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Juvinal dos Reis Soaares

Instituto Superior Técnico

TERMODINÂMICA
MACROSCÓPICA
Princípios e Conceitos

José J. Delgado Domingos

Tiago Morais Delgado Domingos

Tânia Costa e Sousa

Aceite para Publicação na IST Press

2015
Índice Geral
ÍNDICE GERAL 3

ÍNDICE DE FIGURAS 7

PREFÁCIO DA 1ª EDIÇÃO 9

PREFÁCIO DA 2ª EDIÇÃO 17

AGRADECIMENTOS 19

1. FÍSICA PERFEITA E TERMODINÂMICA MACROSCÓPICA 21


1.1. Física Perfeita: Reversibilidade 21

1.2. Termodinâmica Macroscópica: Irreversibilidade 23

1.3. Termodinâmica Macroscópica e Física Estatística: Reversibilidade


Microscópica e Irreversibilidade Macroscópica 24

2. PRINCÍPIOS DA TERMODINÂMICA 28
2.1. Definições e Convenções 28

2.2. 1º Princípio da Termodinâmica 33

2.3. 2º Princípio da Termodinâmica 36

3. FORMALISMO TERMODINÂMICO 53
3.1. Do Postulado da Dissipação ao Formalismo Termodinâmico 53

3.2. Axiomática de Tisza-Callen 54

3.3. Primeiras Derivadas da Equação Fundamental: Variáveis Intensivas 61

3.4. Equilíbrio Termodinâmico 65

3.5. Equações de Euler e de Gibbs-Duhem 70


Termodinâmica Macroscópica 4
Índice Geral
________________________________________________________________________________________

3.6. Equações Molares 72

3.7. Expressões para o Trabalho e para o Calor 76

3.8. Relações de Maxwell 77

3.9. Segundas Derivadas da Equação Fundamental: Coeficientes


Termodinâmicos 80

3.10. Estabilidade Intrínseca dos Sistemas Termodinâmicos 85

4. SISTEMAS TERMODINÂMICOS SIMPLES 97


4.1. Recomendações para a Obtenção de Equações Fundamentais 97

4.2. Gases Perfeitos 97

4.3. Gás de van der Waals 102

4.4. Radiação Electromagnética 103

4.5. Elástico de Borracha Linear 105

5. CICLOS TERMODINÂMICOS 107


5.1. Ciclo de Carnot 107

5.2. Teorema de Carnot 110

5.3. Outras Formulações da Segunda Lei da Termodinâmica 117

6. POTENCIAIS TERMODINÂMICOS 121


6.1. Teorema do Mínimo de Energia 121

6.2. Estrutura do Espaço Termodinâmico 122

6.3. Transformação de Legendre 123

6.4. Potenciais Termodinâmicos 127

6.5. Teoremas de Mínimo para os Potenciais Termodinâmicos 134

7. MUDANÇA DE FASE 141


7.1. Dimensionalidade do Espaço de Representação 141
Termodinâmica Macroscópica 5
Índice Geral
________________________________________________________________________________________

7.2. Equação de Clapeyron 150

7.3. Mudança de Fase com a Equação de van der Waals 154

7.4. O Caso da Água 159

7.5. Diagramas Termodinâmicos 162

7.6. Sistemas com Múltiplos Componentes: Regra das Fases de Gibbs 167

8. SISTEMAS ABERTOS SEM DIFUSÃO 171


8.1. Introdução 171

8.2. Balanços de Massa e de Energia para Sistemas Abertos 172

8.3. Regime Estacionário 176

8.4. Aplicações 178

8.5. Balanço de Entropia para Sistemas Abertos 180

9. TERMODINÂMICA DA ATMOSFERA 183


9.1. Extensão do formalismo para o campo gravítico 183

9.2. Sistema Termodinâmico – Ar Seco 185

9.3. Sistema Termodinâmico – Ar Húmido 197

9.4. Tefigrama 203

9.5. Nível de Condensação 205

9.6. Gradiente de Temperatura Adiabático Saturado 207

10. BIBLIOGRAFIA 212

ANEXO - FERRAMENTAS MATEMÁTICAS 215


10.1. Formas Diferenciais 215

10.2. Maximização 219

10.3. Pontos de Equilíbrio e Estabilidade 221


Termodinâmica Macroscópica 6
Índice Geral
________________________________________________________________________________________

11. ÍNDICE REMISSIVO 225


Índice de Figuras
Figura 1 - Sistema isolado, com dois subsistemas. ........................................................... 38
Figura 2 – Compressão de um gás .................................................................................... 40
Figura 3 – Evolução adiabática irreversível de 1ª espécie (exemplo)............................... 42
Figura 4 – Evolução adiabática reversível. ....................................................................... 43
Figura 5 – Expansão de um gás real para o vácuo e recompressão quase-
estática................................................................................................................... 44
Figura 6 – Experiência Fundamental de Joule .................................................................. 45
Figura 7 – Sistemas termodinâmicos separados por uma parede diatérmica,
fixa e impermeável................................................................................................ 66
Figura 8 – Divisão arbitrária de um sistema homogéneo em dois. ................................... 86
Figura 9 – Representação esquemática de uma cavidade electromagnética ................... 104
Figura 10 – Elástico de borracha..................................................................................... 105
Figura 11 – Ciclo de Carnot ............................................................................................ 109
Figura 12 – Equilíbrio de fases. ...................................................................................... 143
Figura 13 – Variação da Energia de Gibbs molar (igual ao potencial
químico) com a temperatura, para pressão e número de moles
constantes (sistema com um componente químico), para diferentes
fases..................................................................................................................... 146
Figura 14 – Exemplo de diagrama de fases. ................................................................... 147
Figura 15 – Comportamento típico de uma isotérmica do fluido de van der
Waals................................................................................................................... 154
Figura 16 – Isotérmica da equação da van der Waals, no plano (v, P). .......................... 156
Figura 17 – Energia de Gibbs molar em função da pressão, para temperatura
constante, para um fluido de van der Waals. ...................................................... 156
Figura 18 – Evolução na mudança de fase, para um fluido de van der Waals................ 157
Figura 19 – Isotérmica com mudança de fase, no plano P – v........................................ 158
Figura 20 – Representação da zona a duas fases no diagrama (P, v).............................. 159
Figura 21 - Fases da água num diagrama P-T................................................................. 160
Figura 22 - Superfície P – V – T para a água (a contracção na passagem de
sólido para líquido não é normal em fluidos simples). ....................................... 161
Figura 23 - Diagrama P,  (temperatura) para a água líquida e o vapor de
água. .................................................................................................................... 162
Termodinâmica Macroscópica 8
Índice de Figuras
________________________________________________________________________________________

Figura 24 - Diagrama (T,s). A área tracejada representa a quantidade de


calor recebida pelo sistema na evolução isobárica de a a d. No
diagrama estão também representadas as linhas de título x constante. ............... 163
Figura 25 - Diagrama T-s. Linha de volume constante (isócora).................................... 165
Figura 26 - Diagrama T-s para a água. Isobáricas (a cheio), isócoras (a
tracejado), isentálpicas (traço-ponto). ................................................................. 166
Figura 27 - Diagrama de Mollier (h, s) para uma substância simples.
Apresentam-se também as linhas de volume constante (note-se que,
neste diagrama, o ponto triplo corresponde a uma área)..................................... 167
Figura 28 – Sistema com um êmbolo adiabático e móvel, (a – b).................................. 173
Figura 29 – Deslocamento para a direita, numa distância dl, do êmbolo no
sistema da Figura 28, passando para a posição a’ – b’. ...................................... 173
Figura 30 – Definição do sistema A, no contexto da Figura 29...................................... 174
Figura 31 – Tubo de secção constante, horizontal, com um escoamento em
regime estacionário. ............................................................................................ 178
Figura 32 – Linha a vermelho: gradiente de temperatura adiabático. Linhass
1, 2 e 3: gradientes de temperatura da atmosfera. ............................................... 193
Figura 33 – Equação de Clausius-Clapeyron (azul). Caracterização da
mistura (linha a vermelho) de duas massas de ar não saturadas
(extremos da linha a vermelho)........................................................................... 200
Prefácio da 1ª Edição

Deep down, most scientists feel insecure about their


background in Thermodynamics. (And most of those who do
not probably should!). But from where does this anxiety
issue? Certainly, the fundamental laws of Thermodynamics
are not that difficult to comprehend.
Ulanowicz (1986)
Embora fundamental numa formação científica, a Termodinâmica é uma
disciplina que habitualmente se remete para um subcapítulo da Física, para a
introdução a outras disciplinas, ou para o conjunto de formulários, tabelas e
diagramas, de que as aplicações correntes precisam.
Existem ainda as Termodinâmicas para Químicos, para Mecânicos, para
Biólogos..., ou ainda as disciplinas científicas especializadas que têm na
Termodinâmica a sua raiz e fundamento.
Salvo raras excepções, a unidade global da Termodinâmica não é
sublinhada, tal como não é explorado o valor pedagógico e metodológico da
sua estrutura conceptual, sobretudo quando se trata da Termodinâmica
Macroscópica.
Esta situação, creio eu, deve-se a alguns equívocos e a erros de perspectiva
consagrados como normalidade pela sua proliferação em manuais
universitários.
Entre os equívocos, encontra-se o próprio nome de Termodinâmica. Na
esmagadora maioria dos casos, os textos de Termodinâmica tratam de
TERMOESTÁTICA, ou seja, de situações que a nível macroscópico são de
equilíbrio estático e a nível microscópico são de equilíbrio dinâmico.
Sendo um equívoco histórico, fruto da confusão entre desejos e realidades, a
Termodinâmica que não é Termoestática passou a chamar-se
Termodinâmica de Não Equilíbrio ou Termodinâmica dos Processos
Irreversíveis.
De mais profundas consequências, pelas falsas perspectivas que origina, é a
generalizada meia-verdade de que nas equações de Boltzman da Mecânica
Estatística se encontra toda a fundamentação da Termodinâmica
Macroscópica.
Esta questão ultrapassou, largamente, o estrito âmbito em que inicialmente
se formulou e procurava conciliar a evidência experimental da
Termodinâmica Macroscópica com uma visão cultural do mundo em que
Termodinâmica Macroscópica 10
Prefácio da 1ª Edição
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dominava o determinismo newtoniano e a cosmologia de Laplace1. De certo


modo, era uma visão do mundo decorrente da sua descrição por equações
lineares ou que poderiam linearizar-se para que a sua solução fosse redutível
aos métodos matemáticos conhecidos.
A descoberta recente do «caos determinístico», consequência directa da
capacidade de tratar numericamente situações descritas por equações
diferenciais (ou em derivadas parciais) não lineares, bem como a
possibilidade de auto-organização em sistemas dissipativos muito afastados
do equilíbrio veio pôr novamente em relevo a importância conceptual da
perspectiva macroscópica e o renovado interesse pelo paradigma que sob
esse aspecto a Termodinâmica Macroscópica constitui2.
Os grandes afastamentos do equilíbrio, em que nascem os fenómenos
conhecidos de auto-organização dissipativos, são de natureza macroscópica
e podem descrever-se no âmbito da Termodinâmica Macroscópica dos
Processos Irreversíveis, ela própria resultante duma extensão quase trivial da
Termodinâmica Clássica, a que chamamos Termoestática.
Extensão quase trivial, porque ela decorre da redução da escala espacial e
temporal em que na Termoestática se mede o equilíbrio. Trata-se, em rigor,
de admitir que a Termoestática permanece válida ao nível do volume
infinitesimal (princípio do estado local) e de extrair desse axioma todas as
consequências matemáticas que nele se contêm. Esta é, aliás, a hipótese
fundamental subjacente a toda a Mecânica dos Meios Contínuos, quer ela se
formule como decorrente de axiomas matemáticos abstractos, quer se
motive por considerações de ordem física.
Esta unidade, formal e conceptual, de tratamento da Mecânica e da
Termodinâmica dos Meios Contínuos não encontra expressão corrente nos
manuais universitários e a estrutura curricular dos nossos cursos de
engenharia também não a favorece ao separar a Mecânica dos Sólidos, a
Mecânica dos Fluidos, a Hidráulica, a Transmissão (ou Transferência...) de
Calor e Massa, os Fenómenos de Transporte, etc., do que resultam

1
A Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade vieram profundamente alterar esta visão cultural do
Universo e o modo de encarar a Termodinâmica Estatística. Todavia, permanecem válidas as
observações aqui feitas.
2
O caos determinístico é essencialmente macroscópico e a sua descoberta não se limitou a fazer
reviver o interesse pela Termodinâmica macroscópica mas sim por muitos fenómenos e
observações correntes de que a Física se desinteressara, como é, por exemplo, o caso do pêndulo
que tinha ficado «congelado» nas situações redutíveis a soluções matemáticas conhecidas.
Termodinâmica Macroscópica 11
Prefácio da 1ª Edição
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consequências significativas no relacionamento interdisciplinar e na


investigação mais avançada3.
Recordada a importância intrínseca da Termodinâmica Macroscópica e a
impossibilidade, face ao estado actual do conhecimento, de a reduzir à
Física Microscópica, não deve, todavia, minimizar-se a importância (e
imprescindibilidade) da sua complementaridade4. Não é essa, porém, a
questão que aqui se põe, mas sim a de identificar e ultrapassar as causas que
subalternizaram a Termodinâmica Macroscópica no âmbito das ciências
básicas. Essas causas têm muito a ver com o modo como a Termodinâmica
é habitualmente formulada e apresentada, a que não é estranho o carácter
atribulado de que se revestiu a sua evolução5.
O nascimento da Termodinâmica como ciência está intimamente associada a
Clausius que introduziu o conceito de entropia (1850), mas a fonte
motivadora foram os trabalhos de Carnot6, que revelaram a possibilidade de
estabelecer um limite intransponível para o rendimento de qualquer máquina
térmica, independentemente da sua natureza ou do fluído utilizado para
obter a conversão do calor em trabalho. Este rendimento só dependia das
temperaturas extremas.

3
A esta situação não é certamente estranho o facto de a teoria matemática da Mecânica dos Meios
Contínuos ter sido formulada utilizando apenas os princípios da Mecânica de Newton e uma
relação fenomenológica (relação constituitiva) entre as forças e as deformações (tipicamente linear)
baseada na observação experimental. A lei de Hooke para a Elasticidade, ou uma relação empírica
ligando a pressão e a massa específica foram suficientes para criar a teoria matemática da
elasticidade ou para Euler fundar a Mecânica dos Fluidos Perfeitos, sem necessidade de invocar
qualquer modelo microscópico.
Significativamente, na Lei de Fourier, para a Condução do Calor (1822) está implícita a teoria do
calórico e uma difusa interpretação dos fluxos de calor e dos calores específicos. A Termodinâmica
Macroscópica, que daria a visão unitária ao conjunto e fundamentaria o tratamento quando existe
dissipação, ainda não tinha surgido. Sob este aspecto, refira-se que os trabalhos de Carnot são de
1824 e a publicação fundamental de Clausius, considerada o início da Termodinâmica, é de 1850.
4
Toda a argumentação anterior se sintetiza na observação de que o microscópico e o macroscópico
são apenas níveis diferentes de abordagem da mesma realidade, ambos fundamentais para uma
compreensão do mundo real onde habitamos. Este facto tende porem a ser esquecido, tanto pelos
físicos (que privilegiam o microscópico), como pelos engenheiros, que assumem a atitude oposta e
tendem a reduzir a Termodinâmica Macroscópica a regras operacionais ou ciclos térmicos, sem se
aperceber das potencialidades unificadoras que ela contém e lhes evitaria alguns paradoxos.
5
Ver Truesdell (1980). Truesdell preocupa-se, sobretudo, com aspectos matemáticos da formulação,
apresentando uma exaustiva bibliografia de trabalhos relevantes desde 1779 a 1979.
6
A publicação fundamental de Sadi Carnot, “ Réflexions sur la Puissance Motrice du Feu et sur les
Machines Propres à développer cette Puissance”, Paris, Bachelier, 1824, foi integralmente
republicada quase 50 anos depois, com as suas notas manuscritas entre 1824 e 1832 nos Annales
Scientifiques de l´École Normale Superieur (1872).
Termodinâmica Macroscópica 12
Prefácio da 1ª Edição
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É importante situar no seu contexto histórico esta evolução e sobretudo


sublinhar o papel determinante que teve o aparecimento da máquina a vapor.
A primeira, da autoria de Savery foi demonstrada em 1698, muito embora se
devam a Newcomen as formas construtivas que estiveram na origem dos
desenvolvimentos posteriores de Watt.
Contrariamente às descobertas fundamentais que tinham feito da Física uma
paradigma da Ciência, a máquina a vapor não nasceu num laboratório mas
na realidade externa que a revolução industrial criara e para cujo
desenvolvimento era crucial uma nova forma de energia, pois as únicas
formas de energia aproveitáveis até aí eram o vento e as quedas de água, em
instalações que raramente ultrapassavam os 10 kW de potência máxima.
O que a máquina a vapor vinha por em evidência era a possibilidade de
conversão da energia do fogo em energia mecânica, facto esse que para os
cientistas da época trazia um desafio comparável ao que posteriormente
trouxe, por exemplo, a descoberta da radioactividade.
A teoria da máquina a vapor não era dedutível de concepções microscópicas
e as reflexões de Carnot trouxeram, como contributo essencial, o conceito
de ciclo. O mérito fundamental do conceito de ciclo é abstrair do que se
passa a nível microscópico, pois sejam quais forem as transformações
sofridas o objecto em estudo (o sistema) regressa ao ponto de partida, ou
seja, à situação em que estava antes de ter sofrido qualquer transformação.
Nas reflexões de Carnot está implícito o conceito de calórico como um
fluido imaterial, conservado e indestrutível, que produz trabalho ao descer
de nível térmico, em total analogia com o que se passa com a água numa
roda hidráulica. Sabemos hoje que não é o calórico mas a entropia que pode
usar-se nesta analogia7, mas na altura, nem o princípio da conservação da
energia tinha sido estabelecido como um pilar fundamental, nem o conceito
de entropia tinha surgido como elo imprescindível na ligação do
microscópico ao macroscópico.
Quando existem fenómenos térmicos, a dialéctica microscópico-
macroscópico8 foi e é de tal modo importante, que a tendência foi, e ainda é,

7
A analogia fracassava quando o calórico passava de uma temperatura mais elevada para uma mais
baixa como sucede por exemplo na condução do calor em sólidos.
8
O sistema fechado continua sendo o domínio privilegiado da Física fundamental e é para ele que a
Mecânica Quântica e os modelos microscópicos se formulam, dadas as simplificações formais que
tal permite e a forma “natural” como se postula e se realiza o equilíbrio macroscópico em tal
situação. Mas o mundo real, onde os seres vivos existem e as máquinas funcionam, são quase
sempre sistemas abertos. Trata-se, novamente, de níveis diferentes mas complementares de
abordagem, que ao não serem tidos adequadamente em conta apenas contribuem para a visão
estreita e compartimentada do mundo que permeia todo o nosso ensino.
Termodinâmica Macroscópica 13
Prefácio da 1ª Edição
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para reduzir a Termodinâmica aos sistemas fechados, deixando


habitualmente para os textos das aplicações à engenharia o tratamento dos
sistemas abertos, nos quais a ênfase é na conservação da energia,
secundarizando ou omitindo mesmo as lacunas conceptuais e lógicas que
podem existir nessa extensão.
A existência da vida é incompatível com a hipótese do sistema fechado e
esse facto deu origem à convicção generalizada, até meados deste século, de
que a Termodinâmica se não aplicaria aos fenómenos da vida, o que é falso.
Aliás, está intimamente associado à ultrapassagem deste erro de perspectiva
o aparecimento da primeira teoria científica dos Ecossistemas, devida a R.
Lindemann (Lindemann, 1942), depois aprofundada e difundida por Odum
(1953).
A evolução histórica que deu origem à Termodinâmica justifica,
naturalmente, o modo sinuoso como se desenvolveu. O passo decisivo
inicial foi o conceito de entropia e o enunciado do segundo princípio para
sistemas isolados. Mas este enunciado, feito por Clausius (1850), antecede a
aceitação generalizada do princípio da conservação da energia que se seguiu
aos trabalhos fundamentais de Joule (1850).
Se os trabalhos de Joule foram muito importantes, o aspecto crucial não
foram os seus novos dados experimentais mas o novo paradigma
interpretativo que os seus trabalhos provocaram, ou seja, o princípio da
conservação da energia.
O enunciado do princípio da conservação da energia implicou, como é
óbvio, a elaboração prévia do conceito de energia e a identificação do calor
como uma dessas formas de energia. Por isso o princípio da conservação da
energia se identifica com a Primeira Lei da Termodinâmica.
O aparecimento e evolução de uma teoria física nunca é linear, sem círculos
viciosos e algumas tautologias. A Termodinâmica é disso um exemplo que
perdura nos livros de texto correntes que directamente se inspiram de alguns
clássicos famosos, atraiçoando algumas vezes as restrições e considerandos
que permeiam os seus textos9.
Nesta corrente, ainda largamente dominante, o ciclo de Carnot tem um papel
central bem como a teoria dos pfafianos, ou das diferenciais não exactas.
Pretendendo ser intuitivas, as demonstrações são artificiosas e sobretudo a
origem de dificuldades formais e conceptuais logo que nos aproximamos do
mundo macroscópico e real em que se passam os fenómenos macroscópicos
directamente observáveis.

9
É esclarecedor ler Planck e os prefácios das suas várias edições. A 1ªedição é de 1897 e a 7ª de
1922.
Termodinâmica Macroscópica 14
Prefácio da 1ª Edição
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Ora, se tal tipo de formulação foi inteiramente justificada (e possivelmente


sem alternativa) antes de o princípio da conservação da energia se ter
transformado no pilar fundamental da Física moderna, é difícil entender que
se continue a proceder como se tal princípio fosse demonstrável com base
na argumentação aduzida ou nas experiências históricas que inspiraram a
sua formulação.
Se a perspectiva histórica é pedagogicamente importante numa introdução à
Termodinâmica, a redução da Termodinâmica a essa perspectiva é
dramaticamente empobrecedora da sua capacidade para integrar uma vasta
área do conhecimento científico e cultural do presente.
A finalidade destas notas é sublinhar que a aceitação do princípio da
conservação da energia como pilar fundamental e já adquirido, permite
reduzir a Segunda Lei da Termodinâmica à formalização, quase trivial, da
evidência mais palpável da nossa existência, que é o escoar do tempo em
sentido único ou a existência, intransponível, da «dissipação» da «energia».
Essa formalização é bem mais acessível e natural do que a tortuosa
descoberta da entropia como o factor integrante de uma diferencial inexacta
que emerge depois de laboriosos exercícios mentais em torno de ciclos
motores irrealisáveis. Dir-se-ia que o conceito de irreversibilidade, que é o
facto mais constante e permanente da nossa existência humana, só poderia
ser acessível a quem fosse capaz de reduzir o que observa a imaginários
ciclos de Carnot. Como esse dom é privilégio de poucos, a maioria reduz a
Termodinâmica a conceitos esotéricos e regras empíricas para ultrapassar
exames, uns e outros destinados ao limbo do esquecimento acelerado, como
ganga inútil.
Ora, o próprio termo “dissipação”, que o uso corrente consagrou, põe em
evidência que algo desapareceu.10
O que desapareceu, ou se dissipou, foram as formas de energia que a Física
Perfeita descobriu e estão no cerne da visão do mundo que a Física nos
trouxe e o reduz a partículas cada vez mais elementares.11

10
Planck adopta o princípio da conservação da energia como um facto “testado por séculos de
experiência humana e repetidamente verificado de que o movimento perpétuo é impossível, sejam
quais forem os meios utilizados, mecânicos, térmicos, químicos ou outros”, mas discorda da
interpretação da segunda lei como uma dissipação de energia, invocando o exemplo da
irreversibilidade associada à difusão de gases perfeitos ou à diluição adicional de uma solução já
diluída, na medida em que nesses fenómenos não existe nenhuma perceptível transferência de
calor, de trabalho externo ou de transformação de energia. Esta observação é imediatamente
contestável atendendo a que a diferença de potencial químico existente antes da mistura poderia ter
sido utilizada na produção de trabalho, como imediatamente decorre da formulação de Gibbs e o
próprio Planck teria certamente notado se não tivesse construído a sua Termodinâmica, como quase
todos os clássicos, a partir das equações de estado de um gás perfeito.
Termodinâmica Macroscópica 15
Prefácio da 1ª Edição
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As formas de energia da Física Perfeita são «personalizadas e


aristocráticas», convertíveis integralmente entre si, e directamente
mensuráveis, macroscopicamente.
Para elas, o tempo pode fluir por igual em ambos os sentidos e a eternidade
é o seu universo natural.
Nesse mundo perfeito, a degradação não existe. A degradação é o preço da
realidade no mundo real e macroscópica em que existimos.
Nesse mundo, as formas macroscópicas de energia «personalizadas e
aristocráticas», degradam-se no anonimato microscópico da agitação
térmica, sem possibilidade de recuperação integral, porque tal recuperação
exigiria outra perfeição inatingível que seria a existência de uma fonte
infinita a zero Kelvin.
Conciliar a conservação da energia total com a degradação macroscópica
das formas «personalizadas e aristocráticas» de energia, levou directamente
à concepção da existência de tais formas ao nível microscópico.
O mesmo conceito de perfeição e eternidade persiste assim, e a imperfeição
que constatamos ao nível macroscópico passou a ser o resultado de apenas
nos ser perceptível o colectivo!
O texto que se segue, destina-se a alunos que já tiveram uma primeira
abordagem da Termodinâmica num curso Geral de Física e assimilaram já
os conceitos fundamentais da Álgebra e da Análise Matemática.
Numa forma próxima da actual, foi objecto das minhas aulas teóricas de
Termodinâmica I para o curso de Engenharia Mecânica quando voltei a
reger esta disciplina em 1990/91 e 1991/92.
A sua origem encontra-se na minha actividade de assistente do Prof. Gouvêa
Portela quando em 1960/61 iniciou a regência de Termodinâmica para
Engenharia Mecânica.
A minha preocupação de unidade formal e de coerência com a Mecânica e a
Termodinâmica dos Meios Contínuos, com particular relevância para a
Transmissão de Calor e Massa e a Mecânica dos Fluidos remonta à minha
Tese de Concurso para Catedrático publicada em 1965.
Os desenvolvimentos posteriores no âmbito da Termodinâmica dos
Processos Irreversíveis, a vulgarização do caos determinístico e da auto-
organização em processos dissipativos, bem como o estímulo cultural que a
cosmologia moderna, o ambiente e a economia actualmente suscitam,

11
Note-se como a justificação de Planck para o primeiro princípio exclui, implicitamente, todos os
modelos microscópicos como sendo deste mundo, pois eles traduzem, todos, um conceito de
movimento perpétuo.
Termodinâmica Macroscópica 16
Prefácio da 1ª Edição
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levaram-me a pensar que teria interesse reintroduzir este modo de encarar a


Termodinâmica num âmbito mais alargado.
Valorizando a estrutura conceptual sobre as aplicações imediatas, perde-se
em utilitarismo mas ganha-se em amplitude. Se o tempo o propiciar, as
aplicações surgirão para demonstrar que a melhor prática é sempre a que se
inspira numa sólida teoria12. E em Física, uma sólida teoria é sempre a que
resiste a uma formulação matemática rigorosa e sem artifícios dedutivos.
Pessoalmente, sempre entendi a Termodinâmica Macroscópica como uma
modelo de simplicidade formal e dedutiva.
Pedagogicamente, o seu valor formativo decorre disso mesmo, ou seja, da
capacidade de construir algumas certezas a partir de um conjunto reduzido
de factos evidentes e de alguns conceitos e definições suficientemente
assimilados para nunca mais serem esquecidos.
Como nota final, devo novamente sublinhar que esta ênfase na
Termodinâmica Macroscópica não só não visa minimizar a Termodinâmica
Estatística como constitui a base lógica para a sua introdução e
desenvolvimento a partir dos conceitos fundamentais da Mecânica Quântica.
A perspectiva microscópica da entropia aparece então, com toda a clareza,
associada ao processo de inferência Bayesiana e à Teoria da Informação de
Shannon. Alias, foi esse o ponto de vista adoptado quando assumi a
regência da disciplina em 1966, motivado pela preocupação de introduzir o
conceito de entropia de modo não axiomático, como sucedia no curso do
Prof. Gouvêa Portela, directamente inspirado da formulação de Tisza-
Callen. Aquele modo de apresentar a Termodinâmica, na sequência de
alguns trabalhos notáveis de Jaynes, encontra-se exemplarmente tratado por
Tribus13, que era adoptado como um dos livros de texto fundamentais.

JJDD
1995

12
O texto “Prática de Termodinâmica”, reeditado pela AEIST em 1991, responde parcialmente às
necessidades de ilustração da teoria e exemplifica a utilização nos casos habituais da engenharia. A
sua profunda revisão aguarda, porém, melhor oportunidade.
13
Tribus (1961).
Prefácio da 2ª Edição
A primeira edição desta Termodinâmica foi proposta à IST Press para
publicação em 1995 e submetida ao processo de revisão habitual nesta
editora. O parecer elaborado pelo revisor, invulgarmente cuidadoso,
minucioso e extenso, concluía pela qualidade e originalidade da obra e
recomendava a publicação, desde que corrigidas algumas questões. O
contributo deste revisor, que para nós continua anónimo e a quem
sinceramente agradecemos, foi muito estimulante e suscitou a decisão de
não só atender às sugestões como ainda a de aprofundar e clarificar outros
aspectos aconselhados pela experiência da sua utilização pelos estudantes.
Quando o parecer do revisor foi recebido, em 1998, o autor da 1ª edição,
embora responsável, não estava já directamente envolvido na regência da
disciplina de Termodinâmica I para a Licenciatura em Engenharia Mecânica
no IST, e assumira entretanto a responsabilidade pela disciplina de
Termodinâmica na Licenciatura em Engenharia do Ambiente. Este facto
veio sublinhar a importância da reflexão já expressa no prefácio da primeira
edição do livro acerca da unidade global da Termodinâmica Macroscópica e
do valor pedagógico e metodológico da sua estrutura conceptual e dedutiva,
facilmente perdida quando reduzida às aplicações (expeditas) das várias
engenharias. De facto, para além da fundamentação rigorosa das equações
fundamentais dos meios contínuos, em particular da Mecânica dos Fluidos e
da Transmissão de Calor iniciada há muitos anos (ver, por exemplo,
Domingos, 1964, 1966) havia a extensão aos organismos vivos (Sousa et al.,
2006) e à Economia (Sousa e Domingos, 2006), que o formalismo
matemático e/ou o conteúdo físico permitiam unificar sob múltiplos
aspectos, como tem vindo a ser demonstrado pelo Prof. Tiago M. D.
Domingos e sua equipa.
Posteriormente, foi confiada ao Prof. Tiago M. D. Domingos a regência da
disciplina de Termodinâmica para a Licenciatura em Engenharia do
Ambiente, tendo utilizado e testado o texto revisto que ora se apresenta, e a
que foi naturalmente associado como segundo autor.
Em verdade, tudo o que nesta segunda edição difere da primeira é da autoria
do Prof. Tiago M. D. Domingos (o que justifica também que ele surja agora
como um dos autores do texto), o qual, além de ter considerado as sugestões
e corrigido as gralhas assinaladas pelo revisor, incorporou a experiência
adquirida com a utilização do texto pelos alunos. Para além destas evidentes
melhorias, são sobretudo relevantes os contributos de natureza científica que
trouxe a esta edição, e de entre os quais se destacam:
Termodinâmica Macroscópica 18
Prefácio da 2ª Edição
________________________________________________________________________________________

1) Aprofundamento da distinção entre os conceitos de energia interna e de


calor que estão na origem de contradições e incoerências em muitos
livros de texto, sobretudo quando existe transferência de massa.
2) Reformulação da apresentação feita por H. B. Callen, no seu consagrado
livro Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics, do
formalismo de Tisza. Como se mostra nesta edição, as componentes do
formalismo de Tisza que não foram considerados por Callen são
essenciais para a coerência do conjunto.
3) Introdução do formalismo das formas diferenciais, eliminando a
necessidade de utilizar o método dos jacobianos e substituindo o método
das áreas para a manipulação das derivadas parciais.
4) Utilização sistemática do formalismo das formas diferenciais ao longo
de todo o curso:
a) Dedução das expressões para as variáveis intensivas nas formas
diferenciais da equação fundamental.
b) Dedução dos princípios de extremo para a energia interna e para os
potenciais termodinâmicos.
c) Obtenção das relações de Maxwell.
d) Introdução de um algoritmo para a redução de derivadas parciais a
coeficientes termodinâmicos.
5) Distinção clara entre princípios de extremo, que se aplicam só a sistemas
compostos, e características de convexidade e concavidade das equações
fundamentais nas diferentes representações, que se aplicam a sistemas
simples.
Posteriormente a estes desenvolvimentos no texto, associou-se à equipa de
autores a Prof.ª Tânia Costa e Sousa, de cuja autoria é o capítulo sobre
Termodinâmica da Atmosfera, tendo também contribuído com uma revisão
geral do texto.
Tal como se refere no título, trata-se de um livro sobre Princípios e
Conceitos de Termodinâmica Macroscópica. Acrescente-se que se destina
sobretudo a estudantes universitários de Engenharia e de Física. As
aplicações da Termodinâmica Macroscópica a áreas especializadas de
engenharia decorrem dedutivamente e com toda a naturalidade deste tronco
comum.

JJDD
2010
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer ao revisor deste livro, cuja revisão extremamente
cuidadosa o permitiu melhorar substancialmente.
Gostaríamos também de agradecer aos alunos cujos comentários durante as
aulas de Termodinâmica da Licenciatura em Engenharia do Ambiente do
Instituto Superior Técnico enriqueceram diversos pontos do texto, em
particular o Nuno Cegonho, o Tiago Veiga e o Pedro Antunes.
Gostaríamos em particular de agradecer à aluna Alexandra Nogal, cujo
estudo extremamente cuidadoso deste texto permitiu detectar e eliminar um
elevado número de gralhas.
1. Física Perfeita e Termodinâmica
Macroscópica

Theoretical Physics is the science of


successful approximations
Stauffer e Stanley (1991)

1.1. Física Perfeita: Reversibilidade


Designamos por Física Perfeita a Física onde não existe atrito nem
dissipação e em que a expressão matemática das suas leis é invariante para
as transformações de t em (- t), sendo t a variável tempo. Em termos
formais diremos que são simétricas para inversões no tempo.
As leis de Newton, bem como as equações de Maxwell para o
electromagnetismo e as equações da mecânica quântica gozam da mesma
propriedade.
A simetria para as inversões no tempo significa que todos os fenómenos
descritos por essas equações são reversíveis no tempo. Num universo
descrito, totalmente, por equações com simetria no tempo, é impossível
para um observador distinguir se os fenómenos que observa se desenrolam
a caminho do futuro ou a caminho do passado.
Nesse Universo, os conceitos de passado e de futuro (que estão ligados ao
fluir do tempo num único sentido) não se distinguiriam dos de espaço.
Passado e Futuro seriam um pouco como os equivalentes de Norte e Sul ou
Este e Oeste. Neste espaço-tempo, todos os pontos seriam igualmente
acessíveis, podendo caminhar-se no tempo, como se caminha no espaço,
em qualquer sentido.
O conceito de causalidade está intimamente ligado ao sentido único do
fluir do tempo. De facto, quando afirmamos que a causa A provocou o
efeito B, está implícito que A antecedeu B. Esta clarificação do conceito
de causalidade, permite esclarecer melhor o conceito de determinismo em
Física e mostrar que o determinismo não implica a causalidade.
Por exemplo, o movimento da Terra e dos planetas à volta do Sol é
determinístico no sentido em que as equações da mecânica nos permitem
prever, com todo o rigor, as suas posições relativas em qualquer instante
desde que ela seja conhecida num instante dado. Essa previsão, tanto pode
fazer-se em relação ao passado como em relação ao futuro. O movimento é
Termodinâmica Macroscópica 22
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

determinístico. Todavia, não existe relação de causalidade no sentido


referido porque não podemos afirmar (no âmbito das mesmas leis da
mecânica que estabelecem o determinismo das posições relativas) que a
causa do movimento de um dos planetas foi o sol, ou outro planeta, etc.,
uma vez que a inversa também seria igualmente aceitável.
As simples considerações anteriores mostram como é importante e
fundamental a existência de uma variável tempo que flui num só sentido e
as implicações filosóficas e metafísicas que teria a sua reversibilidade.
Mesmo nos inúmeros filmes e romances de ficção científica em que a
“máquina do tempo” permite saltos para o passado ou para o futuro, nunca
se vai além de translações descontínuas na origem da coordenada tempo.
Salta-se para o futuro ou o passado, mas logo que se “aterra” o tempo
retoma o seu fluir em sentido único para que as relações de causalidade
que formam a trama do enredo sejam inteligíveis. Isto é, na ficção podem-
se fazer “aterrar” os heróis de hoje com as espingardas de hoje no tempo
do Império Romano. Todavia, as balas que essas espingardas disparam vão
da espingarda para o inimigo e não do corpo do inimigo para dentro da
espingarda.
Se, no mundo real, o tempo flui em sentido único, a questão que
imediatamente se põe é se o tempo teve uma origem absoluta. Isto é, se
existe no passado algo que corresponda à origem do tempo, ao seu
nascimento. Esse seria também o nascimento do próprio Universo. Esta
questão é hoje uma questão central activamente discutida em cosmologia e
em astrofísica. A tendência actual é a de pensar que houve essa origem e
de, inclusivamente, a quantificar relativamente ao presente, utilizando para
tal as equações e teorias fundamentais da física moderna, nomeadamente a
relatividade geral e a mecânica quântica.
Todavia, e por mais surpreendente que pareça, a Física Moderna, tal como
a conhecemos, é essencialmente uma Física Perfeita e os modelos
microscópicos da matéria que actualmente possuímos baseiam-se
inteiramente no pressuposto de simetria temporal das equações e da
inerente reversibilidade temporal que tal simetria implica. Isto é, nessa
Física Perfeita, a flecha do tempo (como lhe chamou Eddington) não tem
um sentido único.
O mundo real que macroscopicamente observamos não se comporta de
acordo com a Física Perfeita. Todavia, e em muitos casos, as previsões
que ela permite fazer possuem um extraordinário rigor experimental de
que é exemplo marcante e fundamental a previsão do movimento dos
planetas e seus satélites em torno do Sol. O carácter quase divino que a
previsão do movimento dos astros representou foi um factor decisivo na
evolução do pensamento moderno e na generalização dos modelos de
Termodinâmica Macroscópica 23
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

raciocínio determinista aos mais variados domínios da actividade humana,


nomeadamente à economia.

1.2. Termodinâmica Macroscópica:


Irreversibilidade
No mundo real, macroscopicamente observável, não existe reversibilidade
no tempo. Nas equações da mecânica e nas outras equações fundamentais
da Física Perfeita introduziram-se por isso termos correctivos, para que as
previsões dadas pelas equações se ajustem à realidade observável.
Se for a queda de um papel na atmosfera, introduz-se a resistência do ar.
No movimento de um pêndulo, será o atrito no fulcro, a resistência do ar,
etc. Estes termos quebram a simetria temporal das equações.
Um pêndulo posto em movimento e entregue a si próprio acabará por
parar, mesmo se suspenso no interior de um recipiente onde se fez o
vácuo. Uma onda electromagnética que transmite um sinal de rádio
atenua-se à medida que se propaga.
Com a quebra da simetria, desaparece a conservação da energia nas formas
contempladas pela Física Perfeita. O atrito mecânico faz desaparecer
energia mecânica, isto é, dissipa energia mecânica, tal como uma
resistência eléctrica faz desaparecer energia eléctrica, isto é, dissipa
energia eléctrica, etc.
Seja qual for a forma macroscópica de energia considerada na Física
Perfeita (mecânica, electromagnética, química, etc.), existe sempre
uma dissipação, que se associa ao equivalente a um atrito. Quando
falamos de dissipação de energia, está sempre implícito que essa
dissipação se refere a uma das formas de energia contempladas na
Física Perfeita.
Atrito (em sentido mecânico restrito ou em sentido generalizado),
dissipação de energia, irreversibilidade, quebra de simetria temporal, estão
sempre associados, pois têm como raiz comum a “imperfeição” do mundo
onde existimos.
A dicotomia aqui introduzida e realçada entre o que designamos por Física
Perfeita e o que chamamos Termodinâmica Macroscópica, destina-se a
acentuar a importância que tal dicotomia tem para a compreensão e
assimilação da estrutura conceptual da Termodinâmica Macroscópica, a
qual pressupõe a prévia familiarização com os conceitos e métodos da
Física Perfeita.
Termodinâmica Macroscópica 24
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

À Termodinâmica Macroscópica compete integrar as “imperfeições” em


que radica o fluir do tempo em sentido único e negam ao Homem a
intemporalidade divina da eternidade.
Podemos assim dizer que:

Termodinâmica Macroscópica = Física Perfeita + Imperfeições

1.3. Termodinâmica Macroscópica e Física


Estatística: Reversibilidade Microscópica e
Irreversibilidade Macroscópica
Como ponto de partida da Física Teórica tivemos a Mecânica de Newton
que nasceu e ganhou validade universal com a capacidade de previsão do
movimento dos astros. Tratar os astros como pontos materiais que se
movem sem atrito é uma aproximação praticamente perfeita quando se
trata de prever as suas trajectórias e movimentos relativos. Neste
movimento há conservação de energia e estamos no domínio por
excelência da Física Perfeita.14 É ao mesmo tipo de idealização que se
recorre quando se começa a abordar a constituição da matéria ao nível
microscópico. É assim como se a “perfeição” existisse nos extremos do
muito grande e do muito pequeno, mas não existisse à nossa escala do
observável.
Note-se porém uma diferença fundamental entre os dois extremos no que à
observação e validação experimental da teoria se refere. No caso dos
astros, as nossas observações e medidas não afectam praticamente o
resultado da observação, enquanto que ao nível microscópico a observação
interfere directamente e de modo significativo com o observado e nunca
pode assumir por esse facto um carácter absoluto. O princípio da incerteza
de Heisenberg foi o primeiro reconhecimento formal desta incapacidade
intrínseca do ser humano em poder vir a conhecer na sua totalidade a
constituição íntima da matéria. Esta constatação tem implicações de
natureza filosófica e cultural para os que buscam uma explicação do
universo em torno de princípios ou axiomas cada vez mais universais.
As observações anteriores, ditadas pelo desenvolvimento recente da Física
Microscópica, em nada alteram a natureza puramente macroscópica de

14
Em rigor, as interacções Sol-Lua que provocam as marés dão origem a uma dissipação de energia
(nos oceanos) que se reflectem na redução do período de rotação da Terra. Todavia, o valor
estimado para esta redução do período é tão pequeno (1-2 milisegundos por século) que pode de
facto desprezar-se.
Termodinâmica Macroscópica 25
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

conceitos como os de calor e temperatura, os quais têm necessariamente de


entender-se (quando se busca a sua interpretação ao nível microscópico)
como o resultado da interacção mútua de um número muito grande de
agregados elementares para que a observação macroscópica dessas
interacções tenha o sentido de uma média estável (e repetitiva) na escala
de tempo adequada. A forma de que se reveste a energia ao nível
microscópico, ou de que forma interaccionam os agregados ou partículas
elementares, é irrelevante para a Termodinâmica Macroscópica.
Fica no entanto de pé uma questão recorrente e que é a da coerência da
transição microscópico-macroscópico e que é:
Como é que uma concepção microscópica da matéria assente
na Física Perfeita e no seu determinismo (mesmo tendo em
conta o princípio da incerteza de Heisenberg e outras
aquisições mais recentes como o caos determinístico), em que
não existe flecha do tempo, é susceptível de explicar um facto
tão fundamental e intransponível como é o fluir do tempo em
sentido único, facto a que a própria irreversibilidade de todos
os fenómenos naturais dá conteúdo e sentido?
É habitual afirmar-se que a resposta a esta questão se encontra na Física
Estatística iniciada por Boltzman, o que não é verdade em sentido lato. A
verdade (tornada evidente pelo estudo teórico e experimental dos sistemas
termodinâmicos muito afastados do equilíbrio) é que continua a não existir
uma resposta satisfatória e convincente para essa questão central, não só da
Física Moderna como do pensamento filosófico contemporâneo.
Esta perspectiva, necessariamente sumária, deve ter-se em conta ao
abordar a posição e o papel da Termodinâmica Macroscópica no âmbito da
Física e do pensamento filosófico contemporâneos. Espera-se evitar assim
a fácil tentação de pensar que existe já toda uma teoria consistente e
completa levando sem contradições nem falhas das partículas elementares
aos observáveis macroscópicos e à cosmologia. Quando tal teoria existir, a
Termodinâmica Macroscópica continuará a ser o elo fundamental que dá
ao fluir do tempo o sentido radical e inultrapassável que os humanos lhe
conhecem.
O modo como surgiram e evoluíram os conceitos que deram origem à
Termodinâmica é importante para situar na perspectiva adequada muitas
das contradições e inconsistências que ainda permeiam muitos dos textos e
cursos de física. Nestes, a sedução pela elegância formal da física perfeita
contrasta com os raciocínios obscuros, tortuosos e muitas vezes artificiais
com que a Termodinâmica é apresentada. Esta dicotomia remonta ao
século XIX.
Termodinâmica Macroscópica 26
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Velha como o fogo, a Termodinâmica é por vezes acusada de ser o único


ramo da física que nasceu com os engenheiros e de ter sido construída por
Carnot para explicar factos observáveis (e economicamente importantes da
máquina a vapor) contrariamente ao electromagnetismo, por exemplo, em
que as equações de Maxwell anteciparam a existência de fenómenos só
posteriormente observados, ou das equações de Newton que permitiram
prever a existência de satélites desconhecidos em planetas há muito
observados.
A verdade porém é que a Termodinâmica Macroscópica teve um papel
central no desenvolvimento da Física Moderna e surgiu como corpo de
doutrina e método de análise tornado exemplar na medida em que,
dispondo de um conjunto restrito e imperfeito de observações, conseguiu,
por pura dedução lógica a partir de conceitos fundamentais, estabelecer
relações de validade universal e incontroversa sem recurso a qualquer
modelo microscópico da constituição da matéria.
Surgida numa época de crise e de descrença nos modelos microscópicos da
matéria, a força e generalidade da Termodinâmica Macroscópica como
doutrina científica e estrutura conceptual provém do facto de ser
independente de qualquer pré-conceito ou modelo do que se passa quanto
à estrutura íntima da matéria.
É certo que esta generalidade e independência lhe confina o âmbito da
aplicabilidade imediata a situações concretas. Por exemplo, a relação entre
os calores específicos de qualquer substância é do seu âmbito, mas o valor
concreto assumido pelo calor específico de uma substância particular não
lhe é acessível pelo cálculo directo a partir dos seus princípios
fundamentais. Tal valor concreto terá de ser obtido experimentalmente ou,
eventualmente, por cálculo a partir de modelos e hipóteses quanto à
estrutura íntima da matéria que constitui tal substância particular.
A Física Estatística, que estuda os observáveis macroscópicos que
resultam do comportamento colectivo de agregados de muitas partículas
microscópicas, pode permitir o cálculo directo de muitas propriedades
termodinâmicas de substâncias particulares sem ter que recorrer à
experimentação.
A Física Estatística complementa assim a Termodinâmica Macroscópica.
Mas complementar não é substituir. Contrariamente ao que se afirma com
frequência, a Termodinâmica Estatística não só não substitui como,
sobretudo, não fundamenta completamente a Termodinâmica
Macroscópica.
O que sucede, e não deixará de continuar a suceder, é o facto de a
Termodinâmica Macroscópica ser um teste fundamental (porventura
indirecto) da Física Estatística, na medida em que os observáveis
Termodinâmica Macroscópica 27
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

macroscópicos que esta for susceptível de prever não podem contradizer as


relações fundamentais que a Termodinâmica Macroscópica estabelece a
partir dos seus princípios fundamentais. E estes, como já sublinhámos, são
independentes de qualquer modelo ou hipótese sobre a constituição
microscópica da matéria.
Termodinâmica Macroscópica 28
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

2. Princípios da Termodinâmica
A introdução precedente situa o fio condutor deste curso de
Termodinâmica.
Partindo do Princípio da Conservação da Energia como um dado adquirido
e indiscutível, trata-se agora de integrar na teoria o facto incontroverso e
indiscutível da dissipação da energia e do sentido único da flecha do tempo
que lhe está associada, ou seja, da irreversibilidade.
Para isso precisamos de exprimir com todo o rigor formal possível essa
constatação do trivial, que é a existência de um passado e de um futuro ou
a da dissipação das formas nobres da energia.
Constatar e aceitar que a dissipação de energia é macroscopicamente
inevitável, ou que o fluir do tempo se faz em sentido único, constitui na
sua radical essência, esse princípio, famoso e universal, que é a segunda lei
da Termodinâmica.

2.1. Definições e Convenções


A capacidade de comunicar depende da existência de símbolos, vocábulos,
imagens, sons, etc, igualmente inteligíveis por ambos os interlocutores e
com significado equivalente. A partir desse conjunto, é possível elaborar
conceitos e alargar a base comum que permite ampliar e facilitar a
comunicação.
Em Física, os conceitos fundamentais formam-se, habitualmente, a partir
de factos da vida corrente que vão sendo sucessivamente elaborados até
assumirem a forma rigorosa e sem ambiguidades que lhes confere a sua
expressão matemática. Esta atitude assume a sua expressão mais abstracta
na física moderna e em particular na mecânica quântica, em que o conceito
se condensa na própria equação matemática ou nas propriedades de uma
solução particular. A expressão do conceito pode então nem sequer ser
susceptível de tradução sensorial rigorosa, porque tal expressão rigorosa
existe apenas na própria linguagem matemática que o traduz.
Conceitos correntes como calor, temperatura, quente, frio, etc. existem
na linguagem corrente mas sem o rigor adequado. Nestes casos,
procederemos à sua discussão e reelaboração até assumirem a forma
rigorosa que utilizaremos em Termodinâmica.
A partir destes conceitos o corpo da teoria obtém-se então por dedução
lógica a partir de um número mínimo de axiomas ou princípios
fundamentais (que também designaremos por leis ou princípios).
Termodinâmica Macroscópica 29
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Como já se referiu, a Termodinâmica Macroscópica (TM) foi construída


sem recurso a qualquer modelo microscópico, partindo de um número
muito reduzido de conceitos e princípios fundamentais.
Basicamente, a Termodinâmica Macroscópica estabelece relações
funcionais entre grandezas aplicáveis à generalidade dos sistemas.
A particularização para substâncias particulares exige o recurso à
experimentação que pode, eventualmente, ser substituída por cálculo a
partir de modelos microscópicos adequadamente validados.
É muito importante haver um entendimento claro dos termos e conceitos
que iremos utilizar.
Muitas das dificuldades encontradas na apreensão da Termodinâmica
radicam na pouca atenção prestada às definições e ao significado estrito
dos termos utilizados.
Sistema termodinâmico: É a região do espaço, contida numa superfície
geométrica fechada, sobre a qual incide o nosso estudo. Este espaço pode
ser dividido em sub-regiões fechadas e disjuntas a que chamamos
subsistema.
Ao espaço, para que constitua um sistema termodinâmico, apenas se exige
que contenha energia. Mesmo num espaço onde exista o vácuo perfeito
teremos um sistema termodinâmico desde que a superfície material que o
confina não esteja a 0 K. Esta condição verifica-se sempre no Universo
conhecido (a radiação de fundo no espaço exterior corresponde a uma
temperatura de 3-4 K).
2.1.1. Variáveis
As variáveis termodinâmicas são grandezas físicas que permitem
caracterizar o sistema quanto ao modo como acumula e troca energia.
As variáveis extensivas são variáveis escalares somáveis (volume, V,
massa, m, quantidades dos componentes químicos independentes, Ni). No
caso geral de a variável ser um tensor, consideram-se como variáveis
termodinâmicas as suas componentes independentes.
As variáveis intensivas são variáveis escalares não somáveis (pressão, P,
temperatura, T, potenciais químicos dos componentes químicos
independentes, μi).
A aditividade ou não aditividade que distingue as variáveis extensivas das
variáveis intensivas é considerada no seu sentido físico, isto é, quando
juntamos um sistema com massa m1 a um sistema com massa m2, o sistema
conjunto fica a possuir a massa m  m1  m2 . Tal não sucederia se em vez
Termodinâmica Macroscópica 30
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

da massa (ou do volume, por exemplo) se tratasse de pressões ou


temperaturas15.
A Termodinâmica Macroscópica trata apenas das situações em que o
sistema pode ser dividido em subsistemas no interior dos quais as
variáveis intensivas são macroscopicamente uniformes.16
É ainda importante definir as variáveis molares. Para isso comecemos por
definir N, o número total de moles de todos os componentes químicos
existentes no sistema:
r
N   Ni , (0.1)
i 1

sendo r o número de componentes químicos existentes no sistema. As


variáveis molares são então definidas como o quociente de cada variável
extensiva por N:
S
s , (0.2)
N
U
u , (0.3)
N
V , (0.4)
v
N

15
A definição das variáveis extensivas e intensivas em termos da aditividade é susceptível de
alguma ambiguidade ou mesmo contradição, quando se trata de grandezas não escalares. A
origem da designação de propriedade extensiva encontra-se no facto de a "extensão" do sistema
ser directamente proporcional ao seu valor, o que é óbvio quando se trata, por exemplo, do
volume, da massa, ou das quantidades dos componentes químicos, pois nesse caso é a "extensão"
do sistema, no sentido de "tamanho", "dimensão", “massa” que está em causa. Há porém
variáveis extensivas em que a sua associação à "extensão" física do sistema não é óbvia. Nesses
casos, a ambiguidade desaparece se a sua definição se fizer a partir da expressão do fluxo
infinitesimal de energia que o sistema pode trocar, pois este fluxo se exprime sempre como o
produto escalar de uma diferencial por uma quantidade finita. A diferencial é sempre a
diferencial do deslocamento generalizado, que, para os tipos de trocas de energia consideradas
neste texto, é uma variável extensiva. O factor finito é sempre a força generalizada, que, para os
tipos de trocas de energia consideradas neste texto, é uma variável intensiva. Notar-se-á que
falamos de produto escalar e não de produto vectorial.
16
No caso limite da Termodinâmica Macroscópica dos Meios Contínuos o subsistema reduz-se a
um volume infinitesimal e as variáveis intensivas passam a ser função do ponto. A hipótese
fundamental é então que no subsistema infinitesimal se verificam, a cada instante, as mesmas
relações termodinâmicas que existiriam num sistema de dimensão finita em que as propriedades
intensivas seriam uniformes e de igual valor ao que se verifica no ponto. Este é o ponto de
partida para a Termodinâmica dos Processos Irreversíveis.
Termodinâmica Macroscópica 31
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Nj
xj 
, j  1,, r . (0.5)
N
Estas variáveis são respectivamente designadas como entropia molar,
energia interna molar, volume molar, e fracção molar do componente
i. As variáveis molares são sempre designadas com letras minúsculas.
Dada a definição (0.1), temos que
r

x
j 1
j 1. (0.6)

As variáveis externas são variáveis que podem ser fisicamente medidas


do exterior do sistema termodinâmico. São, por exemplo, o volume, a
massa, o campo eléctrico, o campo magnético. A identificação destas
variáveis é fundamental para o desenvolvimento da teoria pois é através
delas que podemos medir os fluxos de energia perfeita entre o sistema
termodinâmico e o seu exterior, independentemente de qualquer hipótese
sobre o que no seu interior se passa.
As variáveis internas não são directamente mensuráveis e o seu valor
apenas pode obter-se por cálculo a partir do valor de variáveis externas. A
energia interna e a entropia são variáveis internas.
2.1.2. Paredes
À superfície que contém o sistema termodinâmico chamamos parede. As
paredes (que constituem idealizações) correspondem a casos limite de
realização prática e são caracterizadas pelas propriedades físicas que as
definem.
A parede impermeável ao componente k não permite a passagem através
dela de moléculas do componente químico k. A parede impermeável não
permite a passagem de moléculas de qualquer componente químico.
A parede adiabática não permite através dela a passagem de calor. A
parede adiabática corresponde a um conceito particularmente importante
em termodinâmica macroscópica e corresponde ao caso limite de um
isolamento térmico perfeito, o qual se obtém com um material isolante de
espessura infinita. Na prática, corresponde ao limite assimptótico dos
resultados que se obtêm aumentando progressivamente o isolamento17.
Uma parede adiabática é necessariamente uma parede impermeável.

17
A possibilidade de, assimptoticamente, se poder realizar uma parede adiabática foi crucial para o
estabelecimento da base fenomenológica da Termodinâmica. A calorimetria, que levou à
formulação da teoria do calórico, começou com essa possibilidade experimental. Em termos
puramente lógicos, seria absurdo procurar estudar o que era o calor se não fosse possível, sequer,
Termodinâmica Macroscópica 32
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

A parede adienergética não permite através dela qualquer passagem de


energia. Uma parede adienergética é necessariamente uma parede
adiabática.
Os sistemas que não estão contidos em nenhuma parede ou que se
encontram contidos por paredes (fixas ou não) permeáveis a pelo menos
um dos componentes são designados como sistemas abertos. Os sistemas
contidos por paredes impermeáveis são designados como sistemas
fechados.18 Os sistemas contidos por paredes adiabáticas são designados
como sistemas adiabáticos (e portanto, são necessariamente sistemas
fechados).19 Os sistemas contidos por paredes adienergéticas são
designados como sistemas isolados (e, portanto, são necessariamente
sistemas adiabáticos).
2.1.3. Convenção de Sinais
O sinal dos fluxos de energia e massa permutados pelo sistema com o
exterior podem ser arbitrários desde que sejam consistentes entre si e na
escrita das equações.
Deste facto resultou o longo (e infeliz) hábito de muitos autores darem
sinais diferentes à energia que entra ou sai do sistema consoante se trata de
energia interna ou das formas macroscópicas da Física Perfeita.

Neste curso, as quantidades recebidas pelo sistema20 são


sempre positivas. As cedidas são sempre negativas.

Esta convenção de sinais é frequente nos cursos modernos de Física, mas


não o é na maioria da literatura anglo-saxónica de engenharia, sobretudo
quando a ênfase é na aplicação a motores. Nessa convenção, o calor
recebido é positivo mas o trabalho recebido é negativo, correspondendo à
noção de que se a finalidade do motor é fornecer trabalho à custa de calor,

impedir a sua passagem ou circunscrevê-lo, de modo a tornar os seus efeitos acessíveis à


experimentação.
18
A confusão entre sistema fechado e sistema isolado é frequente, sobretudo em textos de biologia
e de ecologia. O planeta Terra é um sistema termodinâmico praticamente fechado, mas não é
isolado. A característica fundamental de um ser vivo é ser um sistema aberto.
19
Dada a importância na Termodinâmica de separar os efeitos de trocas de calor dos efeitos das
restantes trocas de energia, isto explica a importância que têm os sistemas fechados no
desenvolvimento da teoria termodinâmica.
20
Energia, seja qual for a sua forma, massa, etc.
Termodinâmica Macroscópica 33
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

o trabalho deve ser tomado como positivo se o motor o cede. Como é


óbvio, se se trata de um frigorífico, a noção fica invertida!21

2.2. 1º Princípio da Termodinâmica


Sempre que em Física Perfeita há dissipação de energia, constata-se que
existe uma alteração de temperatura ou uma mudança de estado. Os
conceitos de quente e frio são velhos como a humanidade, sendo, a febre,
que corresponde a um aumento de temperatura do corpo acima do normal,
considerada como um dos primeiros sintomas de doença. Certamente por
isso, os primeiros termómetros e as primeiras observações consistentes
sobre os fenómenos térmicos partiram de médicos (a que se chamavam
físicos...) e de químicos (... alquimistas).
A sistematização dos conhecimentos nesta área (a teoria do calórico, a
calorimetria, etc.) com a mecânica, a electricidade, etc., só se concretizou
quando Joule estabeleceu a equivalência entre trabalho e calor.
Existindo já a equivalência entre as várias formas de energia da Física
Perfeita, a identificação do calor com a forma de energia que surgia
quando as outras se dissipavam surge como um facto central e o princípio
da conservação da energia transforma-se no pilar mais importante em que
assenta toda a Física.

O 1º Princípio da Termodinâmica, ou princípio da conservação


da energia, não se demonstra. A sua validade aceita-se como
universal pois nenhum facto até hoje observado o contradiz.

2.2.1. Formulação do Princípio


Sendo o conceito de energia um conceito primitivo, e sistema isolado o
que não troca energia com o exterior, o primeiro princípio da
termodinâmica traduz-se por:

Num sistema isolado, a energia (que inclui a massa) permanece


constante.
Deve notar-se, neste enunciado, que na energia está a implícita a relação
de Einstein para a equivalência entre massa e energia.

21
Exemplos desta convenção encontram-se, por exemplo, em Moran e Shapiro (1988, pp. 32 e 46) e
em Deus et al. (1992).
Termodinâmica Macroscópica 34
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Não existindo reacções nucleares, a energia e a massa são


separadamente conservadas.
A conservação da energia (não considerando a energia interna) era já uma
constatação da Mecânica clássica obtida impondo a simetria no tempo.
Outras leis de conservação incluem a conservação do momento obtida
impondo a simetria na translacção no espaço e a conservação do momento
angular impondo a simetria na rotação no espaço. A colisão elástica entre
corpos conserva a quantidadede movimento e a energia cinética. Isto é, se
mi for a massa em repouso e u i a velocidade do corpo i, as quantidades
  2
 im
i
u i e  i i ,
m u
i

correspondentes, respectivamente, à soma das momentos lineares e à soma


das energias cinéticas, são independentemente conservadas. Se a colisão
não for elástica e conduzir à perda de identidade dos corpos que colidem,
como na "reacção" nuclear
Li  1 H  4 He  4 He
7

estudada por Cockroft e Walton, continua a existir a conservação da


quantidade de movimento, mas nem a massa total nem a energia
cinética se conservam. Todavia, como os mesmos autores confirmaram
experimentalmente, verifica-se a relação
  Ecinética  c2   m  0 ,
onde c é a velocidade da luz no vazio. Neste caso, definimos a energia
interna de cada um dos corpos que colidem como
Einterna  mc 2
Para que a relação anterior se possa escrever como:
  ( E cinética  E interna )  0
a qual exprime a conservação da energia total, ou seja, da energia interna
mais cinética. A relação anterior entre a massa e a energia interna é a
mesma que Einstein previu em 1905, no mesmo ano mas não no mesmo
artigo, em que enunciou a teoria da relatividade restrita. Como a relação
Einterna  mc 2
é independente da velocidade, não é necessária a Teoria da Relatividade
para a justificar, podendo assumir-se como um facto experimental a
equivalência da massa à energia interna.
Termodinâmica Macroscópica 35
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Todavia, a menos que Einterna seja muito grande, como nos


processos nucleares, a variação de massa é tão pequena que não é
detectável. Nestes casos procedemos como se massa e energia fossem
separadamente conservadas22.
Na situação actual, poderíamos quase dizer que o princípio da conservação
da energia se transformou no princípio da conservação do próprio
princípio, na medida em que, se surgirem contradições, a teoria será
mudada para que o princípio da conservação da energia permaneça válido.

A energia e a conservação da energia tornaram-se em


pilares fundamentais do conhecimento científico .
Tendo sido uma aquisição fundamental da Termodinâmica Clássica, o
primeiro princípio da Termodinâmica, ou princípio da conservação da
energia, está hoje implícito em toda a nossa concepção do universo como
um dado fundamental que não só não se questiona como se aceita como
ponto de partida.

2.2.2. Forma Generalizada do Fluxo de Energia na


Física Perfeita
O conceito de energia surgiu em mecânica ligado ao trabalho de uma
força. Por definição:
δW=F.dL 23
  Fi.dLi
i

em que F é a força aplicada (de componentes Fi) e dL (de componentes


dLi) o deslocamento elementar do seu ponto de aplicação.
O conceito de força em mecânica deu origem ao conceito de força
generalizada bem como o de deslocamento originou o de deslocamento
generalizado. O conceito de deslocamento generalizado corresponde ao de
uma variação da coordenada generalizada a que se refere. Por sua vez, as
coordenadas generalizadas (que correspondem aos graus de liberdade do
sistema) constituem o número mínimo de variáveis com que é possível

22
Este exemplo permite sublinhar como o princípio da conservação da energia, enunciado no século
anterior, foi preservado e levou à identificação da massa com a energia. Mostra também como
aquela identificação reconciliou todo o conhecimento anteriormente existente e foi consistente
com todas as descobertas posteriores.
23 Utilizaremos os símbolos em negrito itálico para designar vectores. F e dL são por isso vectores
e o ponto (.) exprime o seu produto interno.
Termodinâmica Macroscópica 36
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

descrever completamente a evolução do sistema. Por definição, é possível


variar independentemente cada uma das variáveis generalizadas.

Nessa generalização, a característica comum e fundamental é o


facto de um fluxo de energia (ou de uma troca de energia) se
poder sempre exprimir como o produto de uma força
(generalizada) por um deslocamento (generalizado).
Aliás, na expressão de qualquer troca elementar de energia, os dois termos
são sempre identificáveis, correspondendo quase sempre o deslocamento
generalizado a uma variável extensiva e a força generalizada a uma
variável intensiva (no sentido termodinâmico anteriormente referido). Por
exemplo, 1) no fluxo de energia transferido sob a forma de calor, a força
generalizada é a temperatura, T, e o deslocamento generalizado é a
variação de entropia, dS e 2) no fluxo de energia transferido sob a forma
de trabalho de expansão, a força generalizada é a pressão, -P, e o
deslocamento generalizado é a variação de volume, dV.

2.3. 2º Princípio da Termodinâmica


2.3.1. Calor
Não existindo dissipação na Física Perfeita, mas sendo o mundo
macroscopicamente observável caracterizado pela dissipação e pela
irreversibilidade, o princípio da conservação da energia em sentido lato,
isto é, no sentido da Termodinâmica Macroscópica, conduz
necessariamente a transformar o conceito de calor num como que resto, ou
“caixote de lixo”, no qual se transformam as energias nobres (formas de
energia da Física Perfeita) quando se degradam.
Que modelo microscópico podemos nós associar àquilo a que chamamos
calor para que ele próprio não se degrade também? No caso de se
“degradar”, em que observável macroscópico se traduziria essa
“degradação”? A esta questão central a Física responde (no estado actual
do conhecimento) identificando aquilo a que chamamos calor com as
formas de energia perfeitas, mas agora ao nível microscópico
Passamos a admitir que a Física Perfeita é a única que existe ao nível
microscópico, pelo que continua a existir a esse nível a conservação das
suas formas de energia.
A dissipação de energia a nível macroscópico traduz-se no aumento da
energia interna a nível macroscópico. A energia interna traduz-se nas
Termodinâmica Macroscópica 37
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

formas de energias perfeita a nível microscópico. O calor é um fluxo de


energia que permuta energia interna entre sistemas24,25.

O facto fundamental é que a passagem de energia do nível


macroscópico para o nível microscópico nunca é
completamente invertível, isto é, enquanto que a passagem de
energia do nível macroscópico para o nível microscópico
(dissipação) acontece em todos os fenómenos naturais, a
conversão de energia do nível microscópico para o nível
macroscópico obedece a condicionantes suplementares e nunca
se realiza completamente (no mundo real).
Para a Termodinâmica Macroscópica Clássica é irrelevante a forma ou
formas, conhecidas ou desconhecidas, que a energia assume enquanto
energia interna. Para a elaboração da sua estrutura conceptual bastam os
pressupostos de que tal energia existe e de que, globalmente, a energia se
conserva. Este conceito base, associado ao da existência de
irreversibilidade que a dissipação traduz (2º princípio), é quanto basta para
deduzir um número muito importante de propriedades e relações
fundamentais. A pura visão macroscópica do sistema termodinâmico fica
porém enriquecida quando a perspectiva microscópica lhe é associada.
Por outro lado, o dado central a ter em conta em qualquer modelo
microscópico da matéria é de que nesse modelo a energia não se dissipe.
Na sua forma mais elementar, a questão que surge então é: como e porque
se conserva a energia num sistema isolado de tal modo que ela possa
permanecer indefinidamente constante?
A resposta surge inspirada nos modelos mecânicos macroscópicos. Se
imaginarmos a matéria formada por pontos materiais em movimento,
realizando entre si choques perfeitos, a energia cinética do conjunto
mantém-se. O choque elástico destes pontos materiais com a parede do
sistema (se o número de pontos for muito grande e o período de
observação suficientemente longo) manifesta-se exteriormente como uma
pressão. O modelo de gás perfeito monoatómico corresponde a esta
idealização.

24
O termo calor deve usar-se em sentido análogo ao da chuva. Uma nuvem não é chuva acumulada,
tal como a água que resulta de ter chovido não é chuva, mas sim água. O calor, tal como a chuva,
só existe como trânsito ou passagem de energia interna de um sistema para outro.
25
No entanto, o calor não é o único tipo de permuta de energia interna. Por exemplo, é também
possível permutar energia interna através da difusão de massa.
Termodinâmica Macroscópica 38
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Será então possível admitir que os choques entre os pontos materiais co m


que idealizamos o gás perfeito não seja perfeitamente elástico?
É evidente que não, porque se o choque fosse inelástico haveria dissipação
de energia mecânica (a nível microscópico) pelo que teríamos de admitir
que o ponto material que representava o átomo teria de possuir uma
estrutura mais complicada do que um ponto material, estrutura essa que
teria novamente de comportar um nível em que voltasse a admitir-se a
conservação da energia numa das formas contempladas pela Física
Perfeita.
Este exemplo simples e clássico do gás perfeito monoatómico ilustra a
questão central que desejamos sublinhar: nos modelos microscópicos de
constituição da matéria, há sempre um nível último em que as únicas
formas de energia concebíveis são as da Física Perfeita pois elas são as
únicas que comportam a exigência formal imposta pela conservação de
energia. Ao nível microscópico fundamental não pode pois haver
dissipação, o que implica a reversibilidade no tempo, ou ainda a
indistinguibilidade do passado e do futuro.
2.3.2. Postulado da Dissipação
Consideremos um sistema isolado, separado em dois subsistemas que
trocam energia entre si (Figura 1).
Figura 1 - Sistema isolado, com dois subsistemas.
Parede adienergética

Parede adiabática
Admitamos que a energia contida em A é U(A) e em B, U(B). A energia do
sistema conjunto (A + B), U(A+B) é dada por
U  A B   U ( A )  U ( B ) . (0.7)
Por simplicidade, admitamos que A é fisicamente homogéneo, e vai ser a
partir de agora o objecto de estudo. Neste entendimento, ao subsistema A
chamaremos simplesmente sistema, e a B chamaremos exterior.
Pressupomos que em B se encontra o observador que vai procurar inferir o
que se passa no interior de A a partir do que pode observar e medir em B.
Termodinâmica Macroscópica 39
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Supomos também que no interior de B não há dissipação de energia. Nesta


situação idealizada, no sistema B, o universo é completamente descrito
pelas leis da Física Perfeita.
Suponhamos agora que a parede que separa A de B é
adiabática.26Assim, as permutas de energia entre A e B só podem assumir
as formas conhecidas da Física Perfeita. Por esse facto, o observador que
se encontra em B pode medir exteriormente a A todos os fluxos de energia
perfeita que nele entram ou que dele saiam.
Sejam então  x1 , , xn  as variáveis externas generalizadas através das
quais se processa a transferência de energia com A, e sejam  1 , ,  n 
as forças generalizadas que lhes estão associadas. Por definição, tanto as
forças generalizadas como as variáveis externas se podem medir em B
(exterior de A) sem restrições.
O fluxo elementar de energia que A troca com o seu exterior pode assim
exprimir-se, em cada instante, por:
n
dU  A  1dx1     n dxn    i dxi (0.8)
i 1

Tendo em conta que a configuração externa do sistema é dada a cada


instante pelo valor das coordenadas externas extensivas xi (a cuja variação
está associado o trabalho generalizado realizado por i), quando as
variáveis externas descrevem um ciclo, o sistema voltou ao ponto de
partida tal como descrito pelas coordenadas externas que descrevem
totalmente a sua configuração ou estado no âmbito da Física Perfeita.
Durante a descrição do ciclo, houve apenas trocas de energia perfeita, e
apenas desta, porque a parede é adiabática.
Matematicamente, o saldo de toda a energia (nas formas macroscópicas da
Física Perfeita) permutada ao longo do ciclo é dado por:
n

   dx
i 1
i i  U  A (0.9)

Se houver conservação da energia perfeita27, U  A  0 , e o estado final é


rigorosamente igual ao estado inicial.

26
Atente-se no papel crucial que desempenha na dedução o conceito de parede adiabática e a
importância que este conceito tem para todos os desenvolvimentos posteriores.
27 Energia perfeita, como facilmente se infere, é o vocábulo que utilizamos para designar as formas
macroscópicas da Física Perfeita. São as formas de energia não associadas a energia interna ou
Termodinâmica Macroscópica 40
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Neste caso, nada distingue, fisicamente, o instante em que o ciclo começou


do instante em que o ciclo terminou, nem o sentido em que o ciclo foi
descrito. Fisicamente, seria como se não tivesse havido ciclo algum, pois
dessa evolução temporal não ficaria vestígio fisicamente detectável.
Essa não é, porém, a realidade macroscópica do mundo em que vivemos,
devido à existência de dissipação das formas macroscópicas da energia
perfeita, sempre que as mesmas se permutam ou convertem entre si.
O reconhecimento desta realidade fundamental é expresso sob a forma do
Postulado da Dissipação, que podemos exprimir como :
U     dx
i
i i  0 (0.10)

ou seja,

Num processo adiabático em que as variáveis externas


extensivas descrevem um ciclo, a energia interna nunca
diminui.

Este postulado é equivalente ao 2º Princípio da Termodinâmica.


Exemplo. Para que o experimentador possa alterar algum dos xi, e obrigar
assim o sistema a evoluir, terá de actuar sobre a força generalizada que lhe
está associada (tal como sucede na mecânica, é necessária uma força para
que se altere o estado de equilíbrio). Por exemplo, se quisermos variar o
volume ocupado por um gás no interior de um cilindro com um êmbolo
móvel, actuamos sobre (modificamos) a força generalizada  (Figura 2).
Figura 2 – Compressão de um gás

movimentos microscópicos, isto é, são todas as formas de energia que podem ser permutadas
através de uma parede adiabática (e portanto, impermeável).
Termodinâmica Macroscópica 41
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Nas situações reais, as forças generalizadas  não são, em geral,


univocamente determinadas pelos xi28. Se o fossem, o integral curvilíneo
que exprime o postulado da dissipação seria nulo29. Nesse caso ideal, que
corresponderia à ausência de dissipação, teríamos uma evolução
reversível de primeira espécie. Isto é, seria:

   dx
i
i i 0 (0.11)

No caso geral, que o postulado da dissipação exprime, o não anulamento


do integral curvilíneo resulta de, para um mesmo deslocamento
generalizado dxi , o valor de i não ser igual para dxi>0 e para dxi<0.
De facto, o valor de i depende, em geral, da velocidade a que o
deslocamento se faz, isto é, de dxi/dt. Daí que se tenha generalizado a ideia
de que num processo de evolução tão lento que se possa considerar quase-
estático, a relação (0.11) se verifica sempre, o que corresponderia ao
limite:
dxi
0
dt
Resultaria assim que, de entre todos os ciclos (0.10), existiria o caso limite
(0.11), correspondente à reversibilidade de primeira espécie e para a
qual as forças generalizadas i assumiriam o valor particular Fi, isto é30
Fi  lim  i ,
dxi dt 0

Supondo que os Fi existem, o Postulado da Dissipação exprime-se


também por:
  i  Fi  dxi  0 (0.12)

ou seja,

28 Não esquecer que a parede do sistema é adiabática.

29 O integral curvilíneo ao longo de um ciclo fechado é necessariamente nulo se as forças forem


funções unívocas do ponto. No caso vertente, é nulo porque, por hipótese, não há dissipação de
energia no sistema B, onde os campos de forças são conservativos e, por consequência, derivam
de potenciais.
30 Em rigor, é desnecessário que esta relação se verifique no limite. O sentido rigoroso que deve ser
dado ao de uma evolução quase-estática não é ser arbitrariamente lenta mas o ser nula a variação
de energia interna num ciclo adiabático, que é o significado de (0.11).
Termodinâmica Macroscópica 42
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

numa evolução adiabática real o sistema recebe sempre mais


energia do que a que cede para igual valor de |dxi |

Para interpretar a expressão (0.12), note-se que as forças Πi e Fi são


exercidas no sentido do deslocamento dxi, isto é, têm o mesmo sinal.
Assim, as três grandezas envolvidas na expressão (0.12) ou são todas
positivas ou são todas negativas. Caso sejam positivas, concluímos que
 i  Fi . Caso sejam negativas, concluímos que  i  Fi . Ambos os casos
significam que  i  Fi .
Deve notar-se que (devido às hipóteses feitas) as grandezas envolvidas são
sempre directamente mensuráveis no exterior do sistema em estudo,
dispensando assim qualquer hipótese sobre a sua constituição ou sobre o
que se passa no seu interior. De facto, apenas foram tidas em conta as
reacções que o sistema manifestou às interacções com as forças que foram
aplicadas do exterior, cujo trabalho realizado pode ser medido (e como tal
os fluxos de energia com o sistema) pois os deslocamentos também o
puderam ser, univocamente. Deste modo, é possível descrever sempre a
evolução do sistema nas coordenadas (U, x1, x2 , ..., xn), em que U
representa as variações de energia interna a partir de um estado de
referência.
Evolução adiabática irreversível de 1ª espécie
Na Figura 3, o sistema da Figura 2 descreve um ciclo fechado na
coordenada externa x, compreendendo três passos. Convenciona-se que a
coordenada x aumenta na direcção da direita.
Figura 3 – Evolução adiabática irreversível de 1ª espécie (exemplo).
AB O sistema é submetido a uma força exterior constante, isto é,
   0  0 (devido a orientação do eixo dos xx), que o
comprime. A variação de energia interna é dada por
xB
U B  U A   dx  0  xB  xA   0 31. Assim, a energia interna
xA

varia linearmente com a posição.


BC O sistema deixa de estar submetido a qualquer força, isto é,
  0 . A esta deslocação não corresponde qualquer trabalho, e

31
O integral que define o trabalho não está precedido de um sinal negativo porque estamos a medir
o trabalho com variáveis no exterior do sistema. Fisicamente, não há dúvidas: o gás está a ser
comprimido, portanto a receber trabalho, que deverá ser positivo.
Termodinâmica Macroscópica 43
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

UC  U B  0 .

CA A parede que limita o sistema é bloqueada, não permitindo


qualquer deslocamento e portanto qualquer variação na
coordenada x. Assim, o sistema só pode trocar energia por calor,
cedendo a quantidade de calor, Q, necessária para que
U A  UC  Q .
Este sistema só pode descrever um ciclo se transferir calor no passo C→A
e portanto se deixar de ser adiabático.
Evolução adiabática reversível
Na Figura 4, o sistema descreve um ciclo fechado nas coordenadas
externas xi mas a energia interna não aumenta. Este corresponde ao caso
limite em que a velocidade dos processos tende para zero e portanto o
sistema cede a mesma energia na expansão que recebeu na compressão e
volta ao estado inicial sem ter de transferir energia sob a forma de calor.
Figura 4 – Evolução adiabática reversível.

Expansão de um gás real para o vácuo e recompressão


quase-estática.
Na Figura 5, partindo do estado inicial A, o gás expande-se para o vácuo (
=0) até B. Entre A e B não há variação de energia interna porque o
sistema é adiabático e não é aplicada nenhuma força ao sistema. Para
recomprimir o gás é necessário aplicar ao êmbolo a força . O trabalho
realizado por esta força faz aumentar a energia interna. A evolução A B
não seria representável em coordenadas (P,V) em que P é a pressão no
interior do êmbolo, pois P não é definido numa situação de não equilíbrio
interno. Mas é representável em (, V).
Termodinâmica Macroscópica 44
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Figura 5 – Expansão de um gás real para o vácuo e recompressão


quase-estática.

Experiência de Joule
Na Figura 6, a descida do peso realiza trabalho que as pás dissipam por
atrito viscoso no fluido que enche o calorímetro, cuja parede (adiabática)
não deixa passar calor. O trabalho fornecido é medido pelo deslocamento
do peso e corresponde à diminuição da sua energia mecânica potencial.
Entregue a si próprio, o peso desce. Espontaneamente, a energia que foi
transferida para o sistema adiabático (calorímetro) nunca volta a fluir para
o exterior, fazendo o peso subir. O processo é puramente dissipativo pois o
calorímetro apenas é susceptível de receber energia. A entropia do sistema
adiabático aumentou devido a uma irreversibilidade de primeira espécie ou
seja devido ao atrito entre as pás e o ar. O efeito final da dissipação de
energia mecânica é totalmente equivalente ao de um fornecimento de
calor. A única forma de o sistema (calorímetro adiabático) poder voltar ao
estado inicial (retomando a entropia que tinha) é cedendo energia interna,
sob a forma de calor, ao exterior, deixando portanto de ser adiabático. A
experiência mostra como todas as medidas calorimétricas se podem
reduzir à medida de outras formas de energia. A experiência de Joule
ilustra, de modo exemplar, o primeiro e o segundo princípios da
Termodinâmica.
Termodinâmica Macroscópica 45
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Figura 6 – Experiência Fundamental de Joule

Peso

Calorímetro:parede adiabática

Pás

2.3.3. Evolução Adiabática Reversível


Para a evolução adiabática reversível é

  F dx
i
i i

Considerando F1 ... Fn como as componentes de um vector, a relação


anterior é equivalente à afirmação de que rot F=0 ou ainda que F=grad ,
o que significa que F deriva do potencial escalar .
Mas aquela relação implica também que o sistema opõe sempre uma força
igual e oposta à que o exterior exerce sobre ele. Daqui resulta que

dU   d    dx
i  xi i
e portanto U=U(x1 ... xn,) , sendo  uma constante de integração
independente das coordenadas x.
Se, por exemplo, a constituição do sistema for tal que todas as suas
permutas de energia com o exterior numa evolução adiabática reversível se
puderem exprimir pela variação da coordenada externa V (volume), como
sucede com um gás, será
U=U(V,)
e a força generalizada associada a essa coordenada será:
Termodinâmica Macroscópica 46
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

U
P 
V
ou seja a Pressão32 que o sistema exerce sobre a parede que o confina.
Deve notar-se que esta pressão iguala a que o exterior exerce sobre o
sistema pois estamos a supor que se trata de uma evolução reversível. Se a
evolução não fosse reversível, a pressão exercida pelo exterior sobre o
sistema estaria sempre definida mas a pressão do sistema não estaria.
Na situação representada na Figura 2, e na Expansão de um
gás real para o vácuo e recompressão quase-estática.
, a pressão exterior seria dada por p=/A , sendo A a área do êmbolo
(suposto rígido e deslocando-se sem atrito) e p=-P.
No caso da Expansão de um gás real para o vácuo e
recompressão quase-estática.
, em que =0 durante a expansão para o vácuo, dU=0, pois o sistema não
fornece qualquer energia ao exterior. A pressão que o sistema (gás) exerce
sobre o êmbolo (suposto sem inércia) é então nula.
Para distinguir a pressão que o sistema exerce sobre a parede que o
confina, da pressão que sobre ela o exterior exerce, usaremos,
respectivamente, os símbolos P e p. A igualdade de P e p só se verifica nas
situações de reversibilidade de 1ª espécie.
2.3.4. Evolução Adiabática Irreversível
Consideremos de novo a situação representada esquematicamente na
Figura 4, correspondente a um ciclo fechado nas coordenadas externas
quando o sistema é adiabático e a evolução reversível.
Por hipótese, as variáveis externas em que o ciclo foi descrito contemplam
todas as formas macroscópicas de energia perfeita que o sistema pode
permutar com o exterior, e estas variáveis são suficientes para determinar
univocamente a energia interna que o sistema possui e as reacções (como
p.ex. a pressão) que ele opõe à interacção com o exterior se essa
interacção for reversível. Isto é, o comportamento do sistema é previsível
se os processos que sofre forem adiabáticos reversíveis.

32 O sinal de P resulta da convenção de sinais adoptada. Sendo dU=-PdV, dU é positivo quando


dV<0, o que exige que dP<0.
Termodinâmica Macroscópica 47
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Se os processos não forem reversíveis, como


esquematicamente se representa na Evolução adiabática
irreversível de 1ª espécie
, torna-se evidente que o espaço definido pelas variáveis externas x é
insuficiente para determinar a energia interna, U , de modo unívoco.
Tendo em conta que as coordenadas ou variáveis externas x esgotam os
graus de liberdade através dos quais se pode permutar energia através de
uma parede adiabática, teremos de concluir que é necessário ter em conta
variáveis adicionais e que essas variáveis têm de ser internas, se
quisermos descrever de modo unívoco as evoluções da energia interna do
sistema termodinâmico num sistema de coordenadas generalizadas que
lhe seja intrínseco.33
Posto de outro modo, trata-se de constatar que, tendo havido dissipação de
energia das formas perfeitas, e havendo conservação de energia total, é
imprescindível a introdução de variáveis adicionais que quantifiquem a
energia que passou às formas microscópicas. Essas novas variáveis,
impossíveis de medir directamente, serão necessariamente variáveis
internas.
Por outro lado, e tendo em conta o Postulado da Dissipação, conclui-se
que, se a energia interna nunca pode diminuir num processo adiabático em
que as coordenadas externas descrevem um ciclo, então é necessário que a
parede deixe de ser adiabática para que a energia (interna) do sistema
possa regressar ao estado inicial no fim do ciclo.
Para que a quantidade (Uf - Ui) possa ser extraída, não só será necessário
que a parede deixe de ser adiabática mas também que essa transferência se
faça pelas coordenadas ou variáveis internas34. Isto é, nas condições deste
problema, essa energia só pode ser transferida sob a forma de calor.
Concluímos assim pela rigorosa definição do conceito de calor:

33 Intrínseco no sentido em que permita conhecer a energia interna sem necessidade de recurso a
medidas no seu exterior. Esta é, aliás, a finalidade da termodinâmica.
34 Como as coordenadas externas voltaram ao seu valor inicial, só restam as variáveis internas para
extrair a energia interna que resultou da dissipação.
Termodinâmica Macroscópica 48
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Calor é a única forma de energia que pode ser permutada pelo


sistema com o exterior através de uma parede impermeável,
quando as variáveis externas permanecem constantes.

Por outro lado, resulta da própria definição de energia interna, que para a
sua variação é irrelevante a forma de energia macroscópica que lhe deu
origem pois esta, ao dissipar-se, perdeu toda a identidade macroscópica
que possuía.
2.3.5. Da irreversibilidade à entropia
Consideremos de novo as trocas de energia entre os sistemas A e B, tal
como anteriormente, mas admitindo agora que a parede que os separa não
permite a variação de qualquer das coordenadas externas xi, além de ser
diatérmica. Isto é, a única permuta possível de energia entre os sistemas A
e B é a de energia interna (ou seja, dado que a parede é impermeável, os
fluxos de energia podem apenas assumir a forma de calor).
Ora, pela própria definição de calor, nesta transferência de energia as
coordenadas ou variáveis externas permanecem constantes e por isso tal
fluxo não é directamente mensurável recorrendo a elas.
Por outro lado, se um sistema cede ou recebe energia interna, e tal apenas
pode ser feito através das coordenadas internas, a possibilidade de medir a
variação dessas coordenadas internas e das forças generalizadas que lhe
estão associadas tornou-se uma questão fundamental.
Para a resolver, é imprescindível conhecer pelo menos um sistema em que
o cálculo dessa variação seja possível. Sabido para um, basta fazê-lo
interaccionar com qualquer outro para que saibamos calcular os seus
fluxos de energia interna, tal como fizemos anteriormente para o sistema A
a partir da capacidade de calcular ou medir para B todos os seus fluxos de
energia. Para isso, voltemos ao caso genérico representado na Evolução
adiabática irreversível de 1ª espécie
, ou à situação descrita na Expansão de um gás real para o vácuo e
recompressão quase-estática.
.
Em ambos os casos podemos aumentar a energia interna do sistema
repondo as coordenadas externas no seu valor. De facto, tanto podemos ir
do estado inicial para o estado final através de um processo irreversível em
que as variáveis externas descrevem um ciclo voltando ao ponto de partida
mantendo a parede adiabática, como podemos ir directamente do estado
inicial ao estado final mantendo constantes as variáveis externas e
fornecendo calor ao sistema. Esta possibilidade é de crucial importância
Termodinâmica Macroscópica 49
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

pois permite-nos sempre quantificar as variações de energia interna


recorrendo às formas macroscópicas de energia da Física Perfeita.
Designando por S a coordenada interna, podemos sempre escrever,
supondo constantes as variáveis externas xi, que
 U 
dU   dS (0.13)
 S  xi
xi constantes

Esta situação idealizada permite dar um imediato significado físico à


derivada parcial:
U
T( )
S x i

cujo papel é idêntico ao de uma força generalizada. O significado físico


de T é a temperatura absoluta. A coordenada interna é a Entropia.
Considerando que dU=δQ=TdS, quando as coordenadas externas se
mantêm constantes, conclui-se que se dU>0, terá de ser TdS>0. O sinal a
adoptar para T ou para dS é arbitrário na condição de ser TdS>0 para
dU>0.
A variável S é uma variável extensiva, como resulta da própria definição.
Por consistência com o seu aparecimento histórico, considera-se que S
aumenta quando U aumenta, pelo que será T>0.
Com a introdução da coordenada interna (Entropia), a energia interna
passa a ser univocamente determinada, a menos de uma constante
arbitrária, pela relação:
U = U(S, x1,... ,xn)
designada por equação fundamental do sistema
termodinâmico, pois contém toda a informação que o
caracteriza.
Note-se que, embora seja evidente a necessidade de existirem variáveis
internas no modo como se tem vindo a desenvolver a teoria, já o facto de
apenas se considerar uma (para além da energia interna) carece de
justificação. A justificação mais simples decorre do facto de uma variável
ser o bastante para descrever o comportamento dos sistemas
termodinâmicos pouco afastados do equilíbrio. Supor inicialmente mais do
que uma, permite demonstrar que uma é o suficiente (não havendo
constrangimentos internos) para situações próximas do equilíbrio.35

35 Ver Domingos (1973).


Termodinâmica Macroscópica 50
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

2.3.6. O aumento da Entropia nos Processos


Naturais
Recapitulemos. As variáveis externas foram introduzidas por referência à
Física Perfeita. A questão porém não é definir o que se passa no sistema
por referência ao exterior, mas por referência a algo que lhe seja
intrínseco, como é a energia interna.
A consideração da evolução adiabática reversível permitiu explicitar, não
só a razão de ser das variáveis x como, e sobretudo, o sentido físico das
derivadas parciais de U = U(S, x1,... ,xn), isto é, das forças generalizadas
internas36 associadas às variações de x.
Mas se U = U(S, x1,... ,xn) tem sentido, qual o significado das forças
generalizadas internas quando o processo for irreversível? Esta questão,
que já foi qualitativamente tratada, pode ser um pouco mais aprofundada
tendo em conta o que se segue.
Como as variáveis (x1,... ,xn) podem ser sempre determinadas do exterior
do sistema, sem ambiguidades, podem calcular-se todos os fluxos de
energia perfeita trocados com o sistema se as forças generalizadas i que
lhe estão associadas também forem conhecidas. Daqui resulta que num
processo adiabático elementar será sempre:
n
dU adiabático    i dxi (0.14)
irreversível i 1

Se por outro lado, para os mesmos deslocamentos generalizados, a


evolução for reversível (o que é possível, pois existe uma variável
adicional, a entropia), teríamos:
n
dU adiabático   Fi dxi (0.15)
reversível i 1

Admitindo que a evolução real é irreversível, calcular a variação de


energia interna pela expressão (0.14) dá um valor por defeito se dU  0 e
um valor por excesso se (devido ao postulado da dissipação). Todavia, se
em vez de (0.15) utilizarmos a expressão mais geral

36 Notar-se-á que, enquanto os x se podem medir do exterior e são independentes do tipo de


i
evolução ou do estado de equilíbrio do sistema termodinâmico, o mesmo não se passa com as
derivadas parciais de U, razão porque as apelidamos de forças generalizadas internas.
Termodinâmica Macroscópica 51
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

n
dU adiabático   Fi dxi  TdS , (0.16)
irreversível i 1

que se obtém da derivada da equação fundamental


U
dU   dxi  TdS ,
i xi
obteremos, igualando (0.14) e (0.16)
n
TdS     i  Fi  dxi (0.17)
i 1

Pelo Postulado da Dissipação, na forma da equação (0.12), sabemos que o


membro direito da equação (0.17) é não-negativo num processo
adiabático, logo
TdS  0 . (0.18)
Falta ainda demonstrar que o postulado da dissipação implica que em
todos os processos adiabáticos a entropia do sistema só pode aumentar (ou
permanecer constante, se o processo for reversível).
Como T  0 , concluímos da equação (0.18) que, em processos
adiabáticos,
dS  0 . (0.19)
Esta conclusão, que se extrai do postulado da dissipação, corresponde ao
enunciado habitual da Segunda Lei da Termodinâmica, ou do aumento de
entropia.37
Assim, a variação de entropia é sempre maior que zero nos processos
adiabáticos reais (isto é, nas evoluções irreversíveis), pelo que a entropia
só pode aumentar. Assim sendo, o sistema só atinge o equilíbrio quando a
entropia atingir o seu máximo, compatível com os constrangimentos
impostos. O máximo de entropia corresponde necessariamente a um estado
de equilíbrio, pois o sistema nesse estado não pode sofrer nenhum
processo. De facto, qualquer processo teria que aumentar a entropia, o que
é incompatível com o sistema estar no máximo da entropia.

37
Surge frequentemente a noção de entropia como uma medida da desordem do sistema
termodinâmico. No entanto, esta noção, além de não ser necessariamente intuitiva, pode levar a
situações de aparente maior desordem, mas que não correspondem aos estados de equilíbrio. Deste
modo, os processos que levam ao aumento de entropia devem ser entendidos como passagens a
estados mais prováveis do sistema e não necessariamente ao aumento da desordem.
Termodinâmica Macroscópica 52
Princípios da Termodinâmica
_________________________________________________________________

Na formulação habitual, a afirmação é a de que a entropia num sistema


isolado nunca diminui. Como se verifica, não é necessário que o sistema
seja isolado mas apenas que seja adiabático.
Tendo em conta o modo como se deduziu a segunda lei a partir do
postulado da dissipação, dir-se-ia que a conclusão se aplica apenas ao
subsistema que designamos por A. De facto, foi a A que demos as
características de um sistema real, pois B foi idealizado como um universo
onde, por hipótese, não havia dissipação. Por outro lado, a entropia foi
introduzida como uma característica intrínseca do sistema A e de modo tão
genérico que as conclusões que se lhe aplicam são válidas para todos os
sistemas termodinâmicos.
O sistema A foi considerado como um sistema homogéneo, por
simplicidade. Se não for fisicamente homogéneo, pode ser dividido em
subsistemas que o sejam e aplicam-se então a cada um as conclusões
obtidas.
Notar-se-á também que entre A e B não tivemos ainda em conta as trocas
de energia sob a forma de energia interna (calor). Para o enunciado da
segunda lei, tal como foi deduzida, é desnecessário, pois tal tipo de fluxo
surge naturalmente ao considerar-se a interacção entre dois sistemas reais,
como se verá seguidamente.
Como num sistema adiabático a entropia só pode aumentar (ou permanecer
constante se o processo for reversível), conclui-se que a entropia de um
sistema termodinâmico fechado só pode diminuir quando o sistema cede
energia interna sob a forma de calor. Inversamente, a entropia aumenta
quando o calor é recebido pelo sistema.
3. Formalismo Termodinâmico
3.1. Do Postulado da Dissipação ao
Formalismo Termodinâmico
Do postulado da dissipação resulta que num sistema adiabático todos os
processos reais fazem aumentar a sua entropia. Quando a entropia do
sistema não pode aumentar mais, o sistema já não pode evoluir e atinge
portanto o seu equilíbrio natural. Por outras palavras, o sistema atinge o
equilíbrio quando a sua entropia é máxima sujeita aos constrangimentos
impostos. A partir deste instante, o sistema deixou de distinguir o fluir do
tempo.
Sucede também que, sendo S a única variável interna (para além de U),
também é só quando se atinge o equilíbrio que S fica bem determinado.
Por isso, a própria definição de equilíbrio é feita, formalmente, a partir da
validade da própria da equação fundamental.
Assim, o sistema encontra-se em equilíbrio termodinâmico (dados os
constrangimentos impostos) se a energia interna de cada um dos
subsistemas que o constitui for univocamente determinada (a menos de
uma constante aditiva) pelo conjunto de coordenadas S, N1, ... ,Nr que o
identificam.
Ora, tanto a energia interna como a entropia são variáveis internas
extensivas e não são directamente mensuráveis. Apenas as suas variações
são calculáveis. O seu valor depende de uma constante arbitrária
correspondente ao estado de referência.
Todavia, e relativamente ao seu cálculo, existe uma diferença fundamental
entre S e U, pois as variações de energia interna, U, podem ser
instantaneamente conhecidas se medirmos instantaneamente no exterior os
fluxos de energia para o sistema, o que não sucede com S, pois a entropia
só se pode conhecer depois de o sistema ter atingido a homogeneidade
interna das variáveis intensivas em cada subsistema, ou seja o equilíbrio.38

38
Em termos puramente abstractos, tal não seria necessário, porque o conhecimento da equação
fundamental e de todas as variáveis externas, juntamente com a variação instantânea de U
permitiria conhecer S. Em termos experimentais, tal é impossível porque as forças que do
exterior se aplicam para provocar uma evolução do sistema dependem da situação de não-
homogeneidade interna em que o mesmo se encontra. No âmbito da TME esta questão não pode
ser adequadamente tratada.
Termodinâmica Macroscópica 54
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Deste modo, só quando se atinge o equilíbrio interno do sistema (ou


subsistema) é que é válida a expressão funcional da equação fundamental.

3.2. Axiomática de Tisza-Callen


Na sequência dos trabalhos de Laszo Tisza39, Herbert Callen (1985)
iniciou a exposição da Termodinâmica a partir de um conjunto de axiomas
ou postulados em que a entropia é apresentada como um conceito a priori
e os postulados se justificam a posteriori pela conformidade dos resultados
que permitem prever com as observações experimentais.
Inicialmente contestada devido à sua forma axiomática40, a formulação de
Tisza-Callen encontra-se hoje consagrada e é ponto de referência
obrigatório em todos os bons textos e artigos que tratam da
Termodinâmica Macroscópica41.
A objecção que pode fazer-se à formulação de Tisza-Callen não é,
certamente, o seu carácter dedutivo e matematicamente rigoroso mas sim o
facto de incluir nos axiomas (ou postulados), o equilíbrio, a entropia e a
equação fundamental do sistema termodinâmico e justificar a posteriori
tais postulados com o facto de os resultados que deles se deduzem,
matematicamente, serem validados pela sua verificação experimental.
Neste curso, o ponto de partida foi a constatação universal de que
existe dissipação e/ou a de que o tempo flui em sentido único. Quanto
ao princípio da conservação da energia (energia+massa) ele é de tal modo
fundamental e indemonstrável que, mais do que discuti-lo, importa extrair
dele todas as consequências. Partindo, assim, da formalização do que se
pode considerar evidente, a equação fundamental e a entropia surgem
como consequências lógicas dos postulados tendo em conta as definições.
Acresce que este modo de tratar o assunto permite entender melhor a
essência fenomenológica da irreversibilidade e situar a Termodinâmica
Macroscópica de Equilíbrio no seu natural enquadramento e limitações.

39L.Tisza é professor emérito do MIT. Os seus trabalhos mais importantes foram recolhidos em
livro (Tisza, 1966).
40
A maior parte das críticas não tem qualquer consistência e é mero fruto de longos (e maus!)
hábitos adquiridos, pois baseavam-se na afirmação de que a Termodinâmica, sendo uma teoria
física, não devia ser apresentada a partir de axiomas, como uma teoria matemática. É evidente
que tal tipo de afirmação esquece que os princípios da Termodinâmica, tal como os axiomas na
Matemática, também não se demonstram.
41A primeira edição do livro de Herbert Callen foi publicada em 1959. Este tipo de abordagem da
Termodinâmica foi iniciada no I.S.T. em 1960 pelo Prof. António Gouvêa Portela.
Termodinâmica Macroscópica 55
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

A Termodinâmica Macroscópica de Equilíbrio (TME) ocupa-se dos


sistemas que se encontram em equilíbrio interno e susceptíveis, por isso,
de completa caracterização através de uma única coordenada interna (a
entropia). Quando dois ou mais sistemas termodinâmicos interaccionam,
durante a interacção não se encontram em equilíbrio e por isso a TME não
pode descrever o que se passa a cada instante em cada sistema, a
menos que cada um deles seja suposto em equilíbrio interno e se
transfiram para as paredes que os separam todas as descontinuidades
nas forças generalizadas e todas as irreversibilidades.
Todavia, englobando todos os sistemas que interactuam num sistema
global, a situação final de equilíbrio do conjunto pode ser determinada
pelo facto de o sistema total ser isolado e de a posição final de equilíbrio
ser a que corresponde à máxima entropia do conjunto.
Agrupar os sistemas que interactuam de modo a que no seu conjunto
formem sempre um sistema isolado, foi sistematicamente utilizado por
Tisza na construção rigorosa da TME e na clarificação da sua estrutura
fundamental, mostrando simultaneamente a importância de que se podem
revestir certos pormenores, aparentemente triviais.
3.2.1. Os Postulados de Tisza-Callen
Callen (1985) considera um subconjunto dos postulados de Tisza. No
entanto, este subconjunto é demasiado pequeno. Apresentamos aqui um
subconjunto mais amplo. A apresentação é também reorganizada (tornado-
se mais próxima da formulação de Tisza), incluindo uma distinção clara
entre os postulados que se aplicam a sistemas simples (SS) e os postulados
que se aplicam a sistemas compostos (SC).
Definição de Sistema Simples42. Um sistema simples é definido como
sendo macroscopicamente homogéneo, isotrópico e sem cargas eléctricas,
suficientemente grande para que os efeitos superficiais possam ser
desprezados e sem influência de campos eléctricos, magnéticos ou
gravíticos. O sistema simples é completamente caracterizado pela energia
interna, U, pelo volume, V, e pelo número de moles de cada componente
químico, N1, ..., Nr. Para um sistema simples, é ainda possível definir uma
variável de estado adicional, a entropia, S. (SS)
Definição de Sistema Composto. É um conjunto de k sistemas simples
espacialmente disjuntos, caracterizados pelas variáveis
U , V , N1 ,..., N r , com i  1,  , k . (SC)
(i ) (i ) (i ) (i )

42
Inclui o Postulado I e parte do Postulado II de Callen (1985).
Termodinâmica Macroscópica 56
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Postulado da Aditividade43. Para um sistema composto,


k
U  U
i 1
(i )

k
V  V
i 1
(i )

k
N1  N
i 1
(i )
1

  
k
Nr  N
i 1
(i )
r

k
S  S
i 1
(i )

onde as variáveis sem índice superior correspondem ao sistema composto.


Note-se, contudo, que nem sempre a energia interna do sistema composto
corresponde à soma das energias internas dos sistemas simples que o
constituem. De facto, U   i 1U (i ) quando se consideram as forças à
k

distância, uma vez que não se conseguem atribuir as energias potenciais a


nenhum dos sistemas simples em particular. Veja-se o exemplo de um
sistema composto constituídos pelos sistemas simples “Sol” e “Terra”.
Neste caso, não existe nenhum motivo para incluir a energia potencial
gravítica entre estes dois sistemas em nenhum deles em particular. Deste
modo, a energia interna do sistema composto será superior à soma das
energias internas de cada um dos sistemas simples, uma vez que deve
acrescer a energia potencial gravítica verificada. (SC)
Postulado da Equação Fundamental44. A entropia de um sistema
simples é uma função das variáveis que o caracterizam, através de uma
expressão designada como equação fundamental S  S U , V , N (1) ,  , N r  ,
sendo que esta função é: continuamente diferenciável; uma função
 S 
crescente da energia interna, ou seja    0 ; homogénea de
 U V , N1 ,..., Nr
grau 1, isto é, S U , V , N1 , , N r   S U , V , N1 ,, N r  , para   0 .
(SS)

43
Inclui parte do Postulado III de Callen (1985).
44
Inclui parte do Postulado III de Callen (1985).
Termodinâmica Macroscópica 57
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

A monotonia e diferenciabilidade da entropia em relação à energia interna


implicam que é possível inverter a equação fundamental, permitindo
escrever:
U  U  S , V , N1 ,..., N r  .
As duas formas da equação fundamental são equivalentes. No primeiro
caso, dizemos que estamos na representação entrópica, no segundo caso
dizemos que estamos na representação energética. Por exemplo, se
tivermos
 
S  R 2 v 0  NVU  ,
13

resolvendo em ordem a U obtemos a equação fundamental na


representação energética:
3
S 3  v0 
U   .
NV  R 2 
Postulado do Máximo da Entropia45. Quando é libertado um
constrangimento num sistema composto isolado, o estado atingido
corresponde à máxima entropia compatível com os constrangimentos
restantes.
Verificamos assim que só podemos aplicar a maximização de entropia a
sistemas isolados, isto é, sistemas em que a energia total, o volume total e
o número de moles total de cada componente químico são constantes.
Quando quisermos considerar sistemas que não estão nestas condições,
teremos que acrescentar ao sistema que nos interessa um sistema que o
envolve, de tal forma que o sistema conjunto que obtemos seja isolado.
Postulado de Nernst46. A entropia de qualquer sistema anula-se para o
estado em que
 U 
  0
  S  V , N1 ,..., N r
ou ainda,
lim S  0 .
T 0

Tendo em conta os postulados, toda a Termodinâmica (Termoestática) se


reduz ao que constitui o

45
Inclui o Postulado II e parte do Postulado III de Callen (1985).
46
Postulado IV de Callen (1985).
Termodinâmica Macroscópica 58
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Problema Central da Termodinâmica Macroscópica de


Equilíbrio47: Determinar o estado final de equilíbrio que resulta
da supressão de constrangimentos internos num sistema
composto e globalmente isolado.

Notas
Quando o sistema global não se encontra em equilíbrio, o mesmo é
analisado como um sistema composto, dividido em subsistemas em
equilíbrio.
Os subsistemas não estão inicialmente em equilíbrio entre si porque são
impedidos de interactuar pelas paredes que os separam (e através das quais
se formalizam os constrangimentos). O sistema composto encontra-se por
isso numa situação de equilíbrio constrangido.
O processo de interacção dos subsistemas não é em si mesmo descrito no
âmbito da TME. Mas o resultado final da sua interacção, isto é, o estado
final de equilíbrio, fica univocamente48 determinado por ser o que torna
máxima a entropia final.
3.2.2. Compatibilidade com os Postulados
As equações fundamentais podem ser obtidas a partir de medições
experimentais ou a partir de cálculos de mecânica estatística. Em qualquer
dos casos, elas devem obedecer aos postulados. Torna-se assim importante
verificar quais as restrições que os postulados impõem sobre as equações
fundamentais, isto é, determinar o domínio dos valores de U, V, N1, ..., Nr
em que a equação fundamental obedece aos postulados. A priori este
domínio é ]- ,+[ para U, ]0,+[ para V e [0,+[ para os Ni. Para esta
verificação são, em primeiro lugar, relevantes os postulados relativos a
sistemas simples. Num capítulo posterior, veremos que o postulado
relativo ao máximo de entropia também impõe restrições sobre a equação
fundamental, restrições essas designadas como “condições de
estabilidade”.
A verificação do Postulado da Equação Fundamental corresponde à
verificação da propriedade de homogeneidade de grau 1,

47
V. Callen (1985) e Tisza (1966).
48Em situações muito particulares a posição de equilíbrio pode ser indeterminada. Tal sucede
quando dois subsistemas interaccionam através duma parede adiabática, caso em que é necessária
uma hipótese suplementar acerca da irreversibilidade de 2ª espécie no interior de cada
subsistema. Trata-se porém duma situação irreal correspondente a uma experiência conceptual.
Termodinâmica Macroscópica 59
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

S  U , V ,  N    S U , V , N  ,
S U , V , N1 ,, N r   S U ,V , N1 ,, N r 
e a verificar a diferenciabilidade e continuidade. Para verificar a
monotonia, a forma mais directa consiste no cálculo da derivada parcial
 S U V , N ,..., N e na determinação do domínio em que é estritamente
1 r

positiva.
Existem duas formas de verificar o Postulado de Nernst. Se a equação for
apresentada na forma energética, é possível calcular imediatamente
 U S V , N ,..., N . A expressão resultante terá que ser zero para S  0 .
1 r

Se a equação for apresentada na forma entrópica e for explicitamente


invertível, pode-se seguir o mesmo processo que no caso anterior. Caso
contrário, calcula-se  S U V , N ,..., N e determina-se os valores da energia
1 r

interna que tornam infinito esta expressão ou zero a sua inversa.


Pode-se também procurar os valores de U para os quais a equação
fundamental se anula.
Exemplo
Vamos determinar a compatibilidade com os postulados para sistemas
simples da seguinte equação fundamental:
 R2 
S    NVU 1 3 , com U  0 ,
 v0 
e em que R, v0 e θ são constantes positivas.
A expressão para a verificação da homogeneidade é:
 R2   R2 
S U , V , N    N V U 1 3    NVU 1 3  S U , V , N 
 v0   v0 
A verificação da monotonia é feita com
 S   R2  1
     NV 1 3 U  2 3  0 .
 U V , N  v0  3
A solução da equação
 S   R2  1
     NV 1 3 U  2 3  
 U V , N  v0  3
é U  0 . Substituindo este valor na equação fundamental, temos S  0 ,
portanto o Postulado de Nernst verifica-se.
Termodinâmica Macroscópica 60
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

 S 
Note-se que neste exemplo apenas se concluiu    0 , porque se
 U V , N
considerou U ≥ 0. No entanto, nem sempre se verifica a positividade da
energia interna. Como exemplo deste facto veja-se a variação da energia
potencial interatómica (U) entre 2 átomos em função da distância (r) entre
eles.

dU
Neste caso, a força repulsiva entre os átomos corresponderia a F   .
dr
Note-se que se se efectuasse uma translação vertical à energia potencial,
por exemplo de modo a que todos os seus valores fossem positivos, os
valores obtidos para a força repulsiva não se alterariam, uma vez que para
U ' U C ter-se-ia

dU ' d U  C  dU
F'    0  F . Deste modo se mostra que não
dr dr dr
tem interesse físico o sinal da energia, mas sim a sua derivada. Os valores
referenciais atribuídos à energia interna são assim arbitrários.
Exercícios
1) (Callen, 1.10-1, adaptado). Determine a compatibilidade das seguintes
equações fundamentais com as propriedades de homogeneidade,
positividade da temperatura e Postulado de Nernst e com a consistência
dimensional. As quantidades v0, θ, e R são constantes positivas e,
sempre que aparecem expoentes fraccionários, deve ser considerada a
raíz real positiva. As unidades de v0, θ, e R são respectivamente
m3 mol-1, K, e J K-1 mol-1.
13
 R2 
 NVU 
13
a) S   
 v0 
Termodinâmica Macroscópica 61
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

13 23
 R 2   NU 
b) S   2   
   V 
12 12
 R  R V 2 
c) S     NU  2 
   v0 
13
 R 2  V3
d) S   3 
 v0  NU
15
 R3 
e) S   2   N VU 
2 2 15

 v0 
 1 UV 
f) S  NR ln  2 
 R v0 N 
12
 R  V2 
 NU 
12
g) S    exp   2 2 
   2 N v0 
12
 R  UV 
 NU 
12
h) S    exp   
   NR v0 
 v0  S
2
 S 
i) U    exp  
 R V  NR 
 R   S   S 
j) U    NV 1   exp   
 v0   NR   NR 
2) Considere a equação fundamental
S  AU nV m N r , com A  0 e U  0 .
Determine as condições sobre os parâmetros n, m e r para que esta
equação obedeça à homogeneidade, à positividade da temperatura e
ao Postulado de Nernst.

3.3. Primeiras Derivadas da Equação


Fundamental: Variáveis Intensivas
Dado que estamos interessados em processos, e nas variações das variáveis
extensivas que lhes estão associadas, iremos estar interessados na forma
Termodinâmica Macroscópica 62
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

diferencial da equação fundamental. Escrevemos a equação fundamental


na forma
U  U  S , V , N1 ,..., N r  ,

e aplicamos a derivada exterior (tal como definida em 10.1.3 - Derivação


Exterior) a ambos os membros:
 U   U   U   U 
dU    dS    dV    dN1  ...    dN r
 S V , N1 ,..., Nr  V  S , N1 ,..., N r  N1  S ,V , N2 ,..., N r  N r  S ,V , N1 ,..., N r 1
Esta expressão vai-nos dar a variação elementar de energia interna num
processo elementar. As derivadas parciais que ocorrem nesta equação são
designadas por variáveis intensivas, considerando-se as seguintes
definições:
 U 
T   , (0.20)
 S V , N1 ,..., Nr

 U 
P    , (0.21)
 V  S , N1 ,..., N r
 U 
j   . j  1,, r (0.22)
 N j
  S ,V , N1 ,..., N j 1 , N j1 , Nr

A forma diferencial da equação fundamental fica então


dU  TdS  PdV  1dN1  ...   r dN r . (0.23)
A temperatura, a pressão e os potenciais químicos são derivadas parciais
de funções de S, V, N1, ..., Nr, e portanto são também, em geral, funções de
S, V, N1, ..., Nr. Temos assim um conjunto de relações funcionais:
T  T  S ,V , N1 ,..., N r 
P  P  S ,V , N1 ,..., N r 
1  1  S ,V , N1 ,..., N r 

r  r  S ,V , N1 ,..., N r 
Estas relações, que expressam as variáveis intensivas em termos das
variáveis extensivas independentes, são designadas equações de estado.
Em geral, o conhecimento de uma única equação de estado não constitui
Termodinâmica Macroscópica 63
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

conhecimento completo das propriedades49. No entanto, o conhecimento


de todas as equações de estado de um sistema é equivalente ao
conhecimento da equação fundamental e, portanto, é termodinamicamente
completo. De facto, tal como veremos mais à frente, a equação de Euler
permite recuperar a equação fundamental a partir do conjunto das
equações de estado. Adicionalmente, o conhecimento de todas as equações
de estado menos uma, permite obter ainda equação fundamental a menos
de uma constante.
Note-se que dois sistemas em contacto, com diferentes valores de T, P ou
 j , j  1,..., r, geram trocas de energia. Deste modo, estas grandezas são
forças generalizadas (  ). Do mesmo modo, de acordo com(0.24), como
as trocas de energia provocadas por diferenças de T, P ou  j , j  1,..., r ,
provocam variações de S, V e N j , j  1,..., r, respectivamente, ds, dV e
dN j , j  1,..., r , são considerados deslocamentos generalizados (dx).
Assim, e como expresso em(0.25), constata-se que uma troca de energia
corresponde sempre ao produto de uma força generalizada por um
deslocamento generalizado ( dU    dx ).
Podemos também partir da equação fundamental na forma entrópica:
S  S U ,V , N1 ,..., N r  .
Aplicando derivadas exteriores, temos
 S   S   S   S 
dS    dU    dV    dN 1      dN r
 U V , N1 ,..., N r  V U , N1 ,..., N r  N 1 U ,V , N 2 ,..., N r  N r V , N1 ,..., N r 1
Resolvendo a equação (0.23) em ordem a dS, temos
1 P  
dS  dU  dV  1 dN 1    r dN r .
T T T T
Esta é a forma diferencial da equação fundamental na representação
entrópica. Comparando as duas equações anteriores concluímos que
1  S 
  , (0.26)
T  U V , N1 ,..., Nr
P  S 
  , (0.27)
T  V U , N1 ,..., Nr

49
Em certas situações, o conhecimento de uma única equação de estado poderá ser suficiente. Isto
são casos particulares, dos quais veremos um exemplo mais à frente.
Termodinâmica Macroscópica 64
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

1  S 
   ,
T N
 1 U ,V , N2 ,..., Nr

..., (0.28)
r  S 
   .
T  N r U ,V , N1 ,..., Nr 1
O facto da equação fundamental ser homogénea de grau um tem
consequências relativamente à homogeneidade das equações de estado.
Para determinar essas consequências, partimos da expressão para a
homogeneidade de grau 1 na representação energética, equação (0.42).
Derivando o membro direito de (0.42) em ordem a S, temos
 U   S , V ,  N1 ,...,  N r   S
U   S , V ,  N1 ,...,  N r    T   S , V ,  N1 ,...,  N r 
S  S S
Derivando o membro esquerdo de (0.42) em ordem a S, temos
 
U  S , V , N1 ,..., N r    U  S , V , N1 ,..., N r   T  S , V , N1 ,..., N r  .
S S
Igualando as duas, temos
T   S , V ,  N1 ,...,  N r   T  S ,V , N1 ,..., N r  .
Conclui-se assim que a temperatura de um subsistema de um sistema
simples é igual à temperatura do sistema do qual faz parte. A mesma
propriedade aplica-se para a pressão e para os potenciais químicos.
Exemplo
 R2 
  NVU  , a variável
1/3
Com base na equação fundamental S  
 v0 
1
intensiva vem
T
1/3
1  S  1  R2   NV 
     2  .
T  U V , N 3  v0  U 
Exercícios
1) (Callen, 2.3-5, adaptado) Considere um sistema com a seguinte
equação fundamental
Termodinâmica Macroscópica 65
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

1 UV N3
S  R 2 v0 .
 v0 N UV
a) Determine as três equações de estado.
b) Mostre que as três equações de estado são funções homogéneas de
grau zero das variáveis extensivas.
c) Mostre que a temperatura é intrinsecamente positiva.
d) Determine a “equação de estado mecânica”, P  P T , v  .

e) Determine a forma das linhas adiabáticas no plano P-v. (Uma


adiabática é caracterizada por ser uma linha de entropia constante,
isto é, uma isentrópica).
2) (Callen, 2.2-1). Determine as três equações de estado para um sistema
com a equação fundamental
v  S
3
U   02  .
 R  NV
Confirme que as equações de estado são homogéneas de grau zero (isto
é, que T, P e μ são variáveis intensivas).
3) (Callen, 2.2-2, adaptado). Para o sistema do problema anterior, obtenha
μ como uma função de T, V, e N. Mostre que μ é uma função
homogénea de grau zero das variáveis extensivas (isto é, é
independente do tamanho do sistema).
4) (Callen, 2.2-3). Esboce um diagrama com a relação entre a pressão e o
volume, com temperatura e número de moles constantes, para o
sistema do problema 2), desenhando duas destas isotérmicas, e
indicando qual corresponde a uma temperatura mais alta.

3.4. Equilíbrio Termodinâmico


Sejam A e B dois sistemas termodinâmicos que só podem trocar calor
entre si (Figura 7).
Termodinâmica Macroscópica 66
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Figura 7 – Sistemas termodinâmicos separados por uma parede


diatérmica, fixa e impermeável

(1) (2)
T(1) T(2)

Como o sistema (1) + (2) é isolado resulta que:


U  U (1)  U (2)  const.
Neste caso, a equação fundamental na representação entrópica será
S  S U  para cada um dos subsistemas em vez de S  S U , V , N  , uma
vez que se considera que a parede que separa (1) de (2) é fixa e
impermeável.
O equilíbrio termodinâmico corresponde à resolução do seguinte problema
de maximização constrangida:
max
(1) (2)
S  S (1) U (1)   S (2) U (2)  (0.29)
U ,U

sujeito a
U  U (1)  U (2) (0.30)
Substituindo (0.30) em (0.29), obtém-se o seguinte problema de
maximização não constrangida:
max  S  S (1) U (1)   S (2) U  U (1)   (0.31)
(1)  
U

A solução deste problema é dada por


dS dS (1) dS (2)
 0 ou  0 (0.32)
dU (1) dU (1) dU (1)
Utilizando a regra da função composta,
dS (1) dS (2) dS (1) dS (2) dU (2)
   0. (0.33)
dU (1) dU (1) dU (1) dU (2) dU (1)
dU (2)
Como  1 , obtemos
dU (1)
dS (1) dS (2)
 (0.34)
dU (1) dU (2)
Termodinâmica Macroscópica 67
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Recorrendo a (0.26), verifica-se que a condição de equilíbrio é dada por:


1 1
(1)
 (2) (0.35)
T T
Suponhamos agora que os dois sistemas podem trocar calor e trabalho
entre si, isto é a parede entre (1) e (2) passa a ser móvel. O equilíbrio
termodinâmico é agora dado como a solução do seguinte problema de
maximização constrangida:
max S  S (1) U (1) ,V (1)   S (2) U (2) ,V (2)  (0.36)
U (1) ,V (1) ,U ( 2 ) ,V ( 2 )

sujeito a

U (1)  U (2)  U
(0.37)
V (1)  V (2)  V
Onde U e V são constantes, dado que o sistema é isolado50. Este problema
pode ser transformado no seguinte problema de maximização não
constrangida:
max S  S (1) U (1) ,V (1)   S (2) U  U (1) , V  V (1)  (0.38)
U (1) ,V (1)

A solução deste problema é dada pelo sistema de equações


 S  S (1) S (2)
 U (1)  0  U (1)  U (1)  0
 ou  (1) (0.39)
 S  S S (2)
0  0
 V (1)  V (1) V (1)
Torna-se agora necessário calcular o segundo termo dos membros
esquerdos de cada equação. Para isso, utilizamos a regra da função
composta:
 S (1) S (2) dU (2)

 U (1) U (2) dU (1)
 (1)
 S  S dV
(2) (2)

 V (1) V (2) dV (1)


As derivadas ordinárias nesta equação podem ser calculadas utilizando as
equações (0.37), sendo ambas iguais a -1. Assim, o sistema (0.39) fica

50
Note-se ainda que a entropia dos sistemas (1) e (2) depende também do número de moles de cada
componente químico, mas omitimos estas variáveis dado que são constantes.
Termodinâmica Macroscópica 68
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

 S (1) S (2)

 U (1) U (2)
 (1) (0.40)
 S  S
(2)

 V (1) V (2)
Recorrendo às definições das variáveis intensivas na representação
entrópica, equações (0.26) e (0.27), obtemos
 1 1
 T (1)  T (2)
 (1) (2)
(0.41)
P  P
 T (1) T (2)

Exemplo
(Callen, 1985, 2.6-3). Dois sistemas têm as seguintes equações de estado:
1 3 N (1)
 R
T (1) 2 U (1)
,
1 5 N (2)
 R
T (2) 2 U (2)
onde R é a constante dos gases perfeitos (R = 8,3145 J K-1 mol-1). O
número de moles no sistema 1 é N (1)  2,0 mol e no sistema 2 é
N (2)  3,0 mol . Os dois sistemas estão separados por uma parede
diatérmica, fixa e impermeável, e a energia total do sistema composto é
2,5 103 J . O conjunto dos dois sistemas é isolado. Qual é a energia
interna de cada sistema no equilíbrio?
A resolução do problema corresponde à resolução do seguinte sistema que
expressa a condição de equilíbrio e a restrição da conservação de energia:
U  U (1)  U (2)

 1 1
 (1)  (2)
T T
Substituindo as equações de estado e resolvendo o sistema, obtém-se
 (1) 2
U  7 U  7,1 10 J
2


U (2)  5 U  1,8 103 J
 7
Termodinâmica Macroscópica 69
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Exercícios
1) (Callen, 1985, 2.6-4). Considere agora que os dois sistemas do
exemplo anterior estão inicialmente separados por uma parede
adiabática, fixa e impermeável, com o mesmo número de moles em
cada um que no problema anterior. As temperaturas em cada sistema
são T (1)  250 K e T (2)  350 K . De seguida, a parede adiabática
passa para diatérmica. Quais são os valores de U(1) e de U(2) depois de
se estabelecer o novo equilíbrio? Qual é o valor de equilíbrio da
temperatura?
2) (Callen, 1985, 2.7-2). Dois sistemas têm as seguintes equações de
estado:
1 3 N (1) P (1) N (1)
 R ,  R ,
T (1) 2 U (1) T (1) V (1)
1 3 N (2) P (2) N (2)
 R ,  R ,
T (2) 2 U (2) T (2) V (2)
com R = 8,3145 J K-1 mol-1. Inicialmente, os dois sistemas estão
contidos num cilindro isolado, separados por um pistão fixo, adiabático
e impermeável. As temperaturas iniciais são T (1)  200 K e
T (2)  300 K , o volume total é 20 L e o número de moles em cada
sistema é N (1)  0,50 mol e N (2)  0, 75 mol . O pistão passa então a
ser móvel, diatérmico e impermeável. Quais são os valores da energia
interna, volume, pressão e temperatura de cada sistema quando se
estabelece um novo equilíbrio?
3) (Exame de Termodinâmica de 20/01/2003). Três substâncias, 1, 2 e 3,
estão distribuídas pelos três compartimentos apresentados no seguinte
esquema.

(1) (2) (3)

O conjunto dos três compartimentos é isolado. A separação entre os


compartimentos (1) e (2) é diatérmica, móvel, permeável ao
componente 1 e impermeável aos componentes 2 e 3. A separação
entre os compartimentos (2) e (3) (constituída por duas paredes unidas
por um eixo fixo) é diatérmica, móvel e impermeável a todos os
componentes.
Termodinâmica Macroscópica 70
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

No compartimento (1), existem moléculas dos componentes 1 e 2, no


compartimento (2) existem moléculas dos componentes 1 e 3 e no
compartimento (3) existem moléculas do componente 1.
As relações entre as áreas das paredes que separam os compartimentos
são A3  kA2  kA1 , onde k é uma constante positiva.
a) Determine as condições de equilíbrio, para quaisquer substâncias
em cada compartimento.
b) Assumindo que as substâncias dentro dos compartimentos são
gases perfeitos simples, calcule N 1(1) em função das quantidades
conservadas do problema.
c) Interprete fisicamente a situação quando N 3  0 .

3.5. Equações de Euler e de Gibbs-Duhem


Como a energia e a entropia são variáveis extensivas, a Equação
Fundamental é uma função homogénea de grau 1, ou seja
U   S , V ,  N1 ,  ,  N r   U  S , V , N1 ,  , N r  (0.42)
Derivando em relação a , obtém-se:
U U r
U
S V  N i  U  S ,V , N1 , , N r 
 S    V  i 1    N i 

Como a relação é válida para qualquer  , é válida para  = 1 e resulta:


U U r
U
S V  Ni  U  S ,V , N1 , , N r  .
S V i 1 N i

Dadas as definições nas equações (0.20), (0.21) e (0.22), temos então


r
U  TS  PV   i N i (0.43)
i 1

Aplicando o mesmo raciocínio à Equação Fundamental na forma entrópica


virá
1 P r

S  U  V   i Ni (0.44)
T T i 1 T
Termodinâmica Macroscópica 71
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

expressão que também se poderia ter obtido directamente de (0.43). Esta


expressão é conhecida como Equação de Euler, e mostra como se obtém a
equação fundamental se forem conhecidas todas as funções de estado51.
Aplicando a derivada exterior a ambos os membros da equação de Euler
(0.43), obtemos
r r
dU  TdS  SdT  PdV  VdP   i dN i   N i d i (0.45)
i 1 i 1

Subtraindo a esta equação a equação (0.23), obtemos


r
SdT  VdP   N i d i  0 (0.46)
i 1

Repetindo o raciocínio a partir da forma entrópica seria


1 P r  
Ud    Vd     N i d  i   0 (0.47)
T   T  i 1 T 
As equações (0.46) e (0.47) constituem as equações de Gibbs-Duhem,
respectivamente na forma energética e entrópica. As relações de Gibbs-
Duhem são importantes porque mostram que as variáveis intensivas não
são todas independentes. Deste modo, se existirem r+2 variáveis
extensivas independentes (S, V, N1, ... , Nr) , só há r+1 variáveis intensivas
independentes. Este resultado é uma consequência da equação
fundamental ser homogénea de grau 1.
A Tabela 1 sintetiza os resultados desta secção.
Tabela 1 – Síntese das equações de Euler e Gibbs-Duhem

REPRESENTAÇÃO ENERGÉTICA REPRESENTAÇÃO ENTRÓPICA

1 P 
EULER U  TS  PV   N S U V N
T T T

GIBBS- 1 P 


0  SdT  VdP  Nd  0  Ud    Vd    Nd  
DUHEM T  T  T 

51
Note-se que as equações ou funções de estado devem estar expressas em variáveis extensivas, o
que não é habitualmente o caso das equações empíricas, como, por exemplo,. a dos gases
perfeitos, PV  NRT .
Termodinâmica Macroscópica 72
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Exemplo
Vamos obter a equação de Gibbs-Duhem na forma energética a partir da
forma entrópica.
Desenvolvendo as formas diferenciais, obtemos
1 P  1 V PV N N
0  Ud    Vd    Nd    U 2 dT  dP  2 dT  d   2 dT
T  T  T  T T T T T
Como T>0, dividindo o 1º e o último membros por T,
 U PV  N 
0    dT  VdP  Nd 
 T T T 
Substituindo a equação de Euler na forma entrópica, obtém-se a equação
de Gibbs-Duhem na forma energética:
0  SdT  VdP  Nd  .

3.6. Equações Molares


A homogeneidade de grau um da equação fundamental permite fazer um
re-escalamento das propriedades de um sistema com número de moles
igual a N para um sistema com 1 mol. De facto, dada a propriedade de
homogeneidade, podemos escrever
1 U V N  N
S U , V , N1 ,..., N r   S  , , 1 ,..., r
,
N N N N  N
onde tomámos como factor de escala   1/ N . Em particular, para um
sistema só com um componente, temos
1 U V 
S U , V , N   S  , ,1 .
N N N 
Substituindo as definições de entropia, energia interna e volume molares,
respectivamente (0.2) e (0.3) na equação acima, temos
1
S U , V , N   S (U / N , V / N ,1) .
N
Podemos interpretar esta equação como querendo dizer que S/N é uma
função que só depende de u e v. Esta equação sugere que definamos
entropia molar, por analogia com as definições de energia e volume
molares, como
s  u , v   S  u , v,1 .
Termodinâmica Macroscópica 73
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Ficamos assim com a seguinte expressão:


1
S U , V , N   s (u , v) .
N
Analogamente, temos
u  u ( s, v ) .
Vamos agora determinar uma expressão para o diferencial da energia
interna molar. Para tal, considere-se a equação (0.23) onde se substituem
as variáveis extensivas não molares em função das molares:
d  uN   Td  sN   Pd  vN    dN .
Resolvendo as derivadas exteriores de produtos:
N du  udN  T N ds  T s dN  PN dv  PvdN   dN .
Utilizando a equação molar de Euler na representação energética e
substituindo-a na anterior, obtemos
du  Tds  Pdv . (0.48)
Veja-se ainda a seguinte dedução alternativa do diferencial da energia
interna molar. Aplicando a derivada exterior a ambos os membros de
u  u ( s, v ) :
 u   u 
du    ds    dv .
 s v  v  s
Vamos agora determinar a relação das derivadas parciais que aparecem
nesta equação com as variáveis intensivas. Para isso, começamos por
provar a igualdade
 u   u 
    .
 s v  s V , N
Temos que
 u  du  dV  dN
  
 s V , N ds  dV  dN
Por outro lado, temos
1 V
dv  dV  2 dN .
N N
Fazendo o produto exterior à direita por dN de ambos os membros desta
equação, obtemos
Termodinâmica Macroscópica 74
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

1
dv  dN  dV  dN .
N
Substituindo esta expressão na equação (0.20), obtemos
 u  du  dv du  dV  dN
    .
 s v ds  dv ds  dV  dN
Temos agora que
 u   u    U / N    U 
           T .
 s v  s V , N    S / N  V , N  S V , N
Analogamente, obtemos
 u 
   P .
 v  s , N
Podemos assim escrever
du  Tds  Pdv . (0.49)
É importante distinguir o domínio de aplicação desta expressão do
domínio de aplicação da expressão dU  TdS  PdV . A primeira
expressão é válida para sistemas em que só um dos componentes químicos
pode variar (dado que é só um componente, só pode variar devido a
entrada ou saídas de massa); a segunda expressão só é válida para sistemas
em que nenhum dos componentes químicos pode variar (isto é, não
existem entradas nem saídas de massa).
A Tabela 2 sintetiza os resultados desta secção e acrescenta alguns outros.
Tabela 2 – Síntese das equações fundamentais na forma diferencial

REPRESENTAÇÃO
REPRESENTAÇÃO ENTRÓPICA
ENERGÉTICA

NÃO 1 P 
dS  dU  dV  dN dU  TdS  PdV   dN
MOLAR T T T

1 P
MOLAR ds  du  dv du  Tds  Pdv
T T

Aplicando o conceito de equações molares às equações de Euler e Gibbs-


Duhem, obtemos o sintetizado na Tabela 3.
Termodinâmica Macroscópica 75
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Tabela 3 – Síntese das equações de Gibbs-Duhem molares.

REPRESENTAÇÃO ENERGÉTICA REPRESENTAÇÃO ENTRÓPICA

1 P 
EULER u  Ts  Pv   s u v
T T T

GIBBS- 1 P 


0  sdT  vdP  d  0  ud    vd    d  
DUHEM T  T  T 

Exemplo
Vamos determinar a forma molar da equação fundamental
 R2 
S    NVU 1 3
 v0  .
1/3
 R2   R2  3 V U 
 
1/3
S   NVU    N 
 v0   v0  N N

Resolvendo em ordem a S/N:


1/3
S  R2  V U 
  
N  v0  N N 
ou seja,
 R2 
  vu  .
1/3
s
 v0 
Exercícios
1) (Callen, 2.3-1) Determine as três equações de estado na representação
entrópica para um sistema com a equação fundamental
 v1 2  s5 2
u   03 2  12 .
R v
2) (Callen, 2.2-4). Determine as três equações de estado para um sistema
com a equação fundamental
   R  2
u    s2   2 v ,
R  v0 
e mostre que, para este sistema,   u .
Termodinâmica Macroscópica 76
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

3) (Callen, 2.2-7, adaptado). Um dado sistema obedece à equação


fundamental
u  Av 2 exp  s R  .
Uma quantidade N desta substância, inicialmente à temperatura T0 e à
pressão P0, é expandida isentropicamente e sem troca de massa (isto é,
com S e N constantes), até que a temperatura é metade. Qual é a
pressão final?

3.7. Expressões para o Trabalho e para o


Calor
Chamamos irreversibilidade de 2ª espécie ao aumento de
entropia devido à permuta de calor entre subsistemas a
temperaturas diferentes.
Esta designação destina-se, entre outras razões, a sublinhar o facto de a
troca de energia interna (calor) entre sistemas a temperatura diferente
originar sempre um aumento de entropia, por mais lenta ou quase-estática
que essa transferência seja.
Para uma evolução reversível (de 2ª espécie),
δQ = T dS
sendo T a temperatura absoluta (suposta uniforme) do sistema e δQ a
quantidade de calor que recebe ou cede. Esta relação é válida desde que T
seja uniforme e δQ e dS se refiram ao mesmo sistema (ou subsistema).
Mas T dS pode ser diferente de δQ, se o sistema foi sede de
irreversibilidades de primeira espécie. T e S referem-se então ao estado
final de equilíbrio.
Mostraremos abaixo como esta definição formal de temperatura está de
acordo com o nosso conceito qualitativo intuitivo, baseado em sensações
fisiológicas de “quente” e “frio”. Também mostraremos abaixo que esta
definição de pressão está de acordo com a definição de pressão
proveniente da mecânica.
Impondo volume constante (dV=0) e fecho do sistema (dN1,...,dNr = 0),
temos
dU  TdS .
Nestas condições, o sistema só pode trocar calor, isto é,
dU  dQ .
Concluímos assim que TdS é o fluxo quase-estático de calor:
Termodinâmica Macroscópica 77
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

dQ  TdS .52
Num processo genérico, não podemos integrar a expressão infinitesimal
para a energia interna, pois em geral as variáveis intensivas não vão ser
função das variáveis de estado (as equações de estado não são aplicáveis a
todos os pontos do processo, pois a equação fundamental também não é) e
portanto não é possível fazer o integral.
No entanto, dado qualquer estado inicial e final especificado pelas
variáveis extensivas, é sempre possível obter a energia interna por
integração. Na realidade, estamos a considerar hipotéticos processos
quase-estáticos para ir de um estado para outro. Aqui podemos utilizar o
facto adicional de que estamos a lidar com o gradiente de um potencial, e
portanto podemos de uma só vez fazer a integração para qualquer processo
quase-estático entre os dois estados.
Notámos acima que só identificámos a expressão quase-estática para o
calor no caso de sistemas fechados. Na realidade, as outras expressões
quase-estáticas de trabalho só podem ser identificadas porque temos
informação de Física Perfeita para as identificar. Assim, torna-se
impossível distinguir trabalho químico de calor, na ausência de um
mecanismo específico para estas transferências de energia.
Note-se que a partir do momento em que existem modelos específicos para
transferência de calor por condução, radiação, etc. já será possível calcular
separadamente estas transferências, perdendo-se no entanto a generalidade
da Termodinâmica.

3.8. Relações de Maxwell


As relações de Maxwell exprimem a igualdade entre diferentes derivadas
parciais de funções termodinâmicas. Normalmente, a sua derivação exige
o recurso às diferentes expressões para os potenciais termodinâmicos
abaixo apresentadas, traduzindo-se nas seguintes quatro derivadas parciais:
 P   T   v   T 
         
 s v  v  s  s  P  P  s
(0.50)
 P   s   v   s 
         
 T v  v T  T  P  P T

52
Na verdade, isto não demonstra que TdS seja ainda o fluxo de calor quando varia o número de
moles.
Termodinâmica Macroscópica 78
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Utilizando o formalismo das formas diferenciais, é possível reduzir as


relações de Maxwell a uma única, obtidas a partir da aplicação da derivada
exterior a ambos os membros da equação (0.49):
d  du   d Tds   d  Pdv   0  dT  ds  dP  dv
Rearrajando, temos
dT  ds  dP  dv (0.51)
A equação (0.51) é equivalente às habituais relações de Maxwell (0.50).
De facto, dividindo ambos os membros da equação (0.51) pelos produtos
exteriores de duas formas-1 que permitem construir derivadas parciais, isto
é, todos os produtos de uma das formas-1 no membro esquerdo por uma
das formas-1 no membro direito, obtemos as equações (0.50) na linguagem
das formas diferenciais:
dP  dv dT  ds dP  dv dT  ds
 
ds  dv ds  dv dP  ds dP  ds
(0.52)
dP  dv dT  ds dP  dv dT  ds
 
dT  dv dT  dv dP  dT dP  dT
A operação de aplicação da derivada exterior pode ser feita de uma forma
mais intuitiva. Consideremos a aplicação de um integral cíclico a ambos os
membros da expressão diferencial:

 du   Tds   Pdv
Dado que u é uma variável de estado,  du  0 (a soma das variações de
uma variável de estado ao longo de um ciclo fechado é nula). Os integrais
no membro direito representam áreas respectivamente nos planos T-s e P-
v, mais especificamente as áreas no interior do ciclo. Se o ciclo for
infinitesimal, estas áreas são também infinitesimais, e podem denotar-se
(levando em conta que o produto exterior de dois diferenciais é uma área)
respectivamente dT  ds e dP  dv . Obtemos assim a relação acima.
Mostra-se assim que as relações de Maxwell fundamentalmente exprimem
o princípio da conservação da energia.
Podemos aplicar o mesmo raciocínio à expressão
dU  TdS  PdV  1dN1     r dN r ,
obtendo
dT  dS  dP  dV  d1  dN1    d r  dN r  0
Esta é a relação geral de Maxwell. Para obtermos relações entre derivadas
parciais a partir destas equações, é necessário dividir a equação por um
produto adequado de dois diferenciais. No entanto, na forma em que está,
Termodinâmica Macroscópica 79
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

seja qual for o par pelo qual se divida, haverá vários termos que não
corresponderão a derivadas parciais. Na realidade, é necessário eliminar
todos menos dois dos pares. Consideremos o caso particular de um só
componente químico, r=1:
dT  dS  dP  dV  d  dN  0 .
Esta equação pode ser multiplicada à direita por um qualquer dos seis
diferenciais dT, dS, dP, dV, d, dN, produzindo seis equações diferentes:
dP  dV  dT  d  dN  dT  0
 dP  dV  dS  d  dN  dS  0
dT  dS  dP  d  dN  dP  0
dT  dS  dV  d  dN  dV  0
dT  dS  d  dP  dV  d  0
dT  dS  dN  dP  dV  dN  0
De forma a obter relações entre derivadas parciais, cada uma destas
equações pode ser dividida em ambos os membros por um de quatro
produtos exteriores de três formas-1. Estes produtos têm que ser tais que
só difiram numa única forma-1 dos produtos já existentes na equação. Por
exemplo, consideremos a primeira equação:
dP  dV  dT  d  dN  dT
Para que o membro esquerdo dê uma derivada parcial, é preciso que o
dividamos por um produto que só difira numa forma-1. Assim, poderíamos
retirar dP, e substituir por d ou dN (não pode ser substituído por dT ou dV
porque ficariam diferenciais repetidos). Analogamente, poderíamos
substituir dV por d ou dN ou dT por d ou dN. Teríamos assim as
seguintes possibilidades:
d  dV  dT dP  d  dT dP  dV  d
dN  dV  dT dP  dN  dT dP  dV  dN
No entanto, as duas possibilidades da última coluna, quando divididas pelo
membro direito não produzem uma derivada parcial, pois diferem em mais
que uma forma-1. Assim, só existem as seguintes quatro possibilidades:
dP  dV  dT d  dN  dT

d  dV  dT d  dV  dT
dP  dV  dT d  dN  dT

dN  dV  dT dN  dV  dT
dP  dV  dT d  dN  dT

dP  d  dT dP  d  dT
dP  dV  dT d  dN  dT

dP  dN  dT dP  dN  dT
que correspondem às seguintes relações entre derivadas parciais:
Termodinâmica Macroscópica 80
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

 P   N 
   
  V ,T  V   ,T
 P    
    
 N V ,T  V  N ,T
 V   N 
    
   P ,T  P   ,T
 V    
   
 N  P ,T  P  N ,T
Assim, existirão um total de 6 x 4 = 24 relações destas. Consideremos
agora o problema em termos inversos. Temos uma certa derivada parcial, e
queremos encontrar todas as equações que a envolvem. Por exemplo,
temos
 S  dS  dN  dP
  
   N , P d  dN  dP
Procuramos onde é que o numerador e denominador aparecem nas seis
equações iniciais. O numerador nunca aparece. O denominador aparece na
terceira. Utilizamos essa para fazer a substituição, obtendo
 S  dS  dN  dP  N 
     .
   N ,P dT  dS  dP  T  S , P

Voltamos agora ao caso geral, com r > 1. Para eliminarmos todos menos
dois dos pares, é necessário escolher r dos pares (dT, dS), (dP, dV), (d1,
dN1), ..., (dr, dNr), e multiplicar à direita. Cada uma destas escolhas
corresponde a escolher dois dos pares para ficar de fora, isto são as
combinações de r + 2, dois a dois, e a escolher um elemento de cada um
dos r pares restantes. Assim, o número total de equações é
 r  2 r
 2 .
 2 

3.9. Segundas Derivadas da Equação


Fundamental: Coeficientes Termodinâmicos
As primeiras derivadas da equação fundamental correspondem às forças
generalizadas ou variáveis intensivas. As segundas derivadas da equação
fundamental expressam propriedades específicas do sistema. Por isso a sua
determinação experimental é importante e utilizam-se habitualmente para
caracterizar o sistema.
Termodinâmica Macroscópica 81
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

No caso de um sistema simples, essa determinação das segundas derivadas


da equação fundamental é feita habitualmente através dos valores de três
coeficientes, a partir dos quais todas as restantes propriedades
termodinâmicas se podem obter utilizando relações fundamentais
deduzidas das propriedades da equação fundamental. Para sistemas de um
só componente, alguns desses coeficientes são apresentados de seguida.
O coeficiente de expansão (dilatação) térmica isobárica é definido por:
1  V  1  v 
     
V  T  P , N v  T  P
Este coeficiente exprime a variação do volume, por unidade de volume,
quando a temperatura aumenta de uma unidade mantendo a pressão
constante (a massa mantém-se constante pois o sistema é fechado).
O coeficiente de compressibilidade isotérmica é definido por
1 V  1  v 
 T       
V  P T , N v  P T
e exprime a variação do volume, por unidade de volume, quando a pressão
aumenta de uma unidade, mantendo a temperatura constante.
A capacidade calorífica molar a pressão constante define-se por:
1  Q  T  S   s 
CP       T  
N  dT  P , N N  T  P , N  T  P
A capacidade calorífica molar a pressão constante é igual à energia
necessária para aumentar a temperatura do sistema formado por 1 mol de
uma unidade mantendo a pressão constante. Habitualmente esta energia é
fornecida através de um fluxo de calor.
A capacidade calorífica molar a volume constante é definida por:
1  Q  T  S   s 
Cv       T  
N  dT V , N N  T V , N  T v
A capacidade calorífica molar a volume constante é igual à energia
necessária para aumentar a temperatura do sistema formado por 1 mol de
uma unidade mantendo o volume constante.
O coeficiente de compressibilidade adiabática define-se como:
1 V  1  v 
 S       
V  P  S , N v  P  s
Na Tabela 4 sintetizam-se estas definições.
Termodinâmica Macroscópica 82
Formalismo Termodinâmico
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Tabela 4 – Síntese dos coeficientes termodinâmicos.

RELAÇÃO DE MAXWELL

dT  ds  dP  dv

CAPACIDADE CALORÍFICA MOLAR A PRESSÃO COMPRESSIBILIDADE ISOTÉRMICA


CONSTANTE
1  v  1 dv  dT
1  Q   s  ds  dP T     
CP    T   T v  P T v dP  dT
N  dT  P , N  T  P dT  dP

CAPACIDADE CALORÍFICA MOLAR A VOLUME COMPRESSIBILIDADE ISENTRÓPICA


CONSTANTE
1  v  1 dv  ds
1  Q   s  ds  dv s     
Cv    T   T v  P  s v dP  ds
N  dT V , N  T v dT  dv

EXPANSIBILIDADE ISOBÁRICA

1  v  1 dv  dP
   
v  T  P v dT  dP

Os coeficientes anteriormente definidos não são todos independentes. Para


isso mostar, partimos, por exemplo, de α, e vamos determinar a equação
que dá a sua dependência em relação às outras variáveis. Queremos
exprimir esta derivada parcial em termos das derivadas parciais associadas
a cv, cP, κT e κs. Olhando para a Tabela 4, verificamos que α tem um
produto dv  dP que não aparece em mais nenhum coeficiente, portanto à
partida não é possível fazer a redução pretendida.
Para podermos avançar, precisamos de exprimir a derivada parcial que
define α em termos de outras derivadas parciais, esperando que essas
derivadas já só tenham produtos de formas-1 que aparecem nas definições
dos restantes coeficientes. Para isso, usamos a equação (deduzida no
apêndice)
 f   f   x   f 
         .
 y  z  x  y  y  z  y  x
Temos então

  1v  Tv  1  v   s 
     
1 dv  ds 1 dv  dT ds  dP

  s v  s  T  T  P v dT  ds v ds  dT dT  dP
Termodinâmica Macroscópica 83
Formalismo Termodinâmico
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Aplicando o algoritmo para simplificação de derivadas parciais


(apresentado abaixo), esta equação fica

cv T cP T
   ,
 vT  vT
que pode ser re-escrita como

 2 vT
cP  cv  (0.53)
T
Analogamente, demonstra-se que
TV 2
KT  KS 
NCP (0.54)
A partir das equações anteriores é possível obter
 s Cv
 .
 T CP
Note-se que todas estas equações têm nelas implícita a relação de
Maxwell.
Exemplo
É possível determinar coeficientes termodinâmicos na representação
entrópica que sejam análogos aos da representação energética definidos
anteriormente.
1 P
Consideremos a equação ds  du  dv onde se definem as variáveis
T T
extensivas e intensivas na representação entrópica para sistemas fechados.
 u 
Assim, analogamente ao coeficiente  s T  P ter-se-á   .
  1 T   P T
Repetindo o raciocínio, obtemos:
 u   v 
   
  1 T   P T    P T  1 T

 u   v 
   
  1 T   v    P T  u
Termodinâmica Macroscópica 84
Formalismo Termodinâmico
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Estes coeficientes não são normalmente usados, porque a sua interpretação


física é bastante menos intuitiva que aquela que se obtém através dos
coeficientes definidos na representação energética.
Problemas
1) De que altura devem cair 10 g de água para que a sua temperatura
aumente de 1ºC? (admita que toda a energia potencial da água é
transformada em energia interna quando a água choca com o chão). E
100 g de água? (calor específico da água = 1 cal g-1 ºC-1) (Deus et al.,
1992)
2) O comprimento da ponte sobre o Tejo é de cerca de 2 km. Se a
amplitude térmica anual média for de 40ºC (por exemplo, com um
valor mínimo de -1ºC e um valor máximo de 39ºC), qual é a variação
de comprimento sofrida pelas vigas de aço que sustentam as faixas de
rodagem? (coeficiente de dilatação linear do aço, α =1,27 x 10-5 K-1.
(Deus et al., 1992)
3) Um bloco de metal de 50 g é mantido durante algum tempo em água a
ferver. Seguidamente, o bloco é mergulhado num calorímetro de cobre
de mass 100 g, e que contém 200 g de água a 20 ºC. A temperatura de
equilíbrio é 22ºC. Qual o calor específico do metal? (calor específico
do cobre Cp = 0,39 J g-1 K-1).
4) Obtenha os coeficientes κT e  para um gás perfeito.
3.9.1. Algoritmo para Simplificação de Derivadas
Parciais
Este algoritmo permite reduzir expressões com derivadas parciais em
sistemas fechados com uma componente, a expressões algébricas nos
parâmetros termodinâmicos , κT e CP. Apresentam-se os passos sucessi-
vos do algoritmo e a sua explicação, que demonstra que qualquer ex-
pressão será simplificada pelo algoritmo.
 Z  dZ  dY
1. Eliminar as derivadas parciais utilizando a relação    .
 X  Y dX  dY
Nesta fase, temos uma fracção em que o numerador e o denominador têm pares de produtos dos seguintes
diferenciais: du, df, dh, dg, dT, ds, dP, dv.

2. Eliminar os diferenciais de potenciais, utilizando as expressões


du  Tds  Pdv , df   sdT  Pdv ,
dh  Tds  vdP , dg   sdT  vdP
O numerador e o denominador da fracção ficam com quatro diferenciais: dT, ds, dP, dv.
Termodinâmica Macroscópica 85
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

3. Aplicar a propriedade distributiva, obtendo uma soma de produtos de


dois termos no numerador e no denominador. Se possível, simplificar
dx  dx  0 .
O numerador e o denominador são somas dos seguintes seis termos:
dT  dS, dT  dP, dv  dP, dT  dv, ds  dP, ds  dv (combinações de quatro formas-1, duas a duas).

4. Eliminar dT  dS utilizando dT  dS = dP  dV.


O numerador e o denominador têm agora só cinco produtos distintos.

5. Introduzir os coeficientes termodinâmicos, recorrendo se necessário a


dx  dy  dy  dx , utilizando (repetidamente, se necessário) as
expressões
dv  dP   v dT  dP , dT  dv   T vdT  dP ,
CP CV
ds  dP  dT  dP , ds  dv  dT  dv
T T
Eliminar os pares dT  dP.
As relações acima transformam os quadro produtos existentes diferentes de dT  dP em termos com dT 
dP . Assim, todos os termos ficam com o produto dT  dP, que se pode assim eliminar.

Tv 2
6. Se se pretende eliminar Cv, usar a relação Cv  CP  .
T
7. Simplificar a expressão algébrica obtida.
Exemplo
Simplificar a expressão T v h .
dT  dh dT  (Tds  vdP ) TdT  ds  vdT  dP
  
dv  dh dv  (Tds  vdP ) Tdv  ds  vdv  dP
TdP  dv  vdT  dP T   v  dT  dP  vdT  dP
 
Tdv  ds  vdv  dP C
T V   T v  dT  dP  v dT  dP
T
1  T
C P T  v 1   T 

3.10. Estabilidade Intrínseca dos Sistemas


Termodinâmicos
A situação de equilíbrio de um sistema isolado corresponde ao máximo de
entropia do sistema compatível com os constrangimentos impostos. Nesta
Termodinâmica Macroscópica 86
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

secção vamos considerar as implicações de se tratar de um extremo no que


se refere à estabilidade do equilíbrio relativamente a pequenas
perturbações.
Até agora considerámos sempre a evolução para o equilíbrio que resultava
de ser removido um constrangimento que impedia a interacção entre dois
sistemas A e B. Esse constrangimento era conceptualmente representado
por uma parede.
Consideremos agora um só sistema, homogéneo, que dividimos
arbitrariamente em dois subsistemas por uma parede fictícia (Figura 8).
Figura 8 – Divisão arbitrária de um sistema homogéneo em dois.

(1) (2)

Para cada subsistema teremos


S (1)  S (1) U (1) ,V (1) , N (1)  S (2)  S (2) U (2) ,V (2) , N (2)  (0.55)
,
e para o sistema conjunto, como a expressão funcional da Equação
Fundamental é a mesma:
S  S (1)  S (2)  S U (1)  U (2) ,V (1)  V (2) , N (1)  N (2)  (0.56)
com
U  U (1)  U (2) , V  V (1)  V (2) , N  N (1)  N (2) .
Como (1) e (2) são supostos em equilíbrio entre si, isto significa que S é
máximo. Isto é, se entre (1) e (2) houver trocas de energia U, de volume,
V, ou de massa, N, deve-se verificar
S  S (1) U (1)  U ,V (1)  V , N (1)  N  
 S (2) U (2)  U , V (2)  V , N (2)  N   (0.57)
 S U , V , N 
Consideremos o caso particular de uma divisão ao meio do sistema
original, isto é,
U (1)  U (2) ,V (1)  V (2) , N (1)  N (2) .
A expressão (0.57) pode então escrever-se
Termodinâmica Macroscópica 87
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

U V N 
S  S   U ,  V ,  N  
2 2 2 
U V N 
 S   U ,  V ,  N   (0.58)
2 2 2 
 S U ,V , N  .
Dada a homogeneidade de grau 1 da equação fundamental, a equação
(0.58) pode escrever-se
S U  U , V  V , N  N   S U  U ,V  V , N  N  
,(0.59)
 2 S U ,V , N 
que é a definição de função côncava se os  forem arbitrários. Por
simplicidade de notação, na sequência vamos denotar as variáveis U, V, N
por X1, ..., X3. A equação (0.59) fica então
S  X 1  X 1 , X 2  X 2 , X 3  X 3   S  X 1  X 1 , X 2  X 2 , X 3  X 3   2 S  X 1 , X 2 , X 3 
(0.60)
Desenvolvendo em série de Taylor os dois termos do membro esquerdo da
desigualdade (0.60) e retendo os três primeiros termos, temos
S  X 1  X 1 , X 2  X 2 , X 3  X 3  
3
S 3 3
2S
S  X1, X 2 , X 3     X 1 , X 2 , X 3  X i    X 1 , X 2 , X 3  X i X j
i 1 X i i 1 j 1 X i X j

(0.61)
S  X 1  X 1 , X 2  X 2 , X 3  X 3  
3
S 3 3
2S (0.62)
S  X1, X 2 , X 3     X 1 , X 2 , X 3  X i    X 1 , X 2 , X 3  X i X j
i 1 X i i 1 j 1 X i X j

Substituindo (0.61) e (0.62) em (0.60) e simplificando, obtém-se:


3 3
2S

i 1 j 1 X i X j
 X 1 , X 2 , X 3  X i X j  0 (0.63)

Em termos matriciais, o significado desta equação é que a matriz Hessiana


de S é definida negativa. Para analisarmos as consequências deste facto,
podemos olhar para uma condição para que uma matriz seja definida
negativa: os seus menores principais de ordem ímpar têm que ser
negativos e os menores principais de ordem par têm que que ser positivos.
Termodinâmica Macroscópica 88
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

Por simplicidade, vamos considerar só a análise de um sistema fechado,


em que temos como variáveis independentes U e V. A matriz hessiana é
agora
 2S 2S 
 U 2 (0.64)
U V 
 2 
  S 2S 
 V U V 2 
Para identificarmos estas derivadas parciais, devemos analisar
sucessivamente cada derivada, por exemplo,
2S    S  
    (0.65)
U V  V  U V U
  1 d 1 T   dU 1 dT  dU
    2 
 V T U dV  dU T dV  dU

1   
  P T
2
T cv  T 
onde na última igualdade se utilizou o algoritmo para simplificação de
derivadas parciais e se dividiu o numerador e o denominador por N (com
as transformações que são possíveis por N ser constante).
Repetindo o cálculo para os diferentes elementos da matriz hessiana,
obtemos então os termos para todas as entradas na matriz:
  
1 P T . (0.66)
1  T
 2  
T cv   cP T  2
P   T T v
 2 PT  P 
T
 T 
A condição de que o primeiro menor principal seja negativo implica
imediatamente que
cv  0 . (0.67)

O segundo menor principal é o determinante da matriz (0.66). Com o


objectivo de simplificar os cálculos, constatamos que a entrada do
elemento (2,2) é semelhante ao produto dos elementos (1,2) e (2,1), se lhe
somarmos e subtrairmos um termo adicional:
cP T  2 2  2 2 
 2 T  2 T  2 PT  P 2 
T v T T T
Termodinâmica Macroscópica 89
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

2
 cP  2  T   
 v   T   P  2 T 
 T  T  T 
Assim, a condição sobre o determinante vai ficar:
 cP  2  T
 v   T   0
 T  T
Usando cP  cv   2 vT  T , esta expressão fica
cv T .
0
v T
Dada a equação (0.67), e dado que T e v são positivos, concluímos que
T  0 . (0.68)

Usando mais uma vez cP  cv   2 vT  T , concluímos que

cP  cv  0 . (0.69)

Considerando agora que cv cP   s  T , concluímos que

T   s  0 . (0.70)
As equações (0.69) e (0.70) são designadas como critérios de estabilidade.
Em geral, para determinarmos se uma equação fundamental obedece aos
critérios de estabilidade, poderá bastar determinar que dois dos
coeficientes são positivos, desde que seja depois possível provar, através
das outras equações que relacionam os coeficientes, que outros
coeficientes também são positivos.
É também de notar que não determinámos nada sobre o sinal de α. De
facto, este coeficiente tanto poderá ser positivo como negativo. Por
exemplo, em água líquida a pressão atmosférica, α é negativo para
temperaturas superiores a 0 ºC e inferiores a 4 ºC.
De igual modo, se tivéssemos utilizado a equação fundamental na forma
energética, teríamos obtido:
3 3
 2U

i 1 j 1 X i X j
 X 1 , X 2 , X 3  X i X j  0 (0.71)

Com a definição
 2U
U ij  , (0.72)
X i X j
Termodinâmica Macroscópica 90
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

a equação (0.71) pode escrever-se em forma matricial:


U11  U13   X 1 
 X 1  X 3           0 (0.73)
U 31  U 33   X 3 
A expressão (0.73) é equivalente, em teoria de matrizes, à condição de a
matriz U ser definida positiva.
Para demonstrar que U é definida positiva existem vários métodos,
nomeadamente a sua redução, por rotação adequada do sistema de eixos, à
forma diagonal. Se a matriz for definida positiva, todos os seus valores
próprios são não negativos.
Consideremos o caso de sistemas fechados com um componente, que têm
só duas variáveis independentes. A equação fundamental pode-se escrever
como u  us, v .53 Neste caso, dada a pequena dimensão da matriz, a forma
mais expedita de verificar se é definida positiva é verificar se todos os seus
menores principais são positivos. Teremos então
  2u   T 
u11   2    
 s 
  v  s  v

 2u  P   T 
u12      u 21   
sv  s  v  v  s
  2u   P 
u 22   2    
 v   v  s
 s
Pelo que, para existir estabilidade, terá de ser:
 T 
  0 (0.74)
 s v
e
2
 P   T   P  
        0. (0.75)
 v  s  s  v  s  v 
Em alternativa, a condição (0.74) pode ser substituída por

53
Para que a equação fundamental se possa escrever assim, basta que o sistema tenha só um
componente, não é preciso que seja fechado. A condição de que o sistema seja fechado é
necessário para que só seja preciso considerar duas variáveis para o estudo da estabilidade.
Termodinâmica Macroscópica 91
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

 P 
    0 .54 (0.76)
 v  s
Temos agora que
 T  T
   (0.77)
 s v Cv
e
 P  1
   . (0.78)
 v  s v  S

Temos assim que as condições (0.74) e (0.76) ficam


cv  0 (0.79)
e
S  0 . (0.80)
Para a condição (0.75) falta-nos só identificar

 P  dP  ds dP  ds dP  dT dv  dT CP  1 T C 1
        P
 v  s dv  ds dP  dT dv  dT dv  ds T  v T  Cv Cv v  T
(0.81)
ou

 T  dT  ds dP  dv dP  dT dv  dT  1 T T
      v     
 v  s dv  ds dP  dT dv  dT dv  ds  v  T  Cv  T Cv
. (0.82)
Substituindo as relações acima na condição de estabilidade, obtemos que
CP T  2
  0. (0.83)
v T
Como55

54
Esta condição é intuitiva e significa apenas que quando a pressão aumenta o volume deve
diminuir e inversamente. Se assim não sucedesse, qualquer pequena redução de volume faria
diminuir a pressão do sistema que por sua vez iria provocar uma redução de volume, etc. Ter em
atenção a convenção de sinais aplicada à pressão, que levou a exprimir o trabalho elementar
recebido pelo sistema por –P dV.
Termodinâmica Macroscópica 92
Formalismo Termodinâmico
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Tv 2
C P  Cv  (0.84)
T
e
 S Cv 56
 (0.85)
 T CP
conclui-se que a estabilidade intrínseca exige que:
CP  Cv  0 (0.86)
e
T   S  0 . (0.87)

Exemplo
Consideremos o ciclo representado pelo diagrama abaixo, em que o passo
B-C é isotérmico. Vamos representar qualitativamente este ciclo no
diagrama T-s.
P

A B

Comecemos pela análise do troço A→B. Para a representação deste troço


no diagrama T-s necessitamos de conhecer a direcção e o sentido desta
linha.

55
Ver 3.8 - Relações de Maxwell.
56
A descoberta experimental destas relações teve um papel fundamental no nascimento da
Termodinâmica. O facto de as termos deduzido a partir dos axiomas iniciais é uma prova
indirecta da correcção dos axiomas e das deduções matemáticas que se seguiram.
Termodinâmica Macroscópica 93
Formalismo Termodinâmico
_________________________________________________________________

A direcção da linha que constitui este troço no diagrama T-S é dada por
 T s  P . Sabe-se que  T s  P  T cP . Como T>0 e cP>0, tem-se
 T s  P  0 .
Relativamente ao sentido desta linha, uma vez que para este troço apenas
se conhece a variação qualitativa de v, será necessário determinar o sinal
da derivada de uma das coordenadas do novo diagrama em ordem a v.
Escolha-se, por exemplo,  T v  P  1  v (note-se que alternativamente
poder-se-ia ter escolhido  s v  P ). Como neste troço v  0 e v>0 então
 se   0, T  0
 .
 se   0, T  0
Note-se que como o sinal de α é desconhecido, será necessário definir um
diagrama T-s para α >0 e para α<0. Repetindo o mesmo procedimento
para os restantes troços do ciclo obtemos
T α>0 T α<0

C B A

A B C

s s

Exercícios
1) Determine as condições de estabilidade para a equação fundamental
dos gases perfeitos.
2) Determine as condições de estabilidade para a equação fundamental do
fluido de van der Waals.
3) Determine as condições de estabilidade para a equação fundamental da
radiação.
4) Determine as condições de estabilidade para a fita de elástico.
5) Determine as condições de estabilidade para o líquido incompressível.
6) (Exame de Termodinâmica de 09.09.2001). Sempre que se fornece
calor a um sistema, este aumenta a sua temperatura?
Termodinâmica Macroscópica 94
Formalismo Termodinâmico
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7) (Exame de Termodinâmica de 09.09.2001). Num processo a volume


constante a variação de energia interna é sempre igual à troca de calor?
8) No diagrama P-v, considere uma adiabática e uma isotérmica. Para um
dado ponto, determine qual das curvas é mais inclinada.
9) (Exame de Termodinâmica de 20.09.2003). Determine se a equação
fundamental
aV U  b N S  1
a) obedece à homogeneidade e à positividade da temperatura;
b) obedece ao Postulado de Nernst;
c) obedece aos critérios de estabilidade.
10) (Exame de Termodinâmica de 17.09.2004). Considere um sistema que
obedece à equação u1 2  Av1/ 3T e ao Postulado de Nernst.
a) Determine a equação fundamental.
b) A equação é compatível com os critérios de estabilidade?
1) Exprima a variação de energia interna de uma substância simples em
função das variações de temperatura e volume (utilizando os
coeficientes termodinâmicos). Aplique ao caso do gás perfeito.
2) Exprima, utilizando os quocientes dos produtos de formas diferenciais,
a variação de entropia de uma substância simples em função das
variações de temperatura e pressão (utilizando os coeficientes
termodinâmicos). Aplique a expressão resultante a um gás perfeito.
3) (Exame de 21 de Janeiro de 2005). O ciclo de Joule é descrito pelo
diagrama abaixo. Represente qualitativamente o ciclo no diagrama T-S.

D C

A B

P
Termodinâmica Macroscópica 95
Formalismo Termodinâmico
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4) (Exame de 14 de Setembro de 2005). Considere o ciclo representado


abaixo, percorrido na sequência A-B-C-D, e em que o passo B-C é
isentrópico. Represente qualitativamente o ciclo no diagrama T-S.
P

D C

A B

h
4. Sistemas Termodinâmicos Simples
4.1. Recomendações para a Obtenção de
Equações Fundamentais
Aplicar os seguintes passos iterativamente.
1)
a) Integrar as derivadas parciais que aparecem no enunciado
(considerar variáveis intensivas quer na representação energética,
quer na representação entrópica).
b) Se foram integradas duas derivadas parciais com as mesmas
variáveis independentes, igualar as expressões obtidas e assim obter
as funções desconhecidas resultantes das integrações de derivadas
parciais.
c) Caso contrário, derivar as expressões obtidas em ordem à variável
que era constante na derivada parcial de que se partiu. Transformar
esta derivada parcial noutra expressão (possivelmente usando as
formas diferenciais e a relação de Maxwell).
2) Para as equações do enunciado que não envolvam coeficientes
termodinâmicos, experimentar fazer diferentes derivadas parciais,
transformando depois estas derivadas parciais noutras.
3) Para as equações que envolvam coeficientes termodinâmicos, conjugá-
las com as seguintes equações
vT  2 vT  2 cP  T
cP  cv  , T   s  , 
T cP cv  s
(note-se que, destas três equações, só duas é que são independentes)
determinando expressões para outros coeficientes termodinâmicos.

4.2. Gases Perfeitos


4.2.1. Um Gás Perfeito
O gás perfeito simples com um componente define-se pelas equações
PV  NRT (0.88)
U  cNRT (0.89)
Termodinâmica Macroscópica 98
Sistemas Termodinâmicos Simples
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em que:
 R é a constante dos gases (8,3145 J mol-1 K-1);
 c é uma constante tal que Cv  cR (para gases monoatómicos,
c = 3/2; para outros gases, como O2 ou NO, c 5/2 a 7/2, consoante
a temperatura.)
Consideramos as equações (0.88) e (0.89) como definindo um modelo que
designamos gás perfeito. Este modelo descreve bem os gases reais quando
P  0.57
Estas equações permitem-nos determinar a equação fundamental. O
aparecimento explícito de U numa das equações sugere que utilizemos a
representação entrópica, ficando as equações (0.88) e (0.89),
respectivamente, iguais a:
P NR P R
  (0.90)
T V ou T v
1 cNR 1 Cv
  (0.91)
T U ou T u
Para obter a terceira equação de estado, passamos as equações (0.90) e
(0.91)para a forma molar e substituímos na equação de Gibbs-Duhem molar
na representação entrópica:
 C  R C R
d    ud  v   vd     v du  dv
T   u  v u v
Simplificando o membro direito e integrando ambos os membros entre um
estado de referência e um estado arbitrário (indicando as variáveis de
integração com uma pelica), temos
'
 T  u 1 v 1
  T 0 d  T   cR u0 u ' du '  R v0 v ' dv ' (0.92)

Efectuando os integrais em (0.92), obtemos:


 0 u v
  cR ln  R ln
T T0 u0 v0

57 Fisicamente, o modelo de gás perfeito simples corresponde a considerar que o gás é constituído por
moléculas (1) com volume nulo e (2) sem interacção entre elas. Assim, a energia interna só pode
depender da energia cinética de translação das moléculas, pois, devido a (1), não existe energia de
rotação ou de vibração, e, devido a (2), não existe energia de interacção. Nestas condições, a
temperatura está relacionada com a energia cinética das moléculas, e assim se justifica a equação
(0.89).
Termodinâmica Macroscópica 99
Sistemas Termodinâmicos Simples
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Substituindo estas expressões na equação de Euler molar, temos:


cR R  u v  u v
s u  v  0  cR ln  R ln  cR  R  0  cR ln  R ln
u v T0 u0 v0 T0 u0 v0
Considerando esta equação no estado de referência s0, u0 e v058,
determinamos
0
s0  cR  R  .
T0
Obtemos assim a equação fundamental para um gás perfeito:
u v
s  s0  cR ln  R ln (0.93)
u0 v0

Integração Directa da Forma Molar


A equação fundamental também se pode obter directamente da forma
diferencial da equação fundamental na representação entrópica. Substituindo
1/T e P/T, obtém-se
cR R
ds 
du  dv . (0.94)
u v
Integrando, obtemos a equação (0.93). Como se poderá verificar, a Equação
Fundamental deduzida não satisfaz o postulado
lim S  0
T 0

pois da equação (0.95) obtém-se que T = 0 exige u = 0 o que implica, pela


equação (0.93), S   . Esta aparente contradição resulta do facto de as
equações de estado de que partimos não serem válidas em todo o espaço
termodinâmico e em particular a temperaturas muito baixas.
De facto, (0.88) e (0.89) são válidas no domínio de P e T em que foram
inicialmente estabelecidas e dentro do limite de precisão consentido pelos
aparelhos disponíveis. Em termos práticos, estas equações continuam a ser
utilizáveis em regiões afastadas do ponto crítico.
Se quisermos, porém, ser rigorosos, diremos que o gás descrito por aquelas
equações de estado não existe. A tradição termodinâmica chama-lhe gás
perfeito ou ideal.
Nenhum dos termos é muito feliz, pois do que se trata é de um modelo
matemático que se aproxima do comportamento dos gases reais em certo

58
A apresentação destas equações leva em conta contributos dos alunos Tiago Veiga e Nuno
Cegonho.
Termodinâmica Macroscópica 100
Sistemas Termodinâmicos Simples
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domínio do espaço termodinâmico. Todavia, devemos salientar que a teoria


que temos vindo a construir revela desde já a capacidade para apontar a
existência de limitações no próprio modelo, ao revelar a sua inconsistência
com as propriedades que caracterizam a equação fundamental.
Posto isto, e ficando claro que ao falar de gás perfeito ou gás ideal nos
estamos a referir a um domínio restrito de P e T, continuaremos a falar de
gás perfeito por se prestar tão bem a exemplificar os conceitos, sem
excessivas manipulações algébricas. Esta equação desempenhará assim o
papel de modelo ilustrativo de um sistema termodinâmico simples.
Problemas
1) (Callen, 1985, 3.4-2). Mostre que a relação entre o volume e a pressão
de um gás perfeito monoatómico ( c  3 2 ), durante uma expansão
adiabática reversível (isto é, com entropia constante), é dada por


Pv 5 3  P0 v05 3e  2 s0 3R
e 2s 3R
 constante .
Esboce uma família destas curvas “adiabáticas” no plano P – v.
2) (Exame de Termodinâmica de 21.01.2005). A temperatura da atmosfera
diminui com a altitude. O ar mais quente expande-se quando se eleva do
nível do mar para as regiões superiores onde a pressão é mais baixa.
Como o ar é mau condutor de calor, a expansão é aproximadamente
adiabática e a temperatura diminui quando o ar sobe. Que variação de
volume terá de sofrer uma massa de ar para que a sua temperatura passe
de 20 ºC para 0 ºC devido a uma expansão adiabática (o ar comporta-se
nestas condições como um gás perfeito diatómico, com cP cv  7 5 ).
3) (Exame de Termodinâmica de 14/02/2003). Considere um cilindro onde
se encontram Ni moles de um gás perfeito simples, ocupando um volume
Vi. O sistema está em contacto com o reservatório térmico, que o
mantém à temperatura constante T.
a) É injectada neste cilindro uma quantidade adicional de moles do
mesmo gás, passando o número de moles no interior do cilindro para
Nf. Calcule o trabalho químico necessário para realizar este processo.
b) De seguida, o gás é comprimido, passando de um volume Vi para um
volume Vf.
i) Calcule o trabalho realizado neste processo.
ii) Calcule o calor trocado entre o sistema e o reservatório térmico.
iii) Interprete fisicamente o valor do trabalho quando Vf = 0.
Termodinâmica Macroscópica 101
Sistemas Termodinâmicos Simples
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4) (Exame de Termodinâmica de 17/09/2004). Um recipiente cilíndrico


isolado está dividido em duas partes (1) e (2) por um pistão
perfeitamente condutor. O lado (1) contém 1 mol de um gás perfeito
monoatómico à pressão p(1) = 1,0 MPa, e temperatura T(1) = 300 K. O
lado (2) contém 1 mol do mesmo gás, com p(2) = 0,10 MPa, e
temperatura T(2) = 300 K. Inicialmente, o pistão está preso. O pistão é de
seguida libertado, e o sistema atinge um estado de equilíbrio.
a) Qual é o volume final de cada lado do recipiente?
b) Qual é a temperatura e a pressão do gás?
c) Qual é a variação de entropia do sistema conjunto?
d) O processo é reversível?
5) (Exame de Termodinâmica de 26.01.2004) Um cilindro rígido isolado
com um volume total de 0,015 m3 está dividido em dois compar-
timentos, (1) e (2), cada um contendo uma mistura dos mesmos dois
gases perfeitos monoatómicos, 1 e 2. O volume de (1) é o dobro do
volume de (2). Os compartimentos estão separados por uma membrana
diatérmica, rígida, permeável ao gás 1 e impermeável ao gás 2.
a) Determine os valores de T e N1 em cada compartimento, depois de se
ter estabelecido o equilíbrio, em função dos valores iniciais do
número de moles e de temperatura em cada compartimento, isto é,
(1)
N 1(,1i) , N 2(1,i) , Ti , N 1(,2i ) , N 2( 2,i) , Ti( 2) (para simplificar a apresentação dos
resultados, pode definir grandezas auxiliares que dependem só destes
valores e dos parâmetros).
b) Considere agora que os valores iniciais são N 1(1)  0,60 mol ,
N 2(1)  0,80 mol , N 1( 2)  1,2 mol ,
T (1)  400 K
, N 2( 2)  0,60 mol ,
T ( 2)  300 K . Calcule os valores finais de T e N1 em cada
compartimento. Descreva os processos que ocorrem à medida que o
sistema tende para o equilíbrio, relacionando os valores iniciais de
temperatura e número de moles com os valores finais.
6) (Exame de Termodinâmica de 13.02.2004). Considere uma mole de um
gás perfeito monoatómico inicialmente a 1, 00  105 Pa e 298 K. Calcule
Q, W, e U para cada processo da seguinte sequência (que forma um
ciclo fechado):
a) um aquecimento a volume constante até uma temperatura igual ao
dobro da temperatura inicial.
b) uma expansão adiabática e quase-estática para 298 K.
Termodinâmica Macroscópica 102
Sistemas Termodinâmicos Simples
_________________________________________________________________

c) uma compressão isotérmica até 1, 00  105 Pa .


7) (Exame de Termodinâmica 21.01.2005). Considere um sistema
composto, com dois subsistemas, (1) e (2), respectivamente com
volumes V(1) e V(2). No lado (1) está uma mistura de gases perfeitos, que
contém o gás k. Do lado (2), está o gás k sozinho. A membrana que
separa os dois compartimentos é diatérmica, fixa, permeável ao gás k e
impermeável a todos os restantes gases. Relembrando que o potencial
químico de um dado componente j numa mistura de gases perfeitos é
dado por
 N j v0 
 j  RT ln     T  ,
 V 
determine, em equilíbrio, o número de moles do gás k em cada
subsistema.
8) (Exame de Termodinâmica de 26-01-2004) Uma expressão geralmente
utilizada para a capacidade calorífica molar a pressão constante é:
Cp = aT + b.
a) Determine a expressão geral para a quantidade de calor necessária
para levar de Ti a Tf, a pressão constante, uma substância descrita por
esta expressão.
b) Para o caso específico do cobre, a expressão acima escreve-se
Cp/J K-1 mol-1 = 6,28 10-3T/K + 22,59.
Calcule a quantidade de calor necessária para levar, a pressão constante,
1,00 mol de cobre de 300 K para 1300 K. Para este processo e esta
substância, teria sido uma boa aproximação considerar a = 0?

4.3. Gás de van der Waals59


Para descrever melhor o comportamento de gases reais, J. D. van der Waals
propôs em 1873 a seguinte equação de estado:
RT a
 2 P (0.96)
vb v
em que a e b são duas constantes que variam com o gás considerado e se
podem encontrar em tabelas obtidas de valores experimentais. Esta equação

59
Tal como chamamos perfeito ao gás descrito pela equação dos gases perfeitos, também chamamos
gás de van der Waals ao modelo descrito pela equação de van der Waals.
Termodinâmica Macroscópica 103
Sistemas Termodinâmicos Simples
_________________________________________________________________

foi obtida por van der Waals com base nos seguintes argumentos físicos,
partindo do modelo do gás perfeito:
1. Em vez de serem pontuais, as moléculas são esferas rígidas, com um
certo volume não nulo. O volume de uma mole de moléculas é igual
a b. Assim, as moléculas não dispõem de todo o volume, subtraindo-
se ao volume total por mole, v, o volume ocupado por mole, b.
2. Existem interacções atractivas entre as moléculas, o que, ao atrair as
moléculas para o centro do gás, reduz a pressão. As interacções
atractivas são tanto mais fortes quanto mais denso for o gás. Como
as interacções ocorrem entre pares de moléculas, aumentam
proporcionalmente com o quadrado da densidade, isto é, com o
quadrado do inverso do volume molar. Este é o termo a/v2, que
reduz a pressão.
Nos exercícios desta secção, mostra-se que a partir da equação (0.96) e da
condição de que as equações de qualquer gás devem reduzir as equações do
gás perfeito nos limites v   ou P  0 , obtém-se
  a 
c

s  s0  R ln  v  b   u    (0.97)
  v  
Esta equação também não satisfaz a equação fundamental no limite de
T  0 e, portanto, também não é aplicável a muito baixas temperaturas.
Todavia, a sua gama de aplicação é muito maior que a dos gases perfeitos e
permite, contrariamente a esta, ilustrar aspectos fundamentais do
comportamento dos gases reais como a mudança de fase.
4.3.1. Exercícios
1) Calcule o potencial químico para um fluido de van der Waals.
2) Calcule os coeficientes termodinâmicos para um fluido de van der
Waals. Interprete fisicamente, através do efeito de a e b face à expressão
para o gás perfeito.

4.4. Radiação Electromagnética


Sob o ponto de vista termodinâmico, a radiação electromagnética ilustra o
caso simples mas importante de um sistema que não possui massa mas
apenas energia. Seja pois um sistema onde existe o vácuo e cuja parede se
encontra à temperatura T (Figura 9).
Termodinâmica Macroscópica 104
Sistemas Termodinâmicos Simples
_________________________________________________________________

Figura 9 – Representação esquemática de uma cavidade


electromagnética

O interior da cavidade possui a energia electromagnética expressa pela lei


de Stefan-Boltzman,
U  bVT 4 , (0.98)
e uma pressão dada por
U
P , (0.99)
3V
sendo b uma constante com valor b = 7,56 10-16 J m-3 K-4. As relações
(0.98) e (0.99) serão por nós consideradas relações empíricas60
correspondentes a duas equações de estado. As duas equações de estado
(0.98) e (0.99) podem também escrever-se na forma:
1
 b1 4V 1 4U 1 4 , (0.100)
T
P 1 1 4 3 4 3 4 (0.101)
 b V U
T 3
Substituindo as equações (0.100) e (0.101) na equação de Euler (neste caso
só com duas variáveis extensivas independentes), obtém-se a equação
fundamental
4 14 34 14
S
b U V . (0.102)
3
Considere-se como exemplo o balanço de energia à Terra. O planeta apenas
troca energia por radiação, recebendo radiação solar e emitindo radiação
terrestre.

60 Em verdade podem deduzir-se do electromagnetismo e da mecânica quântica.


Termodinâmica Macroscópica 105
Sistemas Termodinâmicos Simples
_________________________________________________________________

À escala dos anos é legítimo considerar que o balanço de energia se


processa em estado estacionário, logo a energia recebida pela Terra tem de
ser igual à emitida. Deste modo tem-se
U Terra  U Sol . (0.103)

Substituindo a equação (0.98), obtemos

Note-se que os volumes constantes da equação anterior representam os


volumes associados s à emissão de radiação electromagnética e não os
volumes dos corpos em causa. Uma vez que a temperatura do Sol é superior
à da Terra, conclui-se que
VTerra  VSol . (0.104)
De facto, a um menor volume efectivo está associada a geração de radiação
com menores comprimentos de onda (radiação visível vs radiação infra-
vermelha).
Considerando agora a equação fundamental (0.102), e levando em conta a
igualdade das energias expressa em (0.103), conclui-se que ,
isto é a radiação irradiada pela Terra apresenta uma maior entropia que a
radiação recebida do Sol.

4.5. Elástico de Borracha Linear


O vulgar elástico de borracha tem as seguintes propriedades, em primeira
aproximação (Figura 10):
 a força é proporcional à deformação;
 a força aumenta com a temperatura, a deformação constante.
Figura 10 – Elástico de borracha

L0

Estas propriedades podem-se exprimir formalmente como:


L  L0
  bTn , com L0  L  L1,
L1  L 0
em que:
Termodinâmica Macroscópica 106
Sistemas Termodinâmicos Simples
_________________________________________________________________

 -força associada à deformação do elástico


L0 - comprimento em repouso;
L1 - limite elástico;
b - constante;
n - expoente de que ainda não sabemos o valor .
Além disso, pode admitir-se em primeira aproximação que a energia interna
é independente do comprimento, ou seja:
U = c0 L0 T
Como dispomos de uma equação de estado em U e outra em L61, a equação
fundamental na forma entrópica será da forma
S = S(U, L)
com
 S   S 
dS    dU    dL (0.105)
 U  L  L U
Como dS é uma forma-1 exacta, para que a força generalizada 
corresponda à força F que se verifica numa evolução reversível de 1ª
espécie terá62 de ser
  1     
      (0.106)
 L T U  U  T  L
o que apenas sucede para n = 1. Para n = 1, vem
cL0 L  L0
dS  dU  b dL (0.107)
U L1  L0
Como o primeiro termo só depende de U e o segundo só depende de L, a
equação (0.107) pode integrar-se termo a termo, obtendo-se como equação
fundamental63:

U b  L  L0 
2

S  S0  cL0 ln  (0.108)
U 0 2 L1  L0

61L é a única variável externa através da qual é possível a permuta de energia.

62A força correspondente à evolução reversível será igual à derivada parcial de S em relação a L. Mas
sendo dS uma forma-1 exacta, as derivadas cruzadas são iguais.

63
A integração é feita a partir do estado de referência dado po S0, U0 e L0.
5. Ciclos Termodinâmicos
5.1. Ciclo de Carnot
Os trabalhos de Sadi Carnot64 tiveram uma importância histórica
fundamental e as suas “Reflexões Sobre a Potência Motriz do Fogo”, apesar
de utilizarem o conceito de calórico, conduziram ao famoso rendimento do
ciclo de Carnot, o rendimento inultrapassável por qualquer máquina térmica
independentemente do modo como é constituída ou da substância que
descreve o ciclo.
Foram a generalidade e pertinência dos seus argumentos que levaram,
posteriormente, Clausius ao conceito de entropia e ao enunciado clássico da
Segunda Lei da Termodinâmica.
Nos textos clássicos de Termodinâmica, o ciclo de Carnot é a pedra angular
no desenvolvimento da teoria. Neste curso, o rendimento do ciclo de Carnot
e o limite superior que o mesmo representa para qualquer máquina térmica
são uma consequência quase trivial dos conceitos até agora introduzidos e
das deduções a que os postulados nos conduziram.
Em particular, para a demonstração do teorema de Carnot basta ter em conta
a existência da equação fundamental para qualquer sistema termodinâmico e
o princípio da conservação da energia.
Por outro lado, o ciclo de Carnot permite-nos uma abordagem directa à
questão da conversão do calor em trabalho e ao significado prático das
irreversibilidades de 2ª espécie.
O conceito de ciclo desempenha na construção da Termodinâmica Clássica
(ClássicaHistórica) um papel fundamental, pois constitui o modo de evitar
qualquer referência ou hipótese explícita relativamente ao que se passa no
interior do sistema.
Dizer que o sistema descreve um ciclo é o mesmo que afirmar ser possível
identificar de modo absoluto e sem ambiguidades a configuração
macroscópica do sistema pelo menos num ponto de partida, que é o ponto

64
Nicolas Léonard Sadi Carnot viveu entre 1796 e 1832 e foi engenheiro militar. O seu pai, Lazare
Nicolas Marguerite Carnot (1753-1823), engenheiro militar e general, foi um dos líderes da
Revolução Francesa e ficou conhecido como o Grande Carnot e organizador da vitória. Foi o
primeiro ministro da guerra de Napoleão e demitiu-se passados 5 meses (1800). Um seu neto,
sobrinho de Sadi Carnot e que tinha o mesmo nome, foi Presidente da 3ª República Francesa, desde
1887 até ao seu assassinato em 1894.
Termodinâmica Macroscópica 108
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

ao qual o sistema tem de regressar para que o conjunto de processos que


sofreu formem um ciclo.
Este ciclo designa-se habitualmente por ciclo fechado. Mas um ciclo que
não é fechado não é um ciclo, pelo que afirmar que é fechado se torna
redundante.
5.1.1. Fontes Reversíveis
Na discussão clássica do ciclo de Carnot e na construção clássica da
Termodinâmica, os conceitos de fonte de calor e de fonte de trabalho
reversível desempenham um papel fundamental. A sua formulação é por
isso apresentada de acordo com a terminologia e conceitos que temos vindo
a utilizar.
As fontes de calor reversíveis são sistemas termodinâmicos fechados que
podem permutar energia mantendo constantes as coordenadas externas e em
que a temperatura no seu interior tem um valor uniforme, embora possa
variar ao longo do tempo.
Pela definição, a energia permutada só pode ser energia interna (calor). O
sistema termodinâmico (no âmbito da Termodinâmica de Equilíbrio) está
sempre em equilíbrio interno, o que se traduz pela uniformidade das
variáveis intensivas, nomeadamente a temperatura.
Também podíamos definir as fontes de calor reversíveis como sistemas
termodinâmicos que estando sempre em equilíbrio interno só podem trocar
energia através da coordenada interna entropia.
No ciclo de Carnot há apenas duas fontes. Chama-se por isso fonte quente à
fonte a temperatura mais elevada e fonte fria à outra.
As fontes de trabalho reversíveis são sistemas termodinâmicos fechados,
em equilíbrio interno (e que portanto não são sede de irreversibilidades de
primeira espécie) cujas paredes são adiabáticas.
A Termodinâmica Clássica teve de inventar estes conceitos extrapolando
para um limite prático a idealização experimental.
Destas idealizações, a mais difícil de intuitivamente assimilar é a de fonte de
calor associada ao processo de transferência reversível de calor. O motivo
porque introduzimos o conceito de irreversibilidade de 2ª espécie, resulta,
entre outros, deste facto.
Por outro lado, os conceitos de fontes de calor e trabalho reversível
desempenham um papel fundamental porque é através delas que na
Termodinâmica Clássica se vão inferir as propriedades do sistema.
Termodinâmica Macroscópica 109
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

5.1.2. Descrição do Ciclo


O ciclo de Carnot é o ciclo descrito por um sistema termodinâmico em
contacto exclusivo com fontes de trabalho e fontes de calor reversíveis. O
ciclo é constituído pelos seguintes processos (Figura 11).
Processo A  B. O sistema recebe reversivelmente65 a quantidade de calor
QAB à temperatura Tq  TA  TB de uma fonte de calor reversível.
Processo B  C. O sistema sofre uma evolução adiabática e reversível
(logo isentrópica) fornecendo o trabalho WBC a uma fonte de trabalho
reversível.66
Processo C  D. O sistema cede reversivelmente a quantidade de calor
QCD, à temperatura constante T f  TC  TD a uma segunda fonte de calor
reversível.
Processo D  A. O sistema sofre uma evolução adiabática e reversível
(logo isentrópica) recebendo o trabalho WDA de uma fonte de trabalho
reversível.
Figura 11 – Ciclo de Carnot

Em nenhum dos processos há irreversibilidades de 1ª ou de 2ª espécie, tanto


na permuta de energia com as fontes como no interior do sistema.
O ciclo descrito é o chamado ciclo directo. O ciclo inverso é inteiramente
idêntico, mas percorrido em sentido inverso. Neste caso, onde no ciclo
directo recebia calor (ou cedia trabalho), passou a ceder calor (ou a receber

65 Tal significa que, no sistema conjunto compreendendo o sistema que descreve o ciclo e a fonte,
não há aumento global de entropia durante a transferência de calor. Isto é, no sistema conjunto não
há irreversibilidades de 2ª espécie.
66 Ver nota anterior. No sistema conjunto não há irreversibilidades de 1ªespécie.
Termodinâmica Macroscópica 110
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

trabalho). Ao ciclo directo chama-se ciclo motor. Ao ciclo inverso chama-


se ciclo frigorífico.
O sistema que sofre a evolução é absolutamente geral, pois não especifica
nenhuma substância particular a descrever o ciclo.

5.2. Teorema de Carnot


O Teorema de Carnot desempenha um papel especial porque trata das
conversões de calor em trabalho e exprime a realidade fundamental da
natureza ou mundo em que vivemos de que todo o trabalho é convertível em
calor mas de que nem todo o calor é convertível em trabalho num processo
cíclico.
Sublinhamos cíclico, porque há processos, de que é exemplo a expansão
isotérmica de um gás perfeito, em que todo o calor recebido é cedido pelo
sistema sob a forma de trabalho. Todavia, o sistema não regressa ao estado
inicial.
Enunciado
O rendimento do ciclo de Carnot depende apenas das
temperaturas extremas e é dado por67:
W T
   1 f
Q Tq
O rendimento é máximo se todos os processos forem
reversíveis, tanto de 1ª como de 2ª espécie.

Demonstração
Para aplicar a teoria que já construímos à demonstração do Teorema de
Carnot, comecemos por notar que o (sub)sistema A e as fontes formam um
sistema total isolado enquanto se desenrola o processo correspondente ao
contacto com as fontes.
Notemos ainda que tanto cada uma das fontes como o sistema que descreve
o ciclo possuem uma Equação Fundamental que é específica da substância
que os forma, isto é, teremos:
U = U (S, X1, ... , Xn) para o sistema que descreve o ciclo
Ucq = Ucq (Scq, X1q, ... , Xnq) para a fonte de calor à temperatura
Tq = TA = TB

67
Temperaturas absolutas.
Termodinâmica Macroscópica 111
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

Ucf = Ucf (Scf, X1f, ... , Xnf) para a fonte de calor à temperatura
Tf = TD = TC
Ut = Ut (X1t, ... , Xnt) para a fonte de trabalho reversível
Note-se que escrevemos a Equação Fundamental da fonte de trabalho
reversível independente de S para sublinhar que, por definição, numa fonte
de trabalho reversível, a entropia se mantém sempre constante pelo que é
desnecessária para a descrição das suas permutas de energia ou das suas
evoluções.
Por outro lado, será sempre:68
δQq = Tq dSq - para a fonte quente
δQf = Tf dSf - para a fonte fria
e será também para o sistema A, sempre
δQA = TA dSA
Consideremos agora, individualmente, cada um dos quatro processos que
formam o ciclo.
Processo A  B
No estado inicial A, o sistema encontra-se na configuração
UA = U (SA, X1A, ... , XnA)
No processo A  B, a fonte quente cedeu ao sistema
δQq = Tq dSq
e a entropia do sistema aumentou de
 Qcq
dS 
TAB
Se o processo não for infinitesimal obter-se-á, dado que a evolução é
isotérmica,
Qq = Tq (SqA - SqB)
e para o sistema
Qcq Q AB 69
SB  SA  
TAB TAB

68 Pelo índice c referimo-nos à fonte. Notar-se-á que distinguimos a temperatura do sistema da


temperatura da fonte, mantendo apenas a exigência de não haver irreversibilidades internas, tanto
na fonte como no sistema. Assim, a relação δQ=TdS é sempre válida, pois T e dS referem-se ao
mesmo sistema termodinâmico.
69 Porque o calor recebido pelo sistema é igual ao cedido pela fonte.
Termodinâmica Macroscópica 112
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

Durante o processo A → B, o sistema recebeu calor (entropia) da fonte


quente e cedeu trabalho, pelo que a sua coordenada externa se alterou para
VB.
A variação total de energia interna do sistema, entre A e B, foi portanto,
UB - UA = WAB + QAB = U (SB, VB) - U (SA, VA)
Processo B  C
Como o processo é adiabático e reversível a entropia do sistema não se
altera, pelo que SC = SB. O sistema apenas cede trabalho à fonte de trabalho
(reversível) no valor de
UC - UB = U (SB, VC) - U (SB, VB)
Processo C  D
Se notarmos que no processo A  B a entropia do sistema aumentou de SA
para SB, e que o processo C  D é adiabático, conclui-se imediatamente
que o sistema só pode voltar ao estado inicial se ceder no processo C  D
toda a entropia que recebeu desde o estado inicial70. O sistema terá,
portanto, de ceder à fonte fria a quantidade de calor
SA  SB
Q CD  .
TCD
Durante o processo, trocou também o trabalho correspondente à passagem
da configuração (VC) à configuração (VD).
Processo D  A
O sistema regressa adiabática e reversivelmente ao estado inicial para o que
apenas pode ceder trabalho à fonte de trabalho (não pode trocar calor, e
portanto entropia, porque o processo é adiabático).
Como o sistema regressa ao estado inicial, a sua energia interna é a mesma
que tinha quando iniciou o ciclo. Pelo princípio da conservação da energia,
resulta que o saldo dos trabalhos trocados pelo sistema com as fontes de
trabalho reversível só pode provir do saldo das suas trocas de calor com as
fontes de calor. Ora o sistema recebe da fonte quente a energia
Qq = Tq Sq
e com ela a entropia
Sq = (SB - SA).

70 Pois a única forma que um sistema termodinâmico tem de reduzir a sua entropia é cedendo calor e
nos troços do ciclo em que permutou trabalho isso é impossível porque esses processos são
adiabáticos.
Termodinâmica Macroscópica 113
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

Para o sistema voltar ao estado inicial teve de ceder à fonte fria a entropia 
Sq que recebeu e para isso teve que lhe ceder a quantidade de calor
Qf = TfSq.
A quantidade de calor convertido em trabalho foi portanto:
W= Qq - Qf = (Tq - Tf) S
em que
S = SA - SB = SC - SD
Como o rendimento do ciclo é definido pelo quociente do trabalho cedido
pela quantidade de calor recebida, isto é:

W Tq  T f  S Tq  T f
  
Qq Tq S Tq
ou seja
Tf
  1
Tq
como desejávamos demonstrar.
Notas
Como se constata, a demonstração é quase trivial quando o princípio da
conservação da energia e a existência de uma Equação Fundamental são
dados adquiridos.
O Teorema de Carnot, tal como deduzido, aproxima-se da concepção inicial
de Carnot, que via numa diferença de temperaturas o análogo de uma
diferença de cotas numa queda de água (diferença de energia potencial), que
poderia ser aproveitada para a produção de trabalho mecânico (o análogo da
água que desce é a entropia e o da altura da queda a diferença de
temperatura).
Todavia, Carnot utilizou o conceito de calórico e este não permite a dedução
do teorema se o calórico for entendido como o era na época.
Se Carnot tivesse feito a destrinça conceptual entre δQ, T e dS (isto é, do
que está contido em δQ = T dS), o princípio tal como o “tentou” exprimir
estaria correcto. Todavia, e contrariamente ao que é corrente afirmar-se, não
há nenhuma prova histórica de que Sadi Carnot tivesse feito essa
reelaboração conceptual que teria criado o conceito de entropia.71

71
Que o rendimento de qualquer conversor de energia deve ser máximo para um processo reversível
foi extensamente defendido por Lazare Carnot (pai de Sadi Carnot). Lazare Carnot tratou das
Termodinâmica Macroscópica 114
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

5.2.1. Reversibilidades Interna, Externa e Total


Tal como enunciado e demonstrado, o Teorema de Carnot (princípio de
Carnot nos textos históricos) exige a reversibilidade total no universo
formado pelo sistema e pelas fontes, universo esse que é isolado. A
reversibilidade total exige que todos os processos (no interior do sistema e
das fontes bem como na sua interacção) sejam reversíveis (de 1ª e 2ª
espécie). A reversibilidade total permite que a realização do ciclo inverso
anule completamente todos os efeitos do ciclo directo, e inversamente.
A reversibilidade total é uma abstracção fundamental na construção da
Termodinâmica Clássica (Clausius, Kelvin, Planck, etc.) onde o primeiro
princípio consiste na afirmação de que o calor é a forma de energia que é
preciso ter em conta para que a energia total se conserve num sistema
isolado.
Por outro lado, através dos conceitos de reversibilidade total e através dos
conceitos fulcrais de fontes, de trocas de calor e de trabalho reversível,
procura-se demonstrar, com a utilização de ciclos de Carnot, (muitas vezes
artificiosa), que
Q
 T 0
em que δQ se refere à fonte de calor e T à sua temperatura. A situação
Q
 T 0
mostra que existe uma função de estado tal que dS = δQ/T72, a que Clausius
chamou entropia. Clausius designou também como calor não compensado
a diferença
B Q
  S A  SB   0

T A

no processo A  B. Este modo de proceder transfere para as fontes o


cálculo de todos os fluxos de energia e transforma-se facilmente em ratoeira
se as temperaturas do sistema e das fontes não são iguais.
A maior dificuldade conceptual reside no facto da reversibilidade total
exigir permutas de calor entre corpos a igual temperatura, o que é contrário

conversões de energia no âmbito da "Física Perfeita" (máquinas hidráulicas, etc.) e designava o


caso limite da reversibilidade (correspondente ao que definimos como reversibilidade de 1ª
espécie) como movimento geométrico.
72 1/T é o factor integrante que multiplicado por δQ transforma o conjunto num diferencial exacto,
isto é, no diferencial da função de estado que é a entropia.
Termodinâmica Macroscópica 115
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

ao senso comum. Tal facto leva muitos estudantes a terem sérias


dificuldades na aplicação da Termodinâmica a situações reais conduzindo-
os a mecanizar (sem dominar) as aplicações.
Ora, nas situações reais, é desnecessário exigir a reversibilidade total. Para
que o formalismo já deduzido seja utilizável nas situações reais, basta que
exista reversibilidade interna, a qual é sinónimo de validade
"instantânea" da Equação Fundamental.
Diremos, analogamente, que existe reversibilidade externa se as fontes
com as quais o sistema troca calor e trabalho também têm
reversibilidade interna (note-se que o próprio conceito de fontes
reversíveis o exige), isto é, estão a cada instante em equilíbrio interno.
Resta a interacção entre o sistema e as fontes, e a esta não é necessário
exigir que seja reversível de acordo com o formalismo exposto, porque
sabemos calcular facilmente o aumento de entropia total que resulta dessa
irreversibilidade.
Sucede ainda que a irreversibilidade mais corrente e impossível de evitar em
termos práticos é a irreversibilidade de 2ª espécie porque a transferência de
calor exige uma diferença de temperaturas não infinitesimal se a quantidade
a transferir é finita e tiver de ser efectuada em tempo finito como sucede em
qualquer motor térmico.
Tendo em atenção as observações anteriores, verifica-se que, seja qual for o
ciclo descrito pelo sistema, se ele tem de voltar ao estado inicial, a entropia
tem de voltar ao valor que tinha no início.
Segue-se que toda a entropia que o sistema recebeu (seja a proveniente de
sistemas de temperatura mais elevada, seja a proveniente de dissipações
associadas ao trabalho permutado) tem de ser cedida, o que exige a
existência de sistema (ou sistemas) a temperatura mais baixa.73
Tendo em conta este facto, a quantidade de calor que pode ser convertida
em trabalho é tanto menor quanto maior for o calor que o sistema é
obrigado a ceder para que a sua entropia regresse ao valor inicial, e possa
assim fechar-se o ciclo.
Voltando ao ciclo de Carnot e admitindo agora apenas a reversibilidade
interna do sistema e das fontes, será, para o calor recebido da fonte quente
Qq = Tq dSq para a fonte
mas para o sistema é

73 Pelo que a conversão de "calor" em trabalho exige pelo menos duas fontes de calor a temperaturas
diferentes.
Termodinâmica Macroscópica 116
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

Qq Tq
SB  S A   Sq
TA TA
pelo que,

se TA < Tq é S B  S A  Sq .

Isto é, devido à irreversibilidade de 2ª espécie na interacção entre o sistema


e a fonte, o sistema recebeu, com a mesma quantidade de calor, mais
entropia. Esta entropia vai o sistema ter que a ceder à fonte fria. Para tal,
tem de lhe ceder a quantidade de calor dada por (supondo que tudo o mais
foi reversível)
Qf = Tf (SB-SA).
Para que esta transferência se faça num processo real, terá de ser
Tf (sistema)  Tf (fonte fria)
O que significa que, quanto maior for a diferença de temperaturas entre o
sistema e a fonte fria, maior será Qf , porque ΔSq é imposto.
Como o saldo dos trabalhos trocados pelo sistema é o trabalho útil obtido da
conversão de calor em trabalho, será
W = Qq - Qf
= TA dSAB - TC dSAB
= (TA - TC) dSAB
e ainda
TAB  TCD T
*  1 CD
TAB TAB
em que TCD e TAB são, agora, as temperaturas do sistema (e não das
fontes). Como se vê
*  
 * será o rendimento do ciclo quando existe apenas reversibilidade interna.
Como é óbvio, se houver no sistema irreversibilidades internas, mais
entropia é necessário ceder às fontes frias e portanto maior o valor de Qf,
diminuindo assim o rendimento.
Do anteriormente exposto conclui-se também que:
o rendimento de qualquer ciclo na conversão de calor em
trabalho é máximo existindo reversibilidade total.
Termodinâmica Macroscópica 117
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

a que poderemos acrescentar, para qualquer ciclo real74:


o rendimento máximo de um ciclo real verifica-se quando
existe reversibilidade interna e aumenta quando diminuem
as irreversibilidades na interacção com as fontes.
Chamamos ciclos endoreversíveis aos ciclos em que apenas existem
irreversibilidades de 2ª espécie nas trocas de calor com as fontes.

5.3. Outras Formulações da Segunda Lei da


Termodinâmica
Existem diversas formulações alternativas da Segunda Lei da
Termodinâmica:
Postulado de Kelvin75:
Uma transformação, cujo único resultado final, fosse
transformar em trabalho o calor extraído de uma fonte que tem
todos os seus pontos à mesma temperatura, é impossível.
Postulado de Clausius76:
Uma transformação cujo único resultado final fosse transferir
calor de um corpo a dada temperatura para outro corpo a
temperatura mais elevada, é impossível.
Postulado de Planck77:
É impossível construir um motor que, trabalhando num ciclo
completo, tenha como único efeito levantar um peso e arrefecer
um reservatório de calor.
Como facilmente se constata, os postulados ou axiomas de Kelvin e Planck
reduzem-se à afirmação de que é impossível converter calor em trabalho,
num processo cíclico, utilizando uma só fonte de calor, a temperatura
uniforme.
Embora o postulado de Clausius não refira explicitamente um ciclo, a
afirmação equivalente está implicitamente contida na condição "único
resultado".

74 Pois para estes a reversibilidade total é impossível.

75 Tal como citado Fermi (1973, p. 29).

76 Tal como citado Fermi (1973, p. 29).

77 Planck (p. 89).


Termodinâmica Macroscópica 118
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

Por exemplo, na conversão de calor em trabalho durante a expansão


isotérmica de um gás, o efeito não foi só o fornecimento de trabalho mas
também o aumento de volume.
Que uma só fonte de calor não é bastante para converter calor em trabalho é
uma consequência de a entropia final do sistema ter de ser igual à inicial
para que o ciclo se feche. Não havendo um sistema a temperatura mais baixa
ao qual se cede a entropia recebida, não se pode voltar ao estado inicial. Se a
entropia é cedida à temperatura a que foi recebida, o saldo do calor trocado
é nulo e portanto também o é o saldo dos trabalhos.
O postulado de Clausius está contido no raciocínio anterior se em vez de um
ciclo motor, considerássemos um ciclo inverso.
As observações anteriores mostram como a formulação aqui apresentada
contém as outras, como aplicações particulares. Notar-se-á, por outro lado,
que enquanto as formulações clássicas apresentadas o fazem, referindo
explicitamente o calor, na formulação aqui apresentada é à dissipação, no
sentido genérico, das formas macroscópicas de energia da Física Perfeita,
que se faz referência.
Qualquer das formulações parte de axiomas e tem de obter resultados
consistentes entre si. Todavia, formulações diferentes permitem
interpretações e, sobretudo, desenvolvimentos diferentes.
A Mecânica de Lagrange e Hamilton está inteiramente contida na Mecânica
de Newton. Mas foram estas reformulações que permitiram os mais notáveis
desenvolvimentos posteriores da Física e o nascimento da Mecânica
Quântica, por exemplo.
O conceito de Equação Fundamental aqui utilizado foi inicialmente
introduzido por Gibbs.
Postular directamente a existência da Equação Fundamental e as suas
propriedades foi iniciado por Callen, que divulgou e consagrou um tipo de
reflexão iniciado por Tisza.
Começando directamente pelos axiomas da existência de U como função de
estado e da entropia e suas propriedades, Gibbs-Tisza-Callen desejaram
evitar justificações artificiosas a partir de axiomas pouco claros ou
desnecessariamente restritivos, para demonstrar a existência de uma
Equação Fundamental que, uma vez provada, permite extrair inúmeras
conclusões.
Como, tanto num como noutro caso, é a previsão dos resultados
experimentais o teste último da Teoria, o que o desenvolvimento da
Termodinâmica Macroscópica a partir da Equação Fundamental oferece são
consideráveis vantagens de generalidade, de concisão e de rigor, para além
de tornar clara a ligação com a Termodinâmica Estatística.
Termodinâmica Macroscópica 119
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

Neste curso, o ponto de partida (para além do Princípio de Conservação da


Energia comum a todos os textos de Termodinâmica) foi o postulado ou
princípio da dissipação, porque é a dissipação e a irreversibilidade de 1ª
espécie que separa os fenómenos reais dos da Física Perfeita. Este
postulado, ou princípio, que a experiência de todos os dias nos mostra
existir, conjugado com o princípio (implícita ou explicitamente admitido em
todas as formulações) de a Energia Interna ser uma função do ponto no
espaço Termodinâmico obriga à existência de coordenadas internas. Usar
apenas uma coordenada interna (Entropia) como suficiente é equivalente à
afirmação (ou hipótese) de existir equilíbrio ou uniformidade interna.
Obtivemos assim, dedutivamente, a Equação Fundamental e os axiomas de
Callen como um resultado deduzido. Feita a comparação com os axiomas ou
postulados de outras formulações verificamos também que eles estão
contidos na formulação que adoptamos.
Deve ainda referir-se, como modo de formular a Termodinâmica
(Termoestática) a sugerida por Max Born78 a Carathéodory, da qual resultou
um teorema puramente matemático devido a Carathéodory e que afirma:79
Na vizinhança do ponto P de um campo vectorial associado a
um pfaffiano integrável há pontos que não podem ligar-se a P
por uma curva ergomédica.80
O axioma de Carathéodory, a partir do qual a Termodinâmica se formula, é:
Na vizinhança de qualquer estado de um sistema
fechado, há estados que são inacessíveis ao sistema
através de uma evolução adiabática, seja ela reversível
ou irreversível.
Este axioma, utilizando o teorema de Carathéodory, permite a dedução
formal da Termodinâmica.
O nosso postulado da dissipação é o equivalente ao axioma de
Carathéodory. O teorema de Carathéodory permite a dedução matemática
rigorosa, que apresentamos de modo fisicamente necessário e intuitivo, da
necessidade de existência da variável interna entropia.
Finalmente, deve assinalar-se o que é específico deste curso tal como vem
sendo apresentado:

78 Born (1964).

79 Kestin (1966).

80 A vizinhança do ponto P pode ser arbitrariamente pequena. Se o pfaffiano for



 Q   i dxi ,
o mesmo diz-se integrável se existir um factor integrante  tal que  δQ é uma diferencial
i exacta.
Uma curva ergomédica é uma curva tal que i
 i dxi  constante .
Termodinâmica Macroscópica 120
Ciclos Termodinâmicos
_________________________________________________________________

 A definição do calor por exclusão (como Max. Born sugeriu...) a


partir da Física Perfeita.
 A exclusiva utilização de coordenadas externas, o que permitiu
evitar qualquer conceito prévio de reversibilidade ou equilíbrio
interno.
Deve notar-se que qualquer formulação que utilize variáveis intensivas
exige a prévia definição de equilíbrio, reversibilidade, etc , o que gera um
ciclo vicioso formal se se procura manter a coerência lógica da exposição.
A importância que a equação de estado dos gases perfeitos assume na
Termodinâmica Clássica e também na de Born-Carathéodory é uma
consequência directa da utilização de variáveis intensivas, ou de uma
mistura de variáveis extensivas e intensivas, como ponto de partida.
Nesse tipo de abordagem, a ausência de uma definição rigorosa de
transferência de energia sob a forma de calor origina também dificuldades e
distorções, que seriam evitáveis.
6. Potenciais Termodinâmicos
Na análise de um sistema termodinâmico que não seja isolado, é sempre
possível integrá-lo num sistema mais amplo, que esse sim seja isolado. A
esse sistema mais amplo podemos aplicar o princípio do máximo da
entropia.
No presente capítulo, vamos mostrar que esta aplicação permite inferir
condições de extremo para o sistema termodinâmica inicial, mas agora sobre
outras variáveis termodinâmicas. Uma destas é a energia interna, mas
podem também ser os potenciais termodinâmicos, que iremos definir e
estudar neste capítulo.

6.1. Teorema do Mínimo de Energia


O valor no equilíbrio de qualquer variável não constrangida é o
que minimiza a energia interna dado que a entropia total se
mantém constante.
Para tornar a demonstração mais legível, vamos considerar um sistema
composto fechado, só com dois subsistemas. Assim, o sistema composto é
descrito pelas variáveis extensivas U(1), U(2), V(1), V(2). Já sabemos que
podemos equivalentemente considerar o sistema descrito pelas variáveis
U(1), U, V(1), V. A condição de máximo de entropia significa que
 S   S 
 1 
0 e  1  1  0 . (0.109)
 U V ,V 1 ,U  V V ,U ,U
Passando as condições (0.109) para a linguagem de formas diferenciais,
ficam
dS  dV  dV    dU  0
1
(0.110)
dS  dV  dU    dU  0
1
(0.111)
As condições para que a energia interna seja um extremo são:
dU  dV  dV    dS
1
 U 
 1  1  1 1
0 (0.112)
 S V ,V ,S dS  dV  dV  dS

dU  dS  dS    dV
1
 U 
 1  1  1 1
0 (0.113)
 V  S ,S ,V dV  dS  dS  dV
Termodinâmica Macroscópica 122
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

A condição (0.110) é equivalente à condição (0.112). Dado que


dU (1)  TdS (1)  PdV (1) , a condição (0.111) pode-se reescrever como
TdS  dV  dS    dU  PdS  dV  dV    dU  0 .(0.114)
1 1

Usando a condição (0.110), fica demonstrado que


dS  dV  dS    dU  0 ,
1
(0.115)
que é equivalente à condição (0.113). Ficando assim provado que se o ponto
em causa for um extremo da entropia, é também um extremo da energia
interna.

Dada a completa dualidade existente entre o Mínimo da


Energia e o Máximo da Entropia, a estrutura formal da
Termodinâmica pode construir-se tanto a partir do princípio do
máximo de entropia como do mínimo da energia.
Aliás, tomando como postulado o mínimo de energia na posição de
equilíbrio, a existência de um máximo para a entropia constitui um teorema
que se demonstra de modo inteiramente análogo ao usado.
Utilizar uma ou outra formulação é equivalente em termos formais, muito
embora seja vantajoso escolher a formulação consoante o tipo de problema a
analisar.

6.2. Estrutura do Espaço Termodinâmico


O espaço termodinâmico fundamental, que temos vindo a considerar, é um
espaço afim, isto é, um espaço em que a distância entre dois pontos não tem
sentido físico (como tem na Geometria Euclidiana ou na de Riemann). A
este espaço, em que as coordenadas são propriedades extensivas, chamamos
espaço de Gibbs.
Neste espaço, a utilização de eixos de coordenadas ortogonais não tem
nenhum significado particular, e a generalização do seu uso apenas se deve
ao hábito e à comodidade que por vezes representa.
No espaço de Gibbs há todavia invariantes fundamentais que o
caracterizam, como adiante veremos (elemento de volume).
Todavia, apesar da sua fundamental importância, na estrutura conceptual e
na geometrização da Termoestática, a utilização das coordenadas extensivas
base é pouco prática nas aplicações e é sobretudo limitativa na construção
prática da Equação Fundamental de sistemas particulares pois estes
requerem a obtenção de dados experimentais, mesmo quando, como
Termodinâmica Macroscópica 123
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

actualmente sucede, muitas das propriedades são obtidas por cálculo a partir
de modelos atómicos ou moleculares.
Sob o ponto de vista da TME (Termodinâmica Macroscópica de Equilíbrio)
as variáveis internas (U e S) não são directamente mensuráveis e têm que se
obter por cálculo a partir dos valores conhecidos de outras grandezas.
Como a Equação Fundamental, tanto na forma entrópica como na
energética, se exprime em termos das variáveis extensivas, a questão
fundamental que se põe é a de saber se é possível exprimir o conteúdo
fundamental e toda a informação sobre o sistema que a Equação
Fundamental possui utilizando como variáveis independentes não as
variáveis extensivas mas sim as intensivas.
Tendo em conta que as variáveis intensivas que desejamos tomar como
variáveis independentes são derivadas parciais de primeira ordem da
Equação Fundamental, tal como dadas pelas equações (0.20), (0.21) e (0.22)
, constata-se imediatamente que a mera eliminação de S, U, V, Ni, ...na
Equação Fundamental a partir de T, P, μi, não seria invertível. De facto, ao
querermos passar da Equação Fundamental expressa em T, P, μi, aos valores
iniciais teríamos de efectuar integrações as quais iriam introduzir funções e
constantes de integração arbitrárias, com o que se teria perdido informação
que existia na Equação Fundamental original.
Verifica-se, assim, que a transformação a efectuar só será possível se, de um
modo único, pudermos definir a Equação Fundamental pelas suas
coordenadas (S, V, N1 , ... Nr) ou como a envolvente dos planos tangentes à
superfície U = U (S, V, N1 , ... Nr) no espaço de Gibbs.
Referem-se os planos tangentes à hipersuperfície porque os planos tangentes
se definem a partir das derivadas parciais no ponto e as derivadas parciais
(variáveis intensivas) são o que desejamos para novas variáveis
independentes.
Esta questão foi estudada por Legendre e é análoga à que se põe em
mecânica quando se procura no estudo do movimento fazer a sua descrição
tomando as velocidades como as novas coordenadas independentes e
construir a lagrangeana.

6.3. Transformação de Legendre


Seja dada uma função     X 1 , , X n  , com derivadas parciais
continuamente diferenciáveis, e tal que o determinante da matriz Hesseana,
Termodinâmica Macroscópica 124
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

  
2

  (0.116)
 X i X j i , j 1,,n
é não nulo em todo o domínio.
Chama-se transformada parcial de Legendre da função F relativamente a um
subconjunto das suas variáveis, Xk, com k  K , K  1, , n , à função 
obtida de φ pela relação:

    Xk . (0.117)
kK X k

Com a definição

Pk  ,kK , (0.118)
X k
A equação (0.117) fica
     Pk X k . (0.119)
kK

Se o número de termos é igual a n, a transformada diz-se total e é


identicamente nula, pela equação de Euler, se a função φ for homogénea de
grau 181.
Se na transformada parcial  eliminarmos os Xi envolvidos na transformada
pelas relações (0.118), obtemos  em função dos Xi não transformados e
das derivadas (variáveis intensivas) relativamente aos Xi que entraram na
transformação.
Diferenciando (0.119) teremos:
d   d    Pk dX k  X k dPk  . (0.120)
kK

Por outro lado, com as definições (0.118), temos


n
d   PdX
i i . (0.121)
i 1

Substituindo a equação (0.121) na equação (0.120) e simplificando, obtemos


d    Pk dX k   X k dPk , (0.122)
kK kK

pelo que

81
Note-se que se a função φ for uma equação fundamental escrita na forma molar, então não é, em
geral, homogénea de grau 1, e portanto a transformação total não será identicamente nula.
Termodinâmica Macroscópica 125
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________


Xk   ,kK (0.123)
Pk
relação que é simétrica de (0.118). Obtida a transformada de φ, isto é ,
pode também obter-se a transformada parcial de  (a que chamaremos )
relativamente aos Pk utilizando o mesmo tipo de transformação:

 Pk . (0.124)
kK Pk

Esta transformação é possível desde que o determinante da seguinte matriz


Hesseana,
  
2

  , (0.125)
 Pi Pj i , jK
seja não nulo em todo o domínio.
Dada a equação (0.123), a equação (0.124) escreve-se
     X k Pk , (0.126)
kK

ou seja
     X k Pk , (0.127)
kK

Comparando esta expressão com a de  obtida da transformada de φ


verifica-se que    , pelo que se conclui que a transformada da
transformada de φ é a própria função Φ.
Como a passagem de φ à sua transformada é unívoca, e como da
transformada de φ se passa a φ pelo mesmo processo, conclui-se que φ e 
possuem a mesma informação, pois conhecendo uma se obtém
univocamente a outra.
A diferença entre φ e  é que, em , algumas das variáveis independentes
passaram a ser as variáveis intensivas que escolhemos para intervir na
transformada.
Como se verá abaixo, o não anulamento do determinante da Hesseana de φ
(dada pela expressão (0.116)) é uma condição imposta pela estabilidade
intrínseca do sistema termodinâmico, pelo que, se φ for a Equação
Fundamental do sistema, aquela condição se verifica sempre.
Geometricamente, o não anulamento do determinante da Hesseana significa
que a curvatura da hipersuperfície que representa a equação fundamental no
espaço de Gibbs nunca se anula e portanto nunca muda de sinal. Assim, em
cada ponto da superfície existe um só plano tangente que é distinto do plano
Termodinâmica Macroscópica 126
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

tangente em qualquer outro ponto. É esta propriedade que permite uma


correspondência biunívoca completa entre um ponto na superfície e o seu
plano tangente.82
Por este motivo, representar a superfície que representa a Equação
Fundamental no espaço de Gibbs dando as suas coordenadas (as variáveis
extensivas) ou dando o plano que é tangente no ponto e de que a superfície
 é a envolvente, torna-se equivalente.
Dando os planos tangentes estamos a considerar como independentes as
variáveis intensivas.
É importante ainda referir que a forma geométrica da superfície pode ser
acentuadamente diferente se a representarmos num espaço cujos eixos
coordenados são X1, ... Xn, ou se são Pk , k  K , X k , k  K .

82 Desta propriedade também resulta que a hipersuperfície que representa a equação fundamental não
é planificável.
Termodinâmica Macroscópica 127
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

6.4. Potenciais Termodinâmicos


A cada transformada parcial de Legendre da Equação Fundamental (seja na
forma energética seja na forma entrópica), corresponde uma nova equação,
com a mesma informação que a Equação Fundamental possuía, mas tendo
agora como variáveis independentes algumas das variáveis intensivas.
Como a transformada total de Legendre é identicamente nula (como resulta
da equação de Euler), na função transformada pelo menos uma das variáveis
é uma variável extensiva.
Às transformadas de Legendre da equação fundamental correspondem aos
chamados Potenciais Termodinâmicos. Estes tiveram um papel histórico
importante no desenvolvimento da Termodinâmica e as relações entre eles
só muito posteriormente à sua introdução foram clarificadas. A
transformada de Legendre teve esse papel, ao mostrar que os vários
potenciais exprimem essencialmente o mesmo, embora de forma diferente,
porque diferentes são as variáveis termodinâmicas tomadas como
independentes.
Destes potenciais termodinâmicos, alguns têm nomes "consagrados" devido
ao uso generalizado que os seus autores deles fizeram e aos resultados novos
que por essa via obtiveram.
Os potenciais termodinâmicos mais conhecidos e importantes são a Energia
de Helmholtz, a Entalpia e a Energia de Gibbs, que correspondem às
transformadas parciais da equação fundamental na forma energética
relativamente à entropia, ao volume, e simultaneamente à entropia e ao
volume, respectivamente, e no caso de sistemas simples.
As transformadas parciais de Legendre da equação fundamental na forma
entrópica correspondem às chamadas funções de Massieu.
Os potenciais termodinâmicos obtidos por transformadas parciais da
equação fundamental na forma energética foram introduzidos por Gibbs em
1875 e são posteriores aos que se deduzem a partir da forma entrópica e se
devem a Massieu, que os publicou em 1869.
6.4.1. Energia de Helmholtz, F
A energia de Helmholtz corresponde à transformada parcial de Legendre
relativa à entropia da equação fundamental na forma energética. A sua
finalidade é substituir a entropia pela temperatura, como variável
independente. A energia de Helmholtz define-se por:
F  U  TS (0.128)
Termodinâmica Macroscópica 128
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

Aplicando a derivada exterior à equação (0.128) e usando a expressão para a


derivada exterior da energia interna, temos
r
dF   SdT  PdV   i dN i , (0.129)
i 1

donde
 F 
S    . (0.130)
 T V , N1 ,, N r
Eliminando S entre a equação fundamental na forma energética e (0.128),
obtém-se a equação fundamental na representação de Helmholtz:
F = F (T,V, N1, ..., Nr)
A utilização da Energia de Helmholtz é indicada sempre que o sistema
descreve um processo termodinâmico caracterizado por uma temperatura
constante.
Exemplo
Vamos neste exemplo determinar a Energia de Helmholtz molar para um
gás perfeito simples. A Energia de Helmholtz molar é igual a
f  u  Ts .
As variáveis naturais da Energia de Helmholtz molar são T e v. Precisamos
portanto de exprimir u e s em termos de T e v. Dado que já dispomos de
s(u,v), basta obtermos u em função de T e v. Esta relação obtemos a partir de
uma das equações de estado, obtida por derivação da equação fundamental:
1  s  cR
   .
T  u v u
Substituindo na equação da entropia, temos
T  v
s  s0  cR ln    R ln   .
 T0   v0 
Substituindo na expressão para a Energia de Helmholtz, temos
 T v
f  cRT  T  s0  cR ln  R ln  . (0.131)
 T0 v0 
É mais natural ter nesta expressão a energia de Helmholtz no estado de
referência, f0, em vez da entropia no estado de referência, s0. Para eliminar
esta última, aplicamos a equação (0.131) ao estado de referência:
Termodinâmica Macroscópica 129
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

 T v 
f 0  cRT0  T0  s0  cR ln 0  R ln 0  . (0.132)
 T0 v0 

Simplificamos e resolvemos em ordem a s0 e substituímos em (0.131),


obtendo
T v
f  f 0  cRT ln  RT ln . (0.133)
T0 v0

6.4.2. Entalpia, H
A entalpia corresponde à transformada parcial de Legendre relativamente ao
volume (para tornar a pressão variável independente) da equação
fundamental na forma energética:
H = U + P V.
A forma-1 correspondente é
dH  TdS  VdP    k dN k
k

Desta expressão conclui-se que


 H 
V  
 P  S , Nk ,..., Nr
Eliminando U da expressão de definição da entalpia, obtém-se:
H  H ( S , P , N 1 ,..., N r )
A entalpia é o potencial termodinâmico cuja utilização tem vantagens nos
processos caracterizados por a pressão se manter constante.
6.4.3. Energia de Gibbs, G
A Energia de Gibbs corresponde à transformada parcial de Legendre
relativamente à entropia e ao volume, de modo a substituir S e V por T e P,
como variáveis independentes.
A transformada de Legendre que define a Energia de Gibbs é dada por:
G = U - TS + PV
e
r
dG   SdT  VdP    j dN j
j 1

Eliminando U da Equação Fundamental obtém-se:


G = G (T, P, N1, ... Nr)
Termodinâmica Macroscópica 130
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

A Energia de Gibbs é muito utilizada no estudo das reacções químicas e em


todas as situações em que o sistema termodinâmico evolui a pressão e
temperatura constantes. Nestas circunstâncias, a descrição dos processos
fica simplificada utilizando G, pois P e T são duas das suas variáveis
independentes.
Exemplo 1
Vamos determinar a Energia de Gibbs molar para o gás perfeito simples.
A Energia de Gibbs molar é
g  u  Ts  Pv  f  Pv .
As variáveis naturais da Energia de Gibbs são T e P. Precisamos portanto de
exprimir f e v em função de T e P. Dado que já temos f em função de T e v,
precisamos só de exprimir v em função de T e P. Para isso, precisamos da
segunda equação de estado:
P  s  R
   .
T  v u v
Substituindo na equação da Energia de Gibbs:
 T RT P0  RT  T P
f  T  cR  s0  cR ln  R ln P  T   c  1 R  s0   c  1 R ln  R ln 
 T0 P RT0  P  T0 P0 

6.4.4. Funções de Massieu Generalizadas


Efectuando as transformações parciais de Legendre a partir da Equação
Fundamental na forma entrópica S = S(U, V, N1, ..., Nr), obtêm-se as
funções de Massieu generalizadas, cuja descoberta o seu autor divulgou em
1869. As funções de Massieu têm grande importância em Mecânica
Estatística.
As três funções de Massieu mais representativas são:
1 1
S S U, (0.134)
T  T

P P
S S V , (0.135)
T  T

 1 P 1 P
S , S U  V , (0.136)
T T  T T
em que se utilizou o símbolo [...] para indicar as variáveis intensivas que
passaram a ser variáveis independentes.
Termodinâmica Macroscópica 131
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

A unidade formal de todas estas funções e potenciais era desconhecida


quando foram inventadas. A unidade formal aqui apresentada resulta da
Equação Fundamental introduzida por Gibbs em 1875 e da transformação de
Legendre que já era conhecida na Mecânica Racional.
Deve acentuar-se que, embora as transformadas contenham exactamente a
mesma informação que a Equação Fundamental, elas permitem clarificar
aspectos fundamentais da estrutura da Termodinâmica ou são
particularmente bem adaptadas a certas situações. O melhor exemplo de
uma situação análoga é o da Mecânica Racional com os formalismos
Lagrangeano e Hamiltoniano que, possuindo exactamente o mesmo
conteúdo formal que a Mecânica de Newton, permitiram, todavia,
generalizações e desenvolvimentos praticamente impossíveis de obter
directamente da formulação newtoniana original.
Apresentada a unidade dos potenciais e o modo de os construir, a dedução
de outros potenciais, porventura mais adequados para a situação particular a
estudar, transformou-se numa tarefa simples.
6.4.5. Exercícios
1) (Exame de Termodinâmica de 14.09.2005). Considere o ciclo de um
sistema fechado representado pelo diagrama abaixo, percorrido na
sequência A-B-C-D, e em que o passo B-C é isentrópico. Represente
qualitativamente o ciclo no diagrama T-s.
P

D C

A B

2) (Exame de Termodinâmica de 13/02/2004). Para que sistemas é que a


equação df   sdT  Pdv é aplicável?
3) (Exame de Termodinâmica de 13/02/2004). Das quatro figuras abaixo,
escolha, justificando, a que ilustra correctamente a dependência da
energia molar de Gibbs em relação à pressão, com temperatura
constante, para um sistema com um único componente.
Termodinâmica Macroscópica 132
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

g g g g

4) (Exame de 21/01/2005). Das quatro figuras abaixo, escolha,


justificando, a(s) que pode(m) ilustrar correctamente a dependência da
entalpia em relação à pressão, com entropia constante, para um sistema
com um único componente.

h h h h

5) (Exame de Termodinâmica de 20.09.2003). Exprima  h T P em


função de cP, cv, T e .
6) (Exame de Termodinâmica de 14.09.2005). Um gás tem as seguintes
equações de estado:
13
U  U2 
P e T  3B   ,
V  NV 
onde B é uma constante positiva. O sistema obedece ao Postulado de
Nernst. O gás, à temperatura inicial Ti e à pressão inicial Pi é submetido
a um processo de laminagem, em que a entalpia final é igual à entalpia
inicial. A pressão final é Pf. Calcule a temperatura final Tf.
 g
7) (Exame de Termodinâmica de 13.02.2004). Mostre que 
h
  2
 T T  P T

8) (Exame de Termodinâmica de 20.01.2002). Mostre que a Energia de


Gibbs de um sistema composto é igual à soma das energias de Gibbs dos
subsistemas que o compõem, desde que todos tenham a mesma
temperatura e pressão. [exercício resolvido]
9) (Exame de Termodinâmica de 14.02.2003). Definamos o potencial φ da
seguinte forma:
Termodinâmica Macroscópica 133
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

P
 s v.
T
O potencial φ tem na representação entrópica o mesmo papel que a
entalpia na representação energética.
a) Quais são as variáveis naturais do potencial φ?
b) Para uma substância arbitrária, obtenha dφ em função dos
diferenciais das suas variáveis naturais.
c) Exprima  u P T em função de v, P, T, cv, κT e α (a expressão a
obter não tem necessariamente que envolver todas estas variáveis).
d) Obtenha o potencial φ, em termos das suas variáveis naturais, para
um gás perfeito simples.
[exercício resolvido]
10) (Exame de Termodinâmica de 14.02.2003). Considere uma substância
que obedece às equações f  kP , onde f é potencial de Helmholtz molar
e k é uma constante, e cv  a , onde a é uma constante.
a) Obtenha a equação fundamental na representação de Helmholtz, isto
é, f  f T , V , N  .
b) Determine a compatibilidade da equação obtida com os axiomas da
homogeneidade e de Nernst e com os critérios de estabilidade.
[exercício resolvido]
11) (Exame de Termodinâmica de 20/09/2002). Seja um sistema
caracterizado por
2 1
  ,  T  , cv  2 KTf V V0  ,
T P
onde K e V0 são constantes e f V V0  é uma função a determinar.
a) Obtenha a equação fundamental para este sistema.
b) Determine as condições de compatibilidade desta equação com a
homogeneidade, a positividade da temperatura, os critérios de
estabilidade e o Postulado de Nernst.
c) Obtenha a equação fundamental na representação de Helmholtz.
Termodinâmica Macroscópica 134
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

6.5. Teoremas de Mínimo para os Potenciais


Termodinâmicos
Com a demonstração do teorema do mínimo de energia mostrámos a
dualidade das formulações da Termodinâmica a partir da expressão da
Equação Fundamental na forma entrópica ou na energética, e como existe
para cada uma das formulações um princípio de extremo.
Contendo as transformadas parciais de Legendre da Equação Fundamental a
mesma informação que esta possui, trata-se agora de verificar se a essas
transformadas parciais, ou potenciais termodinâmicos, correspondem
também princípios de extremo a partir dos quais possamos igualmente
deduzir as novas posições de equilíbrio do sistema quando algum dos
constrangimentos é removido.
6.5.1. Teorema do Mínimo da Energia de Helmholtz
Considere-se, como caso particular, que um sistema composto está em
contacto com um reservatório térmico, que mantém uma temperatura
constante Tr e atingiu o equilíbrio compatível com os constrangimentos
impostos. Iremos denotar as variáveis referentes à fonte com o índice r em
expoente e as variáveis referentes ao sistema composto com os índices (i),
como temos feito. Também como habitual, S será a entropia do sistema
composto e U será a energia do sistema composto. Designaremos por
sistema conjunto o conjunto do sistema composto mais o reservatório
térmico.
Por definição, uma fonte de calor é um sistema com duas características: (1)
só permuta calor; (2) essa permuta de calor não provoca uma alteração de
temperatura, isto é, a temperatura da fonte é constante e igual a Tr. Assim, a
equação fundamental de uma fonte de calor é U r  U r  S r  , pela primeira
condição, com dT r dS r  0 , (isto é, com capacidade calorífica infinita) pela
segunda condição. Pela equação de Euler, concluímos que U r  T r S r .
Assim, dado que F r  U r  T r S r , temos que
Fr  0. (0.137)
Se o sistema conjunto (sistema composto + reservatório) atingiu o
equilíbrio, a temperatura de cada subsistema do sistema composto é
necessariamente igual à temperatura imposta da fonte de calor, Tr.
Além disso, e pelo teorema do mínimo de energia, o sistema conjunto
possui a energia mínima para o seu valor de entropia, o que implica as
condições
Termodinâmica Macroscópica 135
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

d S  Sr   0 (0.138)

d U  U r   0 (0.139)
A existência de uma temperatura comum a todos os subsistemas do sistema
conjunto permite definir uma Energia de Helmholtz para o sistema conjunto
(o que não seria possível se não existisse essa temperatura comum), igual à
soma das energias de Helmholtz dos subsistemas que o constituem:
F  F r  U  T rS  U r  T rS r (0.140)
r
Considerando que T é constante, aplicando a derivada exterior a ambos os
membros da equação (0.140) temos
d  F  F r   dU  T r dS  dU r  T r dS r . (0.141)

Utilizando as equações (0.145) e (0.138), concluímos que


dF  dU  dU r . (0.142)
Concluímos então que
dF  0 (0.143)
Vamos agora mostrar que este extremo é um mínimo.
O equilíbrio termodinâmico corresponde à minimização da energia interna
para o valor de entropia em equilibrio:
min U  U (1) ( S (1) ,V (1) )  U ( 2 ) ( S ( 2 ) ,V ( 2 ) )  U ( r ) ( S ( r ) )
S (1) ,V (1) , S ( 2 ) ,V ( 2 ) , S ( r )

sujeito a
V  V (1)  V ( 2 )
S  S (1)  S ( 2)  S ( r ) .
O Lagrangiano é então (ver anexo):
L( S (1) ,V (1) , S ( 2 ) ,V ( 2 ) , S ( r ) , 1 , 2 )  U (1) ( S (1) ,V (1) )  U ( 2 ) ( S ( 2 ) ,V ( 2) )  U ( r ) ( S ( r ) ) 
  
 1 V  V (1)  V ( 2)  2 S  S (1)  S ( 2)  S ( r ) 
As condições de primeira ordem são agora que todas as derivadas parciais
têm que ser nulas no óptimo. Obtemos como condições de equilibrio que
P (1)  P ( 2) e T (1)  T ( 2 )  T ( r ) .
Para provarmos que o extremo da energia interna era um mínimo
constrangido recorremos ao anexo 10.3, que nos diz que a condição
suficiente para que um óptimo constrangindo seja um mínimo é que os
menores principais da matriz Hessiana do Lagrangeano avaliada no ponto
extremo sejam todos negativos. Provamos que o extremo da Energia de
Termodinâmica Macroscópica 136
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

Helmholtz é também um extremo constrangido provando que as matrizes


hessianas do lagrangeano da minimização da energia interna e do
lagrangeano da minimização da energia de Helmholtz são iguais.
Se a temperatura é constante então a energia de Helmholtz para cada sistema
pode ser escrita como F(S, V) porque F(S, V)  U(S, V) - TS . A formulação
lagrangeana do problema de optimização da energia de Helmholtz a
temperatura constante fica então dado por:
min F  F (1) ( S (1) ,V (1) )  F ( 2 ) ( S ( 2 ) , V ( 2 ) )  F ( r ) ( S ( r ) )
S (1) ,V (1) ,S ( 2 ) ,V ( 2 ) , S ( r )

sujeito a
S  S (1)  S ( 2)  S ( r )
V  V (1)  V ( 2 ) .
Temos que
F  F (1) ( S (1) , V (1) )  F ( 2) ( S ( 2) , V ( 2 ) )  F ( r ) ( S ( r ) ) 
 U (1) ( S (1) , V (1) )  TS (1)  U ( 2 ) ( S ( 2 ) , V ( 2 ) )  TS (1)  U ( r ) ( S ( 2 ) )  TS ( r ) .
Os termos TS i podem agrupar-se porque a temperatura é homogénea
 
T S (1)  S ( 2)  S ( r )  TS e portanto:

F  U (1) ( S (1) ,V (1) )  U ( 2) ( S ( 2) ,V ( 2 ) )  U ( r ) ( S ( 2 ) )  T S (1)  S ( 2 )  S ( r )
.

 U  TS
Como o termo TS é constante as segundas derivadas da energia de
Helmholtz são iguais às segundas derivadas da energia interna ou seja a
matriz hessiana dos dois lagrangeanos são iguais e portanto se a função
original (a energia interna) é minimizado então a energia de Helmholtz
também.
Temos assim o Teorema do Mínimo da Energia de Helmholtz:
O valor no equilíbrio de qualquer variável não constrangida de
um sistema composto em contacto diatérmico com uma fonte de
calor à temperatura Tr constante é o que minimiza a Energia de
Helmholtz do sistema composto, com T = Tr.
6.5.2. Teorema do Mínimo de Entalpia
Considere-se, que um sistema composto está em contacto com uma fonte de
trabalho a pressão constante Pr e atingiu o equilíbrio compatível com os
constrangimentos impostos. Designaremos por sistema conjunto o conjunto
do sistema composto mais a fonte de trabalho.
Termodinâmica Macroscópica 137
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

Por definição, um reservatório de pressão é um sistema com três


características: (1) só permuta trabalho; (2) essa permuta de trabalho não
provoca uma alteração de pressão, isto é, a pressão do reservatório é
constante e igual a Pr. Assim, a equação fundamental de um reservatório de
pressão é U r  U r V r  , Note-se como as duas condições impostas sobre o
reservatório implicam que todos os processos no reservatório são
reversíveis: dado que a pressão é constante, é sempre verdade que
 W   P r dV r ; dado que só existe troca de trabalho, então dU   W , logo
a energia interna só depende do volume, U r  U r V r  e a entropia do
reservatório é constante, isto é
dS r  0 (0.144).
Por outro lado, a pressão ser constante significa que dP r dV r  0 , isto é,
que o reservatório tem compressibilidade infinita.
Pela equação de Euler, concluímos que U r  P rV r . Assim, dado que
H r  U r  P rV r , temos que
Hr  0. (0.145)
Se o sistema conjunto (sistema composto + reservatório) atingiu o
equilíbrio, a pressão de cada subsistema do sistema composto é
necessariamente igual à pressão imposta pelo reservatório de pressão, Pr.
Além disso, e pelo teorema do mínimo de energia, o sistema conjunto
possui a energia mínima para o seu valor de volume83, isto é:
d V  V r   0 (0.146)

d U  U r   0 (0.147)

d 2 U  U r   0 (0.148)
Por outro lado, a existência de uma temperatura comum a todos os
subsistemas do sistema conjunto permite definir uma Entalpia para o
sistema conjunto (o que não seria possível se não existisse essa temperatura
comum). Temos assim
H  H r  U  P rV  U r  P rV r (0.149)
r
Considerando que P é constante, aplicando a derivada exterior à ambos os
membros da equação (0.140) temos

83
Além da sua entropia e do número de moles de cada componente químico, mas esses
constrangimentos não serão relevantes aqui.
Termodinâmica Macroscópica 138
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

d  H  H r   dU  P r dV  dU r  P r dV r . (0.150)

Utilizando as equações (0.145) e (0.146), concluímos que


dH  dU  dU r . (0.151)
Utilizando agora as equações (0.147) e (0.148), concluímos que
dH  0 (0.152)
e
d 2H  0 . (0.153)
Fica assim demonstrado o Teorema do Mínimo da Entalpia:
O valor no equilíbrio de qualquer variável não constrangida de
um sistema composto em contacto com um reservatorio de
pressão com a pressão constante Pr é o que minimiza a Entalpia
do sistema composto, com P = Pr.
6.5.3. Teorema do Mínimo da Energia de Gibbs
O valor no equilíbrio, de qualquer variável não constrangida de
um sistema composto em contacto com uma fonte de calor a
temperatura constante, e uma fonte a pressão constante, é o que
minimiza a Energia de Gibbs para os valores de temperatura e
de pressão iguais aos das correspondentes fontes.
A demonstração é análoga às anteriores, tendo em conta que o sistema se
encontra agora em interacção simultânea com uma fonte de calor e uma
fonte a pressão constante.
Os teoremas anteriores generalizam-se "mutatis mutandis" para todas as
transformadas parciais de Legendre (potenciais termodinâmicos).
Deve ainda sublinhar-se o facto de os princípios de extremo para os
potenciais termodinâmicos corresponderem a casos particulares do teorema
do mínimo de energia, e de a sua utilidade estar estritamente ligada às
situações em que os contrangimentos externos impõem um valor constante a
uma ou mais variáveis intensivas.
Termodinâmica Macroscópica 139
Potenciais Termodinâmicos
_________________________________________________________________

6.5.4. Síntese dos Princípios de Extremo


POTENCIAL EXTREMO VARIÁVEIS DO SISTEMA
COMPOSTO CONSTANTES

ENTROPIA MÁXIMO U, V, N1, ...

ENERGIA INTERNA MÍNIMO S, V, N1, ...

ENERGIA DE HELMHOLTZ MÍNIMO T, V, N1, ...

ENTALPIA MÍNIMO S, -P, N1, ...

ENERGIA DE GIBBS MÍNIMO T, -P, N1, ...

6.5.5. Exercícios
1) (Exame de Termodinâmica de 13.02.2004). Comente a seguinte frase:
“Se um sistema não tem mais nenhum constrangimento além de estar em
equilíbrio com reservatórios de pressão e temperatura, então o sistema
está em equilíbrio se qualquer processo aumentar a sua Energia de
Gibbs”.
12) (Exame de Termodinâmica de 20.09.2003). Considere um sistema
constituído por um cilindro com volume V, dividido em dois partes
desiguais por uma parede fixa, em contacto com um reservatório térmico
à temperatura Tr. No interior da metade (1) está 1 mol de um gás
monoatómico perfeito e no interior da metade (2) estão 2 mol do mesmo
gás.
a) Escreva a expressão para a a energia de Helmholtz do conjunto do
gás nas duas partes do cilindro, em função do volume V(1).
b) Usando a expressão da alínea anterior, determine qual o volume que
se atingiria em equilíbrio, se a parede passasse a ser móvel.
7. Mudança de Fase
7.1. Dimensionalidade do Espaço de
Representação
Quando o sistema perde a estabilidade intrínseca, qualquer parte do sistema
que se afaste infinitesimalmente do equilíbrio com o restante verá esse
afastamento aumentar até que o conjunto encontre uma nova situação em
que a entropia é máxima (se o sistema total for fechado e adiabático) ou em
que a energia interna é mínima (se a entropia se mantiver constante). Nesta
nova situação, o sistema deixou necessariamente de ser homogéneo, embora
se possa ter desdobrado em regiões homogéneas.

Cada uma das regiões homogéneas em que o sistema se


desdobra constitui uma fase.
A questão da perda de estabilidade pode ainda encarar-se do seguinte modo:
se a Equação Fundamental do sistema perde num certo domínio a
propriedade de ser côncava (na representação entrópica) ou a de ser convexa
(na representação da energia) ela não pode, nesse domínio das variáveis,
representar o sistema. Assim, a Equação Fundamental indica, ela própria,
que deixou de poder ser a equação fundamental do sistema.
Quando a expressão analítica da Equação Fundamental deixou de ser válida
em certo domínio do espaço termodinâmico, tal não significa que o sistema
tenha deixado de possuir uma Equação Fundamental. O que significa, isso
sim, é que a representação funcional que estávamos a utilizar precisa de ser
substituída.
Esta situação corresponde, habitualmente, a uma falta de dimensionalidade
no espaço termodinâmico que adoptamos para representar o sistema.
O caso mais simples em que tal facto pode ser posto em evidência
corresponde ao caso de sistemas de um só componente e homogéneos,
situação em que existe uma só fase.
Consideremos, por exemplo, o caso da água. A água pode apresentar-se sob
a forma de sólido (gelo), de líquido e de vapor. Em qualquer destes estados,
a sua composição química é a mesma, mas isso não impede que o gelo e o
vapor de água correspondam a situações muito distintas, nomeadamente
quanto a volumes molares, calores específicos etc.
Tendo este facto em conta, é óbvio que uma Equação Fundamental da forma
Termodinâmica Macroscópica 142
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

S = S (U, V, N) ou U = U (S, V, N)
é incapaz de representar o sistema "água" em todo o espaço termodinâmico.
Para que o fosse, teríamos de introduzir as variáveis adicionais
N1 - número de moles de água no estado gasoso
N2 - número de moles no estado líquido
N3 - número de moles sob a forma de gelo I
N4 - número de moles sob a forma de gelo II
Nk - ...
em que N3, N4, ... correspondem a formas diferentes de gelo que se
distinguem pela sua estrutura cristalina, compressibilidade, etc.
Por outro lado, como a Equação Fundamental tem de ser obtida de valores
experimentais (ou, quando se deduz de um modelo microscópico, tem de ser
experimentalmente validada) é a própria extrapolação analítica desses
valores experimentais que revela a existência da perda de estabilidade
intrínseca, indicando que é necessário explorar em mais pormenor e com
experimentação física adequada o que se passa nesse domínio das variáveis
termodinâmicas. Por este facto, a prática habitual não é a de procurar as
formas gerais que representem a substancia em todas as situações, mas sim a
de procurar a que melhor se ajusta em cada um dos domínios em que existe
cada uma das fases.
Posto de outro modo, em vez de procurarmos a expressão
U = U (S, V, N1, N2, ... , Nr)
que seja válida em todo o espaço termodinâmico, o que procuramos, se se
tratar de um só componente químico que pode apresentar-se em fases
diferentes, é a equação fundamental que seja válida para cada uma das fases
em presença. Isto é procuramos:

   S (1) V (1) 

U (1)  U (1) S (1) , V (1) , N (1)  N (1) u (1)  (1) , (1)   N (1) u (1) s (1) , v (1)
N

 N 

   S (k ) V (k ) 

U (k )  U (k ) S (k ) , V (k ) , N (k )  N (k ) u (k )  (k ) , (k )   N (k ) u (k ) s (k ) , v (k )
N

 N 
para cada fase, e passamos a tratar o sistema conjunto como formado por
tantos subsistemas quantas as fases em presença. Esquematicamente
corresponde a ter a situação da Figura 12, em que N   N i  constante ,
i
pois o sistema total é fechado.
Termodinâmica Macroscópica 143
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 12 – Equilíbrio de fases.

Fase 2
Fonte de Pressão
(2)
NN2 Fase i
Fase 1
P NNi(i)
N1
N(1) Fase 3
(3)
NN3

Fonte de calor a T

Supomos, além disso, que as paredes que separam as fases umas das outras
não são restritivas a nenhuma propriedade, o que significa, nomeadamente,
que as fases podem trocar massa entre si (chamam-se por isso fases abertas,
porque o subsistema com que se identificam é aberto).
Como as paredes que separam as fases permitem a passagem de entropia
(calor) e de volume, em equilíbrio a pressão e a temperatura são iguais em
todas as fases, porque assim o exige o máximo da entropia no sistema total.
No esquema anterior, ao sistema formado pelo conjunto das fases juntou-se
uma fonte de trabalho reversível a pressão constante (fonte de volume) e
uma fonte de calor a temperatura constante T. Para a exposição que se segue
estas fontes não são essenciais mas simplificam as deduções84.
Uma vez que o sistema é mantido a T e a P constantes, o equilíbrio é dado
pelo valor das variáveis que minimizam a Energia de Gibbs do sistema
composto85, dada por

84
O equilíbrio entre os subsistemas (fases), uma vez que as paredes que os separam não impõem
restrições, obrigará sempre à igualdade da pressão e da temperatura entre eles. Um modo simples
de exprimir este facto é supôr o seu contacto com fontes a T e P constantes. Por outro lado, se o
sistema total não é isolado, o mais simples é supor que o mesmo se encontra em contacto com a
atmosfera a qual se comporta, nas aproximações práticas, como fonte a T e P constantes.
85
Note-se que a energia de Gibbs do sistema composto só está definida precisamente porque o
sistema tem uma temperatura e uma pressão bem definidas, impostas pelas fontes. Por outro lado,
dado que estamos na representação de Gibbs, as variáveis naturais para considerar para cada
sistema simples pertencente ao sistema composto são a temperatura, a pressão e o número de
moles.
Termodinâmica Macroscópica 144
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

 
k k
G T , P, N (1) ,, N ( k )    G   T , P, N     N      T , P  (0.154)
i i i i

i 1 i 1

onde o índice i corresponde à fase i. Note-se que nesta expressão levamos


em conta que o potencial químico pode ser escrito só em função das
variáveis intensivas.86 Consideramos também que o potencial químico pode
ser diferente em cada fase, exactamente porque cada fase será descrita por
uma equação fundamental diferente.
Quando se atinge o equilíbrio, a Energia de Gibbs dada pela equação (0.154)
é mínima, isto é, o estado de equilíbrio do sistema é dado pela solução do
seguinte problema de optimização constrangida:
k
min  N      T , P 
i i
N i  (0.155)
i 1
k
sujeito a N   N
i 1
i

onde N, constante, é o número total de moles no sistema. Podemos usar a


restrição para obter um problema de optimização livre:

 T , P    N   k  T , P  (0.156)
k 1
min  N       T , P    
i i k
N i  i 1

Derivando em ordem às k-1 variáveis livres e igualando a zero, concluímos


que
 1  T , P       k  T , P    . (0.157)

Para cada par T e P, existem agora duas possibilidades: (A) os potenciais


químicos são diferentes, e o sistema de equações (0.157) é impossível; (B)
os potenciais químicos são iguais, e o problema de optimização tem uma
solução indeterminada.
O caso (A) significa que o problema de optimização (0.156) não tem o que
se designa como solução interior, isto é, uma solução no interior do
domínio de optimização, dada pelo valor nulo da derivada. Quando um
problema de optimização não tem solução interior, tem que ter uma solução
de canto, isto é, o ponto óptimo está no extremo do domínio da variável de
optimização.

86
Matematicamente, isto deve-se à equação de Gibb-Duhem. Fisicamente, deve-se ao facto de uma
variável intensiva não poder depender do tamanho do sistema e portanto não pode depender só de
uma variável extensiva.
Termodinâmica Macroscópica 145
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Para simplificar a análise, consideremos a situação em que só existem duas


fases. Depois de eliminada a restrição, temos só uma variável de
optimização, N(1) (ou N(2)), cujo domínio é  0, N  . As soluções de canto são
então
N    0 ou N    N .
1 1

Fisicamente, a primeira solução corresponde a só existir a fase (2) e a


segunda solução corresponde a só existir a fase (1). Para determinarmos
qual das soluções se verifica, temos que determinar directamente qual é que
dá um valor de energia de Gibbs mais baixo. Será a que tiver o potencial
químico mais baixo.
No caso (B), vamos ter a coexistência das duas fases. No entanto, como
referido acima, o estado do sistema não está bem definido, pois o sistema de
equações é indeterminado.
De facto, o estado de cada fase é determinado pela temperatura, a pressão e
o número de moles. É este último que está indeterminado, sabendo nós só
que N (1)  N (2)  N , com N, o número total de moles, constante. Temos
assim um grau de liberdade no sistema, correspondente à proporção em que
a substância se divide entre as duas fases.
Se chamarmos x à fracção do número de moles da fase 1 que num dado
instante existe no sistema heterogéneo, a fracção da fase 2 será dada por
1  x .87
Como o volume é aditivo, temos:
V  V   V   ,
1 2
(0.158)
1 2
onde V e V são os volumes ocupados, respectivamente, pela fase 1 e
pela fase 2. Temos então
V (1)  N (1) v (1)
. (0.159)
V
2
 N   v (2)
2

Substituindo (0.159) em (0.158), fica


V  N  v   N  v  .
1 1 2 2
(0.160)
Dividindo ambos os membros de (0.160) por N, fica

87
A variável x é um número adimensional cujo valor seria o mesmo se em vez do número de moles
tivéssemos tomado a massa de cada componente. Quando se toma a fracção em massa, e se
considerar o equilíbrio vapor-líquido é habitual chamar título a x, correspondendo x à fracção de
gás (ou vapor) na mistura de fases.
Termodinâmica Macroscópica 146
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

v  xv1  1  x  v 2 . (0.161)
Notando agora que
 g 
   s , (0.162)
 T  P
verificamos que, pelo Postulado de Nernst, esta derivada é negativa.
Podemos assim representar a energia de Gibbs molar (igual ao potencial
químico, num sistema só com um componente) para cada fase, em função da
temperatura, com pressão constante, obtendo, por exemplo, a Figura 13.
Como vimos acima, para cada valor de T e P, a energia de Gibbs terá que
ser mínima, tendo como consequência que o sistema escolhe a fase que
tenha menor energia de Gibbs molar. Assim, o estado fisicamente observado
corresponde à linha A-B-C-D, em que os pontos B e C correspondem,
respectivamente, a coexistência de fase sólido-líquido e líquido-gás.
Figura 13 – Variação da Energia de Gibbs molar (igual ao potencial
químico) com a temperatura, para pressão e número de moles
constantes (sistema com um componente químico), para diferentes
fases.

Sólido

T
Termodinâmica Macroscópica 147
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 14 – Exemplo de diagrama de fases.

Pt
Ponto
triplo

Tt

Todavia, o sistema pode evoluir do domínio correspondente a uma fase para


o domínio correspondente a outra sem que se verifique qualquer
descontinuidade, quando a mudança de fase se dá acima do ponto crítico
(ponto D na Figura 14, que apresenta uma substância diferente da que está
apresentada na Figura 13).
Este facto mostra que há estados em que uma fase e outra são
indistinguíveis pelo que a designação de se tratar de uma ou de outra é
puramente arbitrária.
O ponto crítico corresponde a uma situação especial, que para ser
formalmente tratada exige o recurso a um formalismo mais elaborado e a
resultados da Termodinâmica Estatística. Acrescente-se apenas que a teoria
da vizinhança dos pontos críticos só muito recentemente (década de 70) foi
elaborada e que nela a estrutura que até agora apresentámos para a
Termoestática teve um papel relevante.
Para além da peculiaridade termodinâmica do ponto crítico, o outro ponto
notável é o da coexistência de fases, o ponto (Pt, Tt) que, no caso de
sistemas de um só componente químico, é um ponto triplo.
Como imediatamente se conclui da análise da Figura 13, em B e em C
existem pontos angulosos, significando que o valor de G T  P, N é diferente
à esquerda e à direita do ponto. Usando a equação (0.162), conclui-se que a
entropia molar do sistema tem uma descontinuidade, com
sT   sT  (0.163)
B B

Esta variação de entropia corresponde a uma troca de calor dada por


Q=N T s. Obtemos assim o calor latente de mudança de fase, l:
Termodinâmica Macroscópica 148
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

l  T  s (2)  s (1)  , (0.164)


sendo T a temperatura, a que corresponde a pressão P, a que se dá a
mudança de fase.
 Se s(1) corresponde ao estado sólido e s(2) ao estado líquido, l é o calor
(molar) latente de fusão.
 Se s(1) corresponde ao estado líquido e s(2) ao estado gasoso, l será o calor
latente (molar) de vaporização.
 Se s(1) corresponde ao estado sólido e s(2) ao gasoso, l é o calor latente
de sublimação.
Para ilustração considere-se gelo à pressão de 1 atmosfera e T < 273,15 K.
Fornecendo calor, a temperatura do gelo sobe na relação de
aproximadamente 1 K por cada 2,1 kJ kg-1 que forem fornecidos. Quando se
atinge a temperatura de fusão, o fornecimento de calor não faz subir a
temperatura mas sim aumentar a quantidade de gelo fundido, na relação
aproximada de 335 kJ kg-1 de gelo fundido.
O fornecimento desta quantidade de calor altera, obviamente, a entropia
total do sistema. Como da própria descrição se infere, a variação de entropia
é contínua com o número de moles da nova fase (água líquida) e a redução
do número de moles na fase existente (gelo). A descontinuidade de que
falamos refere-se à passagem total do sistema de uma fase para outra,
mantendo constante (e no seu valor mínimo) a Energia de Gibbs.
Uma representação equivalente à da Figura 13, mas agora com T e P
variável, permite-nos constatar que na mudança de fase existe também uma
descontinuidade no volume, análoga à descontinuidade na entropia.
Para a energia interna teremos, utilizando o índice 1 para uma das fases e 2
para a outra e utilizando a equação de Euler na forma molar:
u (1)  Ts (1)  Pv (1)   (1) , (0.165)
u (2)  Ts (2)  Pv (2)   (2) . (0.166)
Como µ1 = µ2 devido ao equilíbrio entre as fases:

u (2)  u (1)  T  s (2)  s (1)   P  v (2)  v (1)  . (0.167)


Para a entalpia obtém-se analogamente:
h(1)  Ts (1)   (1) , (0.168)
h(2)  Ts (2)   (2) . (0.169)
donde
Termodinâmica Macroscópica 149
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

h (2)  h (1)  T  s (2)  s (1)   l , (0.170)


mostrando que o calor latente é igual à descontinuidade da entalpia.
Exercícios
1) Mostre que, num sistema com um componente, G   N ou g   .
2) (Exame de Termodinâmica 04.02.2005).
a) Qual o calor libertado por uma mole de vapor de água quando a sua
temperatura baixa de 180 ºC para 100 ºC? (considere que o
arrefecimento ocorre à pressão atmosférica).
b) Qual é o calor libertado por essa mesma quantidade de água se se
condensar totalmente, mantendo-se à temperatura de 100 ºC e à
pressão atmosférica?
c) Qual é a quantidade de energia que se liberta se a temperatura da
água baixar de 100 ºC para 30 ºC?
d) Com base nos cálculos que efectuou (considerando 30 ºC como a
temperatura aproximada da pele) explique porque é que uma
queimadura com vapor de água a 100 ºC é mais grave que uma
queimadura com água líquida a ferver a 100 ºC.
Notas: O calor latente de vaporização da água é l  2, 25 103 Jg -1 .
Considere o vapor de água como um gás perfeito, com cv = 3 R.
3) (Exame de 14 de Setembro de 2005). Considere os seguintes gráficos de
variação da energia de Gibbs molar com a pressão, a temperatura
constante, para duas temperaturas diferentes (com T1 < T2), em que as
três linhas em cada gráfico representam as fases sólida (s), líquida (l) e
gasosa (g). Assuma que vg  vl  vs e que sg  sl  ss .

g g
T1 T2

P P
Termodinâmica Macroscópica 150
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

a) Para cada um dos gráficos, identifique as curvas referentes a cada


fase.

b) Represente qualitativamente a coexistência de fases, num diagrama


P-T.

4) Comente a seguinte frase: “Se a energia de Gibbs de duas fases é igual a


pressão e temperatura constante, então as duas fases estão em equilíbrio
uma com a outra.”
5) Suponha que é apresentado o seguinte diagrama de fase no plano P – T,
para uma certa substância, com a curva de coexistência líquido-vapor.
P

líquido
P1
vapor
P2 T
Considere que o vapor tem um volume maior que o líquido, e que os
critérios de estabilidade intrínseca se aplicam em todos os pontos do
plano, incluindo as linhas de coexistência de fase. Esboce curvas que
representem a variação da energia de Gibbs molar com a temperatura,
para os valores de pressão P1 e P2 assinalados no gráfico. Justifique
cuidadosamente o esboço feito.

7.2. Equação de Clapeyron


Consideremos de novo o diagrama da Figura 14. Vamos agora obter uma
equação que caracterize as linhas de coexistência de fases. Estas linhas são
caracterizadas por µ1 = µ2. Assim, são casos particulares do conjunto de
linhas com µ1 - µ2 constante. Para determinarmos a sua forma no plano
(T, P), podemos estudar a seguinte expressão:
 P  dP  d  1   2  dP  d 1  dP  d  2
    (0.171)
 T  1  2 dT  d  1   2  dT  d 1  dT  d  2
O nosso objectivo é caracterizarmos as linhas no plano (T, P), portanto
interessa-nos obter esta expressão em termos de pressão e temperatura.
Utilizamos a equação de Gibbs-Duhem que explicita a dependência entre a
variação de pressão, a variação de temperatura e a variação de volume, para
Termodinâmica Macroscópica 151
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

eliminar os diferenciais dos potenciais químicos. Para cada fase a equação


de Gibbs-Duhem Equation é:
d 1   s1dT  v1dP
d 2   s2 dT  v2 dP
Simplificando, obtemos
 P  s s l
   2 1 , (0.172)
 T  1  2 v2  v1 T  v2  v1 
onde na última expressão se aplicou a expressão(0.164). A equação (0.172)
que descreve a relação entre a temperatura e a pressão em mudança de fase é
a equação de Clapeyron.88
A equação de Clapeyron é um caso particular da situação em que a Equação
Fundamental, os potenciais ou, genericamente, qualquer função de estado
têm um conjunto numerável de pontos de descontinuidade de primeira
espécie (Domingos, 1962).
Exercícios
1) (Exame de Termodinâmica de 13.02.2004). Suponha que é apresentado
o seguinte diagrama de fase no plano P – T, para uma certa substância,
com a curva de coexistência líquido-vapor.
P

líquido

vapor
T
Considere que o vapor tem um volume maior que o líquido, e que os
critérios de estabilidade intrínseca se aplicam em todos os pontos do
plano, incluindo as linhas de coexistência de fase. Pode existir alguma
substância representada por este diagrama?
2) (Exame de Termodinâmica de 26.01.2004). Suponha que é apresentado
o seguinte diagrama de fase no plano P – T, para uma certa substância,
com a curva de coexistência líquido-vapor.

88
Esta dedução da equação de Clapeyron foi originalmente obtida por Sousa et al. (2004).
Termodinâmica Macroscópica 152
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

3) (Exame de Termodinâmica de 13/02/1998). “Curiosamente, existem


muitas equações empíricas para a pressão de vapor que têm a forma
”. Comente.
4) (Exame de Termodinâmica de 17/09/2004). O calor latente de
vaporização da água é dado aproximadamente, no domínio de 20ºC a
200ºC, por
lvap  3328, 4  2,9T ,
com lvap em kJ/kg e T em kelvin.
A variação de volume de vaporização no domínio de 0,01ºC e 100ºC é
dada aproximadamente pela relação
0, 46151T
vvap 
P
para Δv em m3/kg, P em kPa e T em kelvin.
a) Converta estas duas expressões para que forneçam, respectivamente,
lvap em kJ/mol e Δv em m3/mol.
b) Usando estas aproximações, e o facto de que o ponto com pressão
igual a 101,3 kPa (pressão atmosférica) e temperatura igual a 100ºC
é um ponto de coexistência entre água líquida e vapor, mostre que a
relação de equilíbrio entre água líquida e vapor é aproximada pela
relação (com P em kPa)
 7212 
P  101,3exp  56,54   6, 284 ln T 
 T 
5) Considere o seguinte diagrama de fases:
P

T
Assuma que o vapor tem um volume maior que o líquido, e que os
critérios de estabilidade intrínseca se aplicam em todos os pontos do
plano, incluindo as linhas de coexistência de fase.
a) Qual é a zona de líquido e qual é a zona de vapor? Justifique.
b) Para esta substância, a condensação é sempre um processo
exotérmico?
Termodinâmica Macroscópica 153
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

6) Suponha uma substância em que a curva de coexistência entre vapor


(que pode ser considerado como gás perfeito) e líquido é
ln  P P0   A  B T

a) Diga, justificando, qual das fases tem a entropia mais alta.


b) Esboce o diagrama P-T (por simplicidade, pode representar
ln  P P0  ), identificando, com justificação, qual a zona do vapor e
qual a zona do líquido.
c) Determine o calor latente de vaporização.
d) Determine a entropia do líquido na transição de fase, em função de
de T.
7) (Exame de Termodinâmica de 21.01.2005). Considere uma substância
com o seguinte diagrama de fases:

líquido vapor

Qual é a relação entre os volumes do líquido e do vapor na transição de


fase?
8) Suponha que se varia a temperatura de uma substância, mantendo a
temperatura constante. É possível que a entalpia varie da forma
representada no seguinte gráfico?

T
Termodinâmica Macroscópica 154
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

7.3. Mudança de Fase com a Equação de van


der Waals
Por ser um caso típico, vamos considerar, no âmbito da teoria anterior, o
fenómeno da mudança de fase num gás utilizando a equação de van der
Waals, equação (0.96). A base desta equação é essencialmente empírica,
mas verifica-se que correlaciona relativamente bem o comportamento de um
gás, quer antes quer depois da mudança de fase.
Uma isotérmica típica, na zona onde se processa a mudança de fase, tem um
andamento análogo ao apresentado na Figura 15.

Figura 15 – Comportamento típico de uma isotérmica do fluido de van


der Waals
O troço AB da curva não pode ter realidade física uma vez que aí não é
satisfeito o critério de estabilidade intrínseca
 P 
  0 (0.173)
 v T
A curva representada carece, pois, de sentido nessa zona. Todavia, como a
equação de van der Waals constitui uma boa aproximação dos resultados
experimentais quando o sistema é homogéneo, e se encontra na fase gasosa,
vamos admitir que a equação pode ser extrapolada para fora daquela região,
o que permite salientar algumas características importantes da mudança de
fase.
Se o sistema for evoluindo no sentido indicado na figura, atingir-se-á um
estado A para o qual o sistema perde necessariamente a homogeneidade pois
se torna intrinsecamente instável. A partir deste ponto aparece uma nova
fase, e o sistema é forçosamente heterogéneo.
Termodinâmica Macroscópica 155
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Todavia, embora em A o sistema tenha perdido a estabilidade intrínseca,


sucede que ele muda de fase antes de atingir esse ponto porque a energia de
Gibbs correspondente à nova fase se tornou inferior à energia de Gibbs da
fase em que se encontrava.
Admitamos que a mudança de fase se inicia no estado XI, para o qual a
pressão é PMF e a temperatura é a da isotérmica que estamos a considerar.
O sistema será inicialmente homogéneo (fase 1), à pressão PMF e
temperatura T1, e encontra-se em equilíbrio. Mantendo o sistema nestas
condições formar-se-á no seu interior um núcleo da fase 2 se o núcleo assim
formado não contribuir para aumentar a Energia de Gibbs do sistema total.
Segue-se que, enquanto as duas fases coexistem terá de ser
g X I  g X II (0.174)
verificando-se ainda para cada fase que
dg = - s dT + v dP.
Considerando a evolução isotérmica (dT = 0) a partir do estado 0, a Energia
de Gibbs molar (g) será para um estado qualquer sobre a isotérmica dada
por
P
g  g0   vdP ' . (0.175)
P0

O integral pode ser obtido a partir da equação de van der Waals mas é mais
fácil fazer a integração a partir da curva da isotérmica em (v, P), referida a
eixos invertidos relativamente aos considerados anteriormente (ver Figura
16). Obter-se-á, então, para g = g(P) uma curva do tipo representada na
Figura 17.
Termodinâmica Macroscópica 156
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 16 – Isotérmica da equação da van der Waals, no plano (v, P).

Considere-se, por exemplo, o estado 3. É evidente que, a essa pressão, não


se poderá formar um núcleo de fase 2, que estaria no estado 6, pelo facto de
esse processo conduzir a um aumento de g do sistema total. Quando o
sistema atinge o estado XI processa-se a mudança de fase e o sistema não
evoluirá pelo ramo XI → A, uma vez que os estados ao longo de XI → 10
têm menor Energia de Gibbs g que os estados anteriores. A mudança de
fase processou-se à pressão constante PMF e a evolução do sistema foi (0,
1,2, 3, XI , XII ,4, 8, 9, 10). Para um sistema de coordenadas (P, V) a
evolução é representada na Figura 18.
Figura 17 – Energia de Gibbs molar em função da pressão, para
temperatura constante, para um fluido de van der Waals.
Termodinâmica Macroscópica 157
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 18 – Evolução na mudança de fase, para um fluido de van der


Waals

No diagrama da Figura 18, representa-se a traço interrompido a evolução


XI → XII, para indicar que nessa região o sistema é heterogéneo, e não pode
ser tratado como um sistema simples.
Atendendo às equações (0.175) e (0.174), obtém-se para as áreas tracejadas
da Figura 18
A 5 B X II

 vdP   vdP   vdP   vdP  0


XI A 5 B
(0.176)

ou
A A B X II

 vdP   vdP   vdP 


XI 5 5
 vdP ,
B
(0.177)

o que significa que as áreas (XII, B, 5) e (5, A, XI) são iguais no espaço
(P, v).
Como já assinalámos, o ramo AB da curva representada no diagrama (g,P),
não tem realidade física. Todavia, o ramo XIA pode ter, visto aí não haver
conflito com as condições de estabilidade intrínseca.
Na realidade o sistema poderá seguir o ramo XIA (o mesmo poderá
acontecer com o ramo XIIB, no caso da evolução se realizar no sentido
inverso ao considerado).
Diz-se então que os estados de equilíbrio do sistema são metaestáveis; no
sentido em que, embora se encontrem transitoriamente em equilíbrio, esse
equilíbrio não é estável muito embora possa, em termos práticos,
permanecer muito tempo neles, devido à transição para o equilíbrio estável
ser muito lenta.
A explicação do fenómeno é a seguinte: um núcleo da fase 2 necessita de
um certo intervalo de tempo para se formar e há casos em que esse intervalo
Termodinâmica Macroscópica 158
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

de tempo é tão longo que praticamente nunca se forma quando o sistema


está à temperatura T1 e à pressão PMF.
Quando o sistema evolui isotermicamente até atingir o estado XI com um
volume VI, verifica-se nesse estado o aparecimento dum núcleo de fase 2
que corresponde ao estado XII com o volume VII (Figura 19). A pressão
mantém-se constante durante a formação de novos núcleos de fase 2 e do
respectivo crescimento, só voltando a alterar-se quando todo o sistema tiver
passado à fase 2.
Figura 19 – Isotérmica com mudança de fase, no plano P – v.

Verifica-se, portanto, que à temperatura T1 e à pressão PMF o volume


molar sofre uma descontinuidade. Esta descontinuidade nas variáveis
extensivas molares, é uma das características mais importantes do processo
de mudança de fase.
Com a representação da Figura 19, a equação (0.161) pode-se escrever na
seguinte forma, conhecida como regra da alavanca:
y 1  x v 1  v
  , (0.178)
x x v  v 2
ou seja:
"A fracção da fase 2 no estado y está para a fracção da fase 1 no mesmo
estado, assim como o comprimento y-XI está para o comprimento y-
XII".

7.3.1. Representação da Zona a Duas Fases


Se no diagrama (P, v) representarmos as várias isotérmicas obteremos o
diagrama na Figura 20.
Termodinâmica Macroscópica 159
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 20 – Representação da zona a duas fases no diagrama (P, v).

Para melhor compreensão pode pensar-se que a fase 2 é a fase líquida e I a


fase gasosa.
À linha (L1, L2, L3, PC), lugar geométrico dos estados onde se inicia a
mudança de fase 2 → 1 para evoluções isotérmicas no sentido das pressões
decrescentes, chama-se curva de fase 2 saturada ou curva de saturação.
À linha (G1, G2, G3, PC) chama-se curva de fase 1 saturada e corresponde
ao lugar geométrico dos estados onde se inicia a mudança de fase para
evoluções isotérmicas no sentido das pressões crescentes.
O estado representado pelo ponto PC chama-se ponto crítico e à isotérmica
Tc que por ele passa chama-se isotérmica do ponto crítico ou isotérmica
crítica.
A temperatura Tc é caracterizada pelo facto de para T>Tc não ocorrer, no
sistema, mudança de fase, enquanto que para T<Tc essa mudança de fase se
verifica.
À pressão Pc do ponto crítico chama-se pressão crítica.
A zona compreendida entre as duas curvas de saturação (L1, L2, L3, PC) e
(G1, G2, G3, PC) representa o lugar geométrico dos estados onde o sistema
se encontra heterogéneo.

7.4. O Caso da Água


A água, como sistema termodinâmico, apresenta um interesse particular, não
só pela sua importância social e económica como também pelo facto de ser,
sob múltiplos aspectos, um fluido anómalo, cujo comportamento em termos
de estrutura molecular apresenta ainda muitos aspectos obscuros. Entre as
anomalias mais significativas encontra-se a redução do volume específico
Termodinâmica Macroscópica 160
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

com o aumento de temperatura, entre 0 ºC e 4 ºC, anomalia que é vital, por


exemplo, para a existência de vida aquática nas regiões frias do globo. As
Figura 21, Figura 22 e Figura 23 representam as diferentes fases da água.
Figura 21 - Fases da água num diagrama P-T.

Tcr = 374,14 ºC
Pcr = 22,09 MPa

Pressão (102 MPa)


Termodinâmica Macroscópica 161
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 22 - Superfície P – V – T para a água (a contracção na passagem


de sólido para líquido não é normal em fluidos simples).
Termodinâmica Macroscópica 162
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 23 - Diagrama P,  (temperatura) para a água líquida e o vapor


de água.

7.5. Diagramas Termodinâmicos


Como as figuras anteriores ilustram, a escolha das variáveis independentes é
importante para a compreensão do comportamento do sistema, sobretudo
quando existe mudança de fase.
Por outro lado, a escolha do diagrama adequado, permite pôr em evidência
as grandezas termodinâmicas mais relevantes no processo em causa.
Tipicamente, uma representação nas coordenadas (T, s) põe em relevo as
quantidades de calor trocadas pelo sistema, pois um elemento de área
dA = Tds = δQ, como se mostra na Figura 24.
Termodinâmica Macroscópica 163
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 24 - Diagrama (T,s). A área tracejada representa a quantidade


de calor recebida pelo sistema na evolução isobárica de a a d. No
diagrama estão também representadas as linhas de título x constante.

T / ºC1

s / J K-1 kg-1

Escolhidas as variáveis independentes, constam também do diagrama as


linhas correspondentes aos valores constantes das outras variáveis
necessárias ao cálculo, como as isobáricas, as isócoras, as linhas de título
constante nas zonas de duas fases, etc. (ver Figura 25 e Figura 26).
A equação daquelas linhas, que são as linhas notáveis em qualquer
diagrama, obtém-se facilmente utilizando o método dos produtos exteriores
Termodinâmica Macroscópica 164
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

de diferenciais, desde que os coeficientes de compressibilidade e os calores


específicos sejam conhecidos.
A título de exemplo, suponhamos que as variáveis independentes escolhidas
foram (T,s), e se pretende estabelecer a equação das isobáricas.
Ora, nas variáveis (T, s), a equação diferencial de uma isobárica é dada por:
 T  dT  dP T
dT    ds  ds  ds . (0.179)
 s  P ds  dP CP
Integrando (0.179), temos
T
CP
s  s0   dT , (0.180)
T0
T
que, no caso geral, se pode integrar numericamente89.

89
A expressão é válida nas zonas de uma só fase. Na zona a duas fases, dP = 0 e dT = 0.
Termodinâmica Macroscópica 165
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 25 - Diagrama T-s. Linha de volume constante (isócora).

T / K1

s / kJ K-1 kg-1
Termodinâmica Macroscópica 166
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 26 - Diagrama T-s para a água. Isobáricas (a cheio), isócoras (a


tracejado), isentálpicas (traço-ponto).

kgf cm-2

kgf cm-2

7.5.1. Diagrama de Mollier


No diagrama de Mollier as coordenadas independentes são a entropia e a
entalpia (Figura 27). A grande vantagem do diagrama de Mollier decorre da
equação geral dos sistemas abertos (deduzida no capítulo 7.6), pois o
trabalho realizado pelo sistema é dado pela diferença de entalpias que
podem ser lidas directamente do diagrama. Na Figura 27, apresenta-se,
esquematicamente, o diagrama de Mollier para uma substância simples.
Termodinâmica Macroscópica 167
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Figura 27 - Diagrama de Mollier (h, s) para uma substância simples.


Apresentam-se também as linhas de volume constante (note-se que,
neste diagrama, o ponto triplo corresponde a uma área).

7.6. Sistemas com Múltiplos Componentes:


Regra das Fases de Gibbs
No caso de sistemas com vários componentes químicos a teoria é
inteiramente análoga à anterior mas mais complexa, porque a dimensão
mínima de espaço de representação aumenta. Tal como nos sistemas de um
só componente, quando num sistema multicomponente se perde a
estabilidade intrínseca aparece(m) nova(s) fase(s) e a condição para a
coexistência das fases em equilíbrio é inteiramente idêntica à anterior, isto é,
G tem de ser mínimo.
Sendo P e T comuns a todas as fases, as condições de equilíbrio
termodinâmico são então:
1(1)  1(2)    1( M )
 2(1)   2(2)     2( M )
(0.181)
      
 r(1)   r(2)    r (M )

Assim, o número total de equações será


r (M - 1).
Termodinâmica Macroscópica 168
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

Existindo M fases, existirão M (r - 1) fracções molares independentes.


Existem ainda as variáveis independentes, T e P. Resumindo, temos:
M (r - 1) + 2 variáveis independentes
r (M - 1) condições de igualdade dos potenciais químicos
O número de graus de liberdade, f, ou seja, de variáveis intensivas (P e T) e
específicas, que podem ser arbitrariamente fixadas será portanto:
f = M (r- 1) + 2 - r (M - 1)
ou
f=r-M+2
Regra das fases de Gibbs90
Para que o equilíbrio possa existir é, obviamente, f0.
Para o caso simples de 1 só componente, r =1.
Se houver 2 fases, resulta que é f =1, o que significa que apenas P ou T
podem variar independentemente, continuando a manter-se o equilíbrio
entre as fases.
Se existirem 3 fases, f = 0, o que significa que em sistemas de um só
componente, a coexistência de 3 fases só é possível para um valor bem
determinado de P e de T.
No caso da água, o ponto triplo existe para T=273,16 K e P=611 Pa. Dado o
facto de só poder haver a coexistência de 3 fases para um valor fixo de P e
de T:
Se o sistema possuir 2 componentes, o número máximo possível de fases
coexistentes será dado por
0=2-M+2  M = 4,
e as mesmas só podem coexistir para um par bem determinado de P e T.
Exercícios
1) (Exame de Termodinâmica de 13.02.1998). Num dado sistema, o soluto
A e o soluto B estão dissolvidos no solvente C. Qual é a
dimensionalidade da região em que coexistem duas fases? Qual o
número máximo de fases que podem coexistir neste sistema?
2) (Moran e Shapiro, 2000, 14.83). Determine o número de graus de
liberdade para sistemas compostos por:

90 Tratando-se de uma dedução a partir de outros resultados, a designação mais correcta seria
teorema de Gibbs. Mantém-se, todavia, a designação habitual.
Termodinâmica Macroscópica 169
Mudança de Fase
_________________________________________________________________

a) gelo e água líquida;


b) gelo, água líquida e vapor de água;
c) água líquida e vapor de água;
d) só vapor de água;
e) vapor de água e ar seco (ar atmosférico, sem vapor de água);
f) gelo, vapor de água e ar seco;
g) N2 e O2 a 20 ºC, 1 atm;
h) uma fase líquida e uma fase de vapor, cada uma das quais contém
amónia e água;
i) mercúrio líquido, água líquida, e uma fase de vapor de mercúrio e
água;
j) acetona líquida e uma fase de vapor com com acetona e N2.
8. Sistemas Abertos Sem Difusão
8.1. Introdução
Até agora, apenas considerámos sistemas fechados, isto é, sistemas que não
permutam massa com o exterior. Essa restrição não retira generalidade aos
resultados já obtidos, pois o estudo de um sistema aberto pode sempre
reduzir-se ao de um sistema fechado, bastando para tal que o sistema se
considere como um subsistema num sistema mais geral que o envolve a si
próprio e a todos os outros com os quais há permutas de massa.
Recapitulando os passos fundamentais que foram dados, verificamos que
começamos por considerar um sistema isolado (e por isso também fechado)
para que, sem qualquer ambiguidade, pudéssemos aplicar o princípio da
conservação da energia. Seguidamente, considerámos a interacção entre
sistemas que, no seu conjunto, formavam um sistema isolado, por exemplo
A + B:

A B

T T
A B

Tendo sempre subjacente o sistema total, fechado e isolado, pudemos


enunciar a Segunda Lei da Termodinâmica para qualquer subsistema, ao
qual já não se exigiu que fosse isolado mas apenas que fosse adiabático.
A Segunda Lei permitiu estabelecer, seguidamente, as condições de
equilíbrio entre os subsistemas que formam o sistema total e o sentido da
evolução para o equilíbrio quando esses subsistemas interaccionam entre si.
Todavia, em todos os casos anteriores, continuou a exigir-se a todos os
subsistemas que interacionavam que não houvesse permuta de massa entre
si.
Neste capítulo iremos fazer a primeira generalização dos resultados
anteriores aos sistemas que permutam massa com o seu exterior.
Chamamos-lhe primeira generalização porque não envolve ainda todas as
situações e, em particular, a de existir difusão no seio da massa que o
sistema permuta com o exterior. Esta restrição é pouco importante nas
aplicações correntes de engenharia mecânica e por isso a maioria dos textos
a omite. As situações em que a difusão é importante serão tratadas no
âmbito da Termodinâmica dos Processos Irreversíveis.
Termodinâmica Macroscópica 172
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

Mantendo-nos por agora no âmbito dos princípios gerais e da estrutura


conceptual da Termodinâmica Macroscópica, a primeira finalidade deste
capítulo é mostrar como, sem qualquer dificuldade conceptual ou formal, se
deduz a chamada equação geral de balanço para sistemas abertos.
Em geral, um sistema fechado tem não só energia interna, mas também
energia cinética e energia potencial. Assim, sendo E a energia do sistema,
temos:
E  U  Ec  E p , (0.182)
onde Ec é a energia cinética e Ep é a energia potencial. Por outro lado, o
princípio da conservação da energia garante que
E  Q  W . (0.183)
Juntando as equações (0.182) e (0.183) e passando para a forma diferencial,
temos assim
dE  dEc  dE p  dU   Q   W . (0.184)

Dividindo por dt, temos


dEc dE p dU  Q  W
    . (0.185)
dt dt dt dt dt
Com as definições
. Q
Q (0.186)
dt
e
. W
W , (0.187)
dt
a equação (0.185) fica
dEc dE p dU . .
   Q W . (0.188)
dt dt dt

8.2. Balanços de Massa e de Energia para


Sistemas Abertos
Consideremos um sistema genérico, fechado, e sintetizemos toda a energia
trocada com o exterior por δQ e δW (Figura 28). O balanço de energia do
sistema é dado pela equação (0.184). Consideremos agora que o sistema tem
uma pequena parte da sua fronteira que se pode deslocar, a qual
Termodinâmica Macroscópica 173
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

representamos por um êmbolo adiabático, e portanto impermeável (a - b), de


espessura infinitesimal e secção dA, em equilíbrio com o fluido à sua
esquerda, sendo esse fluido igual ao do interior91.
Figura 28 – Sistema com um êmbolo adiabático e móvel, (a – b).

b
Sistema B

Suponhamos agora que o êmbolo (a - b) se desloca de dl no sentido do


interior do sistema (Figura 29). O sistema terá uma variação de volume
dV  dl dA .
Figura 29 – Deslocamento para a direita, numa distância dl, do êmbolo
no sistema da Figura 28, passando para a posição a’ – b’.

A energia recebida pelo sistema devido a este processo é igual a pe dV ,


sendo pe a pressão exterior que o fluido exerce sobre o êmbolo. Se v for o
volume específico do fluido, é também
dV  v dm , (0.189)
sendo dm a massa contida em dV. A variação de energia do sistema B foi,
com o deslocamento do êmbolo para a´ - b´,

91
Note-se que a parede global do sistema só é adiabática nas zonas da superfície onde vier a haver
permuta de massa. Apenas nessas zonas se terá de verificar também a igualdade das forças
generalizadas entre o sistema e o exterior.
Termodinâmica Macroscópica 174
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

dEB  pe v dm . (0.190)
O volume deixado livre pelo movimento do êmbolo passou a ser ocupado
pelo fluido que estava à sua esquerda. Chamemos A a esse sistema,
compreendido entre (a´ - b´) e (a - b), (Figura 30).
Figura 30 – Definição do sistema A, no contexto da Figura 29.

Considerando agora o sistema conjunto (A + B), verificamos que tem a sua


fronteira na posição em que B se encontrava antes de se iniciar o processo.
Por outro lado, como existe equilíbrio das forças generalizadas através da
fronteira que separa A de B, concluímos que nada se altera se a mesma for
removida, pelo que podemos tratar o conjunto (A + B) como um único
sistema mas agora com massa
m  mB  mA (0.191)
e energia
E  E A  EB . (0.192)
Para calcular E notamos que o subsistema B é um sistema fechado, pelo que
a variação da sua energia é dada por (0.190)92. Para obter EA deve ter-se em
conta que:
 a massa de A é dm;
93
 a energia interna específica de A é u ;

92
Note-se que apenas é invocado o primeiro princípio e que se considera a pressão exterior, medida
no exterior (pe) para que a relação seja válida independentemente da existência de equilíbrio no
interior de B.
93
Pois os fluidos em em A e em B são idênticos.
Termodinâmica Macroscópica 175
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

 a energia cinética de A associada à sua velocidade w é dada


por 1 2  w2 dm , onde w é igual á norma de w;
 a energia potencial de A, com a distância vertical a uma cota de
referência dada por z, é dada por g z dm .
Assim, a energia total do sistema elementar A é dada por
 1 
E A   u  gz  w2  dm . (0.193)
 2 
Tendo em consideração o conjunto de operações efectuadas sobre o sistema
verificamos que, se o mesmo for aberto, a equação de variação da sua
energia total é dada por:
 1 
dE   u  g z  w2  pe v  dm . (0.194)
 2 
Dado que a entalpia específica94 do fluido é dada por h  u  pv , a equação
(0.194) também se pode escrever:
 1 
dE   h  g z  w2  dm . (0.195)
 2 
As relações estabelecidas até aqui são válidas para um elemento de
superfície. Consideremos agora que o sistema pode trocar massa em
qualquer ponto da sua superfície. Adicionalmente, pode também trocar calor
ou trabalho em qualquer ponto da sua superfície.
Se designarmos por
  a massa específica do fluido,
 n a normal a d dirigida para o interior do sistema,
 w a velocidade com que o fluido está a entrar no sistema,
dm
  w n d ,
dt 
(0.196)

expressão designada como balanço de massa dos sistemas abertos.


Designando como
 q a quantidade de calor que atravessa a unidade de área por unidade
de tempo (grandeza vectorial),

94
Entalpia por unidade de massa.
Termodinâmica Macroscópica 176
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

  o trabalho que as forças generalizadas (com excepção da pressão)


realizam na sua própria direcção, sobre a superfície do sistema por
unidade de área e por unidade de tempo (grandeza vectorial),
o balanço de energia de sistemas abertos fica
dE  1 
  q  nd    τ  nd      h  g z  w2  w  nd  , (0.197)
dt     2 
Na forma apresentada a equação é absolutamente geral desde que não haja
difusão de massa através da superfície.
Definimos agora o saldo de todas as trocas de calor com o sistema por
unidade de tempo como
.
Q   q  nd  . (0.198)

Definimos o saldo de todas as trocas de energia com o sistema no intervalo


de tempo, excluindo a energia sob a forma de calor ou fluxos de massa:
.
W   τ  nd  . (0.199)

Com as definições (0.198) e (0.199), a equação geral de balanço de energia


para um sistema aberto, (0.197), escreve-se
dE . .  1 
 Q  W     h  g z  w2   w  n  d  . (0.200)
dt   2 

8.3. Regime Estacionário


Se o regime for estacionário, a energia total do sistema não varia no tempo,
isto é,
dE
 0. (0.201)
dt
A massa total contida no sistema também se mantém constante, pelo que:
dm
dt 
  w  nd   0 , (0.202)

significando que o fluxo de massa que entra iguala o fluxo da massa que sai,
e se mantêm constantes no tempo as propriedades associadas as esses
.
fluxos. A essa quantidade comum chamamos caudal mássico m :
Termodinâmica Macroscópica 177
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

. 1
m
2  w  n d  ,95 (0.203)

Suponhamos que, além do regime ser estacionário, existe apenas uma zona
(simplesmente conexa) da superfície por onde entra todo o fluido (secção de
entrada), denotada i, e uma zona por onde todo o fluido sai (secção de
saída), denotada e. Temos então que o caudal que entra pela secção i é
igual (em módulo) ao caudal que sai pela secção e:
.
m    w  n d     w  n d  . (0.204)
i e

Definimos
1 1
he  
m e
 h w  n d  , hi    h w  n d  ,
m i
(0.205)

1 1
we2  
m e
 w2 w  n d  , wi2    w2 w  n d  , (0.206)
m i

1 1
ze  
m e
 z w  n d  , zi    z w  n d  .
m i
(0.207)

Podemos então escrever a equação (0.200) como


. .  1   1  .
Q  W   he  g ze  we2    hi  g zi  wi2   m  0 . (0.208)
 2   2 
Como se verifica, a dedução da equação geral para os sistemas abertos
apenas invocou, no essencial, o princípio da conservação da energia e nada
mais requer, desde que se tenha desprezado a difusão de massa.
Devido a esta generalidade, a equação é geralmente deduzida sem qualquer
referência ao postulado da dissipação ou à Segunda Lei da Termodinâmica,
admitindo como implícitas as restrições, geralmente pouco importantes,
acima referidas.
A dedução envolveu apenas valores globais tal como podem ser observados
e medidos por um observador colocado no exterior do sistema. Como tal,
ignora-se o que se passa no seu interior, limitando-se o observador a
contabilizar o que entra e o que sai, isto é, a fazer um balanço das

95
Tendo considerado os fluxos em módulo, e sendo iguais as quantidades entradas e as quantidades
saídas, cada uma delas será metade do total.
Termodinâmica Macroscópica 178
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

quantidades de energia que atravessam a fronteira do sistema na unidade de


tempo. Trata-se portanto de uma equação geral de balanço.
Como imediatamente se infere, a clara identificação da fronteira é crucial
porque é nela que todas as quantidades são medidas. Para acentuar estas
características, chamamos ao volume contido no interior da fronteira
volume de controlo.
A equação geral limitou-se, assim, a exprimir que no interior do volume de
controlo a energia e a massa se conservam (isto é, não se criam nem se
destroem).
Deve notar-se o modo natural como a entalpia aparece como variável do
sistema e não a energia interna. Isso deve-se ao facto de U e P V andarem
sempre associados na forma H  U  PV devido à realização de trabalho
associado à entrada e à saída de fluido no sistema. A entalpia é, por isso, a
variável natural característica dos sistemas abertos.

8.4. Aplicações
A utilidade da equação geral, uma vez deduzida, não é a de verificar e
continuar a verificar o princípio da conservação da energia, mas sim a de
nos permitir, pelo cálculo, inferir o valor de algumas das variáveis sabidas
as restantes. Para isso é necessário em geral fazer hipóteses adicionais
quanto à evolução do que se passa no interior do sistema.
Para ilustrar este ponto, consideramos o mais simples possível dos sistemas
abertos: um tubo de secção constante, horizontal no qual se escoa um fluido
em regime estacionário e que não troca calor nem trabalho com o exterior,
salvo, naturalmente, o associado à entrada e saída de fluido do volume de
controlo (Figura 31).
Figura 31 – Tubo de secção constante, horizontal, com um escoamento
em regime estacionário.

1 2
De acordo com estas hipóteses,
. .
Q  0 , W  0 , z1  z2 ,
pelo que a equação geral para o regime estacionário (0.208) se reduz a
Termodinâmica Macroscópica 179
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

 1 2  1 2
 h2  w2    h1  w1   0 . (0.209)
 2   2 
Se as secções 1 e 2 forem muito próximas, também podemos escrever
1 
dh  d  w2   0 . (0.210)
2 
"Entrando" agora no interior do sistema96, podemos exprimir a entalpia nas
outras variáveis termodinâmicas estudadas para os sistemas fechados e
teremos dh  Tds  vdP , a qual é ainda uma relação geral e apenas
pressupõe que no sistema elementar de volume dV delimitado pelas secções
1 e 2 são válidas as relações da Termoestática, o que é correcto na maioria
dos casos. Substituindo na equação (0.210), teremos
1
Tds  vdP   d  w2  . (0.211)
2
Verifica-se que o número de incógnitas aumentou. Para prosseguirmos
torna-se necessário introduzir uma hipótese suplementar. Suponhamos que
essa hipótese era a de uma evolução reversível, isto é ds  0 . Substituindo
em (0.211), teríamos
1
vdP   d  w2  . (0.212)
2
Se se tratar de um fluído incompressível o volume específico será constante.
Assim, devido à conservação da massa, como a secção do tubo é constante,
resulta que
w1 = w2
e portanto
dw2=0.
Substituindo em (0.212), concluímos que
dP  0 , (0.213)
o que significa que a pressão no interior do fluido não varia entre a entrada e
a saída. Ora, e como a experiência demonstra, o resultado é falso (e seria de
esperar, pois o movimento de um fluido corresponde a um fluxo de energia,
e a um fluxo de energia está sempre associada uma dissipação).

96
O que significa ser necessária a exigência suplementar de as variáveis intensivas serem uniformes
no seu interior, ou ainda de que o sistema é suposto estar a cada instante em equilíbrio interno.
Termodinâmica Macroscópica 180
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

Não sendo admissível a hipótese ds  0 por implicar, neste caso, uma


evolução reversível, vejamos a hipótese de não haver variação de entalpia,
dh  0 . Teremos então
Tds  vdP  0 (0.214)
Como v e T são positivos e ds  0 pela Segunda Lei da Termodinâmica,
concluímos que terá de ser dP  0 ,ou seja:
P1 > P2
que é o comportamento que experimentalmente se verifica. Esta perda de
pressão por irreversibilidade é tida em conta, habitualmente (sobretudo em
hidráulica e para fluidos incompressíveis em geral), sob a forma de um
termo correctivo determinado experimentalmente.
Dividindo ambos membros da equação (0.214) por dL, o comprimento do
tubo, considerando que o volume específico, v, é igual ao inverso da massa
específica, ρ, e rearranjando, temos
1 dP ds
 T . (0.215)
 dL dL
Assim é possível escrever
dP
 f   , w,  ,   , (0.216)
dL
em que f é empírico,  a viscosidade do fluido e  é a rugosidade do tubo.
As formas que f assume serão dadas em Mecânica dos Fluidos e
Transmissão de Calor. A sua determinação teórica está fora do âmbito da
Termoestática, mas cai no da Termodinâmica dos Processos Irreversíveis.
Como facilmente se infere, esta irreversibilidade provoca um aumento da
entropia que arrasta o da temperatura, se não houver mudança de fase.

8.5. Balanço de Entropia para Sistemas


Abertos
O balanço de entropia para sistemas fechados encontra-se contido na
Equação Fundamental na forma entrópica.
No caso de sistemas que deixaram de estar em equilíbrio interno por ter sido
removido um constrangimento que impedia a interacção entre subsistemas, a
nova situação de equilíbrio é dada pelo máximo de entropia do conjunto,
que forma um sistema isolado ou é a ele redutível.
Enquanto propriedade (extensiva) do sistema, uma característica
fundamental da entropia é não ser uma propriedade conservada, (salvo
Termodinâmica Macroscópica 181
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

nos casos limite de evoluções totalmente reversíveis) contrariamente ao


que sucede com a energia e a massa.
A característica fundamental da irreversibilidade é o aumento de entropia, e
o aumento de entropia é o facto mais comum e saliente nas evoluções reais.
Todavia, a entropia, para além de ser criada num processo irreversível
também pode ser permutada, e isso sucede sempre que existe um fluxo de
calor. Efectivamente, e como já por várias vezes foi sublinhado, é sempre:
δQ = T dS
desde que T e S se refiram ao sistema que recebe δQ e que T esteja definida
para este sistema. Por este facto, podemos sempre escrever para o sistema
fechado contido pela superfície fechada  o balanço de entropia como
dS 1
  q  nd     sint dV , (0.217)
dt  T V

.
em que s int é o aumento de entropia por unidade de tempo e de massa no
interior do sistema devido a irreversibilidades internas de 1ª e 2ª espécie.
Tratando-se de um sistema aberto, a equação de balanço da entropia
generaliza-se imediatamente, bastando para tal ter em conta que, associado à
unidade de massa que entra (ou sai do volume de controlo) vem associada
não só uma energia, como todas as propriedades associadas à unidade de
massa, nomeadamente a entropia.
Aliás, na equação de balanço energético para um sistema aberto, a entrada
de entropia já foi implicitamente considerada na energia interna. A equação
geral do balanço de entropia para um sistema aberto é portanto:
dS 1 .
  q  nd     s w  nd     s int dV , (0.218)
dt  T  V

O primeiro integral de superfície representa o fluxo de entropia ligado ao


fluxo de calor. O segundo integral de superfície representa o fluxo de
entropia associado ao fluxo de massa. Ambos podem ser positivos ou
negativos. O integral de volume representa a produção de entropia por
unidade de tempo devido às irreversibilidades no interior do sistema. Pela
Segunda Lei da Termodinâmica, este termo é intrinsecamente positivo.
Tal como anteriormente, se a superfície  que define o volume de controlo
puder ser dividida em j troços nos quais as temperaturas, as velocidades e as
massas específicas são uniformes, os integrais anteriores podem substituir-
se por um número finito de parcelas, obtendo-se
Termodinâmica Macroscópica 182
Sistemas Abertos Sem Difusão
_________________________________________________________________

k Q 
dS 
 j
 mj sj   v , (0.219)

dt j 1  T j 
 
em que
Q j   q  nd  , (0.220)

m j    w  nd  , (0.221)

.
 v    s int dV , (0.222)
V

onde  v é a produção total de entropia por unidade de tempo devida a


irreversibilidades no interior do volume de controlo. O cálculo de  v é feito
na termodinâmica dos processos irreversíveis. Todavia, da Segunda Lei da
Termodinâmica (ou do postulado da dissipação), sabemos já que
sint  0 ,
pelo que
 int  0 ,
verificando-se apenas o sinal de igualdade se no interior do volume de
controlo todos os processos forem reversíveis.
É fundamental ter em atenção, no cálculo do fluxo de entropia associado ao
fluxo de calor, que a temperatura que se considera é a da fronteira do
sistema. Neste caso, é a temperatura a que se encontra o elemento de
superfície d do volume de controlo, por onde o fluxo de calor em causa
entra (ou sai) trazendo (ou levando) entropia para o sistema.
Como nos processos reais um fluxo de calor requer sempre uma diferença
de temperatura, se a fronteira do volume de controlo não é definida com
rigor, a temperatura a que o mesmo se encontra também deixa de o ser,
arrastando em consequência imprecisões nos fluxos de entropia permutados.
9. Termodinâmica da Atmosfera
Neste capítulo o sistema termodinâmico em estudo é uma mistura de ar seco
e de vapor de água. Analisamos a equação fundamental e derivamos as
equações de estado e as propriedades termodinâmicas. Estabelecemos a
equação de Poisson de uma maneira coerente e obtemos o gradiente
adiabático seco. Introduzimos algumas variáveis meteorológicas correntes
como temperatura virtual e temperatura potencial. Apresentamos a
estabilidade estática em termos de gradientes de temperatura e de
temperatura potencial e salientamos a sua importância usando um exemplo
de poluição atmosférica. Desenhamos e exploramos o tefigrama - um
diagrama atmosférico.

9.1. Extensão do formalismo para o campo


gravítico
A atmosfera não é um sistema simples porque está sob o efeito do campo
gravitico. A energia associada ao campo gravítico – energia potencial de um
dada massa m à cota z ( do campo gravítico) é
E p  mgz ,
em que g é a aceleração gravitica.
Considerando então que a energia total do sistema é dada por
E  U  Ep ,
temos que
dE  S , V , m1 , , mn , z   dU  S , V , m1 , , mn   dE p  m, z  
. (0.223)
 TdS  pdV  1dm1     n dmn  mgdz  gzdm
As funções de entropia e de energia para um sistema que está sob o efeito de
campos externos são dadas de uma forma geral por
S  S  E , V , m1 , , mn , 1 ,  2  (0.224)
E  E  S , V , m1 , , mn , 1 ,  2  (0.225)
em que os i determinam a posição nos vários campos (Hatsopoulos e
Keenan, 1965). Na forma diferencial temos que:
Termodinâmica Macroscópica 184
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

S S S S S S
dS  dE  dV  dm1    dmn  d 1  d 2  
E V m1 mn 1  2
(0.226)
E E E E E E
dE  dS  dV  dm1    dmn  d 1  d 2  
S V m1 mn 1  2
(0.227)
No caso do campo gravítico a equação (0.227) é dada por:
dE  S ,V , m1 , , mn , z  
 E   E   E 
  dS    dV    dm1   (0.228)
 S V ,m1 ,, mn , z  V  S ,m1 ,,mn , z  m1  S ,V , m2 ,,mn , z
 E   E 
  dmn    dz
 mn  S ,V , m1 ,, mn1 , z  z  S ,V , m1 ,, mn

Comparando esta expressão com a expressão (0.223) concluímos que:


 E   U 
    T
 S V , m1 ,, mn , z  S V ,m1 ,,mn
 E   U 
     P
 V  S ,m1 ,,mn , z  V  S ,m1 ,,mn
 E   U 
     gz  i  gz   i
m m
 i  S ,V , m ji , z  i  S ,V ,m1 ,, mn
 E 
   mg
 z  S ,V ,m1 ,,mn
em que ~ é o potencial total ou químico-gravítico de uma dada substância i
i

com mi. Podemos portanto escrever que a função diferencial da energia com
campos externos para uma massa de ar sob o efeito do campo gravítico é:
dE  S , V , m1 , , mn , z   TdS  PdV  1dm1     n dmn  mgdz . (0.229)

Exercícios
1. Escreva a equação de Euler para um sistema sob a acção de um campo
gravítico.
2. Escreva a equação de Gibbs-Duhem para um sistema sob a acção de
um campo gravítico.
Termodinâmica Macroscópica 185
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

9.2. Sistema Termodinâmico – Ar Seco


Na atmosfera o sistema termodinâmico em análise é uma mistura de ar seco
com vapor de água. Tipicamente considera-se que o sistema é constítuido
por uma massa homogénea de ar com uma fronteira adiabática e não
restritiva em termos de volume. Esta massa de ar pode referir-se a um dos
seguintes conceitos: 1) uma massa de ar extensa (escala de cerca de 1000
km) situada na baixa atmosfera onde os gradientes das diferentes
propriedades sejam muito pequenos e 2) uma bolsa de ar (escala de cerca de
1 km). As propriedades que caracterizam a massa de ar são determinadas
pela região de origem e pelas superfícies por onde passou. Estas massas de
ar são responsáveis por vários dias com uma caracterização meteorológica
semelhante. Consideramos que a fronteira é adiabática porque por um lado a
escala temporal dos processos analisados é tipicamente de um dia e por
outro o ar é mau condutor de calor. Esta simplificação é válida se os
processos adiabáticos contribuirem duma forma muito mais significativa
para alterações da energia interna do que os processos diatérmicos que
podem estar por exemplo relacionados com a radiação recebida da Terra.
As frentes são as superfícies de fronteira que separam estas massas de ar
onde ocorre alguma mistura entre as massas de ar e que podem ter 15 a 200
km de largura.
9.2.1. Equação Fundamental, Equações de Estado e
Propriedades Termodinâmicas
A equação fundamental para uma mistura de gases ideais é dada por
(Callen, 1985):
  mU V mj
S   m j s j 0    m j c j  R ln 0  mR ln  R  m j ln .
j  j  mU 0 mv0 j m

O ar às pressões e temperaturas atmosféricas comporta-se tipicamente como


uma mistura de gases ideais sob acção do campo gravítico. Neste caso
U  E  mgz .
Exercícios
1. Escreva a equação fundamental em função da energia E tendo em conta
que esta mistura de gases perfeitos está sob o efeito do campo gravítico.
2. Obtenha as equações de estado.

As equações de estado são dadas por:


Termodinâmica Macroscópica 186
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

 S   S  1
m c R
j
j j

      (0.230)
 U V ,m1 ,...., mr  E V ,m1 ,....,mr , z T U

 S   S  P mR
      (0.231)
 V U ,m1 ,...,mr  V  E , m1 ,..., mr , z T V

 S   mU m  R V
    k  sk 0  R  ck R ln 0  R ln k    m j c j   R ln
 mk U ,V ,mik T mU 0 m  j m mv0
(0.232)
 S      R mgz 1
    k   k    mjc j      k  gz  (0.233)
 mk  E ,V ,mik , z T T  j m U T

 S 
m c R
j
j j
mg
   mg   (0.234)
 z  E ,V ,m1 ,...., mr U T

Exercícios
1. Obtenha a relação entre os calores específicos cp e cv para a atmosfera.
2. Qual a relação entre o cp e o cv do ar e os calores específicos dos
vários componentes do ar?

Os coeficientes termodinâmicos são dados por:


T  S  m m
cv     R  j c j   j cvj (0.235)
m  T V ,m j j m j m

T  S  mj mj
cP   
m  T  P , m j
 R 
j m
c j  R  
j m
c pj  cv  R (0.236)

1  V  1
kT     
V  P  T P
1  V  c 1
kS      v
V  P  S c P P
1  V  1
    
V  T  P T
A razão entre o cp e o cv é designada por . O calor específico a pressão
constante do vapor de àgua a 0ºC é de 1850 J.kg-1K-1 e o calor específico do
Termodinâmica Macroscópica 187
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

ar seco a 0ºC é de 1005 J.kg-1K-1. Portanto o calor específico no ar varia


entre 1005 J.kg-1K-1 (ar seco) e 1058 J.kg-1K-1 (ar húmido com 4% de massa
de vapor) variando por um factor de 5% no máximo. O aumento da
capacidade caloríofica a pressão constante não representa uma alteração
significativa no comportamento termodinâmico (Bohren, 1998).
Exercício
Suponha que num dia limpo a previsão para as temperaturas máximas de
duas cidades à mesma latitude são de 30º e 38ºC. A cidade com a previsão
de 30ºC situa-se no litoral sendo mais húmida do que a outra cidade que se
situa no interior. Acha que a diferença entre as temperaturas máximas
previstas se pode dever ao facto de ser necessário fornecer diferentes
quantidades de calor às duas cidades para obter mesmo aumento de
temperatura. Qual a importância de estarem à mesma latitude e de o céu
estar limpo?
9.2.2. Gradiente de Pressão na Atmosfera
Uma coluna de ar sujeita ao campo gravítico é um sistema heterogéneo
porque as propriedades intensivas não são constantes. Suponhamos então
que temos uma coluna de ar constítuida por sub-parcelas homogéneas. Cada
sub-parcela tem volume constante e fronteiras permeáveis. O equilíbrio
termodinâmico é agora dado como a solução do seguinte problema de
maximização constrangida:
max S  S (1)  E (1) ,V (1) , m1(1) , m2(1) , , z (1)    
E (1) ,V (1) , m1(1) ,, mz(1) , z (1) ,
,
E ( n ) ,V ( n ) , m1( n ) ,, mz( n ) , z ( n )

 S ( n )  E ( n ) ,V ( n ) , m1( n ) , m2( n ) , , z ( n ) 

sujeito a

E (1)  ...  E ( n )  E
m1(1)  ...  m1( n )  m1
m2(1)  ...  m2( n )  m2

Onde U e V e mi são constantes, dado que o sistema é isolado. A solução
deste problema é dada pelo sistema de equações
Termodinâmica Macroscópica 188
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

 S (1) S ( n )
 (1)  ... 
 E(1) E ( n )
 S S ( n )
 m(1)  ... 
 1 m1( n )
 S (1) S ( n )
 (1)  ... 
 m2 m2( n )
...

Recorrendo às definições das variáveis intensivas na representação
entrópica, obtemos
 1 1 1
 T (1)  ...  T ( n )  T
 (1)
 1  ...  1  1
(n)

 (1)
T T (n) T
  (1)  ( n ) 
 2(1)  ...  2( n )  2
T T T

As condições de equilíbrio impõe que a temperatura e o potencial quimico-
gravitico de cada componente do ar sejam constantes ao longo da coluna de
ar. Como  k   1  k  gz  as condições de equilíbrio impõe que:

T T

1(1)  gz (1)  ...  1( n )  gz ( n )


2(1)  gz (1)  ...  2( n )  gz ( n )
Recorrendo às equações (0.230), (0.231), (0.232) e (0.235) temos que:
 T m P
 k  sk 0  R   cvk  R  ln  R ln k  cv  R ln .
T T0 m P0

Se considerarmos que, a fracção mássica de cada componente do ar é


constante ao longo da coluna, as condições de equilíbrio em conjunto com o
modelo da mistura de gases perfeitos, impõe que

P (1) gz (1) P ( n ) gz ( n )
 R ln  (1)  ...   R ln  (n)
P0 T P0 T

d  P gz 
e portanto  R ln    0 ou seja
dz  P0 T 
Termodinâmica Macroscópica 189
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

dP gP
   g . (0.237)
dz RT
Numa atmosfera em equilíbrio hidroestático, a aceleração vertical é nula, e
portanto a variação de pressão entre dois pontos a altitudes diferentes é só
devido ao peso da coluna de ar.
Integrando a equação (0.237) obtemos
gz

P  P0 e RT
, (0.238)
onde P0 é a pressão à altitude z0=0.

9.2.3. Processos Adiabáticos e Reversíveis


Existem fenómenos meteorológicos importantes caracterizados por uma
ascensão de uma massa de ar: ascensão convectiva devido ao aquecimento
heterogéneo da superfície; ascensão orográfica e ascensão de uma massa de
ar quente devido à colisão com uma massa de ar frio (Lutgens e Tarbuck,
1998). Outro fenómeno importante descrito aproximadamente por um
processo adiabático e reversível é a dispersão de poluentes atmosféricos de
chaminés.
Equação de Poisson
A equação de Poisson descreve a relação entre a pressão, P, e o volume, V,
numa massa de ar com um número constante de moles que passa por um
processo quase-estático, Q  TdS e adiabático Q  0 . Esta equação é
aplicável a processos onde a transferência de calor é negligível devido à
reduzida escala temporal do processo ou a processos onde a variação de
temperatura devido a processos diabáticos é muito inferior a variação devido
a outros processos, como por exemplo a expansão de uma massa de ar
durante a ascensão.

Sendo um processo quase-estático e adiabático a entropia mantem-se


constante. A relação entre a pressão e o volume a entropia constante é dada
por:
 P  1 c P
dP    dV   dV   P dV .
 V  S ,m1 ,...,mn K sV cV V
Integrando esta equação obtemos a Equação de Poisson:
Termodinâmica Macroscópica 190
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

PV   P0V0 , (0.239)
que pode ser reescrita usando a equação de estado (0.231)
 

PT 1  P0T01 . (0.240)


Esta equação diz-nos que para um processo adiabático temos uma relação
constante entre quaisquer duas das variáveis T, P e V.
Exercício
Sabendo que o gradiente de temperatura ambiental médio é de -6.5ºC na
troposfera estime a temperatura ambiente à altitude de 12km. Porque é que
um avião a voar a esta altitude tem permutadores de calor para arrefecer o ar
que é retirado do exterior? Assuma que   1.4 .
Gradiente de Temperatura Adiabático Seco
À medida que uma massa de ar se move na atmosfera adiabática e
reversivelmente a sua temperatura altera-se como resultado da alteração de
pressão.
 S   S   V 
  T   T 
 T   P T dP   P T dP   T  P dP 
dT    dP 
 P  S  S  NcP NcP
  (0.241)
  T P
TV  1
 dP  dP
NcP  cP
As paredes são móveis e portanto a variação de pressão na particula é igual
à variação de pressão na atmosfera. Para obtermos um valor para o gradiente
de temperatura adiabático seco (GTAS) vamos usar a equação (0.237) para
substituir dP e reescrever a equação (0.241) como
 g dT  atm g g
dT   atm dz  d      10º C / km . (0.242)
 cP dz  cP cP
O gradiente de temperatura de uma massa de ar que sofre um processo
adiabático, reversível e seco é de –10ºC por km e é independente do
gradiente de temperatura do ambiente. O d tem este valor se a atmosfera
estiver em equilíbrio hidroestático e a diferença de temperatura entre a
parcela e o ambiente não for muito grande.
Termodinâmica Macroscópica 191
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

Exercício
Obtenha o gradiente de temperatura adiabático seco derivando a equação de
Poisson.
Exercício
Porque é que no EUA se usam ventoinhas gigantes em culturas sensíveis ao
gelo em noites frias de céu limpo?
Exercício
Numa manhã de Primavera o gradiente de temperatura na Covilhã que fica
em média a cerca de 600 metros de altitude é de -6ºC/km. Suponha que o ar
sobre a Serra da Estrela (2000 metros) começa a descer sobre a Covilhã.
Espera que a temperatura na Covilhã suba, desce ou se mantenha? Qual a
variação?
9.2.4. Estabilidade Estática
A estabilidade estática está relacionada com o tipo de equilíbrio que
caracteriza a atmosfera quando existe um deslocamento vertical de uma
massa de ar. Existem 3 tipos de equilíbrio: equilíbrio estável, equilíbrio
instável e equilíbrio neutro. No caso do equilíbrio estável a atmosfera tende
a eliminar os deslocamentos verticais, no equilíbrio instável tende a ampliá-
los e no equilíbrio neutro ignora-os.
Se a posição inicial de uma massa de ar está em equilíbrio então a soma das
forces e torques aplicados no sistema é nulo. Para determinarmos o tipo de
equilíbrio temos que avaliar o somatório das forças na nova posição de
equilíbrio. As forças a actuar na massa de ar são o gradiente de pressão e o
seu peso; portanto a sua aceleração, az, é:
dv 1 dP
az  z   g
dt  dz
Se a atmosfera está em equilíbrio hidroestático a variação de pressão na
particula é igual à variação de pressão na atmosfera e portanto a direcção da
aceleração vertical é dada pela diferença de densidades entre a atmosfera e a
partícula:
  atm    a z  0
dv z 1 
az     atm   g    atm    a z  0 (0.243)
dt      a  0
 atm z

Os resultados anteriores podem ser reescritos em função dos gradientes de


temperatura: o gradiente da massa de ar é o gradiente adiabático seco e o
Termodinâmica Macroscópica 192
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

gradiente da atmosfera é o gradiente da temperatura ambiente. Usando a


equação (0.231) temos que
N P m PM PM P
    
V TR V TR M T R Md
T
R
d
Md M Md
R M
Definindo que  Rd e d T  Tv temos que
Md M
P
 .
Tv Rd

Onde Md is a massa molar do ar seco, e Tv é a temperatura virtual, ou seja, a


temperatura que a massa de ar seco (sem vapor de água) teria que ter para
ter a mesma pressão e densidade que o ar húmido. Podemos então
reescrever a aceleração como
 
g gP  1 1  gP  1 1
az    atm          ,
  Rd  M d T Md 
T   Rd
M d  Tatm T 
M atm
M  M atm
 atm
considerando que a variação na percentagem da massa de vapor de água na
atmosfera é desprezável para o deslocamento vertical considerado. A
aceleração vertical é então dada por:
Tatm  T  a z  0
Tatm  T  az  0 .
Tatm  T  a z  0
A temperatura de uma particula deslocada verticalmente da sua
posição de equilíbrio varia de acordo com o gradiente de temperatura
adiabático seco; a temperatura da atmosfera varia de acordo com o
gradiente de temperatura ambiente. Na

Figura 32 é apresentado o gradiente de temperatura adiabático seco a


vermelho e três gradientes de temperatura da atmosfera qualitativamente
diferentes (atmosferas 1,2 e 3).
Na atmosfera 1 a aceleração é positiva num deslocamento vertical para cima
e negativa num deslocamento vertical para baixo. Portanto o deslocamento
Termodinâmica Macroscópica 193
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

provoca um afastamento da posição inicial ou seja o equilíbrio é instável


classificando-se a atmosfera como uma Atmosfera Instável.
Nas atmosferas 2 e 3 a aceleração é positiva num deslocamento vertical para
baixo e negativa num deslocamento vertical para cima. Portanto o
deslocamento provoca o retorno à posição inicial ou seja o equilíbrio é
estável classificando-se a atmosfera como uma Atmosfera Estável.
Numa atmosfera que tenha o gradiente de temperatura igual a a d: nos
deslocamentos verticais para cima e para baixo da posição de equilíbrio a
aceleração é nula ou seja o equilíbrio é neutro classificando-se a atmosfera
como Atmosfera Neutra.

Z dT
2
dz

1 3

Equilibrium

Figura 32 – Linha a vermelho: gradiente de temperatura adiabático.


Linhass 1, 2 e 3: gradientes de temperatura da atmosfera.
Resumindo:
Cima Tatm  T  az  0

Atmosfera 1 
Baixo T  T  az  0
 atm

Cima Tatm  T  az  0

Atmosfera 2 and 3 
Baixo T  T  a  0
 atm z

Traduzindo o critério de estabilidade em função dos gradientes de


temperatura temos que:
Termodinâmica Macroscópica 194
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

 dT 
    d Atmosfera Instável
 dz  atm
 dT 
    d Atmosfera Neutra (0.244)
 dz  atm
 dT 
    d Atmosfera Estável
 dz  atm
O gradiente de temperatura ambiental médio é de -6.5ºC na troposfera. É
controlado pela absorção do fluxo radiativo do sol e pelas trocas de calor
radiativo entre a troposfera e o solo. A atmosfera é quase transparente à
radiação solar e quase opaca à radiação do solo e portanto a radiação
emitida pelo solo e a advecção de ar com uma temperatura diferente
controlam o gradiente de temperatura ambiente. Processos que contribuem
para uma atmosfera estável incluem: arrefecimento radiativo em noites
calmas de céu limpo, a advecção de ar frio à superfície e de ar quente em
cima, passagem de uma massa de ar frio sob uma superfície fria e descida de
ar em larga escala (ciclone). Processos que promovem uma atmosfera
instável incluem aquecimento radiativo do solo em tardes de céu limpo,
advecção de ar quente à superfície e de ar frio lá em cima, mistura de massa
de ar e a subida de ar em larga escala (anti-ciclone).
Exercício
Faça corresponder a cada um dos gráficos uma das plumas.
Termodinâmica Macroscópica 195
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

Descreva exemplos de condições meterológicas a que correspondam cada


um dos gráficos.
Em que situação é que temos as concentrações mais elevadas no solo perto
da chaminé e longe da chaminé?

A estabilidade estática da atmosfera é muito importante para algumas


aplicações, como é o caso da dispersão de poluentes. Exemplificando com
um exemplo de Pasquill F. (1974). A atmosfera instável corresponde a uma
dispersão vigorosa de poluentes atmosféricos enquanto que uma atmosfera
muito estável (inversão de temperatura) corresponde a uma dispersão muito
pequena. No primeiro caso as concentrações mais elevadas de poluentes no
solo é perto da chaminé enquanto que no segundo caso as concentrações
mais elevadas encontram-se longe da chaminé.

9.2.5. Temperatura Potencial - 


A temperatura potencial, , é a temperatura que uma massa de ar à
temperatura T e pressão P teria se fosse levada por um processo adiabático e
quase-estático à pressão dos 1000mbar. A temperatura potencial é
conservada para uma mistura de gases perfeitos que só sofre processos
adiabáticos e quase estáticos sendo portanto uma boa maneira de identificar
uma massa de ar
1
P 
    T. (0.245)
 P0 
Estabilidade Estática e Temperatura Potencial
O critério de estabilidade é mais simples se for enunciado em função da
temperatura potencial, . Começamos por reescrever o perfil vertical de
temperatura em função da temperatura potencial derivando  em relação a z,
1
 
 d  d  P     dT  dP 1  
     T   ,
 dz  atm dz  P0   T dz P dz 
 
em seguida usamos as equações (0.237) e (0.242) para obtermos
 d   dT  g    dT  
         d  . (0.246)
 dz  atm T dz T c p T   dz  atm 
Aplicando os critérios de estabilidade (equação (0.244)) à equação (0.246)
obtemos:
Termodinâmica Macroscópica 196
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

 d   d 
  0    0 Atmosfera Instável
 dz  atm  dP atm
 d   d 
  0    0 Atmosfera Neutra
 dz atm  dP atm
 d   d 
  0    0 Atmosfera Estável
 dz atm  dP atm
Exercício
Calcular a relação entre d/dz e d/dP. Use a relação d/dP=(d/dz) (dz/dp).
Gradiente de temperatura potencial numa atmosfera em
equilíbrio termodinâmico
O perfil vertical de temperatura é o perfil que maximiza a entropia para um
dado valor da energia interna. A maximização da entropia é dada por:
d
dS  cP  0    cte ,

o que implica que o perfil vertical da temperatura potencial é constante e
portanto o gradiente de temperatura numa atmosfera em equilíbrio é dado
pelo Gradiente de Temperatura Adiabático Seco. Esta atmosfera
corresponde a uma atmosfera bem misturada de modo a que outros
processos como a radiação e a advecção desempenham um papel pouco
relevante na determinação do gradiente de temperatura (Bohren, 1998).
Entropia e a Temperatura Potencial
Num processo adiabático e reversível a temperatura potencial e a entropia
mantêm-se constantes. Em qualquer outro processo existe uma relação entre
estas duas variáveis que vamos derivar em seguida. Vamos começar por
escrever a entropia em função da temperatura e da pressão considerando
uma pressão de referência, P0, de 1000 mbar.
T RT mj
S   m j s j 0  mcV ln  mR ln  R  m j ln
j T0 Pv0 j m
1
T P  mj
S   m j s j 0  mcP ln    R  m j ln (0.247)
j T0  P0  j m
 mj
S   m j s j 0  mcP ln  R  m j ln
j T0 j m
Se no processo a composição e o número de moles forem constantes então a
seguinte relação é obtida,
Termodinâmica Macroscópica 197
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

S  S0 
 s  s0  cP ln ,
m T0
onde a temperatura potencial é a do estado actual.

9.3. Sistema Termodinâmico – Ar Húmido


9.3.1. Medidas do Vapor de Água
O vapor de água é só um dos muitos componentes do ar. A sua importância
é devida ao facto de ser o único componente que pode condensar às
temperaturas atmosféricas.
Medidas dimensionais: pressão de vapor e humidade
absoluta.
Partindo da equação (0.231) podemos escrever a pressão total da mistura
como sendo a soma das pressões parciais ou seja das pressões que cada
componente exerciria se estivesse sozinho no volume total:
NRT RT
P   Ni   Pi .
V i V i

Designando a pressão parcial do vapor de água por e e a pressão parcial do


ar seco por Pd temos que:
P   Pi  Pd  e .
i

A primeira medida do vapor de água é a sua pressão parcial designada por


pressão de vapor, e.
Outra medida do vapor de água no ar é a humidade absoluta ou densidade
do vapor de água,  v  mv V cuja relação com a pressão de vapor é dada
por:
N RT mv RT R
e v   v T   v Rv T . (0.248)
V M vV Mv
Também para o ar seco podemos definir a densidade,  d  md V ,
Pd   d Rd T (0.249)

Medidas adimensionais: humidade específica e razão de


mistura
Num processo termodinâmico em que não há condensação a massa total de
ar seco e de vapor de água mantêm-se constantes mas o mesmo já não se
pode afirmar da pressão de vapor e da humidade absoluta. Nesta secção são
Termodinâmica Macroscópica 198
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

introduzidas duas variáveis adimensionais que traduzem esta constância: a


humidade específica, q, e a razão de mistura, :
m
q v (0.250)
m
m e Mv e
 v    (0.251)
md Pd M d P  e

Medidas em equilíbrio de fases


Na atmosfera o vapor de água não está em equilíbrio com a água líquida
com excepção de nuvens em estado estacionário e uma camada muito fina
de ar em contacto com a água. Se o vapor de água estivesse em equilíbrio
então os fluxos de condensação e evaporação compensavam-se e não existia
evaporação, o que não corresponde, à nossa experiência do dia a dia. O
vapor de água na atmosfera é tipicamente inferior ao valor de equilíbrio.
Podemos então definir para uma dada pressão e temperatura, a pressão de
vapor de saturação, es, e a razão de mistura de saturação, s, ou seja o valor
que a pressão de vapor e a razão de mistura teriam se a massa de vapor no ar
estivesse em equilíbrio com uma camada de água líquida.

Medidas do afastamento em relação ao equilíbrio de fases


A humidade relativa, r, dá-nos a relação entre a razão de mistura e a razão
de mistura de saturação e dá-nos uma medida da distânica ao equilíbrio:
 e  P  es 
r   . (0.252)
 s es  Pe 
A humidade relativa é que é responsável pela nossa sensação de conforto ou
desconforto num dado dia.
9.3.2. Clausius - Clapeyron
A Equação de Clapeyron é dada por:
 P  s s l
   v l 
 T  L  V vv  vl T  vv  vl 
Esta equação pode ser simplificada tendo em conta que o volume molar da
água liquida é muito inferior ao volume molar do vapor de água e que o
vapor de água se comporta como um gás perfeito, obtendo-se:
 P  lP
   .
 T   L  V RT
2
Termodinâmica Macroscópica 199
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

Para o vapor de água temos


 es  le
   s2 , (0.253)
 T  L  V RT
considerando que o calor latente é independente da temperatura, esta
equação pode ser integrada obtendo-se
 l  1 1 
e s  e so exp     . (0.254)
 R  T T0  
Usando como estado de referência os 273 K simplifica-se para:
 5417 
es  6.11exp  19.83  , (0.255)
 T 
onde a pressão de saturação está em mbar e a temperatura em Kelvin. A
equação (0.255) diz-nos que a pressão de vapor de saturação aumenta com a
temperatura ou seja a a massa de vapor em equilíbrio na atmosfera aumenta
com a temperatura.
Exercício
Considere um sistema composto com uma fronteira exterior adiabática,
impermeável e móvel. Considere que inicialmente existe uma parede interna
adiabática, móvel e impermeável que separa duas massas de ar de
características: P, T1 e e1 e P, T2 e e2. Calcule T e e no equilíbrio quando é
retirada a fronteira interna considerando que o processo é quase estático e
que não existe condensação de vapor de água. É possível a mistura
adiabática e isobárica de duas massas de ar ‘não saturadas’ formar uma
massa de ar ‘saturada’? Considerando que o ar expirado por um cão é mais
húmido e mais frio do que o de um ser humano em que caso é mais provável
que se forme uma nuvem?
Sugestão: Com x  ma 1 ma prove que

e  xe1  1  x  e2
T  xT1  1  x  T2
Termodinâmica Macroscópica 200
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

200

180

160
Pressão de vapor de saturação

140

120

100

80

60

40

20

0
200 220 240 260 280 300 320 340
T

Figura 33 – Equação de Clausius-Clapeyron (azul). Caracterização da


mistura (linha a vermelho) de duas massas de ar não saturadas
(extremos da linha a vermelho).
Exercício
A equação de Clausius-Clapeyron diz-nos que a pressão de vapor em
equilíbrio é só função da temperatura. Obtenha a razão de mistura de
saturação para as temperaturas de: -40ºC, -20ºC, 0ºC, 10ºC, 20ºC, 30ºC e
40ºC e discuta porque é que os climas mais frios são muito mais secos que
os climas mais quentes.
9.3.3. Temperatura de Orvalho
A equação de Clausius-Clapeyron também introduz a temperatura de
orvalho. A temperatura de orvalho, é a temperatura de equilíbrio entre as
duas fases para a mesma razão de mistura e portanto para a mesma pressão
de vapor , e(T )  es (Tdew ) . De acordo com Bohren (1998) a temperatura de
orvalho do fim da tarde é uma boa estimativa da temperatura mínima da
noite num dia limpo sem vento. O facto de ser um dia de céu limpo implica
que o arrefecimento nocturno será devido a perdas de calor por radiação e o
facto de não haver vento implica que a massa de ar não será substituída por
outra.
Termodinâmica Macroscópica 201
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

Exercício
Explique em que casos é que o orvalho se pode formar no lado interior das
janelas de uma casa quando a temperatura exterior é mais baixa que a
temperatura interior.
9.3.4. Temperatura do termómetro molhado e a
Equação Psicrométrica
A temperatura do termómetro molhado é a temperatura que uma massa de ar
teria se se evaporasse água suficiente, de uma superfície de água com a qual
a massa de ar estivesse em contacto, para que a massa de ar ficasse em
equilíbrio. Durante este processo 1) a temperatura do ar arrefece devido ao
fluxo de calor necessário para evaporar, 2) a pressão de vapor aumenta e 3)
a pressão de vapor de saturação diminui até igualar a pressão de vapor.
De seguida vamos agora obter uma expressão para a temperatura do
termómetro molhado. Consideramos que o processo de evaporação da
superfície de água para a massa de ar é adiabático e quase-estático e
portanto o processo é isentrópico a pressão constante com um número de
moles total de água (vapor de água e água liquida) constante. Neste caso a
variação de entalpia é dada por:
dH  dU  PdV  VdP  TdS  PdV  PdV  VdP  0 .
Ou seja
H initial  H final ,
sendo que
mv ,i  mw,i  mv , f  mw, f  mw,T (0.256)
e
H final  H initial  md hd , f  mv , f hv , f  mw, f hw, f  md hd ,i  mv ,i hv ,i  mw,i hw,i
 md  hd , f  hd ,i   mv , f hv , f  mv ,i hv ,i   mw,T  mv , f  hw, f   mw,T  mv ,i  hw,i
 md  hd , f  hd ,i   mv , f  hv , f  hw, f   mv ,i  hv ,i  hw,i   mw,T  hw, f  hw,i 
(0.257)
A diferença entre as entalpias dos estados inicial e final do ar seco e da água
liquida são dadas por:
hd , f  hd ,i  c p ,d T f  Ti 
.
hw, f  hw,i  c p , w T f  Ti 
Porque a pressão constante dH  dU  PdV  VdP  TdS  dQ e portanto
Termodinâmica Macroscópica 202
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

dS T  S 
dH  dQ  TdS  T dT  m   dT  mc p dT
dT m  T  P ,m
A diferença entre as entalpias do vapor e da água líquida é obtida usando a
Equação de Euler:
H  U  PV  U  TS  PV   i i N i
hv  Tsv  v hw  Tsw   w  .
hv  hw  T  sv  sw   v   w  l  v   w
A eq. (0.257) pode ser reescrita usando as equações anteriores:
H final  H initial  md c p ,d T f  Ti   l  mv , f  mv ,i   mw,T c p , w T f  Ti 
Como dH  0 temos que:

l
mv, f  mv ,i 
 m 
  c p ,d  w,T c p , w  T f  Ti   ,
md  md 
usando a definição de razão de mistura obtemos:
 m 
l  w f  wi    c p , d  w,T c p , w  T f  Ti 
 md 
em que a razão de mistura final é a razão de mistura de saturação:
 m 
l  ws (T f )  wi    c p , d  w,T c p , w  T f  Ti  .
 md 
Considerando que a pressão de vapor é muito inferior à pressão, i.e.,
e
w e que a razão entre a massa total de água e a massa de ar seco é
P
nula obtemos
l  ws (Tw )  wi   c p ,d Tw  Ti  
 Pc p ,d
es Tw   e Ti   Tw  Ti  .
l
Sendo a temperatura final a temperatura do termómetro molhado.
Reescrevendo a equação anterior,
 Pc p ,d
e Ti   es Tw   Tw  Ti  . (0.258)

 l

 0.65 mbar / k

obtemos a equação psicrométrica.


Termodinâmica Macroscópica 203
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

Exercício
Qual a temperatura mínima a que o ar pode ser arrefecido por evaporação
num dia quente e húmido em que a temperatura máxima é de 38ºC e a
temperatura de orvalho é de 30ºC?

9.4. Tefigrama
O Tefigrama é um diagrama termodinâmico. A abscissa é a temperatura, T,
e a ordenada é a entropia, s. As linhas verticais são isotérmicas e as linhas
horizontais são isentrópicas, isto é, adiabáticas e quase-estáticas, ou seja,
linhas a temperatura potencial constante. Neste diagrama o estado
termodinâmico da atmosfera é representado por duas linhas. Uma das linhas
caracteriza o ar independentemente da sua humidade e a outra caracteriza a
humidade.
Termodinâmica Macroscópica 204
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

Exercício
Represente qualitativamente as linhas isobáricas.
Exercício
Represente qualitativamente as linhas de razão de mistura de saturação
constante, s, num tefigrama.
Sugestão: Utilize a equação fundamental duma mistura de gases perfeitos.
Exercício
As medidas seguintes foram feitas por uma radiosonda em Liverpool no mês
de Junho:
Termodinâmica Macroscópica 205
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

P (mbar) T(ºC) Tdew(ºC)


1000 13 11
940 9.5 8
900 7 5
780 0 -3
700 -5 -11
600 -11 -17
500 -20 -28
400 -32 -42
300 -47
200 -49
150 -50
100 -40

a) Representar a atmosfera no tefigrama. Una os pontos de temperatura e


os pontos de temperatura de orvalho e obtenha duas curvas eulerianas
que caracterizam instantaneamente a atmosfera. Onde é que se situa a
tropopausa?
b) O que representa o maior ou menor distanciamento entre a curva das
temperaturas de orvalho e a curva traçada com as temperaturas?
c) Calcular a temperatura potencial da atmosfera para as pressões de
1000mbar e 780mbar.
d) Como faria se quisessem ler a temperatura potencial no tefigrama no
eixo das abcissas?
e) Classifique a estabilidade estática em função do gradiente da
temperatura potencial d/dP9.
f) Determine graficamente a razão de mistura, , da atmosfera às
diferentes pressões. Calcule a humidade relativa, r.

9.5. Nível de Condensação


O nível de condensação é atingido quando o vapor de água que está na
massa de ar fica em equilíbrio com a água líquida. Tipicamente uma massa
de ar perto do solo não está está em equilíbrio porque a pressão de vapor, e,
é inferior à pressão de equilíbrio de saturação, es. Quando a massa de ar
ascende por um processo adiabático e reversível a relação entre a pressão de
vapor e a pressão de vapor de saturação vai-se alterando. Combinado as
equações (0.251) e (0.240) podemos escrever
Termodinâmica Macroscópica 206
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________


w  T  1
e P0  0  .
w   T 
Portanto a relação entre a pressão de vapor e a pressão de vapor de saturação
para uma massa que ascende adiabática e reversivelmente é dada por:

 1
w  T 1 w
P0  0  P0T01 T 
e w   T  w 
  
es  5417   5417 
6.11exp  19.83   6.11exp 19.83  6.11exp  
 T   T 
 
e w  5417 
 P0T01 6.11T  1 exp   19.83 
es w   T 
Como a fronteira é impermeável a razão de mistura é constante e a equação
anterior pode ser simplificada:

e  5417 
 cT  1 exp   19.83  com c  0 . (0.259)
es  T 
A equação (0.259) permite-nos concluir que se T diminui o rácio
e es aumenta. À medida que a parcela vai ascendendo a temperatura diminui
aproximadamente 10ºC/km e portanto e es vais aumentando até a parcela
de ar estar saturada e as nuvens se formarem. O nível a que a parcela tem
que ascender para ficar saturada é o nível de condensação. Este é o nível a
que as nuvens que resultam de movimentos convectivos ascendentes se
formam. Estas nuvens estão habitualmente associadas a atmosferas instáveis
e a bom tempo. Os outros processos associados a uma ascensão adiabática
de ar seco referidos anteriormente estão tipicamente associados a mau
tempo: chuva e nuvens em frentes e depressões e tempo chuvoso no lado
exposto ao vento de uma cadeia montanhosa.
Exercício
Represente no tefigrama o nível de condensação de uma massa de ar que
ascenda a partir dos 1000 mbar. Considere que a atmosfera é caracterizada
com os dados do exercício da página 203. Seria provável que nesse dia
houvesse formação de nuvens devido à ascensão adiabática de uma massa
de ar do solo?
Termodinâmica Macroscópica 207
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

9.6. Gradiente de Temperatura Adiabático


Saturado
Quando uma parcela de ar está saturada o vapor de água está em equilíbrio
com a água liquida. À medida que a parcela de ar saturada vai ascendendo
na atmosfera a pressão parcial de vapor de saturação vai diminuindo e
portanto algum vapor de água vai condensando. As propriedades
termodinâmicas da massa de ar alteram-se devido ao calor latente que é
libertado durante a condensação. Ou seja, uma massa de ar em ascensão tem
um gradiente de temperatura adiabático seco até estar saturada e depois as
suas propriedades termodinâmicas alteram-se. Existem dois processos que
podem ocorrer: o adiabático saturado e o pseudo-adiabático. No primeiro
caso a água liquida mantem-se dentro da parcela e portanto o processo é
considerado reversível ou seja se a massa de ar descer a água liquida
evapora mantendo a parcela saturada até atingir o nível de condensação
inicial. No segundo caso a água liquida sai da parcela, por exemplo, sob a
forma de precipitação, e portanto se a parcela descer segue um processo
adiabático seco.
O gradiente de temperatura do processo adiabático saturado (GTASR) é
menor que o gradiente de temperatura do processo adiabático seco (GTAS)
por causa do calor latente libertado.
A parcela de ar saturado comporta-se como tendo a componente do ar
húmido que é uma mistura de gases perfeitos e a componente da água
liquida. Podemos considerar a seguinte equação de estado para a água
liquida (Kondepudi, 1998)
T
cP
S w  S0  N  dT . (0.260)
0
T
Portanto a entropia total da parcela de ar saturado é dada por:
 T cw 
S  N w   dT  s0  
0 T 
 1 T P 1 Nj 
 Nd  Nv    N j s j 0  c p ln  R ln 0  R N j ln 
 Nd  Nv j T0 Pd Nd  Nv j Nd  Nv 
Termodinâmica Macroscópica 208
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

O 2º termo da equação pode separar-se em dois termos porque a entropia da


mistura de gases ideais é igual à soma das entropias que cada gás teria se
ocupasse sózinho o volume V à temperatura T e portanto:
T c 
S  N w sw  N d sd  N v , s sv  N w   w dT  sw0  
0 T 
 1 T P 1 Nj 
Nd  N s j j0  c p , d ln  R ln 0  R N j ln  (0.261)
 Nd j T0 Pd Nd j Nd 
 T P 
N v , s  sv 0  c p ,v ln  R ln 0 
 T0 es 
Considerando que o número total de moles de água é constante,
N w,T  N w  N v e usando as equações (0.251) e (0.164) podemos escrever:

Nv,sl ws N d l
S  N w,T sw   N d sd  N w,T sw 
 N d sd (0.262)
T T
Usando as equações (0.261) e (0.262) podemos calcular o gradiente de
temperatura a entropia constante numa massa de ar saturado:
  ws l  

N d   T   N R
   d
 S    P  Pd
   
 T   P T  T
dT    dP   S dP   dP
 P  S     ws l  
  
 T  P 1 N d   T   1
N w,T cw     N d c p ,d
T   T  T
 
 P
Rearranjando a equação anterior e usando a eq. (0.269) para a derivada
exterior de uma função obtemos:
Termodinâmica Macroscópica 209
Termodinâmica da Atmosfera
_________________________________________________________________

  ws l     ws l  
  T     T  
   1
 dT   c p dT       dP   R dP
 T  T  P  Pd .
   
 P  T
1 ws l 1 R
d  ws l   2 dT   c p dT  dP  0
T T T Pd
Se a atmosfera estiver em equilíbrio estático a variação de pressão é dada
pela eq. (0.237)
1 wl 1  R  Pd  R
d  ws l   s2 dT   c p dT   g  dz  des  0.
T T T Pd  Rd T  Pd

Derivando a equação de Clausius-Clapeyron, eq.(0.254), e usando a relação


entre razão de mistura e pressão de vapor, eq. (0.251), obtemos:
l l
des  es dT   ws Pd dT ,
RT 2
 RT 2
que pode ser substituído na equação anterior:
R
d  ws l    c p dT  g  0.
Rd
O gradiente de temperatura de uma parcela saturada que ascende é então
dado por:
1  l  g
dT   d  ws  0
c p '  M v  cP '
.
1 g
dT   d  ws l '  0
cp ' cP '
Termodinâmica Macroscópica 212
Anexo - Ferramentas Matemáticas
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Termodinâmica Macroscópica 213
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Ulanowicz, R. E. (1986). Growth and Development. Springer Verlag,


Berlin.
Wallace M. John, Hobbs Peter (1997). Atmospheric Science – An
Introductory Survey. Academic Press.
Termodinâmica Macroscópica 215
Anexo - Ferramentas Matemáticas
_________________________________________________________________

Anexo - Ferramentas Matemáticas


10.1.Formas Diferenciais
O único conceito matemático novo que a Termodinâmica utiliza é o de
diferenciais: dU, dS, ... Em Matemática, estes objectos denominam-se
formas diferenciais.
Existem dois caminhos para obter as regras de manipulação de formas
diferenciais. Uma é com recurso ao jacobiano de transformações de
coordenadas. Este é o percurso seguido em Domingos (1995). Outro é partir
do significado de uma derivada parcial e derivar o significado das operações
com formas diferenciais a partir daí. Esse é o caminho seguido no presente
trabalho, que fornece assim uma justificação intuitiva para a utilização de
formas diferenciais.
Suponhamos uma função z = z(x). Intuitivamente, uma derivada é o
quociente entre variações infinitesimais de duas variáveis, z e x:
dz
(0.263)
dx
No entanto, z pode ser função de mais variáveis: z = z(x,y). Neste caso, é
necessário introduzir o conceito de derivada parcial, em que se faz a
derivada da variável dependente tomando uma das variáveis independentes
como constante. Para garantir que quer o diferencial da variável
independente, quer o diferencial da variável dependente mantém y
constante, o que precisamos é de uma forma de, para uma dada variação da
variável independente, “retirar-lhe” a variação segundo y. Trata-se de um
produto, o produto exterior, que, num certo sentido, é o oposto do produto
interno: o produto interno dá o produto da projecção de uma variável
segundo a direcção da outra (dá a componente de uma variável que é
“interna” a outra) por essa outra; o produto exterior dá o produto da
projecção ortogonal da variável (dá a componente de uma variável que é
“externa” a outra) por essa outra. Assim, torna-se natural denotar uma
derivada parcial da seguinte forma:
dz  dy
(0.264)
dx  dy
Para tornar a argumentação anterior mais rigorosa, é necessário olhar para a
verdadeira definição de formas diferenciais: uma forma-k é uma função real
de k vectores. Uma forma-0 é simplesmente uma função. Uma forma-1 é
Termodinâmica Macroscópica 216
Anexo - Ferramentas Matemáticas
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uma função de um vector. As formas-1 dx, dy e dz, são funções que


retornam a componente de um vector segundo uma certa direcção. Para o
vector v = (x, y, z) temos
dx  v   x , dy  v   y , dz  v   z .

10.1.1. Produto Exterior de Formas Diferenciais


No caso geral das formas-k, com k  2, impõe-se uma restrição adicional:
têm que ser funções alternantes. Isto significa que se trocarmos a ordem de
duas variáveis, a função troca de sinal. Isto impõe uma forma especial para
o produto de formas diferencias. Assim, para uma forma-2, temos
dx  dy  v1 , v 2   dx  v1  dy  v 2   dx  v 2  dy  v1   x1 y2  x2 y1 , (0.265)
com v1 = (x1, y1) e v2 = (x2, y2).
Podemos agora interpretar rigorosamente o argumento apresentado acima
para a passagem de derivadas parciais para quocientes de formas
diferenciais. Consideremos outra vez a derivada parcial z x  y . Podemos
decompor dois vectores arbitrários v1 e v2 na soma de um vector
perpendicular à direcção y e num vector paralelo a esta direcção. Temos
assim
v 1  v 11  v 12 v 2  v 21  v 22 , com dy v 12   0 e dy v 22   0
Dado que é uma função multi-linear, podemos escrever
dz  dy  v 1 , v 2 

dx  dy  v1 , v 2 
dz  dy  v11 , v 21   dz  dy  v12 , v 21   dz  dy  v11 , v 22   dz  dy  v12 , v 22 
dx  dy  v11 , v 21   dx  dy  v12 , v 21   dx  dy  v12 , v 21   dx  dy  v12 , v 21 
(0.56)
Aplicando nesta expressão a expressão geral para uma forma-2
aplicada a dois vectores, apresentada acima, e considerando os termos que
são nulos, dada a decomposição feita dos vectores v1 e v2, obtemos:
dz  v11  dy  v 21   dz  v 21  dy  v11   dz  v12  dy  v 21   dz  v 22  dy  v11 
dx  v11  dy  v 21   dx  v 21  dy  v11   dx  v12  dy  v 21   dx  v 22  dy  v11 
A definição acima apresentada para o produto de formas diferenciais mostra
que o produto de formas diferenciais é associativo. Não é comutativo, mas
sim anticomutativo, pois
dx  dy  v 1 , v 2   dx  v 1 dy v 2   dx v 2 dy v 1    dy v 1 dx v 2   dy v 2 dx v 1    dy  dx v 1 , v 2 
Isto é,
Termodinâmica Macroscópica 217
Anexo - Ferramentas Matemáticas
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dx  dy   dy  dx
Isto mostra também que dx  dx  0 .
Recorrendo ao mesmo tipo de derivação, é possível mostrar que o produto
exterior é distributivo.
Síntese de Propriedades do Produto Exterior
Em síntese, o produto exterior tem as seguintes propriedades:
dx   dy  dz    dx  dy   dz Associatividade
dx  dy  dy  dx Anticomutatividade
dx  dx  0
dx   dy  dz   dx  dy  dx  dz Distributividade do produto em relação à soma
fdx  dy  dx  fdy

10.1.2. Expressões para Derivadas Parciais


Consideremos a derivada exterior de uma função f  x, y  :

 f   f 
df    dx    dy (0.266)
 x  y  y  x
.
Fazendo o produto exterior à direita por dy, obtemos
 f   f  df  dy
df  dy    dx  dy ou    .
 x  y  x  y dx  dy
Temos assim a expressão que nos permite relacionar derivadas parciais com
quocientes de produtos externos de diferenciais, transformando os
problemas de manipulação de derivadas parciais em problemas algébricos.
Consideremos agora a expressão geral para a derivada exterior de uma
função de k variáveis, f  x1 ,..., xk  :

 f   f 
df    dx1  ...    dxk . (0.267)
 x1  x2 ,..., xk   xk  x1 ,..., xk 1
Se multiplicarmos à direita ambos os membros da equação (0.267) por
dx2  ...  dxk , obtemos

df  dx2  ...  dxk  f 


  . (0.268)
dx1  dx2  ...  dxk  x1  x ,..., x 
2 k
Termodinâmica Macroscópica 218
Anexo - Ferramentas Matemáticas
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Temos assim uma expressão sob a forma de um quociente de produto


exterior de diferenciais para derivadas parciais com um número arbitrário de
variáveis constantes.
Podemos também multiplicar a equação (0.266) por dz:
 f   f 
df  dz    dx  dz    dy  dz .
 x  y  y  x
Dividindo ambos os membros desta equação por dy  dz , obtemos

df  dz  f  dx  dz  f   f   f   x   f 
     ou           .
dy  dz  x  y dy  dz  y  x  y  z  x  y  y  z  y  x

10.1.3. Derivação Exterior


Seja z uma forma-0, isto é, uma função. A sua derivada exterior
(normalmente designada como diferencial) é a forma-1
z z
dz    dx    dy (0.269)
  x y   y x
Multiplicando à direita a equação por dy, e utilizando a propriedade
dy  dy  0 , obtemos por outro caminho a relação

 z  dz  dy
   (0.270)
 x  y dx  dy
Esta definição mostra que se a for uma constante então d a   0 . Como
outro exemplo, tomemos a pressão dada pela equação dos gases perfeitos:
NRT
P
V
Aplicando a relação anterior, temos
NR NRT
dP  dT  2 dV
V V
Seja agora  uma forma-k. A sua derivada exterior d é a forma (k+1)
obtida de  através da aplicação de d a cada uma das funções que definem
.
No exemplo anterior obtivemos uma forma-1. Podemos esse resultado para
ilustrar a obtenção de uma forma-2.
 NR   NRT  NR  NR 2 NRT 
d  dP   d    dT  d  2   dV   2 dV  dT   2 dT  3
dV   dV  0
 V   V  V  V V 
Este exemplo ilustra também uma regra geral: d dz   0 . Por simplicidade,
Termodinâmica Macroscópica 219
Anexo - Ferramentas Matemáticas
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demonstraremos esta relação só para o caso em que z é uma função, de duas


variáveis. Temos assim:
  z   z     2z  2z    2z  2z 
d  dz   d    dx    dy   2 dx  dy  dx   2 dy  dx  dy  0
  x  y  y  x   x xy   y xy 
Da definição acima é possível obter trivialmente d  x  y   dx  dy .

10.2.Maximização
10.2.1. Livre
Consideremos uma função f  x1 ,..., xn  . Para que um ponto  x ,..., x 
*
1
*
n

desta função seja máximo, têm que se verificar as seguintes condições:


 f *

 x x1 ,..., xn
*
  0
 1
   
 f

 xn

x1* ,..., xn*   0

Isto é o mesmo que escrever


f f
df  dx1  ...  dxn  0 ,
x1 xn
dado que as variações dxi são independentes.
10.2.2. Constrangida
Quando queremos maximizar uma função, temos que obedecer em primeiro
lugar a restrições de primeira ordem, relacionadas com a primeira derivada.
No entanto, vamos também encontrar muitas situações em que temos que
maximizar uma função sujeita a certos constrangimentos.
O método de Lagrange provém de uma questão simples. Como é que
podemos utilizar aquilo que já sabemos sobre optimização não constrangida
para resolver problemas de optimização constrangida?
Consideremos a maximização de uma função de duas variáveis, com um
constrangimento:
max f  x1 , x2  , sujeito a g  x1 , x2   0 .
x1 , x2
Termodinâmica Macroscópica 220
Anexo - Ferramentas Matemáticas
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A ideia do método de Lagrange consiste em transformar o problema de


optimização constrangida num problema de optimização não constrangida.
Definimos o Lagrangiano:
L  x1 , x2 ,    f  x1 , x2    g  x1 , x2 
A maximização desta função corresponde a determinar a solução do sistema
de equações:
L f g
  x1 , x2     x1 , x2   0
x1 x1 x1
L f g
  x1 , x2     x1 , x2   0
x2 x2 x2
L
 g  x1 , x2   0

Isto é um sistema de três equações com três incógnitas, x1, x2, . Note-se que
neste sistema recuperamos o constrangimento. De acordo com o método dos
multiplicadores, o óptimo é dado pela solução destas equações.
Vamos agora tentar perceber porque é que a solução deste sistema de
equações é igual ao óptimo constrangido. Começamos por calcular a
derivada exterior de L:
 L   L   L 
dL    dx1    dx2    d .
 x1  x2 ,  x2  x1 ,    x1 , x2
Esta forma-1 obedece às condições acima. Substituindo-as, obtemos
f f  g g 
dL  dx1  dx2    dx1  dx2   g ( x1 , x2 )d  ..
x1 x2  x1 x2 
Dadas as condições, o quarto termo do membro direito é nulo. O óptimo de
que estamos à procura é um óptimo que deverá obedecer a dL=0, para
variações dx1, dx2 que respeitem o constrangimento. Para saber quais são
essas variações, aplicamos a derivada exterior à equação de
constrangimento:
g g
dg  dx1  dx2  0 .
x1 x2
Substituindo esta expressão na equação acima, temos
f f
dx1  dx2  0 ,
x1 x2
Termodinâmica Macroscópica 221
Anexo - Ferramentas Matemáticas
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para variações dx1, dx2 que respeitem o constrangimento. Era esta a


condição que procurávamos.
Para o caso geral, temos
max f  x1 ,..., xn  ,
x1 , x2

sujeito a
g1  x1 ,..., xn   0
   , com m  n .
g m  x1 ,..., xn   0
Para resolver isto, construímos o Lagrangiano através da multiplicação de
cada equação de constrangimento por um multiplicador diferente, i, e
somámo-los todos à função f. O Lagrangiano é então:
m
L  x1 ,..., xn , 1 ,..., m   f  x1 ,..., xn     j g j  x1 ,..., xn 
j 1

As condições de primeira ordem são agora que todas as derivadas parciais


têm que ser nulas no óptimo. Dado que L tem n + m variáveis, teremos um
sistema de n + m equações para as variáveis x1 ,..., xn , 1 ,..., m :

L f m g
  x1 ,..., xn     j j  x1 ,..., xn   0, i  1,..., n
xi xi j 1 xi
L
 g j  x1 ,..., xn   0 j  1,..., m
 j

10.3. Pontos de Equilíbrio e Estabilidade


A condição suficiente para que um ponto extremo seja um máximo
constrangido é que os menores principais da matriz Hessiana do
Lagerangeano avaliada no ponto extremo alternem em sinal começando
pelo sinal positivo. A condição suficiente para que um ponto extremo seja
um mínimo constrangido é que os menores principais da matriz Hessiana do
Lagerangeano avaliada no ponto extremo sejam todos negativos. Quando as
variáveis intensivas de uma tranformada de Legendre são constantes então
se a função original é maximizada o mesmo ocorre com a transformada de
Legendre; se a função original é minimizada o mesmo ocorre com a
transformada de Legendre. Isto corre porque a matriz hessiana do
Termodinâmica Macroscópica 222
Anexo - Ferramentas Matemáticas
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Lagrangeano da função original é igual à matriz Hessiana do Lagrangeano


da transformada de Legendre.
2L g i
Considerando que Lij  e g ij  então a matriz Hessiana do
x j xi x j
Lagrangeano é dada por:
 L11  L1n g11  g1m 
 
       
 Ln1  Lnn g 1n  g nm 
 1 .
 g1  g1m 0  0
       
 1 
 g n  g nm 0  0 
Termodinâmica Macroscópica 223
Anexo - Ferramentas Matemáticas
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Termodinâmica Macroscópica 225
Índice Remissivo
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11. Índice Remissivo


A
Água, 159

C
Callen, 16, 54, 55, 56, 57, 58, 118, 119, 212, 213
Carnot, 12, 13, 14, 26, 107, 108, 109, 110, 113, 114, 115

D
Dissipação, 38, 40, 41, 47, 51, 53

E
Elástico de borracha, 105
Energia de Gibbs, 127, 129, 130, 138, 143, 144, 146, 155, 156
Energia de Helmholtz, 127, 128, 134, 135, 136
Entalpia, 127, 129, 136, 137, 138, 175
Entropia, 49, 50, 57, 119, 122, 180
Equação de Euler, 71

G
Gás Perfeito, 97

K
Kelvin, 114, 117

M
Mínimo da Energia de Gibbs, 138
Mínimo da Energia de Helmholtz, 134
Mínimo da Entalpia, 138

P
Paredes, 31
Postulado da Dissipação, 38, 40, 41, 47, 51, 53

T
Tisza, 16, 54, 55, 58, 118, 213
Transformada de Legendre, 123

V
van der Waals, 102, 154, 155, 156, 157
Termodinâmica Macroscópica 226
Índice Remissivo
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