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Reflexos do

imaginário social
na representação
do homossexual
nas histórias em
quadrinhos
Lucas do Carmo Dalbeto/
Profa. Dra. Ana Paula
Oliveira
Universidade Estadual de
Londrina

RESUMO: Este estudo visa refletir acerca da relação entre o


imaginário social e a mudança na abordagem de como personagens
homossexuais são representados nas Histórias em Quadrinhos do
gênero superaventura. O trabalho parte da concepção de
imaginário de Gilbert Durand para identificar o seu vinculo
com a produção midiática e a influência que exerce na
compreensão do mundo. Emprega-se a pesquisa exploratória
bibliográfica a fim de identificar esta relação na trajetória
do personagem super-herói Estrela Polar, da editora Marvel, e
identifica-se que estas narrativas têm contribuído para o
debate acerca da diversidade sexual, se beneficiado e
influenciado as mudanças em relação ao imaginário social.

Palavras-chaves: história em quadrinho; imaginário social;


homossexualidade; super-herói; Estrela Polar.

ABSTRACT: This study aims to ponder about the relationship


between the social imaginary and the change in approach as
homosexual characters are depicted at the super adventure genre
in comics. The work begins with the imaginary conception of
Gilbert Durand to identify his bond with the media production
and its influence on the understanding of the world. The literary
exploratory research is applied to identify the relationship
between the path of superhero character Northstar, from Marvel

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Comics, and it is identified that these stories have contributed
to the debate about sexual diversity, besides the benefits and
its influence in changing the social imaginary.

Keywords: Comic books, social imaginary, homosexuality,


superhero, Northstar.

INTRODUÇÃO Conforme situa Yuri


Reblin (2012), esta
Este trabalho busca sociedade representada
refletir acerca da relação pelas HQs não corresponde
entre o imaginário social necessariamente à socieda-
e a abordagem de persona- de em que vivemos, mas tam-
gens homossexuais nas bém à sociedade que
histórias em quadrinhos almejamos, que tememos, ou
(doravante HQs) do gênero mesmo à sociedade que
superaventura. A importân- conseguimos imaginar
cia deste meio de comuni- diante de nossas experiên-
cação vem crescendo devido cias coletivas e indivi-
à abrangência destas duas. Assim, podemos com-
obras, que apresentam preender as HQs como frutos
questões culturais e de um imaginário que é
sociais em mundos fan- construído e compartilhado
tásticos, refletindo e pela sociedade.
interferem no imaginário O conceito de
social. imaginário defendido por
Endossando esta Gilbert Durand (1989)
ideia, o autor de HQs Grant corresponde ao elemento
Morrison (2012) cita que constitutivo do homem
os universos fantásticos diante do mundo por meio
apresentados nas páginas de um pluralismo imagéti-
das revistas “contém em seu co. Para o autor, as ima-
cerne todos os sonhos e gens dão origem aos pensa-
medos de gerações em mentos, gerando um sistema
miniaturas vivas” simbólico que influencia-
(MORRISON, 2012, p.469). rá, entre outros, na
A representa-ção de construção da identidade
situações cotidianas e a dos indivíduos. A mídia,
caracterização arquetípica como produtora de bens
dos personagens das culturais, tem grande
superaventuras nas influência na produção e
histórias em quadri-nhos reprodução de aspectos do
representam um discurso imaginário social e,
ideológico que produz e portanto, constitui um
reproduz aspectos do campo vasto campo de
do imaginário social e, investigações a ser
desta forma, constitui um explorado.
rico campo de investiga- Para Douglas Kellner
ções a ser explorado pelas (2001), os produtos
ciências. midiáticos são carregados

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de mensagens ideológicas, parte, anunciou que o
assim a cultura da mídia personagem iria se casar
tem a capacidade de com seu namorado de longa
legitimar forças de data. O evento se tornou o
dominação por meio da mais importante da editora
aceitação das posições em 2012 e, provavelmente,
ideológicas ou mesmo por o mais comentado.
sua contestação. Por
ideologia entende-se o Imaginação e a noção de
conceito multicultural que imaginário social
abrange interesses de
forças de opressão a Os estudos acerca do
pessoas de diferentes imaginário vêm, há algum
etnias, sexos, classes tempo, recebendo atenção
sociais e orientações especial das pesquisas
sexuais, não se restrin- acadêmicas. Porém, existem
gindo aos “conjuntos de diferentes redes de
ideias que promovem os pensamento acerca deste.
interesses econômicos da O imaginário é definido por
classe capitalista” Durand (1989) como a
(KELLNER, 2001, p.78). capacidade inerente aos
Posto isto, com o indivíduos de significarem
propósito de explorar a o mundo. Este processo tem
relação entre o imaginário por base as imagens e as
social e a produção midiá- relações estabelecidas
tica, este trabalho busca entre elas e se expressa
traçar uma análise da por meio dos símbolos. Em
representação dos homos- sua concepção, o
sexuais nas HQs do gênero imaginário é a capacidade
superaventura. Para tanto, inerente aos seres humanos
desenvolve-se uma análise de armazenar imagens que
bibliográfica do percurso se referem aos seus mitos,
do personagem Estrela suas lendas, sua história,
Polar, apontando alguns aos seus valores e demais
dos mais importantes informações que
momentos do personagem, de influenciarão na sua
sua criação ao seu casa- relação e construção do
mento, publicado em 2012. mundo.
Estrela Polar é um Ao processo de
dos personagens homosse- formulação de sentido,
xuais de maior destaque nas Durand (1989) nomeia de
HQs e no gênero superaven- trajeto antropológico e o
tura um dos poucos a ter define como um processo de
sua condição sexual caráter individual, que
explorada. Em 2012, a consiste na escolha e
editora Marvel, respon- combinação de imagens sob
sável pelos títulos dos a influência dos polos
super-heróis X-Men, do subjetivo – referente às
qual Estrela Polar faz influências pessoais – e

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polo objetivo – influên- consonância com as
cias do meio. variantes psicopatológi-
As teorias de Durand cas, os sonhos e os estados
a respeito do imaginário de consciência alterada
influenciaram amplamente são considerados pela
as pesquisas da semioti- autora como as fontes
cista Malena Contrera, que pueris por meio dos quais
reflete acerca do os textos e tramas da
imaginário e da construção cultura são desenvolvidos
de mensagens pela mídia. e constantemente reatua-
A autora considera a lizados.
psicologia arquetípica e Os conteúdos míticos
cultural, tal como os - considerados universais
estudos relacionados à e que remetem a culturas
mitologia e religião para mais arcaicas – são
a definição das investiga- utilizados pela Mídia como
ções no campo do imaginá- “códigos-fonte”, com os
rio, porém atenta que estas quais os textos podem ser
“necessitam de constante elaborados. Assim, “o
atenção e atualização, imaginário cultural, fonte
considerando que se trata geradora, apresenta-se a
de um universo vivo e pul- nós como o território de
sante, sobretudo quando encontro de conteúdos
consideramos as relações universais, de arquétipos
entre imaginário cultural da cultura que se re-
e as criações imagéticas atualizam constantemente”
imaginárias dos meios de (CONTRERA, 1996, p.19).
comunicação contemporâ- As considerações de
neos.” (CONTRERA, 2010, Contrera retomam as
p.53). Desta forma, discussões iniciadas por
podemos entender o Edgar Morin (2002) na
imaginário como um reper- década de 60 a respeito
tório não universal, ambi- da cultura de massa e mass
valente, emocional, efer- media. Conforme aponta o
vescente, cujos limites autor, as transformações
são mutantes e incertos. industriais do século XX
A autora defende que tiveram significativo
a mídia se apropria de reflexo nos âmbitos
criações do imaginário socioculturais. O
cultural e apresentam-nas aperfeiçoamento das
como produtos culturais técnicas de reprodução,
originais e contemporâ- como a litografia, aliada
neos. No entanto, este à expansão da população e
imaginário é permeado pela à demanda por produtos
existência de Mitos, os culturais, possibilitou a
quais considera “as expansão da indústria
matrizes geradoras básicas gráfica e literária.
dos textos da cultura” Esta nova ordem
(CONTRERA, 2000, p.18). Em industrial que progride no

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decorrer do século XX, forma não é possível
segundo Morin (2002), descartar a cultura de
compreende os sujeitos massas, considerada menor,
como partes integrantes de uma “mercadoria cultural
uma massa uniforme, ordinária” (MORIN, 2002,
independente de seus p.17) em alguns círculos
contextos sociais, cujos de estudos.
“amores e os medos O autor aponta que a
romanceados, os fatos cultura de massas está vin-
variados do coração e da culada a um sistema de pro-
alma” (p.14) podem ser dução industrial, desta
produzidos em escala forma toda a sua produção
industrial e consumidos é “destinada ao consumo [e]
como forma de cultura, a tem sua própria lógica, que
cultura de massa. é a de máximo consumo”
Para que este produ- (MORIN, 2002, p.35). Neste
to consiga atingir o maior contexto a figura do autor
público possível, é neces- se manifesta por meio de
sário que ele apresente um processo burocrático-
informações que lhes cause industrial que, em vista
certa identificação cultu- a atender estas exigên-
ral. Para Morin (2002, cias, buscam nas estruturas
p.15), a cultura consti- do imaginário o elemento
tui-se de um “um corpo de identificação que irá
complexo de normas, atrair os consumidores.
símbolos, mitos e imagens Este elemento, de acordo
que penetram o indivíduo com Morin (2002) são os
em sua intimidade, estru- arquétipos, “figurinos-
turam os instintos, orien- modelo do espírito humano
tam as emoções”. que ordenam os sonhos e,
Este imaginário cul- particularmente, os sonhos
tural apontado por Morin, racionalizados que são os
nas sociedades modernas, temas míticos ou romanes-
é policultural, composto cos” (MORIN, 2002, p.26).
por culturas de diferentes A constatação de
naturezas. À cultura reli- Morin (2002) acerca da cul-
giosa, nacional e humanis- tura de massas é que ela
ta acrescenta-se a cultura supre as necessidades
de massa a partir do século individuais de coletivida-
XX que, em consonância às de. O filósofo observa que
demais, “afronta[m], ou as transformações que
conjuga[m] suas morais, possibilitaram a ascensão
seus mitos, seus modelos das classes proletárias,
[...]” (MORIN, 2002, principalmente após a
p.16). Para o autor o Segunda Guerra Mundial, aos
imaginário cultural será, grupos de consumo também
portanto, o resultado da foi responsável por acen-
interação entre todas tuar a individualização
estas culturas, desta destas pessoas, que

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buscavam no lazer sociedade contemporânea
possibilidade pelas Novas também são discutidos por
Tecnologias da Comunica- Kellner (2001), que cita
ção. Segundo Morin (2002, a contribuição das
p.90) a cultura de massa imagens, dos sons, das
“vai fornecer à vida palavras, enfim, da
privada as imagens e os cultura veiculada pela
modelos que dão forma a mídia para a construção da
suas aspirações. [...] Mas vida cotidiana,
sobre um outro plano, as modelando opiniões
imagens se aproximam do políticas e comporta-
real, ideais tornam-se mentos sociais, e
modelos, que incitam a uma fornecendo o material
certa práxis...”. Pode-se com que as pessoas
assim entender o papel que forjam sua identidade
o imaginário desempenha [...] a cultura
nesta nova realidade. veiculada pela mídia
De acordo com o fornece o material que
raciocínio de Morin (2002) cria as identidades
o imaginário passa a pelas quais os
permear nossa realidade, indivíduos se inserem
estabelecendo modelos a nas sociedades tecno-
serem adotados. Da mesma capitalistas contempo-
forma a realidade fornece râneas, produzindo uma
os modelos a serem adotados nova forma de cultura
pelo imaginário em um global (KELLNER, 2001,
processo cíclico e inin- p.9).
terrupto. Assim,
a cultura de De fato, é sabido que
massas se torna o os meios de comunicação de
grande fornecedor dos massa podem atingir uma
mitos condutores do grande quantidade de pes-
lazer, da felicidade, soas, e isso tem aumentado
do amor, que nós ainda mais com as novas
podemos compreender o tecnologias da comunicação.
movimento que a O imaginário social
impulsiona, não só do é um saber comum que exerce
real para o imaginário, grande influência na vida
mas também do social. Contrera (2010)
imaginário para o real. aponta um sistema de
Ela não é só evasão, retroalimentação entre o
ela é ao mesmo tempo, imaginário cultural e o
e contraditoriamente, imaginário midiático que
integração (MORIN, permeia os meios de
2002, p.90). comunicação de massa,
principalmente, os meios
Os produtos da do século XX.
cultura de massa e seu Para a autora, os
papel exercido na mass media nascem no

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contexto do imaginário infantil em decorrência de
cultural, ancestrais e seu conteúdo fantástico.
arquetípicos, e os O universo criado nestas
reeditam para uma versão narrativas é, no entanto,
própria deste imaginário um produto típico da cultu-
“de tal modo que podemos ra da mídia que, como tal,
conferir a esse processo expressa, por meio da arte,
um status de crescente questões emergentes e
autonomia em relação ao importantes da sociedade.
imaginário cultural” O gênero superaven-
(CONTRERA, 2010, p.57). tura, conforme Viana
Inicialmente, este (2011), consiste em aven-
processo ocorre por meio turas protagonizadas por
da seleção, da edição, da seres superpoderosos,
composição e da dentre eles os super-
recontextualização de heróis. Por sua vez, um
conteúdos e representações super-herói é um ser
em imagens audiovisuais corajoso com habilidades
para, então, serem especiais e superpoderes;
absorvidas em simulacros “a emergência dos super-
eletrônicos. heróis está ligada ao
Segundo Kellner processo de crise do regime
(2001), a cultura prove- de acumulação intensivo
niente da mídia tem caráter [...] se tornou necessário
industrial, organizando-se pensar em seres sobre-
de acordo com o modelo de humanos e ter esperança na
produção de massa, de modo vitória e satisfação
a atingir a maior parte imaginária substituta”
das pessoas e, assim, (VIANA, 2011, p.20).
atrair o lucro decorrente Para Morrison
deste consumo. Para tanto, (2012), os super-heróis
é cabível à cultura da mí- povoam o imaginário social
dia refletir assuntos e hoje como espécies de deu-
preocupações atuais que ses dignos da idolatria dos
atinjam a sociedade de leitores, uma vez que estes
maneira efetiva. Devido ao personagens são represen-
seu caráter fervilhante, tações de nossos maiores
o sistema simbólico da re- anseios e, de certa forma,
presentação do imaginário de nossa própria realida-
passa por constantes modi- de. Como aponta o pesquisa-
ficações que são incorpo- dor, as histórias de super-
radas pelas diversas heróis podem ser percebi-
mídias, de modo que podem das em todos os lugares,
impor uma dominação haja vista que são reflexos
ideológica aos grupos artísticos da política e
sociais a que se destinam. do discurso praticado em
As histórias em qua- nossa cultura e represen-
drinhos são frequentemente tam, acima de tudo, “um
relacionadas ao universo sinal claro da nossa neces-

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sidade de ir adiante, de ima- “esperam que venham a
ginar o quão melhores, mais efetuar mudanças em mentes
justas e mais pró-ativas as reais, no mundo real em
pessoas podem ser” que as histórias são lidas.
(MORRISON, 2012, p.466). [...] Uma história pode nos
À vista dos dados deixar furiosos a ponto de
apresentados, nota-se que querer mudar o mundo”
o desenvolvimento dos (MORRISON, 2012, p.461-
enredos e personagens das 462). Desta forma, é impos-
Histórias em Quadrinhos sível dizer que as tramas
está intimamente vinculado retratadas nas histórias
a condições sociocultu- em quadrinhos estão isen-
rais que, por sua vez, são tas de ideologia. Por serem
estabelecidas de acordo com produtos midiáticos, as
os contextos de cada época. HQs são subordinadas a in-
Ainda que haja um discurso teresses editorias, artís-
ideológico que, de acordo ticos e sócio-políticos,
com Kellner (2001), privi- que se manifestam por meio
legie os interesses das de um sistema simbólico
classes dominantes, as HQs estabelecido pelo imaginá-
podem contribuir para o rio social.
desenvolvimento de uma A criação do
sociedade mais justa e Superman , por exemplo,
igualitária. está vinculada ao nazismo
e à necessidade da socieda-
A dimensão da discriminação
de americana de resposta
nas HQs
a sua ideologia de “raça
Tomadas inicialmente superior”. A respeito da
como passatempo despreten- origem deste personagem,
sioso e leitura infantil, Viana (2011) também aponta
as Histórias em Quadrinhos a necessidade do homem
passaram por diversas comum americano em criar
fases, acompanhando as um reflexo de força,
mudanças sociais, cultu- liberdade e persistência
rais e econômicas, fato que diante da crise que atingiu
lhes confere incalculável o país nos anos 20 e 30.
impacto na cultura popu- Neste mesmo contexto,
lar. Como veículo de comu- surgiu o Capitão América,
nicação em massa, as HQs apresentando, contudo, uma
são um importante instru- relação muito mais íntima
mento para a reflexão e o com a Guerra do que seu
debate acerca do outro, antecessor. Capitão
considerando diferenças América era o super soldado
culturais, étnicas, que representava o bem e
religiosas ou sexuais. a luta por justiça e liber-
Morrison (2012) dade, enquanto seus vilões
pontua que as narrativas mais notórios, Caveira
são construídas por Vermelha e Guardião
roteiristas e artistas que Vermelho, eram uma clara

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alusão à Rússia e ao tornaram-se um marco na
comunismo. história das HQs ao
Com o fim da Guerra, retratar um grupo de jovens
em 1945, a indústria de nascidos com uma anomalia
histórias em quadrinhos genética, o Gene X, que
enfrentou uma grande queda lhes conferia poderes
no consumo, mais evidente especiais. Mesmo que suas
no gênero superaventura. características não se
Para Viana (2011), este re- manifestassem visualmente,
trocesso estava vinculado os mutantes eram temidos
ao novo regime que se e perseguidos pela
instaurava, o Bem-estar sociedade em decorrência
Social, que exigia um novo de sua superioridade.
imaginário e mídias que O contexto social em
acompanhassem esta mudança que os X-Men surgiram não
de pensamento. Assim, os deixa dúvida quanto a sua
super-heróis passaram por inspiração. Nos anos 60,
uma reformulação que re- os cidadãos negros lutavam
fletisse os processos de pela igualdade de direitos
mudanças sociais. A edito- civis nos EUA. Até então,
ra Marvel destacou-se ao a segregação racial ainda
criar personagens baseados era dominante no sul do
na ficção científica, no país. Grupos racistas,
extraordinário, porém ainda como a Ku Klux Klan,
mantendo aspectos racionais perseguiam, torturavam e
de modo que seus leitores matavam os negros motiva-
pudessem se identificar com dos pelo preconceito.
os super-heróis. Neste cenário tumultuado,
Personagens negros dois líderes se destaca-
são criados pelas duas ram, o pacifista Martin
principais editoras de Luther King e o radical
quadrinhos americanos na Malcom X. Stan Lee, criador
época, Marvel e DC Comics, do grupo, não nega sua fonte
e outros passam a ter maior de inspiração. O professor
destaque nas superaventu- Charles Xavier, fundador do
ras. As personagens femi- Instituto X e líder dos X-
ninas também ganham mais Men, acredita na
destaque com a Contrarre- coexistência pacífica entre
volução, se tornando tão humanos e mutantes e defende
fortes quanto os persona- seu alcance por meio da
gens masculinos; uma ex- educação. Já Erick Lensherr,
pressão da ascensão do fe- o Magneto, acredita que os
minismo. Além disso, temas humanos são o passado da
como o uso de drogas e a humanidade e que a
corrupção da polícia e do superioridade mutante deve
governo passam a ser subjugar os inferiores.
explorados. O uso de mutantes e
Lançados pela a discriminação por eles
editora em 1963, os X-Men sofrida são vistos como uma

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metáfora da discriminação e empresário de sucesso an-
enfrentada por diversos tes de se filiar aos X-Men.
grupos no mundo real. Para O autor John Byrne
Morrison (2012), esta é uma assume que sua intenção
característica cada vez sempre foi criar um
mais evidente das HQs de personagem assumidamente
superaventuras, o rompi- gay, no entanto o clima
mento da barreira “entre nos anos 70 e 80 ainda não
a realidade e a ficção era propício a aceitação
diante de nossos olhos” de super-heróis homos-
(MORRISON, 2012, p.469). sexuais. O Comic Code não
Nesse sentido, a metáfora permitia menção sexual de
representada pelos X-Men natureza alguma e o público
não tratava apenas de ainda não estava preparado
questões étnicas, mas para assimilar esta ideia,
também de gênero e da por isso Estrela Polar
diversidade sexual. permaneceu “no armário”
por 13 anos1.
O casamento de Estrela A revelação da homos-
Polar sexualidade do personagem
aconteceu na edição de
O personagem Jean- março de 1992 e esteve
Paul Barbier, ou Estrela atrelada à falsa crença de
Polar (no original em que a AIDS é uma doença
inglês Northstar ), foi estritamente ligada aos
criado pela dupla Chris homossexuais. Nesta edi-
Claremont e John Byrne, em ção, Estrela Polar encon-
1979, como integrante da tra um bebê portador do
formação original do grupo vírus HIV em uma lixeira.
de mutantes canadenses A criança é adotada pelo
Tropa Alfa, assim como de super-herói, mas morre na
1
De acordo com Reblin (2012), sua segunda formação. Após
o mesma edição, o que motiva
Comic Code foi um código de alguns anos vivendo como Jean-Paul a assumir sua
autocensura criado pela um civil comum, Jean-Paul homossexualidade. O poten-
própria associação de
quadrinhos americana, em 1954,
passa a integrar os X-Men cial deste arco não foi
com o objetivo de regulamentar e atuar como professor de explorado devido à reação de
o que poderia ou não ser Economia no Instituto X.
retratado nas HQs. O código muitos leitores que
surgiu a partir da acusação do Suas habilidades es- demonstraram seu repúdio ao
psicólogo alemão Frederic peciais baseiam-se na ma- fato, como aponta Ingram:
Wertham de que alguns
personagens exaltavam a
nipulação atômica das mo- A revelação
homossexualidade e léculas de seu corpo, o criou um pequeno frene-
influenciavam no comportamento que lhe confere capacidade
infanto-juvenil. O código si na mídia, e algumas
esteve em vigência até 2011 e de voar e de alcançar velo- reações definitivamen-
passou por algumas reformulaçõ cidades sobre-humanas. te mistas (a seção de
es durante a sua existência,
de
Além de trabalhar como um cartas de Tropa Alfa
modo a permitir que as agente do governo no grupo esteve repleta de
narrativas dos quadrinhos de super-humanos, Jean-
apresentassem discussões mais algumas missivas per-
pertinentes às sociedades das Paul foi um esportista turbadoras de leitores
épocas (REBLIN, 2012). olímpico, autor de um livro homofóbicos nos meses

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seguintes à publicação que tudo indicava, preten-
da edição 106). A dia transformar o casamen-
Marvel rapidamente to em seu evento de maior
voltou atrás sobre o destaque no ano. Diversos
assunto e a sexualidade releases foram distribuí-
de Estrela Polar não dos na mídia, páginas da
foi abordada novamente edição do casamento foram
até o final da publica- divulgadas nas redes
ção, o que aconteceu sociais para aguçar a
com a edição 130 em curiosidade, assim como
1994. Em sua edição entrevistas vinculadas a
solo o tema também foi outras mídias com os
completamente ignorado responsáveis da Marvel.
(INGRAM, 2012, p.1). A roteirista respon-
sável pela história,
Com o fim do título Marjorie Liu, declarou, em
Tropa Alfa, o personagem entrevista à edição de maio
ficou por 3 anos afastado de 2012 da revista Rolling
das publicações da editora Stone, que a relação do
Marvel . Quando o super casal seria abordada mesmo
grupo canadense voltou a após o casamento. Para ela,
ser publicado, em 1997, a história de Jean-Paul e
Jean-Paul foi relegado ao Kyle começa com o casamen-
papel de coadjuvante e to, mas não termina com
raramente aparecia nas ele. O casal terá que lidar
histórias. Seu hiato só com os conflitos decorren-
mudou em 2002, quando tes de um relacionamento
publicou o livro “Nasci no qual um dos cônjuges
Normal” e passou a integrar exerce uma profissão de
os X-Men. Devido a seu alto risco, tal qual
histórico de discriminação acontece com policias e
e autoaceitação, Jean-Paul bombeiros, além de ter de
foi indicado para ser o lidar com o preconceito.
tutor de jovens mutantes Ainda que a maioria dos
que enfrentavam problemas personagens do universo
semelhantes em decorrência Marvel lidem de modo
da aparência ou mesmo da naturalizado com a situa-
sexualidade. ção do casal, alguns deles
Na edição de julho não aceitam o convite para
de 2012 de Astonishing X- a cerimônia e outros sequer
Men (edição 51), Estrela consideram a validade do
Polar se casa com o seu matrimônio entre os dois.
namorado de longa data Kyle Além do preconceito
Jinadu; primeira represen- referente à sexualidade
tação de uma cerimônia de dos dois personagens, o
união homoafetiva nos casal precisa lidar com as
quadrinhos da Marvel. Este questões étnicas e ra-
fato foi amplamente explo- ciais: Kyle é negro e não
rado pela editora que, ao mutante, Jean-Paul mutante

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e canadense. Retratar em seu namorado Kyle.
um dos títulos do X-Men um Portanto, a pergunta
evento desta proporção é que surgiu foi: como
bastante condizente com o isso iria transformar
universo destes super- a relação deles? [...]
heróis. A Marvel sempre Nossas revistas são
teve certa preocupação em sempre as melhores para
abordar minorias e ques- responder e refletir os
tões sociais atuais em suas avanços do mundo real.
publicações, mas, em X- Temos feito isso há
Men, estes assuntos costu- décadas, e esta (histó-
mam ter o maior destaque. ria) é apenas a última
Suas edições já abordaram demonstração disso
diversos grupos marginali- (ALONSO, apud
zados: os Morlocks são PERPETUA, 2012).
mutantes que precisam
viver nos esgotos de Nova Marjorie Liu res-
Iorque devido à aparência salta que o mais importante
incomum de seus membros. do casamento entre os dois
O cientista Henry McCoy, personagens na publicação
o Fera, é discriminado por é não restringir o tema a
sua aparência felina ainda uma HQ, e sim compor
que seja um brilhante gene- mensagens aos leitores,
ticista. Não parece ser uma “Você pode fazer o mesmo!”
sur-presa, portanto, que (LIU, apud NOVAES, 2012).
a discussão acerca do casa-
mento entre pessoas do mes-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
mo sexo seja abordada jus-
tamente em suas páginas. A leitura dos fatos
Em matéria publicada apresentados permite con-
pela Rolling Stone, o cluir que as histórias em
editor chefe da Marvel, quadrinhos são um produto
Axel Alonso, relacionou a midiático capaz de refle-
legalidade da união à tir mudanças sociais e as-
motivação de abordar o tema suntos atuais, desta for-
nas HQs: ma, podem levar os leitores
Quando o a questionar seus valores
casamento gay se tornou e ideias preconcebidas.
legal no Estado de Nova Como qualquer produto midiá-
York, e a maioria de tico, as HQs estão subordina-
nossos super-heróis das a interesses sociais, po-
reside aqui, obviamen- líticos e econômicos, refle-
te uma série de ques- tindo o posicionamento de
tões foi levantada. suas editoras diante dos te-
Estrela Polar é o pri- mas retratados. É possível
meiro personagem aber- perceber ainda que o contexto
tamente gay nos quadri- histórico social é pertinen-
nhos (mainstream) e tem te na avaliação da forma como
uma relação antiga com são abordados estes temas.

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A homossexualidade do importantes discussões do
não é novidade no gênero mundo “real”. No entanto, é
superaventura. Como visto, necessário ressaltar que,
o personagem Estrela Polar como um produto midiático
já despertava o questiona- fruto da sociedade capita-
mento de sua sexualidade lista, estas histórias podem
desde a década de 70, en- refletir um imaginário cole-
tretanto o tratamento do tivo subordinado a poderes
tema retratado estava su- simbólicos de determinada
bordinado a um imaginário época.
social incapaz de aceitá-
lo, fato que mudou apenas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
recentemente. Ainda é
possível perceber que CONTRERA, Malena Segura.
imaginário social delineou O mito na mídia: a
os rumos que a abordagem presença de conteúdos
do personagem sofreria, arcaicos nos meios de
assim o preconceito que é comunicação. São Paulo:
cada vez menos aceito na Annablume, 1996.
contemporaneidade deixa de
seu um grande obstáculo ______. Mediosfera: meios,
para a afirmação sexual de imaginário e
Estrela Polar e fica desencantamento do mundo.
restrito a situações em que São Paulo: Annablume,
é claramente condenável. 2010.
Conforme propõe
Kellner (2001), a compreen- DURAND, Gilbert. As
são de um produto da cultura estruturas antropológicas
midiática está vinculada à do imaginário. Lisboa:
posição sócio-político de Presença, 1989.
uma determinada sociedade em
um espaço-tempo. Assim, a INGRAM, Tony. Northstar:
análise do contexto em que out of the closet and into
as histórias de Estrela Polar the light. 25 jun. 2012.
foram produzidas permite Broken Frontier.
entender a relação deste Disponível em < http://
produto midiático com o www.brokenfrontier.com/
imaginário social predomi- lowdown/p/detail/
nante na época. northstar-out-of-the-
Ainda que os super- closet-and-into-the-
heróis tenham surgido em light>. Acesso em 03 dez.
um contexto de dominação 2012.
ideológica, nota-se que,
em maior ou menor grau, KELLNER, Douglas. A
as narrativas das histó- cultura da mídia – estudos
rias em quadrinhos têm se culturais: identidade e
convertido a contestações política entre o moderno
de valores e exposições de e o pós-moderno. Tradução
anseios sociais, refletin- por Ivone Castilho

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