A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
p.313> “A partir de que momento, no governo Médici, o senhor soube que seria
o próximo presidente da República?
Fixar o momento, a data, em que surgiu minha candidatura, eu não sei. Com o
decorrer do tempo, começou-se a cogitar e a conversar sobre a sucessão,
especulando sobre quem seria o futuro presidente. Houve tentativas de se
prorrogar o mandato do Médici, mas ele reagiu a isso, não aceitou. Começou-
se a falar em vários nomes, entre eles o meu. Dizia-se que a ala castelista
estava trabalhando para eu ser presidente. Admito que alguns quisessem essa
solução, não tinham poder nem influência.”
p.316> “(...) Quando assumi a presidência, estabeleci que meu propósito era
alcançar a normalização da situação no país, mas que essa operação tinha que
ser feita com segurança. Não se podia liberar o país e daí a pouco ter que
voltar atrás. Era uma operação gradativa, lenta. Esse era mais ou menos o
conceito que se tinha dentro das Forças Armadas. Não se poderia, de repente,
estabelecer a liberalização de todos os problemas, porque as forças
subversivas continuavam. Em menor ritmo, em menor escala, mas
continuavam. Conspiração daqui, conspiração dali, movimento aqui, um roubo
de banco ou de armas acolá, um assassinato etc.”
p.317> “Como foi a transição para o seu governo? Enquanto o senhor queria
normalizar o país, o pessoal que estava no governo Médici não queria...
É, levou tempo para se chegar ao fim dessa história. Médici ainda
sofria muito a influência da linha dura. O pessoal daquele tempo, de
um modo geral, talvez meu irmão também, ainda achava que a luta
continuava. Eles olhavam esse problema com muita intransigência.”
p.330> “Pelo visto, nas escolhas para a área militar contaram muito suas
relaçõespessoais, de confiança.
Sim. No ministério civil havia ministros que eu nem conhecia, que vim a
conhecer depois. Mas a área militar, para mim, era mais sensível. Vejam como,
nessas escolhas, o problema era de relacionamento: na Aeronáutica eu tinha
escolhido o Araripe, que aliás já tinha sido ministro do governo Médici, depois
da demissão do Márcio de Melo. Mas por que eu escolhi o Araripe? Porque ele
era meu colega, meu companheiro, meu amigo de muitos anos. Foi para a
aeronáutica, eu fui para a artilharia, mas tínhamos boas relações. Eu sabia
quem era o Araripe.”
p.332> “Desde o início estava certo que o general Golbery ficaria no Gabinete
Civil?
Não. Pensei no começo em colocá-lo no Planejamento. Mas depois
começamos a ver o problema do Veloso, e aí a melhor solução foi o Golbery
chefiar a Casa Civil. Inclusive porque ficaria muito mais em contato comigo. Na
realidade, Golbery era um homem que podia ir para qualquer ministério.”
p.355> “Em seu governo a inflação era considerada uma variável secundária
em função da retomada do crescimento?
Não, era preocupante. Simonsen de vez em quando arrancava os cabelos e
vinha a mim com o problema da inflação. Pensávamos na inflação,
procurávamos adotar medidas para reduzi-la, mas não era o problema número
um do governo. Nosso problema número um era desenvolver o país, dar
emprego, melhorar as condições de vida da população. Para tanto, tivemos
que recorrer ao crédito externo, que na época era muito favorável. Havia muito
dinheiro disponível no exterior, proveniente da reciclagem da receita auferida
pelos países da Opep, os célebres petrodólares. E o Brasil tinha muito crédito.”
p.362> “O orçamento ia para o Congresso, mas parece que não era discutido
exaustivamente pelos parlamentares, não é?
O orçamento passava pelo Congresso para o necessário exame e aprovação,
e era discutido. O que o Congresso não podia fazer era incluir novas despesas,
de interesse dos deputados e senadores.”
p.383>” Seus ministros sentavam com o senhor para decidir as obras a serem
cortadas quando os recursos começavam a escassear?
Entre outras obras, eles cortaram a ferrovia primeiro. Achavam que a ferrovia
no momento não era tão necessária e que havia outras coisas mais urgentes. E
a opinião deles era muito razoável. Eram corresponsáveis, e eu não podia dizer
teimosamente: "Não, não corto, quero continuar com ela". Essa imagem do
ditador que se apresenta a meu respeito não era bem assim. Meu governo era
um governo cordato e que sempre procurou o consenso.”
p.388> “Em sua opinião, o que acontece com o dinheiro da saúde? Qual é o
"buraco negro"?
Não sei. Acho que é a desonestidade. A pretexto de que o médico pode ter
vários empregos, ele é mal pago pelo governo. Todos, de um modo geral, são
mal pagos. Havia aqui no Rio de Janeiro um grande hospital, o dos Servidores
do Estado. Hoje em dia está decadente. Era um hospital extraordinário.”
p.397> “Um outro problema que é estrutural no Brasil e que no seu governo até
apresentou uma melhora substantiva é o da concentração de renda. O
Brasil tem uma das maiores concentrações de renda do mundo. Qual é sua
compreensão sobre isso?
Meu governo mudou um pouco o perfil nessa matéria. Uma das teses que
parecem muito simpáticas diz: vamos tirar dos ricos para distribuir. Mas isso
não pode ser assim. O rico, pelo fato de ser rico, não é condenável. O rico é
condenável pela má aplicação que faz da sua fortuna. Entretanto, se aplicar os
seus recursos para desenvolver o país, para criar empregos, seja numa
indústria, seja no comércio, na agricultura, seja no que for, ele é muito bem-
vindo. Mas no Brasil o que vigora é isso: vamos acabar com os ricos para
melhorar as condições dos pobres. Aliás, no Brasil os ricos são poucos. A
quantidade de riqueza disponível em função da população é ínfima, não dá
para nada. Se tomarem o dinheiro dos ricos para distribuí-lo entre os pobres,
no sentido de estabelecer um equilíbrio de recursos, todos vão ser pobres.
Então, não é por aí que o problema se resolve. O problema se resolve
assegurando-se o desenvolvimento do país.”
p.398> “O senhor lembra que, no governo Médici, Delfim Neto dizia: "Vamos
deixar crescer o bolo para depois dividir"? O que o senhor pensa disso?
Quando e onde ele vai dividir? A divisão tem que se fazer na formação do bolo,
dividir depois é uma utopia. Uma vez o bolo formado, quem ficou com ele vai
reagir para não dividir. É possível que nessa concepção Delfim talvez não
tenha se explicado direito. Não dá para pensar em fazer o bolo primeiro para
depois dividi-lo. O que o governo tem que fazer é criar condições que
estimulem o homem de dinheiro a investir. Hoje em dia, infelizmente, ele vai
investir em banco. Não estou dizendo que os bancos não sejam necessários,
mas sim que não o são na quantidade que temos. O negócio é tão bom que já
há uma quantidade enorme de bancos estrangeiros no país. Agora vejam:
pelos dados do Ipea a situação no meu governo melhorou um pouco. Seria
bom que houvesse continuidade. E será que houve continuidade? Acho que
não.”
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