A EMEAGIENCIA DAS LITERATURAS AFRICANAS DE

EXPRE~O PORTUGUESA E A LITERATURA BRASILEIRA

S.lwato Trwc>
Un h,'lrt dade do Porto

Mais do que tal r das influências da Literatura Brasileira nas

Li eraturas Africanas de Expressão Portuguesa - questão já &bor·
dada por vários ensaístas e estudiosos africanófilos - importa re-
fletír um pouoo sobre o fenômeno da emergência da africanida·
de, enquanto reivindicação da consctência cu l ural e nacional dos
povos colonizados por Portugal, para aquilatarmos das s1mllitu·
des e das diferenças existentes en re esse tato e o que ocorreu no
Brasil oom o lançamento do grito de lpiraoga, estético-füerário,
com a Semana de Arte Moderna de 1922 Antes, porém, não s rá
díspiciendo discorrer brevemente sobre a modemidade de Itngua
portuguesa, a fim de surpreendermos o sentido existencial que
ela procurou atingir.
Assim, se existe um ponto comum na modernidade estáti·
oo-literária portuguesa, brasileira e africana, qual á a a;sunção
duma ruptura com os códigos estéticos tradicionais, o método
foi, todavia, diferente, destacando-se os pro~s brasilelro e
africano relativamente ao português no que di2 respeito ao obje,.
tlvo profundo dessa ruptura. Com efeito, enQuanto em Ponugal
o 1P Modernismo procurava romper com "lusitanidade" iso- Portugal quer romper com a lusitanidade
lante e partir para no\10s horizontes astétlcos que garantissem o
cosmopolitismo, o europe{smo, digamos, da nos.se literatura. no
Brasil, o Movimento Modernista, e na A rica e expressão portu-
guesa, os vários movimentos de auten , idade, buscavam justa-
mente o caminho inverso; isto é, a "brasHidade'' e a "africanlll·
Busca da "brasilidade" e "africanidade" dade" são momentos de particularização, de ínteriorízação, de
exclusão parcial do oosmopohtlsmo para se possibilitar a emer-
Lotru dt, Hoje, 17 (1), 123 • 140

123
gênaa das raízes que servlmrn de matriz à alma OJlturaJmerrte
mesuça das gerações desassossegadas sa {das da c:oronizacão
portuguesa.
a rdade, oo eríamos, desde já. avançar com a conclusão
de que o Modernismo português, propriamente dito, se caracte-
rizou por um apagamento da tradição (da traditlo). enquanto que,
no Brasil e Afnca, era da trooição que se andava â procura,
Porta to. o modernismo estético teve em Portugal e nas áreas
de expressão portuguesa diferentes motivações, apesar ds allcer-
r-se numa base comum - a revolutlo.
a história do povos. reunidos por circunstâncias vária;
m mesmo territõrio, há semp e um momento em que o es·
p1mo coletivo e nação 1parece e procura afirmar•se a partir de
cenas referéncias culturais que passam a constituir, por assim identidades
diZPr, o modelo básico para realçar a difere~a que ímpulsiona
os seus comportamentos políticos. Foi 8S91m na fundação da na-
cionalídade portuguesa, assim teria de ser na construção da bra-
s1lldade e da africanidade. enhum povo consegue saber exata-
mente para onde wi, ou eve ir. sem que desct1bra, primeiro, don-
de wm. Isto é, quais são as suas ,arzes. Não vamos entrar em ex- RAÍZES
plicações nietzscheanas da antropologia filosófica da célebre eo-
rla do mito do "eterno retomo", porqu disso não necessitamos
pa-a compreender os motivos po( que os povos colonizados, em
determin o mo nto, desP.jam autodetermlner-se e conduzir uma
existência wltur especitrca Isso acontece, normalmente, quando
eles se dão conta das contradições em que ementa o sistema deva-
lo res ético st, trco-políticos que lhes impõem, de maneira mais ou
menos agressiva. E. sobretudo, quando concluem que esse sistema
de v lores nõo sa 1sfez minimamente as suas necessidades ínterio- Acordar das
res, obrigando~hes a alma a verter as suas emoções em metros e identidades
ri mos totalmente exógenos.
Se assumirmo c!GUi o conceito de colonização numa acepção
mais cultural o Que propriamente política, isto é, se nos lembrar-
mos de que um povo pode ser culturalmente cofonizacto m que o
seja poh 1camente, em sentido estrito, compreenderemos facilm8'1·
te todas as conseqüências éticas e estéticas que um acontecimento
da dimensão da Primeira Guerra Mundial arrastou consigo. Para
nos cingirmos ~enas, de momento, aos efeitos que provocou no
Bras,1. citemos a palavra esclarecida de Afonso Arinos que, em
f ver iro de 1915, er,quanto a Europa e afinal o Mundo se de-
12
batiam com os hórrores da Grande Guerra, dizia hJciclamen e 80Sc
seus concidc1dãos, falando das Lendas e tradições br , eíras: "Só
uma coisa sohrenadii no cataclismo; só uma arte d fia os icono-
Identidade clas1as, só um tesouro não teme o Sél:lue - o fundo de radlções,
cultural de ideal, de p~ia, que são a lma de uma raça e o documento úni
co de sua identidade entre os seus- companheiros de planeta. A
discursiva
desventura lheia nos aconchega uns aos outro . Aprowitemos
desse mo ente para nos conhecermos. Durant um ~ lo esti·
vemos a olhar para fora. para o estrangeiro : olhemos agora 1:rnra
nós mesmos" 1
O apelo de Afonso Arinos reflete já a al'lSiedade da descob r-
ta em que a geração dos anos 20 v,via Reflete, pri cipalmen e,
o desejo do Brasil da se.r brasíleiro, de lutar ecldidam nte contra
o perlferismo cultural e rlosóf ico em que parecia encerrado.
maneira depensar
Este fenômeno do períierismo cultural poder-se-á concep ua-
lizar como um modus \/ivencH e um mo U$ cogitandi periféricos a
qualquer das culturas e referência que possam localizar h1storíca-
mente um povo Quer dizer que o brasilelfo, como o africano, en-
quanto nã"o assume a sua difemnça, no seio das cultur de refe-
rência a que esteja I gado, será sempre culUJralmente um perifé-
rica. Foi isto que A onso Arinos, e com ele urn plêiade de Jovens
cBValelros graálicos da brasilídade, en endeu. Graça Aranha, entre·
tanto, erigido em mes re, no sentido etimológico do termo. da
geração de 22, parece não ter compreendido que a brasilidade
jamais emergiria se se continuasse a insis r nos modelo~ estéticos
e filosóficos genuinamen e europeus. De fato, a sua 'Estética da
vida, forjada em França e trazida para o Brasíl em 1921, ltura
em que o escritor regressa ~ sua t rra, não era filooofl a que pudes
se interpretar o Brasil e fornecer-lhe os ntosofemas aproprioclos
à assunção da brasilidade latent , porque o ideal de Graça Ara
neocolonização
nha confessa-o ele nm seguintes palavras . "O nosso encanto estarta
em ser uma naçào americana com esp1nwalidade latina" 2 1:.sta
al1rmação reveta, sem dúvida, a mentalida e culturalmente perl-
êrica do s~u autor, fazendo do aranhlsmo uma corrente de pensa-
mento Incapaz de respol'lder à an!i1roade dum pa{s que t8fia
reivindicar o seu es atuto mes iço par ,1cen uar a sua unidad~
resultante da c:trversidad de elementos que concorr m pa,a e ar
o Brasil pôs-quinhentista. Falar da expressão "Bastardo"
Os jovMs da Semana de Arte Moderna, respeítando embofa
tilosof,a do seu mais velho, sabiam, todavia, que não era possív 1
125
construír a b illdade BSt íca apenas sobre o elemento europeu
que a c;olonização tr8r1$plantara para o Cruzeiro do Sul. Os outros
elementos, que Graça Aranha considerava primitivos, fazi m par-
te integrante da realidade brasilica e, por isso, não podiam, nem
deviam, ser marginalizados dum projeto destinado a conferir um
esta uto verdadeiramente nacional ao pensamento fflosóf1co e as·
tético brasileiro.
A cornm1e "primitivis(a" da Semana de Ane Moderna afir-
ma-se, tão, como a mais indicada para brasllei r o Brasil. Ela
inha, alíás, prerursores em Que podia ai cerçar-se, na senda do ape-
lo do paisagista Afonso Arinos. C-om eferto, em Catímb6, de As-
censo Ferreira. na Toada do negro no banzo, de Murilo Araújo. ler!
em Uru~ngo ou em Cobra Norato, de Aaul Bopp, e ainda na
melhor poesia de Jorge de Líma, de raii profundamente elt.iri-
ca, encontravam os jovens modernistas motivos sobejos para f~
zerem da Tnspiração folclórica o elemeruo essencial da brasiti-
dade estética. A con 1rmá-lo surgiu Macunsíma, de Mário de An~
drade, acerca do qual escreveu José Osório de Olivoíra : "Mas o
mais completo e Importante resultado da inspiração folclórica
foi o l lvro de Mário de Andrade, Macunaima o herói sem n nhum
canlter, escrito numa prosa em que entram, propositadamento,
todo os modismos, todas as particularidades lingüís1icas regionais,
todos os idiotismos populares - lívro que, pelo próprio estilo, pre-
tende ser uma rapsódia do falar brasileiro, e que, pela matéria que
contém, é uma antologia do folclore variado e heterogêneo do
lmenso Brasil"3 •
Mecuna{ma pretende, pois. mostrar. de algum modo, o cami-
nho possível para a Lite atura Brasileira, enquanto, consciente-
mente. realiza a unidade da escrita a partl r da heterogeneidade dos
elementos culturais e lingüístrcos que a suportam. E mostra tam-
bém que o elemento "primitivo" é indtspel'\Savel â br~ilidade, por-
que esta nâ'o se concebe sem a participação dos vários fatores his·
tórlco-cul uraís que podem f&'L~la extsitr. Não se trata, portanto,
de decorar os textos brasileiros com mo lvos exó icos captados na
.,,,mente indígena ou na africana, mas de reconhecec que a bras11t
dooe é uma realidade complexa. ruto de, pelo menos, rrês com-
ponentes his 6rico-ct.ilturais de base . a européia, a ind fgena e a afn·
cana. Invoquemos, de novo, Jo~ Osório d Oliveira para colher-
mos nele mais uma abahiada opinião a propósito da importância
que é preciso conceder aos elementos culturais não-europeus da
126
.
História do Brasil. Após recordar alguns dos textos mais celebríza-
dos pelo Movimento Modernista Brasileiro, como a Evocaçlo do
Recife, de Manuel Bandeira, o Acalento do wlngueiro, de Mdrio
de Andrade, o Pau Brasfl, de Oswald de Andrade, Um homem na
muftidlo, de Ribeiro Couto, o Inverno, de Jorge de Uma, Osório
de Oliveira conclui: "Porque se libertaram de todo e Qualquer pre-
conceito europeu e, em especial, do preconceito intelectualista re-
presentado por Graça Aranha, é que os modernistas puderam ne-
cionallzar a poesia brasileira",
"Nacionalízar a poesia brasileira" é, sem dúvida, a expressão
sinedóquica que mais convêm para traduzir os objeti~s profun-
dos da Semana de Arte Moderna. Essa "nacionalização" inha, afi-
nal, o sentido duma descoberta. Da descoberta dopa I desempe-
nhado pelo ind lgena. mas sobretudo pelo negro, na formação da
alma e do caráter brasílicos. Elat a descobena. implicava, portanto,
que e líteratura e a arte, em geral, deixassem de estanciar pelos sa-
lões e bairros das cidades, onde a pureza desses dois elementos
antropclógicos já 11ão existia, para enveredarem pela rota bandei-
rante à demanda do senão e da civillzac;ão rural donde n~u ver-
dadeiramente o homem brasileiro. Era um pouco o regresso â tra-
dição inavgyrada dum modo partiw lar~nta feliz por Euclides da
Cunha com O; senlSes. Era, se quisermos. reconhecer que a "na-
cíonaliza;âo" da literatura brasileira exigia. primeiro, a sua regio-
Vidas secas nalização, uma vez que o sertã'o e o sertanejo são substancialmente
diferentes de regiio para região. O romana. nordestino, sem dúvi-
da, a vertente mais rica e importa te a(da do Movimento Moder-
nista, confirma-o à sociedade.
I= esse "romance nordestino" o mais citado fator extrínseco
da formação das consciências literárias modernas da Africa de ex-
pressão portuguesa, a par da poesia telúrica e de empenhamento
social dum Jorge de Lima ou dum Drummond de Andrade ou, aln-
Autores brasileiros
da, mais recentemente, da prosa poética mais original que o Brasil
"influência" nos
autores africanos conhecw até hoje como o é e de João Guimarães Rosa, sem es-
quecer 1Smbém Manuel Bandeira e Rlbeiro Couto, entre outros.
A lfsts poderia. efetivamente, ser alargada, mas os nomes citados
emparceirando oom José Uns do Rego, Armando Fontes, Graci-
liano Ramos e J0<9e Amado são os bastantes para falarmos de ln-
fluênciffi diretas da Literatura BrasHeira no emergir das literaturas
nacionais na África colonizada por Portugal. Confirmemo-lo com
Fernando Costa Andrade, poeta angolano, que, na circunstância,
127
 bem pode representar toda a Literatura Africana de Expressão
Ponuguesa. quando afirma: "Entre a nossa I eratura e a -.ossa,
amigos brasileiros, os elos são muito fortes. Experiências semelhan-
tes e lnfluênc1as s,multãneas se verificaram. É fácil. ao ob rvador
corrente, encornrar Jorge Amado e os seus Capitães de are a nos
nossos melhores escritores. Drummond de Andrade, Gracll ial'lo. Jor-
ge de Lima, Cruz e Sousa, Mário de Andrade e Solano Trindade,
Gui marães Rosa, têm uma presença grata e amiga, uma presença de
mestres das jovens gerações de escritores angolanos''".
O romance nordestino e a ,poesia telúrica continham, na ver-
ade, os elementos míticos e ideológicos necessários para atraírem
a geração de coloniz~os afrrcmos que, no início da década de 40,
entra definitivamen e em desasso$ego e em si uação de ruptura
oom o sistema de valores que lhes e,am lmpos os. Além de respon-
derem âs suas preocupações sociais, pelo cariz neo-realista do seu
discurso, esse romance e essa poesia tocavam-nos ambém m (tica
e culturalmente, na medida em que ai poderiam reconhecer a lin-
guagem da sua música ou da sua religião. É ainda Costa Andrade
que citamos: "Os Angolél'los, os lorubas, Nagôs, Achantis, Haus-
sas, Mandlngas, Fulas da Guiné e Sudão negri>maometano, os ea-
lubas do Congo, deram uma raiz plural à vossa m(lsica, a que se
juntou alguma coisa da Europa que a todos dominou despotica-
mente". E aínda: ''Se os Santos e Sudaneses vos trouxeram os 0rl-
~s, 0lorum, Xangõ, Ogum e a incomparável lemanjá, os nomes
vários do COndomblé, ou Catlmb6, Macumba, os Angolanos trou,-
xeram-vos entre outros Ka!unga" 5 •
Perante tamanha 'cientidade hístórico-c:ultural, aliada ã filoso-
fia estética que subjaz:ia, sobretudo, ao romance nordes lno e que
9:!rvia inteiramente aos objetivos pollticos da emergência das lite-
ra uras nacionais na África lusófona, não é de estranhar que a Lite-
ratura Brasileira modernista e pós,,mordénista passasse a ser o mo-
delo de referêncfa extrínseca mais importante para as gerações em-
penhadas no surgimento da afrfcanidade litefária. Africanidade
que, tal como a brasHidade, resultaria de um longo processo de ma-
turaçao cultural qlJ8, por circtmstâncias várias que não adíanta es-
pecifica, só emergiria autenticamente na mencionada década de
40. l: por isso que n§o friei muito atrás no tempo buscar as rei~
ções entre s atricanidade e a co~stn.,ção da brasilidade. Limitar-
me-eí a alguns apontamentos breves sobre a abertura que a Lltera·
tura Colonial do Brasil fez ao tratamento de emas netívistas, pes-
128
sando também em revista a importância que o elemento negro te-
ve na Literatura Brasileira romêntica e slmboHsta, a fim de ten'lar-
mos perspàciivar até que ponto a Literatura bras ílica anterior ã Se-
mana de Arte Moderna pode ter ajudado ao trajeto da emergência
da africanidade literária.
Parece que o primeiro escritor brasileiro a íncorporar elemen-
tos nstivistas nas suas produções foi o poeta Gregório de Matos
Guerra de quem S(lvio Romero e João Aibeíro, no seu Compên-
dio de história de literatura brasileira, disseram: "Se e alguém no
Brasil se pudesse conferi-r o título de fundador da nossa literatura,
esse devena ser Gregório de Matos Guerra"'. Araripe Júnior, po-
rém, não foi da mesma opinião e achava mesmo que Gregório de
Matos era ainda um brasilelro~uropeu, Para o fim que temos em
vista ná'o nos interessa discutir, aqui e agora, o maior ou menor
grau de aut8flticidade bras,1ica de Gregório de Matos. Pretendemos
apenas refutar aqueles que, estudando 8 influência da Lrteratura
Brasileira sobre as Literaturas Africanas de Expressão Portugues3i
considerélll já Importante o contributo daquele poeta baiano nesse
relacionamento, procurando justíflca -se com o fato de o escritor
ter sido deportado para Angola, no séc. XVI 1, em conseqüência do
SB°U envolvimento numa ação de protesto "contra a dominação es·
trangeira'' levada a cabo na Bahia e af. em Angola, ter participado,
como dizem, em ''sublevações anticolonialistas, antes de retornar
a PemambtJ(:O, onde morrei.J'',
e óbvio que esta I igação episódica de G reg6rio de Matos a
Angola, numa época em Que neste território africa:,o não havia o
minimo de condições para que a poestasatírlca do brasiteiro fosse
aproveitada, devido à ausência duma Intelectualidade angolense
preocupcda com o fenômeno da autenticidade ooltural, não deve
autorizar a concJusão de que as relaçõ~ entre a tlterariedade afri-
cana e a brasilelra começaram lá atrás, no séc. XVII. Era demasia-
do cedo para que a sem nte da brasilidade pudesse ser ransplan-
tada para Africa, por várias razões, ma& principalmente porque
vivia-se, nesse empo, o apogeu do tráfico escravagisui, não sendo,
portanto, o Brasil dessa era um exemplo ~ec(vel para os poucos
africanos culturalmente esclarecidos. Será fácil de compreender
que o Brasil, que atraiu a intelectualidade africana da expres.,ão
portugUesa, toi o que salu do grito de lpiranga de 1822. Foi o Bra·
sll do Abolicionismo; não o escravocrata, Isto significà que não inte-
ressa recuar aquém do sé . XI X, quando se pretenda estudar as
129
Influências da Literatura Braslleir nas Literaturas Africanas de
Expressão Portuguesa, também porque estas sõ começam a dar os
primeiros passos Justamente e partir da segunda metade desse sá-
w lO.
Situemo nos, então, no séc. XI X e procuremos realçar os no·
mes mais signlficattvos da teratura Brasileira diretamente relacio·
na:los rom a ljteratura do Abolicionismo e da reivindicação dum
estatuto social digno para os aborígenes e para os negms.
Comecemos po falar do indianismo. Este movimento estéti-
co iniciado pela plêiade mineira foi. no dizer de Capristano de
Abreu, um "dos primeiros prodromos vísfveis do movimento que
enfim culmlnou na independência: o sentimento de superioridade
a Portugal'' 7 • Afirmar as virtudes do índio, nas suas múltipfas
acep~es. poderia ser, de fato, um processo de sacudir um pouco
o enorme peso que a tradição e a mitologia poética portuguesas ti·
nham na maneira de ser e de estar no mundo do bra$ileiro. O (n -
d:io poderia, assim, ser, e foí-o, o primeiro mito poético nacional
do Brasil. Para isso muito contribuiu o poeta Gonçalves Dias qu
aJptantou de largo o indianismo da plêiade mineira. Dos seus poe-
mas indianistas com Y.Jua..Plram.a disse Alcântara Machado: "Po-
dem ser falsos os índios de Y.Juca-Pirama. Pouco importa: os
sentimentos que exprimem são nossos, e bem nossa, rom o seu
gosto violento de fruta do mato, com o seu cheiro de floresta vir· Exótico
gem, com a sua música bárbara de maracás e de borés, a 1/ngLrB
que faJ11m'' 1 •
Vai no mesmo sentido de pôr em relevo o caráter nacionalista
da poesia (ndia de Gofçalves Dias o que dele afirmaRonald de Car-
valho: ''foi ele sem dúvida a primeira voz definftiva da nossa poe-
sia, aquele que nos Integrou na pr6pria consciência nacional, que
nos deu a oportunidade venturosa de olharmos, rosto a rosto, nos-
sos cenários f fsicos e morais"'.
Mas, embora dum ponto de vista nacional, de afirmação da
brasilídade, a poesia Indianista de Gonçalves Dias fosse ímportant&,
a \/8 dade é que o público cu I o braslleiro apreciou-lhe mais a su.i
poesia amorosa e a sua li rica patdótica sentlmenta1, Que ele expri-
me na celebrada Canção do exmo, o que significa que as classes
wltas elnda não tinham sen ido a necessidade interior de deixaram
de ser europdias para se assumirem como brasileiras.
No que ooncerne aos ecos que, em Africa, teve a p0e.5ia de
Gonçalves Dias o fenômeno, par es,tranho que pareça, é idêntico,
130
1810 é. llã'O foí a poesia relvindlcatlva dum estatuto Cúltural prôprio
que exerceu in'fluência sobre africanos °:'ltos, e nom~adamente
angolEW\OS, que, então, procuravam garantir o reconhecimento da
sua diferença como "filhos do país", mas, sim, a poesia amorosa
e a lírica sentimental, como acontecera no Brasil. Na verdade, no
Pfímeíro hvm de poesia publicooo em Angola - Espontaneidades
da minha alma. As senhonl4t africanas (1849), da autoria do mes-
iço bEJ19ue1ense, Josá da Silva Maia Ferreira, que viveu no Rio de
Janeiro, durante algum tempo, faz-se uma evocação a Gon~l-ves
Dias na ep ígrafa, durante algum tempo, faz-se uma evocaçao a
Gonçalves Días na epígrafe do poema "A Saudade" com versos ex·
traídos do poema "Queixumes", do brasllei ro. E nâo se diga que a
poesia indianista de Gonçalves Dias não Influenciou a geração dos
"filhos do país'', porque ela lhes era desconheci_da, un;a ~ que
eles apenas travavam conhecimento com a poesia br~1lelfa atra-
de Alexandre vés do Almanach de lembranç.M, a partir de 1872 chamado Al-
Magno de manach de lembranças luso-brasilelro. O argumento não colhe,
Castilho porque, no caso particular de Maia Ferreira, o conhecimento da
poesia do indianista era direto. O que temos de concluir é que a
geraç.ão dos "filhos do país", por influência dlreta do ultr&-roman·
tismo po uguês, não divis8\lõ a dimensão social Que a poesia e.ª
literatura, ,em geral, podem ter Poetava, portan o, SéQUl_ldo os ca-
nones da época, u ílizando consabidos teit-motlven, deixando ao
jornalismo nascente o papel de intervenção sociopolítica, sobretlJ-
do através do editorial, da crônica e do folhetim.
Esta conclusão ganha tanta mais consistência quanto é certo
que o que aconteceu com o ir'ldianrsmo ororreria também com o
condoreirismo. Antes, porâm, de falarmos do çondoreirTsmo, tem·
Escola de poesia bl'emos de passagem que mesmo o Gonçalves Dias da Canção do
3 fase exmo o do patriotismo sentímental, não foi muito glosado, em
Romantismo África: senão tardiamente como comprova a Canção ambaqulsta,
de João Baptlsta Pereira, um colono ngolaoo poeta da década de
40,
Nas parmêra do Brasil
''Na plllffll,.do B,-11, Canta, canta o sabiá;
c.i111. ~ o lllb1':
s.,. em Men:,a ou em Abl'N Seja em Março ou em Abril
, _ a.dl••c.,tl. Passa os dia a cantá.
O m qu• Cílil1II • mfdMle
- eoblvlt:t• como o II o - Dizem que canta a soidade
- Coisa triste como o luto -
131
 Desta branco da cedade
O.ta trw,co • ca•de Que não mais voltou ao Puto.
Que nla rNU IIORQU eo Puto,
E 01 ;ent• aonh• 110 ouvi! E os gentes sonha ao ouvil
Otllb tio B,_il!n
O sabiá do Brasil!
Por este início do poe a de Baptista Pereira se reconhece fa-
cilmente o poema matrli de Gonçalves Dias:
"Mlnh tffl'II rn pllmel,.
OndtÇl!l1a o Abl6:,
N .-- qut .:fui gorV'Jl!Tl, Condoreirismo: ideias igualitárias
Nlo gorgti1m como"·"
Analisando, agora, o que se ~ u com a poesia condoreira de
que Castro Alves. o célebre "poeta dos escravos", foi o apogeu, verifi-
caremos que, ~esar de o poeta ser amplamente conhecido, em
Afnca, atravês do Almanach, a sua poesia que mais tocou os seus
contemporâneos africanos não foi a social, mas a sensual am que.
do mesmo modo, era mestre. E aqul, mais do que com o lndianit-
mo de Gonçalves Dias que era historícamente dtstante da África,
além de ser requintado fingímento poético, havia fortes motjvos
para que os poetas colonizados de expre.~o portuguesa acompa-
nhas-sem o "poeta condor" na sua p~a socia. Primeiro, porque
a causa dessa poesia lhes dizia historicamente respeito, uma vez
que se baseava no Abolicionismo; oogundo, p0rque a afirmação
dos valores africanos, subjacentes ã brasilidade, era a valorlzação
da própria rultura afrlcana de que os ''filhos do país" se diziam
legítimos herdeiros e defensores. Estranha-se. por isso. que essa
geração de intelec uais africanos não enha seguido o poeta revo-
lucionário que, pondo em prática o seu lema mobilizador -
".. a praça é do povo como o céu é do condor" -. compôs poe-
mas tão belos quão fmponantes como "Vo"l13S d'Africa". "A
Canção do Africano" e o "Navio Negreiro", qual deles o mais
conhecido.
Também aqu1 não deixa de ser curioso que tenhamos ele
esperar até a década de 40 para, em Viriato da Cruz. o mais ge-
nuíno poeta angolano, enrontrarmos os ecos da poesía soeiat de
Castro Alves, ali~s recebidos via Jorge de Lima que o jovem an-
golense glosa no seu épico poema - ''Mamã Neg ra - Cântico de
Esperança''. Que explicação encontrar para este estelheamento
dos poetas africanos oi ocen 1stas da poesia social vinda do Brasil?
A resposta mais provável poderá ser a de que os "filhos do país"
132
n!o desejavam criar, pela via poética situações de p rturbação do
staws quo em que se encontravam, acicatando esp(ritos coloni s
que só esperavam uma boa oportunidade pata abrirem hostílida·
des, Autoríza·l)OS esta conclusão o fato de os t xtos africanos de
expressão portuguesa de cariz mais socia terem começado a apa-
recer, nomeadamente em Angola. qua do a agressividade ver~I
dos colonos contra os ''filhos do pais" entra em cooa para os fins
do séc. XIX e princfp os do século atual. Recordaremos, de passa-
gem, o Incidente que motivou o protesto coletivo da "Voz de An-
gola Clamando no Oeseno" e a poesia social dum lou~e~o do
poema Carmo Ferreira ou dum Jorge Rosa que precedem a escrita inter
wntlv-a de Pedro da Paixão Franco em que terá fei o sentir-se a
influência do negro brasileiro Luis Go11Zaga de Pinto GéWlla, autor
de poemas importantes como "A Catiw" e "O Coleírinho", nos
qua,s evidencia o orgulho da cor e dos cit,elos crespos, ao mesmo
tempo que se mostra doso de ctve o mundo o conslde,e "o Orfeu
de e belo enca~inhado", numa atitude que diríamos precursora
do amoso anifesto de Niágara que despoletaria, a partir de
1905 o chamado Renascimento Negro.
Este Luís Gama, "filho de uma escrava QlJe não se converteu
ao catei cismo e chegou a ser denunciada por ronspiração re\lOIU-
cionâria a favor dos negros" 1 º antecede, de algum modo, o poe~
moça bicano José Crawirlnha no que este tem de orgulhoso rei-
vindicar da sua ancestralidade negra, sem negar embora a sua pa-
tern idade européia à boa maneira do cubano Nícolàs Guillén.
Se apreciarm~s. entretanto, as produções poéticas africanas
e expressão portuguesa do decllnar do século passado. com refe-
rência especial para aquel que são da responsabilidade de a~go~a-
nos e de san omenses. uma vez que em Moçambique elas nao sao
significativas, nessa tase, constataremos, oomo já f!cou dito: Q\J a
dimensão social dos textos cede o lugar a um exo ismo hng1Jístl~o
e temático, com reqw bros sentlm ntatS, característico do ~,lo
dos poetas que os inspirariam e que. no caso presente, seriam
essencialmt!nte Gonçalves Crespo, Casimiro de A reu e Crui
Sousa E:.-te último com maior influência do que os outros. sobr~
tudo em Caetano da Costa Alegre, o poeta santomense de que f_? 1
ler oontemporân o e a quem mot1vou a grande preocupação. que n.ao
era aper,as poética, com a temática da cor da pele, que é prepon·
derante na sua poesia,,
133
 Cruz e Sousa, negro nascido aínda escravo. fo, o continuador
necessário, sem ser epfgono, da poesia social de Castro Alves, ainda
Que a sua poética, feita dum m (stico artificialismo, seja essencial-
men_te romftntlco-simbolista, afetada, por isso. a um tempo. pelo
pea,mismo de Schopenhauer e, como multo bem observou Ja-
nhef~z Jahn, pelo n;smo de Baudelaire. Cons derooo por Roger
Bast1de um precursor da Negritude, enquanto Claire Cáa via nele o
prógono do Renasc mente Negro, Cruz e Sousa. debatendo-se
entre o racismo e a escravidão, temáticas dominantes também na
sua o~ra, ent:eaa-se, como o fez o santomense Costa Alegre. ao
matino poético da cor da pele. deixando-se. por assim dizer inva-
dir pela filosofia do spleen baudelaireano que ma rcaria atgu~ dos
próprios simbolistas-decadentistas IJ()rtugueses, como Amônia
Ptrtrfcto ou António Feijó, por exemplo.
A temática da oor da pele. entretanto; aparece em Angola
oomo um leit-motiv da que poder{amos t:hamar "geração do Al-
mtw"lach de Lembranças", que se antecipa, portamo, peJo menos
em alguns caos, a Crut e Sousa e a Costa Alegre. Basta citar Joã'ó
Gandldo Furtado de Mendonça d' Amas, Ernesto Marecos. João da
Cruz Toulson, Alvares Paes, Cor-cieiro da Matta e Eduardo Neves,
entre ~urros, onde. se nota a preocupação de esbate eventuais prn-
conce,tos epldérm1cos. realçando a beleza das figuras de ébano -
sugestiva meláfora com que essa poesia designava a mulher negra.
Esclareça-se porém, que esta geração de poetas apenas realça este·
t!camente o negro, não se achando em nenhum deles o desejo poé-
tico do negro aspirar ao branco, como acontece em Cruz e Souza e
em Costa Alegre.
A lnexistêncl~ da "nostalgia do braoco" nos citados poetas
angolanos poderá mdica~-nos que ales se mantivera nos parâme-
tros estét icos do romantismo, onde o exótico tinha lugar, enquan-
to que a e~istência dessa nos_talgia em Cruz e Sousa se explica pela
sua definitiva ~rtença estétrca ao slmbotismo cfe que, no Brasfl,
foi talvez o mais alto representame ao lado de Alphonsus Guima-
raens e M~río Pederneiras. Esta questão. todavf a. entender'58-á m
lhor, citando aqui, de novo, Rogar B-íde:
''Como • podM tl(pllcv ..-tfo que o 111110, rwpn:an n111 da elL:IO 11
ârtibollna no 8rail • um daa1nd.m. dia ll~a.. um filho•
acr1Woe, um ttt90 Que encontrou ~ · P1f,o caminho, peradltt-
lo, o PAICCXICeito da cor1 H6 tf um vt1'dodthv ,pal'ICfom, q1;1116 ..
pod1 8111 lc.n pelo c-riet- 'da.lficador' do l'N:IOll•mo.
134
l'wfc) hlt dlllAda qw 1>1~Jt1 uma vutr1111plka;&J pow,.,_: 1 ln u6ncl
do maio. Ccux • SoUIAI n11Kau 91'!1 Sanui c.t1rine, omlt e lnllu6ncla
"11111111'-' naturtl-• rnuho ,.,._ f0111:11ntn "'...,, matr lflCOn·
tta•• uro lll•rníô como Fritz M.l llar, • •" tofnu fort«nen e I ln
uu,ncit do J*llmiirno filOIIÓflco vmlnloo, pa,:iculsnnent, de
Sc:hopanhai1r. PodtMe,11, portanto, pana- que o gano pttl1 poe11l11
nótdlca I ne o 111ul!Jldo da !lflucllÇIS'o. Ma,q 11M i.mbl'1ffl'IOlld
qut no 0111,0 t){1rlfflC do 8 ,-,1 , o utrO t,o"*" dt cor, T01> I• 81r•
reto, fo 1 procuru tambtm I a,a ln,pi raçlo no pllilaammtD ~münl·
eo. ~ permitido cl nr qu1 1,cltt• um len4meno, cuja •lllPI lcaçlo
'6 pod'c •T encontrá ruma iH do inc;cu,,-;f,ni1 rrlll, nt
absurdo! von11d1 de mudar ffllf'ltalmmt1 de cur:4 praci50 cl-&rto m.lhor
"*º • proourar • po,etla(Hj I fllolofit dOI 1ndh1(dm1 ~· dm e pele
rrM!lulfn, iffl , , 01 pol!U do Nortt ." 11
Cost:a Alegre, ao cultivar poeticamente essa "no.st ·lgía do
branco'', de que fala Basttde. assume, por um lado, a identidad
estética com Cru-z e Sousa, e, por outro lcKlo, re-vela,.se-nos como
um dos nossos simbolistas, todavia m ginal, não lho endo sido
prestada, por isso, a devida atenção. Com efeito, só pos um men-
te e graças à devoção de um u amigo portu nse, Crui agalhães,
foi possível conhecer a produção poética importante deste san o-
mense.
A conclusão .provisôria, mas resuntiva, a que podemos chegar,
para já, erca d s relações e ín 'luências da Litera ura Brasileíra na
Literatura feita na África de expressão portuguesa é a de que,
nesta fa-re. os africanos cultores das musas eram mais atraldos pelo
Exemplo: exostismo lingü(stico e Imagético do saus companheiros e mento-
A negra res brasileiros do que pela mensagem social dos seu textos. Neste
sentido, os modismos estéticos domina-em a literatura prodUZJda
pelos ''filhos do país" na África colonizada por Portugal durante o
período oitocentista, enquanto no Brasil emergia uma conscifncia
li erária, a um tempo, primitivistêl, nacional e social.
Mas, se, nesta fase. o Brasíl não ave um papel de grande
reaJce no impulsionar de uma literatura africana de expressão por-
luguesa como a que preconiiavam, de algum modo. os angolenses
"filhos do país" instigados pelo missionário suíço ao serviço dos
Estados Unídos. Héll Chatela,n, auLor da mportante ,ec:olha "Folk
Tales of Angola", a geração dos jovens afr1cai,os demandantes da
Atríca-parefso poétloo. da África-nação, da Áff'ic~Terra, essa
geração Iria buscar na Llleratura Brasileira justamente a sua dimen-
são socia, ao mesmo tempo que aproveitava da busilidade estéti-
ca aque es elernemos q e, por razões hist6rtcas e psicot6glcas, po-
136
 Apologética: Parte da Teologia que ensina a defender a religião contra os seus detratores
deram servir à configuração da efricanidade llter ria Que constitui-
ria a base para a emergência de l•tereturas autenticamente nacio-
nais. Tal busca surge-nos constantemente confirmooa nos escritos
desses jovens. por vezes até duma -forma tooreticamenteexagerada,
como é o caso de Geraldo Bessa Victor que, num tom algo _,ruxo--
n!K:lo, profetizava: "Angola, especialmente, por razões de ordem
ps10016gica. hist6 ica e soclaf, de~ dirigir os olho para a Poesia
colonizador
bras,leira, para receber a lição sem aqual (creio-o bem) não haverá
Tática do
entre nós uma verdadeira poesia africana".
ão sejamos tio rooicais nem apaixonooos acerca da Impor~
tãncia da Literatura Brasileira para a emergência das literaturas
Afrfcanas de Expressão PortugU9S3, apesar de termos de reconhe-
cer, como jê dissemos, que ela foi considerável, sobretudo a partir
cios finais da década de 30 princíplos da década de 40, altura em
que por razões dJretamente relacionadas com a evolução do pro-
cesso colonial era forçoso ao colonizado afirmar a sua diferença
perante o sistema étioo-estétíco-pol ftico que o dominava. PIJ'a
essa reação do colonizado por Portugal terão contribuído, entre
outros, os seguintes atores. Primeiro, o aumento graiual de colo·
nos ctJ tturalmente impreparados mas dispostos a fazerem fortuna
rápida sem olha em aos meios por que haveriam de conseguHa, o
que fez acicatar os ânimos de toda uma geração que, de repente,
viu desrepeitados os seus poucos direitos e desfigu ado o seu h
bltat. Confirmemo-lo. por exemplo, em dois textos célebres de Vi-
riato da Cruz: Sb Sao1D e Makizú. Segundo. o crescimento econ6-
mico controlado pelos colonos obrigou a procura de mão-de-obra
entre os oolonizooos, especialmente para as grandes explorações
agrícolo-lndustriais e pesqueiras, em Angola, São Tomé e Moçam-
bique. criando-se aqui o caso especial do magaíz.a, rabalhador emi-
grado para as minas do ouro da África do Sul. SUrglu assim uma
forma requintada de trabalho forçado a Que genericamente se cha-
mava o contrato. O conmtado, nas suas variadas acepções, orna-se,
portanto, um poderoso motívador da reação que estamos a anali-
sar. Lembremos, de passagem, o poema Partida para o Con,trato,
de Agostinho Ne o, o Monangamba, de Am6nio Jacinto. o M&-
gaíza, da moçambicana Noémia de Sousa, ou o Mamparra Mi.aaíu,
de José Craveirlnha, na Poesia. e e Vide e Morte de João CabafU-
me, do caboverdiano Gabriel Ma,lano, ou o Nós matamos o cio
tinho90 .. . , do moçamblcano Luís Bernardo Honwana, na Prosa,
para s6 citarmos alguns dos rextos que se filiam diretamente nessa
136
temática. Terceiro fator, e decerto o não menos ímportante, a pro-
fusão duma iteraturacolonial apologética que alertou os coloniza-
dos conscientes pare o perJgo que ela representava em termos de
alienação dos menos esclarecidos servido do regime. Afinal, essa
Literatura, como, alíás, lhe competla, procurava nas registrar
em páginas de exótico ambiente a epopéia do homem brenco e do
colono, em Afnca; marginalizando reduclon·s1icamente o homem
negro e o colonizado. Desenvolvida num perlodo em ue a cons·
ciência moral da Europa apresentava Já amplos sintam de rul'na,
essa literatura anacrtlnlca tinha de.suscitar r costas neutralizantes
da parte dos colonizado· cultos que não podiam 1stir 1mpav1da-
mente ao QPagamento dos traços wlturais e civ11izaciona1s ue
eles e am pona-estandartes e arantes.
Julgo que estes três fatores terão sido os mais iec1sívos para
catapultar as literaturas africanas nacionais de axpressão perwgue-
sa:. Eles ancontram-se, aliás, oa base da filosofia de a uação dos or·
ganismos culturais que os colonlzados vão fundando par&germina-
rem a semente da africanidade !iteraria e política. Exemplifique-
mo-lo somente com a Liga Africana e a Anar,gola, em Angola, com
o Grêmio Africano, em Moçambique, e com a Casa dos Estudantes
do Império. em Lisboa, verdadeira sede da resistência wltural dos
colonlzados e, símultaneamente, estufa de cul ivo do que de mais
generoso e nobre e1elstia no projeto da africanidade de expr-essão
portuguesa.
Não avancemos, porém, sem re erir, neste momento. que.
antes mesmo da emergência das autênticas literatura; africanes de
expressão portugvesa (cujo privilégio coube a São Tomé e Prínci-
pe, se não oom Marcelo Veiga, pelo menos com Franclsco José
Tenreiro), vão aparecer alguns textos particularmente significativos
quer em Angola quer em Moçambique (para nio fa smos do caso
especlal lsslmo de cabo Verde} que contrastam com ~ liter&tl.N'a
colonial ai>Ol~ica, ronaadendo ao colon, a o o papel funda-
mental na saga da história da colonização branca da África. Referi-
rei apenas. oomo exemplo, o caso de Fernaido de Castro Soro·
menho, um angolano de coração nascido em Moçambique. que o
Brasil acolhoo até lhe gua dar as o as, quando o romancista
teve de ~xflar-se de Portugal.
Castro Sornmenho foi, sem dúvida, o maior escritor seruine-
jo da África de rotonlzação portuguesa. Toda e sua obra mais va-
liosa se motiva no sertão, especlalmente do nord(!Sle a1gol o,
137
 eu. en1re outros, o romanoe - Terra morta ou Came-
lo - qu o er:á prolern o mais 1ntemacionalmeme. A chaga que
o x(llo br ,lelrolh permrtluescreveréJtíumaobradedesilusão,
n 1ue m e ndo qualida es que levarem o ensaísta Adolfo
Casa r ont ro. um outro ponuguês exilado no Brasil até à mor·
te, a considerar Soromenho um nome importante do romance neo-
re li e I ln , ponuguesa .
. tro Soromenho. sobretudo na segunda fase da sua obra,
1 ,c1 1 co ,omance Viragem, de hulo, aliás, sugestivo, foi um
ponto de r ferência para a narrativa africana de expressão portu-
gu a que deceno viu nele a rsao mais aproveitável do que o ro-
md · bras1 iro do sertao p eria fornecer-lhe. Aoma.nce brasl-
iro. que não terá dei a o de m11uenci r Soromenho, especfal·
m r tlO romance no rdestino, na primeira fase does-
léllo. Na verdade. Josá de Alencar, Euclides da Cunha,
ac e Assis, P1n e ro de Guimarães rom o ~u Comenda·
dor (1856), Manu I Antônio e Almeida com as suas Memórias
um ento de milícias ( 852). Bernardo Guimarães, o conhe-
cido autor de A esc \la lsaure, u Alo!sio de Azewdo, entre ou-
tros, n o erão ie excluir das leituras daquele autor africano. Das
intluéncJas do romance n r estino, propriamente dito, em Soro-
menho, não falaremo mas se pre recordamos que os seus roman-
ces são também nau• ' lum J()(deste. o angolaoo, que mantém
0011" o brasileiro ouras semelhanças para além da identídade geo-
gráfica.
Feito la obra dum romancista-marco
no process rJa e lução para as literaturas african de expressão
po uguesa, pod mo r ressa- quase ao nosso pomo de partida
e, ass,m. roxlmar-nos o fim desta breve e despretensiosa rese-
ha sobrP as laÇÕeS en re o Br 11 lt terárlo e cultural e a Áfrtca
que fala P11rt g • A conclusão que emerge ti a de qtJe as relaçx)eS
rav as dté a semana de Arte Moderna, embora não devam igno-
rar-se, não tl r m 1..m I d• lsivo para a consc1entlzação literá·
ri os colon os tricanos. S6 a panlr desse marcante acont~i-
mento na vida cultural brasileira oue a África de expressão portu-
guesa procurou u • no Br11':il, o maior número de referências para
engír os seus monumentos literários pr prfos. Essa procura resulta~
v uma necessid de interior e afirmação e identidade cultural
ue as ciroun.: nci au'ás mencfona:las forçaram a manifestar1ie
no início dos s 40. E, quando o poe a angolano, Maur(cio de
Almeida Gomes, escreve no seu poema "Estrela Pequenina" -
138
"'0111 lltCu .i, 1'111111 lnním:
Aqullle Sol no poenm,
Vefflllllhociomo mo bt
• Sol .,,.,..,t•.
Nío
Ecotguto d• aangut
Veltldo por tngOlll'IOI
Ou• iffllffl o ~il ! ..,
ou no seu poem "Exortação":
~Rblfm CoulD • 11f11.1411 B~ ra,
f11MD1do811' ,
do B,wll ,nOIIO limão,
d1*nln:
'-'= pnchow epoell•b-• 1111,
de 141IIOS ~ • · fort•,como o 8raíl,
'*' a I mure lu1ada" -,
a( sente-se bem até que ponto osafr"canos reconh i m no Moder·
nismo brasileiro o caminho que eles tinham de construír parn r
guerem a !itera ura africana que pudesse traduzi r odo o calor e
toda a emoção que se co11fundi.-t1, nas suas almr:s, com a dor o
~frimemo revoltado de homens à procura do seu mundo que ou -
tros tentaram fazer~hes perder pera empre
Por Ribeiro Couto ou Maoo l Ban ieira, como aurfcio Go-
mes pretendia, ou por Jorge de Uma, por onde passou, entre ou-
tros, Francisco José Tenrelro, vulgarmente ..,ontado como o intro-
dutor da Negritude nas Lí ereturas Africana. n Expressão Portu-
guesa, com o que não estamos de acordo, sobretudo com os us
poemas "Negro de todo o mundo" e "Epopéia", ou por Jorge
Amado, onde MAno Amónio bebeu mspíração pa-a alguns dos seus
poemas (Quando lI Jubiabá /me cri António B :.Ju íno .. J ~ sua
fase africana autêntica, ou por Qualquer outro autor brasileiro, o
que importa assinalar é que as Llteraturas A ric_anes de ~x~r~o
Portuguesa passaram pelo Brasil não por nocess1d Je de 1mnaçao,
mas por sentirem que ponderosas razões de ordem ético-estética e
psiCOS'SOCial ons. 1 ava a vir a esta erra m lt ímoda, desenvol-
vida e feniHzada com muito sangue africano, é procur de peda~s
de suas raízes par - ui tre plootadas. Pedélços esses de que hoJe
Jâ se conhece bastante, mas que urge conhecer melhor proceden_do-
se a estudos de Literatura Comparooa dos grandes temes QU8 cnam
a ruptura. e por ,sso mesmo a diferença, ent e literaturas que se
exprimem numa Ilnwa comum.
139
 Estudar as Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa é,
de algum modo, estudar também a Literatura Bra;ilelra Quem de-
ra que o ínverso fosse igualmente verdadeiro .•.

NOTAS
1 - 0$Õf1IO DE OLIVE:IRA, J. - Klin4N branda nw.r.ura ......... Li1boa, Edito-
rial lnqq•rlto, 1939. p. 1OS.
2-lbld .. p. 111.
3 - lbid~ p.107.
• -COSTA ANDRADE, F.-u.n,ra..,1an1 (()plnl6-). l.iíbcMt, Ediç(5el 70. p. 28.
6 - lbkS.,p . 27.
8-0SORIO oe OLIVEIRA,J, -op.clt.,p.30.
7 - lbld., p. 40.
8 - lbid., p . cz.
9-1 ld., p . ~ .
1O - M.-.TOS, Graml.N> de. - lnifulnda da llttif11tvff twail•ra tobr. • Otw-- llfri,.
_,.deli pomqu-. p .95, rnlmeognrf• do ,.,10,-.
11 - BASTI DE, R~.- 1:làHIM lftobrailairoL 5"o Paulo, Pwrspecth.a, 973. p.6'2-3.

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