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Fátima Regina Cecchetto, Jacqueline de Oliveira Muniz,

Rodrigo de Araujo Monteiro

“BASTA TÁ DO LADO” – a construção social

DOSSIÊ
do envolvido com o crime1

Fátima Regina Cecchetto*


Jacqueline de Oliveira Muniz**
Rodrigo de Araujo Monteiro***

Partindo do trabalho etnográfico e entrevistas grupais com jovens de duas favelas cariocas, o artigo pro-
blematiza a categoria envolvido-com (retirada da linguagem cotidiana) o crime e suas serventias, como um
dispositivo de controle social itinerante que fabrica fronteiras móveis que desigualam os desiguais. Isso
evidencia como essa noção tem sido mobilizada na distribuição seletiva de vigilância e de punição das
juventudes da periferia. Discutem-se suas funcionalidades na regulação das trajetórias e percursos identi-
tários, evidenciando a trama de rotulações que põe em operação deslizamentos de sentido entre as noções
de “bandido” e “vulnerável”. Analisa-se o acionamento de moralidades que justificam a gerência de si dos
favelados. Revela uma ambição de tutela policial maximizada pelo apetite de criminalização não só dos
indivíduos, mas também de seus vínculos sociais.
Palavras-chave: Envolvimento. Juventudes. Controle social. Vigilância. Vulnerabilidade social.

1 INTRODUÇÃO correção. Suas serventias ganham relevo como


uma nova forma de rotulação criminal, sobre-
Este texto surgiu da inquietação dos au- tudo quando acionadas para situar as juventu-
tores acerca do uso, cada vez mais dissemina- des pobres do Rio de Janeiro. Tomou-se como
do, da expressão envolvido-com,2 ou envolvi- rumo analítico a compreensão das diferentes
mento, como um expediente de fabricação de dimensões de uma acusação presente no coti-
nexos causais, percebidos como comprome- diano dos jovens de favela: a do envolvimen-
tedores, entre as pessoas e suas interações. É to-com-o-crime, focalizando o plano estrutural
instigante o rendimento dessas categorias nas em que se manifesta, bem como os espaços e
práticas discursivas de controle, vigilância e as relações que o afetam e contaminam.

Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 82, p. 99-116, Jan./Abr. 2018


1
A categoria envolvido-com tem sido acio-
2
nada em contextos atravessados por sociabilida-
* Instituto Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pú-
blica (FIOCRUZ). des alimentadas por desconfiança e suspeição
Av. Brasil, 4365.Cep: 21040-900. Manguinhos – Rio de Ja- recíprocas. Esse é o caso do mundo da política
neiro – Brasil. face.fiocruz@gmail.com
** Universidade Federal Fluminense (UFF). Instituto de e do chamado “submundo do crime”. No dis-
Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InE- curso popular, um e outro mundo produziriam
AC). Departamento de Segurança Pública (DSP).
Rua: Professor Hernani Melo, 84. Ingá. Cep: 24210-130. os “bandidos” de colarinho-branco e os bandi-
Niterói – Rio de Janeiro – Brasil. jacquelinedeoliveira.mu-
niz@gmail.com dos comuns. Contudo, esses últimos, uma vez
*** Universidade Federal Fluminense (UFF). Departamen- reconhecidos como totalmente envolvidos-com
to de Ciências Sociais.
Rua: José do Patrocínio, 71, Centro. Cep: 28010-385. Cam- a criminalidade, seriam os “matáveis”. Seriam
pos dos Goytacazes – Rio de Janeiro – Brasil. rodearmo@
yahoo.com.br proprietários de vidas desqualificadas (Agam-
1
Este artigo contou com o apoio do Projeto P&D intitulado ben, 2002) ou de vidas desperdiçadas que dis-
Mapa de Percepção de Risco, realizado no âmbito do NE-
PEAC, UFF, em parceria com a ENEL S.A., com a participa- pensariam reabilitação (Baumann, 2005). A
ção de Jacqueline de Oliveira Muniz como pesquisadora.
Adotou-se o critério de ordem alfabética para a apresentação insígnia de envolvido-com mobiliza vigilâncias
dos autores em função da equivalência de suas contribuições. difusas e controles estendidos sobre e entre os
2
Adota-se, nessa expressão, o itálico, como uma forma de dis-
tinguir a categoria e seus modos de uso. grupos sociais, em especial os subalternizados.

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792018000100007 99
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Sua instrumentalidade cobre uma vasta área de memorados nos encontros.


classificação, rompendo com uma visão onto- O artigo está estruturado em duas par-
lógica do desvio e seu modo de subjetivação. tes. A primeira – Sorria, você está sendo vigia-
Comporta intensidade e flexibilidade em sua do: controles itinerantes, vigilâncias ampliadas
aplicação aos indivíduos, de forma a crimina- e desconfianças recíprocas na favela – se inicia
lizar toda interação, interina ou duradoura, em com um relato etnográfico sobre a chegada ao
qualquer dimensão da vida social. campo. A partir desse percurso, problemati-
As manobras de sentido e os efeitos des- za-se o caráter multidimensional, itinerante e
se modo suspeitoso de classificar foram obje- difuso dos controles e das vigilâncias, pondo
tos de pesquisa etnográfica realizada em duas em evidência a constituição horizontal e ver-
favelas cariocas, o Complexo do Alemão e o tical de cercas, bem como as manobras reali-
Morro do Falet, entre 2016 e 2017. As ativida- zadas pelos sujeitos para reafirmar ou romper
des de pesquisa envolveram conversas infor- suas fronteiras. Revelam-se políticas de senti-
mais e entrevistas grupais com 15 jovens de do orientadas pelas representações do medo,
ambos os sexos e cores, visitas por eles guia- que alimentam a memória social relacionada
das às comunidades, participação em festas e com o território-favela. São colocadas sob es-
em seus momentos de lazer. As idas ao campo crutínio as engrenagens que movimentam as
foram mediadas por líderes comunitários que dinâmicas de suspeição nas narrativas sobre
serviram como uma ponte até os jovens, parti- os favelados. Na segunda parte – Sorria, você
cipantes ou não de projetos sociais. está sendo envolvido: manobras de uma socia-
As localidades pesquisadas apresentam bilidade sob suspeita –, o eixo fundamental é a
distinções face às hierarquias de prestígio e de economia política do ser, ficar ou estar envol-
acesso à infraestrutura urbana na cidade do Rio vido. Descreve-se a dinâmica da produção de
de Janeiro. A divisão em Zona Sul e Zona Norte3 controles estendidos e de vigilâncias difusas
serve como uma referência para os deslocamen- que a acusação de envolvido-com circunscre-
tos físicos e simbólicos dos sujeitos pela cidade. ve. Desvela-se o funcionamento de sua engre-
O Complexo do Alemão, conjunto de favelas nagem classificatória como empreendimento
localizado na Zona Norte, é populoso e menos moral, anunciando seus meios de funciona-
aparelhado em termos urbanísticos e sociais.4 mento e seus modos de manejo das finalidades
O morro do Falet, situado em uma região cen- que lhe conferem serventias.
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tral, é menos povoado e próximo a bairros com


maior acesso a equipamentos sociais de turismo
e lazer.5 Um ponto de contato entre essas loca- SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO VI-
lidades seria o fato de terem sido implantadas, GIADO: controles itinerantes, vigi-
entre 2011 e 2012, as UPP (Unidades de Policia lâncias ampliadas e desconfianças
Pacificadora),6 cujos dramas e tramas foram re- recíprocas
3
No Rio de Janeiro associa-se: Zona Sul com riqueza e Final de tarde. Uma missão: “tirar fave-
Zona Norte com pobreza.
la”. Um desafio: corrida com obstáculos. Uma
7
4
O Complexo do Alemão tem cerca de 70 mil habitantes
e é formado por mais de 15 localidades. <http://riocomo- disposição: ouvir recusas do aplicativo Uber e
vamos.org.br/indicadores-regionalizados/regiao/comple-
xo-alemao/>. de taxistas. Um alerta: “Cuidado! Esse destino
5
O morro da Falet integra um complexo que inclui favelas está em uma área com maior risco de crime”.8
de vários bairros do centro da cidade. <http://www.upprj.
com/index.php/localizacao/localizacao-interna/Coroa%20
%7C%20Fallet%20%7C%20Fogueteiro>. 7
Tirar e medir favela se referem à circulação na favela e
são usados por moradores, traficantes e policiais.
6
Segundo a Polícia Militar, 38 UPPs foram instaladas, co-
brindo 264 territórios com cerca de 1,5 milhão de pessoas. 8
A identificação de áreas de risco pelo aplicativo de nave-
<http://www.upprj.com/index.php/o_que_e_upp>. gação Waze teve início nas Olimpíadas, em 2016.

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Uma novidade: navegadores para dispositivos situado ao longe, através de lembranças anun-
móveis previnem o usuário quanto a “pôr sua ciadas em formato de lead de jornal: “Corpo de
vida em risco, entrando errado na comunida- motorista do Uber foi encontrado na favela”;
de”. Uma justificativa: “o aplicativo está man- “Guerra de facções deixou 8 mortos aqui”; “Tu-
dando não subir não”. Uma frustração: mais rista italiano foi assassinado deste lado ao en-
uma corrida cancelada! Na quarta tentativa, trar por engano”. Chamadas de capa saltavam
entre dedos cruzados e mensagens trocadas no em fila da sua boca e faziam um coreográfico
WhatsApp sobre a dificuldade de chegar, ocorre looping de ameaças por sobre nossas cabeças.
o aceite do motorista do 99 Taxi: “É perigoso, Repetições, em voz gutural e solene, empres-
mas te levo lá”. Partiu Santa Teresa. Partiu Falet. tavam dramaticidade aos enunciados. E lhes
Comunidade adentro, inaugura-se um conferiam um estatuto de verdade, repercussi-
silêncio pontuado pelos PM (policiais milita- va e trágica, tão bastante de si que não se dei-
res) com fuzis na divisa do morro e entremeado xaria relativizar pelos fatos e contextos que lhe
por falas monossilábicas. Percurso acima, sob deram causa. Uma aflição em ritmo crescente
tensão: será que vai dar para entrar e sair? O transbordava a cada ruela virada, reverberan-
que vem pela frente? Confronto armado? Bala do a convicção de que o GPS “joga você, sem
perdida? Blitz policial? Barreira do tráfico? A querer, lá dentro da favela”. Mas, como se tra-
reputação partilhada sobre o território-favela tava de querer estar no Falet, toda atenção se
revela-se por meio de imagens negativas que voltou para achar o “Instituto”10 o mais rápido
tomam a mente de imediato e de modo díspar. possível e encerrar a corrida da agonia.
Cliques sucessivos de uma memória social que Chegamos sãos e salvos ao local de en-
se faz desiludida para melhor servir à gestão contro com os jovens. Resultado provável,
pragmática do desengano (Muniz; Mello, 2015; porém menos rendoso à economia política da
Nora, 1993; Pollak, 1989). Um efeito de cálculo insegurança, fundamentada na disseminação
para manejar com um presente em desencan- de ameaças difusas, que serve a propagação
to, percebido como se estivesse sob ataque do de ondas de agravamento do temor (Muniz;
imprevisto. Um presente refém da provisorie- Mello, 2015; Taussig, 1993). Esse modo reper-
dade, que emerge da violência vista “por quem cutido de se constituir um discurso de verda-
não é daqui” como subterrânea e latente, e que de põe em operação a conversão da chance
se acredita sedimentar o chão da favela. Vio- objetiva de vitimização em perigo simbólico

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lência concebida como ontológica e atávica, que retroalimenta o medo e propaga ameaças
identificada desde seu embrião, lá na socia- difusas. Um dado evento é revestido por ca-
bilidade dos jovens subalternos, no DNA das madas de notícias que, constituídas por uma
comunidades populares, tão ao agrado de uma contabilidade de juízos morais tomados como
sociologia evolucionária, de senso comum.9 universais, encobrem o cálculo probabilístico
“Isso aí não tem conserto”, dizia o rap do mo- do risco e vaticinam a magnitude do perigo
torista que seguia ritmado pelo apontar com o enunciado. Isso se dá pela repetição de sín-
queixo os sinais dos perigos na paisagem peri- teses conclusivas apartadas das evidências e
férica. “Toda favela é assim”: a chapa esquenta dos contextos que as fundamentam. A cadeia
de uma hora para outra, fazendo o morro tre- de causalidade, construída por motivos pesso-
mer com abalos de sua gente incontida e com ais e provas particulares, é estrategicamente
as cismas dos seus donos ressabiados. “Aqui omitida, restando, na superfície do discurso,
não dá para vacilar”, advertia o motorista acio- o encadeamento de convicções narradas como
nando o passado vivido, plantado de fora e 10
Instituto Nando é Vida, no Falet, desenvolvia o projeto
social no qual os entrevistados participavam. Em feverei-
9
A essas visões contrapõem-se Silva (2004), Zaluar (1985) ro de 2017 suas atividades foram encerradas por falta de
e Misse (2011). recursos.

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a realidade mais concreta. Revela-se uma en- experimentar a cidade e expandir horizontes,
grenagem de ocultações do alcance explicativo é preciso aprender a escapulir dos aparatos de
das associações enviesadas efetuadas entre fa- controle que inscrevem (re)destinações no cor-
vela, juventude pobre e violência. po e na alma dos indivíduos da favela, assim
Nas falas de boas vindas, os respon- como introduzem cláusulas de barreira para a
sáveis pelos projetos sociais explicitam que mobilidade social e cláusuras na memória de
aguardavam preocupados a chegada dos pro- grupo. Evidencia-se o rendimento dessas má-
fessores. “Já estava preparado para descer e quinas de dar flagrantes, que descobrem quem
pegar vocês lá embaixo”, esclarece um deles. estaria fora do seu lugar, e plantam estratage-
Momento ritual de empatia pela vivência par- mas para confirmar, recobrindo esse mesmo
tilhada de percalços comuns: lugar estigmatizado como verdadeiro.

imagine o que é a gente passar por isto todo dia! Eles Eu passei uma situação com um amigo, quando a
falam que não dá para levar nem pegar. Não importa gente ia para praia, porque eles posam de riquinhos,
se é uma idosa, um morador carregando compra. O são todos playboys, e eu estava lá com eles e aí eles
jeito é dar o endereço lá debaixo e subir de carona, foram parados, aí mostrou a identidade e (a polícia)
de van ou de moto-taxi. olhou: Pode ir, pode ir! Eu fiquei parada assim: “Ah,
se fosse no morro, ia tomar muita [...] (Moça do Falet).
Uma lição dolorosamente aprendida pe-
los moradores de favela: para fazer uso do di- Vigiar para produzir controle sobre as
reito de ir e vir, é fundamental saber manobrar, mudanças de status quo e as tentativas reali-
desde cedo, com os dispositivos internaliza- zadas pelos jovens de favela. Vigiar para de-
dos de discriminação socioespacial (Goffman, tectar jogos de aparência (Bourdieu, 2007),
1988; Wacquant, 2001). Ao longo dos cami- desmascarar e devolver ao lugar social de ori-
nhos da mobilidade social, muitos são os pe- gem aqueles que conseguem saltar por sobre
dágios montados para conferir os passaportes as cercas andarilhas da polícia e de outros me-
sociais dos moradores de favela em seus deslo- canismos de vigilância, correção e contenção
camentos físicos e simbólicos pela cidade. seletivas (Foucault, 1999).
Vamos fazer uma comparação, que se um dos envol-
Pegar um táxi, a gente faz várias tentativas antes de
vidos na investigação da Lava Jato for surpreendido
pegar o taxi. É na quarta ou quinta. E agora o Uber
com bandido, vai dizer que não é nada demais, sim-
também não quer subir, tanto para pegar a gente
plesmente um encontro para tomar um café e nada
aqui como para levar para outro lugar. Só lá embai-
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acontecerá. Mas se o mesmo acontecer com algum


xo (Rapaz do Falet).
deles ou qualquer outro morador de comunidade,
o desenrolar será bem diferente, provavelmente ter-
Diversas são as cercas itinerantes er-
minando na cadeia (Moça do Complexo do Alemão).
guidas para garantir locomoções reversas que
ambicionam mandar os indivíduos de volta ao Outra lição importante para os entre-
final da fila da ascensão social (Hita; Gledhill, vistados é saber lidar com um ambiente atra-
2010). Várias são as fronteiras nômades cons- vessado por desconfianças recíprocas e por
tituídas para produzir controle do movimento suspeições maximizadas. Na comunidade, há
e da circulação, lugar, por excelência, de pro- uma multiplicação dos olhos que tudo veem,
dução de segurança (Foucault, 2008). São para- de cabeças que de todos sabem e de línguas
das móveis situadas mais aquém das entradas autorizadas a falar muito, mas de alguns pou-
e saídas da comunidade, postadas mais além cos mortais.
das expectativas de acesso aos bens urbanos e As idas ao Alemão e ao Falet aconteceram
de ascensão social de seus integrantes.11 Para em alto verão. Um calor intenso e sem tréguas
podia ser sentido. Não havia muitas pessoas ca-
11
Sobre as formas de apropriação do espaço urbano, ver
Magnani (1998), Frúgoli (2006), Agier (2011) e Augé (2012). minhando pelas ruas, becos e vielas próximos

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ao trajeto que fizemos para chegar aos pontos de alarme com olhos mágicos detecta: “Gente
de encontro. E não há nada de extraordinário de fora subindo”. Percebe-se a presença disper-
ou de exótico nisso. Nunca esteve em cartaz, no sa de vigilantes ocultos em estado de atenção.
mundo real, aquela imagem folclórica de fave- Portas, janelas e cortinas cerradas apontam
la animada, com gente pobre e feliz, colocando para a primeira linha de manutenção do ar re-
seus costumes em exibição para passantes e tu- frigerado, um alívio de primeira necessidade
ristas (Freire-Medeiros, 2009). propiciado, em boa medida, pelo gato de luz.13
As almas residentes no Rio de Janeiro, Portas, janelas e cortinas entreabertas, somen-
familiarizadas com temperaturas elevadas, ad- te um pouco ou de quando em vez, indicam
quirem a prática de procurar sombra e água a primeira linha de defesa da privacidade, da
fresca na rua, no trabalho ou em casa. Porém reserva dos dados pessoais e da vida privada,
o peso do ar sobre nossas cabeças, especial- ali em situação continuada de escassez.
mente no Alemão, parecia muito maior do que No interior das favelas, a habilidade de
o barômetro seria capaz de medir. A pressão um mortal para gerenciar sua exposição e o
da atmosfera era de outra natureza: um estado acesso dos outros à informação sobre si pode
de vigília entre os que por lá vivem e circu- corresponder à delicada arte de autopolicia-
lam. O céu é sentido como um teto de chumbo mento. Para muitos, o simples estender do bra-
rebaixado. E o chão parecia se levantar com ço em uma janela ou na laje pode alcançar o
erupções de um subterrâneo de práticas ile- interior da casa do vizinho. Com uma curta mi-
gais e clandestinas. Negócios mais ou menos rada, desinteressada, enquadra-se a intimidade
tolerados pelos guardiões da Pena e da Espada alheia no sofá da sala ou na cama de casal. Pare-
do Estado, mais ou menos visíveis aos olhos ce ser preciso se esforçar bastante para não ficar
da sociedade. E que chegam à superfície como sabendo o que acontece ao lado e ao redor. Do
um magma composto de traição, vingança, contrário, acaba-se como plateia diária da vida
acertos de conta, alianças, patrocínio de even- cotidiana da vizinhança, tornando-se, de algum
tos, promoção de festejos, agrados e outros modo, afetado, enredado e, por fim, envolvido-
“fechamentos”,12 Um clima de ressaca física -com, querendo ou não, com o que acontece na
e moral sinalizava que, de véspera, ocorrera, favela para dentro. E isso vai das desavenças
como de hábito, a combinação da fúria de uma domésticas, passando pelo que acontece nas
provocação armada com o som de uma festa, festas e comemorações, chegando até os movi-

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ao pulsar do “batidão” do funk. Tudo junto e mentos do tráfico e às operações da polícia.
misturado nos relatos do dia seguinte: gente Se o ar parece denso, o espaço parece
disposta a guerrear, gente marcada para mor- condensado, mais estreito e sob o alcance de
rer, gente querendo só curtir, coisas de matar, um olhar estrito. Um convite à curiosidade bis-
coisas de beber, coisas de comer, coisas para bilhoteira e à gerência da vida pessoal de ante-
dançar, coisas para resenhar. Diz um jovem do mão devassada. Como não estar envolvido-com?
Falet: “Aqui é um lugar que pode estar o tiro- A possibilidade de exposição continuada do
teio que for que a gente se sente seguro”. que se passa “porta para dentro” e “para fora”
Poucos se arriscavam ao sol e ao receio aponta uma invasão em 360o, um avançar sobre
para “medir favela” de lá para cá e de cá para os limites do outro em 3D, no estilo do Progra-
lá. Seguindo o nosso destino, avistam-se si- ma Big Brother. Porém, com uma problemática
lhuetas deslizando em slow motion por trás das questão: morador de favela se faz observável
cortinas, vultos passando em fragmentos pelos sem seu consentimento. A autorização para
vidros canelados dos basculantes. Um sistema sentir em conjunto a sua vida privada lhe é im-
12
Termo usado por jovens, que designa aliança, acordo en- 13
O bypass ou furto de energia se espalhou pela cidade.
tre partes ou reconhecimento de parceria. Nas favelas, há o apoio do tráfico ou da milícia.

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posta por constrangimentos, como as formas de parte como rumores e disseminadas por toda
ocupação urbana e de dominação ali existentes. gente como boatos (Elias; Scotson, 2000). Can-
Como não se ver envolvido? Assiste-se saço e ironia misturam-se ao ter de depor, mais
a uma teatralidade elevada ao seu exagero, até uma vez e de novo, sobre as mesmas questões
naquelas atitudes mais simples, de pouca im- para os mesmos interrogadores, os PMs da pro-
portância. Tem-se a impressão de que o recurso ximidade indesejada por eles próprios e pelos
à encenação exasperada de si mesmo (Foucault, moradores da favela (Muniz; Mello, 2015).
1988), acionado pelos moradores de favela, ser-
Eu ia de moto e aí veio a viatura e parou na minha
ve como uma escaramuça na administração dos
frente e já veio atrás de mim, apontando a arma e
conflitos diante de um expectador-censor à es-
falando encosta aí, tá vindo da onde? Tá indo pra
preita de um vacilo. Qualquer vacilo que sirva onde? Estou indo para casa agora e ele: “Ah tá” e
como alegação moral para aplicar alguma puni- olhou na minha cara (Rapaz do Falet).
ção por apenas “ser cria da comunidade”. Essa
encenação aprisiona as expectativas de quem A batalha de palavras entre interrogado
vigia ao estereótipo desenhado, produzindo al- (favelado) e interrogador (polícia) constitui-se
guma distância protetora entre a personagem como uma gincana discursiva, cínica e arris-
querida como mais verdadeira e a encenação de cada, em que o sujeito perseguido liberta-se
seu papel como menos real. de sua situação de caça, matando as charadas
Nas favelas visitadas, não se tem como sobre sua perseguição. Nela se espera que os
experimentar plenamente, com tão curta dis- suspeitos de sempre – “freios de camburão” –
tância física e moral, o anonimato cosmopolita reproduzam pantomimas indicando subservi-
no espaço público e a discrição polida no es- ência ou formas de deferência que reiterem o
paço privado. Ambos creditados ao comporta- lugar autoritário de autoridade e respostas en-
mento civilizado vindo de fora (Elias, 1994). saiadas do tipo bypass para o mesmo repertório
Entre um e outro, tem-se uma mistura do que batido de perguntas. Está indo para onde? Está
é privado e do que é comum. Sua manobra é vindo de onde? Está fazendo o que aqui? O que
particularizada, caso a caso, segundo um có- você tem aí na mochila? Quem é o chefe do
digo de conduta que dá conta do que deve ser tráfico? Jogo de abordagens para marcar e fazer
segredado e do que se pode explicitar. Na fave- não esquecer quem tem o mando, quem está
la, tudo se viu ou ouviu dizer. Mas as frases so- no controle da situação. Aprende-se a ter um
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bre o que se sabe são estrategicamente ditas de cuidado com a palavra. Um cuidado para se
maneira a revelar sem se comprometer. Cami- preservar protegendo, mesmo que a contragos-
nha-se na corda bamba das circunstâncias, do to, os autores da ação de censura ou da caçada
que é contingente, por meio do uso cauteloso à palavra autorizada (Bourdieu, 2008). Quem
e relativizado da categoria “depende”. Depen- são? Os governantes dos silêncios de fala que
de do que se fala, para quem se fala, de quem exercem o recurso da coerção armada sobre
se fala, do lugar de onde se fala, do momento a linguagem das palavras e dos corpos, uma
para se falar. Enfim, “tudo tem um depende”, manobra tática para reafirmar seu domínio e
um calcular milimétrico e exaustivo, para na- que contam com olheiros vindos de dentro de
vegar na circunstância e tentar seguir à risca o comunidades populares. Poder de ordenação
traçado fugaz das cercas – e podem ser várias sobre o que pode ser dito pelo poder das armas
– que circunscrevem os limites do que pode que dobram as línguas e silenciam condutas.
ser conversado. “Disseram aí que foram eles”. Eles quem? PM
Observa-se o acionamento de retóricas ou bandido? Frases com sujeitos ocultos e in-
defensivas, constituídas sob um clima de ame- determinados buscam afastar o risco iminente
aças estendidas que estão no ar, vindas de toda de se ver confundido com um delator. Mas po-

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dem trazer para mais perto a acusação, sempre diante das variadas formas sofridas de assédio
presente, de ser envolvido-com o crime. Daí para contar uma verdade, constituir uma pro-
frases sob censura, “papos retos” que mais pa- va, no limite, contra o seu próprio lugar social
recem acrobacias linguísticas, da “arte de falar e seu próprio mundo. A desconfortável posi-
e não dizer”. ção de testemunha tem esse rendimento como
fonte ambulante e ambígua de informação a
– P. Esses que morreram eram moradores?
ser extorquida (Amorim; Kant de Lima; Men-
– R. Todos moradores. Foi no mesmo dia, mas não
des, 2005; Foucault, 2008). Uma serventia que
foi no mesmo momento.
– P. Qual foi a explicação que eles deram? traz consigo a possibilidade, calculada como
– R. Não tem explicação. uma acusação iminente, de ser taxado como
– P. Porque eles morreram? delator da palavra maldita que não devia ter
– R Porque eles quiseram matar. sido falada, sob qualquer custo. Testemunha
– P. Eles poderiam ser chamados de “envolvidos”?
e X9 (alcaguete) são dois lados de um mesmo
– R. Alguns poderiam ser chamados de “envolvi-
lugar de risco ali latente: aquele de se ver e ser
dos”, agora não posso te afirmar. Tinha um que eu
tenho certeza que não era, era moto-táxi. (Conversa reconhecido como envolvido-com alguém, com
com Rapaz do Falet). alguma situação, com alguma coisa.
Ser um jovem de favela é saber ver para
O largo uso feito das reticências e das não ser visto, é conhecer bem para não ser re-
referências de duplo sentido tanto sinaliza que conhecido. Resistir para sobreviver, diante do
se tem algo escondido por detrás da fala, quan- medo de sobrar frente ao medo de morrer (No-
to indica que o falante pode “ter algo a escon- vaes, 2006). Isso significa conseguir atravessar
der”. O ato de fala, em si mesmo, é um ato sob as camadas de vigilância (Baumann, 2014) que
vigilância. Nesse cenário, em que se apresen- se sobrepõem e geram um efeito cumulativo
tam proximidades apriorísticas com pessoas, de controle. Não se trata apenas dos controles
situações e lugares, e, até bem pouco tempo, a verticais exercidos pela polícia ou pelo crime
proximidade forçada da UPP, negocia-se diante e que vivificam relações assimétricas de po-
de intimidades impostas: saber demais da vida der. Mas de outros deles, aqueles exercidos
na favela é sinal de perigo, saber de menos horizontalmente, entre os próprios moradores,
também. Em uma realidade vivida em estado visitantes, prestadores de serviço, etc. Uma as-
presente de atenção, saber corresponderia a similação da autovigilância para dentro, para
esconder, esconder corresponderia a dever sa-

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consigo mesmo e entre pares. Engrenagens la-
tisfação à autoridade da vez: o policial, o mili- titudinais e longitudinais expandem os apeti-
ciano ou o traficante. Quem esconde envolvi- tes de controle que se contradizem e potencia-
do é, e quem se vê envolvido está em fuga da lizam a constituição de espaços de convivên-
verdade de quem exerce soberania territorial cia atravessados por suspeições mútuas.
ou de quem impõe a lei e a ordem.
Na favela Big Brother, todos observam e O morador fala por trás do bandidinho. Bandido
são observados de cima, de baixo, de lado e ao mesmo não é falado.

redor. Todo mundo precisa vigiar quem vigia. O Envolvido é cria da comunidade. Ele se envolve,
Um mundo em estado de alerta, conformado mas a gente não discrimina.
por testemunhas oculares, em que se viven- Envolvido? Tá do lado, tá no meio, tá perto, parou
ciam relações nuas sob os holofotes das ferra- para falar e o X9 tirou uma foto, tá envolvido. Aqui
mentas de controle social. Com seus bastido- é visto e lá fora é mais visto.
res crus escancarados, sem lugar de descanso Aqui a gente sabe quem é envolvido ou não. O X9
com olhos fechados, os moradores de favela foi lá em casa, me filmou. Ele não é porra nenhuma.
colocam-se à flor de sua pele. Principalmente (Rapazes e moças do Complexo do Alemão).

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“BASTA TÁ DO LADO” – A CONSTRUÇÃO SOCIAL ...

Os deslocamentos dentro e fora da fave- registros pessoais publicados subordinam-


la são marcados pela experimentação de uma -se às exigências políticas por cada vez mais
ameaça ampliada com total cobertura em 4G. controle e às demandas morais cada vez mais
Sobressaltos, suor frio, coração acelerado pon- discriminatórias por proteção. Falet e Alemão
tuam o medo de acontecer preso em uma cerca com seus selfies: Sorriam, vocês estão sendo
ou impossibilitado de conseguir dela escapar. vigiados!
Sensações de claustrofobia e de agorafobia
misturam-se numa realidade exposta à sobre-
vigilância internalizada entre iguais. Favelas SORRIA, VOCE ESTÁ SENDO
em um regime político de ordem continuada ENVOLVIDO. MANOBRAS DE UMA
de exceção (Agamben, 2015). SOCIABILIDADE SOB SUSPEITA
Os círculos de confiança entre os jovens
de favela parecem estar mais estreitos a ponto Você tem medo do quê? Medo do filmi-
de poderem passar despercebidos pelas po- nho enquanto passava perto “da boca”, ou de
rosidades, atalhos abertos nas cercas também uma guarnição da PM. Medo da gravação de
construídas por seu próprio mundo. Restritos voz enquanto dava um cumprimento forçado
aos microespaços das relações familiares e das ao pessoal do movimento, ou respondia a uma
poucas amizades construídas pela participação indagação do policial. Medo da foto enquanto
nos projetos sociais, eles ampliam sua relação fumava um baseado ou zoava no caminho do
com o mundo e seu próprio mundo pelas re- baile funk. Muitos medos, vários receios para
des sociais (Monteiro, 2011). Eles são parte dos se ocupar em um tempo de conexões virtuais
“nativos digitais” ou da “geração smartphone”. e de vigilância líquida (Baumann, 2014). “Ima-
Conectados com o que acontece dentro e fora gine se isso viralizar na internet ou cair no
da comunidade, eles “têm o mundo na palma smartphone errado?” E “se for parar nas mãos
da mão”, tal como nas propagandas das tecnolo- armadas dos donos do morro, dos PM ou dos
gias móveis. Eles têm os olhares de seus perfis, X9?” Como manter-se conectado e não deixar
vídeos, fotos, mensagens, gravações de voz a seu rastros de si? Experimenta-se o receio do re-
favor. Como testemunhas de seu próprio mun- gistro, da memória, do momento único eterni-
do, tornam-se realidades reveladas de sua exis- zado como “prova” contra um, contra alguns
tência transfronteira. Eles têm seus registros em ou vários deles, os jovens de favela, no Rio de
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nuvens contra si. Repertório de materialidades, Janeiro. Fiscalizar as conversas no WhatsApp


indícios de suas trajetórias, que se fazem provas tem aparecido como a mais nova modalidade
de suas itinerâncias, pertencimentos e adesões, de vigilância dos “meninos” do tráfico que in-
e que podem vir a ser trazidas como evidências vadem e dos “homens” da polícia que ocupam.
de algum “envolvimento”. Entre invasões e ocupações, reproduz-se o pe-
Meu irmão, que é trabalhador e honesto, está pas- dágio a ser pago: deixa-me ver, está falando o
sando na rua próximo ao bandido; caso meu irmão que e com quem aí? É parte do exercício de
o cumprimente e passar a polícia ou algum “X9” ti- conviver na comunidade, viver com alguma
rar foto e mandar para as autoridades, meu irmão já dose de desconfiança em relação a quem é de
será considerado bandido também (Rapaz do Com-
fora, mas também com quem é de dentro. Isso
plexo do Alemão).
corresponde a uma gestão cotidiana e diferen-
A tríade de direitos que ambicionam ciada de riscos cuja principal chave interpreta-
circunscrever a privacidade no mundo virtu- tiva é o medo de ser identificado como envol-
al não se realiza no asfalto e muito menos nas vido-com o crime.
favelas. Direitos de não ser violado, de não ser Envolvido: um modo de estar, ficar ou
registrado e de não ser reconhecido ou ter seus ser? Uma forma de (re)produzir cercas e pe-

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Fátima Regina Cecchetto, Jacqueline de Oliveira Muniz,
Rodrigo de Araujo Monteiro

dágios sociais móveis. Funciona como um caiu no gosto do senso comum. Envolvido-com
dispositivo itinerante de incriminação. Prome- tem sido acionada, nos diversos ambientes e
te, no imediato de seu acionamento, oferecer contextos sociais, para antecipar o julgamen-
conforto emocional e proteção moral àqueles to de políticos e empresários relacionados aos
situados como estabelecidos (Becker, 2008), ao escândalos de corrupção, e para orientar as es-
definir uma linha de justificação causal entre tratégias de comunicação social da Policia Fe-
o passado, o presente e o futuro dos sujeitos deral, da Justiça e da Corte Suprema.14 É tam-
apreendidos em sua rede classificatória. Esta bém acionada para predizer e justificar o juízo
é uma categoria acusatória a serviço da produ- final desejado para as personagens cotidianas
ção de controles estendidos e de vigilâncias di- relatadas nos casos de criminalidade violenta
fusas, cuja virtude primeira é ir cada vez mais noticiados nas mídias e redes sociais. É, ainda,
além, em sua disposição classificatória: envol- mobilizada para antever o tipo de sanção es-
vido pode ser um efeito passageiro, um estado, perada para as personagens de novelas, séries,
uma etapa, uma condição, um destino. E pode etc. que, de algum modo, romperam com a ex-
muito mais, já que busca avançar da intenção pectativa social pretendida como hegemônica.
expressa e consciente até o desejo implícito e É suficiente conjecturar sobre a possibi-
inconsciente dos indivíduos sob incriminação. lidade de alguma interação para que se possa
Caminha-se de uma reação natural do instinto constituir uma convicção sobre a existência de
até a manifestação cultural da vontade, ofere- algum envolvimento, cujo sinal negativo apon-
cendo matizes que se encaixem em cada situ- ta, quando por menos, para um risco passível
ação em que a categoria é acionada. Por isso, de salvação e, quando por muito, para uma
se ouve dizer que o “meio onde vivem” faz ameaça a ser eliminada. Vai-se da imposição
dos jovens pobres “bandidos natos”, ou vulne- corretiva ao extermínio. Onde exista alguma
ráveis com um suscetível “pé na criminalida- intriga, picuinha ou divergência, pode-se fa-
de”. Em defesa da sociedade, o que importa é zer aparecer quem está envolvido com quem
apreender, isto é, aprender a saber aprisionar ou com alguma coisa. Envolvido-com traz um
os indivíduos aqui e ali, em seus próprios mo- lastro de verdade percebida como mais ver-
vimentos, deslocando-os, fazendo-os circular dadeira, uma vez que essa categoria não se
por entre confinamentos provisórios e sob os restringe a rotular indivíduos, mas incorpora,
radares situacionais de controle social. sobretudo, suas relações. A engrenagem do

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A categoria envolvido-com opera como envolvimento tem como ambição criminalizar
uma válvula distribuidora de sentidos nego- os vínculos sociais e, com eles, as expectativas
ciados, cuja eficácia simbólica está em ade- da sociabilidade e os interesses nos modos de
quar-se a cada situação vivida, de acordo com convivência social. É por isso que esse dispo-
cada sujeito, conforme cada situação e segun- sitivo se faz tão preditivo, trazendo consigo a
do cada lugar. Sua elasticidade e flexibilidade satisfação, por vezes vingativa e despeitada, de
permitem identificar traços específicos e reco- uma certeza acreditada, convicta. No extremo
nhecer padrões comuns entre indivíduos, suas de sua capacidade operativa, revela-se uma ar-
interações, intenções e trajetos. Revela uma madilha: tem-se que todos nós estaremos ou
engrenagem dinâmica transversal a todos os seremos, em algum momento, envolvidos. Se
segmentos sociais, que se adequa às moralida- viver em sociedade é interagir, e se interagir
des de produção de controle e de justiça, desde é envolver-se, então conviver em sociedade é
as que apoiam sua persecução em provas téc- estar envolvido. Sorria, você está sendo envol-
nicas até as que emprestam materialidade aos 14
A Lei 12.850/2013, que normatiza a “colaboração pre-
seus juízos morais. É uma expressão, cujo ren- miada”, ajudou na consolidação da ideia de envolvimen-
tos que levariam à necessidade de ampliar os mecanismos
dimento classificatório é tão persuasivo que de controle, correção e punição.

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“BASTA TÁ DO LADO” – A CONSTRUÇÃO SOCIAL ...

vido em uma narrativa que ambiciona acertar do como uma arbitrariedade é tênue, e tende a
sempre, porque se funda num truísmo cuja deslocar-se conforme as barganhas do sentido
engenhosidade está em colocar-se a serviço do de autoridade e das formas de seu exercício.
controle e da vigilância. Em termos instrumentais, o substituto prag-
Tal como elucidado por Macedo (2015), mático do tipo penal “associação criminosa”,
a tradução normativa de uma agenda pública no presente das práticas policiais, é o “envol-
corresponde à construção de um consenso téc- vimento”, que varia quanto à sua natureza e
nico-político que não só reduz a problemática grau para também ser abrangente. Pode-se di-
ao que é conveniente ao status quo do mundo zer que a construção social do envolvido é um
legal, como também retrata uma defasagem empreendimento moral da lei equacionada, no
temporal em relação à produção acadêmi- asfalto e na favela, ponderado pelas distintas
ca sobre a questão positivada em lei. Não foi razões que nos atravessam: as razões etárias,
diferente com as recentes mudanças na nos- de cor, de gênero, de classe, de renda, e as que
sa legislação penal que, segundo a autora, se mais servirem para desigualar os desiguais.
apoiam na criminologia da “defesa social”, há Cada vez mais onipresente nas repre-
muito já refutada pela reflexão crítica do direi- sentações sobre as causas e consequências das
to penal e pelas perspectivas contemporâneas “violências” e da “criminalidade”, o constructo
das ciências sociais. Uma mudança foi a alte- envolvimento explora as ambiguidades, o “lusco-
ração do Art. 288 do Código Penal Brasileiro, -fusco” das interações e dos marcadores sociais,
proposta pela lei 12.850 de 2013. Substituiu-se produzindo, simultaneamente, enquadramentos
“quadrilha ou bando” por “associação crimino- fugidios e estanques. Pode ser compreendido
sa”, com a seguinte redação: como um novo modo de rotulação que recicla as
ideologias sobre as classes perigosas (Chalhoub,
Associação criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas,
1996) e parcela da juventude pobre. Estar ou
para o fim específico de cometer crimes: ser envolvido pode aparecer como um momen-
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos to passageiro ou uma identidade substantiva,
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se permitindo a proliferação de gradações que vi-
a associação é armada ou se houver a participação vificam estereótipos e preconceitos conforme o
de criança ou adolescente (Brasil, 2013, grifo nosso).
sujeito e a situação. Põe em circulação desliza-
A nova tipificação criminal é mais mentos entre os estados provisórios (“estar en-
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abrangente, já que a noção de associação não volvido”), momentâneos (“ficar envolvido”) ou


se limita a caracterização de um grupo com um permanentes (“ser envolvido”). São movimen-
propósito comum. Diz respeito a toda forma de tos que transitam pelas noções de “vulnerável”,
união, aproximação, colaboração, conexão, li- “suspeito” e “bandido”, que são manejadas a
gação, enfim, a todo tipo de relação. Por sua cada próximo encontro com a polícia.15
vez, essa relação é também mais inclusiva, po- Inventariar e reinventar posições na
dendo ser ocasional ou constante, episódica ou cena interativa é o modo pelo qual os jovens
continuada. Sua dimensão restritiva estaria na de favela, com radar ligado, manobram os sig-
intenção criminosa, sendo essa finalidade o as- nificados da categoria envolvido-com, dentro
pecto que fundamenta a seletividade do olhar e fora de seus locais de moradia. Essa toma-
dos mecanismos de controle e vigilância. Qua- da de posição pode ser sintetizada como uma
lificar uma interação como criminosa depende
15
Na perspectiva da sujeição criminal elaborada por Mis-
do arbítrio de quem define, de seu poder de se (2011), há um agravamento progressivo do processo de
nomear diante do campo de ameaças, descon- subjetivação do crime que engendra, em cada época, um
tipo social: já foi o malandro, o marginal, o vagabundo,
fianças e suspeições em que se encontra inscri- agora o bandido-traficante. Esses tipos se afastam da cate-
goria envolvido-com, pois ela não corresponde a um tipo
to. A fronteira com o que possa ser reconheci- social, mas a um tipo de interação social.

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Fátima Regina Cecchetto, Jacqueline de Oliveira Muniz,
Rodrigo de Araujo Monteiro

economia política do envolvimento, um modo como “produto de roubo” e, por derivação,


operativo transversal e manifesto em situações como materialidades do envolvimento com o
diversas, que circunscreve um conjunto de tá- crime. A mesma preocupação as moças e os
ticas de como se manter a salvo de acusações, rapazes de favela devem ter com os bens de
seja pelo excesso de proximidade ou de distân- consumo de suas casas. A “linha branca” ou
cia das cercas que os envolvem. De que lado básica dos eletrodomésticos, com aparência de
eles estão? De que lado não estar agora? Tem-se nova, também pode ser um indício de “presen-
uma averiguação rotineira de credenciais, uma te do tráfico”, assim como carnes de primeira,
lista exaustiva de autoverificação. No trajeto laticínios e cerveja mais cara na geladeira po-
entre casa, trabalho e casa, no uso do trans- dem indicar algum “serviço prestado” ao cri-
porte alternativo, na procura por emprego, na me. Moças muito arrumadas podem ser vistas
volta da escola, no recôndito das interações como “mulheres de bandidos”. Rapazes com
afetivo-sexuais, é sempre preciso apresentar-se expressões corporais expansivas e linguagem
e representar-se como não-envolvido. O que carregada com gírias podem ser vistos como
pode ajudar a aliviar a condição de morador de olheiros do tráfico. Já a “pinta de maconheiro”
favela, quando abordado pela PM? Portar uma deve ser um distintivo reservado para gente
bíblia? Trajar uma camisa de projeto social? de fora, para as moças e rapazes da Zona Sul
Usar roupas e acessórios modestos, que não ou do asfalto. Por último, a cartilha informal
destoem da condição de pobre honesto? Ter o dos bons modos recitada pelos jovens revela
corpo e a cor de pele “certos”? Tudo isso na a necessidade de cuidados extras com objetos
esperança de ser capaz de manejar a constante que são vistos pela polícia como “disfarces
suspeição que paira sobre suas cabeças. usados por marginais”. São eles: carteiras de
Salta das línguas dos jovens entrevista- trabalho e de estudante, bíblia e camisetas de
dos do Falet e do Alemão, em tons de revolta, projeto. Ao levar ao pé da letra as dicas aqui
humor, resignação e deboche, uma espécie de ilustradas, pode-se constatar que todos os in-
manual de como se livrar da imagem de envol- gredientes simbólicos que informam rupturas
vido diante da polícia, percebida por eles como estéticas, valorativas e comportamentais e que
a principal guardiã das entradas e saídas da es- configuram os lugares sociais das juventudes
tratificação social. Esse tutorial é apresentado são objetos de vigília e ortopedia moral. A exu-
pelo que se deve evitar, ou não se deve fazer, ou berância, a extravagância e a deriva próprias

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portar. Um código de etiqueta a revelar as boas da experimentação juvenil seriam vistas como
maneiras esperadas de quem já traz a desvan- ameaçadoras ao projeto civilizatório idealiza-
tagem social da origem favelada e não branca. do para as comunidades populares. Parece que
São algumas recomendações para rapa- lá, na favela, não se pode ser jovem, mas tão
zes e moças, especialmente para jovens pretos somente um trabalhador pobre e esforçado.
e mestiços. Vestimentas de funkeiro, rapper As formas encontradas pelos jovens para
ou Mc, assim como cabelos com cortes ou- contornar os confinamentos que se apresen-
sados, dread ou descoloridos, soam provoca- tam em seus trajetos não os muniram de uma
tivos. Adereços com cores chamativas (tênis, blindagem socioeconômica que lhes permi-
esmaltes, batons, óculos espelhados), bijute- tisse ignorar essas cercas e ultrapassá-las sem
rias e joias são lidos como afrontosos. Objetos correr ou colocar em risco parentes e amigos.
pessoais “de grife” podem ser interpretados A autonomia para transpor as aporias do ser
como abuso, uma intenção ostentatória. Nessa ou estar envolvido mostra-se relativa. E aí, faz
mesma lógica, correntes e pulseiras de ouro, o que então? A saída é “ficar dentro de casa?” –
smartphones de marca de prestígio e vesti- indaga um dos jovens entrevistados. O empre-
mentas esportivas famosas podem ser vistos endimento tem sido o de forjar aberturas para

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“BASTA TÁ DO LADO” – A CONSTRUÇÃO SOCIAL ...

a experimentação de formas de sociabilidade ponto às tentativas de fuga do contato com a


juvenil, inscritas em um mundo cosmopolita polícia. E ela, na sua “doutrina tático-operacio-
e globalizado, por meio das quais as imagens nal” e na realidade sensível de suas práticas,
convencionais associadas a ser um ou uma jo- corresponde a muitas polícias em uma só PM.
vem de periferia sejam superadas. Para os jovens, tem-se, na favela, a oferta de
Uma das estratégias fundamentais para um cardápio exclusivo de meios desmedidos
os jovens de favela em fuga da alcunha de de força. Não há interesse de fazer policia-
envolvido-com é tentar abrir uma fenda nas mento ostensivo, mas apenas uma “repressão
malhas do controle policial. É a polícia que, a amadora e mal intencionada”. Tem-se a PM da
cada abordagem, a cada tomada de território, operação policial, a PM do choque, a PM do
reforça sua posição de fiscal das regras do seu “caveirão”, a PM da ronda, a PM do forjado, a
próprio jogo e do jogo de sustentação do status PM da UPP. Essa última é também reconhecida
quo. É a polícia que, mais imediatamente, faz como a “PM da decepção”, porque a ela se cre-
saber, faz lembrar que há pedágios a serem pa- ditava a esperança na mudança para melhor da
gos para entrar, permanecer ou sair dos mun- atuação policial nas favelas.
dos sociais. Diga-me onde anda, com quem Ainda que os jovens entrevistados reco-
fala e o que faz, e te ditarei quem és! Essa ale- nheçam níveis diferenciados de violência, físi-
goria sintetiza a percepção que os jovens do ca e simbólica nas atuações das várias PM nas
Falet e do Alemão têm do tipo de controle que favelas, eles identificam um ponto em comum
a polícia exerce sobre eles. O poder (delegado) entre elas que seria a discriminação socioespa-
de polícia é vivido ali, na expectativa de sua cial e o preconceito racial. Uma caracterização
presença, na sua chegada e na forma concreta das PM que se aproxima da imagem criada por
de sua ação, como o poder (autonomizado) do Caetano Veloso na música Haiti. Quase pre-
policial que “barra” (interpela) para averigua- tos e quase brancos, dando porrada em quase
ção, os mesmos jovens de sempre. brancos e quase pretos que, de tão pobres, são
Falar da polícia é falar, com muita mágoa vistos e tratados todos como pretos.
e algum humor cáustico, dos constantes levan-
Sofremos preconceito por sermos de comunidade.
tes de muros e de como ultrapassá-los, abrindo As formas de se expressar sejam na forma de se
pequenas brechas, com menor dano possível. vestir falar também influenciam na discriminação
Os PM, ou simplesmente “eles”, aparecem na (Moça do Falet).
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linguagem dos jovens como a cerca das cercas


que “surgem do nada”, em todo e em qualquer A “sociologia da polícia” construída pe-
lugar, para fazer o trabalho deles: atemorizar los entrevistados lança mão de noções saídas
a favela, tratando todo mundo como bandido, das teorias sociais do desvio, do crime e da vio-
sem distinção. lência. Ao tratarem do modus operandi das PM,
eles acionam uma lista recorrente de expressões
Os PM já têm o conceito de que os moradores das
comunidades do complexo são bandidos e “mulher como estigma, rotulação, etiqueta, estereótipo,
é piranha”. Este estigma não se limita as UPPs. To- discriminação. Uma apropriação simbólica tan-
dos os policiais do Rio de Janeiro enxergam os mo- to das representações que se fazem presentes
radores de comunidade como bandidos (Rapaz do nos discursos que ambicionam hegemonia de
Complexo do Alemão).
sentido, quanto das categorias que se preten-
Um tom acalorado de denúncia contra dem analíticas na narrativa crítica das ciências
os maus usos e abusos policiais tomou conta sociais. Revela-se uma política de sentido que
da conversa com os jovens entrevistados. Eram se beneficia da reflexividade para transformar
momentos-catarse, que funcionavam como o que se inaugura como uma retórica de acu-
testemunhos-verdade e serviam como contra- sação em uma tática discursiva de defesa. Um

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Fátima Regina Cecchetto, Jacqueline de Oliveira Muniz,
Rodrigo de Araujo Monteiro

expediente de tomada de assalto por dentro da seus inimigos está. O controle armado da PM
linguagem, como agradaria a Foucault (1998), e do tráfico, por meios distintos, partilha de
revelando resistência onde há poder. Uma es- uma mesma lógica: produzir envolvimentos
tratégia de manipulação da identidade dete- que promovam alianças, mesmo forçadas, que
riorada, como compreenderia Goffman (1998), possam contribuir para a estabilização de seu
demonstrando a existência do poder dos fracos. poder no território-favela.
A incorporação e o uso de alegorias que A cartografia dos lados para onde olhar
apontam para práticas discriminatórias, exclu- (ou não) e se mover (ou não) implica trafegar
dentes e desiguais correspondem a um apren- em várias direções, da maior ou menor proxi-
dizado realizado pelos jovens quando de sua midade. Envolve tensões entre esses polos e di-
inserção no mundo dos projetos sociais. Esse lemas nas escolhas do tipo de distanciamento
léxico está na linguagem autorizada, falada e possível a ser representado diante de um con-
escrita, dos operadores sociais. É parte da tex- texto de ameaças latentes e da violência como
tualidade das políticas sociais e da contextua- um horizonte. Isso é mais perceptível quando
lização de seus conteúdos voltados para a fave- os entrevistados aludem às redes de convivên-
la. São palavras-ação que emprestam visibili- cia na favela e, por sua vez, aos princípios de
dade a causas, registram processos de luta e de amizade que, em certas circunstâncias, são de-
construção de legitimidade para o seu ingresso votados aos chamados “bandidos”, nas localida-
na agenda pública. Constituem uma forma de des onde ocorre o crime-negócio (Zaluar, 2004).
socialização política no manejo das rotulações. O sentido da amizade como sinal de pro-
As experiências com a rotulação de en- ximidade é realçado e possibilita a coreogra-
volvido-com emergem em um interjogo que fia de práticas performáticas que encenam, in
estabelece alianças de ocasião entre jovens e acto, lealdades possíveis em uma arena de vi-
os conduz a ter de elaborar uma cartografia gilâncias horizontalizadas: saudações longas,
dos lados para poder transitar pelas cancelas toques em partes do corpo, olhares confirma-
da PM e dos traficantes. Ela se traduz em di- dores, sorrisos abertos, acenos manuais. Tais
versas manobras realizadas pelos territórios indícios, estampados no corpo, se prestam ao
físicos e simbólicos na busca da adequada reconhecimento público da existência de uma
distância para dentro. Entre os moradores da ligação privada. Nasceram no mesmo lugar,
favela, revela-se o cálculo estratégico sobre os se conhecem desde crianças, estudaram jun-

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modos de fazer ver ao outro a sua inscrição. tos, são alegações que justificam as expressões
Esses procedimentos de regulação e remaneja- obrigatórias das deferências e que apontam
mento operados pelos jovens exigem sagacida- para a ambiguidade das engrenagens do envol-
de para negociar brechas, diante da percepção vimento e a produção de aparente continuida-
de uma acusação latente de colaboração com de de vínculos precariamente constituídos. A
um inimigo da vez, polícia, milícia ou a facção: franquia ocupacional exercida pelo poder ar-
olhou? Cumprimentou? Xnovou (delatou)! mado possibilita a redefinição da identidade
Qualquer que seja o lado, o envolvido- de “bandido”, forçando o acionamento de uma
-com também pode ser “o cara que não cola- conexão horizontal situada antes do ingresso
bora”, que nada ou pouco tem a informar. Um na vida do crime. A horizontalidade, assim for-
manejador dos indícios, um “abusado” que jada, releva a interdependência desigual que
escapole das cercas. Do lado de lá da ordem se dilui na obrigação de reconhecer e de retri-
pública da PM das operações policiais, quem buir a gentileza de uma congratulação.
passa perto do crime do lado dele está. Do Estava no baile e vi um amigo de infância que es-
lado de cá das ordens do “tráfico”, quem pas- tava com a bazuca. Eleveio me cumprimentar. Eu
sa muito longe do movimento, com algum dos não vou parar de falar com as pessoas por estarem

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“BASTA TÁ DO LADO” – A CONSTRUÇÃO SOCIAL ...

na bandidagem. Se alguém da bandidagem falar co- como novidade na narrativa contemporânea


migo e eu não responder, vão achar que eu estou em de controle do crime, por outro lado, não há
acordo com a polícia ou com outra facção (Rapaz do
novidade alguma na associação histórica de
Complexo do Alemão).
discursos criminológicos entre juventudes po-
Pela figuração da amizade abre-se uma bres e crime. Tem-se uma associação perversa,
cadeia de trocas e um cortejo de amabilidades instantânea, há muito internalizada, entre jo-
que convivem com a contínua cobrança de vem de favela e “crime organizado”. Um olhar
pedágios e demandas por filiações e adensa- político que conjuga evolução com salvação,
mentos. A adesão às regras de lealdade não é identificando uma gênese comum, embrioná-
“cega”, mas manobrada face à eterna suspei- ria: ambos têm a mesma origem, seja na sua
ção mobilizadora dos distintos graus de envol- “natureza humana”, seja do lugar de onde se
vimento. Daí uma gestão de si para que os de é natural. Ontologias a serviço do controle. In-
fora saibam de que lado os que são de dentro sinua-se uma moralidade específica que busca
estão ou precisam ficar. “Nem precisa estar do dar conta da trajetória desviante, suas causas
lado” para ser alvo de vereditos acusatórios e efeitos. O que serve para justificar distintas
amplificados pelos mecanismos de controle formas de intervenção corretiva, seja pela in-
a céu aberto, sempre atentos aos “fechamen- clusão tutelada de alguns, seja pela exclusão
tos” com os inimigos, seja a polícia ou os do deliberada de outros matáveis, seja pela indife-
bando rival. A simples insinuação de traição, rença diante dos muitos que não “fizeram por
ou a identificação de uma “mudança de lado”, merecer” o projeto social salvador ou a morte
calibra a tensão para a destruição segundo os redentora.
códigos ditados pelos aliados. “Ah, eles têm as Ao examinar as representações que hoje
leis deles”. É uma sentença conformada que se oferecem à questão do envolvimento dos jo-
está na boca de muitos moradores das favelas vens com o crime, revela-se um confronto com
sobre o tribunal do tráfico (Dias, 2012; Feltran, outro processo de rotulação que orienta e jus-
2016; Vital, 2015). Ser amigo dos amigos da tifica políticas e projetos sociais cujo foco são
“facção” é deixar à mostra as lealdades pri- indivíduos nos quais se “cola” o adjetivo “vul-
márias, dar provas constantes da probidade a neráveis” a uma vida criminosa. O termo em si
quem está próximo, ampliando seu capital de (como “envolvido”) também contém um juízo
proteção para dentro, mesmo que provisório, de que existe um grau maior de exposição a
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face aos desafios que enfrentam: medo de mor- riscos e perigos que atinge determinadas pes-
rer, medo de sobrar!16 soas e grupos frente a outros. Evoca a mesma
A categoria envolvido-com traz consigo conotação negativa, ainda que menos orien-
uma engenhosidade cuja eficácia se distingue tada para uma perspectiva individualizante,
da categoria classe perigosa. Sua modernidade aliviando sua carga moral. Assim, o candidato
está na manifestação gerencial de um individu- ideal dos projetos sociais – um recurso profi-
alismo de mercado. Através dela se consegue o lático à criminalidade (ainda que implícito) –
que nem Cesare Lombroso imaginava em sua não deve “ser envolvido” com ações crimina-
ambição de classificar o tipo criminoso: pôr no lizáveis. Mas, é desejável que o candidato seja
banco dos réus a própria interação social. Por classificado como em “situação de vulnerabili-
meio da noção envolvido-com ambiciona-se dade” ao envolvimento, para justificar as ini-
criminalizar os indivíduos e sua transitividade ciativas construídas para sua inclusão. É como
entre realidades sociais. se o atributo envolvido-com remetesse a uma
Se, por um lado, envolvido-com aparece questão individual e a vulnerabilidade reco-
nhecesse o caráter estrutural do desvio ou do
16
Sobre estilos de masculinidade e seus dispositivos invi-
síveis, ver: Cecchetto (2004). comportamento desviante. Não é à toa que os

112
Fátima Regina Cecchetto, Jacqueline de Oliveira Muniz,
Rodrigo de Araujo Monteiro

projetos sociais acionam a gramática da escas- cionalidades como rotina e se convencer da


sez de oportunidades de trabalho e renda para necessidade de um governo continuado de ex-
a juventude pobre. Não é à toa que os elegíveis ceção para os outros de nós, lá longe nas “áreas
para os projetos sociais vão precisar mostrar conflagradas”, ali nas “comunidades de risco”,
merecimento, convertendo-se em uma vítima nos territórios-favela.
empreendedora de seu resgate social. Os rapazes mortos mobilizaram falas
condenatórias sobre suas identidades. A po-
tência da reverberação é sentida pela ausência
CONSIDERAÇÕES FINAIS de outros adjetivos negativos sobre sua condi-
ção já suficiente de “bandidos”. Uma acusação
Maio de 2017. Dois meses antes, um ví- totalizadora que funciona como chancela para
deo circulou no WhatsApp, mostrando a exe- a execução extrajudicial consentida, dada de
cução de dois rapazes perto de uma escola forma explícita e informalmente. Como terapia
municipal na Zona Norte do Rio.17 Deitados no para os “irrecuperáveis”, seria imperioso me-
chão, um deles ainda tentou se levantar antes nos uma polícia ostensiva e mais uma polícia
de ser alvejado mortalmente pelo policial. O ostentatória de seu poder beligerante.
ato surpreendeu e embaralhou as vozes dos Duas vidas, dor de alguns próximos e
vizinhos que filmavam a cena de uma janela muitos likes de desconhecidos. As práticas de
indiscreta. Quanto pior a experiência do real, limpeza social fazem parte do jogo publicitá-
maiores as possibilidades de edição e disse- rio e plebiscitário das opiniões instantâneas
minação virtuais. O cenário era de mais um em rede, estimuladas a sair do armário pelo
confronto entre PMs e suspeitos, que já tinha agravamento intencional do temor. Elas são
produzido uma vítima naquela manhã: Maria vistas como mais produtivas diante da “es-
Eduarda, 13 anos, baleada dentro da mesma calada da violência”. Seriam mais eficazes já
escola enquanto corria dos tiros. A morte da que são aplicáveis no calor dos acontecimen-
adolescente causou revolta na internet, por tra- tos e produtoras de justiça rápida, ainda que
tar-se de “um inocente”. As mortes dos jovens vingativa. Seriam mais econômicas, já que se
nem tanto. Seus marcadores sociais podiam acredita que reduziriam, pela eliminação dos
indicar algum “envolvimento com o crime”. inabilitados, os gastos futuros com o social, a
Na dúvida, se “marginais” ou não, os discur- segurança, a justiça, a prisão, etc.

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sos temerosos mantêm-se leais à engrenagem É no contexto de desconfianças recí-
do envolvido-com. Trazem à cena da lingua- procas e persecução diversificada de envolvi-
gem conjecturas sobre um passado idealizado mentos que prosperam apoios à violência es-
(“eles foram envolvidos”), um presente amea- tatal. Tal performance dá satisfação moral aos
çado (eles podiam estar se envolvendo) ou um adeptos da senda punitiva. Serve como alívio
futuro determinado (eles serão envolvidos). Os imediato do assédio moral que eles acreditam
PMs flagrados foram presos e respondem por viver ao se verem “forçados a conviver” com
homicídio qualificado. Dois rapazes e uma me- a alteridade: sorria, você não será uma vítima
nina, agora “só na estatística”, elevam o núme- das razões de segurança se não for enquadrado
ro de mortes por intervenção policial.18 como envolvido-com. Sorria no canto da boca,
As mortes foram vistas como “covardia”, pois não há garantias de onde as cancelas an-
mas não por todos e nem por muito tempo. darilhas que separam os “cidadãos de bem”
“Estar na guerra contra o crime” é viver excep- dos zé-ninguém vão estar, e se há vaga para
mais um.
17
Ver: Soares (2017).
O rendimento da expressão envolvido-
18
Sobre mortes violentas de cidadãos e policiais ver (Anu-
ário brasileiro de segurança pública, 2016). -com despertou nossa reflexão sobre os seus

113
“BASTA TÁ DO LADO” – A CONSTRUÇÃO SOCIAL ...

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medos de sobrar e de morrer. Uma acusação organização criminosa e dispõe sobre a investigação
criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais
como força motriz a movimentar uma econo- correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-
mia psíquica e política entre os jovens de fave- Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras
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“BASTA TÁ DO LADO” – A CONSTRUÇÃO SOCIAL ...

“BASTA TÁ DO LADO”. THE SOCIAL “IL SUFFIT D’ETRE A COTE.” LA


CONSTRUCTION OF THOSE INVOLVED IN CONSTRUCTION SOCIALE DE CELUI MELE AU
CRIME CRIME

Fátima Regina Cecchetto Fátima Regina Cecchetto


Jacqueline de Oliveira Muniz Jacqueline de Oliveira Muniz
Rodrigo de Araujo Monteiro Rodrigo de Araujo Monteiro

Based on the ethnographic work and group En se basant sur les travaux ethnographiques et
interviews with young people from two Rio de les interviews de groupe avec des jeunes de deux
Janeiro favelas, this article problematizes the favelas de Rio de Janeiro, l’article pose le problème
category ‘involved-with (taken from the everyday de la catégorie mêlé au (extrait du langage courant)
language) crime and its services’, as a fluid social crime et à ses services , en tant que dispositif de
control device that creates moving borders which contrôle social itinérant qui édifie des frontières
serve to “unequalize” the unequal. This shows how mobiles qui inégalent les inégaux. Cela montre
this notion has been mobilized in the selective bien comment cette notion a été mobilisée dans
distribution of surveillance and punishment la distribution sélective de la vigilance et de la
of youths in the suburbs. Its functionalities are punition des jeunes de la périphérie. L’article
discussed in the regulation of trajectories and présente ses fonctionnalités dans la régulation des
identity paths, highlighting a profiling web that trajectoires et des parcours identitaires en mettant
ends up blurring the meaning between the notions en évidence toute une série d’étiquetages qui
of “criminal” and “vulnerable.” The activation of entrainent des glissements de sens entre les notions
moralities that justify the self-management of the de “bandit” et de “vulnérable”. Il analyse la mise
favela inhabitants is analyzed. It reveals an ambition en place de moralités qui justifient la gestion des
of police custody maximized by the appetite for habitants des favelas par eux-mêmes. Il révèle une
criminalization not only of individuals, but also of ambition de tutelle policière maximisée par l’appétit
their social relations. de criminalisation, non seulement des individus
mais aussi de leurs liens sociaux.

Keywords: Involvement. Youths. Social control. Mots-clés: Implication. Jeunesses. Contrôle social.
Surveillance. Social vulnerability. Surveillance. Vulnérabilité sociale.

Fátima Regina Cecchetto – Doutora em Saúde Coletiva. Pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz,
Professora do programa de Pós Graduação da Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ). Publicações
Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 82, p. 99-116, Jan./Abr. 2018

recentes: Homicídios no Rio de Janeiro, Brasil: uma análise da violência letal, com CARDOSO,
L. G.;  Corrêa, J.S.; SOUSA, T. In: Ciência & Saúde Coletiva (Online) , v. 21, p. 1277-1288, 2016;
Violências percebidas por homens adolescentes na interação afetivo-sexual em dez cidades brasileiras,
com OLIVEIRA, QUEITI BATISTA MOREIRA; NJAINE, KATHIE; MINAYO, MARIA CECÍLIA DE SOUZA.
In: Interface (Botucatu. Online), v. 20, p. 853-864, 2016.
Jacqueline de Oliveira Muniz – Antropóloga. Doutora em Ciência Política. Professora Adjunta do
Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Organizadora, com Eduardo Paes-Machado, do Dossiê Policiamento
e Polícia, Caderno CRH 60, v.23, n. 60 – set/dez. 2010. Publicações recentes: Nem tão perto, nem tão longe:
o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs, com Kátia Sento Sé Melo. In: Civitas: Revista de
Ciências Sociais (Impresso), v. 15, p. 44-65, 2015; Moralidades entrecruzadas nas UPPs: Uma narrativa
policial, com Elizabete Albernaz. In: Cadernos Ciências Sociais, v. II, p. 113-149, 2015.
Rodrigo de Araujo Monteiro – Sociólogo. Doutor em Saúde Coletiva, Professor Adjunto de Sociologia
do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF). Coordenador do
Laboratório de Pesquisa e Ensino de Ciências Sociais (LAPECS). Publicações recentes: “A pacificação e
suas tramas: conflitos em torno da construção de normas sociais em duas favelas cariocas”. In Sistema
Penal &Violência: V. 7, n. 2, p. 127-136, dez. 2015; “As UPPs e o Espaço Urbano: conflitos, política
pública e violência”. In: John Gledhill; Maria Gabriela Hita; Mariano Perelman. (Org.). Disputas em torno
do espaço urbano. 1ed.Salvador: EDUFBA, 2017, v. 1, p. 237-262.

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