Jefferson A Costa
Belo Horizonte
IGC/UFMG
2013
Etapa Preliminar
O melhor meio de identificar cada planta é ter ramos com flores e frutos de uma mesma planta,
de reconhecer sua identidade, seu nome e sobrenome, a que família pertence. A flor e o fruto, as
estruturas reprodutoras das plantas mais comuns, é que contam da identidade. É bem verdade que a
folha, a casca, o porte, todos caracteres do corpo vegetativo, contribuem para a identificação, porém, a
ciência não prescinde de garantias.
Onde a planta vive? Como ela vive? Gosta de sol? Ou de sombra? Tem resina, goma? Algum
odor? E a cor da flor? E a cor do fruto? Duro, rígido, carnoso, macio, atraente? Falta um pedaço do
fruto? As marcas são de bico? São de dentes? A folha esta comida? E é pelas margens?
Evidentemente quanto mais dados podemos anexar exsicata, ou seja, à planta herborizada, a
esta amostra, mais podemos compreender a planta e seu meio ambiente.
Ora no rancho exposto à chuva, ao frio, ora numa varanda sob olhares curiosos, separando as
plantas coletadas, amostras, estendendo-as no papel, esticando as folhas. Cansado, alquebrado do sobe
desce dos caminhos. Depois ainda era preciso anotar os dados da coleta.
Assim como Saint-Hilaire, por onde Martius anda vai observando, anotando, coletando,
herborizando. Os locais em que ambos estiveram são semelhantes em suas descrições. Porém
se faz notar algumas diferenças:
Saint-Hilaire, extremamente detalhista, literalmente palmilha e registra a região por seis anos.
Martius, por sua vez, pela extensão percorrida, durante três anos, acompanhado por Spix, trilha
caminhos ao longo de altitudes, caminhos transversais ou latitudinais e principalmente ao longo do
Brasil. Este percurso lhe permite uma visão ao mesmo tempo que abrangente, também aprofundada.
Realiza um verdadeiro rastreamento do Brasil e com isto vai elaborando uma ideia geral da vegetação.
Martius, pela distancia percorrida tem uma compreensão estruturada, hierarquizada e inigualável da
vegetação brasileira.
Desta visão geral, surgem as novas províncias brasileiras, não Província das Minas Gerais ou do Rio de
Janeiro, mas sim as Náiades, Oréades, Dríades, Hamadríades...: as províncias fitogeográficas, um nível
hierárquico maior de classificação da vegetação. Uma divisão espacial, natural.
De inicio, o grande impacto é sempre o manto de florestas virgens da Serra do Mar, lado a lado,
a quantidade e qualidade, a extensão e a diversidade das matas. E logo se faz a comparar: Os contornos
das florestas do Novo Mundo são parecidos com os das florestas do Velho Mundo, mas nada faz lembrar
a fatigante monotonia dos nossos bosques de carvalhos e pinheiros. Cada arvore ostenta seu próprio
porte, sua folhagem, que frequentemente se difere do matiz das arvores vizinhas.
Na floresta, milhares de vidas reunidas no mesmo espaço, por tempos diversos, famílias
diversas de plantas, sobre o mesmo solo, sob o mesmo céu, convivendo sem muros, crescem lado a lado.
Os tamanhos variam, porém, para a folha o importante é estar receptiva ao sol, estar para a luz em
primeiro lugar, depois tudo é detalhe.
Observa que as maior parte das arvores se eleva perfeitamente ereta de uma altura prodigiosa
e as compara em contraste com a Europa. Certas formas vegetais que entre nos apenas se mostram em
humildes proporções, lá se desenvolvem, estendem e exibem uma pompa desconhecida em nossos
climas.
Numerosos córregos serpenteiam geralmente pelas matas virgens; entretém uma temperatura
agradável; oferecem ao viajante sedento uma água deliciosa e límpida, e são bordados de tapetes de
musgos, licopodíneas e felicíneas, por entre os quais brotam begônias de hastes delicadas e suculentas,
de folhas desiguais e flores cor de carne.
Deixando o Rio de Janeiro, tomando o caminho de terá, embora empoeirado, é belo (...) mais além
percebíamos as altas montanhas da Tijuca, cujas encostas são cobertas de matas virgens. No verão o
céu é de um azul carregado, no inverno a coloração enfraquece a apresenta o azul claro que entre nós se
admira nos belos dias de outono.
Fica maravilhado não somente com a beleza, mas também com a intrincada evolução da vida vegetal,
milhões e milhões de anos colonizando a face do planeta Terra. Transformando o deserto num local
habitável, sem falar, sem correr, sem se esconder, apenas vivendo a vida normal das plantas, própria
delas e se adaptando ao meio. A vida se processando é uma eterna mudança dos seres vivos e do seu
meio ambiente, um influenciando o outro... Continuamente promovendo o desenvolvimento, limitando-
o, adequando-o. Milhões de anos de interação.
Não se pense, todavia, que a transição das matas para os campos se faz bruscamente e sem
aspectos intermediários; durante algumas léguas se veem ainda moitas de arvoredo de espaço a espaço,
mas a pouco e pouco vão se tornando mais raras, e acabam por desaparecer. A vegetação que se tem
sob os olhos é absolutamente diferente da que apresentam as matas virgens; a árvores gigantescas
sucedem gramíneas frequentemente mal desenvolvidas, entremeadas de outras ervas, e os vegetais que
mais se fazem notar no meio dessas pastagens não passam de arbustos. (...)
Após Vila do Príncipe, ingressa nas regiões junto ao Jequitinhonha e São Francisco. Em alguns
lugares em que o solo é argiloso e quase plano, vi árvores raquíticas e separadas como as dos tabuleiros
do sertão; mas seus caules eram mais delgados e mais estendidos, de cascas encortiçadas, com folhas
duras e quebradiças.
Tanto Saint-Hilaire, com Von Martius nesta parte do registro, fazem poucas referências
à interferência humana na paisagem. Citam a exploração do ouro, mas em suas anotações
predominam o desmatamento da vegetação para dar lugar às lavouras, pastagens e do uso da
madeira na carpintaria. Mas principalmente denotam uma preocupação com impactos da
devastação que o homem já provocava naquele século.
Próximo de Mariana e ao longo do caminho que virá pela frente, de tempo em tempo reclama.
Não reclama da devastação da mata paro o uso, reclama pelo abuso, pelo desperdício, da falta de
valores e de princípios para com a natureza, como se a terra fosse descartável. A consequência é o
desequilíbrio. Quantas montanhas, rios, quantas árvores são necessárias para preencher os vazios do
insaciável?
Bastaram-nos duas horas de trajeto para chegar a Mariana, os primeiros habitantes gastavam
cinco dias para fazer essa viagem, quando a região ainda estava coberta por matas virgens e se era
obrigado a seguir, através de rochedos e sarças, todas as sinuosidades que o Rio Ouro Preto descreve em
seu curso.
Após descer a Serra da Lapa, volta a comentar vezes seguidas o efeito da devastação, pela visão
continua de áreas desmatadas. Toda a região percorrida, cerca de 10 léguas, entre Itambé e Cocais, é
coberta de montanhas. Outrora esta zona apresentava florestas imensas, que foram queimadas para
fazer lavouras, e em seu lugar veem-se hoje somente grandes samambaias, o capim gordura e
capoeiras. (...)
Análise dos Fatores Ecológicos e das Limitações por eles Impostas
Quanto mais exposta a planta a um meio adverso, em geral, menor o seu tamanho. Depois de
saber fazer troncos e folha grandes, reduzir o tamanho é uma adaptação. Reduzir o tamanho,
economizar água de todas as formas possíveis.
Estimulada sem cessar pelos dois principais agentes, umidade e o calor, a vegetação das matas
virgens está em perpétua atividade. As matas dos arredores do Rio de Janeiro têm mais majestade do
que todas as que vi em outras partes do Brasil, talvez porque me parte alguma a umidade seja tão
grande como lá.
Um pouco antes de Itambé, a terra que até lá fora argilosa, vermelha e compacta, passa
subitamente a apresentar uma mistura de areia branca e preta, entremeada de rochedos; e a vegetação
muda bruscamente como a natureza do solo. Na terra argilosa crescem grandes bosques; na arenosa,
apenas uma vegetação rala e enfezada, mas, ao mesmo tempo muito variada; e o que é muito notável,
toda essa vegetação é quase a mesma da parte mediana da montanha elevada em que herborizei na
Serra da Caraça, montanha cujo solo é igualmente formado de areia branca e negra.
Próximo a Itambé, a região propicia a correlação da vegetação com o solo: onde tem argila, tem
bosques; onde tem areia, tem uma vegetação enfezada.
Nas montanhas, em geral com rochedos descobertos, ou onde o terreno é pedregoso, arenoso
ou ferruginoso, a vegetação é anã. Aparentemente desertas ao longe, constituem local de maiores
coletas, onde olhar se delicia inúmeras vezes pela beleza das flores, pelas originalidades das adaptações,
pelo exemplo das associações.
Serra da Piedade. Começa-se a subir uma encosta firme, onde o terreno é todo de ferro. A
vegetação muito fraca não apresenta senão arbustos, subarbustos e ervas. As espécies que ai aparecem
são das mesmas que colhi na Serra do Caraça, com a diferença que esta ultima apresenta uma
quantidade de vegetais bem mais considerável que a Serra da Piedade visto ser mais úmida.
A recorrente comparação entre as vegetações do alto das montanhas pelos
naturalistas, sempre frisando suas similaridades, pode ser explicada pela temperatura e
disposição hídrica equivalentes devido a altimetria destes lugares. Destacando também a
peculiaridade da vegetação dos altos das serras.
Crescer nas Serras é contrariar todos os princípios de vida fácil. Mas as plantas sabem varias
formas e insistem. Plantas que sabem guardar e economizar água, crescem juntas cooperando umas
com as outras. Não importa o grupo a que pertencem: musgos, líquenes, samambaias, dicotiledôneas,
monocotiledôneas. Lado a lado criam uma pequena comunidade, criam um pequeno abrigo que
corajosamente enfrentam os extremos do meio.
Pela semelhança da vegetação, que este ponto deve ter a mesma altitude que a cidade de Vila
Rica e a Serra do Caraça. Povoam-na, melastomáceas, mirtáceas, rubiáceas e cinchona; todavia, no meio
dessas plantas, encontrei algumas que ainda não recolhera até então. Encontrei ai varias espécies que já
recolhera na Serra da Caraça.
Chegando a Serra da Lapa, a medida que a percorre, reafirma a similaridade da vegetação com
a de outras serras. Já havia observado uma vegetação da mesma natureza nos planaltos de todas as
altas montanhas onde havia herborizado até então. Acredito que se pode, sem risco de enganos,
considerar esse tipo de vegetação como pertencendo aos planaltos das mais altas montanhas do Brasil
Observa que plantas de porte comumente pequeno e herbáceo, como muitas da família das
Compostas, da família da dália, do girassol (...), encontram aqui condições para romper os limites
familiares, romper com a tradição e, estimuladas e nutridas pelo meio, crescem mais.
Destaca quando se dirige a Serra da Lapa, por Tapera e Congonhas. Neste trecho, ainda as
matas estão presentes alternando-se com encostas íngremes e rochedos, fatores que impedem a
continuidade das matas.
As Gramíneas que mostram maior variedade na vegetação. Sem construir troncos, fortaleza
vegetais, as gramíneas primam em geral, pelo refazer constante no tempo e espaço, isto é
adaptabilidade. Daí a Variedade! Quanto mais dispersas, ocupando terras diferentes, climas diferentes,
mais possibilidades de variação. Em tudo a perspectiva de uma correlação da planta com o meio, uma
conformação, o meio externo sugerindo, permitindo, orientando e limitando, o meio interno se
explorando, tomando forma, se definido. São extremamente expertas dominam o horizonte. Tecem com
seus caules e raízes uma rede e deixam o vento passar entre suas folhas. Sabem muitas formas de não
deixar o vento levar sua água. Sabem manobrar os efeitos do sol, dos insetos e fungos. Já que são
monocotiledôneas, mantêm uma zona de crescimento protegida e, na época propícia, lá estão os tufos
de folhas cortadas, queimadas, ressecadas, crescendo da base, trazendo um novo alento, um novo
verde.
As lianas que dão as florestas suas mais pitorescas belezas; são elas que produzem os mais
variados acidentes.
A uma altura prodigiosa uma Arácea epífita chamada cipó-imbé cinge o tranco das mais
grossas arvores; as marcas das folhas antigas que se desenham sobre o seu caule em forma de losangos,
fazem-na assemelhar-se à pele de uma serpente; esse caule dá implantação a folhas largas, de um verde
luzidio, e da parte inferior do tronco nascem raízes finas que descem até a terra retas como fios a prumo.
(...)
Tillandsia, uma Bromeliaceae, a família do abacaxi. Tillandsia e orquídeas que muitos acreditam
ainda hoje serem parasitas. Não, de fato bromélias e orquídeas são consideradas plantas epífitas, que
vivem sobre outras, sem contudo explorar o alimento da hospedeira. São apenas hóspedes sem data
para partir...
Um tipo particular de planta chama a atenção do viajante e ele a descreve: Até então não
encontrara bambus senão em meio de florestas virgens, misturados a grandes árvores; mas encontrei os
morros vizinhos ao local chamado Alcaide-Mor, cobertos quase unicamente dessas ervas gigantescas.
Antes mesmo de ter podido reconhecê-las, já de longe me ferira a vista o aspecto aéreo da vegetação
que percebia sobre as colinas; experimentei um verdadeiro encanto quando vi de perto essas florestas de
gramíneas com a altura, talvez, de quarenta a sessenta pés, que, curvadas em arcadas elegantes, se
cruzavam em todos os sentidos, entremeavam seus imensos panículos e deixavam entrever o azul do céu
através das folhas estendidas como uma tapeçaria ao ar livre e sustentadas por semi-verticilos de folhas
delicadas.
Os coqueiros presentes na cidade de Luís Antonio, que tem o nome de indaiá, produz um fruto
de sabor agradável e é empregado principalmente em doces. Do alto da árvore, parte um enorme tufo
de folhas aladas muito compridas que, em vez de se estenderem em arco horizontal, como sucede
geralmente com as palmeiras, erguem-se em direção quase vertical e, bem na extremidade, curvam-se
graciosamente à maneira das penas de um avestruz.