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Atualização do CDC e os novos Temas: Consumo Sustentável e

Publicidade Infantil

1. Publicidade e hipervulneráveis:
limitar, proibir ou regular?
Advertising and the hipervulnerable: to limit, ban or
regulate?
LUCIA ANCONA LOPEZ DE MAGALHÃES DIAS

Doutora pela Universidade de São Paulo. lm@magalhaesdias.com.br

Sumário:

• 1. Notas introdutórias
• 2. Hipervulneráveis
• 3. Do arcabouço jurídico vigente e suas implicações. Conceito de abusividade.
Autorregulamentação. Casuística
• 4. Conclusões: limitar, proibir ou regular?
• Referências bibliográficas

Área do Direito: Consumidor


Resumo:

O presente artigo se propõe à reflexão de como enfrentar o tema da publicidade dirigida


aos chamados hipervulneráveis, a partir de uma análise aprofundada do arcabouço
jurídico aplicável e da casuística existente. Busca-se o desenvolvimento de proposições
objetivas, as quais sejam capazes de dotar o operador do direito de um ferramental
adequado para identificar e conter os eventuais abusos praticados.

Abstract:

The article provides an in-depth analysis of the legal framework and Case Law
applicable to advertising directed to the socalled hipervulnerable consumers. The author
aims to develop objective criteria for identifying and preventing possible abuses.

Palavra Chave: Hipervulneráveis - Publicidade infantil - Arcabouço jurídico -


Legislação e autorregulamentação - Código de Defesa do Consumidor (art. 37, § 2.º) -
Conceito de abusividade - Interpretação e casuística.
Keywords: Hipervulnerable consumers - Children advertisement - Legal framework -
Legislation and self-regulation - Consumer Protection Code (Article 37, § 2.º) - Concept
of abusiveness - Interpretation and Case Law.

Recebido em: 03.07.2014

Pareceres em: 15.01.2015 e 03.06.2015


1. Notas introdutórias
O título do presente artigo, qual seja, limitar, proibir ou regular a publicidade
direcionada aos hipervulneráveis – e que foi objeto de minha palestra proferida no XII
Congresso Brasilcon em painel específico –, já sugere quão controversa é a matéria.

Desde logo, pergunta-se: seria mesmo o caso de limitar, proibir ou regular a publicidade
direcionada aos hipervulneráveis, notadamente às crianças, ou o nosso atual arcabouço
jurídico já conteria soluções para a efetiva tutela desse público-alvo, restando
necessário, portanto, apenas um maior adensamento da Lei posta?

Naturalmente que a temática limitar, proibir ou regular força-nos, a priori, a uma


reflexão sobre a própria forma com que desejamos enfrentar o problema da publicidade
dirigida aos chamados hipervulneráveis.

O presente artigo se propõe justamente a essas reflexões. Propõe-se a contribuir com


proposições mais objetivas à matéria, sempre com o escopo último de dotar o operador
do direito de um ferramental adequado para conter possíveis abusos praticados no
mercado de consumo. Vejamos.

2. Hipervulneráveis
A vulnerabilidade é condição intrínseca a todo e qualquer consumidor, por ser este a
parte mais fraca da relação de consumo (art. 4.º, I, do CDC). Aliás, o direito do
consumidor foi posto em virtude do próprio reconhecimento dessa vulnerabilidade na
nossa sociedade.

Contudo, mostra a experiência que certa categoria de pessoas merece atenção ainda
mais detida. São os chamados hipervulneráveis, assim compreendidos aqueles que, por
ostentarem uma condição específica (i.e., crianças, idosos, analfabetos, portadores de
enfermidade ou deficiência), apresentam uma vulnerabilidade agravada.1

A tutela da criança e do adolescente decorre diretamente do art. 227 da CF, que


determina ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Com efeito, as
crianças possuem a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento (art. 69, I, da Lei
8.069/1990). Por tal motivo, restam mais facilmente influenciáveis pelas mensagens
publicitárias.2 Biologicamente, ainda não alcançaram a sua maturidade física e
psicológica, o que as coloca em situação de vulnerabilidade agravada diante do caráter
persuasivo da publicidade.

Consoante já escrevemos, “as crianças merecem atenção especial do legislador, pois,


embora não sejam parte da relação de consumo, são fortemente influenciadas pelas
mensagens publicitárias que podem dar causa a essa relação por meio de seus pais ou
terceiros. Trata-se, na verdade, do público-alvo mais vulnerável e suscetível aos apelos
publicitários, notadamente porque, a depender da sua faixa etária, a criança sequer tem
condições de distinguir o caráter publicitário da mensagem a que está submetida e
entender os seus efeitos persuasivos”.3

Indubitável a chamada hipervulnerabilidade da criança, tipifica, pois, o legislador


consumerista como abusiva toda e qualquer publicidade que “se aproveite da deficiência
de julgamento e experiência da criança” (art. 37, § 2.º, do CDC), cuja aplicação e
(in)suficiência da matéria será aprofundada a seguir.

O idoso, por sua vez, ao contrário da criança, apresenta idade avançada.4 Sua
vulnerabilidade agravada decorre, por conseguinte, de dois aspectos principais: “a) a
diminuição ou perda de determinadas aptidões físicas ou intelectuais que o torna mais
suscetível e débil em relação à atuação negocial dos fornecedores; b) a necessidade e
catividade em relação a determinados produtos ou serviços no mercado, que o coloca
numa relação de dependência em relação aos seus fornecedores”.5

Nesse passo, não há dúvida de que eventual publicidade que se aproveite da condição
do idoso poderá ser igualmente qualificada como abusiva.6

Há ainda aqueles que apresentam enfermidades ou são portadores de alguma deficiência


e que, desse modo, também se enquadram na categoria dos consumidores que mais
requerem atenção do sistema protetivo em vigor. Nes-se particular, vale lembrar, o
paradigmático voto do Min. Herman Benjamin, no REsp 586.316/MG, que versou sobre
a obrigatoriedade de informação nos rótulos acerca da presença de glúten nos alimentos,
haja vista a hipervulnerabilidade dos consumidores portadores da doença celíaca. Na
oportunidade, ressaltou-se que “ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis,
mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem
minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do
consumo e a ‘pasteurização’ das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade
moderna”.7

Ademais, e mesmo sem pretender me aprofundar em comentários de natureza mais


filosófica, parece-nos importante aduzir que em nossa sociedade, assim como em
qualquer outra, a preocupação com as crianças e os idosos deve ser tomada com
especial importância, na medida em que enseja o cumprimento, por assim dizer, de um
“contrato entre gerações” que pereniza a nossa existência como um todo. Em uma ponta
encontram-se aqueles (idosos) que, enquanto população economicamente ativa,
contribuíram de modo fundamental para o desenvolvimento do País e de seus filhos; no
outro extremo restam justamente aqueles (crianças) que, em menos de duas décadas,
mas, a partir daí, por ao menos 40 anos, serão o motor de nossa economia e
transformações. Proteger juridicamente os hipervulneráveis, sobretudo crianças e
idosos, é, assim, antes de tudo, respeitar e bem cuidar do bom funcionamento de
elementos centrais de nossa engrenagem social, sob pena de um agir irresponsável –
seja da perspectiva ética, seja do ponto de vista econômico – com devastadores efeitos,
morais e econômicos, à nossa própria existência enquanto sociedade.

À luz desses consumidores, e, aqui, especialmente das crianças – objeto deste artigo
específico –, cumpre-nos analisar o arcabouço jurídico vigente, sua interpretação e
aplicação e, por conseguinte, sua completude (ou não) para a solução dos possíveis
abusos verificados na comunicação publicitária direcionada às crianças.
3. Do arcabouço jurídico vigente e suas implicações.
Conceito de abusividade. Autorregulamentação.
Casuística
Em matéria de publicidade, nosso ordenamento jurídico contém diversas permissões e
restrições expressas.

De um lado, a Constituição Federal conferiu dupla proteção à liberdade de fazer


publicidade – compreendida como toda e qualquer comunicação mercadológica –
tutelando-a sob dois principais aspectos: (i) como atividade econômica resguardada pela
livre-iniciativa, fundamento da ordem econômica (art. 170, caput e parágrafo único, da
CF), e pela livre concorrência (art. 170, IV, da CF); e (ii) pelo princípio da liberdade de
expressão (arts. 5.º, IX, e 220 da CF).

Não há dúvida de que as comunicações consistem em ferramenta comercial


imprescindível aos agentes econômicos para o desenvolvimento de suas atividades.8
Não se pode imaginar, ainda mais na atualidade, o surgimento de um novo agente, ou
mesmo o simples lançamento de um produto ao consumo sem que estejam atrelados a
investimentos publicitários. Os recursos publicitários são ainda responsáveis pela
independência econômica dos veículos de comunicação e pelo financiamento de eventos
culturais, o que é essencial ao bom funcionamento de uma sociedade saudável, calcada
na liberdade de opinião.

Assim, à luz dessa fundamental função econômico-social, a publicidade alcança


proteção constitucional por força dos princípios informadores da ordem econômica, i.e.,
a livre-iniciativa e a livre concorrência,9 dispondo, ainda, a Constituição Federal “ser
livre o exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização
de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei” (art. 170, parágrafo único). No
caso específico da livre-iniciativa, mais do que um princípio, foi elevada, pela CF, a
fundamento da ordem econômica (art. 170) e da própria República, ao lado da
valorização do trabalho (art. 1.º, IV). Por conseguinte, é inequívoco que a proteção
constitucional da publicidade a partir dessas normas constitucionais dialoga com os
pilares básicos da nossa ordem jurídico-social.10

Adicionalmente, e para além da finalidade comercial, a garantia constitucional da


publicidade também é vista a partir da proteção à liberdade de expressão. Consoante já
apontamos em outras oportunidades,11 embora apresentem finalidade comercial e à
parte de discussões próprias à Estética, as peças publicitárias consistem em
manifestações criativas do intelecto humano, expressões de arte, retrato cultural, crítico
ou descritivo do comportamento e senso estético do indivíduo em uma determinada
sociedade. Estão, portanto, também protegidas nas garantias à liberdade de expressão e
informação,12 em especial aquelas trazidas nos arts. 5.º, IX, e 220 da Carta Magna.13

Contudo, a despeito de sua ampla proteção constitucional, a atividade publicitária não é


ilimitada, muito ao contrário. A própria CF cuidou também de prever restrições à
veiculação publicitária, estabelecidas nos §§ 3.º e 4.º do art. 220. O § 3.º prescreve que
compete à lei federal estabelecer novas restrições à publicidade de produtos ou serviços
que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.14 O § 4.º, por sua vez, contém rol
taxativo dos produtos potencialmente nocivos, isto é, cujo uso já se presume de efeitos
nocivos (i.e., tabaco, bebidas alcoólicas, medicamentos, agrotóxicos e terapias).
Estabelece, ainda, que estes estão sujeitos às restrições legais, mais especificamente as
conhecidas Lei 9.294/1996 (Lei Murad) e Lei 10.167/2000 (Lei Serra) – esta última
determinou o banimento da publicidade de tabaco no Brasil.

No que tange especificamente à publicidade direcionada às crianças – para além do já


mencionado art. 227 da CF –, podemos encontrar no art. 71 do ECA o fundamento para
proteção da criança contra o conteúdo inadequado das mensagens publicitárias ou da
programação de rádio e televisão.15 O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez,
como dito, declara ser abusiva a publicidade que se aproveita da deficiência de
julgamento e experiência da criança (art. 37, § 2.º, do CDC). A norma, como se lê,
autoriza expressamente a publicidade direcionada ao público infantil, vedado apenas o
abuso.

Assim, diante das garantias fundamentais que informam a publicidade – liberdade de


expressão, liberdade de iniciativa e de concorrência –, bem como à luz das disposições
vigentes em nosso ordenamento jurídico sobre a matéria, podemos concluir que: (i) a
liberdade publicitária somente pode ser restringida nos termos dispostos pela própria
Constituição Federal, ou seja, mediante edição de Lei federal (art. 220, § 3.º, da CF),
incluindo-se aqui eventuais novas restrições à publicidade direcionada aos
hipervulneráveis;16 e (ii) a publicidade infantil restou permitida pela Constituição
Federal, tendo sido disciplinada pelo art. 37, § 2.º, do CDC, que vedou apenas o abuso
da comunicação mercadológica que se aproveita da deficiência de julgamento e
experiência da criança.

Especificamente em relação à interpretação do art. 37, § 2.º, do CDC, cumpre notar que
tal dispositivo, por apresentar carga semântica vasta e flexível, introduz nas relações de
consumo verdadeira cláusula geral de não abusividade, delegando-se ao julgador
preencher tal indeterminabilidade à luz do exame do caso concreto. Cumpre-lhe, pois,
avaliar e definir as situações de abusividade direcionada às crianças (i.e., quando elas
exploram a deficiência de julgamento e experiência da criança), em verdadeiro
adensamento do grupo de mensagens que podem ser qualificadas como ilícitas quando
examinadas a partir da ótica desse público-alvo específico.

De forma complementar, dignas de nota as disposições normativas existentes no âmbito


da autorregulamentação publicitária acerca do conteúdo da publicidade direcionada às
crianças e que podem servir de fonte subsidiária para o aplicador da norma do art. 37 do
CDC de forma a auxiliá-lo na delimitação das hipóteses de abusividade. Com efeito, tais
normas corporificam os “usos e costumes” do mercado. Prestam-se, assim, como
possível fonte ao julgador, nos termos do art. 4.º da LINDB, muito embora seja certo
que o controle dinâmico exercido pelo Conar, de orientação e autodisciplina do
mercado, não se confunda com o controle estatal, tampouco signifique ilicitude punível
pelo CDC.17 Tais possíveis situações devem ser apuradas especificamente no âmbito
do caso concreto, quando e se levadas ao exame do aplicador da norma consumerista.
Trata-se, pois, de funções e sanções diversas, daí a razão do controle misto da
publicidade, mas que, em nosso sentir, podem e devem se apresentar em uma relação de
mútua observação e interação conceitual, com vistas a enriquecer e adensar a proteção
ao consumidor, sobretudo no que tange aos hipervulneráveis.
Assim, por exemplo, segundo a Seção 11 do Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária (CBARP), não se admite que a publicidade contenha apelo imperativo de
consumo direcionado diretamente a crianças e adolescentes (ex.: “peça para a mamãe
comprar…”). O mesmo Código (art. 37 do CBARP e suas respectivas alíneas) adverte,
dentre outros, que a publicidade infantil não deve gerar sentimentos de superioridade
em relação a outras crianças em razão do consumo de certo produto, ou, na sua falta, de
inferioridade (tais como expressões “eu tenho, você não tem”), ou mesmo provocar
sentimento de discriminação.

A publicidade dirigida às crianças igualmente deve abster-se de estimular


comportamentos socialmente reprováveis para obter o produto anunciado (art. 37, II, e,
do CBARP).18 Considerando a sua capacidade reduzida de discernimento e
experiência, a publicidade dirigida às crianças também não deve se utilizar de formato
jornalístico (publicidade redacional). Evita-se que seja confundida com notícia e tomada
a sério pelas crianças, tampouco exaltar que o produto contenha características
peculiares quando, em verdade, são encontradas em todos os similares do mercado (art.
37, I, g e h, do CBARP). Tais publicidades, por certo, explorariam a inexperiência das
crianças.

Outra importante orientação aos anunciantes acerca da publicidade infantil consiste na


proibição de que sejam utilizados modelos infantojuvenis para vocalizar apelo direto,
recomendação ou sugestão de uso ou consumo por outros menores (ex.: “faça como eu,
use…”). Admite-se, contudo, a participação de tais crianças nas demonstrações
pertinentes de serviço ou produto (art. 37, I, f, do CBARP).

O Anexo H do mesmo CBARP, por sua vez, contém diretrizes quanto à publicidade de
alimentos19 e, especificamente em relação a essa publicidade direcionada às crianças, o
código ético determina ainda que: (i) o uso de personagens ou apresentadores do
universo infantil seja feito apenas nos intervalos comerciais (tendo em vista a
incapacidade da criança em diferenciar a mensagem de caráter publicitário do conteúdo
editorial da programação infantil); (ii) não se utilize de crianças excessivamente gordas
ou magras em suas publicidades; e (iii) que se abstenha de qualquer estímulo imperativo
de compra ou consumo.

O Código de Autorregulamentação não veda a possibilidade se de fazer promoções de


alimentos com brindes. Reprova-se, todavia, eventuais abusos nessas práticas à luz do
quanto já exposto, ou seja, sempre que violar alguma das diretrizes do Código (ex.:
ensejar imperativo de consumo e/ou consumo excessivo, entre outros).20 Nesse
particular, o Boletim do Conar informa que, entre 01.09.2006 e 31.05.2012, foram
abertos 298 casos envolvendo publicidade de produtos e serviços para crianças e
adolescentes, sendo que 186 resultaram em penalização do anunciante e agência por
entender o Conar que teriam ultrapassado os limites autorregulamentares.21 Percebe-se
que a partir de 2006, com a revisão das normas do Conar sobre publicidade direcionada
às crianças, o controle autorregulamentar em relação a essa categoria específica de
publicidade passou a ser mais rigoroso e atuante.

Recentemente, em março de 2013, o Conar editou novas normativas sobre o chamado


merchandising infantil.22 Foram estabelecidos limites importantes a essa prática, a
saber: (i) determinou-se que a publicidade exclusivamente para crianças somente pode
ser feita em intervalos comerciais (proibindo-se, assim, qualquer merchandising
infantil); e (ii) proibiu-se o emprego de crianças em ações de merchandising de produtos
infantis ou a utilização de elementos do universo infantil ou outros artifícios para captar
a atenção das crianças, qualquer que seja o veículo utilizado.

Ainda no que tange ao estudo das normativas envolvendo o tema, cumpre notar que,
tanto no Brasil quanto no mundo, as normas relacionadas à publicidade infantil
caminham para um sistema misto, de autorregulamentação combinada com restrições
objetivas e pontuais – sendo, pois, a proibição total dessa publicidade a absoluta
exceção.23

Diante das normativas existentes, pode-se concluir, assim, que o Brasil não dispõe de
arcabouço jurídico omisso ou de alguma forma obsoleto em relação às normas de
proteção à criança quanto aos efeitos da publicidade. Tal arcabouço pode e deve ser
ainda melhor testado pela jurisprudencia, recebendo até eventuais incrementos pontuais,
a partir de fundadas discussões entre o setor, os orgãos públicos interessados e a
sociedade civil.24 Não se está diante de um quadro de anomia legislativa, mas, talvez,
de pouca aplicação de um importante arsenal de normas já existentes.

De toda sorte, da jurisprudência podemos extrair algumas interpretações da aplicação do


art. 37, § 2.º, do CDC, especificamente envolvendo a criança. Dentre os poucos casos
levados ao Judiciário, verifica-se que a maioria teve por conteúdo a discussão de
eventual abusividade envolvendo publicidade/promoções de alimentos com brindes –
tema, sem dúvida alguma, de grande controvérsia jurídica na atualidade.

Em grande parte da (ainda escassa) casuística existente, verificou-se não haver


abusividade de referidas promoções, uma vez que: (i) as crianças, ainda que possam ter
desejos, não adquirem diretamente os produtos (a decisão e a ação de compra decorrem
de pessoa adulta);25 (ii) não se pode atribuir à publicidade um fator único e absoluto
perante as crianças, devendo-se considerar conjuntamente o papel da família e dos pais
na criação e educação dos filhos;26 (iii) a simples existência de publicidade direcionada
para as crianças não é um ilícito per se, devendo haver o efetivo abuso, a partir do
exame do caso concreto;27 (iv) em parte dos casos, entendeu-se não haver imperativo
de consumo e/ou indução ao consumo excessivo de produtos ou mesmo coação moral
ao consumo28 ou, ainda; (v) as quantidades exigidas para participar da promoção não se
mostravam excessivas.29

Em outros casos, o Judiciário entendeu como abusivo o conteúdo de certas promoções


pela existência de sugestão de consumo excessivo de produtos e imperativo de consumo
vocalizado ou protagonizado por crianças.30

Verifica-se, portanto, que a nossa jurisprudência ainda é nova e escassa quanto ao


adensamento do grupo de casos que podem ou não ser qualificados como abusivos em
matéria de publicidade infantil, dado que não se trata de prática vedada per se pelo
nosso ordenamento.

Assim, não há dúvidas – e todos concordam – de que a criança é hipervulnerável e que,


portanto, merece proteção especial, tanto assim que já dispomos no Brasil, a exemplo
do mundo, de um controle misto da publicidade direcionada às crianças. O que não resta
definido e continua a provocar grande discussão e controvérsia jurídica é justamente a
medida dessa proteção. Em meu sentir, essa discussão se apresenta ligeiramente
quebrantada, haja vista uma assaz insuficiente aplicação das normas existentes pelos
operadores do direito. Vale dizer, antes de se lançar a novas discussões sobre o proibir,
limitar ou regular – o que, como dito, até pode ser pertinente em casos específicos vis-à-
vis a sociedade tecnológica em que restamos inseridos31 –, é preciso que apliquemos,
desde logo e com qualidade, as proibições, limitações e regulamentações já existentes
no nosso ordenamento, sob pena de estarmos invertendo a ordem lógica das coisas. Sem
um maior dinamismo na aplicação do direito, esvai-se toda riqueza do aparato
normativo existente, lançando-nos ao perigoso e desproporcional caminho de propostas
de proibição total, de banimento de atividade, como visto, constitucionalmente
protegida. Passemos às conclusões detalhadamente.

4. Conclusões: limitar, proibir ou regular?


Normativamente, parece-nos que o art. 37 do CDC é bastante moderno e permite seu
adensamento, com qualidade, pela jurisprudência. Como exposto, há poucos casos
levados ao Judiciário e, em parte, calcados em ações civis públicas (sem sucesso) que
objetivaram a proibição genérica de certas práticas publicitárias (i.e., obrigação de não
mais anunciar certos alimentos), extrapolando, pois, o âmbito da própria norma, que
veda apenas o abuso e não a atividade em si mesma, lícita e protegida
constitucionalmente.32

Parece-nos necessário, assim, diante de nosso atual arcabouço jurídico, que a


jurisprudência seja aprofundada de modo a melhor delimitar o grupo de casos que
podem ser qualificados como abusivos, como, por exemplo, da identificação das
publicidades que ensejam consumo excessivo e/ou imperativo de consumo –
notadamente quando protagonizados por crianças – ou, ainda, a partir da identificação e
qualificação de outras formas de aproveitamento da deficiência de julgamento e
experiência da criança, igualmente a serem adensadas pela casuística.

Destarte, uma aplicação mais intensa (e melhor) do art. 37, § 2.º, do CDC somente
ocorrerá a partir da propositura de boas demandas e demonstração no caso concreto da
nocividade da publicidade.33

Ao lado disso, importante mencionar igualmente o fundamental trabalho preventivo


exercido pela sociedade civil, seja denunciando, seja dialogando com a indústria na
busca de ajustes espontâneos em peças publicitárias e/ou atividades comerciais.

Parece-nos, assim, e a priori, que precisamos de mais Estado no sentido de aplicação da


Lei posta, i.e., das limitações, proibições e regulamentações já existentes em nosso
ordenamento jurídico, assim como uma participação ainda mais intensa da sociedade
civil no debate e denúncia de situações abusivas concretas. Fiscalizar e aplicar, aqui, em
meu sentir, duas alavancas centrais de uma melhora substancial no trato das peças
publicitárias aos hipervulneráveis.

Aqui, não esqueçamos igualmente do reforço às ferramentas da educação e presença


paterna, posto que sem uma postura pessoal engajada e políticas públicas firmes não há
evolução, mesmo em casos extremos de proibição da publicidade. Nesse particular,
ressaltamos que, à luz dos demais arcabouços jurídicos comparados, a
proibição/banimento da publicidade infantil é verdadeira exceção (ocorre em apenas
dois países e uma província), sendo, como dito, o controle misto da publicidade a regra
comum, a exemplo do que ocorre no Brasil.34

De fato, não obstante qualquer discussão sobre constitucionalidade da empreitada, a


proibição/banimento de toda e qualquer publicidade infantil (qualquer que seja ela)
impõe o reconhecimento de que os tradicionais e historicamente existentes mecanismos
de calibração – i.e., papel da educação dos pais e da escola na formação da criança e na
imposição de limites – já não cumprem, nem mesmo minimamente, o seu papel perante
esse público hipervulnerável. Sob essa ótica, impor-se-ia a total substituição do Estado
ao próprio pátrio poder em matéria de ações de marketing infantil. Tal interpretação
resultaria em forte dirigismo do Estado na Economia e na própria vida das pessoas,
recepcionando, portanto, a ideia de proibição absoluta da publicidade ou mesmo a sua
exacerbada regulação – o que, desde logo, não nos parece ser a via mais adequada, além
de inconstitucional. Pedagogicamente, significa a capitulação de todo o sistema familiar
como histórica fonte primária à boa educação e desenvolvimento do ser humano, o que,
pessoalmente, parece-me o caminho errado.

Com efeito, independentemente da existência real do problema – e, de fato, abusos são


praticados – do ponto de vista da técnica normativa, a simples proibição da publicidade
infantil não parece solucionar (nem mesmo atenuar fortemente) todos os males
apregoados e imputados, quase que exclusivamente, aos efeitos da publicidade (i.e.,
obesidade infantil, angústia, depressão, introdução precoce da criança ao consumismo e
à sexualidade, entre outros).

Há muitas dúvidas, ou pelo menos não há qualquer certeza, de que em uma sociedade
tão complexa como a nossa a criança deixará de ser alcançada pela publicidade, mesmo
no caso de proibição/banimento. Em uma sociedade de consumo altamente marcada
pela conectividade e tecnologia, com produtos (jogos eletrônicos, músicas, roupas,
brinquedos, acessórios de toda sorte etc.) que chegam às mãos das crianças pelos mais
diferentes canais – muitas vezes por iniciativa dos próprios pais (e.g., quem já não
flagrou a clássica cena de uma criança de três anos totalmente absorvida pelo tablet do
pai no banco de um shopping center?) –, seria praticamente impossível imaginar que
nossas crianças deixarão de ser impactadas por estímulos publicitários. Não se pode
esquecer também que em uma economia, como a brasileira, em que parte importante
dos mercados apresenta players na total informalidade, parece impossível imaginar a
efetividade de uma proibição/banimento da publicidade.

Por outro lado, há certeza de que uma excessiva ingerência do Estado na tutela do
consumidor resultará na total substituição da lei à liberdade do indivíduo. Reconhecer-
se-á a priori ser o cidadão incapaz de tomar suas próprias decisões – tanto em relação a
si mesmo quanto no que se refere aos seus filhos, em privação ao livre acesso à
informação de produtos e serviços, ou pior: em total negação à própria capacidade do
cidadão de figurar como agente transformador de uma sociedade.

Uma saída regulatória drástica também não nos parece trazer maior benefício para a
aplicação da lei. Uma regulamentação preventiva e dinâmica, sabemos, já existe e é
exercida pelo Conar, no âmbito da autorregulamentação. Ao lado disso, temos o
mencionado art. 37, § 2.º, do CDC, que apresenta amplo campo de punição. Se tais
normas, legais e autorregulamentares, não se mostraram até o momento suficientes, será
que devemos ter mais regulamentação? Para atividades dinâmicas, como a publicidade,
parece-nos complexo trabalhar no chamado campo da regulação forte, sendo muito mais
recomendável a construção de uma aplicação intensa e com qualidade. De mais a mais,
no caso de uma regulamentação ainda mais forte e minudente, quem exerceria essa
constante avaliação? Esse papel de órgão regulador? E quem constantemente faria a
revisão da regulamentação para que possamos ter um arcabouço não burocrático e
conectado com as demandas da sociedade?

Assim sendo, sem prejuízo de constantes debates e saudáveis discussões que até podem
desaguar em medidas legislativas específicas por meio de lei federal,35 parece-nos que,
do ponto de vista técnico-normativo e da efetividade, o caminho do adensamento de
aplicação do CDC precisa ser radicalmente aprofundado, tanto quanto iniciativas e
campanhas de fortalecimento do papel da família como vetor educacional primário ao
consumo responsável e à identificação de situações que colocam nossas crianças em
zona de risco.

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Heineck Schmitt - RDC 70/2009/139
• A PROTEÇÃO DOS CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS: OS
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