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——————————————————— Haimatocare E. T. A. Hoffmann ——_—— SS Introdugao As cartas seguintes, relativas a sorte infeliz de dois naturalistas, e que me foram comunicadas por meu amigo Adalbert von Chamisso, logo apés a sua notavel viagem no decorrer da qual deu uma volta e meia ao globo, parecem dignas de conhecimento publico. Nelas se percebe, com pesar ¢ até com espanto, como um in- cidente de aparéncia inécua pode muitas’vezes romper com violencia os lagos mais estreitos de uma amizade intima, ocasionando terriveis catdstrofes quando nos julgévamos com direito a aguardar os acontecimentos mais benéficos. E.T. A. Hoffmann. ‘A. S. Ex.* 0 Comandante-Geral e Governador de Nova Gales do Sul Port Jackson, 21 de junho de 18. Houve por bem V. Ex. mandar meu amigo o Sr. Broughton acompanhar, na qualidade de naturalista, a expedicao que se encaminha para O-Wahu. Ha muito tempo é meu desejo mais ardente voltar a visitar essa ilha, visto como a brevidade da minha tltima estadia no me permitiu obter os esperados resultados de varias observacdes do mais alto interesse, relacionadas com as ciéncias naturais. Esse desejo renasce agora com dupli cada vivacidade, pois o Sr. Broughton e eu, ligados es- treitamente pela ciéncia € por pesquisas andlogas, es- tamos habituados, ha muito, a proceder juntos a nossas observagdes e a ajudar-nos reciprocamente, comunican- do-as sem demora um ao outro. Eis porque peco a V. Ex. se digne permitir que acompanhe meu amigo Broughton na expedicao de O-Wahu. Subscrevo-me, ete. J. Menzies. _P. S. Aos pedidos e desejos de meu amigo Menzies reiinem-se os meus no sentido de V. Ex.* dignar-se au- torizar que ele me acompanhe a O-Wahu. Somente co- laborando com ele, e se com a afeigao costumeira ele compartilhar dos meus esforcos, poderei cumprir 0 que se espera de mim. A. Broughton. te Resposta do Governador Noto com sincero prazer, meus senhores, que a ciéncia vos ligou por lacos de amizade tao intimos que dessa bela uniao, desse esforco conjugado, é licito espe- rar os mais ricos e espléndidos frutos. Por este motivo, embora 0 Discovery esteja com a equipagem completa ¢ com pouco espaco, autorizo o Sr. Menzies a acompanhar a expedigao a O-Wahu, e transmito simultaneamente a0 Capitdo Bligh as instrugoes necessarias. (a.) 0 Governador. m1 J. Menzies a E. Johnstone, Londres A bordo do Discovery, 2 de julho de 18. ‘Tens razao, meu querido amigo: quando te escrevi a Ultima vez, estava realmente perseguido por um acesso de esplim. A vida em Port Jackson entediava-me sobremaneira, dando-me saudades pungentes do meu magnifico paraiso, 0 encantador O-Wahu que deixara pouco antes. Meu amigo Broughton, homem sabio e jo- vial ao mesmo tempo, foi a tinica pessoa que me conse- guiu alegrar e manier vivo o meu interesse pela ciéncia, mas ele também estava impaciente de sair de Port Jackson lugar que oferecia pouco alimento & nossa cu- riosidade pesquisadora. Se nao me engano, ja te escrevi que ao rei de O-Wahu, chamado Teimotu, fora prome- {ido um belo navio que seria construido e aparelhado em Port Jackson. Pronto 0 navio, 0 Capitao Bligh teve or- dem de o levar para O-Wahu e ali permanecer algum tempo a fim de estreitar as relacdes de amizade com Teimotu. Meu coragao palpitava de prazer, pois estava certo de acompanhar a expedi¢ao; senti-me, pois, como fulminado num dia de sol ao’ saber que 0 governador mandara embarcar Broughton. O Discovery, escolhido para a expedicao, é um navio de tamanho reduzido, que ao pode acolher passageiros além da tripulagao neces- saria, e, portanto, 0 meu pedido para acompanhé-lo ti- nha poucas probabilidades de ser atendido. Mas Brough- ton, esse nobre coragao, que me é inteiramente dedica- do, apoiou 0 meu pedido de modo tao eficaz que 0 go- vernador acabou por consentir. Pelo sobrescrito da pre- sente veras que os dois, Broughton e eu, jé iniciamos a viagem. ‘Que vida magnifica me espera! Dilata-se-me 0 cora- ao de esperanca ¢ ansiosa saudade ao pensar como diariamente, e até de hora em hora, a natureza me reve- lard 0 seu rico tesouro, para eu encontrar, por fim, a joia nunca escontrada, para eu me apoderar da maravi- Tha nunca vista! Vejo-te sorrir ironicamente ao ler essas palavras en- tusidsticas, ougo-te dizer: — “Pois sim! ele me voltara com um Swammerdam inteiramente novo no bolso; mas. se eu o interrogar acerca das tendéncias, dos costumes, dos usos, da maneira de viver dos povos estrangeiros que ele tiver visto, se eu desejar saber desses pormeno- res que nao estao em nenhum relatorio de viagem, que nao se comunicam senao oralmente, ele me mostrara umas enfiadas de corais, uns mantos, sem quase mais nada. Suas tracas, seus escaravelhos, suas borboletas, fazem-no esquecer o homem.” Achas estranho, bem o sei, que minha curiosidade me leve precisamente para o reino dos insetos. Nada te Posso responder, a nao ser que foi este, em verdade, 0 pendor que 0 poder eterno me inoculou tao profunda- mente que todo o meu eu esta inseparavelmente ligado a ele. Mas nao deves acusar-me de negligenciar ou es- ‘quecer os homens e até parentes, amigos, enlevado por este interesse que tu achas estranho. De qualquer ma- neira, nunca chegarei ao ponto de agir como um velho tenente-coronel holandés que... sim, deixa-me contar por mitido uma historia que agora me ocorre, para te desarmar depois pela comparacao que teras de estabele- cer entre mim e 0 protagonista da mesma. Pois o velho tenente-coronel, que conheci em Koenigsherg, era, em matéria de insetos, 0 pesquisador mais fervoroso, mais incansavel que j4 houve. O resto do mundo nao existia para ele, ¢ a sua Gnica manifestacao para com a socie- dade humana era uma avareza das mais insuportaveis € ridiculas, sem falar da idéia fixa de que um dia seria envenenado por meio de um desses paezinhos de trigo que em alemao se chamam Semmel. Ele mesmo fazia um paozinho assim todas as manhas, levando-o consigo cada vez que era convidado a comer fora, e nao havia meio de fazé-lo engolir outro pio qualquer. Como prova de sua avareza louca, contenta-te com 0 fato de que ele, hhomem ainda forte apesar da idade, passeava pelas ruas com os bragos a abanar afastados do corpo, para nao puir o velho uniforme, conservando-o, assim, por mais tempo. Mas voltemos ao assunto. O velho nao tinha pa- rente algum neste mundo, salvo um tinico irmao, que vivia em Amsterdam. Durante trinta anos os irmaos nao se tinham visto; entao o de Amsterdam, impelido pela saudade do outro, pos-se a caminho de Koenigsberg. En- tra no quarto do velho. Este, sentado a uma mesa, de cabeca curvada, contempla, com uma lente, um ponti- nho preto numa folha branca. O irmao solta um grito de alegria, quer cair nos bracos do outro, mas este, sem ti- rar os olhos do papel, faz-lhe apenas um gesto com a mao, dizendo: — "Si-iléncio!” — “Meu irmao — ex- clama o recém-chegado — meu irmao, que estas fazen- do? Eis aqui teu irmao Jorge, vindo de Amsterdam, para ver-te ainda uma vez nesta vida, depois de uma separa- go de trinta anos!” Mas 0 velho, sem se mexer limita- se a cochichar: — “Psiu! O bichinho esta morrendo!” Sé entéo notou 0 de Amsterdam que o pontinho preto era um insetozinho que se torcia ¢ debatia nas convulsdes da morte. Respeitando a paixao do irmao, senta-se a0 lado dele, calado. Mas uma hora inteira se passa sem gue 0 velho Ihe dé.a menor atencao, até que o mais mogo se levanta de um salto, sai do quarto com uma cabeluda praga holandesa, volta imediatamente para ‘Amsterdam, tudo isso sem que 0 velho tome conheci- mento dele! Pergunta-te a ti mesmo, Eduardo, o que eu faria se tu entrasses de repente na minha cabina e me encontrasses absorto na contemplacao de algum inseto notavel: pensas que eu continuaria a examinar o inse- to sem me mexer, ou que te cairia nos bragos? Também nao esquecas, meu caro amigo, que o reino dos insetos 6 justamente 0 mais admiravel, 0 mais mis- terioso de toda a natureza. Ao passo que meu amigo Broughton se dedica ao mundo das plantas ¢ ao dos animais inteiramente formados, eu me acampei no reino desses estranhos seres, muitas vezes impenetra- veis, que constituem a transicao e 0 lago entre os dois. Mas vou terminar esta, para nao te cansar; deixa-me acrescentar apenas, a fim de trangiulizar de todo o teu espirito poético, que um espirituoso poeta alemao Se ee eee aca colorido — flores soltas. Deleita-te, pois, com esta linda imagem! 8 ‘Afinal de contas, para que falar tanto a fim de justi- ficar a minha predilegao? Nao sera para me persuadir a mim mesmo de que é unicamente o impulso da pesquisa que me leva de modo irresistivel a O-Wahu, e que nao vou ao encontro de algum acontecimento incrivel de que tenho 0 estranho prességio? Sim, Eduardo, agora mesmo este pressentimento me agarrou com tal forca que nao consigo escrever mais, Tomar-me-és por um sonhador tolo: seja como for, afigura-se-me claramente que em O-Wahu me espera ou a maxima ventura ou uma inevitavel desgraca. Teu fiel, ete, Ww Mesmo ao Mesmo Hanaruru de O-Wahu, 12 de dezembro de 18... Naol eu nio sou nenhum sonhador, mas ha pres- sentimentos — pressentimentos que nao enganam! Eduardo, sou o homem mais feliz que 0 Sol cobre, che- guei ao apogeu da vida. Mas como te contar tudo para que sintas perfeitamente a minha delicia, o meu indizi- vel encanto? Quero-me acalmar, quero ver se consigo relatar-te sossegadamente como tudo aconteceu. ‘Nao Jonge de Hanaruru, residéncia do rei Teimotu, onde este nos acolheu com amizade, existe um agrada- vel bosque. Ontem, ao por-do-sol, ful dar um passeio ali. Propunha-me apanhar uma borboleta muito rara (0 nome no te interessaré), que principia seu doido véo circular apés 0 cair da noite. A atmosfera estava mor- macenta, impregnada do aroma de plantas cheirosas. Ao entrar no bosque, senti uma Ansia estranhamente doce, vi-me sacudido por misteriosos calafrios que se dissolviam em suspiros de saudade. A borboleta notur- na, a procura da qual eu partira, levantou-se diante de mim, porém meus bracos pendiam sem forga, parei como que imobilizado ¢ nao pude mais perseguir o lepi- déptero, que desapareceu entre as arvores. Nesse ins- tante sénti-me atraido por mos invisiveis a uma moita que me chamava com um murmirio, um sussurro de folhas suave como palavras de amor. Mal me embrenhei na moita, avistei — Deus do Céu! — deitada num gar- rido tapete de brilhantes asas de pomba, a indigena mais linda, mais bela, mais amavel que ja vi! Alias, apenas 0s contornos mostravam que aquele meigo ser pertencia a raga desta ilha. Sua cor, seu aspecto, suas atitudes eram totalmente diversas. Perdi a respiracao num delicioso espanto. Aproximei-me da pequena com cautela. Parecia dormir, Agarrei-a, levei-a comigo: a mais espléndida jéia da ilha me pertencia! Chamei-lhe Haimatocare, forrei as paredes de seu quarto minasculo com lindo papel dourado, preparei-lhe um leito com as mesmas penas de pomba, garridas € brilhantes sobre as quais a encontrara. Parece que ela me compreende, que adivinha 0 que significa para mim! Perdoa-me, Eduar- do, tenho de me despedir de ti para ir ver 0 que faz 0 meu ser querido, a minha Haimatocare. Abro-lhe 0 quar- tinho: ei-la sentada em seu leito a brincar com as penas multicores. © Haimatocare! Adeus, Eduardo! Teu fiel, etc’ v Broughton ao Governador de Nova Gales do Sul Hanaruru, 20 de dezembro de 18. © Capitao Bligh tera feito a V. Ex. um relatorio pormenorizado acerca de nossa feliz. viagem, elogiando sem divida a maneira cordial por que fomos acolhidos pelo nosso amigo Teimotu, O rei esté encantado com 0 rico presente de V. Ex. e nao cessa de repetir que de- vemos considerar nossa propriedade tudo o que O-Wahu possui de util e precioso para nés. O manto vermelho bordado de ouro exerceu sobre a rainha Cahumanu uma impressdo tao profunda que ela perdeu sua natural ale- gria de antes, entregando-se a uma exaltacao fandtica, Logo ao amanhecer, vai a parte mais densa, mais aban- donada da floresta, ali faz toda espécie de exercicios, atirando 0 manto sobre os ombros ora desta, ora daquela maneira, em exibicdes mimicas que a noite repete ante ‘a corte reunida. Ao mesmo tempo, deixa-se freqiiente- mente assaltar por esquisito desanimo, que causa ao excelente Teimotu nao pequena preocupacao. Entretan- to, mais de uma vez, consegui alegrar a melancélica so- berana com uma refeicao de peixe frito, muito de seu agrado, principalmente quando reforcada por um bom copo de gim ou de rum, e que lhe diminui sensivelmente ‘a0s dolorosas saudades. E curioso notar que Cahumanu corre atras de nosso Menzies por toda parte, abraca-o quando nao se julga observada e Ihe da os nomes mais doces. Sinto-me inclinado a crer que esta secretamente ‘apaixonada por ele. E. com pesar, alids, que me vejo for- ado a levar ao conhecimento de V. Ex.* o fato de que Menzies, de quem tanto esperava, impede as minhas pesquisas em vez de favorecé-las. Parece nado querer Corresponder paixao de Cahumanu, mas ao mesmo tempo se mostra arrebatado por u:na paixio imprudente eu diria até perversa — que o levou a me pregar uma peca bastante desagradavel, a qual, se ele nao se livrar de sua loucura, pode separar-nos para sempre. Estou até larrependido de haver solicitado a autorizagao de V. Ex.* para ele acompanhar a expedicao; mas como podia eu Supor que um homem que em tantos anos me deu mui- tas provas de suas qualidades se transformaria com ta- manha rapidez sob a influencia de uma estranha pai- xio? Tomarei a liberdade de relatar a V. Ex. de modo mais minucioso as circunstancias de um incidente que muito me penaliza, e, se Menzies nao se emendar, pedi- rela protegao de V. Ex. contra uma pessoa que se permite atitude hostil contra quem orecebeu com amizade sincera. Subscrevo-me, etc. vw Menzies a Broughton Nao, nao possa mais agientar! Tu me evitas, langando-me olhares em que leio 0 despeito eo menos- prezo; falas em infidelidade, em traicao, de tal forma, que devo considerar tuas palavras como dirigidas a mim mesmo. Entretanto, em vao procuro em toda a série das probabilidades um’ tinico motivo que possa justificar esse procedimento para com o teu amigo mais fiel. Que fiz eu, que empreendi para te desagradar? S6 pode ser um malentendido que te haja feito duvidar um mo- mento sequer do meu afeto, da minha fidelidade. Peco- te, Broughton, esclarece o infeliz segredo. Volta a ser meu amigo, como eras outrora. Davis, que te entrega esta carta, tem ordem de pedir-te resposta imediata. Minha impaciéncia esté-se tansformando em yerdadeiro sofrimento, via Broughton a Menzies Ainda me perguntas como me ofendeste? Tal desen- voltura assenta bem, com efeito, em quem pecou de modo revoltante contra a amizade — nao, contra os di reitos geralmente concebidos pela civilizagao! Nao que- res compreender-me? Bem, gritarei entao o teu crime, bem alto, para que o mundo ouga e se espante; gritar” te-ei_ao ouvido 0 nome que designa 0 teu atentad: Haimatocare! Deste tal nome aquela que me roubaste, que guardas escondida aos olhares de todos; aquela que era minha, sim, a quem eu queria chamar de minha, com doce orgulho, em anais eternos. Mas nao, ainda nao quero desesperar de tua virtude, quero ainda acredi- tar que teu coracao fiel vencera a desgracada paixao que te arrebatou num torvelinho dos sentidos. Menzies, entrega-me Haimatocare, e hei de estreitar-te ao cora- ga0 como ao amigo mais leal, a um irmao do peito! Es- quecerei toda a dor da ferida’ que me fizeste com 0 teu ato... irrefletido. Sim, quero qualificar 0 rapto de Hai- matocare apenas de irrefletido, e nao desleal, nao sacri lego. Entrega-me Haimatocare! vin Menzies a Broughton Amigo! Que estranha loucura se apoderou de ti? Te- rei eu raptado Haimatocare? Té-la-ei raptado a ti? Hai- matocare, que, como toda a sua gente, nada tem que ver contigo; Haimatocare, que eu encontrei livre, dor- mindo no meio da natureza livre sobre o mais belo dos tapetes, ¢ a quem primeiro dei nome e estado? Na ver- dade, se me chamares desleal, devo qualificar-te de de- mente por pretenderes para ti, num acesso de abjeto ciume, aquela que se tornou minha, e minha sera para sempre. Haimatocare é minha, e hei de chamé-la minha naqueles anais em que pensavas ostentar presuncosa- mente o bem alheio. Jamais abandonarei a minha que- rida Haimatocare, darei por Haimatocare tudo, sim, até a minha vida, que sem ela nao tem sentido, 1x Broughton a Menzies Ladrao sem-vergonha! Haimatocare nada tem que ver comigo? Encontraste-a livre? Mentiroso! Entao o ta- pete sobre 0 qual ela dormia nao era de minha proprie. dade? Nao devias reconhecer, por este sinal, que Hai- matocare era minha, exclusivamente minha? Entre- ga-me Haimatocare, ou farei conhecer ao mundo o teu crime. E a ti, e nao a mim, que um citme abjeto des- vaira, Es tu que desejas gabar-te do bem alheio, mas nao 0 conseguiras. Entrega-me Haimatocare, ou eu te declaro um vil canalha! x Menzies a Broughton Tu é que és um canalha, trés vezes canalha! Nao abandonarei Haimatocare senao com a minha vida! XI Broughton a Menzies Nao abandonaras Haimatocare sendo com a tua vi- da, canalha? Esta certo, resolveremos entao a posse de Haimato- care pelas armas amanha as seis horas da tarde, no descampado de Hanaruru, ao pé do vulcao. Espero que tuas pistolas de achem em bom estado. xn ‘Menzies a Broughton Estarei_ no lugar indicado, e no tempo indicado. Haimatocare assistira a luta travada por sua posse. x © Capitao Bligh ao Governador de Nova Gales do Sul Hanaruru do O-Wahu, 26 de dezembrro de 18.. Cumpro 0 penoso dever de comunicar a V. Ex. 0 tragico incidente que nos privou de dois homens do mais alto valor. Observei, ha algum tempo, que os Srs. Men- wies © Broughton, os quais, inseparavelmente ligados por amizade intima, outrora pareciam possuir um s6 co- Fagao, uma s6 alma, se haviam desentendido, sem que eu tivesse a menor idéia quanto ao motivo dessa desin- teligéncia, Nos iltimos tempos evitavam-se cuidadosa- mente e trocavam cartas de que nosso piloto Davis era portador. Contou-me este que ao receberam cada carta a exaltagao Ihes subia de ponto, ¢ que sobretudo Brough- ton estava ultimamente todo inflamado. Ontem, Davis notou que Broughton, tendo carregado as suas pistolas, saiu as pressas de Hanaruru. Nao me péde encontrar Jogo. Quando, afinal, me comunicou a suspeita de que se poderia tratar de um duelo entre Menzies e Brough- fon, dirigi-me, em companhia do Tenente Colinet e do cirurgiao de bordo Dr. Whidby, para o descampado ao pé do vulcao de Hanaruru. Esse’ lugar me parecia 0 mais propriado para um duelo, se realmente se tratava de lal coisa. Nao me enganei. Antes mesmo que chegas- semos, ouvi um tiro, e logo em seguida, outro. Apressa- mos 0 passo quanto pudemos: contudo, chegamos tarde. Encontramos Menzies e Broughton banhados em san- gue, no chao, o primeiro ferido na cabeca, 0 segundo no peito, ambos sem o menor sinal de vida. Entre os dois’ havia apenas a distancia de dez passos, no meio da qual se achava o desgracado objeto que, segundo os papéis de Menzies, excitara o édio e o chime de Broughton, Numa pequena caixa forrada de papel dourado encon- trei, debaixo de penas brilhantes, um insetozinho de belo colorido, de forma estranha, que Davis, entendido em historia natural, pretendia ser um piolho, mas que, principalmente no tocante a cor e a forma muito parti- cular da parte traseira do corpo ¢ das patas, difere sen- sivelmente de outros insetos dessa espécie. Na tampa lia-se 0 nome: Haimatocare. ‘Menzies tinha encontrado esse animalzinho esqui to, até agora inteiramente desconhecido, no dorso de uma pomba abatida por um tiro de Broughton, e queria introduzi-lo na histéria natural sob o nome de “haima~ tocare”, que Ihe dera como seu descobridor. Broughton, Por sua vez, afirmava ser ele 0 descobridor por haver sido encontrado 0 inseto no dorso da pomba abatida por ele, e queria apoderar-se do bicho. Foi esta a origem da infausta pendéncia entre os dois nobre homens, que os levou a morte. Observo, acessoriamente, que 0 Sr. Menzies consi- derava 0 inseto de uma espécie completamente nova, colocando-o entre as espécies: Pediculus pubescens, thorace trapezoideo, abdomine ovali posterius emargi- nato ab latere undulato etc. habitans in homine, Hot- tentottis, Groenlandisque escam dilectam praebens € Nirmus ‘crassicornis, capite ovato oblongo, scutello thorace maiore, abdomine lineari lanceolato, habitans in anate, ansere et boschade. Por estas indicagdes do Sr. Menzies podera desde j V. Ex.* avaliar a singularidade do inseto em apreco. Atrevo-me a acrescentar, embora nao seja naturalista, que 0 mesmo, a um exame cuidadoso com a lente, ofe- rece algo de particularmente atrativo, devido sobretudi aos olhos brilhantes, ao dorso bem coiorido e a certa le veza dos movimentos, invulgar em animaizinhos, cidos. Aguardo as ordens de V. Ex.* para saber se dev mandar 0 agourento inseto, bem embrulhado, para museu, ou antes, como causa da morte de dois’ homen: eminentes, atird-lo ao fundo do mar. Até gue venham as ordens de V. Ex., Davis guar em seu boné de algodao a haimatocare, por cuja vida satide 0 tornei responsavel. Subscrevo-me, de V. Ex.*, etc. xIV Resposta do Governador Port Jackson, 1 de maio de 18, 0 relatério de V. S. acerca da deploravel morte do nossos dois bravos naturalistas encheu-me do mais pro- fundo pesar. Sera possivel que 0 zelo cientifico leve 0 homem a esquecer 0 que deve & amizade e, em geral, as regras de vida da sociedade civilizada? Espero que os Srs. Menzies e Broughton hajam sido sepultados da maneira mais condigna. Quanto a haimatocare, devera V.S. sepulté-la nas ondas do mar com o cerimonial de praxe, em honra dos dois malogrados naturalistas. ‘Sem mais, subscrevo-me, etc. xW © Capitao Bligh ao Governador de Nova Gales do Sul A bordo do Discovery, 5 de outubro de 18. As ordens de V. Ex.* no tocante & haimatocare fo- ram cumpridas. Em presenga da tripulacao, trajada de uniforme de gala, como do rei Teimotu e da rainha Ca- humanu, que vieram a bordo acompanhados de varias personalidades do reino, a haimatocare foi retirada do boné de algodao de Davis pelo Tenente Collnet, exata- mente as 6 horas da tarde de ontem, e posta na caixa revestida de papel dourado que Ihe servia de morada e havia de servir-the de esquife. Depois de atada a caixa a uma pedra pesada, lancei-a eu proprio ao mar, ao ri- bombar de uma triplice salva dos canhdes. Apés 0 que, @ rainha Cahumanu entoou um canto, acompanhado Wr todos os indigenas presentes, e cujos acentos ligu- res se harmonizavam com a solenidade do momento. Seguiram-se outras trés salvas e distribuicao de racées de carne e rum pela tripulagao. A Teimotu, Cahumanu © os membros de seu séquito foram oferecidos grogue e outros refrescos. A boa rainha nao se resignou ainda A morte do seu querido Menzies. Para honrar a meméria do saudoso homem ela enterrou no traseiro um grosso dente de tubarao, e ainda agora esta sofrendo de graves padecimentos em conseqiténcia da ferida. Devo ainda lembrar que Davis, que zelara com tanto cuidado a haimatocare, pronunciou um discurso muito comovedor, no qual, depois de esbogar sumaria- mente a biografia da mesma, ressaltou a condicao ef€- mera de tudo o que € terreno. Nem os mais rijos dos marinheiros conseguiram reter as lagrimas; por outro Indo, pela oportuna insereao de brados entre as frases do seu discurso, Davis levou os indigenas a soltar uivos lerriveis, o que contribuiu bastante para a dignidade e wolenidade do ato. Subscrevo-me, de V. Ex.*

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