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XIII CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL

PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO


27 a 30 de setembro de 2017 – Salvador – BA ISSN 1981-2566
www.conpe2017.ufba.br

CULTURA DA INFÂNCIA, REPRODUÇÃO INTERPRETATIVA E EDUCAÇÃO


PARA OS DIREITOS HUMANOS

Carlos César Barros - UEFS269


Thaís de Almeida Santos - UEFS270

Resumo: O objetivo desse trabalho é discutir a atualidade do conceito benjaminiano de cultura


da infância e sua contribuição para uma proposta de educação para os direitos humanos. Para
tanto, dialogamos com a sociologia da infância de William Corsaro, cuja documentação
etnográfica apreende concretamente a composição coletiva de uma cultura da infância que, de
modo pacífico ou revolucionário, confronta a autoridade adulta em busca do reconhecimento
de sua própria autonomia. Nossa tese é a de que, frente às antinomias de uma educação moral,
devemos oferecer espaços potenciais para que as crianças possam elaborar sua própria
gramática moral.
Palavras-chave: Walter Benjamin; William Corsaro; educação para os direitos humanos.

CHILDHOOD CULTURE, INTERPRETIVE REPRODUCTION,


AND HUMAN RIGHTS EDUCATION

Abstract: This paper aims to discuss the relevance of the benjaminian concept of childhood
culture and its contribution to a human rights education proposal. For this purpose, we dialogue
with William Corsaro’s sociology of childhood, whose ethnographic documentation concretely
apprehends the collective composition of a childhood culture that, in a peaceful or revolutionary
way, confronts adult authority in search of the recognition of its own autonomy. Our thesis is
that, faced with the antinomies of a moral education, we must offer potential spaces so that
children can elaborate their own moral grammar.
Keywords: Walter Benjamin; William Corsaro; human rights education.

Introdução

Um pressuposto comum a muitos países é a orientação de seus modelos educacionais


para os direitos humanos. Trata-se de uma dedicação não apenas aos direitos de as crianças
aprenderem leitura, escrita, cálculo e outros tantos conteúdos, mas muito mais de ensiná-las

269
E-mail: carlosbarros@uefs.br
270
E-mail: t.almeidas@hotmail.com

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atitudes e valores de respeito pelas diferenças, de uma cultura da paz. Podemos, no entanto,
parar por alguns instantes e nos indagarmos se as próprias crianças não teriam uma importante
contribuição na compreensão do que seria uma educação para os direitos humanos... existiria
algo como uma ética ou cultura infantil? Seria possível adentrar um mundo cultural infantil e
conhecê-lo em suas diferenças com as culturas adultas?
Enquanto o leitor se depara com as perguntas deste trabalho, um grupo de crianças
vasculha o quintal de casa em busca de matérias-primas: a caixa de leite torna-se uma câmera
de vídeo; o cabo da vassoura quebrada um microfone; as folhas secas espalhadas pelo gramado
são os efeitos especiais de uma reportagem sobre a ventania que derrubou telhados e partiu
árvores ao meio na noite passada. Dois adultos as observam. Através de uma comunicação
silenciosa, eles reconhecem que há algo de mágico na condução da brincadeira: embora o
repórter esteja insatisfeito com a posição da câmera e o entrevistado ainda não tenha voltado
do banheiro, existe uma sintonia criativa que dá vida à história que elas pretendem contar…
Se esse encontro fosse possível, Walter Benjamin e William Corsaro seriam os adultos
contemplando a construção coletiva desse universo intersubjetivo, enriquecido por fantasias,
valores e artefatos que se organizam na própria brincadeira. Separados pelo tempo e espaço,
esses autores reconheceram, nas mais singelas expressões comunicativas, o caráter subversivo
da infância: no faz-de-conta, crianças são capazes de recolher elementos do mundo adulto e
revesti-los com novos sentidos e significados. Para Benjamin (2002), ao intervir criativamente
sobre a realidade, os pequenos são capazes de romper com uma realidade repleta de objetos
reificados e naturalizados, criando uma “cultura da infância”. Uma perspectiva semelhante é
encontrada na sociologia da infância de Corsaro (2011), cujo conceito de “reprodução
interpretativa”, desenvolvido a partir dos seus estudos etnográficos com crianças em idade pré-
escolar, possibilita uma apreensão concreta da composição coletiva de uma cultura de pares
que, ao contribuir para a produção e reprodução cultural, confronta, de modo pacífico ou
revolucionário, a autoridade adulta em busca do reconhecimento de sua própria autonomia.
O nosso pequeno cenário jornalístico é um exemplo de como o brincar possibilita a
organização de uma cultura da infância: para dar sentido à brincadeira, as crianças estão
definindo coletivamente os seus papéis, construindo artefatos e elaborando uma narrativa
própria, alicerçada por um sistema de normas sujeito a modificações, caso haja concordância

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entre os pares. São esses elementos que nos permitem reconhecer na cultura da infância uma
coletividade ética, ponto de partida imprescindível para delinearmos os (des)caminhos de uma
educação para os direitos humanos.

Cultura da infância em Walter Benjamin

Walter Benjamin (1892-1940) foi um dos mais destacados filósofos da teoria crítica da
sociedade. Sua abrangente e profunda obra vem influenciando diversas áreas do conhecimento
e, no Brasil, pelo menos desde os anos noventa, tem se apresentado como um referencial para
os estudos da infância e da educação infantil (Galzerani, 2002; Kramer, 2006; Rossetto, 2011).
É possível encontrar diversos ensaios seus abordando a infância, o brinquedo, as cartilhas, os
livros infantis (Benjamin, 1987; 2002) e, mais recentemente, chegou até nós a tradução de suas
narrativas radiofônicas para crianças, transmitidas entre os anos de 1929 e 1932 (Benjamin,
2015). A partir do pensamento de Benjamin foi possível ver na infância muito mais que uma
fase do desenvolvimento para se chegar à vida adulta, ela ganhou o status filosófico da
abordagem do indizível, ou do que não cabe na linguagem corrompida e coisificada pelas
catástrofes e cotidianos, dado que o termo “infância”, a partir de suas raízes latinas, designa o
não falar. Acontece que esse não dito de forma alguma é uma ausência de experiência, pelo
contrário, a infância está diretamente relacionada à experiência que pode libertar o futuro do
presente desfigurado e realizar a humanidade (Agamben, 2005; Witte, 2017). Na barbárie ou
nas ruínas da auto-aniquilação da cultura, a infância, por meio do brincar, é o espaço da
reconstrução. Nosso trabalho, nesta seção, é dar destaque, a partir do próprio Benjamin, ao que
se poderia chamar de cultura da infância e da necessidade de que ela seja empiricamente
estudada.
Na constelação dos mais sérios temas que formam a filosofia de Benjamin, a infância e
o brinquedo ganharam o destaque que apenas décadas mais tarde chegaria às ciências sociais.
O que ele percebera sobre a infância, que foi formalizado cientificamente apenas meio século
depois, pôde ser descrito como uma comunicação diferenciada da linguagem adulta, uma
rebeldia frente à cultura adulta, uma verdadeira “comuna lúdica” (Benjamin, 2002). A
polissemia do termo “comuna” chama nossa atenção tanto para uma comunidade de valores
como para o caráter de independência que o termo carrega desde o fim da Idade Média. O

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reconhecimento de uma cultura própria da infância, com uma vida ética ou eticidade
(Sittlichkeit) própria expressa no brincar, caracteriza-se como uma séria resistência ao
adultismo e a uma essência hipostasiada da infância como fase de passividade no caminho para
a vida adulta.
As primeiras contribuições de Benjamin ao estudo da infância que destacamos estão em
suas oposições ao idealismo, adultismo e psicologismo. Contra o primeiro faz a denúncia de
que “a sociedade burguesa hipostasia uma essência absoluta da infância” (Benjamin, 2002, p.
121). Um essencialismo sobre o que é ser criança se agrava quando tal essência é descrita de
forma etnocêntrica pelos adultos. As crianças perdem de vez sua agência e historicidade quando
o adultismo e o essencialismo se travestem em ciência psicológica: “a sua [dos pedagogos]
fixação pela psicologia impede-os de perceber que a Terra está repleta dos mais incomparáveis
objetos da atenção e da ação das crianças” (Benjamin, 2002, p. 103). Como afirma o biógrafo
de Benjamin, “de um modo extremamente antipsicológico e anti-idealista, ele fundamenta a
formação da identidade da criança no espaço socialmente condicionado da sua vida cotidiana.
Arquitetura e mobiliário […] surgem sempre de novo […] como cifra para aquela falsa 'segunda
natureza'” (Witte, 2017, p. 13). A ação infantil, portanto, é aquela de decifração da falsidade da
cotidianidade.
Tornar-se criança, então, é construir-se dentro do contexto da vida adulta reificada,
aprendendo a decifrá-lo ao mesmo tempo em que, no brincar, constrói-se um mundo de magia
e de refúgio. Viver num mundo injusto e falso, no entanto, afeta o vir-a-ser da criança. A
organização desigual do mundo transpõe sua falsidade para a identidade infantil, é apenas na
sua atividade que a criança experimenta “raros momentos em que […] se torna ela mesma, na
medida em que ela escapa à sua classe” (Witte, 2017, p. 14). Em suas reflexões sobre
brinquedos e jogos, Benjamin evidencia o fato de que os adultos impõem objetos de culto, tal
como os chocalhos que espantam maus espíritos, para as crianças que, graças à sua força de
imaginação, transformam tais objetos em brinquedos. Nem toda relação com os adultos,
entretanto, é uma violência. A mãe pode ser um modelo da transmissão de experiências pela
narrativa, que muito antes da fala, expressa-se nos gestos e no corpo: “carícias abriam o leito
dessa corrente. Eu as amava, pois da mão de minha mãe já gotejavam as histórias que, logo, em
abundância, emanariam de sua boca” (Benjamin, 1987, p. 109).

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Haveria no mundo infantil, portanto, uma comunicação sutil alternativa à linguagem


comum e reificada do cotidiano. Dos gestos acolhedores às narrativas, passando pelo brincar,
encontram-se os sinais da experiência. O que gostaríamos de destacar a partir daqui, é um outro
salto importante nas reflexões benjaminianas. As crianças são capazes dessa comunicação
transgressora não apenas com relação a um adulto ou a um objeto, de forma monológica, mas
criam entre elas uma comunicação infantil capaz de ajustar e corrigir moralmente o mundo
reificado dos adultos. Em seu estudo sobre o teatro infantil proletário, Benjamin explicita essa
ideia que, sem muito esforço, pode ser estendida para a educação mais ampla.

O trabalho educativo precipitado, demasiado atrasado, imaturo, trabalho esse que o


diretor burguês executa sobre os atores da burguesia, não tem lugar nesse sistema. Por
quê? Porque no clube infantil nenhum diretor poderia sustentar-se se quisesse
empreender a tentativa genuinamente burguesa de influir sobre as crianças, de maneira
imediata, enquanto “personalidade moral”. Influência moral não existe aqui. Influência
imediata não existe aqui. […] O que conta é única e exclusivamente a infância imediata
do diretor sobre as crianças através de conteúdos, tarefas, eventos. A coletividade das
próprias crianças encarrega-se de executar os inevitáveis ajustes e correções morais.
Este é o motivo pelo qual as encenações do teatro infantil têm de atuar sobre os adultos
como autêntica instância moral. Perante o teatro infantil não há posição possível para
um público superior. Aquele que ainda não se imbecilizou por completo, este sentirá
talvez vergonha. (Benjamin, 2002, p. 114)

O brincar e suas consequências não ficam restritos ao mundo infantil. “A criança não é
nenhum Robinson Crusoé, assim também as crianças não constituem nenhuma comunidade
isolada, mas antes fazem parte do povo e da classe a que pertencem”. O brincar não é segregado,
mas sim “um mudo diálogo de sinais entre a criança e o povo” (Benjamin, 2002, p. 94), passível
de decifração.
Se levamos em conta que a infância é dotada coletivamente de um código próprio, uma
gramática infantil, podemos afirmar que ela constitui uma comunidade ética. Vale a pena, aqui,
retomar um antigo texto de Benjamin, sobre o ensino da moral, em que afirma que “a
comunidade ética vivencia sistematicamente a conversão da norma em uma ordem empírica

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legal” (Benjamin, 2012, p. 14). Lembremos que para Benjamin a liberdade é condição da vida
ética, que só pode assumir um caráter empírico na eticidade da comunidade. O termo “norma”,
portanto, afirma muito mais uma “normatividade” que uma adequação à “normalidade”. Em
suma, a infância se caracteriza empiricamente por uma cultura com normas e código próprio.
Os prejuízos do etnocentrismo adulto enquanto violência contra a criança e cegueira para a
abertura da história, por meio da experiência da infância, da não linguagem, poderiam ser
revistos a partir de uma antropologia da infância. “Essa antropologia não seria outra coisa senão
um confronto com a psicologia da criança, cuja posição teria então de ser substituída por
minuciosos protocolos […] a respeito daquelas experiências que foram realizadas nos jardins
de infância” (Benjamin, 2002, p. 124).
Se ainda não nos imbecilizamos por completo em relação à cultura da infância, talvez
nos seja possível a vergonha. Esse sentimento, no entanto, pode nos mobilizar a lutar pelo
reconhecimento da infância, à compreensão de que a comunicação sutil das crianças não é tema
fácil: “quase todo gesto infantil significa uma ordem e um sinal em um meio para o qual só
raramente homens geniais descortinaram uma vista” (Benjamin, 2002, p. 116). Um dos mais
destacados dentre tais homens geniais, hoje, é William Corsaro.

William Corsaro e a reprodução interpretativa

Descortinar um universo de sinais silenciosos requer construir, junto às crianças, uma


interação tão autêntica quanto as expressões de sua cultura. Ser um adulto atípico é uma difícil
missão, mas as experiências de campo do sociólogo americano William Corsaro (1948-) nos
mostram que a sensibilidade pode ser um primeiro passo para o reconhecimento da cultura da
infância. Figura notável na pesquisa etnográfica com crianças, Corsaro é conhecido
mundialmente pelos fascinantes registros da organização coletiva de narrativas no brincar. Seus
estudos empíricos, como veremos mais adiante, estão conceitualmente articulados ao
reconhecimento de que as crianças “produzem coletivamente culturas de pares e contribuem
para a reprodução de uma sociedade ou cultura mais ampla” (Corsaro, 2011, pp. 94-95). Nesta
seção, nosso objetivo é apresentar os caminhos trilhados por sua sociologia para a construção
de minuciosos protocolos capazes de apreender, sem recair nos mesmos erros do idealismo
psicológico, os aspectos corriqueiros do cotidiano de uma cultura própria da infância.

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De modo similar a Benjamin, Corsaro identifica a existência de uma barreira simbólica


que nos impede de dar voz às produções culturais de crianças. Por querer protegê-las, muitas
vezes direcionamos nossa atenção ao que podemos fazer para que elas se tornem “saudáveis,
felizes e adultos produtivos” (Corsaro, 2005, p. 02). Encorajada por especialistas em
desenvolvimento infantil, essa abordagem enfatiza o percurso da criança rumo à conquista de
habilidades e competências necessárias para a vida adulta. Corsaro (2011) denuncia o
adultocentrismo dessa perspectiva ao expor sua conotação progressista e individualista, cuja
primazia da análise prospectiva do desenvolvimento individual encobre a riqueza das produções
culturais da infância. Para o autor, portanto, é imprescindível que nos libertemos das doutrinas
individualistas que consideram a socialização infantil como um processo linear, de mera
adaptação e internalização da sociedade, uma vez que a socialização também é “um processo
de apropriação, reinvenção e reprodução” (Corsaro, 2011, p. 31).
No confinamento amigável da vida cotidiana, as crianças são capazes de reproduzir
cenários do mundo adulto e interpretá-los criativamente, encontrando, nas ruínas das
possibilidades mutiladas pela falsidade e ceticismo da rotina adulta, novas formas de subverter
a ordem das coisas. Na tentativa de apreender conceitualmente as experiências de apropriação
criativa da realidade, Corsaro (2009a) passou a adotar o conceito de “reprodução interpretativa”
para se referir aos aspectos inovadores e criativos da participação infantil na sociedade, assim
como o seu protagonismo na produção e modificação da cultura. “O que é fundamental para
essa visão de socialização é o reconhecimento da importância da atividade coletiva e conjunta
– como as crianças negociam, compartilham e criam cultura com adultos e entre si” (Corsaro,
2011, p. 31). O conceito surge, portanto, em oposição ao individualismo adultocêntrico presente
nas tradicionais teorias da socialização e desenvolvimento, dando ênfase à agência da infância
e ao caráter coletivo de sua participação social (Santos & Barros, 2016).
Um elemento essencial à reprodução interpretativa é a previsibilidade da rotina, uma
vez que seu caráter habitual oferece “às crianças e a todos os atores sociais a segurança e a
compreensão de pertencerem a um grupo social” (Corsaro, 2011, p. 32). Constantes em si, mas
sempre em transformação, as rotinas culturais proporcionam a confiança necessária para que as
crianças possam lidar com a dúvida, o conflito e a angústia de muitas vezes não entender a
linguagem compartilhada pelo mundo adulto. O sentimento de pertencer a uma rotina segura e

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previsível permite que elas se tornem cidadãs de um mundo de possibilidades e


experimentações criativas. “Ao participar da rotina, as crianças aprendem um conjunto de
regras previsíveis que oferecem segurança e aprendem também que variações nas regras são
possíveis e até desejáveis” (Corsaro, 2011, p. 33). Nesse cenário, a criança “vence a parede
ilusória da superfície e, esgueirando-se por entre tecidos e bastidores coloridos, adentra um
palco” (Benjamin, 2002, p. 69) onde vive a narrativa que construiu em suas fantasias.
Dentre os espaços potenciais para que a reprodução interpretativa enlace a produção de
novas (e cada vez mais genuínas) narrativas, o brincar é um espaço privilegiado. Quando
espontânea, a brincadeira anuncia a transformação dos objetos dispostos no mundo e convida
os pequenos atores sociais à interação, visto que

crianças são sociais. Elas querem estar envolvidas, participar e fazer parte do grupo. Eu
vi poucas brincadeiras solitárias em meus muitos anos de observação em pré-escolas. E
quando as crianças brincavam sozinhas ou se engajavam em brincadeiras paralelas (um
tipo de brincadeira, mais comum entre crianças pequenas271, na qual elas brincam lado
a lado, mas não de forma coordenada uma com as outras), isso raramente durou por
muito tempo. Elas logo estavam fazendo coisas juntas (Corsaro, 2005, p. 36).

Reunidas, as crianças formam um pequeno coletivo: papéis são definidos e o enredo da


narrativa, mesmo construído durante a brincadeira, é estabelecido consensualmente entre os
pares. Essa pequena comuna lúdica, que volta seu olhar para os elementos residuais do mundo
adulto, compõe coletivamente o que o autor denomina de “cultura de pares”. Sendo
“subculturas gerais de uma cultura ou sociedade mais ampla” (Corsaro, 2011, p. 153), as
culturas de pares podem ser definidas enquanto “um conjunto estável de atividades ou rotinas,
artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação com seus
pares” (2009a, p. 32).
Constantemente referenciadas aos cuidados ou tutela dos adultos, as crianças encontram
na cultura de pares um espaço potencial para a reivindicação de sua própria autonomia.

271 No original, toddler. Criança de 12 a 36 meses.

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Encenadas nos bastidores dos cenários construídos no brincar, as pequenas revoluções


confrontam a autoridade adulta e clamam por uma nova organização normativa: as crianças
satirizam nossos hábitos, questionam nossos valores e redefinem os padrões que instituímos
como verdade através de intervenções lúdicas e, aparentemente, inofensivas. O mais
importante, contudo, não é a aquisição individual dessa amostra de liberdade; mas, a garantia
de que todos os demais membros da comuna lúdica poderão usufruir da autonomia conquistada
(Corsaro, 2005). “Ao compartilhar um espírito comunitário como membro de culturas de pares,
as crianças experienciam que ser um membro de um grupo afeta tanto a si mesmas como
indivíduos como a forma como se relacionam com outras pessoas” (2011, p. 174).
Para descortinar esse mudo diálogo de sinais, o renomado pesquisador teve de ceder
lugar a um adulto atípico, alguém que não estava preocupado em constatar empiricamente o
que os especialistas em desenvolvimento infantil diziam sobre a infância. Os minuciosos
protocolos adotados por Corsaro foram escolhidos para captar os aspectos “corriqueiros da vida
diária” das crianças em suas culturas de pares, isto é, “suas rotinas, as crenças que guiam as
suas ações e a linguagem e outros sistemas simbólicos que medeiam todos esses contextos e
atividades” (Corsaro, 2009b, p. 85). A inclinação pelo método etnográfico está vinculada ao
seu poder descritivo; à possibilidade de documentação através de análises de conversações e
gravações em áudio ou vídeo; à capacidade do método de “incorporar a forma, a função e o
contexto do comportamento de grupos sociais específicos aos dados” (p. 83), mediante a
imersão do pesquisador no contexto investigado. A avaliação interpretativa dos dados oscila
entre uma análise microscópica e holística das experimentações criativas da cultura de pares:
cada interação é investigada em sua singularidade, mas “os contextos múltiplos nos quais estes
comportamentos ocorrem e os códigos de comunicação socialmente estabelecidos de onde eles
derivam” são levados em consideração para se descrever “o evento e como ele foi entendido
pelos próprios atores” (Corsaro, 2009b, p. 86).
Outro elemento importante dos protocolos utilizados por Corsaro é a flexibilidade do
método e a sua autocorreção. Ainda que haja um esboço da dimensão estrutural de sua
observação empírica, a pesquisa com crianças não deve esperar que as experimentações
criativas da infância sejam estáticas e previsíveis. Diante da espontaneidade dos pequenos, cabe

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ao pesquisador reavaliar suas estratégias metodológicas e corrigi-las durante todo o processo,


uma vez que

é impossível para o pesquisador saber de antemão como formular perguntas de


entrevista que serão aplicadas a participantes cujas normas de comunicação diferem das
suas. Mais do que isso, como apresentar a sua pesquisa e ele próprio como pesquisador
aos informantes, e como se posicionar na esfera social de forma a permitir a melhor
observação do fenômeno de interesse (Corsaro, 2009b, p. 87).

Dessa maneira, o trabalho do pesquisador é “atribuir sentido às observações de


atividades e comportamentos específicos” (Corsaro, 2009b, p. 85) ao evidenciar o que as
crianças fazem quando estão juntas, tornando-as pequenos consultores da análise interpretativa
dos dados.
A documentação etnográfica de Corsaro revela uma gramática moral, criativa e
comunitária que não cabe no hipostasiado discurso adulto sobre a infância. Através da
sensibilidade que lhe é característica, o sociólogo rompeu as barreiras simbólicas que
marginalizam a infância na tentativa de trilhar um novo percurso na pesquisa com crianças.
Entre os pequenos, o renomado professor se tornou um adulto atípico que, como diria o pequeno
Dario, às vezes “não sabe o que tá falando” (Corsaro, 2009b, p. 98). A experiência inusitada de
presenciar a reprodução interpretativa em ação permitiu que Bill, apelido carinhoso dado pelas
crianças, pudesse ter a honra de ser convidado a participar da experiência mágica que é enxergar
o mundo aos olhos de uma criança, reconhecendo, do modo mais autêntico possível, que
“participação social e compartilhamento são o coração da cultura de pares das crianças” (2005,
p. 37).

Educação para os direitos humanos

Os escritos de Benjamin e Corsaro, ainda que partam de experiências e referenciais


teóricos diferentes, apontam para a reprodução interpretativa de nossa própria atitude diante da
infância. Desvelando as barreiras simbólicas que nos impedem de reconhecer a autonomia
cultural e criativa das comunas lúdicas, os autores nos dão indícios da existência de uma
eticidade (Sittlichkeit) na cultura de pares. Se estamos de acordo com as orientações brasileiras

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e mundiais para a construção de uma educação voltada para os direitos das crianças e de todas
as pessoas, vale a pena refletir sobre como a autonomia moral da cultura da infância pode nos
ajudar a tecer os (des)caminhos de uma educação para os direitos humanos.
Um primeiro esclarecimento necessário é o do que entendemos por educação para os
direitos humanos. Trata-se de um conceito que sedimenta os processos históricos da educação
para todos, iniciada nos princípios da modernidade com as utopias sociais e educacionais; da
educação especial, que forma um amálgama com a educação para todos na proposta de inclusão
escolar; da educação contra a barbárie e da crítica da semiformação elaboradas por Adorno nos
anos sessenta (Adorno, 1995; Barros, 2009). Novas camadas vêm se formando em nosso
conceito com as lutas específicas por direitos humanos das mulheres, crianças, diferentes etnias
e gêneros, pessoas em situação de vulnerabilidade social, refinando o conceito de luta contra a
barbárie.
Se Auschwitz foi um ícone do que há de mais bárbaro na história da humanidade, os
direitos humanos, como uma tentativa de responder à recaída na barbárie, podem ser uma
expressão da esperança. O compromisso com o reconhecimento da dignidade de todos os
membros da família humana aparece no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos como um imperativo da transformação social e do reconhecimento da diferença
(ONU, 1948). Entretanto, não é difícil perceber que a barbárie, essa força áspera que nega a
cidadania e dita os rumos de biografias humanas, faz inúmeras vítimas singulares ou coletivas
todos os dias... O cenário se torna ainda mais obscuro quando nos damos conta de que os
sistemas educacionais se tornaram documentos de barbárie, contribuindo ativamente para a
produção do fracasso escolar (Patto, 1999). Por que, então, propor uma discussão direcionada
à educação para os direitos humanos?
A tese de que vivemos uma séria crise do direito e dos valores – ou, ainda, com uma
declarada inspiração benjaminiana, de que os direitos não encontrariam outro fundamento que
seu papel de instauração da violência (Agamben, 2002) – carrega consigo uma quase
inescapável aparência de confirmação empírica constante por meios de comunicação, cotidiano
violento e reedições teóricas da “jaula de aço”. Sem perder a atitude crítica diante da barbárie,
no entanto, podemos encontrar em uma heterogênea tradição da teoria crítica outras leituras dos
direitos humanos. O próprio Benjamin (2011; Honneth, 2009b), em seu texto sobre a violência

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ou poder, enfatizou uma possível relação entre a eticidade e a educação na oposição à violência
do direito e, não por acaso, dedicou-se à infância na sequência de seus trabalhos. Adorno
(1995), em seus escritos educacionais, aponta para possibilidades emancipatórias e destaca os
riscos do realismo exagerado que não reconhece possibilidades de resistência e pode danificar
a experiência da primeira infância. Em seus diálogos com a teoria crítica, autores como Giddens
(2011) denunciam a influência negativa das teorias sociais sobre a capacidade de identificação
e conceituação de ações sociais não subjugadas à jaula de aço; Honneth (2003, 2009a) destaca
o déficit sociológico da própria teoria crítica em relação aos sentimentos de injustiça e às esferas
das lutas por reconhecimento e pela liberdade; Joas (1996, 2012) apresenta uma crítica da
sociologia que ignora a ação criativa e defende, explicitamente, a tese de que os direitos
humanos são um processo de generalização de valores e “sacralização secular” das pessoas.
Podemos, ainda, citar Martin-Baró (1990, 2017) e Löwy (2014) como pensadores que nos
ajudam a reconhecer as influências colonizadoras que tais teorias da dominação podem impor
ao não reconhecimento da ética solidária e criatividade latino-americanas.
Todos esses autores nos inspiram a prestar atenção a um processo criativo em especial:
assim como as crianças, precisamos voltar o nosso olhar aos elementos residuais da realidade
para construir novas narrativas. Ainda que histórias de injustiça e invisibilidade social nos
guiem ao desencantamento do mundo, a organização comunitária das comunas lúdicas nos dá
a esperança necessária para investir em projetos que nos ajudem a resistir à barbárie. Desse
modo, uma proposta educacional direcionada ao “pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades
fundamentais” (ONU, 1948, p. 251) se apresenta como um importante recurso para garantir a
materialização dos direitos humanos. Influenciados pela teoria crítica da sociedade,
acreditamos que “a educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma
autorreflexão crítica” (Adorno, 1995, p. 121), o que significa repensar a formação centrada na
conquista de habilidades e competências necessárias para uma vida adulta produtiva.

É necessário, portanto, trabalhar a consciência das pessoas para a desbarbarização,


reduzir a violência da desigualdade de acesso aos bens culturais. Ajudá-las, ou ajudar-
nos, a refletir sobre como somos violentos com as pessoas e formas mais diretas ou sutis
de agressividade. [...] Não se trata de uma psicologização da educação, mas de uma

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reflexão psicológica sobre nossos impulsos agressivos, sobre as possibilidades de


lançarmos mão deles não contra bodes expiatórios do mal estar-social, mas contra o
próprio sistema que nos oprime, transformando-o (Barros, 2013, p. 31).

Entretanto, um novo desafio se apresenta: como educar para a diversidade sem recair
nos mesmos erros da educação bancária denunciada por Paulo Freire (1997)?
Barros (2015) apontou para as antinomias da educação moral. A partir de uma
articulação entre a filosofia de Benjamin e a psicanálise de Donald Winnicott, o autor defende
que uma educação moral é irrealizável. “A empatia moral não vem da matéria didática, de
argumentos puramente racionais. Estes podem ultrapassar excessivamente a sensibilidade
moral, exercendo uma sobrecarga racionalista que acaba por embotá-la” (p. 270). Ao fazê-lo, a
educação perde o seu potencial emancipatório por tornar o ensino da moral uma função
adaptativa à ideologia dominante: a sensibilidade moral se transformaria em uma habilidade a
ser conquistada, capaz de ser planejada e mensurada pelo educador. “Aqui está dado de
imediato o perigo de superestimar a convenção legal, pois o ensino didático, com seus
fundamentos racionalistas e psicológicos, só pode atingir o empírico, o que está prescrito, mas
jamais a atitude ética” (Benjamin, 2002, p. 18).
Em pequenas doses, a construção de uma atitude ética é possível através do convívio
entre diferentes agentes, nas experiências práticas e estéticas que dão margem à elaboração
coletiva de hábitos e rituais. Esse é um processo que se constrói intersubjetivamente e que,
portanto, deve respeitar o tempo e a história de cada sujeito. “A pouca esperança de realizar
progressos morais por meio da didática não significa uma fuga da responsabilidade pela
educação moral das novas gerações, mas justamente uma participação humanizadora,
respeitando o potencial de amadurecimento e a criatividade” (Barros, 2015, p. 272).
Trazendo essa discussão para o âmbito da infância, uma proposta de educação para os
direitos humanos deve ser capaz de oferecer espaços potenciais para que as crianças possam
construir suas próprias narrativas, artefatos, valores, crenças. Devemos oferecer aos nossos
pequenos a segurança necessária para desmanchar e reproduzir interpretativamente, através da
experiência mágica de compor um universo de experimentações intersubjetivas, a realidade
hipostasiada que nós, os adultos, aprendemos a naturalizar e desaprendemos a transformar.
Precisamos ter a sensibilidade de dialogar com as crianças e nos dispor a escutar como elas

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enxergam o mundo, o que pensam que poderia ser diferente. O que podemos fazer para
solucionar os problemas levantados é uma oportunidade de “convidar os injustiçados para [...]
transformar o mundo que temos num mundo que desejamos” (Barros, 2013, p. 37). Precisamos
permitir que as comunas lúdicas possam elaborar sua própria gramática moral, sem direcionar
ou conduzir as decisões tomadas coletivamente entre os pares. Podemos buscar aprender com
as vidas éticas, hábitos e pedagogias diferenciadas como voltar a brincar seriamente de construir
uma vida humana justa e livre.

Considerações finais

Com Benjamin aprendemos que a palavra “infância” carrega um complexo sentido de


uma outra cultura que expressa a experiência para além da linguagem ou, pelo menos, para
além da linguagem reificada. Não se trata apenas de uma abstração filosófica, mas de uma
ordem empírica que conecta profundamente a criança e o povo, denunciando, se estivermos
atentos, a passividade imposta à infância como apenas um caminho para a vida adulta. A
psicologia e a pedagogia, muitas vezes, são incapazes de reconhecer esse espaço da infância.
Por isso, Benjamin chama nossa atenção para a agência infantil, para a capacidade das crianças
de decifrar e subverter a falsidade do cotidiano “adultista”. Como mediação entre a criança e
seu povo, podemos identificar uma dupla relação com os adultos e a existência de uma relação
entre as crianças. A primeira pode ser tanto a de imposição de um culto da cultura adulta, que
vem a ser transformada criativamente no brincar, como a da transmissão de experiência pela
narrativa gestual ou oral. Já entre as crianças, Benjamin aponta para a ordem empírica infantil,
uma eticidade própria da infância que, aqui, denominamos cultura da infância.
Com Corsaro temos todo um trabalho de registro das organizações coletivas infantis, a
realização daqueles protocolos minuciosos de uma antropologia da infância que Benjamin
propôs na primeira metade do século XX e que, em Corsaro, apresenta as crianças como
tecelões culturais. Em sua proposta de sociologia da infância, o sociólogo nos ensina que as
crianças reproduzem de forma alegre e criativa a cultura, mas que também de forma covarde e
cruel destruímos vidas infantis em violências físicas e simbólicas. Lembra-nos que as rotinas
compõem uma vida ética em que as crianças podem reproduzir criativamente a cultura mais
ampla a partir das subculturas infantis, que chamou de “cultura de pares”. Podemos, no entanto,

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reconhecer no trabalho de Corsaro mais do que a cultura de pares, pois em suas construções
metodológicas respeitadoras da agência infantil há uma atitude adulta atípica, uma revisão
criativa do ser adulto dentro da cultura infantil, que se aproxima do adulto transmissor da
experiência em Benjamin, mas também destaca o adulto receptor da experiência infantil.
Sem deixar de reconhecer a barbárie cotidiana, os debates sobre os direitos humanos
vêm possibilitando uma autorreflexão crítica da ciência social que reconhece em sua
reflexividade um ponto cego no que diz respeito à criatividade e às esferas de resistência e
transformação social. Forma-se aqui um esboço de um conceito de “adultismo” que designe
também a barreira simbólica imposta à criatividade pelos adultos especialistas, presos à jaula
de aço. O realismo exagerado de nossa concepção sobre os direitos humanos precisa ser
apontado, para que outros discursos, como os de Benjamin e Corsaro, possam compor novas
melodias no campo poucas vezes harmônico da educação para os direitos humanos. Reconhecer
as diferentes eticidades, ou subculturas, que tecem os cotidianos de nossas escolas e aprender
com elas pode ser um caminho para transformar nossas relações com as experiências infantis e
nos tornar adultos, pesquisadores e professores atípicos.
O cuidado da teoria crítica em lutar contra a barbárie inerente à nossa cultura, as
produções teóricas e metodológicas que vêm avançando – sob influência da produção teórico-
metodológica de grupos minoritários em termos de direitos –, no sentido de destacar a
experiência criativa em meio a tantos dispositivos de dominação, por meio de agentes sociais
contemporâneos têm sido objeto de nosso interesse. Com elas e com eles seguimos buscando
aprender a ser pesquisadores atípicos e dignos de compartilhamento das mais significativas
experiências.

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