INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA
1 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
2 Começando a história
E lá vamos nós!
3 Tecendo Conhecimento
Vocês já devem ter ouvido falar, e lido também, sobre a influência das culturas
grega e romana em nossa formação cultural. Bem, essa cultura diz respeito não
apenas aos comportamentos éticos, sociais e políticos, mas também, e muito
fortemente, à origem de nossa língua, nosso idioma, a ponto de dizermos, com
base científica, que a Língua Portuguesa tem origem no latim, embora com
vasta influência de termos de outros povos. Mas isso vocês estudarão com maior
profundidade nas disciplinas de Fundamentos de Linguística Românica (FLR) e
História da Língua Portuguesa (HLP).
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AULA 02
Apenas para ampliar a noção que se tem sobre a filologia, podemos fazer uso da
explicação de Martelotta, et al (2008), que também nos apresentam a diferença
entre linguística e filologia. Assim se posicionam os autores:
Quanto à diferença entre lingüística (sic) e filologia, podemos
dizer que a última é uma ciência eminentemente histórica,
que por tradição se ocupa do estudo de civilizações passadas
através da observação dos textos escritos que elas nos
deixaram, com o intuito de interpretá-los, comentá-los, fixá-
los e de esclarecer ao leitor o processo de transmissão textual.
Hoje em dia, também é comum que se faça distinção entre a linguística, como
ciência autônoma, e a Gramática Tradicional. Essa Gramática tem mais de
2.000 anos e sempre foi objeto de estudo, ou melhor, de produção mesmo, de
gramáticos gregos e romanos da Antiguidade clássica.
Enquanto a linguística tem especial interesse pela fala, já que é nesse meio
que a linguagem se manifesta de forma mais natural, a gramática se ocupa de
prescrever o que é correto no uso da língua. Assim, desde que entramos na escola,
começamos a nos policiar, a fim de evitar falar e escrever “errado”, ou melhor,
diferente do que orienta nosso livro de Português, por exemplo, do contrário não
atenderemos às exigências de nossos professores de língua e não atingiremos
as “notas desejadas para nossa aprovação”.
É bem verdade que esse padrão deve se adequar também a condições sociais e
culturais dos locutores e interlocutores, ou seja, embora saibamos que devemos
falar seguindo o padrão culto da língua, devemos saber também que há uma
seleção lexical e uma organização sintática que favorece a comunicação em
momentos diferentes de interação verbal.
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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação
Você acha que a forma como nos dirigimos a um público de cultura elevada,
como intelectuais, estudantes de cursos superiores, parlamentares etc., deve
ser a mesma a ser utilizada quando nos dirigimos às pessoas menos cultas
academicamente, por exemplo, pessoas que nunca frequentaram a escola ou que
ali ficaram por pouco tempo, sem acesso à leitura, a tecnologias que poderiam
ampliar sua formação cultural?
Seja qual for a estrutura, a seleção lexical, morfológica, a entonação oral, enfim,
cada uma, e todas juntas, das articulações da língua, estaremos produzindo
Enunciados, ou seja, estaremos buscando manter um contato organizado e
coerente com nosso parceiros comunicativos; queremos estabelecer um diálogo
em que haja sucesso tanto nas intenções de quem o começa quanto nas “falas”
de quem responde, conversa conosco, enfim , estamos buscando realizar um
processo de Enunciação.
Para que se construa um enunciado, e para que este assim seja definido, é
necessário compreender que aquele que o produz – o locutor – está ciente das
condições específicas no momento de sua produção e a finalidade dessa produção.
Ora, quando produzo um enunciado, quero “dizer” algo a alguém, quero interferir,
pela língua(gem) no pensamento desse alguém, a quem chamaremos, a partir
de agora, de interlocutor. Se então esse não for o nosso interesse, então não
haverá problemas de falarmos sozinhos...
Agora já podemos dar um conceito mais prático para esse fenômeno linguístico:
Observe, como bom estudioso que sabemos que você é, que trocamos enunciados
cada vez que dialogamos. Não trocamos frases, orações, embora estas sejam as
partes estruturais e formais que concretizam a matéria do enunciado.
Isso nos leva a conceituar agora a enunciação. Podemos, grosso modo, dizer
que a enunciação é o processo que nos impele, e ainda nos movee encoraja a
produzir o enunciado. Em suma,
Mas será que essa análise da realização dialógica já nasceu pronta? Como tudo
começou? Bem, na Índia antiga, a necessidade de manter viva a pronúncia correta
dos textos religiosos ancestrais levou à investigação da fonética articulatória;
os gregos, por sua vez, grandes entusiastas da retórica, preocupavam-se com
as proposições, ou seja, propostas sujeitas à análise, podendo ser refutadas ou
aceitas. Ora, para se proceder a uma análise lógica dessas proposições, os filósofos
da Grécia clássica previam a necessidade de um vocabulário técnico conceitual
o que resultou num sistema das partes do discurso (entenda-se discurso como
defesa de opiniões, argumentação propriamente dita).
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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação
Na verdade foi daí que surgiu a Retórica. E em sua pior conotação, pois esses
“advogados” não usavam as proposições e os argumentos de forma a veicular a
verdade sobre os fatos, mas “sua verdade” sobre seus interesses. Eram os antigos
sofistas, os quais vendiam essa sua habilidade de argumentação e de persuasão
àqueles que tinham dificuldades de falar em público. Ocorre que Platão, sábio e
excelente orador, com grande domínio sobre as vertentes do diálogo e, é claro,
da língua, condenou essa prática. Encontramos, em uma das obras de Meyer
(2007), o que pensava Platão sobre retórica e filosofia. Segundo o autor, Platão:
foi sempre infatigável em opor a retórica – falso saber ou
sofística – à filosofia, que se recusa a sujeitar-se às aparências
de verdade para dizer tudo e também seu contrário, o que
é condenável, mesmo que rentável. Disso nasceu a idéia
(sic) de que sofisma é um raciocínio falacioso e enganador,
mas que não aparece como tal. Tem todos os indícios de
verdade, salvo um, o que conta: ele é um erro. O sofista é a
antítese do filósofo, assim como a retórica é o contrário do
pensamento justo.
Vale dizer, entretanto, que essa imagem da Retórica hoje já não mais se apresenta.
Alguns filósofos da atualidade cuidaram de aplicar uma nova roupagem a
essa ciência, dando-lhe o respaldo merecido, a exemplo de Chaïm Perelman e
Lucie Olbrechts-Tyteca. Falaremos sobre essa nova retórica quando tivermos
oportunidade, em outra disciplina de nosso curso, talvez quando adentrarmos
o mundo da Pragmática.
Muito bem, vemos que há muito temos a dizer sobre as origens da Linguística da
Enunciação. E não pensem que nos afastamos de nosso ideal: quando falamos
em Retórica também falamos de Enunciados, concordam?
E voltemos a falar de Platão. Este foi um dos pensadores que, em Atenas, onde
se iniciou a história registrada da linguística ocidental, começou a refletir sobre
os problemas fundamentais da linguagem. E surgem duas visões essenciais e
fundamentalmente opostas:
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AULA 02
Naquela época, Platão publicava “diálogos”, cujo teor era de cunho filosófico e
(por que não dizer?), científico. Em um desses diálogos, intitulado Crátilo, Platão
conduz suas dúvidas e respostas por meio de três interlocutores. Um deles, o que
dá nome à obra, Crátilo, sustenta que a língua espelha o mundo; Hermógenes, um
segundo interlocutor, defende a posição contrária, e diz que a língua é arbitrária,
ou seja, não corresponde ao que se apresenta no mundo, tem assim, vida própria;
e Sócrates, terceiro interlocutor, representa instância intermediária, ressaltando
tanto os pontos fortes quanto as fraquezas dos outros dois e levando-os, por
fim, a uma solução conciliatória. Em sua argumentação, Sócrates discorda de
Hermógenes e afirma que as palavras são ferramentas, por isso cada uma serve
a um propósito, ou melhor, as palavras devem ter propriedades que as tornem
apropriadas ao uso.
Para tentar finalizar esse embate, Sócrates convida Hermógenes a fazer duas
suposições 1ª) a de que as palavras, em algum sentido, são corretas, pois do
contrário não cumpririam sua função; e 2ª) a de que, tendo surgido por convenção,
elas devem ter sido inventadas por alguém, humano ou divino: em grego
nomoteta (legislador).
Difícil expor em tão pequeno espaço e tempo, como o nosso, todo o processo
por que passaram estudiosos e a própria língua para se chegar a uma conclusão,
pelo menos, acessível a nossa tão limitada leitura sobre a filosofia da linguagem
desde os gregos e romanos.
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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação
Para economizar nosso tempo, vamos tentar encaminhar essa discussão com a
chegada de Aristóteles, discípulo de Platão. Com o objetivo de tentar responder às
questões anteriores, Aristóteles, em sua obra Perì hermenēias (De interpretatione),
delineou um processo em três etapas:
ūū Os signos escritos representam os signos falados;
ūū Os signos falados representam impressões na alma;
ūū As impressões na alma são a aparência das coisas reais.
Em resumo, para Aristóteles, as impressões e as coisas são as mesmas para todos
os homens, ao passo que diferem as palavras que representam as interpretações.
Para seus contemporâneos esse era um processo tripartite muito difícil de
compreender. Resolveu-se, então, acrescentar uma nova etapa entre a recepção
passiva da impressão e a fala: o conceito, ou seja, uma noção que pode ser
verbalizada.
De forma mais simples, a substância física desse enunciado seria phone (a “voz”),
porém, sem significado, apenas um som, fosse articulado ou não. Se, entretanto,
essa voz pudesse ser representada pela escrita, então, teríamos um som articulado
chamado de léxis.
Assim, temos o termo léxis para nos oferecer campo lexical, lexicografia,
lexicologia etc.
Entre os gregos, a distinção entre logos, a palavra ou enunciado visto como uma
entidade significativa, e léxis, a palavra vista como forma, é fundamental para o
pensamento linguístico estóico e pós-estóico.
Você se lembra de que, um pouco mais acima, neste mesmo texto, falávamos da
importância que os gregos davam às atividades da oratória e da retórica? Pois
bem, imagine agora como fica essa preocupação com o que acontece com o
conceito de lógos.
Aos poucos o lógos foi sendo analisado em partes do discurso. Eram essas partes
que formavam a estrutura dos enunciados significativos.
Ocorre que, nessa análise do enunciado por partes, acabava-se por não se saber
ao certo onde, em que parte específica, localizava-se o que se dizia verdadeiro,
nem o que se dizia falso.
Imagine, meu atento estudante, quão difícil seria para nós dizer se uma afirmação
é verdadeira ou falsa apenas visualizando as palavras em sua classificação como
nomes, verbo, adjetivo, advérbio...!
Ainda que o Império romano demonstrasse todo o seu poder e tivesse, até certo
ponto, conseguido algum domínio sobre os gregos, não obtiveram sucesso nas
questões linguísticas.
Prova disso é que muitas expressões do grego foram trazidas para o povo romano
e serviu de base à formação linguística de outros povos, séculos após séculos, a
exemplo da própria Língua Portuguesa.
Primeiro, devemos lembrar que a Gramática Tradicional tem sua base nos estudos
gregos que, absorvidos pelos romanos, mantiveram o sistema de classificação
morfológica, resultado de sistema de partes, ou seja, nossa estrutura gramatical
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Também posso separar as partes de uma oração, isolando seu sujeito, núcleo,
predicado, predicativo (se for o caso), complementos verbais (objetos direto e
indireto ou ambos), etc.
Vale lembrar que os falantes não têm total liberdade para combinar esses elementos
e garantir sua funcionalidade comunicativa. Se queremos indicar a pluralidade
de algum elemento, geralmente colocamos um –s no final da palavra: boi > bois.
Nos séculos XVII e XVIII, a antiga proposta grega vem à tona. Em 1660, a
chamada Gramática de Port Royal tenta retomar os estudos aristotélicos que
considera a língua como reflexo da razão, buscando construir, com base na
lógica, um esquema universal da linguagem, subjacente a todas as línguas
do mundo. Essa proposta perde força no século XIX, sendo mais tarde,
mais uma vez, retomadas por estudiosos chamados linguistas gerativistas.
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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação
Muito bem, caros estudiosos da Língua Portuguesa, já podemos ver que estudar
a origem da Linguística não é tão simples nem pode ser feito a partir apenas de
uma perspectiva. É necessário que tenhamos conhecido um pouco a história
de sua gênese e como a Gramática está entrelaçada em seus ramos de pesquisa
e difusão de conhecimentos acerca dos fenômenos que cercam nosso idioma.
Ainda assim, não podemos nos furtar aos estudos da Teoria da Enunciação, haja
vista sua importância na verificação de fenômenos que, se não justificados pela
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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação
Assim, podemos dizer que a enunciação é, então, orientada pelo contexto, por
situações precisas. Portanto, a palavra é lugar de confronto dos valores sociais, e
a comunicação verbal não pode ser separada de outras formas de comunicação.
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AULA 02
Figuras 1 e 2
Estes estudos trazem, no
seu conjunto, e cada um
por si, uma contribuição
à grande problemática da
linguagem que se enuncia
nos principais temas
tratados: consideram-se
as relações entre o
biológico e o cultural,
entre a subjetividade e o
social, entre o signo e o objeto, entre o símbolo e o pensamento, e também
os problemas da análise intralinguística.
5 Trocando em miúdos
Se você for um leitor perspicaz, e tenho certeza de que é, terá visto que a
preocupação com a enunciação, ou seja, com a unidade de comunicação verbal,
já existia desde antes de Cristo.
Também terá percebido que tudo começa pela gramática, pelo material
concreto, realizável pela fala, mas regularmente analisado na produção escrita.
O cuidado com a forma e com a ordem das palavras nas frases, e no lógos, marcou
intensamente os estudos linguísticos e nos deixou essa carga como legado. Por
isso, tão forte é a prática de estudos gramaticais em nossas escolas, de qualquer
nível ou categoria. Conhecer as estruturas gramaticais e saber lidar com elas é
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A enunciação: das origens da Gramática Tradicional à Linguística da Enunciação
E continua a autora:
A moderna análise linguística insiste na necessidade de
tomar o texto como unidade básica de análise, levando em
conta as propriedades de coesão e coerência, entre outras. O
estudo de uma frase isolada só faz sentido se for associado ao
estudo de todas as demais frases do texto e das articulações
que se estabelecem entre elas.
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6 Autoavaliando
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Referências
MEYER. Michel. A retórica. Trad. Marly N. Peres. São Paulo: Ática, 2007.
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