DOUTRINA
ARTIGOS
Processo administrativo digital: maior celeridade e transparência?
Alice Santos Veloso Neves
Advogada.
Muryel Hey
Auditora.
Resumo: O trabalho objetiva discutir a inserção do processo
digital no âmbito administrativo e as repercussões no processo
administrativo advindas do realce trazido pela Lei federal nº
13.105, de 16 de março de 2015, principalmente em relação
aos princípios da celeridade e da efetiva transparência. Visa,
ainda, abordar normativos a respeito da necessidade de se
garantir o amplo acesso às informações e a constante melhoria
do processo administrativo. A proposta pautou-se em uma
análise dogmática, admitindo como ponto de partida o uso de
tecnologia para se efetivar os princípios da transparência dos
atos da celeridade processual. Discute-se o uso da tecnologia
e se esse uso representa um substituto do trabalho humano
ou um mero facilitador de atividades a serem desempenhadas.
Comparando-se os institutos apresentados no novo Código de
Processo Civil com os existentes no Processo Administrativo,
expõe-se a busca por maior dinamismo, clareza, coerência,
economicidade e soluções que possam aperfeiçoar os atos,
procedimentos e processos administrativos, em seus diversos
âmbitos, mediante a utilização de sistemas de gestão eletrônica
de processos.
Palavras-chave: Tecnologia. Processo digital. Celeridade.
Transparência. Novo Código de Processo Civil. Processo
Administrativo.
Sumário: 1 Introdução – 2 Referencial teórico a indicar uma
metodologia – 3 Aplicação do Código de Processo Civil – 4
Processo administrativo – 5 Conclusão – Referências
1 Introdução
A partir da automação dos processos, tanto no
âmbito do judiciário quanto no Poder Executivo, das
diferentes esferas, despertou-se certa preocupação
quanto à alteração do trabalho de um modo geral:
seremos substituídos pelas máquinas?
A constante busca por modernização da gestão
pública e o mundo tecnológico em que vivemos
direciona para a utilização de mecanismos que
gerem ganhos de eficiência e, consequentemente,
que haja célere tramitação dos processos
administrativos.
Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 203, p. 9-15, jan. 2018
A palavra “Automação” advém do latim
automatus1 que significa mover-se por si e pode
ser considerada como “um sistema automático
de controle pelo qual os mecanismos verificam
seu próprio funcionamento, efetuando medições
e introduzindo correções, sem a necessidade da
interferência do homem”,2 sendo o mesmo que
“mecanização ou robotização”.3
Aparece ainda como mecanismo ou aplicação
de técnicas computadorizadas ou “mecânicas
para diminuir o uso de mão-de-obra em qualquer
processo, especialmente o uso de robôs nas linhas
de produção, diminuindo os custos e aumentando a
velocidade da produção”.4
Apesar da multidisciplinariedade necessária no
âmbito jurídico atual, não se pretende aqui indicar
um aprofundamento em tecnologia da informação.
O que resta claro é a alteração na forma
de tramitação processual e que esta adveio
de uma mudança de concepção, visando não
só à economicidade de tempo, celeridade e
transparência, mas à tentativa de alcançar o
objetivo final do processo, sua concretude, sem
apego exacerbado em relação à forma.
Há hoje uma transição dos processos e
procedimentos administrativos físicos para os
eletrônicos, reduzindo o uso de recursos, como
1
MAHONEY, Kevin D. Latdict: Latim Dictionary and Grammar
Resources. Consultado em 10 de novembro de 2017.
2
DORF, Richard C; BISHOP, Robert H. Sistemas de controle
modernos. 8. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos,
2001.
3
GERALDO, Duarte. Dicionário de administração e negócios.
Editora Digital, Kindle BookBR, 2011.
4
LACOMBE, Francisco. Dicionário de Administração. São Paulo:
Saraiva, 2004.
ARTIGOS 9
Alice Santos Veloso Neves, Muryel Hey
papel, pessoas e tempo a quem os utiliza, inclusive
para a Administração Pública.
A utilização de um Sistema de Gestão
Processual Eletrônico geralmente compreende não
só o controle da tramitação do processo, mas almeja
a padronização de dados e informações, a produção,
registro e publicidade dos atos processuais, o
fornecimento de dados ao funcionamento regular de
cada órgão e ente, dos diferentes poderes.
No aspecto normativo, em relação ao
processo administrativo, temos que a influência da
digitalização processual representativa adveio da
Lei federal nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006,
que dispõe sobre a informatização do processo
judicial, direcionando o uso de meio eletrônico para
a tramitação de processos judiciais, comunicação
de atos e transmissão de peças processuais.
A partir da substituição do uso do meio
“papel”, para a utilização de máquinas e sistemas
que fazem toda a gestão dos documentos, inicia-
se essencial preocupação com a segurança desses
documentos.
Nesse contexto, observa-se que a Medida
Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001,
que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileiras (ICP-Brasil), trouxe maior segurança ao
garantir a autenticidade, a integridade e a validade
jurídica de documentos em forma eletrônica.
Em relação à inserção no âmbito administrativo,
a Lei federal nº 13.105, de 16 de março de 2015,
que instituiu o atual Código de Processo Civil
e entrou em vigor um ano após sua publicação,5
trouxe consideráveis alterações que podem ser
estendidas pela aplicação supletiva e subsidiária
ao processo administrativo, conforme disposto em
seu artigo 15.
Assim, surge uma nova sistemática de
processo civil, com inserção normativa de uma série
de princípios que moldam esse processo civil atual, o
qual almeja sua efetividade, concretude processual,
primando pela celeridade, transparência e outros
princípios basilares que podem muito contribuir na
formação e deslinde dos atos, inclusive no âmbito
administrativo.
O processo administrativo é o meio democrático
de construção da atividade administrativa e
já assegura, em sua base principiológica, a
legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
O Pleno do Superior Tribunal de Justiça, em sessão administrativa
5
realizada no dia 02.03.2016, decidiu, de forma unânime, que
adotará a data de 18.03.2016 como início da vigência da Lei nº
13.256/2015, após dúvida sobre o período de vacation legisdo
NCPC, fixado em 01 ano pelo art. 1.045 do CPC e consequente
dia de entrada em vigor do novo regramento processual civil
brasileiro.
10 ARTIGOS
contraditório, segurança jurídica, interesse público
e eficiência, nos termos do art. 2º da Lei federal nº
9.784, de 29 de janeiro de 1999 (REIS, 2016).
A tramitação eletrônica de documentos nos
órgãos e entidades da administração pública
federal direta, autárquica e fundacional tornou-se
obrigatória via Decreto Federal nº 8.539, de 8 de
outubro de 2015.
O exercício do poder estatal, no Estado
Democrático de Direito, só se legitima se os atos
de poder (provimentos ou pronunciamentos) forem
construídos através de procedimentos, logicamente
encadeados para produzirem um resultado final,
desenvolvidos em contraditório (CÂMARA, 2017).
Assim, temos que a tramitação do processo
administrativo via eletrônica se materializa em
verdadeira quebra de paradigma, principalmente por
sua redução de formalidades.
A implantação do processo eletrônico ainda traz
agilidade e produtividade, com maior celeridade na
análise e deferimento dos processos, eliminando-se
diversos procedimentos burocráticos, tornando-os,
inclusive, mais transparentes. A redução de custos
com papel, impressão, transporte e principalmente
espaço físico para armazenamento de documentos
traz vantagem econômica e ambiental, além de
propiciar melhor ambiente de trabalho (FAUSTO,
2016).
A alternativa de digitalização dos atos e
processos administrativos insere-se na Política
Pública de Simplificação de Documentos. Políticas
públicas são “metas coletivas conscientes” e
indicam programas de ação governamental que
organizam as atividades de relevância social, que
devem ser feitas pelo Estado e aquelas realizadas
pelas atividades privadas (BUCCI, 2002).
No âmbito do poder executivo federal, há
recente normatização via Decreto nº 9.094, de 17
de julho de 2017, que dispõe sobre a simplificação
do atendimento aos usuários dos serviços públicos,
além de ratificar a dispensa do reconhecimento de
firma e da autenticação em documentos produzidos
no país e instituiu a carta de Serviços ao Usuário.
Referido decreto federal determina a utilização
de um sistema de Ouvidorias do Poder Executivo
Federal (e-Ouv), chamado de “Simplifique!”, a ser
implementado e de uso obrigatório para toda a
Administração Pública federal. Segundo noticia o
Ministério da Transparência e Controladoria Geral
da União,6 o normativo possibilitará melhor diálogo
entre a sociedade e o Estado. Indica como importante
6
BRASIL. Governo publica decreto para simplificar atendimento
a usuários de serviços públicos. Disponível em: <http://www.
cgu.gov.br/noticias/2017/07/governo-publica-decreto-para-
simplificar-atendimento-a-usuarios-de-servicos-publicos>. Acesso
em: 11 nov. 2017.
Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 203, p. 9-15, jan. 2018

instrumento a fornecer melhores subsídios de
monitoramento, avaliação e aperfeiçoamento da
gestão e ajustes na prestação de serviços públicos
via sistema informatizado de controle das denúncias
e reclamações realizadas nas ouvidorias.
Apesar de existirem recentes normatizações
a respeito da necessidade de cumprir o preceito
constitucional, de ampliar a celeridade e propagar
a simplificação dos documentos, encontramos leis
de quase quatro décadas que já tratavam sobre
semelhante assunto, como é o caso da Lei do
Estado de Goiás nº 8.728, de 14 de novembro de
1979.
Uma das premissas constitucionais é o amplo
e efetivo acesso à informação pública, nos termos
do art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal,
sendo regulamentado pela Lei Federal nº 12.527,
de 18 de novembro de 2011 (LAI).
O que se observa é uma adequação para o
cumprimento da legislação, com maior proximidade
aos usuários e partes envolvidas nos atos e
processos, dos diversos âmbitos e poderes políticos
brasileiros, a partir da inserção de tecnologia, de
gestão eletrônica de informações, atos e processos
na forma eletrônica, o que certamente possibilitará
maior celeridade e transparência processual.
2 Referencial teórico a indicar uma
metodologia
O presente trabalho parte de uma concepção
dogmática que oportunize uma posição analítica
e crítica da norma a respeito da possibilidade
de celeridade e transparência processual a
partir da digitalização de atos e dos processos
administrativos.
A Ciência do Direito visa à decidibilidade,
ocupando-se com a oportunidade de certas
decisões, tendo em vista aquilo que deve ser
direito (relação de imputação), sendo diferente das
ciências naturais, eis que não são refutáveis com os
enunciados científicos, mas possuem pensamento
tecnológico, têm sua validade dependente da sua
relevância prática (FERRAZ JR, 1980).
O modelo jurídico a nós proposto é norteado
pelo problema de decidibilidade, que resulta da
incidência contínua do direito na convivência,
sistema de conflitos intermitentes (FERRAZ JR,
2011).
O objeto de investigação do direito compreende
a função dogmática, tipicamente tecnológica, na
medida em que tem função diretiva explícita (dever-
ser) e a função zetética que revela questão atinente
ao ser, voltada a processo de questionamento
destinado a facilitar a orientação da ação (FERRAZ
JR, 1980).
Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 203, p. 9-15, jan. 2018
Processo administrativo digital: maior celeridade e transparência?
A zetética acaba por acentuar o aspecto de
pergunta do problema, mantendo suas premissas
abertas à dúvida, sendo que a dogmática incita
a resposta, estabelecendo pontos de partida e
buscando um curso de ação.
O que se pretende demonstrar é a existência
de uma verdadeira mudança no paradigma, que
caminha da centralidade da lei, da cultura do
código, para a centralidade na jurisprudência em
outra cultura que busca a solução, preservando o
ordenamento jurídico com regras de calibração para
a aplicação do direito (FERRAZ JR, 2011).
Assim, a partir de uma observação da realidade,
do desenvolvimento normativo a respeito do
alcance da celeridade, transparência e concretude
do processo, inclusive do processo administrativo,
entende-se interessante a combinação da visão
normativa com a teoria analítica ou empírica, como
defendem os doutrinadores Tércio Sampaio Júnior e
João Maurício Adeodato.
Surgem, inclusive, críticas ao ensino jurídico,
que se tornou um ensino da norma positivada,
esquecendo-se do seu papel de se materializar
como decodificador da realidade dos fatos em face
da abstração da norma, adequando os significantes
aos significados, mediante o uso de processo
hermenêutico (ADEOTADO, 2011).
Nesse sentido, entende-se necessária a
análise dogmática-analítica, de compreensão da
norma processual, comparando-se os princípios
constitucionais, reforçados no novo Código de
Processo Civil a tornar mais eficaz, com soluções
concretas da realidade social via melhorias diretas
ao Processo Administrativo.
3 Aplicação do Código de Processo Civil
O Código de Processo Civil atual impõe, em
seu art. 15, a sua aplicação supletiva e subsidiária
ao processo administrativo. Essa possibilidade de
aplicação subsidiária é considerada mais ampla
e já havia sido reconhecida pelo Superior Tribunal
de Justiça, em relação ao processo penal, sendo
aplicável a outras leis processuais, como a Lei
de Locações ou na Lei do Mandado de Segurança
(CÂMARA, 2017).
A aplicação supletiva ocorre quando há uma
complementação das legislações, uma interação
entre a lei específica e a lei geral, que é o próprio
Código de Processo Civil, devendo-se interpretar
a lei específica sempre se levando em conta a
lei geral. Não será, portanto, possível interpretar
as disposições processuais da legislação de
processo administrativo sem serem consideradas
as previsões do Código de Processo Civil (CÂMARA,
2017).
ARTIGOS 11
Alice Santos Veloso Neves, Muryel Hey
Nesse sentido dispõe o parágrafo segundo do
artigo 1.046 do CPC, ao dispor que “permanecem em
vigor as disposições especiais dos procedimentos
regulados em outras leis, aos quais se aplicará
supletivamente este Código”.
A aplicação supletiva significa que o emprego
de uma determinada lei se dará de forma
complementar para possibilitar o aperfeiçoamento
da lei existente, trazendo maior efetividade e justiça
ao processo (LIMA, 2017).
O sistema jurídico, assim como o de direito
administrativo encontram soluções aos deslindes
das ações. Nesse sentido, refere-se o trecho
extraído do Acórdão nº 9303-01.179, emanado no
julgamento do recurso especial pertinente aos autos
do Processo nº 13804.008106/2002-18, Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a seguir
colacionado:7
Aqueles que navegam no direito subjetivo sabem
ou deveriam saber que o mar processual é bravio e
desafiador, quase sempre revolto e cheio de ondas
e marolas que fazem, muitas vezes o barco perder
o rumo. Isso faz com que muitos se percam e não
consigam completar a travessia. Mas nem tudo está
perdido, os instrumentos de navegação vem, a cada
dia, se aperfeiçoando, de tal sorte, que o barqueiro
que os utilizar corretamente, nunca perderá o norte
e, facilmente, chegará a um porto seguro. Saindo
da linguagem figurada para a real, os instrumentos
são os princípios gerais e específicos que norteiam
a atividade jurisdicional e, por empréstimo, a ‘judi-
cante’ administrativo.
Por outro lado, é importante apresentar que
a aplicação do art. 15 do Código de Processo
Civil em esferas administrativas diversas do ente
federal está sendo questionada via Ação Direita
de Inconstitucionalidade nº 5.492, proposta
pelo Distrito Federal, como um de seus pedidos,
alegando afronta à autonomia federativa, sob o
fundamento de que invadiu o campo de atuação dos
demais entes políticos.
Após distribuição da ação, o Ministro relator
Dias Toffoli manifestou em 28.04.2016 no
sentido de que a decisão fosse tomada em caráter
definitivo, ante a relevância da matéria, nos termos
do art. 12 da Lei nº 9.868/99. A Procuradoria-
Geral da República apresentou manifestação nº
190.084/2017-AsJConst/SAJ/PGR com a seguinte
ementa:
LIMA, C. S. M. S. Aplicação supletiva e subsidiária do novo CPC
7
ao Processo Administrativo Fiscal, recepção dos julgados dos
Tribunais na esfera administrativa. Disponível em: <http://www.
migalhas.com.br/dePeso/16,MI250575,41046-Aplicacao+suplet
iva+e+subsidiaria+do+novo+CPC+ao+Processo>. Acesso em: 20
ago. 2017.
12 ARTIGOS
CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 9o,
PARÁGRAFO ÚNICO, II; 15; 46, §5o; 52, PARÁGRAFO
ÚNICO; 242, §3o; 311, PARÁGRAFO ÚNICO; 535,
§3o, II; 840, I; 985, §2o; 1.035, §3o, III, e 1.040,
IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO
DE TUTELA DE EVIDÊNCIA SEM OITIVA DO RÉU.
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO CPC
AOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS. CITAÇÃO
DA UNIÃO, DE ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL
E DE MUNÍCIOS PERANTE ÓRGÃO DE ADVOCACIA
PÚBLICA. DEPÓSITOS JUDICIAIS EM BANCOS OFICIAIS.
RECURSO EXTRAORDINÁRIA COM REPERCUSSÃO
GERAL PRESUMIDA EM CASO DE LEI FEDERAL
DECLARADA INCONSTITUCIONAL. COMUNICAÇÃO AO
ÓRGÃO PÚBLICO RESPONSÁVEL POR FISCALIZAÇÃO
DE SERVIÇO PÚBLICO OBJETO DE DECISÃO EM
CASOS REPETITIVOS. CONSTITUCIONALIDADE.
COMPETÊNCIA DO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR
QUANDO DEMANDADO FOR ESTADO OU DISTRITO
FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO
CONFORME. LIMITAÇÃO TERRITORIAL.
1. Não afronta autonomia dos estados previsão le-
gal de aplicação supletiva e subsidiária das normas
do Código de Processo Civil a processos administra-
tivos.
2. Deve ser conferida interpretação conforme a
Constituição aos arts. 46, §5º, e 52, parágrafo úni-
co, a fim de que a competência seja definida nos li-
mites territoriais do respectivo estado ou do Distrito
Federal, nos casos de promoção de execução fiscal
e de ajuizamento de ação em que seja demandado
estado ou Distrito Federal.
3. Não ofende a capacidade de autoadministração
dos entes federados determinação legal de que a
citação da União, estados, Distrito Federal e municí-
pios seja feita perante órgão de Advocacia Pública.
4. É constitucional norma legal que, sem prévia
citação do réu, admite concessão de tutela de
evidência, quando os fatos alegados possam ser
demonstrados documentalmente e a tese jurídica
estiver consolidada em julgamento de casos repe-
titivos ou em súmula vinculante. Ocorre, na hipóte-
se, postergação do contraditório a fim de assegurar
acesso à justiça em consonância com os preceitos
constitucionais da duração razoável do processo e
do devido processo legal.
5. Normas que disponham sobre depósitos judi-
ciais consubstanciam normas processuais, cuja
competência legislativa é privativa da União (CR,
art. 22, I).
6. Determinação de que os órgãos públicos e agên-
cias reguladoras responsáveis por fiscalização de
serviço público sejam comunicados acerca de de-
cisão proferida em casos repetitivos não afronta
a Constituição. Previsão desse teor amplia os di-
álogos institucionais entre as entidades públicas
e assegura maior efetividade no cumprimento de
decisão judicial.
7. É constitucional presunção de repercussão geral
a recurso extraordinário que impugna acórdão que
Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 203, p. 9-15, jan. 2018
 Processo administrativo digital: maior celeridade e transparência?

tenha declarado inconstitucionalidade de tratado ou Instituições públicas já implementaram o

lei federal, pois fundamenta-se na necessidade de processo administrativo eletrônico, trazendo a
uniformização de aplicação de lei federal em todo diminuição do tempo de tramitação dos processos
território nacional.
a partir da utilização do meio eletrônico (MORAES,
8. Parecer por procedência parcial do pedido.
2016).
Dissertação apresentada no Programa de
Apesar desse questionamento, se pode
Mestrado de Administração Pública (PROFIAP)
haver aplicação supletiva e subsidiária do Código
(MORAES, 2016) cita tabela demonstrando um
de Processo Civil nos processos administrativos
ganho de tempo de tramitação dos processos
dos Estados e dos Municípios, o que se sugere é
em uma média de 52%, a partir da utilização do
que se trata de um caminho sem volta à utilização
meio eletrônico para a tramitação dos processos,
dogmática do direito, reafirmado com a positivação
conforme se verifica a seguir.
de princípios.
Redução nos tempos de tramitação
Essa perspectiva, de dar ênfase aos princípios
constitucionais para aferir maior eficácia e
efetividade à norma, destacando-se princípios via Órgão Redução
sua positivação, já havia sido apresentada com o Receita Federal 40%
Código Civil de 2002, o qual inseriu em seu texto Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul 52%
os princípios da eticidade, da socialidade e da
Tribunal de Justiça São Paulo 38%
operabilidade.8
Nesse viés, entende-se que a intenção do Tribunal de Justiça de Alagoas 52%
enfoque dogmático é justamente de direcionar o olhar Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas 53%
para uma otimização legislativa, com foco em maior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte 75%
celeridade dos atos e a realização da finalidade de Fonte: UCHOA, 2013; ROTTA, 2013.
qualquer processo. Os princípios inseridos no atual
Código de Processo Civil apresentam-se, assim, O direcionamento para que seja utilizado o
como instrumento para aprimoramento dos atos e meio digital nos processos é antigo e está sendo
processos administrativos. constantemente enfatizado, o que demonstra
que a inserção de meios tecnológicos de gestão
4 Processo administrativo digital processual é um caminho sem volta.
A Receita Federal, por exemplo, iniciou seu
Diferentes institutos do novo Código de Processo
projeto de implantação do processo eletrônico em
Civil possibilitam a aplicação de forma supletiva e
2009, chamado de “e-processo” e apresentou
subsidiária nos Processos Administrativos, o que
redução do tempo de trâmite do processo em
enseja uma maior transparência e melhoria no
até 40%, conforme tabela anterior, aumento
poder de fundamentação e argumentação daqueles
de produtividade dos servidores, melhoria no
que produzem os atos da Administração Pública,
atendimento ao cidadão, redução de 2/3 da
principalmente na condução de seus processos
quantidade de papel impresso e redução de 70% do
administrativos.
espaço de armazenagem (MORAES, 2016).
Encarregados de elaborar o Anteprojeto do
Grande parte da Administração Pública utiliza
Novo Código de Processo Civil, pelo Ato nº 379 de
um sistema de gestão de informações, processos
2009, indicaram como uma das principais razões
administrativos e documentos eletrônicos que
de alteração do código a morosidade. Essa demora
possibilita a produção, edição, assinatura, trâmite
da prestação jurisdicional direciona para um falso
(andamento) e armazenamento de documentos
garantismo, que pressupõe um processo com forma
denominado SEI! e direciona para a obtenção de
rígida, com etapas que desencadeiam altíssima
desburocratização, eficiência e celeridade.
insatisfação popular e consequente descrédito do
Outros sistemas que estabelecem a
Poder Judiciário (FUX, 2014).
digitalização dos processos e atos coexistem
A possibilidade de tramitação do processo
com o Sistema Eletrônico de Informações (SEI!),
administrativo via virtual certamente possibilita maior
disponibilizado como Software de Governo
acesso, economicidade, organização, com maior
mediante celebração de acordo de cooperação com
controle na contagem de prazos, do quantitativo de
o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
processos, sendo excelente mecanismo de gestão.
Gestão,9 o que demonstra mudança da visão do

TARTUCE, Flávio. O novo CPC e o Direito Civil, impactos, diálogos

8

9
Disponível em: <https://softwarepublico.gov.br/social/sei>
e interações. [s. l.]: Método, 2015, p. 4-5. Acesso em: 08 dez. 2017.

Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 203, p. 9-15, jan. 2018 ARTIGOS 13
Alice Santos Veloso Neves, Muryel Hey
processo administrativo e judicial, a iniciar pelo seu
meio, que agora é digital.
5 Conclusão
Em relação ao inicial questionamento, se
vamos ser substituídos por máquinas, trata-se
realmente de um tópico assombroso, pois remete
à lembrança de filmes como Inteligência Artificial10
ou Matrix.11
Atualmente cientistas da computação se
preocupam em como as crianças podem aprender
tão rápido, havendo estudos sobre o poder de
raciocínio mental das crianças em idade pré-escolar
para desenvolver formas de ensinar máquinas
sobre o mundo (GOPNIK, 2017). Tudo isso torna
assustador pensar na existência e evolução da
inteligência artificial e do aprendizado das máquinas.
Em outro paralelo, há a necessidade de
aperfeiçoar o trabalho humano, buscar melhores
soluções e instrumentos. E assim temos que o
uso da tecnologia realmente leva a um substituto
das atividades repetitivas, como já nos mostrou a
mecanização agrícola, por exemplo, em que diversas
tarefas podem ser executadas com facilidade e
eficiência por meio do uso de máquinas.
No caso específico do uso do processo
digital, logo já nos deparamos com facilitadores
apresentados pelo próprio sistema digital
escolhido em específico, havendo considerável
desburocratização, não sendo necessário que
pessoas se mobilizem para autuar, etiquetar,
perfurar, bater carimbos de página e em folhas
“em branco” ou “parte em branco” e o melhor,
evita-se grande perca de tempo com infindáveis
buscas processuais, aumentando o controle de
toda a ordem, citando-se, assim, simples e visíveis
progressos alcançados ao se utilizar um sistema de
processo digital.
O novo Código de Processo Civil e legislações
anteriores, como a Lei de Acesso à Informação e da
utilização do Processo Judicial Eletrônico, reforçam
o uso do meio digital e de sistemas de gestão
eletrônica nos processos administrativos.
Assim, podemos entender que a evolução
tecnológica permite um aperfeiçoamento do trabalho
10
A. I. Artificial Intelligence é o título original do filme, lançado
em 2001. Com gênero de ficção científica aborda o sentido
da humanidade em um futuro distante em que há máquinas
inteligentes coexistindo entre os homens e foca em um menino
androide que foi programado inclusive para amar e coexiste como
membro de uma família.
11
Complexa trilogia de filme de gênero de ação e ficção científica em
que as máquinas com inteligência artificial escravizam os homens,
para transformá-los em energia. Passa-se em dois planos espaço-
temporais, sendo permeado de insinuações mitológicas, literárias
e religiosas, além de ser objeto de densa reflexão para os
entusiastas das ciências cognitivas, filosofias da mente e aqueles
que tratam da relação Homem x Máquina (Inteligência artificial).
14 ARTIGOS
humano, que certamente se tornará cada vez mais
pensante, de análise das situações existentes,
confronto dos dados, deixando às máquinas
trabalhos repetitivos e necessários, em todas as
áreas.
Nesse contexto interdisciplinar, melhor que as
máquinas sejam vistas como meio que possibilita
não só maior celeridade e transparência, mas
também o aumento da organização, controle,
economicidade de toda ordem, além dos benefícios
de um processo mais democrático. Tudo isso
depende de nós.
Digital administrative process: greater speed and transparency?
Abstract: The paper aims to discuss the insertion of the digital
process in the administrative scope and the repercussions in
the administrative process arising from the emphasis brought by
Federal Law 13,105, of March 16, 2015, mainly in relation to the
principles of celerity and effective transparency. It also aims to
address regulations regarding the need to ensure broad access to
information and the constant improvement of the administrative
process. The proposal was based on a dogmatic analysis,
admitting as a starting point the use of technology to implement
the principles of transparency of acts of procedural celerity. The
use of technology is discussed and whether this use represents
a substitute for human labor or a mere facilitator of activities
to be performed. Comparing the institutes presented in the new
Code of Civil Procedure with those existing in the Administrative
Process, the search for greater dynamism, clarity, coherence,
economics and solutions that can improve the administrative
acts, procedures and processes, in their different spheres ,
through the use of electronic process management systems.
Keywords: Technology. Digital process. Celerity. Transparency.
New Code of Civil Procedure. Administrative process.
Referências
ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica
e do direito subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011.
BRASIL. Decreto 8.539, de 8 de outubro de 2015. Dispõe
sobre o uso do meio eletrônico para a realização do processo
administrativo no âmbito dos órgãos e das entidades da
administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2015-2018/2015/Decreto/D8539.htm>. Acesso em: 06
Jul. 2017.
BRASIL. Decreto Federal nº 8.789 de 29 de junho de 2016. Dispõe
sobre o compartilhamento de bases de dados na administração
pública federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8789.htm>. Acesso
em: 06 Jul. 2017.
BRASIL. Decreto Federal nº 9.094, de 17 de julho de 2017. Dispõe
sobre a simplificação do atendimento prestado aos usuários dos
serviços públicos, ratifica a dispensa do reconhecimento de
firma e da autenticação em documentos produzidos no País e
institui a Carta de Serviços ao Usuário. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/
D9094.htm>. Acesso em: 06 jul. 2017.
BRASIL. Lei 13.105, de 16 de Março de 2015. Código de
Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em:
06 jul. 2017.
Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 203, p. 9-15, jan. 2018

BRASIL. Lei 9.784, de 29 de Janeiro de 1999. Regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L9784.htm>. Acesso em: 06 jul. 2017.
BRASIL. Lei Federal nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006.
Dispõe sobre a informatização do processo judicial. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/
lei/l11419.htm> Acesso em: 20 jul. 2017.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas
Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da
Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina,1999, p. 1043-1044.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Org.). Direito regulatório: temas
polêmicos. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil:
introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de
conhecimento. Salvador: Jus PODIVM, 2015. v. I.
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 1980, p. 9-49.
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Teoria dogmática da decisão ou
teoria dogmática da argumentação jurídica. In: FERRAZ JR, Tércio
Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão,
dominação. 6. ed. 3 reimpr. São Paulo: Atlas, 2011, cap. 6, p.
285-323. [38 p].
FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS, Fabrício. Novo
Código de Processo Civil: temas inéditos, mudanças e
supressões. Salvador: JusPodivm, 2016.
FUX, Luiz. O novo processo civil. Rev. TST, Brasília, v. 80, n. 4,
out./dez. 2014.
GOIÁS. Lei nº 13.800 de 18 de janeiro de 2001. Regula o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública
do Estado de Goiás. Disponível em: <http://www.gabinetecivil.
go.gov.br/pagina_leis.php?id=1907>. Acesso em: 06 jul. 2017.
GOIÁS. Lei nº 17.039, de 22 de junho de 2010. Dispõe sobre
a informatização e a digitalização dos processos e atos da
Administração Pública Estadual. Disponível em: <http://www.
gabinetecivil.goias.gov.br/leis_ordinarias/2010/lei_17039.
htm>. Acesso em: 06 jul. 2017.
Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 203, p. 9-15, jan. 2018
Processo administrativo digital: maior celeridade e transparência?
GOPNIK, Alison. Por uma IA mais humana. Scientific American
Brasil, p. 40-45, ago. 2017.
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras
independentes. São Paulo: Dialética, 2002.
LIMA, Clairen Saana Moura Santos. Aplicação supletiva
e subsidiária do novo CPC ao Processo Administrativo
Fiscal, recepção dos julgados dos Tribunais na esfera
administrativa. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/
dePeso/16,MI250575,41046-Aplicacao+supletiva+e+subsidiari
a+do+novo+CPC+ao+Processo>. Acesso em: 20 ago. 2017.
MENDES, Flavine Meghy Metne. Processo normativo das agências
reguladoras: atributos específicos à governança regulatória. São
Paulo: Giz Editorial, 2014.
MORAES, Fausto Cruzeiro de. Processo administrativo eletrônico:–
plano de implantação na Controladoria Geral do Estado de Goiás
[manuscrito] / Fausto Cruzeiro de Moraes. - 2016. 127 f.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo
Civil comentado artigo por artigo. Salvador: JusPodivm, 2016.
REIS, Clóvis Mendes Leite Reimão dos. A aplicação supletiva
e subsidiária do CPC/2015 aos processos administrativos
estaduais, municipais e distritais: uma análise crítica da ADI
5492/DF. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIX, n. 154, nov. 2016.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.
php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18158&revista_
caderno=4>. Acesso em: ago. 2017.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil:
teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento
e procedimento comum. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
NEVES, Alice Santos Veloso; HEY, Muryel. Processo administrativo
digital: maior celeridade e transparência?. Fórum Administrativo
– FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 203, p. 9-15, jan. 2018.
ARTIGOS 15