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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE


FACULDADE DE ARTES VISUAIS

Trabalho de Estética e Filosofia da Arte II:


A Heteropologia de Foucault

Professor:
Tadeu Costa
Equipe:
Dóris Karoline Rocha da Costa 201704540017.
July Anne Silva Pereira 201704540008.
Maiara Brena Gomes Malato 201704540003.

Belém
Maio de 2018
Resumo:
O trabalho abordará o conceito de Heterotopia. O pensador responsável por desenvolver este conceito foi Michel
Foucault, que nomeia a descrição, análise e leitura sistemáticas destes sítios como Heteropologia, a qual é feita
em conferência no Círculo de Estudos Arquitetônicos, em 1967, e publicada anos mais tarde, em 1984, na revista
Architecture, Mouvement, Continuité. Além disso relacionaremos a Heterotopia e seus possíveis desdobramentos
no campo da arte ampliando os exemplos dado pelo filósofo.
Palavras chave: Heterotopia, De outros espaços, Michel Foucault, Artes.

Abstract:
The article will address the concept of Heterotopia. The thinker responsible for developing this concept was Michel
Foucault, who appoints the systematic description, analysis, and reading of these places as Heteropology, which
was made at a conference in the Circle of Architectural Studies in 1967 and published years later in 1984 in the
magazine Architecture, Mouvement, Continuité. In addition, we will relate Heterotopia and its possible
developments in the field of art by extending the examples given by the philosopher.
Keys-words: Heterotopia, From other spaces, Michel Foucault, Arts
Figura 1: Las Meninas, Diego Velásquez, 1656. .................................................................................... 10
Figura 2: Sara Bernhardt, Felix Nadar, 1859. ........................................................................................ 12
Figura 3: Parangolés, Hélio Oiticica, 1960. ............................................................................................ 13
Sumário
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 4
DESENVOLVIMENTO ..................................................................................................................... 5
CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 14
REFERÊNCIA .............................................................................................................................. 16
INTRODUÇÃO
As obras e conceitos do francês Michel Foucault (1926-1984) são atuais e, mesmo que
tenham sido produzidas no século passado, dizem muito sobre a sociedade contemporânea e,
por que não, sobre a arte contemporânea e seus processos. Sua filosofia tem a capacidade de
nos instigar, e não seria diferente com este conceito, a Heterotopia, que aparece pela primeira
vez no prefácio do livro Les Mots et les choses, em português: As Palavras e as coisas, 1966.
Pela estrutura da palavra (hetero= do outro + topia= espaço) podemos ter uma noção do
conceito, que seria o lugar do outro. O outro corresponde ao diferente, este lugar é, pois, o lugar
da diversidade, seja ela de tempo, de espaço, de pessoas, etc. O trabalho tratará das questões
postas em pauta dentro da Heteropologia, como o filósofo define o estudo desse lugar do outro,
em sua fala na conferência De outros espaços, no Cercle d'Études Architecturales (Círculo de
Estudos Arquitetônicos), em 14 de Março de 1967. Além disso trabalharemos nas intersecções
que podem ser feitas entre a arte e as heterotopias, buscando materializar o conceito com
exemplos da arte.

Ao olharmos para a obra de Foucault percebemos que se coloca em pauta, de forma


recorrente, as situações entorno desse outro, que por ser diferente é considerado louco ou
disfuncional. Não poderíamos deixar de notar também que o vivido do pensador foi decisivo
neste seu direcionamento acadêmico, já que, como veremos a seguir, Foucault tem sua própria
história e experiência com instituições normativas, quando, após algumas tentativas de suicídio
ainda em meados de seus 20 anos, foi mandado ao Hospital psiquiátrico Saint-Anne.

Michel Foucault formou-se em filosofia na Sorbonne em 1946, após dois anos se


diplomou em psicologia e concluiu seus estudos superiores em filosofia. Seu primeiro livro é
publicado em 1954: Doença Mental e Psicologia, nele o pensador busca questionar os
parâmetros usados pela psicologia até então, mas só com a publicação de sua tese de doutorado
é que Foucault confirma-se como filósofo. O livro a História da Loucura (1961) investiga as
origens mais antigas do isolamento social e do silenciamento que a figura do louco recebe na
sociedade. Este louco é o homem ou a mulher que é posta à margem por não seguir a norma, é
isolada e sofre intensas investidas para que se adeque.

Foucault é, como gostava de ser chamado, o arqueólogo do silêncio imposto ao louco


da visão médica - com o livro Nascimento da Clínica (1963) -, das ciências humanas - com As
Palavras e as Coisas - e do saber em geral - com A Arqueologia do Saber (1969). Foucault
também era este estranho o qual tratava em suas obras, foi o menino que gostava de outros
4
meninos, o rapaz que decidiu não ser médico como seu pai e avô, o homem que sabia com
propriedade o que é ser visto como louco e silenciado como tal. Mas não por muito tempo, pois
toda sua obra e a repercussão que ela tem até os dias atuais deram voz ao menino, ao rapaz, ao
homem e a todos os outros “loucos”. Michel Foucault morreu aos seus 58 anos em decorrência
de complicações provocadas pela AIDS, deixando sua ousada obra A História da Sexualidade
não terminada, faltando três de seus seis volumes.

DESENVOLVIMENTO
A Heterotopia, como dito, surge na obra de Foucault no prefácio do livro As Palavras
e as Coisas (1966). Desde o início este conceito emerge em paralelo ao conceito de utopia e a
ideia de simultaneidade, só que ligado de forma mais intensa ao discurso - ou a ruína de sua
sintaxe, já que diante destas encontra-se o justaposto:

“As utopias consolam: é que, se elas não têm lugar real, desabrocham,
contudo, num espaço maravilhoso e liso; abrem cidades com vastas avenidas,
jardins bem plantados, regiões fáceis, ainda que o acesso a elas seja quimérico.
As heterotopias inquietam, sem dúvida porque solapam secretamente a
linguagem, porque impedem de nomear isto e aquilo, porque fracionam os
nomes comuns ou os emaranham, porque arruínam de antemão a “sintaxe”, e
não somente aquela que constrói as frases — aquela, menos manifesta, que
autoriza “manter juntos” (ao lado e em frente umas das outras) as palavras e as
coisas. Eis por que as utopias permitem as fábulas e os discursos: situam-se na
linha reta da linguagem, na dimensão fundamental da fábula; as heterotopias
(encontradas tão frequentemente em Borges) dessecam o propósito, estancam
as palavras nelas próprias, contestam, desde a raiz, toda possibilidade de
gramática; desfazem os mitos e imprimem esterilidade ao lirismo das frases.”
(FOUCAULT, 1966. p. 12)

Em De Outros Espaços, o filósofo desprende o conceito de Heterotopia do discurso


e o define como um determinado tipo de sítio, lugar ou espaço, que existe em qualquer
civilização e que surge junto com a sua criação: é bem definido geograficamente e está fora de
todos os outros lugares, consequentemente, isolado de certa forma. Estes sítios são nomeados
de Heterotopias em contraposição às utopias.

Para Foucault o século XIX foi o século dos obcecados com a história, com o passado,
com o tempo e isso provocou acúmulo e sobreposição do próprio tempo sobre si mesmo. Mas
o tempo que ocupamos agora e até então, é o tempo da preocupação com o espaço, já que
5
vivemos a época da simultaneidade, em que algo é próximo e longínquo ao mesmo tempo, em
que os lugares estão justapostos e não se opõe, no sentido de que são uma face de um mesmo
sólido geométrico de demasiadas faces. A nossa experiência de mundo se assemelha mais a
uma rede do que a uma progressão cumulativa.

Contudo, apesar de ser uma preocupação do agora, o espaço possui sua história na
experiência Ocidental, na qual este espaço era amarrado ao tempo e possuía suas dicotomias e
uma hierarquia acabada: o que o filósofo chama de espaço da disposição, em que cada coisa
tinha seu sítio específico: “essas oposições e intersecções de lugares formavam uma hierarquia
acabada e é o que nós podemos indicar, ainda que muito imperfeitamente, como espaço
medieval: o espaço em que cada coisa é colocada no seu sítio específico, o espaço da
disposição” (FOUCAULT, 1967). Na Idade Média os lugares estão associados à vida do
homem, então sempre havia a dicotomia em relação aos lugares. O lugar que não era sagrado,
por sua vez, era considerado profano e proibido, havia o protegido e o exposto, o urbano e o
rural, entre as teorias cosmológicas do lugar celeste e do supraceleste, e da ideia do lugar da
estabilidade natural contra a ideia das coisas deslocadas e realocadas em outro lugar.
Galileu1 expande o espaço ao infinito quando redescobre que a Terra gira em torno do
Sol, e não o contrário, causando um abalo não apenas na concepção de “infinito”, porém de sua
ideia de que os objetos não estavam lá fixos em seus determinados lugares. Perde-se o sentido
da estabilidade natural, pois agora este lugar é apenas o ponto de uma rota, girando no seu ponto
e ao redor de uma outra força celestial. Do mesmo modo, associa-se a ideia de que mesmo um
objeto parado já não representa mais a estabilidade, pois representa apenas um ponto de seu
movimento, da infinita desaceleração dele. “Por outras Palavras, Galileu e todo o século
dezessete foram os primeiros de todo um movimento que substituiu a localização pela extensão”
(FOUCAULT, 1967).
Primeiro a disposição foi substituída pela extensão, que agora foi substituída pelo sítio:
a hierarquia em detrimento dos ciclos, em detrimento das redes, respectivamente. Segundo o
autor, mesmo o espaço contemporâneo ainda não foi completamente dessacralizado, quando na
modernidade certas barreiras foram mantidas. Barreiras que diferenciam o espaço público do
espaço privado, o familiar do social, o lazer e o do trabalho, dentre outros exemplos, que
demonstram a presença oculta do sagrado. “Na verdade, uma certa dessacralização do espaço
ocorreu (sublinhada pela obra de Galileu), mas ainda não atingimos o ponto ótimo dessa

1
Galileu Galilei (1564-1642). Itália. Conhecido como o “pai da ciência moderna” por revolucionar os estudos
científicos.
6
dessacralização. A nossa vida ainda se regra por certas dicotomias insuperáveis, invioláveis,
dicotomias as quais as nossas instituições ainda não tiveram coragem de se dissipar”
(FOUCAULT, 1967). Toda essa dicotomia e demarcação que buscamos fazer do espaço limita
nossa percepção a respeito do mesmo, que na verdade está imerso em quantidade

Para começar a adentrar de forma mais precisa no conceito em questão, Foucault fala
sobre as reflexões de Bachelard2 e dos Fenomenologistas: o espaço está imerso em quantidades,
é múltiplo e ao mesmo tempo fantasmático, já que em se tratando de percepção, ela acontece
no interior do indivíduo, nos espaços internos. Foucault prefere debruçar-se sobre o espaço
externo. Então, traz do pensamento fenomenológico o múltiplo e aplica o no espaço externo,
considerando que este espaço por si só é heterogêneo, já que não uma “espécie de vácuo no
qual se colocam os indivíduos e as coisas, num vácuo que pode ser preenchido de luz”, ou seja
não é um espaço que contém coisas com comportamentos lineares como o da luz. Vivemos sim
numa série de relações, que delineiam sítios decididamente irredutíveis uns aos outros e que
não podem sopre-impor” (FOUCAULT, 1967). De todos esses sítios múltiplos, o conceito de
heterotopia recai naqueles que: relacionam-se com todos os outros sítios, de uma forma que
neutraliza, secunda ou inverte a rede de relações por si designadas, espelhadas e refletidas”.

Foucault apresenta-nos o conceito de Heterotopia. Mas antes é necessário explicar a


Utopia e os chamado Contra-lugares, caminho que se desenha desde a obra As Palavras e as
coisas. Utopia, por excelência, é o não lugar, ou também, o lugar sem lugar real. Em geral as
utopias representam uma sociedade aperfeiçoada ou totalmente virada ao contrário, espaços
fundamentalmente irreais. Já os contra-lugares são lugares reais de dada sociedade onde todos
os lugares reais dessa cultura podem ser encontrados, e se podem ser encontrados, podem ser
representados, contestados e invertidos. Geralmente são lugares de passagem e de movimento,
por exemplo portos e terminais.

Dito isso, partimos então para o conceito central: a Heterotopia é algo como um
contra-sítio, uma utopia realizada, que existe em todas as civilizações e nasce com a fundação
da cidade, é um lugar geograficamente bem delimitado e que está fora de todos os outros
lugares. “Devido a estes lugares serem totalmente diferentes de quaisquer outros sítios, que eles
refletem e discutem, chamá-los-ei, por contraste às utopias, as Heterotopias” (FOUCAULT,
1967). O filósofo recorre ao exemplo do espelho para nos esclarecer sobre as utopias e
heterotopias, já que este é um exemplo que contempla ambas, sendo um exemplo de situação

2
Gaston Bachelard (1884-1962). Filósofo e poeta Francês.
7
em que há uma espécie de experiência de união entre as duas: o espelho é um lugar sem lugar,
uma virtualidade, um rastro que mostra a minha ausência no lugar onde estou me vendo - uma
utopia. Mas o espelho não é o intangível, ele existe e se contrapõe, ele nega a posição que ocupo
no tangível, pois no momento em que me vejo, desapercebo-me de onde realmente estou, para
só depois disso voltar à mim e com isso ver também o mundo ao meu redor - a Heterotopia.

Então Foucault parte para a descrição sistemática da Heterotopia, que viria a ser a
Heteropologia. O filósofo pontua os princípios desse tipo de sítio. O primeiro é que nenhuma
cultura no mundo deixa de crias suas Heterotopias, no entanto ela assume variadas formas para
diferentes culturas. Sendo assim, tais Heterotopias, as que existem em quaisquer civilização e
nascem com a sua fundação, serão classificadas em duas categorias: as de crise e as de desvio.
As de crise eram comuns nas sociedades mais primitivas e compreendiam o lugar sagrado ou
proibido em que indivíduos considerados em crise pelos outros componentes da sociedade eram
isolados: mulheres grávidas ou menstruadas, adolescentes, etc. O internato é um exemplo
destas, apesar de ser uma realidade dos séculos XIX/XX, já que neste lugar o rapaz é afastado
do seu lugar de origem para suas primeiras manifestações de virilidade, assim como a viagem
de lua de mel é para a noiva, nesse mesmo sentido. As Heterotopias de desvio são mais comuns
atualmente, já que lá são colocados os indivíduos que o comportamento ou necessidade foge à
norma ou média, exemplos desses lugares são as casas de repouso, hospitais psiquiátricos, e, é
claro, os presídios.

O segundo princípio vem da sobreposição, do acúmulo da função de um lugar, de um


espaço, em função do tempo em que ocupa. Por exemplo, o cemitério: até o fim do século XVIII
no ocidente ocupava o centro da cidade juntamente com a igreja, mas a mudança dos credos,
que caminharam para o não crer, mudou a relação com os mortos, que passaram a não estarem
em seus caixões esperando pela ressurreição. Dessa forma, o corpo - já “sem alma” - passa a
ser o último rastro da passagem de alguém pelo mundo e esse alguém, então, merece sua própria
caixinha para definhar. Num movimento contrário, os cemitérios apartam-se da igreja e passam
a ser construídos nas linhas exteriores da cidade, como se os mortos trouxessem a morte. Tal
fato lembra bastante a forma que Caio Fernando de Abreu3 se pronuncia sobre a morte: somos
hipocritamente imortais e sentimos o impacto de sermos lembrados que não somos. “Deve ser
por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela
acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a

3
Caio Fernando Loureiro de Abreu (1948-1996). Jornalista, Dramaturgo e Escritor brasileiro.
8
suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo “eterno”) cotidiano. A morte de
alguém conhecido ou/e amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade”
(ABREU, 1986), este trecho da crônica Em Memória de Lilian também nos remete a ideia de
que a Heterotopia quebra a sintaxe do discurso, tal qual é dito em As Palavras e as coisas.

O terceiro princípio é de que a Heterotopia consegue sobrepor num espaço, diversos


espaços, por exemplo a mudança de cenários de um teatro, a mudança que acontece na tela de
um cinema e o mais antigo: os jardins, que reúnem o sagrado, um pouco do mundo inteiro e
que já tiveram sua significação alterada.

O quarto princípio é de que as Heterotopias podem ser aqueles lugares que visam uma
espécie de pequenas acumulações de tempo, que por muitas vezes acabam por quererem ser
uma acumulação perpétua do tempo. Por exemplo, as Heterotopias acumulativas: lugares em
que diferentes coisas de diferentes tempos são organizadas e estruturadas para não serem
desgastadas ou perdidas. As bibliotecas são um exemplo disso, assim como museus, em suas
configurações ocidentais modernas. O cemitério também se enquadra nessa Heterotopia, ou
como Foucault chama, Heterocronia, por analogia. Mas também existem aquelas heterocronias
de festival, que estão relacionadas ao tempo transitório, como as colônias de férias, os circos,
as feiras.

O quinto princípio é de que a Heterotopia pressupõe de um princípio de abertura e


encerramento, que as torna tanto herméticas quanto penetráveis, geralmente se entra em uma
Heterotopia de forma compulsória ou rodeada de rituais e repetições. Lugares de rituais de
purificação, por exemplo. Há ainda os lugares que são ao mesmo tempo acessíveis e
inacessíveis, como quartos para estrangeiros que existiam em casas coloniais na América do
Sul, em que pela sua conformação não permitia o acesso ao restante da casa, mas se estava
dentro dela. Um exemplo atual são os motéis: o sexo ilícito é permitido e ao mesmo tempo
escondido, um lugar em que só pelo fato de se estar se é excluído e abrigado.

Por fim, o princípio das Heterotopias que dão função ao espaço que sobra,
desdobrando-se em polos extremos. Tem o papel de ser ou criar um espaço ilusório que espelha
todos os outros espaços reais, onde a vida é compartilhada, e expondo-os como ainda mais
ilusórios. Segundo Foucault, esse espaço poderia ser ter tão perfeito e meticulosamente
organizado que entra em desconformidade com nossos espaços desarrumados e mal
construídos, essa heterotopia já não seria de ilusão, mas de compensação. Os bordéis e as
colônias são exemplos disso: buscam uma perfeita organização, linear, hierárquica, mas em que
9
nada condiz com a organização real e maltrapilha. A construção do distrito federal de Brasília
é um bom exemplo, já que busca essa organização do espaço que é um tanto ilusória na prática
e que em nada, quanto à questões organizacionais do espaço, é a realidade do Brasil que se
ergue ao redor.

No final de sua fala, Michel Foucault coloca o navio como Heterotopias por
excelência: “Um navio é um pedaço flutuante de espaço, um lugar sem lugar, que existe por si
só, que é fechado sobre si mesmo e que ao mesmo tempo é dado à infinitude do mar. E, de porto
em porto, de bordo a bordo, de bordel a bordel, um navio vai tão longe como uma colônia em
busca dos mais preciosos tesouros que se escondem nos jardins. […] O navio é a heterotopia
por excelência. Em civilizações sem barcos, esgotam-se os sonhos, e a aventura é substituída
pela espionagem, os piratas pelas polícias”. (FOUCAULT, 1967) Ou seja, em uma civilização
sem Heterotopias, sem este lugar do outro, do diverso, não existiram sonhos e só policiais que
vigiam, punem e buscam a normatização, seria um mundo nada fácil de viver.

Figura 1: Las Meninas, Diego Velásquez, 1656.

Feita este apanhado heteropológico, já podemos direcionar nosso olhar para o campo
das artes. De cara lembramos da tela sobre a qual Foucault trata no primeiro capítulo de As
10
Palavras e as coisas: As meninas de Velásquez (figura 1). Num olhar atento à pintura, Foucault
observa o pintor e o seu objeto, a representação que ele se aplica em produzir, o seu modelo.
Este pintor olha para nós, espectadores e nós o olhamos de volta. Seríamos então o modelo?
Estaríamos então, no momento em que percebemos o olhar do pintor sobre nós dentro da
situação virtual? Estaríamos nesse lugar sem lugar, que também é tangível e nega o lugar onde
estou da mesma forma que um espelho?

Foucault diz: o que olha – espectador/pintor - e o que é olhado – pintor/espectador -


permutam-se incessantemente. “A fixidez opaca que ela faz reinar num lado torna para sempre
instável o jogo das metamorfoses que, no centro, se estabelece entre o espectador e o modelo.
Porque só vemos esse reverso, não sabemos quem somos nem o que fazemos. Somos vistos ou
vemos? O pintor fixa atualmente um lugar que, de instante a instante, não cessa de mudar de
conteúdo, de forma, de rosto, de identidade [...] De sorte que o olhar soberano do pintor
comanda um triângulo virtual, que define em seu percurso esse quadro de um quadro: no vértice
— único ponto visível — os olhos do artista; na base, de um lado, o lugar invisível do modelo,
do outro, a figura provavelmente esboçada na tela virada” (FOUCAULT, 1966, p.05). Como
vimos, esse lugar que sobrepõe e não cessa em mudar, que acumula, é uma heterotopia, por isso
que este conceito é mencionado no prefácio de As Palavras e as coisas e trabalhado no primeiro
capítulo da obra.

Podemos olhar para a fotografia de forma semelhante, ainda pensando na analogia do


espelho. A fotografia registra um determinado espaço num determinado tempo que é
infinitamente breve. No entanto, mesmo que seja um instante tão breve que quase não existe,
afirma-se enquanto realidade ao registrar aquele espaço real naquele momento. Esse lugar
virtual da fotografia, em um tempo que já se foi, é um lugar Heterocrônico. É um lugar em que
o diverso é representado pelo tempo das coisas que já passaram e que por meio da fotografia
ainda estão ali negando o agora. É a tal da quebra no linear, afinal a fotografia não deixa de ser
sobre simultaneidade. Vejamos esta foto de Felix Nadar (figura 2), um dos nomes que se
imortalizaram no início da história da fotografia, sendo um dos poucos representantes da
fotografia que ainda possuía a aura, conceito de Walter Benjamin, que diz respeito a atmosfera

11
que existia nas fotografias do século XIX, gerada pela mão do artista que criava seus artifícios
para alcançar a imagem perfeita.

Figura 2: Sara Bernhardt, Felix Nadar, 1859.

Mas ao pensarmos na heteropologia, que pressupõem a existência de um espaço físico


e geograficamente bem delimitado, se torna uma reflexão mais complexa em torno da questão:
qual seria este lugar da arte, esta utopia realizada, este encadeamento de sítios fora de todos os
outros? Seria ele os museus, as galerias? Seria ele os muros da cidade urbanizada? Seria ele os
espaços de pesquisa em arte? Os espaços acadêmicos?

Vamos pensar em uma das obras do artista carioca Hélio Oiticica, os Parangolés
(figura 3), que aconteciam da seguinte forma: existiam as estruturas feitas de camadas de pano
coloridos e que precisavam serem vestidas para emergirem em forma de arte por meio do
movimento do corpo, em consequência e como finalidade, das cores. Os parangolés não
precisavam estar em um museu para estarem no circuito da arte e nem pediam ao espectador a
função de observador. A obra e o espectador, de forma semelhante ao exemplo das Meninas,
no momento em que os parangolés emergiam enquanto arte, tornavam-se a mesma coisa e ainda
assim duas coisas diferentes, estavam em um movimento que “não cessa de mudar de
conteúdo, de forma, de rosto, de identidade”. Naquele momento o espaço da arte era o corpo
e seu meio de efetivação. Portanto, neste caso e circunstância, o corpo é o lugar em que diversas

12
significações de corpo e de arte se encadeiam, um dos princípios tratados anteriormente. Além
disso, o corpo torna-se uma espécie, dada as diferenças, de heterocronia de festivais, que dizem
respeito à este tempo transitório e efêmero, neste caso, o efêmero momento em que se veste o
parangolé e se dança. Eu me nego enquanto espectador, passo pela situação de corpo-arte para
só então voltar ao lugar que ocupo. Este corpo é uma heterotopia, é um corpo multifacetado
naquela circunstância, um corpo ressignificado, que também ressignifica a relação entre a arte
e o espectador.

Figura 3: Parangolés, Hélio Oiticica, 1960.

Deste exemplo vem à tona a questão do corpo. Segundo Nietzsche não existe a
separação entre a alma (intangível) e o corpo (tangível), até porque ele tenta, em toda sua obra,
romper com as dicotomias vigentes e tão disseminadas pela tradição. Portanto o indivíduo passa
a ser composto de uma coisa só, e dentro dessa coisa só: a alma e o corpo, o imaterial e o
material, duas faces de uma mesma moeda, ou melhor, duas faces simultâneas em um mesmo
sítio. Nesse ponto fica evidente a leitura de Foucault da obra de Nietzsche, pois como vimos
anteriormente, a simultaneidade permeia o conceito de Heterotopia. Para Friedrich Nietzsche
o corpo era composto de uma multiplicidade de forças em conflito, mas que dependiam umas
das outras para funcionarem. A consciência não era superior para o filósofo - como a tradição
costuma considerá-la - é apenas mais uma das forças que exerce suas funções orgânicas. Se
levarmos a discussão por este viés, todo o processo criativo e racional, que acontece na
consciência e faz da arte previamente uma ideia, um conceito a ser trazido à materialidade por
meio da sensibilidade, faz parte do corpo. A execução vem do corpo, mas a ideia reside no

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corpo. O corpo é o lugar da arte enquanto conceito. E não só isso, o corpo é Heterotopia, é
simultaneidade, encadeamento de forças: o lugar da arte é uma heterotopia.

Não só por esse viés podemos chegar a tal conclusão, se levarmos em conta a
consideração de alguns estudiosos sobre o indivíduo pós-moderno. O jamaicano Stuart Hall,
por exemplo, trabalha com a ideia de fragmentação do núcleo do sujeito pós-moderno em seu
livro A identidade cultural na pós-modernidade, 1996. Depois do sujeito ser constituído de um
núcleo imutável - sujeito cartesiano - e na modernidade de um núcleo que dialoga com o meio
- sujeito moderno -, o núcleo é fragmentado na pós-modernidade. Agora o sujeito possui
múltiplas e simultâneas identidades, que podem ser, até mesmo, contraditórias. Por exemplo
um juiz negro que apoia ideias conservadoras, como Hall exemplifica. Apesar de o
conservadorismo não apoiar ideias progressivas quanto a questão racial, ou seja, não achar que
existir um juiz negro seja certo, este juiz negro adota essa visão conservadora que o nega. Isto
faz desse indivíduo uma Heterotopia, ainda mais se pensarmos na Heterotopia como a quebra
da sintaxe do discurso, já que este sujeito não segue uma lógica linear e hierárquica, a lógica
do sujeito pós-moderno é simultânea. Se o espaço da arte pode ser o corpo e este corpo, o espaço
inteiramente pertencente a este indivíduo, o lugar-diverso da arte é, por consequência, o corpo.

CONCLUSÃO
Michel Foucault instigou não somente seus alunos, mas todo um posterior de estudos
relacionados ao espaço, ao tempo, e principalmente o estudo do conceito de Heterotopia. Ele,
o arqueólogo do silêncio imposto ao louco, atreveu-se a dar voz aos excluídos, aos que
divergiam da norma, exilados. A Heterotopia se mostra - num primeiro momento em As
Palavras e As Coisas - como aqueles lugares ou aquelas artes ou aquelas pessoas que quebram
com a ordem do discurso, que causam incômodo por não seguirem a lógica vigente, o louco.
Num segundo momento, em conferência, o conceito se mostra como um sítio no qual são
colocados os outros, os diversos, aqueles que fogem à norma, servindo para isolá-los e/ou
protegê-los e/ou purificá-los. Cada cultura, nas suas formas mais primitivas ou atuais, têm as
suas próprias Heterotopias, com sua particular importância social, lugares específicos ao redor
de onde elas se desenvolvem ou nos lugares onde ela se desenvolve isolada. Por todos esses
motivos é importante compreendê-las no seu contexto e mais importante ainda constatar sua
existência em nosso espaço e tempo, como foi feito ao longo do trabalho.

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Percebemos que estes sítios estão mais perto de nós do que imaginamos, estão tão
perto que somos, ou podemos ser, Heterotopias. É nesse ambiente que Heterotopia se
manifesta também na arte, no corpo-arte, desde suas formas mais clássicas até alcançar suas
formas mais recentes, da dança até a performance, e além: na ideia, no corpo e na alma. No
campo da arte, a Heterotopia busca o outro, o diferente no espectador e na sua forma de
percebê-la, ela busca a forma como que este outro participa da obra; como ele a percebe no seu
tempo fazendo uma analogia com o tempo da obra, participando de ambas atemporalidades.

O fato é que a Heterotopia insiste em sobreviver, ela sobrevive, nós sobrevivemos, à


discursos como: uma obra “não é arte se o que ela mostra diverge da minha moral religiosa ou
me incomoda” - caso do Queermuseu; ou discursos como “não se pode ser mulher sem se ser
mãe” ou “não se pode ser homem sem ser rude”. São inúmeros exemplos do discurso
normatizador, porquanto não atingimos o ponto ótimo e ainda existem muitos policiais que
tentam nos limitar à uma cartilha de comportamentos a serem seguidos - sejam eles
progressistas ou conservadores. Por fim, sem estes sítios, estas utopias realizadas, não
conseguiríamos ser o que todos, sem exceção, somos: o outro, o diverso.

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REFERÊNCIA
BIOGRAFIA DE MICHEL FOUCAULT. ESTUDO PRÁTICO. Disponível em:<
https://www.estudopratico.com.br/biografia-de-michel-foucault/> Acesso em: 23 maio 2018
ABREU, Caio Fernando de. Em memória de Lilian. In.: Pequenas Epifanias. 4. edição. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2014.
BARROS, Thiago. O corpo na Filosofia de Nietszche. Rio de Janeiro: Revista Trágica: Estudos
sobre Nietzsche, 2010. Disponível em:<http://tragica.org/artigos/v3n2/tiago.pdf> Acesso em:
28 maio 2018.
BENJAMIN, Walter. A pequena história da fotografia. In.: Magia e Técnica, Arte e Política.
Coleção Obras Escolhidas. 3a. edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
PARANGOLÉ . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2018. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3653/parangole>. Acesso em: 28 de Mai. 2018.
Verbete da Enciclopédia.
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(Comunicação oral)
HALL, Stuart. A Identidade em Questão. In: A Identidade cultural na pós-modernidade. 10.
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