Confira a entrevista.
Eles estão sendo publicados agora no Brasil por uma deficiência de não
termos conseguido consolidar, ao longo das décadas passadas, uma linha
de traduções de autores clássicos, dos quais Marx está certamente no
começo da fila. Felizmente nos últimos anos a editora Boitempo vem
fazendo um trabalho primoroso no sentido de recuperar várias obras de
Marx, que ou não estavam publicadas em edição brasileira ou estavam,
mas carecendo de revisões, reelaborações. O Brasil tardiamente supre
essa lacuna.
Claro que os textos de Marx ressurgem com força por vários motivos. Um
deles é a crise profunda que o capitalismo e, em termos mais precisos, o
sistema de capital se encontram hoje. E segundo, porque junto a essa
crise, e tendo claras conexões com ela, surgem as lutas sociais ampliadas
em várias parte do mundo, o que permite uma certa retomada positiva da
obra de Marx.
Uma terceira pista dos Grundrisse pode ser encontrada nesa mesma
introdução a que estou me referindo, que consta na presente edição
brasileira, que é um item chamado "método na economia política" e que é
excepcional. São poucas páginas, mas aqui Marx indica, primeiramente,
que o segredo da ciência que ele está constituindo é capturar, apreender
as formas da matéria, as formas de ser, os movimentos do real. De tal
modo que esse percurso metodológico tem uma fundamentação
ontológica. Isso quer dizer que é preciso compreender o concreto nas suas
múltiplas determinações. É o ser, em sua concretude, que deve ser
apreendido idealmente.
Por exemplo, nos Grundrisse Marx dá pistas sobre o que ele chama, em
inglês, de work e de labor. E é esse o duplo movimento contraditório do
trabalho. Quando ele fala no work, está se referindo ao trabalho que tem
dimensões de criação, de um trabalho que gera coisas úteis e, ao mesmo
tempo, socialmente falando, é autoconstituinte do processo de
hominização do homem. Por outro lado, ele mostra que o trabalho, sobre
o capitalismo, é, por excelência, labor: sofrimento, alienação,
estranhamento, fetichização.
A questão da emancipação
Dessa forma, os Grundrisse são uma mina para nos ajudar a descortinar
o século XXI. Claro que esse é um desafio dos intelectuais críticos do
século XXI, especialmente das lutas sociais que estamos vendo explodir
em intensidade global como não víamos há muito tempo.
Os Grundrisse são parte desse cenário e é publicado no Brasil talvez no
melhor momento da conjuntura mundial das últimas décadas. Desde
1968 não tínhamos lutas sociais em escala global tão amplamente
difundidas. Isso marca um cenário mundial muito rico para o século XXI.