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RICARDOC.P, V01NEY C E D E MORAES JR DIRE T0 AUTORAL RESERVADO
20905420683
B IB L ¡0 T g C A CENTRAL
ISSO • ürctfai kde Graduai de Sanas One
Km ló Rodovia ilhéus / itab’sna
Pone. [73] Ó8Ü 5090 / 5166 Fax: 680 5244
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R icardo Dip
Volncy C orrea Leite de Moraes Jr.
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C rim e e Castigo:
Reflexões Politicam ente Incorretas
2a Edição
Canipinas-SP
€> Copyright by M illennium Editora Licia.
© Copyright by Ricardo Dip e Volney Corrêa Leite dc Moraes Jr.
Í n d i c e para . c a t á l o g o s is t e m à t i c o
Direito-Crime 345.023.5
Crime-Direito 345-023.5
Castjgo-Direito 345.023.5
Direito-Castigo 345.023.5
Parte Primeira
Volney Corréa Leite de Moraes Jr.
Parte Segunda
Ricardo Dip
A pêndice
Scbastiáo Carlos Garcia
Na Vereda dos Delitos e das Penas, um Bonde na Contramão da História ... 247
Apresentação
me o u tro dia o que ouviu de seu pai, testemunha dos fatos; o grande
Leonardo Coimbra, do qual se dizia ateu arraigado, dele se noticiava a
suspeita d e que, numa dada conferência, iria apostatar do credo ateísta;
dá-se que eie, nessa solenidade, passeia, gigantesco, à frente da platéia e,
em alta voz, proclama: “Deus não existe!" - e repete: "Deus não existe!" -,
não, Deus não pode existir, prossegue aproximadamente, porque existir é
próprio d e uma flor, de um a pedra, de uma cadeira... Não, remata: “Deus
super-existe!". E isto!: é essa super-existência que garante que nem um
jota, nem um til passarão sem receber, tal o mereçam, o prêmio e a pena.
E q u e um Bem Perfeito não pode ser menos do que uma Justiça Perfeita.
Mas ao título Crime e Castigo segue a expressão Reflexões Politicamente
Incorretas. Seja dito, brevemente, que o Direito Penal, faz alguns séculos,
anda em m archa e contramarcha ilum inisla. Pouco menos que em ordem
unida, m anobra com uma vaga idéia de moralidade, rompida que se acha
com um a axiologia objetiva e anterior à lei. Pouco menos que em ordem
unida, instrum enta-se com uma panóplia de garantias formais, ocas,
assépticas, fardadas daquele tipo dc neutralidade intolerante cjuc a tudo
tolera desde que previamente conformado à limitada pauta de sua legalidade
formal. Pouco menos que em ordem unida, ignora - ou finge desconhecer
- a realidade inteira do cosmos, e, esvaziado de valoração objetiva e de
uma fundamentação transcendente, fez-se o Direito Penal das subjetividades
mundanizadas, racionalista, historicista, positivista... Fracassado, frustrado.
Mais que isso, frustràneo. Pensar diversamente, dizer diferentem ente,
arg u m e n tar variam ente é, pois, pensar, dizer, raciocinar de m odo
po liticam ente incorreto, é rom per o espartilho iluminista. Este livro é
p o litic a m e n te in co rreto , p o rq u e co n stitu i um libelo em p ro l do
restabelecim ento da metódica dialética, da racionalidade no discurso
prático-jurídico penal, em vez de enfileirar-se ao Direito Penal pelo m étodo
Assimil.
Há temas - foi losef Pieper quem disse esta verdade que não se nodem
meditar seriamente sem ciue se abarquem, ao mpsmn tempo a totalidade
do m u n d o e a existência hum ana. Estão entre eles, por certo, o am or e a
m orte, e acaso nos primeiros lugares, circunstância de que me dei conta
desde que Pieper os alistou expressamente e Afonso Botelho os confirmou
nas páginas de sua autorizada Teoria... Entre esses temas, vem ao caso
dizê-lo, cabe também o da fe s ta , o da ocasião em que se respira livremente
- como já nas Leis dissera Platão -, o dia em que se exercitam o saber do
poeta e d o músico, alguma vez a honesta diversão para o homo ludens, os
maiores rituais sagrados, a divinorum contemplano do sábado hebraico e
do dom ingo cristão. E também verdade que a festa é um a comemoração
Crime e Castigo: _____
Xlll
Reflexões Politicamente Inccrreias
fundam entais que, a alguns d e seus objetores pareceria cômodo, mas seria
falacioso, atribuir-lhe -, senão que, ao contrário, o digno pensador e juiz
acha-se hoje na vanguarda do pensamento penal. Os penalistas enquistados
na culpa social - próxim am ente, abeberando-se de algum m odo no
marxismo, em todo caso tributários remotos do bon sauvage de R o u s s e -vu
- apresentam-se, em rigor, corno tardomodernistas, vale dizer, repetidores
das velhas teses do ilustracionismo da Modernidade, ainda que agora
travestidas com o garantismo de F e r r a j o u , do qual importaram interessantes
aforismos a garantir, isto sim, um novo cariz esotérico para velhas teses
iluministas.
A ideologia dos tardomodern istas - ideologia que designei noutra parte
com o neoterismo penal (ou Direito Penal esotérico da new age) - é, com
rigor, uma ideologia reacionária, na significação mais própria do termo,
i.e., oposta da história e, pois, do progresso civilizador do Direito Penal.
Mais que conservadora, essa ideologia, é regressista. Regride ao utopismo
decimonónico. Parece embevecida pela nostalgia da ilustração: seu Direito
Penal mínimo - termo que não traduz, de logo observo, a idéia de Direito
Penal, à maneira, entre outros, de S.Tomás, Suárez e de Manzini, com o o
mínimo dos mínimos éticos - é, aquele Direito mínimo, um induzimento
im ediato à anoniia mas também, e paradoxalmente, uma rampa ensaboada
para o arbitrarismo penal. Indico aqui, para não parecer que me estou
lançando somente a suposições, um a figuração em concreto, brevitatis
causa, do que estou a versar: são os próprios que advogam, p.ex., em prol
de excessivas indulgências com o crime e os criminosos, que não hesitam
em entoar loas a uma normativa manifestamente injusta com o é, entre
nós, a da Lei 9.099/95, que admite a condenação sem defesa, a condenação
sem culpa, a condenaç*ão até mesmo sem crime! Õs mesmos que, a pretexto
'de nonadas, em tuclo vêem ofendidas as garantias mais artificiais e..
microscópicas dos criminosos reiterados, são, aqueles mesmos, os que não.
vacilam em sustentaras vantágénirdtruiiia ilOimativacuia finalidade confessa
è a d o utilitarismo penal, a da lógica da produtividade judiciária: “limpar
os trilitos”, quero dizer: limpar os escaninhos dos cartórios. Nisso poderia
vislumbrar-se, em todo caso, um a curiosa função catártica: purificam-se as
pilhas de processos criminais, já que não se pensaria, minimamente, em
purificar, pela pena, como restitutio de ser, avia da liberdade.
Nesse quadro, cabe indagar quais garantias de coexistência social se
perdem , então, com essas garantias concedidas aos criminosos? Quais
garantias sociais se suprimem quando se garantem a liberdade do mal e a
dos delinqüentes? Quantas vítimas ainda teremos de saber estupradas para
entenderm os que o fim da pena não é recuperar irrecuperáveis, não é
Crime e Castigo:_____________________________
Reflexões Politicamente Incorretas
R icardo Dip
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Funções da Pena
Por que se pune? A pena encontra sua razão de ser na retribuição, l'unitur
quia peccatum. É a reação da ordem jurídica violada contra aqueles que a
transgridiram. É o mal que a autoridade legítima impõe como cxpiação,
pela inobservância da ordem jurídica.
Nada tem a ver com a primitiva vin d icta , que era instintiva e não
correspondia à natureza racional do homem. Por outro lado, a reação
pública ao crime, mediante a aplicação de uma pena retributiva, não se faz
para atender exigências individuais ou familiares de vingança, olho por
olho, dente p or dente, mas para satisfazer reinvindicações coletivas e
portanto estatais.
A teoria da retribuição, embora dotada de um caráter autoritário como
entende Maggiore, não deixa de tutelar o réu, inílingindo-lhe uma pena
proporcional ao mal causado. A pena não pode superar o mal.
Também, a pena, ao retribuir o mal, haverá de obedecer a uma valoração
legal prévia. Não há retribuição fora da regra nullum crimen, nulla poena
sine lege.
De o utra parte, a pena retributiva, aplicada conform e as medidas
impostas pela lei, vem a garantir a liberdade, dado que esta implica
subordinação absoluta à lei penal. Assim, a pena retributiva, que é a pena
legai, deriva do principio nulla poena sine lege. Não se concebe a pena
legai e retributiva fora do conceito da legalidade.
O principio da legalidade está não só ligado à idéia de liberdade, já que
o cidadão poderá fazer tudo aquilo que não for vetado pela lei, como à
idéia cie prevenção genérica, criando contra-estímulos que se opõem à
conduta delituosa.
A retribuição pressupõe a ação criminosa. É inconcebível a retribuição
preventiva a um mero status perigoso do indivíduo.
Além da ação prévia, deverá ela ser antijurídica, ou seja, contrária ao
ordenam ento jurídico (contra jus).
Desse modo, seria válido conceber a pena retributiva sob um aspecto
dialético, como Hegel o fez. É ela a negação de um a negação. Isto porque,
como o delito nega o direito, a pena, enquanto nega o delito, reafirma o
direito.
Paulo José da Costa Júnior
XVIll
P ro fá d o
Z Política Criminal:
“(...) não é uma ciência, mas uma técnica, um m étodo de
trabalho ou até mais exatamente uma arte. É hoje a d e
nominação usada para designar o critério orientador da
legislação, bem como os projetos e programas sociais ten
dentes à prevenção do crime e controle da criminalidade
(...) É no cam po da Política Criminal (e n ão no da
dogmática jurídico-penal) que se discute e critica a opor
tunidade ou a conveniência de medidas ou soluções pro
postas ou existentes no direito vigente, sendo este o ter
reno em que defrontam as diversas correntes de opiniões
sobre o que deve ser o direito penal num determ inado
contexto”.
G erm ano Marques cia Introdução e Teoria d a Lei Penal. Di
S ilv a ,
reito Penai Português. Parte Geral I, Verbo, 1997. p. 160.
"Vivemos sob a ditaclura do p o liti
cam ente correto e sucumbimos à tira
nia dos modismos. ”
( C a r lo s A lb e r to D r F ra n c o , p ro fe s s o r d e P lic a
Jornalística)
fazer com que o crim inoso violento seja persuadido a aceitar sua
condição de não-integrado à sociedade, enfim, o term o de vergo
nhosas, amorais e, p o r vezes, até mesmo imorais concessões ao
banditismo violento; quando obrigado a enfrentar esse dilema - o
poder emana do povo, mas não deve ser exercido em seu nome,
porque isso conduz ao risco de ser adotada política criminal compa
tível com as expectativas gerais -, o penalista up to date recorre à
conhecida formula do est m odus in rebus, sim, o poder emana do
povo, mas, entenda-se bem , em matéria de política criminal, o povo
não pode usurpar função reservada a especialista;
8. destacar o fato de que a conivência sociologista, que se ocupa em
superestim ar as causas sociais do crime, tem sido
um modo sutil de culpar de fonti a vaga o sistema
por todas as mazelas que nos alligem, de sorte que,
com isso, fica tudo como está, ou melhor, vai tudo
piorando a passos largos diante da passividade ge
neralizada; 1
vindo a propósito acrescentar: sob esse prisma, será impossível con
trastar o crime até que transformações igualitaristas - combinadas ao
em prego sistemático do m oderno m étodo da bala na nuca
[na China, de 40 a 50 homens ou mulheres são mor
tos toda semana com um tiro na nuca e tudo faz
crer que o ritmo de execuções ... vai acelerar-se por
que o slogan desse ano é ‘g olpearforte 'j.2-
desloquem o crime para o plano da responsabilidade moral, porque,
só então, ultimada a catarse revolucionária e eliminadas as coerções
sociais que vitimam o criminoso, será lícito devolver ao livre-arbítrio
função determinante na gênese do crime;
9. endossar a convicção de que
reconhecer que muitos comportamentos anti-so
ciais são o produto de relações familiares deterio
radas ou do esgarçamento do tecido social não jus
tifica nenhum a conivência ideológica com o
» banditismo;5
1 Oliva, A lb erto . A Solidão d a C idadania. S ão Paulo: E d ito ra S c n a c , 2 000. p. 86;
2 Lapouge, G illes. Em 1983, 10 m il foram e x e c u ta d o s n o p aís. O Estado de S. Paulo,
2 2 .6 . 2 0 0 1 .
} O uva, A lb erto . Op. cit.
Valney Corrêa Leite de Moraes Jr.
10
Parte Primeira
acrescentando que
1 Os textos citados foram extraídos de .'1 Afirmação H istórica dos Direitos Hum a
nos, por C o m p a r a t o , Fábio Konder. São Paulo: Saraiva, 1999.
2 A esse respeito, veja-se, p o r todos, B o b b io , N orberto. Teoria Geral d a Política,
Editora Campos, 2000. p. 475 e segs.
Punição Insuficiente
“U m d o s to r m e n to s d a attornia è q u e
e la rep re se n ta n u iu s presságios p a r a a l i
b erdade. E n q u a n to persiste, cria u m e s ta
d o d e m e d o c p e d e u m e sta d o tir â n ic o
c o m o rem édio".
(D a h n k n d o w . R O p .c li p 1 4 )
F. rl;t nao sofrerá com isso. Afinal, quem não tem liberdade d e cons
cie n c ia n á o j^ Q ii^ ü s ç iç m ç ^ “
Pois bem , o banimento, a proscrição do livrc-arbítrio da ordem tie consi
derações fundamentais na concepção dc política criminal tem como corolário
substancial m odificação na idéia da pena ela sc despe de finalidade
reprovai iva - na verdade, reprovar o quê, sc a conduta transgressh a tem
conteúdo fatalista? - e cia sc despoja dc finalidade preventiva, inibitòria,
dissuasória, imimidativa - na verdade, prevenir o quê -r o criminoso está
destinado incscapavelmente ao crime, dc sorte que lhe resulta química
mente estcril, inócua, inconseqüente a condenação de terceiros?
Um excéntrico personagem, de que até agora só sc vira a ponta do
nariz a sair dos bastidores, abandona a timidez e entra em cena: o niilismo
penal Realmente, uma das mais apreciadas criações ficcionais do direito
perial m oderno é apena que não è pena. A pena-refrigèrio é um dos ícones
do imaginário laxista.
Não que esses penalistas de laboratório, - que da vida conhecem pouco,
porque as asperezas dela rasgam o véu de suas fantasias românticas -.
estejam pro p o n d o limitadamente uma mudança dc ênfase uma transfor
mação semântica.
Não, a coisa vai muito mais além. c m uito mais surrealista: eles so
nham com uma pena ontologicamente vazia, sem inspiração metafísica,
sem axiologia, sem eficácia reprovativa e preventiva Reduzem a pen a ã
propriedade rccducativa, como sc fora o alfa c o ômega - quando náo é a
única, mas u m a das virtudes da resposta punitiva e. por refiexo. dáo
causa aos seguintes efeitos
a) suprim em o princípio da proporcionalidade cominativa, pelo qual
qualidade c quantidade da pena são ajustadas segundo a gravidade
da infração;
— sim. porque náo há razão para considerar, cm abstrato, a gravidade
do crime, se sc trata tão-somente de reintegrar o agente no convivio
social:
— o que é que a reiniegrabilidade. que é uma característica particular
do reintegrando, tem a ver com a gravidade conceituai, genérica, do
ilícito?
— o em p en h o reeducai ivo nao tem líame lògico, m etodológico e
didático com a natureza do crime, tenha o agente feito isto ou aqui
lo. m uito ou pouco, a duração da terapia rcssocializantc será d eter
minada não pelo fato pretérito, mas pe.a intcnsii idade da resposta
ao tratamento;
Crine o Castigo:_______
3?
R *»«S*s PoíícarnH itt «nco/reos
6 O uva, Alberto. A Solidão da Cidadania. São Paulo: Editora Senac, 2 000. p . 23.
C rin e e Castigo:
39
Refiexóes Politicamente Incorretas
[Preso? pu n id o? lei?
Estamos pesarosamente confusos.
Se a prem issa é de que inexistcm padrões de retidão, honestidade,
b o n s costumes, - se acaso existissem, seria possível disjungir honestos
e crim inosos -. como cientificam ente levantar um sistem a de tutela
penal?
Onde buscar os preceitos éticos que devem informar qualquer estrutu
ra normativa, se, tropeçando uns nos outros, honestos e criminosos não
têm distintas regras de vida que, na melhor hipótese, seriam aéticas?
Se não há atributos específicos do homem honesto, de sorte que ele
não é conceituai e empiricamente discernível do criminoso, qual seria a
legitimidade (no sentido d e justificação racional e ética) de um sistema
legal punitivo?
Nenhuma, salta aos olhos, porque seria ignominiosamente aleatório,
arbitrário e surrealista que alguém, que não se sabe se honesto ou crimi
noso, decidisse punir c m andar prender um outro alguém, que não se
sabe se criminoso ou honesto!
E não seria pedir demais ao criminoso, amalgamado indestacavelmente
ao honesto, que indicasse quais bens seriam suscetíveis de proteção jurí
dica? O ladrão, por exemplo, estaria insuspeitamente credenciado para
decidir se coisa alheia móvel deve merecer tutela penal, cominando-se
p ena àquele que a subtrai? O homicida, porventura, elegeria a Vida como
valor juridicamente tutelável? Mas afinal, nessa moralidade informe, nes
sa geléia de composição incognoscível, quem é ladrão, quem é homicida e
quem é vítima?
Crime e Castigo:
47
Reflexões Politicamente Inccrretas
Por que uma sociedade, em cujo seio reina hom ogeneidade estreme,
haveria de reputar útil um código repressivo? Seria supérfluo ou inoperante:
se todos são honestos, não há o que prevenir e se todos são criminosos,
não há quem queira (e possa) reprovar e punir.
De outra parte, estando o criminoso tão profundam ente entranhado
na sociedade, até o ponto de ser impraticável vê.-lo separadamente do
honesto, a reintegração social objetivada pela sanção penal nem se apre
sentaria como necessária nem como exeqüível:
a) seria desnecessária, porque ridiculamente supérfluo pensar em re-inte-
grar o que de antem ão se considera integrado;
b) seria inexeqüível, porque re-integração pressupõe estivesse não-inte-
grado o re-inlegrando; ora, essa premissa foi excluída de princípio,
quando se admitiu equivocada a noção de discernibilidadc entre ho
nestos e criminosos.
Estabelecida a certeza de que se confundem ambos no mesmo univer
so social, é term inantem ente fàtuo pensar em integrado, não-integrado,
re-integrando e re-integrado, como categorias separáveis e separadas. C’est
tout la même chose].
Contudo, justiça seja feita ao Sr. Van Lierop. Ele reconhece, - contradi-
toriamente ou não, nada importa -, que na punição do criminoso a socie
dade deve fica r dentro das leis que a própria sociedade estabeleceu. Do
contrário, não haveria diferença entre nós e os criminosos.
[Ora, ora, ora, então h á uma diferença entre honestos e criminosos?!
Que bom saber disso].
Volney Corrêa Leite de M oraes Jr.
'l o —■ ■ ■■ I. ■
Pan» f t n s i i
“Três m o r te s em assaltos:
• Waldyr Setaro (65 anos), no Itaim-Bibi;
• Rogério Alves Ferreira (30 anos), em Mauá;
• Rodrigo Santi Camargo (25 anos), em São Caetano do Sul.”
J o r n a l d a Tarde, edição de 21 de setem bro dc 2001).
“A p ó s s e q ü e str o re lâ m p a g o , d u p la ex e c u ta m o to r ista n a
m a r g in a l.”
(O E stado de Sáo Paulo, edição d c 18 dc agosto de 2001).
Márcia Castro Lira (...) foi morta r.a frente da filha de 13 anos,
tam bém esfaqueada (...) as duas foram esfaqueadas no pesco
ço por quatro assaltantes que invadiram sua casa e fugiram
depois dc trocar tiros com a polícia.”
(Jornal d a Tarde, edição d e 28 dc abril dc 2001).
[O Parlamentar petista tem inteira razão: “Um Ato Desses não pode ser
Justificado pela pobreza ou pela ausência de um a educação na infância”!]
“C re sce o n ú m e r o d e m u lh er es m o r ta s p o r b a n d id o s n o
tr â n sito .”
(O Estado de São Paulo edi^Jo de I) dc novembro dc 2000).
‘D u p la in v a d e sa lã o e e x e cu ta c a b e le ir e ir a .”
(O E stado d c Sáo Paulo, edição de 08 de outubro de 2000).
“R apaz é b a le a d o d e n tr o d e ôn ib u s n a zo n a su l. Office-boy
carregava envelope com documentos e ladrão achou que era
dinheiro.”
(0 E stado d e São Paulo, edição de 30 de setem bro de 2000).
“L ad rões atam b om b a ao c o r p o d e te s o u r e ir o .”
(O E stado d e São Paulo, edição de 16 de agosto de 2000).
“F ilh a d c 11 a n o s v ê c o m e r c ia n te s e r m orto (d u ra n te a s
sa lto ). Bandido tinha recebido indulto do dia dos pais.”
(O E stado d e São Paulo. edição de 15 de agosto de 2000).
“A p o se n ta d a é m orta d u ra n te a s s a lto a a v íc o la .”
(O E stado d e Sâo Paulo, edição de 26 de julho de 2000).
“E n g e n h e ir o é m o rto e m C a m p o s d e J o r d ã o (Durante
tentativa de assalto)”.
(Jornal d a Tarde, edição de 25 dc julho de 2000).
lile havia said o d c casa, com o seu Monza. a n o 84; para com
prar cigarros. Na saída d o barFryulli. foi ab ord ado por Fábio
Pereir.: d e M agalhães dc 25 anos. D en is Mário d e Azevedo,
d c 22 anos, c o m en or N.M.R., cic 15 anos. q u a n d o retornava
para o carro Os ladrões circularam com a vítima p elas ruas do
bairro durante a m adrugada d o dom in go e tentaram sacar di
nheiro em caixas eletrôn icos, mas conseguiram retirar apenas
R$ 5. C om o o p rofessor n ão tinha mais d in h eiro na conta,
levaram-no para u m mataga'.. próxim o do d e p ó sito d e lixo
m unicipal e o executaram ’
Ifornai da Tarile, cdiçio dc 21 dc outobrO d ; 1999).
“A s s a lta n te s m a ta m a d v o g a d o c c o n ta d o r.”
fO E sta d o d e Sáo Pauto, edição dc 27 dc fevereiro d e 1998).
1
Os Números da Violência no Estado de São Paulo
F o rt e :
* de janeiro a rovembra ** o p e r a s n a G r a n d e S ã o P a u l o
Secretaria da Segurança Pública
Volney Correa Leito de Moraes jr.
81
Part* Partera
Sea com unidade jurídica náo sc comover com tão pungente estatística
e nao souber dar resposta punitiva adequada ao banditismo violento, será
bem ipropriado acoimá-la cie insensível, pusilánime c inútil.
Hscandaliza e revolta ver como falsos humanistas - espicaçados por
patológicos sentimentos d e culpa ou acoroçoados por farisaica e piegas
comiseração p or facínoras - se alvoroçam e se mobilizam, sempre que.
diante da crescente ousadia e expansiva analgesia moral dos assaltantes,
surgem propostas cie reforço da eficácia intimidativa e dissuasória da pena.
Obrando com a mais desfaçada im probidade intelectual, os falsos
humanistas põem nos defensores de Justiça Penal austera tacha de
reacionários, retrógrados, porque, cm sua óptica desonesta, estariam em
oposição ãs tendências do direito penal moderno. Ora isso é cavilação,
bluff. O que esses indivíduos refratários aos sofrimentos da população
ordeira consideram tendências do direito p en a l moderno não passa de
cerebrinas iucubrações de uns poucos nefelibatas. cientistas dc gabinete,
prisioneiros dc delírios quiméricos. Na verdade, o ordenamento repressi
vo no chamado primeiro m undo é tendencialmente sempre mais c mais
rigoroso.
(O jurista Alberto Silva Franco, conspicuo preconizadordc re
dução nas dimensões do direito punitivo c notório advogado
dc soluções mitigativas cm sua aplicação, malgrado lamen
tando que as “novas tendências do direito penal" desfigurem-
no, reconhece que elas se caracterizam "por uma ampla politi
ca de criminal i/ação em áreas até então excluídas dc sua in
tervenção", d c tal m odo que o direito penal ao invés dc ser
utilizado como ultim a ratio passa a ser adotado como prim a
ratio ou até mesmo como sola ratio ' Boletim IBCCrim
n. 56, julho/97).
A realidade espelhada no Direito Positivo é bem outra
“Nos Estados l nidos, onde há 1res décadas as estatísticas
atribuem a crianças en tre 9 e l i anos a m édia de 100 assas
sinatos p or ano, em Estados como o Texas menores podem
ser condenados a ate quarenta anos dc cadeia E a lei fedenti
está apertando. Um pacote do governo Clinton contra a violên
cia m anda julgar como adultos os adolescentes que sc metam
cm delitos à mão armada. N;i Inglaterra (...) John Venable c
Robert Thompson, dois meninos que mataram um bebê quan
do unham 10 anos, pegaram quinze anos dc prisão."
1 GcoxtA, Mareos Sa. Mya. edição de 21 dc aitosio de 1996.
-1
C rin e e C astigo:
R lÍ M tN PcMcar*ic4o toarreU s
Aliás, a p opu lação carcerária tem experim entado acentuada exp an são
n o s E stados Unidos por con ta d e leis sem pre mais rigorosas
4 Exterto de m atéria assinada por John Cushman Jr. no Tìte New York Times, tradu
cida e reproduzida na edição de 25 de maio de 1998 de O Estado d e São Paulo.
Crime e Castigo]_______
87
Reflexões Politicam ente Incorretas
No Reino Unido, a pena para roubo com emprego de arma produz efei
tos p o r toda a vida do condenado. Usualmente aplica-se pena de 25 anos,
mas, na verdade, trata-se de questão discricionária e o juiz determ ina o
tem po m in im o que o criminoso deverá cumprir (o que varia de 5 a 10
anos, conform e o iuiz). Ao firn desse período, a Junta de Livramento Con
dicional {Parole Board) reexaminará o caso e decidirá se o criminoso pode
ser solto. Se ainda for considerado perigoso para a sociedade, perm anece
rá na prisão p o r mais tempo. Solto, o criminoso pennanecerá sob fiscali
zação pelo resto de sua vida e, tornando a delinquir, retornará à prisão.5
Na Itália, a reforma do Código Penal, sob a coordenação do Prof. Anto
nio Pagliaro, orientou-se, entre outros, pelo princípio de eficácia das
sanções penais, valendo lembrar as considerações que a respeito desen
volveu o ilustre jurista:
“A eficácia da pena justa como fato de prevenção
geral e especial dos crimes sem pre foi instituída por
aqueles que se ocupam da justiça penal. (...) O ideal
de justiça que inspira todo o Projeto é também um
ideal de eficácia. Sob esta perspectiva parece claro
o porquê, mesmo no reconhecim ento de que as
penas devem se voltar para a reeducação do conde
nado, no rol das penas ainda esteja presente o ergás-
tulo. Para os delitos mais atrozes, os cidadãos sen
tem que a pena adequada, exatamente por razões
de justiça, não pode ser outra coisa que não a do
crgástulo. Além disso, a escolha de uma pena legal
inferior teria um significado político de um abaixa-
m ento da guarda face à pior delinqüência, o que
em um m omento de criminalidade crescente certa
m ente não pode ser aceito. E a opinião da esmaga
dora maioria dos italianos não pode ser desprezada
em um Estado dem ocrático.”6
No Brasil, a opinião da esmagadora maioria dos cidadãos é inescrupu
losam ente desprezada pelos pseudodefensores do Estado Democrático.
Deveras. Pesquisa encomendada pelo Ministério da Justiça
6 Inform ações prestadas pelo F oreign & C o m m o n w e a lth O ffice, por interm édio da
Embaixada Britânica no Brasil.
6 O Projeto de Lei Delegada para um novo Código Penal, R e v is ta d a F a c u ld a d e d e
D ir e ito d a s F a c u ld a d e s M e tr o p o lita n a s U n id a s, Série Internacional V, p . 98-
Votney C o rrê a U nte de M oraes Jr.
P a m P rtrw a
novembro de 1999.
V o ln e y C o r r è a Le i t e d e M o r a e s J r.
•>2
t'ane
§
Q uanto san g u e in ocen te ainda deverá correr para q ue o s legisladores
se com ovam '
C om p reen de-se esteja o C ongresso Nacional saudavelm ente ocu p ado
na lim peza d e con h ecidas e m uito próximas e stre b a ria s d e Auguis.
Mas não sobraria algum tem po, p ouco que fosse, para a aprovação de
leis eficazes na repressão à crim inalidade violenta'
§
H ouve é p o c a em que se p odia conceder ao penalista m o d ern o o b e n e
fício da estu pidez.
Pensava-se q u e ele. con q uan to sc com ovesse com qualquer dos crim es
h ed ion d os aqui relacionados, seria incapaz, por obtusidade mental, dc
extrair as p ertin en tes con clu sões n o cam po da política criminal.
C ontudo, é tão volu m oso o registro das crim es h ed iond os que a mera
dificuldade anal ¿tico-conclusiva não constitui explicação bastante.
C) caso e d c sensibilidade moral obliterada p e lo esn ob ism o c p elo fa
natism o id eo ló g ico .
D em onstração gráfica:
I. Vítima da sociedade
Se o ladrão violento, o estuprador, o traficante de drogas (etc.) são
realmente, com o pretendem alguns penalistas m odernos, apenas vítimas
da Sociedade, isso quer dizer que a Sociedade é moralmente muito pior
do que eles, porque só alguma coisa mais vil, mais torpe e mais ignóbil
que o autor de crime hediondo pode constranger alguém congenialmente
puro a se to rn ar bandido.
Ora, se a Sociedade é moralmente m uito pior que o bandido por ela
gerado, então ele agiu muito bem dela higienicamente se afastando. De
m odo que sua reinserção nela seria desvantajosa para ele, moralmente
falando.
Logo, na óptica da teoria socioeconómica da exculpação, a prisão seria
a melhor proteção do bandido contra a Sociedade.
Essa gente vai acabar nos convencendo que ressocialização é algo as
sim tão im prudente e descabido como devolver ao pai, cujo pátrio poder
fora cassado p o r maus tratos, o fdho-vítima.
Reintegrado, o egresso estará exposto aos mesmos fatores que o viti
maram. Então, não vale a pena sair pela porta que reconduz à Sociedade-
vitimária.
Já podem os ouvir o tropel das objeções, com esta à frente: se a Socie
dade não quer reincidentes, deve tratar de não voltar a fa zer com eles o
que fe z para que deixassem de ser prim ários!
Mas, Hélas, assim o círculo de ferro jamais se rompe: a Sociedade é
culpada p or gerar o bandido, culpada p o r iludi-lo com a miragem da
ressocialização, culpada por náo ter m elhorado o bastante em ordem a
receber o seu retorno. Culpada por isto, culpada p o r aquilo, culpada aqui,
culpada ali, culpada ontem, culpada hoje, culpada sempre. Então, não
tem jeito. Tão culpada assim, é melhor que se recolha à prisão e deixe fora
os bandidos. Eles, obviamente, não pensarão em voltar para lugar tão mal
freqüentado. Ela se livra deles e eles, dela.
Cínico?
Ora,’o argum ento a d hoc não é nosso. É dos penalistas modernos.
Vejamos:
Volney Corrêa L e ite do Mora e s Jr
101
‘‘an* Pnmeir*
§
Lixeiros, balconistas, em pregadas domésticas, faxineiros, telefonistas,
carreiros, taxistas, barbeiros, vidraceiros, ascensoristas, m ensageiros,
frentistas, enfermeiras, cobradores, copeiros. encanadores, tipógrafos,
tintureiros - se essa boa gente toda c muito mais no m esm o estrato náo
integra a Sociedade, qual o perfil cstratigráfico dessa noção quando em
pregada no contexto do subtítulo?
Porque, se essa boa gente integra a Sociedade, é no mínimo ultrajante
imputar-lhe responsabilidade primária na pràtici de todo e qualquer crime
Por que o pobre e digno lixeiro (e com ele os seus irmãos na honestida
de) há d e ter culpa no lato d c uma figura crapulosa, sórdida, perversa sair
à rua. revólver em punho, para invadir casa alheia e saqueá-la, náo sem
antes ferir de morte o chefe da família e constranger a filha adolescente :í
conjunção carnal?!
Mas é bom possível c até m uito provável que estejamos a incorrer em
excessiva ingenuidade, não vendo que ciasse dom inante vai por baixo
Cnme e Castigo _
«df»»A Ò tr. P c B Í C J r W t O l'‘< C T « a »
§
Além do mais. com dizer que o criminoso c vítim a d a sociedade, não
apenas se lhe confere estatuto de isenção penal, porque não faz sentido
punir a vitim a, com o - o que é aterrador! - dá-se-lhe amplíssimo salvo-
conduto e outorga-se-lhe o direito de viver à margem da Lei.
Com Fenech, vem a propósito indagar:
"o fato de absolver um comportamento desviado náo
conforta o seu autor no seu estatuto dc vítima, abrin
do todos os direitos, incluindo o de permanecer à
margem das leis ? 1
Resulta dessa descriminalização de fa cto e dessa irracionalidade tor
tuosa que o cidadão honesto tem o dever d e aceitar, sem protestos, os
constrangimentos impostos por aquela prerrogativa aberrance.
Ele, o cidadão honesto, o homem de bem, poderá coerente e consis
tentem ente afirmar que seus direitos fundamentais de ser humano foram
pelo criminoso violados?
Não, certamente.
Forque seria um contra-scnso falar em vítim a da vitima
\ cultura da desculpa (Fenech) c o álibi d a culpa sistêmica (A. <)liva),
geram o direito p enal d o niiJtsrno.
* Op ctt p 37.
Volney Corrêa Leite de Moraes Jr.
106-
Parte Primeira
2. Papos2 de Aranha
O latrocínio corporifica sim ultânea violação de dois dos mais sagrados
preceitos éticos: “N ão m atarás” e “Não roubarás”.
Portanto, é um crim e de superlativa gravidade.
O u não é?
Até m esm o o m ais lunático dentre os penalistas modernos , pego de
supetão, será forçado a resp o n d er - ao m enos da boca para fora - que a
d u p la ofensa àqueles m andam entos é conduta abjeta, execrável, sórdida.
Cm dos exem plos m ais abomináveis de incom patibilidade com as norm as
básicas de convivência social e inconciliabilidade com o direito à liberda
d e de ir e vir.
(A aranha já vislum brou a refeição.)
Não obstante, nesses sim pósios a que os penalistas modernos acorrem
p re ssu ro so s, e x u ltan tes e saltitantes, para tro c a r elogios, latinhas de
confeitos e receitas d e bolos, com as cabeças engrinaldadas tal fossem
hippies q u e p erd eram o calendário, nesses sim pósios, a conversa é outra.
Aí, não é de bom tom m encionar o problem a do latrocínio, porque,
e n tã o , se rá inevitável falar ein pena proporcionalm ente justa: p en a
reclusiva, suficientem ente extensa para bem rep ro var e m elhor prevenir.
E quem ousar tocar numa coisas dessas pode estar certo de não figurar
na lista de convidados, ano próximo.
Na realidade, o simpósio terminará com unânime aprovação de m oção
para a revogação da Lei dos Crimes Hediondos. No entanto, senhores
penalistas modernos, vamos deixar de lérias, de desconversa, de lero-lero:
Qual a p ena qualitativamente adequada ao latrocínio? advertência?
multa? prestação de serviços à com unidade, sob a forma de palestras em
escolas infantis? prestação pecuniária, sob a forma de um salário mínimo
para a família d a vítima? prisão?
Esqueçam, p or um momento, as regras do politicamente correto e con
sultem as regras do bom senso. Vamos lá.
Muito bem: pena privativa de liberdade, prisão.
(A aranha está chegando).
Agora, passem os ao problema correlato:
Qual a pena de prisão quantitativam ente adequada ao latrocínio? di
gamos, 08 (oito) anos? mas essa é a pena máxima cominada ao furto de
“veículo autom otor que venha a ser transportado para outro Estado ou
para o exterior” (CE art. 155, § 5o), crime no qual não foram vulnerados
sim ultaneam ente os mandamentos não m atarás e não roubarás. Logo,
pena insuficiente. - digamos, 15 (quinze) anos? mas essa é a pena máxi
ma cominada ao roubo em que da violência não resulta morte, resulta
lesão corporal grave, valendo dizer que apenas um daqueles dois m anda
m entos foi desrespeitado. Logo, pena insuficiente.
Se a resposta apontar para pena inferior a 20 (vinte) anos, o caso já não
é de simples laxismo. E de interdição.
Enfrentemos, finalmente, o problem a do regime prisional: fechado?
semi-aberto? aberto?
Por determ inação legal (Lei dos Crimes Hediondos, art. 2o, § I o), a
pena aplicada ao autor de latrocínio “será cumprida integralmente em
regime fechado”.
O penalismo moderno term inantem ente não quer isso. Quer, categori
camente, que o condenado por latrocínio passe ao regime semi-aberto,
após 03 (três) anos e 04 (quatro) meses em penitenciária.
Acontece que só os lunáticos desconhecem um temível engasgo esta
tístico: 07 (sete) em 10 (dez) fogem dos institutos destinados ao cum pri
mento da pena em regime semi-aberto.
Seja como for, há na orientação do penalismo moderno uma atordoante
contradição em termos: se o latrocínio é hediondo e por ser hediondo
V d n e y C o r r ê a L eit e d e M o r a e s J r .
Ptn* Prrwra
§
De órdinirio, argumenta-se que a eficácia dissuasória da pena náo c
comprovável empiricamente ou. por outra, não c passível de aferição esta
tística: com o saber se e quantos indivíduos propensos ao crime teriam
deixado de cometer alguma forma de transgressão por motivo do temor
d a possibilidade dc castigo?
Volney Corrêa Leite de Moraes Jr.
no- Parle Prim eira
ao Senso Comum seja para o que for. Ele sabe que o Senso Comum está
para sua esquizofrênica negação dos fatos assim como a estaca de madei
ra está para o coração do vampiro.
Em todo caso, se fosse possível de alguma maneira provar que c ne
nhum a a virtude preventiva geral, essa constatação positivamente não nos
conduziria a concluir pela suavização e desfìbramento de todas as penas.
Independentem ente de conter ou não os impulsos de B, C e D, a extensão
d o castigo reservado ao crime pelo qual zi veio a ser condenado continua
ria sendo regida pelo principio da proporcionalidade, que conecta a pena
à gravidade do fato.
Some-se a essas considerações um a reflexão correlativa, a partir da
hipótese de renúncia à continuidade da m ilitância criminosa por livre
resolução do delinqüente até então im pune - medo de ser abandonado
pela Sorte, conversão religiosa, desentorpecim ento da consciencia moral
etc. Não im porta o motivo. Importa, objetivamente, a renuncia.
Ora bem, essa hipótese não é, p o r igual, comprovável factualmente:
com o saber quantos deixaram a vida criminosa não obstante o estímulo
d a im punidade, isto é, malgrado não terem experimentado o desconforto
carcerário?
Nem p o r isso será inadmissível a priori a hipótese de ressocialização
espontânea.
Tanto quanto não será inconcebível a hipótese de que um núm ero sig
nificativo de delinqüentes virtuais deixou-se ficar na potencialidade, por
conta do tem or da conseqüência punitiva. Correlativamente, cabível a hi
pótese de que um núm ero ainda maior teria optado pela abstenção, caso
fossem mais severas as penas.
Ora, o simples fato de ser hipoteticam ente previsível a contenção da
crim inalidade por obra da exasperação quantitativa das penas justifica a
providência. E, qualquer que seja o resultado, a medida jamais será passí
vel de censura.
Se os dados estatísticos dem onstrarem que o alongamento das penas
não surtiu o esperado efeito dissuasório, não se lamentará a iniciativa e
não se restabelecerá o status quo ante, porque uma constatação será
ineludível e incontrastável: a tem eridade c temibilidade do criminoso são
tam anhas que o castigo não o refreia, por mais áspero. Se assim é, nada
mais razoável que encompridar a segregação de criminoso tão acentuada
m ente tem erário e temível. Somente um lunático sustentará que castigo
não rigoroso é o que de mais adequado se pode imaginar para delinqüente
com aqueles atributos.
'•'( l"<
112
^artePrrvïfo
4. Em fam ília
Um dos tópicos indefectíveis no discurso laxista é o argumento seguinte:
“Ladrão violento (ou extorsionário/seqüestradorou
estuprador etc ). primário, nem por ter feito o que
fez é condenado que sc deva encarcerar porque* a
prisão é lugar nocivo, saturado de indivíduos peri
gosos."
Se o laxista um dia qualquer parasse para refletir hipótese m uito
pouco provável -, ele descobriria, assombrado, que esses indivíduos p e r i
gosos, cuja com panhia não é saudável para os ladrões violentos (ou
extorsionados seqüestradores ou estupradores etc.:, sáo. naca mais. nada
m enos, que ladrões violentos (ou extorsionários seqüestradores o u
est upradores etc.).
Se. a questão é de convivência indesejável, pense-se que a prisão existe
para m anter afastados dos honestos c pacatos (que sáo muitos e m uitos)
os bandidos (que, graças a Deus, são com pariti vãmente poucos).
Em resum o: o bandido não vai encontrar na cadeia ninguém diferente
dele; antes, vai encontraros que para iá foram exatamente pelos m esm os
motivos que para lá o levaram
Náo resisto a esta provocação: se os que estão cumprindo pena vêm a
ser criaturas tão perniciosas que com elas náo deve conviver o que sai
(iim prir pena, não c um absurdo impor aos cidadão ordeiros o ônus d c
conviver com aquelas criaturas, após penas de curta duração? o laxismo
sempre acaba, dc uma forma ou dc outra, por advogar a prisão perpétua.
A Virtude do Impossível
(P e rd ã o p e la In sistê n c ia )
Enquanto política crim inal não for pensada a partir dc uma realidade
viva, nua e crua, cm m o m e n to histórico dado c em função de exigências
m orais ainda vigorantes (p or mais que sc tente negar o fato); enquanto,
inversam ente, for con ceb id a corno material especu lativo, livresco, acadê
m ico, o laxism o penal continuará transitando com desenvoltura, ven d en
d o su as fantasias e e n to a n d o seu canto de sereia.
Hora chega, porém , em q u e alguém decidido a n á o se subm eter à dita
d ura do p oliticam ente correto interrompe a ladainha da "prisão d eve ser
abolida p orq ue n ão corrige"(o le itm o tiv d o laxism o) e pergunta o prag
m ático grosseiro:
Heureka!)
- o penalista fa s h io n a b le , "onde pór o se ria l k ille r ' Ora. ora. ora. isso
é coisa q ue se p crguntc a quem está atento á ciência pura d o d ireito,
segu n d o as d ire trize s d o d ire ito p e n a l m od ern o '"
Crime e Castigo:_________________________________________________________ J1?
R***XÛ« roítcj.T^'iuj irconeus
Volta e meia, você cru za com algo assim com o um duende yuppie a
proclam ar, acusadoram ente: “em lugar de ergucr um presidio, plante urna
flor!” Como se você a d o rasse presídios e detestasse flores e como se o
com plexo problem a da execu ção das penas proporcionalm ente dilatadas
pudesse, com a devida seried ad e, ser colocado cm term os de substituição
de presídios por flores.
Esse lirismo arrogante, tipicam ente nazi-stalinista, utiliza u m verso em
si m esm o com ovente p ara, co m a ternura de um guarda ucraniano , dei
xar não resolvido o p ro b le m a penitenciário.
N ão erguer um estabelecim ento penal apto a “p ro p o rcio n ar condições
p a ra a harm ônica integ ração social do condenado” (Lei de Execução Pe
nal, art. I o), co n tan d o “e m suas dependências com áreas e serviços desti
n a d o s a d a r a s s istê n c ia , e d u c a ç ã o , tra b a lh o , re c re a ç ã o e p rátic a
esportiva”(art. 83) e u n id a d e celular, na qual se assegure “salubridade do
am biente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicio
n a m en to térm ico ad eq u ad o à existência hum ana" (art. 88, parágrafo úni
co (a) e “área m ínim a de 6 m 2” (b), é esconder a m asm orra sob a poesia,
co m o indisfarçável p ro p ó s ito de produzir o caos.
O hom em justo é co n stran g id o pelo iníquo a co n stru ir presídios. Se
não o fizer, o ad u b o de suas flores será uma com binação tétrica e hipócrita
do san g u e das vítimas, d as lágrimas de seus familiares e d o sofrimento
dos próprios condenados.
Isso não é flor. É p lan ta carnívora. Isso não é poesia. É a m etáfora da
dem agogia anárquica.
Águas de Bacalhau
apurando-se q u e
“a polícia brasileira tom a ciência de um qtiarto a um
terço dos crimes perpetrados”.1
Ao que se deve essa desonrosa proem inência? Pensam os que a p o pula
ção brasileira sente-se desencorajada a notificar o crim e por conta de am
plam ente dissem inada e profundam ente enraizada crença de que tu d o
term inará em águas de bacalhau.
E qual a origem dessa crença? Indubitavelm ente, o núm ero crescente
de decisões in ju stam en te condescendentes. P or que a vítima de roubo,
p o r exem plo, h á d e q u e re r adicionar ao sobressalto, à hum ilhação, ao
tem or de represália, O trabalho de p rocurar a d e p e n d ê n c ia policial e, na
seqüência, d e apresentar-se à autoridade judiciária, sabendo de antem ão
que eventualm ente cruzará com o assaltante, m e n o s d e um ano depois?
As subnotificações, pois, são subproduto da im p u n id a d e que, aos olhos
da gente ordeira, assum e tam bém a forma de p u n içã o insuficiente.
1 Pesquisas de Vitim ização. Revista do Instituto Latino Americano das Nações Uni
das para a Prevenção do Delito e Tratamento do D elinqüente n. 10,passim.
Se o Navio é de Papel não Espere pela Carga
- ;i situação fica ain d a mais critica para a prem issa sob o risco dc imergir,
quando vem a o espírito um a verdade m inistrada pela realidade: sao
m ilhões c m ilh õ es os q u e , em bora n ão te n d o , escolheram n áo am bi
cionar ou, q u a n d o m uito, lutar p o r conseguir licitam ente os padrões e
valores dos q u e já têm , ao passo que é relativam ente insignificante o
n úm ero dos que, náo ten d o , escolheram provar a via do crim e para
conseguir ter.
A premissa afundou'
!• atrás dela vai afundar, sem dem ora, a prem issa associada d e que as
vítimas situam -se n o s segmentos mais ricos e instruídos da população.
Q uem trabalha n o Tribunal de Alçada Crim inal d e São Paulo - o m aior
estuário de recursos crim inais n o país - está farto d e sab er que indivíduos
das classes C e D com p õ em m ajoritariam ente o universo das vítimas.
Acresce su b lin h a r que o fenòm eno da su bnotificaçáo c mais intenso
nesses estratos socioeconóm icos, o b serv an d o Tulio Kahn, c o o rd e n a d o r
dc pesquisa d o Iianud, que
"os mais pobres e pouco instruídos (...) têm menos
c iê n c ia de s e u s d ire ito s , sáo n áo ra ra m e n te
destratados nas delegacias - com o de resto em to
das as repartições públicas - náo têm amigos influ
entes nem podem oferecer recom pensas paralelas.
Seus poucos bens náo estão segurados, moram lon
ge dos distritos e náo têm a mesma facilidade para
faltar ao trabalho ou ao estudo para dar queixa à
polícia F.m outras palavras, ir à polícia p o r que?"
)
)
)
)
)
)
U p S id e D o w n
O laxista nem sem pre é esse m oço d e sa c ristía que eie tanto faz por
parecer.
Ao contràrio, frequentem ente ele joga sujo.
Ilustra liem esse com portam ento (já não agora do moço de sacristía,
mas do sacristão que bebe o vinho do padre) a engenhosa manobra para
tornar le tra m o rta a Lei dos Crimes Hediondos, crimes esses que sc des
tacam do gênero pela singularidade dc que sua pena “será cumprida inte
gralmente em regime fechado" (art. 2o, § Io). Im a vez q u e seriam apedre
jados pela opinião pública se trabalhassem, a céu aberto e sob a luz do
dia. em favor da revogação daquela Lei, resolveram os laxistas atuar ã
socapa.
E o que é que eles fizeram?
Fizeram o seguinte:
Lcmbrando-se que a tornirà c equiparada a cnm e hediondo (Lei n.
8 0 “2 90. art 2o). eles induziram o Congresso a aprovar, desatentam en
te. a Lei n 9.455/97. que define os crimes de tortura, carregando um
sutilíssimo C a ía lo d e T róia, a pena pelos crimes de tortura só in ic ia l
m e n te é cumprida em regim e fechado (art. Io. § 7o). valendo dizer que,
a breve tem po pode o condenado passar ao regime semi-aberto e d e
pois ao aberto
Feito isso. saíram a proclamar que o art. 2o da Lei dos Crimes Hedion
dos fora revogado, aplkando-sc-lhes retroativam ente c por extensão
analógica (CF. an 5°. XL. e CP art 2o. parágrafo único) o sistema progres
sivo (fechado, semi-aberto, aberto).
Aureóla e asinhas, portanto, só para o álbum de fotografias
Muito atenta ao logro, a 7a Cámara do Tacrlm-SP ponderou:
Se algum diploma legal, entre os dois aqui confrontados, padece dc
inconstitucionalidadc palpável e ultrajante (porque sub-rcptícia) é a Ix*i n
9 »55 V . no tópico em que concedeu o regime progressivo a crime equi-
paradp aos hediondos.
Efetivamente*
a) a categoria dos c rim e s h ed io n d o s tem substrato constitucional, reves
tindo a dignidade dc g a r a n tia dos cidadãos contra o facínora (CF, art
5o. XLIII);
Volney Correa Leite de Moraes Jr.
126
Parle Primeira
e) fossem admissíveis todos esses contra-sensos, scria tic indagar, que coi
sa haveria de distinguir crime bediotuio de crime não-hediondo7O que o
laxista sustenta, em última análise, ê que não há fazer tal distinção (7‘);
1) além disso, a Lei n. 9-455/97, mal dissimulada e, talvez por isso mes
m o, malograda tentativa de, por via oblíqua, suavizar a posição de tra
ficantes de entorpecentes, tem objeto especifico, incxtensívcl ao con
junto d e crimes hediondos;
g) quem está muito com padecido con) a situação dos autores de crimes
hediondos (personalidades sórdidas, vis, ignóbeis,p o r definição) deve
ter a coragem moral de pôr de lado tecnicismos hipócritas e sutilezas
farisaicas, para defender abertam ente a teoria da inexistência d e hedi
ondez nos delitos legalmente incluídos nessa categoria de viés consti
tucional;
h) a bandeira politicamente correta teria este enunciado, náo sáo hedi
ondos, antes muito simpáticos, o homicídio, quando praticado em
atividade típica de grupo de extermínio e o homicídio qualificado, o
latrocínio; a extorsão qualificada pela morte, o estupro etc. £ pague a
sociedade ordeira o preço de tão repulsiva subversão de valores!
M e n o r id a d e : L icen ça p a r a M a ta r
§
D iálogo en tre o H om em Comum e o Intransigente D efensor da
Inim putabilidade do Assassino (de 17 dezessete) anos (ou Menorista-Per-
missivo) :
HC: - Não me parece justo que criaturas de bem continuem sendo abati
das p o r menores de 18 anos e maiores de 16 anos, que agem sob o
estím ulo da impunidade.
MP: - Não m e parece justo que a pureza de um princípio etéreo seja
afetada p or inevitáveis vicissitudes e contrariedades do cotidiano. A
exagerar-se o impacto das contingências antagônicas, nenhum a teo
ria sobreviveria. E preciso resguardar a sublimidade e a intan-
gibilidade absoluta d o princípio contra a investida mesquinha dos
fatos.
HC: - Livre-nos Deus dessa gente de princípios que de seus protegidos
sanguinários talvez nos possam livrar as nossas pernas.
No Brasil, o adolescente é equivalente ao “007" no Reino Unido - tem
licença para matar.
O Sinai de Cairn
Pena de morte?
O primeiro assassino foi amaldiçoado, banido do solo fértil, expulso
da face de Deus. Mas o scu sangue não foi derramado em represália. Ao
contrário, “lahweh colocou um sinai sobre Claim, a fim d e que n ão fosse
m orto p o r quem o encontrasse” (Gn 4, 35). O sinal de Cairn, portanto, é
a exclusão necessária - “serás um fugitivo errante sobre a terra” - e ao
mesmo tem po a reafirmação da sacralidade da vida.
Se esse texto relata episódio tão edificante na aurora da Civilização,
que vantagem haverá em procurar o inverso em outras passagens cie época
posterior, nas quais lahweh, o espírito abrasado pelo sol do deserto e
convertido em
"un demonio siniestro y sanguinario que ronda por
la noche y teme la luz del dia"'
estipula o sangue como o preço do sangue (Ex 21, 12-14; Lv 24, 17) e
proclama que “o sangue profana a Terra, e não há para a Terra o u tra expia-
ção d o sangue derramado senão a do sangue daquele que o derram ou
(Nm 35, 33)?
O que liá de abom inável n a pena de m orte não é a pena, que faz do
reconhecim ento p ó stu m o d e eventual erro judiciário apenas o fundam en
to cínico de cínica reabilitação moral. É a m orte, ela mesma.
Tanto tem as m ãos sujas de sangue quem m atou contra a Lei como
quem m atou pela Lei. P. a M orte não tem (com o se pensa) qualquer p ro
priedade seletiva na purificação desta ou daquela mão. Não deterge esta e
não deterge aquela.
Não matarás-, o rd em violada pelo assassino e pelos q u e se tornaram
assassinos do assassino - o acusador, o juiz, o verdugo.
Assassino : eis um a palavra de maldição q u e não faz distinção entre
maLditos.
O erro de um a Sociedade, que a soberba levou a ignorar a hipótese de
reconhecer o erro judiciário, está em não ver que a arrogância é um erro
incorrigível.
Ao p é do patíbulo, a vítim a do erro judiciário diz àquele cjue a vai
matar, p ro testan d o cum p rir ordens:
“a partir de hoje, não se trata mais de saber de quem
viria o perdão q u e me negaram, mas de rezares a
Quem com petirá um dia dá-lo a ti.”
Apenas uma sensibilidade incompreensivelmente seletiva não tem olhos
para ver que, na lei d o olho p o r olho, far-se-á em nom e do primeiro olho
exatam ente aquilo de que se acusa o dono d o segundo.
Sem em bargo, certo s casos há em que esquecer rapidam ente da vítima
é tão ou ainda mais m o n stru o so que o próprio hom icídio. D e m odo que a
única form a de conservar a lembrança da vítima é esquecer o assassino
po r bom tem po atrás das grades.
E o laxista nisso tudo?
Bem, aqui tam bém e coerentem ente, ele personifica a m oral da ambi
güidade: não tendo d erram ad o uma só lágrima pela m orte da vítima, ele
as verte todas na defesa da vida do autor da m orte.
No Brasil, n ão co n ten te com a inexistência da pena d e m orte e da
prisão p erpétua (CF, art. 5o, XLVII, a e b), deixando bem patente que não
se horrorizou com o crime, em presta todas as suas energias na execração
da Lei dos Crimes H ediondos, horrorizado (?!) com a idéia de que o autor
Crime e Castigo:
135
Reflexões Politicamente Incorretas
1 Apud V>tr Ricardo. Lnquiridion de Lugares Penais (parte geral) na Suma Teològica
dc Santo Tomas dc Aqumo In L> Ricardo (org). TradiçAo, Revolução v Pós-
Modernidade Campinas Millenium Editora p 398.
A Raiz e a Seiva
"... a cristandade tem regido a cultura o ciden tal pra tica -
m ente desde o início de sua existência, não apenas orientan
d o seu im pulso espiritual p o r dois m ilênios, m as tam bém
influenciando sua evolução filosófica e científica p o r todo o
Renascimento e o Iluminismo. Até boje, d e m aneiras menos
evidentes, mas não menos significativas, a visão de mundo
cristã continua a afetar - ela realmente perm eia - a psique
cultural do Ocidente mesmo em seus aspectos aparentem ente
leigos".
( T a s n a s , Pichará. A Epopéia do Pensamento Ocidental. R c tr a n d
)
)
1
O Trapezio Voador e o Salto no Vacuo T eórico
haver agido, violando o dever de náo agir, 011 omitindo o cum prim ento rie
um dever jurídico dc agir, por própria opção, com consciencia c vontade
dc desobedecer à lei" (p.82).
Opção, consciência e vontade, h o trapézio vem.
Mais ainda: “a reintegração social do delinqüente através do cum pri
mento de uma pena pressupõe a capacidade dc distinguir c de se determ i
nar cm função dos imperativos jurídicos” (p. 83) (perfeito! até mesmo a
eficácia da pedagogia ressocializadora subordina-se à p resença do
discernim ento moral, porque se o condenado náo tem consciência de que
se acha (des)integrado, ele obviamente não sc (re)integra; ora, bem feitas
as contas, isso tudo não provém daquela boa, sadia e antiga “concepção
espiritualista do boniem assefite no livre-arbitrio”'t]
Capacidade de distinguir e de se determ inar E o trapézio vai
E não se pode nem se deve relegar ao oblívio que "o principio da culpa
bilidade no Direito Penal c manifestação de princípios morais elementares
que se mantêm vivos na consciência popular A idéia da responsabilidade
do sujeito adulto e mentalmente são c uma realidade inquestionável da
nossa consciência social e moral” (p. 83/4). A verdade e que o sentimento
de liberdade dc decisão e a consciência da responsabilidade pelos próprios
atos está insita no foro interno de cada pessoa e, por isso, o compreendem
todos, quando são responsabilizados com base no princípio da culpabilida
de (p 84). (só por curiosidade: a que sen e toda essa construção teórica, se
a hberdadc d e decisão que levou ao crime não deve implicar lima ilusão
repressiva de caráter emendador, isto é, a ilusão de que o fim d e provocar
o arrependimento, a emenda, é o verdadeiro fundam ento do direito de
punir (p 53)? De fato, sem o arrependimento dc ter sido mal empregada a
liberdade de decisão entre o bem e o nuil que está em cada um d c nós,
salta aos ollios que o condenado não se ressocializa. quero dizer, não se
determina a orientar para a alternativa solidariamente adequada e social
mente conveniente a sua liberdade de decisão).
Princípios morais elementares Consciência moral. E o trapézio vem...
Todavia, que ninguém se iluda com o alcance da conexão entre cons
ciência m oral c idéia d a responsabilidade, porque, apesar dc todo esse
discurso sobre princípios morais elementares, adverte-se que o “direito
penal é entendido |x>r muitos como correspondendo ao minimo ético in-
dispensável á vida em comunidade e nesta perspectiva estaria subordina
do ¿1 moral social, perdendo conseqüentem ente autonomia. Na verdade,
porém, o direito penal não visa obter a conformidade dos com portam en
tos hum anos com quaisquer imperativos m or ns, mas tão-só a sua confor
mação com os imperativos jurídicos que sáo determinados em razão da
Volney Corrêa Leite de Moraes Jr.
150
Parle Prim eira
sua utilidade social e não para formar ou reforçar a consciência moral das
pessoas” (p. 74) [só por curiosidade: quando, mais adiante, o em inente
professor faz alusão a valores subjacentes (p. 75), não estaria adm itindo
que os im perativos jurídicos são imperativos categóricos, significando
dizer que têm conteúdo ético?].
Não subordinação à moral. E o trapézio vai...
“A autonom ia do direito e da moral não desconhece, porém, que q u an
to mais estreita é a aproximação entre as normas penais e as norm as
ético-sociais tan to mais amplas são as possibilidades de aquelas serem
respeitadas nem que o sistema penal que esteja em manifesta contradição
com os valores éticos comunitários tem menos possibilidades de fazer
respeitar as suas nonnas” (p. 74), até porque, como ressaltava Moneada:
‘"Ninguém duvidará, por certo, de que é, antes de tudo, à Moral que o
direito vai buscar o princípio de sua própria obrigatoriedade".2 "O direito
tem de se naturalizar primeiramente cidadão da república da Ética, se
quiser conseguir aquele mínimo de validade c eficácia que lhe são neces
sárias para socialmente cumprir a sua missão.”
O Direito é um cidadão d a república da Ética. E o trapézio vem...
De outra parte, importa salientar que o arrependimento (ou a em en
da) integra o rcceituário de ultrapassadas doutrinas da retribuição (d o u
trin a s correcionistas), que “assentam no pressuposto do desvalor
mctajurídico dos comportamentos violadores do preceito penal” (p. 47)
(fica n o ar qualquer possível indagação sobre a definição ontològica do
preceito penal, uma vez que moral (mctajurídico) não é], “Estas teorias
concebem a pena como fim em si mesmo, isto é, como castigo, com pensa
ção, reparação ou retribuição do mal d o crime, justificada pelo seu valor
axiológico intrínseco independente da utilidade que pode resultar da p u
nição. A p ena é reação ao mal do crime, sem qualquer objetivo direto;
pune-se quia peccatum est, porque a pena é justa em si” (p. 47-48).
Portanto, é um a velharia punir-se quia peccatum est. E o trapézio vai...
Contudo, deve admitir-se que “a norma penal exprime um juízo de
desvalor sobre o fato que descreve e reafirma-o com a punição de quem
atue com violação dessa norm a” (p. 16) [juízo de desvalor? Mas, haverá
ju ízo de desvalor que não tenha conteúdo moral, ou seja, metajurídico?
Sendo o desvalor o contraposto lógico, o antônimo de valor, que o utra
substância que não moral pode ter esse juízo? À luz de que critério, senão
de um critério essencialmente ético, será possível valorar a conduta puní-
sc p<xic esperar desse salto final'" Nada menos. por certo, que uma pro
posta dc pena que não reeduque, náo reintegre, náo castigue, não intimi
de. e que sc destine a um efeito absolutam ente inesperado. Como na
poesia célebre, um salto para romper a lona d o circo c perder-se gloriosa
mente o artista na poeira das estrelas.
Mas, náo. Ve io um salto prosaicam ente para baixo, corn a força
gravitational d o mais clássico conservadorismo: “vimos já que a pena cri
minal é reação ao crime e, como tal, repressão; a pena segue-se ao crime
como sua conseqüência jurídica. A pena traduz a reação à culpabilidade
do delinquente pelo mal do crímr c é repressão porque, originada no
crime, se dirige não somente para o futuro - ne peccetur -, mas para o
passado - quia p eccata" (p. 65).
Lá embaixo, o quê" Coisa nenhuma. Nada Nesse espetáculo cm que
teses c antíteses não se engravidam m utuam ente para gerar ao m enos um
arremedo de síntese, inexiste. salta á vista, uma rede d c proteção dialética.
Mas. nada a temer. Tampouco existe o solo firme de uma realidade sensí
vel ç inteligível. P orunto, o trapezista do direito penal m o d e r n o (?) não se
estatela Simplesmente, desaparece E a platéia, aliviada, compreende que
o número não era d e trapézio. Era de mágica e nada mais.
C a stig a t R id en d o M o res
1 .0 C ordeiro e o Lobo1
Era um a vez um lobo sedento. Encontrou um regato cristalino, cujas
águas manavam das pedras da montanha. Deu graças a Sao Lupino.
Mas havia um problema. Um cartaz à margem do regato continha esta
advertência: “Uso Privativo. Carneiros Somente. O infrator Será Punido
com Marrada”.
0 lobo pensou em desistir, mas a água era tão límpida...
Apelou para o velhíssimo (mas sempre eficiente) expediente de jogar
sobre o lom bo um a pele de carneiro (nesse caso, de um carneiro que a
deixara sobre a grama, enquanto se bronzeava num a área de nudismo das
proximidades).
Elá estava o lobo com as quatro patas mergulhadas na corrente refres
cante, quando surgiu um cordeiro educado de acordo com as mais estritas
e apuradas regras de civilidade.
E começou o indefectível diálogo, com papéis invertidos.
Cordeiro: “Não sabe que é falta de educação e de higiene enfiar os pés
em água potável?”
Ix>bo: “Não tenho culpa. Trouxeram-me más companhias.”
Cordeiro: “Que ‘más companhias’, se não vejo mais do que quatro pega
das na areia da margem?”
Lobo: “Pensando bem, foi culpa de meu pai.”
Cordeiro: “Ele põe ou punha as patas na água de beber?”
Lobo: “Não.”
Cordeiro: “Então, que culpa pode ter?”
Lobo: “Refletindo melhor, foi culpa de meu avô, culpa dos tios, p ri
m os e vizinhos, culpa da ...[ele quase se denuncia, falando em
alcatéiaj... do rebanho. Eu pessoalmente não tenho culpa.”
E a infinita exculpação para trás prosseguiria infinitamente para dian
te, passando pelo ancestral comum de homens e lobos, remontando às
bactérias do lago primai, e chegaria ao Big Bang, não fosse a providencial
intervenção de um policial-carneiro, que a tudo escutava.
“Conversa fiada!”
E arrem eteu com a cornada sobre os... bem, digamos, a região pudenda
do lobo.
G anindo (nessas horas, o lobo não uiva, dá ganidos), o lobo fugiu,
prom etendo nunca mais poluir regato alheio.
Quem sofreu maior prejuízo foi o dono da pele, que agora usa um
casaco de polyester (100%).
Moral da estória: o maior defeito d a cultura da desculpa é que ela não
tem fim.
" N e m n a s tu a s o r d e n s r e c o n h e ç o fo rç a q u e a u m m o rta l p e r
m ita v io la r a q u e la s n ão -esc ritas e in ta n g ív e is leis d o s d e u s e s . Es
ta s n ã o sã o d e h o je , o u d c o n te m : sã o d e s e m p re ; n in g u é m sa b e
q u a n d o fo ra m p ro m u lg a d a s "
(Sóroa.ÈS, Antígona)
( X y g i a N h g k k r - D o k m o n ï e S t a m a v io s T z rn as, C r im in o lo g ie d e
l ’a c t e et p h ilo s o p h ie p é n a le ) .
Explicação Prévia
A exposição que segue, embora inserida na esfera da vulgarizada tríade
fato-valor-norma, pontualiza o tema penal e, na perspectiva metòdica,
pretende continuar explanações anteriores na linha de uma refundação
do Direito Penal. Em precedentes palestras neste mesmo curso de douto
rado da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Buenos Aires,
referi-me, como temas básicos, seguidamente, à prudência judiciário-pe-
nal (1998), ao princípio da legalidade penal (1999) e à crise do Direito
Penal iluminista (2000). Em todas essas ocasiões, sublinhei a necessida
de, a meu juízo indeclinável, de refundar o Direito Penal sobre o corpo de
doutrina do realism o tem perado e do jusnaturalism o tradicional.
Assinaladamente, a doutrina do Direito Natural de raízes aristotélico-
fa to da pena ( > § 3). Isso pôe mais a mostra uma possível consideração
axiológica do ilícito punível (—> § 4) com o iato da pena tanto num
sentido axiogcnético6 (conclusivo ou determ inativo),7 quanto num a
direção axio-supressiva.
* Ner.ijfs-DoRAtcwT e TzrraVST
scia no p lan o d o ilícito punível, quanto n o d a p e n a. poderia, p .c x , conside
rar-se. c o n clu siva m en te , o tema d o hom icídio (o v a lo r d o "não matarás") e da
necessidade tia p en a. e. d e te rm in a tiva m e n te, aferir a p ro porcionalidade da pen a,
seja in a b stra c to (m atèria d a prudência legislativa), seja in concreto (m ateria da
p rudencia judiciária).
* AXTMtX K ai IÍVA.N. ”1 1 1
’ Xxvm* Z i m i 'ì I e t sqq
w Fucmma u \ C vnha c Dir/266.
" Laukz/3&
)J Famq/258 e t sqq
** Q uw utm i/47.
I‘ ZofARO-V. c PlfXANCtU/ili
II F nuw o»c< i9.
Ricardo Dip
1 6 2 ------
P a rlo S o g u n d a
23 § 226-a, CP alem ão .
24 § 9 0 , CP au stríaco .
25 C o sta A nd k ad e/I-2 9 2 -2 9 3 .
26 A rt. 171, § 2 ° , CP b ras.
27 HiiNGRiA/VII-n.93.
28 N a m e sm a linha, o art. 292, CP e s p a n h o l d e 1973, n ã o estatu ía p e n a s , sim p lic ite r , para,
a d v ertid o d o falso o ad q u ire n te , a aq u isiç ão d e fraudados títu lo s a o p o rta d o r, m as sim
p a ra su a aquisição com o in te n to d e pô-los em circulação - Sájnz C anteko/565.
29 P.ex., n o D ireito b ra sile iro , a c o n tra v e n ç ã o d e posse n ã o -ju stific a d a d e in s tr u m e n to
d e e m p re g o u su a l n a p rá tic a d e fu rto , art. 25, D ecreto-lei 3 .6 8 8 /4 1 , d e 3-16, cu ja
p u n iç ã o só ca b e s e o a g e n te h o u v e r a n te s in d ic a d o p ro c liv id a d e c rim in a l e s p e c ífi
ca.
50 MANZINl/n.230.
31 D efin e-o o c â n o n 2 .3 1 6 (C ó d . d c 191 7 ): l:É su s p e ito de h e r e s ia o q u e , e s p o n tâ n e a
e a d v e rtid a m e n te , aju d a, d e q u a lq u e r m o d o , à p ro p a g a ç ã o d a h e r e s ia o u p a rtic ip a
in d itn n is co m o s h e re g e s ..." . “O s u s p e ito d e h eresia” - d is p u n h a o c â n o n 2 .3 1 5 - ,
“q u e , a d m o e s ta d o , n áo faz d e s a p a r e c e r a cau sa d a su sp e ita , d e v e s e r a p a r ta d o d o s
a to s ’leg itim o s e, se é clé rig o , d ev e alé m d isso se r su s p e n s o a d i v i n i s , u m a v ez q u e
r e p e tid a in u tilm e n te a a d m o e s ta ç ã o ; e se o su s p e ito de h e r e s ia n ã o s e e m e n d a r n o
p r a z o d e se is m eses tr a n s c o r r id o s d e p o is d e haver in c o r rid o n a p e n a , d e v e s e r
c o n s id e ra d o c o m o h e re g e e s u je ito às p e n a s d o s h e re g e s " . N ã o m e p a r e c e d e m a
s ia d o a c re s c e n ta r um c o n tra s te : o u tr o r a , p u n ia-se a s u s p e ita v e e m e n te d e h e re s ia ;
h o je , p a re c e q u e se q u e r se p u n e , v isiv e lm e n te , a h eresia m a n ife sta .
Ricardo Dip
t’tno ívogirrla
Está a verse, <-mresumo, quê a excessiva o!> ctivnçáo cm c< usici erar o
fato penal constitutivo - entre cujas « arcas mais a p a re n te s drstaca-sc a
adoção da linguagem normal ivo-con«l ut istaH - n ã o exausta o cam po da
realidade submetívd à tutela penal, iessa mesma lin h a , caberia cogitar
d o acréscimo de hipóteses concorrcnes, inter alia, et) com os delitos de
pongo, b) com os agora crescon teme i te vistosos e le m e n to s norm ativos
d o tipo, c) com as vírias espécies de r r o . Os prim eiro s, com o desprezo
d o dano cm ato. Os demais, com o descente relevo eie um fato interno,
ora, o juízo valorativo de terceiro1(í), ora, o juízo d o próprio autor,
dissociado da realidade externa (c)
47 Sem falar das coisas inanimadas: o grande sino da Uglich foi desterrado para a
Sibéria, em razão do assassinato do príncipe D , em 15.5.1591- O sino dera
im it r i
48 V o n H e n t íg / I - 7 5 e 8 0 .
49 L opez e B o r n s te in /5 .
50 Assim a refere R o x in / § 3-49.
Crime e Castigo:________
167
Reflexões Politicamente Incorretas
Para já, recortam-se, assim, do fato penal os atos lesivos sim pliciter
im anentes. aos quais falta o requisito jurídico da alteridade, atos
imanentes esses que permanecem na órbita regulativa da Moral Em se
guida. cabe consideraros atos que não configuram injúna grave Esse c o
tem a nuclear das ocupações da Política Criminal c d o Direito Penal quais
fatos devem estimar-se crimes. Do ponto de vista formal, a estendida
adoção d o p rin c íp io da legalidade - com an teced en te histórico-
institucional no juram ento de Dom Alfonso DC rei de León e da Galicia
em 1188. na igreja de San Isidoro, em León61 - permite descrever fatos e
em relação a eles, referir penas correspondentes. Mas, além disso. quais
fatos devem, m aterialmente, eleger-se para alistar-se, formalmente, como
criminosos? É dizer, a quais bens ou valores jurídicos se dirige a tutoría
penal? Qual pena - com sua medida - deve corresponder a cada crime?
Ou srja: qual o valor ou preço que se proporciona ao des-valor ou des-
¡trazo''2 criminal?
Como se indicou, crimes hão de ser injúrias, primeiramente, sociais,
contra a ordem da justiça c, além disso, apenas ofensas graves. Essa gravi
dade está solidam ente estabelecida com a clássica assertiva de o Direito
Penal ser a recolha do ' mínimo dos mínimos éticos’ : ' Isso já se antecipa
ra por S a n ;o T o m á s :
40 Di SoTO/n-3-2.
41 CÉr. Thf/Principio..., 81.
** !:n> castelhano, tcm -sr mais i lara a relação a p e n a c o precio d e um des-precio
4' Man« ni/iv 89.
Crime e Castigo:______________________________________________
f a t o i o * ; P o l«M *r*rte lrcc/r*US
67 De Soro/I-é-3.
<8 S uárez/V-4-12.
65 B r e v i t a t i s causa-, C assirer / 2 6 7 .
70 Ilustrativamente, o atual utilitarismo fundonalista (v. H a sse m e r e M u ñ o z /1 7 3 - 1 7 4 ).
7’ H assemer e. M u íto z /1 7 4 - 1 7 5 .
Crime e Castigo:
171
Reflexões Politicamente Incorretas
72 A y l’s o / 1 4 8 .
73 A p u d C a s s ik e k / I S .
74 D e n á o se r f u n d a m e n t a l essa re fe rê n c ia , consagrar-se-ia o n o m in a lis m o ético-
ju ríd ic o , ex p ressão d e u m a v o n ta d e situ ac io n a l.
_______ _______________________________ ________________ Rica'do Dip
P W 8 l{ U 4 l
19 Suámz/v-3.
" NYomuc-Doanont c Tzmus/n.I-S-I.
• ' Bt*iíTAiré566.
11 Santo Tomáj i>i Aqmno/S Tb . Ia IIa- 95. 2, rcsfxmdeo
Ricardo Dip
174
Parle Segunda
85 PioXII/n.10.
8,1 S a n t o T o m á s d e A q u i n o / V .' t h . , l a . - I I a e . , 1 8 , 2 , respondeo.
85 Brevitatis studio- S a n to T om ás d e A q u in o /S.Th., la.-IIæ., 7 .
88 S a n to T o m ás d e AQUiNO/De Aiato. 2, 4. 13.
Crime e Castigo:
175
R e fa ite s Politicamente Incotrctas
c prossegue o autor
"...en casos extraordinarios de enorme perver
sión d e ¡a voluntad y em brutecim iento de la
inteligencia, sobre todo cuando se b a venido
respirando durante generaciones un ambiente
d e degeneración m oral y hum ana , puede acon
tecer accidentalm ente la ignorancia d e algunos
de estos preceptos dc segundo orden. bien que
ella, com o dicen los moralistas, sea ‘vencible’,
es decir, d e fá c il y responsable deposición".^
* Dcmm/400.
94 Conhecimento germina! 'insuficiente precisamente por embrionario ' (üv.-o/Las
Normas..., 25-1).
Bru itati* causa BasscWLas Nonnas.. 28S
Ricardo Dip
178 -
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Adendo
Ao início de Les chevaux d u lac Ladoga (in De I.a France, ed. Omnibus.
Paris, 1996. p. 559). invocando Malaparte, Allait*. Pcyrefitte resume
magnifie ámente esse episodic» "No começo do terrível inverno dc 1942.
soldados finlandeses, no istm o cia Carélia, observam o fogo da floresta dc
Raìkkola. cm que se encontrava concentrada a anilharia sovietica ho
m ens. animais e canhões. Despertados em sobressalto, cercados de cla
m ores. tomados de pânico, um milhar dc cavalos, atrás de seus lideres,
correm a atirar-sc no lago I.ádoga. para escapar do fogo intenso. liles tenta
ram nadar ato a outra margem, com a cabeça estendida fora d'água,
selvagcmentc empinados, tiritando de frio c de medo. Súbito, com o rui
do seco de um vidro que se parte, a água que os protegia enrcgelou. pren-
Crime e Castigo:
--------------- 2--------------------------------------------------------------------------- ,«9
R clu.nci ¡•o'dxittvtn» l'co'rous
los que saben de lo justo: por los iuri prudentes" {Elementos de Derecho
Privado R om ano, Pamplona, Hd. Universidad de Navarra, 1975, p. 28), e,
porque a atividade dos prudentes consiste principalmente em decidir so
bre casos propostos, tenvse que a decisão judicial é a expressão genuína
da p ru d en ti» inris. O term o ju d iciu m , entretanto, é, ao menos, análogo:
além de significar processo, sentença, decisão, juízo, também exprime a
faculdade de julgar, a razão, a prudência. Assim é que, nà linguagem vul
gar, diz-se ju d icio so o hom em sensato, o que procede com critério sadio,
com acerto, o hom em prudente, o que adequadamente discerne o bem e
o mal nas situações concretas, o homem que anda dereito. K se o juiz,
decidindo u m caso concreto, declara o ju s, é p orque se m ostra um
jurisprudente, discernindo o bem e o mal na situação particular. E o bem
não é laxo, nem é rigoroso... O bem é o bem, ou melhor, o bem é o ser e
é a verdade. INem mais, nem menos.
Excurso
N u m a ju s ta h o m e n a g e m a L e o n a r d o C a s
t e l l a n i , e m c u ja o b r a El N uevo Gobierno de
Sancho s e in s p ira e s te b r e v e e x c u rs o .
Anotação preliminar
Escuso-me com a obra de alguns autorizados juristas contem porâneos
- b r e v ita tis causa, Puy, F ran cisco . Tópica J u r íd ic a . S a n tia g o de
C om postela: Ed. im prenta Paredes, 1984 e C unha, Paulo Ferreira da. Tó
picos jurídicos. Porto: ed. Asa, 1995 - p ara aquí iniciar urna lista de tópi
cos (ou, acaso, m elhor: de lugares com uns *) sobre o tem a do furto.
Manifesto é que a lista com pleta d o s topoi que correspondam ao furto
(incluso n o plano processual) e seu adequado tratam ento exigiriam todo
um livro. A p ro p o sta inaugural - tam bém m uito intencionalm ente augurai
- é a d e q u e, na senda provisoriam ente aqui desenhada, outros se d e d i
quem a com pletar esse rol dos tópicos (ou lugares co m u ns1).
2. Coisa
Coisa é rudo o que não c- pessoa. Esse conceito negam o exige que se
considere o suposto que o exclui: a pesso a . F. pessoa, reproduzindo a
clássica lição de B o e c io , c a substância individual dc natureza racional.
.Mas essa natureza racional im põe que o homem viva cm sociedade e cm
relação com o m undo criado (e com D e u s ) O c o n viver hum ano político -
ou seja, sua vida em sociedade - põe em discussão primeira saber sc o
direito, indispensável que é para a sociedade {u bi so cieta s, ib is iu s).
existe para realizar diretam ente fins individuais {g a ra n tia emanada, se
gundo mitos, de lilicrdades pré-sociais inatas) ou para a consecução do
fim social.
A sociedade é uma relação real, cm que os homens, enquanto indiví
duos c enquanto sócios dc- corpos intermédios, se orde nam a uni fim co
mum . O direito exíge se por esse fim. Daí que o fim social ( —bem comum)
Seja prevalecente. Mas isso não importa numa recusa, à raiz. do p r im a d o
hum ano A sociedade política é uma união dc pessoas humanas, dc sorte
que o fim social sc traduz essencialmente como f in s d o s h om en s Isso
celel>rizou-se no direito romano, com a paremia h on iin u m ca u sa o m n c
ius ((in s titu tio n est (todo direito c constituído para os homens). É verda
de c[\icp e r so n a , entre os romanos, alguma vez incluiu os escravos, e e* s
não possuíam direitos, de tal modo epic os direitos sc atribuíam, proxii •
m ente, náo cm razão direta da pessoa mas cm virtude de urn sta tu s (o
condição livre c romana da pessoa). A idéia soa familiar ouve-se em r* s-
Crune e Castigo:
201
HcfexAes PoHcwecìe tnzornUs
res náo era (c não è) rei, q u e e o genitivo singular dc res Todavia, praxe,
e n tr e n ós, exercitada co n i certa freqüência (e desenvoltura) é a d c, em
s u p o s to latim, falar-sc rei fu rtiv a e conio equivalente a “coisas furtadas",
q u e são, na verdade (reacionariam ente), resfurtivae. A palavra rei c genitivo,
n ã o nom inativo, e, para m ais, gen itivo singular, equivale a d a coisa. As
sim , rei fu rtiv a e traduz-se por “da coisa (no singular, pois) furtadas (no
plural)".
4. Res nu Hius
Jics nullius é a coisa d e n ingu ém , a coisa sem d ono, a coisa. que. salvo
q u a n d o fora d o com ercio, cedit occupanti (apropria-sc legitim am ente p elo
p rim eiro ocu p ante). Até lá, náo é o b jeto suscetível de furto. N ão sc furtam
con ch in h a s trazidas p elo mar, já. diversamente, sc cias se am ontoam na
esta n te d c um a m ocinha rom ântica e d c lá as tira algum facínora, furta-as.
Já s c haviam apropriado essas conchinhas. N áo se tratava m ais de res
nullius. Coisa diversa é a coisa abandonada ( res dcrelicta <—) um juiz
p en a l, certa vez. absolveu um réu q ue se apropriara d c um autom óvel
esta cio n a d o em lugar p ú b lico p o r narureza; argum entou que, d iante da
in segu ran ça pública, deixar um v eícu lo na rua (ainda q ue portas fechadas,
traves d e direção, alarme etc.) é o m esm o que abandoná-lo. Poderia al
g u é m , politicam ente incorreto, designar esse quadro com o de abandono.
isto sim, m as náo d o autom óvel furtado, da segurança publica. Erra quem
im agina q u e. n o Brasil pós-cidadania, certos feudos urbanos (algum as fa
v ela s. p.ex.) sejam res nullius. tanto têm d ono que. até para ali fazer o
rcccn scam en to. agentes da administração federal tiveram d e pedir licença
p ara o s ch efes locais d o tráfico.
6. P ro v a: p a la v ra d a v ítim a
É iterativa na jurisprudência dos Tribunais a prudente valoração da
palavra da vítima cm casos dc crimes contra o patrimônio. Larga experiên
cia judicante apóia nesses delitos, a inclinação veraz c o juízo certeiro da
vitima. Em julgado que data de maio dc 1968 (Rcv.Crim. 2.731, dc Casa
Branca), o Tribunal dc Alçada Criminal de São Paulo assentou, pelo voto
líder do min. Azevedo Franccschini. que. “no campo probatório, a palavra
da vitima de batedor de carteira c sumamente valiosa, pois. visando ape
nas à recuperação do que lhe foi subtraído c incidindo sobre atuação dc
desconhecidos, seu único interesse é apontar os verdadeiros culpados e
não acusar inocente Da mesma sorte, ao julgar a Ap. 110.975, de São
Paulo, a Ia Câmara dessa Corte, conduzida ainda pelo voto do juiz Azeve
do Franccschini. repisava. isto nos idos de 1975, que “a palavra d a vítima
é sumamente valiosa, pois. incidindo sobre proceder de um desconhecido
c com vastas a uma possível recuperação do que lhe fora subtraído, pro
vêm dc quem tem. como único interesse, apontar o verdadeiro culpado c
narrar-lhe a atuação. Propósito não teria, em tal situação, qualquer falsa
imputação a inocentes"
No processo contem porâneo, a vítima é também um órgão de prova
Suas declarações, meios provativos. Nada sc dem onstrando contra sua
lealdade, deve estimar-se fidedigna sua palavra Desfia-se. m uita vez. crí
tica estadeada em supostos genéricos, de todo admissíveis n o plano te
órico. mas que reclamaria dem onstração analítica dc pertinência casual.
É certo que vitimas e testem unhas podem errar no juízo da rccogniçào
pessoal d o rcu c não menos quanto ao reconhecim ento de coisas -.
t.g ., p o r a) sugestionabilidade, inclusivamente atenção expectante.
h) deficiência perceptiva, c) fragilidade na retenção das imagens, d) com
plem entó fabulativo da percepção fragmentária evocada, c) vaidade,
/ ) orgulho obstativo da retificação dc reconhecim ento precipitado, g)
m entira inconsciente no histerismo, b) propósito de falsear Afirmar, to
davia e singelamente, essa possibilidade dc erro das vítimas e testem u
nhas é. no fim e ao cabo. afirmar a dcfcctrvidade com um d o intelecto, da
Ricardo Dip
206-
Parte Segunda
V e ic u la d o , i n ic ia lm e n te , n o site w w n c m p o n o d o s a b c r c o m
Ricardo Dip
222
Parte Segunda
Um Caso Brasileiro
Pontualiza-se o tema com um exemplo vivo do Brasil destes tempos.
A Lei 9.099/95, de 26.9, estabeleceu a possibilidade de urna p e n a ante
cipada, n o s termos da norm a inserita em seu art. 72, q u e m enciona
expressam ente a “aplicação im ediata de pena não privativa de liberda
d e ”, presentes a) proposta da acusação e b) consentim ento do argüido.
Deixando, por agora, de considerar que essa pena antecipada importa
nom a parente abdicação de algumas das chamadas garantias penais, o
fato é que se está diante, praticam ente, de uma pena que só se cumpre
sob p en a d e não se cum prir...
Com efeito, pode o juiz aplicar, antecipadamente, nos term os da nor
ma contida no art. 72, Lei 9-099/95, penas restritivas de direito e de mul
ta. Esta últim a não pode converter-se em detentiva, por força da norm a do
art. 51, CP, com a redação que lhe deu a Lei 9.268/96, de 1"A. Aquelas, as
restritivas, no sistema da Lei 9 099, são penas principais e não substituintes
(com o são, estas sim, as estatuídas no sistema codificado: arts. 43 e et
sqq., CP); logo, não podem tam bém aquelas converter-se em detentiva.
Não satisfeita a multa, quase sem pre de pequena expressão pecuniária,
cabe, é certo, a execução correspondente da dívida ativa, que, p o r anti
econômica, de comum não se instala. Mais grave é o que se passa com as
restritivas antecipadas. Não cum pridas, não se cumprem, ponto e basta.
N o direito brasileiro, não pode impor-se pena à margem de sentença. A
sentença penal condenatoria declara a materialidade e a autoria do ilícito
de q u e trate e é condenatoria - plasmada por uma certificação constitutiva
(na linguagem de C a r n e l u t t i ) —quanto ao conseqüente jurídico em concre
to daquela declaração. .Vinda que a sentença, homologando transigência
das partes, somente se pronuncie acerca da pena - sem proferir juízo acer
ca d o ilícito -, a sentença não por isso deixará de ter caráter condenativo.
Certo que o princípio da legalidade tem por parte integrante a garantia
jurisdicional {nullum crimen, nulla poena sine iudicio), não se pode pen
sar num título executivo-penal à margem de sentença, e de sentença que,
estabelecendo pena em concreto, não pode ser menos do que condenatoria.
Essa natureza da sentença impositiva de pena é independente de sua ex
pressão lingüística homologadora. Com efeito, como se afirmou noutra oca
sião, “as decisões {lato sensu) homologa tòrias recebem qualidade do objeto
Crime e Castigo:
223
Reflexões Poülicanenle Incorretas
(PioXin
Iustitia d ic it; o ius c gerado pela Iustitia, assim como o D ikaión é gerado
por D iké.1 Mas o ius é, sob algum aspecto, a própria coisa justa: nesta
última, era concreto, é uma distinção de razão (i.e., atuada intelectual
mente) e não real a que ocorre entre a essência suuni e a singularidade da
m esma res iustu. Diz, a propósito, ,S. Tomás: hoc. nom en ius p rim o
im positum est a d significandum ipsam rem iustam 1 (= este vocábulo
direito originariamente empregou-se para significar a mesma coisa justa).
Poderia ter-se a impressão, com essas sentenças, de que, sendo o generativo
anterior ao gerado, sempre Diké e Iustitia precederiam a Dikaión e ius -
com aquilo que disse S. Tomás:principium naturaliterprius est eo cuius
est p rin cip iu m 3 (= o principio é naturalmente anterior àquilo de que é
principio).
Quanto ao advento do vocábulo ius, é possível que assim seja: o verbum
e, particularm ente, o nomen desvelariam o numen dessa sacralidade ori
ginária da deusa Iustitia. Mas essa referência semântica não traslada, ipso
fa cto , para a realidade das coisas a mesma precedência lógica e cronológi
ca. Uma coisa é que se julgue proceder o ius, verbalmente, de Iustitia,
outra, diversa, é que se pretenda afirmar, simpliciler, a anterioridade óntica
da justiça em relação ao direito. Se se considera a justiça, limitadamente,
com o virtude natural (e não como hábito sobrenatural), sendo o hábito,
assim, conseqüente de atos, a justiça edifica-se com a repetição dos atos
justos (ou, p o r outra, das coisas justas) que a precedem.
Muito, pois, diversamente do que poderia resultar de uma perspectiva
etimològica, não é já possível realmente extrair da Iustitia o ius, equivale
a dizer, deduzir de uma Iustitia abstrata ou 1er de seus editos (ou por seus
oráculos, se calhar) a res iusla. É todo o contrário: é do ius que se pensa
rá possível chegar à Iustitia. Embora isso se possa afirmar com mais força
da justiça-virtude, parece que é também verdadeiro quanto à justiça jurí
dica.
certeza sobre fatos contingentes pretéritos: “Por grande que fosse o nú
m ero de testem unhas que se exigisse, poderia algumas vezes ser injusto
seu depoimento; porque está escrito no Livro do Êxodo (23,2): ‘Não sigas
a multidão para fazer o mal’. Nada obstante, ainda que não se possa lo
grar a certeza infalível em tal matéria, não deve desprezar-se a certeza
provável que pode nascer da declaração de duas ou três testemunhas (...)”
(S. Teol. Ila.-IJæ., q. 70, art. 2, ad l “m).
Mais além, a despeito de o princípio intuído da sindérese ser infalível,
já suas (possíveis) conclusões próximas são somente ut in pluribus segu
ras e seus (possíveis) conseqüentes remotos apenas moralm ente certos.
Isso põe à mostra a indispensabilidade de distinguir, dc um lado. a certe
za subre a moral (certeza d a ordem moral) e, de outro, a certeza moral;
aquela, provindo próxim am ente do juízo sinderético; a certeza mora! não
sendo mais do que, na dicção de Suárez, uma adhaesio mentis a um enun
ciado não-evidente sed obscure cognitum; daí que seja a adesão da men
te, na cerliludo m oralis, segundo a gnosiología de cariz aristótelico-
tomista, non om nino infallibilis (De. Grat. babit., 9, 9, 2).
Por isso, na esfera da certeza jurídica - é a que concerne ao juízo
jurídico-prudencial - m enos importa disputar sobre a evidência do princí
pio da sindérese (evidência simpliciter) do que, isto sim, sobre a certeza
das proposições singulares do silogismo prático (no limite, evidência
secundum quid), proposições essas a que se chega p o r meio da razão
particular (i.e., pela cogitativa). Nelas, contudo, não há certeza infalível,
mas simples certeza moral.
Quanto à certeza ingênua da teoria do conhecim ento aristotélico-
tomista, essa gnosiología, designou-a Gilson realismo m etódico, distin-
guindo-o do realismo n a ïf d e outras correntes (apud Maritain, Les degrés
de savoir, ecl. 1946, p. 138). Incursionando pela gnosiología de outros
tomistas (mencionam-se aqui, cúrrenle calamo, Liberatore, Kleutgen,
Sanseverino, Zeferino González, Pesch, Gredt, Mercier, Gardeil. Maréchal,
Rousselot.Tonquédec, Garrigou-Lagrange, Picard, Olgiati, Roland-Gosselin.
Jolivet, Verneaux) e, sobretudo, perambulando pelas páginas do Critèrio
de Balmes - ou p o r todo o livro Da Certeza que integra sua festejada
Filosofìa F undam ental -, não se podem negar bons motivos a Etienne
Gilson quando ensina que a teoria tomista do conhecimento é adversa do
realismo ingènuo de, sobretudo, algumas correntes idealistas.
Antípoda desse realismo metódico ou crítico é a idéia de cifrar a verda
de num simples verbum sem relacionamento possível com o numen. Pode
parecer a alguns que seria ingênuo imaginar uma hipotética noção de ver
dadeiro meram ente verbal, à falta até de se propor como uso loquendi,
Crime e Castigo:
231
Reflexões Politicamente incorretas
e a m edida segundo que as coisas são ou não são; de modo que a verdade
é a lei da justiça. O m undo tem necessidade da verdade, que é justiça, e
daquela justiça que é verdade” (item 15). Remata S. Tomás de Aquino:
“cada qual deve procurar julgar as coisas tal como elas são”1’ .
Desvelar a res iusta em concreto 6, apreendidas as coisas como elas
sã o , nelas descobrir o bem que se deve a outrem e o mal que, por ser-lhe
nocivo, é exigível que se evite.
1 Ou. na dicção dc Sramai iov Tz-íy j O tyn a lia g m a do merecido, dc onde a expressão
dikaión diam-metikon ‘o direito que d tM rib u i a tati.» um secundo o n c u merito"
f il o s o f i a Penal Irmi portuguesa de Maxio Fi m.jha Mocat lid Lego I W p 60).
1 Aquino. S. Tomas d e Suma Teológica, l a -lhe., q H7. ari 1. re-spondeo.
* R o n co M a u r o 'Il Problema dulia l'erta" T u r im : E d Giappichelli, 1996 p 16 J.
Ricardo Dip
238-
Parte Seçunca
Crime e Castigo:
243
Reflexões Politicamente Incorretas
lido, um livro que expressa categórica defesa tia ortodoxia do Direito Pe
nal , bem como a restauração da dignidade da pena criminal, só não é. nos
dias ele hoje, considerado revolucionário, porque logicamente não faltará
quem o venha codinominá-lo de jurássico.
F.is que "L'm livro para todos e para ninguém”, tão apropriado como
premonitória advertência de Friedrich Nir ítsche a Assim Falou Z ar alustra,
posto tratar do surgimento do Super-bomem c da m orte de Deus, nao
poderia, entretanto, aplicar-se inteiramente nem a Crime e Castigo Re
fle x õ e s Politicam ente Incorretas , nem ã presente co-participação, na
medida em que bem longe passa qualquer pretensão de revolucionar. menos
ainda de subverter, os princípios tradicionais do Direito Penal; a menos
que se entenda, como tal, o franco c inequivoco repúdio, pelo autor ces
tas N otas, ao entendimento que vem sendo dado, nos últimos tempos, às
assim autoproclaniadas tendências do Direito Penal moderno, caso em
que, para argumentar, esta co-participaçáo em Crime e Castigo. Reflexões
P oliticam ente incorretas, não poderia negar seu consciente c assumido
arcaísmo.
Efetivamente, entendendo-se como tendências do Direito Penal mo
d ern o um certo posicionamento doutrinário e ideológico, muito próximo
de um paradoxal Direito Penal sem punição, ou, mais precisamente, de
uma oblíqua abdicação da pena criminal de seu conteúdo preventivo-re
pressivo e conseqüentemente de dcsencorajamento à prática de crimes.
Cri tu e c Castigo: Reflexões Politicamente incorretas, ao qual vincula-se a
presente co-participação, não tem pejo de, contra tal posicionamento, ser-
Ihc frontalmente contrário c expressamente antagônico.
Nosso posicionamento, com efeito, conquanto não ideológico nem
pretensioso, antes situando-se no plano do pragmatismo |urídico-penal. c
decididamente em prol da restauração da dignidade e respeitabilidade da
pena criminal, assim no seu contexto preventivo, como no seu conteúdo
propriamente repressivo, \ isando alcançar seu escopo ético fundamental,
que é aquele do desencorajamcnto ao crescente vagalhão tia criminalidade,
que grassa e se arrasta por nossas comunidades urbanas nos dias que
correm, notadamente nos grandes centros populacionais
II
Já á partida, em se tomando a pena criminal em seu conteúdo p r e v e n
tivo-repressivo. podcr-sc-ia, de pronto c dc* plano, refutare reptartaJ con-
ceitunçáo com as disposições do art. Io dr. Lei de hxecuçáo Penal, v e r b i s
Crim e e Castigo:________
H+Seiû+i PcLicvntcto WcoerMì!.
III
Ri issj i. Oertrand. H istó ria d o t\"Hsamento O cidental a Aventura dos Prc-Si* râticos
a Wittgenstein Rio ilr Janeiro Fdiouro. 2(Xi 1 tradução d o original Misdoni o) ■ ‘
West" p o r Laura Alves c A urelio Kcbello.
sacrificial* das imolações tout micas e expiatórias das eras primevas da
humanidade, com a só diferença de que, hoje, o holocausto expiatorio
incidiria sobre ¡tabres delinquentes, c. não mais, na inocencia ou pureza
da vítima, mas, sempre, pelos pecados c delitos da coletividade. Bem é de
ver se, pois, o surrealismo de urna tal visáo estereotipada.
A propòsito, alias, de pena corporal de privação d e liberdade, e beni
conhecido o desdém que a ela devotam alguns prestigiados autores do
assim chamado politicam ente correto.
Atribuindo-sc-lhe, com efeito, um empirismo obsoleto ao combate á
criminalidade, tem sido a pena privativa de liberdade considerada obscu
rantista e m esm o paleolítica - o que talvez justificasse, por esse raciocí
nio, seu banim ento de todo sistema jurídico pernil positivo. Outrossim e
nisso o referido clesdém chega a assumir foros de irônico menoscabo inte
lectual - aqueles que defendem a ortodoxia da pena c da punição crimi
nais. sem em bargo do due process o f law e do nullun crimen nulla poena
sine lege, são havidos como sub-espédes de paleontólogos jurássicos, re
miniscencia deceno de urna troglodítica barbarie, cunhada como paleo-
repressiva.*
No que um tai posicionamento, pretensiosamente cingido de sedutora
vanguarda intelectual, põe-se em paradoxal antinomia, é justamente no
seu inescondivel desapreço, cm última análise, pela norm a penal, implici
tamente equiparada a um inidòneo labéu repressivo, tanto mais indigno e
ilegítimo porque visto como permeado da coima daquela caducidade
palcontológico-neolítica.
Entretanto, demasia não será ressaltar, a pena criminal, numa visão
arquetípica c antropológica da civilização, sempre esteve relacionada àquele
referido conteúdo punitivo c expiatório. Ademais, ante uma simples aná
lise histórico-evolutiva do homem em sua natureza sócio-política (gregária
por instinto, na acepção aristotélico-tomista; ou, p o r convenção tácita, no
contraio social de R o u s s e a u ) , concluir-sc-á que a punição - expiatoria ou
punitiva - c indissociável das violações aos valores comunitários.
É desse arquetipo-evolutivo, sem dúvida, do qual o talião bíblico é a
demonstração mais evidenciada, que o Direito Penal se origina c no qual
está centrado, posto que sempre reservado para punição e repressão,
mesmo cm nossos dias, às violações mais graves d o pacto social.
4 H is tó r ia d o P e n s a m e n to O c id e n ta l, o b r a c ita d a , p. 116.
Sebastião C arlos G atcia
sáo iguais à medida que todos são racionais, ou dotados de razão; mas
desiguais quanto ao entendim ento, porque este é inteligencia ativa, a res
peito da qual os homens são notoriam ente desiguais".
Feitas estas considerações, en tão , podem os voltar ao tem a do
obsoletism o da pena privativa de liberdade, com base na sua sustentada
ineficácia, q u er na prevenção dos crimes, quer na recuperação dos
delinqüentes Antes, porém, importa ainda ressaltar que o dogmatismo
do Direito Penal positivo, consubstanciado na máxima de sua p r a x is
finalistica do u b i so c ieio s ib i ju s , prescinde de indagações filosóficas, as
sim como não pode ser arredado cie seus objetos e objetivos pela volatilidade
das assertivas dialéticas ou proposições silogísticas. Nem por isso, entre
tanto, pode-se tc-lo como infenso aos postulados da axiologia episte
mológica. notariamente cm sede de meras formulações teóricas, não
jurisdicionais
Dai porque, para refutar a argüição dc obsoletismo da pena criminal de
privação de liberdade, basta verificar algumas variáveis, anulatórias do
pretendido axioma inserto nas premissas que sustentam tal conclusão:
(a) a pena criminal nao revela ineficácia, senão, na verdade, parcial eficá
cia n o combate ao crime; (b) a parcial eficácia tem causa, justamente, na
sua parcial aplicação, tão-só a uma pequena parte dos crimes cometidos;
(c) a parcial aplicação equivale, em b o n a m p a r te m , a im punidade, matriz
geradora do estímulo e incentivo à prática dc novos crimes; (d) abolida,
ou reduzida ainda mais a sua aplicação, aí sim os crimes e a delinqüência
aumentariam geometricamente, com subversão de toda a ordem social.
Com su p ed án eo nestas refutações, portanto, dem asia não será
obtem perar a apressada assertiva d o obsoletismo da pena criminal, espe
cialmente a privativa dc liberdade, não decorreria dc equívoco lógico-
dialético dc sua premissa prepositiva? Tomar-se o aumento da criminalidade
com o pressuposto básico e conclusivo da ineficácia da pena corporal.
m u ta tis m u ta n d is, não equivale á premissa dos rcccm-nascidos, que, por
serem humanos, hão de ser. por força, racionais? Dc outra parte, tom ando
por axiomática a premissa de seu alcance preventivo c de recuperação do
delinqüente, quando tal assertiva é sobretudo de natureza abstrata (na
verdade, não mais do que conceituai, sujeita, pois, a variação no tem po c
no espaço), não se estaria acenando com as proposições modais, do d e v e
ser ou cjo ta lv e z seja'
Por fim, em face dc uma conclusão tão anômala quanto extravagante
d o obsoletismo da pena criminal, por sua suposta ineficácia axiológica c
finalistica, não sc estaria aí enredando numa proposição analítica, tom a
da por sintetica, pela equivocada suposição dc que cm sua premissa este-
Sebastião Carlos Garcia
258--------------------------------------------------------------------------------------------
Apêndice
rv
Creio não haver m aior risco dc esgarçamento no tecido social-comuni
tário do que a om issão e ausência da autoridade constituída na m anuten
ção c na preservação do bem comum coletivo, dentro dos diversos seg
mentos da sociedade, especialmente em seus grupamentos urbanos e su
burbanos.
I Jrna tal ausência omissiva da entidade estatal reguladora do equili
brio dc interesses na dinâm ica do pacto social, enquanto limitada ao
plano da justiça distributiva, tem seus maleficios restritos com o se
fosse isso po u co - ao fom ento e ã germinação daquele estereótipo,
multifacetado. da cham ada questão social, que pode variar da degra
dação ambiental ã deterioração eugènica e higiênica, assim com o es
tender-se e cambiar-se das relaxações morais c éticas à mise rabil idade
econômica c cultural.
O acionamento d o alarme da caldeira social torna-se. porem, estrepi
tosamente audível quando esses germes da desagregação e deterioração
ética <• social (mercé da omissão do Poder Público na supervisão c preser
vação do bem-estar coletivo), transpóem-sc do indiferentismo à franca
hostilidade à ordem legal e à autoridade constituída O aliciamento, en
tão, dessas populações marginalizadas para a senda d o crime, dá-se por
verdadeira osm ose, m ercê dc uma convivência deletéria de pobreza e
vadiagem, despersonalização coletiva c banditismo, num crescendo dc
desinformação, adensam ento populacional e perda dc todo referencial cí-
Crime c Castigo: ____
R«»r,6*c*4 pouca-w *» incorreu*
tòrio incentivo à prática desses crimes, quase sempre com violência, mui
tas vezes levando à perda da vida de inocentes.
Penso que a prédica social por uma ordem econômica mais justa dis
pensa a via endógena ou exógena do crime. A sua equivalência ao irônico
- “liberdade, liberdade! quantos delitos não se praticam em teu nome!” -
só não assume aqui corpo e alma de uma bravata porque, no campo pe
nal, freqüentes vezes corre sangue inocente ao lado de verbos e tintas.
Beni, bravatas e bufonarias à parte, o que não se compatibiliza nem
com a Ética, nem com a Justiça, é aquele avassalamento tutelar dos crimes
através de justificativas inibidoras de sua repressão que só lhe servem de
incentivo.
Talvez não seja, portanto, sem causa essa convicção generalizada, por
parte daqueles que têm dem onstrado notória opção pela vereda do crime
com o meio de vida, que a sua prática compensa e recom pensa, senão pela
certeza de sua impunidade, decerto pela convicta expectativa de que, na
pior das hipóteses, a brevidade do regime fechado por muito não os priva
rá da liberdade - liberdade! quantos mais seqüestros e latrocínios, roubos
e homicídios, sob teu m anto não se vão praticar?
Não obstante, porém, é d e se ressalvar, pela enésima vez, que, nem por
defender maior rigorismo na aplicação da lei Penal, pode-se conciuir que
se esteja, aqui, advogando a adoção de pena capital, m esm o para delitos
graves; ou, de qualquer m odo, sugerindo a criação de tribunais de inspira
ção ou espírito torquemadeanos, nem, menos ainda, perfilhando, sequer
contestualmente, a idéia da ab-rogação, assim das penas pedagógicas e
ressocializantes para pequenos delitos sem potencial ofensivo, como a
erradicação da eqüidade penal de nossa concepção jusfilosófica.
Sabendo-se, outrossim, que a linguagem (por extensão as palavras), no
dizer de S a in t -E xupery , são “uma fonte de mal entendidos”,s demasia não
será, também, ressalvar que a firmeza repressiva no combate à criminalidade
não é incompatível com o princípio da justa composição da lide penal, do
mesmo modo que igualmente não se contrapõe à justa dosimetría da pena;
nem, muito menos, essa mesma firmeza repressiva é condizente com qual
q uer arranhamento à garantia maior do devido processo legal e seus
corolários legais e constitucionais.
Por outra colocação, respeitabilidade da pena criminal é uma coisa;
outra, muito diversa, e de m odo algum com ela incompatível, são as ga-
VI
Ito v i 'SNA. Cesare; M arquês d e R cccaru Dei D elitti e ¡telle Pene Lhts D elitos e
<lat Penas T radu ção d e Paulo M O live ira. <?. c d . A tcna Ediiora. s/d
Sebastião Carlos Garcia
270-
Apèr.d:ce
V II
Conquanto não se possa prescindir da pena de privação de liberdade,
visto ser o único meio minimamente eficaz de que dispõem a sociedade e
Crime e Castigo:
271
ReilexSes Politicamente ncorretas
VIII
Uma das nuances u nan im em en te deploradas da ineficiente aplic- ção
da lei penal se volta para o cam po d o cham ado crime d o colarinho bran
co - white collar crime
Sebastião Carlos Garcia
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Aoêndice
14 Op. cit. p . ló S
Crime e Castigo:
Reflexões Polit :camente incorrelas
D ecerto não são possivelm ente relevantes Então, o quixotesco destas ¡Votas
de convidado será tanto niais apodítico p orq ue voltadas, elas, para o que
não interessa a ninguém - confirm ando, d c resto, sua im itulação - na
vereda d o s crim es, um bonde na contram ão.
IX
X
Das muitas propostas e sugestões que se tem asentado para atnalixa-
ção d c nosso sistema jurídico penal, uma há em direção a qual parecem
convergentes todas as opiniões I rata-se do chamado dir,'ito pena / m in i
mo. assim en ten d id o com o a desejável necessidade dc expurgo ou
descriimnalização das figuras penais que não se insiram, integral e concre
tam ente, no campo especifico d o Direito Penal. Esse tema assim exposto
c sem dar-se conta de suas implicações, é daqueles aptos a atrair a simpa-
I
C rim e e C a s tig o
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«•lentos 'a !cjn»m Kflfwu
ros! His que, do rei M omo aos sambódromos e praças Castro Alves, me
lhor dizendo, dos desfile das escolas ele samba ao jogo do bicho, é só
um a questão de fachada, perdão, de estratégia.
Bem é de concluir-se, então, senão aleatoriamente, pelo menos pelo
princípio da exclusão, que o direito penal mínimo há de voltar-se mesmo
é p ara o Código Penal, com vista à eliminação dos tipos penais que não se
insiram em sua ortodoxia metodológica.
Nesse sentido, ante eventual indagação aos defensores da teoria do
direito penal mínimo sobre quais os delitos, hoje tipificados, passíveis
de descriminalização, a resposta indefectível seria: por exemplo, o cri
me d e adultério! Em havendo insistência para outros mais crimes, passí
veis d e expurgo crim inògeno, a enumeração destes, no total, possivel
m ente não encheria os d edos de uma só mão, ao m enos daqueles que a
têm completa.
N ão se sabe ex a ta m en te quais seriam os tipos p en a is a serem
descriminalizados. Pode-se, n o entanto, inferir, ainda que abusando do
princípio da exclusão, que seriam possivelmente, dentre outros, posse
sexu a l mediante fra u d e (art. 215), atentado ao pudor m ediante fraude
(art. 216), apropriação de coisa achada (art. 169, parágrafo único, II),
esbulho possessòrio (art. I 6 l , § I o, II).
Além desses, também, possivelmente, outras figuras típicas seriam no
mínimo cogitáveis para descriminalização, como a usura e a sedução. Afi
nal, falar-se em usura nos dias que correm, mesmo sem descer em porme
nores, chega a ser irônico. Agora, quanto à sedução (virgindade aos dezoi
to anos, promessa de casamento e tal), nem no recôncavo, nem no agres
te, nem ainda nas veredas d o grande sertão rosiano, enc.ontrar-se-iam
paradigmas para integração do tal crime. Eis que, em toda parte, já che
gou a telefonia celular e a televisão, não necessariamente nessa ordem.
Entretanto, por mim, deixava tudo como está. Mas haja argumento
para este meu conservadorismo.
Comecemos pela posse sexual mediante fra u d e. Pensando bem, che
ga a ser hilário admitir um a tal possibilidade numa suprem a hora como
essa. Afinal, como será isso possível?
Aqui um imaginado cenário: noite alta, silenciosa m odorra cobre lares
e :dcovas, salvo é claro aquelas no renhido combate, a tal nobre arte, que
acaba em empate, aqui e em toda a parte; eis que nessa noturna pachorra,
vizin ha sozinha, m andão em viagem, tem a casa, cômodos, pachorro, tudo
posto em sossego; então para !á se dirige à sorrelfa, lépido e ledo (visita a
desoras, danado!), estouvado, farsante, o vizinho ga'ante, como que con-
C rin e e Castigo:
Reflexões Politicamente incorretas
"• Lam hdum , Giuseppe TbouuU i>¡ Û Leopardo Se queremos <|ue tudo O tjuc como
está c preciso q u e lu d o m u d e"). São l'a u la F.ditor Victor C iv iu Abnl Cultural,
1979. trad u ção d o original / / Gattopardo p<>- Rui Cabeçadas
Crime e Casiigm _
2rt5
PotiUcafrrrio icoorrrtes
O que tem a ver, afinal, uma tal comparação entre direito civil e direito
penal' Ora, no po n to em que o expurgo dc alguns tipos penais visa a
puren t cientifica de sua codificação, certam ente que não pode ser assim
tão-só particularizada. O que é válido para um corpo de leis, m utalis
m utandis, não será para outro? Não obstante, o que se tem dc conclusivo,
no caso, r que até entre leis c ¡as, a igualdade dc tratamento c uma
ficção.
Mas, dentre os crimes que suponho não se enquadrem no dogmatismo
penal, no conceito daquela minimização referida, certamente haveria de
estar também o da apropriação de coisa achada.
Imagine-se, com efeito, do ponto de vista d o direito penal mínimo, a
tipificação penal da conduta relativa à apropriação d c coisa achada Numa
época em cjue roubos e assaltos, apropriações indébitas c peculatos são
práticas com uns, chega a ser ingênuo, senão risível, um tipo penal dessa
ordem e natureza. De igual modo. num a época em que apropriar-se do
alheio até na metragem do papei higiênico e na quantidade da mercadoria
embalada tornou-se praxe comercial, cuidar-se tie crime pôr apropriação
de coisa achada não deixa de ser mesmo hilárico, senão romantismo da
galante belle époque.
Todavia, romantismes à parte, é preciso considerar a bcleza ética do
gesto de quem procura, pelos ine ios c modos possíveis, cumprir a máxima
universal de o alheio a seu dono, propiciando o retom o da coisa achada
ao seu proprietário. Tais pessoas. cada dia mais raras, não podem ser nive
ladas aqueles que. agindo exatamente do m odo contrário, se apropriam
do alheio, sem nenhum pejo. jamais se sensibilizando com .1 infelicidade
que poderão estar causando.
O valor d o objeto ou do bem encontrado mintas vcz.es ultrapassa sua
referência monetária ou econômica, ingressando no plano do afetivo, onde
a escalade valores é dc reserva pessoal. Há algumas décadas, numa repor
tagem jornalística foi veiculado que determ inado passageiro encontrou,
numa composição do metrô, um pacote de cartas. Eram cartas de amor.
escritas na década dc trinta do sécuio próximo findo, com aquela letra de
talhe límpido, quase um ronde, uma espécie dc gótico em linha fina, com
expressões ternas c amoráveis, escritas por um tal Altair para sua amada
Carol. Não vem ao caso o restante da estória, bastando dizer que esses
personagens iá haviam falecido, razão bastante para aum entar o significa
do daquelas preciosidades para quem. por alguma razão, ali as houvera
esquecido.
Imagine-se, cartas d e amor na epoca atual, era da internei, dos e-mails
e outras simplificações da instnntancidade tecnológica das emoções Como
Sebastião Carlos Garcia
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Apêncí ce
XI
M e llo e S ouza.
Crime e Castigo:
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Reflexões Pollinamente Incorretas
zão P rática, a. célebre frase- “Em cima, o céu estrelado, e dentro de nós a
lei m oral.”18
Pudessem ao menos as tendências do direito penal moderno ter bem
presente esta irrefutável constatação do Coro, na Antígona, no sentido
daquela dualidade do espírito humano, para o bem e para o mal, certa
m ente a valoração dessas diferenças traria o corolário de que repugna ao
direito natural a equiparação de inocentes e culpados. E, em decorrenda,
a opção pelo mal, em oposição ao esforço ético pelo bem, necessariamen
te manifestará, no âmbito penal, a inàfastabilidade do livre arbítrio mes
mo na actio libera in causa.
Só assim, perenes e permanentes, hão de ser, em todo o tempo, aque
las palavras em vaticinio do Coro em Antígona: “Oh! que nunca transpo
nha minh; soleira, nem repouse junto ao meu fogo, quem não pense como
eu, e proceda de modo tão infame” —aplicáveis a todos que praticam
hediondas ações.
X II
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M ill e n n iu m ■ ^
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