1
Lucíola Maria de Aquino Cabral
RESUMO
ABSTRACT
1
Introdução
2
MEDAUAR, Odete. Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001, Comentários. (Org.). São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p.16.
2
1 Política Ambiental
3
2 Política Urbana e Cidades Sustentáveis
4
Vale salientar, no entanto, que outros mecanismos de participação poderão ser
utilizados para assegurar a gestão democrática da cidade.
Historicamente, os princípios das cidades abertas, democráticas, surgiram
em Esparta, na Grécia. Desde então as cidades vêm passando por transformações – a
polis não designava um lugar geográfico, mas uma prática política exercida pela
comunidade de seus cidadãos. Para os romanos a civitas representava a forma de
participação dos cidadãos na vida pública.
A instituição cidade consolida-se como construção física somente na era
do renascimento, acompanhada de todos os agregados sociais, políticos, jurídicos e
religiosos. A partir do século XX surge a ideia de planejamento urbano, que traduzia
inicialmente a forma de o Estado manter o controle sobre a cidade. A expressão
urbanismo, por sua vez, nasce em 1910, cunhada pelos franceses. Por essa época
somente 10% (dez por cento) da população mundial vivia em cidades, todavia, a
expansão das estradas de ferro, o aparecimento do automóvel, o desenvolvimento do
transporte urbano e as novas redes de serviços urbanos impulsionaram seu crescimento.
O modelo universal de cidade funcional foi proposto no IV Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna, através da Carta de Atenas. Tratava-se de se
definir as quatro funções básicas das cidades: habitar, trabalhar, lazer e circulação,
constituindo estas, atualmente, as funções sociais da cidade a que se refere a norma
constitucional. Tais funções decorrem do efetivo resultado da prestação dos serviços
públicos necessários para que os cidadãos possam trabalhar, habitar, circular e desfrutar
de atividades recreativas e de lazer nos espaços urbanos.6
Na esteira desse pensamento, registra-se que o Estatuto da Cidade ao
trazer para o Direito brasileiro, o conceito de “cidades sustentáveis”, estabeleceu um
pacto definitivo entre o meio urbano e o meio natural.
Esta diretriz fixada pelo Estatuto da Cidade impõe a observância de
regras de proteção ambiental, visando manter o equilíbrio urbano e a sadia qualidade de
vida para as presentes e futuras gerações, sendo esta, inclusive, uma das diretrizes
fixadas no art. 2º, inciso XII, da referida lei.7
6
DIAS, Daniela S. Ob. cit., p. 150/151.
7XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio
cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
5
3 As Águas na Constituição de 1988
Salienta-se, por outro lado, que o inciso XIX, do art. 21, da Carta da
República dispõe que compete à União, instituir sistema nacional de gerenciamento de
recursos hídricos e definir os critérios de outorga de direitos de seu uso.
Assim é que, com base no dispositivo acima citado, a União, por meio da
Lei nº 9.433, de 1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, na qual foi implementado o regime
de outorga do direito de uso de recurso hídrico e sua respectiva cobrança. Este tema, no
entanto, não será abordado neste estudo.
Cumpre esclarecer, porém, que o art. 26 do texto constitucional estatui
que incluem-se entre os bens do Estado as águas superficiais ou subterrâneas,
fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as
decorrentes de obras da União.
Assim, as águas se enquadram na categoria de bem ambiental referida no
art. 225, caput da Constituição Federal de 1988.
Contudo, o texto constitucional nada diz quanto a titularidade das águas
por parte dos municípios. A ausência de norma expressa, porém, não impede o ente
municipal de legislar para criar regras de proteção aos recursos hídricos existentes em
6
seu território, notadamente pelo fato de que compete aos entes federados proteger o
meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, consoante
preceitua o art.23, VI, da Constituição de 1988.
7
Constituição Federal de 1988, assim considerado com esteio na cláusula de abertura
prevista no art. 5º, § 2º do texto constitucional.
Nesse contexto, necessário que as políticas públicas sejam convergente
em todas as esferas, considerando-se que a efetiva proteção do meio ambiente será tanto
mais eficaz quanto mais harmoniosa com a legislação urbanística. A comunidade é a
verdadeira guardiã dos recursos naturais.
8
Água é termo genérico, identificando-se como o elemento natural,
descomprometido com qualquer uso ou utilização; enquanto recurso hídrico é a água
considerada como bem econômico, utilitário.8
Assim, devem ser destacadas, em primeiro, as prescrições constantes dos
incisos I e II, do art. 1º da Lei nº 9.433/97: a água é um bem de domínio público e
dotado de valor econômico.
A água constitui um bem de uso comum do povo, na exata expressão
mencionada no texto constitucional, indispensável à vida humana, animal e vegetal e,
por isso mesmo, insuscetível de apropriação privada.9
Trata-se um bem ambiental, de natureza difusa e indivisível, haja vista
que o legislador determinou a indeterminação das pessoas titulares desse bem. 10
Com outras palavras, pode-se dizer que isto implica, ao mesmo tempo, “a
indivisibilidade dos benefícios“ e o “princípio da não exclusão de benefícios”,
considerando-se que não sendo o bem ambiental divisível entre aqueles que o utilizam,
não poderá, portanto, ser apropriado por seus titulares, considerando-se, ainda, que o
direito a sua fruição é assegurado a todos, inclusive às futuras gerações.11
Não há unanimidade entre os autores quanto à assertiva de que a água é
um bem de domínio público, conforme se fez constar no inciso I, do art. 1º da Lei nº
9.433/97.
Todavia, segundo o Prof. Paulo Afonso Leme Machado, o domínio
público da água, afirmado na Lei 9.433/1997, não transforma o Poder Público Federal e
Estadual em proprietário da água, mas o torna gestor desse bem, no interesse de todos,
como se verifica em seguida:
O uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa, física ou jurídica,
com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial; o uso da água não
pode significar a poluição ou a agressão desse bem; o uso da água não pode
esgotar o próprio bem utilizado; e a concessão ou a autorização (ou qualquer
tipo de outorga) do uso da água deve ser motivada ou fundamentada pelo
órgão gestor.12
8
POMPEU, Cid Tomanik. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006,
p. 71.
9
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 4ª edição,
2ª tiragem, 2003, p.120.
10
PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. São Paulo: Editora Max Limonad, 2000, p.33.
11
TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004, p. 60.
12
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Recursos Hídricos: Direito Brasileiro e Internacional. São Paulo:
Malheiros Editores, 2002, p. 24.
9
Indiscutível o esvaziamento do direito de propriedade sobre as águas
operado pela Constituição Federal brasileira de 1988, embora se admitindo malferido o
direito adquirido dos proprietários em decorrência da implantação de um novo regime
jurídico das nascentes privadas, mediante o sistema da outorga e da cobrança pelo uso
do recurso hídrico, com base na função social da propriedade.
Na análise de José Ribeiro, o direito de propriedade dos particulares
sobre as águas, surgido anteriormente à vigente Constituição Federal, foi totalmente
retirado ora inexistindo a categoria de águas particulares. De acordo com o atual regime
jurídico, aos particulares somente é permitida a outorga do direito de uso, o que não
implica na alienação parcial das águas, posto que estas são inalienáveis. 13
Cotejando-se as regras da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos
com o conteúdo do art. 39 do Estatuto da Cidade, compreende-se que o legislador nada
mais fez senão dotar o princípio da função social da propriedade previsto no § 2º, do art.
182, da Constituição Federal de 1988 de concreção. Em outras palavras, a função social
da propriedade guarda sua matriz principiológica inabalada, contudo, por meio do
Estatuto da Cidade permitiu-se sua transformação em norma jurídica ordinária, passível
de concretização e imposição.14 Ou seja, a propriedade da terra não implica a
propriedade das águas, vez que estas se encontram hoje sob novo regime.
O que se pretende com isto é dar efetividade ao princípio da função social
da propriedade, considerando-se sua conexidade com o princípio da dignidade da pessoa
humana relacionado ao direito fundamental à moradia, à saúde, ao meio ambiente e
outros direitos fundamentais. Todos esses direitos estão inseridos no conceito de
cidades sustentáveis constante do Estatuto da Cidade.
A efetividade, segundo Barroso, é a realização do Direito, o desempenho
concreto de sua função social, representando, no mundo dos fatos, a materialização dos
preceitos legais, simbolizando, ademais, a aproximação, tão íntima quanto possível,
entre o dever ser normativo e o ser da realidade social.15
A matéria, entretanto, comporta ampla discussão quanto o direito à
indenização devida ao proprietário e a exclusão da cobrança pela utilização da água. A
13
RIBEIRO, José. Águas: Aspectos Jurídicos e Ambientais. Curitiba: Juruá Editora, 2ª edição, 2005, p.40.
14
MATTOS, Liana Portilho. A Efetividade da Função Social da Propriedade Urbana à Luz do Estatuto
da Cidade. Rio de Janeiro: Temas e Ideias Editora, 2003, p. 91.
15
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 85.
10
valoração econômica conferida a água e o fato de que ela constitui um recurso natural
limitado é que permite sua classificação como recurso hídrico, passível de outorga e de
cobrança, consoante esclarece Chaubet:
16
CAUBET, Guy Christian. A Água, A Lei, A Política....E o Meio Ambiente? Curitiba: Juruá, 2005, p.
144.
17
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito de Águas: Disciplina Jurídica das Águas Doces. São
Paulo: Editora Atlas, 2001, p. 180.
18
FREITAS, Vladimir Passos de. Águas: Aspectos Jurídicos e Ambientais. Curitiba: Juruá Editora,
2005, p. 21/22.
11
agressão desse bem; c) o uso da água não pode esgotar o próprio bem utilizado; d) a
concessão ou a autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da água deve ser
motivada ou fundamentada pelo gestor público.19
19
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ob. cit., p. 25.
12
Art. 8o A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em
Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas
hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo
impacto ambiental previstas nesta Lei.
§ 1o A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes,
dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de
utilidade pública.
20
Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação
Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social
ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
13
obras/empreendimentos de interesse social, de utilidade pública ou de baixo impacto.
Acrescente-se que a legislação municipal, como se verá adiante, insere como última
opção a realização de obras nessas áreas, devendo ainda inexistir alternativa técnica
locacional ao empreendimento proposto.
No caso em comento, verifica-se que a área em questão integra parque urbano,
ou seja, está localizada em espaço territorial especialmente protegido, nos termos do art.
225, III, da Constituição de 198821, destacando-se, de logo, que este conceito “espaço
territorial especialmente protegido” não alcança apenas as unidades de conservação
regidas pela Lei nº 9.985, de 18/07/2000 (SNUC).
Em documento encaminhado pela respectiva Secretaria Municipal, é possível
destacar o seguinte:
21
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
14
Mais recentemente, o poder público municipal, por meio do Decreto nº 13.286,
de 14 de janeiro de 2014, criou e regulamentou os parques urbanos das lagoas de
Fortaleza, constando em seu Anexo VII, a delimitação do Parque Urbano Lagoa do
Opaia. Destaca-se que o aludido Decreto nº 13.286, de 14 de janeiro de 2014, dispõe em
seu art. 14, o seguinte:
15
de “espaços territoriais especialmente protegidos – ETEP” prevista no art. 225, III, da
Constituição de 1988.
Note-se que o legislador constituinte não exigiu que sua criação se desse
mediante lei (formal), no entanto, foi expresso ao estabelecer que qualquer alteração ou
supressão destas áreas somente poderá acontecer por meio de lei, sendo vedado,
ademais, qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção23. Não houve, no entanto, nem esta comprovação, nem estudo
técnico para justificar tal intervenção. Assim, com base no princípio da precaução,
optou-se por recomendar o indeferimento do pedido.
Conclusão
23
Art. 225, III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
16
delimitação da área do Parque Urbano Lagoa do Opaia, criado pelo Decreto nº
13.286/2014 e, por último, iv) alterar, também por meio de lei, o art. 61, da LC 62/2009
– Plano Diretor Participativo de Fortaleza, com a redação dada pelo art. 1º, da LC nº
101/2011.
Ou seja, entendeu-se pela manifesta impossibilidade de alteração do art. 61, da
LC 62/2009 – Plano Diretor Participativo, com a redação dada pelo art. 1º, da LC nº
101/2011, em virtude da área em questão caracterizar-se como área de preservação
permanente e constituindo parque urbano, criado por ato do poder público municipal,
inserindo-se na categoria espaço territorial especialmente protegido (ETEP), conforme
Decreto nº 13.286/2014, atraindo para si as normas protetivas do art. 225, III, do texto
constitucional, significando dizer que seu regime jurídico é definido pela Constituição e
não por lei infra-constitucional. Por último e não menos importante, releva destacar que
o tipo de intervenção pretendido pela municipalidade não encontra amparo na legislação
ambiental.
17