Anda di halaman 1dari 136

Seminário Direito,

Gestão e Democracia

Limites da Autonomia
e do Controle do
Poder Executivo

Secretaria de Gestão
Ministério do Planejamento
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

I Ciclo de Debates Direito e Gestão Pública - Anos 2009-2010


II Seminário Direito, Gestão e Democracia
Edição Brasília
19 e 20 de agosto de 2010
Coordenação Nacional:

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Tiago Falcão Silva, secretário de Gestão


Wilson de Castro Junior, consultor jurídico
Ciro Campos Christo Fernandes, diretor do Departamento de Articulação e
Inovação Gerencial
Valéria A. B. Salgado, gerente de projeto
Alexandre Kalil Pires, gerente de projeto
Raphaella de Almeida Bandeira, agente administrativo
Caio Vasconcelos, Advogado da União

Associação Nacional dos Procuradores da República

Antonio Carlos Alpino Bigonha, presidente

Parcerias Institucionais:

Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI


Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes
Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde – Conass
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – Conasems
Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento – Conjur/MP
Escola da Advocacia Geral da União – Eagu
Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea
Ministério Público Federal – MPF

Comitê Científico

Ciro Campos Christo Fernandes é graduado em economia pela


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); doutor em administração
e mestre em gestão pela Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV). É gestor governamental do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e diretor do Departamento
de Articulação e Inovação Institucional da Secretaria de Gestão (Seges)

Elaine Lustz Portela é procuradora federal e exerce o cargo de assessora junto


à Secretaria de Gestão (Seges) Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Karine Andrea Eloy Barbosa é advogada da União e exerce o cargo de


assessora jurídica junto à Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão

2
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Patrícia Vieira da Costa é mestre em Política Comparada pela London School


of Economics and Political Science (LSE), Bacharel em Comunicação Social,
com habilitação em Jornalismo. Foi jornalista da Folha de São Paulo, Gazeta
Mercantil, Reuters e Bloomberg.

Sheila Maria Reis Ribeiro é graduada em filosofia em serviço social e mestre


em sociologia política pela Universidade de Brasília (UnB); tem especialização
em População e Desenvolvimento Econômico pelo Celade/Cepal das Nações
Unidas, no Chile. É servidora pública federal e exerce atividades técnicas
na concepção de novas metodologias de gestão pública, na Secretaria de
Gestão (Seges) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Agradecimentos

Aldino Graef
André Stefani Bertuol
Antônio Carlos Fonseca
Berenice Tessarini Cemente
Carla Simões
Carlos Alberto Justo
Carlos Ari Sundfeld
Elzira Maria do Espírito Santo
Eugênio José Guilherme de Aragão
Fabiano Garcia Core
Fábio de Sá e Silva
Floriano de Azevedo Marques Netos
Francisco Gaetani
Geraldo Antonio Nicoli
Gilson Carvalho
Guilherme Francisco Alfredo Cintra Guimarães
Gustavo Justino de Oliveira
Heider Aurélio Pinto
José Augusto Dias de Castro
José Celso Pereira Cardoso Júnior
José Eduardo Sabo Paes
José Ênio Servilha Duarte
José Genoino
José Humberto Nozella
Juliana Sahione Mayrink Neiva
Julio Roberto Hocsman
Karine Andréia Eloy Barbosa
Lenir Santos
Luciene Pereira da Silva
Luiz Moreira
Mônica Silveira
Marcelo Viana Estevão de Moraes
Maria Aparecida Azevedo Abreu
Maria Coeli Simões Pires

3
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Maria Paula Dallari Bucci


Marina Pereira Pires de Oliveira
Mario Luiz Bonsaglia
Nelson Rodrigues dos Santos
Paula Bayer
Paulo Cesar Medeiros
Reinaldo Dias Ferraz
Rommel Madeiro de Macedo Carneiro
Sábado Nicolau Girardi
Sergio de Andrea Ferreira
Sonia Moreira Alves Mury
Tarcisio Bastos Cunha
Vagner de Souza Luciano
Valter Correia da Silva

O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), em parceria com


a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) promove o
II Seminário Direito, Gestão e Democracia, edição Brasília/DF, nos dias 19
e 20 de agosto de 2010, com o objetivo de promover o debate sobre o
equilíbrio democrático e controle social, e sobre a autonomia e o controle
do Executivo e do ativismo judicial.

Para estimular a reflexão e a construção de referenciais comuns para a


atuação do Estado Brasileiro, o Seminário contempla painéis de apresentação
e discussão de artigos1 de autores selecionados a partir de processo de
convocatória, promovido pela coordenação do evento, relacionados
aos temas em debate e com enfoque especial nas atuais dificuldades de
relacionamento entre órgãos e entidades do Poder Executivo Federal e do
controle interno e externo, responsáveis pela fiscalização das ações dos
administradores públicos.

A iniciativa insere-se no projeto Ciclos de Debates Direito e Gestão Pública,


conduzido pela Secretaria de Gestão e pela Consultoria Jurídica do
Ministério do Planejamento, em parceria com o Ministério Público Federal
e a Associação Nacional dos Procuradores da República, com o apoio de
órgãos e entidades dos poderes executivos Federal, estadual e municipal,
além de entidades civis sem fins lucrativos. Os Ciclos visam criar e manter
um espaço de exposição de ideias que aproximem e integrem profissionais
de diversos setores do conhecimento, especialmente das áreas do direito e
gestão pública.

1. Os artigos selecionados são produções pessoais de seus respectivos autores,


responsáveis pela correção gramatical do texto e pelo conteúdo. Não expressam
posição institucional do órgão ao qual esteja vinculado e/ou dos órgãos coordenadores
do evento.

4
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Sumário
Apresentação............................................................................................. 6

A NATUREZA JURÍDICA DA ENTREVISTA COMPORTAMENTAL


E OS LIMITES DO EXECUTIVO NA SELEÇÃO DOS MELHORES
SERVIDORES PÚBLICOS.................................................................................. 7

Os desafios da Secretaria de Administração


Penitenciária frente ao conservadorismo
do Poder Judiciário Paulista em relação
à prisão provisória................................................................................. 20

Auditoria do TCU como auxílio ao Executivo – Estudo


de Caso...................................................................................................... 26

Reformas no Poder Executivo: um caminho


para o fortalecimento institucional e decisório
do presidente da República?................................................................. 39

A ilegitimidade constitucional da súmula


vinculante nº 13 do STF e os limites de atuação
da Administração Pública..................................................................... 61

O INSTITUTO JURÍDICO DO PLANEJAMENTO . ............................................. 76

A gestão do SUS: limites de sua autonomia diante da


judicialização da saúde, das ações administrativas
e judiciais do Ministério Público e da atuação dos
órgãos de controle............................................................................... 88

Orçamento Público e Independência dos


Poderes: em que pesa a supremacia do Poder
Executivo na previsão, arrecadação e distribuição
da receita pública?................................................................................. 96

ESTRATÉGIAS PARA O ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO


DO CONTRATO DE GESTÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE
VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA).............................................................. 112

Burocracia, Discricionariedade e Democracia:


alternativas para o dilema entre
controle do poder administrativo e
capacidade de implementação........................................................... 118

5
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

APRESENTAÇÃO
A Constituição Federal de 1988 impôs novos desafios às instituições democráticas,
especialmente os de efetivação dos direitos fundamentais e dos direitos sociais,
de descentralização federativa, e de atuação articulada e harmônica entre os
três Poderes do Estado brasileiro: Executivo, Legislativo e Judiciário. São desafios
que, para serem superados, exigem ampla concertação entre agentes públicos
e sociedade.

Nesse contexto, lançamos em 5 de agosto de 2009 o projeto Ciclos de Debates


Direito e Gestão Pública, por meio da Secretaria de Gestão e da Consultoria do
Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão em parceria com a Associação
Nacional dos Procuradores da República, apoiada pelo Ministério Público Federal.

O Projeto nasceu da necessidade de se criar espaços institucionais abertos ao livre


debate entre profissionais das diversas áreas de conhecimento e experiência, do
setor público e da sociedade, dando oportunidade ao confronto de conceitos e
entendimentos acerca da democracia, do direito e da gestão pública. Os Ciclos
constituem um espaço de interlocução com a participação de dirigentes, servidores
da administração pública e especialistas da área do direito, favorecendo o debate
construtivo dentro de um espírito de confiança e colaboração.

Para estimular a reflexão e produção de conhecimento, convidamos os


participantes das ações institucionais dos Ciclos de Debates e demais interessados
a elaborar artigos que tratem de três temas: limites da autonomia e do controle
do Executivo; ativismo judicial; e equilíbrio democrático e controle social.

Portanto, a presente publicação apresenta uma seleção dos trabalhos recebidos


e que foram apresentados durante o II Seminário Direito, Gestão e Democracia,
realizado em Brasília (DF), nos dias 19 e 20 de agosto de 2010.

Os artigos abordam as relações entre a democracia, o direito e a gestão pública,


sob múltiplos escopos, abordagens e campos disciplinares.

Brasília, agosto de 2010

Tiago Falcão Silva Wilson de Castro Junior


Secretário de Gestão do Consultor jurídico do
Ministério do Planejamento, Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão Orçamento e Gestão

6
Seminário Direito, Gestão e Democracia

A NATUREZA JURÍDICA DA ENTREVISTA


COMPORTAMENTAL E OS LIMITES DO EXECUTIVO NA
SELEÇÃO DOS MELHORES SERVIDORES PÚBLICOS
Adam Luiz Alves Barra1

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Seleção por competências.


3. Entrevista comportamental. 4. Regime jurídico do
concurso público. 5. Controle jurisdicional 6. Nova
interpretação sobre a natureza jurídica da entrevista
comportamental. 7. Conclusão.

1 Introdução
Sob a ótica da governabilidade, do progresso econômico e da redução da
desigualdade social, o papel do Estado contemporâneo é fundamental
para o alcance de níveis crescentes de bem-estar coletivo. Indispensável
para o desenvolvimento dos países, o aperfeiçoamento do Estado passa,
necessariamente, pela profissionalização dos agentes públicos.

As políticas de seleção de pessoas da Administração Pública são estratégicas


na profissionalização dos agentes públicos. São elas que podem garantir o
acesso ao cargo público em condições isonômicas e a escolha de servidores
públicos que melhor atendam aos anseios da sociedade.

A Administração Pública Brasileira, contudo, apesar das reformas estruturais


iniciadas na década de 1990, mantém práticas de seleção de servidores
semelhantes às utilizadas na década de 1950; limitando-se, muitas vezes,
a testes de múltipla escolha para avaliar o conhecimento dos candidatos.

Paralelamente, a crise de empregabilidade e o sonho com a estabilidade de


um cargo público levam milhares de brasileiros a gastar tempo e dinheiro na
preparação para concursos públicos. Essa demanda encontrou resposta em uma
forte “indústria” especializada em treinar os indivíduos para responder provas
rigorosamente centradas nos conteúdos programáticos do cargo público vago.

Conseqüentemente, torna-se freqüente a frustração do órgão e a insatisfa-


ção do servidor recém-admitido quando este, apesar do bom desempenho
nas provas do concurso, não demonstra as competências necessárias ao
bom exercício do cargo.

1. Advogado da Caixa Econômica Federal (CAIXA). Especialista em Direito Público pela


Funcesi. Especialista em Gestão de Pessoas pela UnB.

7
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Portanto, é necessário aprimorar objetivos, técnicas e aplicações dos proces-


sos de recrutamento e seleção de servidores públicos, melhorando a identifi-
cação de candidatos mais competentes e adequados à satisfação das necessi-
dades da Administração Pública, sem comprometer a isonomia do concurso.
Selecionar servidores públicos com base em habilidades, atitudes e
experiências passadas, além de conhecimentos, é uma das formas de
aperfeiçoar o concurso público, ampliando as competências organizacionais
da Administração Pública e tornando mais eficiente o alcance de seus
objetivos estratégicos, como a garantia do desenvolvimento nacional.

Uma preocupação, contudo, perturba os dirigentes de recursos humanos da


Administração Pública Federal (APF): como usar essa forma mais estratégica
de selecionar servidores sem ferir a anacrônica legislação atual e nem ter
essa seleção invalidada pelo Judiciário?

Essa questão está presente em uma das recomendações do Relatório da


Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)2 que
analisou a gestão de pessoas do Governo Federal. Em relação ao controle de
legalidade dos concursos da APF pelo Judiciário, reconhece ser “necessário
sensibilizar e obter consenso no judiciário de que o teste acadêmico de
múltipla escolha não é a única forma de evitar o nepotismo, e que certamente
funciona contra o recrutamento ideal”. (OCDE, 2010, p. 26).

Dentre outros fatores, acredita-se que as restrições do Poder Judiciário a


instrumentos de seleção por competências em concursos públicos sejam
decorrentes do diálogo superficial entre a Gestão de Pessoas (foco na
efetividade das técnicas de seleção) e o Direito (foco na adequação do
concurso público aos princípios normativos que o regem), comprometendo
a escolha impessoal dos profissionais mais competentes para a prestação de
serviços públicos à população brasileira.

Visando superar um controle jurisdicional desproporcional por meio do


aprofundamento do diálogo entre essas áreas do conhecimento, este artigo
propõe a entrevista comportamental como instrumento de seleção por
competências de servidores, sustentando que ela pode ser considerada uma
prova ao invés de exame psicotécnico. Qualificada como prova ou avaliação,
a entrevista comportamental seria utilizada em concursos públicos sem
a necessidade de alteração formal da legislação, bastando uma nova
interpretação de sua natureza jurídica.

2. Organização internacional e intergovernamental, com sede em Paris (França), que


reúne representantes de seus países membros (os mais industrializados da economia
de mercado) para trocar informações e definir políticas com o objetivo de maximizar
o crescimento econômico e o desenvolvimento dos Estados-membros.

8
Seminário Direito, Gestão e Democracia

2 Seleção por competências


A comparação de pessoas para decidir quais as mais adequadas e que mais
se identificam com o trabalho a ser realizado caracteriza o processo de
seleção de pessoas como a porta de entrada de novos trabalhadores em
uma organização. Mesmo se tradicionalmente entendido por Taylor como
a busca da pessoa certa para o lugar certo, esse processo ampliou seu foco
ao ir além da identificação do profissional mais tecnicamente qualificado,
tentando reconhecer qual a pessoa com o perfil mais adequado para
desempenhar tarefas específicas na organização (FREITAS, 2004; CARVALHO;
PASSOS; SARAIVA, 2008).

Se o ingresso de uma pessoa na organização for considerado um


macroprocesso, o processo de seleção sucede o processo de recrutamento.
O recrutamento localiza e atrai candidatos com o perfil que atenda às
necessidades organizacionais presentes e futuras, tomando por base
informações oriundas da análise organizacional, do mercado de trabalho
e das competências importantes para que uma pessoa desempenhe
satisfatoriamente suas atividades. Em seguida, a seleção escolhe e classifica os
candidatos recrutados que melhor atendam às necessidades da organização.

A seleção por competências concebe uma nova forma de escolher e classificar


os candidatos, superando o modelo tradicional ao alinhar competências
funcionais e organizacionais:

Na seleção por competências, apesar dos cargos


continuarem sendo a unidade de análise, deverá ser
mapeado o conjunto de saberes que seus respectivos
ocupantes devem ter – o que precisam saber, saber
fazer, saber ser –, levando-se em conta que tais saberes
deverão dar suporte às competências organizacionais
para que elas possam concretizar-se. Por exemplo,
se um empreendimento requer como competência
organizacional a capacidade de inovação contínua,
além das competências requeridas pelas atividades
específicas de cada cargo, devemos considerar que seus
ocupantes deverão ser criativos de maneira que, em
seus processos de trabalho, produzam as inovações que
sustentarão a vantagem competitiva da organização.
(CARVALHO; PASSOS; SARAIVA, 2008, p. 49-50).

O conceito de competência que embasa essa seleção é aquele pensado


por Durand (apud Brandão, 2001). Partindo das chaves do aprendizado

9
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

individual de Pestalozzi (tríplice atividade da cabeça, das mãos e do coração),


propõe que a competência envolve conhecimentos, habilidades e atitudes,
englobando não só questões técnicas, mas também aspectos sociais e
afetivos relacionados ao trabalho.

O conhecimento corresponde a diversas informações assimiladas e estruturadas


pelo indivíduo e também a capacidade de receber informações e integrá-las
dentro de um esquema preexistente, o pensamento e a visão estratégicos. A
habilidade se refere à capacidade de agir de acordo com objetivos ou processos
predefinidos, com técnica e aptidão. Já a atitude corresponde a aspectos
afetivos e sociais relacionados ao trabalho e à identidade do indivíduo com os
valores da organização, contribuindo para que haja o seu comprometimento
e motivação para alcançar os padrões de comportamento esperados e, assim,
atingir resultados no trabalho com alta performance (GUIMARÃES, 2000).

3 Entrevista comportamental
É consenso entre os autores que a entrevista assume um papel central na
coleta de informações e na tomada de decisão da seleção, ainda que existam
diversos instrumentos de seleção. Por isso, em quase toda seleção há algum
tipo de entrevista.

No entanto, segundo muitos autores, nem mesmo a entrevista pode ser usada
isoladamente para selecionar os candidatos. Faissal et al (2005) ressaltam que
ela é mais bem aproveitada à medida que for utilizada como um instrumento
de síntese de todos os resultados. Segundo eles, a entrevista:

Consiste na proposição de perguntas aos candidatos,


tendo como objetivo avaliar o domínio de determinadas
competências relacionadas ao perfil profissional,
levantar informações complementares sobre
competências que não foram vistas por meio de outras
técnicas, investigar mais profundamente aspectos de
uma competência que não tenham sido suficientemente
explorados e esclarecer fatos, impressões, confirmar ou
rejeitar hipóteses que surgiram ao longo do processo
seletivo. (FAISSAL et al, 2005, p. 125).

Ainda que utilizada com muita freqüência, a constituição da entrevista


como instrumento de seleção efetivo e eficaz depende de conhecimento,
habilidade e tato, em razão da alta dosagem de subjetividade e imprecisão
que pode apresentar (CARVALHO; PASSOS; SARAIVA, 2008).

10
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Para a validação desse instrumento, é essencial a superação de inclinações


pessoais. A entrevista deve ser conduzida por profissionais experientes e
capazes de identificar os fatores de ordem pessoal que podem interferir no
processo (preconceitos, antipatia, atração, esteriótipos etc.), considerando
as expectativas da área detentora do cargo e garantindo que o mesmo
candidato seja avaliado por vários entrevistadores, sejam eles membros de
uma equipe de trabalho ou outros indivíduos da empresa (FAISSAL et al,
2005; LIMONGI-FRANÇA; ARELLANO, 2002). A estrutura da entrevista e
o treinamento dos entrevistadores são outros fatores que influenciam na
qualidade da entrevista, de acordo com Bohlander, Snell e Shermam (2005).

Faissal et al (2005, p. 126) classificam as entrevistas “quanto ao grau


de estruturação, ao tipo de informação que se deseja obter e ao tipo de
pergunta utilizada”. Quanto ao tipo de pergunta utilizada nas entrevistas,
elas são tradicionais, situacionais ou comportamentais. Nas tradicionais,
o entrevistador faz perguntas gerais e abertas para que o candidato fale
sobre o que foi sugerido, oferecendo informações para que seja efetuada
a avaliação do seu perfil com as competências requeridas. No caso das
entrevistas situacionais, consideradas uma variação da anterior, são feitas
perguntas abertas e direcionadas às características específicas do trabalho
pertinente ao cargo a ser ocupado pelo candidato. É apresentado ao
candidato um fato hipotético e ele responde que reação teria.

Em relação às entrevistas comportamentais, o conceito apresentado por Reis


(2003), citado por Faissal et al, mostra que:

exemplos comportamentais (fatos específicos da


experiência passada) são a melhor maneira de prever
o comportamento futuro de um candidato. Ao invés
de fazer perguntas ao candidato que o remetem a
situações hipotéticas, condicionais, o entrevistador
formula a pergunta solicitando ao candidato que
descreva uma situação concreta, que ilustre a
competência que se pretende analisar. (REIS apud
FAISSAL et al, 2005, p. 116-117).

Nesse tipo de entrevista as perguntas são abertas e específicas, com foco nas
competências necessárias para o cargo, visando obter descrições de exemplos
comportamentais ocorridos na vida do candidato que indiquem evidências
de uma competência. Uma vantagem da entrevista comportamental
é o aumento das chances de conseguir uma resposta mais realista, com
informações mais precisas sobre as competências do candidato. Assim, ao
analisar os dados obtidos, o avaliador terá um indicador mais seguro para
contribuir em sua tomada de decisão.

11
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Todavia, cabe ressaltar que o comportamento futuro do candidato pode


ser diferente de seus comportamentos anteriores, devido à característica
humana de realizar mudanças pessoais, não sendo, assim, um indicador
absoluto e infalível.

Considerando que na entrevista comportamental são realizadas perguntas a


partir das competências necessárias para o cargo, esse instrumento obtém
descrições de exemplos comportamentais ocorridos na vida do candidato que
indicam evidências de uma competência, possibilitando a escolha de quem
apresenta a menor lacuna (gap) entre o perfil pessoal e o do cargo, facilitando
o alinhamento entre as competências funcionais e organizacionais.

Em síntese, diversamente de outros instrumentos de seleção, a entrevista


comportamental pode avaliar todas as nuances da competência, pois
identifica, além dos conhecimentos e habilidades, o viés das atitudes na
análise do perfil do candidato.

4 Regime jurídico do
concurso público
Desde a Antiguidade, os entes estatais vêm utilizando diversas formas de
selecionar pessoas para ocupar cargos públicos.

O concurso público compreende a atração do maior número de candidatos


qualificados (recrutamento amplo) e a escolha (seleção rígida), com base
em critérios tecnicamente estabelecidos, dos que apresentarem os mais
elevados graus de capacidade, com relação aos requisitos mínimos fixados
para o exercício eficiente dos cargos a serem providos (SIQUEIRA, 1950).

Reúne, portanto, as duas fases iniciais do suprimento de recursos humanos


para a Administração Pública, denominado processo admissional; dividindo-
se, este último, em quatro atividades (fases) que também podem ser
detalhadas segundo processos específicos: recrutamento, seleção, admissão
e registro (BERGUE, 2007).

A experiência mais remota de concurso público é o sistema chinês de


exames, iniciado aproximadamente no século IV, na China pós-feudalismo,
governada por uma classe de profissionais que possuía, cada um, seu
certificado de mérito no concurso. Os exames foram originalmente criados
para testar os conhecimentos dos candidatos a um cargo estatal sobre os
clássicos de Confúcio e a capacidade de pensar à maneira de Confúcio.

12
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Aplicados em forma de exame em massa, com a tensão multiplicada pela


importância do cargo, os testes tinham como objeto textos complicados e
poemas sobre os textos clássicos, além de problemas contemporâneos da
filosofia e do governo. Mesmo sendo possível comprar cargos, o alto status
era quase sempre associado a notas altas (WALZER, 2003).

No Estado Moderno, o concurso público desponta para combater o


nepotismo e o clientelismo, visando a ocupação de cargos públicos por
pessoas selecionadas com base no mérito. Surge, então, o regime do
concurso ou sistema de mérito (merit system) para se opor ao ingresso
nos cargos públicos em razão do prestígio de políticos, de parentes ou
de amigos, característico do sistema do pistolão ou sistema dos despojos
(patronage system ou spoils system) (SIQUEIRA, 1950).

Considerando questões de ordem social (democratização do Estado) e


técnica (administração eficiente), o concurso público torna os cargos públicos
acessíveis a todos os cidadãos e viabiliza o ingresso dos mais qualificados na
Administração Pública.

Assim, os cargos e empregos públicos vagos que necessitam de provimento


caracterizam-se como objeto material do concurso público, enquanto seu
objeto jurídico (efeito jurídico imediato) corresponde ao preenchimento
desses lugares vagos na estrutura estatal por pessoas previamente
classificadas e selecionadas por intermédio de realização de provas ou
provas e títulos, atendendo-se, rigorosamente, à ordem de classificação dos
candidatos, fazendo nascer um vínculo jurídico de natureza funcional (cargo
público) ou trabalhista (emprego público) entre o cidadão e a Administração
Pública (MAIA; QUEIROZ, 2007).

Mesmo se o concurso público é marcado por regras e princípios específicos,


ele se subordina ao regime jurídico do Direito Administrativo na medida em
que compreende uma sucessão ordenada de atos administrativos visando a
um interesse público específico: o recrutamento e a seleção dos profissionais
mais qualificados para prestar serviços à sociedade no exercício de cargos ou
empregos públicos.

Para alcançar esse interesse público específico, a APF não dispõe de lei
própria que discipline o concurso público. Logo, as normas que disciplinam
a seleção de servidores federais estão dispersas no regime jurídico da APF.
Sua principal fonte é a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 (CF/88), seguida pela Lei Federal nº 8.112 de 1990 e pela Lei Federal
nº 9.784 de 1999.

13
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

A CF/88 adota o sistema de mérito em seu artigo 37, incisos I e II. Esses
dispositivos também são conhecidos por tornarem expresso o princípio
do amplo acesso aos cargos públicos. Na medida em que exige que o
concurso público selecione os candidatos por intermédio de provas –
combinadas ou não com títulos – segundo a natureza e complexidade do
cargo público vago, o inciso II aborda o processo de seleção, enquanto
o inciso I restringe o acesso aos cargos públicos ao cumprimento dos
requisitos previstos em lei.

A Lei n° 8.112/1990, por sua vez, acrescenta ao disposto na CF/88: (i)


os requisitos básicos para o ingresso (investidura) em cargo público;
(ii) o respeito à ordem de classificação definida pelas avaliações; (iii)
a possibilidade dele ser realizado em duas etapas; (iv) sua vinculação à
lei e ao regulamento do plano de carreira em que pode estar incluído o
cargo público; e (v) definir que o concurso público terá as condições de
sua realização previstas em edital que deve ser publicado. Essas previsões
estão nos artigos 5º, 10, 11 e 12, § 1º.

Um exemplo de carreira que prevê outros requisitos para a investidura no


cargo é a carreira de policial federal. O artigo 9º da Lei nº 4.878 de 1965,
ainda vigente, acrescenta, aos requisitos básicos dispostos no art. 5º da Lei
n° 8.112/90, os seguintes:

V - ter procedimento irrepreensível e idoneidade moral


inatacável, avaliados segundo normas baixadas pela
Direção Geral do Departamento de Polícia Federal.

VII - possuir temperamento adequado ao exercício


da função policial, apurado em exame psicotécnico
realizado pela Academia Nacional de Polícia. [Grifamos]

Como o concurso público é um processo administrativo, ele também


se subordina, no que for cabível, à Lei nº 9.784/1999, sobretudo quanto
aos princípios do caput do art. 2º (legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência) e aos critérios listados no
parágrafo único.

Enfim, mais do que normas diretas sobre o processo de seleção do concurso


público, esse processo é regido por princípios, especialmente o princípio da
legalidade estrita, devendo estar expressamente previstos em lei os critérios
ou requisitos para investidura no cargo público.

14
Seminário Direito, Gestão e Democracia

5 Controle jurisdicional
O Poder Judiciário realiza o controle jurisdicional quando verifica a
legalidade dos atos da Administração Pública (artigo 5º, inciso XXXV, CF/88).
Assim, torna-se imprescindível conhecer como os Tribunais Superiores estão
interpretando as normas lacunosas e princípios do processo de seleção
de servidores públicos federais e estão aplicando-os aos casos em que a
entrevista foi utilizada em concursos públicos.

As decisões judiciais do STJ que tratam da entrevista (i) vedam o enfoque


subjetivo, sigiloso e irrecorrível das entrevistas utilizadas como instrumento
de seleção de servidores públicos, bem como (ii) reconhecem sua vinculação
ao exame psicotécnico3.

Igualmente admitindo a identidade entre entrevista e exame psicotécnico4,


o STF vem decidindo que esse exame deve estar previsto em lei para ser
utilizado em concurso público, pois o edital não pode criar limitações para
acesso a cargo público sem previsão legal: “o exame psicotécnico pode ser
estabelecido para concurso público desde que seja feito por lei, e que tenha
por base critérios objetivos de reconhecido caráter científico, devendo existir,
inclusive, a possibilidade de reexame”5. Depois de inúmeras decisões nesse
sentido, a Corte Suprema editou, em 24/09/2003, a Súmula nº 686: “só por
lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo
público” [Grifamos]. Decisões mais recentes confirmam esse entendimento6.

Portanto, as menções diretas à entrevista como instrumento de seleção na


jurisprudência do STJ/STF a consideram um exame psicotécnico que avalia
requisitos específicos na habilitação do candidato para acesso ao cargo
público. Conseqüentemente, a entrevista apenas seria admitida em concursos
públicos federais quando houver simultaneamente: (i) previsão legal; (ii)
cientificidade e objetividade dos critérios adotados; e (iii) possibilidade de
revisão do resultado obtido pelo candidato

3. Recurso Especial Nº 27.866/DF, Relator Ministro Edson Vidigal, julgado em 02/10/1995;


e Recurso Especial Nº 462.676/RS, Relator Ministro Paulo Medina, julgado em 23/03/2004.
4. Recurso Extraordinário Nº 194.657-1/RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence,
julgado em 04/10/2001; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário Nº 344.880/
RN, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 08/10/2002.
5. Recurso Extraordinário Nº 188234/DF, Relator Ministro Néri da Silveira, julgado em
19/03/2002.
6. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário Nº 417.019/SE, Relator Ministro
Sepúlveda Pertence, julgado em 14/08/2007; Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento Nº 595.541/MG, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 16/06/2009.

15
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

6 Nova interpretação sobre


a natureza jurídica da
entrevista comportamental
Mesmo não sendo localizada menção direta à entrevista comportamental
nos julgados do STJ/STF, infere-se, analisando o inteiro teor das decisões,
que a esse instrumento de seleção seria atribuída a natureza jurídica de
exame psicotécnico, encontrando óbice no regime jurídico da APF em razão
da ausência de previsão legal.

Logo, ainda que a decisão sobre instrumentos de seleção e avaliação dos


resultados do concurso público estejam relacionadas à questão técnico-
administrativa (função administrativa), a opção técnica se subordina
ao princípio da legalidade estrita, podendo ser revista pelo Judiciário no
exercício da função jurisdicional do Estado.

Exemplificando, como o art. 37, I, da CF/88, dá acesso aos cargos públicos


para todos e confere à lei o papel de restringir a forma de acesso a eles, se
a entrevista comportamental do concurso público impedir a investidura de
um candidato e não estiver prevista em lei, o dispositivo constitucional seria
violado e o candidato preterido amparado pela atual jurisprudência em seu
desejo de invalidar a entrevista.

Dessa forma, constata-se que a lacuna legal e o controle jurisdicional são as


principais dificuldades jurídicas para a aplicação do modelo de gestão por
competências nos processos seletivos da APF. Aparentemente, seria necessário
modificar formalmente a legislação para viabilizar o uso da entrevista
comportamental em certames para todo e qualquer cargo público federal.

Todavia, indo além da literalidade das normas e analisando profundamente


os institutos em questão, são identificadas três principais diferenças entre
a natureza da entrevista do exame psicotécnico e aquela da entrevista
comportamental da seleção por competências.

A primeira delas se refere ao objeto da entrevista. Enquanto a entrevista


do exame psicotécnico constitui apenas um pressuposto para ingresso nos
cargos públicos (requisito para investidura), a entrevista comportamental é
propriamente uma avaliação dos candidatos em termos de competitividade
das competências identificadas (prova). Em segundo lugar, quanto ao efeito
de seu resultado, aquela tem caráter exclusivamente eliminatório, já a
comportamental apresenta tanto caráter classificatório quanto eliminatório.

16
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Por último, no que se refere àquilo que é medido, destaca-se que a


entrevista de que tratam as decisões judiciais analisadas mede a aptidão
mental e o temperamento, por sua vez, a entrevista comportamental afere
as competências funcionais do candidato.

Ao invés de restringir o concurso público a um mero teste de conhecimento,


reconhecer a entrevista comportamental como prova/avaliação para viabilizar
a seleção de servidores federais por competências é: (i) interpretar o Regime
Jurídico da APF de forma a garantir o atendimento do fim público a que se
destina o concurso público e a adequar os meios sem comprometer os fins
(art. 2º, parágrafo único, incisos VI e XIII, Lei n.º 9.784/1999); (ii) incorporar
métodos de interpretação voltados para o atendimento do interesse público
e do bem-estar geral na busca pela máxima efetividade da Constituição com
a mínima restrição dos direitos constitucionais; e (iii) possibilitar o ingresso
dos candidatos mais competentes na APF (sistema de mérito).

Quanto à falta de objetividade, cientificidade e reexame da entrevista,


acredita-se que simples cuidados – como a gravação em vídeo e aqueles
listados no tópico 3 deste artigo – podem amenizar o problema e igualar sua
subjetividade àquela das questões discursivas.

Logo, sendo mais coerente com as características da entrevista


comportamental e com a atual realidade constitucional, propõe-se uma
alteração no sentido interpretativo da CF/88 sobre a natureza jurídica
da entrevista comportamental ao considerá-la uma dentre as provas do
concurso público, pois avalia o mérito do candidato com base em suas
competência com níveis aceitáveis de objetividade, cientificidade e reexame
da seleção; afastando a jurisprudência da Corte Constitucional que a
considera um exame psicotécnico, voltado exclusivamente a habilitar (ou
não) o candidato para o exercício do cargo, constatando a presença (ou
ausência) de um requisito específico de investidura.

7 Conclusão
A análise da entrevista comportamental como instrumento de seleção por
competências de servidores, confrontada com o regime jurídico do concurso
público federal e com a atual jurisprudência do STJ/STF, aponta que o controle
jurisdicional é o que impede sua utilização na APF (e não a legislação), na
medida em que o Judiciário reconhece a entrevista comportamental como
exame psicotécnico e não como prova ou avaliação.

17
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Dessa forma, são propostas duas alternativas para que, além do domínio de
conhecimentos relevantes, competências e experiências passadas aferidas
na entrevista comportamental interfiram na ordem de classificação de um
concurso público federal: (i) modificar formalmente a legislação; ou (ii)
assumir uma nova interpretação da natureza jurídica desse instrumento de
seleção, admitindo uma mutação constitucional que o enquadre no conceito
de prova (art. 37, II, CF/88).

Por fim, independentemente dessas alternativas, defende-se que o


aperfeiçoamento da Administração Pública e da qualidade do serviço público
prestado à sociedade brasileira passa pelo aprofundamento do diálogo entre
os dirigentes de recursos humanos da APF e as carreiras jurídicas de Estado,
na busca por alternativas que operacionalizem a seleção por competência de
servidores públicos plenamente alinhada aos princípios que norteiam a CF/88.

Referências
BERGUE, Sandro Trescastro. Gestão de pessoas em organizações públicas.
2. ed. rev. e atual. Caxias do Sul, RS: Educs, 2007.
BOHLANDER, George; SNELL, Scolt; SHERMAN, Arthur. Trad. Maria Lúcia
G. Leite Rosa. Administração de recursos humanos. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2005.
BRANDÃO, Hugo Pena; GUIMARÃES, Tomás de Aquino. Gestão de
competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou
instrumentos de um mesmo construto? Revista de Administração de
Empresas – RAE. São Paulo, v. 41, n. 1, p. 8-15, jan./mar. 2001.
CARVALHO, Ieda Maria Vecchioni; PASSOS, Antônio Eugênio V. Mariani;
SARAIVA, Suzana Barros Corrêa. Recrutamento e seleção por competências.
Rio de Janeiro: FGV, 2008.
FAISSAL, Reinaldo. et al. Atração e seleção de pessoas. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
FREITAS, Liziane Castilhos de Oliveira. Avaliação psicológica em concurso
público: relações com o desempenho em treinamento de bombeiros.
Dissertação de mestrado em psicologia. Brasília: Universidade de Brasília, 2004.
GUIMARÃES, Tomás de Aquino. A nova administração pública e a
abordagem da competência. Revista de Administração Pública. Rio de
Janeiro: FGV, 34(3), p. 125-140, mai./jun. 2000.
LIMONGI-FRANÇA, Ana Cristina; ARELLANO, Eliete Bernal. Os processos de
recrutamento e seleção. In: FLEURY, Maria Tereza Leme (Org.). As pessoas
na organização. São Paulo: Gente, 2002.

18
Seminário Direito, Gestão e Democracia

MAIA, Márcio Barbosa; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do


concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007.
OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Avaliação da gestão de recursos humanos no governo – Relatório da
OCDE: Brasil 2010 - Governo Federal. Disponível em: <http://www.mp.gov.
br/secretarias/upload/Arquivos/noticias/srh/100520_estudo _OCDE.pdf>.
Acesso: 23 jul. 2010.
SIQUEIRA, Belmiro. Do regime de concurso: sua eficiente implantação no
S.P.F. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1950.
WALZER, Michael. Esferas da justiça: uma defesa do pluralismo e da
igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

19
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Os desafios da Secretaria de Administração


Penitenciária frente ao conservadorismo
do Poder Judiciário Paulista em relação
à prisão provisória.
Ana Célia Lobo Silva1

“Homicidas, ladrões, traficantes, estelionatários são todos iguais e merecem


ser confinados em prisões”. Essa é uma ideia que está sendo disseminada
em nossa sociedade cada vez mais assustada com a violência nos meios
urbanos, no núcleo familiar, entre jovens, contra mulheres. Porém, ao se
analisar mais de perto ver-se-á que não; homicidas, ladrões, traficantes
e estelionatários não são iguais. Eles se igualam em um sentido, todos
erraram e estão em dívida com a sociedade, mas devem receber tratamentos
diferentes na medida em que se diferenciam. Pensando nessa questão, o
constituinte traz o princípio da individualização da pena (artigo 5º, inciso
XLVI): de acordo com este princípio, para cada crime há uma pena que
varia de acordo com a personalidade do agente, o meio de execução e
demais circunstâncias. Na prática, porém, a situação é diferente, Câmara
(2007) afirma que os estabelecimentos prisionais se transformaram num
modelo que nivela os internos por baixo, leva-os à revolta e ao desespero,
realimentando a criminalidade.

De acordo com Luís Flávio Gomes, pena é a sanção (castigo) imposta pelo
Estado (pela autoridade judicial competente e de acordo com o devido
processo legal) ao autor (culpável) de um fato punível. Mas, qual é a função
da pena? Ao longo do tempo a pena sofreu diversas transformações, desde a
humilhação em praça pública, castigos cruéis ao corpo à perda da liberdade
com a construção de prisões. A doutrina contemporânea defende que a
pena possui duas funções: proteger a sociedade e reeducar o indivíduo
para que volte ao convívio social quando supostamente estiver preparado.
Entretanto, será que o sistema prisional em seu formato atual, cumpre essas
duas funções? Será que a perda do direito à liberdade é a única forma de se
chegar a esse resultado? Se a resposta fosse afirmativa, não seria admissível
o índice de 60% de reincidência, assim como crimes cometidos por celulares
de dentro das unidades prisionais. Portanto, são necessárias novas penas
1. Especialista em Políticas Públicas, Secretaria de Gestão Pública do Estado de
São Paulo. Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos
(UNISANTOS), bolsista CAPES. Graduada em Direito pela mesma Universidade (2002).
É pesquisadora do Fórum das Federações, onde representou o Brasil nas duas últimas
Conferências Internacionais sobre Federalismo, em março de 2005 (Bruxelas) e
novembro de 2007 (Nova Délhi). Tem experiência na área de docência em Direito, com
ênfase em Direito Internacional Público, atuando principalmente nos seguintes temas:
federalismo, política externa, contratos internacionais, constituição e globalização.

20
Seminário Direito, Gestão e Democracia

para se punir melhor, como as penas alternativas, dispostas no artigo 44 do


Código Penal. De acordo com Salla (2007), a lei 9714/98 que regulamenta
as penas alternativas foi uma ação governamental que visava a conter o
aumento vertiginoso da população carcerária. Mas, seus efeitos são mais
abrangentes. Porque, não só evita que o indivíduo seja preso, como dá uma
segunda chance, comprovadamente diminuindo o número de reincidência.

A Secretaria de Administração Penitenciária – SAP – é responsável pela


administração de 147 unidades prisionais, de diversos tipos. A grande maioria
dessas unidades prisionais, senão todas, encontra-se com uma população
carcerária acima de sua capacidade. Esta situação demonstra o grande desafio
da SAP em lidar com as diversas lógicas, muitas vezes, conflitantes entre as
instituições que compõem o que chamamos aqui de sistema de justiça. A
lógica das polícias é prender, sua responsabilidade termina no momento em
que o infrator é preso. O Ministério Público representa sua eficácia no número
de sentenças condenatórias alcançadas. O Poder Judiciário além de apresentar
morosidade em seus trâmites, possui um comportamento conservador, ao
manter a lógica da prisão provisória (cautelar) como única forma de garantir
o cumprimento da lei, contribuindo para a situação atual do sistema
penitenciário. O Supremo Tribunal Federal tem decidido em sentido contrário,
destacando o fato da indispensabilidade da medida:

“Mera suposição – vocábulo abundantemente utilizado


no decreto prisional – de que o paciente obstruirá as
investigações ou continuará delinquindo não autorizam
a medida excepcional de constrição prematura da
liberdade de locomoção. Indispensável, também aí, a
indicação de elementos concretos que demonstrassem,
cabalmente, a necessidade da prisão. (...) A prisão
preventiva em situações que vigorosamente não
a justifiquem equivale a antecipação da pena,
sanção a ser no futuro eventualmente imposta, a
quem a mereça, mediante sentença transitada em
julgado. A afronta ao princípio da presunção de não
culpabilidade, contemplado no plano constitucional
(art. 5º, LVII, da Constituição do Brasil), é, desde essa
perspectiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória, a regra é a liberdade; a prisão,
a exceção. Aquela cede a esta em casos excepcionais.
É necessária a demonstração de situações efetivas
que justifiquem o sacrifício da liberdade individual
em prol da viabilidade do processo. (...) O controle
difuso da constitucionalidade da prisão temporária
deverá ser desenvolvido perquirindo-se necessidade e

21
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

indispensabilidade da medida. A primeira indagação a


ser feita no curso desse controle há de ser a seguinte:
em que e no que o corpo do suspeito é necessário à
investigação? Exclua-se desde logo a afirmação de
que se prende para ouvir o detido. Pois a Constituição
garante a qualquer um o direito de permanecer calado
(art. 5º, LXIII), o que faz com que a resposta à inquirição
investigatória consubstancie uma faculdade. Ora, não
se prende alguém para que exerça uma faculdade.
Sendo a privação da liberdade a mais grave das
constrições que a alguém se pode impor, é imperioso
que o paciente dessa coação tenha a sua disposição
alternativa de evitá-la. Se a investigação reclama a
oitiva do suspeito, que a tanto se o intime e lhe sejam
feitas perguntas, respondendo-as o suspeito se quiser,
sem necessidade de prisão.” (HC 95.009, Rel. Min. Eros
Grau, julgamento em 6-11-2008, Plenário, DJE de 19-
12-2008).  No mesmo sentido:HC 94.541, Rel. Min.
Marco Aurélio, julgamento em 30-6-2009, Primeira
Turma, DJEde 23-10-2009. (grifos nossos)

De acordo com dados do Departamento de Controle e Execução Penal,


obtidos no dia 11 de novembro de 2009, o Estado de São Paulo tem sob sua
custódia cerca de 163.752 presos, sendo 153.722 recolhidos nas unidades
prisionais da SAP e 10.030 sob a responsabilidade da Secretaria de Segurança
Pública, sendo que o total de vagas oferecidas pelas unidades prisionais é
de 97.064 vagas, o que torna inviável a individualização da pena nesses
estabelecimentos, além de misturar presos de graus de periculosidade
diferentes, assim como condenados e provisórios. É um contra-senso saber
que dentre esses presos provisórios encontram-se aqueles cuja pena poderá
ser convertida em penas restritivas de direito e que, se condenados, poderão
ser soltos. Partindo desse pressuposto, o diretor do Centro de Detenção
Provisória (CDP) de Sorocaba, Márcio Coutinho, criou o projeto Carpe Diem.

O Projeto, criado em junho de 2009, consiste na custódia diferenciada


de presos dos CDPs que cometeram crimes de baixo potencial ofensivo,
para evitar a convivência com demais internos (reincidentes ou de alta
periculosidade). Esses presos, caso condenados, terão sua pena privativa de
liberdade convertida em prestação de serviços à comunidade. No projeto,
são criados alojamentos próprios separados do restante da unidade prisional,
com bibliotecas, sala de estar, refeitórios, oficinas, atendimento psicossocial
diário e laborterapia. Os detentos, se condenados, também prestam
serviços ao Município, portanto, no projeto participam de encontros sobre
ações municipais o que lhes propicia maior interação, contribuindo ao seu

22
Seminário Direito, Gestão e Democracia

processo de reinserção social. Segundo o diretor, a idéia surgiu em 2006.


“Cruzei com um interno saindo da prisão. Ele estava chorando, desesperado.
Fui conversar com ele e descobri que outros presos tinham exigido que ele
mandasse informações para eles sobre o trajeto dos caminhões da empresa
em que ele havia trabalhado, para poderem roubar carga”, disse Coutinho2.
Os relatos apresentados pelo diretor demonstram que é necessário manter
os presos separados conforme o crime que cometeram, ou facção da qual
façam parte. Mas, como ficam aqueles que não fazem parte de qualquer
facção? Infelizmente, esses muitas vezes são aliciados ou ameaçados por
aqueles que já estão comprometidos com a criminalidade, tornando-
os “primos” (aqueles que ao saírem da prisão precisam cumprir alguma
missão, como no caso descrito pelo diretor) ou “irmãos” (aqueles que se
associam) dessas facções. O projeto Carpe Diem vem justamente evitar que
tais situações aconteçam. De acordo com a Assessoria de Imprensa da SAP,
até hoje, já passaram pelo projeto 211 detentos do CPD de Sorocaba, com
resultados positivos que fizeram com que a coordenadoria de reintegração
social da SAP trabalhasse para ampliar o Carpe Diem para as unidades de
Hortolândia, Campinas e Araraquara.

O grande diferencial da SAP encontra-se justamente no fato de que todo


seu trabalho depende das práticas de outras instituições. Atualmente, existe
um movimento de incentivo à aplicação de penas alternativas. Mais do que
criar novas vagas no sistema carcerário, de acordo com Mauro Rogério
Bittencourt, coordenador de Reintegração Social da SAP, outras medidas
são necessárias: agilidade processual e alteração na lei para que as penas
alternativas sejam aplicadas a um rol maior de tipos penais. Durante a 1ª
reunião do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF),
no Conselho Nacional de Justiça, o Desembargador Romero Osme Dias
Lopes, do Mato Grosso do Sul, defendeu alteração na aplicação de penas
alternativas aos réus primários, acusados por tráfico de drogas, com bons
antecedentes, não pertencentes a qualquer facção criminosa, com residência
física, conhecidos popularmente como “mulas”3. No mesmo sentido, em
recente apreciação de habeas corpus, o Ministro do STF Carlos Ayres Brito
votou pela inconstitucionalidade do artigo 44 e 33, §4º da Lei 11. 343/96,
Lei de Drogas, que proíbe a substituição da pena privativa de liberdade em
restritiva de direitos4. Mais importante do que tirar a liberdade do indivíduo
é fazer com que este se arrependa do crime e sinta que está realmente
2. Fonte: http://www.puc-campinas.edu.br/servicos/detalhe.asp?id=46271, extraído
em 30 de junho de 2010.
3. Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2130871/des-romero-defende-a-aplicacao-
de-penas-alternativas-para-mulas, extraído em 30 de junho de 2010
4. Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2129500/possibilidade-de-pena-alternativa-
para-condenado-por-trafico-de-drogas, extraído em 30 de junho de 2010.

23
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

pagando pelo seu ato contra a sociedade, retribuindo à mesma.

A criação das Centrais de Penas Alternativas (CPAs) é um bom exemplo de que


a cooperação entre as diversas instituições é o melhor caminho para lidar com
os desafios da violência e suas conseqüências. De acordo com Bittencourt,
o processo de criação das centrais envolve Poder Executivo federal, estadual
e municipal, Poder Legislativo municipal e Poder Judiciário. O juiz, assim
como o promotor de justiça , que, principalmente, nas comarcas do interior
trabalha intensamente com o juiz das execuções penais, podem pedir à
SAP pela criação de uma central, de acordo com o número de demandas
de penas alternativas da Comarca. Feito este pedido, a Coordenadoria de
Reintegração Social verifica se o Poder Judiciário apresenta a demanda
necessária para que seja viável a criação de uma central naquela região e
contata o prefeito do município para a possibilidade de um convênio de
cooperação. Neste convênio, ficam estabelecidas as atribuições de cada
um. O Município, através de um decreto, autoriza o uso de um imóvel
pela CPA, assim como elenca serviços públicos municipais que poderão ser
desempenhados pelos condenados (limpeza, melhoramentos etc),Para isto, o
convênio, antes de assinado, é apreciado pela Câmara Municipal, o que gera
maior legitimidade aos trabalhos desenvolvidos. A SAP é responsável pelos
recursos humanos assim como também elenca serviços em suas repartições
para aplicação da pena. Por meio de uma Portaria do Juiz, esses órgãos
públicos são credenciados para que recebam os condenados. Esta dinâmica
gera benefícios a todas as instituições envolvidas, mas principalmente,
à sociedade. Atualmente, de acordo com Bittencourt, existem 38 CPAs
distribuídas pelo Estado e 50 em processo de criação, sendo que, em Leme,
será inaugurada uma em breve. Bittencourt salienta que a prestação de
serviços à comunidade possui um diferencial:há um caráter retributivo, em
que o condenado sente que está pagando a pena e a sociedade recebe os
benefícios desse trabalho.

A SAP, dentro de sua governabilidade, visa cumprir a Lei de Execuções


Penais, mas lida diariamente com desafios de gestão, dos aproximadamente
143.000 presos, apenas 40.000 trabalham e 16.000 estudam, de acordo
com Bittencourt. Para haver uma real mudança, é necessário que todas as
instituições: Ministério Público, Polícia Civil, Poder Judiciário e SAP estejam
cientes de sua participação no processo, assim como dos reflexos que suas
ações projetam. Só assim o sistema penitenciário cumprirá o seu papel de
reintegração social, diminuindo a reincidência e desencorajando o indivíduo
para a vida criminal.

24
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Referências Bibliográficas:
ADORNO, Sérgio. Violência, Controle Social e Cidadania: Dilemas na
Administração da Justiça Criminal. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 41,
dez, 1994.
CÂMARA, Paulo Sette. A política carcerária e a Segurança Pública. Revista
Brasileira de Segurança Pública. Ano 1- Edição 1. PP. 72-90, 2007
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Editora
Vozes, 2004.
GOMES, Luís Flávio. Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2000. Edição
revisada e atualizada.
SALLA, Fernando. De Montoro a Lembo: as políticas penitenciárias em São
Paulo. Revista Brasileira de Segurança Pública. Ano 1- Edição 1. PP. 72-90, 2007
_____; MIRAGLIA, Paula. O PCC e a gestão dos presídios em São Paulo.
Novos Estudos. CEBRAP 80. PP. 21-41, 2008

Sites:
Conselho Nacional de Justiça – www.cnj.gov.br
Imprensa Oficial – www.imprensaoficial.com.br
Jus Brasil Notícias – www.jusbrasil.com.br/noticias
Ministério da Justiça – Departamento Nacional Penitenciário - www.mj.gov.
br/depen
Ministério Público do Estado de São Paulo – www.mp.sp.gov.br
Núcleo de Estudos da Violência – USP – www.nevusp.org
Observatório de Segurança Pública – Boas Práticas do Estado de São Paulo –
UNESP – www.observatoriodeseguranca.org
Presidência da República – www.planalto.gov.br
Pontifícia Universidade Católica de Campinas - www.puc-campinas.edu.br/
Secretaria de Administração Penitenciária – www.sap.sp.gov.br
Supremo Tribunal Federal – www.stf.jus.br
Entrevista:
Mauro Rogério Bittencourt, coordenador de Reintegração Social da
Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo.

25
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Auditoria do TCU como auxílio ao Executivo –


Estudo de Caso:

auditoria realizada nos Hospitais Universitários


Caio Castelliano Vasconcelos1

Pode o Tribunal de Contas da União (TCU) atuar em auxílio ao Poder


Executivo? A resposta a essa indagação merece análise minuciosa dos
comandos constitucionais e reflexão acerca das conseqüências práticas da
atuação daquele órgão.

A Constituição Federal de 1988 ampliou significativamente as


competências atribuídas ao TCU, que recebeu poderes para auxiliar o
Congresso Nacional no exercício do controle externo 2 das entidades da
administração direta e indireta. Um dos seus encargos está elencado
no art. 71, incivo IV :

“realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados,


do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito,
inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades
administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;”

Analisemos a primeira parte do inciso acima, quanto à legitimidade para solicitar


auditorias e inspeções. O texto é claro ao afirmar que a iniciativa só pode partir do
próprio tribunal ou do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados ou Senado
Federal). Quando se estende e fala em Comissão técnica ou de inquérito, quer
dizer Comissão técnica ou de inquérito do próprio Poder Legislativo. Sendo assim,
o Poder Executivo não tem a prerrogativa de solicitar uma auditoria diretamente
ao TCU, ou seja, não pode figurar no pólo ativo da fiscalização.

A última parte do inciso citado especifica o pólo passivo da auditoria, aquele


que será alvo da inspeção. Nesse pólo estão as unidades administrativas
dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas
no inciso II do mesmo art. 71 (“administração direta e indireta, incluídas as
fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal”).
A CF/88, nesta parte, quis evidenciar que o TCU tem legitimidade para

1. Advogado da união em exercício na Consultoria Jurídica do Ministério do


Planejamento, Orçamento e Gestão.
2. BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de
outubro de 1988 (Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será
exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União)

26
Seminário Direito, Gestão e Democracia

fiscalizar autarquias, fundações públicas e sociedades de economia mista.


As alegações de que se tratam de pessoas jurídicas distintas da União ou
de que podem possuir natureza jurídica de direito privado não justificam
que fiquem de fora da fiscalização, uma vez que tem relação umbilical com
o Poder Público Federal. O Supremo Tribunal Federal (STF), por sinal, já se
manifestou sobre o tema, encerrando qualquer discussão3.

Aqui já podemos tirar uma primeira conclusão: o Poder Executivo não pode
solicitar a atuação do TCU, mas suas unidades administrativas podem ser
alvo dessa atuação, inclusive aquelas pertencentes à Administração indireta.
Em outras palavras, o Poder Executivo não pode ocupar o pólo ativo da
fiscalização, mas pode ocupar o pólo passivo.

Dentro do escopo delimitado pelo inciso IV acima transcrito, restando


evidente quem audita (início do inciso) e quem é auditado (final do inciso),
podemos tecer comentários sobre sua parte central: qual o seu objeto, a
ação a ser empreendida.

A fiscalização consiste em realizar auditorias ou inspeções de natureza contábil,


financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. Importante salientar que
cada um desses tipos de auditoria não se limita a verificar a conformidade
legal dos atos. Há autorização constitucional expressa, estampada no art. 70,
para que se analise também sua legitimidade e economicidade.

Em uma auditoria patrimonial em que se fiscaliza os bens móveis de determinada


repartição, por exemplo, não se verifica apenas se sua aquisição seguiu o processo
licitatório correto ou se todos os bens inventariados se encontram no local. Deve-
se analisar, também, se não foram escolhidos bens com especificações claramente
acima do necessário (economicidade) ou se os equipamentos estão atendendo de
modo satisfatório a finalidade para o qual foram adquiridos (legitimidade).

As auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária e patrimonial


podem ver visualizadas de forma mais fácil, uma vez que os termos utilizados
definem diretamente o objeto da fiscalização: a contabilidade, as finanças,
o orçamento e o patrimônio das unidades administrativas, respectivamente.
Mas o que falar da auditoria operacional? Seriam fiscalizadas suas
“operações”? Nesse ponto nos socorremos de definição dada pela doutrina:

“Auditoria Operacional consiste em avaliar as ações


gerenciais e os procedimentos relacionados ao
processo operacional, ou parte dele, das unidades ou
entidades da Administração Pública Federal, programas
de governo, projeto, atividades, ou segmentos destes,
3. Mandado de Segurança 26117 – Relator Eros Grau

27
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

com a finalidade de emitir uma opinião sobre a


gestão quanto aos aspectos da eficiência, eficácia e
economicidade, procurando auxiliar a administração na
gerência e nos resultados, por meio de recomendações,
que visem a aprimorar os procedimentos, melhorar os
controles e aumentar a responsabilidade gerencial”4

Note-se que, neste ponto, a fiscalização deixa de ter um caráter


eminentemente corretivo, de apontar erros, e passa a ter uma maior
natureza preventiva. A auditoria operacional também pode ser definida
como auditoria gerencial. Procura-se auxiliar o gestor, aconselhar, indicar
caminhos. Muitas vezes quem está no dia-a-dia da administração é absorvido
pelas rotinas e necessidades urgentes e não tem o tempo adequado para
refletir sobre o próprio trabalho.

Nesse momento, uma auditoria operacional é bem-vinda. É natural que o


gestor público seja refratário a qualquer tipo de inspeção, vez que falhas
sempre poderão ser encontradas. No entanto, a equipe do TCU, em uma
fiscalização desse tipo, não está ali para apontar culpados e sim para indicar
quais possíveis medidas a tomar para evitar essas falhas.

O TCU reconhece que seu trabalho, nestes casos, tem por objetivo orientar
o gestor público:

“Uma das vertentes de atuação do TCU é a realização


de auditorias operacionais. Esse tipo de fiscalização
visa contribuir para a melhoria do desempenho de
programas de governo e, ainda, aumentar a efetividade
do controle, por meio da mobilização de atores sociais
no acompanhamento e na avaliação dos objetivos, da
implementação e dos resultados das políticas públicas.

Auditoria operacional – ANOp é o exame independente


e objetivo da economicidade, eficiência, eficácia e
efetividade de organizações, programas e atividades
governamentais, com a finalidade de promover o
aperfeiçoamento da gestão pública.”5

Ao invés de se verificar simplesmente a conformidade entre os procedimen-


tos e as normas (prestação de contas strictu sensu), busca-se fornecer feed-
back verdadeiro e útil sobre eficácia de políticas e programas. Podemos afir-
4. Jung, Sergio – Adminstração, orçamento e contabilidade pública – 3ed. – Rio de
Janeiro: Elsevier, 2008, p. 678
5. http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_
governo, acessado em 29/07/10, às 21:47h

28
Seminário Direito, Gestão e Democracia

mar, então, que a auditoria operacional tem natureza distinta dos demais
tipos de auditoria. Esse fato é reconhecido pelo próprio Tribunal de Contas
da União:
“As auditorias operacionais possuem características
próprias que as distinguem das auditorias tradicionais.
Devido à variedade e complexidade das questões
tratadas, possuem maior flexibilidade na escolha de
temas, objetos de auditoria, métodos de trabalho
e forma de comunicar as conclusões de auditoria.
Empregam ampla seleção de métodos de avaliação
e investigação de diferentes áreas do conhecimento,
em especial das ciências sociais. Além disso, essa
modalidade de auditoria requer do auditor flexibilidade,
imaginação e capacidade analítica”.6

Esta talvez seja a atividade do TCU que possa gerar mais frutos para a
sociedade. Ao avaliar o resultado prático de políticas públicas, deixa-se
evidente quais ações e programas governamentais não estão atendendo sua
finalidade: o bem-estar social. A partir daí podem ser tomadas medidas para
corrigir o rumo de uma ação específica ou, até mesmo, de toda uma política
de governo.

A literatura define planejamento como um processo constituído de uma


série seqüencial de seis passos, a saber definir objetivos, verificar qual a
situação atual em relação aos objetivos, desenvolver premissas quanto às
condições futuras, analisar alternativas de ação, escolher um curso de ação
entre várias alternativas e implementar o plano e avaliar os resultados. 7

Ao verificar qual é a situação atual e indicar as alternativas de ação, o Tribunal faz


grande parte do trabalho de planejamento que envolve qualquer política pública.

Nesse ponto chegamos a uma conclusão teórica: um trabalho realizado pelo


TCU (auditoria operacional) pode ser útil para a atuação prática do Poder
Executivo, ao elaborar um diagnóstico e indicar medidas que podem ser
tomadas em relação a uma determinada política pública.

Uma vez que a teoria está clara, devemos dar um passo adiante e analisar se
todo esse processo ocorre no mundo real. Pode-se fazer o seguinte tipo de
questionamento: o TCU realmente faz esse tipo de auditoria operacional?
Esse trabalho é realizado de forma a poder ser aproveitado pelo gestor
público? Em caso positivo, o Governo leva em consideração os resultados da
6. http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_
governo, acessado em 29/07/10, às 21:30h.
7. Chiavenato, Idalberto – Adminitração Pública – 2. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier,
2008, p. 343

29
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

auditoria em suas decisões? Alguma medida prática já foi tomada com base
em uma inspeção realizada pelo TCU?

Respondendo à primeira indagação, podemos afirmar, com segurança, que


o TCU realiza auditorias operacionais. Ao longo dos anos essa atividade vem
ganhando cada vez mais importância dentro do órgão. Vejamos :

“O Tribunal de Contas da União também criou, em


2000, uma unidade especializada, chamada Secretaria
de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo
- Seprog, que, desde então, realiza, prioritariamente,
auditorias operacionais de abrangência nacional e
regional. Além disso, desenvolve e dissemina métodos
e técnicas sobre essa modalidade de auditoria.

Desde 1998, foram realizadas auditorias em diversas


áreas de governo: Agricultura, Aquicultura, Assistência
Social, Ciência e Tecnologia, Defesa, Desenvolvimento
Agrário, Educação, Esporte, Habitação, Integração
Nacional, Justiça, Meio-Ambiente, Relações Exteriores,
Saneamento, Saúde, Trabalho, Transporte e Turismo.”8

Há uma nítida preocupação do Tribunal em oferecer ao administrador um


diagnóstico preciso e soluções que possam ser implementadas, de modo
a que o trabalho tenha um efetivo resultado social. Em relação a esse
ponto, já foi desenvolvido um ciclo de atividades de auditoria operacional,
denominado ANop, que se desenvolve nas seguintes etapas: seleção,
planejamento, execução, análise, elaboração de relatório, comentário do
gestor, apreciação pela Corte, divulgação e monitoramento. O gráfico do
site em relação a esse ponto é bem didático:9

8. http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_
governo/historico, acessado em 29/07/10, às 22:12h
9. http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_
governo/ciclo_anop, acessado em 29/07/10, às 22:45h

30
Seminário Direito, Gestão e Democracia

A seleção das auditorias a serem realizadas levam em consideração, como


critério principal, a capacidade de melhorar a gestão pública. É o que se
depreende do seguinte trecho:

“O processo de seleção do objeto de auditoria é o


primeiro estágio do ciclo e visa selecionar um objeto que
ofereça oportunidade para realização de auditoria que
contribua para o aperfeiçoamento da administração
pública e forneça à sociedade opinião independente
sobre o desempenho da atividade pública.

(...)

Realizadas as escolhas estratégicas, definem-se os


critérios que serão usados para selecionar objetos
específicos de auditoria. O mais importante desses
critérios é a capacidade de agregar valor, em razão
das possíveis melhorias da gestão pública decorrentes
da auditoria. Outros critérios são a materialidade, a
relevância e a vulnerabilidade desses objetos.”10

Uma vez demonstrado que as auditorias são efetivamente realizadas


e tem como preocupação central a melhora da gestão, é necessário que
sejam respondidas as duas últimas questões propostas: o Governo leva em
consideração os resultados da auditoria em suas decisões? Alguma medida
prática já foi tomada com base em uma inspeção?

Passamos ao ponto mais delicado da presente análise: se a auditoria


operacional, realizada pelo TCU, órgão do Poder Legislativo, é levada em
consideração no âmbito do Poder Executivo.
10. http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_
governo/ciclo_anop, acessado em 29/07/10, às 23:31h

31
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Em que pese as dificuldades de se realizar um trabalho de alto nível como


o desenvolvido pela multicitada Corte, talvez o passo mais complexo do
processo seja transportar esse entendimento de um Poder para outro.
Não haveria nenhuma utilidade pública efetiva se auditoria realizada
ficasse restrita ao Legislativo. Para que as auditorias reflitam em melhora
na qualidade de vida da população, há necessidade de que os órgãos de
direção superior das unidades administrativas incorporem as informações
recebidas e coloquem em prática ações concretas.

Deve-se, pois, fazer um cotejo entre a auditoria realizada e as ações eventualmente


empreendidas, a fim de que sejam respondidas as questões propostas.

Para isso, decidimos analisar uma caso específico: a auditoria operacional


realizada nos hospitais universitários federais (HU’s) vinculados ao Ministério
da Educação (MEC).11

Faremos uma breve análise da auditoria e, em seguida, verificaremos se esta


foi levada em consideração em decisões governamentais.

O TCU percebeu que estavam sendo realizados trabalhos, de forma dispersa,


diretamente nos hospitais universitários ou nas universidades, com reflexos
na gestão dos HU. Faltava, contudo, uma avaliação sistêmica do conjunto
dessas entidades.

O objetivo era examinar aquelas instituições, no plano nacional, realizando


levantamento destinado a produzir um amplo diagnóstico dos Hospitais
Universitários federais vinculados ao Ministério da Educação e a oferecer
propostas concretas aos Poderes Legislativo e Executivo, com o cruzamento
de informações dos sistemas de educação e de saúde pública. Vejamos as
áreas que foram objeto da auditoria:

“(...) Assim, priorizou-se a avaliação em áreas


consideradas mais relevantes (financiamento, pessoal,
equipamentos e insumos, sistemas de informação e
ações estratégicas).”12 (grifo nosso)

“(...) Também foi adotada a premissa de que a solução


para a melhoria do sistema não pode prescindir da
garantia de maior autonomia aos HU, o que é referido
em grande parte da doutrina e está contemplado na
política pública em andamento. Para corroborar essa
argumentação, destaque-se que, em diversos países -
em especial os europeus -, já foram efetuadas reformas

11. Tribunal de Contas da União - Acórdão 2813/2009 – Plenário – item 1.1


12. Tribunal de Contas da União - Acórdão 2813/2009 – Plenário – item 1.5

32
Seminário Direito, Gestão e Democracia

hospitalares baseadas em mudanças estruturais dos


modelos de gestão, dotando as unidades de maior
autonomia e menor vínculo hierárquico. La Forgia, ao
analisar vários sistemas hospitalares europeus, assinala
que os modelos de gestão examinados são diversos,
tendo sido abandonado, no entanto, o modelo baseado
na administração hierárquica direta dos hospitais
públicos, presente no Brasil e em muitos países da
América Latina (FORGIA, 2009).”13 (grifo nosso)

Cabe ressaltar que o TCU produziu extenso e profundo relatório sobre os


Hospitais Universitários. Foram selecionados para avaliação 9 hospitais
gerais, distribuídos por 8 Estados. Foram também visitados, com a finalidade
de obter informações ou conhecer padrões superiores de desempenho,
setores do Ministério da Educação - MEC, do Ministério da Saúde - MS e do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MP.14

Foram feitas sugestões detalhadas em cada uma das áreas consideradas


mais relevantes (acima destacadas).

Vejamos, à título exemplificativo, algumas destas sugestões contidas no


voto do Ministro Relator do Acórdão 2813/2009:

“18. Assim, seria conveniente desenvolver metodologia


específica, no âmbito não só do MEC, mas também dos
Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia, com os
objetivos de: (a) estabelecer claramente responsabilidade
de cada uma daquelas Pastas no custeio da atuação
dos HU - com eventual aumento da participação do
Ministério da Saúde, dada a crescente inserção daqueles
hospitais na rede do SUS; e (b) distribuir recursos entre
hospitais de maneira mais equitativa.

57. Assim, por considerar que ‘determinados modelos


organizacionais propiciam melhor desempenho do que
outros, em razão de menor interferência política e maior
autonomia gerencial’, a equipe de consolidação, a partir de
uma análise comparativa de possíveis alternativas jurídicas,
examinou ‘a possibilidade de instituir instrumentos
destinados a conferir autonomia administrativa e gerencial
aos HU, independentemente da necessidade de alteração
no modelo de gestão de pessoal’.
13. Tribunal de Contas da União - Acórdão 2813/2009 – Plenário – item 1.6
14. Tribunal de Contas da União - Acórdão 2813/2009 – Voto do Ministro Relator –
itens 5 e 6

33
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

73. Como bem registrou o relatório consolidado da


auditoria, "muitos hospitais foram construídos na década
de 70, inspirados numa concepção arquitetônica que se
tornou ultrapassada para atividade hospitalar, e foram
destinados ao atendimento de um contingente de pessoas
muito inferior àquele que hoje é por eles atendido".

74. As evidências encontradas são eloquentes:


críticas negativas recebidas em inspeções sanitárias,
acessos físicos inadequados, atendimentos em
corredores de pronto-socorros, funcionamento de
serviços distintos nas mesmas instalações, orientação
de alunos em corredores e enfermarias, mesas de
estudo colocadas em espaços impróprios, falta de
manutenção predial, infiltrações, inexistência de saídas
de incêndio, instalações inconclusas ou danificadas e
descumprimento de padrões sanitários.

76. Em relação a outros aspectos de gestão auditados,


notou-se que, em seu funcionamento cotidiano,
parte dos HU não dispõe de rotinas e procedimentos
padronizados e, em alguns casos, de protocolos
clínicos, instrumentos que descrevem condutas
dos profissionais de saúde diante de determinados
diagnósticos, descrições terapêuticas, exames e
outros processos médicos e que são essenciais para
administração de processos médicos.

99. Chegamos, agora, a uma das faces mais preocupantes


da crise vivida pelos HU: seus recursos humanos.

100. Por sua precisão, transcrevo a seguir, com pequenos


ajustes de forma, trechos do relatório consolidado que
delineiam com perfeição a gravidade da questão:

- ‘a escassez de pessoal administrativo reflete nos


processos de trabalho relativos a compras, manutenção
de equipamentos e da área física, desenvolvimento e
manutenção de sistemas informatizados e de custos,
padronização de rotinas e, sobretudo, no planejamento
e na avaliação das atividades, pois os gestores passam a
maior parte do tempo resolvendo problemas e executando
tarefas que poderiam ser delegadas caso contassem com
número maior de servidores qualificados’;

34
Seminário Direito, Gestão e Democracia

- ‘a não-reposição do pessoal do quadro tem levado


ao crescimento das terceirizações, que, embora
permitidas em lei, nem sempre agregam qualidade
e economicidade aos processos de trabalho, e das
contratações de funcionários por meio das fundações
de apoio, mecanismo ilegal, sobre o qual este Tribunal
já teve a oportunidade de se manifestar inúmeras vezes’.

192. Também será necessária a garantia de maior


autonomia dos gestores dos hospitais para preencherem
as vagas que surgirem em seus quadros de pessoal, o
que evitaria as perniciosas práticas de terceirização
e de contratação de empregados por intermédio de
fundações de apoio que a auditoria detectou.”

Na parte final do acórdão os Ministros decidem fazer outras sugestões.


Podemos destacar a seguinte:

“9.1.2. criação e instalação, por meio de ato normativo


que garanta continuidade administrativa, de estrutura
de coordenação de iniciativas referentes aos hospitais
universitários, preferencialmente de natureza
interministerial, com competência regulamentar
para: conduzir política de reestruturação daqueles
hospitais; elaborar, fazer cumprir e acompanhar plano
ou programa de reorganização daquelas entidades;
estabelecer cronograma, responsáveis e metas de cada
etapa e responsabilidades dos Ministérios da Educação,
da Saúde, da Ciência e Tecnologia e do Planejamento,
Orçamento e Gestão na busca de soluções integradas;
criar mecanismos de articulação entre aqueles hospitais,
de divulgação de boas práticas, de padronização de
rotinas, de capacitação de gestores e de incentivos à
melhoria de eficiência;”

O Acórdão citado foi publicado em 27/11/09. Uma vez tornada pública a


auditoria realizada`(fase de divulgação), devemos verificar se esta foi levada
em consideração em decisões do Poder Executivo federal.

Podemos afirmar que sim. Já em 27/01/10, apenas dois meses após a publicação
da auditoria, o Presidente da República editou o Decreto Nº 7.082/10
instituindo o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários
Federais - REHUF, destinado à reestruturação e revitalização dos hospitais das
universidades federais, integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

35
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Merece destaque o objetivo do REHUF, destacado no artigo 2.º do


referido diploma:

“Art. 2º. O REHUF tem como objetivo criar condições


materiais e institucionais para que os hospitais
universitários federais possam desempenhar
plenamente suas funções em relação às dimensões
de ensino, pesquisa e extensão e à dimensão da
assistência à saúde.”

As diretrizes do REHUF parecem seguir as áreas consideradas mais relevantes


pelo TCU e coincidem com várias sugestões daquele órgão. Vejamos:

“Art. 3º. O REHUF orienta-se pelas seguintes diretrizes


aos hospitais universitários federais:

I - instituição de mecanismos adequados de


financiamento, igualmente compartilhados entre as
áreas da educação e da saúde, progressivamente, até
2012;

II - melhoria dos processos de gestão;

III - adequação da estrutura física;

IV - recuperação e modernização do parque tecnológico;

V - reestruturação do quadro de recursos humanos dos


hospitais universitários federais; e

VI - aprimoramento das atividades hospitalares


vinculadas ao ensino, pesquisa e extensão, bem como à
assistência à saúde, com base em avaliação permanente
e incorporação de novas tecnologias em saúde.”

As medidas específicas para atender o disposto nos artigos acima transcritos


refletem, em boa parte, as sugestões feitas pela auditoria do TCU. Outra
passagem do Decreto corrobora este entendimento:

“Art. 5º Para a realização dos objetivos e diretrizes fixados


nos arts. 2º e 3º, serão adotadas as seguintes medidas:

I - modernização da gestão dos hospitais universitários


federais, com base em transparência e responsabilidade,
adotando-se como regra geral protocolos clínicos e
padronização de insumos, que resultem na qualificação

36
Seminário Direito, Gestão e Democracia

da assistência prestada e otimização do custo-benefício


dos procedimentos;

II - implantação de sistema gerencial de informações


e indicadores de desempenho a ser disponibilizado
pelo Ministério da Educação, como ferramenta de
administração e acompanhamento do cumprimento
das metas estabelecidas;

III - reformas de prédios ou construção de unidades


hospitalares novas, com adequação às normas da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e às disposições
específicas do Ministério da Saúde sobre espaços
destinados à atenção de média e alta complexidade;

IV - aquisição de novos equipamentos de saúde e


substituição dos equipamentos obsoletos, visando a
utilização de tecnologias mais modernas e adequadas
à atenção de média e alta complexidade;

V - implantação de processos de melhoria de gestão de


recursos humanos;

VI - promoção do incremento do potencial tecnológico


e de pesquisa dos hospitais universitários federais, em
benefício do atendimento das dimensões assistencial e
de ensino;

VII - instituição de processos permanentes de avaliação


tanto das atividades de ensino, pesquisa, extensão
e inovação tecnológica, como da atenção à saúde
prestada à população;

VIII - criação de mecanismos de governança no âmbito


dos hospitais universitários federais, com a participação
de representantes externos às universidades.”

A questão da paridade do financiamento entre o Ministério da Educação e o


Ministério da Saúde foi definida no art. 4.º.

Comparando as recomendações do TCU com as disposições do Decreto notamos


uma relação direta entre os dois documentos. Podemos afirmar, então, que o
trabalho realizado pelo TCU teve grande influência na ação governamental.

37
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Recentemente foi editado outro Decreto Presidencial que, embora se refira de


modo genérico às univeridades federais, tem grande repercussão para seus
hospitais. Trata do Decreto Nº 7.232, de 19 de julho de 2010, que concedeu
autonomia às universidades para realizarem concurso para cargos de Técnico-
Administrativos em Educação, independentemente de prévia autorização dos
Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Educação.

Esta medida garante reposição mais rápida dos cargos vagos. Como os HU’s
atualmente se utilizam dos cargos das universidades, acabam sendo beneficiados.

Em conclusão geral, podemos afirmar que o Poder Executivo, embora não


tenha a prerrogativa constitucional de solicitar uma auditoria ao TCU, acaba
por se beneficiar do trabalho realizado pela Corte de Contas, na medida em
que é emitido diagnóstico preciso sobre a situação de determinada política
governamental e são sugeridas, de forma fundamentada, as medidas a serem
tomadas. O relatório de uma auditoria operacional pode se transformar em
instrumento valioso para tomada de decisão, como demonstrado na análise
feita nos hospitais universitários.

38
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Reformas no Poder Executivo: um caminho para


o fortalecimento institucional e decisório do
presidente da República?

Notas sobre mudanças na regulação


dos cargos de Direção e Assessoramento
Superiores (DAS) do Poder Executivo federal
Camila Romero Lameirão1

1 Resumo do artigo
O objetivo deste trabalho é analisar as mudanças efetuadas desde a década
de 1970 na regulação que ordena o provimento e a composição dos cargos
de Direção e Assessoramento Superiores (DAS). Considerando as frequentes
mudanças realizadas neste ordenamento em diferentes governos,
destacamos o caráter flexível e variável dessas normas. Para análise desse
tema procuramos detalhar alguns aspectos da teoria institucional da
Presidência de Terry Moe. Com esse aporte pode-se entender que as regras
sobre o ordenamento dos cargos de confiança são recursos de poder
manejados estrategicamente pelos presidentes conforme as necessidades
do governo. A partir desta perspectiva é possível concluir que essas reformas
têm como efeito o fortalecimento institucional e decisório do presidente.

2 Apresentação do tema
Este artigo procura discutir um aspecto marcante do comportamento
presidencial no Brasil, a alteração frequente de normas que regulam diversas
esferas do exercício do poder governamental. Especificamente, nos deteremos
no conjunto de regulações referentes aos cargos de confiança do Poder
Executivo federal, tendo como foco as mudanças implementadas nas regras
de provimento e de composição dos cargos de Direção e Assessoramento

1. É graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004) e


mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (2007). Atualmente é
doutoranda em Ciência Política pela UFF, onde desenvolve sua tese de doutoramento
sobre a organização institucional da Presidência da República no Brasil. Atua
principalmente nos seguintes temas de pesquisa: instituições políticas, burocracia e
cargos de confiança do Poder Executivo federal.

39
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Superiores (DAS) desde a sua criação em 1967.2 Considerando, neste caso,


que todas as mudanças efetuadas partiram do Poder Executivo, embora ao
longo das últimas décadas tenham sido formuladas propostas legislativas
tratando dos cargos de confiança do tipo DAS, convém assinalar a evidência
de que os presidentes, no Brasil, têm mantido o controle sobre os movimentos
de mudança que, frequentemente, provocam alterações na ordenação dos
cargos de DAS da administração pública federal.

Nosso objetivo consiste apenas em introduzir alguns pontos para reflexão


sobre a dinâmica de regulação dos cargos de Direção e Assessoramento
Superiores, enfatizando o caráter flexível das normas, uma vez que
tem sido comum entre os últimos governos a introdução de mudanças
neste ordenamento, através de mecanismos decisórios unilaterais,
como os decretos presidenciais e portarias ministeriais, que prescindem
de submissão ao processo legislativo. Assim, nos interessa esclarecer
basicamente os atores, procedimentos e instrumentos decisórios pelos
quais as mudanças na regulação dos cargos de DAS vêm sendo efetuadas
no Brasil. Para tanto, consideramos oportuno apresentar um modelo
analítico sobre os aspectos institucionais da Presidência, elaborado pelo
cientista político norte-americano Terry Moe, cujo núcleo argumentativo
revelaria, sobretudo, o modo como o presidente atua baseado em recursos
de poder institucionais para fortalecer seu controle sobre a burocracia e,
consequentemente, garantir sua liderança sobre o sistema político. Com
base nas conclusões desse autor, pretendemos ter um aporte analítico
para avaliar algumas das mudanças implementadas pelos Presidentes na
regulação dos cargos de DAS.3

Resumidamente, é importante mencionar que neste trabalho estamos nos


referindo a um conjunto de 21.358 cargos de confiança, segundo o último
Boletim Estatístico de Pessoal, publicado pelo Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão em abril de 2010. Esses cargos subdividem-se em

2. Os cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) foram criados pelo


Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, e regulamentados pelo Decreto 71.235,
de 10 de outubro de 1972.
3. Convém destacar que a proposta deste artigo é parte de um projeto de pesquisa
maior denominado “Elites Dirigentes e Democracia nos governos Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva”, coordenado pela professora Maria Celina D’Araujo
do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, com o apoio da Fundação Ford.
Essa pesquisa já produziu duas publicações em que é possível encontrar informações
sistematizadas sobre o histórico e o conjunto de regulamentos dos cargos de DAS
desde sua criação no Brasil, e ainda dados sobre a composição desses cargos, nos
níveis 5 e 6, nos dois governos Lula. Ver “Governo Lula: contornos sociais e políticos
da elite do poder” (2007) e “A Elite Dirigente do governo Lula” (2009).

40
Seminário Direito, Gestão e Democracia

seis níveis hierárquicos4 e são de livre nomeação e exoneração, embora a


composição dos três primeiros níveis (DAS 1 ao 3) deva contar com, no
mínimo, 75% de servidores efetivos de carreira, e os de nível 4 com 50%.5
Assim, do montante de 21.358, aproximadamente 7.082, ou 33,1%, desses
cargos podem se providos sem restrições. A rigor, ao presidente caberia
as nomeações para os cargos de DAS 5 e 6, que consistem nos postos
hierárquicos mais relevantes da administração pública federal, responsáveis
pelas funções estratégicas de direção, coordenação e assessoramento das
políticas e projetos dos órgãos governamentais.6 Competiria, por sua vez,
aos ministros e secretários a nomeação para as posições de DAS do nível 1
ao 4, que, no entanto, pode ser delegada aos seus subordinados.7

Para termos uma noção da evolução do quantitativo de cargos efetivos


ou de carreira e de cargos de DAS na estrutura do Poder Executivo federal
organizamos o gráfico abaixo, que traz informações entre 1998 a 2010. Com
essa comparação além de observamos, primeiramente, o tipo de evolução
(ascendente ou descendente) do quantitativo desses cargos no decorrer de
12 anos e entre os últimos cinco anos do governo Fernando Henrique (1998-

4. Os cargos de DAS possuem duas classificações: DAS 101 referente às funções de


direção e DAS 102 para as funções de assessoramento. Para cada um desses dois
tipos de funções há seis níveis hierárquicos. No âmbito geral, segundo os dados de
abril de 2010, há 6.911 DAS 1, 5.914 DAS 2, 4.047 DAS 3, 3.240 DAS 4, 1.034 DAS5
e 212 DAS 6.
5. Regra estabelecida pelo Decreto 5.497 de 21/07/2005, segundo o qual (Art. 1º)
“serão ocupados exclusivamente por servidores de carreira os seguintes cargos em
comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS da administração
pública federal direta, autárquica e fundacional: I - setenta e cinco por cento dos
cargos em comissão DAS, níveis 1, 2 e 3; e II - cinqüenta por cento dos cargos em
comissão DAS, nível 4”. Segundo o decreto (Art. 2º), considera-se como servidor de
carreira os servidores, ativos ou inativos, oriundos de órgão ou entidade de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, suas
empresas públicas e sociedades de economia mista, ocupante de cargo ou emprego
permanente no qual ingressou mediante concurso público ou, se em data anterior a
5 de outubro de 1988, mediante forma de provimento permitida pelo ordenamento
da época de ingresso.
6. Segundo o Decreto 4.567 de 01/01/2003 (art. 4º), a nomenclatura funcional dos
seis níveis de cargos DAS é a seguinte: DAS-101.1 - Chefe de seção, assistência
intermediária; DAS-102.1 - Assistente técnico; DAS-101.2 - Chefe de Divisão; DAS-
102.2 – Assistente; DAS-101.3 – Coordenador; DAS-102.3 - Assessor Técnico; DAS-
101.4 - Coordenador-geral; DAS-102.4 – Assessor; DAS-101.5 - Chefe de gabinete
de Ministro de Estado, Diretor de Departamento, Consultor jurídico, Secretário de
controle interno, e Subsecretário de planejamento, orçamento e administração; DAS-
102.5 - Assessor especial de Ministro de Estado; DAS-101.6 - Secretário de órgãos
finalísticos, Dirigentes de autarquias e fundações, e Subsecretários de órgãos da
Presidência da República; DAS-102.6 - Assessor especial.
7. Segundo o Decreto 4.734 e Portaria da Casa Civil 1.056 ambos de 13/06/2003.

41
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

2002) e os oitos anos da presidência de Lula (2003-2010), podemos verificar


ainda se há alguma relação entre as tendências de evolução desses dois tipos
de cargos ao longo do tempo. A princípio, convém lembrar, que o acréscimo
de cargos efetivos no Poder Executivo sugeriria que a administração pública
estaria sendo provida por novos servidores de carreira, o que não implicaria
na necessidade de que a estrutura de cargos comissionados fosse, por
isso, ampliada. Ao contrário, supomos que à medida que o Executivo seja
composto por quadros fixos torna-se dispensável a criação de novos cargos
de confiança.

Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal, nº 166, abril/2010 (ver págs. 34 e 107). Elaboração: autora. Em 1998 o
quantitativo de cargos efetivos era de 513.720 e o de cargos de DAS era de 17.183; em 2010 esses totais eram de
560.369 e 21.245, respectivamente.

De um modo geral é possível perceber um quadro evolutivo distinto entre os


dois tipos de cargos, embora nos primeiros anos ambos tenham apresentado
níveis de crescimento negativos, o que significa que de um ano para o outro
esses cargos não aumentaram, mas diminuíram. Para os cargos efetivos
essa tendência ocorreu até 2001, mas a partir de 1999 já se percebe uma
diminuição no nível de queda desses cargos. De 2003 em diante a tendência
é de crescimento constante do quantitativo de cargos efetivos, apesar de
ocorrer num ritmo variado. Por sua vez, os cargos de DAS, num quadro
geral, apresentam trajetórias bastante irregulares. O ritmo de crescimento
desses postos praticamente não apresentou níveis constantes, sendo a
exceção o período de 2006 a 2009 quando ocorreu um quadro de evolução
contínuo. De 1999 a 2002 e de 2003 a 2006 houve movimentos parecidos:
um aumento intenso do quantitativo de cargos (1999-2000 e 2003-2004),
seguido por novos acréscimos (2001, 2002 e 2005, 2006), mas num ritmo
decrescente. Comparativamente, podemos perceber que o quadro evolutivo
dos cargos de DAS demonstra um ritmo de crescimento maior, atingiu picos
de 6 e 8%, e positivo se considerarmos que em apenas três anos (1998, 1999

42
Seminário Direito, Gestão e Democracia

e 2003) o seu quantitativo não foi superior ao do ano anterior. Os cargos


efetivos apresentam, no entanto, um ritmo de crescimento constante, e por
isso mais regular que os postos de DAS, se observarmos o período de 2000 a
2010, excetuando-se o de 2007, nota-se que a tendência foi de progressivos
acréscimos. Portanto, concluímos que, de um ano para o outro, em relação
aos cargos efetivos, a criação de cargos de DAS é bem mais intensa; e que o
ritmo de expansão dos postos comissionados, embora irregular, foi no geral
proporcionalmente superior ao dos cargos efetivo.

Longe de ser uma prerrogativa em desuso pelo presidente da República


nos últimos governos, as informações apresentadas pelo gráfico sugerem
que a criação de cargos de DAS se configura como uma prática frequente
no exercício do poder. Com base na análise de Moe compreenderíamos de
que forma as funções de confiança, denominadas pelo autor como political
appointees, constituem-se como um recurso estratégico para o presidente,
que as emprega para garantir controle sobre as funções essenciais da
Presidência, indicando para estes postos pessoas de sua escolha, e para obter
controle sobre a burocracia pública. É oportuno assinalar que o esquema
analítico apresentado por Moe é apenas uma referência intelectual para este
trabalho, não pretendemos com ela esboçar uma interpretação da realidade
brasileira, mas apreender argumentos que possam nos auxiliar na reflexão e
desenvolvimento da pesquisa em curso.

3 O modelo analítico de
Terry Moe
Desde a década de 1980, Terry Moe tem proposto em diversos trabalhos
o desenvolvimento de uma teoria institucional da Presidência, recorrendo,
para tanto, à metodologia da rational choice como um aporte analítico
para o entendimento da atuação presidencial. A proposição dessa nova
teoria supõe a compreensão do presidente como um ator institucional
cujo comportamento é um produto institucional, moldado pelo conjunto
de regras, normas e procedimentos que constituem a Presidência, mas,
também, definido pela capacidade do próprio presidente de estabelecer
inovações no sistema institucional em que está inserido. Segundo Moe, essa
capacidade seria inerente à autoridade pública (public authority) obtida
por um presidente ao assumir o cargo e se definiria como uma política de
escolha estrutural.

O esquema argumentativo da teoria institucional da Presidência deve ser


entendido considerando que em uma competição eleitoral há, em regra,

43
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

uma disputa pela autoridade pública que resulta, consequentemente, em


coalizões “vencedoras” e “vencidas”, de forma que quem quer que vença
terá o direito de tomar decisões impositivas (authoritative decisions), fazendo
leis e estabelecendo regras para todos. De acordo com as palavras de Moe,
os “vencedores” podem legitimamente promover seus próprios interesses
através de políticas públicas ou de estruturas desenhadas por eles próprios,
enquanto os “vencidos” são forçados por lei a aceitar esses resultados mesmo
que os deixem em uma situação pior. O exercício da autoridade pública seria,
neste sentido, essencialmente coercitivo e redistributivo (1993:358-9).

Uma das principais manifestações do exercício desse poder consistiria na


política de escolha estrutural, quando os “vencedores” usam a autoridade
pública para desenhar novas estruturas e impô-las ao sistema político como
um todo. Especificamente, essas estruturas seriam veículos pelos quais os
“vencedores” perseguiriam seus próprios interesses. Nestes casos, algumas
estruturas poderiam ser estabelecidas para administrar programas que
suprissem os “vencedores” com benefícios; outras seriam erigidas para
extrair determinados recursos ou condutas dos “vencidos”; enquanto outras
poderiam ser empregadas para impor novos constrangimentos na forma
como o jogo político seria jogado no futuro, com isso, oferecendo aos atuais
“vencedores” vantagens sobre os seus oponentes de modo a obstaculizar-
lhes a conquista da autoridade pública futuramente.

Moe reconhece, todavia, que a ação presidencial obedece a constrangimentos


e é regulada por normas básicas fixadas constitucionalmente, sobretudo,
aquelas que se referem ao sistema de separação de poder que caracteriza
o presidencialismo. Possuindo como parâmetro o sistema constitucional
norte-americano, Moe considera o presidente e o Congresso como diferentes
instituições com interesses e poderes distintos, onde o conflito é normal e
inevitável.8 Esse conflito se manifestaria de modo mais intenso na arena
política, onde esses atores disputariam incessantemente objetivos e detalhes
das políticas públicas. O teor dessa disputa seria estrutural, se referindo
tanto à forma como cada instituição pode projetar a estrutura da burocracia
pública e exercer controle sobre ela, quanto à forma como pode melhor se
estruturar internamente para fortalecer sua capacidade para o exercício do
poder. As palavras de Moe resumem precisamente os termos desse embate
a nível estrutural.

Dois tipos de estruturas são de grande consequência. A

8. Neste entendimento, o Poder Legislativo, também depositário da autoridade


pública, constitui-se inquestionavelmente no principal concorrente do Poder Executivo
tanto por ter a prerrogativa constitucional de modificar ou vetar as proposições
encaminhadas pelo Executivo, como, também, por concorrer com essa autoridade no
controle sobre a burocracia.

44
Seminário Direito, Gestão e Democracia

primeira diz respeito a instituições que irão interpretar,


elaborar e levar adiante as políticas públicas: a
burocracia. As políticas não têm muito significado
até a burocracia darem-nas uma concreta expressão.
Uma agência poderosa e bem desenhada pode tornar
os objetivos das políticas realidade, enquanto uma
outra, fraca e pobremente desenhada, não chega a
lugar algum. Tendo em vista que todos no processo
político sabem disso, muitas das disputas sobre as
políticas consistem realmente numa disputa sobre
estruturas burocráticas – o desenho, a localização, o
assessoramento e o fortalecimento (empowerment) de
agências administrativas – assim como numa disputa
para controlá-las uma vez estabelecidas. O segundo
tipo de estrutura se refere à Presidência e ao Congresso
como instituições e, especificamente, suas capacidades
para o exercício do poder – sobre o processo decisório
e sobre a burocracia. O quão bem a Presidência e o
Congresso irão progredir na obtenção de controle sobre
o governo dependerá de como suas instituições estarão
internamente organizadas, os tipos de recursos de
que disporão e a autoridade que podem efetivamente
utilizar (1994:4, tradução livre).

O autor acrescenta ainda a este esquema de poder que o comportamento


do Legislativo e o da Presidência se orientam por estratégias e princípios
distintos. De modo geral, os legisladores buscam a reeleição e se norteiam
por um horizonte de ação de curto prazo, que expressa os interesses e
demandas de sua base eleitoral e, principalmente, dos grupos de pressão
ao qual se vinculam. Eles têm fortes incentivos para, por exemplo, buscarem
estruturas burocráticas favoráveis às demandas dos grupos aos quais são
responsivos. O Congresso é entendido como um lugar altamente receptivo
ao tipo de burocracia que os grupos de interesse desejam criar. Neste
sentido, os legisladores se preocupariam mais com sua popularidade
eleitoral e, frequentemente, não seguiriam linhas de ação autônomas e
propensas ao interesse público. A burocracia é tida como um instrumento
para a consecução de seus interesses, de modo que os critérios de eficiência,
coordenação e gerência que deveriam dirigi-la são desconsiderados quando
limitam as propostas dos legisladores.

Diferentemente desta visão fragmentada e parcial da burocracia, o presidente


se inclina a entendê-la como um todo. Moe justifica que o presidente,
por ser responsável diante do público por virtualmente quase todos os
aspectos do desempenho nacional, procura construir aparatos institucionais

45
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

que os capacite a uma efetiva governança. Como resultado, ele é o único


participante da política da escolha estrutural motivado a buscar um sistema
burocrático unificado, coordenado e comandado por uma orientação
central. O presidente deseja uma burocracia que possa controlar de cima
a baixo e, para tanto, busca estruturas que lhe proporcione esse objetivo.
Convém destacar que nesta busca por controle o presidente tende a agir
com um considerável nível de autonomia, diferenciando-se profundamente
dos legisladores para quem uma conduta autônoma implicaria o desvio de
expectativas e compromissos junto à base, que poderia acarretar custos
eleitorais. Segundo Moe, o presidente tem, ao contrário, fortes incentivos
para agir autonomamente, pois a diversidade e heterogeneidade de seus
eleitores, e a inviabilidade de sucessivas reeleições garantiriam uma ampla
margem de liberdade para projetar sua própria agenda e perseguir o tipo
de controle que pretendesse exercer sobre a burocracia. Além disso, existiria
no sistema político, e entre a sociedade e a opinião pública em geral a
expectativa de que um presidente deva agir como um líder, “mostrando
o caminho”, apresentando novas trajetórias à sociedade mesmo que
impopulares. O presidente como um líder forte deve demonstrar seu
verdadeiro ímpeto sendo seletivamente não responsivo (unresponsive) e
mostrando sua autonomia (1994:12).

Deste contexto depreende-se que provavelmente o presidente e os


legisladores se orientariam por tendências distintas, em certo sentido
opostas, na busca por controle sobre a burocracia pública. Considerando a
ênfase presidencial numa estratégia de ação autônoma e em estruturas que
lhe ofereçam um amplo controle sobre a burocracia pública, não há dúvidas
que isso suscite resistências no Legislativo que, representando interesses
variados dos grupos de pressão, buscam controlar pedaços específicos e
descoordenados da burocracia. O presidente, todavia, dispõe de vantagens
para lidar com este contexto. Para Moe, o fato de que o presidente constitui-
se o chefe executivo da nação, respaldado pela Constituição que o outorga
determinados poderes formais, capacita-o a moldar o sistema institucional
a partir de um viés presidencial. Além desses poderes formais o presidente
contaria ainda com certas “realidades” básicas provenientes da vida política,
que o respaldariam a realizar importantes escolhas estruturais em seu
próprio benefício, sem ter que submetê-las ao processo legislativo.

Moe se refere especificamente aos “direitos de decisão residuais” (residual


decision rights), entendidos como poderes que se derivam de um contrato,
mas sem caráter formal. São direitos que o presidente dispõe devido à sua
posição constitucional que, ao mesmo tempo em que, o exige o cumprimento
de procedimentos detalhados em leis e contratos, o deixa livre para tomar
decisões sobre o que não está especificado: o resíduo. Segundo o autor,
em muitas esferas da organização pública e política a ausência de diretrizes

46
legais específicas sobre como proceder significa que o presidente pode
realizar neste contexto decisões impositivas, agindo de forma unilateral e
segundo o seu juízo, exercendo o seu direito de decisão residual. A partir
deles o presidente pode organizar e dirigir a presidência como considerar
adequado; reorganizar, coordenar, impor regras, rever decisões, nomear
seu pessoal para posições relevantes, e, de outra maneira, colocar sua
marca estrutural nas instituições governamentais. Assim, embora existam
constrangimentos em relação ao que o presidente pode fazer e regras que
deve inquestionavelmente seguir, dentro desses limites, o direito de decisão
residual de que dispõe é substancial, principalmente para a execução de
decisões discricionárias sobre as estruturas de governo (1994:14).

Para Moe, este é o contexto institucional (background) em que a ação


presidencial se realiza. É a partir do entendimento da posição do presidente
no sistema político e, consequentemente, dos recursos de poder que essa
posição oferece que se encontra a base da teoria institucional da Presidência.
Neste contexto, o presidente como um ator racional procurará construir
instituições que o forneça capacidade estrutural para liderança. Certamente,
destaca Moe, esse processo não é simples nem linear, mas o ímpeto de se
alcançar uma forte liderança em um sistema no qual se manifestam forças
que resistem ao controle do presidente é uma forte motivação para o chefe
do Executivo. Por outro lado, é preciso considerar que muitas das funções
essenciais para uma liderança efetiva são delegadas pelo presidente aos seus
principais assessores9 o que o leva a enfrentar no processo de construção
de suas instituições o clássico “dilema da agência”: como escolher os
agentes para os quais se delega poderes e funções, e como estruturar o
relacionamento com eles de forma que os tornem propensos à realização
das ações que fortaleçam a capacidade de liderança presidencial?

Deve-se reconhecer que no âmbito da Presidência a autoridade inquestionável


do presidente minimiza a possibilidade de falhas no relacionamento com
os agentes. Afinal, ele pode selecionar pessoas que não apenas tenham as
habilidades e competências para um bom desempenho de suas funções,
mas também de quem se espera, devido à ideologia, lealdade e por
partidarismo, a realização dos interesses presidenciais. Na medida em que
as escolhas “pessoais” do presidente resultam em um genuíno time (staff),
reduze-se fortemente o risco de oportunismo ou conflito de interesse,

9. Segundo Terry Moe, o presidente não consegue exercer sozinho muitas funções
essenciais para sua liderança: ele não consegue realizar suas próprias negociações
com o Congresso; recrutar, selecionar e contratar todo o seu pessoal; manejar suas
relações com a imprensa; planejar todos os detalhes de suas atividades diárias;
controlar pessoalmente a burocracia; e não sabe o suficiente, no âmbito técnico ou
político, para formular programas coerentes e realizar escolhas políticas acertadas
(1994:16). Resumidamente, “o presidente precisa de ajuda.”
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

tornando dispensável a montagem de um aparato burocrático que reduza


os desvios dos agentes. Entretanto, esse contexto é mais frequente no que
se pode denominar a parte “puramente presidencial” da Presidência, isto é,
os setores hierarquicamente submetidos ao presidente e sob sua completa
autoridade (seus principais assessores, o gabinete pessoal e as secretarias de
imprensa e de relações com o Congresso, entre outras unidades). Há ainda
sob o escopo da Presidência a burocracia federal, que não está apenas sob
sua autoridade haja vista o nível de autonomia que legalmente exercem
algumas dessas agências burocráticas e os mecanismos de controle de que
dispõe o Legislativo que podem ser acionados, por exemplo, para restringir
o comando da Presidência. Diante desse contexto, o presidente precisa
empregar seus recursos institucionais na montagem de estruturas que o
capacitem a exercer controle sobre a esfera da burocracia.

O presidente, no entanto, pode enfrentar dificuldades para controlar


a burocracia devido às situações de oportunismo, conflito de interesse
e assimetria de informações que emergiriam entre as orientações do
presidente e as agências burocráticas. Isso se deve ao fato de que cada
agência teria sua própria missão, expertise, clientela, métodos de operação
e, em alguns casos, vínculos com grupos e comissões do Congresso. Esses
fatores as fariam resistir às tentativas de controle por parte do presidente
(Moe, 1994:17). Por outro lado, um dos principais recursos que o chefe
do Executivo poderia empregar para mitigar esses entraves e estabelecer
controles sobre a burocracia se daria a partir de seu direito de decisão
residual. Especificamente, o presidente poderia estabelecer estratégias
institucionais de “politização” (politize) e “centralização” (centralize). De
certa forma, essas estratégias seriam complementares.

O presidente “politiza” ao utilizar seu poder de


nomeação para colocar pessoas leais e ideologicamente
compatíveis em posições relevantes nos departamentos
e outras agências burocráticas com o fim de exercer
controle. Essa é uma estratégia de imperialismo,
estendendo o escopo do time presidencial ao infiltrá-
lo em um território “estranho”. A ideia é assegurar
que importantes decisões burocráticas sejam feitas, ou
ao menos examinadas e monitoradas, pelos agentes
do presidente. (...) O poder de nomeação atenua o
problema da assimetria de informação por possibilitar
ao time do presidente a descoberta das fontes de
informação que as agências resguardam para evitar
o controle. (...) Embora o poder de nomeação seja
um importante recurso pelo qual o presidente pode
erigir mecanismos de controle sobre a burocracia,

48
Seminário Direito, Gestão e Democracia

alguns problemas persistem: os indicados políticos


(political appointees) nunca saberão a quantidade
de informações que os burocratas de carreira sabem,
estando sempre em desvantagem; e tendo em vista
que os indicados políticos precisam da ajuda dos
burocratas para exercerem bem suas funções nas
agências, possivelmente ficam sob pressão para
defender junto ao presidente os interesses específicos
dessas agências. (...) Ademais, considerando que as
estruturas de comando das agências burocráticas são
fragmentadas e descentralizadas, o presidente não
pode apenas utilizar as nomeações como um recurso
para obter o tipo de controle político coordenado e
coerente necessário. Por isso, recorre à estratégia de
“centralização”. Mesmo se infiltrando nas agências
para garantir que tomem as decisões corretas, o
presidente pode utilizar estruturas para alterar o locus
do processo decisório levando-o para o centro. Uma
das formas pela qual o presidente pode fazer isso seria
pela imposição de regras administrativas (managerial
rules) que constrangessem o comportamento da
agência e, ainda, através da montagem de organizações
presidenciais que ajudassem a elaborar e aplicar essas
regras. (...) Essas medidas teriam o efeito de limitar
a liberdade de ação das agências e mover o poder
de tomar decisão para o presidente. (...) De forma
mais geral, o chefe do Executivo pode implementar
um controle central coerente sobre a burocracia ao
construir estruturas de tomada de decisão no âmbito
da Presidência, incorporando pessoas de sua própria
escolha, provenientes de diferentes departamentos,
agências e ministérios, e levando importantes aspectos
das políticas públicas para debate e resolução na
Presidência (1994:17-19, tradução livre).

Para uma precisa compreensão dos principais aspectos que compõem a


formulação teórica de Terry Moe sobre a Presidência, vale salientar que para
o autor é praticamente impossível a obtenção do nível de controle sobre a
burocracia pública e o sistema político requerido, em geral, pelo presidente.
Esse resultado estaria em desacordo com a própria lógica do sistema de
separação de poder, em que o presidente e o Congresso concorrem na
disputa pelo poder e controle sobre as instituições políticas. Não obstante,
depreende-se da análise de Moe que o presidente estaria invariavelmente

49
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

buscando, dentro das regras do jogo político, ampliar sua liderança. Esta
seria a força motriz do seu comportamento no exercício do poder. Dessa
forma, o presidente, em qualquer governo, estaria frequentemente impelido
a lutar por estruturas que ampliassem o seu poder e possibilitassem a
realização de seus objetivos no exercício da Presidência.

Feita essa introdução da teoria institucional da Presidência, podemos observar


que um aspecto parece regular neste esquema teórico, qual seja, o ímpeto dos
presidentes por reformas institucionais a fim de tornar favoráveis ao seu governo
as condições estruturais do exercício do poder. Essa formulação sugere, então,
que mudanças e reformas na organização institucional da Presidência sejam
examinadas considerando-se que podem ser manifestações do ímpeto geral
que anima os presidentes: adequar as regras do jogo ao seu governo. Dessa
forma, é oportuno sugerir que os dados que apresentaremos na próxima seção,
relativos à ordenação dos cargos de Direção e Assessoramento Superiores
(DAS), sejam analisados a partir dessa perspectiva. Ou seja, as mudanças nas
regras de provimento e de composição dos cargos de DAS, efetuadas por
diferentes presidentes desde a década de 1970, podem ser entendidas como
recursos manejados estrategicamente para a gestão da Presidência.

4 Mudanças na ordenação
dos cargos de DAS –
atores, procedimento e
instrumentos decisórios
O quadro abaixo apresenta todas as alterações nas regras de provimento
dos cargos de DAS efetuadas em quase 30 anos, de 1975 a 2003. A partir
dele é possível observar como a competência de realizar nomeações para os
postos de DAS foi ao longo do tempo distribuída. Essa atribuição constitui
um recurso de poder de grande relevância, pois faculta ao seu autor
controlar os ocupantes de funções centrais de direção, chefia, coordenação
e assessoramento em diferentes níveis da administração pública. São as
funções que, de fato, exercem o comando da burocracia no Brasil. Contudo,
o mais importante neste caso é entender que compete ao presidente o
controle dessa prerrogativa, de forma que pode tanto distribuí-la aos
diferentes agentes do Executivo, como alterar ou revogar essa delegação,
conforme considerar conveniente, a qualquer tempo por decreto. O
manuseio dessa atribuição é bastante flexível, e é, por isso, que se nota uma
constante variação nas regras de provimento.

50
Quadro 1 - Disposição dos atos de mudanças nas regras de provimento
dos cargos de DAS

Ato Autor do Objeto de


Ano Governo Situação
legal provimento nomeação - DAS
Quadros da Adm.
Presidente da Federal direta Revogado
Dec. República e dirigentes das pelo Dec.
1975 Geisel Autarquias
75.656 77.336 de
Dirigentes das Quadros dessas 25/03/1976
Autarquias entidades
Cargos de níveis 6, 5, 4
Presidente da
e 3 e os de dirigente de
República Alterado
Autarquia
Dec. pelo Dec.
1976 Geisel Ministros,
77.336 83.844 de
dirigentes de 14/08/1979
Demais níveis (2 e 1)
órgão da PR ou
de Autarquias
Cargos de níveis 6 e 5 e
Presidente da
os de dirigente máximo
República
de Autarquia
Dec. Não consta
1979 Figueiredo Ministros,
83.844 revogação
dirigentes de Demais níveis (4, 3, 2
órgão da PR ou e 1)
de Autarquias
Chefe do
Alterado
Estado-Maior das
pela Portaria
FFAAs, titulares
137 de
Dec. das Secretarias Cargos dos níveis 1, 2,
1990 Collor 29/12/1993
99.187 da Presidência 3, e 4
da
da República e
Secretaria-
Consultor-Geral
Geral da PR
da República
Revogado
Dec. Ministros de Cargos dos níveis 1, 2, pelo Dec.
1990 Collor
99.244 Estado 3, e 4 1.362 de
01/01/1995
Portaria Cargos para Secretaria Revogado
Subsec.-Geral da
06 da 1990 Collor Geral (assinar portarias - pela Portaria
PR (subdelegado)
SGPR níveis 3, 2 e 1) 137 da SGPR
Cargos para Presidência
Dec. Secretário-Geral Não consta
1993 I. Franco da República (todos os
820 da PR revogação
níveis)
Advogado-
Dec. Cargos dos níveis 1, 2, Não consta
1993 I. Franco Geral da União
869 3, e 4 revogação
(subdelegado)
Cargos para Presidência
Portaria
Subsec.-Geral da da República (designar,
137 da 1993 I. Franco  
PR (subdelegado) empossar e exonerar -
SGPR
níveis 3, 2 e 1)
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Ato Autor do Objeto de


Ano Governo Situação
legal provimento nomeação - DAS
Ministros de Cargos de níveis 2 e 1
Revogado
Estado e titulares (DAS 101) e níveis 4, 3,
Dec. pelo Dec.
1995 Cardoso I de órgãos de 2 e 1 (DAS 102). Níveis
1.362 2.947 de
assessoramento 4 e 3 (DAS 101) - após
27/01/1999
da Presidência * consulta à Casa Civil

Ministros de
Estado e titulares Cargos de níveis 2 e Alterado
de órgãos ** 1 (DAS 101) e níveis pelo Dec.
Titulares das 4, 3, 2 e 1 (DAS 102). 2.957 de
Dec. secretarias, Níveis 4 e 3 (DAS 101) 08/02/1999
1999 Cardoso II
2.947 autarquias e - após consulta ao Revogado
fundações, sob Pres. da Rep. por meio pelo Dec.
supervisão dos da Sec. de Relações 3.362 de
Ministérios Institucionais 10/02/2000
(subdelegado)
Subordinados
dos titulares
Cargos de níveis 2 e
das secretarias,
1 (DAS 101) e níveis
autarquias
4, 3, 2 e 1 (DAS 102). Revogado
e fundações
Dec. Níveis 4 e 3 (DAS 101) pelo Dec.
1999 Cardoso II (competência
2.957 - após consulta ao 3.362 de
subdelegada
Pres. da Rep. por meio 10/02/2000
pelos titulares
da Sec. de Relações
das secretarias,
Institucionais
autarquias e
fundações)
Ministros de
Estado e titulares
de órgãos ***
Titulares das Cargos de níveis 2 e
secretarias, 1 (DAS 101) e níveis
autarquias e Revogado
4, 3, 2 e 1 (DAS 102).
Dec. fundações, sob pelo Dec.
2000 Cardoso II Níveis 4 e 3 (DAS 101) -
3.362 supervisão de 4.243 de
após consulta ao Pres.
cada Ministério 22/05/2002
da Rep. por meio da
(art. 2º - prevê que Secretaria Geral
essa competência
poderá ser
seguidamente
subdelegada)
Ministros de Cargos de níveis 2 e
Estado 1 (DAS 101) e níveis
Revogado
4, 3, 2 e 1 (DAS 102).
Dec. Art. 2º prevê a pelo Dec.
2002 Cardoso II Níveis 4 e 3 (DAS 101) -
4.243 subdelegação da 4.579 de
após consulta ao Pres.
competência de 22/01/2003
da Rep. por meio da
provimento Secretaria Geral

52
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Ato Autor do Objeto de


Ano Governo Situação
legal provimento nomeação - DAS
Ministro-Chefe da
Cargos níveis 6 e 5
Casa Civil

Ministros de Revogado
Cargos de níveis 2 e 1
Dec. Estado pelo Dec.
2003 Lula I (DAS 101) e níveis 4, 3,
4.579 2 e 1 (DAS 102). Níveis 4.676 de
Art. 4º prevê a 4 e 3 (DAS 101) - após 17/04/2003
subdelegação da consulta ao Pres. da Rep.
competência de por meio da Casa Civil
provimento
Revogado
Dec. Não introduz mudanças nas regras de pelo Dec.
2003 Lula I
4.676 provimento dispostas no Dec. 4.579 4.734 de
11/06/2003
Alterado
pela Portaria
1.056 de
Ministro-Chefe da 11/06/2003
Casa Civil Alterado
Dec. Art. 4º prevê a Todos os níveis (6, 5, 4, pelo Dec.
2003 Lula I
4.734 subdelegação da 3, 2 e 1) 6.125 de
competência de 14/06/2007
provimento (apenas
dá nova
redação ao §
1º do Art. 1º)
Ministros de Cargos de níveis 2 e 1
Portaria Estado (DAS 101) e níveis 4, 3,
1.056 (subdelegado) 2 e 1 (DAS 102). Níveis Não consta
2003 Lula I
da Casa Art. 3º prevê 4 e 3 (DAS 101) - após revogação
Civil subsequente consulta ao Pres. da Rep.
delegação por meio da Casa Civil

* o Conselho de Governo, a Advocacia-Geral da União, o Alto Comando das Forças Armadas e o Estado-Maior das
Forças Armadas.
** o Advogado-Geral da União, a Secretaria de Estado de Comunicação de Governo e a Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Urbano.
*** o Advogado-Geral da União e a Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano.

O quadro torna evidente que ao longo dos anos houve um processo de


descentralização da competência de prover (nomear) cargos de DAS.
Formalmente, a partir de 1976 ficou regulamentado que o presidente seria
o responsável pela nomeação dos ocupantes dos quatro principais níveis
dos cargos de confiança, mas conforme os órgãos da administração pública
começaram a incorporar a estrutura de funções comissionadas possivelmente
o presidente passou a delegar a outras autoridades a competência de prover
esses cargos, ficando desde 1979 apenas com a incumbência de prover os
dois níveis hierarquicamente mais importantes. Podemos considerar que

53
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

essa medida foi formalizada com a edição do decreto 83.937 de 1979 que
regulamentaria os artigos 11 e 12 do decreto-lei 200, segundo o qual “é
facultado ao presidente da República, aos Ministros de Estado e, em geral,
às autoridades da Administração Federal delegar competência para a prática
de atos administrativos.” Dessa forma, a partir de 1979 foram frequentes os
decretos que reiteravam a delegação dos atos de provimento para distintas
autoridades subordinadas ao presidente.

Neste movimento é possível identificar algumas tendências: até 1999 competia


apenas ao presidente da República e as autoridades diretamente subordinadas
a ele, como os ministros, secretários e dirigentes de autarquias e fundações, a
autoridade para realizar nomeações. O provimento de cargos comissionados
era, de fato, feito pela cúpula do governo, sendo que o preenchimentos dos
postos mais importantes (DAS 5 e 6) estava somente a cargo do presidente.
A partir de 1999, com o decreto 2.957, autorizou-se a subdelegação da
competência de prover os cargos de DAS de níveis 1 ao 4 aos subordinados
dos ministros, secretários e dirigentes do executivo. Podemos entender que
essa nova regra leva adiante o processo de descentralização da atribuição de
prover postos de DAS, o que significa que novos atores passariam a dispor de
um importante de exercício de poder. Esse arranjo é remodelado em 2003 no
governo do presidente Lula, com a edição do decreto 4.734 que transfere ao
ministro-chefe da Casa Civil a competência de praticar os atos de provimento
de todos os cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento
Superiores no âmbito da administração pública federal.10

Esta medida chama atenção por duas razões: 1) concentra sob o chefe da Casa
Civil o controle total das nomeações dos cargos de DAS, o que o torna um ator
institucionalmente poderoso no âmbito do Executivo, já que passa a controlar
“quem” pode ser selecionado para ocupar esse montante de cargos; e 2) retira
do presidente essa prerrogativa, sobretudo no âmbito dos postos de DAS 5 e 6,
o que nunca sucedeu nos governos anteriores. Contudo, deve-se lembrar que
essa medida foi estabelecida pelo próprio presidente, certamente de forma
calculada, sugerindo que desejava privilegiar em sua gestão determinados
agentes, como, por exemplo, o chefe da Casa Civil. É importante reconhecer
que o principal aspecto dessa decisão não foi a centralização da prerrogativa
de realizar nomeações no chefe da Casa Civil, afinal pela Portaria 1.056 de
2003 da própria Casa Civil foi delegada aos ministros e demais autoridades do
Executivo a atribuição de prover os cargos de DAS dos níveis 1 ao 4, como era
antes. O que nos chama atenção é a evidência de que o presidente Lula, em
comparação aos seus sucessores, apresentou um estilo diferente de manejar
os recursos institucionais à sua disposição.

10. No momento da edição do Decreto 4.734 de 11/06/2003 era José Dirceu o


ministro-chefe da Casa Civil.

54
Seminário Direito, Gestão e Democracia

A seguir apresentamos o conjunto de regulamentos sobre a composição


de cargos de DAS que procuravam fixar critérios para o provimento desses
cargos. Pode-se entender que todos esses atos legais estabelecidos desde a
década de 1970 pelo Executivo foram tentativas de limitar o preenchimento
dos postos de confiança por pessoas de fora do serviço público. Essas
medidas se propunham a “profissionalizar” a administração pública,
provendo-a com servidores efetivos de carreira e, com isso, diminuído as
indicações políticas para os cargos de confiança.11 Devido à ausência de
dados até 1998 sobre o tipo de vínculo dos ocupantes de cargos de DAS
não é possível verificarmos se, de fato, as determinações estabelecidas pelos
distintos atos legais apresentados abaixo foram cumpridas, pelo menos até
1998. Como já foi dito, algumas proposições legislativas procuraram regular
a composição dos cargos de DAS, mas como nenhuma chegou a ser votada
e, portanto, a ter validade, não as mencionamos no quadro abaixo.

Quadro 2 - Disposição dos atos que regulam e composição dos cargos


de DAS
Objeto de
Regra de
Ato legal Ano Governo regulação Situação
composição
- DAS
Dec.-lei 1.660 1979 Figueiredo Cargos de Art. 10 - 50% (cinquenta Não consta
DAS níveis por cento) do número revogação
1e2 de funções, desses
níveis, existente em
cada órgão ou entidade,
somente poderão
recair em servidor da
Administração Federal
direta ou Autarquia
federal, ocupante
de cargo efetivo ou
emprego permanente
Constituição 1988 Sarney Cargos em Art. 37, item V - Alterado
Federal de comissão e Preferencialmente serão pela EC
1988 funções de exercidos por servidores 19 de
confiança em ocupantes de cargos 04/06/1998
geral de carreira técnica ou
profissional, nos casos e
condições previstos em lei
Art. 14 - 50% (cinquenta
por cento), no mínimo,
Cargos de dos cargos desses níveis
Não consta
Lei 8.460 1992 Collor DAS níveis 1, deverão ser destinados a
revogação
2e3 ocupantes de cargo efetivo
lotados e em exercício nos
respectivos órgãos

11. Essa questão foi discutida no primeiro capítulo do livro “A Elite Dirigente do
Governo Lula.”

55
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Objeto de
Regra de
Ato legal Ano Governo regulação Situação
composição
- DAS
Art. 5º - são cargos em
comissão, de livre nome-
ação e exoneração: II - os
dois níveis hierárquicos
mais elevados da estrutura
organizacional do órgão
ou entidade; III - os de
Cargos de assessoramento (DAS 102)
Artigos
DAS níveis no limite de até quarenta
revogados
5 e 6 (os por cento do quantitativo
pela MPV
dois níveis constante no órgão ou
1.480 de
hierárquicos entidade.
Lei 8.911 1994 I. Franco 29/01/1998,
superiores), Art. 6º - designação para
converti-
e níveis 1 as funções de direção,
da na Lei
ao 4 (níveis chefia (DAS 101) e assesso-
9.624 de
hierárquicos ramento (DAS 102) recairá,
02/04/1998
inferiores) exclusivamente, em ser-
vidor ocupante de cargo
efetivo, da Administração
Pública Federal, Direta,
Autárquica e Fundacional,
exceto quando se tratar
do limite estabelecido no
inciso III do artigo 5º
Art. 37, item V - funções
de confiança, exercidas
exclusivamente por
servidores ocupantes de
Cargos em cargo efetivo, e os cargos
Emenda comissão e em comissão, a serem
Sem regula-
Constitucio- 1998 Cardoso I funções de preenchidos por servidores
mentação*
nal 19 confiança em de carreira nos casos,
geral condições e percentuais
mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atri-
buições de direção, chefia
e assessoramento

56
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Objeto de
Regra de
Ato legal Ano Governo regulação Situação
composição
- DAS
Art. 1º Serão ocupados ex-
clusivamente por servido-
res de carreira os seguintes
cargos em comissão do
Regula-
Grupo-Direção e Assesso-
mentado
ramento Superiores - DAS
pela
Cargos de da administração pública
Instrução
Dec. 5.497 2005 Lula I DAS níveis 1 federal direta, autárquica
Normativa
ao 4 e fundacional: I – 75%
Nº 2 de
(setenta e cinco por cento)
07/01/2010
dos cargos em comissão
do MP
DAS, níveis 1, 2 e 3; e II –
50% (cinquenta por cento
dos cargos) em comissão
DAS, nível 4.
* Ver PL 2535-1989, do PSDB-SP, PL 1650/1989 (PFL/MA), PL 1627/1989 (PDT-RJ),
PL 160/1989, do PMDB/SP,

O quadro acima mostra que a primeira regulação que estipulou limites para o livre
provimento dos cargos de DAS data de 1979, certamente no bojo do processo
de consolidação da estrutura de cargos comissionados na administração federal.
Observa-se também que esse tema fez parte da pauta de discussões no período
constituinte, chegando inclusive a ser incorporado na Constituição Federal
promulgada em 1988. O inciso V do artigo 37 da nova Constituição determinava
que os cargos comissionados deveriam ser preferencialmente compostos por
servidores públicos efetivo. Esse item, especificamente, gerou vários projetos de
lei propostos por deputados federais que pretendiam regulamentar as normas
de preenchimento dos cargos e funções comissionadas. Apenas em 1989
foram propostos três projetos de lei diferentes,12 mas todos foram arquivados
posteriormente, denotando, como sugerem Santos (2009) e Cruz (2009), que não
houve naqueles anos interesse por parte tanto do Legislativo como do Executivo
para, de fato, regulamentar a norma estipulada pelo texto constitucional. Em
1998, no entanto, com a aprovação da emenda constitucional 19, essa regra
foi remodelada, determinando que os cargos em comissão (de DAS) fossem
preenchidos por servidores de carreira “nos casos, condições e percentuais
mínimos” estipulados por lei. Essa nova redação ratificou a determinação de
que os cargos em comissão fossem ocupados por servidores efetivos de carreira,
mas estabeleceu a necessidade da elaboração de uma nova lei que defina a
composição desses cargos. Contudo, convém lembrar que já se passaram mais
de dez anos da promulgação da emenda constitucional 19 e nenhuma lei foi
estabelecida com o objetivo de regulamentar o inciso V do artigo 37.
12. PL 1.627 apresentado por Cesar Maia (PDT/RJ) em 08/03/1989, PL 1.627
apresentado por Costa Ferreira (PFL/MA) em 09/03/1989 e PL 2.535 apresentando por
Koyu Iha (PSDB/SP) em 05/06/1989.

57
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

A despeito disso, podemos dizer que a década de 1990 apresentou tendências


interessantes, mas controversas. Se, por um lado, novas regras foram
estabelecidas procurando estender aos demais níveis de cargos de DAS (níveis
3 e 4) a determinação de que um percentual mínimo desses cargos fossem
preenchidos por servidores efetivos, como as leis 8.460 de 1992 e 8.911 de
1994, dando prosseguimento a medida disposta pelo decreto-lei 1.660 de
1979, por outro lado, não houve esforços do próprio Executivo em efetivar
esse regulamento. O quadro acima mostra que os artigos da lei 8.911 (arts.
5º e 6º) que tratavam dessa regra, fixando que todos os cargos de DAS 101
dos níveis 1 ao 4 e 60% dos DAS 102 destes níveis fossem preenchidos por
servidores efetivos, foram revogados em 1998 pela medida provisória 1.480.
Essas regulações são inquestionavelmente controversas: novas regras são
estabelecidas, mas também são revogadas e ainda negligenciadas, como ocorre
com a emenda constitucional de 1998, que ainda segue pendente de regulação.
O governo Lula, por sua vez, também procurou estabelecer em 2005 através do
decreto 5.497 um novo regulamento fixando limites para o livre provimento
dos postos de DAS dos níveis 1 ao 4, mas não se manifestou em relação à
emenda constitucional pendente. Considerando que esse decreto ainda está
em vigência e recentemente, em janeiro de 2010, o ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão baixou a instrução normativa 2 dispondo sobre o controle
de nomeação de não servidores de carreira para os cargos de DAS níveis de 1
a 4, entendemos que, por enquanto, a ordenação das regras de composição
dos postos de DAS parece estabilizar-se. Entretanto, cabe destacar que alguns
autores (Pacheco, 2008b e Cruz, 2009) têm argumentado que na verdade os
percentuais definidos pelo decreto de 2005 apenas oficializaram uma situação
que já era praticada pelo menos desde 1998, como é possível verificar no quadro
abaixo. Comparando o primeiro ano em que os dados sobre a composição dos
cargos de DAS começaram a ser publicados, o período em que o decreto 5.497
foi estabelecido (junho de 2005) e as informações mais atuais identificamos
que, de fato, já em 1998 o percentual de servidores públicos que ocupavam
cargos de DAS eram bem próximos ao que foi fixado pela regra de 2005.

Quadro 3 – Quantitativo de servidores públicos por cargos de DAS (%)

  jun/1998 jun/2005 mar/2010


DAS 1 74,4 68,6 71,1

DAS 2 72,2 70,6 72,3

DAS 3 69,8 71,4 68,9

DAS 4 58,1 58,0 63,8


Fonte: BEP, nº 26 (jun/1998) 110 (jun/2005)
e 167 (mar/2010). Elaboração: autora.

58
Seminário Direito, Gestão e Democracia

5 Considerações finais
Este trabalho procurou desenvolver uma análise inicial sobre a tendência
diagnosticada em diferentes governos de promover reformas no conjunto
de normas que regulam os cargos de DAS. Uma visão panorâmica sobre os
atos legais editados ao longo do tempo com o objetivo de alterar as normas
de provimento e composição desses cargos deixa claro que embora algumas
iniciativas pareçam complementar, ou estender, regras estabelecidas por
atos anteriores, de um modo geral predomina uma situação de completa
instabilidade. No âmbito das regras de provimento, em praticamente todos os
governos houve revogações de normas anteriores, o que demonstra que ao
longo de mais de 30 anos não foi possível fixar um marco regulatório estável ao
qual os presidentes devam se adequar. O que ocorre na prática é que as regras é
que são adaptadas aos governos. Por isso, o ritmo de mudança é frequente. Em
relação às normas sobre a composição dos cargos de DAS verificamos que nem
mesmo o seu status constitucional foi capaz de torná-las mais estáveis. Esta é
uma questão ainda pendente de regulamentação definitiva.

Além disso, é possível dizer que o Poder Legislativo tem se mantido afastado
da competência de legislar sobre questões relativas aos cargos de confiança.
Todas as propostas de lei prevendo a regulamentação dos critérios de
preenchimento dos cargos e funções de confiança (inciso V do art. 37 da
CF) foram arquivadas. Convém lembrar que o Legislativo é uma organização
coletiva e o processo decisório que leva à aprovação de projetos propostos
pelos deputados demanda a construção de acordos e consensos, e por isso
é passível de problemas de ação coletiva. Neste contexto é, então, notório o
controle do Executivo e especificamente dos presidentes da República sobre
a ordenação dos cargos de DAS. Isso os faculta a agir de forma discricionária
no estabelecimento das mudanças, muitas delas contraditórias e incompletas,
mais convenientes aos seus estilos de governar.

6 Referências bibliográficas
Cruz, Rachel Pellizzoni da. “Carreiras burocráticas e meritocracia: o impacto
do ingresso de novos servidores na última década sobre a dinâmica do
preenchimentos dos cargos em comissão no governo federal brasileiro”.
Trabalho apresentado no II Congresso CONSAD de Gestão Pública. Brasília,
maio de 2009.
D’Araujo, Maria Celina (coord.). Governo Lula: contornos sociais e políticos
da elite do poder. Rio de Janeiro: CPDOC-FGV, 2007.

59
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

D’Araujo, Maria Celina; participação de Camila Lameirão. A Elite Dirigente


do Governo Lula. Rio de Janeiro: CPDOC-FGV, 2009.
Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão. Secretaria de Recursos
Humanos. Boletim Estatístico de Pessoal, edições 26 (jun/1998), 110
(jun/2005), 167 (mar/2010) e 168 (abr/2010). Disponível em:
http://www.servidor.gov.br/publicacao/boletim_estatistico/bol_estatistico.htm
Moe, Terry. “Political Institutions: The Neglected Side of the Story,” Journal of
Law, Economics, and Organization 6 (1990): 213-254. Reprinted in Charles
K. Rowley, Public Choice Theory (Hant, England: Edward Elgar), 1990.
_____. “Presidents, Institutions, and Theory”. In George C. Edwards III,
John Kessel e Bert A. Rockman (orgs.). In Researching the Presidency: Vital
Questions, New Approaches. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1993.
_____ & Wilson, Scott. “Presidents and The Politics of Structure,” Law and
Contemporany Problems, vol. 57 (2): 01-44, 1994.
Pacheco, Regina Silvia. “Organizando o debate: dirigentes públicos no
Brasil”. Trabalho apresentado ao I Congresso CONSAD de Gestão Pública.
Brasília, maio de 2008a.
_____. “Brasil: o debate sobre dirigentes públicos. Atores, argumentos e
ambigüidades.” Trabalho apresentado no XIII Congreso Internacional del
CLAD sobre la reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos
Aires, argentina, nov. 2998b.
Santos, Luiz Alberto dos. Burocracia profissional e a livre nomeação para
cargos de confiança no Brasil e nos EUA. Revista do Serviço Público, 60 (1):
05-28, jan/mar 2009.
Wood, B. D. & Waterman, R. W. 1991. The Dynamics of Political Control of
the Bureaucracy. The American Political Science Review, Washington, D. C.,
v. 85, n. 3, p. 801-828

60
Seminário Direito, Gestão e Democracia

A ilegitimidade constitucional da súmula


vinculante nº 13 do STF e os limites de atuação da
Administração Pública.
João Pereira de Andrade Filho1

1 Introdução
O tema a ser abordado neste articulado restringe-se à análise do conteúdo
jurídico da súmula vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal – STF - que
dispõe sobre a vedação à prática do nepotismo - e suas repercussões na
liberdade de atuação da Administração Pública Direta e Indireta.

A súmula foi redigida nos seguintes termos: “A nomeação de cônjuge,


companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o
terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma
pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento,
para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função
gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o
ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”

A abordagem tomará em consideração o conceito de nepotismo adotado


pelo STF ao editar a referido enunciado, e suas implicações diretas na
liberdade de atuação dos órgãos do Poder Executivo, ponderando de que
maneira essa modalidade de controle jurisdicional pode macular o dogma
constitucional da separação harmônica entre os Poderes.

Com efeito, serão apreciadas questões relativas: ao âmbito de aplicação da


súmula vinculante nº 13; aos limites de atuação do Poder Judiciário à luz
do princípio da separação harmônica dos poderes e da estrita legalidade; à
força normativa dos princípios constitucionais; à legitimidade das súmulas
vinculantes frente a outros postulados de alçada constitucional; à (des)
necessidade de edição de lei formal para a regulamentação da matéria.

No desenvolvimento do tema, serão abordados ainda alguns aspectos


em derredor do regramento jurídico levado a efeito pela Administração
Pública Federal para coibir a prática do nepotismo em seus órgãos e en-
tidades, notadamente as regras veiculadas pelo Decreto nº 7.203, de 04
de junho de 2010.

1. Advogado da união em exercício na Consultoria Jurídica do Ministério do


Planejamento, Orçamento e Gestão.

61
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

2 A Separação dos Poderes


e o papel exercido pelo
Supremo Tribunal Federal
na edição de súmulas
vinculantes. Ilegitimidade
para editar súmulas com
conteúdo geral e abstrato
acerca de matéria não
versada diretamente pela
Constituição
A leitura atenta dos contornos normativos tracejados pela nossa Constituição
Federal de 1988 acerca da divisão orgânica de Poderes conduz a ideia que o
nosso Constituinte, inspirando-se em modelo típico do constitucionalismo
moderno e contemporâneo, optou por cometer as funções a cargo do
Estado a cada um dos Poderes (rectius, órgãos de poder). Deste modo,
ao Legislativo cumpre exercer, com preponderância, a função legiferante,
criando o Direito Positivo; ao órgão Executivo foi atribuída a função de
administração e de execução não contenciosa da Lei; e ao Judiciário cabe
exercer primacialmente a função jurisdicional, decidindo os conflitos em
grau de definitividade.

O exercício dessas funções, como dito, não se opera de modo exclusivo,


uma vez que cada um dos blocos orgânicos de Poder também exerce, de
maneira anômala, as atribuições preponderantemente atribuídas aos outros
órgãos de Poder, caracterizando o que a doutrina convencionou denominar
de sistema de freios e contrapesos (check and balances).

Assim é que, por vezes, o Poder Legislativo exerce função judicante, quando,
por exemplo, o Senado processa e julga o Presidente da República nos crimes
de responsabilidade (art.52, inciso I, da Constituição Federal); do mesmo modo
que o Executivo, também atipicamente, poderá inovar na ordem jurídica,
criando o jus positum através da edição de medidas provisórias em casos de
relevância e urgência (art. 62 da CF/88); e o Judiciário, a sua vez, também

62
Seminário Direito, Gestão e Democracia

exerce função legislativa, quando um Tribunal elabora seu próprio regimento


interno (art. 96, inciso I, alínea a, da CF/88), ou atribuição administrativa,
quando nomeia, concede férias ou aposentadoria a seus servidores.

À vista da sistemática, não seria um despropósito questionar: ao editar uma


súmula vinculante, está o Supremo Tribunal Federal - STF exercendo uma
atividade de caráter jurisdicional, que lhe foi atribuída com predominância
pela Carta Política, ou, ao revés, uma função de índole legislativa, de molde
a caracterizar mais uma exceção ao princípio da separação harmônica dos
poderes abraçado pela Constituição Federal?

A resposta a esta indagação, ao menos em nosso entendimento, vai no


sentido de que a edição de súmula vinculante tipifica-se como um ato de
cariz jurisdicional. Senão vejamos.

Como é de conhecimento comum, a súmula vinculante foi instituída em nosso


ordenamento jurídico por ocasião da promulgação da emenda constitucional
nº 45/2004. O instituto veio à tona em um contexto de profundas modificações
na estrutura e no próprio funcionamento do Poder Judiciário.

Com efeito, a positivação do instituto da súmula vinculante em nossa carta


magna deu-se nos seguintes termos:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de


ofício ou por provocação, mediante decisão de dois
terços dos seus membros, após reiteradas decisões
sobre matéria constitucional, aprovar súmula que,
a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do
Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento,
na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a


interpretação e a eficácia de normas determinadas,
acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos
judiciários ou entre esses e a administração pública
que acarrete grave insegurança jurídica e relevante
multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em


lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula
poderá ser provocada por aqueles que podem propor a
ação direta de inconstitucionalidade.

63
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que


contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente
a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal
Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada,
e determinará que outra seja proferida com ou sem a
aplicação da súmula, conforme o caso.”

Conforme se vê, o parágrafo primeiro do art. 103-A da CF/88 deixa claro que
essa modalidade de súmula tem por objetivo a validade, a interpretação e a
eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual.
Claro está que não constitui objeto da súmula a edição de norma jurídica,
aqui entendia como regra de direito dotada de generalidade e abstração,
cujo objeto seja a regulação de condutas sociais. A inovação na ordem
jurídica não constitui propósito da súmula vinculante.

Diversamente, edita-se um enunciado vinculante exatamente para se


interpretar a Lei, a regra de Direito Positivo já existente. A edição da súmula
pressupõe, pois, a vigência de regras jurídicas abstratas, já criadas pelo
Legislador, sobre as quais haja controvérsia interpretativa.

Advém dessa constatação a primeira crítica ao conteúdo da súmula vinculante


nº 13: nos termos em que editada e redigida, a súmula desatende os contornos
constitucionais que conformam o instituto, já que, ao editá-la, o Pretório
Excelso agiu, em uma clara demonstração de desmedido ativismo judicial, como
Legislador Positivo, criando uma regra geral e abstrata a partir da interpretação
e aplicação de princípios constitucionais (Impessoalidade e moralidade) cujos
conteúdos são dotados de um alto grau de vagueza semântica.

A problemática decorrente desta situação foi muito bem sintetizada


nos seguintes questionamentos formulados por Luiz Flávio Gomes:
“Particularmente no que diz respeito ao STF, ele pode criar normas obrigatórias,
a partir de textos constitucionais, sem a interposição da lei e do legislador?
Numa espécie de ativismo normatizante, ele pode invadir competência alheia
e disciplinar assuntos ainda não cuidados pelo Poder Legislativo?2”

A resposta a esses questionamentos constituirão a base do desenvolvimento


das ideias articuladas ao longo deste breve estudo.

2. GOMES, Luiz Flávio. Súmula vinculante nº. 13: o STF pode proibir o nepotismo?
Disponível em http://www.lfg.com.br 26 agosto. 2008.

64
Seminário Direito, Gestão e Democracia

3 Da Súmula Vinculante nº 13
3.1 A edição da súmula e a necessidade de regulação
do tema por meio de Lei. O Princípio da preferência
de lei
A súmula vinculante nº 13 foi redigida nos seguintes termos:

“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em


linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,
inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da
mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção,
chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo
em comissão ou de confiança ou, ainda, de função
gratificada na administração pública direta e indireta
em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, compreendido
o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal.”

Muitas razões podem ser enumeradas para se tentar justificar a edição de


uma súmula vinculante cujo objetivo seja vedar, em termos amplos, a prática
do nepotismo: a mora de nossas casas legislativas no que toca à edição de
Lei regulamentando a matéria; a descrença e ilegitimidade que tomam conta
do Parlamento, onde a prática do Nepotismo por parte dos agentes políticos
tornou-se recorrente; a crise da Lei, enquanto crise da ideia de Legalidade
como única forma de conduta exigível de particulares e do próprio Estado3;
a supervalorização da eficácia jurídica dos princípios constitucionais; o
robustecimento da atuação jurídica e política do Supremo Tribunal Federal
enquanto Corte Constitucional (ativismo judicial).

Em que pese a existência dessas razões, não se afigura razoável defender, sob
o prisma da legitimidade constitucional, que tema tão delicado – vedação
à prática do Nepotismo – seja regulado por um ato emanado de um órgão
jurisdicional, a quem cabe aplicar a regras de direito previamente existentes,
e não ditar referidas regras, com o fim de regular diversas situações jurídicas
criadas no âmbito da Administração Pública de todos os órgãos de poder

3. Essa ideia de crise de Legalidade é muito bem abordada por Gustavo Binenbojm
no artigo “O Sentido da vinculação administrativa à juridicidade no direito
brasileiro” in ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo
(Coordenadores). Direito administrativo e seus novos paradigmas. São Paulo; Editora
Forum, p. 145-204.

65
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

(Executivo, Legislativo e Judiciário) de todas as entidades federadas (União,


Estados, Municípios e Distrito Federal).

A questão sobre a regulamentação à proibição do Nepotismo através do


‘Direito Judicial” envolve, sem dúvida alguma, a correta demarcação entre
o papel do Poder Judiciário na concretização dos princípios constitucionais
e a função do Parlamento em regular condutas administrativas através da
edição de Lei (princípio da legalidade em sentido amplo). Por um lado,
a Constituição veicula a moralidade e a impessoalidade como vetores de
atuação da Administração Pública, sugerindo, indubitavelmente, que a
prática de nepotismo constitui ofensa a esses princípios constitucionais. Por
outro lado, a definição do que seria nepotismo, de qual seria a extensão
à vedação a essa prática, de que situações não se enquadrariam nesse
conceito, constituem matérias de índole constitucional – já que envolvem a
densificação de princípios da Carta Magna – que necessariamente deveriam
ser submetidas ao processo político majoritário.

Contudo, esse não foi o entendimento abraçado pelo Supremo Tribunal


Federal, que entendeu que a regulamentação à vedação ao nepotismo
não reclama a edição de lei formal. Neste sentido, confira-se a ementa do
seguinte julgado:

EMENTA: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VEDAÇÃO


NEPOTISMO. NECESSIDADE DE LEI FORMAL.
INEXIGIBILIDADE. PROIBIÇÃO QUE DECORRE DO ART.
37, CAPUT, DA CF. RE PROVIDO EM PARTE. I - Embora
restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do
Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo
nos demais Poderes é ilícita. II - A vedação do nepotismo
não exige a edição de lei formal para coibir a prática.
III - Proibição que decorre diretamente dos princípios
contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. IV
- Precedentes. V - RE conhecido e parcialmente provido
para anular a nomeação do servidor, aparentado com
agente político, ocupante, de cargo em comissão.
RE 579951 / RN - RIO GRANDE DO NORTE RECURSO
EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI Julgamento: 20/08/2008 Órgão
Julgador: Tribunal Pleno

À evidência, o entendimento de que a regulação do tema prescinde de Lei


não é capaz de esconder que a edição da súmula n. 13 representa mais uma
opção política da Corte Maior, e menos uma decisão estritamente jurídica.
Opção política no sentido de que o STF, ao editar enunciado vinculante

66
Seminário Direito, Gestão e Democracia

vedando em termos amplíssimos o nepotismo, valoriza o seu papel no


cenário Político Nacional, na medida em que supre uma injustificável
omissão do Poder Legislativo em regulamentar a matéria.

Bem analisado o conteúdo da súmula, será possível perceber que o STF definiu,
mediante escolha e valorações de cunho político, as modalidades de parentesco
(consangüíneo ou por afinidade); determinou até que grau (terceiro) estende-se
a vedação do nepotismo; prescreveu o âmbito espacial de aplicação da vedação
às Administrações Públicas de todos os órgãos de Poder em todos os níveis da
federação (União, Estados, municípios e Distrito Federal).

A matéria foi regulada de maneira ampla, descendo-se a detalhes e minúcias


que refogem aos objetivos de uma súmula de caráter vinculante, e que não
constam das atribuições constitucionalmente deferidas ao Poder Judiciário.

Note-se que com esse raciocínio não se está defendendo a legitimidade da


prática do Nepotismo, ou mesmo se afirmando que a Constituição Federal
admite semelhante procedimento por parte dos administradores públicos.
Não se trata disso.

O argumento que se vem desenvolvendo funda-se na seguinte premissa:


é função do STF, enquanto guardião da Constituição, dizer que o
nepotismo constitui, sim, prática ilegítima, vedada pela Lei Maior. Contudo,
regulamentar a matéria, definindo o que se entende por nepotismo, quem
são as autoridades proibidas de nomear, quem se sujeita à vedação, quais as
modalidades de parentesco se incluem na proibição, et coetera, não constitui
atribuição do STF. Em outras palavras, a regulamentação da matéria nos
termos assinalados não se insere no domínio próprio à função jurisdicional.

Com efeito, é fora de dúvida que o STF, no intuito de vedar a prática do


Nepotismo, extrapolou de suas funções, usurpando competência que, a
nosso ver, caberia ao Legislativo – pela edição de Lei regulamentando em
caráter geral a matéria – ou aos próprios órgãos Administrativos de cada
um dos Poderes, por meio da edição de atos administrativos de caráter
normativo que regulassem a matéria interna corporis.

Embora a Constituição não tenha dito, em termos expressos, que a concretização


do princípio da moralidade e da impessoalidade são questões sujeitas a alguma
espécie de reserva de lei4, parece extremamente razoável sustentar que o
tratamento da matéria através de uma Lei Nacional seria muito mais adequado -
notadamente à luz do princípio da segurança jurídica - do que editar uma súmula
vinculante para regular tema tão amplo e cercado de tantas peculiaridades.
4. Sobre as espécies de reserva de lei, vide MENDES, Gilmar Ferreira et alii. 4.ed. Curso
de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 333 e seguintes.

67
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Não se estar a defender, evidentemente, a necessidade de haver reserva de


lei para estatuir a disciplina jurídica acerca do nepotismo. Muito ao revés,
a existência de uma reserva absoluta de lei em relação ao tema criaria a
impossibilidade de que a matéria pudesse também ser abordada em nível
infralegal, através de edição de atos normativos regulamentares.

Ao invés de uma reserva absoluta de lei, apregoa-se que haja uma preferência
de lei5 no tratamento da vedação ao nepotismo, em ordem a definir,
mediante edição de uma Lei Nacional, o regramento padrão acerca da
matéria, abrindo-se a possibilidade para que as Administrações Públicas de
todos os órgãos de Poder em todos os níveis da federação regulamentassem,
de acordo com a suas conveniências, proibições mais rigorosas ou mais
extensas, desde que não contravenham o disposto na Lei Nacional. Esse é o
exato sentido do princípio da preferência de lei6.

Com efeito, é constitucionalmente muito mais legítimo sustentar que a Lei,


manifestação inequívoca dos representantes do povo, trate da vedação ao
nepotismo, descrevendo as condutas a serem seguidas, do que defender a
ideia de que uma súmula vinculante seria instrumento constitucionalmente
adequado para tratar do tema.

De outro vértice, não se pode deixar de anotar que a edição de súmula


vinculante tratando do tema de maneira tão ampla é capaz de causar conflitos
institucionais hábeis a comprometer seriamente o valor segurança jurídica.

Imagine-se o caso de um Estado da Federação editar Lei regulamentando


o regime jurídico de seus servidores públicos. Pense-se que esse mesmo
estado-membro, com escopo de coibir a prática do nepotismo no âmbito de
sua Administração Pública, regulamente a matéria na referida Lei, tratando
do tema de modo diverso ao disposto na súmula vinculante nº 13, ao vedar,
por exemplo, o nepotismo em termos menos amplos (verbi gratia: extensão
da vedação apenas até o segundo grau, ou mesmo exclusão da vedação
para o parentesco por afinidade).

Poder-se-ia entender que, no caso desse estado-membro, existiriam

5. Poder-se-ia sustentar, pelas mesmas razões expostas, que houvesse uma reserva
relativa de Lei em relação ao Tema.
6. “O princípio da preferência de lei significa, para o Direito Administrativo, que
o administrador público, em sua atuação, seja ela regulamentar, seja ela de atos
concretos, não pode contrariar o que prescreve a lei, que terá preeminência em face
de qualquer outro ato contrário a ela. Os atos contrários à disposição legislativa
serão, assim, inválidos”. BINEBOJM, Gustavo. O Sentido da vinculação administrativa
à juridicidade no direito brasileiro. in ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO,
Floriano de Azevedo (Coordenadores). Direito administrativo e seus novo paradigmas.
São Paulo; Editora Forum, p. 164.

68
Seminário Direito, Gestão e Democracia

concomitantemente dois regulamentos normativos distintos acerca da vedação


ao nepotismo: aquele previsto na súmula vinculante nº 13 e o outro disposto na
Lei Estadual que define o regime jurídico dos servidores públicos?

Não é difícil imaginar o significativo volume de problemas que poderiam


advir dessa situação: no campo institucional, ter-se-ia um status em que se
põe em choque, de um lado, a supremacia de uma determinação judicial de
caráter vinculante e, de outro, a autonomia legislativa dos estados-membros.

No campo das questões jurídicas práticas, surgiriam dúvidas diversas


envolvendo a situação retratada. Apenas à guisa de ilustração, poder-se-
ia imaginar na possibilidade de serem ajuizadas reclamações contra atos
administrativos praticados em obediência aos termos da Lei Estadual, mas em
desacordo com a súmula vinculante; ou mesmo indagar se a posterior edição
de Lei cujo conteúdo seja diverso daquele constante da súmula vinculante
teria o condão de revogar ou afastar a aplicação do entendimento do STF.

Enfim, todas essas dificuldades estão a demonstrar a conveniência de se


proceder ao cancelamento da súmula, deixando-se a regulamentação da
matéria a cargo do Poder Legislativo ou mesmo da Administração Pública,
no exercício de sua função de controle interno e de autocontenção no que
se refere à legitimidade e legalidade dos atos normativos de provimento de
cargos em comissão – como já houvera feito o Conselho Nacional de Justiça
– CNJ, ao editar a resolução nº 07/2005, e à semelhança do que fez o Poder
Executivo federal recentemente, ao editar o decreto nº 7.203/2010.

Em remate a este tópico, conclui-se que a vedação ao nepotismo é matéria


que reclama preferencialmente a edição de lei ou de ato normativo de
caráter infralegal, onde seja possível regulamentar a questão em toda
a sua amplitude, levando-se em conta as diversas peculiaridades fáticas
passíveis de ocorrência nas diversas relações jurídicas gestadas no âmbito
da Administração Pública. Está, aqui, mais uma razão a evidenciar a
inconveniência, a impropriedade e, sobretudo, a ilegitimidade da aprovação
de súmula vinculante para proibir (regular) a prática do nepotismo.

3.2 Críticas ao conteúdo da súmula vinculante n. 13.


Restrições amplas e incondicionadas.
O conteúdo da súmula, tal como redigida, alcança situações até certo ponto
esdrúxulas, mas, de outro lado, deixa de fora da vedação situações que,
em certa medida de valoração política, mereceriam estar sob o abrigo da
proibição. Alguns exemplos facilitarão ao compreensão do que acabou de
ser dito.

69
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Um servidor ocupante de cargo efetivo que seja nomeado para exercer


cargo de direção (provimento por comissão) no Ministério das Cidades,
pertencente à Administração Pública Federal, impediria, por exemplo, que
seu irmão (parente colateral em segundo grau), também servidor público
ocupante de cargo efetivo, fosse nomeado para exercer cargo em comissão
ou função de confiança em uma Superintendência da Polícia Federal
situada em um estado-membro da federação, em razão de ser este órgão
pertencente à mesma pessoa jurídica na qual o Ministério das Cidades está
entranhado: a União.

Outra situação esdrúxula consistiria na impossibilidade de nomear


determinada pessoa para ocupar uma função comissionada de assessoria
no âmbito Poder Judiciário Federal ou no Ministério Público Federal (órgãos
da União) caso tenha ela um parente até terceiro grau ocupando cargo em
Comissão em qualquer Ministério, por exemplo.

Sob esse prisma, o enunciado vinculante estaria cerceando amplamente a


liberdade de atuação de todos os órgãos de Poder, já que impediria que
cargos comissionados em órgãos distintos, sem relação de subordinação
entre si, fossem providos por parentes, mesmo que sejam eles servidores de
carreira (ocupantes de cargo efetivos) de seus respectivos órgãos.

Veja-se que em momento algum a súmula vinculante nº 13 fez menção


ao requisito da subordinação, ou fez referência ao fato de os servidores
nomeados ocuparem cargos efetivos. Isso porque, por intuitivas e óbvias
razões, referidas particularidades não comportariam tratamento adequado
no corpo de um enunciado de súmula.

Parece evidente que as situações retratadas nos exemplos acima não


ofendem, em termos jurídicos, a Constituição Federal e tampouco afrontam
o valor moralidade. É possível imaginar toda sorte de situações semelhantes
aos exemplos aventados, que se enquadrariam formalmente na vedação
estampada na súmula, mas que, sob o ponto de vista da moralidade e
impessoalidade, não implicariam ofensa à Constituição.

Nesta ordem de ideias, é interessante anotar que a impropriedade no trato


da matéria pela súmula nº 13 foi posta em evidência na prática de atos
administrativos levados a cabo pelo próprio STF.

Conforme amplamente divulgado na mídia7, o Ministro Presidente da


Corte Maior nomeou, recentemente, para exercer cargos comissionados

7. A informação pode ser acessada no sítio eletrônico Consultor Jurídico, através do


seguinte link http://www.conjur.com.br/2010-jun-23/depois-nomear-casal-peluso-
pretende-rever-sumula-nepotismo

70
Seminário Direito, Gestão e Democracia

no Tribunal um casal. A rigor, esta situação encontra-se vedada pelos


termos da súmula, embora não seja criticável sob o aspecto da moralidade,
mormente se se tomar em consideração que, in casu, não existia relação
de subordinação entre os cargos em comissão ocupados pelo marido
(Coordenação de segurança de instalação e transporte do tribunal) e pela
esposa (Coordenação de processamento de recursos).

A propósito do assunto, o STF divulgou, no dia 23 de junho de 2010, um


nota explicativa, com os seguintes dizeres:

“1. As justas e fundadas ponderações do então


Procurador-Geral da República, dr. Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza, sobre dúvidas suscitadas pelo
texto da referida Súmula, nos autos da Reclamação
nº 6838, não puderam na ocasião ser ali conhecidas
porque, diante da revogação do ato que a provocara,
o processo ficou prejudicado e, em consequência, teve
de ser extinto sem apreciação do mérito.

2. Para atender a tais ponderações e propósitos,


igualmente manifestados por alguns Ministros
da Corte, bem como para evitar absurdos que a
interpretação superficial ou desavisada da Súmula
pode ensejar, o Presidente do STF está encaminhando
aos senhores Ministros proposta fundamentada
de revisão da redação da mesma Súmula, para
restringi-la aos casos verdadeiros de nepotismo,
proibidos pela Constituição da República.

3. O teor da proposta será levado ao conhecimento da


imprensa e do público, após a apreciação dos Senhores
Ministros.” (grifos aditados)

O teor da nota não é capaz de esconder dois grandes equívocos cometidos


pelo STF ao editar referida súmula; um, a ilegitimidade de o Supremo,
usurpando funções atribuídas ao Legislativo e ao Executivo (Poder
Regulamentar), regular de modo abstrato e genérico a matéria; e dois,
pressupor o STF que os “casos verdadeiros de nepotismo” estão proibidos na
Constituição, quando, na verdade, a Lei Maior veda a prática do nepotismo,
sem dizer ou definir o que se entende por isso.

Ainda a propósito das incoerências ínsitas à redação da súmula nº 13, mas


seguindo-se agora uma lógica inversa, também não é difícil imaginar que
o enunciado vinculante, na sanha de proibir a todo custo o nepotismo,

71
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

deixou ao largo da proibição situações que, toda evidência, violam a


moralidade administrativa.

Pense-se no exemplo de um Ministro de Estado (ocupante de um cargo


de natureza especial, cujo provimento se dá por comissão) que nomeia
diretamente um primo (parente colateral em quarto grau) para ocupar o cargo
de Secretário -Executivo do Ministério chefiado por ele, autoridade nomeante.

Imagine-se, também por hipótese, a situação de o Secretário-Executivo do


Planejamento, Orçamento e Gestão ter seu irmão nomeado para ocupar um
cargo comissionado na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE, entidade da Administração Indireta vinculada ao Ministério. Seria
possível adotar esse procedimento de nomeação, porquanto não se está
diante de servidores de uma mesma pessoa jurídica.

Essas situações hipotéticas, embora não configurem ofensa à proibição contida


na súmula, retratam uma clara violação à moralidade administrativa e à
impessoalidade, valores que devem nortear a atuação do administrador público.

Além da já apontada ilegitimidade consistente no avanço sobre competência


que constitucionalmente não foi confiada ao STF, os exemplos acima
ventilados estão a demonstrar, ainda uma vez, que a regulamentação à
proibição do nepotismo enunciada na súmula vinculante nº 13 não foi feita
a contento, circunstância que põe em evidência a necessidade de a matéria
ser regulamentada por ato de caráter normativo.

4 Regulamentação da Matéria
no âmbito da Administração
Pública Federal. Edição do
decreto nº 7.203 de 2010.
A vedação ao nepotismo no âmbito dos órgãos e entidades da administração
pública federal direta e indireta foi regulamentada pelo Decreto nº 7.203/2010,
editado pelo Presidente da República com fulcro na sua competência
constitucional para promover a organização da Administração Pública Federal.

Os estritos limites deste trabalho não permitem levar a cabo uma análise
mais detalhada e profunda da disciplina normativa constante do Decreto.
Contudo, tal limitação não nos impedirá de ressaltar os pontos altos da
regulamentação constante do Decreto nº 7.203/2010.

72
Seminário Direito, Gestão e Democracia

A primeira constatação merecedora de realce diz respeito ao fato de as


vedações não terem se restringido somente à nomeação para cargo em
comissão ou função de confiança, abarcando também a contratação por
necessidade temporária de excepcional interesse público, desde que não
seja precedida de regular processo seletivo, e as contratações para vagas
de estágio, exceto se houver realização de processo seletivo que assegure o
princípio da isonomia entre os concorrentes.

Neste particular, verifica-se que, além de tratar de situação não abordada


na súmula vinculante, o decreto cuidou de estipular vedações mais
rigorosas, estendendo a vedação para além da nomeação para cargos e/ou
funções de confiança.

Outro ponto digno de nota é o tratamento conferido ao chamado nepotismo


cruzado ou velado, ao se prescrever que se aplicam as “vedações deste
Decreto também quando existirem circunstâncias caracterizadoras de ajuste
para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante nomeações
ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração
pública federal.”

Por igual, não se pode deixar de consignar que o decreto visou coibir uma
forma muito particular de nepotismo, na qual não há contratação ou
nomeação de pessoa natural, mas, diversamente, contratação de pessoa
jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção que
entretenha alguma relação com autoridades ou ocupantes de cargos
comissionados na Administração Pública. Reza o §3º do art. 3º do Decreto:
“É vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou
entidade da administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja
administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de cargo
em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela
demanda ou contratação ou de autoridade a ele hierarquicamente superior
no âmbito de cada órgão e de cada entidade.”

Por fim, importa ter presente que o regulamento cuidou de assinalar, em


obséquio aos princípios da moralidade e da impessoalidade, importantes
exceções que não caracterizam hipóteses de nepotismo. Vejamos:

Art. 4º Não se incluem nas vedações deste Decreto as


nomeações, designações ou contratações:

I - de servidores federais ocupantes de cargo de


provimento efetivo, bem como de empregados federais
permanentes, inclusive aposentados, observada a
compatibilidade do grau de escolaridade do cargo ou

73
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

emprego de origem, ou a compatibilidade da atividade


que lhe seja afeta e a complexidade inerente ao cargo
em comissão ou função comissionada a ocupar, além
da qualificação profissional do servidor ou empregado;

II - de pessoa, ainda que sem vinculação funcional com


a administração pública, para a ocupação de cargo
em comissão de nível hierárquico mais alto que o do
agente público referido no art. 3º;

III - realizadas anteriormente ao início do vínculo familiar


entre o agente público e o nomeado, designado ou
contratado, desde que não se caracterize ajuste prévio
para burlar a vedação do nepotismo; ou

IV - de pessoa já em exercício no mesmo órgão ou entidade


antes do início do vínculo familiar com o agente público,
para cargo, função ou emprego de nível hierárquico igual
ou mais baixo que o anteriormente ocupado.

Parágrafo único. Em qualquer caso, é vedada a


manutenção de familiar ocupante de cargo em
comissão ou função de confiança sob subordinação
direta do agente público.

A forma como a matéria foi regulada no decreto comprova a necessidade


de um tratamento mais minudente, detalhado, do tema, fato que também
atesta, uma vez mais, o desacerto do STF em procurar chamar para si, através
da edição de um enunciado de súmula vinculante, a tarefa de regulamentar
tema envolto de tantas particularidades.

5 Conclusão
De tudo quanto se expôs, é lícito concluir:

a) ao vedar a prática do nepotismo através da edição da súmula vinculante


nº 13, o STF extrapolou os limites constitucionais de suas atribuições, na
medida em que pretendeu regular a matéria de maneira genérica e abstrata;

b) a regulamentação levada a efeito pela súmula n. 13, na qual se estipula vedação


ampla e incondicionada à prática do nepotismo, ignora as peculiaridades e
minúcias relacionadas à matéria, fato que limita de maneira indevida a atuação
da Administração Pública no provimento de cargos de confiança;

74
Seminário Direito, Gestão e Democracia

c) embora Constituição não estipule nenhuma reserva de lei em relação ao


tema, seria de todo conveniente, em obediência ao princípio da preferência
de lei e em obséquio ao primado da segurança jurídica, que a vedação ao
nepotismo tivesse um regramento padrão disciplinado em Lei Nacional, de
sorte a permitir que os Administradores Públicos das diversas esferas de
Poder em todos os níveis da Federação estipulassem, conforme valorações
próprias (fatores de conveniência e oportunidade), restrições mais rigorosas
e/ou mais extensas em relação ao tema.

6 Referências
GOMES, Luiz Flávio. Súmula vinculante nº. 13: o STF pode proibir o
nepotismo? Disponível em http://www.lfg.com.br 26 agosto. 2008.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo –
Os conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. São Paulo:
Editora Saraiva.
MENDES, Gilmar Ferreira et alii. 4.ed. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Editora Saraiva, 2009.
BINEBOJM, Gustavo. O Sentido da vinculação administrativa à juridicidade
no direito brasileiro. in ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO,
Floriano de Azevedo (Coordenadores). Direito administrativo e seus novo
paradigmas. São Paulo; Editora Fórum.

75
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

O INSTITUTO JURÍDICO DO PLANEJAMENTO :


Juliano Ribeiro Santos Veloso1

Na constituição federal, o instituto jurídico do Planejamento é mencionado


99 vezes, por meio dos termos “plano” (48 vezes), “planejamento/
planejar/planejada” (11 vezes) e “programa”(40 vezes), em mais de 40
artigos, estando presente em quase 16% de todo o texto constitucional.
Estas menções acima são literais, mas há outros artigos que tratam de
planejamento sem ser de forma literal, o que vem a corroborar a sua
grande abrangência.

Todavia, é um tema ainda pouco estudado no Direito, fato que causa miopia
aos seus operadores, e dificulta, sobretudo, a atuação dos gestores públicos,
uma vez que, por meio de ações / decisões judiciais e interpretações legais,
não se consegue aplicar holisticamente este instituto, que passa, por sua
vez, pela percepção da correlação entre institutos jurídicos afins, tais como,
o controle, a execução, a avaliação e a eficiência.

Basta uma simples leitura do texto constitucional para verificar que


se trata de tema bastante complexo, porquanto o planejamento deve
ser realizado para os diversos tipos de recursos financeiros, humanos,
materiais, tecnológicos, nas respectivas competências da União, Estados
e Municípios, no curto, médio e longo prazo de forma democrática,
atendendo o interesse público.

Isto é, o presente artigo tentará demonstrar a importância do seu estudo e,


principalmente, fornecer conceitos e reflexões aos operadores do direito, de
modo a mitigar o desequilíbrio entre a liberdade e o controle, permitindo a
realização dos desideratos constitucionais.

Neste primeiro momento, necessário se faz entender que o “planejamento” é


um instituto jurídico porquanto, por meio dele, cria-se, modifica e extinguem
direitos, produzindo efeitos jurídicos dos mais diversos, além de permear
todos os tipos de status de normas, que vão desde a Constituição até os

1.PROCURADOR FEDERAL/ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Bacharel em Administração


Pública pela Escola de Governo de Minas Gerais/ Fundação João Pinheiro. Bacharel em
Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Pós Graduado em Gestão de Negócios/
Banking pela Fundação Dom Cabral. Pós Graduado em Direito Processual Civil LFG/
UNAMA. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA.

76
Seminário Direito, Gestão e Democracia

regulamentos2. Como bem coloca CARVALHO FILHO, a realização de muitos


direitos exige um planejamento adequado e, apesar deste autor entender
que muitos pedidos sejam juridicamente impossíveis em função disto,
entendemos que é justamente por meio deste instituto, que a efetivação
dos direitos sociais pode ocorrer sem maiores prejuízos.

“A crônica judicial tem oferecido vários exemplos de


formulação de pedidos que constituem obrigações
de fazer em face do Estado insuscetíveis de serem
cumpridas sem um adequado planejamento” Pag 121.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Políticas Públicas
e pretensões judiciais determinativa. In: FORTINI,
Cristiana; ESTEVES, Júlio César dos Santos; DIAS, Maria
Tereza Fonseca (Org.) Políticas Públicas: possibilidades
e limites. Belo Horizonte: Fórum, 2008. P. 107-125.

O instituto jurídico do planejamento na Constituição tem natureza jurídica


de princípios e regras. Há momentos na Constituição em que o planejamento
é um verdadeiro mandado de otimização, como no art. 174 caput e §1º,
quando determina que o planejamento é determinante para o setor público,
devendo ser fixadas diretrizes e bases.

2. Em função do limite de tamanho imposto a este trabalho, serão feitas algumas


considerações sintéticas. Alguns autores distinguem o jurídico do técnico (não
necessariamente o planejamento), sem fazer uma caracterização cientificamente
coerente. Neste trabalho, parte-se do pressuposto que o planejamento é um
instituto jurídico porquanto além de estar presente em diversas normas, é capaz de
gerar direitos, na mesma linha com as lições dos professores Miguel Reale e Paulo
Dourado Gusmão: “... ‘Direito’ está em correlação essencial com o que denominamos
‘experiência jurídica’, cujo conceito implica a efetividade de comportamentos sociais
em função de um sistema de regras que também designamos com o vocábulo
Direito.” (pag 62. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed ajustada ao
novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002.) “O conceito de modelo, em todas as
espécies de ciências, não obstante as suas naturais variações, está sempre ligado à
idéia de planificação lógica e à representação simbólica e antecipada dos resultados a
serem alcançados por meio de uma sequência ordenada de medidas ou prescrições”.
(pag 184. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed ajustada ao novo
código civil. São Paulo: Saraiva, 2002.). “De modo muito geral, pode-se assim definir
a ciência do direito: conhecimentos, metodicamente coordenados, resultantes do
estudo ordenado das normas jurídicas com o propósito de apreender o significado
objetivo das mesmas e de construir o sistema jurídico, bem como de descobrir as suas
raízes sociais e históricas. (pag 03)... Norma jurídica é a proposição normativa inserida
em uma fórmula jurídica (lei,regulamento, tratado internacional etc.), garantida
pelo poder público (direito interno) ou pelas organizações internacionais (direito
internacional) (Pag.79)” (GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito.
38 ed.Rio de Janeiro: Forense, 2006).

77
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da


atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da
lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado.

§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases


do planejamento do desenvolvimento nacional
equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os
planos nacionais e regionais de desenvolvimento.”

Há outros momentos em que o Planejamento é uma regra, que deve ser


cumprida, como, por exemplo, nos artigos 165 e 166, quando estabelece o
Plano Plurianual e as leis orçamentárias.

“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo


estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.”

O Planejamento como previsto no ordenamento jurídico pátrio pode ser definido


como o método utilizado em nível nacional, regional, estadual, metropolitano,
municipal e setorial, pelo qual são alocados os recursos financeiros, materiais,
humanos, tecnológicos e operacionais, estabelecendo diretrizes, objetivos e
metas, no curto, médio e longo prazo, de modo a alcançar os fins constitucionais
e legais de forma concreta e efetiva, por meio valores democráticos, permitindo a
participação da sociedade na sua elaboração, consecução, controle e avaliação,
como condição de validade e efetividade.

O Planejamento é um método porquanto é um procedimento técnico


com o fito de alcançar objetivos, que pode variar dependendo da área de
conhecimento, nível de abrangência, número de atores sociais envolvidos,
etc. O Planejamento orçamentário, por exemplo, possui um conjunto de
etapas bem delineadas na Constituição, que são diferentes das etapas do
Plano Nacional de Educação, que não possuem uma forma específica na
Carta Magna. Este Plano Nacional de Educação pode ser feito por meio de
técnicas diferentes. Logo, um método que pode gerar os mais diferentes
resultados, o que dependerá de suas regras e organização.

78
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Desde já, percebe-se que a variável política3 é inerente ao Planejamento,


está contida nele de forma indissociável. A forma como ele é elaborado
determinará o resultado do mesmo. Em outras palavras, o cidadão tem o
direito de participar do planejamento porquanto é por meio dele que se
inicia a consecução dos Direitos Sociais, por exemplo. O Planejamento mal
elaborado pode causar graves prejuízos.

Este método é bastante concreto. Isto é, reuniões, dinâmicas, audiências


públicas são arenas visíveis onde os governos devem conduzir o Planejamento
das políticas públicas. E, ao final, ele deve ser visível em um documento
escrito e inteligível para o homem médio4.

A compreensão deste método por parte da sociedade é de fundamental


importância para a própria efetividade do mesmo. A consensualidade entre
governo, empresas e sociedade é condição para gerar o comprometimento e
credibilidade. A cidadania como fundamento da República (art. 1º da CF/88)
ganha no planejamento um relevo fundamental. É por meio da cidadania,
da participação popular que se torna possível identificar as necessidades
e prioridades em nível local, regional ou nacional. É por meio desta
participação que se permite a definição social do conteúdo e alcance dos
direitos abstratamente previstos na Constituição.

Percebe-se, portanto, que as variáveis técnicas e políticas convivem


harmonicamente com o direito público subjetivo do Planejamento, uma vez que
é possível requerer tutelas para se garantir a participação até a própria execução
de políticas que exijam a existência de um planejamento, plano ou programa.

O planejamento previsto na Constituição pode ser classificado pela abrangência


territorial em nacional, regional (art 21, 43 CF), estadual (204, I), metropolitano
(art. 25, §3º), municipal (art 29 e 30) e setorial (art 58, VI, 165, §4º ).

O Planejamento deve abranger as três esferas de Poder. Isto é, em eventual


demanda judicial, o Poder Judiciário, por exemplo, deve ser capaz em
corrigir os rumos das políticas partindo da compreensão do planejamento
dos objetivos dos recursos.

3. Política vem do grego pólis, tudo aquilo que diz respeito à cidade. Política está
ligada ao exercício do poder. A utilização do poder político se refere à condução das
coisas do Estado, da Administração. Nesse sentido está sendo utilizada a variável
política, como forma de determinação do rumo do Estado.
4. Há diversas técnicas para a elaboração do planejamento que não serão objeto
aqui porquanto fogem diretamente ao conteúdo jurídico aqui abordado. Mas é
interessante frisar que toda a Administração Pública, seja ela no Executivo, Judiciário
ou Legislativo estão se familiarizando como o chamado Planejamento estratégico,
facilmente vizualizado nos endereços eletrônicos destes órgãos).

79
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

A classificação em termos de políticas públicas5 se divide em: agrícola (art


187), previdenciária (art. 202), educação (art.208, 212, §3º, 214, 30, VI),
cultura (215, §3º, 216, §6º ), juventude (art. 227) e idoso (art 230), habitação
e saneamento básico (23, IX), reforma agrária (184, §4º), assistência social
(204,I e parágrafo único), transporte (art 208, VII), alimentação (art. 208, VII),
saúde (art. 227, §1º), assistência ao deficiente (art. 227, §1º, II), prevenção
do uso de entorpecentes ( art. 227, §3º, VII), idoso (230, §1º) e fundo de
erradicação à pobreza (art. 79 do ADCT). Não quer dizer que o planejamento
não esteja elencado em outras políticas, mas está previsto expressamente
nestes artigos.

A Constituição Federal deu ênfase ao Planejamento para permitir a alocação


de recursos financeiros, detalhando todo processo orçamentário. Todavia,
principalmente no Plano Plurianual (art. 4º abaixo), fica claro que o
planejamento também abrange outros tipos de recursos como os materiais,
humanos, tecnológicos e operacionais.

A Constituição utiliza-se indistintamente de plano, planejamento, programa.


Na verdade é pertinente considerar o programa como um detalhamento
do plano, com ele se confundindo, deste modo. O plano plurianual assim
define programa para os seus próprios fins:

“Art. 4o Para efeito desta Lei (Plano Plurianual),


entende-se por: I – Programa: instrumento de
organização da ação governamental que articula
um conjunto de ações visando à concretização
do objetivo nele estabelecido, sendo classificado
como: a) Programa Finalístico: pela sua implementação
são ofertados bens e serviços diretamente à sociedade
e são gerados resultados passíveis de aferição por
indicadores; b) Programa de Apoio às Políticas Públicas
e Áreas Especiais: aqueles voltados para a oferta de
serviços ao Estado, para a gestão de políticas e para
o apoio administrativo. II – Ação: instrumento de
programação que contribui para atender ao objetivo
de um programa, podendo ser orçamentária ou não-
orçamentária, sendo a orçamentária classificada,
conforme a sua natureza, em: a) Projeto: instrumento
de programação para alcançar o objetivo de um
programa, envolvendo um conjunto de operações,
limitadas no tempo, das quais resulta um produto que
5. Necessário deixar claro mais uma vez, que estas classificações não dizem respeito a
todos os direitos constitucionais, mas somente aqueles que mencionam literalmente
plano ou programa.

80
Seminário Direito, Gestão e Democracia

concorre para a expansão ou aperfeiçoamento da ação


de governo; b) Atividade: instrumento de programação
para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo
um conjunto de operações que se realizam de modo
contínuo e permanente, das quais resulta um produto
necessário à manutenção da ação de governo; c)
Operação Especial: despesas que não contribuem
para a manutenção, expansão ou aperfeiçoamento
das ações do governo federal, das quais não resulta
um produto, e não gera contraprestação direta sob a
forma de bens ou serviços.”

Nesta linha, a Constituição enfatiza a necessidade de planos de carreira (art


198, §5º - agente comunitário de saúde e combate a endemia, art 206-
educação), e incentivos, avaliando a qualidade e produtividade, realizando
treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e
racionalização do serviço público, inclusive, sob a forma de adicional ou
prêmio de produtividade (39, §7º).

Percebe-se que o constituinte não utilizou o termo planejamento ou


programa para todas as políticas públicas, e nem precisava, porquanto trata-
se de concepção principiológica tão importante quanto a da moralidade,
insculpida no art. 37 da Lei Maior. O risco de desperdício de recurso e outras
mazelas da Administração Pública é tão relevantes sem o planejamento, que
qualquer atividade que não conste previsão orçamentária é nula (art 167,
I), mesmo porque o planejamento é determinante para o setor público no
desenvolvimento da atividade econômica (art.174, caput).

O Planejamento estabelece diretrizes, objetivos e metas (art 165, §1º). As


diretrizes são parâmetros genéricos que orientam a fixação dos objetivos
e metas. Os objetivos devem ser específicos, mensuráveis, atingíveis,
reais e determinados em um prazo específico. As metas representam o
detalhamento dos objetivos em termos de resultados esperados.

O planejamento pode ser classificado em função do tempo em curto (Lei


Orçamentária), médio (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e longo prazo ( Plano
Plurianual). Lembrando que todos eles devem guardar consonância entre
eles (art. 165, §4º ).

Esta noção do tempo é de fundamental importância em termos de


acompanhamento e concretização dos resultados. Muitas vezes uma tutela
judicial não pode ser cumprida imediatamente, mas no médio e longo prazo
isto pode se tornar realidade. Em termos de método de Planejamento,
necessário se faz prever uma reserva para eventuais demandas judiciais,

81
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

também democráticas, não previstas inicialmente no orçamento. Não se


trata, portanto de usurpar a competência de outro poder, mas reconhecer
a falibilidade humana, permitindo intervenções mais urgentes. Até um
determinado percentual do orçamento é razoável que demandas não
concretizadas ou que não ganharam relevo no orçamento sejam atendidas
por meio de decisões judiciais, e, por isto, a compreensão do planejamento
neste contexto é de fundamental importância.

Por outro lado, diversos são os atores sociais envolvidos de forma organizada
(associações, sindicatos, Ministério Público, magistrados, acadêmicos,
entre outros) ou desorganizada, e as respectivas demandas devem ser
representadas no processo de alocação de recursos. Trata-se do campo de
discricionariedade do político dentro do instituto do Planejamento, onde
a sociedade diretamente ou por meio de seus representantes determinará
onde, quanto, como, quando, por quem os recursos do erário serão alocados
de modo a atender o chamado interesse público primário.

Todavia, o Planejamento é somente o primeiro ato na consecução do interesse


público, a realização concreta do resultado planejado. Necessário enfatizar que
o planejamento inicia o chamado Processo Administrativo Não Contencioso,
que preferimos chamar de Processo Administrativo de Resultado.

Uma vez determinado o montante do recurso financeiro, e quem será o órgão


competente para executar, inicia-se a concretização da política pública.

O controle do planejamento orçamentário é previsto nos artigos 48, IV, 58,


VI, 72 e 74, 166 da CF. O controle é realizado externamente pelo Congresso,
com a ajuda do Tribunal de Contas da União, e internamente, além da
possibilidade de controle social e judicial, conforme o caso.

Por fim, ocorre a avaliação e a retroalimentação do sistema.

O art. 214 é um bom exemplo de tudo que foi explicado acerca do instituto
do Planejamento:

“Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de


educação, de duração decenal, com o objetivo de
articular o sistema nacional de educação em regime
de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas
e estratégias de implementação para assegurar a
manutenção e desenvolvimento do ensino em seus
diversos níveis, etapas e modalidades por meio de
ações integradas dos poderes públicos das diferentes
esferas federativas que conduzam a: (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

82
Seminário Direito, Gestão e Democracia

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - melhoria da qualidade do ensino;

IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do


País.

VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos


públicos em educação como proporção do produto
interno bruto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº
59, de 2009)

O Plano Nacional de Educação terá o prazo de 10 anos, e será elaborado


por meio de lei, onde e quando poderá haver a participação da sociedade,
fazendo críticas, propondo idéias, enfim, exercendo a cidadania. Percebe-
se que a Constituição já descreveu alguns objetivos. Pode-se descrever
como primário o objetivo de assegurar a manutenção e desenvolvimento
do ensino, determinando a competência de todos os poderes públicos e
das diferentes esferas. Isto é, trata-se de responsabilidade de todos os
poderes nos três níveis de poder. Nesta linha, é possível, por exemplo,
tutela judicial para ação proposta por pais, para permitir a contratação de
professores, se seus filhos não estiverem tendo aulas por inexistência dos
mesmos. Caberá ao juiz competente identificar no Plano Nacional qual o
caminho a ser respeitado, ou determinando prazo para a Administração
contratar, realocando professores de outras escolas temporariamente. A
verificação do Planejamento é necessária na delimitação da ilegalidade e
da discricionariedade.

Deste modo, o Planejamento é de fundamental importância quer seja


na execução de uma atividade da Administração, quer seja em um ato
judicial em que há condenação da Administração Pública. Esta situação é
mais preeminente nos casos de determinações de prestações pelo Poder
Judiciário, como nos casos de remédio, construção de hospitais, etc. As
decisões que comportam o chamado ativismo judicial que devem ser
delimitados desde o planejamento, para que outras políticas públicas
não sejam prejudicadas,

O planejamento da execução dos direitos é erigido implicitamente como


instituto jurídico desde o plano internacional até o plano local:

83
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

“ El empleo de la noción de igualdad material supone una


herramienta de enorme potencialidad para examinar
las normas que reconocen derechos, pero también
la orientación de las políticas públicas que pueden
servir para garantizarlos o en ocasiones que tienen el
potencial para afectarlos. Con respecto a determinadas
personas que integran grupos que resulten vulnerables
o susceptibles de ser discriminados en sus derechos
económicos, sociales y culturales, el Comité de
Derechos Económicos, Sociales y Culturales de la
ONU ha establecido, en diversos instrumentos, que el
Estado tiene la obligación de sancionar normas que los
protejan contra esa discriminación y adoptar medidas
especiales que incluye políticas activas de protección.

Por lo demás, una de las principales obligaciones


de los Estados es la determinación de cuales son los
grupos que requieren atención prioritaria o especial
en un determinado momento histórico en el ejercicio
de los derechos económicos, sociales y culturales y
la incorporación de medidas concretas de protección
de esos grupos o sectores en sus planes de acción.
De manera que además de la identificación de los
sectores tradicionalmente discriminados en el acceso
a determinados derechos es necesario que el Estado
defina, con carácter previo a la formulación de sus
planes o políticas en el área social, cuáles son los
sectores que requieren una atención prioritaria al
momento de formular sus políticas (por ejemplo, los
habitantes de determinada área geográfica del país,
o las personas de determinado grupo etario) y fije
medidas para compensarlos o afirmar sus derechos, o
en muchos casos restituir los derechos vulnerados.”.
ABRAMOVICH, Víctor; PAUTASSI, Laura. La Revisión
Judicial de Las Políticas Sociales: estúdio de casos.
Buenos Aires: Del Puerto, 2009. P. 325. (grifos nossos)

“...há de se resgatar o direito como instrumento de


planejamento urbano, sua relação com o processo de
reprodução social e de produção do espaço urbano, de
que fala Fernandes.

84
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Tendo, pois, como objeto a ordem urbanística, a


governança significa processo de planejamento urbano
integrado, de construção de matrizes cognitivas e
normativas compartilhadas, de intervenção ou de
regulação da esfera privada, no tocante às dinâmicas
que envolve o solo urbano, por meio de arranjos
democráticos capazes de sustentar a discursividade
para a conciliação dos interesses presentes no
território, pela lógica funcional da propriedade, da
posse, da cidade e dos investimentos. Pressupões,
por fim, governança dos meios para atingimento
dos fins coletivos......” (pag 183. PEREIRA, Maria
Fernandes Pires de Carvalho. O Estatuto da Cidade e as
perspectivas de novas receitas municipais. In: FORTINI,
Cristiana; ESTEVES, Júlio César dos Santos; DIAS, Maria
Tereza Fonseca (Org). Políticas públicas: possibilidades
e limites. Belo Horizonte:Fórum. 2008.

Como lembra Binenbojm (2008, p 296), “Os mecanismos fundamentais


de participação e controle social sobre a atividade administrativa são as
audiências públicas, as consultas pública e os conselhos consultivos.’ Neste
momento, quando da criação das audiências, consultas ou conselhos, está
sendo realizado o Planejamento, Plano ou Programa. Este é o momento da
participação popular.

Lembra ainda o autor, que:

“A política pública, pois, transcende os instrumentos


normativos do plano ou do programa. Há um paralelo
entre o processo de formulação da política e a atividade
de planejamento, mas as escolha das diretrizes da
política pública e os objetos de determinado programa
não são simples princípios de ação, pois que a
formulação da política consiste num procedimento de
coordenação entre os programas e atos complexos de
governo. (2008, p 296)”

Fazendo referência a MILESKI, e Marília Santos, destaca Binenbojm, no pé de


página (2008, p 222):

“Em relação ao planejamento, tem-se como


imprescindível sua utilização, uma vez que é o meio
capaz de forma adequada e pertinente os recursos
disponíveis, sejam eles materiais, humanos ou

85
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

ainda financeiros, possibilitando, dessa forma, uma


racionalização no modo de agir mais eficaz e eficiente,
visando atingir os objetivos propostos. Em se tratando
do Poder Público, como os recursos são escassos se
faz ainda mais imperiosa a presença do planejamento
com o intuito de prestação de melhores serviços,
otimizando os recursos, comportando-se, desta forma
enquanto ‘proposta técnica’, o que faz com que
haja uma organização no que se refere aos serviços
públicos, avaliando, também, os processos de redução
ou elevação das desigualdades sociais, buscando
igualdade de oportunidades, dentre outros.

Neste aspecto, os planejamentos, planos e


programas serão os instrumentos pelos quais serão
instrumentalizadas as políticas públicas, na qual, para tal,
expressar-se-ão em leis que permitam institucionalizar
suas diretrizes e metas. Contudo, o termo política pública
é mais abrangente que o de plano ou programa (os
quais apenas escolhem meios de realização das metas
de governo), compreendendo, para tanto, um ensejo
de opção entre os objetivos (havendo, portanto, uma
hierarquização) a qual depende dos agentes através de
uma escolha de prioridades.”

Percebe-se, portanto, pelo exemplo acima descrito, que a doutrina apesar


de reconhecer a criação, extinção ou modificação de direitos por meio do
planejamento, reconhecendo também sua relevância social, ainda não trata
o planejamento como um instrumento jurídico propriamente dito, caminho
este que entendemos ser natural.

O instituto jurídico do planejamento está presente de forma profícua


na Constituição e em diversos textos legais, tendo reconhecida sua
importância pela doutrina e jurisprudência. Tentou-se explicitar a
qualidade jurídica do planejamento, que convive harmonicamente com
as outras qualidades técnicas e políticas. Tendo em vista a limitação
de espaço, tentou-se, ainda, sinteticamente, expor suas características
fundamentais, e uma definição capaz de abranger o contexto
constitucional. Espera-se que estas poucas linhas contribuam para o
caminho da concretização dos direitos constitucionais.

86
Seminário Direito, Gestão e Democracia

1 Referência
ABRAMOVICH, Víctor; PAUTASSI, Laura (org). La Revisión Judicial de Las
Políticas Sociales: estúdio de casos. Buenos Aires: Del Puerto, 2009.
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas
Normas. 9 ed atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos
fundamentais, democracia e constitucionalização. – 2 ed. revista e
atualizada – Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional:
Problemática da concretização dos Direitos Fundamentais pela Administração
Pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Políticas Públicas e pretensões
judiciais determinativa. In: FORTINI, Cristiana; ESTEVES, Júlio César dos
Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca (Org.) Políticas Públicas: possibilidades
e limites. Belo Horizonte: Fórum, 2008. P. 107-125.
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. 38 ed.Rio de
Janeiro: Forense, 2006
PEREIRA, Maria Fernandes Pires de Carvalho. O Estatuto da Cidade e as
perspectivas de novas receitas municipais. In: FORTINI, Cristiana; ESTEVES,
Júlio César dos Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca (Org). Políticas públicas:
possibilidades e limites. Belo Horizonte:Fórum. 2008.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed ajustada ao novo
código civil. São Paulo: Saraiva, 2002
SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de (Org). Direitos Sociais:
Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. 2ª tiragem.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010

87
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

A gestão do SUS: limites de sua autonomia


diante da judicialização da saúde, das ações
administrativas e judiciais do Ministério Público e
da atuação dos órgãos de controle
Lenir Santos1

A gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) tem sofrido muitos reveses,


alguns frutos da própria organização da Administração Pública nem sempre
preparada para atuar um sistema que contém dentro de si inúmeros
elementos inovadores da gestão, e outros, pela falta de compreensão e
conhecimento da organização constitucional e legal do SUS.

O direito à saúde não se circunscreve apenas nas atribuições do SUS,


conforme disposto no art. 196 da CF, tampouco tudo o que está ali contido
é atribuição do SUS. Em todas as decisões judiciais, menciona-se o art. 196
como se ele fosse o Sistema Único de Saúde. Essa confusão é constante e
ninguém dela se dá conta.

De plano, podemos apontar que o disposto no art. 196 enseja uma análise
histórica da saúde pública por trazer em seu bojo a visão da saúde como
resultante de condições sociais, culturais e econômicas e não apenas como
resultantes de fatores biológicos, genéticos e psíquicos da pessoa humana.
A saúde se assenta, conforme dispõe o art. 196 da CF, em fatores biológicos,
genéticos, psíquicos, sociais, econômicos, culturais, estilo de vida. A
qualidade de vida é um fator essencial na conceituação de saúde do art. 196
da CF.E a dicção do art. 196 compreende a mais moderna definição de saúde
que é a que contempla todos os fatores acima mencionados.

Daí a importância de se definir o direito à saúde na amplitude do art. 196, uma


vez que esse direito implica, dentre outros, em qualidade de vida razoável
ou justa, que por sua vez, se associa às políticas públicas que compreendem
educação, renda, trabalho, moradia, assistência social, previdência, lazer,
meio ambiente etc. E todos esses fatores não estão ao encargo do SUS.

Uma vez compreendido que o direito à saúde está além da garantia de


acesso às ações e serviços de assistência à saúde (promoção, proteção e
recuperação), esta última de competência do Sistema Único de Saúde (SUS),
devemos entender que as demais políticas públicas que garantem qualidade
de vida justa ou razoável é competência de outros setores públicos que
não o setor saúde, sem se esquecer que a sociedade e a pessoa também

1. Lenir Santos é especialista em direito da saúde e doutoranda em saúde coletiva na


Unicamp. É coordenadora do curso de especialização em direito sanitário UNICAMP-
IDISA e coordenador do IDISA. É advogada.

88
Seminário Direito, Gestão e Democracia

têm responsabilidades com a sua própria saúde e à da coletividade.É


importante tratar desse tema em razão de decisões judiciais e ações civis
públicas que nem sempre consideram a estrutura organizativa do SUS e a
sua competência.

Além do mais, a escolha desse tema se deve a uma recente decisão judicial
que, se não for revista, poderá desestruturar todo o sistema público de
saúde. Como fundamento decisório do caso que relatarei logo em seguida,
foi ignorada a necessária interpretação sistêmica da Constituição e leis que
a regulamentam. Sabemos todos que não se interpreta a constituição por
tiras. A hermenêutica exige uma sistematização. Mas no SUS isso não tem
ocorrido como se somente existe o art. 196.

O sistema público de saúde não tem sido considerado em seu todo: seus
princípios, diretrizes, competências e responsabilidades. Com a decisão
que abaixo citaremos e outras decisões estaremos adentrando o perigoso
caminho da destruição ao arrepio da Constituição e das leis que o organizam.

O SUS é um sistema inovador. Além de a competência para a prestação


de ações e serviços de saúde (promoção, prevenção e recuperação) ser de
todos os entes federativos, cabe a esses entes organizar o sistema em redes
de serviços regionalizadas e hierarquizadas. Hierarquia no sentido de maior
ou menor complexidade de serviços; um serviço se subordinando ao outro
no sentido dos encaminhamentos. Rede, no sentido de ligação, interligação,
penetração de um serviço com outro; regionalização, no sentido de se criar
regiões de saúde, nem sempre iguais às regiões administrativas.

E isso tudo num país federativo, o qual compreende, de maneira inusitada,


não apenas os Estados, mas também os Municípios. Todos independentes
entre si. Um sistema interdependente, geridos por entes independentes.
Além da importante interdependência financeira. Constitucionalmente, a
União está obrigada a repassar recursos para os estados e municípios e os
estados para o conjunto de seus municípios. Tudo por critérios legais, nem
sempre cumpridos na sua forma original.

Esse modelo de organização do SUS se assenta num princípio importantíssimo


– o cerne da sua existência – que é o da integralidade da atenção à saúde ou
da assistência à saúde e da igualdade da assistência.

E a integralidade da assistência à saúde está definida no art. 7º, II, da Lei


8.080, de 1990, tanto quanto a igualdade da assistência (art. ). Contudo, em
recente decisão judicial, tudo isso foi desconsiderado e jogado ladeira abaixo
em nome da segmentação social. Uma sociedade de classes. Um sociedade
que se curva à segmentação social quando determina que os serviços

89
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

públicos de saúde devem ser desiguais na medida das desigualdades sociais.


Classes sociais. Casa Grande e Senzala no século XXI.

O Poder Judiciario determinou, sob pena de multa pessoal do chefe do Executivo,


fosse criado serviços de hotelaria diferenciados para aqueles que se dispuserem
a pagar pelo conformo diferenciado e pessoal. E que os médicos do setor
privado possam adentrar o serviço público para tratar de paciente particular, sob
pagamento de preço adicional, ignorando que o SUS é gratuito, igual e universal.

Uma verdadeira aberração ao principio da isonomia; da igualdade de


atendimento, conforme previsto na nossa Constituição Republicana. Mas isso
tudo aconteceu em nome de pedido do Conselho Regional de Medicina do
Rio Grande do Sul que, ao invés de proteger o SUS e o principio da igualdade
e a população brasileira, quer garantir aos seus médicos, um direito desigual
de adentrar o serviço público, como se fosse um servidor público, e atender
seu cliente particular, mediante recebimento de sobrepreço.

E essa aberração se funda em decisão do STF.

Decisão equivocada na sua origem. Equivocada porque se fundamenta numa


decisão do Ministro Ilmar Galvão que ao atender pedido de paciente com
leucemia mielóide aguda, o fez em nome do direito à saúde. Mas parece que
ninguém leu a decisão original do Ministro Ilmar Galvão e todos os demais
Ministros que citam o seu Acórdão, o fizeram para situações totalmente
diferenciadas. E o Ministro Ilmar Galvão teve o cuidado de dizer que a
situação era diferenciada e por isso exigia tratamento diferenciado o que
não feria o principio da igualdade, no que ele estava absolutamente correto.

Explico.

Decisão recente da Justiça Federal de Santo Angelo-RS, fundada em decisões


do STF (Execução de sentença contra fazenda pública nº 2003.71.05.005440-
0/RS), foi deferido pedido do CRM-RS permitindo que o cidadão, quando
enfermo, tenha o direito de pleitear no SUS, serviços de hotelaria de maior
conforto pessoal em relação àquele existente para todos, além de poder,
ainda, escolher médico privado para atendimento nos serviços públicos de
saúde (SUS), mediante de pagamento de sobrepreço pelo paciente.

A leitura da sentença nos estarrece pelo teor do desconhecimento do


Sistema Único de Saúde (SUS), tanto quanto pela desigualdade que instala
no âmbito dos serviços públicos.

“Defiro o pedido do exeqüente e determino a intimação


do Município de Giruá acerca da referida decisão, para
que, a partir da ciência da presente:

90
Seminário Direito, Gestão e Democracia

a) permita o acesso do paciente à internação pelo


SUS e o pagamento da chamada diferença de classe,
para obter melhores acomodações, pagando a quantia
respectiva, quer ao hospital, quer ao médico;

b) abstenha-se de exigir que a internação só se dê após


exame do paciente em posto de saúde (outro médico
que não o atendeu), e de impedir a assistência pelo
médico do paciente, impondo-lhe outro profissional.
Cientifique-se o representante legal do Município de
que, havendo descumprimento da decisão proferida
nestes autos, incorrerá o executado em multa diária,
no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).

Oficie-se à Prefeitura do Município de Giruá. Cumpra-


se. Intimem-se. Santo Ângelo, 13 de maio de 2010.

Lademiro Dors Filho - Juiz Federal Substituto - D.E.


Publicado em 19/05/2010.

Essa decisão se fundamenta em recente Acórdão do STF, de 2009, do digno


Ministro Celso de Mello, no RE 596.445/RS, que entende que a jurisprudência
do STF se firmou no sentido de conceder ao cidadão o direito de exigir
serviços públicos de saúde diferenciados, quando de sua internação (quarto
individualizado e conforto superior), mesmo que esse procedimento seja
contrário ao principio da isonomia e não tenha previsão legal por ferir o
principio do acesso universal e igualitário no SUS

Eis a integra da decisão do Ministro Celso de Mello:

“A controvérsia jurídica objeto deste processo já foi dirimida


pela colenda Primeira Turma deste Supremo Tribunal
Federal (RE 226.835/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO):
“Direito à saúde. ‘Diferença de classe’ sem ônus para o
SUS. Resolução n. 283 do extinto INAMPS. Artigo 196 da
Constituição Federal. - Competência da Justiça Estadual,
porque a direção do SUS, sendo única e descentralizada
em cada esfera de governo (art. 198, I, da Constituição),
cabe, no âmbito dos Estados, às respectivas Secretarias
de Saúde ou órgão equivalente. - O direito à saúde,
como está assegurado no artigo 196 da Constituição,
não deve sofrer embaraços impostos por autoridades
administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o
acesso a ele. Inexistência, no caso, de ofensa à isonomia.

91
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 261.268/


RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES) Cumpre ressaltar, por
necessário, que esse entendimento vem sendo observado
em sucessivos julgamentos, proferidos no âmbito desta
Corte, a propósito de questão essencialmente idêntica
à que ora se examina nesta sede recursal (RE 228.750/
RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 496.244/RS,
Rel. Min. EROS GRAU – RE 601.712/RS, Rel. Min. CARLOS
BRITTO – RE 603.855/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.).
O exame da presente causa evidencia que o acórdão ora
impugnado diverge da diretriz jurisprudencial que esta
Suprema Corte firmou na matéria em referência. Sendo
assim, considerando as razões expostas, conheço e dou
provimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art.
557, § 1º-A). Publique-se. Brasília, 18 de dezembro de
2009. Ministro CELSO DE MELLO – Relator”.

Esse entendimento - que vem sendo firmado no STF desde 2000 - se assenta
numa decisão do Ministro Ilmar Galvão - RE 226.835/1999 – que, à época,
garantiu ao paciente internação em quarto privativo, sob o fundamento de
que o paciente acometido de leucemia mielóide aguda teria o direito de
manter-se internado em quarto individual em razão de sua doença não
permitir contato com outros pacientes, sob o risco de contágio em
razão da fragilidade de seu sistema imunológico.

A causa de pedir do RE dizia respeito a paciente com leucemia mielóide


aguda que necessitava de isolamento em quarto privativo. As pessoas que
sofrem dessa doença necessitam manter-se isoladas para prevenir contágios,
diante de sua fragilidade imunológica. Essa necessidade terapêutica deveria
ter sido garantida pelo SUS, na ocasião, sob pena de cerceamento do direito
à saúde, por tratar-se de uma situação que requeria tratamento diferenciado
em razão da doença do paciente.

In casu, o pedido de acomodações diferenciadas – quarto individual em relação


à quarto com mais de um paciente ou enfermaria – fazia todo o sentido
terapêutico e deveria ter sido garantido de imediato pelo SUS, tendo o paciente,
diante da limitação ao seu direito e do risco de agravo à sua saúde pelo não
atendimento do pleito, se socorrido do Poder Judiciário, que lhe concedeu o
direito de se manter internado em quarto individual em razão de sua doença.

O fundamento daquele pedido, datado de 1999, e o fundamento da


concessão do direito, foi muito bem caracterizado pelo Ministro Ilmar Galvão,
ao ressaltar que as condições especiais do paciente que estava acometido de
leucemia exigiam como medida terapêutica, a sua internação em quarto

92
Seminário Direito, Gestão e Democracia

individual, sob pena de sua vida correr risco. Daí ter o Ministro ressaltado
que não estava havendo quebra de isonomia naquele caso pelo fato de a
Justiça estar tratando de maneira diferenciada situação diferenciada; as
situações eram desiguais, por isso não se estabeleceu tratamento desigual
entre pessoas numa mesma situação!

Contudo, para deixar todos estupefatos, a situação invocada no pedido


concedido pelo Juiz Federal, com base na decisão do Ministro Celso de Mello
é exatamente contrária: o CRM-RS pleiteou o direito de as pessoas terem
tratamento desigual em situações iguais, alegando que pacientes podem,
no SUS, ter direitos diferenciados no tocante a serviços de hotelaria: quem
puder pagar esses serviços (que nada tem a ver com o direito à saúde por ser
mero serviço de hotelaria hospitalar - conforto hospitalar) passa a ter o direito
de pleiteá-lo, devendo o dirigente público do SUS dar um jeito de providenciá-
lo, ainda que esse tipo de serviço não exista no SUS, exatamente por se
constituir em violação do principio da isonomia por conceder privilégio e
tratamento diferenciado aos pacientes do SUS, fato vedado pelo Direito
(Art. 196 da Constituição e art. 7º, IV, da Lei 8.080, de 1990).

Por outro lado, a decisão judicial se faz acompanhar por outra medida
absurda que é permitir no SUS a escolha de médico privado – que não
integra o SUS – para atuar dentro do sistema público de saúde.

Isso fere de morte o principio basilar da isonomia, de que todos são iguais perante
a lei, ao criar diferenciação de qualidade de serviços: para muitos (os pobres)
internação em quarto com mais de um paciente; para poucos, os que podem
pagar, que se crie no serviço público de saúde, de acesso universal e igualitário
(art. 196, da CF), categoria diferenciada de serviços, na contra-mão do
disposto no art. 7º, IV, que define dentre os princípios do SUS, a igualdade
da assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie.

Ora, permitir internação em quarto individual é um privilégio que não existe


no SUS e nem poderia existir. Como seria essa hipótese em outros serviços
públicos de acesso universal, como a educação: criar laboratórios melhores
para aqueles que se dispuser a pagar pela diferença? Poderia, dentro desse
principio, criar no Poder Judiciário salas confortáveis para aqueles que
pagarem por um atendimento VIP? Teremos assim salas VIPs para aqueles
que os pleitearem e pagarem por isso?

Outro absurdo jurídico é a possibilidade de se permitir a escolha de médico


do setor privado para prestar serviços no serviço público, que exige concurso
público de ingresso e toda uma gama de requisitos no tocante a condição
de servidor público e as responsabilidades do próprio Poder Público em
relação à prestação de serviços em seu âmbito.

93
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Como permitir que o médico privado do paciente adentre o serviço público e


nele passe a atuar como se fora um servidor público? Na educação também
poderíamos exigir professores privados para dar aulas aos nossos filhos
porque não acreditamos no professor servidor público? O mesmo com o
Judiciário? Como pode uma determinação desse porte vir do Judiciário,
responsável pela aplicação da lei e da justiça? Em que lei está que pode
haver diferenciação de classe nos serviços públicos de saúde, criando-se
acomodações de hotelaria diferenciadas para aqueles que se dispuserem
a pagar? Onde? E onde a previsão de pagamento completar de honorários
médicos? Ou seja, pagamento por fora no SUS?

O SUS é composto por todas as ações e serviços públicos de saúde (art. 198,
da CF), não estando incluídos os serviços privados. Ora, seria um descalabro
permitir que o SUS venha a ser um sistema de saúde complementar do setor
privado, permitindo que o paciente possa escolher um médico privado e
um tipo de hotelaria e nem precise ir às unidades básicas de saúde para
encaminhamento aos serviços de maior complexidade, como reza a própria
Constituição, ao definir, no art. 198, que o SUS deve se organizar em redes
regionalizadas e hierarquizadas de serviços. Rede hierarquizada significa
uma relação hierárquica em relação à complexidade de serviços.

Hierarquia de serviços pressupõe encaminhamentos de um serviço de menor


complexidade para um serviço de maior complexidade, nos termos do art.
8º, da Lei 8.080, de 1990:

“Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados


pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente
ou mediante participação complementar da iniciativa
privada, serão organizados de forma regionalizada e
hierarquizada em níveis de complexidade crescente.”

E os encaminhamentos devem ser feitos pelo médico da atenção básica


(unidades básicas de saúde), excetuando, é obvio, os casos de urgência
e emergência. O SUS é um sistema e não um amontoado de serviços
fracionados, sem articulação nenhuma.

No mundo todo desenvolvido – Inglaterra, Canadá, Espanha, Itália, França o


sistema de saúde é hierarquizado em relação à complexidade de serviços não
sendo possível o paciente ir direto a um serviço de maior especialização sem
passar pela atenção primaria. O mesmo se diga em relação à acomodação
diferenciada que também não é permitida! Até a princesa do Reino Unido,
ou da Espanha, deve manter-se em acomodação igual aos súditos em nome
do principio da igualdade de todos perante a lei. Aqui no Brasil, vale o
principio da Casa Grande e Senzala.

94
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Se vamos reproduzir no SUS, e porque não dizer, nas universidades públicas,


no acesso à Justiça e demais serviços públicos, o sistema de classe social – a
Casa Grande e a Senzala - permitindo que quem pode mais, escolha o que
lhe convém e do modo que lhe convém e não como está disposto na Lei,
estaremos ferindo de morte a Constituição Federal.

Além do mais, certamente, as pessoas pobres – não terão acesso à internação


– que já são insuficientes no SUS – porque as mesmas mal existirão: estará toda
organizada para atender aqueles que podem escolher por hotelaria hospitalar
de categoria superior, tal qual um hotel de três, quatro, cinco estrelas.

Uma pergunta que não pode deixar de ser feita: hotelaria hospitalar é saúde?
Ou é um conforto pessoal? Isso tem a ver com o direito à saúde? Em nome
de hotelaria especial as pessoas pobres ficarão com o seu acesso reduzido
aos serviços médico-hospitalares. E isso é isonômico? É possível permitir que
médicos privados adentrem serviços públicos e recebam por isso?

Por fim, a decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello – por absolutamente
equivocada e fundada, toda ela, em decisão do STF que não previa a
internação em acomodação diferenciada, mas sim acomodação em
quarto privativo por ser ínsito à terapêutica do paciente – necessita
urgentemente ser revista pelo STF em nome do princípio da isonomia –
violado flagrantemente - e do sentido de justiça!

Em resumo, a decisão do STF e do Juiz da Vara Federal de Santo Ângelo fere:


a) o princípio da igualdade de atendimento; b) a gratuidade dos serviços de
assistência à saúde prevista no art. 43 da Lei 8.080, de 1990; c) a organização do
SUS que não permite nenhum tipo de privilégio, nenhum tipo de pagamento,
taxa tarifa, preço público, tampouco a escolha de médico privado para
atender paciente dentro do SUS; d) o principio da hierarquização de serviços.
Não existe no SUS serviços de hotelaria diferenciados nem possibilidade de
médico privado atender paciente SUS. Serviços diferenciados não podem ser
criados nem por lei nem por decisão judicial por ferir a Constituição Federal. E
o Poder Judiciário está exigindo isso!

Como vamos construir um sistema publico de saúde, igualitário, isonômico,


com todas essas absurdas interferências desestruturantes e desiguais?

Fica aqui essa indignação que revela o desconhecimento do SUS pelas


autoridades públicas e pelos poderes da República e por isso a interferência,
muitas vezes, equivocada, do Poder Judiciário na Saúde, tanto quanto de
muitos outros órgãos de controle.

95
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Orçamento Público e Independência dos


Poderes: em que pesa a supremacia do Poder
Executivo na previsão, arrecadação e
distribuição da receita pública?
Márcio Rodrigo de Araújo Souza1

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O orçamento público é o instrumento por meio do qual todas as receitas
e despesas públicas são contabilizadas e distribuídas de acordo com as
atribuições e necessidades de cada poder e, no âmbito interno, entre os
órgãos e/ou entidades que os compõem. No Brasil, o poder Executivo de cada
ente da Federação é responsável por consolidar as propostas orçamentárias
dos demais poderes e órgãos autônomos.

Em matéria orçamentária, vigora no ordenamento jurídico nacional o princípio


do equilíbrio das contas públicas. Não pode o ente estatal gastar mais do
que consegue arrecadar, como também não é razoável tentar arrecadar
além daquilo que é preciso despender. Por razões lógico-conjunturais o
poder público busca o equilíbrio de suas contas pela via indireta, ou seja,
tenta controlar os gastos em razão da arrecadação. Isso decorre do axioma
da limitação dos bens econômicos em face das necessidades de consumo/
poupança. Portanto, o equilíbrio orçamentário tende a ser encontrado por
meio da seletividade dos gastos a serem incorridos, de modo a acomodá-los
nos limites da previsão de arrecadação.

Compete ao poder Executivo fazer a previsão anual de arrecadação, levando


em conta a conjuntura econômica, o sistema legal, sobretudo o tributário,
e o comportamento das receitas nos últimos três exercícios financeiros. O
estudo da previsão da receita deve ser encaminhado pelo poder Executivo
aos demais poderes e órgãos autônomos antes que estes concluam suas

1. Nasceu em Pé de Serra – BA em 1982. Bacharelou-se em Ciências Contábeis na


Universidade Estadual de Santa Cruz – BA. Pós-Graduando em Gestão Pública pela
Universidade Federal do Piauí, em Gestão Pública Municipal pela Universidade
Estadual do Piauí e em Contabilidade e Orçamento Público pelo Centro de Ensino
Unificado de Teresina. Selecionado em diversos concursos públicos (Perito-MPU,
Contador-TRF2, Auditor-CGEPI), atualmente ocupa o cargo de Auditor Governamental
na Controladoria Geral do Estado do Piauí, onde atua na avaliação de resultados
da gestão pública. Desde 2005 escreve ensaios para Portais e Revistas brasileiras.
Filiação Institucional: Controladoria Geral do Estado do Piauí. Auditor Governamental.

96
Seminário Direito, Gestão e Democracia

respectivas propostas orçamentárias2, pois, como foi demonstrado acima, o


equilíbrio orçamentário tem como espeque a previsão de arrecadação.

Após análise, discussão, votação e aprovação pelo Legislativo, sanção pelo


chefe do Executivo e publicação oficial, a proposta orçamentária passa a
vigorar como lei de caráter especial. Em seguida, parte-se para a execução
do orçamento. Nesta fase, os poderes e órgãos que têm autonomia
orçamentário-financeira passam a utilizar as receitas arrecadas para custear
as despesas incorridas. Entretanto, como a arrecadação da receita é feita por
meio da chamada conta única, controlada pelo poder Executivo, este fica
encarregado de transferir a cada mês um duodécimo da receita dos demais
poderes órgãos autônomos. Ou seja, até o vigésimo dia de cada mês 1/12
avos da receita prevista deve ser entregue ao poder Legislativo, ao Judiciário,
ao Ministério Público e à Defensoria Pública3.

Inobstante, embora seja um assunto de grande relevância este que tange à


autonomia orçamentário-financeira dos poderes, representada tecnicamente
pelo duodécimo, é interessante notar a omissão legislativa quanto a este
assunto. Até hoje, nem a Constituição, nem a Lei Complementar nº101/00,
nem a Lei nº 4.320/64, tampouco as Leis de Diretrizes Orçamentárias anuais
foram dedicadas a estabelecer regras claras e justas, com razoável grau de
profundidade, para equacionar a questão dos duodécimos dos poderes, em
razão de que o sistema funciona intuitivamente.

Na falta de positivação legislativa dessa matéria, as diferentes interpretações


que são dadas ao assunto têm levado a discussão aos Tribunais. Ainda
assim, encontram-se entendimentos distintos na jurisprudência brasileira.
Destacam-se, aqui, dois acórdãos bastante representativos. O primeiro,
datado de 06 de agosto de 2002, tem como origem a Primeira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo entendimento é de que o duodécimo
deve ser repassado de acordo com a receita efetivamente arrecada. O
segundo, datado de 03 de abril de 2003, oriundo do Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF), determinou que o duodécimo não deve se sujeitar à
programação financeira e efetiva arrecadação da receita, pois precisa ser
feito de acordo com a previsão orçamentária.

2. BRASIL. Lei Federal Complementar nº101, de 04 de maio de 2000. Estabelece


normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá
outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acessado em 30 de
junho de 2010. Art. 12.
3. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em
http://www.planalto.gov.br. Acessado em 30 de junho de 2010. Art 168. A inclusão da
Defensoria Pública com órgão recebedor de duodécimo aconteceu por meio da Emenda
Constitucional nº 45/2004, a qual ficou conhecida como Reforma do Judiciário.

97
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Julgamento do STJ,
De efeito, observa-se que a liberação contemplada
no artigo 168, Constituição Federal, não sendo auto-
aplicável, não é desordenada, obedecendo ao sistema
de programação da despesa (Lei 4320/64). Deveras,
deve efetivar-se de forma parcelada, em duodécimos
correspondentes a cada mês do ano, exigindo-se,
assim, a apuração do valor a ser repassado. Andante,
a liberação ou repasse não tem por base única a
previsão orçamentária e sem a receita real do mês
correspondente. O critério legal permite o equilíbrio,
de modo que não sejam repassados recursos superiores
a arrecadação, evitando-se o sacrifício de obrigações
fundamentais da alçada do executivo. Desse modo,
não se vislumbra o direito líquido e certo à previsão
(expectativa de receita).

Pois a liberação depende da receita real, base concreta


dos cálculos dos duodécimos, estes assegurados
constitucionalmente. Enfim, sua liberação ou “repasse”
está sob o resguardo das demonstrações de receita
concreta, da despesa e disponibilidade.

Em síntese, sem deixar de louvar o mandamento


constitucional (art. 168), voltada a atenção à receita
realmente concretizada e consideradas as despesas
demonstradas pelo Executivo e Legislativo, o repasse
realiza-se conforme a programação da despesa.

Nesse contexto, sublinha-se que a liberação cinge-se à


disponibilidade agregada à receita real e não àquela
prevista na lei orçamentária.

Encerrada a exposição, voto provendo parcialmente o


recurso, reconhecendo o direito vindicado ao repasse
dos duodécimos, calculados conforme os limites
da receita orçamentária realmente concretizada e
demonstrada contabilmente4.

4. BRASIL. STJ. Recurso Especial nº 189.146 – RN. Relator: Min. Milton Luiz Pereira.
Ementa: Administrativo. Receita e Despesas Orçamentárias. Transferência ou repasse
de Recursos Orçamentários à conta da Câmara Municipal. Previsão. Receita Real.
Duodécimos. C.F., artigos, 168, 4.320/64. Lei 1.533/51 art. 8º. Disponível em http://
www.stj.jus.br. Acessado em 30 de junho de 2010.

98
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Julgamento do STF,

A matéria está pacificada no âmbito desta Corte...

Repasse duodecimal determinado no art. 168 da


Constituição. Garantia de independência que não
está sujeita à programação financeira e ao fluxo de
arrecadação. Configura, ao invés, uma ordem de
distribuição prioritária (não somente equitativa) de
satisfação das dotações orçamentárias, consignadas ao
Poder Judiciário. Mandado de Segurança deferido, para
determinar a efetivação dos repasses...

A norma inscrita no art. 168 da Constituição reveste-se de


caráter tutelar, concebida que foi para impedir o Executivo
de causar, em desfavor do Judiciário, do Legislativo e do
Ministério Público, um estado de subordinação financeira
que comprometesse, pela gestão arbitrária do orçamento
– ou, até mesmo, pela injusta recusa de liberar os recursos
nele consignados –, a própria independência político-
jurídica daquelas instituições5.

O objetivo do presente ensaio, portanto, é discutir essa problemática orçamentário-


financeira sob o prisma do princípio constitucional da Independência e Harmonia
entre os poderes. A discussão será pautada em dois pontos-chave: o primeiro
relativo à previsão subestimada da receita; e o segundo conexo com a distribuição
do excesso de arrecadação. O texto não tem pretensão de esgotar o assunto, nem
de ser absoluto. A argumentação levantada tem como missão provocar o debate
em torno da questão que ora soa bastante controversa.

2 FUNÇÕES DO ESTADO E
EQUILÍBRIO ENTRE OS PODERES
A função executiva do Estado sempre foi preponderante em face das demais
(legislativa e judiciária) em razão do domínio que exerce sobre duas atribuições
fundamentais: controle dos meios coercitivos estatais e das receitas públicas.
5. BRASIL. STF. Mandado de Segurança nº 23.267-3. Relator: Min. Gilmar Mendes.
Ementa: Mandado de segurança. 2. Ato omissivo do governador do Estado. 3. Atraso
no repasse dos duodécimos correspondentes às dotações orçamentárias do Poder
Judiciário. 4. Art. 168 da Constituição Federal. 5. Independência do Poder Judiciário. 6.
Precedentes. 7. Deferimento da ordem. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acessado
em 30 de junho de 2010.

99
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Esses dois fatores são característicos da supremacia da função executiva sobre


a legislativa e a judiciária, pois estas necessitam compartilhar dos recursos
financeiros e da força pública para desempenharem suas missões institucionais6.

Na arquitetura institucional pensada por Montesquieu e que passou a ser


adotada pelos Estados modernos desde a Revolução Francesa, o poder
estatal deveria ser distribuído, na razão de suas funções essenciais, entre o
poder Executivo, o poder Legislativo e o poder Judiciário, de modo que um
controlasse o outro e, desta forma, nenhum exorbitasse sobre os demais e
principalmente sobre os cidadãos.

No Brasil, todas as Constituições consagraram o princípio da separação dos


poderes como um aspecto fundamental da estrutura e organização política
do Estado7. A Constituição Federal de 1988, art. 2º, institui que “são poderes
da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e
o Judiciário”. Ao poder Legislativo, composto pela Câmara dos Deputados
e pelo Senado Federal, foram conferidas as competências para dispor sobre
todas as matérias inerentes à União, além de fiscalizar os demais poderes.
O poder Executivo, exercido pelo Presidente de República com auxílio de
seus Ministros, foi encarregado das medidas executórias da Administração
Pública Federal. Já o poder Judiciário, composto por diversos órgãos,
agrupados em sete categorias, foi incumbido de julgar as questões litigiosas
dentro do território nacional8.

O princípio da independência dos poderes consagra que cada poder deve


ter autonomia em face dos demais para que não seja subordinado e, via de
conseqüência, não deixe de controlar os ímpetos excessivos reciprocamente.
Uma estrutura governamental composta por diversos órgãos requer
necessariamente que o relacionamento entre eles seja pautado em normas
de lealdade constitucional. Essa lealdade compreende duas vertentes. A
primeira consiste em que os diversos órgãos do poder devam cooperar
na medida necessária para realizar os objetivos constitucionais e para
permitir o funcionamento do sistema com o mínimo de atritos. A segunda
determina que os titulares dos órgãos devam respeitar-se mutuamente, de
6. COELHO, Ricardo Corrêa. Estado, Governo e Mercado. Brasília: CAPES, 2009. Págs. 19-20.
7. Apenas a Constituição imperial de 1824 (que previa um quarto poder Moderador)
e a Constituição autoritária de 1947 [SIC!] (que não previu, expressamente, o dogma
da separação dos poderes) podem ser analisadas como exceções parciais a esta regra,
de acordo com CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2ª Ed.
Salvador: Editora Jus Podivm, 2008. Págs. 504-505. Não houve Constituição em 1947.
O autor pode está querendo se referir à Constituição de 1937 ou à de 1967.
8. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
em http://www.planalto.gov.br. Acessado em 30 de junho de 2010. Título IV – Da
Organização dos Poderes.

100
Seminário Direito, Gestão e Democracia

modo a evitar a guerrilha e a retaliação institucional, os abusos de poder e


a desconsideração grosseira9.

Para desempenhar suas funções, cada poder necessita de uma série de recursos
(humanos, materiais, tecnológicos etc), para os quais os recursos financeiros
são a matriz geradora. Ou seja, os recursos monetários têm o condão de “se
transformar” em qualquer outro bem econômico demandado pelos poderes
estatais: remuneram a força de trabalho, viabilizam construções, adquirem
equipamentos e materiais de expediente, custeiam o consumo de energia,
os serviços de comunicação... Enfim, são imprescindíveis.

A autonomia orçamentário-financeira, portanto, é fundamental para


garantir a independência dos poderes. Em razão disso, a CF/88, em seu art.
168, determinou que os recursos financeiros correspondentes às dotações
orçamentárias, inclusive dos créditos adicionais, dos poderes e órgãos
autônomos deveriam ser repassados pelo poder Executivo até o dia 20 de
cada mês, em forma de duodécimo.

Embora a lei orçamentária anual preveja receita e fixe despesa para


todo o exercício financeiro, a execução financeira ocorre pari passu,
de forma cadenciada, razão pela qual a soma dos recursos orçados não
é imediatamente repassada para os poderes e órgãos. A receita que é
“prevista” no orçamento pode ocorrer conforme o prognóstico, pode ser
superior, mas também pode ser inferior.

Por esse motivo, o problema da estimação da receita orçamentária tem


sido bastante discutido na literatura especializada. Argelina Figueiredo e
Fernando Limongi na obra Política Orçamentária no Presidencialismo de
Coalizão traçam um panorama exemplificativo dessa situação-problema. De
acordo com esses autores,

De fato, o Congresso adotou a prática de reestimar


receitas, mas não fez isso sozinho, o Executivo também
recorreu a esse subterfúgio à sua maneira, isto é,
incorporando à proposta receitas a serem auferidas por
alterações da legislação tributária ainda por aprovar.
Tampouco se deve presumir que o Executivo tenha
condições de oferecer uma estimativa acurada das
receitas a serem arrecadadas ou mesmo que, caso seja
capaz de fazê-lo, tenha incentivos para revelá-la em sua
proposta. (grifou-se)

9. CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da república portuguesa


anotada. 3ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. Apud MORAES, Alexandre. Direito
Constitucional. 13ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003. Pág. 370.

101
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Em todos os anos considerados [1996-2001], o


Congresso recorreu à reestimativa de receitas para
acomodar suas demandas. Mas essa prática não é o
mesmo que tornar os preceitos constitucionais letra
morta. Tampouco por ser equiparada automaticamente
à irresponsabilidade fiscal. O fato é que nem o Executivo,
nem o Legislativo têm sido capazes de estimar
corretamente o volume global das receitas. Ao fim e ao
cabo, o volume global das receitas foi subestimado em
todos os anos, ainda que receitas específicas tenham
sido superestimadas. (idem)10

Neste ponto reside um dos problemas objeto do presente estudo. No orçamento,


as receitas são previstas metodologicamente com base na arrecadação dos
três últimos exercícios, na conjuntura econômica do país, nas mudanças na
legislação tributária, na política fiscal do governo e em outros fatores que
possam influenciar na arrecadação estatal. Inobstante, não há garantia de que
a previsão irá se concretizar. O comportamento da receita pode variar para mais
(gerando o excesso de arrecadação) ou para menos (acarretando frustração).
No entanto, inexiste no ordenamento jurídico brasileiro legislação que atente
para esse fato, de modo que as discussões têm sido levadas aos Tribunais.

A diversidade de entendimento é encontrada inclusive na jurisprudência,


conforme foi citado nas considerações iniciais deste texto. Ou seja, tanto há
entendimento de que o duodécimo deve seguir a lei de orçamento, quanto
há interpretação de que se deve observar o comportamento efetivo da
receita pública.

A verdade é que, talvez não só por isso, mas também por influência dessa
metodologia, o poder Executivo tem adotado uma postura conservadora
quando da previsão da receita pública, conforme pode ser observado na
Tabela 1. Dificilmente ao final do exercício financeiro a receita arrecadada
não supera a previsão atualizada da receita. A taxa de execução da receita
tende sempre a ficar acima dos 100%. No entanto, a reestimativa de receita
foi expressamente proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Devendo os
poderes valer-se dos estudos e estimativas realizados pelo poder Executivo
para elaboração de suas propostas orçamentárias11.

10. FIGUEIREDO, Argelina Cheibub; LIMONGI, Fernando. Política Orçamentária no


Presidencialismo de Coalizão. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. Pág. 57.
11. BRASIL. Lei Federal Complementar nº101, de 04 de maio de 2000. Estabelece
normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá
outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acessado em 30 de
junho de 2010. Art. 12.

102
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Tabela 1 – Demonstrativo das receitas da União12. R$mil.


% Execução
Exercício Inicial (A) Atualizada (B) Arrecadada (C)
(C/B)
2009 1.043.551.330 1.043.551.330 1.157.672.137 110,94%
Corrente 839.902.453 839.902.453 775.406.759 92,32%
Capital 203.648.877 203.648.877 382.265.378 187,71%
2008 935.720.166 935.732.106 972.037.438 103,88%
Corrente 716.015.923 716.027.863 754.735.517 105,41%
Capital 219.704.243 219.704.243 217.301.921 98,91%
2007 870.392.236 870.758.247 864.829.047 99,32%
Corrente 658.799.139 659.158.017 658.884.417 99,96%
Capital 211.593.097 211.600.229 205.944.630 97,33%
Fonte: Elaborada pelo autor com base nos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária da União dos
respectivos exercícios.

Essa prudência na previsão da receita orçamentária acaba desaguando em


outro paradigma objeto do presente estudo: o excesso de arrecadação, fonte
de recursos para abertura de créditos adicionais suplementares e especiais.
Para se ter uma idéia, no último exercício financeiro o excesso arrecadado
superou 114 milhões de Reais (R$ 114.120.807).

Na abalizada opinião do professor Ruszel Cavalcante,

A fiscalização da receita tem o condão de transformar


a previsão orçamentária mais real a cada ano, dado
que os gestores de executivos usam suas atribuições de
planejamento para, às vezes, subavaliar a previsão de
receita, o que poderia prejudicar poderes e instituições,
uma vez que os duodécimos, à exceção dos legislativos
municipais, são calculados com base na estimativa de
receita prevista. (grifou-se)

Outro fator importante para fiscalização da receita é


justamente o de redução da margem de discricionariedade
dos executivos, vez que, na forma do Art. 40 e seguintes
da Lei nº 4.320/64, os créditos adicionais por excesso de
arrecadação, ainda que autorizados por lei, são abertos
por decreto do Executivo13. (idem)

12. Notas: a) excluem-se as receitas intra-orçamentárias; b) excetuam-se as receitas


relativas a operações de crédito para refinanciamento da dívida pública.
13. CAVALCANTE, Ruszel Lima Verde. Corrupção: Origens e uma visão de combate.
Brasília: Fundação Astrogildo Pereira – Edições FAP, 2006. Pág. 95.

103
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

A lei 4.320/64 criou três categorias de créditos adicionais: suplementares,


especiais e extraordinários. Para os dois primeiros vinculou-se sua abertura
à apresentação de justificativa e indicação dos recursos para custeá-los.
Quanto às fontes de recursos, foram arroladas quatro para fazer face aos
créditos adicionais: 1- superávit financeiro; 2- excesso de arrecadação; 3-
anulação de dotação; e 4- novas operações de crédito14.

De acordo com o demonstrado na Tabela 2, o poder Executivo da União


tem predominância na abertura de créditos adicionais provenientes de
excesso de arrecadação ou novas operações de crédito. Nos anos analisados
o Executivo ficou sempre com mais de 99,5% do excedente.

Para compreender as informações da tabela, deve-se considerar que a abertura


de créditos adicionais com recursos da anulação de dotação não altera o valor
do orçamento global e os créditos abertos com fonte do superávit financeiro
apurado no Balanço Patrimonial do exercício anterior não são demonstrados
na coluna de previsão, uma vez que é considerado recurso extra-orçamentário.

Tabela 2 – Demonstrativo das dotações orçamentárias da União15. R$Mil.


Exercício Inicial (A) Adicionais % Atualizada Empenhada
(B) (A / B) (C) (D)
2009 1.153.902.292 123.823.924 100,00% 1.277.726.216 1.136.855.268
Legislativo 6.912.918 (37.648) -0,03% 6.875.270 6.443.521
Executivo 1.115.991.645 123.310.041 99,58% 1.239.301.686 1.091.785.021
Judiciário 28.045.980 549.568 0,44% 28.595.548 35.723.256
MPU 2.951.749 1.963 0,00% 2.953.712 2.903.470
2008 888.417.342 189.047.474 100,00% 1.077.464.816 969.141.715
Legislativo 6.794.972 248.007 0,13% 7.042.979 6.574.517
Executivo 854.797.601 188.363.699 99,64% 1.043.161.300 929.711.346
Judiciário 24.114.098 329.677 0,17% 24.443.775 30.086.291
MPU 2.710.671 106.091 0,06% 2.816.762 2.769.561
2007 891.761.491 37.915.416 100,00% 929.676.907 838.505.252
Legislativo 6.539.080 49.400 0,13% 6.588.480 6.178.056
Executivo 861.590.752 37.909.296 99,98% 899.500.048 803.510.127
Judiciário 21.029.013 (52.874) -0,14% 20.976.139 26.456.801
MPU 2.602.646 9.594 0,03% 2.612.240 2.360.268
Fonte: Elaborada pelo autor com base nos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária da União dos
respectivos exercícios.

14. BRASIL. Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui normas gerais de
direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios. Disponível em http://www.planalto.gov.br.
Acessado em 30 de junho de 2010. Titulo V – Dos Créditos Adicionais.
15. Notas: a) excetuam-se as despesas intra-orçamentárias; b) excetuam-se as despesas com
refinanciamento da dívida pública; c) a diferença entre dotação e empenho decorre de
superávit financeiro; d) a diferença entre inicial e atualizada decorre de créditos adicionais.

104
Seminário Direito, Gestão e Democracia

A Lei de Diretrizes Orçamentárias tem determinado sistematicamente


que a abertura de créditos suplementares pelos poderes Legislativo,
Judiciário e Ministério Público só pode ocorrer com indicação dos recursos
compensatórios dos próprios órgãos, ou seja, com anulação total ou parcial
de dotação orçamentária16.

Depara-se, portanto, com um dilema incômodo, capaz de afetar a harmonia


entre os poderes: por um lado, os poderes Legislativo e Judiciário, além do
Ministério Público, não pretendem compartilhar com o poder Executivo o
risco de frustração da arrecadação; por outro lado, o poder Executivo pode
dispor sozinho do excesso de arrecadação, não estando obrigado por força
constitucional ou legal a reparti-lo.

De um lado posicionam-se os defensores da tese de que o excesso de arrecadação


deve ser compartilhado entre todos os poderes e o Ministério Público na razão
de suas dotações orçamentárias, sob pena de desequilíbrio institucional.

Já do lado oposto, argumentam aqueles defensores de que nessa relação


não se pode pretender compartilhar apenas de eventuais bônus (excesso de
arrecadação), sem participar de possíveis ônus (frustração da arrecadação).

Todavia, este ponto que atinge a repartição do excesso de arrecadação


precisa ser visto com cautela, pois reparti-lo simplesmente entre os poderes
não parece ser uma solução viável e, sobretudo, justa, embora possa ser
metodologicamente simples.

Isso porque as atribuições e competências dos poderes em matéria de


execução orçamentário-financeira são bastante distintas. Enquanto os
poderes Judiciário e Legislativo, além do Ministério Público, têm maior
concentração de seus gastos no Grupo de Natureza da Despesa 1 (GND
1 – pessoal e encargos sociais), o poder Executivo fica encarregado
de executar uma variedade enorme de despesas nos outros grupos de
natureza, principalmente no GND 2 – juros e encargos da dívida, no GND
3 – outras despesas correntes e no GND 6 – amortização da dívida. Aliás,
no exercício financeiro de 2009 o somatório do GND 2 e GND 6 alcançou a
impressionante marca de R$642.521.210.000,00 (seiscentos e quarenta e
dois bilhões, quinhentos e vinte e um milhões, duzentos e dez mil Reais),
ou 46% de todas as despesas empenhadas no exercício no âmbito federal
(exceto as intra-orçamentárias).

16. BRASIL. Lei Ordinária Federal nº 12.017, de 12 de agosto de 2009. Dispõe sobre
as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2010 e dá outras
providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acessado em 30 de junho
de 2010. Art. 57, §1º. Esse dispositivo compõe também as LDOs dos exercícios 2009,
2008, 2007.

105
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Tabela 3 – Demonstrativo das Despesas da União em 2009 por GND.


R$mil.
  Previsão Execução
Despesas Correntes 882.405.525 53% 805.706.400 57%
GND 1 pessoal e encargos
156.120.276 9% 154.925.362 11%
sociais
GND 2 juros e encargos da
164.928.401 10% 124.609.210 9%
dívida
GND 3 outras despesas
561.356.848 34% 526.171.828 38%
correntes
Despesas de Capital 787.375.918 47% 596.810.795 43%
GND 4 investimentos 57.011.710 3% 45.811.088 3%
GND 5 inversões financeiras 48.022.177 3% 33.087.707 2%
GND 6 amortização da dívida 682.342.031 41% 517.912.000 37%
Total das Despesas 1.669.781.443 100% 1.402.517.195 100%
Fonte: Elaborada pelo autor com base no Balanço Orçamentário da União 2009.

No gráfico 1 demonstram-se os dados das despesas com pessoal e


encargos sociais (GND 1), com custeio (GND 3) e os investimentos (GND
4) dos três poderes e do Ministério Público da União (MPU) no quadriênio
2007-2009. Uma observação interessante que deve ser feita é quanto
à proporcionalidade das despesas entre os poderes. Percebe-se que o
Legislativo, o Judiciário e o MPU gastam mais de 80% dos seus respectivos
orçamentos com folha de pagamento. Em segundo lugar concentram os
gastos com custeio administrativo em torno de 15% e a diferença fica
para os investimentos.

Já o poder Executivo tem a maior parte de seus gastos no GND 3 – outras


despesas correntes, cujo montante no triênio analisado corresponde a 70%
do somatório dos três grupos analisados. O GND 1 – pessoal e encargos
consumiu 22% e o os investimentos foram da ordem de 8%.

Analisando-se o comportamento dos dados pela ótica dos poderes,


nota-se que o poder Executivo é o que mais investe, 8%; o MPU vem em
seguida com 5%; o Judiciário investiu 3% e quem menos investiu foi o
poder Legislativo com apenas 2% do seu orçamento. No que se refere às
despesas com folha de pagamento, detecta-se que o Legislativo lidera
a lista com 83% do orçamento; o Judiciário e o MPU gastam 81% e,
por fim, o poder Executivo empregou 22% do volume de despesas para
pagamento de pessoal.

106
Seminário Direito, Gestão e Democracia

No triênio 2007-2009 os três poderes mais o MPU gastaram 412 bilhões de


Reais com pagamento de pessoal e encargos sociais, sendo que na repartição
desse montante 78,3% coube ao poder Executivo, 15,8% para o Judiciário,
4,3% para o Legislativo e 1,7% para o MPU.

Os investimentos foram feitos na seguinte razão: 97,2% pelo Executivo,


2,1% pelo Judiciário, 0,4% pelo MPU e 0,3% pelo Legislativo, perfazendo
uma quantia aproximada de R$ 116 bilhões.

Deixou-se para o final o grupo de natureza 3 – outras despesas correntes


em razão de suas diversidades. Trata-se de grupo de natureza que mais
recebeu recursos no período em análise, algo mais de 1 trilhão de Reais.
Desse montante, o Executivo gastos 98,4%, o Judiciário 1,2%, o Legislativo
0,3% e o MPU apenas 0,1%. No entanto, a natureza dos gastos nesse
grupo de despesa é bastante diferente no âmbito do poder Executivo em
relação aos demais poderes. Enquanto o Judiciário, Legislativo e MPU têm
seus gastos contabilizados nesse grupo em razão de despesas com custeio
administrativo interno, no poder Executivo a maior desses gastos é feita
em razão de transferências voluntárias para outros entes da federação
aplicar em políticas públicas finalísticas e no pagamento de benefícios
assistenciais e previdenciários.

Observando a proporção dos gastos do poder Executivo nota-se que 70%


deles são empregados no GND 3. Cabe destacar, porém, como frisado
acima, que neste grupo de despesa estão contabilizadas as despesas
com grandes atividades governamentais, tais como nas áreas de saúde,
educação, segurança pública, assistência e previdência social, exceto os
pagamentos feitos aos servidores públicos empregados nessas atividades,
pois são pagos por meio do GND 1.

Esta breve discussão de dados tem como objetivo demonstrar a


disparidade de atribuições e competências em matéria orçamentária
e financeira entre os poderes da União. O Grau de complexidade
envolvido na matéria também é relevante, em razão de que a solução
do problema discutido no presente ensaio não pode ser encarada com
simplicidade e afobamento. Assim, é preciso que se faça a interpretação
do presente dilema levando em consideração o axioma de que não é
justo tratar os desiguais de forma igual; justo é tratar os desiguais na
razão de suas desigualdades.

107
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Gráfico 1 – Despesas dos poderes da união no quadriênio 2007-2009.

 Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da execução orçamentária dos poderes disponível no SIGA BRASIL.

3 O MODELO PROPOSTO
Uma solução possível para o problema enfrentado seria criar um dispositivo
que pudesse ser interpretado no sentido de que os duodécimos deverão ser
calculados de acordo com o comportamento da arrecadação das receitas,
repartindo, assim, entre todos os poderes, os riscos de uma eventual frustração
de receita, mas também compartilhando entre eles eventuais excessos.

Naturalmente esse mecanismo deveria levar em conta as especificidades de


cada instituição, aquelas que têm maior volume de despesas obrigatórias de
caráter continuado deveriam ter uma margem de receita variável que não
comprometesse suas obrigações. Em outras palavras, o duodécimo teria uma
parte fixa, capaz de custear as despesas vinculadas dos órgãos, e outra variável,
a qual se comportaria de acordo com o volume da arrecadação estatal.

A figura 1 esboça um modelo desenvolvido pelo autor que busca retratar


o grau de obrigatoriedade das despesas em seus seis grupos de natureza.
Os grupos de natureza 2 e 6 são exclusivos do poder Executivo. O GND 5,
embora não seja exclusivo, não é comum de ser observado na execução
orçamentária dos demais poderes. Assim, os poderes e o Ministério Público
executam despesas em comum em três grupos de natureza 1, 3, e 4. Nota-
se que o grau de obrigatoriedade das despesas com pessoal e encargo é
considerado máximo (10). As outras despesas correntes apresentam grau
intermediário (7), enquanto os investimentos detêm o segundo menor
índice de vinculação da despesa pública analisada (4).

108
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Figura 1 – Modelo de obrigatoriedade da despesa pública pelo critério


das despesas incompressíveis.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Por outro lado, destaca-se que é justamente no GND 1 que os poderes Judiciário,
Legislativo e Ministério Público consomem a maior parte de suas despesas
(pouco mais de 80%); em seguida vem o GND 3 com aproximadamente 15%.
O menor volume de despesas dessas instituições está no GND 4, justamente
o que apresenta maior flexibilidade em razão de não ser, em regra, composto
por despesas obrigatórias de caráter continuado.

Portanto, a lógica do modelo sugerido é quanto maior for o grau de


incompressão da despesa, menor será sua sujeição ao comportamento
da receita; quanto menor for o grau de incompressão, maior sua
dependência da arrecadação. Por esse modelo, assegura-se o
pagamento dos compromissos dos poderes por um lado, e possibilita
que outras despesas, sobretudo os investimentos, possam ser reduzidas
ou ampliadas em razão da frustração ou excesso de arrecadação,
respectivamente. Dessa forma, ficariam pacificados os dois pontos de
divergência discutidos neste ensaio, tanto o da subestimação da receita,
quanto o do excesso de arrecadação.

109
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Figura 2 – Modelo de vinculação da despesa pública pelo conceito de


despesa obrigatória de caráter continuado.

 Fonte: Elaborado pelo autor.

Finalmente, a interpretação do princípio da Independência e Harmonia entre


os poderes não pode ser feita de maneira a colocá-los em pólos opostos e
estanques, como se fossem rivais, pois, de fato, o poder do Estado é indivisível.
A separação dos poderes é apenas uma forma racional e metodológica de
equilibrar a força estatal em razão de suas três funções essenciais.

4 BIBLIOgRAfIA
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
em http://www.planalto.gov.br. Acessado em 30 de junho de 2010.
______. Lei Complementar Federal nº 101, de 05 de maio de 2000. Estabelece
normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão
fiscal e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br.
Acessado em 30 de junho de 2010.
______. Lei Ordinária Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui
normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos
e balanços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Disponível em
http://www.planalto.gov.br. Acessado em 30 de junho de 2010.

110
Seminário Direito, Gestão e Democracia

______. Lei Ordinária Federal nº 12.017, de 12 de agosto de 2009. Dispõe


sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de
2010 e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br.
Acessado em 30 de junho de 2010.
______. STF. Mandado de Segurança nº 23.267-3. Relator: Min. Gilmar
Mendes. Ementa: Mandado de segurança. 2. Ato omissivo do governador do
Estado. 3. Atraso no repasse dos duodécimos correspondentes às dotações
orçamentárias do Poder Judiciário. 4. Art. 168 da Constituição Federal.
5. Independência do Poder Judiciário. 6. Precedentes. 7. Deferimento da
ordem. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acessado em 30 de junho de
2010.
______. STJ. Recurso Especial nº 189.146 – RN. Relator: Min. Milton Luiz
Pereira. Ementa: Administrativo. Receita e Despesas Orçamentárias.
Transferência ou repasse de Recursos Orçamentários à conta da Câmara
Municipal. Previsão. Receita Real. Duodécimos. C.F., artigos, 168, 4.320/64.
Lei 1.533/51 art. 8º. Disponível em http://www.stj.jus.br. Acessado em 30 de
junho de 2010.
CAVALCANTE, Ruszel Lima Verde. Corrupção: Origens e uma visão de
combate. Brasília: Fundação Astrogildo Pereira – Edições FAP, 2006.
COELHO, Ricardo Corrêa. Estado, Governo e Mercado. Brasília: CAPES,
2009.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2ª Ed. Salvador:
Editora Jus Podivm, 2008.
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub; LIMONGI, Fernando. Política Orçamentária
no Presidencialismo de Coalizão. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 13ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003.

111
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

ESTRATÉGIAS PARA O ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO


DO CONTRATO DE GESTÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE
VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA).
Regina Célia Borges de Lucena1

1 INTRODUÇÃO
1.1 O Contrato de Gestão na Administração Pública
Federal
De acordo com o previsto em dispositivo constitucional, o contrato de gestão
tem como objeto a fixação de metas de desempenho e deve ser firmado
entre os administradores dos entes da administração direta, indireta e
entidades privadas qualificadas como organizações sociais e o poder público.
Desde a década de 1990, e especialmente a partir do processo de Reforma
do Aparelho do Estado, o contrato de gestão figura entre os instrumentos
utilizados pela Administração Pública para a melhoria do processo de gestão
(Pereira, 1997). No caso dos entes da administração indireta, aí incluídas as
agências reguladoras, o contrato é considerado um mecanismo de autonomia,
visando o deslocamento da ênfase do controle dos meios para o controle dos
resultados esperados e metas pactuadas (Mônaco, 2007).

1.2 O Contrato de Gestão na Agência Nacional de


Vigilância Sanitária
Na Anvisa, de acordo com a Lei nº 9.782/1999, o contrato de gestão rege
a administração da autarquia e é o instrumento de avaliação, por parte do
Ministério da Saúde, de sua atuação administrativa e de seu desempenho.
A primeira pactuação ocorreu em setembro de 1999 e, desde então,
vem sendo revisada anualmente. A evolução do quadro de indicadores e
resultados obtidos ao longo de nove anos de contrato demonstra, por um
lado, a evolução da Agência na regulamentação do setor e, por outro, os
desafios a serem superados. Até o presente momento, a Anvisa celebrou dois
Contratos de Gestão com o Ministério da Saúde, que são acompanhados
pelo Conselho Consultivo da Agência por meio de Planos Anuais de Ações e
Metas. A cada ano são estabelecidas as prioridades de atuação da Agência,
que se refletem nas metas e indicadores estabelecidos.

1. Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária

112
Seminário Direito, Gestão e Democracia

A identificação da necessidade de construir medidas mais potentes para


a avaliação da efetividade das ações da Agência levou a um consenso
sobre a revisão do Plano de Ação e Metas do Contrato de Gestão e
Desempenho. Diante disso, foi implementado, pela Anvisa, um plano de
trabalho com a finalidade de qualificar a fase de acompanhamento e
avaliação do Contrato, bem como aprimorar sua avaliação objetiva, por
meio da definição de metodologia adequada para a construção de novo
quadro de indicadores e metas. Esse processo contou com a participação
de diversos setores da Agência, como o Conselho Consultivo, e da
sociedade, além do apoio do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão e do Ministério da Saúde.

2 DESCRIÇÃO DA AÇÃO REALIZADA


O presente trabalho tem por objetivo apresentar a estratégia de qualificação
do processo de acompanhamento do Contrato de Gestão na Anvisa, que
consistiu em dois componentes principais: (1) estruturação e formalização
do processo de acompanhamento; e (2) revisão do quadro de indicadores
e metas. O desenvolvimento desses momentos teve caráter participativo e
envolveu a participação de diversos setores da Agência e da sociedade.

2.1 Estruturação e formalização do processo de


acompanhamento
Como parte da estratégia de qualificação do processo de acompanhamento,
identificou-se a necessidade de formalizar essa instância e, ao mesmo
tempo, estabelecer critérios próprios, objetivos e adequados para o
acompanhamento. O desenvolvimento do componente 1 da revisão ocorreu,
portanto, por meio de duas etapas principais:

2.1.1 Formalização da Comissão de Acompanhamento


A Comissão de Acompanhamento, prevista na Cláusula Quinta do
Contrato, foi instituída por meio da Portaria Anvisa nº 939, de 24 de
julho de 2008. É integrada por representantes da Anvisa e do Ministério
Saúde, por meio de suas Secretarias Executiva e de Vigilância em Saúde.
A participação de representantes do Ministério da Saúde visa integrar
os processos de acompanhamento, de responsabilidade da Anvisa, e
de avaliação, realizado pela Comissão de Avaliação 2, composta por

2. A Comissão de Avaliação foi designada em 2008, por meio da Portaria do Ministério


da Saúde/Gabinete do Ministro nº 66, de 07 de abril.

113
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

integrantes das referidas Secretarias e do Ministério do Planejamento,


Orçamento e Gestão.

2.1.2. Definição de sistemática de acompanhamento


A sistemática de acompanhamento dos indicadores e metas do Contrato foi
estabelecida com a publicação da Portaria Anvisa nº 938, de 24 de julho de 2008.
Essa sistemática tem por finalidade facilitar o monitoramento dos indicadores
de desempenho e alcance das metas do Contrato, de forma integrada e
participativa às áreas técnicas. A Portaria definiu a composição, competências
e formas de operacionalização da Comissão de Acompanhamento.

2.2 Revisão do quadro de indicadores e metas.


O processo de revisão do Plano durou cerca de um ano, com as seguintes
etapas de desenvolvimento:

2.2.1. Revisão de Instrumentos e Critérios:


O Grupo de Acompanhamento, constituído na primeira fase do processo,
desenvolveu essa etapa. Nesse momento, procedeu-se à revisão da missão,
valores institucionais e instrumentos de gestão utilizados na Anvisa. Foram
identificadas e pontuadas possíveis interfaces com o Contrato de Gestão e
Desempenho, a partir das características desejáveis para os indicadores. A
proposta está ilustrada na Figura 1.

2.2.2. Elaboração de Proposta a Partir das Diretrizes do Plano


Diretor de Vigilância Sanitária
Na etapa anterior, constatou-se a necessidade de estabelecer indicadores
usando as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor de Vigilância Sanitária
(PDVisa). Um importante insumo agregado pelo Grupo ao processo, foram
as contribuições estratégicas da Anvisa para o Programa Mais Saúde. Os
requisitos para a definição e seleção de indicadores foram condensados em
cinco critérios, mais voltados para a formulação de indicadores de resultado.

2.2.3. Oficina para a Construção de Metas e Indicadores


De forma a ampliar a discussão sobre a revisão do Plano de Ações e Metas,
representantes de diversas áreas da Agência participaram de oficina no
período de 18 e 19 de agosto de 2008. A Oficina incluiu áreas e ações que
não tinham sido contempladas nas etapas anteriores e foi realizada por
meio da Técnica de Moderação por Cartelas, a partir de uma matriz lógica
para a construção de indicadores.

114
Seminário Direito, Gestão e Democracia

2.2.4. Sistematização da Proposta:


A partir dos insumos produzidos nas etapas anteriores do processo de revisão,
a Anvisa sistematizou uma proposta de Quadro de Metas e Indicadores.
Foram selecionados indicadores propostos em cada um dos insumos,
considerando a sua viabilidade para a avaliação de desempenho em 2009
e, ao mesmo tempo, a expressão da efetividade das ações relacionadas. O
instrumento de qualificação dos indicadores foi então desenvolvido, baseado
nas orientações técnicas da Rede Interagencial de Informações para a Saúde.

2.2.5. Validação da Proposta


A pré-qualificação dos indicadores foi discutida junto às áreas técnicas
responsáveis, para validação do seu conteúdo. O produto dessa qualificação
resultou num quadro com 20 indicadores e metas correspondentes fixadas
para o ano de 2009. A validação técnica aconteceu em dois momentos:
o primeiro, na Comissão de Acompanhamento do Contrato e o segundo,
com representantes do Conselho Consultivo da Anvisa e da Comissão de
Avaliação do Contrato. Após o trâmite por essas instâncias e conclusão dos
ajustes técnicos, o quadro foi submetido à Diretoria Colegiada da Anvisa,
para aprovação e posterior envio ao Ministério da Saúde, como proposta de
alteração do Plano de Ação e Metas do Contrato de Gestão e Desempenho.

3 RESULTADOS
Os resultados obtidos apontam para a importância do fortalecimento do
acompanhamento como requisito para a incorporação do Contrato como
instrumento de planejamento, gestão e de expressão da efetividade das
ações de vigilância sanitária para a população. Como parte desse aspecto,
considera-se que a definição de critérios para a avaliação objetiva do
alcance das metas permite uma mensuração menos sujeita a interpretações
parciais dos resultados. A responsabilização da Agência no processo de
acompanhamento e avaliação, bem como o envolvimento de um número
maior de atores, disseminou o processo e fortaleceu a discussão interna.

Uma importante condição de participação nesse processo foi a


representação de todas as áreas da Agência, seja na composição do Grupo
de Acompanhamento e, posteriormente, Comissão de Acompanhamento,
seja nas oficinas e demais encontros realizados. A amplitude da atuação
da Agência e a complexidade de seus objetos tornam a representatividade
das diferentes unidades da Agência uma condição indispensável para
contemplar seus diferentes processos e resultados. A integração desses

115
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

objetos e resultados é ainda um desafio para a construção de indicadores


mais amplos e agregados, de atuação da Agência como um todo.

4 BIBLIOGRAFIA
MÔNACO, Gabriel Santana. Agências executivas e contratos de gestão.
A possibilidade de ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e
financeira deve ficar restrita apenas às autarquias e fundações? Disponível
em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10423 em abril de 2009.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica
e mecanismos de controle. Disponível em: http://www.clad.org.ve/
fulltext/0030101.html#n* em abril de 2009.
REDE INTERAGENCIAL DE INFORMAÇÕES PARA A SAÚDE. Indicadores e Dados
Básicos para a Saúde no Brasil (IDB): Ficha de Qualificação. Disponível em:
http://www.ripsa.org.br/php/level.php?lang=pt&component=68&item=2
em abril de 2009.

5 AUTORES:
Regina Célia Borges de Lucena (apresentadora do trabalho)

Graduada em Ciências Biomédicas pela Universidade Federal de Pernambuco


(UFPE), Especialista em Medicina Preventiva Social e Mestre em Saúde Pública,
ambos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Com experiência profissional
na área de saúde coletiva, atuou como pesquisadora colaboradora do Centro
de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz, no período de
2001 a 2002, na área de saúde ambiental. No Ministério da Saúde, trabalhou
de 2002 a 2005, como assessora técnica na área de ciência e tecnologia.
Atualmente, é Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa e
Doutoranda em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalha
na área de gestão estratégica em planejamento e é membro da Comissão de
Acompanhamento do Contrato de Gestão e Desempenho entre Ministério
da Saúde e Anvisa.

Haley Maria de Sousa Almeida

Enfermeira, graduada pela Universidade Federal do Acre. Servidora pública


federal, com pós-graduação em Saúde Pública pela UnB, e em Gestão Pública
e Qualidade em Serviço pela Universidade Federal da Bahia. Possui 20 anos
de experiência na área de auditoria e gestão em saúde, tendo coordenado

116
Seminário Direito, Gestão e Democracia

diversos projetos, dentre eles a implantação do programa de qualidade para


o contexto da saúde, coordenação de programas de capacitação para sistema
nacional de auditoria da saúde, coordenação do comitê para implantação
dos padrões de qualidade no atendimento. Exerceu os seguintes cargos:
Coordenadora de Controle e Avaliação Técnico-Científica do Sistema Único
de Saúde, de 1995 a 1996; no Ministério da Saúde, Coordenadora-Geral
de Desenvolvimento, Normatização e Cooperação Técnica, de 1997 a 2003;
Diretora de Política e Estratégias da Secretaria Nacional Antidrogas, do
Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, de 2004
a 2005; Gerente da Rede Nacional de Gestão Pública do Programa Nacional
do Ministério do Planejamento, de 2005 a 2008. Atualmente, exerce o cargo
de Assessora-Chefe de Planejamento da Anvisa.

Rodrigo Lino de Brito

Sanitarista, com foco profissional voltado às áreas de Planejamento


Governamental e Gestão Pública, já atuou tanto junto ao serviço quanto à
academia: na Secretaria Municipal de Saúde de Recife, no Centro de Pesquisas
Aggeu Magalhães (CPqAM) da Fiocruz e na UFPE e, nos últimos cinco anos,
na Assessoria de Planejamento da Anvisa, em Brasília. Mestre em Saúde
Coletiva pela Fiocruz, desenvolveu, entre os anos de 2004 e 2007, um estudo
intitulado “Análise da política de descentralização das ações de Vigilância
Sanitária no Brasil: do debate sobre o repasse de recursos ao compromisso
com a responsabilidade sanitária”, no qual descreveu a trajetória histórica
da descentralização do campo da Vigilância Sanitária pós-criação da Anvisa,
assim como abordou as implicações do atual contexto político-institucional
do Sistema Único de Saúde para este campo – com o advento do Pacto pela
Saúde e as novas dinâmicas de gestão e pactuação vigentes.

Filiação institucional: Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa

117
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Burocracia, Discricionariedade e Democracia:


alternativas para o dilema entre
controle do poder administrativo e
capacidade de implementação1
Roberto Rocha C. Pires2

1 Introdução
Um dos desafios centrais para as democracias contemporâneas é equacionar o
dilema entre o controle da atuação do Estado e a expansão da capacidade de
ação e resolução de problemas por parte de suas burocracias. Se por um lado,
a imposição de controles sobre o poder administrativo de agentes burocráticos,
encarregados de implementar políticas públicas e decisões políticas, favorece
o exercício de mandatos representativos e a integridade do sistema de checks
and balances; por outro lado, o excesso de controles limita a criatividade e a
capacidade de ação desses agentes na consecução de objetivos importantes
para bem-estar da sociedade. Este estudo parte do reconhecimento de que o
poder discricionário de burocratas nas linhas de frente do serviço público está no
centro do dilema entre controle e expansão da capacidade de ação do Estado.
Isto é, a discricionariedade é foco das investidas de controle assim como fonte
de flexibilidade e criatividade para ação burocrática. Portanto, uma análise
cuidadosa das alternativas existentes para o gerenciamento da discricionariedade
burocrática é passo fundamental na compreensão das condições e estruturas que
possibilitem a reconciliação entre controle e capacidade na burocracia.

1. O presente artigo é uma versão resumida de um artigo com o mesmo título,


publicado nos Cadernos de Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas
(Jan./Junho de 2009 Vol. 14 Número 54, página 141-180). No artigo original
são apresentados mais casos empíricos que permitem a análise a partir de um
experimento natural. A pesquisa de campo teve duração de aproximadamente 10
meses e foi realizada em três estados brasileiros (Minas Gerais, Bahia e Pernambuco) e
envolveu coleta de dados, observação sistemática da atuação dos fiscais do trabalho
e entrevistas. As entrevistas somaram um total de 115 com media de duas horas de
duração. 49 dessas entrevistas foram conduzidas com fiscais do trabalho nos três
estados e na administração central em Brasília. Essas entrevistas e as estórias contadas
pelos fiscais foram complementadas e confrontadas (trianguladas) com outras 65
entrevistas com atores envolvidos em cada caso específico, incluindo empresários,
gerentes, trabalhadores, representantes de sindicatos de trabalhadores e patronais e
membros de órgãos governamentais (por exemplo, Fundacentro, Ministério Público
do Trabalho, agências de desenvolvimento, etc.).
2. Doutor em Políticas Públicas pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e
Técnico de Pesquisa e Planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), na Diretoria de Estudos sobre Estado, Instituições e Democracia (DIEST).

118
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Nas próximas páginas, primeiramente traça-se uma breve revisão do tratamento


dado à questão da discricionariedade burocrática nos debates da sociologia
do direito e da ciência política desde meados do século XX. Na seqüência,
abordam-se dois modelos contemporâneos de administração pública –as
abordagens gerencialista (ou New Public Management) e experimentalista (ou
Experimentalist Governance) – com a descrição de suas principais diferenças
em relação às respostas tradicionais envolvendo direito administrativo e
controles internos e externos ao problema da discricionariedade burocrática.
Por meio da comparação entre esses dois modelos, é possível identificar
variações importantes em termos de estratégias para compatibilização da
ampliação do desempenho organizacional com mecanismos de controle
sobre o mau uso da discricionariedade. Após a descrição dos modelos,
apresenta-se um caso ilustrativo que permite a comparação empírica desses
dois modelos sob o mesmo ambiente organizacional. O estudo demonstra
como cada modelo conforma diferentemente rotinas de trabalho de inspeção,
consequentemente influenciando os resultados da política de inspeção do
trabalho no Brasil. Finalmente, apontam-se os aspectos mais salientes dessa
comparação e propõem-se de forma conclusiva hipóteses mais gerais sobre a
relação entre formas de accountability e motivação de funcionários, e entre
formas colaborativas de trabalho, capacidade para solução de problemas e
responsividade burocrática.

2 O Temor da Discricionariedade
e Respostas Contemporâneas
na Administração Pública
O tema da discricionariedade de agentes burocráticos nas linhas de frente do
serviço público foi tradicionalmente tratado como uma categoria residual por
estudiosos da administração do Estado (Davis, 1969; Hawkins, 1992)3. Isso se
deve, em parte, à ampla aceitação de interpretações relativamente superficiais
dos escritos de Max Weber sobre burocracia. Para Weber, burocracia
representava a forma organizacional de um sistema sociopolítico (sistema

3. De acordo com Davis (1969), antes dos anos 1970 havia numerosos estudos que
abordavam ainda que de forma tangente o tema da discricionariedade, porém,
poucos focaram o tema como objeto central de análise. Tal como afirma o autor,
tradicionalmente, estudos de jurisprudência focavam muito mais a legislação; estudos
na administração pública negavam o componente humano-inidividual e orientado
por valores na gestão de organizações; e estudos na área de direito administrativo
acabavam restringindo-se ao pequeno percentual de ações que envolviam
procedimentos formais e recurso judicial.

119
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

de dominação) que se diferenciava de outros tipos-ideias de organização,


como as formas de dominação carismática e patriárquica. Weber descreveu
burocracias e a forma racional-legal de dominação como o poder baseado nas
regras, nas quais procedimentos formais: estabelecem uma linha de comando
clara por meio de estruturas hierárquicas; prescrevem os pré-requisitos,
deveres e competências atribuídos a cada cargo nessas estruturas; promovem
a divisão do trabalho (especialização); definem os procedimentos e escopo
dos processes de tomada de decisão em todos os níveis da organização
(incluindo as decisões sobre mudança nas regras); e especificam os processos
para sucessão no poder. Essas características da organização racional-legal
cumulativamente levam ao controle de inclinações pessoais e desejos e
opiniões individuais, minimizando a influência destes no funcionamento
da organização e transformando agentes burocráticos em engrenagens
impessoais numa máquina organizacional pré-programada. (Weber, 1968).

Essa forma de descrever a burocracia proveu o arcabouço teórico-conceitual


que se tornou hegemônico e levou a interpretação de burocracias reais (e
não só como tipos-ideiais) como possuindo “o domínio das regras formais
ao invés da discricionariedade pessoal no seu cerne” (Lange e Rueschmeyer,
2005: 241). Com base nessa interpretação, muitos estudiosos das
implicações teóricas e empíricas da expansão de burocracias enfatizaram
a impessoalidade, o comportamento ditado por regras, a previsibilidade
e coerência corporativa como as características essenciais do Estado
moderno, as quais transformariam este em catalisador do desenvolvimento
socioeconômico (Evans, 1989, 1995).

No entanto, há décadas estudos empíricos na sociologia do direito e na


implementação de políticas públicas concluíram sobre a inevitabilidade
e o caráter indispensável da discricionariedade para o funcionamento de
sistemas legais e administrativos. As investigações de Wilson (1968), Bittner
(1967, 1990), Brown (1981), Van Maanen (1973, 1978), Silbey (1980-81), e
Lipsky (1980) entre outros, concluíram que: a) frequentemente, as atividades
corriqueiras de burocratas de linha de frente (street-level bureaucrats)4

4. Para Lipsky (1980), “street-level bureaucracies” são organizações do serviço público


que empregam um número significativo de funcionários que interagem diretamente
com cidadãos no desempenho de suas funções – tais como professores, enfermeiros,
policiais, assistentes sociais, e outros agentes da lei. Esses funcionários têm ampla
discricionariedade devido às ambigüidades nos objetivos de suas organizações,
ao fato de trabalharem em situações complicadas que não podem ser reduzidas
a formatos programáticos, e ao fato de que desempenham suas tarefas longe
da supervisão de seus superiores. Por todas essas razões, Lipsky afirma que “as
decisões tomadas por street-level bureaucrats, as rotinas estabelecidas por eles, e os
recursos por eles desenvolvidos para lidar com as incertezas e pressões do trabalho
efetivamente se tornam a política pública que eles deveriam implementar em nome
de sua organização” (1980:xii).

120
Seminário Direito, Gestão e Democracia

divergiam substancialmente dos conjuntos de condutas prescritos pela lei


e por estatutos e normas organizacionais; e b) o comportamento dessas
burocracias variavam significativamente entre si, assim como variava o
comportamento de agentes e unidades no interior das mesmas organizações.
Essas conclusões frustraram as expectativas de que mandatos legais traduzir-
se-iam automaticamente em ações burocráticas e levaram estudiosos do
tema a reconhecer a abrangência e inevitabilidade da discricionariedade em
burocracias (Davis, 1969; Silbey and Bittner, 1982; Hawkins, 1992).

Apesar das conclusões desses estudos apontarem para uma suposta


inevitabilidade da discricionariedade, os debates na ciência política e
administração pública se caracterizaram mais pelo medo da tirania e abuso
do poder por parte de burocracias e pelos riscos associados com a tomada de
decisões não-supervisionada (unchecked), do que pelos potenciais benefícios
do exercício responsável da discricionariedade. Na tradição liberal-legalista, a
discricionariedade foi repetidamente interpretada como uma ameaça ao estado
de direito, criando espaço para inconsistência administrativa, arbitrariedade
e, consequentemente, injustiça. Na perspectiva da ciência política, mais
atenta à estrutura institucional da democracia do que ao processo legal, a
discricionariedade também sugere ameaças à noção de responsabilização
política (ou accountability entre burocratas, representantes eleitos e cidadãos),
além de por em questão o equilíbrio da estrutura constitucional de separação
de poderes e os mecanismos de checks and balances. Se por um lado, a
tradição liberal-legalista prega o controle da discricionariedade por meio do
direito administrativo, por outro, na tradição da democracia constitucional,
a discricionariedade burocrática é controlada por meio da instituição de
mecanismos de supervisão e controle do desempenho de burocracias por
parte do Legislativo, do Executivo e da sociedade civil.

Avaliações retrospectivas demonstraram que procedimentos legais e


o controle e supervisão de burocracias de fato reduzem os níveis de
discricionariedade. Porém, também indicaram que o remédio pode ter sido
tão ruim, senão pior, do que a própria doença. Por exemplo, Bryner (1987) e
Handler (1986) documentaram como ações excessivas no sentido da redução
da discricionariedade comprometeram a capacidade de organizações do
setor público de desempenhar tarefas a ela delegadas, uma vez que processos
administrativos se tornam mais complexos e lentos impossibilitando que
organizações funcionem efetivamente. Consequentemente, uma ênfase
excessiva nos procedimentos burocráticos de controle minou esforços
paralelos no sentido de ajudar organizações burocráticas a tomarem
decisões complexas necessárias à implementação de políticas públicas.

Nas últimas décadas, no entanto, duas outras abordagens na literatura


sobre administração pública proveram modelos que pretendem equilibrar

121
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

o controle das decisões discricionárias de burocratas com a busca pela


ampliação de capacidade e competências em burocracias. Contrariamente
aos esforços anteriores, esses novos modelos de administração pública
enfatizam estruturas organizacionais e práticas gerenciais, ao invés de regras e
procedimentos (i.e. direito administrativo e supervisão externa), como meios
mais pragmáticos e efetivos para o gerenciamento da discricionariedade.

Primeiramente, o paradigma do New Public Management (NPM) tornou-


se um dos mantras da reforma do setor público por todo o mundo
nos anos 1980 e 90. Com seu foco em resultados e na otimização do
orçamento público, essa abordagem promete a melhoria na eficiência e
responsividade de burocracias aos seus principals políticos e cidadãos. A
vasta literatura sobre o assunto identifica três características principais
das reformas do setor público orientadas pelos princípios gerencialistas:
a) descentralização, com a desagregação do Estado em atores
subnacionais, cisão de grandes estruturas hierárquicas, e separação de
funções de governo essenciais (core) daquelas consideradas auxiliares ou
complementares; b) privatização e competição, com a desregulamentação
de mercados, criação de quase-mercados para grande parte dos serviços
públicos, e parcerias público-privado (PPPs); e c) gestão do desempenho,
com a instituição de metas e indicadores de resultados para a mensuração
do desempenho de organizações e seus burocratas, além de uma forte
ênfase em incentivos específicos com base pecuniária, tais como sistemas
de gratificação por desempenho (Osborne e Gaebler, 1992; Dunleavy e
Hood, 1994; Pollit, 1995; Bresser-Pereira e Spink, 1999; Barzelay 2001).

A solução gerencialista ao problema da discricionariedade pretendeu evitar os


erros do passado ao enfatizar a mensuração dos resultados ao invés do controle
de processos, tal como feito por procedimentos legais e administrativos. Sob
esse modelo, organizações do setor público devem definir uma lista de metas
de desempenho que possam ser definidas de forma específica, quantificável
e mensurável. Cada burocrata na organização deve cumprir uma parte do
objetivo geral. Supervisores monitoram constantemente o desempenho
de seus burocratas em termos da consecução dessas metas, tendo como
referências indicadores quantitativos de resultados. De forma a prover os
incentivos corretos, gestores administram a distribuição de gratificações nos
salários apenas dos funcionários que satisfizerem periodicamente as metas.
Assim, a solução gerencialista restringe a discricionariedade burocrática ao
fornecer fortes incentivos (aumentos significativos sobre salários) somente para
aquelas ações e objetivos desejados por gestores sem reduzir dramaticamente
a capacidade de burocratas de implementar políticas públicas – isto é, à medida
que propõe também a simplificação e otimização de processos administrativos
e não pré-determina procedimentos e instrumentos para ação.

122
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Em segundo lugar, a abordagem experimentalista ou Experimentalist


Governance (EG) emergiu como uma crítica por parte de seus proponentes
(C.Sabel, J.Zeitlin, M. Dorf, e W.Simon, entre outros) à insustentabilidade
empírica do arcabouço econômico-racional que está no cerne da proposta
gerencialista, mais precisamente os pressupostos sobre as relações agent-
principal. Com inspiração no institucionalismo econômico, a abordagem
gerencialista em geral separa os momentos de concepção/decisão das ações
associados com sua execução, pressupondo a existência de principals (sejam
eles atores da sociedade civil, partidos políticos, ou representantes eleitos) que
saibam tudo o que precisa ser feito para a solução de problemas coletivos.
Supostamente, esses principals estão aptos a traduzir objetivos coletivos em
metas de desempenho detalhadas – por exemplo, um aumento de 50% na
formalização do trabalho, uma redução de 20% na evasão escolar, etc. Em
contraposição, os proponentes da abordagem experimentalista defendem
que principals com tal conhecimento robusto e panorâmico não existem
nas comunidades políticas reais, muito menos um consenso inquestionável
sobre quem deveria desempenhar tal papel diretivo. Portanto, segundo esses
autores, o problema da reforma do setor público não se resume apenas à
definição de metas de desempenho e do respectivo sistema de incentivos,
mas sim envolve a construção de processos por meio dos quais os atores
envolvidos interajam, descubram, e aprendam conjuntamente aquilo que
precisa ser feito e a melhor forma possível de executá-lo (Sabel, 2004, 2005).

Assim, de acordo com esse modelo de gestão, a solução requer instituições


experimentalistas “that assume the provisionality of their goals and
institutionalize social learning by routinely questioning the suitability of their
current ends and means, and by periodically revising their structures in light
of the answers” (Sabel, 2004: 4). Instituições experimentalistas demonstram
a atitude de constante detecção e correção de erros nos níveis operacionais
da organização, ajustando, na seqüência, as estruturas superiores para a
generalização de sucessos e aprimoramento do sistema de aprendizado a
partir de erros. Por meio de ajustes reflexivos constantes, os proponentes
da abordagem experimentalista argumentam que burocracias públicas
podem simultaneamente: a) expandir suas capacidades para solução de
problemas complexos por meio da adaptação rápida às condições externas
em constante mudança e da possibilidade de customização de suas ações
a diversas clientelas; e b) incrementar a prestação de contas por parte de
burocratas de linha de frente aos seus supervisores e ao público em geral
em relação a sua conduta (Noonam, Sabel, and Simon, 2007). Recentes
avanços por parte de instituições experimentalistas vêm sendo registrados
em diferentes países assim como em diferentes áreas do serviço público.
Em todos esses casos5, analistas atribuíram os resultados exitosos à maior
5. Essas experiências incluem: a reforma de escolas públicas e esquemas de meta-
regulação na área de vigilância sanitária nos Estados Unidos (Sabel, 2004), a reforma

123
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

autonomia gozada por burocratas de linha de frente na adaptação dos


objetivos de políticas e projetos durante sua implementação em cada
situação específica, além do estabelecimento de mecanismos para constante
detecção e correção de erros baseados em relatórios e justificativas por
parte de burocratas (comissões de avaliação interna, revisão por pares,
etc.), os quais culminam na revisão periódica de procedimentos e objetivos
organizacionais mais amplos.

Esses dois modelos de gestão pública expõem soluções bem diferentes


para o problema da discricionariedade burocrática. A solução gerencialista
enfatiza o desenvolvimento de projetos cada vez mais focados nos quais
burocratas podem ser cobrados pela consecução de metas específicas e
quantificáveis. Já a solução experimentalista sugere um processo pelo qual
burocratas são constantemente demandados a explicar e justificar suas
ações discricionárias na solução de problemas por meio de processos de
avaliação pública por seus superiores ou pares.

3 Nova Gestão Pública


x Governança
Experimentalista:
discricionariedade, rotinas
de trabalho e resultados
O presente estudo se dedicou a observar a operação de ambos os
modelos – gerencialista e experimentalista – no âmbito da mesma agência
governamental, a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE). A missão da organização é verificar e impor o
cumprimento das leis e normas trabalhistas nacionais, o que inclui desde
regras sobre contratos e jornadas de trabalho às normas de saúde e segurança
ocupacionais. A competência para tal concentra-se no governo federal, mas a
implementação de tal missão ocorre por meio de um sistema desconcentrado
que envolve a distribuição de aproximadamente 3.000 auditores-fiscais do
trabalho em 27 Superintendências Regionais de Trabalho em Emprego.

da assistência à criança e ao adolescente nos estados de Alabama e Utah (Noonam,


Sabel, e Simon, 2007), provisão de assistência e benefícios sociais na Holanda,
Dinamarca e Irlanda (Sabel, 2005), sistemas de proteção social, saúde e segurança
ocupacional, vigilância sanitária, telecomunicações, eletricidade, segurança marítima
e serviços financeiros na União Européia (Sabel e Zeitlin, 2008).

124
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Por meio da observação empírica do funcionamento desta organização,


foi possível perceber a existência de dois sistemas diferentes operando
simultaneamente pelos quais gestores no nível central supervisionavam
o trabalho e desempenho dos auditores-fiscais do trabalho no campo.
O primeiro sistema de monitoramento segue os ditames da abordagem
gerencialista e baseia-se em inspeções individuais e territorialmente
circunscritas, as quais são avaliadas por meio de metas de desempenho
individual (por exemplo, número de trabalhadores formalmente registrados
por mês). Esse sistema envolve gratificação por desempenho, a qual pode
alcançar até 45% sobre o salário de auditor-fiscal, sendo um-terço resultante
de desempenho individual e dois-terços resultantes do desempenho coletivo
do corpo de fiscais. Além deste, existia outro sistema, o qual se assemelha
com a abordagem experimentalista, pois se baseia em grupos e equipes
de fiscais que desenvolvem projetos organizados em torno de setores
e atividades econômicas ou problemas específicos, como por exemplo,
trabalho infantil, terceirização ilícita, ou silicose no setor de mineração.
Nesses casos, o trabalho dos grupos de fiscais é avaliado com base em
relatórios parciais e finais nos quais são apresentados a dinâmica de trabalho
dos grupos, os resultados obtidos e o desempenho deles em abordar ou
solucionar problemas ligados ao cumprimento da legislação em setores e
atividades econômicas como um todo.

A coexistência desses dois modelos de gestão na mesma organização criou


uma oportunidade única para realização de comparação entre essas duas
formas de gerenciamento da discricionariedade. Por meio da observação e
analise detalhada da atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho na mesma
superintendência regional (Pernambuco), foi possível analisar as semelhanças
e diferenças na forma como esses dois grupos tratam um problema comum:
a evasão ou sonegação do pagamento de FGTS6.

No Brasil, a legislação trabalhista estabelece o direito de trabalhadores


formais ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) nas situações
de demissão e aposentadoria. Todo mês, empregadores contribuem com
8% do salário do trabalhador para esse fundo, o qual acumula enquanto
o trabalhador estiver empregado na mesma empresa. Sendo uma fonte
importante de receita para o governo federal, o FGTS teve papel importante
no ajuste fiscal dos anos 1990. O Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão pressionou e forneceu os devidos incentivos para que fiscais do
6. Apesar do foco em Pernambuco, com o intuito de controlar diferenças relevantes
em termos de ambiente politico-econômico entre estados no Brasil, os problemas
elencados e a coexistência dos dois modelos de gestão são igualmente presentes na
atuação ordinária de fiscais do trabalho em outros estados. Uma análise semelhantes
de casos envolvendo problemas como disseminação de cooperativas fraudulentas e
acidentes ocupacionais na construção civil encontra-se disponível em Pires (2009).

125
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

trabalho focassem mais na sonegação e evasão de contribuições ao FGTS


com o objetivo de incrementar a receita do governo federal. Assim, desde
meados de 1990, a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) têm definido
ano a ano a arrecadação de FGTS como uma das prioridades da inspeção
do trabalho no país. Ainda assim, os esforços de arrecadação do FGTS por
parte dos auditores-fiscais do trabalho têm se organizado em duas formas
distintas e coexistentes na Superintendência Regional do Trabalho em
Emprego de Pernambuco (SRTE-PE).

A primeira estratégia tomou forma assim que o FGTS passou a ser considerado
uma prioridade nacional para a fiscalização do trabalho e, seguindo os
princípios da reforma gerencialista, a SIT determinou que cada fiscal em
qualquer ponto do país teria que se submeter às metas de desempenho na
arrecadação de tal receita governamental. A SIT instruiu os fiscais a verificarem
o cumprimento da legislação relativa ao FGTS em toda e qualquer inspeção
realizada por eles, mesmo quando motivadas por outros tipos de vioolação da
legislação trabalhista. Os impactos da definição da arrecadação do FGTS como
prioridade e da definição de metas de desempenho foram consideráveis: a
arrecadação de tal receita pelos fiscais em todo país aumentou em quatro
vezes no período de 1996 a 2005 (Tabela 1).

Tabela 1 – Arrecadação total de FGTS pela fiscalização do trabalho no


Brasil, 1996-2005
Ano Montante (US$) Ano Montante (US$)
1996 114.202.231,20 2001 368.500.063,09
1997 225.119.264,87 2002 480.284.704,85
1998 275.295.590,83 2003 398.969.690,00
1999 307.418.537,60 2004 414.483.525,00
2000 411.332.339,08 2005 411.443.815,00
Fonte: MTE/SIT

Ao longo desse período, os fiscais do trabalho em Pernambuco (da mesma


forma que em outros estados brasileiros) têm organizado seu trabalho
por meio de um sistema de zoneamento. Os gestores estaduais do serviço
designam pares de fiscais do trabalho a uma área geográfica no estado.
Esses pares de fiscais têm a responsabilidade de cobrir sua área por
meio de inspeções nas empresas localizadas nessas regiões na busca por
violações da legislação trabalhista. As fiscalizações conduzidas sob esse
regime tendem a focar empresas e problemas individuais e não seguem
nenhum tipo de estratégia mais compreensiva de planejamento, variando
inclusive entre os diversos pares de fiscais. Nesses casos, as fiscalizações são
motivadas principalmente em resposta a denúncias e reclamações recebidas

126
Seminário Direito, Gestão e Democracia

de trabalhadores individuais e também de sindicatos. Além de terem que


cumprir com metas de arrecadação de FGTS, cada auditor-fiscal também
tem que fiscalizar um número mínimo de estabelecimentos por mês.
Essas metas de desempenho (arrecadação e número de estabelecimentos)
conjuntamente criam incentivos para que fiscais alcancem suas metas de
desempenho concentrando suas fiscalizações em empresas relativamente
pequenas e com pequenos débitos de FGTS, pois, as fiscalizações nessas
empresas tendem as ser mais fáceis do ponto de vista técnico e também mais
célere, deixando de lado firmas de maior porte com débitos potencialmente
mais complicados. Como resultado, um grande número de auditores-fiscais,
se não a totalidade destes, tem investido grande parte do seu tempo em
apenas um problema concernente à fiscalização do trabalho: a arrecadação
de FGTS. O resultado final peca na eficiência da arrecadação de FGTS por
fiscalização (em US$) quando comparado aos resultados de uma estratégia
adotada por um pequeno grupo de fiscais trabalhando sob um sistema de
gestão de desempenho alternativo (Tabela 2, a seguir).

Em 2006, a SIT autorizou a criação de um projeto piloto na Superintendência


Regional do Trabalho e Emprego de Pernambuco (SRTE-PE): o grupo
operacional do FGTS ou o GO-FGTS7. Quatro, do total de 145 auditores-
fiscais da SRTE-PE, foram designados a formar o GO-FGTS. Ao formarem o
grupo, tais ficais foram simultaneamente desobrigados a cumprir as metas
de desempenho imposta aos demais fiscais. A SIT classificou os quatro fiscais
como desempenhando “atividade especial” e, assim, provendo-os imunidade
às medidas de desempenho típicas do modelo gerencialista. Além de liberá-
los de metas de desempenho necessariamente quantitativas e pré-definidas e
de procedimentos de inspeção padronizados, o grupo de fiscais também não
precisa obedecer às restrições em termos de área geográfica para sua atuação.
Em suma, a esse grupo de fiscais foi concedido maior espaço organizacional
para desenvolver táticas de inspeção com um foco estratégico nas atividades
econômicas e empresas com débitos de FGTS potencialmente maiores.

A primeira medida adotada pelo GO-FGTS foi estreitar relações com a CEF
(Caixa Econômica Federal), instituição responsável pela administração dos
depósitos ao FGTS. O grupo de auditores-fiscais requisitou acesso aos dados
com os quais poderiam desenvolver um sistema informatizado capaz de
identificar as empresas no estado de Pernambuco com maiores débitos e
prever os setores com maior propensão à evasão e sonegação de FGTS. Uma
vez desenvolvida tal base de dados, o GO-FGTS produziu uma lista dos 1.000
estabelecimentos em Pernambuco com o maior potencial para arrecadação
de FGTS a partir do universo de 62.000 empresas formalmente registradas no
7. Em 2007, o projeto é ampliando e a SIT torna compulsória a criação de grupos
operacionais como esse em todas as 27 Superintendências Regionais.

127
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

estado. Essas 1.000 empresas empregam sozinhas aproximadamente 40% de


toda a força de trabalho formal do estado; cada uma delas individualmente
possui contingentes de trabalhadores relativamente grandes e operam em
setores que tradicionalmente violaram as normas relativas ao fundo de
garantia (exemplos incluem os setores de bebidas, hotéis, beneficiamento
de cana-de-açúcar e derivados, entre outros). O foco nessa amostra de
firmas tornou a tarefa de fiscalização manejável e, de acordo com um dos
membros do grupo operacional, “... podemos não apenas fiscalizar, mas
também monitorar o cumprimento da legislação em 1.000 empresas”. Além
do monitoramento, o foco nesse grupo de empresas permitiu ao GO-FGTS
a customização de estratégias de fiscalização para cada atividade ou setor
da economia, por meio da adaptação de procedimentos e aproveitamento
oportunidades oferecidas pela estrutura e dinâmica de cada setor, com o
objetivo de produzir maiores impactos em termos do cumprimento da lei e
da arrecadação de receitas para o Estado.

Anteriormente ao desenvolvimento da base de dados do GO-FGTS, uma


fiscalização de FGTS realizada por pares de fiscais em uma empresa de
grande porte (com aproximadamente 3.000 funcionários) levaria cerca
de oito meses apenas para conclusão da auditoria e levantamento de
irregularidades e débitos. Consequentemente, grandes empresas com
débitos complexos eram frequentemente ignoradas ou fiscalizadas de
forma apenas superficial. Com a nova base de dados e ferramentas de
análise desenvolvidas pelo GO-FGTS, o mesmo processo de identificação
de irregularidades em firmas do mesmo porte leva apenas diversas horas
para ser concluído. Com a obtenção mais célere de tais informações,
os auditores-fiscais já realizam as fiscalizações in loco com números e
evidências documentais de irregularidade que indicam o montante e as
potenciais causas do débito. Assim, durante as fiscalizações, as empresas
podem optar por sanar o débito imediatamente, negociar um cronograma
de pagamentos, ou recusar o pagamento e receber as respectivas
penalidades (multas administrativas). Com o objetivo de incrementar
ainda mais o poder de sanção em suas operações, o grupo de fiscais
estabeleceu parceria com os procuradores do tesouro nacional, os quais
têm a prerrogativa de abrir processos legais que frequentemente resultam
em multas e penalidades ainda mais severas.

Finalmente, em contraposição a abordagem responsiva a partir da qual os


pares de fiscais atuando em seu distrito geográfico lidam com empresas
individualmente e isoladamente (uma de cada vez), o GO-FGTS realiza
reuniões periódicas para discutir os resultados de suas ações e rever as
práticas empregadas em busca do aprimoramento constante de suas ações.
Por meio de trocas de experiência e interações praticamente contínuas entre

128
Seminário Direito, Gestão e Democracia

os membros do grupo e parceiros externos sobre as vantagens e desvantagens


de diferentes estratégias de fiscalização, o GO-FGTS construiu um repertório
de táticas que têm provado serem eficazes e eficientes. Além disso, por meio
dessas conversas, os membros desenvolvem procedimentos padronizados
para cada setor ou atividade econômica, evitando inconsistências derivadas
das inspeções realizadas por diferentes fiscais. Essa padronização por setor
apresenta impactos positivos também para as empresas: cria previsibilidade
da ação fiscal e a sensação de justiça quando empresários descobrem que
seus concorrentes imediatos foram fiscalizados com base nos mesmos
procedimentos e orientações. A ação fiscal mais coerente e uniforme, em
comparação com a atuação isolada dos pares de fiscais trabalhando sob o
regime de metas de desempenho em distritos geográficos, também contribui
para aumentar a legitimidade e o número de decisões favoráveis do judiciário
quando este aprecia recursos interpostos por empresas insatisfeitas com a
fiscalização sofrida.

É importante notar que os avanços alcançados pelo GO-FGTS vão muito


além da focalização estratégica de um grupo de empresas maiores.
Parte importante da experiência do grupo operacional são as interações
contínuas com parceiros estratégicos, tais como a CEF e os procuradores
do tesouro nacional. Tais interações resultaram na construção de
ferramentas de diagnóstico mais precisas e na customização de táticas
de fiscalização para cada atividade econômica, as quais cumulativamente
vêm produzindo fiscalizações com maiores impactos. Quando comparado
aos resultados do sistema de pares de fiscais por zoneamento geográfico
(Tabela 2), o GO-FGTS que emprega apenas 3% (4) dos fiscais na SRTE-
PE, arrecadou 65% de todo o FGTS arrecadado por todos os fiscais no
estado. A pós a criação do grupo operacional, a arrecadação de FGTS
via fiscalização em Pernambuco dobrou de 2005 a 2006. Em 2007, o
GO-FGTS de Pernambuco arrecadou o maior volume de FGTS em termos
absolutos (maior até do que o volume arrecadado em estados mais
industrializados) e beneficiou o maior número de trabalhadores dentre
todas as Superintendências Regionais. À medida que os membros do
grupo foram liberados do regime de metas de desempenho pré-definidas
e passaram a gozar de maior autonomia no desenvolvimento de ações
mais complexas, tais como as que envolveram colaborações com outras
organizações governamentais, eles se tornaram mais produtivos e
passaram a utilizar cada vez menos recursos internos.

129
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Tabela 7 – Comparação entre os resultados da arrecadação de FGTS


pelos fiscais do trabalho em Pernambuco, 2007

Arrecadação % do % do FGTS FGTS


Número Empresas total de FGTS total de total de arrecadado arrecadado p/
 
de fiscais fiscalizadas via fiscalização empresas FGTS p/ empresa fiscal - média
(US$) fiscaliz. arrecad. -méd.(US$) (US$)

Zonea-
mento
(perfor-
141 12.959 12.583.883,16 98,57% 34,81% 971,05 89.247,40
mance
indivi-
dual)

GO-
4 188 23.568.255,16 1,43% 65,19% 125.363,05 5.892.063,79
FGTS

Total
Pernam- 145 13.147 36.152.137,96 100% 100% 2.749,84 249.325,09
buco

Total
3.174 285.462 566.486.244,08 -- -- 1.984,45 178.477,08
Brasil

Fonte: MTE/SIT and SRTE-PE.

4 Conclusões: modelos de
gestão, comportamento
burocrático e resultados
A comparação dos dois modelos de gestão ilustrada pela pelo caso da fiscalização
do FGTS, na Superintedência Regional de Trabalho e Emprego de Pernambuco,
deixa claro como os dois métodos para organização do trabalho de inspeção
(gerencialista x experimentalista) envolvem ferramentas significativamente
diferentes por meio das quais supervisores monitoram o desempenho de seus
subordinados, assim como práticas, rotinas e estratégias de fiscalização bastante
diversas. A observação dessas diferenças indica três possíveis conclusões.

Primeiro, cada modelo de gestão oferece sua própria estratégia por meio da
qual supervisores controlam o trabalho de seus funcionários na linha de frente.
As diferentes formas pelas quais superiores monitoram o desempenho de seus
subordinados afetam a motivação e o desempenho dos últimos na realização de

130
Seminário Direito, Gestão e Democracia

seus trabalhos. Minhas entrevistas e observações confirmaram essas conclusões


da literatura, uma vez que diversos auditores-fiscais reclamaram da introdução
de indicadores quantitativos de desempenho por superiores, alegando a
interferência dessas medidas na sua autonomia profissional, prejudicando tanto
o seu comprometimento quanto a sua performance. A pré-definição de metas
específicas por gestores distantes da realidade da fiscalização do trabalho em
campo favorece a prescrição de inspeções mecanizadas e burocráticas, pois
os indicadores oficiais, de fato, determinam a priori o que os fiscais deveriam
considerar relevante ou o que deveriam ignorar, deixando de lado outros curso
de ação potencialmente mais efetivos na solução de um problema.

Em contraposição, os auditores-fiscais trabalhando sob o regime de equipes ou


grupos especiais enfatizaram sua habilidade de desenvolver uma compreensão
mais contextualizada e sensível a características setoriais importantes das
violações, dos problemas no cumprimento da lei por parte das empresas e
das próprias normas e legislação pertinente. Tal como afirmou um auditor-
fiscal do trabalho “as atividades de inspeção se tornam menos focadas
em como impor a lei e mais focadas em como estimular empregadores e
trabalhadores a melhorar continuamente seus ambientes de trabalho”. Além
disso, o caso estudado indica que equipes e grupos especiais estabelecem
relacionamentos diferentes com os centros administrativos. Ao invés de
meramente relatar resultados positivos ou insucesso na consecução das metas
numéricas pré-determinadas, a esses grupos era concedido a liberdade para
discutir a redefinição de metas, assim como de procedimentos e estratégias de
fiscalização, à medida que desenvolvem suas operações. Além de submeterem-
se a supervisão de gestores do nível central e estadual, o trabalho desenvolvido
pelos grupos especiais também é submetido a outros mecanismos de controle:
a pressão interna por parte da corporação e externa por parte dos parceiros
que, uma vez engajados em ações conjuntas, constroem expectativas positivas
a respeito do desempenho dos fiscais em cada operação.

Segundo, as estratégias, rotinas e procedimentos adotados pelos fiscais


sob cada um dos modelos influenciam de forma importante o padrão de
intervenção e os resultados obtidos. Como indicado pelo caso descrito
na seção anterior, fiscalizações não-planejadas, motivadas por denúncias
e organizadas pelo sistema de zoneamento geográfico empregavam
procedimentos de investigação não-uniformes para empresas do mesmo
setor e frequentemente falhavam na produção das evidências documentais
necessárias para comprovar violações de direitos ou na produção de soluções
mais sustentáveis para o monitoramento do cumprimento da lei. Críticos da
abordagem gerencialista sugerem que a definição de metas de desempenho
específicas e quantificáveis, em um contexto em que a implementação de
políticas públicas é necessariamente fragmentada em diversos órgãos, reduz

131
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

o escopo de ação e desincentiva burocracias a abordar problemas complexos


e multidimensionais8

Em oposição, a organização do trabalho de inspeção por meio de equipes


e grupos especiais elimina alguns dos obstáculos para o desenvolvimento
de operações que abordem setores como um todo e favorece interações
contínuas entre os fiscais e diversos parceiros relevantes. Operações em nível
de setor ou atividade econômica demandam diagnósticos sobre as causas
do não cumprimento da lei, isto é, uma compreensão contextualizada das
violações que permita a customização das ações de fiscalização para cada
situação. Tal como articulado por diversos auditores-fiscais, eles deixam
de pensar em como pegar mais e mais infratores, à medida que ganham
maior autonomia para pensar porque empresas violam a lei. Além disso,
equipes de fiscalização que se orientam para setores (e não empresas
individuais) incentivam fiscais a abordar problemas mais complexos e a
praticar interdependência relacional em processos exploratórios juntamente
com parceiros. Grupo e equipes são mais propensos a buscar colaborações
dentro e fora de sua organização, pois reconhecem que isoladamente suas
ações não são suficientes para lidar efetivamente com problemas complexos.
Tais colaborações freqüentemente levam a alguma combinação de soluções
legais, gerenciais e tecnológicas para obstáculos ao cumprimento da lei. 9

A terceira e última conclusão que podemos tirar da matriz acima sugere


cautela em relação aos benefícios do modelo experimentalista na solução
8. Estas reações críticas a abordagem gerencialista vêm não apenas de acadêmicos,
mas também dos próprios funcionários e profissionais do serviço público. Em parte,
essa crítica diz respeito à tendência observada em reformas gerencialista de desagregar
funções centrais (core) de outras funções consideradas auxiliares ou complementares,
e especificar objetivos programáticos e tarefas organizacionais ao ponto de poder
escrevê-las em um contrato. Tal como afirmam os críticos, essa tendência gera
dificuldades para burocracias quando o problema é complexo, inter-relacionado, ou
multifacetado, tais como saúde preventiva, reformas escolares, serviços de assistência
à criança e ao adolescente, entre outros. Todos esses problemas ou objetos de
políticas públicas requerem a coordenação de conhecimentos locais com uma gama
de serviços produzidos por diferentes órgãos governamentais.
9. Inúmeros casos já demonstraram que a gestão do desempenho por meio da
definição de metas específicas e da mensuração de sua consecução frequentemente
leva burocratas a “maquiar” aquilo que eles podem ou sabem fazer de forma que
pareça com aquilo que gestores especificaram como o resultado desejado. Um
exemplo recente no New York Times apontou como um programa da autoridade
imigratória norte-americana especificamente projetado para focar apenas em
imigrantes com ordem de deportação já expedidas ou suspeitos de crime e terrorismo
terminou por prender uma vasta maioria de imigrantes ilegais sem antecedentes
criminais ou sem ordens de deportação. Em busca de “bater” cotas de detenção e
demonstrar desempenho aos supervisores do programa, os funcionários da imigração
começaram a “atirar” nos alvos mais fáceis (Bernstein, 2009).

132
Seminário Direito, Gestão e Democracia

de problemas complexos. Sendo que o planejamento e execução de


operações focadas em setores e as respectivas interações com parceiros
estratégicos leva tempo até produzir resultados concretos, o trabalho
de equipes e grupos especiais tende a se tornar menos responsivo às
demandas imediatas de trabalhadores, assim como de representantes
políticos e formuladores de políticas públicas. Mesmo que no médio-
a-longo-prazo as operações de grupos especiais são mais propensas a
solucionar problemas relevantes e complexos, no curto-prazo, situações
perigosas ou ilegais vivenciadas por trabalhadores podem permanecer
despercebidas e desatendidas. Em contraposição, sob o sistema de
zoneamento, os fiscais têm maior liberdade de responder de imediato às
denúncias de trabalhadores, mesmo que tais intervenções não venham
a promover mudanças de longo-prazo na atuação de empresas ou a
afetar as causas do não-cumprimento da lei. Para burocracias do setor
público, tal como a fiscalização do trabalho, a responsividade é um
atributo importante para a construção de uma boa reputação e imagem
pública, assim como para a aglutinação de apoio político. Portanto, a
possibilidade de combinação de ambos os métodos de gerenciamento
da discricionariedade burocrática sob a mesma organização parece ser
alternativa promissora no sentido de articular capacidade de resolução de
problemas com responsividade, promovendo um equilíbrio desejado entre
aquilo que March (1991) descreveu como as funções organizacionais de
exploração de novas possibilidades (exploration) e exploração de antigas
certezas (exploitation)10.

Por fim, a análise comparativa desenvolvida nesse estudo indicou variações


importantes nas estratégias adotadas por gestores para controlar a
discricionariedade e o desempenho de funcionários de linha de frente. Tais
variações indicam que análises aprofundadas de modelos de gestão, e como
suas respectivas estruturas e procedimentos afetam o trabalho rotineiro
de burocratas, podem de fato contribuir para uma nova compreensão a
respeito do problema da discricionariedade em burocracias. Como vimos
anteriormente, as variações entre modelos de gestão têm implicações
importantes para a explicação do porque burocratas se comportam em
algumas situações de forma mais conducentes ao aprendizado e a inovação.

10. Obviamente, a questão passa a ser quanto espaço ou recursos alocar para cada
modelo no âmbito de uma mesma organização. No caso da inspeção do trabalho
no Brasil, atualmente é possível observar um deslocamento gradual para uma maior
ênfase na organização da inspeção por meio de equipes e projetos especiais, deixando
para trás a predominância do sistema de gratificação por desempenho. Fiscalizações
responsivas e geograficamente circunscritas deverão permanecer, porém apenas
como uma categoria residual, suficientemente para cobrir denúncias emergenciais
feitas por trabalhadores em situações de grave vulnerabilidade (por exemplo, atraso
ou não-pagamento de salários, risco eminente de morte ou acidente, etc.).

133
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

Análise desenvolvida indica que certas características de modelos de gestão


e as formas pelas quais estes organizam o trabalho na linha de frente
afetam o grau no qual servidores públicos atribuem relevância e buscam
oportunidades de trabalhar no desenvolvimento de soluções efetivas para
os obstáculos ao cumprimento da lei. Portanto, uma compreensão mais
profunda de como modelos de gestão evoluem em burocracias e como
funcionários incorporam tais práticas nas suas rotinas de trabalho deveria
ser aspecto indispensável da busca pela explicação do comportamento
burocrático e seus impactos.

5 Referências Bibliográficas
BARZELAY, Michael. The New Public Management: improving research and
policy dialogue. University of California Press. 238p, 2001.
BERNSTEIN, Nina. “Target of Immigrant Raids Shifted.” The New York Times.
US Section, 3 de fevereiro de 2009.
BITTNER, Egon. “The Police on Skid Row: a study of peace keeping.” American
Sociological Review, 32(5):699-715, 1967.
BITTNER, Egon. Aspects of Police Work. Northeastern University Press, 1990
BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos; SPINK, Peter. Reforming the State: Managerial
Public Administration in Latin America. Boulder: Lynne Rienner, 1999.
BROWN, Michael. Working the Streets: police discretion and the dilemas of
reform. New York: Russel Sage Foundation. 338p, 1981.
BRYNER, Gary. Bureaucratic Discretion: law and policy in federal regulatory
agencies. Pergamon Press, 250pp., 1987.
DAVIS, Kenneth C. Discretionary Justice. Baton Rouge: Louisiana State
University Press, 1969.
DUNLEAVY, P.; HOOD, C. “From Old Public Administration to New Public
Management.” Public Money and Management (July – Sept.): 9-16, 1994.
EVANS, Peter. “Predatory, Developmental, and Other Apparatuses: A
Comparative Political Economy Perspective on the Third World State.”
Sociological Forum 4 (4): 561-587, 1989.
EVANS, Peter. Embedded Autonomy: States & Industrial Transformation.
Princeton: Princeton University Press, 1995.
EVANS, Peter. “Harnessing the State: Rebalancing Strategies for Monitoring
and Motivation.” In: LANGE, M; RUESCHEMEYER, D. (Orgs.) States and

134
Seminário Direito, Gestão e Democracia

Development: Historical Antecedents of Stagnation and Advance. London:


Palgrave, pp. 26-47, 2005.
HANDLER, Joel. Conditions of Discretion: autonomy, community, and
bureaucracy. New York: Russell Sage Foundation. 327p, 1986.
HAWKINS, K. (Org.). The Uses of Discretion. Oxford, Oxford University Press, 1992.
LANGE, Matthew; REUSCHEMEYER, Dietrich (Orgs.). States and Development:
historical antecedents of stagnation and advance. New York: Palgrave
Macmillan, 2005.
LIPSKY, Michael. Street Level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in
Public Services. New York: Russell Sage Foundation, 1980.
MARCH, James. “Explorationa and exploitation in organizational learning”
Organization Science 2(1):71-87, 1991.
NOONAN, Kathleen; SABEL, Charles; SIMON, William. “The Rule of Law in the
Experimentalist Welfare State: Lessons from Child Welfare Reform,” mimeo,
Columbia Law School, 2007.
OSBORNE, David; GAEBLER, Ted. Reinventing Government: how the
entrepreneurial spirit is transforming the public sector. Addison-Wesley
Publ. Co. 427p., 1992.
PIRES, Roberto.
POLLITT, Christopher. “Justification by Works or by Faith? Evaluating the
New Public Management.” Evaluation 1(2):133-154, 1995.
SABEL, Charles. “Beyond Principal-Agent Governance: Experimentalist
Organizations, Learning and Accountability,” In: ENGELEN, E.; DHIAN HO,
M. (Orgs.) De Staat van de Democratie. Democratie voorbij de Staat. WRR
Verkenning 3 Amsterdam: Amsterdam University Press, pp.173-195, 2004.
SABEL, Charles. “Globalisation, New Public Services, Local Democracy:
What’s the Connection?” In: OECD, Local Governance and the Drivers of
Growth. Dezembro, 2005.
SABEL, Charles; ZEITLIN, Jonathan. “Learning from Difference: The New
Architecture of Experimentalist Governance in the EU.” European Law
Journal, 14(3): 271–327, 2008.
SILBEY, Susan S. “Case Processing in an Attorney General’s Office,” Law &
Society Review, Volume 15: 3-4, September 1981, p. 849-881, 1980-1981.
SILBEY, Susan S.; BITTNER, Egon. “The Availability of Law”, Law and Policy
Quarterly, 4(4):399-434, 1982.

135
Limites da Autonomia e do Controle do Poder Executivo

VAN MAANEN, John. “Observations on the Making of Policemen.” Human


Organization 32(4):407-418, 1973.
VAN MAANEN, John. “The Asshole.” In: MANNING, Peter; VAN MAANEN,
John (Orgs.) Policing a view from the street. pp.221-38, 1978.
WEBER, Max. Economy and Society. New York: Bedminster Press, 1968.
WILSON, James Q. Varieties of Police Behavior: the management of law and
order in eight communities. Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 1968.

136

Anda mungkin juga menyukai