Pertencem ao usufrutuário os frutos naturais que se percebem,
que se colhem dentro dos limites temporários do usufruto. O titular
desse direito tem, assim, direito a todos os frutos que se vencem
durante o usufruto.
É, assim, o momento da colheita, o momento da percepção,
que vigora, prevendo a lei, para obstar a que esta disposição seja
iludida, sanção para as colheitas prematuras.
Poderia pensar-se, para aqui, num critério de
proporcionalidade, segundo o qual o indivíduo que esteve na fruição
do bem, por exemplo, por três meses, período correspondente a
metade do ciclo produtivo desse bem, receberia também apenas
metade dos frutos.
Não é, porém, esta a solução da lei.
Segundo esta, se a colheita se verifica num momento anterior
aos seis meses, o usufrutuário recebe todos os frutos; se,
posteriormente, não tem direito a quaisquer produtos, assiste-lhe
apenas, no caso de ter realizado despesas para a sua produção, o
direito a ser indemnizado por essas despesas.
Já no que toca aos frutos civis, a lei adoptou antes um critério
de proporcionalidade. Os frutos distribuem-se “pro rata temporis”,
isto é, em proporção do tempo que dura o usufruto. Por exemplo, no
caso de uma renda anual de um prédio, se o usufruto dura apenas
meio ano, o usufrutuário recebe apenas metade da renda.
Esta diferença de regimes justifica-se pelo facto de que, no toca
aos frutos civis, se poder estabelecer, com um grau suficiente de
certeza, um critério de proporcionalidade, que não se consegue obter
para os frutos naturais. Daí que a lei tenha adoptado um sistema,
embora mais drástico, mais seguro e mais certo que é o de se
atender ao momento da percepção dos frutos. Não é, por isso, quem
semeia que tem direito aos frutos, mas quem colhe. Se o usufruto

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Direito das Coisas FDUP

vigora durante o tempo da colheita, o usufrutuário é o dono dos


frutos.
Aliás, doutro modo, poderia haver uma dificuldade, quanto aos
frutos naturais, mormente quanto a saber a que período se devia
atender: ao ano civil ou ao ciclo produtivo do bem em questão, tendo
em conta que este ciclo pode variar consoante os usos locais e
respectivos costumes e as técnicas de produção utilizadas, etc., o que
se traduz num elemento de incerteza.
Daí que a lei prefira seguir um critério mais seguro e mais claro
que é o de atender ao momento da percepção.

Pode também o usufrutuário realizar benfeitorias na coisa


usufruída, quer úteis, quer voluptuárias, desde que, nos termos do
art.1450º CC, “não altere a sua forma ou substância, nem o seu
destino económico”.
Aplica-se, quanto às benfeitorias, o mesmo regime do possuidor
de boa-fé.

Por último, no que toca à alienação dos frutos antes da colheita,


importa atentar no art.1448º CC.
Vimos já que o momento que releva é o momento da
percepção. Mas, se o usufrutuário alienar frutos antes da colheita e o
usufruto se extinguir antes desta, a alienação subsiste, revertendo o
seu produto a favor do proprietário.
É esta uma regra que se destina a dar conteúdo prático ao
princípio de que o que releva neste domínio é o momento da colheita,
ou seja, o momento da percepção dos frutos, reagindo, assim, contra
uma alienação prematura. O facto de o usufrutuário alienar
antecipadamente os resultados da colheita não lhe traz quaisquer
benefícios, uma vez que, por força dessa disposição legal, o produto
recebido terá de ser integralmente entregue ao proprietário de raiz,

- 191 -
Direito das Coisas FDUP

deduzidas, porém, as despesas realizadas com o cultivo, no caso de


haver lugar a isso.

→ Casos especiais:
Referimo-nos até agora ao usufruto em geral. Porém, a lei
regula, nos arts.1451º a 1467º CC, o usufruto de certas coisas, de
determinadas categorias de bens. Isto porque era necessária uma
previsão especial do usufruto que incida sobre certos objectos.
É que a natureza e a constituição destes objectos criam
problemas específicos, maxime no que se refere à individualização, à
determinação dos frutos.

 Art.1451º CC: usufruto de coisas consumíveis.


Parece, à primeira vista que o usufruto é incompatível com as
coisas consumíveis.
De facto, se nas coisas consumíveis o “usus” se confunde com o
“abusus” – se o uso delas implica o seu desaparecimento – então,
parece que o usufruto não devia sequer abranger essa categoria de
coisas.
A doutrina tradicional fala aqui em quase-usufruto ou usufruto
impróprio.
Ora, a lei, todavia, dá a possibilidade prática de se constituírem
usufrutos de coisas consumíveis, torneando esta dificuldade ao
estatuir que o usufrutuário se pode servir das coisas ou aliená-las
constituindo-se, porém, na obrigação de restituir o seu valor, findo o
usufruto, no caso de as coisas terem sido estimadas.
Ex. Se um indivíduo é usufrutuário de uma herança e nesta
estão incluídos, por exemplo, cereais ou vinho, o usufruto incide
também sobre estes.

- 192 -
Direito das Coisas FDUP

Pode-se, nesta hipótese, determinar o valor desses bens e é


esse valor que o usufrutuário tem que restituir, terminado o seu
direito.
Pode também acontecer que essa estimativa não tenha sido
efectuada. Neste caso, o usufrutuário é obrigado a restituir coisas do
mesmo género, qualidade ou quantidade. Não é a própria coisa que é
restituída, mas outra equivalente.
O nº2 do art.1451º CC consagra um princípio que é revestido
de alguma importância: o usufruto de coisas consumíveis não importa
transferência da propriedade para o usufrutuário.
Esta solução tem alguns efeitos, desde logo, para efeitos de
risco pela deterioração da coisa. Em caso de deterioração, o
usufrutuário deixa de poder gozar a coisa e, simultaneamente, o
proprietário deixa de poder exigir a sua restituição.
É precisamente para conseguir uma solução deste tipo que a lei
diz que o usufruto de coisas consumíveis não atribui a propriedade ao
usufrutuário, embora este princípio se apresente como pouco lógico
quando encarado na perspectiva de uma lógica jurídica pura, na
medida, em que é difícil de admitir que um indivíduo não seja
proprietário de uma coisa que pode consumir e destruir.
A lei considerou, porém, que seria injusto tornar o usufrutuário
proprietário.
Assim, em matéria de risco, se ele fosse proprietário, perecida a
coisa, o risco corria por conta dele e, uma vez extinto o usufruto, o
proprietário de raiz poderia exigir-lhe a restituição do respectivo
valor.
É, portanto, esta solução que a lei teve em vista ao estatuir que
o usufruto não importa, aqui, o direito de propriedade, donde resulta
suportarem os dois o risco. O proprietário de raiz porque, perecendo
a coisa, esta perece por sua conta e risco; o usufrutuário porque
perde o usufruto, não estando, porém, adstrito à restituição do valor

- 193 -
Direito das Coisas FDUP

correspondente, diversamente do que aconteceria se ele fosse o


proprietário das coisas. Neste caso, o risco seria, como já se disse,
totalmente suportado por ele. Logo, quando se extinguisse o
usufruto, teria de restituir o seu valor ao proprietário de raiz que, por
seu turno, não suportaria risco nenhum.

 Art.1452º CC: usufruto de coisas deterioráveis.


Podem existir coisas que, não sendo consumíveis, não se
destruindo, pelo seu uso, vão perdendo progressivamente o valor.
Será, v.g., o caso de um automóvel. O usufruto que incida
sobre um automóvel vai diminuindo, pouco a pouco, o valor deste.
Nestes casos, diversamente do que vimos acontecer no domínio
das coisas consumíveis, aqui não há lugar à restituição do valor das
coisas objecto do usufruto. As coisas deterioráveis são restituídas
pelo usufrutuário, findo o usufruto, no estado em que se encontrem.
O usufrutuário de um automóvel usufruído durante dez ou vinte
anos, não tem de restituir um automóvel de valor idêntico ao
usufruído no início do direito de usufruto. Limita-se a restituir a coisa
com o valor que esta tem no termo do usufruto, excepto se a sua
deterioração resultou de utilização diversa da que era própria.

 Art.1453º a 1456º CC: usufruto de árvores e arbustos de


matas, árvores de corte, plantas de viveiro.
Sobre esta matéria ocorrem alguns problemas específicos,
particularmente no que toca ao usufruto de matas e árvores de corte.
Referindo-se-lhe, o nº1 do art.1455º CC dispõe que “o
usufrutuário de matas ou quaisquer árvores isoladas que se destinem
à produção de madeira ou lenha deve observar, nos cortes, a ordem
e as praxes usadas pelo proprietário ou, na sua falta, o uso da terra”.
As árvores, qualificando-se, em princípio, como produtos,
devem, porém, na hipótese prevista no art.1455º CC, em que o

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Direito das Coisas FDUP

usufruto incide sobre matas cuja utilização reside no corte periódico


de madeira, ser consideradas como frutos. Tem, então, o usufrutuário
direito a fazer esses cortes, segundo as praxes usadas pelo
proprietário ou, na sua falta, segundo os usos da terra.
O usufrutuário pode, portanto, cortar árvores da mata sobre
que incide o seu direito de usufruto, enquanto se possam considerar
frutos, mas já não quando essas árvores revistam a natureza de
capital.

 Art.1457º e 1458º CC: usufruto sobre a exploração de minas


e pedreiras.
No que toca à exploração de pedreiras, o regime do art.1458º
CC inspira-se na ideia de que a pedra é um produto, não tendo, por
isso, o usufrutuário direito a ela.
É precisamente esta ideia que justifica a proibição imposta ao
usufrutuário, do nº1 do preceito citado, de abrir novas pedreiras, sem
o consentimento do proprietário. Isto, porque a extracção da pedra
altera a substância da coisa usufruída na medida em que esgota a
terra.
Porém, “…se elas já estiverem em exploração ao começar o
usufruto, tem o usufrutuário a faculdade de explorá-las,
conformando-se com as praxes observadas pelo proprietário” (2ª
parte do nº1 do art.1458º CC).
Decorre desta disposição que, se o usufruto incide sobre algo
que já é uma pedreira quando esse direito de usufruto se constitui,
então, nesse caso, a pedra qualifica-se como fruto do bem usufruído.
Diversamente, se um indivíduo é tornado usufrutuário de um
terreno, não pode, nesta hipótese, começar a explorar uma pedreira
nesse terreno, uma vez que a pedra nele contida só é classificável
como produto.

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Direito das Coisas FDUP

 Art.1462º CC: usufruto sobre universalidades de animais.


Levantam-se neste domínio problemas particulares,
designadamente, o da qualificação das crias como frutos ou produtos.
Serão qualificadas como produtos se se destinarem a compensar as
espécies que, por qualquer motivo, vêm a faltar.

 Art.1463º a 1467º CC: usufruto sobre rendas, dinheiro,


capitais levantados ou títulos de crédito.
O usufrutuário tem direito aos juros correspondentes à duração
do usufruto e à fruição dos prémios ou outras utilidades aleatórias
produzidas pelo título (por exemplo, um prémio atribuído por sorteio
aos titulares de títulos de crédito emitidos por uma instituição
bancária). Também a lei é clara quanto ao usufruto de títulos de
participação (v.g., usufruto de um lote de acções).

OBRIGAÇÕES DO USUFRUTUÁRIO:
As obrigações do usufrutuário iniciam-se mesmo antes do
começo do usufruto.
O usufrutuário deve, com efeito, nos termos do art.1468º nº1
a) CC, proceder a um inventário, isto é, deve relacionar os bens,
declarando o seu estado, bem como o valor dos móveis se os houver.
De seguida, de acordo com a alínea b) daquele artigo, deve o
usufrutuário prestar caução, se esta lhe for exigida.
Daí resulta que ao proprietário é tão lícito exigir a caução como
adoptar conduta inversa, nada exigindo.
A caução, porém, quando prestada, destina-se a cobrir a
responsabilidade do usufrutuário pela restituição da coisa no termo
do usufruto ou por quaisquer deteriorações que venha a causar na
coisa usufruída.
Ocorrem, todavia, certas situações em que há dispensa de
caução. São os casos previstos no art.1469º CC.

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Direito das Coisas FDUP

Assim acontecerá, em primeiro lugar, na hipótese de


constituição de usufruto “per deductionem”, ou seja, nos casos de
alienação de uma coisa com reserva de usufruto.
Depois, pode o usufrutuário ser dispensado de prestar caução
no título constitutivo do usufruto.

Pode, contudo, a caução não ser prestada.


As consequências da não prestação de caução vêm enunciadas
no nº1 do art.1470º CC, que estatui “se o usufrutuário não prestar a
caução devida, tem o proprietário a faculdade de exigir que os
imóveis se arrendem ou ponham em administração, que os móveis se
vendam ou lhe sejam entregues, que os capitais, bem como a
importância dos preços das vendas, se dêem a juros ou se
empreguem em títulos de crédito nominativos, que os títulos ao
portador se convertam em nominativos ou se depositem nas mãos de
terceiro, ou que se adoptem outras medidas adequadas”.
Uma vez adoptadas as várias providências previstas para as
diferentes categorias de bens, o usufrutuário limitar-se-á, então, a
receber os rendimentos, em vez de usufruir directamente os bens.
Neste caso, o usufrutuário deixa, como é óbvio, de se encontrar
numa situação que possa envolver responsabilidade. Esta só surgiria,
se se encontrasse na posse das coisas e não na mera situação de
receber, v.g., as rendas, os juros, etc.

Como restantes obrigações salienta-se o prescrito nos


arts.1472º e 1473º CC, versando sobre matéria de reparações.
O art.1472º CC, relativo às reparações ordinárias, enuncia o
princípio de que cabem ao usufrutuário as reparações ordinárias
indispensáveis para a conservação da coisa e as despesas de
administração.

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Direito das Coisas FDUP

A lei define, por outro lado, esse tipo de reparações de acordo


com um critério teleológico. Ordinárias são aquelas reparações
necessárias à conservação da coisa.
A lei estabelece-lhes, porém, um limite baseado num critério de
valor ao estatuir no nº2 da disposição citada que “não se consideram
ordinárias as reparações que, no ano em que forem necessárias,
excedam dois terços do rendimento líquido desse ano”.
Da conjugação destas duas disposições resulta que qualquer
despesa realizada em vista à conservação da coisa usufruída é
qualificável como despesa de reparação ordinária, excepto se
comprometer mais de dois terços do rendimento líquido da coisa
usufruída no ano em que são necessárias.
Por último, tal como acontece com outras obrigações reais,
pode o obrigado eximir-se do encargo renunciando ao usufruto
(art.1472º nº3 CC).
Quanto às reparações extraordinárias, essas cabem ao
proprietário. O usufrutuário não tem, assim, o dever de as realizar,
cumprindo-lhe apenas avisar o proprietário para que este as efectue.
Porém, note-se, este não é obrigado a fazê-las directamente.
Só que, uma vez notificado, se o proprietário não realizar as
reparações extraordinárias, se elas forem de utilidade real, o
usufrutuário pode, então, efectuá-las a expensas daquele. Melhor, a
expensas suas, mas virá a ser reembolsado do montante dispendido
ou será pago, no fim do usufruto, do valor que as benfeitorias
tiverem nesse momento.
Não há, portanto, aqui propriamente uma obrigação que tenha
de ser executada em espécie pelo proprietário. O usufrutuário avisa-
o, o proprietário não procede às reparações e, então, aquele procede
a elas a expensas suas, exigindo ao proprietário a sua importância ou
exigindo, no termo do usufruto, o valor das benfeitorias que
resultaram dessas reparações para o bem usufruído.

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Direito das Coisas FDUP

EXTINÇÃO:
As causas de extinção do usufruto vêm referidas no art.1476º
CC.
→ Morte ou decurso do tempo → Art.1476º nº1 a): “O usufruto
extingue-se por morte do usufrutuário, ou chegado o termo do prazo
por que o direito foi conferido, quando não seja vitalício.”
É esta uma manifestação do carácter pessoal do usufruto. De
facto, sendo este constituído “intuitus personae” é lógico que, falecido
o usufrutuário, se extinga esse seu direito.
Por outro lado, tratando-se de um usufruto constituído por
tempo determinado, o decurso desse prazo acarreta necessariamente
o termo do usufruto.
→ Confusão → Art.1476 nº1 b): “O usufruto extingue-se pela
reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa.”
Ocorre, aqui, uma situação semelhante à que, no âmbito dos
direitos de crédito, se designa por confusão. Assim, tal como as
obrigações se extinguem pela reunião na mesma pessoa das
qualidades de devedor e credor, também no domínio do usufruto, a
atribuição a um mesmo titular da propriedade de um bem e de um
direito de usufruto sobre esse bem acarreta, logicamente, a extinção
deste. Isto porque não pode haver encargos sobre coisa própria.
→ Não uso → Art.1476º nº1 c): “O usufruto extingue-se pelo
seu não exercício durante vinte anos, qualquer que seja o motivo.”
Assim, se o usufrutuário não exercer os poderes que lhe
competem, durante esse lapso de tempo, o usufruto extingue-se.
Uma nota importante a referir é a não aplicabilidade, neste
domínio, do regime da usucapião, o que implicaria serem aplicáveis
as causas de interrupção ou suspensão que sabemos valerem no
campo daquele regime da usucapião.

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Direito das Coisas FDUP

Aqui, na hipótese do não uso, os vinte anos previstos na lei


importam necessariamente a extinção do usufruto,
independentemente de quaisquer considerações sobre o motivo do
não exercício.
Se é verdade que os direitos reais correspondem ao
reconhecimento de certas vantagens e, nessa medida, são aceites
tipificadamente, logo que não estejam a cumprir a sua função a lei
põe-lhes um termo.
É precisamente esse interesse em fazer caducar os direitos
sobre coisa alheia (“jura in re aliena”) que está patente na
circunstância de o usufruto se extinguir pelo seu não exercício
durante vinte anos.
→ Perda → Art.1476º nº1 d): “O usufruto extingue-se pela
perda total da coisa usufruída.”
Assim, se um indivíduo detém um direito de usufruto sobre um
objecto e este desaparece totalmente, o usufruto extingue-se.

Conexionado com esta hipótese, pode referir-se ainda o regime


aplicável à perda parcial, que está previsto no art.1478º CC.
Segundo o nº1 desta disposição, “se a coisa ou o direito
usufruído se perder só em parte, continua o usufruto na parte
restante”. Ocorre, desta forma, aqui, uma redução do usufruto.
Por sua vez, o nº2 prevê uma hipótese da maior importância,
como seja, a da chamada “rei mutatio”, ou seja, a da transformação
da coisa. Aqui, a coisa usufruída não se perdeu totalmente, nem
sequer parcialmente, mas antes foi objecto de uma mutação
qualitativa.
A solução tradicional para estas situações, vigente no direito
romano, apontava para a extinção do usufruto, solução essa que
resultava da ideia de predestinação económica da coisa usufruída. Só
havia manutenção do usufruto, quando, embora ocorrendo alteração,

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Direito das Coisas FDUP

se mantinha o destino económico da coisa. Sendo as coisas


concedidas para serem usadas dentro de um certo destino
económico, destino que o usufrutuário devia ressalvar, então, quando
ocorria uma alteração desse elemento teleológico o usufruto tinha
necessariamente de se extinguir.
Não obstante, o CC afastou-se desta orientação, consagrando
uma outra mais aceitável. É que, com efeito, não parece justo que o
proprietário da raiz adquira imediatamente aqueles bens, quando
ainda tenham algum valor, nem que o usufrutuário os perca.
Daí que a lei estatua no nº2 daquele art.1478º CC, que o
usufruto se mantém “…no caso de a coisa se transformar noutra que
ainda tenha valor, embora com finalidade económica distinta”.
Por exemplo, no caso de um automóvel, objecto de um
usufruto, ser reduzido, por sua destruição, a uma amálgama de
sucata, o usufrutuário mantém o seu direito sobre a sucata, só que
agora incide sobre coisa consumível, uma vez que esses resíduos só
poderão ser utilizados para outros fins mediante a sua recuperação,
aplicando-se-lhes, nessa altura, o regime previsto na lei para o
usufruto de coisas consumíveis.
O usufrutuário pode, por isso, consumir a coisa ou aliená-la,
constituindo-se na obrigação de, no termo do seu usufruto, restituir
coisa do mesmo género e espécie ou o seu valor.

Resulta também de uma aplicação destes princípios o regime


previsto para a destruição de edifícios objecto do usufruto.
Nem outra coisa resulta, aliás, do nº1 do art.1479º CC.
→ Renúncia → Art.1476º nº1 e): “O usufruto extingue-se pela
renúncia.”
Esta renúncia é um mero negócio jurídico unilateral, que não
requer, nos termos do nº2 do art.1476º CC, aceitação do
proprietário.

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Direito das Coisas FDUP

→ Mau uso → Art.1482º CC: “O usufruto não se extingue, ainda


que o usufrutuário faça mau uso da coisa usufruída; mas, se o abuso
se tornar consideravelmente prejudicial ao proprietário, pode este
exigir que a coisa lhe seja entregue … obrigando-se … a pagar
anualmente ao usufrutuário o produto líquido dela, depois de
deduzidas as despesas e o prémio que pela sua administração lhe for
arbitrado.”
Este abuso considerável não extingue, portanto, o usufruto,
mas pode extingui-lo em espécie, uma vez que o proprietário pode
exigir que a coisa lhe seja entregue, pagando, anualmente, a
importância do respectivo rendimento ao usufrutuário.
→ Restituição → Art.1483º CC: “Findo o usufruto, deve o
usufrutuário restituir a coisa ao proprietário, sem prejuízo do disposto
para as coisas consumíveis e salvo o direito de retenção nos casos
em que possa ser invocado.”
Decorre desta disposição que o usufrutuário deve, findo o
usufruto, restituir ao proprietário a coisa usufruída. Exceptua-se a
hipótese de ser uma coisa consumível, em que deve ser prestado o
valor. Igualmente se deve ressalvar o caso de haver lugar ao
exercício do direito de retenção, como garantia de reembolso do
usufrutuário de, v.g., despesas extraordinárias que, nos termos do
art.1473º CC, tenha realizado.

2.2.2. Direitos de Uso e Habitação

O art.1484º nº1 CC apresenta a noção deste direito real. Ele


consiste na “faculdade de se servir de certa coisa alheia e de haver os
respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer
da sua família”, continuando o nº2 dessa disposição que “quando este
direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação”.

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Direito das Coisas FDUP

Este direito abrange não só o usus, mas também o fructus,


embora a sua designação como direito de uso pudesse sugerir uma
limitação do seu âmbito, correspondente à terminologia empregue.
Porém, ele abrange esses poderes de usus e fructus, mas
apenas na medida das necessidades pessoais do seu titular e da
família.
Daí que, se o direito de uso incidir sobre uma casa (estando,
portanto, em causa um direito de habitação), esta não pode ser
arrendada, dado que o direito não engloba os frutos civis dela,
traduzindo-se antes num mero direito de habitar a casa.
O art.1486º CC, procurando definir o critério das medidas de
necessidade, parece ser inconstitucional por violar o art.13º CRP.
Porém, dado que as necessidades da família constituem o
elemento pelo qual se afere o âmbito de exercício do direito de uso
pelo seu titular, importa delimitar o agregado familiar. É esta a
função do art.1487º CC, ao estatuir que “na família do usuário ou do
morador usuário compreendem-se apenas o cônjuge, não separado
judicialmente de pessoas e bens, os filhos solteiros, outros parentes a
quem sejam devidos alimentos e as pessoas que, convivendo com o
respectivo titular, se encontrem ao seu serviço ou ao serviço das
pessoas designadas”. Uma nota fundamental do direito de uso e
habitação é, assim, o de se pautar pelas necessidades pessoais
(carácter intuitus personae do direito real de uso e habitação),
diversamente do que se verifica no domínio do usufruto que concede
uma fruição e um uso global e, em princípio, ilimitado. Aqui, as
necessidades de quem usa e da sua família são limitativas do direito
de uso e habitação.

Diversamente também do que se passa no usufruto em que


este direito pode ser trespassado, onerado, locado, etc., no direito de

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Direito das Coisas FDUP

uso e habitação não existe idêntica possibilidade a favor dos


respectivos titulares, como resulta do art.1488º CC ao estatuir que “o
usuário e o morador usuário não podem trespassar ou locar o seu
direito, nem onerá-lo por qualquer modo”.
Significa este art.1488º CC que o direito de uso e habitação não
admite trespasse ou locação do direito ou a sua oneração por
qualquer modo.
A constituição do direito de uso e habitação e a sua limitação
em função das suas necessidades e da sua família confere-lhe um
carácter intuitus personae ou carácter pessoal, pelo que só pode ser
utilizado por aquele titular e pela sua família. Daí que surjam as
proibições do art.1488º CC, que se aplicam quer à disposição directa
do bem objecto de uso (arrendamento), quer à disposição indirecta
(por exemplo, hipoteca).
É que quando se constitui uma hipoteca, há um crédito que
corre o risco de ser executado, sendo o crédito pago de forma
privilegiada e prevalecendo sobre o direito de habitação, que poderia,
em resultado do incumprimento da obrigação que levou à
constituição da hipoteca, ser alienado em hasta pública e,
consequentemente, ser adquirido por terceiro, que poderia usufruir
da casa como morador usuário, mesmo que o proprietário da casa
não lhe quisesse conferir o direito de habitação. Pelas mesmas
razões, os direitos de uso e habitação não podem ser adquiridos por
usucapião (art.1293º b) CC).

Todo este regime até agora exposto reforça a ideia de que os


direitos de uso e habitação são diminutivos do usufruto. É, aliás, em
conexão com esta sua natureza que o art.1490º CC estatui que “são
aplicados aos direitos de uso e de habitação as disposições que
regulam o usufruto, quando conformes à natureza daqueles direitos”.

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Direito das Coisas FDUP

Exceptuam-se, como é óbvio, aquelas disposições específicas,


especialmente previstas a propósito do direito de uso e habitação,
v.g., as disposições sobre o trespasse, a locação, a oneração da
coisa. Aplicam-se as regras do usufruto que não se revelem
incompatíveis com a natureza do direito real de uso e habitação.
Qual é essa natureza?
Aqui, a natureza do direito de uso e habitação parece ser, no
fundo, a afectação destes direitos à função satisfazer necessidades
pessoais.

Daqui conclui-se que se tem que articular o art.1484º CC com o


art.1439º CC: o direito de uso e habitação é uma faculdade plena e
temporária, na medida das necessidades da família, sem se poder
alterar a forma e a substância. Além disso, também está limitado às
necessidades de quem usa e da sua família.

2.2.3. Direito de Superfície

NOÇÃO:
Direito de superfície (art.1524º CC) → Faculdade de construir
ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno ou
prédio alheio ou de nele fazer ou manter plantações.

O conceito de direito de superfície não abrange só a


possibilidade de construir, mas também o direito de fazer plantações.
Por exemplo, pode-se adquirir por direito de superfície o direito de
plantar um pomar num terreno de outrem. Esta possibilidade não se
verifica em todos os ordenamentos jurídicos, designadamente no
direito italiano.

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Direito das Coisas FDUP

Não obstante o que acabou de ser dito, deverá ter-se ainda em


conta um outro conceito que corresponde a uma outra situação
jurídica diferente do direito de superfície, mas que ainda se lhe
encontra associada. Trata-se do direito de propriedade superficiária.

Direito de propriedade superficiária → Direito de propriedade


sobre a obra ou plantação efectuada em terreno de cultivo ou ainda
em prédio ou edifício alheio.

Direito de superfície e direito de propriedade superficiária são


direitos de natureza diferente: o primeiro é um direito real autónomo
“in re aliena” (sobre coisa de outrem); o segundo – a propriedade da
obra separada do solo – é um direito de propriedade.
Isto é tanto assim que o art.1526º CC diz que “o direito de
construir sobre edifício alheio está sujeito às disposições deste
título...”. Isto significa que o direito de construir sobre prédio alheio é
um direito de superfície.
Porém, na parte final do mesmo preceito diz-se “...levantado o
edifício, são aplicáveis as regras da propriedade horizontal”. Ou seja,
uma vez feita a construção, estamos já perante um direito diferente:
a propriedade horizontal. E o mesmo se diga quando se trata, não de
construir sobre edifício alheio, mas sobre solo alheio.
No fundo, o direito de construir é um direito de superfície e a
construção é uma propriedade que não abrange o solo. São dois
direitos de natureza diferente.

A obra mantida pode ser perpétua ou temporária.

A PROPRIEDADE DO SOLO:
Questão que importa colocar-se a respeito desta matéria é
saber qual o sentido da propriedade do solo. Um indivíduo autoriza

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Direito das Coisas FDUP

outro a construir e fica com a propriedade do solo ou, ainda, vende a


construção e fica apenas com a propriedade do solo. O solo parece
uma propriedade morta. Parece não ter, em princípio, qualquer
significado o ser-se proprietário do solo.
Porém, não é inteiramente assim. O direito de superfície com
este desdobramento é mais uma fórmula, dentro de um espírito de
racionalização, que a lei excogitou e pôs à disposição dos
particulares, para eventualmente darem uma mais adequada
satisfação aos seus interesses, se assim o entenderem.
Os interesses que o proprietário do solo tem em permanecer
com este e em vender só a construção ou em autorizar outrem a
construir, mas ficando com a propriedade sobre o solo para si são
distintos consoante o momento em que se encontra a construção.
→ Antes da construção:
Quando o proprietário faz a concessão continuar a ter interesse
no solo antes da construção, na medida em que o art.1532º CC diz
que “enquanto não se iniciar a construção da obra ou não se fizer a
plantação das árvores, o uso e a fruição da superfície pertencem ao
proprietário do solo...”, portanto, enquanto não se iniciarem as obras
ele continua a fruir o solo.
“...todavia, não pode impedir nem tornar mais onerosa a
construção ou a plantação”, quer dizer, continua a poder fruir e usar,
mas não pode fazer modificações tais que depois torne mais onerosa
a construção ou a plantação. Ele é obrigado a uma abstenção: pode
fruir, pode usar, mas não pode tornar mais onerosa nem impedir a
construção. Não é obrigado, porém, a facilitar a construção, isto é, se
vendeu um terreno que exige despesas de terraplanagens,
nivelamentos, etc., não é ele quem tem de as fazer, mas sim o
superficiário, quando iniciar a construção. A ele é-lhe imposto apenas
uma obrigação de “pati”, ou melhor, uma abstenção, um ter de
suportar a construção que o outro fez.

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Direito das Coisas FDUP

→ Durante a construção:
A terra que for escavada e separada do solo pertence-lhe, pelo
que poderá dar-lhe o uso que entender. Esta terra não pertence ao
superficiário, mas sim ao proprietário do solo. O mesmo se diga de
quaisquer coisas valiosas, quaisquer achados que sejam encontrados
no solo durante a construção.
→ Depois de feita a construção:
O proprietário continua a ter interesse depois da construção,
v.g., o resultante do art.1533º CC, que reserva para o proprietário do
solo a fruição do subsolo, embora não possa causar prejuízos ao
superficiário. Quer isto dizer que o proprietário pode fazer no subsolo
obras que não prejudiquem o superficiário e isto pode ter um
interesse económico, pois ele poderá aproveitar o subsolo e explorá-
lo (por exemplo, para explorar materiais, garagens, parques de
estacionamento, etc.). Continua a pertencer ao proprietário do solo a
fruição do subsolo, embora limitado a fazê-lo em termos de não
prejudicar o superficiário.
Além disso, o direito de superfície pode caducar, quer porque o
indivíduo não construiu (não uso do direito), quer porque,
construindo, a coisa é destruída e então o superficiário tem o poder
de, nos termos do art.1536º nº1 b) CC, reconstruir a obra ou renovar
a plantação. Mas, se não o fizer dentro do prazo estabelecido no
contrato constitutivo da superfície ou, no máximo, dentro de dez
anos, reconstitui-se a plena propriedade do proprietário do solo.
O proprietário tem, desta forma, sempre uma expectativa de
lhe vir a pertencer novamente a plena propriedade.

OBJECTO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE E DO DIREITO DE


PROPRIEDADE SUPERFICIÁRIA:
O objecto do direito de superfície e do direito de propriedade
superficiária vem previsto no art.1525º CC.

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Direito das Coisas FDUP

O direito de propriedade superficiária, que consiste num direito


sobre obra ou plantações já existentes, tem como objecto estas
coisas (a obra ou a plantação já existente).
O direito de superfície, consistindo na construção de uma obra
ou uma plantação sobre solo alheio, estatui o art.1525º nº1 CC, que
o seu objecto é essa obra ou essa plantação, embora possa abranger
uma parte do solo não necessária à sua implantação, desde que
tenha utilidade para o uso da obra.
Consistindo o direito de superfície num direito de construir
sobre edifício alheio, alterando-o ou sobrelevando-o, o objecto é, na
mesma, a obra ou a plantação sobre a qual se vai construir, com a
particularidade de, uma vez feita a construção, se aplicarem as
regras da propriedade horizontal (art.1526º CC).
O art.1525º nº2 CC, a partir de 1991, estatui que “o direito de
superfície pode ter por objecto a construção ou a manutenção de
obra sob solo alheio”.

CONSTITUIÇÃO:
Nos termos do art.1528º CC, o direito de superfície pode
constituir-se por contrato, testamento ou usucapião e pode resultar
da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da
propriedade do solo.
→ Por acto negocial “inter vivos”, gratuito ou oneroso, o dono
do solo confere a outro indivíduo o direito de construir sobre ele.
Quando esse negócio seja oneroso, há uma contraprestação, que
pode ser efectuada de uma só vez ou por uma prestação anual,
temporária ou perpétua, consoante o acordo celebrado pelas partes
(art.1530º CC).
→ Por negócio “mortis causa” pode este direito constituir-se sob
a forma de legado. O testador pode, v.g., deixar o seu terreno a um
legatário e o direito de construir nele a outro legatário.

- 209 -
Direito das Coisas FDUP

→ Por usucapião é necessário distinguir se se trata do direito de


propriedade superficiária ou do direito de superfície.
Uma usucapião do direito de propriedade superficiária é fácil de
compreender. Um indivíduo pode exercer actos de posse sobre uma
casa que já está construída e exercê-los com um animus, não de
pleno proprietário, mas de superficiário, porque, por exemplo, lhe foi
vendida por acto nulo a casa separada do solo. Este indivíduo não
adquiriu a propriedade superficiária, mas passou a possuir a casa
nesses termos e com o respectivo animus. Ao fim de um determinado
número de anos adquire por usucapião o direito de propriedade
superficiária: adquiriu um direito sobre aquela casa separada da
propriedade do solo.
Uma usucapião do direito de superfície é mais complicada de
entender. Como é que se possui o direito de construir? Figuremos,
porém, uma hipótese semelhante à anterior: um indivíduo, por acto
nulo por falta de forma, confere a outrem um direito de construir.
Este outrem não adquire o direito por falta de forma, mas ao fim de
um determinado tempo pode adquiri-lo por usucapião, porque este
acto, nulo por aquele fundamento, se não lhe transferiu um
verdadeiro direito, é todavia um título que mostra ter-se transferido a
posse desse direito. Numa situação deste tipo adquire-se por
usucapião o direito de propriedade superficiária.
→ O direito de superfície pode também constituir-se por
alienação de obra ou árvore já existente, separada da propriedade do
solo.

MOMENTO DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE SUPERFICIÁRIA:


1) Posterior à aquisição do direito de superfície → A
propriedade superficiária é adquirida depois da obra estar
construída, isto é, quando alguém planta ou edifica em
terreno alheio, a aquisição da propriedade superficiária é o

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Direito das Coisas FDUP

efeito natural do exercício do direito de superfície e, desta


forma, como se adquire em virtude deste, é-lhe posterior.
2) Cumulativa com a aquisição do direito de propriedade →
Alguém que tenha uma obra ou plantação num terreno pode
alienar a plantação/obra sem alienar o terreno, havendo
então uma separação jurídica da plantação/obra e surge,
nesses moldes, a constituição do direito de propriedade
superficiária com o direito de manter a propriedade naquele
terreno – direito de superfície. Em primeiro lugar, surge o
direito de propriedade superficiária (direito sobre a obra ou
plantação) e depois o direito de superfície (direito de
construir ou manter a obra ou plantação).

O direito de superfície e o direito de propriedade superficiária


são interdependentes, já que pode existir direito de superfície sem
que exista propriedade superficiária. Todavia, o inverso já não é
possível, isto é, não pode existir propriedade superficiária sem direito
de superfície, já que se este não existisse, não era possível ter acesso
ao objecto.

DIREITOS E DEVERES DO SUPERFICIÁRIO E DO PROPRIETÁRIO


DO SOLO:
Quanto aos direitos e encargos do superficiário e do
proprietário, vimos já que pode haver um contrato constitutivo do
direito de superfície, no qual se convencione a obrigação, a cargo do
superficiário, de pagar uma prestação (art.1530º CC).
O proprietário do solo tem a fruição do solo antes de começar a
obra (art.1532º CC), tem sempre a fruição do subsolo (art.1533º
CC), o direito de receber a contraprestação estipulada (no caso de ela
não ser paga pontualmente pode exigir o seu pagamento em triplo,

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Direito das Coisas FDUP

conforme o art.1530º e 1531º CC) e o direito de preferência na


alienação do direito de superfície nos termos do art.1535º CC.

Assinale-se, todavia, o seguinte. O direito de superfície é, no


fundo, uma excepção à acessão. Esta significa que o proprietário de
uma coisa adquire o direito sobre aquilo que nessa coisa se veio a
incorporar.
O direito de superfície acaba por implicar uma excepção a esse
princípio: um indivíduo tem o direito de construir e, por força dessa
concessão, aquilo que ele constrói não se incorpora na propriedade
do proprietário do solo, mas pertence-lhe a ele.
Daqui advém uma consequência importante: se um terceiro
vem, por exemplo, construir num terreno sobre o qual já há um
direito de superfície, a construção do terceiro pode ser impedida, não
apenas pelo proprietário do solo, mas também pelo superficiário.
Considere-se, ainda, que feita a construção por terceiro e a
aplicar as regras sobre a acessão – na medida em que, segundo elas
(art.1340º e segs. CC) alguém pode fazer sua a coisa, mediante uma
certa indemnização – a pessoa que tem o direito de as invocar para
esse efeito não é o proprietário do solo, mas o superficiário. É este
que tem o direito conferido pelos arts.1340º nº3 e 1341º CC.
A pessoa que tinha o direito de construir sobre aquele prédio é
que pode invocar a acessão para fazer sua, mediante indemnização, a
coisa construída por terceiro no solo relativamente ao qual só ele
poderia construir.
A acessão pode funcionar, não a favor do proprietário do solo,
mas a favor do superficiário, para adquirir a coisa construída por
terceiro.

EXTINÇÃO:
O direito de superfície extingue-se nos termos do art.1536º CC.

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Direito das Coisas FDUP

Há, desde logo, casos de caducidade. São as hipóteses das


alíneas a), b) e c) do nº1 daquele artigo:
a) → “Se o superficiário não concluir a obra ou não fizer a
plantação dentro do prazo fixado ou, na falta de fixação, dentro do
prazo de 10 anos”, caduca o seu direito;
b) → “Se destruída a obra ou árvores, o superficiário não
reconstruir a obra ou não renovar a plantação dentro dos mesmos
prazos a contar da destruição”;
c) → “Pelo decurso do prazo, sendo constituído por certo
tempo”. Significa isto que quando há uma constituição de um direito
de superfície temporária, passado esse tempo ele caduca e a
consequência da caducidade é a reaquisição da plenitude da
propriedade pelo proprietário do solo (esta aquisição é restitutiva e
reflecte a elasticidade do direito de propriedade).
Pode ainda extinguir-se, nos termos da alínea d), pela reunião
na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade
sobre o solo. Essa reunião pode dar-se por força de contrato
(venderam um ao outro o seu direito) ou por confusão (um é herdeiro
do outro).
Nos termos da alínea e), pode extinguir-se por
desaparecimento ou inutilização do solo ou, nos termos da alínea f),
por expropriação por utilidade pública.

Um outro ponto a focar é a possibilidade de o superficiário,


obrigado a pagar prestações anuais, ficar liberto desse encargo, se
durante vinte anos deixou de as pagar (art.1537º CC). A falta de
pagamento durante esse tempo, perante a inércia do proprietário do
solo, liberta-o da obrigação de pagar, mas ele não adquire a
propriedade do solo. Ele fica apenas liberto de pagar as prestações.
Continua a ter apenas um direito de superfície, mas agora sem a
obrigação de pagar a contraprestação. A libertação do encargo de

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Direito das Coisas FDUP

pagar as prestações anuais não significa que o superficiário fique a


ter mais que o direito de superfície e fique a ter o direito de
propriedade sobre o solo.

CRÍTICA AO REGIME DO CC RELATIVO AO DIREITO DE


SUPERFÍCIE:
 O art.1531º CC faz referência ao art.1505º e 1506º CC,
que já não existem.
 O CC privilegia o dono da propriedade em detrimento do
superficiário (privilegia o dono do solo em detrimento do
proprietário superficiário):
o Art.1538 nº2 CC: o superficiário não é beneficiado
com base nas despesas que efectuou, mas com
base no enriquecimento sem causa e a
indemnização que se obtém por esta via é, em
regra, menor.
o Art.1535º CC: direito de preferência do proprietário
do solo. Idêntica preferência não está prevista para
o proprietário superficiário, o que o impede de
assegurar o proveito da obra realizada em terreno
alheio.
 A propriedade superficiária pode ser temporária ou
perpétua. Se for perpétua é um incentivo absentista e é
anti-económica, porque o proprietário do solo não
adquirirá o solo e, por isso, cada um não tem interesse
em dinamizar a sua parte.

2.2.4. Servidões Prediais

NOÇÃO:

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Direito das Coisas FDUP

Um direito de servidão é um direito real com o conteúdo de


possibilitar o gozo de certas utilidades de um prédio em benefício de
outro prédio.
Quer isto dizer que as utilidades, cujo gozo o direito de servidão
propicia, devem ser utilidades susceptíveis de serem gozadas por
intermédio de outro prédio – o prédio dominante.
Não basta, assim, verificar-se a mera existência de uma
vantagem, benefício ou utilidade para o titular da servidão
individualmente determinado. É necessário que haja um proveito
objectivamente ligado a outro prédio.
O titular da servidão não tem o poder de colher utilidades,
vantagens ou benefícios, individualmente considerados, mas na
qualidade de sujeito de outro prédio e na medida do objectivamente
postulado para o proveito do prédio.
Isto porque o nosso direito não acolhe as servidões pessoais.
A definição legal do direito de servidão predial, coincidente com
o que acaba de ser dito, consta do art.1543º CC: ”servidão predial é
o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio
pertencente a dono diferente, em função de uma utilidade; diz-se
serviente o prédio sujeito à servidão; dominante, o que dela
beneficia”.
Desta definição legal pode inferir-se que tanto o sujeito activo
como o passivo da relação jurídico-real de servidão são os prédios – o
dominante e o serviente – o que é obviamente absurdo. Sujeitos são,
sim, as pessoas.
Desta ideia – do dizer-se que há um encargo imposto a um
prédio em benefício de um outro – resulta vincar-se melhor a nota de
as utilidades serem proporcionadas por um prédio (o serviente) em
proveito objectivo um outro prédio (o dominante). Elas traduzem-se,
assim, numa vantagem atribuída ao prédio dominante, numa ligação
objectiva de proveito.

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Direito das Coisas FDUP

Esta ideia é reforçada pelo art.1544º CC ao estatuir que


“podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que
futuras ou eventuais, susceptíveis de serem gozadas por intermédio
do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor”.
Neste sentido, a servidão predial consubstancia uma relação de
serviço entre dois prédios, pertencentes a dois donos diferentes. Não
se trata de vantagens ou utilidades atribuídas ao titular
individualmente considerado, mas de um proveito objectivamente
ligado ao prédio dominante.
De acordo com a noção apresentada, a servidão é um direito
real sobre coisa alheia a que acresce, ainda, o ser autónoma, sui
generis e não resultar de um parcelamento da propriedade. É um
direito real sobre coisa alheia, sobre o prédio de outrem.
O titular da servidão não pode, por isso, ser considerado como
parcial proprietário do prédio serviente, mas, sendo este de outrem,
deve ser tomado como detendo apenas um direito real sobre coisa
alheia.

Posto o que foi dito, realce-se que o que caracteriza este direito
real é a predialidade. O nosso direito não acolhe servidões pessoais.

A servidão, enquanto aproveitamento das utilidades de um
prédio serviente, pode ser determinada em função das necessidades
económico-subjectivas do prédio dominante e não tendo em conta as
necessidades pessoais dos titulares. Só as necessidades que o titular
retira do prédio é que relevam, só essas é que são obectivo-
económicas. A medida da predialidade é fixada pelas necessidades
económicas decorrentes da exploração económica do prédio.

CARACTERÍSTICAS DAS SERVIDÕES:

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Direito das Coisas FDUP

→ Inseparabilidade → Art.1545º nº1 CC: ”Salvas as excepções


previstas na lei, as servidões não podem ser separadas dos prédios a
que pertençam, activa ou passivamente.”
Art.1545º nº2 CC: “A afectação das utilidades próprias da
servidão a outros prédios importa sempre a constituição de uma
servidão nova e a extinção da antiga.”
Destas disposições decorre explicitamente que a servidão está
ligada ao prédio dominante. Não podem ser separadas do prédio
dominante (inseparabilidade activa) nem podem ser separadas do
prédio serviente (inseparabilidade passiva).
Esta característica da inseparabilidade surge assim como um
corolário do princípio de que as utilidades do prédio serviente devem
ser gozadas através do prédio dominante.
O facto de as servidões não poderem ser separadas dos prédios
a que respeitam não implica, todavia, que as utilidades que formam o
objecto da servidão sejam insusceptíveis de separação. É que pode,
de facto, ocorrer uma servidão que tenha como objecto utilidades
que, em geral, são susceptíveis de separação. Simplesmente, só
surge a servidão se, na hipótese concreta, essas utilidades só
puderem ser gozadas por intermédio do prédio dominante e na
medida das necessidades deste, ainda que, em abstracto, sejam
susceptíveis de separação.
→ Indivisibilidade → Art.1546º CC: “As servidões são
indivisíveis: se o prédio serviente for dividido entre vários donos,
cada porção fica sujeita à parte da servidão que lhe cabia; se for
dividido o prédio dominante, tem cada consorte o direito de usar da
servidão sem alteração nem mudança.”
Decorre desta disposição legal que a divisão de um prédio não
importa a multiplicação de servidões. Existindo uma determinada
servidão, se qualquer um dos prédios for objecto de divisão, para
efeitos de manutenção da servidão, tudo se passa como se não

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Direito das Coisas FDUP

tivesse havido divisão. A divisão de qualquer um dos prédios não


atribui à parcela constituída direitos mais amplos, nem atribui
encargos que antes não tinha → princípio da não modificabilidade da
servidão anteriormente constituída.
Por exemplo, se há um prédio que beneficia de uma servidão de
passagem através de um outro prédio e este é fraccionado, v.g., em
duas metades, só a que é objecto da passagem permanece onerada
com a servidão. Não há, portanto, uma multiplicação da servidão. Ou
seja, o facto de a outra metade fazer parte do prédio globalmente
onerado não implica que, após o fraccionamento deste, surjam duas
servidões. Isto porque cada fracção fica apenas sujeita à parte da
servidão que lhe cabia. Logo, a metade que não era objecto de
passagem deixa, pela divisão do prédio, de ficar onerada.
Isto é, também, como facilmente se depreende, uma expressão
da aderência da servidão ao prédio.
→ Atipicidade → Pode ser constituída uma servidão em função
de qualquer utilidade, ainda que futura ou eventual.
Diga-se aqui não ser necessário, para surgir uma servidão, que
esta venha atribuir vantagens económicas ao prédio dominante. Pode
tratar-se de vantagens de mera comodidade. Será o caso, por
exemplo, de uma servidão de vistas ou de não edificação, contratada
com o fim exclusivo de tornar mais ameno, mais aprazível o prédio
dominante. A pessoa pode ter interesse numa vista para o mar ou
para uma outra paisagem, sem que isso corresponda a um valor
económico e sem que a ausência deste obste à constituição da
servidão.
→ Ligação objectiva da servidão → Não há servidões pessoais.
As servidões têm sempre que incidir sobre um prédio em benefício de
outro. Assim, se se estipular a constituição da fruição de utilidades
em benefício pessoal e não por intermédio de um prédio dominante,

- 218 -
Direito das Coisas FDUP

isto só pode ter sentido obrigacional, como será o caso, em geral, de


um direito de passear em prédio alheio.
Daí decorre que, se o indivíduo sobre cujo prédio se constitui o
direito de passear o alienar, o novo proprietário não se encontra
adstrito à obrigação de tolerar sobre este seu prédio os passeios do
credor do direito de passear, visto que se trata de um direito de
crédito. Isto sem prejuízo de este (o credor) poder exigir depois ao
alienante (devedor) uma indemnização pela não realização integral
do seu crédito, no caso de o prédio em questão ter sido alienado
antes do termo do prazo pelo qual a obrigação se constituíra.

CONSTITUIÇÃO:
Art.1547º nº1 CC: “As servidões prediais podem ser
constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do
pai de família.” Nº2: “As servidões legais, na falta de constituição
voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por
decisão administrativa, conforme os casos.”
→ Contrato → As servidões podem constituir-se por acordo
voluntário das partes.
→ Testamento → As servidões pode, também, constituir-se por
testamento. Será o caso de um indivíduo legar um prédio a alguém,
mas onerando o imóvel com uma servidão a favor de outrem.
→ Usucapião → As servidões podem, também, constituir-se por
usucapião, embora só sejam susceptíveis deste modo de aquisição as
chamadas servidões aparentes.
As servidões não aparentes não podem constituir-se por
usucapião (arts.1548º nº1 e 1293º a) CC). O art.1548º nº2 CC
define-as ao estatuir que “consideram-se não aparentes as servidões
que não se revelam por sinais visíveis e permanentes”.
As razões de ser deste regime é que as servidões não
aparentes, não se revelando por sinais visíveis, confundem-se muitas

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Direito das Coisas FDUP

vezes com actos de mera tolerância do proprietário do prédio


serviente.
Por outro lado, na medida em que não há sinais visíveis ou
permanentes, podem as servidões estar a ser exercidas na ignorância
do dono do prédio serviente.
Daí que o legislador só admita a usucapião de servidões que se
revelem por sinais visíveis e permanentes. É o caso, v.g., da servidão
de vistas: abriu-se uma janela numa parede que está no limite de um
prédio. Há aqui um sinal visível e permanente – a janela – podendo,
portanto, adquirir-se uma servidão por usucapião.
→ Destinação do pai de família → Estatui o art.1549º CC a este
propósito que “se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas
fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e
permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de
um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da
servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas
fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo
da separação outra coisa se houver declarado no respectivo
documento”.
Prevê-se, nesta disposição legal, a hipótese de um indivíduo ser
proprietário de um só prédio ou de dois prédios e aí haver marcas
visíveis de que um deles fornecia serventia para o outro.
Ora, se esses dois prédios forem vendidos a donos diferentes e,
no momento da transmissão se constatar a existência desses sinais,
sem que o contrário tenha sido declarado no documento de
transmissão, entende-se que se constituiu uma servidão por
destinação do pai de família.
Na base desta figura encontra-se uma presunção de acordo
tácito – uma presunção de intenções imputáveis tanto ao alienante
como ao adquirente.

- 220 -
Direito das Coisas FDUP

Para ocorrer a constituição de uma servidão por destinação do


pai de família é, assim, necessária a existência de sinais visíveis e
permanentes, não apresentando relevância o facto de estes terem
sido produzidos no prédio pelo proprietário antecedente ou por outro
ainda anterior a este, ou ainda por um usufrutuário ou locatário.
Releva, assim, a existência, no momento da transmissão,
desses sinais, nada tendo sido dito em contrário no documento de
transmissão. Tanto basta para a lei presumir que tanto a pessoa que
comprou como a que alienou quiseram constituir uma servidão.
→ Sentença judicial → Diferentemente do que acontecia com os
modos de constituição até agora apontados, há certas hipóteses em
que a lei prevê a possibilidade de um indivíduo, mediante o exercício
de um direito potestativo, contra a vontade do titular, impor a
constituição de uma servidão, falando-se, nestes casos, em servidão
legal.
Servidão legal é o direito potestativo de constituir
coercivamente uma servidão sobre prédio alheio mediante o
pagamento de uma indemnização.
Várias hipóteses são tipificadas na lei:
a) Servidões legais de passagem:
 Servidão legal de passagem a favor de prédio
encravado:
Pode constituir-se, como aliás já se viu, uma servidão
de passagem de carácter voluntário (resultante de
acordo entre as partes). Porém, configurando-se a
hipótese de um prédio encravado, a lei concede ao
titular deste o poder de constituir coercivamente a
servidão.
A esta servidão referem-se os arts.1550º e segs. CC,
estatuindo a primeira disposição no seu nº1 que “os
proprietários de prédios que não tenham comunicação

- 221 -
Direito das Coisas FDUP

com a via pública … têm a faculdade de exigir a


constituição de servidões de passagem sobre os
prédios rústicos vizinhos”, acrescentando o nº2 do
mesmo preceito que “de igual faculdade goza o
proprietário que tenha comunicação insuficiente com a
via pública, por terreno seu ou alheio”.
 Servidão legal de passagem para o aproveitamento de
águas:
A esta servidão refere-se-lhe o art.1556º CC ao
estatuir no seu nº1 que “quando para seus gastos
domésticos os proprietários não tenham acesso às
fontes, poços e reservatórios públicos destinados a
esse uso, bem como às correntes de domínio público,
podem ser constituídas servidões de passagem nos
termos aplicáveis dos artigos anteriores”.
b) Servidões legais de água:
 Art.1557º nº1 CC: aproveitamento de águas para
gastos domésticos.
 Art.1558º CC: aproveitamento de águas para fins
agrícolas.
 Art.1559º CC: servidão legal de presa → decorre
daquela disposição que os proprietários e os donos de
estabelecimento industriais que tenham direito ao uso
de águas particulares existentes em prédio alheio
podem represar, estancar as águas, podendo impor ao
prédio alheio que se encontra do outro lado da
corrente que nele se façam as obras necessárias à
construção de uma represa, por forma ao
aproveitamento das águas.
 Art.1560º CC: servidão legal de presa, no caso
particular do aproveitamento de águas públicas.

- 222 -
Direito das Coisas FDUP

 Art.1561º CC: servidão legal de aqueduto → estatui o


nº1 daquele artigo que “em proveito da agricultura ou
da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é
permitido encarnar, subterraneamente ou a
descoberto, as águas particulares a que tenham
direito, através de prédios rústicos alheios…”.
 Art.1562º CC: servidão legal de aqueduto no caso
específico de aproveitamento de águas públicas.
 Art.1563º CC: servidão legal de escoamento → traduz-
se no direito que a lei atribui a um indivíduo de, em
certas circunstâncias, obter que, através de prédio
alheio, se possa fazer o escoamento das águas que
sobejam do aproveitamento do seu prédio.

A estas servidões legais que acabaram de ser descritas opõem-


se as servidões voluntárias, que são aquelas que não correspondem
às hipóteses às quais a lei atribui o poder de produzir unilateralmente
a sua constituição. São, pois, as servidões referidas inicialmente,
como resultando da vontade das partes, quer por efeito do contrato,
quer do testamento, quer ainda por usucapião ou destinação do pai
de família, sem existir preceito legal que as imponha.
As servidões legais podem constituir-se, como se disse, por
sentença judicial.
Assim, por exemplo, um indivíduo que pretenda adquirir a
titularidade, v.g., de uma servidão de aqueduto (art.1561º CC), pode
chegar a acordo com o dono do prédio sobre o qual aquela virá a
incidir. Mas, se esta solução, que é preferível por evitar demandas, se
não vier a verificar, então, pode esse indivíduo obter sentença judicial
que venha constituir a servidão pretendida.
Note-se, todavia, que alguns casos de servidões legais de
águas, ligadas a concessões de águas públicas, em vez de sentença

- 223 -
Direito das Coisas FDUP

judicial, podem ser constituídas por decisão administrativa. Neste


caso, a servidão é constituída não por força de uma sentença
proferida pelos tribunais, mas por uma decisão dos órgãos
administrativos competentes.

MODALIDADES:
Quanto ao título constitutivo:
→ Legais → Art.1547º nº2 CC: direito potestativo de
constituição coactiva de uma servidão sobre prédio alheio,
mediante pagamento de uma indemnização ao titular deste.
Encontram-se taxativamente previstas na lei. Podem ser
constituídas contra a vontade do titular, isto é,
potestativamente, nomeadamente através de sentença
judicial.
→ Voluntárias → Art.1547º nº1 CC: constituídas por contrato.
Resulta da vontade das partes, sem que exista preceito legal
que a imponha.

Quanto à aparência:
→ Aparentes
→ Não aparentes

Quanto ao conteúdo:
→ Positivas → Traduzem-se na permissão da prática de actos
sobre o prédio serviente. Por exemplo, servidão de
passagem.
→ Negativas → Impõem uma abstenção ao dono do prédio
serviente. Por exemplo, servidão de vistas ou servidão de
estilicídio.
→ Desvinculativas → Propostas por Oliveira Ascensão. O
conteúdo destas servidões é o de libertarem o prédio

- 224 -
Direito das Coisas FDUP

dominante de uma restrição legal. Implicam para o dono do


prédio serviente a desvinculação da obrigação que recaia
sobre esse prédio serviente. Por exemplo: referimos a
existência de certas restrições à propriedade, derivadas de
relações de vizinhança como é o caso, v.g., da proibição de
emissão de fumos sobre prédio alheio. Figure-se agora que,
por acordo, o dono de um prédio onde se vai proceder a
uma determinada instalação, convenciona que o prédio
vizinho tolera a emissão de fumos para este, fumos
provenientes do primeiro prédio. Estamos aqui em face de
uma servidão desvinculativa, isto porque o prédio dominante
é, nesta hipótese, desvinculado de certas restrições legais a
que estava sujeito.

EXERCÍCIO:
O exercício das servidões vem regulado nos arts.1564º e segs.
CC.
A regra geral sobre esta matéria pode enunciar-se dizendo que
as servidões têm a actuação e o modo de exercício definido no título
constitutivo. É, portanto, o título constitutivo que determinará a
extensão e o exercício da servidão respectiva (art.1564º CC).
Se o título não for claro ou for insuficiente aplica-se o art.1565º
CC, que estatui no seu nº1 que “o direito de servidão compreende
tudo o que é necessário para o seu uso e conservação”. No fundo,
verificando-se esta circunstância da falta de clareza do título, há uma
ideia de realizar o equilíbrio de interesses entre o dono do prédio
dominante e do prédio serviente.
Configure-se agora, a título de exemplo, uma hipótese de
constituição de uma servidão de passagem, cujo título não é
suficientemente claro.

- 225 -
Direito das Coisas FDUP

A lei entende que este direito de servidão engloba tudo o que é


necessário para o seu uso e conservação, mas, não se encontrando a
extensão e o modo de exercício deste direito real claramente definido
no título constitutivo, vem a lei regulá-los, por forma a prosseguir a
satisfação do duplo interesse em causa – o do dono do prédio
dominante e o dono do prédio serviente.
Nem outra justificação sugere o nº2 do art.1565º CC ao estatuir
que “no caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício,
entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as
necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor
prejuízo para o prédio serviente”.
Daí decorre que, por exemplo, sendo necessário fazerem-se
obras no prédio serviente, para possibilitar a passagem para o prédio
dominante, essas possam realizar-se, nos termos do art.1565º CC,
mas limitadas pelo agravamento da onerosidade da servidão – as
obras não podem tornar a servidão mais gravosa (art.1566º nº1 CC).
Além disso, essas obras deverão ser realizadas no tempo e pela
forma mais conveniente para o prédio onerado (art.1566º nº2 CC).
Estas soluções traduzem, sem dúvida, essa preocupação de
equilíbrio de interesses que a lei pretende prosseguir nestas
disposições legais.
Os encargos das obras realizadas recaem sobre o beneficiado,
ou seja, o titular do prédio dominante (art.1567º nº1 CC).
Sendo vários os prédios dominantes, os encargos serão
repartidos por todos na proporção da parte que tiverem nas
vantagens da servidão, podendo, porém, qualquer um deles eximir-
se, caso o deseje, mediante a renúncia à servidão (art.1567º nº2
CC).
É esta uma solução justa, na medida em que a recusa de um
dos titulares de um dos prédios dominantes em comparticipar nas
despesas necessárias à constituição da passagem vai repercutir-se

- 226 -
Direito das Coisas FDUP

nos restantes titulares, onerando os seus encargos. Então é


admissível a aquisição por estes da parte da servidão que competia
àquele titular, sem que isto, como se vê, agrave a posição do prédio
serviente.
Acrescente-se que, se o titular do prédio serviente auferir
benefícios com a servidão, também ele terá de contribuir para as
despesas realizadas com as obras (art. 1567º nº3 e 4 CC).

MUDANÇA:
À mudança da servidão refere-se o art.1568º CC, que estatui
no seu nº1 que “o proprietário do prédio serviente não pode estorvar
o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela
para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio,
se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do
proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa”.
Há aqui a mesma ideia de conciliação de interesses, pois se o
proprietário de um prédio serviente tem conveniência em mudar uma
servidão, v.g., de passagem, sem isso prejudicar os interesses do
proprietário do prédio dominante, é-lhe lícito fazê-lo, desde que o
faça à sua custa.
Em obediência a esta ideia, a lei permite igualmente ao
proprietário do prédio dominante que, às suas custas, faça a
mudança da servidão, se tal lhe for conveniente e não prejudicar o
proprietário do prédio serviente (art.1568º nº2 CC).

EXTINÇÃO:
Os casos de extinção das servidões vêm previstos no art.1569º
CC.
→ Confusão → Art.1569º nº1 a) CC: “As servidões extinguem-
se pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio
da mesma pessoa”. É um caso de confusão, porque ambos os prédios

- 227 -
Direito das Coisas FDUP

– dominante e serviente – passam a pertencer ao mesmo


proprietário. Tal reunião implica, necessariamente, a extinção da
servidão. Isto porque não pode haver servidão fora da sua imposição
a um prédio a favor de outro, pertença de um proprietário diferente
(uma coisa própria não pode estar onerada a favor de outra coisa
própria).
→ Não uso → Art.1569º nº1 b) CC: “As servidões extinguem-se
pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo”.
O fundamento desta causa extintiva é a atitude hostil com que
se tratam os direitos reais limitados que não estejam a desempenhar
uma função socialmente útil. É esta uma expressão da ideia de que
só devem ser impostos encargos, se existirem necessidades que os
justifiquem. Ora, o não uso vem precisamente mostrar que a coisa
não está a ser necessária, daí que seja mais conveniente pôr termo à
servidão. Não interessa manter um encargo num prédio, quando esse
encargo não está a ser gozado por outro.
Note-se que este não uso não coincide com a usucapião. Ele
conserva a sua autonomia em face desta. Sabe-se que a não
exigência de um crédito por um certo lapso de tempo acarreta a
extinção deste. Aqui, na extinção das servidões por não uso, passa-se
algo de semelhante, mas com uma particularidade: é que a este
fundamento de extinção não se aplica o regime da usucapião,
nomeadamente, as causas de suspensão e interrupção que a lei
consagra nos arts.318º e 327º e segs. CC para a usucapião.
O que interessa, em face do art.1569º nº1 b) CC, é o facto
objectivo de não haver exercício da servidão durante vinte anos.
Preste-se atenção também ao art.1572º CC. Significa esta
disposição que, se a servidão for exercida parcialmente, não deixa,
apesar de o exercício ser apenas parcial, de se considerar exercida.
→ Usucapio libertatis → Art.1569º nº1 c) CC: “As servidões
extinguem-se pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio”.

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Direito das Coisas FDUP

A esta hipótese refere-se igualmente o art.1574º CC, que, no


seu nº1, estatui que “a aquisição, por usucapião, da liberdade do
prédio só pode dar-se quando haja, por parte do proprietário do
prédio serviente, oposição ao exercício da servidão”.
Assim, se o dono do prédio serviente se opôs ao exercício da
servidão, v.g., impedindo, em dado momento, uma servidão de
passagem, com a colocação de uma cancela que obste à passagem.
Se o dono do prédio dominante durante vinte anos não força a
passagem ou não a vem reclamar judicialmente, a servidão extingue-
se por usucapio libertatis.
Trata-se, grosso modo, de uma aquisição, por usucapião, por
parte do proprietário da parte do conteúdo do seu direito de que
estava privado pelo facto de existir uma servidão. Em consequência
desta aquisição restitutiva, extingue-se a servidão.
→ Renúncia e decurso do prazo → Art.1569º nº1 d) e e) CC
→ Desnecessidade → As servidões constituídas por usucapião
podem extinguir-se por desnecessidade (art.1569º nº2 CC).
No caso, por exemplo, da constituição de uma servidão de
passagem por usucapião, a requerimento do proprietário do prédio
serviente, esta servidão pode extinguir-se, desde que se mostre
desnecessária ao prédio dominante, designadamente, se o dono do
prédio passar a dispor de uma ligação com a via pública.
As servidões constituídas por usucapião extinguem-se,
portanto, se forem desnecessárias, a requerimento do onerado com
elas, aplicando-se idêntico regime às servidões legais (art.1569º nº3
CC).
Pode parecer que a ratio desta norma é a de que não deve
haver encargos sobre um prédio a favor de outro, a não ser que
sejam necessárias. Porém, a ser assim, teria que se abranger aqui
não só as servidões constituídas por usucapião e as servidões legais,
mas também as servidões voluntárias.

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Direito das Coisas FDUP

Porém, as situações não são análogas. É que, resultando as


servidões voluntárias de um acordo, este deve ser respeitado,
acrescendo ainda que será difícil determinar-se quais as necessidades
exactas que se pretenderam satisfazer com a constituição da
servidão. Ora, se a lei permite que por acordo se possam criar
quaisquer servidões, seja qual for a sua necessidade/utilidade, não se
compreende que elas se extingam, por se tornarem desnecessárias.
De outro modo, uma servidão que não fosse necessária, não se
poderia constituir, mesmo por acordo, pois poderia terminar logo no
momento seguinte. Daí que as servidões voluntárias não possam
estar sujeitas a esse regime de extinção. Esta só se compreende para
as servidões legais, em que a lei sancionou a possibilidade de se
constituírem por haver necessidade nesse sentido, e para as
servidões adquiridas por usucapião, porque aí também não se
verificou um facto voluntário na sua constituição.
Em suma, as servidões voluntárias que têm por base um facto
voluntário, permitindo a lei que se constituam mesmo quando não
são estritamente necessárias, não podem extinguir-se por
desnecessidade, porque, então, nem se poderiam constituir.
→ Remição → Está em causa a remição judicial de algumas
servidões de águas referida no art.1569º nº4 CC. Esta disposição
regula os termos em que as servidões de aproveitamento de águas
para gastos domésticos (art.1557º CC) e de aproveitamento de águas
para fins agrícolas (art.1558º CC) se podem extinguir por remição
judicial, desde que o dono da água prove que quer fazer dela um
uso/aproveitamento justificado. Pode fazer esse aproveitamento,
tendo, porém, de restituir, no todo ou em parte, a indemnização
recebida.
A remição não pode, todavia, ser exigida antes de decorridos
dez anos sobre a constituição da servidão.

- 230 -
Direito das Coisas FDUP

(OUTRAS SERVIDÕES LEGAIS:


→ De estilicídio → Direito a escoar a água das chuvas para
prédio vizinho (art.1365º CC).
→ De vistas → Direito a não ver construído um edifício, janelas,
portas, etc., que deitem directamente sob o prédio vizinho
sem que deixe um intervalo de um metro e meio.)

2.2.5. Direito Real de Habitação Periódica

NOÇÃO:
O direito real de habitação periódica aparece regulado no
decreto-lei 275/93, de 5 de Agosto. Ele, habitualmente também é
designado de “time-sharing”.
Ele pretende responder a necessidades turísticas, que se
traduzem no interesse de utilizar locais de residência durante um
curto período do ano.
É um direito real limitado de gozo que confere ao respectivo
titular o poder de habitar uma unidade de alojamento integrada num
prédio alheio (art.1º), destinado a fins turísticos durante um certo
período de tempo.

O conteúdo deste direito real consta do art.21º, segundo o


titular de um direito real de habitação periódica tem o direito de
habitar durante um certo período em cada ano civil uma unidade de
alojamento integrada num certo tipo de edifícios que tenha a
definição legal do art.1.

De acordo com o art.4º nº1 a), a exploração de um


empreendimento no regime do direito real de habitação periódica

- 231 -
Direito das Coisas FDUP

requer que haja uma individualidade e autonomia de cada unidade de


alojamento.

DURAÇÃO (art.3º):
O direito real de habitação periódica é, na falta de indicação em
contrário, perpétuo, mas pode ser-lhe fixado um limite de duração
(ele pode ser temporário), que não pode ser nunca inferior a 15 anos
a contar da escritura pública que constitua o direito real (art.6º),
excepto se o empreendimento estiver ainda em construção, situação
na qual o prazo começará a contar a partir da data de abertura ao
público do empreendimento turístico (art.3º nº1).
Sem prejuízo do que acaba de ser dito, o direito real de
habitação periódica cumpre-se em períodos de tempo, que são
fixados em cada ano e que podem variar entre o mínimo de 7 dias
seguidos e o máximo de 30 dias seguidos (art.3º nº2). Relativamente
a este aspecto, atente-se no nº3 e no nº4 deste art.3º, que
estabelecem que os períodos de tempo devem ter todos a mesma
duração e que o último período de tempo de cada ano pode terminar
no ano civil subsequente ao seu início.
O título constitutivo deve mencionar o início e o termo de cada
período de tempo dos direitos (art.5º nº2 p)).

CONSTITUIÇÃO (art.6º):
O direito real de habitação periódica é constituído por escritura
pública (art.6º nº1) e sujeito a inscrição no registo predial (art.8º nº1
– este registo é constitutivo), que emite um título constitutivo deste
direito real.
Este título constitutivo que é emitido pelo registo predial é o
certificado predial, que é regulado nos arts.10º e segs.

- 232 -
Direito das Coisas FDUP

Ora, diz logo o nº1 deste art.10º, que é o certificado predial


que titula o direito real aqui em causa e que legitima a sua
transmissão ou oneração.

TRANSMISSÃO:
Como se disse supra, sobre a sua constituição, o direito real de
habitação periódica está incorporado num título constitutivo, o
certificado predial.
O regime de transmissão deste título (do certificado predial)
equipara-se ao regime de transmissão dos títulos de crédito (ex.
letras de câmbio, livranças, cheques, etc.). Isto significa que a sua
transmissão se faz por endosso bilateral, donde se conclui que, para
efeitos de transmissão e oneração, este direito real de habitação
periódica é tratado como coisa móvel (art.12º). E isto é assim, não
obstante ele ser considerado uma coisa imóvel nos termos do
art.204º nº1 d) CC.
A transmissão e a oneração do direito real de habitação
periódica está sujeita a registo nos termos gerais (art.12º nº1 in
fine). O registo, para este efeito, não é constitutivo, mas somente
declarativo.

3. Direitos Reais de Garantia

3.1. Consignação de Rendimentos


3.2. Penhor
3.3. Hipoteca
3.4. Privilégios Creditórios
3.5. Direito de Retenção

3.1. Consignação de rendimentos

- 233 -
Direito das Coisas FDUP

Art.656º/1 e 2 CC
A consignação de rendimentos é diferente dos outros direitos
reais de garantia porque pode visar o cumprimento da obrigação e
não serve apenas de garantia, isto é, é uma forma de garantia e
cumprimento da obrigação – art.659º e 661º/2. Também se distingue
dos outros direitos reais de garantia porque pode usar o cumprimento
da obrigação e dos juros, ou só o cumprimento da obrigação ou só o
cumprimento dos juros – art.656º/2. O que serve de garantia são os
rendimentos que ficam consignados ao credor e não os bens em si.

Forma
Art.660º/1 “…”;
Art.660º/2 “…” – registo meramente declarativo e não
constitutivo;

Modalidades – art.658º
Voluntária ou judicial. O art.665º faz uma série de remissões
sendo de salientar o art.694º – Pacto Comissário.

3.2. Penhor

Art.666º CC
Art.666º nº1 – o penhor só pode incidir sobre coisas móveis ou
créditos e outros direitos insusceptíveis de hipoteca.
Excluem-se do penhor:
 Móveis sujeitos a registo porque podem ser hipotecados;
 Universalidade, porque a coisa tem de ser certa;
 Coisas acessórias, porque o penhor da coisa principal não
as abrange, salvo convenção em contrário – art.210º/2.

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Direito das Coisas FDUP

O penhor só pode ser constituído por fonte convencional. O


art.669º/1 estabelece que “…”. A declaração que visa o penhor não é
suficiente para a constituição do penhor, devendo ser acompanhada
da entrega da coisa ao credor ou terceiro ou da entrega de um
documento que confira a exclusiva disponibilidade da coisa ao credor
ou terceiro.
O nº 2 estabelece que a atribuição da composse é suficiente,
desde que o devedor fique privado de dispor materialmente do bem,
já que se visa garantir que o credor não fique privado do objecto.
Sem o desapossamento do devedor não há constituição válida do
penhor. Há muitos diplomas que admitem a constituição do penhor
sem desapossamento, mas e só nesses casos específicos. Também no
penhor há uma remissão para o art.694º.
Art.679º “…” – penhor de direitos; o objecto do penhor é um
direito; só é possível ser objecto de penhor de direitos os direitos que
tenham por objecto coisas móveis e sejam susceptíveis de
transmissão – art.680º.

Forma de Constituição do penhor de direito – art.681º


Aplicam-se as regras dos direitos empenhados, mas há que ter
em conta o nº 2 “…”. Quando se trate de um penhor de créditos só é
válido se for comunicado ao devedor do crédito ou se for aceite pelo
devedor, independentemente da notificação.

3.3. Hipoteca

Art.686º CC

- 235 -
Direito das Coisas FDUP

Incide sobre imóveis e coisas móveis sujeitas a registo e pode


também incidir sobre direitos – art.688º/1, c), d) e e) quanto aos
direitos.
Não podem ser objecto de hipoteca:
 As partes componentes ou integrantes porque
já não gozam de autonomia face à coisa principal – art.204º/1, e) e
691º/1, a) – isto é, não podem ser hipotecados separadamente da
coisa principal.
 As coisas acessórias porque têm natureza de
ciosa móvel – art.210º.
O art.691º/2 fala na hipoteca de fábricas “…”. Para além do
edifício e respectivo logradouro dever-se-ão considerar abrangidos os
mecanismos e demais móveis inventariados, ainda que não sejam
partes integrantes. E, por isso, bens móveis simples podem ser
objecto de hipoteca. Alargamento por extensão do objecto da
hipoteca.
O art.688º/2 estabelece que “…”. Relativamente à hipoteca de
partes de um prédio apenas podem ser hipotecadas as partes
susceptíveis de propriedade autónoma, isto é, um prédio urbano será
abrangido pela hipoteca se se puder constituir uma fracção autónoma
e nesse caso abrangerá não só a fracção autónoma como as partes
comuns.
Quanto aos prédios rústicos não pode ser hipotecada parte do
prédio rústico desde que esta seja inferior à unidade mínima.

Modalidades da hipoteca
1. Legais – art.704º;
2. Voluntária – art.712º;
3. Judiciais – art.710º;

Pacto Comissório

- 236 -
Direito das Coisas FDUP

Ex. A é devedor de B em € 10 000. Como garantia B exige um


automóvel que vale € 20 000.
Segundo as regras gerais a garantia só é executada se o
devedor não pagar. E as partes poderiam convencionar que se o
devedor não pagar o credor faria sua a coisa objecto de garantia. Se
no acordo ficasse estabelecido que o A seria compensado da
diferença de valor a situação patrimonial do devedor não teria
qualquer prejuízo. Mas se tal não ficasse acordado o credor iria
enriquecer à custa do devedor e, por isso, a lei proíbe estes pactos
“mesmo que anterior à constituição da hipoteca”.

3.4. Privilégios creditórios

Art.733º
Tal como o direito de retenção deriva da lei e se os seus
pressupostos se verificarem actuam de imediato.
Relativamente aos direitos em geral, de fonte legal, são
públicos e, por isso, cognoscíveis de terceiros, e os privilégios
creditórios não precisam de ser registados pelo facto de serem
públicos.
O que distingue os privilégios dos outros direitos é o facto de
serem garantias que se caracterizam pela «causa do credor», isto é,
visam acautelar os titulares de certos créditos.

ESPÉCIES
735º/1(PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS MOBILIÁRIOS) – abrangem
coisas móveis. Podem ser gerais ou especiais (nº 2).
Privilégios Creditórios imobiliários – abrangem coisas imóveis.
São sempre especiais.

- 237 -
Direito das Coisas FDUP

Os privilégios mobiliários gerais são garantias reais e não


direitos reais porque o objecto não se encontra determinado.
Constituem-se no momento em que se constitui a dívida mas como
enuncia o art.735º/2 eles não garantem o valor dos bens móveis à
data da constituição do privilégio mas sim à data da penhora ou acto
equivalente. Desta feita, entre os dois momentos pode haver uma
oscilação do objecto sendo por isso um direito de garantia, sem
objecto determinado, razão pela qual não poderá ser um direito real
mas uma garantia real.

Nos termos do art.733º há uma remissão para a proibição do


pacto comissório.

E quanto à graduação dos créditos e à sua característica de


prevalência há que ter em consideração as excepções presentes no
art.749º e ss.

3.5. Direito de retenção

Direito de Retenção – 754º (direito de origem legal)


O direito de retenção é uma faculdade que a lei reconhece ao
detentor de uma coisa de não a entregar, a quem a puder exigir,
enquanto este não cumprir uma prestação a que está adstrito face
àquele por despesas feitas por causa da coisa ou por danos por ela
causados.

Pressupostos
1. Aquele que detém a coisa a detém ilicitamente e esteja
obrigado a entregá-la a outrem;

- 238 -
Direito das Coisas FDUP

2. Simultaneamente seja credor da pessoa a quem está


obrigado a entregar a coisa;
3. Entre o dever de entregar a coisa e o crédito do detentor
haja uma relação de conexão e essa conexão resulta do facto
do devedor da coisa ter um crédito por despesas relacionadas
com a coisa;
No entanto há casos em que a lei faculta o acesso ao direito de
retenção sem que os pressupostos estejam preenchidos. Esta
situação tem por base certas relações jurídicas e estão previstas no
art.755º.

Muitas vezes o direito de retenção assemelha-se à excepção de


não cumprimento, por exemplo: A acorda com B o transporte de uma
mercadoria, sendo o pagamento feito no fim. Se A não cumpre B
pode reter. Se o pagamento for combinado antes do transporte o B
pode também não transportar enquanto A não pagar. Aqui não há
direito de retenção mas sim excepção de não cumprimento porque
existe uma relação sinalagmática. O facto de reter é resultado da
excepção de não cumprimento do contrato e não do direito de
retenção.
No direito de retenção não há bilateralidade porque há duas
obrigações diferentes: há a obrigação de entregar o bem retido e
obrigação de pagamento das despesas relativas a esse bem. Há duas
obrigações sobre o mesmo bem mas que têm origem em relações
jurídicas distintas.

4. Direitos Reais de Aquisição

4.1. Direitos Potestativos de Aquisição


4.2. Direitos Reais de Preferência

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Direito das Coisas FDUP

4.3. Promessas Reais de Alienação ou Oneração

4.1. Direitos Potestativos de Aquisição

Exemplos:
1. Art.1370º – comunhão forçada em paredes;
2. Art.1550º e ss. – servidões legais;
3. Art.1551º – direito potestativo que permite o afastamento da
servidão;

4.2. Direitos Reais de Preferência

Exemplo de direito real de aquisição é, desde logo, o direito real


de preferência.
O direito real de preferência confere a pessoas, em certas
situações, a possibilidade de adquirirem uma coisa, no caso de o
proprietário dela a pretender alienar e o preferente estar disposto a
pagar por ela a mesma importância que o terceiro adquirente se
propõe pagar. É, portanto, o direito de fazer suas certas coisas,
dando o valor pelo qual se projecta negociar a coisa.
Assim, por exemplo, este direito real de preferência pode ser
legal – quando é a lei que o confere para certas situações – ou pode
ser convencional. A possibilidade de um direito convencional de
preferência está referida no art.421º CC, sendo possível atribuir
eficácia real aos pactos de preferência celebrados entre pessoas em
quaisquer circunstâncias (atente-se também no art.423º CC, que
estende a obrigação de preferência que tem por objecto um contrato
de compra e venda a outros contratos).
O direito real de preferência legal existe, por sua vez, por
exemplo:

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Direito das Coisas FDUP

 Arts.1112º CC: direito de preferência do arrendatário


comercial quanto à alienação do prédio por eles arrendado.
 Art.1380º CC: no que respeita a proprietários de prédios
confinantes de área inferior à unidade de cultura, a lei, para
facilitar a reunião das pequenas parcelas em prédios rústicos,
confere um direito de preferência ao proprietário confinante,
se o prédio cujo proprietário tem direito de preferência tiver
uma área inferior à da unidade de cultura; e quer isto dizer
que este artigo supõe que sejam definidas as unidades de
cultura por região.
 Art.1409º CC: atribui um direito de preferência ao
comproprietário. O comproprietário tem, nos termos desta
disposição, preferência na alienação da quota ideal do seu
comproprietário, mas já não tem direito de preferência no
domínio da propriedade horizontal. Nesta não há, com efeito,
por força do art.1423º CC, direito de preferência. Assim, ao
proprietário de uma unidade independente num prédio por
andares – regime da propriedade horizontal – não assiste
nenhum direito de preferência na venda de qualquer outra
unidade do mesmo prédio.
 Arts.1535º CC: atribui um direito de preferência ao
proprietário do solo no direito de superfície. Aqui há um
desmembramento, uma vez que o prédio e o solo em que
aquele se encontra implantado pertencem a proprietários
diferentes. Pois bem, o proprietário do solo tem preferência
na venda do prédio nele implantado.
 Art.1555º CC: atribui um direito de preferência ao titular do
prédio serviente na servidão de passagem. Assim, ao
indivíduo que está onerado com uma servidão de passagem
sobre o seu prédio, assiste um direito de preferência na
venda do prédio dominante.

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Direito das Coisas FDUP

 Art.2130º CC: atribui aos co-herdeiros um direito de


preferência na alienação do quinhão hereditário, estando
indivisa a herança, por não terem ainda sido realizadas as
partilhas. Ao titular de uma fracção da herança assiste,
assim, nos termos dessa disposição, um direito de
preferência na alienação dos outros quinhões hereditários.
Há quem defenda (Manuel de Andrade, por exemplo) que estes
direitos de preferência são direitos potestativos. Contudo, enquanto
que os direitos de preferência podem ser violados os potestativos não
podem ser. A sua potestatividade aparente deriva do jogo da sequela.
Contudo, a sequela pode ser paralisada, algo que não acontece
nos direitos potestativos. Os direitos legais de preferência não
carecem de registo para serem oponíveis a terceiro, a sua publicidade
decorre da publicidade da própria lei.

4.3. Promessas Reais de Alienação ou Oneração

Um outro exemplo de direito real de aquisição é o direito do


promissário no contrato-promessa de compra e venda a que foi
atribuído eficácia real, ou melhor, o direito do promissário num
contrato-promessa de alienação onerosa de bens imóveis ou de
móveis sujeitos a registo, se as partes atribuírem eficácia real ao
contrato.
Todavia, as partes podem fazer um contrato-promessa de
compra e venda e não lhe atribuir eficácia real. Quais são, então,
nestes casos os direitos do promissário?
Pois bem, são o de pedir a devolução do sinal em dobro ou, no
caso de não ter havido sinal, o de pedir a execução específica do
contrato.

- 242 -
Direito das Coisas FDUP

É esta – a possibilidade de execução específica do contrato-


promessa – uma inovação do actual CC, que, porém, só actua, nos
termos do art.830º CC, no caso de não ter havido sinal. Se este tiver
sido prestado, então, como se disse, já aquela providência não pode
ser utilizada, sendo apenas exigível uma quantia equivalente ao
dobro da que, como sinal, foi prestada pelo promissário. Porquê esta
relevância dada ao sinal?
É que a lei presume que, quando houve sinal, as partes
sancionaram como garantia do negócio a restituição do sinal em
dobro; se não houve sinal, nos termos do art.830º CC, o promitente-
comprador pode exigir, pode provocar uma sentença que faz as vezes
de escritura, ou seja, uma execução específica.
É claro que a possibilidade de execução específica não significa,
porém, eficácia real, pois não tem lugar, se entretanto o promitente-
vendedor já vendeu o prédio para terceiro. Então – se essa
transferência se tiver verificado – não se pode, por sentença judicial,
provocar a aquisição da coisa, a não ser que, no contrato-promessa,
se tenha convencionado que ele tinha eficácia real e que essa
cláusula atributiva de eficácia real ao contrato-promessa tenha sido
registada. Em apoio legal desta ideia podem citar-se os arts.410º e
segs. CC, maxime o art.413º CC.
No contrato-promessa podem, assim, pôr-se várias hipóteses
práticas que vamos referir, partindo do pressuposto de que o
contrato-promessa não é cumprido.
Assim, figure-se que um indivíduo promete vender a outro certo
prédio e, depois, se recusa a fazer a escritura.
Quid juris? Vejamos:
− Houve sinal passado? Então, neste caso, o promitente-
comprador pode exigir a devolução do sinal em dobro
(art.442º CC);

- 243 -
Direito das Coisas FDUP

− Não houve sinal passado? Então, nos termos do art.830º


CC referido, o promitente-comprador pode vir a juízo,
requerer a execução específica do contrato-promessa. É
proferida sentença que faz as vezes de escritura,
passando, assim, por esse efeito, o prédio para a
propriedade do comprador;
− Se, para além de tudo isto, foi estipulada eficácia real,
então o adquirente (promissário) pode ir buscar o prédio
a terceiro que o tenha adquirido do promitente-vendedor;
isto, desde que, como já se referiu, essa eficácia real do
contrato-promessa tenha sido registada.
Ora, esta posição do promissário, na hipótese do art.413º CC –
contrato-promessa com eficácia real registado – constitui, também,
um direito real de aquisição.
Tendo em conta o art.413º CC, os requisitos exigidos pela lei
para que os contratos-promessa tenham eficácia real são:
1 – Bens imóveis ou móveis sujeitos a registo;
2 – Documento público;
3 – Registo do contrato.

- 244 -
Direito das Coisas FDUP

Índice
Pág.
Introdução
Capítulo I – Dos direitos reais em geral -------------------------1
1. O direito patrimonial ----------------------------------------------1
2. As grandes formas de ordenação de domínio -------------------4
3. Direito das coisas e direitos da pessoa --------------------------5
4. Distinção entre direitos reais e direitos de crédito --------------7
a) Distinção no plano dos interesses e no plano
técnico-jurídico: a Teoria Realista e a Teoria
Personalista -------------------------------------------------7
b) Pertinência de cada uma das doutrinas ------------------10
c) Doutrina dominante ---------------------------------------12
5.Noção de direito das coisas e o paradigma da
“plena in re potestas” – ------------------------------------------14
6. Obrigações reais e ónus reais -----------------------------------14
7. Noção jurídica de coisa ------------------------------------------18
Classificação das coisas --------------------------------------21
a) Coisas móveis e imóveis ---------------------------------21
b) Coisas acessórias e partes integrantes ------------------24
c) Coisas corpóreas e coisas incorpóreas:
as obras de engenho e as invenções
industriais, o estabelecimento
comercial e os direitos sobre direitos -------------------25
d) Coisas presentes e futuras -------------------------------30
e) Universalidade de facto e universalidade
de direito --------------------------------------------------31
f) Frutos e produtos -----------------------------------------33
g) Benfeitorias -----------------------------------------------35

- 245 -
Direito das Coisas FDUP

Título I – Ordenação Dominial Provisória


Capítulo I – A posse
1. Distinção entre posse e direito ----------------------------------37
2. O problema da tutela possessória e a
posse como caminho para a dominialidade --------------------39
3. Os sistemas possessórios ---------------------------------------42
4. Noção de posse (posição legal do ordenamento
jurídico face à dualidade dos sistemas possessórios) ----------46
5. Posse formal e posse causal ------------------------------------48
6. Posse precária ou detenção -------------------------------------49
7. Natureza jurídica da posse --------------------------------------50
8. Direitos em termos dos quais se pode possuir -----------------50
9. Objectos passíveis de posse -------------------------------------52
10. Capacidade para adquirir a posse -----------------------------53
11. Caracteres da posse -------------------------------------------54
a) Posse titulada e posse não titulada -----------------------55
b) Posse de boa-fé e posse de má-fé ------------------------61
c) Posse pacífica e posse violenta ---------------------------62
d) Posse pública e posse oculta ------------------------------65
12. Formas de aquisição da posse --------------------------------68
13. Conjunções de posse ------------------------------------------84
a) Conjunção sincrónica --------------------------------------84
b) Conjunção diacrónica --------------------------------------85
14. Tutela possessória: fundamento da tutela
jurídica da posse -----------------------------------------------88
15. Tutela possessória: meios extra-judiciais
e meios judiciais -----------------------------------------------90
16. Efeitos da posse ------------------------------------------------96
a) Presunção da titularidade do direito ----------------------96

- 246 -
Direito das Coisas FDUP

b) Perda ou deterioração da coisa ---------------------------97


c) Direitos do possuidor em relação aos frutos -------------98
d) Direitos do possuidor em relação a benfeitorias ---------98
e) Usucapião – a posse como criadora de direitos ----------99
 Noção ---------------------------------------------------99
 Direitos objecto da usucapião ------------------------100
 Requisitos da usucapião ------------------------------100
 Efeitos da usucapião ----------------------------------102
 Capacidade para usucapir ----------------------------102
 Suspensão e interrupção do prazo
para a usucapião -------------------------------------103

Título II – Ordenação dominial definitiva


Capítulo I – Princípios constitucionais dos direitos reais -107
A – Princípios ligados ao lado interno ----------------------------109
1. Princípio da coisificação ----------------------------------------109
2. Princípio da actualidade ----------------------------------------110
3. Princípio da especialidade --------------------------------------111
4. Princípio da compatibilidade -----------------------------------116
5. Princípio da elasticidade ---------------------------------------117

B – Princípios ligados ao lado externo ---------------------------118


1. Princípio da taxatividade ou numerus clausus ----------------119
2. Princípio da causalidade ---------------------------------------123
3. Princípio da consensualidade ----------------------------------127
4. Princípio da publicidade ----------------------------------------129

Capítulo II – Características dos direitos reais -------------136


1. Características ligadas ao lado interno:
 independência dos direitos reais das pretensões

- 247 -
Direito das Coisas FDUP

a que dá origem -----------------------------------------136


2. Características ligadas ao lado externo -----------------------137
 Direito de sequela (ou de seguimento) -----------------137
 Direito de preferência (ou de prevalência) -------------141

Capítulo III – Dos direitos reais em especial


1. Classificação dos direitos reais --------------------------------147
2. Direitos reais de gozo ------------------------------------------151
2.1. Direito de propriedade --------------------------------151
 A propriedade em geral ----------------------------151
− Noção --------------------------------------------151
− Controvérsia entre a propriedade
individual e a propriedade comunitária --------151
− Características do direito de
propriedade -------------------------------------152
− Propriedade de bens incorpóreos
ou imateriais –-----------------------------------154
− Formas de aquisição da propriedade ----------154
− Duração -----------------------------------------155
− Restrições ---------------------------------------155
− Meios de defesa da propriedade ---------------155
 Propriedade de imóveis ----------------------------156
− Conteúdo ----------------------------------------156
− Limitações aos poderes do proprietário -------157
 Propriedade das águas (remissão) ----------------160
 Direito de compropriedade -------------------------161
− Noção --------------------------------------------161
− Distinção entre compropriedade e
sociedade ----------------------------------------161
− Natureza jurídica --------------------------------162

- 248 -
Direito das Coisas FDUP

− Regime jurídico ---------------------------------164


− Extinção da compropriedade -------------------167
 Direito de comunhão -------------------------------168
− Propriedade horizontal --------------------------168
 Noção e domínio de aplicação ---------168
 Natureza jurídica -----------------------169
 Modos de constituição ------------------170
 Direitos e obrigações ou encargos dos
condóminos -----------------------------172
 Administração das partes comuns do
edifício -----------------------------------174
2.2. Direitos reais menores --------------------------------175
2.2.1. Direito de usufruto ------------------------------175
 Noção -----------------------------------------175
 Características --------------------------------177
 Limites ----------------------------------------180
 Duração ---------------------------------------181
 Constituição ----------------------------------181
 Usufrutos sucessivos ou simultâneos -------184
 Direitos do usufrutuário ---------------------186
 Obrigações do usufrutuário ------------------196
 Extinção --------------------------------------199
2.2.2. Direitos de uso e habitação --------------------202
2.2.3. Direito de superfície ----------------------------205
 Noção -----------------------------------------205
 A propriedade do solo ------------------------206
 Objecto do direito de superfície e do
direito de propriedade superficiária ---------208
 Constituição ----------------------------------209
 Momento da aquisição da propriedade
superficiária ----------------------------------210

- 249 -
Direito das Coisas FDUP

 Direitos e deveres do superficiário e do


proprietário do solo --------------------------211
 Extinção --------------------------------------212
 Crítica ao regime do CC relativo ao direito
de superfície ----------------------------------214
2.2.4. Servidões prediais ------------------------------214
 Noção -----------------------------------------214
 Características das servidões ----------------216
 Constituição ----------------------------------219
 Modalidades ----------------------------------224
 Exercício --------------------------------------225
 Mudança --------------------------------------227
 Extinção --------------------------------------227
2.2.5. Direito real de habitação periódica -------------231
 Noção -----------------------------------------231
 Duração ---------------------------------------232
 Constituição ----------------------------------232
 Transmissão ----------------------------------233
3. Direitos reais de garantia --------------------------------------233
3.1. Consignação de rendimentos -------------------------233
3.2. Penhor -------------------------------------------------234
3.3. Hipoteca -----------------------------------------------235
3.4. Privilégios creditórios ---------------------------------237
3.5. Direito de retenção ------------------------------------238
4. Direitos reais de aquisição -------------------------------------239
4.1. Direitos potestativos de aquisição --------------------240
4.2. Direitos reais de preferência -------------------------240
4.3. Promessas reais de alienação ou oneração ----------242

Índice ---------------------------------------------------------------245

- 250 -

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