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1. A Tríplice Aliança; (...

) Existe uma convicção cega e ingênua, no estrangeiro,


no sentido de que, no fundo, os interesses das massas coin-
2. Pequena empresa e cidem com os interesses pecuniários dos homens de negócio
internacionalização na produção; que vivem na esfera do mesmo conjunto de normas gover-
3. Uma coalizão nacionalista no centro? namentais.
4. Repercussões nacionalistas;
Thorstein Veblen. A Teoria da empresa comercial 1904.
5. Economia transnacional e política
nacional.
Tendo chegado ao Brasil independentemente de convi-
te e sendo alojado pelos brasileiros de propósito em
um hotel, em vez de em uma .residência oficial, seria
difícil a Jimmy Carter deixar de perceber que, na pri-
mavera de 1978, as relações Brasil-EUA estavam se-
guindo uma nova direção. Para alguns observadores
as mudanças eram confusas. Quando o Brasil renun-
ciou à ajuda militar dos EUA, os colunistas conserva-
dores Evans e Novak começaram a falar, de modo um
tanto histérico, de como "o Brasil poderia passar a li-
derar um bloco de centro-direta antiamericano no He-
misfério Ocidental".
Econômica e politicamente havia novos elementos
nas relações Brasil-EUA: enquanto a Comissão de
Comércio Internacional dos EUA criava dificuldades
para os exportadores brasileiros de produtos manufa-
Peter Evans** turados, a Interbrás, a maior das trading companies
estatais, procurava obter mercados na União Soviética
e na Europa Oriental; e enquanto dirigentes da Asso-
ciação dos Trabalhadores da Indústria Automobilísti-
ca (UAW) começavam a se preocupar com o número
de motores Pinto que chegavam do Brasil para De-
troit, os industriais brasileiros, por sua vez, reclama-
vam de que a Comissão de Comércio Internacional dos 35
EUA estava sendo protecionista em relação à indústria
americana. Ao mesmo tempo em que a Interbrás nego-
ciava a montagem de refrigeradores e condicionadores
de ar na Nigéria e a construção de hotéis no Iraque,
protestava-se no Congresso americano contra o au-
mento da exportação de aço brasileiro para os EUA.
Para as multinacionais americanas que operam no
Brasil, a situação passava a apresentar aspectos inquie-
tantes. Havia "uma certa perplexidade em virtude da
crescente tensão restritiva nas atitudes governamentais
com relação à sua presença na economia";' A inquie-
tação foi acentuada pelo surgimento de uma minuta de
proposta de um grupo brasileiro produtor de maquina-
rias cuja intenção era restringir a ação das multinacio-
nais; proposta na qual, de acordo com Business Latin
America, "a linguagem e as acusações repetiam os ata-
ques mais veementes dos críticos da esquerda ao capi-
tal estrangeírov.s Para as multinacionais, as preocu-
pações potenciais com o nacionalismo eram combina-
das com receios de que, se os desentendimentos políti-
cos entre os governos brasileiro e americano não fos-
sem resolvidos, "o comércio e o investimento america-
no na região pudessem ser postos de lado em favor de
novos investidores europeus e japoneses";'
Haveria, na realidade, uma diferença nas relações
Brasil-EUA? Afinal de contas, as multinacionais ame-
ricanas continuam a manter uma posição de comando
• Tradução do original em inglês por na economia brasileira. O comércio entre os dois
Paulo Lollato e revisão técnica por países ainda consiste, principalmente, no intercâmbio
Regina Laura de SouzaPinto. de matérias-primas do Brasil de produtos manufatura-
.* Professor do Departamento de dos dos EUA. A estrutura básica de dependência per-
Sociologia da Brown University, USA. manece, quer Jimmy Carter fique num hotel ou não.

Rev. Adrn. Ernp., Rio de Janeiro, 19(3): 35-50. jul./set. 1979

Empresas multinacionais e relações brasil eua


Uma análise das relações Brasil-EUA ainda deve co- des da acumulação local, independentemente de suas
meçar pelos modelos de estrutura de classe e de re- origens estrangeiras; assim sendo, o Brasil começou a
lações comerciais desenvolvidos pelos teóricos do im- colocar seus produtos com mais agressividade no mer-
perialismo e da dependência. Ao mesmo tempo, seria cado internacional. Ao mesmo tempo, os Estados Uni-
um erro descartar as controvérsias atuais como mera- dos, sofrendo no balanço de pagamentos déficits tão
mente efêmeras e transitórias, pois estas indicam alte- crônicos como aqueles que atormentam o Brasil, vol-
rações a longo prazo que afetam as estruturas de clas- taram a considerar sobre se a abertura para a econo-
ses dentro - bem como as relações de classe entre - mia internacional ainda seria de seu interesse. Simulta-
tanto na periferia como no centro. neamente, começaram a surgir dúvidas sobre se o fato
de os donos do capital serem cidadãos americanos é
Um dos pontos-chave para início da análise do cres- uma garantia suficiente de que a expansão do capital
cimento econômico na periferia sempre foi o papel do servirá aos interesses nacionais.
capital estrangeiro em relação ao desenvolvimento na-
cional. O imperialismo preocupa até mesmo os latino- Essas tendências são as únicas reconhecidas e ainda
americanos que são a favor do desenvolvimento capi- não se apresentam de forma bastante forte para trans-
talista, porque ele supõe uma cisão entre os inte- formar as estruturas fundamentais de imperialismo e
resses do capital e o desenvolvimento das forças pro- dependência. As relações entre a General Motors e o
dutivas locais. Na medida em que o capital tem suas Estado brasileiro serão sempre diferentes das relações
origens no estrangeiro, ele pode preferir negligenciar entre a GM e o aparato político dos EUA. Não obstan-
os problemas da acumulação local, levando o exceden- te, há uma tendência inegável no sentido de um cres-
te e utilizando-o para favorecer a acumulação em ou- cente afastamento das multi nacionais da política de
tros lugares. A desconfiança do capital estrangeiro ca- seus países de origem e um estreitamento de laços entre
minha paralelamente ao mito da "burguesia nacio- elas e certos Estados semiperiféricos como o Brasil. De
nal", a classe empresarial local com um projeto de de- maneira similar, há paralelos marcantes entre as si-
senvolvimento. Presume-se que uma burguesia nacio-": tuações enfrentadas pelo capital nacional brasileiro e
nal latino-americana teria um engajamento inevitável pelo pequeno capital orientado para a economia inter-
com o desenvolvimento das forças produtivas locais, na nos Estados Unidos. Ambos se consideram depen-
embora não necessariamente para com a distribuição dentes e, ao mesmo tempo, prejudicados pelos recur-
dos frutos do aumento da produtividade. Mas a emer- sos sobre o comando do capital internacional.
gência de uma burguesia nacional é vista como uma Explorar essas tendências curiosas requer a cobertu-
possibilidade problemática, ou até mesmo inatingível. ra de áreas discrepantes e aparentemente desconexas.
36 Nos países do centro, é tomada como certa a exis- A natureza da atual "tríplice aliança" que une as
tência de uma burguesia nacional. A lealdade nacional multinacionais, o Estado e a elite do capital nacional
do capital é questionada somente por cínicos, subversi- no Brasil será o nosso ponto de partida. As contradi-
vos e algum populista ocasional. Subsidiar a acumu- ções desta tríplice aliança e o papel essencial das
lação do capital no estrangeiro é justificado enquanto exportações para sustentar o modelo brasileiro
os donos do capital estão domiciliados no país. E assu- também devem ser examinados. Um estudo do impac-
mido que as aventuras internacionais do grande capital to das mudanças da economia internacional sobre o
contribuem para a acumulação local. Serão abertos crescimento econômico e a mão-de-obra dos EUA dá
mercados, o suprimento de matérias-primas será asse- seqüência às considerações sobre os problemas econô-
gurado, os lucros, remetidos de volta - e o país cen- micos brasileiros. Finalmente, um exame das varieda-
tral, e também sua classe operária, serão beneficiados. des de reações nacionalistas' ao capital internacional,
tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, fornecerá
Na periferia, o grande capital e o capital estatal são, a dinâmica política que complementa a análise econô-
em parte, antagônicos na medida em que o grande ca- mica.
pital é estrangeiro. A ausência de' uma burguesia na-
cional coloca um pesado fardo empresarial sobre o Es- 1. A TRÍPLICE ALIANÇA
tado. Os nacionalistas são cautelosos a respeito da
abertura para a economia internacional. O comércio Com a promulgação da idéia de "desenvolvimento as-
externo, como o capital estrangeiro, é uma faca de sociado dependente" por F. H. Cardoso, os estudiosos
dois gumes, às vezes facilitando o desenvolvimento lo- do imperialismo começaram a examinar de modo mais
cal, mas facilitando talvez somente a dependência e detalhado a hipótese de que o capital internacional es-
subvertendo o desenvolvimento local. Para o centro, a tivesse invariavelmente em oposição à industriali-
economia internacional é uma arena para o engrande- zação, em todos os lugares da periferia.' Analisando
cimento nacional e uma via para a resolução do confli- as estatísticas sobre o investimento estrangeiro em
to de classes interno. John Robson e CeciI Rhodes con- áreas 'menos desenvolvidas desde 1945, nota-se que
cordavam em que o imperialismo permitia continuar a houve um aumento dramático no investimento estran-
acumulação sem distribuição. geiro direto na área de manufaturas. Este investimento
não atingiu grande parte do Terceiro Mundo, mas em
O fato principal para a evolução das relações entre o
alguns dos maiores e mais bem dotados países menos
Brasil e os EUA é que, embora apresentando muitos
desenvolvidos tornou-se parte de uma arrancada im-
aspectos de dependência, o Brasil está começando a as-
portante para a industrialização.
sumir características "semelhantes às dos países cen-
trais". O Estado brasileiro considera a sério a possibi- Países como o Brasil e o México mudaram o sufi-
lidade de o capital vir a ser subordinado àsnecessida- ciente para serem considerados semiperiféricos ao

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invés de partes da periferia verdadeira." Esses países trial. Pode ser chamado de "nacionalismo da AB-
não se envolveram apenas na substituição de impor- DIB" (derivado de Associação Brasileira pelo Desen-
tação "fácil", mas também na produção de bens volvimento da Indústria de Base, que contém alguns
básicos e intermediários. A imagem clássica do desen- dos nacionalistas mais fervorosos da burguesia local).
volvimento do Terceiro Mundo, como uma luta entre A maior mudança estrutural em termos de proprie-
o interesse pela industrialização de uma nascente bur- dade industrial durante o período do "milagre" (apro-
guesia nacional e o capital estrangeiro, interessado em ximadamente 1968-1974) foi, como Newfarmer e
manter o país em seu lugar tradicional na divisão inter- Mueller sutilmente demonstraram, não um declínio na
nacional de trabalho, começa a perder cada vez mais participação brasileira, mas sim um declínio na
seu sentido. A acumulação parece, de fato, estar ba- participação privada brasileira. 10 Do ponto de vista do
seada numa tríplice aliança entre as multinacionais, nacionalismo do CDI isto não representa um desastre,
um segmento dos maiores detentores de capital local e mas pode mesmo ser visto como uma melhora, depen-
o Estado empresarial. dendo da avaliação que se tenha sobre a eficiência das
Considerar a estrutura da elite de países como o Bra- corporações estatais. Também não representa um de-
sil como sendo caracterizada pela tríplice aliança não sastre do ponto de vista dos grandes grupos privados
significa rejeitar a possibilidade de conflitos entre as brasileiros, que fazem parte da "burguesia internacio-
elites.' A noção de tríplice aliança acompanha a idéia nalizada" de Cardoso e Faletto ou do "grupo transna-
de Sunkel de "desintegração nacional e integração cional" de Sunkel. Como Cardoso e outros já nota-
transnacional' na medida em que sugere uma ruptura ram, os ativos das maiores firmas brasileiras aumenta-
importante entre os maiores grupos detentores de capi- ram durante o milagre tão ou mais rapidamente que os
tal e o resto da burguesia brasileira." Esses grupos, que ativos dos grupos estrangeiros. 11 Um problema políti-
Cardoso, Falette e outros denominaram de "burguesia co foi criado, todavia, e sua magnitude seria substan-
internacionalizada", podem participar do processo de cialmente ampliada se um aumento na democratização
acumulação acionado pela tríplice aliança." A partici- alargasse o segmento da burguesia local que tem aces-
pação do resto da burguesia local é parcial, pro- so ao aparato estatal.
blemática e altamente dependente da sua capacidade Os dois tipos de nacionalismo são, na prática,
de manter o acesso político efetivo aos níveis mais al- difíceis de· separar. Juntos, eles resultam uma tensão
tos do aparato estatal. persistente entre a elite brasileira e as multinacionais.
Além dos conflitos criados pela marginalização de Não obstante, o aspecto dominante desta relação é de
parte da burguesia local, certas contradições persistem colaboração em torno do interesse comum na
entre os interesses do capital internacional e as necessi- acumulação local do capital. Para as multinacionais 37
dades locais de acumulação. Haverá sempre uma americanas, o desenvolvimento dependente, sob a
diferença entre os objetivos do nacionalista, que enfa- égide da tríplice aliança, tem sido bastante lucrativo no
tiza o completo desenvolvimento da divisão do traba- Brasil. A maioria das estimativas das taxas de lucro
lho interno, e as estratégias requeridas pelo capital in- para as filiais brasileiras é pelo menos 500/0maior do
ternacional. A estimativa das multinacionais sobre a. que as taxas de lucro das grandes corporações dentro
gama de atividades e indústrias que se deve impla:ntar dos Estados Unidos." No fim da década de 60 e início
no Brasil será sempre menor que a estimativa dos na- da década de 70, o Brasil forneceu às multinacionais
cionalistas. A multinacional não vê razão em correr um amplo campo para expansão, num período em que
riscos para prover o Brasil com particularidades que as economias desenvolvidas não estavam crescendo ra-
possam beneficiar o processo global de acumulação, pidamente. Incentivos fiscais e um crescimento signifi-
mas que não tragam benefício para a empresa. A mul- cativo, tanto no mercado de bens duráveis quanto no
tinacional tem opções e deve exercê-las de uma manei- de bens de produção, assim como controles rígidos so-
ra que preserve sua flexibilidade e liberdade de ação. O bre a mão-de-obra e aparato estatal relativamente pre-
nacionalista e a multi nacional devem sempre operar visível e receptivo tornaram o Brasil um país atraente.
com alguma tensão entre si, mesmo que ambos não es-
No fim de 1976, o valor dos investimentos america-
tejam preocupados com questões de bem-estar social
nos na indústria, no Brasil, aproximava-se de quatro
ou distribuição. bilhões de dólares. Tais investimentos só eram suplan-
O Estado brasileiro tem de ser nacionalista no senti- tados pelos realizados no Canadá, Inglaterra, França e
do de continuar a pressionar as multinacionais para Alemanha Ocidental. A tríplice aliança cresceu em tais
dar prioridade à acumulação local, pois de outra for- proporções que nem o Estado brasileiro nem as multi-
ma suas próprias bases econômicas estariam minadas. nacionais podem pensar em dissolvê-la. Por isso, as di-
Este tipo de nacionalismo, guiado pelas necessidades mensões do envolvimento das multinacionais no Brasil
objetivas da acumulação local, poderia ser chamado ressaltam as contradições contidas na tríplice aliança e
de "nacionalismo dos planejadores", ou, no Brasil, de prenunciam que suas tentativas de negociar com essas
"nacionalismo do CDI" (derivado do Conselho de contradições terão repercussões em seu comportamen-
Desenvolvimento Industrial, que decide sobre que pro- to em outras partes do mundo.
jetos industriais devem gozar de incentivos fiscais). O
nacionalismo do CDI é complementado pelo da bur- As lutas dentro da tríplice aliança não assumirão a
guesia local - quer dos elementos excluídos da tríplice forma de conflito interno com o objetivo de arrasar os
aliança, quer dos que estão tentando melhorar sua outros participantes; tomarão a forma de barganha e
posição dentro dela. O nacionalismo é uma arma negociação entre parceiros cujos interesses se entrecru-
ideológica útil para proteger sua parte na arena indus- zam e que reconhecem o mérito um do outro. Um

Empresas multinacionais
grande número de barganhas pode ser agrupado sob o firma americana "orientada para o mercado interno"
título geral de controle. Ambos os nacionalismos, o do . como instrumento para aumentar seu poder de barga-
CDI e o da ABDIB, gostariam de limitar o poder e a nha contra as multinacionais. A Sycor é uma firma
área de manobra das multinacionais forçando-as a di- muito pequena que nunca poderia considerar a sério
vidir o controle em seus empreendimentos - quer um confronto com a IBM no mercado americano.
submetendo-as a maior regulamentação que permita Com poucos anos de existência em 1976, e menos de
aos sócios locais uma participação igualitária e conse- 2.000 empregados, teria sido um competidor conside-
qüentes prerrogativas decisórias, quer exigindo maior rado inviável pelo mercado brasileiro se agisse por
transferência de tecnologia. conta própria. Como empresa minúscula, teria muito
menos a perder ao dividir sua tecnologia com o Brasil,
Por seu lado, as multinacionais não podem permitir e essa tecnologia era o ingrediente vital necessário à
que a localização de seus estabelecimentos no Brasille- Cobra para colocar-se numa posição de barganha bas-
vem ao que se pode denominar de "efeito de Moran" tante vantajosa diante das indústrias multinacionais de
- diminuição do poder de barganha proporcional à
computadores.
segurança dos ativos investidos no pais-hóspede."
Elas devem lutar para preservar o relativo monopóiio Um tipo bem diferente de solução para a questão do
da tecnologia que possuem. Inversamente, na medida controle é ilustrado pelas manobras da Dow Chemical
em que a posição das multinacionais torna-se cada vez em meados da década de 70. A Dowentrou no Brasil
mais importante para os setores dinâmicos da econo- relativamente tarde, com grandes projetos, e supreen-
mia brasileira, revela-se essencial um maior controle dentemente conseguiu estabelecer-se numa base de ca-
local sobre as multinacionais para que o Estado brasi- pital exclusivo." Embora não quisesse aceitar partici-
leiro possa dirigir o processo de acumulação. Estão na pantes locais no seu capital, estava decidida a fazer im-
agenda assuntos tais como cortes nas prerrogativas le- portantes investimentos no desenvolvimento da tecno-
gais das multinacionais forçando-as a efetuarem inves- logia local, e reservou mais de cinco milhões de dólares
timentos conjuntos e, talvez ainda mais importante, para a instalação de um centro de pesquisa e desen-
restrições às suas vantagens tecnológicas através da volvimento, seu quarto maior centro de pesquisa do
obrigação explícita de compartilhar tecnologia. Den- mundo." Com este gesto no sentido de reduzir a de-
tro da estrutura geral de colaborações e de interesse co- pendência tecnológica do Brasil, a Dow reduziu
mum, a luta pelo controle continuará intensa. também a possibilidade de que seu controle exclusivo
sobre as próprias operações fosse ameaçado.
O melhor exemplo recente de luta por obtenção de
controle é a controvérsia de 1977 sobre a indústria de . A adaptabilidade das multinacionais varia de com-
38 minicomputadores. O Brasil estabeleceu a partici- panhia para companhia e a pressão do Governo brasi-
pação nacional igualitária e a tecnologia aberta, isto é, leiro sobre elas irá variar de acordo com as flutuações
"a transferência efetiva de tecnologia para mãos brasi- do clima político local e o grau de importância de ou-
leiras, sem cláusulas restritivas", como o critério tros problemas econõmicos. O primeiro entre esses ou-
básico de aprovação de incentivos para a instalação lo- tros problemas é o desequilíbrio da balança comercial
cal de fábrica de computadores. '4 A IBM, que não tem brasileira.
investimentos conjuntos nem mesmo nos EUA, estava
Um dos pontos fracos mais óbvios do modelo brasi-
disposta a construir seu modelo 32 no Brasil, se lhe
leiro atual é a ênfase conferida às importações. Se for
fosse permitido operar como única detentora do capi-
verdade, como a Comissão Econõmica para a América
tal. Outras grandes indústrias de computadores, tais
Latina anunciou há alguns anos atrás, que "para 1070
como a Data General, participavam das reações adver-
do crescimento do produto, o volume das importações
sas da IBM às condições impostas pelos brasileiros.
deve aumentar em 2070", ou o padrão de crescimento
Se as multinacionais tivessem sido os únicos setores interno deve ser alterado, ou as exportações devem
envolvidos, a capacidade de barganha do Brasil teria continuar a crescer de maneira impressionante. 17 O au-
sido mínima, mas, infelizmente para elas, este não era mento no preço do petróleo agravou o problema, mas
o caso. A Digibrás, companhia estatal holding na as necessidades de importação de bens de capital e in-
indústria de computadores, estabeleceu uma subsi- termediários para as multinacionais são elementos
diária, a Cobra, também estatal, com participação de fundamentais da importação intensiva no quadro do
capital privado nacional. A Cobra, por sua vez, adqui- desenvolvimento brasileiro. Um estudo feito pelo Mi-
riu know-how e peças da companhia americana Sycor. nistério do Planejamento mostrou que dois terços do
Desde que se evidenciou que a Cobra poderia produzir déficit comercial brasileiro, excluído o petróleo, pode-
minicomputadores no Brasil, a Capre, agência brasi- riam ser atribuídos às atividades de pouco mais de 100
leira encarregada de regulamentar a indústria de com- multinacionais.!"
putadores, ficou em condições de interromper a im-
Do ponto de vista das multinacionais, a natureza de
portação de minicomputadores e, assim, afastar qual-
sua expansão no Brasil, baseada na importação inten-
quer multinacional que não aceitasse seus termos. Pa-
siva, não é nada desvantajosa. Cerca de 70070 de toda a
ra aumentar a pressão, a Capre estabeleceu que so-
mente duas firmas, além da Cobra, seriam autorizadas exportação de produtos manufaturados dos EUA para
a montar indústrias de minicomputadores. A multi na- o Brasil era "relacionada com as multinacionais", de
cional que demorasse a ceder seria, portanto, definiti- acordo com uma enquete da Comissão de Tarifas dos
EUA.IY
vamente afastada.
Um dos aspectos mais interessantes da estratégia na- Embora a industrialização sob a forma de importa-
cionalista neste caso foi a utilização pelo Brasil de uma ção intensiva não seja desvantajosa para as multina-

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cionais, ela representa um problema crítico para o Bra- problemas de balanço de pagamentos, uma das com-
sil. Durante o milagre, desequilíbrios na balança co- pensações para a transferência de crescentes quantida-
mercial, juntamente com um saldo negativo de ser- des de capacidade industrial para os países da semipe-
viços, criaram um crescente déficit nas contas corren- riferia tem sido o correspondente crescimento do mer-
tes, financiado por empréstimos externos até que o cado de maquinaria implantada. Um estudo patroci-
custo da dívida chegou a ser igual a 40070 das expor- nado pelo Departamento de Comércio dos EUA no
tações. Algo deveria ser feito e havia duas possibilida- início dos anos 70 estimava, por exemplo, que as ex-
des. A primeira seria reduzir as importações, que con- portações de produtos têxteis brasileiros, no valor de
sistiam basicamente em bens de capital e produtos.in- 145 milhões de dólares, eram quase igualadas pelas
termediários. importações de máquinas têxteis, que chegavam a 115
milhões de dólares. A conexão entre a expansão da
A criação de uma indústria local de bens de capital indústria no Brasil e a expansão do mercado de
foi tentada em certas áreas, assim como o aprofunda- exportações foi tornada explícita, pois o relatório
mento do processo de industrialização, mas seu suces- aconselhava os industriais americanos a considerar
so, pelo menos durante o início da década de 70, foi li- "as vantagens de montar operações subsidiárias no
mitado.P A proporção de bens de capital adquiridos Brasil para fabricação completa ou parcial e, assim,
por meio da importação aumentou em vez de dimi- propiciar uma plataforma para o aumento das impor-
nuir, entre 1967 e 1974.21 Além disso, a tentativa de tações". Igualmente, o Pólo Petroquímico do Nordes-
criar uma indústria local de bens de capital levantou o te, que foi planejado para fornecer substitutos nacio-
problema da definição de "local" no sentido de "do- nais para produtos intermediários importados, foi vis-
miciliado no Brasil" ou de "propriedade brasileira". to pelo Departamento de Comércio dos EUA como
A expansão da indústria local de bens de capital po- um mercado potencial para 250 milhões de dólares de
deria ser tão lucrativa para as multinacionais como a equipamentos importados." A expansão da indústria
de bens de capital na semiperiferia removeria essa
substituição da importação de bens de consumo
compensação. Um setor de bens de capital de proprie-
duráveis. Mas a clara preferência do Brasil por um se-
tor de produção de bens de capital de propriedade na- dade local seria uma dupla perda.
cional é um embaraço para as multinacionais, embora
A produção local de bens de capital é muito atrativa
isto não tenha afetado seus empreendimentos. Na pri-
do ponto de vista nacionalista, e tanto os nacionalistas
mavera de 1977, por exemplo, o Fundo Industrial para
do CDI como os da ABDIB aplaudem a maior divisão
a Aquisição de Máquinas e Equipamentos - (o órgão
de trabalho local e as oportunidades para o capital na-
de financiamento de equipamentos industriais do
cional que daí derivam. Mas ela constitui uma solução 39
BNDE) fechou a lista de subsidiárias estrangeiras das
parcial e problemática para os problemas da balança
quais as companhias brasileiras poderiam comprar
de comércio: parcial, porque deixa inalterado o déficit
equipamentos e obter apoio na forma de financiamen-
criado pelas importações de bens intermediários; pro-
to com baixas taxas de juros. Esta medida poderia difi-
blemática, porque cria uma nova área de tensão entre
cultar extremamente aos fornecedores estrangeiros
as multinacionais e os nacionalistas da ABDIB. Esca-
ainda não aprovados o suprimento de equipamentos
par do déficit comercial pela expansão das exportações
para o lucrativo mercado das empresas estatais e teria
é diferente. Multinacionais, capital nacional e Estado
cortado o acesso desses fornecedores ao mercado pri-
podem unir-se com facilidade em torno desta es-
vado local. Felizmente para as multinacionais, um gru-
tratégia.
po de bancos alemães e japoneses reuniu-se e negociou
um empréstimo ao BNDE, responsável pelo Finame; Para as multinacionais, exportar do Brasil oferece a
bancos ingleses e americanos foram chamados a parti- oportunidade de substituir a produção americana de
cipar e finalmente um fundo de 150 milhões de dólares baixo lucro pela produção brasileira de lucro elevado.
foi destinado ao Finame para o uso específico de em- Suprir do Brasil e não dos Estados Unidos os merca-
presas estrangeiras." O objetivo havia sido atingido, dos de outros países do Terceiro Mundo dá às multi na-
pois enquanto fossem envolvidos apenas fundos brasi- cionais a oportunidade de tirar proveito dos generosos
leiros, a preferência seria dada à burguesia local. incentivos que o Brasil oferece às exportações. Por
Um outro exemplo marcante ocorreu quando o sis- exemplo, o Business Internationa/ comentou que, para
tema estatal de ferrovias abriu concorrência para uma uma subsidiária da Tenneco que tentava resolver como
compra de 140 locomotivas. A General Electric, a supriria de tratores e equipamentos de construção o
única companhia que há anos produz locomotivas no mercado da Nigéria, "ter o Brasil como base é boa
Brasil, naturalmente esperava ganhar a concorrência. perspectiva porque o Governo brasileiro, através da
Mas a GE é uma companhia de capital integralmente CACEX (semelhante ao Export-Import Bank dos
estrangeiro e tinha sido acusada de participar de um EUA), oferece melhores termos de crédito do que os
cartel para "dizimar sistematicamente" os produtores EUA".26 A revista Business Week mencionou o Brasil
locais de equipamentos elétricos." Ao invés da GE, a como sendo "um funil para as mercadorias destinadas
Equipamentos Villares, uma companhia que nunca à África negra" Y A Massey Ferguson descobriu que o
construiu uma locomotiva, mas que era presidida por Brasil também era um "funil útil para as mercadorias
Carlos Villares, um dos mais ardorosos defensores do destinadas à Ásia", e que poderia vender 53 milhões
nacionalismo da ABDIB, ganhou a concorrência." de dólares para uma Turquia pobre de divisas sem cor-
rer nenhum risco cambial se fabricasse tratores no Bra-
Do ponto de vista dos principais países, e em espe- sil e os vendesse por intermédio da Interbrás. Antes, as
cial daqueles que, como os EUA, têm seus próprios vendas à Turquia tinham sido feitas através do Reino

Empresas muttinacionais
Unido, mas, como o vice-presidente da Massey Fergu- prometimento é O mesmo que "receber o mapa da mi-
son explicou, "estávamos encontrando problemas pa- na". Considerando os incentivos envolvidos, é certo
ra obter créditos de exportação do Reino Unido e o que elas obterão maiores lucros em sua produção para
Brasil estava ansioso por aumentar suas exportações." exportação a partir do Brasil do que o conseguiriam de
Para a burguesia local - mesmo para aqueles ele- qualquer outro lugar. Elas também estarão numa po-
mentos que não podem propriamente ser chamados de sição bastante forte para exigir ainda maiores incenti-
membros da burguesia internacional - o aumento das vos quando os compromissos iniciais se extinguirem
exportações de bens manufaturados ofereceu uma em meados da década de 80, pois nessa época o Brasil
grande oportunidade. Indústrias como a têxtil e a de estará totalmente integrado nos seus programas de
calçados, ainda consideradas tradicionais no fim dos busca mundial de recursos. Para o Brasil, por sua vez,
anos 60, eram, em meados de 70, significativos contri- o programa Befiex representa uma contribuição subs-
tancial para a solução dos desequilíbrios comerciais. A
buintes para as exportações brasileiras; no curto
indústria automobilística, que foi responsável em
período de três anos entre 1971 e 1973, as exportações
1972-73 por um déficit na conta corrente do .balanço
de têxteis em geral aumentaram cinco vezes e as expor-
tações de têxteis acabados aumentaram oito vezes. Os de pagamentos da ordem de 180 milhões de dólares,
frutos dessa expansão beneficiaram em parte os mem- estava a caminho de produzir um excedente quase tão
bros da escala relativamente menor da burguesia local. grande em meados de 1977.29
Os bens que requerem para sua produção trabalho in- Vista apenas em termos de dinâmica interna da
tensivo e tecnologia rotineira, com os quais o Brasil aliança brasileira, a promoção da exportação gera lu-
tem mais chance de ser internacionalmente competiti- cros, acumulação local e harmonia. Infelizmente, ob-
vo, são o mesmo tipo de bens que as firmas de capital ter a cooperação das multi nacionais é apenas metade
.local estão aptas a produzir. da questão para a elite brasileira, quando o objetivo é
promoção das exportações; o mercado externo é a ou-
As companhias estatais não estão envolvidas de mo-
tra metade, e isto significa enfrentar a política interna
do direto na fabricação desse tipo de bens que o Brasil
dos países principais.
exporta, mas podem envolver-se, na medida em que
está ocorrendo uma integração vertical e elas começam O primeiro fato evidente ao analisarmos a situação
a processar os produtos primários que estão exportan- comercial do Brasil é que, com exceção do caso espe-
do hoje como matérias-primas. Os passos para a cial do petróleo, os problemas de sua balança comer-
integração vertical que já foram dados pela Compa- ciai se originam das relações comerciais que mantém
nhia do Vale do Rio Doce são exemplos básicos. Além com os países principais. Como mostra o quadro I, o
40 disso, a Interbrás, subsidiária trading da Petrobrás, Brasil teve déficits comerciais maciços no início dos
está-se tornando um fator importante na comercializa- anos 70 com os EUA, Japão e Alemanha Ocidental -
ção de ampla variedade de exportações brasileiras. A as economias "principais". As balanças comerciais
expansão das exportações, talvez mais importante do muito favoráveis com seus vizinhos menos desenvolvi-
ponto de vista das companhias estatais, renova uma dos e com os países socialistas são de magnitude insufi-
significativa barreira aos seus próprios planos de in- ciente para contrabalançar seus déficits com os países
vestimento ao aliviar a pressão para restringir impor- principais. Mesmo depois de 1974, com a crise do
tações. petróleo, esses países ainda eram sua maior fonte de
déficits. Os déficits comerciais com os países desenvol-
O enfoque dado às exportações alivia tensões sobre
vidos eram quase o dobro do déficit produzido pelo
a expansão das multinacionais. Na medida em que a
comércio com o Oriente Médio.
produção das multi nacionais é claramente destinada às
exportações, pode ser melhor justificada em termos de Quando se observa a expansão das exportações
nacionalismo e é menos ameaçadora ao capital local. através do tempo, os países principais aparecem como
Enquanto as multi nacionais puderem apresentar-se co- o maior problema do comércio brasileiro: Entre 1964 e
mo máquinas para a expansão das exportações, elas te- 1974, as exportações se expandiram de modo
rão mais facilidade de acesso a novos setores e menos dramático com os países menos desenvolvidos e com o
chances de serem desafiadas nas questões de controle e bloco socialista, embora a exportação aos países prir.-
intercâmbio tecnológico. Por fim, é claro, a expansão cipais tivesse permanecido bem atrás do crescimento
das exportações diminui a pressão sobre as multinacio- geral das exportações. Uma notável expansão em pe-
nais para reduzir suas importações de bens de capital e quenos mercados não é o suficiente: para que a expan-
de produtos intermediários, da mesma forma que o faz são das exportações tenha sucesso, essas exportações
para as empresas estatais. devem penetrar cada vez mais nos grandes mercados
mundiais.
A melhor ilustração de como a . promoção de
exportações propicia uma solução mutuamente O problema da penetração nos mercados dos países
aceitável para os conflitos potenciais entre as multina- industriais avançados é esclarecido pela análise de ou-
cionais e o Governo brasileiro é fornecida pelo progra- tra tendência mostrada nos quadros 2 e 3 - o papel
ma chamado Befiex, que alia um generoso conjunto de crescente dos bens manufaturados entre as exporta-
incentivos fiscais a um bom desempenho do balanço ções do Brasil. Os produtos primários ainda são im-
de pagamentos. No setor automobilístico, o Brasil portantes, e em anos em que uma boa colheita coincide
conseguiu o comprometimento de todas as grandes com tendências favoráveis do mercado, como em
indústrias para exportar um total de quase 6 bilhões de 1977, a exportação de produtos primários pode mesmo
dólares de sua produção num período de alguns crescer mais rápido que a exportação de manufatura-
anos.> Para as indústrias automobilísticas, esse com- dos. Mas a tendência geral é clara: os produtos manu-

Revista de Administração de Empresas


faturados devem continuar participando com uma ções dos bens manufaturados para 37010 em 1985 e res-
parcela cada vez maior das exportações brasileiras se saltou que as "perspectivas de crescimento do Brasil
se quiser manter seu ritmo de expansão. O Banco dependem diretamente do crescimento da exportação
Mundial projetou um aumento na parcela das exporta- de manufaturados" .30

Quadro 1

Balança comercial do Brasil- 1972e 1974, antes e depois da crise do petróleo (milhões de dólares norte-americanos)

Diferença:
Áreas de Importações Exportações Diferença Percentagem
comércio sobre as
importações

1972
Todos os países
desenvolvidos 3.677 3.020 -657 -18'70
EUA, Japão, Alemanha Ocidental 2.355 1.447 -908 -39
Oriente Médio 374 38 -334 -90
Bolívia, Uruguai, Paraguai 29 89 +60 +206
Países socialistas 91 288 + 197 +217
Total 4.775 3.991 -784 -16'70

1974
Todos os países desenvolvidos 9.576 5.618 -3.958 -41'70
EUA, Japão, Alemanha Ocidental 6.445 2.862 -3 ..583 -56
Oriente Médio 2.404 431 -1.973 -82
Bolívia, Uruguai, Paraguai 165 251 +86 +52
Países socialistas 189 415 +226 +120
Total 14.162 7.951 -6.211 -44'70

Fonte: Nações Unidas. Anuário de Estatlsticas do Comércio Internacional. New York, 1976. v. 1: 1974 - quadro por país. 41
Nota: As áreas são selecionadas, e, portanto, não se adicionam aos totais.

Quadro 2

Crescimento das exportações brasileiras por tipo de mercadoria (milhões de dólares norte-americanos)

Tipo de 1969 1974 Percentagem


mercadoria do aumento

Produtos primários 2.066 5.804 181'70


Bens manufaturados 245 2.147 776
Total 2.311 7.951 244'70
Manufaturados como percentagens
do total das exportações 11'70 27'70

Fonte: IBGE. Anuário Estatfstico 1972 p. 279-82; 1976 p. 245-47. Serra, José. Three mistaken theses on the connection between authori-
tarianism and economic development. In: Collier, David, ed. The New authoritarianism in Latin America. Princeton, New Jersey,
1978. quadro 10.

Quadro 3
Crescimento das exportações brasileiras por destino

Percentagem
Destino 1969 1975 do aumento

EUA 609 1.337 120'70


Europa Ocidental 1.069 3.242 203
Bolívia, Uruguai, Paraguai 34 328 865
África 24 399 1.563
Países socialistas 129 829 543
Total 2.311 8.669 275'70

Fonte: IBGE Anuário Estatlstico 1972 p. 279-81; 1976 p. 245-47. Serra, José. op. cito quadro 10.

Empresas multinacionafs
o cenário para a futura expansão das exportações quena empresa nos países mais importantes é ilustrado
do Brasil é claro. O grande déficit que tem caracteriza- pela situação da indústria de calçados dos EUA.
do suas relações comerciais com os países principais Um sumário do rápido declínio da indústria de calça-
deve ser superado pela colocação de uma proporção dos americana diante da competição das importações
crescente de bens manufaturados nesses mercados. Es- por um período de 11 anos é fornecido no quadro 4.
te cenário vai diretamente ao encontro do que é cha- Mais de 70 mil empregos desapareceram entre 1966 e
mado "o novo protecionismo',' . Business La/in Ameri- 1976, junto com 30070 da capacidade efetiva da indús-
ca resumiu a situação do Brasil de forma suscinta: tria. Aqueles que permaneceram empregados também
"Economicamente, a maior alteração pode ser vista na não se beneficiaram do aumento de rendimentos ba-
luta do Brasil para exportar: pela primeira vez, está co- seado em operações mais mecanizadas ou na elimi-
meçando a penetrar em áreas alheias. Quando suas nação de fábricas ineficientes. Os ganhos médios dos
exportações eram somente de produtos primários, o que puderam manter os seus empregos na indústria
Brasil não interferia no caminho de ninguém. Mas permaneceram estagnados em termos reais e declina-
agora, ao competir por mercados de produtos manufa- ram em relação aos ganhos de outras indústrias. O va-
turados tais como carros, equipamentos de construção lor adicionado por empregado na indústria de calçados
de estradas, rádios, sapatos e tesouras, o Brasil está declinou de 52% da média das indústrias em 1964 para
encontrando os mesmos problemas que afligem outras 47% em 1974. Em resumo, a indústria de calçados nos
sociedades industriais. Estão sendo levantadas ob- EUA não estava se tornando mais moderna, nem uma
jeções aos incentivos para a exportação do Brasil, e indústria com menos trabalho-intensivo, mas estava
medidas protecionistas estão sendo invocadas. Este ti- simplesmente perdendo para a competição estrangeira.
po de resposta às suas exportações constitui o período
mais crítico das relações Brasil-EUA" .J1 A mudança estrutural mais importante da indústria
durante o período 1966-1976 foi um aumento marcan-
2. PEQUENA EMPRESA te no grau de concentração. No começo do período,
E INTERNACIONALIZAÇÃO NA PRODUÇÃO 517 pequenas companhias partilhavam pouco mais de
1/4 do mercado nacional, ao passo que 16 grandes
No Brasil, a pequena empresa de capital nacional foi companhias repartiam entre si pouco mais de 30% des-
deixada para trás pela internacionalização da econo- se mesmo mercado. No fim do período, 21 grandes
mia brasileira. Isso pode ser visto como um mal pecu- companhias eram responsáveis por metade da pro-
liar das burguesias periféricas, mas é, de fato, fenôme- dução, enquanto 292 companhias pequenas tinham
no mais geral. As pequenas companhias farmacêuticas apenas 1/5 do mercado. Trezentas companhias tinham
42 no Brasil têm muito em comum com os pequenos fa- desaparecido por completo.
bricantes de calçados da Nova Inglaterra. Mesmo loca-
lizada no centro, a pequena empresa não está em po- A estrutura das importações também se alterou du-
sição de efetuar investimentos diretos e não está prepa- rante o período. O Japão e a Inglaterra, que eram par-
rada para tirar vantagens das oportunidades de expor- tes importantes da importação de calçados em 1966, ti-
tação." Ela está preparada, em geral, para fabricar os nham perdido essa importância em 1976. A contribui-
produtos de tecnologia rotineira que o Brasil está ten- ção da Itália e da Espanha permaneceu expressiva du-
tando exportar. O efeito devastador que a expansão rante todo o período, mas Formosa, Coréia e Brasil,
das exportações da semiperiferia pode ter sobre a pe- três países que significaram menos de 1% do volume

Quadro 4
o declínio da indústria americana de calçados e o crescimento das importações

1976 como
1966 1976 percentagem
de 1966

Total de empregados 241.500 169.000 70070


Número de empresas 675 376 56
Capacidade efetiva (1.000 pares) 782.952 568.404 73
Levantamento da produção (1.000
pares) 641.696 413.087 69
Importações (1.000 pares) 96.135 369.814 384
Valor das exportações (milhões de
dólares) 2.473,5 3.482 141
Valor das importações (milhões de
dólares) 158 1.448 916
Ganho médio semanal I S71,81 S70.22 98

Fonte: Associação Americana das Indústrias de Calçados. Footwear Manual 1977. quadros 10, 11,37,38; AFIA Statistical Reporter. Re-
latório Trimestral 4. trim. 1977.
I A cifra para 1966 é a média aproximada dos lucros semanais em dólares. A cifra para 1976 é a dos lucros aproximados deflacionados

pela mudança do índice de preços para consumidores de 1966 a 1976.

Revista de Administração de Empresas


em dólares nas exportações de calçados em 1966, con- A maior parte das discussões a respeito dos efeitos
tribuíram com mais de 40070 no fim do período. Em re- dos investimentos estrangeiros tem focalizado os resul-
sumo, os ganhos reais foram obtidos pela semiperife- tados do emprego, mais que os da renda. Os estudos
ria. que encontram efeitos positivos no nível de emprego
tendem a chegar a tais conclusões por admitir que os
Para as centenas de pequenos empresários que fo- mercados estrangeiros estariam perdidos sem os inves-
ram afastados do negócio e para os 70 mil trabalhado- timentos diretos. Além disso, os empregos que pode-
res que perderam seus empregos, a mudança do inves- riam estar sendo gerados pelo investimento nacional
timento fabril para a semiperiferia foi um desastre. Na dos mesmos fundos são deixados fora da equação."
medida em que exemplos similares se acumulam, Utilizando-se de hipóteses mais moderadas, Franke
torna-se cada vez mais difícil para as multi nacionais e Freeman, em um estudo patrocinado pelo Departa-
seus defensores afirmar que investimentos no estran- mento de Estado dos EUA, concluíram que cerca de
geiro combinados com o livre comércio resultam numa um milhão de empregos foram perdidos como resulta-
política econômica ótima do ponto de vista dos "inte- do do investimento no estrangeiro, entre 1966 e 1973.38
resses nacionais". Como apontou Luciano Martins, a Estudos como estes tornam a.vida mais difícil para as
evolução da economia internacional durante as déca- multinacionais. Em 1950, quando 3/4 da produção
das de 60 e 70 "tornou bastante difícil para as corpo- mundial de automóveis tinha origem nos EUA e quan-
rações multi nacionais apresentar seus interesses parti- do este país exportava automóveis para o Brasil, a fra-
culares como sendo o 'interesse geral' dos Estados se "O que é bom para a General Motors é bom para os
Unidos" .33 EUA" era ainda plausível. Agora, que a produção de
Detroit estagnou enquanto a GM e a Ford estão ex-
Durante as últimas duas décadas, as multi nacionais pandindo sua produção em outras partes do mundo, e,
têm aumentado seus investimentos no estrangeiro nu- pior ainda, quando se observa motores do Brasil vindo
ma proporção muito maior que seus investimentos na- para os carros de Detroit e rádios do Brasil indo para
cionais. Esta tendência acelerou-se de modo particular outros Ford, torna-se difícil ver a correspondência de
durante os anos 70. Em 1960, o desempenho de capital interesses.
estrangeiro das multinacionais americanas representa-
va 11,5% do gasto nacional total nas indústrias manu- Não que as multinacionais tenham ficado sem argu-
fatureiras; em 1974, os gastos estrangeiros constituíam mento. O Prof. Stobaugh expôs o caso de modo sucin-
30,9% da despesa nacional. Esses gastos cresceram a to ao subcomitê sobre as muItinacionais, no Senado
uma taxa de 16,4% ao ano de 1960 a 1974, enquanto o dos EUA:" (... ) investimento americano, investimento
desembolso nacional cresceu apenas 8,5%. No período estrangeiro direto são partes de um ciclo para se gerar
de 1969 a 1974, a discrepância entre a expansão nacio- 43
novos produtos e novos conhecimentos nos EUA, e
nal e a estrangeira era ainda maior: os gastos de capital nós estamos exportando esses conhecimentos e esses
estrangeiro aumentaram 18,3% ao ano e os nacionais, produtos e estamos obtendo lucros monopolísticos ge-
somente 7,8%.34 Ao mesmo tempo em que as fábricas rados por essa atividade e por sua vez compramos pro-
estrangeiras estavam-se expandindo, a parcela mun- dutos acabados [de tecnologia rotineira] com o dinhei-
dial das exportações americanas de manufaturados de- ro obtido dessas exportações de bens e serviços" .39 Em
clinava em cerca de 1/3.35 resumo, estamos em melhor situação exportando com-
putadores e importanto calçados do que estaríamos se
Qual teria sido o resultado, se o Governo dos EUA quiséssemos proteger nossa indústria nacional de calça-
tivesse tentado impedir a internacionalização da pro-
dos em detrimento de nossas exportações de compu-
dução, proibindo o capital americano de ir para o es-
tadores. É um argumento plausível e que poderia ter
trangeiro? Deixando de lado a questão de como seria
uma considerável legitimidade se os EUA possuíssem
possível, tecnicamente, impedir tais fluxos de capital,
uma balança comercial favorável e baixo nível de de-
a resposta seria que o capital (que neste caso quer dizer
semprego. Sob as atuais circunstâncias, no entanto, é
as multinacionais) estaria em pior situação, ao passo
difícil conseguir essa legitimidade.
que o trabalhador americano provavelmente estaria
em melhor condição. Usando as estimativas de Peggy
Musgrave para os efeitos de renda agregada, verifica-
mos que, sem investimento estrangeiro direto, o traba- 3. UMA COALIZÃO NACIONALISTA
lho deveria ter um aumento, tanto no seu nível de ren- NO CENTRO?
da absoluta quanto na sua parcela proporcional da
renda. Se fosse possível analisar os lucros do pequeno Newfarmer e MueIler calcularam que 25 empresas con-
capital de forma independente dos lucros do grande trolam mais da metade do investimento industrial
capital, é provável que Os resultados para o pequeno americano na América Latina.'? Essas empresas
capital fossem iguais aos do trabalho. Só é possível, beneficiam-se de um número de leis fiscais favoráveis,
porém analisar o lucro do trabalho, os lucros sobre o recebem certos serviços especiais, tais como seguros
capital e o lucro nacional geral. As conclusões de Mus- (Corporação dos Investimentos Privados no Estran-
grave sào: "primeiro, que o investimento estrangeiro geiro - Opic) e esperam o apoio geral do aparato go-
tem significantes efeitos distributivos, que atuam em vernamental dos EUA. Enquanto a percepção de Hic-
detrimento do trabalhador", e segundo, que "a taxa kenlooper, da conexào direta entre seus interesses e o
líquida de lucro sobre investimento estrangeiro com es- interesse dos EUA predominar, essas 25 empresas po-
ta margem, e considerada sob o ponto de vista nacio- derão confortavelmente esperar o apoio completo do
nal, é negativa" ..16 Estado."

Empresas multinacionais
A visão de Hickenlooper do investimento estrangei- presas do ramo, "começou silenciosamente suas ope-
rações no Extremo Oriente, em Taipei, Formosa" .~~
ro pressupõe não apenas que os interesses das multina-
cionais são sinônimos dos interesses dos EUA, mas Outras empresas descobriram que tentar obter o con-
também que os inimigos das multinacionais são inimi- trole administrativo de firmas estrangeiras dá mais tra-
gos do capitalismo e, portanto, no "estilo de vida ame- balho do que lucro e que podem obter lucros de fábri-
ricano". Daí, quando as multinacionais se envolvem cas estrangeiras, sem serem seus proprietários.
em disputas ou conflitos com um governo veemente- Entre as pequenas indústrias, aquelas que se especia-
mente anticomunista, como o do Brasil, é difícil invo- lizaram no volume - ou seja, aquelas que produzem
car fervor ideológico. O que é ainda mais sério, torna- grandes quantidades de calçados baratos - foram as
se difícil invocar apoio baseado nos interesses, mesmo mais atingidas. Muitos admitem que empresas com es-
de outros proprietários de capital. Os investidores no sa especialização ou terão de mudar de linha ou irão à
estrangeiro carecem mesmo do suporte político com o falência. Há outros tipos de indústrias de calçados, en-
qual os produtores de armamento podem contar. Estes tretanto, em que as empresas locais têm mais vanta-
benefíciam-se do apoio dos trabalhadores, ansiosos gens. Em certos estilos, tais como botas pesadas e sa-
por preservarem seus empregos, e do apoio dos Gover- patos esportivos de couro, o estilo americano predomi-
nos locais, ansiosos por preservarem sua fonte de im- na. Em calçados de couro de alto preço, a mão-de-
postos. As indústrias no exterior não têm nenhum des- obra direta representa somente 15-20aJo do valor do
ses apoios. produto. Quando o fabricante estrangeiro paga o fre-
Por que razão proprietários de pequenas empresas te, os impostos, a estocagem é difícil para ele obter al-
_ fábricas de calçados, por exemplo - não se agrupa- guma vantagem no custo, mesmo que a mão-de-obra
riam em torno de um programa nacionalista que en- tenha sido muito barata. Nos segmentos de mercado
volveria o protecionismo das indústrias nacionais, o de alto preço, onde a moda predomina, há uma grande
fim das taxas e outros privilégios para investimento no vantagem em se estar próximo do mercado consumi-
estrangeiro e talvez, em caso extremo, o fim do apoio dor. Uma pequena empresa local pode atender ao va-
militar dos EUA aos regimes autoritários cuja política rejista dentro de 25-35 dias, enquanto uma companhia
repressiva ao trabalho torna possível as exportações? brasileira ou chinesa necessita 6 meses.
Se estivéssemos buscando um elemento nacionalista Em resumo, há um número de áreas nas quais a pe-
entre os pequenos capitalistas, a indústria de calçados quena indústria local tem chance de sobreviver - pelo
seria o lugar mais óbvio para se procurar .42 Esta menos uma chance não inferior à normal para uma pe-
indústria é caracterizada pelo grande número de pe- quena empresa. Ela pode fracassar, como qualquer pe-
quenas empresas e foi direta e severamente prejudica- quena empresa pode fracassar, mas não se verá priva-
44 da pelas importações. Mesmo as maiores empresas da, pela nova ordem econômica internacional, de uma
dessa indústria não foram capazes de obter sucesso em oportunidade de competir. Além do que, mesmo aque-
investimentos diretos no estrangeiro. Apesar de tudo les que se vêem engajados em uma batalha pela sobre-
isso, o nacionalismo da indústria de calçados não foi vivência em que os maiores oponentes são estrangeiros
além de medidas específicas e particulares de protecio- carecem de uma estrutura ideológica que possa levá-
nismo. los a uma política nacionalista.
Poder-se-ia esperar que os mais aflitos dentre os
Um empresário cuja companhia tinha sido forçada
proprietários das indústrias de calçados fossem os
pela competição estrangeira a alterar de modo drástico
afastados do negócio. Na realidade, muitos tiveram al-
(embora com sucesso) sua linha de produção era com-
terações em suas carreiras que não podem ser conside-
pletamente antagônica aos esforços no sentido de se
radas desastrosas. Alguns conseguiram vender suas
proteger a indústria de calçado. Ele sentia que as com-
empresas por grandes somas e gozam hoje de uma
aposentadoria confortável. Os mais jovens e de espíri- panhias americanas não poderiam competir com o
Oriente em volume e que "não valia a pena tentar" .
to mais empreendedor possivelmente se transforma-
Tarifas, quotas e subsídios "tornam os calçados mais
ram em importadores. Alguns foram mantidos pelas
caros para o consumidor comum, aumentam os im-
firmas que compraram suas empresas. (Um deles foi
desenhar sapatos na Itália.) Talvez tenha havido desas- postos e aumentando, conseqüentemente, a inflação
tornam mais caro para alguém na Alemanha a compra
tres pessoais, mas isso parece não ter sido suficiente
de um computador IBM". O surpreendente acerca de
para gerar um impacto político.
sua análise é que reflete com exatidão a posição inter-
E aqueles que permaneceram na indústria, nacionalista que se pode esperar de um diretor de uma
confrontando-se com uma maciça importação de calça- multi nacional. A descoberta de tal arquétipo interna-
dos? Primeiro, as grandes empresas têm de ser ex- cionalista na pessoa de um pequeno empresário orien-
cluídas de qualquer coalizão nacionalista. As quatro tado para a produção local dá alguma indicação da he-
maiores companhias de calçados tiveram níveis maio- gemonia ideológica geral da posição internacionalista.
res de lucro no período de 1970-73 do que entre 1963-
66.43 Muitas delas envolveram-se pesadamente nas Mesmo os produtores de calçados que são inflexíveis
vendas a verejo e foram capazes de combinar pro- quanto à necessidade de proteção normalmente não
dução própria com importação. Umas poucas fizeram põem suas reivindicações no contexto de nenhum pro-
investimentos diretamente no exterior. Em 1977, grama político geral. Para aqueles que mantêm uma li-
quando era intenso o lobby para se impor restrições à nha de produção de alto preço, "o declínio da habili-
importação de calçados de Formosa e da Coréia do dade artesanal americana" é o maior culpado. Os tra-
Sul, a U.S. Shoe Corporation, uma das maiores em- balhadores americanos não podem mais, por alguma

Revista de Administração de Empresas


razão, igualar a finura do artesão italiano. Trabalh~- erosão da posição internacionalista. Houve três princi-
dores esforçados e qualificados são cada vez mais pais pontos de ataque: primeiro, que os investimentos
difíceis de se encontrar. Vendo a fonte de seus proble- patrocinados pela Opic podem estar ligados ao fecha-
mas na falta de qualificação e motivação dos seus tra- mento de fábricas e à perda de empregos nos EUA; se-
balhadores, eles são afastados de qualquer análise que gundo, que a Opic beneficiava somente as grandes em-
possa colocá-los em oposição às multinacionais. presas, nada fazendo pelas pequenas; e terceiro, que os
A competição na produção de grande volume tem investimentos patrocinados pela Opic não levavam a
mais possibilidade de levar a uma análise nacionalista. objetivos desenvolvimentistas por serem muitas vezes
Um empresário que tinha observado a competição es- frívolos, por se dirigirem geralmente aos maiores e
trangeira transformar a posição de uma companhia de mais avançados países do Terceiro Mundo (com fre-
lucros de 500 mil dólares em 1969 para prejuízos de qüência aqueles com problemas de desrespeito aos di-
100 mil dólares em 1976 e 1977 disse claramente: "En- reitos humanos) e por beneficiarem apenas as elites
quanto o Departamento de Estado apoiar ativamente desses países.
governos que acreditam na supressão de seus povos, os O Deputado Leo Ryan, da Califórnia, liderou a dis-
empresários americanos não serão capazes de compe- puta, argumentando que "o que nós realmente temos
tir". Mesmo neste caso, entretanto, o resultado foi es- aqui é assistência a países altamente desenvolvidos,
toicismo, em vez de ativismo político. dando-lhes mais auxílio do que eles necessitam, para
tomar os empregos de nosso próprio povo" .4S Outros
Os fabricantes de calçados vêem o mundo em ter-
seguiram sua linha, perguntando: "Não é também ver-
mos individualistas. Eles têm pouca fé na eficácia da
dade que muitos dos produtos que inundam o mercado
política ou de ações coletivas em geral. O pequeno em-
americano e tiram do povo sua oportunidade de em-
presário, mesmo quando ameaçado por mudanças es-
prego - peças de TV, aço, artigos de couro, vestimen-
truturais que para um observador externo pareçam
tas - são produzidos em fábricas estrangeiras, segura-
exigir uma ação política, vê soluções em termos de au-
das por este programa?"46 Alguns estavam mais per-
mento da iniciativa individual ou se resigna. Testemu-
plexos do que agressivos, como o Deputado Daniel-
nhar em comitês de congresso, trabalhar por in-
son, de Los Angeles, que disse: "Perdi três fábricas de
termédio da associação de indústrias, não é visto como
pneus (... ) o pessoal da Business Round Table disse-me
um caminho eficaz. Nem há evidência de que esses pe-
que me daria uma resposta. Até hoje, não a recebi.
quenos empresários vejam sua situação em termos de
Talvez o meu amigo, aquele senhor da Califórnia [Mr.
luta contra as multinacionais. Eles têm consciência de
Ryan], tenha apontado o problema certo. Talvez estas
que grandes empresas industriais podem tirar van~a- atividades estejam sendo exportadas"47
gem das importações e não se interessam por protecio- 45
nismo, mas a idéia de uma separação fundamental en- O apelo às pequenas empresas também forneceu um
tre o capital voltado para a produção interna e o capi- elemento útil para os oponentes do projeto. O Deputa-
tal internacional não existe em sua visão do mundo. do Long, de Maryland, introduziu uma emenda segun-
do a qual teria sido necessário que a Opic fornecesse
Um rápido exame do setor da indústria de calçados
"pelo menos 50070 de todas as suas garantias às peque-
sugere que a idéia de uma coalizão nacionalista monta-
nas empresas (como definido pela Small Business Ad-
da pela pequena indústria orientada para a produção
ministration)" .48Quando o patrocinador do projeto
nacional e objetivamente atingida pela evolução da
argumentou que a emenda "tornaria o programa com-
economia internacional é fantasiosa. A procura de
pletamente inoperante", a resposta de Long foi ime-
conseqüências políticas das mudanças econômicas li-
diata e óbvia: "Penso que o cavalheiro acabou de fa-
gadas à "nova ordem econômica internacional" deve
zer a mais condenatória acusação ao programa da
centralizar-se em algum outro ponto que não o capital
Opic que até hoje ouvi. O cavalheiro diz que não há lu-
nacional. Mas isto não quer dizer que o desapareci-
gar nos negócios ou mercados estrangeiros para peque-
mento de centenas de indústrias de calçados e outras
nas empresas. O que poderia ser pior que isso?"49
mudanças similares não tenham produzido qualquer
efeito político. Os aspectos de "ajuda" da Opic também foram ata-
cados. Ryan e outros apontaram que investimentos co-
Alguns desses efeitos podem ser vistos nos debat.es
mo cadeias de lanchonetes no Brasil, hotéis ITT Shua-
do Congresso. Em vários dispositivos recentes da legis-
ton na Índia, alojamentos para safari no Quênia e ser-
lação, que deveriam ser totalmente não-controversos,
viços de aluguel de carros Avis na Malásia"( ... ) não
os internacionalistas descobriram uma oposição sur-
era o que nós pensávamos quando criamos a Opic para
preendentemente forte. Medidas rotineiras, tais como
ajudar os países pobres" .so Defensores dos direitos hu-
a aprovação de fundos para o FMI ou um tratado de
manos mostraram que "( ... ) o que vemos a Opic fazer
taxação com o Reino Unido, levaram a problemas
é dar mais e mais dinheiro( ... ) para companhias que
inesperados. Talvez a mais violenta luta tenha sido .a
investem em países onde há sérias e brutais violações
que objetivou a renovação da Corporação dos Investi-
dos direitos humanos" .SI O Deputado Long, de Mary-
mentos Privados no Estrangeiro - Opic. No Congres-
land, rematou: "Este tipo de indústria que nós
so o projeto da Opic foi posto de início no "ca-
estávamos garantindo vai, por certo, beneficiar algu-
le~dário suspenso", que é reservado para a legislação
mas pessoas. Vai beneficiar a classe dirigente".
não-controversa. Após dois dias de debate, a decisão
tornara-se tão problemática que seus patrocinadores Os defensores do projeto da Opic ganharam no fim.
retiraram o projeto ao invés de levá-lo à votação final. Mas o debate indicou a fragilidade da tradicional coa-
O debate deste projeto fornece uma boa indicação da lizão liberal-internacionalista que viu Jacob Javits e

Empresas multinacionais
Comércio e outros setores do Executivo encarregados
Hubert Humphrey se juntarem na defesa da Opic.
de atender às necessidades das multinacionais conti-
Quando os defensores do projeto argumentaram que
nuarão por certo a executar seu trabalho. Exercendo
os investimentos americanos por ele fermentados au-
de modo ativo sua influência, as multi nacionais po-
mentariam as exportações e o nível de emprego dos
dem, provavelmente, fazer passar qualquer legislação
EUA, não convenceram tanto os seus colegas como o
de que necessitem. O mais marcante a respeito do de-
fizeram há cinco anos atrás. A concentração dos segu-
bate da Opic foi a própria ocorrência desse debate.
ros da Opic sobre algumas das 500 empresas da Fortu-
Uma persuasão não-questionada é uma coisa, uma
ne tornou o fato mais irritante." O ceticismo sobre os
ideologia questionada é outra. O fato de a ideologia
efeitos desenvolvimentistas do investimento direto era
internacionalista ter sido questionada de forma tão
aparente durante todo o tempo. Se não fosse pelo es-
violenta, numa época em que os círculos dirigentes es-
forço concentrado no lobby por um grande número de
tavam repletos de representantes do que é, certamente,
representantes da Opic e pelo fato de ela não estar exi-
a epítome da perspectiva internacionalista - a Comis-
gindo fundo, o resultado teria sido diferente.
são Trilateral - deve ser objeto de atenção para as
O debate não deu origem a uma coalizão naciona- multinacionais" .54 Pior ainda, suas dificuldades
lista. Mostrou, sim, que os representantes de distritos políticas nos EUA repercutem politicamente em países
liberais, da classe média (Ryan), comerciantes (Long), como o Brasil.
defensores de direitos humanos (Harkin, de Iowa), re-
presentantes de distritos com fábricas fechadas (Da- 4. REPERCUSSÕES NACIONALISTAS
nielson) .e mesmo representantes de distritos rurais
conservadores (Evans, da Geórgia) poderiam achar O apogeu dos sentimentos pró-EUA, entre aqueles que
um campo comum na sua oposição quanto ao apoio controlam os aparatos estatais brasileiros, ocorreu há
estatal às atividades das multínacíonaís." A veemência 10 anos atrás quando Castelo Branco era presidente e
da oposição à Opic foi mais surpreendente devido à es- Roberto Campos responsável pelo Ministério da Fa-
pontaneidade de sua emergência. Ryan principiou a zenda. Naquele tempo, os EUA atraíam como baluar-
discussão quase por acaso, não por haver algum inte- te do anticomunismo. O apoio americano tinha sido
resse de seus eleitores contra a Opic. Muitos deles pro- crítico para assegurar a fácil ascensão dos militares ao
vavelmente nunca ouviram falar dela. Os argumentos poder. A ajuda, o comércio e o investimento america-
anti-Opic atingiram correntes ideológicas simpatizan- nos constituíram o principal suporte para o modelo de
tes. Relatou-se que um Senador afirmou: "Como pos- desenvolvimento que os militares estavam tentando
so eu apoiar a Opic, quando os fazendeiros de meu dis- instalar.
trito não conseguem empréstimos?" A emenda de No fim da década de 70, a mudança de caráter da
46 Long a favor da pequena empresa ganhou suporte não economia internacional fez com que a confiabilidade
porque o pequeno capital orientado para a produção· em relação aos EUA parecesse menos atraente. Após
nacional estivesse pressionando, mas sim porque, se- testemunhar o déficit crônico de sua balança comercial
gundo palavras de um observador com longa experiên- com os EUA por mais de 30 anos, o Brasil vê-se hoje
cia no Capitólio, "o Congresso (especialmente a Câ- tratado como um competidor perigoso, suspeito de
mara) reage visceralmente a qualquer assunto que en- culpa no tocante a práticas ilícitas de comércio. Esses
volva a pequena empresa" . temores parecem mais justos se dirigidos contra o Ja-
O trabalhador envolveu-se na batalha sobre a Opic pão e a Alemanha. Aos brasileiros podem apenas pare-
apenas depois de Ryan tê-la transformado numa luta. cer injustos e hostis. Apesar de tudo, o Brasil não só
O fato de o trabalhador ter-se envolvido representa tem uma balança comercial negativa, como ainda é
parte de um despertar gradual da tradicional instância uma fonte menor de exportações de manufaturados
internacionalista da AFL-CIO. Esta federação tem para os EUA. Um observador brasileiro, acompa-
sempre achado mais fácil entender-se com os defenso- nhandoos debates da Opic, poderia ficar desconcerta-
tes da posição internacionalista, como Jacob Javits, do ao ver o Brasil ser constantemente usado como
do que com representantes da pequena empresa, cujos exemplo de um desses "países altamente desenvolvi-
poderes e lucros são mais diretamente ameaçados pelo dos" que estão "obtendo mais auxílio do que necessi-
sindicato. Mas como o fechamento. de fábricas tam, para tirar empregos de nosso próprio povo".
expandiu-se na proporção da expansão do investimen- Em defesa da Opic, o Deputado Bingham de Nova
to direto no estrangeiro, os argumentos dos internacio- York reconheceu que "demasiadas atividades da Opic
nalistas começaram a debilitar-se. estão centralizadas em países como o Brasil" e mos-
Mesmo que o pequeno capital orientado para a pro- trou que "outro dia ainda, por exemplo, a Opic anun-
dução nacional fosse congenitamente incapaz de mon- ciou que não haveria mais garantia geral para os segu-
tar uma ação política coletiva, sua desventura teria ros feitos no Brasil e em outros países onde a renda per
efeito político. A pequena empresa, em abstrato, tem capita fosse superior a 1.000 dólares"!' O Deputado
um carisma político semelhante àquele da burguesia Long atacou a Opic com veemência por ter auxiliado a
nacional em países como o Brasil. Cria-se uma potente indústria siderúrgica no Brasil:
combinação ideológica quando a desventura da peque- "Em 1977, a Opic financiou um projeto siderúrgico no
na empresa é conectada com a perdade empregos. Brasil, um país que já recebeu mais de 940 milhões de
Isto não significa que as boas relações entre as mul- dólares como financiamento estrangeiro para .sua
tinacionais e o aparato estatal dos EUA hajam termi- indústria siderúrgica (... ) eu visitei uma de suas usinas.
nado ou estejam para terminar. O Departamento de Elas são lamentáveis. Estão obtendo subsídios de seu

Revista de Administração de Empresas


próprio Governo, além de receberem do nosso. Mas, ritório. Em primeiro lugar, o Brasil ainda está engaja-
desde que o país tenha siderúrgicas, irá produzir aço e do em um modelo desenvolvimentista, baseado na
exportá-lo, não importa quão antieconômica seja a tríplice aliança e, por essa razão, deve ter o apoio das
produção, e deixará de comprar dos EUA. A indústria multinacionais para executar o projeto de acumulação
siderúrgica brasileira aumentou suas exportações de escolhido. Qualquer discriminação aberta contra as
aço para os EUA mais de 160 vezes entre 1959 e multinacionais de algum país central - especialmente
1974" .56
contra as americanas que, apesar de tudo, representam
Tal retórica não perturbaria se parasse por aí. Mas, quase três vezes mais investimento que as do Japão e
quando ela é acompanhada de ações concretas, tais co- Alemanha - limitaria a flexibilidade de barganha do
mo a imposição de taxas alfandegárias de compen- Estado e ameaçaria o sucesso geral da tríplice aliança.
sação sobre tesouras e fios têxteis e pressões para a re- As diretrizes a respeito da regulamentação, restrição
moção de incentivos à exportação na indústria de calça- e controle das multinacionais são decididas e têm por
dos, isto se torna uma indicação de confronto poten- base as necessidades imediatas e não as reações
cialmente sério entre o capital, voltado para a pro- ideológicas ou emocionais aos debates do Congresso
dução interna nos EUA e uma característica central da americano. Se a GM é levada a concordar com o pro-
expansão da exportação brasileira. A questão tornar- grama de exportações é porque o Brasil tem de achar
se-á particularmente importante no fim da década de uma solução para seus problemas de balanço de paga-
70, quando os privilégios para a exportação da mentos e não porque personalidades governamentais
América Latina aos EUA terão de ser renegociados. brasileiras se irritavam em virtude de acusações de tor-
Ao mesmo tempo em que o atrito econômico com os tura. Se a IBM não é autorizada a instalar uma subsi-
EUA aumenta, o anticomunismo militante (pelo me- diária com capital próprio é porque a Marinha brasi-
nos no plano internacional) parece estar perdendo seu leira pode ter capital investido na Digibrás ou porque
sentido econômico. Como indica o quadro 1, quando investidores locais, com conexões políticas, vêem uma
o problema é solucionar os desequilíbrios comerciais, possibilidade de participação lucrativa na indústria de
os países socialistas aparecem como parte da solução e computadores se a IBM for excluída, e não porque a
Associação Americana dos Produtores de Fios conse-
os EUA como parte do problema. Não apenas a União
Soviética e a Europa Oriental oferecem bons mercados guiu impor taxas alfandegárias de compensação sobre
os fios têxteis brasileiros.
às exportações brasileiras, mas as antigas colônicas
portuguesas na África, hoje socialistas, são também A conexão entre os debates sobre políticas interna-
áreas de potencial econômico promissor. No plano In- cionalistas nos EUA e a possibilidade de pressões na-
terno, o anticomunismo permanece necessário para a cionalistas crescentes sobre as multinacionais america- 47
manutenção dos privilégios de classe; internacional- nas é mais sutil e indireta. A existência de políticas
mente, todavia, não tem mais sentido uma interpre- americanas que não são favoráveis às aspirações do
tação rígida do que é ser membro do "mundo livre" . Brasil (quer quanto à necessidade de expansão das ex-
Para as multinacionais americanas que operam no portações, quer quanto ao grau de repressão que o mo-
Brasil, as vantagens políticas da "cidadania" america- delo requer) legitima respostas equivalentes por parte
na tornaram-se muito mais ambíguas do que o eram há do Brasil. Privar a GE de seus direitos a uma parcela
10 anos. No caso da Westinghouse, por exemplo, a ci- das encomendas nacionais de locomotivas parece mais
dadania americana foi um obstáculo intransponível legítimo numa ocasião em que congressistas america-
para a obtenção de um contrato de reatores nucleares nos aplaudem a decisão da Opic de não garantir novos
no valor de muitos bilhões de dólares, embora pudesse investimentos no Brasil. Os interesses da Equipamen-
ter sido o candidato mais bem colocado. Nenhuma ou- tos Villares podem ser a causa mais próxima, mas o
tra companhia sentiu-se tão diretamente atingida, mas surgimento do nacionalismo defensivo nos EUA con-
há um desagradável sentimento de que, como o diretor tribui para a legitimidade da opção nacionalista no
Brasil.
de uma multinacional disse, o atual estado das relações
Brasil-EUA apresenta uma qualidade negativa para as Para a escolha de diretrizes racionais no Brasil, a
multinacionais americanas que tentam operar no Bra- resposta aos ecos do nacionalismo americano deve en-
sil. volver algo mais que 'questões de legitimidade. Assim
como as multinacionais devem assessorar a estabilida-
A afirmação do Business Latin America de que "o
de de governos do Terceiro Mundo (leia-se continuida-
comércio e investimento americanos na região pode-
de de regimes favoráveis ao capital internacional), as-
riam sei postos de lado, em favor de investidores euro-
sim também os países como o Brasil devem considerar
peus e japoneses", deve ser tomada como uma pa-
a sério a possibilidade de que o comportamento futuro
ranóia ou como uma tentativa de forçar as decisões da
das multinacionais americanas depende em parte do
política americana para uma instância mais claramente
clima político dos EUA. Em 1977, a Westinghouse foi
internacionalista. O fato é que o protecionismo, em
impedida de fornecer um reator nuclear ao Brasil. Es-
combinação com a política de Carter quanto a direitos
taria além das possibilidades reais considerar que em
humanos e a não-proliferação, é um embaraço às mul-
1984 o Congresso pudesse impedir a IBM de facilitar o
tinacionais e acentua a possibilidade de uma política
acesso dos brasileiros à sua tecnologia de computado-
nacionalista por parte do Estado-brasileiro.
res? Se tal possibilidade existe a decisão de excluir a
Seria muito rudimentar sugerir que o Estado brasi- IBM torna-se mais racional.
leiro, em um simples quid pro .quo, reagisse contra as O nacionalismo americano fortalece o nacionalismo
multinacionais que pretendem operar em seu ter- brasileiro, e este, se restrito a uma prudente barganha,

Empresas multinacionais
quanto ao fato de a acumulação levada a efeito pelas
reforça o envolvimento das multinacionais na tríplice
aliança. Como reagirá a Westinghouse quando obser- multinacionais na semiperiferia estar-se fazendo às
var a GE perder uma grande venda de locomotivas? custas da acumulação em seus países de origem. As
Como reagirão a GE e a Westinghouse quando virem a evidências existentes sugerem que pelo menos a mão-
de-obra dos EUA está sendo prejudicada. Na medida
IBM sendo excluída da indústria brasileira de compu-
em que pequenos empresários encontram-se cada vez
tadores? O Brasil não é somente um mercado que está
mais ameaçados pelo influxo de manufaturados es-
crescendo mais rapidamente que os mercados de mui-
trangeiros, as contradições entre as preferências das
tos países desenvolvidos, mas é também uma econo-
mia em que a taxas de lucro apresentam-se excep- multinacionais e os interesses nacionais tornam-se
cionalmente altas. Se for necessário alterar a política mais agudas.
de busca de recursos, de forma a agradar os brasilei- Nessas condições, programas como a Opic põem a
ros, por que não? Se isso significa que uma determina- prova os limites da "crença ingênua e incontestável"
da multinacional produzirá um pouco mais no Brasil, de que o apoio às empresas deve basear-se no interesse
importará um pouco menos dos EUA, e exportará um nacional, uma vez que essas empresas pertencem a ci-
pouco mais de volta aos EUA, por que não? O Gover- dadãos americanos. A Opic representa um subsídio
no brasileiro observa o balanço de pagamentos de cada público disponível apenas para as companhias empe-
multi nacional individualmente; o mesmo não ocorre nhadas em ampliar a capacidade econômica de outros
com os Estados Unidos. A recusa em cooperar com o países que não os EUA, e utilizado, na prática, por pe-
Governo brasileiro poderia resultar numa perda dos queno número das maiores multinacionais. Numa
incentivos do COI; os EUA não têm nem mesmo uma época em que fábricas estão sendo fechadas por causa
definição precisa de quais são as conseqüências da da concorrência estrangeira, o desemprego é um pro-
cooperação. blema e os déficits do balanço de pagamentos são crô-
nicos, convencer os políticos de que tais subsídios
5. ECONOMIA TRANSNACIONAL atendem ao interesse nacional requer certa habilidade.
E POLÍTICA NACIONAL A análise da oposição a programas como os da Opic
propicia uma mensuração da reação política, nos
Os temas deste trabalho abrangeram desde as relações EUA, à crescente tendência das multinacionais de des-
comerciais do Brasil com a Bolívia, passando pela opi- locar a produção para fora do país.
nião política dos fabricantes de calçados da Nova In-
glaterra, até os ataques do congresso aos abrigos para O resultado que se propõe e o crescente afastamento
Safari no Quênia - sempre na tentativa de esclarecer a das multinacionais em relação ao aparato político de
48 natureza das relações Brasil-EUA na década de 70. A seus países de origem. Este aspecto deve ser menciona-
lógica subjacente a esta combinação de evidências dis- do com muito cuidado. Não se está afirmando aqui
paratadas e um tanto incomensuráveis deve ser acen- que a classe capitalista nos Estados Unidos esteja divi-
tuada. dida em segmentos internacionalistas e nacionalistas
em luta pelo controle do governo dos EUA. O peque-
O ponto de partida é a transformação econômica em no capital orientado para a produção interna tem to-
certas áreas da periferia. Nada, da análise que foi das as fraquezas políticas que são tradicionalmente
apresentada, poderia ser estendido ao Afganistão, à atribuídas à pequena burguesia pelos marxistas. Con-
Nigéria, a Zâmbia ou ao Paraguai. Somente alguns siderando que alguns pequenos empresários conti-
países passaram pelo tipo de desenvolvimento depen- nuam a encontrar áreas lucrativas mesmo nas indús-
dente associado à capacidade industrial local e à for- trias nacionais afetadas de modo mais severo, percebe-
mação de uma tríplice aliança entre capital estatal, na- se que há consciência em relação a um prejuízo de âm-
cional e multinacional. Nesses países as multinacionais bito coletivo. Mesmo os pequenos empresários, orien-
podem ser subordinadas a projetos de acumulação na- tados para a produção interna, estão imbuídos da
cional, mas somente na presença de uma pressão na- ideologia internacionalista do livre comércio.
cionalista constante. Nacionalismo constante, no sen-
tido em que o termo é utilizado aqui, é uma carac- O presente afastamento das multinacionais em re-
terística estrutural da tríplice aliança. lação à política dos seus países de origem parece ter
ocorrido sem nenhuma campanha geral significativa
A expansão da exportação de manufaturados para da parte do pequeno capital orientado para a pro-
os países principais é vital para o modelo de crescimen- dução interna, e também com apenas uma pequena
to econômico que surgiu sob a égide da tríplice aliança pressão das associações trabalhistas. O grau de desgas-
- vital por causa da necessidade econômica de resol- te da posição ideologicamente hegemônica da instân-
ver desequílibrios externos criados pela industriali- cia internacionalista é impressionante, precisamente
zação baseada na importação intensiva, e ainda por- porque ocorreu de forma antecipada em relação a
que a expansão das exportações é um modo de resolver pressões de grupos cujos interesses seriam afetados, e
tais desequílibrios de uma forma que é ao mesmo tem- não como resultado dessas possíveis pressões. O Go-
po atraente para as multinacionais e que não se mostra verno continuará, com certeza, a agir de acordo com
ameaçadora ao capital nacional. os interesses do capital internacional. Mesmo no Con-
Neste ponto aparece uma divisão entre os interesses gresso, a posição internacionalista será vitoriosa na
das multinacionais e os do capital americano, cuja pri- maioria das vezes. A questão não é que o Governo dos
meira preocupação é a expansão da economia dos EUA tenha-se tornado nacionalista, mas, antes, que
EUA. Independentemente da questão de exportar para a frente internacionalista esteja começando a apresen-
os EUA, sérias interrogações podem ser levantadas tar algumas falhas.

Revista de Administração de Empresas


I A tentativa de manifestação de sentimentos nacio- diferente em relação aos interesses do setor mais im-
nalistas nos EUA tem o efeito de aumentar as pressões portante do capital, a caixa de Pandora está aberta.
nacionalistas no Brasil, não só porque as ações dos Quando o Deputado Long questiona se os valiosos
EUA justificam mais o nacionalismo brasileiro, como serviços que a Opic presta às multinacionais são do in-
porque elas estimulam políticas defensivas em atenci- teresse nacional, ele está questionando uma premissa
pação. A resposta das multinacionais será procurar ideológica fundamental. O que Veblen tinha em mente
uma acomodação com as demendas brasileiras e, desta ao falar da "crença ingênua e incontestável" consistia
forma, aumentar as distâncias entre elas e os interesses em tomar uma classe por outra. No seu desejo de tirar
internos dos EUA. Desde que prevaleçam certas con- vantagens de oportunidades lucrativas em países semi-
dições anteriores, a aproximação que já foi alcançada periféricos como o Brasil, o capital internacional pode
entre as multinacionais e o Estado brasileiro se auto- terminar por expor seu aspecto ideológico mais seria-
sustentará. mente do que poderia admitir.
As condições anteriores são importantes. Acredita-
se que as taxas de lucro e de crescimento continuarão a
ser superiores no Brasil. Se o protecionismo nos países
desenvolvidos ou alguma outra alteração na economia
internacional levar a uma estagnação real e a taxas de
lucro mais baixas no Brasil, então toda a dinâmica se
transformará. A classe trabalhadora brasileira poderia
também interferir no processo. Uma expansão, ou
mesmo a repetição crônica de uma onda de greves, tal
como ocorreu em São Paulo em 1978, alteraria o
cenário de modo substancial. Se a repressão efetiva
das demendas da classe trabalhadora falhasse, nem o
nível corrente de lucratividade, nem a presente defi- I Business Latin America, p. 57, 1978.
nição restrita de nacionalismo poderiam ser garanti- 2 Ibid., p. 59.
dos; e a capacidade de atração do Brasil em relação às 3 Ibid., p. 131.
4 O termo nacionalismo é usado às vezes, especialmente na América
multinacionais seria questionada.
Latina, para se referir às diretrizes ou posições ideológicas que res-
As conjeturas sobre a evolução do ambiente norte- pondem aos interesses de uma nação como um todo, ou seja, aos in-
teresses de toda a população. Em uma sociedade de classes tal defi-
americano mostram-se mais conservadoras. Aceita-se nição é bastante problemática, e por esta razão uma definição mais 49
o fato de que continuarão os problemas atuais como a restrita à perspectiva da classe dominante será usada aqui: políticas
balança comercial e com a manutenção dos empregos nacionalistas são aquelas que objetivam maximizar a taxa de acumu-
em indústrias básicas e que, portanto, as relações com lação de capital dentro dos limites de um dado país. O termo nacio-
nalista não tem implicações diretas de bem-estar social ou de distri-
a economia internacional permanecerão problemáti- buição de renda. Definido nacionalismo desta maneira restrita, um
cas. Além disso, entende-se que as tentativas de se en- regime pode ser nacionalista e ao mesmo tempo repressivo e com
frentar os ajustamentos estruturais na economia dos distribuição desigual dos privilégios. As políticas nacionalistas po-
EUA continuarão nos rudimentares níveis do presente. dem ser consideradas do interesse de toda a população na medida
em que os cidadãos locais possam ser capazes de exercer pressões
As suposições acerca do futuro do ambiente norte- políticas sobre a distribuição dos beneficios da acumulação que
americano são conservadoras, principalmente porque ocorre dentro do-mesmo "conjunto de normas governamentais". A
palavra internacionalismo será usada com as mesmas restrições capi-
não incluem previsões de uma militância crescente por talistas do nacionalismo - referindo-se às políticas ou ideologias
parte dos trabalhadores. Desde 1960, os trabalhadores que tentam maximizar a acumulação do capital, sem considerar a lo-
dos EUA têm recebido menos compensação por hora calidade geográfica dessa acumulação. Para uma discussão análoga,
de trabalho do que qualquer outra classe trabalhadora mas ligeiramente diferente, acerca do nacionalismo e do internacio-
nalismo, veja Schurmann, Franz. The logic of world power: an in-
no mundo desenvolvido. Por quanto tempo isto pode quiry into the origins, currents, and contradictions of world politics.
continuar sem estimular uma maior militância dos tra- New York, 1974.
balhadores ou uma mudança em direção a políticas so- 5 Cardoso, Fernando Henrique. As Tradições de desenvolvimento

cialistas mais explícitas é impossível dizer. Se um des- associado. Estudo CEBRAP, 8:41-75,1974.
6 Wallerstein, lmmanuel. The Rise and future demise of the world
ses fatos ocorresse, o processo de afastamento das
capitalist system: concepts for comparative analysis, Comparative
multinacionais em relação a seu país de origem poderia Studies in Society and History, 15(4):387-415, Sept. 1974. Veja
acelerar-se. também Wallerstein, lmmanuel. Semi-peripherical countries and the
contemporary world crisis. Theory and Society, 3(4):461-84.
As implicações desse argumento permanecem radi- 7 Evans, Peter B. Multinacionals, state-owned corporations and the
cais, não importando o modo pelo qual se tente defini- transformation of imperialism: a Brazilian case study. Economic
las ou avaliá-las. "O que é bom para a General Motors . Development and Cultural Change, 26(1):43-64; Dependent deve-
lopment: the alliance of multinational state-owned and local Capital
é bom para os Estados Unidos" tem sido uma premis- in Brazil. Princeton, New Jersey, a ser publicado brevemente.
sa básica duradoura do pacto de dominação existente 8 Sunkel, Oswaldo. Transnational integration and national disinte-
nos EUA. Tais premissas ideológicas têm sido mais gration in Latin América". Social and Economic Studies,
difíceis de se impor na América Latina, porque um 22(17): 132-76.
9 Cardoso, F. H & Faletto, Enzo. Dependência e desenvolvimento
amplo segmento do capital é estrangeiro. O resultado
na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Ja-
disso foi a instabilidade da dominação burguesa, mas neiro, 1973.
a hegemonia internacional dos Estados Unidos com- 10 Newfarmer, Richard & Mueller, WiIlard. Multinational corpora-
pensou a instabilidade nacional. Uma vez que naciona- tions in Brazil and Mexico: structural sources of economic and non-
lismo pode ser definido, mesmo nos EUA, de maneira economic power. Relatório ao Sub-comitê sobre Corporações Multi-

Empresas multinacionais
nacionais, Comitê de Relações Exteriores, Senado dos EUA, Was- neiro, 1975, p.99 (Coleção Estudos Brasileiros. n. 4.)
hington D. C, 1975. 34 Subcomitê sobre Corporações Multinacionais, Comitê de Re-
11 Cardoso, Fernando Henrique. op. citop. 60. lações Exteriores, Senado dos EUA. Hearing on multinational cor-
12 Veja, por exemplo, Connor, John M. & Mueller, Willard. Mar- porations in the dollar devaluation crisis and the impact of direct in-
ket power and profitability of multinational corporations in Brazil vestment abroad in the U.S. economy, Part 13. Washington D.C.,
and México. Relatório ao Subcomitê de Política Econômica Exter- 1976p.116.
na, Comitê de Relações Exteriores, Senado dos EUA, Washington 3~ I~. ibid. p. 117.
D.C., 1977. 36 Musgrave, Peggy. Direct investment abroad and the multinatio-
13 Moran, Theodore. Multinational corporations and the politics of nals: effects on the U.S. economy, Prep. para uso do Subcomitê so-
dependence: copper in Chile. Princeton, New Jersey, 1974. bre Corporações Multinacionais, Comitê de Relações Exteriores, Se-
14 Business Latin America, p. 193-307, 1977. nado dos EUA, Washington D.C., 1975. p. XVI, XVII .•
rs Ibid, p. 196-299, 1975. 37 Veja, por exemplo: Stobaugh, Robert, et alii, U.S. Multinational
16 Ibid, p. 159, 1978. enterprises and the U.S. economy. In: Bureau of International Com-
17 Comissão Econômica para a América Latina - ECLA. Econo- merce, U .S. Department of Commerce, The Multinational corpora-
mic survey of Latin America. New York, 1976. p. 233. tion. Washington D.C., 1972.
18 Business Latin America, p. 185, 1976. 38 Subcomitê sobre Corporações Multinacionais. Hearings. p. 107.
19 Comissão de Tarifas dos EUA. Implications of multinational 39 Id. ibid. p. 165.
firms for world trade and investment and for u. s. trade and labor. 40 Newfarmer, Richard & Mueller, Willard. op. citop. 43.
Relatório ao Comitê de Finanças, Senado dos EUA, Washington 41 Por percepção de Hickenlooper quero dizer a suposição de que os
D.C., 1973. aparelhos de Estado dos EUA devem servir para apoiar os interesses
20 O'Oonnell, Guillermo. Reflections on the patterns of change in das multinacionais em suas disputas com países do Terceiro Mundo,
the bureaucratic-authoritarian state. Latin American Research Re- como foi expresso na famosa emenda Hickenlooper.
view 13(1):3-39. Veja também Serra, José. Three mistaken theses on 42 As entrevistas com executivos da indústria de calçados, sobre as
the connection between authoritarianism and economic develop- quais se baseia parcialmente a discussão sustentada no texto, repre-
ment. In: Collier, David, ed. The New authoritarianism in Latin sentam apenas uma parcela muito pequena dos fabricantes da Nova
America. Princeton, New Jersey, 1978. Inglaterra. Por não terem sido selecionados de forma sistemática,
21 Serra, José op. cito quadro 7. não são necessariamente representativos. Nenhum deles, por exem-
22 Business Latin America, p. 155, 1978. plo, era ativo na Associação Americana das Indústrias de Calçados.
23 Wall Street Journal, p. 20, Jan. 13, 1978. No entanto, os resultados dessas entrevistas são bastante consisten-
24 Business Latin America, p. 75. tes com os comentários de observadores externos com relação à falta
2~ Departamento de Comércio dos EUA. Brazil, survey of U.S. ex- de atividade política organizada da parte do pequeno capital voltado
port and import opportunities: chemical and petrochemical indus- para a produção interna.
tries. Escritório de Comércio Internacional, Washington D. C. 43 Associação Americana das Indústrias de Calçados - AFIA.
1974. Footwearmanual1977. quadro 14.
26 Business Internationat, p. 204,1976. 44 The Wall Street Journal. p.2, Mar. 3, 1978.
27 Business Intemational, I Nov.llst, 1976. 4~ Congressional Record, p. H12058, Oct. 2, 1977.
28 Muller, Ronald & Moore, David. Brazilian bargaining success in 46 Ibid., Oct. 3,1977.
Befiex export promotion program with the transnational automotive 47 Ibid., p. H1450, Feb. 23,1978.
50 industry, New York, 1978. 48 Ibid., p. H12112, Nov. 3,1977.
29 Id ibid. quadro 2. 49 Ibid.
30 Business Latin America, p. 149, 1978. so Ibid., p. H12054.
31 Peter Evans, Foreign investment and industrial transformation. SI Ibid., p. H 12057.
Journal of Development Economics, 3(4): 119-39. S2 Ibid., p. HI443, Feb. 23,1978.
32 Embora o enfoque aqui seja sobre a pequena empresa, há S3 Ibid., p. H1454.
também, obviamente, exemplos de grandes empresas orientadas pa- ~4 Frieden, Jeff. The Trilateral Commission: Economics and Poli-
ra a produção interna ameaçadas pelas importações. A análise de tics in the 1970's. Monthly Review, 29(7):1-19.
Steven Volk sobre a indústria siderúrgica fornece bom complemento ss Congressional Record, p. HI441, Feb. 23,1978; p. HI2056, Nov.
da discussão aqui apresentada. 2, 1977.
33 Martins, Luciano. Nação e cooperação multinacional. Rio de Ja- S6 Id. ibid. p. H1451, Feb. 23,1978.

Revista de Administração de Empresas

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