Rio de Janeiro
jul./set. 2013
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Resumo: Abstract:
José Bonifácio de Andrada e Silva foi um dos José Bonifácio de Andrada e Silva was an ex-
expoentes da ilustração luso-americana. Du- ponent of the Portuguese-American Enlighten-
rante o período que viveu em Portugal (1780- ment era. During the period in which he lived
1819), ele foi convidado pelo ministro D. Ro- in Portugal (1780-1819), he was invited by the
drigo de Sousa Coutinho para ocupar diversos Minister D. Rodrigo de Sousa Coutinho to oc-
cargos estratégicos, sobretudo aqueles que cupy several strategic offices, especially those
diziam respeito às minas, árvores e bosques, e that concerned the mines, trees and forests, and
rios. No Arquivo Nacional do Rio de Janeiro en- rivers. Several letters written by Bonifácio to D.
contramos diversas cartas escritas por Bonifácio Rodrigo, reporting on the activities undertaken
para Dom Rodrigo informando as atividades in those functions, were found at the National
realizadas nestas funções. Essas cartas que ago- Archives of Rio de Janeiro. Those letters, now
ra publicamos revelam a atuação do Andrada no published, show the performance of the Andra-
programa reformista político-científico do go- da in the political-scientific reformist program
verno de Dona Maria I, que visava modernizar o during the government of D.Maria I, that aimed
Império Português. at modernizing the Portuguese Empire.
Palavras-chave: José Bonifácio de Andrada e Keywords: José Bonifácio de Andrada e Silva;
Silva; Dom Rodrigo de Sousa Coutinho; Século Dom Rodrigo de Sousa Coutinho; Nineteenth
XIX; Cartas; Ilustração. Century; Letters; Enlightenment.
11 – VARELA, Alex Gonçalves. “Juro-lhe pela honra de bom vassalo e bom português”:
análise das memórias científicas de José Bonifácio de Andrada e Silva. Op. cit.
12 – MATOS, Ana Maria Cardoso de. Ciência, tecnologia e desenvolvimento industrial
no Portugal oitocentista. O caso dos lanifícios do Alentejo. Lisboa: Estampa, 1998.
Manuscritos
Documento 1
Queira V. Exa. Que temos a honra de ver com todo o respeito e ver-
dadeira estima.
Documento 2
Documento 3
Desde que saí de Lisboa até agora não peguei na pena para escrever
a V. Exa. (sic) do que presentemente e continuando a dar-lhe parte do
que tenho feito até hoje. Começarei por informar a V. Exa. que parti de
Figueiró, e cheguei à 24 de fevereiro à Coimbra a noite. (sic) Demorei-
-me em Coimbra dois dias para arrumar alguns particulares, e falar ao
sistemático Vice-Reitor, a ver se manda enfim destinar e preparar o local,
e fazer os armários, bancas e pequeno laboratório para o uso das lições e
operações metalúrgicas; cujos riscos e direção já em meio do ano passado
dei ao Reitor-Reformador, e depois em outubro o meu substituto ao Vice-
-Reitor; mas até agora tudo em vão, pois nada se fez; talvez por não serem
coisas de a+b infinitamente ou infinitesimamente interessantes. Pelo que
de novo vi e ouvi da Universidade e sua administração estou bem a meu
pesar cabalmente convencido, que pouca ou nenhuma utilidade virá ao
Estado da nova Cadeira isolada, de que S. A. R. se dignou nomear-me
lente, quando mesmo eu possa bastar e lutar só com tanto trabalho, in-
trigas, e embaraços recrescentes. A Universidade, Exmo. Sr., no pé em
que está, e em que deve continuar, se não houver uma reforma radical
não só no número e ensino das cadeiras, mas sobretudo no seu regime
moral, econômico e político será sempre uma Universidade da Lei Velha,
que apesar dos aromas, só serve em presença de lembrar da morte, como
entre os Egípcios. Tal é a opinião que tenho. (sic) Logo na Figueira fiz
chamar o fiel do armazém, quando só contas de quatro paredes sem telha-
do algum, e o pagador das folhas; e fiquei admirado, à vista dos livros, do
modo inaudito, porque até agora se tem regulado a compatibilidade desta
malfadada mina. O fiel, sobre quem deve carregar o que entra e sai do
Armazém, é o mesmo que escreve nos livros, mas só lança as folhas dos
trabalhadores carreiros e pedreiros porque o resto pertence ao mestre da
mina: todas as contas são confusas, sem nenhum recibo, sem declaração
da quantidade, qualidade e peso dos materiais comprados; de modo que
me é impossível verificar se tem havido descaminhos e frutos. Não achei
um só inventário: enfim tudo ia como no Arsenal do Exército. As folhas
semanárias são feitas pelo Mestre Pedreiro Miguel Rodrigues (sic) o qual
há três anos é o único diretor geral desta minas e sua complicada admi-
nistração; pois S. A. R. possui aqui terras de lavoura, vinte e três bois, e
um rebanho de ovelhas de duzentas e vinte e oito cabeças, e três bezerros;
do qual tem ido de vez em quando dúzias de carneiros para Lisboa, assim
como molhos de batatas e outras miudezas. De toda essa misteriosa ad-
ministração, creio nunca teve a menor participação do Real Erário. Tudo
tem ido por vistas particulares, concessão de terras, aumento de jornais,
nomeação de empregados. E assim é que administravam a Fazenda de S.
A. R. homens encarregados dela, e aumentados por serviços imaginários,
que há três anos não tem posto o pé em Buarcos, deixando tudo entregue
a um pedreiro, sem cuidarem de lavrar a mina e tirar carvão, de que con-
tudo nada entendiam, como mostra sem réplica o estado miserável dela,
seus absurdos e administração! (sic) eu sei que as verdades, que acabo de
referir me adquirirão um bando de abutres inimigos, que grassarão dia e
noite = Vo illi propter quem veniunt scandala: mas eu seguro da própria
consciência, e da estima de V. Exa. e coberto com a égide do patrocínio
Real, lhe responderei: Necesse est ut veniant scandala.
Buarcos, 04/03/1802.
Documento 4
incapazes de servir, para com o seu em parte e mais alguma coisa comprar
outros, que possam servir em seu lugar.
Buarcos, 11/03/1802.
Documento 5
escrita a V. Exa. ter conservado até agora alguma inspeção sobre esta
mina, para me fazer entrega dela e dos seus pertences por inventário este-
ja ainda em Lisboa, e daí só escreva à V. Exa.. Não é a falta de exatidão, é
a incongruência do seu proceder o que mais me maravilha.
Outro objeto que muito me tem dado que fazer é o regime e polícia
dos bosques e lenhas; porque esta gente está acostumada de pais a filhos
a não fazer caso de leis e posturas, cuja execução por culpa das justiças, e
de muitos ministros se tem deixado desleixadamente ao próprio alvedrio
dos súditos: para cobrir pois estes abusos, que crescem ainda mais presen-
temente, e para começar desde já a introduzir uma administração regular
e exata, criei já alguns guardas costeiros, a quem dei já instruções claras
e precisas, pois, sem polícia e economia seguida nesta parte, debalde será
o querer levar este belo estabelecimento ao grau de esplendor e aumento,
de que é capaz pelas felizes circunstâncias do seu local. Cada dia descu-
bro novas minas; mas sinto não ter ainda achado um homem, que possa
servir de Inspetor nem ao menos obreiros que saibam fazer poços e minas
d’água, e dar fogo às pedreiras. Graças a Deus que por ora as posso man-
dar lavrar desmonte. Não me faltam audiências que dar e petições que
despachar: tenho procurado fazer tudo com a maior brandura possível;
mas temos não poder deixar de proceder também algumas vezes com seu
vigor, para dar exemplo e acostumar alguns desmandos ao respeito e à
obediência devida.
Para não enfadar mais a Vossa Excelência convém dar fim a esta
longa carta, rogando-lhe ao mesmo tempo queira instruir-me com as luzes
vastas, que lhe são próprias, e dar-me as ordens necessárias para melhor
e cabal desempenho das minhas obrigações.
Documento 6
Este parecer de V. Exa. é tão acertado, que entre muitas razões, tem
a seu favor as seguintes. A criação da nova Cadeira de Metalurgia, em si
mesma utilíssima e necessária, por ora pouca ou nenhuma utilidade pode
produzir, e pouco pode servir a criar alunos capazes que possam um dia
ser com proveito real empregados nos novos estabelecimentos e adminis-
tração das minas e fábricas minerais? Porque 1º quando muito terei anual-
mente um até dois discípulos, que freqüentam a minha aula, vista a falta
É tudo o que posso representar a S. A. R., sem ter nisto vistas algu-
mas particulares; porque antes em vez de utilidade, ofereci prejuízo.
Lisboa, 26/07/1802.
Documento 7
Para promover e ativar cada vez mais o restabelecimento das nossas minas
e fábricas minerais, e para fomentar igualmente todos os conhecimentos assim
práticos, como teoréticos deste importantíssimo ramo de instrução pública, dig-
nou-se o mesmo Senhor nomear-me lente proprietário da nova Cadeira de Meta-
lurgia da Universidade de Coimbra, de que se me passou Carta aos 26 de maio de
1801. Desejando enfim corrigir os defeitos e operações em grande da nossa Casa
de Moeda, e levá-los ao grau de perfeição em que se acham nos países alumiados
da Europa, ordenou por seu Real decreto de 24 de novembro do ano passado, que
houvesse de abrir para este fim um Curso Docimástico na Casa da Moeda, para
os seus empregados, mandando construir de novo um belo laboratório químico,
de que carecíamos, e que devemos hoje os Portugueses à magnanimidade e Amor
de S. A. R. pelo bem das Ciências úteis, infelizmente tanto tempo há, despreza-
das e maltratadas entre nós.
Com a pensão, que me deu Sua Augusta Mãe, e que me foi conservada
por S. A. R., assim como aos meus companheiros de viagem, em prêmio de dez
anos de contínuas fadigas e peregrinações fora da Pátria, e como o meu novo
ordenado de Lente da universidade, me é impossível viver e sustentar a minha
família com a decência, que exige o meu cargo, bastar aos gastos grandíssimos
das viagens contínuas pelo Reino, que devo conhecer mineralógica e metalurgi-
camente, pagar casas em Coimbra e Lisboa, comprar livros e instrumentos, de
que necessito para me não atrasar nas ciências que cultivo por gosto, e para bem
do Estado, e fazer outras despesas inevitáveis, que requerem as circunstâncias,
e a hospitalidade.
Outra nova representação, mas não súplica, que tenho de fazer à este respei-
to a S. A. R., e que não grava de modo alguma Sua Real Fazenda, é a seguinte:
João o 5º, quando nomeou a Manoel da Cruz Santiago, que tinha vindo do Brasil
com ricas amostras de ouro de beta da Comarca de São João Del Rei; para Admi-
nistrador Geral e Exclusivo das Minas do Reino, lhe fez ao mesmo tempo mercê
de uma comenda de 200 mil réis da Ordem de Cristo, e do Foro de Fidalgo da sua
casa, e enquanto não entrasse na dita comenda de uma tença da mesma quantia,
paga dos quintos das novas minas. Tudo isto que alego, torno a dizer, é mera
representação, e não súplica: porque no meu modo de pensar e de sentir, a maior
honra possível, que posso desejar, como vassalo fiel de S. A. R., é servido com
zelo, inteligência e inteireza, únicas distinções e graduação, que aspiro, ainda que
seja à custa da própria saúde e de mil vidas.
Lisboa, 26/07/1802.
Documento 8