a Quando, no final dos anos “Procuramos inserir plantas Arquitectos Paisagistas (APAP), O mesmo acontece no vale de “Com a impermeabilização dos
de 1990, começou a construção autóctones que não consumam Margarida Cancela d’Abreu. E Benfica, também na capital, onde solos, é muito mais difícil fazer
da barragem de Alqueva, no muita água, nem libertem é sobre as câmaras que recai a o ambiente muito húmido e as desaparecer os pólens”, lembra o
Alentejo, as oliveiras que cobriam pólens que provoquem reacções responsabilidade de decidir onde habitações construídas em altura médico.
os terrenos hoje debaixo de água alérgicas”, responde a vereadora construir, evitando situações impedem a eficaz circulação dos O planeamento dos locais a
foram levadas para outras zonas com o pelouro dos espaços verdes propícias à acumulação dos pólens. Para evitar uma maior arborizar, em parte pensado pelos
do país. “Começou aí a moda das na Câmara de Oeiras, Madalena pólens – o chamado “efeito incidência de alergias nas cidades, arquitectos paisagistas, tem ainda
oliveiras nas cidades”, diz Ana Castro. Neste concelho, há 200 de capacete”, que se regista, a APAP considera “fundamental” uma lacuna. “Estes especialistas
Júlia Francisco, chefe da Divisão hectares de jardins e o objectivo por exemplo, na Avenida da a “adequada estruturação dos não têm qualquer formação em
de Jardins da Câmara de Lisboa. da câmara é chegar a 2017 com Liberdade, em Lisboa. Este efeito espaços abertos e espaços alergologia”, lamenta Pedro
Inserir oliveiras nos espaços uma árvore por habitante, ou seja, traduz-se na retenção do ar devido verdes”. Só assim se permite a Lopes da Mata, que já propôs a
verdes tem vantagens para as 164 mil exemplares “adaptados a à existência de construções em drenagem do ar poluído, bem realização de formações, mas sem
autarquias: são resistentes, zonas urbanas”, diz a vereadora. altura. como a drenagem da água sucesso.
crescem em áreas pequenas e não A arquitecta aponta como superficial e subterrânea em
exigem muita água. A factura, Falta de formação exemplo a urbanização da Quinta excesso, garante a líder da APAP. Os “flocos de algodão”
porém, sai mais cara aos alérgicos. No processo de arborização de do Cabrinha, no vale de Alcântara, O professor Manuel Barbosa, O concelho de Oeiras foi um dos
A oliveira é uma das árvores mais uma cidade não pesam apenas Lisboa. “Propusemos que as casas director do Serviço de Imuno- escolhidos para transplantar
causadoras de alergias, embora critérios como a espécie da planta ficassem a meio da encosta, mas alergologia do Hospital de Santa as oliveiras saídas de Alqueva.
poucos a culpem pelos espirros e o tipo de pólen que liberta. “A a câmara quis fazer prédios em Maria, de Lisboa, concorda com A gestora Carla Gonçalves vê
primaveris. questão deve ser colocada antes, altura com fundações profundas esta visão, defendida também algumas da janela de casa, mas
Na hora de escolher a vegetação ao nível do ordenamento do e pôs tudo cá em baixo, criando há muito pelo arquitecto não se incomoda muito com
a introduzir nas cidades, que território”, explica a presidente obstáculos à circulação do ar. Os Gonçalo Ribeiro Telles, autor isso. Com 41 anos, Carla tem
factores pesam na decisão? da Associação Portuguesa de pólens ficam retidos”, explica. do Plano Verde de Lisboa. rinite alérgica e asma desde os
Alergias
Um problema
de vegetação
e de ordenamento
DANIEL ROCHA
6 • Cidades • Domingo 27 Março 2011
atestados, mas muitos destes pólens das árvores é de apenas
pedidos chegaram já à Câmara
de Oeiras. “Temos de lidar com
a situação com algum tacto”,
admite Madalena Castro, até
dez por cento.
Em alternativa, a autarquia
de Lisboa tem vindo a substituir
algumas árvores antigas,
Árvores são o bode
porque também há quem defenda
as árvores incriminadas com
unhas e dentes. “Às vezes, quando
concordamos com o corte,
evitando plantar espécies mais
problemáticas, como o choupo ou
o cipreste. expiatório das alergias
chegam-nos abordagens agressivas
no sentido contrário. Tivemos um
caso de um grupo de pessoas que
se atou a um plátano para não o
Ervas danadas
O que as câmaras têm mais
dificuldade em controlar é a
parietária, espécie vegetal que
mas a culpa é das ervas
cortarmos”, recorda. causa a maior parte das alergias.
A Câmara de Cascais também Esta erva, típica dos países
se vê confrontada com este
problema com frequência
mediterrânicos, é daninha e
existe em grande força nas
Nas cidades, os pólens ficam mais agressivos devido
e sugere a quem reclama
uma consulta num médico
zonas periféricas de Lisboa,
como Sintra e Torres Vedras.
à poluição, que os desidrata e os faz ficar mais pequenos.
especialista. “Esta pode ser a via
que os capacita para conseguirem
Em Lisboa, abunda nos terrenos
e edifícios abandonados.
Assim, penetram mais facilmente nas vias aéreas
enfrentar o ‘inimigo’ que lhes Vive em muros velhos, casas DR
dá muitíssimos mais benefícios degradadas, telhados antigos, e
Catarina Gomes
do que os danos que lhes alimenta-se de azoto (presente
cria”, refere a directora do nos excrementos de pombo, por a Se as alergias fossem um crime,
Departamento de Ambiente da exemplo) e fosfato, o que facilita as incriminadas seriam sempre as
autarquia, Ana Paula Chagas. a proliferação. Há cerca de 14 árvores, quando a culpa, na maioria
“Muito excepcionalmente”, as anos foi feito um estudo, durante das vezes, está mesmo ao lado delas
alergias têm sido um critério para um ano, no Jardim Botânico e não se vê tão bem – a principal
a decisão de abate de árvores, de Lisboa, por investigadores fonte de alergias na Primavera são
apenas em casos de “extrema especialistas no estudo de pólens. as gramíneas (fenos) e as parietárias
gravidade”, suportados por A conclusão foi algo “inesperada”: (também conhecidas por alfavacas-
relatórios médicos que ficam o pólen da parietária [também de-cobra), sentencia o presidente
disponíveis para consulta de todos designada alfavaca-de-cobra] que da Sociedade Portuguesa de
os munícipes. teoricamente existe apenas no Alergologia e Imunologia Clínica
À Câmara de Lisboa chegam as tempo seco, regista-se afinal todos (SPAIC), Mário Morais de Almeida.
mesmas reclamações. “Tentamos os dias do ano, explica Fernando Por todo o país, há cidadãos que
perceber o problema, mas Catarino. se juntam em abaixo-assinados,
não abatemos uma árvore só O pólen destas ervas – que pode petições e outro tipo de apelos
com base numa justificação percorrer até 100 quilómetros – só pedindo o abate de árvores nas
médica”, clarifica a directora é visível ao microscópio, daí que cidades, afirma Francisco Ferreira,
do Departamento de Jardins. poucos o culpem pelos sintomas da associação ambiental Quercus.
Até porque, segundo o médico alérgicos. “As pessoas só são A razão alegada é muitas vezes
Manuel Barbosa, a sensibilidade alérgicas ao que vêem”, enfatiza o serem supostamente fonte de
da população dos alérgicos aos Pedro Lopes da Mata. alergias, testemunha Ricardo
Marques, do núcleo do Porto da
associação ambiental Quercus,
onde tem chegado o maior número
de queixas e onde, por essa razão,
até foi criado o Grupo de Trabalho Três quartos
Anti-arboricida. “Há grande da população
pressão da população para abater que sofre de
árvores, muitas vezes por causa das alergias a
alergias”, diz. Tentando sensibilizar pólens são
os responsáveis para “a valorização alérgicos a
da presença das árvores em meio oliveiras,
urbano”, já se reuniram com a gramíneas
Parque Escolar [empresa pública e parietárias
que gere obras em escolas] e com
autarquias.
Muitos cidadãos vêem a fonte dos
seus espirros e olhos lacrimejantes
em pequenos algodõezinhos
que voam no ar por esta altura,
observam de onde vêm e tiram as
suas conclusões: vêm dos choupos, Na cidade, os pólens a sociedade de alergologia fez na
mas os plátanos também estão Junta de Freguesia de Marvila (em
entre “os mais incriminados”, nota ficam “mais agressivos” Lisboa), as pessoas queriam abater
o alergologista. “As pessoas acham um plátano: “Rastrearam 100
que aquilo é que produz alergias, devido à poluição pessoas, apenas uma era alérgica a
aquilo nem sequer são pólens, são automóvel, “que plátano, as outras 99 eram ao feno”.
sementes”. Para desmistificar a ideia de
Não quer dizer que algumas os desidrata e os faz que as árvores em geral são fonte
árvores estejam completamente ficar mais pequenos. de alergias em meio urbano, a
isentas de culpa. Por exemplo, é sociedade de alergologia tem
má ideia plantar oliveiras em meio Assim, penetram agendada para 4 a 10 de Abril
urbano, mas “o real problema a Semana Mundial da Alergia,
das alergias na principal época mais facilmente e com uma acção de sensibilização, em
polínica, em Abril, Maio e Junho, mais profundidade colaboração com a Quercus.
são pólens invisíveis, que só se A sociedade divulga todas as
vêem ao microscópio”. As árvores nas vias aéreas” semanas um boletim polínico,
são visadas, quando o perigo “é produzido a partir de captadores
invisível e radica em plantinhas de pólens situados em pontos
mais anónimas”, que muitas “que os desidrata e os faz ficar estratégicos do país. Trata-se
vezes estão ao lado das árvores e mais pequenos. Assim, penetram de aparelhos que estão sempre
proliferam em zonas de baldios e mais facilmente e com mais a aspirar estas partículas do ar,
em canteiros mal cuidados, nota o profundidade nas vias aéreas”, orientados de acordo com os
médico. explica o especialista. “Três quartos ventos, para fitas cuja leitura é feita
Lisboa está muito exposta a da população dos alérgicos a pólens nas universidades de Évora e da
pólens vindos da Zona Sul do país, são alérgicos a oliveiras, gramíneas Madeira. O de Lisboa está instalado
do Alentejo, em particular, onde e parietárias”, constata. Em vários no Hospital de Dona Estefânia.
aquelas ervas existem em maior pontos do país, já foram chamados Cada pessoa pode saber a que pólen
quantidade. Mas, na cidade, os a intervir para explicar este facto específico é alérgico e depois tomar
pólens ficam “mais agressivos” às pessoas que insistem em querer as devidas medidas de protecção,
devido à poluição automóvel, abater árvores. Numa acção que recomenda a sociedade.