Metadados
Data de Publicação 2018-02-19
Resumo A presente dissertação tem como objeto de estudo a análise da evolução
da praça ao longo dos tempos e o seu papel na requalificação do tecido
urbano, tendo como casos de estudo a Praça do Martim Moniz em
Lisboa e a Praça de Lisboa na cidade do Porto. A praça é o elemento
de maior permanência humana nas cidades, e um dos mais antigos
elementos morfológicos urbanos na cultura ocidental. Por conseguinte as
transformações de espaços públicos em praça possibilitam o encontro e a
socialização por part...
The purpose of this dissertation is to analyze the evolution of the square
over time and its role in the requalification of the urban tissue, taking as
a case of study the Praça do Martim Moniz in Lisbon and the Praça de
Lisboa in Porto. The square is the element with most human permanence
in the cities, and one of the oldest urban morphological elements in
Western culture. Consequently, the transformation of public spaces into
squares makes it possible for people to meet and socialize with each...
Palavras Chave Praças, Praças - Portugal - Lisboa, Praças - Portugal - Porto, Praças -
História, Praça Martim Moniz (Lisboa, Portugal), Praça de Lisboa (Porto,
Portugal)
Tipo masterThesis
Revisão de Pares Não
Coleções [ULL-FAA] Dissertações
http://repositorio.ulusiada.pt
UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA
Faculdade de Arquitectura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitectura
Realizado por:
Tiago Barros Cardoso
Orientado por:
Prof.ª Doutora Arqt.ª Susana Maria Tavares dos Santos Henriques
Constituição do Júri:
Lisboa
2017
U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A
Lisboa
Novembro 2017
U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A
Lisboa
Novembro 2017
Tiago Barros Cardoso
Lisboa
Novembro 2017
Ficha Técnica
Autor Tiago Barros Cardoso
Orientadora Prof.ª Doutora Arqt.ª Susana Maria Tavares dos Santos Henriques
Título Requalificação do tecido urbano através do uso da praça
Local Lisboa
Ano 2017
Requalificação do tecido urbano através do uso da praça / Tiago Barros Cardoso ; orientado por
Susana Maria Tavares dos Santos Henriques. - Lisboa : [s.n.], 2017. - Dissertação de Mestrado
Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.
LCSH
1. Praças
2. Praças - Portugal - Lisboa
3. Praças - Portugal - Porto
4. Praças - História
5. Praça Martim Moniz (Lisboa, Portugal)
6. Praça de Lisboa (Porto, Portugal)
7. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses
8. Teses - Portugal - Lisboa
1. Plazas
2. Plazas - Portugal - Lisbon
3. Plazas - Portugal - Oporto
4. Plazas - History
5. Praça Martim Moniz (Lisbon, Portugal)
6. Praça de Lisboa (Porto, Portugal)
7. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations
8. Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon
LCC
1. NA9070.C37 2017
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer à minha família pelo apoio prestado durante os cinco anos do
curso de Arquitectura
Quero agradecer também a todos os docentes que contribuíram para a minha formação
académica, em especial à Professora Susana Henriques dos Santos pela ajuda na
elaboração do presente trabalho e por todo o conhecimento transmitido.
Agradeço aos meus amigos, pelas conversas e discussões que tivemos, e que
colaboraram para a conclusão deste trabalho.
Os que fazem a composição da cidade
empenham-se em nivelar os tecidos urbanos
sob um tecto uniforme, os compositores das
praças empenham-se em que os edifícios
que marcam a praça sejam perceptíveis de
longe e de perto, introduzindo modos novos
de apreensão da divisão interna do espaço.
Contudo nos dias de hoje, a praça pública caracteriza-se por ser um lugar de encontro,
um espaço de paragem e reflexão, ou um simples vazio urbano circundado por edifícios,
sendo que a função de embelezar a cidade recaiu de forma a responder às principais
necessidades dos centros urbanos.
The purpose of this dissertation is to analyze the evolution of the square over time and
its role in the requalification of the urban tissue, taking as a case of study the Praça do
Martim Moniz in Lisbon and the Praça de Lisboa in Porto.
The square is the element with most human permanence in the cities, and one of the
oldest urban morphological elements in Western culture. Consequently, the
transformation of public spaces into squares makes it possible for people to meet and
socialize with each other. However, at a more formal level the square serves as an
articulation when the urban tissue is disjoined.
However today, the public square is characterized as a meeting place, a place to stay
and reflect, or a simple urban emptiness surrounded by buildings, wich function of
beautifying the city fell in order to respond to the main needs of urban centers.
1. Introdução .............................................................................................................. 15
2. Evolução da definição de praça no tecido urbano .................................................. 17
2.1. A cidade na Antiguidade .................................................................................. 17
2.1.1. A Ágora: praça grega................................................................................ 19
2.1.2. O Fórum: praça romana ........................................................................... 21
2.2. A praça na cidade medieval ............................................................................ 25
2.2.1. A praça do mercado e a praça da igreja. .................................................. 25
2.2.2. As praças Maiores .................................................................................... 28
2.3. A praça na cidade Moderna............................................................................. 28
2.3.1. A praça no Renascimento......................................................................... 29
2.3.2. A praça Barroca........................................................................................ 32
2.4. A praça na cidade industrial ............................................................................ 34
2.5. A praça no movimento Moderno ...................................................................... 36
3. Estrutura do tecido urbano: caracterização da praça .............................................. 41
3.1. Acessibilidade e mobilidade ............................................................................ 42
3.2. Área verde ....................................................................................................... 44
3.3. O desenho do espaço público ......................................................................... 46
3.4. Design do mobiliário urbano ............................................................................ 48
3.5. Relação com o património histórico ................................................................. 50
3.6. Monumentalização do Tecido Urbano ............................................................. 53
3.7. Vivências sociais ............................................................................................. 57
4. Casos de estudos .................................................................................................. 61
4.1. Praça do Martim Moniz: Lisboa ....................................................................... 61
4.1.1. Análise histórica ....................................................................................... 61
4.1.2. Propostas de Reabilitação: ....................................................................... 63
4.1.3. Praça na actualidade ................................................................................ 70
4.2. Praça de Lisboa: Porto .................................................................................... 77
4.2.1. Análise Histórica ....................................................................................... 77
4.2.2. Do Recolhimento do Anjo ao Mercado do Anjo......................................... 78
4.2.3. Propostas de reabilitação ......................................................................... 82
4.2.4. Praça na actualidade ................................................................................ 84
5. Conclusão .............................................................................................................. 95
Referências ................................................................................................................ 99
Bibliografia ................................................................................................................ 109
Requalificação do tecido urbano através do uso da praça
1. INTRODUÇÃO
Da Ágora grega aos dias de hoje, o espaço físico da praça sofreu inúmeras
transformações que de certa forma alteraram as suas características físicas, mas
também as suas características conceptuais. Até à revolução industrial, a praça
apresentou-se sempre como o espaço público de excelência. Contudo, o
desenvolvimento urbano ocorrido na segunda metade do século XIX transferiu as
características urbanas da praça pública para as ruas e avenidas. Actualmente as
praças apresentam-se como os principais centros urbanos e em novas tipologias de
espaço público. O papel da praça na constituição de tecido da cidade também mudou
consoante o tempo. Actualmente ela é essencial na consolidação do mesmo, ou seja,
cabe à praça a função de interligar os vários tecidos urbanos existentes numa cidade,
precisamente nos pontos onde estes se encontram interrompidos. Na maior parte das
vezes a solução consiste na reabilitação de um espaço degradado, onde este sofre uma
profunda alteração transformando-se em praça pública.
A motivação para a escolha do tema da dissertação teve por base as várias visitas
efectuadas à Praça do Martim Moniz em Lisboa e à Praça de Lisboa na cidade do Porto,
no âmbito da disciplina de Projecto. Com essas visitas surgiu o interesse em aprofundar
os conhecimentos na área da requalificação de espaços públicos em centros históricos,
principalmente o caso das praças. Por conseguinte, os dois casos de estudo abordam
precisamente a reabilitação de duas praças que, ao longo do tempo, sofreram inúmeras
intervenções, alterando a configuração do tecido urbano das respectivas cidades e que,
dessa forma, me motivaram a abordar o tema da requalificação do tecido através da
reabilitação de uma praça.
Por sua vez o segundo capítulo debruça-se na caracterização da praça e no seu papel
na estrutura do tecido urbano através de vários tópicos, sendo que cada um destes
tópicos se refere a um factor que se considera fulcral na reabilitação de uma praça. Por
sua vez, é analisada a importância dessa mesma reabilitação na consolidação dos
tecidos urbanos de Lisboa e Porto em relação com os casos de estudo.
O capítulo com que se inicía esta dissertação consiste numa análise histórica da
evolução da praça baseada em vários autores. A análise efectuada é dividida por
periodos históricos que marcaram uma profunda mudança no aspecto formal da praça,
mas também na sua função no ordenamento da cidade e a sua posição hierárquica no
tecido urbano.
1 Charles Delfante 1926-2012 - Arquitecto e urbanista francês, foi co-fundador e presidente do Instituto de
Urbanismo de Lyon. Foi também membro da Academia de Arquitectura de França e professor na
Universidade de Lyon. (Delfante 1997, contracapa)
2 Fernando Chueca Goitia 1911–2004 - Arquitecto, historiador de arte e ensaísta espanhol. (Goitia, 2014,
contracapa)
A cidade tinha deixado de ser o amontoado de casas humildes, dominadas pelo palácio-
templo de um rei divinizado, para se converter numa estrutura mais complexa, onde
dominavam os elementos destinados a uma utilização geral: praças, mercados, pórticos,
edifícios da admistração pública, teatros, estádios, etc. (Goitia, 2014, p.48)
Estas cidades eram divididas por duas ruas principais, o cardo e o decumannus, como
refere Lewis Mumford3, “[...] o cardo, que corria de norte para sul, e o decumannus, que
corria de leste para oeste[...]”.(Mumford, 1982, p. 229).
A Ágora era um importante lugar da cidade, situando-se na zona mais plana, que servia
de centro politico da cidade e local de reunião para as várias classes sociais. “ A sua
função social e política adquire cada vez mais importância e os edifícios públicos
formam uma espécie de «remate arquitectónico» desta praça, com pórticos
ornamentados com altares, fontes e estátuas.” (Delfante, 1997, p. 61)
4José Manuel Ressano Garcia Lamas - é arquiteto, nascido e formado em Lisboa, Portugal, e doutorado
em urbanismo. Docente das cadeiras de Planeamente Urbano e Projecto de Arquitectura da Universidade
Técnica de Lisboa. (Lamas, 2014, contracapa)
Ilustração 1– Plano de Mileto – Ásia Menor em 479 a.C. (Galantay apud Ilustração 2– Ágora de Mileto (Delfante, 1997, P. 62)
Lamas, 2014, 142)
5 Mileto – Antiga cidade clássica situada na actual Turquia, que se destacou pelo seu traçado ortogonal e
pela sua Ágora. (Lamas, 2014, P. 140)
6 Hipódamo (Mileto, 498 a.C. – 408 a.C.)- arquitecto grego do periodo Jónico, autor do plano ortogonal de
O Fórum surge com a ascensão do império Romano algures no século IV a.C que, sendo
uma evolução da Ágora, servia de local de encontro da cidade e principal centro político,
tal como nas cidades gregas. No início do império o Forum não tinha ainda a função de
praça principal da cidade. No entanto, C. Delfante defende que o Fórum é um “local de
mercado ou espaço sociopolítico, o fórum acolhe todas as actividades públicas incluindo
as actividades religiosas.” (Delfante, 1997, p. 66). O mesmo defende Lamas ao afirmar
que “(...) A monumentalidade é obtida pela saturação de construções pela sua dimensão
excepcional. É o crescimento por «acumulação» de volumes, de edifícios que
comprimem o tecido urbano (...)” (Lamas, 2014, p. 146).
É também importante destacar que a origem do termo “praça” nasce com o Império
Romano. A sua origem segundo Carlos Dias Coelho7, vem do latim – platea – um
espaço público com características invulgares de excepção, propícias ao encontro entre
as gentes para variados fins, pela sua grande centralidade. (Coelho, 2007, p. 4). A
descrição do Fórum feita por Camille Sitte8 na sua obra “A construção das cidades
segundo os seus princípios artísticos”, demonstra a preocupação que os romanos
tinham no que dizia respeito à qualidade do espaço público.
[...] Edifícios públicos ocupam maciçamente os seus quatro lados e apenas na parte mais
estreita a norte sobressai, isolado, o Templo de Júpiter, ao lado do qual aparentemente
se estendia, até a praça aberta, o átrio do edifício dos decuriões. De resto, o fórum é
cingido por uma colunata em dois andares, permanecendo livre o espaço no centro da
praça, enquanto nas suas borda erguiam-se numerosos monumentos, grandes e
pequenos, cujos pedestais e inscrições ainda hoje podemos admirar. [...] (Sitte, 1992, p.
19).
Mais tarde o Fórum ergueu-se como núcleo principal das cidades romanas onde,
através da arquitetura, se representava o poder e a monumentalidade do estado
romano. Inicialmente, durante a República, existia apenas um Fórum, sendo este o
principal núcleo da capital romana que também servia a cidade como centro politíco,
comercial e religioso. Contudo, com a ascenção do Império, vários imperadores fizeram
erguer foruns em seu nome, tanto em Roma como nas cidades e províncias
conquistadas, de forma a aumentar o seu prestígio perante a população.
7Carlos Francisco Lucas Dias Coelho – Arquitecto doutorado em Urbanismo pela Faculdade de
Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa; docente da Faculdade de Arquitectura da Universidade de
Lisboa; coordenador do grupo de investigação FORMA URBIS Lab. (Coelho, 2014, P. 12)
8 Camille Sitte 1843-1903 - Arquitecto e urbanista austríaco. Destacou-se no seu papel como teórico do
planeamento urbano e à aplicação das ideias defendidas pela Escola de Viena. (Ruiza, 2017)
Ilustração 5– Tecido urbano de Évora e identificação do Fórum romano (Martins apud Coelho, 2015, p. 19).
Ilustração 6–O Fórum Romano sobre o tecido urbano contemporâneo de Évora.. (Martins apud Coelho, 2014, p. 149).
O fórum romano, assim como a Ágora para os gregos, servia de espaço onde a
população se reunia para discutir e tomar decisões das actividades sociais da cidade.
Originalmente era um mercado comum, mas por volta século IV a.C. o fórum abdicou da
sua actividade comercial – que tinha sido fundamental no seu desenvolvimento – e
tornou-se numa autêntica e verdadeira praça. Na mesma época, em torno do fórum,
foram construídos templos, monumentos e estátuas (Rossi, 2001, p. 177).
10 Aldo Rossi- (1931-1997) Foi um arquitecto italiano natural de Milão. Em 1959 licenciou-se em
arquitectura no Politécnico de Milão e ganhou o Prémio Pritzker em 1990. (Rossi, 2001)
Ao contrário das cidades Clássicas, o traçado de uma cidade medieval era irregulares
sem qualquer planeamento, sendo os principais lugares de encontro da população as
praças do mercado e da Igreja. Contudo, a estrutura e a forma das praças eram
definidas mais pela prática do que pela teoria e a importância do espaço em si era
determinada pelo carácter dos edíficios municipais e religiosos que as rodeavam.
11 Leonardo Benevolo- 1923-2017, - Foi uma das figuras mais importantes da história da arquitetura
italiana, principalmente na sua crítica ao planeamento urbano. Benevolo estudou arquitectura na
Universidade de Roma, onde se graduou em 1946. Ensinou história da arquitetura nas Universidades de
Florença, Veneza e Palermo. (Helm, 2017)
12 Adro ou parvis- Refere-se ao espaço aberto que circunda as igrejas, e geralmente usado como principal
praça das cidades medievais. (Lamas, 2014, P. 154)
13 Francoise Choay- 1925 – É uma historiadora de urbanismo e arquitectura. Actualmente é professora de
que os habitantes mais frequentemente se vão avistar”. (Mumford, 1982, p. 333). Porém,
na opinião de C. Delfante, “as praças não foram dotadas de um quadro arquitectónico
que limite o espaço público e os bairros residenciais. As ruas vão lá ter directamente e
a sucessão dos imoveis constitui as paredes da praça. (Delfante 1997, p. 95).
Ilustração 7– Evolução da Praça de São Marcos. Ilustração 8 – Siena. Praça da Igreja e do Mercado. (Delfante, 1997, P.
(Delfante, 1997, P. 125) 111)
Por outro lado, segundo Goitia “A mesma praça onde se encontrava a catedral servia
habitualmente também para as necessidades do mercado e era nela que se erguiam os
edifícios mais característicos da organização da cidade” (Goitia, 2014, p. 89). Contudo,
C. Sitte considera que o centro da praça deve ser mantido vazio, “as praças das igrejas
apresentam várias desvantagens ao colocar uma igreja no centro: dificuldade de
perceber a perspectiva, impossibilidade de criar passagens com outros edifícios,
invasão do edifício na praça, restando somente as ruas do entorno.” (Sitte, 1992, p. 43).
O caso de estudo analisado posteriormente vai ao encontro desta afirmação de Sitte,
visto que a Torre dos Clérigos se encontra numa das extermidades da Praça de Lisboa,
facto que serviu até de conceito projectual, como será analisado nos capítulos relativos
aos casos de estudo.
As praças maiores são uma excepção, que tiveram origem em algumas cidades
espanholas já no final do século XIII. Para Goitia as praças maiores merecem ser
especialmente consideradas na história do urbanismo espanhol, visto que os seus
antecedentes perdem-se nas inúmeras praças medievais de espaço fechado. (Goitia,
2014, p. 107)
No início do século XIV a sua função era estritamente comercial. Contudo, esta passou
a ser palco de inumeras manifestações da vida social no decorrer do século. Era na
praça que se realizavam os espetáculos de carácter social, como por exemplo os teatros
e as touradas, mas também de carácter religioso como os autos de fé.
Na opinião de Goitia esta tipologia de praça resultava nas cidades espanholas devido à
reclusão perfeita que esta tinha com o resto da cidade, mantendo o espaço central
fechado e rodeado de edifícios. “Conseguiu-se, assim, uma reclusão perfeita, uma praça
separada e como que fora da circulação, que se evita para que nada perturbe a sua
característica de praça destinada a festejos e ágora pública.” (Goitia 2014, p. 110).
Até ao renascimento as cidades nao seguiam um plano urbano pré-definido sendo que,
só a partir do século XV é que as principais preocupações deixaram de ser apenas
defensivas. Inicialmente não havia necessidade de criar novos núcleos urbanos, pois a
maior parte das cidades desenvolvidas na Idade Média já apresentavam uma grande
extenção. Segundo Lamas, “no início do Renascimento, a Europa não necessitava de
novos núcleos, dada a armadura territorial urbana que se havia constituído e completado
na Idade Média.” (Lamas, 2014, p. 168).
Contudo, em Itália o conceito de uma praça como centro urbano começa a desenvolver-
se nas principais cidades, alastrando-se para as outras capitais europeias. Para Kevin
Lynch14, a “piazza” italiana é o protótipo mais comum.” (Lynch, 2007 p. 413). François
Ascher15 descreve na sua obra “Novos princípios do urbanismo” a cidade da
Renascença, destacando as principais evoluções depois da Idade Média.
14 Kevin Lynch (1918-1984) – Foi um reputado urbanista norte-americano, cuja vasta obra incidiu, em
especial, na forma como as pessoas entendem o espaço, a arquitectura e os diferentes ambientes urbanos.
(Lynch, 2011, contracapa)
15 François Ascher (1946-2009) - foi um dos mais influentes investigadores e profeta do novo paradigma
A cidade medieval dá lugar a uma cidade “clássica” na qual o novo poder do Estado entra
em cena de forma monumental e se oferece através da perspectiva ao olhar do indivíduo,
traça avenidas, praças e jardins urbanos que acabam com a amálgama de ruelas, vielas
e hortas, afasta e transforma as muralhas, redefine e separa o público do privado, os
espaço interiores e exteriores afecta-lhe funções, inventa os passeios e as montras.
(Ascher, 2010, p. 26)
Fernando Goitia defende que “O resto da Europa demorará algum tempo antes de seguir
os ensinamentos de Itália e ornamentar as suas cidades com grandes praças de
arquitetura espectacular e ordenada, com ruas e composições de nível estético
superior.” (Goitia, 2014, p. 112).
Durante o período renascentista, a praça maior adquiriu uma forma mais regular, bem
definida pelas quatro fachadas que tão caracteristicamente delimitam este tipo de
praças. Foi no período renascentista que as praças passaram a considerar-se espaços
públicos classificados pertencentes à estrutura urbana, cuja principal função era dar
sumptuosidade às cidades. Estas eram geralmente delimitadas por edifícios públicos,
por igrejas, edifícios de habitação ou palácios e apresentavam-se como lugares de
cenário urbano onde por vezes se colocava no centro das praças elementos como
estátuas, fontes ou obeliscos de forma a representar o prestígio da cidade.
A cidade barroca surge através da Contra-Reforma nas capitais onde a Igreja Católica
tinha mais influência e que por sua vez rompe com a ordens arquitetónicas do
Renascimento, utilizando a escala dos seus edifícios de forma a impressionar o
observador. “O urbanismo barroco propõe um espaço de grande dinamismo e
movimento [...] recorre ao poder da emoção para comover e subjugar com a força do
seu impacto; tende a dar uma impressão instantânea, enquanto o impacto de uma obra
do Renascimento é mais suave e lento, e também mais duradouro.” (Lamas, 2014, p.
170).
No Barroco foram criadas novas praças que, geralmente, primavam pelo refinamento
da arte. Estas praças tinham a função de exaltar o poder régio no caso de Versalhes, e
da Igreja no caso da cidade de Roma que sofreu uma alteração considerável com as
reformas de Sisto V entre 1585 e 1590. “A obra urbanística deste Papa é uma das mais
consideráveis que foram levadas a cabo para sistematizar uma grande e antiga cidade.”
(Goitia, 2014, p. 110).
Goitia refere que o urbanismo francês aproveitou o estilo monumental da praça barroca
“para servir de quadro à estátua equestre do rei.” ( Goitia, 2014, p. 143). O detalhe
ornamental do estilo barroco e ascenção da monarquia absoluta ajudaram a criar
diversas praças sumptuosas. As praças do período barroco foram edificadas com a
intenção de expressar emoções naqueles que a percorrem.
16 Jan Ghel (1936)- É um arquitecto e professor de urbanismo da Escola de Arquitectura da Real Academia
Danesa de Belas Artes de Copenhaga. (Gehl e Gemzoe, 2002, contracapa)
17 Lars Gemzoe - É um arquitecto e professor de urbanismo da Escola de Arquitectura da Real Academia
Danesa de Belas Artes de Copenhaga e na DIS ( International Study Program) de Copenhaga (Gehl e
Gemzoe, 2002, contracapa)
Delfante ao afirmar que a praça concebida como um espaço fechado, pelo menos
limitada, que tinha atingido a sua plenitude e se tinha transformado num objecto de arte,
deixou de existir, passando a pertencer ao passado.
Delfante caracteriza as praças nos finais do século XIX em três categorias: as praças
que são a consequência de arranjos sectoriais ou do alargamento de ruas, as praças
que resultam de operações necessárias à expansão da cidade e as novas praças que
são construídos nos bairros novos do alargamento. Contudo, o mesmo afirma que “ não
é atribuida qualquer função específica a cada uma dessas praças, que acabam por se
multiplicar sem formarem um tecido de espaços livres, como era costume anteriormente”
(Delfante, 1997, p. 243).
Face aos sucessivos avanços da industrialização das cidades, várias capitais foram
alvos de intervenções urbanísticas que visavam melhorar a circulação viária e pedonal,
o saneamento básico, a melhoria do ambiente urbano através da criação de jardins
públicos e a reabilitação de áreas degradadas, factores esses que resultaram no seu
aumento demográfico. “Os exemplos de urbanismo até aos finais do século XIX estão
mais ligados ao desenho urbano”. (Lamas, 2014, p. 231) ” A cidade moderna continua
a ser uma gama de modelos teóricos e de realizações planificadas que ainda não
puderam transformar-se numa experiência difundida.” (Benevolo, 1984, p. 47).
18 Ebenezer Howard 1850-1928- foi um urbanista inglês que se tornou conhecido pela publicação da sua
obra -Cidades-jardins de Amanhã- em 1898, na qual descreve um modelo de cidade utópica caracterizada
pela existência de vastas áreas verdes. (EDITORS OF ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, 2017a)
19 Tony Garnier 1869-1948- Foi um arquitecto e urbanista francês conhecido pelos seus planos para uma
Não obstante, ao contrário das praças renascentista que se articulavam com os edifícios
envolventes, no urbanismo moderno segundo J. Lamas, “a praça permanece, embora
suscitanto as dificuldades de delimitação e definição provocadas pela menor incidência
dos edifícios e fachadas na sua definição”. (Lamas, 2014, p. 102) O mesmo autor
salienta ainda que “No “novo urbanismo” actualmente, o recurso ao desenho de praças
tem sido por vezes um logro, na medida em que o desenho do espaço não é
acompanhado por uma qualificação e significação funcional.” (Lamas, 2014, p. 102).
Camillo Sitte afirma que “[...] as áreas construídas são distribuídas como entidades
fechadas de maneira regular e o que resta entre elas são as ruas e as praças [...] toda
sobra irregular é transformada em praça, pois reza a norma que “sob o aspecto
arquitetónico, o traçado das ruas deve garantir a conveniência das plantas de casas em
primeiro lugar”. [...] (Sitte, 1992, p. 97). Contudo, na opinião de J.Gehl e L. Gemzøe,
“[...]nos últimos 25 anos do século XX notou-se a vontade de querer recuperar as praças
dando- lhes novamente uso e dignidade”. (Gehl e Gemzøe, 2002, p. 7).
Assim, a praça passou a ser entendida como o mais importante elemento morfológico
do espaço público, distinguindo-se de outros espaços, pelas vivências geradas na sua
destacada importância urbana. A sua formação é o resultado de uma sucessão de
acções intencionais, do investimento preciso de várias culturas no tempo, modificando
o desenho, o uso e o carácter identitário do espaço à sua medida. Juan Carlos
Pérgolis20, afirma que “a praça sempre teve um significado comunitário na história
ocidental. Na sua globalidade sempre foi, e por vezes ainda é, um espaço de encontro
da sociedade e de alguns setores especializados.” (Pérgolis, 2002, p. 14).
Ilustração 14– Diferentes tipos de praça. (Kier apud Lamas, 2014, p. 101)
Contudo, para C. Sitte, “Hoje em contrapartida, é designado por praça qualquer espaço
vazio entre quatro ruas. Talvez esta circunstância seja suficiente em termos de higiene
ou de outras considerações técnicas, mas, sob o ponto de vista artístico, um terreno
vazio não é uma praça [...]”. (Sitte, 1992, p. 47) O mesmo defende J. Silva ao afirmar
que actualmente a praça é um elemento urbano relevante na vivência social e cultural
da cidade, repleto de actores que procuram rever o cenário urbano como ideia de
espaço histórico, caracterizado tanto pela materialidade dos edifícios como pelas roupas
e vasos pendurados nas varandas justificando o comércio e as espalnadas que usamos
como plateia preferencial deste espectáculo. (Silva, 2014, p. 93).
A definição de praça nos dias de hoje é bem diferente dos conceitos de grandiosidade
e de espectáculo desenvolvidos no Renascimento e no Barroco. Estas são alteradas
constantemente de modo a responder às transformações da sociedade. José. Lamas
afirma que "na cidade moderna a praça continua a assumir um lugar de destaque, mas
que suscita as dificuldades de delimitação e definição provocadas pela menor incidência
dos edifícios e fachadas na sua definição.” (Lamas, 2014, p. 102).
21 Fernando Manuel Brandão Alves (1958)- Arquitecto e autor de várias obras, licenciou-se em
Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa em 1988. Actualmente é
professor da Faculdade Engenheiria da Universidade do Porto e membro da Mesa da Assembleia Geral da
Associação de Urbanistas Portugueses. (Alves, 2003, contracapa)
Após uma análise histórica da praça e do seu papel na evolução da cidade, inicia-se no
presente capítulo uma descrição dos factores que fazem deste elemento morfológico
urbano uma ferramenta essencial e necessária na requalificação do tecido da cidade.
A praça é essencial para o tecido urbano devido à forma espontânea como interrompe
a malha que o constítui. Sérgio Fernandes22 afirma que, “A articulação dos diversos
elementos que compõem o tecido urbano produzem o esqueleto da cidade, garantem a
unidade de uma cidade através de sistemas de espaços públicos que conjugam largos,
praças e ruas e determinam relações de continuidade entre traçados distintos.”
(Fernandes, 2014, p.56). De facto, essas interrupções possibilitam ao tecido a formação
de espaços abertos que se transfiguram em espaço público, devido principalmente à
utilização que os habitantes das cidades lhes dão.
De acordo com C. Coelho, esses espaços são fortemente caracterizados pelos seus
valores sociais e arquitectónicos nos quais as praças, enquanto elementos de
destacada importância na organização da cidade, reforçam esse sentido identitário
compreendido em cada acção no tempo, na singularidade do sítio e da sua história.
Segundo o mesmo “a identidade do tecido urbano resulta da configuração dos seus
vários componentes que, apesar da particularidade de cada um por si, contribuem para
que um tecido tenha homogeneidade formal da qual resulta a compreensão da sua
identidade”. (Coelho, 2014, p.21).
A diversidade fisíca dos tecidos que, em grande medida, confere a riqueza formal às
cidades, resultando e possibilitando vivências próprias e indentitárias...o tecido urbano
condensa, sobrepondo e sedimentando acontecimentos de tempos e lógicas muito
distintas e não resulta necessariamente da sucessão de uma intenção, projecto e acção,
muito embora também os possa incluir. A complexidade do tecido urbano não pode ser
dissociada do modo de produção e este da questão do tempo. A existência de tecidos
que não sofreram qualquer sedimentação e são o resultado directo de um projecto,
mantendo-se cristalizados como foram concebidos, constituem uma excepção. (Coelho,
2014, p.18)
Dos vários componentes que constituem a identidade do tecido urbano cabe à praça e
à rua a função de interligar os restantes. Segundo C. Coelho “as ruas ou praças são
constituídas por um vazio entre quarteirões e, pelo contrário, esses espaços edificados
só podem existir pela definição dos vazios públicos.” (Coelho, 2014, p.32). Porêm, na
opinião de J. Lamas, em qualquer tipo de tecido a superioridade da praça na hierarquia
da cidade evidencia-se, não só pelas funções que suporta, como pela natureza finita do
seu espaço, pela sua dimensão relativa ou qualidade da arquitectura, qualquer que seja
a origem da sua formação. “As vicissitudes que marcaram as praças no contexto da
evolução dos tecidos urbanos, são indissociáveis das vicissitudes dos próprios tecidos,
pois deles fazem parte integrante, constituindo um dos principais suportes físicos da
vida urbana.” ( Lamas, 2014, p. 26).
Porém, existem certos factores que se consideram fundamentais para que um espaço
público com as características de uma praça seja considerada como tal. No geral, as
fachadas dos edifícios envolventes são o factor que mais se relaciona com a formação
e usos da praça. Contudo, existem também factores morfológicos que acompanharam
todo o processo de evolução do espaço público e que são de seguida descritos:
A noção de mobilidade está relacionada com o grau de liberdade com que nos podemos
movimentar em determinado espaço (capacidade de deslocação); é, assim, um conceito
que traduz o modo e a intensidade em que nós nos deslocamos. (Brandão, 2002, p. 191.)
Os acessos no interior das praças devem ser diferenciados dos acessos pedonais
situados fora das mesmas. A solução usada na maioria das praças é a utilização de
diferente materialidades na sua pavimentação. A pavimentação de um espaço público
de referência, como é o caso da maioria das praças, requer um estudo e análise
criteriosa de modo a permitir fixar e cativar o interesse dos utilizadores e
simultaneamente regular os acessos no interior e no exterior do próprio espaço. Neste
contexto, é fundamental uma escolha adequada dos materiais, bem como uma
pavimentação correcta de plataformas e passeios, nomeadamente no que diz respeito
à sua natureza geométrica e textura. O mesmo autor referido anteriormente defende
que o espaço construído deve ser pensado em concordância com o espaço envolvente
e com o que nele ocorre. A caminhabilidade deve fazer parte do nosso dia-a-dia,
permitindo a convivência entre as pessoas que partilham o espaço público. (Gehl, 2010,
p. 124). É importante também salientar que são os acessos que mais condicionam a
utilização dos espaços verdes ou áreas arborizadas, outro dos factores presentes na
evolução das praças.
Concluindo, segundo F. Alves, “vários autores têm apelado para a urgência de recriar a
praça urbana, destinando-a a usos razoáveis, face às exigências da vida
contemporânea e devidamente inseridos na estrutura urbana.” (Alves, 2003, p. 76).
Contudo, o mesmo defende que “a praça deve compreender um espaço público aberto,
por formas harmoniosas, que se articulam aos restantes elementos morfológicos urbano
(ruas, outras praças, pracetas ou largos, entre outros), com pavimentado rigído, na sua
maior extensão.” (Alves, 2003, p. 82).
Um traçado pode ser definido tanto por um alinhamento de árvores como por um
alinhamento de edifícios. Uma praça também. (Lamas, 2014, p. 106).
A implementação desses mesmos espaços numa praça é uma prática que só ganhou
ênfase com a teoria das “Cidades Jardim” de Howard, cujo um dos objectivos era
combater os problemas higiénicos provocados pela Revolução Industrial.
No entanto, ainda que os benefícios produzidos pelos espaços verdes urbanos sejam
um assunto há muito discutido, no planeamento urbano essa prática continua muitas
das vezes a ser posta de parte. O mesmo autor mencionado anteriormente refere que,
“um dos principais problemas que os espaços públicos apresentam, diz respeito à
ausência de vegetação e especialmente de árvores de sombra.” (Alves, 2003, p. 191).
Espaço público é uma noção que revela a interacção social, que tem a sua riqueza na
sua inerente interdisciplinaridade: o facto de ela operar para lá dos “formatos”
uniformizados da produção do espaço. (Brandão, 2013, p. 32)
Requalificar o espaço público é essencial para a cidade, pois são esses espaços
requalificados que vão libertar o tecido urbano, aliviando-o da tensão criada pelas
intersecções da malha urbana. O mesmo defende Brandão ao afirmar que “o espaço
público se assume como um elemento fundamental na estruturação do tecido urbano e
como elemento central no que respeita à organização da cidade.” (Brandão, 2011, p.
73). Segundo o mesmo, “o espaço público é sempre um factor decisivo, porque a
identidade, a urbanidade e a interactividade são as suas qualidades” (Brandão, 2011, p.
75).
24 Pedro Brandão (1950)- É um arquitecto doutorado em Espaço Público e Regeneração Urbana. Foi
presidente da Associação dos Arquitecto Portugueses e presidente do Centro Português de Design.
(Brandão, 2011, contracapa)
público deixa de ser residual no desenho urbano e torna-se o seu principal activo
estratégico, é fundador e estruturante, trata de permanências. O mesmo defende Alves,
quando afirma que “A atividade na praça é importante para a sua vitalidade e também
para a sua atracção visual.” (Alves, 2003, p. 101).
Por sua vez, o mesmo deve apresentar-se como um elemento funcional e de fácil
integração no espaço urbano e a sua implementação tem que ser pensada tendo em
conta os movimentos pedestres, bem como os espaços onde os mesmo se reunem.
Este deve apresentar-se como um meio de harmonizar o que nos rodeia, de forma
global, não diferenciando classes, atingindo e servindo igualmente todas as camadas
da sociedade, contribuindo para melhorar a qualidade de vida da população em geral.
Contudo, as práticas urbanas fazem com que aqueles que desenham o espaço urbano,
integrem com mais intensidade os condicionalismos de exploração e de gestão dos
espaços e dos equipamentos urbanos. Para Ascher, “isto contribui para redefinir as
fronteiras e as modalidades de exercícios dos diversos ofícios do urbanismo, porque
este deve integrar mais directamente as exigências da gestão futura dos espaços que
ele próprio contribui para produzir.” (Ascher, 2010, p. 85).
A história é, de facto, o lugar mais seguro onde podemos ler as vontades e acções que
nortearam a gradual evolução da cidade até ao que hoje conhecemos dela e, portanto,
a sua explicação seria menos reflectida sem essa lógica evolutiva que nos oferece
leituras –sicrónicas e diacrónicas- complementares e essenciais sobre o tecido
construído. Mais permite-nos reconhecer os diferentes tempos da cidade e o ritmo
evolutivo de cada elemento que dela faz parte, seja a rua, a praça, a parcela, o edifício
ou até mesmo o quarteirão. (Justo, 2014, p. 52)
Uma das principais características de uma cidade é o conjunto de memórias que dela
resultam e, nesse sentido, a preservação da arquitetura e dos ambientes urbanos
centrais adquirem importância fundamental na caracterização das cidades. É a partir
desses ambientes centrais que as mesmas se desenvolveram e que ainda hoje
influenciam o seu processo de evolução. A sua posição central no tecido e a forma como
influencia a cidade a nível social e histórico, faz com que esses centros possuam um
grande carácter urbano e, devido à complexidade presente na sua arquitectura,
constituem a zona valiosa das cidades. É nesses centros históricos que está expressa
a cultura daqueles que habitam os centros urbanos, sendo que a preservação dos
mesmo constitui uma salvaguarda da memória cultural das cidades.
25Teresa Barata Salgueiro- Professora catedrática da Universidade de Lisboa. Directora do IGOT desde
a sua fundação em 2009 até dez 2013. (ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓGRAFOS, 2016)
As cidades são o espelho de vários acontecimentos que nela ocorreram desde as suas
fundações. “A cidade é consequentemente reorganizada por processos culturais que de
algum modo sobrepuseram o seu modelo ao anterior e que encadeados no mesmo lugar
contextualizam e lhe dão valor suplementar.” (Silva, 2014, p. 98). Perante as várias
transformações que acabaram por conferir a imagem actual das cidades, a sua história
é recordada através de intervenções urbanas, de marcos históricos, e da arquitectura
presente nos vários monumentos.
São estes três factores que actualmente conferem às cidades a sua identidade e que,
por vezes, são conjugados num só espaço fisíco, concebendo um lugar de paragem e
de estar, basicamente um lugar com as caracteristícas necessárias de uma praça
pública. De facto, J. Silva considera que a praça na cidade ocidental “é pensada como
um marco da centralidade cultural, entendida como o fórum de encontros e
manifestações sociais, do indivíduo e da comunidade e, consequentemente, de funções
e arquitecturas significativas.” (Silva, 2014, p. 84). O mesmo afirma ainda que a
formação das praças resulta de “uma sucessão de acções intencionais, do investimento
preciso de várias culturas no tempo, modificando o desenho, o uso e o carácter
identitário do espaço à sua medida, reflectindo a posição de relevo que a praça ocupa
na organização da cidade.” (Silva, 2014, p. 84).
No entanto, mesmo que a praça seja o resultado de várias intervenções feitas ao longo
do tempo, ela deve, além de criar um espaço de estar aberto ao público, enaltecer os
monumentos ou marcos históricos que a rodeiam e inserir-se na malha urbana já
existente de forma coerente.
Como será mencionado de forma mais detalhada nas análises dos casos de estudo, a
relação das praças com o envolvente histórico é notório e serviu de base conceptual
para a execução das mesmas. Tanto a Praça de Lisboa como a Praça do Martim Moniz
foram reabilitadas em plena zona baixa das cidades interferindo com os tecidos urbanos,
mas que de certa forma criaram elos de ligação entre os centros históricos e as zonas
mais a norte das mesmas. Essas praças na opinião de Alves fazem face à urgência de
recriar a praça urbana, “destinando-a a usos razoáveis, face às exigências da vida
contemporânea e devidamente inseridos na estrutura urbana.” (Alves, 2003, p. 76).
Trata-se de um processo com incidência concreta sobre uma parte de cidade que, pela
sua condição monumental, fornece o motivo, ou motivos, que geram essa dinâmica.
(Costa, 2014, p. 163).
Todos estes elementos constituem uma fonte de informação que relata a história de
uma cidade e de uma população, mas também das sucessivas fases de crescimento do
tecido, que se caracteriza como um processo lento e constante. “ A qualidade do tecido
construído não reside necessariamente na sua longevidade, mas sobretudo no facto de
incorporar informação sucessiva ao longo do tempo.” (Fernandes, 2014, p. 51).
Porém, o mesmo afirma ainda que, “mesmo que consiga, por vezes, manter uma
configuração física pouco alterada, ou até a sua função, o tecido urbano vê-se
desprovido do sentido que teve porque o quadro tecnológico, económico, social, diria
mesmo civilizacional, conhece profundas transformações” (Costa, 2014, p. 164).
Por sua vez, o próprio tecido das cidades assume-se como parte histórica das mesmas,
através da sua monumentalização que, na opinião de J. Costa, se establece em duas
condições. Por um lado expressa um determinado critério de distinção, ou a combinação
de vários, relativamente à generalidade dos espaços urbanos e, por outro, reforça o
sentir e o sentido do tempo na cidade. O mesmo reitera que as cidades, mesmo que
sejam ricas em valor histórico, em valor arqueológico, e em valor estético, “é a distinção
que monumentaliza o tecido urbano”, (Costa, 2014, p. 165).
A cidade não é constituída por tecidos uniformes e, portanto, certas áreas assumem-se
como representativas do todo, concentram e expõem um conjunto de valores físicos,
funcionais e simbólicos. Estas áreas resultam de acções de valorização que, na opinião
de J. Silva, são eleitas por serem representativas de uma época passada ou porque
configuraram conjuntos que se destacam, constituindo hoje os locais mais densos de
actividades culturais, artísticas, representativas e turísticas.
Por sua vez, Charles Delfante defende que, no desenho compacto do tecido urbano, se
encontram praças que nos são apresentadas com uma forma de bipolaridade,
constituídas por uma pertença a um contexto de essência unitária e a sua oposição à
densidade física do resto e que, enquanto vazia, a praça é o maior espaço perceptível
e preceptivo que permite recolher a capacidade e a homogeneidade do resto. É por esta
razão que, segundo o mesmo autor, “a praça tem um papel preciso na imagem da
cidade, porque ela é, em certa medida, um instante crítico, uma tomada de consciência
formal na qual devemos ver uma força primária para ser utilizada na educação da
percepção da cidade.” (Delfante, 1997, p. 96)
Deste modo, é possivel afirmar que ao inserir a praça urbana como peça-chave na
requalificação dos tecidos urbanos em Portugal, contribuiu-se para a comprensão
histórica dos mesmo. “[...] As praças portuguesas apresentam um conjunto de
características singulares, identitárias e históricas, contribuindo para a compreensão
deste elemento urbano e da própria cidade.” (Silva, 2014, p. 98). Essas praças recriadas
caracterizavam-se, segundo o mesmo, pela valorização do património edificado que
reorganizou e deu origem a novos cenários urbanos.
As pessoas usam o espaço público por uma razão plausível e racional, para realizar uma
determinada tarefa ou uma actividade específica, mas simultaneamente como um
pretexto para sair, ou uma ocasião para estar em contacto e estimulação. (Gehl, 2010,
p. 111).
Por sua vez, a capacidade desses mesmo espaços facilitam o contacto entre pessoas
e aumentam consideravelmente o tempo de permanência das mesmas. Neste contexto,
a praça aparece como o principal espaço com as capacidades anteriormente referidas
e deve ser entendida como um espaço interior aberto que faz transparecer o sentido de
“estar”, establecendo pontos de referência para a orientação e adaptação ao ambiente
que nos envolve.
O sentido de “estar” deve coexistir com um nível mínimo de actividade, daí que a
essência da praça permita um máximo de controlo do espaço. Contudo, na maior parte
das vezes, existiu sempre um edifício simbólico numa das extreminades da praça, fosse
a Ágora, o Fórum, a Igreja ou palácio real, que devido ao seu forte sentido de conteção
favoreceu o desenvolvimento de determinados potenciais para a sua animação, como
a fixação de actividades atractivas, conforto, convívio, descanso, etc.
Uma das formas de estimular a permanência na praça por parte das pessoas é através
de actividades que estimulem o convívio. Para J. Gehl, a vida nos espaços públicos é
um processo de auto-reforço em que as pessoas e os acontecimentos se influenciam e
estimulam mutuamente. Segundo o mesmo, “se houver várias actividades a acontecer
num mesmo espaço, elas podem estimular-se reciprocamente, uma vez que se os
A praça pública apresenta uma organização espacial determinante, que visa apoiar a
convivência humana e exprimir de modo físico alguns dos valores intelectuais, morais e
religiosos que podem dar sentido à necessidade de vivência espiritual das pessoas,
nomeadamente através do uso de elementos bastante comuns nas praças urbanas, tais
como peças de arte, fontes, ou jardins. No fundo, algo que faça as pessoas
permanecerem na praça e contemplar os respectivos elementos. “A percepção de um
ambiente é criada pela interacção entre as formas que compôem a cidade e o modo
como o homem recepciona e corresponde a essas mesmas formas.” (Lynch 2011, p.
10).
Assim, o estudo das praças permite-nos entender a função deste elemento urbano na
hierarquia das cidades, principalmente no que diz respeito à capacidade de atrair as
pessoas. Além de um espaço de passagem, deve construir um lugar em si, cuja função
principal se caracteriza pela satisfação interactiva de necessidades humanas, onde o
individuo é exposto num ambiente que o relaciona com o espaço e com o seu
envolvente.
Desta forma, as ligações das pessoas a determinados espaços existem à medida que
vão partilhando o mesmo, sendo que a função de cada um na utilização dos espaços
referidos resulta da sua interacção com o meio envolvente e, portanto, quanto maior for
esta interacção das pessoas com a praça, maior será também a capacidade desta de
atrair e cativar mais utilizadores.
praça, os critérios da relação urbana e social, sejam componentes essenciais para uma
intervenção arquitectónica bem sucedida.
4. CASOS DE ESTUDOS
Entre 1373 e 1375 por ordem do rei D. Fernando, uma das principais estruturas de
influência muçulmana na Mouraria denominada de “cerca moura” foi perdendo a sua
importância devido ao início da construção de uma nova muralha defensiva – muralha
fernandina. Contudo devido à sua localização central na cidade a Mouraria foi sempre
um centro de trocas comerciais entre muçulmanos e cristãos.
Na segunda metade do século XV, com a conquista de Granada pelos Reis Católicos,
dá-se a expulsão de judeus e muçulmanos da Peninsúla Ibérica e, consequentemente,
em Portugal assiste-se à destruição de mesquitas e sinagogas por todo o país, facto
que afectou a Mouraria com o derrube das suas principais estruturas, dando sequência
à sua sucessiva ocupação por parte dos cristãos aristocratas que aí construiram os seus
palácios, como por exemplo, o Palácio do Marquês de Alegrete iniciado em 1694 e
demolido mais tarde. Permanecendo intacta após o terramoto de 1755 e não
beneficiando com o ordenamento imposto pela reconstrução pombalina, a Mouraria
entra no século XIX como vítima do êxodo rural provocado pela revolução industrial,
facto que contribuiu para a sua sobrelotação populacional.
27Augusto Vieira da Silva 1869-1951. -Foi um historiador e engenheiro português formado em Engenharia
na Escola do Exército em 1893, membro Associação dos Arqueólogos Portugueses e da Academia de
História. (Toponímia de Lisboa, 2003)
Ilustração 17– A Mouraria no fim do século XIX, baseada nas plantas de Filipe Folque.(Ilustração nossa)
Até meados do século XX a Mouraria permanecia como uma zona degradada sem
qualquer sentido de estética, onde era urgente intervir. De facto, Marluci Menezes28
caracteriza-o como um foco de uma política urbana devido a insalubridade e más
condições do bairro, bem como a falta de cuidado para com o edificado envolvente.
Entre os anos 1930 e 1960, a Mouraria torna-se foco de uma política urbana
promulgadora de um “urbanismo civilizador” e difusor de uma perspectiva de
“higienização e embelezamento” que pretendeu renovar aquela zona da cidade numa
óptica de modernização, alterando radicalmente as suas dinâmicas sociais, culturais e
urbanas. Marluci Menezes. (Menezes,2009, p. 306)
Só a partir de 1948 é que a Mouraria foi incluída num plano de recuperação urbana –
Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa- definido por Étienne de Gröe. Neste
plano a Mouraria era considerada como área prioritária a intervir, visto que era um bairro
de construções degradas sem qualquer conceito de estética, com problemas de higiene
e de cariz social.
Contudo, o recém formado Largo não desempenhava ainda a função de praça pública
da cidade. Segundo J. Lamas “[...] esses espaços nunca adquirem significado igual ao
de praça porque não nasceram como tal.” (Lamas, 2014, p. 102).
28 Marluci Menezes- É uma geógrafa doutorada em Antropologia Social e Cultural pela Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas. É também Investigadora do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. (LNEC,
2017)
29 João Guilherme Faria da Costa 1906-1971- Foi um arquitecto e urbanista português formando em
arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1936 e em urbanismo pelo Instituto de
Urbanismo da Universidade de Paris em 1935. Nos seu trabalhos destacam-se o Plano director de Lisboa
em parceria com Étienne de Gröe em 1938. (Sintra. Câmara Municipal, 2017)
Com o fim da demolições em 1949, era necessário facilitar a circulação viária no centro
da Lisboa, resultando assim no fim de outros centros da cidade. Essa necessidade
acabaria por transferir para o Largo do Martim Moniz o mercado demolido que existira
na Praça a Figueira, e com ele as populações das minorias étnicas que se fixaram em
redor do largo e na Mouraria. Este fenómeno contribuiu para a configuração de uma
outra imagem do bairro que, assim, passava também a ser referido como contexto
multiétnico e multicultural. Contudo, atrasou o processo de transformação do largo em
praça pública. Para que tal processo acontecesse, foram ainda demolidos em 1957 e
1961 o Teatro Apolo e o Arco do Marquês de Alegrete, respectivamente, abrindo por
definitivo o espaço pretendido para criar a tão pretendida praça, que iria melhorar a
circulação entre a Avenida Almirante Reis e Praça da Figueira.
Ilustração 20- Planta dos pavilhões provisórios, Ilustração 21- Fotografia dos mesmos pavilhões em 1952. (APS, 2017).
1950. (Almeida, 2016. P. 144).
Ilustração 22- “Apresentação” do Estudo de conjunto do Martim Moniz. (Almeida, 2016, P.146).
Ilustração 23- “Perspectiva geral” do Estudo de conjunto do Martim Moniz. (Almeida, 2016, P.146).
Perante estes factores, o Largo do Martim Moniz chega à década de 80 como um bairro pobre
com poucas condições de vida, onde era urgente intervir. Na opinião de José Manuel
Fernandes30, o Largo do Martim Moniz representava um buraco urbanístico com cerca de trinta
anos, transformado gradualmente pela cidade popular num espaço de feira permanente
caracterizada pelo mesmo autor de “espaço que tem horror ao vazio” (Fernandes, 1989, p. 46).
30José Manuel Fernandes- Nasceu em Lisboa, Portugal, em 1953. Arquitecto licenciado pela Escola de
Belas Artes de Lisboa em 1977. Professor, Doutorado em 1993, Catedrático (2010) em História da
Arquitectura e do Urbanismo da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica, Lisboa. (WOOK,
2017c)
Almirante Reis e que, canalizando todo o trânsito de passagem, atravessa o espaço e corta na
diagonal os eixos da estrutura urbana, remata a praça, é marginada por faixas arborizadas ou
alamedas, à imagem do boulevard do século XIX, agora em moldes contemporâneos; um anel
de circulação envolvente que distribui o trânsito, constitui a rua de animação e acesso directo
aos edifícios.
J. Lamas afirma também que a praça integrante do plano era constituída por três níveis de leitura
e definição espacial: o primeiro, definido pelo centro cultural e espaço de permanência imediato,
pavimentado, arborizado e elevado em relação às ruas envolventes. O segundo nível inclui as
vias envolventes, é limitado pelo plano marginal do novo hotel e dos edifícios da Rua da Mouraria
e pelo eixo arborizado que segue o traçado da antiga Muralha Fernandina no sentido nascente-
poente. Um terceiro nivel de leitura é já constituido pela encosta da Mouraria e o castelo de São
Jorge, as colinas envolventes, ou seja, a paisagem de Lisboa visível do vale. (Lamas, 2014, p.
476)
Este plano incluía também equipamentos, comercial geral, escritórios, instalações culturais,
habitação e estacionamento. Para tal, colaboraram com os arquitectos o designer Daciano
Costa31 que se ocupou do desenho do mobiliário urbano e Eduardo Nery 32para o desenho de
pavimentos.
Ilustração 24- Proposta de José Lamas e Carlos Duarte em 1980. (Almeida, 2016, P.157)
31 Daciano Henrique Monteiro da Costa 1930-2005 - Estudou pintura na Escola de Belas Artes de Lisboa
até 1961. Em 2004 recebeu o titulo de Doutor Honoris Causa da Faculdade de Arquitectura por toda a
contribuição da sua obra para o desenvolvimento do Design em Portugal. (Universidade de Lisboa.
Faculdade de Arquitectura, 2013)
32 Eduardo José Nery de Oliveira 1938-2003 – Artista plástico, formado em Pintura, na Escola de Belas
Artes de Lisboa, tendo efectuado uma breve passagem pelo Curso de Arquitectura, na mesma escola.
Realizou a sua primeira exposição individual em 1964, na Sociedade Nacional de Bela Artes. (Freitas, 2013)
Ilustração 25- Proposta de José Lamas e Carlos Duarte em 1980. Perspectiva axonométrica. (Lamas, 2014, P. 475)
Ilustração 26- Proposta de José Lamas e Carlos Duarte em 1980. Esquiços de ambientes urbanos. (Lamas, 2014, P. 475)
Ilustração 27- Plano de pavimentos desenhos por Eduardo Nery. (Almeida, 2016, P. 160)
Contudo, mais uma vez o plano não foi cumprido na totalidade, levando o Largo,
segundo José Augusto França33, “a misérrima solução final” (França, 1997, p. 106). Do
plano proposto só foram executados o Centro Comercial da Mouraria em 1989 e o
suposto plano de pavimentos para este destinado. Em 1991 constroi-se o Centro
Comercial do Martim Moniz, reabilita-se o palácio dos Aboim, dá-se o prolongamento do
Hotel Mundial e a construção do edifício Marquês de Alegrete, levando J. França a
afirmar que o plano “que se pretendia definir como um centro terciário de grande
densidade não teria razões económicas de ser na crise de 1975-1980” (França 2009, p.
769).
A praça proposta para o Martim Moniz foi segregada ao trânsito automóvel e os próprios
movimentos dos peões foram controlados de modo a que os atravessamentos se façam
marginalmente ao espaço central. Recuperou-se no Martim Moniz a função de zona de
estar que se perdeu no Rossio, quando o tráfego mecânico, os atravessamentos
constantes e a destruição do seu pavimentos original transformaram a praça central
numa ilha inóspita. A praça do Martim Moniz pensámo-lo como um local de convívio e
encontro da população, animada por esplanadas e cafés e palco de iniciativas culturais
e populares. Ela será o complemento indispensável de instalações destinadas a fins
culturais e recreativos que junto a ela serão criadas. (Lamas; 1982, p. 19).
33José Augusto França (1922) - É um historiador, sociólogo e crítico de arte português. Licenciou-se em
1994 em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras de Lisboa. (WOOK, 2017d)
34Gonçalo Pereira Ribeiro Teles (1922) -Foi pioneiro em Portugal da defesa dos valores ambientais, da
necessidade de promover o ordenamento do território e da humanização das cidades. Desempenhou
funções de secretário de Estado do Ambiente, ministro de Estado e da Qualidade de Vida, e foi professor
catedrático da União Europeia. (Dinis, 2002)
Ilustração 29– A Praça do Martim Moniz, Luís Pavão, 2000. (Revelar Lx, 2005).
Esta reabilitação, segundo João Paulo Bessa, pôs fim ao “ vazio residual de encontro
de tecidos urbanos de várias procedências, de diversas formas ou lógicas de utilização,
de transformação e de apropriação do espaço”. (Bessa, 1998). De facto, a reabilitação
efectuada vai ao encontro dos três parâmetros citados por Lamas que diferem a praça
do largo: “os espaços destinados ao tráfego e formando parte da rede principal de vias
urbanas, usada tanto por peões como por veículos; os espaços residenciais, pensados
só para acesso pelo tráfego local aos edifícios e com propósitos recreativos; e terceiro,
os espaços pedonais, nos quais é excluído o tráfego rodado” (Lamas, 2014, p. 174).
Assim sendo, a praça foi dividida, segundo o autor, em três zonas sendo que a primeira
tem como preocupação articular os eixos da nova praça com a avenida e estabelecer
uma relação integradora na envolvente urbana; a segunda procura, através de um
comércio especial e de qualidade, atrair as pessoas ao seu interior; a terceira criar um
clima lúdico que possibilite tempos dinâmicos de distracção. Por fim, segundo o mesmo
autor, para resolver os problemas criados pela intensidade do tráfego e enquanto
“cortina de salvaguarda visual e articulação com a escala envolvente dos edifícios mais
modernos, decidiu-se rodear a praça de revestimento arbóreo denso e elevado.” (Bessa,
1998)
Ilustração 30- Pormenor do revestimento arbóreo da Praça do Martim Moniz.( Ilustração nossa, 2017)
Quem chega pela Almirante Reis ao Martim Moniz encontra um primeiro espaço de
paragem numa estrela, numa rosa dos ventos, que constitui uma placa giratória capaz
de inflectir um eixo e, na leveza dos seus jogos de água, relacionar e articular a escala
urbana com a redução necessária ao conforto de quem passeia. Na parte central criando
a atracção necessária para a frequência de uma população exterior às zonas
envolventes e para o entretenimento dos utentes habituais, um conjunto de quiosques
destinados à venda de artesanato qualificado desenha pequenos pátios a que as
laranjeiras darão a sombra para um tempo de espera a que os bancos convidam. A água
lançada dos repuxos de um caneiro central que acentua a simetria do espaço, trará, nos
quentes fins-de-tarde de verão, uma frescura convidativa ao sabor de quem está, dos
grupos, das conversas ou da solidão procurada para leitura de um livro ou de um jornal.
A envolvente de árvores e arbustos dará - logo que o seu tempo de crescimento se
adapte á dimensão esperada - o conforto, a protecção e a intimidade que este espaço-
ilha necessita para se autonomizar. (Bessa. 1998)
Apesar das intervenções executadas a praça não obteve a afluência desejada, visto que
não reunia as condições necessárias à permanência dos que ali passavam, conduzindo
à instalação de actividades marginais que, por sua vez, levaram ao afastamento de
outros indivíduos, funcionando apenas como ponto de conexão entre a Avenida
Almirantes Reis e a Baixa Pombalina e como ponto de passagem entre os centros
comerciais que a rodeavam.
Ilustração 31– A Praça do Martim Moniz e o seu envolvente, tendo como base um ortofotomapa da cidade.( Ilustração nossa, 2017)
35José Filipe Rebelo Pinto- Nascido em Agosto de 1974, empresário e fundador da empresa NCS
(Número de Ciclos por Segundo) que é responsavel pela concessão do mercado de fusão. (Simões, 2013)
Concluindo, a praça do Martim Moniz é nos dia de hoje um enorme centro cultural
urbano devido à presença de várias étnias minoritárias, que continua a ser a
característica que mais se destaca naquele exacto lugar, fazendo dele um centro de
encontro de valores e formas de pensar distintas. Por outras palavras, a herança étnica
presente no lugar desde a fundação da Mouraria até à actualidade, proporciona ao
espaço uma das características mais presentes numa praça, que neste caso se manteve
e que faz dela um centro urbano onde se debate e troca informações sobre culturas
diferente.
Ilustração 34- Muro alusivo à antiga Cerca Moura. (Ilustração nossa, 2017)
Ilustração 35- Tecido homogéneo e elementos de articulação da área central de Lisboa.(Coelho, 2014, P. 30)
Ilustração 36-Articulação da Praça do Martim Moniz com o seu envolvente, tendo como base um ortofotomapa da cidade. (Ilustração
nossa, 2017)
Durante as três décadas em que chefiou a Junta das Obras Públicas, criada pelo rei
D.José em 1763, elaborou um plano estratégico para a cidade, respondendo ao rápido
aumento populacional que se fazia sentir, muito por parte das trocas comerciais.
Segundo Joaquim Ferreira Alves36, “Deveu-se à Junta de Obras Públicas do Porto, com
o apoio financeiro da Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, a
reorganização e alargamento da cidade do Porto entre 1763 e 1804”, (Alves, 1988, p.
197).
No miolo da cidade muralhada, promoveu e facilitou a relação do rio com a zona alta da
cidade; construiu praças; regularizou os bairros que se iam formando fora das muralhas
sem planificação. Confrontada com um traçado urbano orgânico, a Junta propõe, para
expansão da cidade, que os arruamentos fossem executados «segundo um plano prévio”
(Alves, 1988: 175).
O objetivo desse plano era aumentar a cidade para lá das muralhas fernandinas, de
forma a criar circulações viárias e alargar as vias já existentes na cidade medieval, mas
também criar arruamentos e espaços públicos. Contudo, segundo Manuel Teixeira37
“nas ruas transversais e no interior destas malhas continuavam a existir grandes
espaços por urbanizar” (Teixeira 1996, p. 19), facto que se agravou com a viragem de
século, que deu origem a uma série de acontecimentos tais como: as invasões
francesas, a crise comercial e, em particular, a instauração do liberalismo, que se
reflectiu num momento de paragem urbanística devido, principalmente, aos
bombardeios efetuados pelas tropas absolutistas durante o Cerco do Porto.
em Arquitectura em 1974 pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. (Universidade de Lisboa.
Faculdade de Arquitectura, 2017)
O Recolhimento do Anjo foi fundando em 1672 por uma viúva portuense, de seu nome
D.Helena Pereira38 e destinava-se a acolher apenas viúvas ou raparigas orfãs da
nobreza portuense. O Recolhimento situava-se na actual Rua Dr. Ferreira da Silva, de
frente para a Universidade do Porto e, embora não existam registos fotográficos do
edifício em si, Carlos Passos elabora na sua obra “ Lembranças da Terra”, publicada
em 1919, uma descrição pormenorizada do Recolhimento do Anjo, na qual descreve o
contexto histórico que levou à sua construção, bem como a análise detalha do edifício
em si.
Mui além da área do Mercado ia a do Recolhimento com sua capela e cerca, pois
ocupava a rua São Filipe Nery, então estreita viela de passagem, e parte das ruas das
Carmelitas e da Academia (local do Colégio dos Órfãos), também apertadas ruelas. O
edifício era de um andar único, paredes lisas, modesta arquitectura. A meio da fachada
três arcos ajeitavam o átrio de entrada assentando sobre eles o coro com três janelas
correspondentes aos arcos. Adentro da portaria corriam as coisas à moda dos conventos
- rodas, locutórios gradeados - porque, como essas casas, fora construido o
Recolhimento e como elas gozava dos mesmos privilégios, embora não houvesse
profissão para as recolhidas. A fachada dos dormitórios era bem monástica com suas
janelinhas gradeadas, quase postigos. (Cunha, 2015)
38D.Helena Pereira - Viúva de Gonçalo Borges Pinto que era um fidalgo portuense, decidiu aplicar a sua
herança na construção de uma obra de utilidade pública. (Cunha, 2015)
Ilustração 39- Mercado do Anjo, 1813. (SOCIEDADE SECRETA DE REABILITAÇÃO URBANA, 2010)
Ilustração 40– Área envolvente do Recolhimento do Anjo em 1813, baseada na planta José Francisco de Paiva. (Ilustração nossa)
Nos anos trinta do século XIX dá-se um novo impulso urbanístico na cidade do Porto.
Foi a partir dessa altura que foram criadas uma série de infra-estruturas públicas que
permitiram a reorganização de determinadas zonas da cidade. Destas estruturas
destacaram-se os mercados, nomeadamente o Mercado do Bolhão em 1837, o Mercado
do Anjo em 1839 e o Mercado Ferreira Borges em 1888.
O Mercado do Anjo, por sua vez, tinha uma forma triangular, onde os posto de venda
arrendado pela Camara se dispunham em redor do espaço envolvente com a frente
voltada para o seu interior, sendo que no centro apresentava-se um chafariz para uso
público. O Mercado do Anjo foi inaugurado em 9 de julho de 1839 mantendo-se em
actividade durante um século.
Ilustração 41- Mercado do Anjo, 1839. (SOCIEDADE SECRETA DE REABILITAÇÃO URBANA, 2010)
Ilustração 42- Mercado do Anjo, Estudo do projecto de reabilitação. José Ilustração 43- Mercado do Anjo, Plantas do projecto de reabilitação. José
Marques da Silva, 1905. (PORTO. Câmara Municipal. Arquivo Municipal Marques da Silva, 1905. (PORTO. Câmara Municipal. Arquivo Municipal
(1904-1906) (1904-1906)
Ilustração 44- Mercado do Anjo, alçado sobre a rua da academia. José Marques da Silva, 1905. (PORTO. Câmara Municipal. Arquivo
Municipal (1904-1906)
40José Marques da Silva (1869-1947) - Foi o arquitecto que moldou a fisionomia do Porto no início do
século XX. A sua obra funda-se na aprendizagem da arquitectura académica, primeiro no Porto na
Academia de Belas Artes entre 1882 e 1889, e depois em Paris onde frequentou a École Nationale de
Beaux-Arts entre 1889 e 1896. (FIMS, 1994)
Ilustração 45- Mercado do Anjo, alçado sobre a rua da Carmelitas. José Marques da Silva, 1905. (PORTO. Câmara Municipal. Arquivo
Municipal (1904-1906)
.
Ilustração 46- Mercado do Anjo, início do século XX. (SOCIEDADE SECRETA DE REABILITAÇÃO URBANA, 2010)
Até sofrer nova intervenção que só seria planeada na década de 90, a Praça do Anjo
tornou-se num lugar esquecido e sem identidade, funcionando como local de
estacionamento automóvel.
Em 1992 numa intervenção promovida pelo CRUARB41 inicia-se novamente mais uma
reabilitação da praça do Anjo no qual o projecto vencedor denominado “Shopping
Clérigos”, da autoria dos arquitectos António Moura, Luís Oliveira e Susana Barbosa, se
revelaria um fracasso, visto que a relação que este tinha com o envolvente era
inexistente. Devido à pouca afluência da população o espaço foi encerrado em 2006 e
até à sua reabilitação final apresentou-se sempre como uma zona degradada e mal
frequentada da cidade do Porto.
concurso de ideias para a Praça de Lisboa, frase essa que foi escrita nas paredes por moradores
descontentes com o estado de degradação que a praça apresentava. (Jordana, 2011)
43 Pedro Arozeiro Ribeira – Arquitecto português que actualmente exerce profissão na cidade Oslo na
Na sua proposta o conceito projectual “pretendia fundir o espaço com o tecido urbano,
acabando com o que é antigo, fazendo-o nascer outra vez.” (Divisare, 2014) Ao mudar
a geometria da praça e, consequentemente, o desnivel do terreno, “o projecto propõe a
melhoria da paisagem urbana e vários acessos entre o centro da praça com as principais
artérias urbanas que constituem a praça, trazendo de novo vida áquele lugar.” (Divisare,
2014)
Outra proposta de praça apresentada embora de pouca relevância por não se enquadrar
com o envolvente, é da autoria do gabinete de arquitectura e urbanismo “design-factory
gmbh” que segundo a memória descritiva “ considerou-se o contexto envolvente à praça
que inclui a Universidade, a Torre dos Clérigos, escritórios e habitações e construi-se
uma plataforma que faça a troca do antigo para o novo, do espaço pobre para o espaço
rico.” (gmbh, 2011)
“Quanto ao vazio que há muito se apresentava naquele lugar, foi usado como conceito
projectual através do centro vazio que se encontra na base da proposta, sendo acessível
por qualquer lado e preenchido com elementos naturais como água e madeira, procura
uma atmosfera maritima que encaixa perfeitamente no passado marítimo do porto.
(gmbh, 2011)
A proposta vencedora, assinada pelo arquitecto Pedro Balonas, previa três permissas
principais para a reabilitação da praça: a primeira previa a revitalização das áreas
degradas existentes e da circulação pedonal no interior da praça; em segundo lugar a
proposta pretendia utilizar a topografia do terreno e a variedade de inclinações
existentes na concepção do projecto; e por fim a proposta da nova praça pretendia
renovar a paisagem urbana através do uso de áreas arborizadas. (Balona & Menano,
2013).
Desta forma, a antiga Praça do Anjo foi inaugurada em Julho de 2012 como Praça de
Lisboa, acabando de vez com os problemas urbanísticos que as intervenções anteriores
nao tinham conseguido resolver, nomeadamente o desnível que a praça apresentava
há vários séculos.
Como solução, o projecto de Pedro Balonas propõe uma vasta área verde denominada
pelo próprio autor de Jardim Urbano. Este mantém-se no mesmo nível do início da rua
de São. Filipe de Nery, de forma a renovar por completo a paisagem urbana e propõe a
criação de uma nova rua situada numa cota intermédia da praça que se encontra
abrigada numa estrutura de betão e vidro e que se destina ao comércio e às áreas de
lazer da praça, fazendo assim a ligação pedestre entre dois marcos históricos
envolventes áquele lugar – a Torre dos Clérigos e a Livraria Lello.
Ilustração 50– Relação da Torre dos Clérigos com o nível Ilustração 51– Relação da Torre dos Clérigos com os dois nível médio da
superior da praça. (Ilustração nossa, 2017) praça (Ilustração nossa, 2017)
O autor propõe ainda a criação de três quiosques, para que os portuenses possam
usufruir do espaço sentados nas esplanadas. Este afirma ainda que esses quiosques
"com uma forma tradicional" serão "muito pequeninos, quase estruturas efémeras" e
que irão permitir usufruir da praça de outra vertente.” (Carvalho, 2013)
A Praça de Lisboa, ao contrário da praça do Martim Moniz, apresentou uma forma quase
triangular desde a edificação do Recolhimento do Anjo, facto esse que se apresentou
como principal obstáculo para que o espaço se transformasse numa praça pública.
Contudo, na opinião de K. Lynch, “num aglomerado populacional grande, a forma em
triângulo faz com que o espaço aberto esteja mais próximo de todas as pessoas”, (Lynch
2007 p.408). O mesmo autor salienta, ainda, que “o modelo abandona a ideia de atribuir
uma forma ao conjunto através de um padrão de triângulos verdes e concentra-se numa
distribuição equitativa do espaço aberto através de tecido urbano, juntamente com uma
interligação geral do sistema de espaços abertos” (Lynch 2007 p.409).
Assim sendo, a solução proposta, encontrou forma de usar os dois principais obstáculos
como conceito projectual, indo assim ao encontro das afirmações de K. Lynch, ao
defender que as ligações podem ser reduzidas a caminhos estreitos próximos das
estradas principais, para que não seja usurpado demasiado terreno importante
destinado ao desenvolvimento, ao mesmo tempo que o espaço aberto se expande nos
interstícios da grelha de ruas.(Lynch 2007 p.409)
O mesmo autor afirma que, “uma vez que o modelo é um sistema interligado e, todavia,
intimamente enredado em toda a área urbanizada, pressupõe um controlo alargado e
pode necessitar de separações desniveladas nos pontos em que atravessa as ruas
principais.” (Lynch 2007 p.409).
Ilustração 52 - Planta de implantação da Praça de Lisboa, Pedro Blaonas 2010. (Balonas & Menano - Architectural and Urban Concept,
2013).
Ilustração 53- Corte da praça paralelo à Torre dos Clérigos, (Balonas & Menano - Architectural and Urban Concept, 2013).
Ilustração 54- Corte da praça paralelo à Reitoria da Universidade do Porto, (Balonas & Menano - Architectural and Urban Concept, 2013).
Contudo, a proposta que acabaria por ser construída baseava-se, segundo os autores,
numa “solução arquitetónica que, com plena consciência e respeito pela importância do
património circundante, procurasse dialogar com ele” (Balona & Menano, 2013). “O
projeto foi concluído como um esforço para melhorar uma área em declínio no meio do
Porto e cria um espaço para a comunidade e meios de subsistência.” (Lee, 2013).
Ilustração 55– Esquiço do lugar, relação com a Torre dos Clérigos. Ilustração 56– Esquiço do lugar. (Ilustração nossa, 2017)
(Ilustração nossa, 2017)
A intervenção de 2010 tal como afirmam os seus autores, divide o programa da praça
em três níveis: “um jardim no nível superior que se encontra ao nível do jardim da
Cordoaria e da Praça Gomes Teixeira, uma rua comercial no nível médio que liga a
livraria Lello e a Torre Clérigos, e um parque de estacionamento já existente no nível
inferior que tem ligação com as ruas mais baixas.” (Balona & Menano, 2013).
Ilustração 57 – A relação entre os níveis da praça. (Ilustração Ilustração 58 – A relação entre os níveis da praça. (Ilustração
nossa, 2017). nossa, 2017).
Por outro lado, os novos acessos criados nos dois níveis da Praça de Lisboa permitem
ao mesmo tempo, tal como na Praça do Martim Moniz, melhorias consideráveis na
paisagem urbana, mas também uma renovação do tecido urbano, visto que as duas
praças fazem a ligação entre os vários acessos pedonais e rodoviários das respectivas
cidades.
Ilustração 59– Articulação da praça de Lisboa com o seu envolvente, tendo como base o ortofotomapa da cidade. (Ilustração nossa,
2017)
Ilustração 60 - A praça de Lisboa e o seu envolvente tendo como base um ortofotomapa da cidade. (Ilustração nossa, 2017)
5. CONCLUSÃO
As praças eram o reflexo da vida das cidades. Contudo, a partir do século XIX, as
cidades não conseguiam dar respostas às consequências da Revolução Industrial como
o aumento da população e o aparecimento do automóvel que obrigava a repensar os
acessos nos centros urbanos. Tais acontecimentos evidenciaram em profundas
alterações nos tecidos urbanos das grandes cidades contemporâneas alterando
profundamente a natureza da praça em si, que actualmente desempenha um papel
fundamental na renovação da paisagem urbana, no aumento de interacções sociais
através de actividades tais como comércio e restauração, mas também na requalificação
de espaços públicos.
No início do século XX, a praças públicas com algum significado histórico sofreram um
abandono que resultou na sua degradação, perdendo assim as suas características
sociais e culturais. A noção de qualidade de espaço público perdeu-se devido às novas
tendências de espaços comerciais, comunemente denominados de shopping. Deste
modo, as praças não serviam para mais do que parques de estacionamento e circulação
automóvel, facto que contribuiu para o aumento da poluição, tanto ambiental como
sonora, tornando assim as praças em locais pouco procurados e mal frequentados.
público com o privado e garantindo a utilização e a permanência dos espaços por parte
da população.
A praça é vista como um factor actuante na estrutura urbana, mas também como o
elemento que agrega e referencia a paisagem local, adquirindo um simbolismo de tal
forma importante que aqueles que percorrem a cidade a usam como ponto de
referência. Como parte integrante da estrutura urbana, a praça conforma a imagem
através da relação espacial entre a mesma e o seu envolvente, integrando ambos os
elementos num único conjunto. A praça urbana promove a fundamental diferenciação
entre lugares e confirma a nova percepção do espaço urbano.
Na Europa as praças mantêm na maior parte das vezes uma forte relação com o tecido
urbano, tal como acontece nos casos de estudo apresentados, que demonstram duas
possíveis soluções na articulação das praças com os restantes elementos urbanos.
Tanto a Praça do Martim Moniz como a Praça de Lisboa foram pensadas de forma a
revitalizar os espaços públicos que se encontravam saturados e sem qualquer relação
com o envolvente. Os mesmo casos de estudo desempenham um papel gerador na
malha urbana, ligando pontos de referência que se caracterizavam por serem livres de
construção e que por conseguinte “desafogavam” o tecido urbano.
Numa abordagem mais histórica a praça tem uma relação mais próxima com os
monumentos que mais se destacam para aqueles que a percorrem, tais como o Castelo
de São Jorge ou a Torre de Péla que retrata a Lisboa Medieval e a presença da antiga
Muralha Fernandina. Contudo, o factor do comércio local entre etnias continua a estar
bem presente no lugar.
Por sua vez a Praça de Lisboa apresenta uma forma pouco usal e um percurso dividido
por três pisos, que conferem ao espaço não só uma adaptação da praça ao contexto
urbano que a rodeia, mas também novas funcionalidades que revitalizaram o espaço
em vários níveis. A forma quase triangular veio a tornar-se mais eficaz na consolidação
da zona histórica do que a praça-rotunda que é usada na maioria dos casos, como por
exemplo na Praça do Martim Moniz.
No panorama histórico a praça é coberta por áreas arborizadas com Oliveiras, que
fazem referência à antiga Porta do Olival44 que ali existira e que seria uma das entradas
para a cidade. Os percursos no nível superior da praça são acessíveis apenas para
peões, facto que conferiu aos monumentos que rodeiam a praça a grandeza de
antigamente. A relação da Reitoria da Universidade do Porto e, principalmente, da Torre
dos Clérigos são evidentes para aqueles que percorrem o espaço, seja pelo jardim ou
pelo acesso intermédio.
A nível social, os sinais de degradação que a praça apresentava deram lugar a espaços
lúdicos, tanto nas áreas ajardinadas, como no piso intermédio que inclui zonas de
comércio e restauração que oferece aos seus habitantes inúmeras possibilidades de
lazer e de vivência, sendo actualmente lugar de grande afluência. Ao nível urbanístico,
os problemas de longa data, como por exemplo o problema da circulação pedonal e do
estacionamento automóvel foi minimizado com a construção de um parque de
estacionamento subterrâneo.
Por sua vez, tal como a Praça do Martim Moniz uniu dois tecidos urbanos distintos, parte
do tecido urbano da zona histórica da Baixa do Porto foi também consolidado, devido à
44Porta do Olival- Antiga entrada da Muralha Fernandina do Porto que se encontrava no Campo do Olival.
(Balonas & Menano - Architectural and Urban Concept, 2013)
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