1
Caso concreto é o da Bíblia de Jerusalém b e m como da T O B e m nota explicativa
no rodapé.
4
50 DIDASKALIA
2
Destacamos especialmente a obra de D. E. GOWAN, Bridge between the Testaments.
A Reappraisal of Judaism from the Exile to the Birth of Christianity, Pittsburgh 1980 2 , 163-177.
os SAMARITANOS: U M ENIGMA N A HISTÓRIA BÍBLICA 51
33 + 41: Conclusão.
Concluindo, facilmente se •
pode constatar que tudo isto se ]
apresenta como uma consequên- • No v. 29 temos a única referência
cia da divisão do reino de David \ explícita aos samaritanos (Shorn-
por Jeroboam (v. 21). ( rotiím).
O carácter concordantista d o t e x t o v e m ao d e c i m a e m 2 R e
17,41, precisamente n o versículo que lhe serve de síntese, r e t o m a n d o
e m j e i t o de refrão o v. 33:
3
Esta contradição não passou despercebida aos autores da tradução grega dos Setenta
(LXX), os quais sentiram a necessidade de eliminar a negação do versículo 34, fazendo-o
concordar com os demais.
52 D1DASKALIA
4
Segundo M. COGAN, «Israel iu Exile — The View of Josianic Historian», JBL 97(1978)
40-44, temos aqui u m belo exemplo do processo chamado Wiederaufnahme, isto é, um tema que
vem retomado mediante uma expressão que faz a ligação com o que antes fora dito.
Neste caso, trata-se da passagem do v. 23 ao 24 (fim da 1." parte), o início do 34 (depois
da 1." conclusão do v. 33) e no fim como síntese do capítulo, abrindo assim o caminho para
uma condenação permanente dos samaritanos.
5
1 R e 12,29-33; 1 R e 13; A m 7,10ss são muito duros na condenação que fazem já
do altar de Betel e do sacerdócio não legítimo aí instalado. O nosso texto de 2 R e 17
não faz mais do que retomar tais condenações no seu espírito, sem, no entanto, condenar
Betei como tal.
6
Betei não é o único santuário de culto javista alem de Jerusalém; temos vários
na diáspora, especialmente no Egipto: Elefantina, Leontópolis; 'Araq-el-'Einir na Transjor-
dânia e, possivelmente, u m templo essênio em Q u m r ã n . Ora, sobre estes nada se diz no A T
e m sentido de condenação. Isto pode ser u m indício que a condenação de Betei se
inscreve n u m quadro de luta posterior entre Jerusalém e o t e m p o do monte Garizim
(Jo 4,20). A teologia deuteronomista (Dt 12,11.14.18) em que se baseiam os redactores
do Livro dos Reis foca com particular insistência esta unicidade cultual, previligiando Jeru-
salém em detrimento de todos os restantes lugares de culto.
os SAMARITANOS: U M ENIGMA NA HISTÓRIA BÍBLICA 53
7
Cfr. M. COGIN, «The Old Testament and Samaritan Origins», ASTI 6 (1967-68) 41.
8
O cisma religiosa (1 R e 12,26-33) que se segue à divisão administrativa do reino
tem uma conotação essencialmente política c o seu objectivo fundamental é de consumar
essa divisão; mais do que um cisma dentro do javismo, podemos falar d u m cisma cultual
que não será facilmente esquecido pelas escolas teológicas de Jerusalém, mesmo nos séculos
posteriores.
9
Este processo repete-se frequentemente ao longo da história bíblica, j á que os
estrangeiros, especialmente os casamentos com estrangeiros, motivam o culto idolátrico,
o que sucedera j á com Salomão (1 R e 11,1-13) e mais tarde c o m Neemias que tem de
dissolver tais matrimónios (13,23ss).
10
Segundo J. H . HAYES-J. M. MIIAER, Israelite and Judaean History, London 1977,
511ss, tal antagonismo assenta mais em motivações políticas do que religiosas, especialmente
devido ao facto da Judeia vir a ser elevada à categoria administrativa de província, o que
não agradava às autoridades estabelecidas em Samaria que viam nisso uma redução dos seus
poderes (Ne 2,19; 4,lss; 6,1ss; Esd 4,1-23).
54 DIDASKALIA
11
A literatura rabfnica ocupa-se dos problemas dos samaritanos, dedicando-lhe u m
dos chamados Massektoth Ketanoth (Tratados Menores do Talmud) com o título dc Kutim,
onde se expõe as relações entre judeus e samaritanos.
12
Efectivamente não faz sentido que uma tal condenação seja formulada na época
histórica que parece estar subjacente ao texto (séc. vn), altura em que o sincretismo religioso
era coisa corrente no sul, caso dos reis Manassés e A m o n (2 R e 21). Aliás, o monoteísmo
javista é f r u t o duma longa luta dos profetas e da experiência dolorosa do exílio e só
depois se vem a impor definitivamente.
13
N ó s seguimos aqui a ordem habitual, embora os dados cronológicos dc que hoje
dispomos, inclusive os contidos nas obras dos dois chefes da comunidade, mostrem que a
obra de Neemias procede a de Esdras (Ne 1,1; Eds 7,7s), consolidando este no aspecto
os SAMARITANOS: UM ENIGMA NA HISTÓRIA BÍBLICA 55
espiritual (Esd 7,25-26: consolidação da Lei como lei de estado na comunidade judaica)
o que Neemias havia iniciado na reconstrução material da cidade de Jerusalém (Ne 2,llss;
4,lss).
14
Cfr. S. HERRMANN, Historia de Israel en la Época dei Antiguo Testamento, Salamanca
1979, 395s.
15
A administração de Babilónia tinha colocado em Samaria o governo provincial
ao qual estava incorporado também o território de Judá. Os persas herdaram e mantiveram
essa administração, pelo que o governo do Norte se julgava no direito e no dever de
intervir em Jerusalém para defesa dos interesses reais. Isso terá como consequência as inter-
ferências do Norte na reconstrução da muralha e do Templo de Jerusalém ao tempo de
Neemias (cfr. J. H. HAYLS-J. M. MII.LER, Israelíte and Judaean History, 510).
56 DIDASKALIA
16
É sobre este personagem que nós temos mais precisões; era de H o r o n (Ne 2,10.19),
do território da tribo de Efraim. Trata-se d u m n o m e de família e, portanto, as alusões são
de vários personagens da mesma linhagem, j á que seria a família encarregada do governo
da Samaria. Este n o m e aparece nos Papiros de Elefantina (n.° 27 e 30 ed. de COWLEY)
c o m o Pechah de Samaria (isto é, governador) e aparece associado à família do sumo-sacerdote
Eliashib (Ne 13,28).
17
U m a das causas mais graves destes conflitos foi o problema dos matrimónios mistos
realizados entre as altas classes dirigentes e que não estavam de acordo com os preceitos
da Lei mosaica, caso mais flagrante era o de sacerdotes que tinham contraído matrimónio
c o m mulheres não judias (Ne 13,23.28-29; Esd 9,ls; 10,18s).
os SAMARITANOS: U M ENIGMA NA HISTÓRIA BÍBLICA 57
4. Contributo da Arqueologia
17>
Segundo E . BICKEKMAN, From Ezra to the Last of the Maccabces. Founiiations oj
Postbiblical Judaism, N e w York, 1962, 43, o conflito entre as duas comunidades no período
persa é fundamentalmente u m conflito político e assenta na rivalidade natural entre as
duas cidades (Siquém e Jerusalém).
18
Trata-se d u m conjunto de documentos escritos e outros objectos, a maioria dos
quais com valor administrativo e jurídico, que foram encontrados em 1962 n u m a gruta
a cerca de 14 k m ao norte de Jericó, onde terão sido escondidos pelos seus possuidores
que fugiam, provavelmente c o m medo das represálias de Alexandre Magno depois de terem
assassinado o governador Andrômaco que aí tinha colocado na altura da conquista (cfr.
F. M. CKOSS, «The Papyri and their Historial Implications», AASOR 41(1974) 17-27).
58 DIDASKALIA
O u t r o •fragmento ajunta:
— qdm ysw' br snblt — diante de Yeshua, filho de Sanballat.
23
É significativo neste caso o uso de nomes javistas entre os samaritanos e mesmo
o recurso que os judeus de Elefantina fazem j u n t o das duas comunidades para que estas
ntervenham j u n t o da autoridade central de Babilónia a fim de reconstruir o templo de
Elefantina que entretanto fora destruído pelos sacerdotes egípcios (cfr. A N E T , 481s;
K. GAIXINC, Stuãien zur Geschichte Israels im persischen Zeitalter, 1964, 149-184). É claro
que ao fazer tais diligências j u n t o de Bagohi (Jerusalém) e Delaiah (Samaria e da família
Sanballat), os judeus de Elefantina não parecem ter conhecimento das tensões existentese ntre
as duas comunidades, considerando as autoridades das duas competentes para interceder
de comum acordo por eles.
60 D 1 D A S K A ! IA
24
Depois da vitória contra Dario III (em Isso, em 333), Alexandre Magno dirige-se
a Tiro e aí recebe a ajuda de Sanballat que entretanto abandonara a causa dos persas,
conseguindo assim as boas graças dos novos conquistadores. Ao contrário, a comunidade
judaica de Jerusalém, em razão dos seus compromissos de fidelidade aos persas, irá perder
uma oportunidade de consolidar a sua autonomia j u n t o dos novos governantes, o que foi
aproveitado pelos samaritanos para dividir e enfraquecer os seus rivais da Judeia.
25
Cfr. M. T . PETROZZI. Samaria, Gerusalemme 1973, 78-80.
26
Cfr. D. E. GOWAN, Bridge between the Testaments, 167-168. Temos os casos já
citados atrás dos templos de Elefantina, Leontópolis, 'Araq-el-Emir e até provavelmente
Q u m r ã n , o que deixa entender que a concepção «ortodoxa» d u m único templo está
longe de ser seguida por todo o judaísmo (cfr. R . J. COGGINS, «The Old Testament», 45).
27
M . SMITH, Palestinian Parties and Politics that Shaped the Old Testament, N e w
York 1971, 185.
28
M . T . PETROZZI, Samaria, 80. Por sua vez, F. M. CROSS, «Aspects of Samaritan
and Jewish History in Late Persiau and Hellenistic Times», H T R 59(1966) 207, diz: «não
há a mais pequena dúvida que a erecção do templo do monte Garizim como u m rival do
templo de Zerubbabel em Jerusalém agravou ainda mais as já tradicionais más relações entre
samaritanos e judeus»>.
OS S A M A R I T A N O S : UM E N I G M A N A HISTORIA BÍBLICA 61
29
Importa não esquecer, que os Asmoneus se apossaram ilegitimamente do sumo-
-sacerdócio ,pelo que não lhes pareceria razoável que existisse iam templo rival, servido por
sacerdotes legítimos, ofuscando assim o seu prestígio político e religioso.
30
Cfr. R . PUMMER, «The Present State of Samaritan Studies: I», JSS 21(1976) 52-53.
31
W . F. ALBRIGHT, From the Stone Age to Christianity, Baltimore 1946, 336, nota 12.
32
Entre as motivações que estão na base desse antagonismo não passa despercebido
o destaque que certos textos vetero-testamentários concedem à «Casa de José» como núcleo
agregador das esperanças messiânicas que se desenvolveram em paralelo àquelas ligadas à
«Casa de David»: Gn 49,22-26; Dt 33,13-17; A m 5,15; Zac 10,6; 12,10; Ez 21,30s; 37,16-20.
62 DIRAS K A U A
a) Pentateuco samaritano
33
Por exemplo, na Mishná (Nidah 4,2), as filhas dos samaritanos são comparadas
às dos saduceus, isto é, impuras. O mesmo sucede em relação à «ressurreição dos mortos»,
pois nem os saduceus, nem os samaritanos, ao contrário dos fariseus, aceitam a crença na
vida futura (Sanh 90b; Kutin 2,7; Act 23,8-9). Por outro lado, os próprios textos rabínicos
dos séculos posteriores continuarão a fazer uma leitura actualizante dos factos do passado
em relação aos samaritanos com o único intuito de acentuar a oposição farisaica às crenças
dos samaritanos. Temos, por exemplo, Gn R 64,10 em que o texto de Esd 4,13 é retomado
e colocado de novo na boca dos samaritanos no período romano, ao tempo de Adriano,
procurando assim culpar os samaritanos da derrota sofrida pelos judeus na 2." revolta (cfr.
F. MANNS, «Les rapports Synagogue-Eglise au début du deuxième siècle après J. C. en
Palestine», LA 31(1981) 114.
34
O texto da versão samaritana do Pentateuco é o mesmo do cânone hebraico,
embora as variantes encontradas rondem as 6000. Porém, são quase sempre divergências de
OS S A M A U H A N O S : UM ENIGMA NA HISTORIA BÍBLICA 63
b) Outra literatura
38
Segundo M . BAILLET, «Esseniens et Samaritains», Le Monde de la Bible, n.° 4, 29,
<mil detalhes da grafia ou da pronúncia dessas línguas têm o seu abonador nos textos de
Q u m r ã n e explicam-se, cientificamente, pela passagem duma época à outra». Mais adiante
ajunta o mesmo autor: «um estudo paleográfico mostra que nem a escrita samaritana n e m
a de Q u m r ã n são criações arcaizantes, mas que esta (a de Qumrãn) é b e m a antepassada
daquela e representa a etapa que a precedeu, a qual vai do séc. i n a.C. ao i depois de Cristo.
39
M. BAIIXET, «Esseniens et Samaritains», 30. Para este autor, o texto que hoje
possuímos da Bíblia hebraica é u m a opção feita e imposta em Jabné pelos rabinos no
fim do séc. i (d.C.), terminando assim u m longo processo de formação e definição do
Cânone.
40
F. M. CROSS, The Ancient Lihrary of Qumrãn and Modem Biblical Studies, N e w
York 1961, 173.
41
Tais tradições prolongam-se até ao dia de hoje, podendo ver-se sobre a montanha
do Garizim os diversos espaços sagrados que recordam os acontecimentos salvíficos do A T
que os judeus normalmente associam ao m o n t e Moriah (Jerusalém) e o recinto sagrado
para a celebração da Páscoa, a qual continua sendo celebrada segundo os preceitos de
E x 12 com o sacrifício do cordeiro pascal. Aí são recordados diversos acontecimentos
salvíficos, tais como a criação, o túmulo de Adão, o sacrifício de Isaac, etc.
os SAMARITANOS: U M ENIGMA N A HISTORIA BÍBLICA 65
42
Cfr. R . J. COGGINS, Samaritans and Jews: The Origins of Samaritanism Reconsidered,
Oxford 1975, 117-131.
5
66 DIDASKAL1A
43
Ligada ao monte Garizim está também a concepção messiânica dos samaritanos, já
que o Taheb, o restaurador messiânico, quando regressar trará o novo templo que Deus tem
guardado no céu. N o entanto, as doutrinas messiânicas dos samaritanos são tardias, talvez
:
nfluenciadas pelo cristianismo, e de pouco valor.
os SAMARITANOS: U M E N I G M A N A HISTORIA BÍBLICA 67
44
O tratado Masseket Kutim (apêndice ao Talmud) 2,7 diz-nos que u m samaritano
apenas poderá ser recebido no seio da comunidade judaica quando reconhecer a «ressurreição
da morte» (Sanh 90b), o que significa que nessa altura uma tal crença ainda não fazia parte
do seu credo. E m b o r a difícil de datar, esta concepção apenas aparece nas obras do grande
teólogo Memar Markha, ou seja, n o scc. iv d.C.
45
Megillat Ta'anit, ed. H. LICTHTBNSTEIN, HUCA 8-9 (1931-32) 339 (cfr. Yoma 69a;
Lv R 13,5). U m estudo sobre este tema pode ser encontrado em V. TCHERIKOVBR, Helletiistic
Civilization and the Jews, N e w York 1982, 46ss.
46
F . JOSEFO, Ant XI, 8,4-6.
47
Cfr. o comentário de H. LICHTENSTEIN, «Die Fastenrolle eine Untersuchung zur
jüdischhellenistischen Geschichte», H U C A 44(1962) 288-290.
68 FTÍDASKALIA
— r e n u n c i a r e m ao m o n t e Garizim;
— r e c o n h e c e r e m Jerusalém;
— acreditarem na ressurreição dos m o r t o s .
48
Vimos j á atrás que estes acontecimentos podem estar na base da ruptura entre
judeus e samaritanos, j á que eles representam o culminar dum longo processo polémico
(Ant XIIII, 10,2: Bellum Judaicum I, 2, 6-7).
49
Esta explicitação de R . Judas mostra b e m como o ambiente polémico de ruptura
obrigou a mudar a Halakah tradicional.
50
Temos certamente uma alusão ao problema dos sacerdotes que fugiram de Jerusalém
por terem desposado mulheres não judias (Ne 13,27-29).
OS S A M A R I T A N O S : UM ENIGMA NA HISTORIA BÍBLICA 69
8. Os Samaritanos e o N T 5 2
51
Segundo comenta C. DEL VALLE, La Misna, Madrid 1981,129, nota 88, a resposta
de R . Aqiba deve entender-se no sentido de que este julgava a opinião d o seu mestre
( R . Eliezer) demasiado indulgente.
52
N ã o pretendemos fazer aqui um estudo exaustivo sobre os samaritanos no N T ;
o nosso objectivo visa tão somente elencar alguns dados do N T que vêm confirmar as
tensões existentes entre judeus e samaritanos ao tempo de Jesus e da comunidade cristã
primitiva.
70 DIDAS K ALIA
Conclusão
51
A escolha dos dois personagens (sacerdote c levita) não é u m mero acaso, nem
se situa na esfera da moral prática. Trata-se antes d u m problema de pureza ritual que
Jesus quer relativizar face à caridade fraterna. Aliás, Lc 17,16 (os dez leprosos) realça de
novo a atitude dum samaritano que está em confronto com os preceitos rituais.
os SAMARITANOS: U M ENIGMA N A HISTORIA BÍBLICA 71
JOÃO LOURENÇO