RESUMO
Nos últimos anos muito tem sido discutido sobre a necessidade de implementação de
políticas desenvolvimentistas. Visando contribuir com este objetivo, a propriedade
industrial pode ser considerada como um dos mecanismos que incentiva o
desenvolvimento da sociedade, melhorando a condição humana e promovendo a criação
de novas ferramentas úteis à coletividade.
O presente trabalho propõe-se justamente a tratar sobre isso, partindo da análise da
legislação pátria a respeito do tema e realizando um estudo sobre a função econômica da
propriedade industrial, compreendendo-se os motivos que fundamentam a sua proteção.
Construída esta base, passa-se a realizar uma análise crítica desenvolvimentista
avaliando o cenário econômico, político e social do Brasil, bem como identificando
alguns problemas que prejudicam o progresso do país.
ABSTRACT
In the last years, a lot has been discussed about the necessity of implementation of
development politics. Aiming at to contribute with this objective, the industrial property
can be considered as one of the mechanisms that stimulate the development of the
society, improving the human condition and promoting the creation of new useful tools
to the people.
This work intends to discuss it, leaving by the analysis of the national legislation
regarding the subject and studying the economic function of the industrial property,
understanding the reasons that support its protection.
By this point, it’s transferred to carry through it a development critical analysis
evaluating the economic scene, social and politician of Brazil, as well as identifying
some problems that harm the progress of the country.
∗
Advogado. Mestrando em Direito Empresarial pelo Centro Universitário Curitiba. Pós-Graduado em
Direito Empresarial pela ABDCONST/PR. Bacharel em Administração de Empresas pela UFPR.
1
KEYWORDS: FUNCTION, ECONOMY, PROPERTY, INDUSTRIAL,
COMPANIES, DEVELOPMENT, SOCIETY, TECHNOLOGY, RESEARCH,
SCIENTIFIC.
INTRODUÇÃO
1
Veja-se, inclusive, a grande quantidade de medidas políticas que vêm sendo desempenhadas pelos
poderes executivos federal, estadual e municipal, acompanhando o amadurecimento da democracia em
nosso país. Mesmo não abordando o mérito das referidas medidas, ao menos a tentativa de sua
implementação pode ser considerada como um grande passo na melhoria das condições sociais.
2
interesse público, coibindo-se a prática de atos que desvirtuem o uso da propriedade
industrial nos casos em que haja prejuízo ou onerosidade excessiva à sociedade.
2
Cumpre destacar que no caput do art. 170 o legislador constitucional previu expressamente que os
fundamentos da ordem econômica devem assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da
justiça social. Isto é, como regra fundamental, trazida neste artigo, pode-se perceber que – relativizando
alguns interesses privados – a ordem econômica deve estar pautada na melhoria da condição humana.
3
normalidade no cenário social, conforme previsão do art. 173, V, § 4° da Constituição
Federal3.
3
“Art. 173.(...). V. (...). § 4° A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos
mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”
4
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1995,
p. 727.
5
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2003, p. 1839.
4
XXIX6, e 218 da Constituição Federal, atribui ao Estado a obrigação de promover e
incentivar estas atividades7.
Ao construir um sistema jurídico que impulsiona o desenvolvimento
econômico (incluindo a propriedade industrial no rol dos direitos fundamentais), como
já apontado, e incentiva os mecanismos de produção científica, a Constituição Federal
semeou um “solo fértil” para fomentar os investimentos da área privada em pesquisa
científica.
Por isso, pode-se dizer que a estrutura criada pela Constituição Federal
influenciou a construção e o pensamento moderno sobre a propriedade industrial, bem
como o seu papel como elemento de desenvolvimento econômico.
Consequentemente, pode-se dizer que a Carta Magna valorizou a figura da
propriedade industrial e sua função, contribuindo com o trabalho do legislador
infraconstitucional.
6
Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança, e à propriedade, nos seguintes termos:
(...)
XXIX – A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização,
bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros
signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do
País.
7
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação
tecnológicas.
§ 1° A pesquisa científica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o
progresso das ciências.
§ 2° A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e
para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
§ 3° O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e
concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.
§ 4° A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao
país, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração
que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes
da produtividade de seu trabalho.
§ 5° É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades
públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.
5
A propriedade industrial no Brasil8 encontra-se regulamentada pela Lei
9.279/96, a qual, basicamente, prevê a proteção das invenções e dos modelos de
utilidade (por meio das patentes), do mesmo modo que das marcas e dos desenhos
industriais (por meio de registros). Seguindo a mesma linha desenvolvida no texto da
Carta Magna, a legislação infraconstitucional também assegurou a proteção à
propriedade industrial9, buscando-se o desenvolvimento tecnológico e econômico do
país e garantindo-se a preservação do interesse social.
Ao proteger o interesse social, o texto da lei de propriedade industrial reforça o
conteúdo disposto no art. 5°, XXIX, da Constituição Federal, trazendo a possibilidade
de que seja aplicada a licença compulsória10 às patentes que estejam sendo utilizadas de
forma abusiva.
Nesse sentido, temos a lição de Viviane Perez de Oliveira:
8
Cumpre destacar que a propriedade industrial é uma das modalidades de regulamentação da atividade de
pesquisa, desenvolvimento e produção científica que receberam tutela do legislador infraconstitucional. O
presente trabalho limitou a abordagem a apenas a modalidade de “propriedade industrial” por se tratar
daquela que, profundamente, encontra-se ligada ao desenvolvimento econômico e social. Assim, cabe a
análise da sua função econômica.
9
Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante:
I - concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade;
II - concessão de registro de desenho industrial;
III - concessão de registro de marca;
IV - repressão às falsas indicações geográficas;
V - repressão à concorrência desleal.
10
Destaque-se que o texto da Lei 9279/96 possui dispositivos que tratam especificamente da licença
compulsória que pode ser aplicada às patentes nos casos de abuso em seu uso, ou abuso do poder
econômico. Parta tanto, os artigos 68 e seguintes da mencionada lei prevêem várias hipóteses em que a
propriedade industrial será licenciada compulsoriamente, bem como determinam de que forma ocorrerá
este procedimento.
11
OLIVEIRA, Viviane Perez de. Exploração patentária e infração à ordem econômica. Revista de direito
público da economia. n° 1. ano 1. abr./jun. 2003, p. 273.
6
Brasil12. A mencionada lei dispõe sobre as regras para concessão das patentes e dos
registros, os prazos, bem como estabelece os demais critérios necessários para a
regulamentação da matéria13.
Somando-se as considerações traçadas sobre o texto constitucional e a lei
infraconstitucional, percebe-se que o ordenamento jurídico em matéria de propriedade
industrial não merece críticas advindas dos operadores do Direito. Pelo contrário, há de
ser destacado o trabalho do legislador porque, em tese, a lei atende boa parte dos
anseios das classes sociais, sejam empreendedores, consumidores, membros do poder
público, bem como as demais pessoas que são atingidas direta e indiretamente pela
propriedade industrial.
Nada obstante, o tratamento prático que é dispensado à propriedade industrial
prejudica o interesse social e a base construída pelo legislador. Isso porque a postura da
sociedade ao adquirir produtos que desrespeitam a propriedade industrial (comumente
denominados de “piratas”), a burocracia que envolve os órgãos públicos como o INPI
(Instituto Nacional da Propriedade Industrial), bem como a lentidão apresentada pelo
Poder Judiciário (fato absolutamente notório), são alguns dos fatores que dificultam a
apropriada proteção legal àqueles que agem de acordo com a lei e esperam do poder
público o cumprimento das diretrizes fundamentais previstas no texto legal.
Todos estes fatores, aliados aos grandes problemas que assolam a estrutura do
Estado brasileiro, dificultam o desenvolvimento econômico do Brasil.
7
O estabelecimento de um regime jurídico de proteção da propriedade
intelectual para servir de alavanca ao crescimento econômico nacional não é
recente na história do direito no Brasil. Antes mesmo da independência de
Portugal, vigorava o Alvará de 1809, do Príncipe Regente Dom João VI, que
previa a concessão do privilégio de exclusividade aos inventores e
introdutores de novas máquinas e invenções, como um benefício para a
indústria e as artes. Esta norma e outras promulgadas a partir de 1822
colocaram o Brasil entre os primeiros países do mundo a regularem os
direitos de propriedade intelectual.14
14
PIMENTEL, Luiz Otávio; BARRAL, Welber. Direito de propriedade intelectual e desenvolvimento.
Propriedade Intelectual e Desenvolvimento. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006, p.13.
15
Vale, neste momento, destacar as lições de Richard A. Posner em seu livro Economic Analysis of Law.
Nesta obra, o autor realiza abordagem sobre a sistemática que envolve a propriedade (como um todo) e
seus reflexos na economia, trazendo um simples exemplo prático que reforça a necessidade de ser
assegurada a proteção aos direitos de propriedade, senão vejamos: “(...) Imagine a society in which all
property rights have been abolished. A farmer plants corn, fertilizes it, and erects scarecrows, but when
the corn is ripe his neighbor reaps it and takes it away from his use. The farmer has no legal remedy
against his neighbor’s conduct since he owns neither the land that he sowed nor the crop. Unless
defensive measures are feasible (and let us assume for the moment that they are not), after a few such
incidents the cultivation of land will be abandoned and society will shift to methods of subsistence (such
as hunting) that involve less preparatory investment.”. POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law.
Nova Iorque: Aspen Publishers, 2002, p. 32
8
propriedade industrial é fundamental para o desenvolvimento econômico e social,
reforçando-se ainda mais a necessidade de proteção.
E para justificar as idéias apresentadas sobre o incentivo a proteção da
propriedade industrial, interessante destacar os ensinamentos de Viviane Perez de
Oliveira, in verbis:
16
OLIVEIRA, Viviane Perez de. op cit., p. 268.
9
melhorar a capacidade tecnológica nos centros de pesquisa local.17 (destacou-
se)
17
PIMENTEL, Luiz Otávio; BARRAL, Welber. op cit., p. 26-27.
10
com as oportunidades e com o panorama em que está inserida, encaixando-se no perfil
traçado no parágrafo anterior.
Por isso, vivendo em um país que não oferece infra-estrutura básica nas áreas
de saúde, educação, trabalho e moradia, com uma das mais elevadas cargas tributárias
do mundo18, e que há anos promete aumentar os índices de desenvolvimento, sem que
isso ocorra, a esperança da população em encontrar alguma espécie de melhoria foi
reduzindo com o passar dos anos.
Mesmo, recentemente, tendo sido apresentadas diversas medidas para
incentivar o crescimento do país19, considerando-se que sua implementação é
demasiadamente demorada, o cidadão comum tem dificuldades em acreditar no futuro
econômico e social da nação.
Corroborando as informações apresentadas, a análise realizada por Fábio
Giambiagi torna-se bastante interessante e descreve a política econômica e social que
vem sendo desempenhada no Brasil:
Enquanto o resto do mundo, cada vez mais, se volta para o desafio da criação
de riquezas, o Brasil persiste no desenvolvimento de um modelo
distributivista em essência, fortemente baseado no intervencionismo estatal e,
em alguns casos, com um acentuado viés anticapitalista. Estamos virando
uma economia com mentalidade de funcionários públicos, no que isso em
geral é associado a certo espírito de acomodação e de dependência do
Estado.20
(...)
No Brasil, a constatação de que havia níveis de pobreza considerados –
justamente – inaceitáveis levou a uma procura exacerbada da proteção do
Estado. O problema é que, em vez de procurar direcionar a atuação deste para
a superação da pobreza mediante o desenvolvimento de incentivos adequados
que estimulassem a melhoria da produtividade e o aumento da produção,
optou-se por um modelo que prioriza a distribuição e a proteção. Se usarmos
a velha metáfora somos pródigos em ‘dar o peixe’, mas temos sido um
fracasso na arte de ‘ensinar a pescar’.21
(...)
Os melhores exemplos de países que crescem hoje em dia a um ritmo
acelerado combinam, em maior ou menor grau, uma tributação benigna, um
18
A carga tributária no Brasil no ano de 2006 atingiu 38,75%, alcançando o maior patamar de toda a
história do país. Fonte: IBPT, in: Folha de São Paulo, caderno Dinheiro, p. B1, Sábado, 30 de Dezembro
de 2006.
19
Independentemente do viés político defendido, é inegável que o país caminha a passos muito lentos
quando comparado com outros países que apresentam o mesmo perfil histórico do Brasil. Não se faz
necessária uma crítica política individual, mas precisam ser feitas ponderações coletivas visando que o
país evolua economicamente, o que se espera que ocorra com o amadurecimento da democracia
brasileira.
20
GIAMBIAGI, Fábio. Brasil, raízes do atraso: paternalismo x produtividade. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2007. p. 5.
21
GIAMBIAGI, Fábio. op cit., p. 6.
11
elevado investimento público e um firme apoio à educação, com ênfase na
criação de riqueza e no apoio à inovação. Isso pouco tem a ver com o nosso
modelo de atuação estatal em que o Governo transfere renda para um número
crescente de pessoas, ficando, em compensação, quase sem recursos para
expandir as atividades de infra-estrutura.22
22
GIAMBIAGI, Fábio. op cit., p. 11.
23
LIMA, João Evangelista Pereira de; MULLER, Aderbal Nicolas. Custo Brasil: muito além dos
suspeitos habituais. Revista da FAE. n° 1. jan./dez. 1998, p. 15.
24
Estes países têm conseguido equilibrar excelentes resultados econômicos com a inclusão social e a
redução de desigualdades, o que tanto tem sido defendido no Brasil.
12
das desigualdades sociais e com o desenvolvimento econômico, tal como pretendido
pelo legislador ao dispor sobre a propriedade industrial.
Para comprovar a ligação entre esses aspectos, interessante mencionar que o
relatório 2007 da Organização Mundial de Propriedade Industrial (INPI) mostrou que o
pedido de patentes do Brasil em relação a 2006 caiu 5,6%, enquanto a Coréia do Sul
avançou 24,6% e a China 56,4%. Até a África do Sul superou o número de pedidos de
patentes do Brasil25.
Estes dados contribuem para consolidar o entendimento apresentado no curso
deste artigo, pois demonstram – numericamente – que, com as políticas econômicas e
sociais adotadas no Brasil, há pouco espaço a materialização dos direitos previstos na
Constituição Federal, dentre eles a utilização da proteção da propriedade industrial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
25
Fonte: Gazeta Mercantil, caderno A, p.2, Segunda-Feira, 14 de maio de 2007.
13
REFERÊNCIAS
LIMA, João Evangelista Pereira de; MULLER, Aderbal Nicolas. Custo Brasil: muito
além dos suspeitos habituais. Revista da FAE. n° 1. jan./dez. 1998.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995.
14