Tema I
Norma Jurídica. Diferenças entre norma jurídica e norma moral. Fontes da norma jurídica ou fontes do
direito. Vigência da norma jurídica. Repristinação. Vaccatio legis. Obrigatoriedade. A integração e
aplicação da lei segundo os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. Vigência temporal e
espacial da norma. Conflitos no espaço e no tempo. Disposições transitórias.
Notas de Aula
“Artigo 2.044. Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação.”
Há uma enorme discussão sobre a contagem deste prazo, havendo três correntes. A
primeira, majoritária, entende que deve ser aplicada a Lei Complementar 95/98, que trata
das normas para elaboração legislativa, no artigo 8°:
§ 1o A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período
de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo,
entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.
§ 2o As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta
lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’”
Ocorre que o CC dispôs, no citado artigo 2.044, que o prazo é de um ano. Outra
discussão surge: este um ano é “trezentos e sessenta e cinco dias”, ou é até o dia
correspondente do ano seguinte? Segundo o artigo 132, § 3°, do próprio CC, assim se
configura:
“Artigo 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os
prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento.
§ 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até
o seguinte dia útil.
§ 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§ 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no
imediato, se faltar exata correspondência.
§ 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.”
Assim, o ano é até o dia correspondente do ano seguinte, e não trezentos e sessenta
e cinco dias. Desta forma, tendo o CC sido publicado em 11/1/2002, este entraria em vigor
em 12/1/2003, um ano após, incluídos o dia de início e o dia final, para esta corrente.
Em resumo: há um primeiro entendimento que defende o dia 11/1/2003 como termo
inicial do vigor do CC de 2002, argumentando não se aplicar o artigo 8° da LC 95/98,
porque a vaccatio do CC de 2002 deveria ser estabelecida em dias, e não em ano. Uma
segunda corrente também defende que o termo inicial é dia 11/1/2003, por entender que o
artigo 2.044 do CC deve ser interpretado sistematicamente com o artigo 8° da LC 95/98,
devendo a referência a “um ano” ser lida como trezentos e sessenta e cinco dias – o mesmo
argumento da primeira corrente, portanto, só que construído de forma diferente. E uma
terceira corrente, minoritariíssima, defende que se aplica a LC 95/98, nos seus termos,
culminando no vigor em 12/1/2003.
O STJ, segundo corrente majoritária, entende que o CC entrou em vigor no dia
11/1/03, e não no dia 12.
2. Repristinação
Consiste na revogação da lei revogadora, quando, então, a lei original volta a viger.
A LICC permite a repristinação, desde que a lei final, revogadora da lei revogadora, fizer
expressa menção de que a lei inicial volta a ter vigência.
“Artigo 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja
com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já
existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei
revogadora perdido a vigência.”
“Artigo 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar
em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a
parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações
à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o
procedimento estabelecido na Seção I deste Capítulo.
§ 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito
ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa.
§ 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso
existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.”
3. Direito Intertemporal
“(...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;
(...)”
A retroatividade mínima, por sua vez, é a que gera discussões sobre sua existência
ou não. Consiste na aplicação da lei nova a fatos posteriores a sua vigência, sendo a causa
do fato anterior à nova lei. Existem dois entendimentos quanto a esta possibilidade: o
primeiro, majoritário na doutrina cível, entende que a retroatividade mínima não ofende a
CRFB, por se tratar, em verdade, tecnicamente, de mera aplicação imediata da lei nova a
fatos que já estão sob sua égide. Esta teoria parte da distinção que Paul Roubier fazia entre
fatos pretéritos e fatos pendentes, sendo possível aplicar-se a lei nova a fatos pendentes.
A segunda corrente, da qual comunga o STF, tendo se manifestado assim na ADI
493, determina que a retroatividade mínima não deve ser aplicável, já que o artigo 5°,
XXXVI, da CRFB, não prevê qualquer restrição em relação aos graus de retroatividade. Se
uma lei nova é aplicada a um fato posterior a ela, mas indiretamente é ofendido um ato
jurídico perfeito que lhe serve de causa, ela será retroativa, e portanto inconstitucional. Por
isso, no exemplo dado, para o STF valeria a cláusula penal dos dez por cento,
privilegiando-se a causa, o contrato, ato jurídico perfeito (este entendimento também é o do
STJ).
Na ADI 493, o STF posicionou-se de forma claramente contrária à retroatividade
mínima, já que o artigo 5°, XXXVI da CRFB não prevê qualquer restrição em relação aos
graus de retroatividade tolerada ou tolerável. Se uma lei nova é aplicada ao fato posterior a
ela, mas indiretamente é ofendido um ato jurídico perfeito que serve de causa a este fato
posterior, ela será considerada retroativa, e por isso inconstitucional, em ofensa direta aos
limitadores do artigo 5°, XXXVI, da CRFB.
O artigo 2.035 do CC poderia suscitar questionamentos. Veja:
“Artigo 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes
da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas
no artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos
preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes
determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social
da propriedade e dos contratos.”
Questão que merece especial atenção é a inovação trazida no artigo 1.639, § 2°, do
CC:
Esta previsão não existia no CC de 1916. Por isso, uma questão surge: é aplicável
este § 2° a casamentos celebrados antes da sua vigência, ou seja, poderia o casal casado
antes de 2002 alterar o seu regime de bens? O STJ já se pronunciou a respeito: o artigo
2.039 estabelece:
O STJ vem decidindo ser possível a alteração, por uma aplicação imediata daquele
artigo 1.639, § 2°, do CC, tal como prevê o artigo 2.035 do CC, na segunda parte –
reconhecendo, portanto, a retroatividade mínima:
“Artigo 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes
da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas
no artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos
preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes
determinada forma de execução.
(...)”
O artigo 2.039 não impede a aplicação imediata do artigo 1.639, § 2°, por ser uma
regra geral, aplicável a todos os regimes, só não sendo possível aplicar a casamentos
anteriores as regras específicas de cada um dos regimes de bens.
Atente-se, porém, que a alteração é exceção: a regra é a manutenção do regime. Para
se alterar, somente judicialmente, e mediante motivação bastante para tal. Como exemplo
de motivo hábil, o casamento que havia sido pactuado em separação obrigatória de bens,
em razão da incapacidade de um dos cônjuges, incapacidade esta que cessou: o regime
pode ser alterado, então.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Pela orientação do STJ, deve ser aplicada a multa de vinte por cento da convenção
aos atrasos de setembro de 2002 a janeiro de 2003, e a multa de dois por cento do artigo
1.336, § 1°, do CC, para os meses de fevereiro e março de 2003. O STJ entende que a multa
de condomínio deste artigo 1.336, § 1°, do CC de 2002, é aplicável para os atrasos
posteriores a 11/1/2003, admitindo portanto a retroatividade mínima. Para esta corte, o
artigo 12, § 3°, da Lei 4.591/64, que previa o limite de 20%, foi tacitamente revogado pelo
artigo 1.336, § 1°. Ocorre que o STJ se confunde, vez que mescla conceitos de vigência e
vigor: é certo e indiscutível que a lei foi revogada tacitamente, perdendo vigência, mas não
perdeu vigor, vez que alcança, para os efeitos, a previsão havida à época da causa – tendo
vigor, eficácia, portanto. Além disso, a natureza da convenção de condomínio, para o STJ,
cria obrigações renováveis periodicamente, permitindo a aplicação imediata da lei nova.
Para o STF, da mesma forma, tem razão, em parte, a Ré. As cotas condominiais de
fevereiro e março de 2003 são sujeitas ao Código Civil atual, que tem vigência desde 11 de
janeiro de 2003, mas as cotas de setembro a dezembro de 2002 ainda são sujeitas ao regime
do Código de 1916, posto que são atos jurídicos aperfeiçoados antes da vigência do novel
codex. Por isso, o pedido seria parcialmente procedente, vez que só se impõe a multa de
vinte por cento às parcelas anteriores ao novo CC.
Questão 3
Resposta à Questão 3
- Ato Jurídico Perfeito: É o ato que se fez completo, regular e acabado na vigência
do dispositivo anterior. Veja: o ato que foi perfeito (no sentido de perfazer) não pode
ser atingido pela nova lei, premiando-se a segurança jurídica. Note que os efeitos
dos atos que se estenderem após a entrada em vigor do novo dispositivo serão, sim,
regulados pela nova lei (artigo 2035, CC).
Questão 4
Resposta à Questão 4
Infelizmente, tem razão a seguradora. Ocorre que tem vigência no Brasil o princípio
tempus regit actum, em que a lei que está em vigor deve ser observada, salvo se nova
previsão expressa sobre a retroação vier a integrar a nova lei que a substitui no
ordenamento. In casu, não há tal previsão, pelo quê a lei a ser observada, na solução
intertemporal do direito, é a da época de ocorrência do sinistro. O ato ensejador da
obrigação do seguro surgiu na época da vigência da Lei 6.194/74. Esta é a posição do STF
Nas apelações 2002.001.1539-3, e 2003.001.1642-1, o TJ/RJ decidiu em sentido
contrário, prestigiando a natureza da ordem pública da lei nova, que beneficia os
padecentes do sinistro com menos exigências.
Tema II
Situação e relação jurídica de Direito Privado: conceito e aspectos gerais. Direito Subjetivo. Conceito.
Classificação. Objeto. Direito Potestativo. Faculdade jurídica. Simples faculdade. Poder-Dever Jurídico.
Ônus.
Notas de Aula
Relação jurídica é a relação social qualificada pela norma jurídica, que surgirá no
momento em que a relação se tornar relevante socialmente, por colocar em risco (se liberta
de normas) a harmonia e a tranqüilidade sociais. Esta relação pressupõe a existência de
pessoas, sujeitos ativo e passivo, que têm entre si o vínculo jurídico, em torno de um objeto.
Uma relação de amizade não é relação jurídica. É mera relação social, sem atenção
do Estado, sem tutela jurídica, pois não interfere na ordem social. Já a união homoafetiva é
um exemplo de relação jurídica: mesmo não sendo uma relação típica da lei, um instituto
reconhecido expressamente, esta merece atenção do Estado, na medida em que é
representativa na sociedade, e sua presença freqüente gera conflitos sociais que merecem
tutela estatal. Por isso, a tendência do ordenamento é reconhecer a tutela estatal sobre esta
relação, entendendo-a como relação jurídica.
Voltando ao conceito, são sujeitos da relação jurídica única e exclusivamente as
pessoas, jamais podendo haver relação jurídica entre pessoas e bens (ao contrário do que
chegou a apregoar a teoria realista da relação jurídica, veemente e eficazmente rechaçada
pela teoria personalista, hoje vigente). Os bens jurídicos são, sempre, objeto da relação. O
vínculo jurídico, por sua vez, é a especial atenção da lei, do ordenamento, à relação em
questão.
Situação jurídica, por sua vez, consiste em uma posição jurídica de vantagem que o
ordenamento jurídico concretiza, podendo ser unissubjetiva ou plurissubjetiva – no que já
difere da relação jurídica, sempre plurissubjetiva. O dever jurídico é uma imposição legal a
determinado sujeito, e que não cria uma relação jurídica, com isso. Como exemplo, os
deveres inerentes ao casamento1, previstos no artigo 1.566 do CC:
1
Há quem defenda que esta imposição de deveres, especialmente a de fidelidade, é inconstitucional, pois
representa intervenção excessiva do Estado na vida privada.
faz da sociedade em geral sujeito passivo da relação, pois do contrário ela também seria
sujeito passivo em relações obrigacionais, já que todos devem respeitar o crédito alheio.
Assim como o direito subjetivo, o direito potestativo cria uma relação jurídica. No
direito potestativo, o sujeito passivo se submete à vontade do titular, que pode interferir na
esfera jurídica alheia, para criar, modificar ou extinguir a relação jurídica. É a capacidade
de interferir na relação sem que o sujeito passivo possa fazer nada. No direito subjetivo, por
sua vez, há o dever imposto ao sujeito passivo em relação ao sujeito ativo, razão pela qual
pode haver a violação de um direito subjetivo, mas nunca poderá haver a violação de um
direito potestativo.
Um exemplo de direito potestativo seria o de anular, em sentido amplo: se há
qualquer motivo para anular qualquer negócio ou relação, não há nada que o sujeito passivo
possa fazer para impedir tal direito e se efetivar. Veja que a eventual necessidade de se
buscar a efetivação do direito por via judicial não desconfigura sua natureza de direito
potestativo, pois por vezes a auto-executoriedade é impossível. Como exemplo, a
revogação de um mandato, é direito potestativo auto-executável, sem necessidade da
intervenção do Judiciário, mas a separação litigiosa, extinguindo o casamento, é direito
potestativo que só se executa por via judicial.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) Direitos subjetivos são aqueles que demandam a atuação de alguém para serem
implementados, não podendo ser efetivados pelo seu próprio titular. Se
desatendida a pretensão a sua efetivação, geram a lide, a ser solvida no
judiciário. Direitos potestativos, por sua vez, são aqueles que o próprio titular
tem como efetivar de per si, sem que seja necessária a atuação de nenhum ente
externo.
c) Os direitos potestativos não estão sujeitos à prescrição, mas são caducáveis, vez
que a decadência pode operar efeitos se for previsto o prazo decadencial. Há
direitos potestativos que não se sujeitam a qualquer prazo, pelo quê são
imprescritíveis e incaducáveis.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
João adquiriu um veículo usado de Pedro, seu vizinho. Para tanto, celebraram um
contrato, no qual João, por pagar preço bem reduzido, abriu mão de pleitear o abatimento
do preço ou devolução do bem, caso o mesmo apresentasse grave defeito oculto.
Uma semana após a entrega, tal vício restou constatado.
João, então, baseando-se no artigo 442 do Novo Código Civil, ajuizou ação requerendo o
mencionado abatimento. Protestou pela produção de prova quanto à existência do defeito.
Pergunta-se:
1) Qual a natureza jurídica do direito exercido (objetivo, subjetivo, potestativo ou
faculdade jurídica)?
2) Supondo-se que na instrução processual tenha-se provado que o vício já existia
antes da aquisição e que tornava o bem impróprio ao uso, qual a solução que você
daria ao caso?
Resposta à Questão 3
Tema III
Pessoa física ou natural: Início e fim da personalidade. Posição jurídica do nascituro: teoria natalista,
condicionalista e concepcionalista. Capacidade: de direito e de fato. Incapacidade de fato absoluta e
relativa. Representação, assistência e autorização. Legitimação.
Notas de Aula
“Artigo 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante
legal.
Em que pese haver esta digressão, a teoria que prevalece, pelo amparo legal, é a
natalista, pois o artigo 2° do CC não é letra morta: é a vontade do legislador atribuir
personalidade apenas aos nascidos com vida.
Quanto ao fim da personalidade, este se dá na morte: com a morte se extingue a
personalidade. Juridicamente falando, há dois tipos de morte: a natural, ou real, e a
presumida. Vejamos.
A morte real ocorre quando a pessoa tem a parada das atividades tronco-encefálicas,
e que, enquanto não ocorrida, permite que a pessoa pratique, por intermédio de
representante, atos da vida civil (pois ainda há personalidade jurídica). É por conta do
conceito científico do momento da morte – fim da atividade cerebral – que discussões são
travadas em outras searas do direito, como a experimentação genética das células-tronco
embrionárias, ou a eutanásia, ou ainda o aborto de anencéfalo: em todos estes casos, se não
há atividade cerebral, não haveria vida, e por isso não haveria violação qualquer a bens
juridicamente tutelados nas atividades envolvendo tais objetos materiais.
Há uma espécie de morte real cuja confirmação depende de prova, não sendo aferida
diretamente no corpo da pessoa: o artigo 88 da Lei 6.015/63, Lei de Registros Públicos,
assim dispõe:
“Artigo 88. Poderão os Juízes togados admitir justificação para o assento de óbito
de pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer
outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não
for possível encontrar-se o cadáver para exame.
Parágrafo único. Será também admitida a justificação no caso de desaparecimento
em campanha, provados a impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do
artigo 85 e os fatos que convençam da ocorrência do óbito. “
Este artigo traz uma presunção absoluta, com o fito de resolver problemas
sucessórios. Em ordenamentos alienígenas, a solução é outra: a presunção leva em conta a
condição etária das pessoas, como por exemplo, no sistema argentino, que presume que o
mais velho morreu antes do mais novo, ou o pai antes do filho. No Brasil, a comoriência se
instala, inafastável, quando não se pode provar, de forma alguma, que a morte foi diferida;
havendo prova da morte prévia de um dos indivíduos, não há comoriência.
Assim, o ascendente tem capacidade de fato para alienar bens de seu acervo, mas
para alienar bens para seu descendente, é necessária a legitimação, que só será configurada
no preenchimento do requisito legal, qual seja, a anuência dos demais descendentes.
Genericamente, há capacidade de fato, mas especificamente, sem o consentimento, não há
legitimação. Um outro exemplo é a necessidade da outorga conjugal (antiga outorga
uxória), exigida quando da alienação dos bens imóveis por pessoas casadas.
2.1. Incapacidade
Não existe incapacidade jurídica de direito (à exceção dos índios), mas somente
incapacidade jurídica de fato. A capacidade de direito, como se viu, é indissociável da
personalidade, e só não tem capacidade de direito quem não tem personalidade – pelo quê
se conclui que absolutamente toda pessoa é capaz de direito.
A incapacidade é um instituto protetivo do incapaz. O individuo considerado
incapaz não pode ser imputado por seus atos, pois é pessoa em situação especial, em
condição especial. Tudo o que o envolva, o incapaz, é focado nele, e não nos demais
envolvidos. Um exemplo: poderão os avós pleitearem visitação? Veja que o direito ao
convívio é do menor, incapaz, e por seu interesse deve se orientar o direito: se for do
melhor interesse do incapaz, poderá haver a estipulação judicial do convívio.
A proteção, então, pode ser maior ou menor, e se trata, respectivamente, da
incapacidade absoluta ou relativa. Os artigos 3° e 4° do CC estabelecem que:
Também pode restar evidenciada a má-fé 2 do contratante, que não pode ficar
impune: será nulificado o negócio jurídico, com base na incapacidade
posteriormente declarada na interdição.
O artigo 181 do CC ainda traz outra previsão tutelar do incapaz que negociou:
“Artigo 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a
um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga.”
“Artigo 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele
responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios
suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não
terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.”
“Menor absolutamente incapaz, sem dar ciência, pega o carro do pai. Dirigindo,
para regularmente em um sinal vermelho, e, sem concorrer com nenhuma
circunstância, é abalroado por um outro motorista, que dirigia regularmente
documentado, mas com tremenda imperícia. O motorista do carro que abalroou o
menor ajuíza ação contra o pai deste. Como se resolve a responsabilidade?”
Veja que a responsabilidade do pai pelos atos do filho é objetiva, como estabelece o
artigo 933 do CC:
2
Vale aqui consignar que o terceiro de boa-fé é também bastante protegido pelo CC. Vejamos um exemplo:
numa compra e venda simulada, ocultando doação, em que o adquirente (que é de fato donatário) aliena o
bem posteriormente a terceiro de boa-fé, como fica a situação deste terceiro, na nulificação da doação
mascarada? O STJ já se posicionou que a alienação ao terceiro de boa-fé não se anula, restando aos
prejudicados a pretensão indenizatória contra o doador. Assim prevê o artigo 167, § 2°, do CC: “ressalvam-se
os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado”.
3
Mesmo que haja quem entenda que o incapaz não pode agir culposamente, assim se desenha para a maior
corrente, pois não se pode prejudicar o incapaz com a sua responsabilização objetiva, vez que o instituto da
incapacidade, como dito, é protetivo do incapaz.
menor, pelos danos causados. O mero fato de o menor estar dirigindo sem habilitação não
deu causa ao dano, e sim a imperícia do terceiro: em verdade, o menor foi vítima. Por isso,
sequer se cogitará da responsabilidade do pai, pois a do menor restou elidida – a ação seria
julgada improcedente.
A incapacidade relativa, do artigo 4° do CC, por sua vez, tem lugar quando existe
algum discernimento, mas não completo, pelo quê a proteção é igualmente relativa, parcial.
Se o ato praticado com algum discernimento for praticado dolosamente, a fim de prejudicar
o contratante que celebra o negócio com o relativamente incapaz, não será tutelada a
incapacidade. Esta é a exegese do artigo 180 do CC:
“Artigo 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de
uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela
outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.”
“Artigo 1.772. Pronunciada a interdição das pessoas a que se referem os incisos III
e IV do artigo 1.767, o juiz assinará, segundo o estado ou o desenvolvimento
mental do interdito, os limites da curatela, que poderão circunscrever-se às
restrições constantes do artigo 1.782.”
A regra geral é que a incapacidade cessa quando cessa aquilo que a motiva. Na
incapacidade etária, o momento de cessação é a completitude dos dezoito anos, como
dispõe o caput do artigo 5° do CC – é a cessação cronológica da incapacidade de fato:
“Artigo 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento
público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz,
ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos
tenha economia própria.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Caio vendeu um imóvel de sua propriedade a Tício. Dois anos após a venda, Lúcio,
filho de Caio, requereu a interdição do pai, em face de doença mental que o laudo pericial
considerou já existente à época daquele negócio jurídico, não obstante o comportamento
aparentemente normal do interditando.
Logo após o trânsito em julgado da sentença de interdição, Caio, representado por
Lúcio, propôs ação para declarar nula a venda feita a Tício. Defendeu-se Tício alegando
inexistir à época da venda, qualquer sinal de exteriorização da enfermidade mental de
Caio, sendo certo que tal fato ficou comprovado por meio do depoimento de testemunhas,
inclusive do médico da família do vendedor. Procede o pedido de Caio? Justifique.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Ademir é funcionário público há mais de dez anos. Diariamente, faz uso de bebidas
alcoólicas. Todavia, comparece ao trabalho e exerce seu ofício com dedicação. Sua mulher,
insatisfeita pelos gastos elevados com as bebidas e pela falta de assistência moral de
Ademir aos filhos, ingressa em juízo em busca de sua interdição. Há amparo legal para a
concessão? Responda fundamentando sua decisão.
Resposta à Questão 3
Não há qualquer amparo para tal interdição. Os ébrios habituais são relativamente
incapazes, mas a configuração desta situação deve restar cabalmente constatada, o que não
parece ser o caso de Ademir. Não me parece que alguém que desempenha suas funções no
labor com presteza seja incapacitado ao ponto da interdição. É improcedente o pedido, pois
o ato de interdição é um ato de exceção, e não regra – não havendo causação de danos
comprovadamente à subsistência do suposto ébrio, não há que se falar em interdição.
Tema IV
Emancipação. Conceito. Tipos. Personalidade em sentido objetivo e subjetivo. Direitos da Personalidade:
afirmação como categoria autônoma de direito subjetivo. Despatrimonialização do direito civil à luz da
CF/88: Cláusula geral de proteção aos direitos da personalidade: artigo 1º, inc. III e artigo 3º, inc. III;
artigo 5º, caput, incs. IV, V, IX e X da Carta Magna. Formas de tutela.
Notas de Aula
1. Emancipação
“Artigo 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento
público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz,
ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos
tenha economia própria.”
“Artigo 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos
pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é
assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.”
Veja que o pai que responde é aquele que tem consigo o poder de direção5, ou seja,
aquele que tem a imediata habilidade de intervir na conduta do filho. Não se confunde com
a guarda: o pai que, sem a guarda, tem a posse do menor durante a visitação, por exemplo,
está momentaneamente com o poder de direção, e por isso o que se passar neste ínterim ser-
lhe-á imputável.
Todavia, o artigo 928 do CC traz uma novidade: a responsabilidade subsidiária e
mitigada do menor por seus atos:
“Artigo 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele
responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios
suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não
terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.”
4
Sérgio Cavalieri entende que, em verdade, esta responsabilidade não se trata de responsabilidade por fato de
terceiro, mas sim pelo fato próprio, consistente na negligência que deixou o ato acontecer. Como exemplo, o
pai que mal educa seu filho, responde por sua má educação.
5
O poder de direção pode ser legitimamente transferido a outrem: assim ocorre com a entrega do filho à babá,
aos avós, ou à escola. Quem quer que receba a transferência legítima do poder de direção, será responsável
pelos atos do menor. Veja que a distância não representa transferência do poder de direção: se o pai deixa o
filho só em casa para ir trabalhar, ainda tem consigo o poder de direção.
Esta hipótese tem lugar quando o menor não estiver subjugado ao poder familiar,
como visto. O legislador entende que, havendo tutela, o menor poderá requerer
emancipação, pelo quê será ouvido o tutor, e concedida ou não a emancipação ao menor.
Esta hipótese é emancipação voluntária, para a maior parte da doutrina, mas há
quem entenda que se trata de hipótese autônoma de emancipação.
“Artigo 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se
autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não
atingida a maioridade civil.
Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no
parágrafo único do artigo 1.631.”
“Artigo 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos
os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os
efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos
civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus
efeitos civis só aos filhos aproveitarão.”
Assim, tendo o menor se casado com pessoa já casada – casamento nulo, portanto –,
ainda será emancipado se se casou de boa-fé.
Já quanto à anulação do casamento, fruto da anulabilidade, em regra produz efeitos
ex nunc, pelo quê a emancipação persistiria, com amparo no artigo 177 do CC. É a corrente
majoritária.
“Artigo 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se
pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente
aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.”
Mas há uma segunda corrente, minoritária, que entende que tanto o ato nulo quanto
o anulável produzem efeitos ex tunc, estando a previsão da anulabilidade contida no artigo
182 do CC, e por isso a emancipação seria estornada:
O inciso II não se aplica à união estável: esta não tem o condão de emancipar, vez
que não exige a autorização dos pais para que o menor a realize – desprotegendo o incapaz.
O exercício de emprego público efetivo, previsto no inciso III, é hipótese em desuso,
pois a Lei 8.112/90, no artigo 5°, V, exige a maioridade para ocupar cargo público:
completos tenha economia própria”. Veja que “economia própria” é condição de prover o
próprio sustento, de forma consistente. Não é critério padrão, e sim casuístico, devendo
haver alguma solidez na sua renda.
Casos Concretos
Questão 1
Suponha que Aldo, com 16 anos de idade, deseja ser emancipado por seus pais.
Nessa situação e de acordo com a legislação civil vigente relativa à emancipação e à
família, julgue os itens em seguida:
a)Se apenas o pai de Aldo deseja emancipá-lo, essa emancipação terá efeito de
pleno direito, nos termos do CC vigente?
b)A hipótese de emancipação apresentada é classificada pela doutrina como
emancipação voluntária?
c)Caso Aldo case-se com Maria, de 17 anos de idade, tornar-se-á plenamente
capaz, apesar de não ter 18 anos de idade, o mesmo ocorrendo com ela?
d)Supondo que Aldo esteja concluindo a 3ª série do ensino médio, caso ele seja
aprovado no vestibular, será automaticamente emancipado?
e)Caso Aldo seja emancipado com a concordância de seus pais e queira se casar
após a emancipação, ainda assim deverá ter autorização deles?
Resposta à Questão 1
e) Não mais, vez que será plenamente capaz para os atos da vida civil.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
A mãe de uma conhecida atriz de televisão, que foi assassinada, insurge-se em face
de imagens publicadas em jornal de grande circulação, extraídas de novela, nas quais sua
filha beijava o ator com quem contracenava, o qual veio a matá-la. Pretende o
recebimento de indenização por danos materiais e morais, ao argumento da utilização
indevida da imagem da filha, além da violação de sua honra, já que as imagens, no
contexto criado, levavam o leitor à impressão de que o assassino e sua vítima mantinham
na vida real um relacionamento amoroso. Em contestação, sustenta o jornal a
ilegitimidade ativa ad causam da mãe da falecida, sob o fundamento da
intransmissibilidade dos direitos envolventes. Decida a questão.
Resposta à Questão 3
Não assiste razão ao jornal. A invocação dos entes familiares mortos não significa
perpetuidade pós-morte dos direitos daqueles, tampouco a transmissão destes para os entes
sobreviventes. O que ocorre é a violação da própria honra, dos próprios direitos da
personalidade daquele sobrevivente, pela ofensa aos ancestrais. Por isso, a mãe tem toda a
legitimidade para reclamar a tutela jurisdicional.
Destarte, com base no artigo 20, parágrafo único, do CC, deve ser rejeitada a
preliminar de ilegitimidade, pois apesar da extinção da personalidade pela morte, sua
proteção subsiste em atenção aos familiares sobreviventes, que serão indiretamente
atingidos pela ofensa à memória da obituada.
Tema V
Direitos da personalidade no CC/02. Objeto. Características. Teoria adotada e análise dos artigos 11 a 21 do
Código Civil. Modalidades: Direito à vida, ao corpo, à honra, a imagem e intimidade.
Notas de Aula
1. Direitos da Personalidade
Este tema é uma novidade do CC de 2002, que é tratado nos artigos 11 a 21. A
proteção dos direitos da personalidade envolve o conceito de situação jurídica existencial,
em que há, só pelo fato de ser uma pessoa, toda uma gama de direitos e atributos a serem
respeitados.
Os direitos da personalidade, assim como os direitos fundamentais, são conquistas
evolucionistas do direito, provenientes da Revolução Francesa, que trazem ao direito
privados os conceitos limitadores do poder estatal. O fundamento deste instituto, como não
podia deixar de ser, é a dignidade da pessoa humana. Direito da personalidade não é,
entretanto, sinônimo de dignidade da pessoa humana, mas sim uma projeção do artigo 1°,
III, da CRFB, que apresenta a dignidade. Ou seja: dentro do conjunto de situações
necessárias ao pleno desenvolvimento do ser humano, inclui-se o direito à vida, à honra, ao
nome, à imagem, à palavra, ao corpo, a escritos, à intimidade e à vida privada 6, num rol
apenas exemplificativo de direitos da personalidade.
Assim, a dignidade da pessoa humana é um conceito muito mais amplo do que o de
direitos da personalidade. O conjunto de elementos que compõem a dignidade inclui
situações patrimoniais e extrapatrimoniais, enquanto a personalidade são direitos
exclusivamente extrapatrimoniais. Como exemplo, a propriedade, que é um direito
integrante da dignidade, mas não da personalidade.
1.1. Titularidade
“Artigo 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da
personalidade.”
6
Intimidade é mais abrangente do que vida privada. A intimidade é a manifestação da vida pessoal, e a vida
privada é a própria vida pessoal, no interior de sua casa. As pessoas públicas, por exemplo, só por serem
públicas, abrem mão de sua intimidade, mas não de sua vida privada.
A segunda tese, ainda minoritária, afirma que há total incompatibilidade dos direitos
da personalidade com a pessoa jurídica. Para isso, inclusive, se vale do mesmo artigo 52 do
CC como fundamento legal: entende que se a pessoa jurídica tivesse, de forma imanente, os
direitos da personalidade, não seria preciso um artigo especialmente dedicado a estabelecer
a aplicabilidade de tais direitos: esta regra de extensão apenas deixa claro que a pessoa
jurídica não tem direitos da personalidade, pelo quê os direitos das pessoas naturais são a
elas estendidos, por conveniência.
Para além disso, esta corrente refratária entende que a lógica empresarial da pessoa
jurídica é incompatível com um instituto de natureza extrapatrimonial, sendo o dano
causado a ela sempre de natureza material.
1.2. Características
“Artigo 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade
são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Os danos morais teriam sido causados à coletividade, titular de fundo da ação civil
pública? Não vejo como poderia haver esta causação, vez que os pressupostos do dano
moral são personalíssimos, e por isso particularizáveis. Não creio ser possível a verificação
de tal dano moral, pelo quê não entendo cabível a reparação.
Na verdade, a questão se resume à existência ou não do dano moral coletivo.
Segundo o STJ, é inviável o dano moral coletivo: não é possível precisar os sentimentos
que comprovam o dano moral, como o vexame, a humilhação, a revolta, a dor ou a mágoa,
só sendo possível se houver a identificação de um sujeito atingido pela lesão a este bem
público de uso comum, o meio ambiente (o mesmo caso em direitos difusos quaisquer).
Vide, a respeito, REsp 598.281/MG.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Entendo presente o dano moral à autora. Isto porque a imagem da empresa é um dos
seus principais argumentos de mercado, sem o qual sua atuação fica drasticamente
prejudicada, causando esta violação moral à empresa. Mesmo sendo uma entidade abstrata,
de fato, a empresa conta ainda mais com sua imagem pública do que uma pessoa natural.
Em que pese a corrente refratária ao cabimento do dano moral à pessoa jurídica,
assim entende o STJ, na súmula 227: “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
Há de se ressaltar, porém, que o STJ tem entendimento de que o simples atraso na
instalação da linha telefônica não acarreta dano moral. Pode, sim, causar dano material ou
lucro cessante, mas mediante prova. É o que expõe no REsp 751.626/RJ.
Tema VI
Ausência: Conceito, efeitos e legitimação para o exercício da Curadoria. Proteção legal do patrimônio do
ausente. Declaração preliminar de ausência. Sucessão Provisória. Sucessão Definitiva. Efeitos. Retorno do
ausente nas diversas fases. Declaração de morte presumida sem declaração de ausência.
Notas de Aula
1. Ausência
“Artigo 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se
não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os
bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público,
declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.”
Quando a ausência se perpetua pelo prazo legal, será declarada a morte presumida
ao final, como se verá.
De outro lado, a morte presumida propriamente dita, por sua vez, consiste nas
situações que são referenciadas no artigo 7° do CC:
“Artigo 88. Poderão os Juízes togados admitir justificação para o assento de óbito
de pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer
outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não
for possível encontrar-se o cadáver para exame.
Parágrafo único. Será também admitida a justificação no caso de desaparecimento
em campanha, provados a impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do
artigo 85 e os fatos que convençam da ocorrência do óbito. “
Este artigo, de fato, é o dispositivo precedente ao próprio artigo 7° do CC, pois trata
justamente da morte provável, morte presumida sem declaração de ausência. Reconhecida a
morte, julgando procedente a justificação, o juiz determina a lavratura de um assento de
óbito, com a data da provável morte, que será o marco da abertura da sucessão definitiva do
de cujos.
No CC de 1916, o ausente era equiparado a pessoa relativamente incapaz, sendo-lhe
dada a curatela. Ocorre que o ausente não é incapaz, nem mesmo relativamente: suponha-se
que esteja vivo, ocupando outra esfera de convívio, outro centro negocial. Neste, terá toda a
capacidade para realizar atos quaisquer, não sendo, portanto, incapaz.
Mesmo tendo curatela a si designada, é capaz, só que está ausente de seus negócios
em determinado centro de convívio. O curador do ausente não supre nenhum tipo de
incapacidade, apenas existindo com o fito de agir em defesa dos interesses patrimoniais do
ausente. Como exemplo, o curador não pode promover uma ação negatória de paternidade
em nome do ausente, pois lhe falta legitimidade ad causam (para alguns faltando até
mesmo o interesse de agir) – a ação é de cunho pessoal, e o interesse do curador é
unicamente patrimonial.
Poderia, de outro lado, o curador dar seguimento a uma ação de negação de
paternidade em nome do ausente, por este iniciada quando presente? Duas correntes
disputam o tema: a primeira defende que não, devendo o processo ser extinto, pois esta
ação é de cunho personalíssimo – corrente minoritária; a segunda corrente defende que o
curador pode dar prosseguimento na ação, pois se o ausente já havia dado iniciativa à ação,
é esta sua vontade, estando manifestado o requisito da personalidade da ação. Esta é a
corrente majoritária.
“Artigo 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente,
ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu
legítimo curador.
§ 1o Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos
descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o
cargo.
§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos.
§ 3o Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador.”
A sucessão provisória pode ser requerida quando decorrer o prazo de um ano desde
a arrecadação dos bens do declarado ausente, segundo o artigo 26 do CC:
“Artigo 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele
deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os
interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a
sucessão.”
Veja que há uma impropriedade legislativa neste dispositivo: ali consta que,
decorrido o prazo necessário desde a arrecadação dos bens, será facultado aos interessados
requerer que “se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão”. Ocorre que a
ausência já foi declarada, antes da arrecadação dos bens, e por isso não se a declara
novamente, nesta fase: apenas se abre a sucessão provisória.
Só têm legitimidade para requerer a abertura da sucessão provisória aqueles
interessados que estiverem previstos no artigo seguinte, o 27 do CC:
7
A posse conferida aos herdeiros é somente ad interdita, pois não há, claramente, o animus domini, vez que o
que confere a posse é a própria lei.
imitir-se na posse sem qualquer prestação de caução, qualquer garantia. Os demais, imitir-
se-ão na posse desde que haja o oferecimento de caução:
“Artigo 30. Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente, darão
garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos
quinhões respectivos.
§ 1o Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia
exigida neste artigo, será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob
a administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste
essa garantia.
§ 2o Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provada a sua qualidade
de herdeiros, poderão, independentemente de garantia, entrar na posse dos bens do
ausente.”
O herdeiro necessário, havendo a posse provisória dos bens, poderá o possuidor usar
e fruir do bem, mas não poderá dele dispor. Assim, se for um imóvel, por exemplo, poderá
ser alugado, e os alugueres, frutos, poderão ser livremente dispostos pelo possuidor.
Todavia, não poderá alienar o apartamento. Já o herdeiro comum, não necessário, havendo
a posse provisória do bem, poderá igualmente usar e fruir, mas a fruição é restrita: se aluga
o bem imóvel, por exemplo, poderá dispor apenas de metade dos alugueres, a outra metade
devendo ser aplicada em títulos públicos indicados pelo MP, a fim de ser resguardada para
o ausente, em caso de retorno:
“Artigo 37. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a
abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão
definitiva e o levantamento das cauções prestadas.”
“Artigo 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão
definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão
só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar,
ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens
alienados depois daquele tempo.
Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não
regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens
arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se
localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União,
quando situados em território federal.”
Casos Concretos
Questão 1
anterior, por ocasião de temporal que abateu sobre a região, quando fora surpreendida,
em seu veículo, por forte enxurrada e levada pela correnteza. A desaparecida possui
interesses e bens a gerir na comarca e fora dela. Requereu o companheiro que, decretada a
ausência, fosse nomeado curador. O juízo proferiu, no entanto, despacho nomeando como
curadora a mãe de Carmem, que subscreveu termo, a despeito da irresignação do
requerente.
Em virtude do reconhecimento do óbito da ausente, em ação de justificação
proposta por sua mãe, proferiu o Juízo sentença declarando cessada a curadoria, na forma
do artigo 1.162, II, do CPC, e determinou a imediata abertura do processo de sucessão.
Tempestivamente apela a ex-curadora, investindo contra a certeza da morte
proclamada na sentença já transitada em julgado, sob a alegação de ter sido afirmada
mediante prova precária.
Considerando os institutos da ausência, da sucessão provisória e da sucessão
definitiva e à luz do disposto no artigo 1.162 do CPC, agiu corretamente o juiz? Merece
ser provido o apelo da ex-curadora quanto à impugnação da certeza da morte de sua
filha? Fundamente.
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema VII
Pessoa Jurídica ou Coletiva I. Diferença entre Pessoa jurídica e Pessoa formal (Entes Despersonalizados).
Natureza jurídica da pessoa jurídica. Efeitos e controvérsias da personificação. Classificação na CF/88 e no
CC/02.
Notas de Aula
1. Pessoa Jurídica
“Artigo 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos
limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.”
Este dispositivo deixa claro que quem pratica o ato é a pessoa jurídica, embora
quem o faça, fisicamente, é o ser humano por trás da pessoa jurídica. A autonomia da
pessoa jurídica é a regra geral.
O artigo 44 do CC define quem são as possíveis pessoas jurídicas de direito privado
no ordenamento jurídico brasileiro:
Afora estas pessoas, há que se mencionar uma entidade híbrida, sem traços muito
claros, que são as chamadas pessoas formais, pessoas sui generis. São elas aquelas
previstas no artigo 12, III, V e IX, do CPC:
“Artigo 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com
a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário,
de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas
jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da
publicação de sua inscrição no registro.”
Da mesma forma, a extinção da pessoa jurídica também conta com duas etapas. O
artigo 51 do CC é a sede:
A extinção então passa pelo encerramento das atividades, sendo o primeiro passo, e
a liquidação para quitação de dívidas, segundo e final passo. Liquidada, está extinta a
pessoa jurídica, qualquer que seja sua forma.
“Artigo 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou
testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e
declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos,
morais, culturais ou de assistência.”
remuneração dos associados ou diretores. As sociedades civis, ao contrário, podem ter fim
lucrativo, e podem remunerar os sócios e administradores.
A fundação precisa de autorização para se registrar, sendo sua constituição feita a
requerimento do MP, ou pelo instituidor, mediante escritura pública ou testamento. Como a
fundação se resume em um acervo de bens, é necessário que, na instituição, haja
transferência de propriedade para a sua pessoa jurídica, que se torna proprietária, no lugar
do instituidor.
Se a fundação não conta com bens suficientes para cumprir a finalidade, será
aplicável o previsto no artigo 63 do CC (princípio da incorporação):
“Art. 63. Quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados
serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação
que se proponha a fim igual ou semelhante.”
“Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
cumpre ao que bateu comprovar que não vitimou o que estava parado, e não a este
comprovar que é vítima, como ocorre no ônus regular, do artigo 333, I, do CPC.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Segundo a corrente moderna, são pessoas formais, com capacidade não somente
para estar em juízo, mas também para contratar negócios jurídicos que sejam de interesse
da pessoa. Para a corrente clássica, sua existência sui generis serve tão somente para a
representação processual.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema VIII
Pessoa Jurídica ou Coletiva II. Fundações: Conceito. Fases de elaboração e extinção. Capacidade de fato da
pessoa jurídica. Princípio da especialização. Teoria da aparência. A personalidade Judiciária. A
responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e privado. Desconsideração da personalidade
jurídica no Código Civil e no CDC. Domicílio.
Notas de Aula
A pessoa jurídica, como visto, é uma realidade, que existe separadamente das
pessoas naturais que a formaram: é o princípio da autonomia. Conseqüência direta da
autonomia é a separação patrimonial, e por isso a autonomia pode ser maior ou menor,
dependendo da sua forma. Como exemplo, as sociedades em comandita simples, que
atribuem responsabilidade pessoal aos sócios, é praticamente inexistente na prática, pois
sua autonomia é mínima.
Como visto, o início da personalidade jurídica da pessoa jurídica se dá no registro
dos atos constitutivos, como explicita o artigo 45 do CC. É ali que surge a capacidade
jurídica, e, concomitantemente, a capacidade de fato da pessoa jurídica. Eis uma grande
diferença: a pessoa natural só adquire a capacidade de fato, em regra, na maioridade, e não
no nascimento com vida, quando há a capacidade jurídica e a personalidade.
A dissolução da pessoa jurídica é a sua “morte”, que como se viu, segue dois
momentos, conforme o já transcrito artigo 51 do CC.
Além de ter a capacidade de fato originária, desde o início de sua existência, há
ainda outra diferença referente à capacidade de fato da pessoa natural: sua capacidade fática
é específica, o que se denomina princípio da especialidade. No caso da pessoa física, a
capacidade de fato é genérica, ou seja, há legitimidade para a prática de todos os atos da
vida civil, em tese8. A pessoa jurídica, por sua vez, só poderá praticar atos civis delimitados
pelo seu objeto, pela sua finalidade, traçada expressamente nos atos constitutivos. Havendo
atos diversos dos que integram esta capacidade específica, há o chamado desvio de
finalidade.
O reverso da autonomia é a desconsideração da personalidade jurídica, já abordada.
As regras básicas da disregard of the legal entitie são a excepcionalidade e especialidade: a
regra é a autonomia, e por isso só se desconsidera excepcionalmente; e quando se
desconsidera, só se o faz para satisfazer a um determinado propósito específico, retornando
a considerar-se a personalidade em seguida, e por isso é especial, específica.
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Há casos em que a capacidade de fato da pessoa natural fica reduzida, como na situação do pródigo, que é
incapaz para alguns atos patrimoniais.
“Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que
não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali
referidos.”
3. Teoria da Aparência
“Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado
depois que não era credor.”
“Art. 1.828. O herdeiro aparente, que de boa-fé houver pago um legado, não está
obrigado a prestar o equivalente ao verdadeiro sucessor, ressalvado a este o direito
de proceder contra quem o recebeu.”
A teoria da aparência existe para sanar situações de erro na prática de atos jurídicos,
resguardando, mais uma vez, a boa-fé. Veja que o artigo 309 do CC garante a validade do
pagamento àquele que, mesmo não sendo o real credor, se aparentava como tal, sendo
escusável o erro do devedor que o pagou de boa-fé. É a própria essência da teoria da
aparência: aparentemente, aquele que recebeu era o credor, e por isso se justifica o erro do
devedor, que será validado. A mesma lógica se repete na hipótese do artigo 1.828 do CC, só
que especificamente aplicada à sucessão, no caso do herdeiro putativo que paga o legado
corretamente ao legatário também aparente.
Dos exemplos já se colhem os elementos que tornam aplicável a teoria da aparência,
quais sejam: a boa-fé objetiva de quem está em erro; a escusabilidade, inevitabilidade do
erro; e a consideração dos parâmetros do homem médio.
Quanto à teoria do homem médio, requisito para a aplicação da teoria da aparência,
tem relação com a boa-fé objetiva: será identificada a conduta esperada em concreto, e não
em tese, o que significa que o homem médio é específico: não é considerada, aqui, a média
universal, e sim a média das pessoas que se enquadrem sob as mesmas características gerais
daquela pessoa que errou. Vale um exemplo: um advogado especialista em contratos que
paga a credor putativo, entendendo-o credor por interpretação errônea de um contrato, será
muito mais severamente exigido, com muito mais rigor será avaliada sua cautela, do que se
um leigo fizesse tal pagamento. Ainda que este advogado comprove sua inépcia no caso,
será considerado mal pagador, e não se aplicará a regra do artigo 309 do CC, pois dele se
espera, legitima e objetivamente, maior cautela naquele pagamento. Em verdade, a teoria
do homem médio serve como medida da escusabilidade do erro.
Um exemplo um pouco diferente: cliente de um restaurante entrega o carro a um
manobrista que, uniformizado com roupa do restaurante, na verdade era um fraudador,
sequer sendo funcionário do estabelecimento. Será o restaurante responsável pelo dano
material, em eventual ação judicial? Se se aplicar a teoria da aparência, será, pois estão
presentes todos os requisitos: a boa-fé; o erro escusável; e a conduta regular do homem
médio naquela situação. Mas veja que é situação com muitas nuances, podendo variar na
casuística a perspectiva dos elementos da aparência.
Outro exemplo recorrente na jurisprudência é a firma de um contrato com pessoa
que se apresenta representando a empresa, mas na verdade não tem poderes de
representação. Neste caso, não se pode exigir do homem médio que fique conferindo
instrumentos de mandato em todas as relações sociais, pelo quê se aplica a teoria da
aparência: o contrato será exigível da empresa.
Vale consolidar aqui um conceito da teoria da aparência: esta decorre de um ato
praticado pelo titular putativo de um direito, estando a outra parte de boa-fé objetiva, que
age em erro escusável (medido pelo parâmetro do homem médio), e tendo por
conseqüência a geração de efeitos jurídicos em relação ao verdadeiro titular do direito. Este
titular, mesmo não praticando nada, responderá como se houvesse praticado, e terá, por
óbvio, regresso contra o que se passou por si.
“Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua
residência com ânimo definitivo.”
A pessoa jurídica de direito privado, por sua vez, não institui morada, tampouco
residência, e o meio pelo qual institui domicílio é diferente do da pessoa natural, pois não
há este elemento “ânimo”. O meio pelo qual estabelece o domicílio é citado no artigo 75,
IV, do CC:
“Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde,
alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.”
Já para a pessoa jurídica, o próprio artigo 75 do CC, no § 1°, dita a regra: qualquer
estabelecimento é domicílio, para os atos ali praticados. Para atos que não sejam praticados
onde há estabelecimentos diversos da sede da diretoria, esta sede continua sendo o único
domicílio.
Ocorre que há também uma previsão na Lei 9.099/95 que diz respeito à pluralidade
de domicílios das pessoas jurídicas, no artigo 4°, especialmente no inciso I:
Veja que este inciso I do artigo 4° da Lei 9.099/95 é muito mais amplo do que a
previsão do CC, no artigo 75, § 1°. Se aplicável este critério para a pessoa jurídica que tem
diversos estabelecimentos, como um banco, será domicílio qualquer uma das agências, por
exemplo, pois em todas se desempenha a atividade. Se aplicado o § 1° do artigo 75, será
domicílio tão-somente a sede do banco, ou a agência em que se tem conta. Na aplicação do
dispositivo da Lei 9.099/95, a grande margem de discricionariedade na escolha do foro pelo
autor de uma ação, por exemplo, contra um banco, é criticada pela doutrina, pois feriria o
princípio do juiz natural: qualquer juízo poderia ser escolhido pelo autor, vez que qualquer
lugar será domicílio do réu, e por isso qualquer juízo será competente. Todavia, este artigo
é aplicado, valendo esta “escolha” do autor quanto ao domicílio do réu.
“Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde
se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.”
Este artigo precisa ser combinado com o artigo 112, parágrafo único do CPC, que
dispõe:
Assim, nos contratos de adesão, há uma presunção de que haja imposição do foro,
que deixa de ser de eleição, pelo quê é nulo, inclusive sendo tal nulidade declarada de
ofício pelo juiz. O artigo 424 do CC também deve ser observado, neste aspecto:
“Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
Casos Concretos
Questão 1
João da Silva moveu em face da empresa Factoring Dinheiro Rápido Ltda execução
fundada em título extrajudicial, requerendo a desconsideração de sua personalidade
jurídica para o fim de serem penhorados bens particulares de sócio majoritário, sob a
alegação de que a executada não possui bens que possam honrar a dívida e que está sendo
utilizada para a prática de atos fraudulentos. Alega, ainda, que fora criada de forma
Resposta à Questão 1
Depende da leitura que se faça dos requisitos para a desconsideração. Ocorre que se
o entendimento do juiz for calcado exclusivamente na previsão do caput do artigo 28 do
CDC, está correta sua atitude; todavia, se estender o olhar para o § 5° do mesmo
dispositivo, poderá entender que a personalidade se enquadra sob a pecha de obstáculo, no
caso, ao ressarcimento do consumidor, pelo quê deveria ter realizado a desconsideração.
Mas como a regra geral é a excepcionalidade da desconsideração, o mero fato de
que a empresa não conta com patrimônio não representa, necessariamente, motivo para
desconsideração, pelo quê se aproxima, a resposta, mais da negativa à desconsideração do
que à efetivação desta.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Pedro, em viagem a São Paulo, celebra contrato com renomada empresa nacional,
que tem ali sua matriz, além de filiais situadas em todo o território pátrio, cujo objeto é a
compra e venda de móveis residenciais. Contudo, Pedro, após receber os bens, insatisfeito
com a qualidade dos mesmos, nega-se a efetuar o pagamento, motivo pelo qual a referida
pessoa jurídica deduz pretensão indenizatória na Comarca de São Paulo em virtude da
existência de cláusula contratual fixadora do domicílio de eleição, informando, ainda, que
Pedro, servidor público federal, lotado na cidade de Campos/RJ, no momento da
celebração do referido negócio, forneceu endereço de vários lugares onde tinha residência,
fato que poderia inviabilizar o deslinde célere da questão. Em sua peça contestatória, o
réu informa que travou-se uma relação de consumo em virtude da celebração de tal
contrato, cujas cláusulas foram fixadas unilateralmente pelo fornecedor, motivo pelo qual
apresenta exceção de incompetência com base no artigo 94 do Código de Processo Civil.
Analisados os fatos, indaga-se:
a) qual o domicílio da pessoa jurídica?
b) e da pessoa física?
c) quais as espécies de domicílio?
d) a cláusula que fixou o domicílio de eleição, in casu, é válida?
e) a exceção de incompetência deve receber a chancela do Estado-Juiz?
Resposta à Questão 3
b) Por ser Pedro servidor federal, seu domicílio é legal, necessário, nos termos do
artigo 76 do CC.
d) Sim, em abstrato, conforme autoriza o já transcrito artigo 75, IV, do CC, mas in
casu, o contrato é de adesão, pelo quê se desconsideram cláusulas que não se
submeteram à puntuação – artigo 112, parágrafo único do CPC.
e) Deve ser acolhida, pela protetividade consumerista, e pela elisão da cláusula não
puntuada no contrato.
Tema IX
Dos bens e das coisas. Noção e importância jurídica do patrimônio. Universalidade de direito e de fato.
Divisão em classes. Bens móveis e imóveis, fungíveis e infungíveis, divisíveis e indivisíveis, singulares e
coletivos. Bens principais e acessórios. Frutos. Produtos. Benfeitorias e Pertenças. Bens Públicos e Privados.
Bem de família. Lei nº 8009/90. Aspectos materiais.
Notas de Aula
1. Bens
Bem é tudo que pode proporcionar satisfação a alguma necessidade do ser humano.
É todo valor, material ou imaterial, que pode ser objeto de uma relação jurídica.
Há certos bens que não são objetos de relação jurídica, pois o falta o requisito da
ocupabilidade – são as coisas comuns, como o ar atmosférico, a água do mar, etc. Por não
poderem ser apropriadas, não pertencem a ninguém, e não são bens, economicamente
falando.
Há distinção a ser feita entre bens e coisas. O CC de 1916 não era preciso nessa
terminologia, o que foi corrigido no CC de 2002. Hoje, bem é gênero, e coisa é espécie, no
CC. Há duas correntes doutrinárias sobre esta terminologia: há quem diga que coisa é o
gênero, e bem é a espécie; e há quem acompanhe o CC, dispondo que bem é o gênero, e
coisa é apenas aquele bem corpóreo, que pode ser percebido pelos sentidos. Esta é a
orientação majoritária: bem compreende tudo o que pode ser objeto de direito,
independentemente do valor econômico – inclusive direitos –, e coisa abrange apenas as
utilidades patrimoniais, corpóreas.
As relações jurídicas podem ser objetivadas por direitos, ou seja, o direito que seja
transmissível pode ser objeto da relação jurídica. Afinal, são bens.
1.1. Patrimônio
restringe aos bens, mas sim ao direito que faz o dono titularizar aquele bem, pois todo e
qualquer bem é ligado a alguém por um direito correspondente (título de propriedade, posse
ad usucapionem, herança, etc)
“Artigo 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou
artificialmente.”
“Não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bens imóveis por acessão
intelectual, não obstante a expressão ‘tudo quanto se lhe incorporar natural ou
artificialmente’, constante da parte final do artigo 79 do CC”.
Esta ficção legal existe em função da importância dos bens ali tratados, pela
necessidade de se atribuir meio para sua negociação segura, o que se faz por
tramitação solene, pública. Quanto à sucessão aberta, o fato de ser imóvel por lei
determina, por exemplo, que para sua renúncia é necessária atenção à anuência do
cônjuge, se houver, nos termos do artigo 1.647, I, do CC:
“Artigo 1.647. Ressalvado o disposto no artigo 1.648, nenhum dos cônjuges pode,
sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
(...)”
Os bens móveis, por sua vez, são aqueles que podem ser movidos sem que
sua substância, valor ou utilidade se percam. Veja:
“Artigo 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos
podem ser objeto de negócio jurídico.”
“Venda de safra futura. Bens móveis por antecipação. A venda de frutos, de molde
a manifestar o intuito de separação do objeto da venda em relação ao solo a que se
adere, impõe a consideração de que tais coisas tenham sido, pela manifestação de
vontade das partes contratantes, antecipadamente mobilizadas. Se, no momento do
ajuizamento do feito, já havia sido realizada a colheita, tem-se como acertada a
decisão que nega aos frutos o caráter pendente. STJ, 3a t., AG.RG. 147406, rel.
Min. Eduardo Ribeiro, 25.8.98, RT 762/210.”
Corpóreos ou incorpóreos: Os bens corpóreos são aqueles que têm uma existência
física, perceptível a todos os sentidos; incorpóreos são aqueles que têm existência
abstrata, ideal, e não física (como os direitos).
O que é mais relevante na classificação dos bens em corpóreos ou
incorpóreos é o modo de sua transmissão: se o bem for incorpóreo, a forma normal
de transmissão é a cessão, como na cessão de direitos; se for corpóreo, se dá por
compra e venda, doação, etc.
“Artigo 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma
espécie, qualidade e quantidade.”
“Artigo 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata
da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.”
“Artigo 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua
substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se
destinam.”
“Artigo 89. São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si,
independentemente dos demais.”
“Artigo 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente;
acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.”
“Artigo 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se
destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.”
Assim, pertença (do latim pertinere) é aquilo que guarda algum vínculo de
dependência com o bem principal, mas a ele não se integra, apenas a ele se ligando
de forma duradoura. Como exemplo, o rádio de um carro, os móveis de uma casa,
ou mesmo uma linha telefônica ao imóvel. Para Silvio de Salvo Venosa, são
características das pertenças o vínculo intencional, material ou ideal, estabelecido
por quem faz uso da coisa, a serviço da utilidade do principal; o destino duradouro,
ou mesmo permanente (não apenas transitório) ligado à coisa principal; e a
formação de uma unidade econômico-social com a coisa principal.
A professora Maria Helena Diniz trata das pertenças traçando identidade do
conceito com aquela já mencionada acessão intelectual, que não mais subsiste no
ordenamento. Aqueles bens que eram considerados, antigamente, imóveis por
acessão intelectual, poderão hoje ser identificados como pertenças, mas não se
confundem, por isso, os conceitos. Como exemplo, os móveis de uma casa, que
antes eram imóveis por acessão intelectual e hoje são pertenças. As pertenças não
são, de forma alguma, imóveis, podendo ser objeto de negócios autônomos, pelo
quê os conceitos não se confundem jamais. As pertenças, em regra, sequer se
sujeitam à gravitação jurídica, a teor do artigo 94 do CC, pelo quê sequer são bens
acessórios (há divergências, que serão apontadas) – e os imóveis por acessão eram
acessórios. Veja:
“Artigo 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não
abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de
vontade, ou das circunstâncias do caso.”
“Artigo 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são
inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei
determinar.”
Pelas regras dos loteamentos, assim que se abrem ruas ou espaços livres,
como praças, estas são consideradas bens públicos de uso comum. O loteador, ali,
alienou um desses espaços, e o STJ entendeu que aquela área era já da
municipalidade quando da alienação, pois já havia loteamento, e a área, desde então,
já era do Município.
“Artigo 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua
instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas
de condomínio.
Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo
existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da
dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem
outra solução, a critério do juiz.”
O bem de família legal é instituído pelo próprio Estado, na forma desta lei. enquanto
o voluntário, para se constituir, necessita da celebração de um negócio jurídico específico
devidamente registrado, o bem de família involuntário, disposto na Lei 8.009/90, é
instituído independentemente de iniciativa da chefia familiar.
O que se discute, em diversas nuances, é o alcance desta instituição, ou seja, quais
bens estão ou não estão sujeitos a esta classificação. Como exemplo, recentemente o STJ
entendeu que até mesmo os solteiros se enquadram no conceito de família, a fim de ter seu
único bem imóvel – e, conseqüentemente, seu direito de moradia – protegido.
Na verdade, o bem de família é justamente um manifesto em busca da criação de
um patrimônio personalíssimo, garantista do mínimo subsistencial, e com isso da dignidade
da pessoa humana. Neste critério, do mínimo existencial, até mesmo televisores,
computadores, um de cada, são considerados, hoje, impenhoráveis. Assim, tudo que for
componente do imóvel, ou do mínimo existencial, se torna impenhorável (bom exemplo é a
vaga de garagem do apartamento).
O artigo 2° desta lei traz algumas ressalvas:
“Artigo 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos
dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia.
Parágrafo único. Vetado.”
Veja que o que se passa, na leitura do dispositivo, é uma proteção contra a fraude
contra credores. Porém, na realidade, a compra de um bem imóvel mais valioso pode ser
realizada, bastando para tanto se considerar impenhorável, naquele bem, o valor
correspondente ao imóvel antigo, e livre a parte excedente.
Casos Concretos
Questão 1
O fato de o único imóvel residencial vir a ser alugado o desnatura como bem de
família? Fundamente sua resposta.
Resposta à Questão 1
configurado, pois a renda proveniente dos alugueres decerto se presta a que o proprietário
alugue, ele próprio, um outro imóvel, efetivando a moradia.
Assim se posiciona o STJ, entendendo que se a renda retorna em proveito da
família, está salvo o escopo do bem de família:
Questão 2
Em 1988, João vê seu único imóvel, onde reside com sua família, penhorado.
Contudo, ao alegar se tratar de bem de família, viu tal pretensão ser rechaçada em virtude
de não estar tal bem devidamente registrado para tal fim, nos moldes do artigo 73 do
Código Civil de 1916. Ao fim do ano de 1989, tal bem é vendido em hasta pública,
restando perfeita a arrematação. Com o advento da Lei 8.009/90, antes da extinção da
execução face ao pagamento da dívida com a quantia paga pelo arrematante, João
peticiona nos autos no sentido de que se declare nula a arrematação, aplicando-se para
tanto o artigo 6º da Lei 8.009/90. Analisados os fatos, pergunta-se:
a) Quais as espécies de bem de família em nosso ordenamento pátrio;
b) É nula a arrematação, tal como mencionado pelo executado? Explique.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
“REsp 698.332, rel. Min. Luiz Fux, 28.6.05. Não se constitui em condicionante
imperiosa, para que se defina o imóvel como bem de família, que o grupo familiar
que o possui como única propriedade nele esteja residindo. Uma interpretação
sistêmica, e não literal, da Lei 8.009/90 leva a concluir que este é apenas uma das
características, dentre um conjunto de outras, que indica a situação de
imprescindibilidade do imóvel à própria sobrevivência da unidade familiar, de
modo que a sua locação não lhe afasta tal condição, desde que se comprove que tal
procedimento seja levado a efeito em benefício da própria sobrevivência da
família”.
Questão 4
Resposta à Questão 4
Tema X
Fato jurídico em sentido amplo. Conceito e Classificação. Fatos naturais ordinários e extraordinários. Fatos
voluntários lícitos e ilícitos. Negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito. A representação legal e
voluntária no negócio jurídico.
Notas de Aula
1. Fato Jurídico
Antes de tudo, tem valor um esquema gráfico para servir de ponto de partida.
Naturais
Extraordinários
Fato Ato Jurídico Stricto Sensu
Jurídico
Fato jurídico em sentido amplo é aquele evento que o ordenamento jurídico entende
relevante, em algum aspecto, e por isso o reconhece como merecedor de tutela. Isto porque
o ordenamento entende que são aptos a produzir efeitos, criar, modificar, conservar ou
extinguir direitos.
Assim, o conceito de fato jurídico em sentido amplo é o acontecimento, natural ou
humano, que é apto a adquirir, resguardar, modificar ou extinguir relações jurídicas. Este é
o conceito tradicionalista. A doutrina mais moderna, entretanto, percebe que há fatos que
são relevantes ao ordenamento jurídico, mas que podem jamais produzir quaisquer efeitos.
Como exemplo, um testamento: este é um fato jurídico, na medida em que é relevante para
o ordenamento jurídico, mas pode jamais chegar a produzir efeitos, posto que o beneficiário
ali apontado pode vir a falecer antes do testador, ou pode haver a revogação, etc.
Assim, a doutrina moderna entende que é mais importante, para o conceito, não que
haja a produção de efeitos, mas sim que haja a potencialidade de produção de efeitos. Por
isso, para esta corrente, fato jurídico em sentido amplo é aquele acontecimento capaz de
adquirir, modificar, resguardar ou extinguir situações jurídicas concretas, tendo
potencialidade de produzir tais efeitos.
Como dito, o fato jurídico pode advir de um acontecimento natural ou de uma
conduta humana voluntária. Quando advém de um acontecimento natural, este pode ser um
acontecimento ordinário, daqueles esperados de situações de normalidade – como a morte
natural –, ou acontecimento extraordinário, que são aqueles que revelam-se de hipóteses
alheias à normalidade – como os eventos de força maior.
Quando os fatos jurídicos são originados de uma conduta humana voluntária, que
pode ser tanto comissiva quanto omissiva, geram atos ilícitos, provenientes de uma conduta
ilícita, que geram a obrigação de reparação, na esfera civil; ou atos lícitos, que geram os
atos jurídicos em sentido amplo, que são os atos humanos dedicados a alguma finalidade,
cujos efeitos ou são previstos na lei, ou estabelecidos pelas partes. Ato jurídico em sentido
amplo, por conceito, é toda declaração de vontade, individual ou coletiva, do particular ou
do Estado, destinada à produção de efeitos.
Estes atos jurídicos em sentido amplo se subdividem em atos jurídicos em sentido
estrito e negócios jurídicos. Em ambos, a manifestação de vontade existe, mas a
delimitação dos efeitos é que difere: nos atos jurídicos em sentido estrito a manifestação de
vontade forma o ato, mas os efeitos dessa declaração são previstos exclusivamente na lei.
como exemplo, o reconhecimento de um filho, ou a adoção. É a manifestação de vontade
obediente à lei, geradora de efeitos que nascem da própria lei.
Dentro dos atos jurídicos em sentido estrito, há os atos reais e as participações.
Como atos reais, temos aqueles que englobam toda manifestação de vontade individual, não
dirigida a quem quer que seja, e que produzem efeitos determinados por lei. São a absoluta
maioria, como a aceitação e renúncia da herança, a adoção, etc. Já as participações são
manifestações de vontade dirigidas a outra pessoa, como uma revogação de mandato, por
É o fato jurídico qualificado pela ação humana. Neste ato-fato, o ato humano é da
sua substância, mas não importa, para a norma, se houve ou não intenção de praticá-lo; o
que se ressalta é a conseqüência do ato, ou seja, o fato resultante do ato.
Trata-se de uma conduta humana, em que a vontade é desprezada, pois não se faz
relevante para o ordenamento jurídico. Os efeitos decorrem da lei ou da praxe social, pelo
quê são válidos, notadamente quando praticados por incapazes.
É justamente por não haver qualquer relevância da vontade que os atos-fatos
jurídicos podem ser praticados por incapazes. Veja: se o menor de dezesseis anos pratica
uma compra e venda na padaria, seria esta nula, não se enquadrasse exatamente nesta
categoria de ato-fato.
Dentro desta categoria, há uma subdivisão: o ato-fato real, ou material; o
indenizativo; e o caducificante. O real opera conseqüências irremovíveis, como a compra e
venda pelo menor.
Os atos-fatos reais são atos humanos dos quais resultam circunstâncias fáticas
irremovíveis.
O ato-fato indenizativo é aquela obrigação de reparação de danos resultante de ato
lícito: são os casos de indenização devida mesmo em caso de exclusão da ilicitude, como
no estado de necessidade, configurando desconsideração pela vontade do agente. São
situações em que, de um ato humano lícito, decorre prejuízo a terceiro, com correspondente
dever de indenizar.
O ato-fato caducificante, como o termo diz, induz a decadência de um direito
qualquer. Este ato-fato é a situação que, dependente de fatos humanos, constitui fato
jurídico cujos efeitos consistem em extinção de determinado direito, e, por conseqüência,
da pretensão, da ação, e da exceção dela decorrente, como ocorre na decadência ou
prescrição, independentemente de ato ilícito do titular.
1.4. Representação
O agente pode atuar por si próprio, quando for plenamente capaz, ou por meio de
representante, quando a lei assim impuser ou o próprio agente determinar negocialmente
(mandato). O instituto da representação merece especial atenção.
O CC, nos artigos 115 e seguintes, trata da representação. O representante é aquele
que manifesta a sua própria vontade para, fazendo-o, obrigar o representado em algum
negócio jurídico perante terceiros, contraindo direitos e obrigações para o representado.
Veja que não manifesta a vontade do representado: a vontade é a sua própria, mas com
força obrigatória sobre o representado.
O poder que garante esta força obrigatória da vontade manifestada pelo
representante sobre o representado vem da lei. O poder de representação é legal, tanto nos
casos da representação legal, quando a representação é uma obrigação, como na
convencional, quando a representação é uma faculdade. A relação interna entre
representante e representado é chamada relação representativa.
São características da representação: a vontade de representar; a manifestação de
vontade do representante, e não do representado, nos atos externos; a aquisição de direitos e
obrigações pelo representado, e não pelo representante, nas relações externas; e o poder de
representação. Se estas características não estiverem presentes, não há a representação. Por
exemplo, o contrato de comissão, em que o agente comissionário pratica atos no mercado
em nome próprio, e depois os repassa ao comissionante para cumprimento – não é
representação.
Vejamos os conceitos: representação é o instituto pelo qual uma pessoa, o
representante, emite ou recebe manifestação de vontade negocial em nome e por conta de
outra pessoa, o representado, a fim de que os efeitos do negócio jurídico celebrado
repercutam na esfera jurídica desse último. Já o poder de representação é a faculdade ou
poder jurídico do representante, de produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica do
representado, com resultados para este, mediante a conclusão de negócios jurídicos em seu
nome. A relação representativa, por último, é a relação interna entre representante e
representado, que decorre da lei ou do contrato (mandato).
Veja que o representado pode ser tanto uma pessoa natural como uma pessoa
jurídica. Nesta, entretanto, um dos sócios componentes do conselho deliberativo, por
exemplo, não é representante: quando atua, é a própria pessoa jurídica atuando, e por isso
não se configura a representação. Neste caso, a atuação do sócio, ou administrador, pela
empresa, como se esta fosse, é denominado de presentação.
Mesmo caso seria o dos presentantes das pessoas formais, como os síndicos do
condomínio ou da massa falida, e o inventariante do espólio, mas nestes se denomina de
representação imprópria.
Há ainda a representação aparente: se uma pessoa atua aos olhos de todos como se
fosse representante de alguém, sem o ser, em homenagem ao princípio da aparência e à
boa-fé objetiva, os seus atos de representação serão considerados válidos. O terceiro de
boa-fé não poderá ser prejudicado.
Como dito, a representação pode ser legal ou convencional, mas ambas têm como
autorizativo primário a lei, devendo ser lícitas. Ocorre que a representação legal é imposta
exclusivamente nos termos da lei, e se dedica aos absolutamente incapazes. A finalidade da
representação legal é protetiva, e por isso é assim também chamada – representação
protetiva. O representante legal pode praticar atos de gestão, de administração e de
aquisição de direitos, que importem sempre em benefícios para o incapaz. Aquilo que
1.4.1. Auto-Contratação
Casos Concretos
Questão 1
Alberto, menor impúbere, com onze (11) anos de idade, dirige-se sozinho à escola,
por meio de transporte Municipal, e também sozinho adquire livros educacionais e o
lanche escolar.
Tendo em vista tais fatos, aliás cotidianos, pode-se dizer que, por não estar presente
o representante legal do menor, estarão estes eivados de nulidades? E mais, qual a
natureza jurídica de tais eventos?
Resposta à Questão 1
Não. Veja que, ao pé-da-letra, seria este ato eivado de nulidade absoluta, pois
praticado por absolutamente incapaz. Todavia, a doutrina entende que estes atos são
previamente autorizados pelos pais, representantes, e que no momento da pré-autorização
se manifesta a representação necessária para que o ato jurídico tenha validade. A isto se
denomina, o que desenha a natureza jurídica destes eventos, ato-fato jurídico, que é uma
categoria em que não há qualquer relevância da vontade imediatamente manifestada pelo
incapaz.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Paulo constitui Mário o seu bastante procurador para a venda de seu veículo, já
que está de mudança para o exterior. Mário leva o veículo à oficina de um amigo e toma
conhecimento de que o auto apresenta defeito em seu motor, estando prestes a "bater
pino", necessitando de urgente retífica. Mário, mesmo assim, promove a alienação do
veículo a Carlos, não levando o fato ao conhecimento de Paulo. Dois meses após a venda
o veículo teve fundido o seu motor, descobrindo Carlos que Mário sabia do vício. Carlos
aciona Paulo requerendo o desfazimento do negócio, além de indenização por perdas e
danos. Como juiz, resolva a questão.
Resposta à Questão 3
Destarte, assiste razão a Carlos, uma vez que a procuração outorgada confere ao
representante a extensão da personalidade do representado. Por isso, se o mandatário não
exacerba os poderes da procuração – o que não fez –, o mandante é imputado pelo resultado
danoso, pois é como se ele próprio houvesse pactuado o contrato, apesar de a manifestação
de vontade ser a do mandatário.
Tema XI
Notas de Aula
1. Negócio Jurídico
Fatos jurídico, como visto, é o termo genérico, sendo qualquer fato relevante ao
ordenamento. Ato jurídico é aquele acontecimento que depende da vontade do homem. Ser
ou não ato jurídico é a relevância, a repercussão no mundo jurídico.
1.1. Características
“Artigo 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta
meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado,
independentemente de notificação ou aviso.
(...)”
“Artigo 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a
trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga - se automaticamente,
por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:
(...)”
Mas, reitere-se, a regra é a liberdade das formas, a teor do artigo 107 do CC:
“Artigo 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem
instrumento público, este é da substância do ato.”
Veja, então, que assim como a forma não faz parte, em regra, da essência dos atos
jurídicos, o motivo também não o faz. Isto porque aquilo que impele o indivíduo,
intimamente, a realizar o contrato, não é relevante para o direito, salvo se esta motivação
que anima o agente vier a ser consignada expressamente no pacto.
Normalmente, a motivação implica em uma destinação, uma contratação finalistica
em relação àquele objeto, e se esta finalidade for frustrada, tendo sido consignada a
motivação, o negócio será invalidado. Vejamos um exemplo: compra-se uma casa a fim de
“Artigo 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a
reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha
conhecimento.”
Aqui se está tratando das motivações internas, subjetivas, do foro íntimo da pessoa.
Quando se contrata, se conta sempre com um motivo, interno, e a importância para o direito
daquilo que está no íntimo do indivíduo é o que se discute.
Como visto, o motivo é relevante apenas quando expresso, a teor do artigo 140 do
CC. A reserva mental, por sua vez, é externar algo diverso do que se tem em mente que se
está realizando – é, de certo modo, mentir.
A repercussão da reserva mental, do ato de externar posição diversa da intenção que
se tem em mente, para o direito, é a seguinte: em regra, tende a ser, o foro íntimo,
irrelevante para o ordenamento, mas há certos casos que a manifestação de vontade
diferente da interna gera, sim, repercussões severas no direito: é o caso do vício social da
simulação, qua acarreta nulidade absoluta.
A reserva mental se aproxima bastante da simulação, mas com uma diferença: na
simulação, se pretende, com a “mentira”, atingir terceiros; na reserva mental, a vítima do
dissenso é o próprio declaratário. Pela similaridade, parte da doutrina chega a denominar a
reserva mental de simulação unilateral.
Em síntese, pode-se conceituar, portanto, a reserva mental como uma simulação
unilateral em que o declarante manifesta ao declaratário vontade diversa da realmente
pretendida. Como conseqüência, segundo o artigo 110 do CC, será absolutamente
desconsiderada a reserva mental, a não ser que esta tenha sido levada ao conhecimento do
declaratário – quando, a rigor, deixa de ser meramente mental, passando a ser expressa, se
tornando uma simulação efetiva. Neste caso, havendo a exposição da reserva mental, a
jurisprudência diverge quanto aos efeitos: sendo simulação, é nulo o negócio jurídico
(corrente majoritária); para outra corrente, minoritária a manifestação de vontade será
insubsistente, pela leitura do artigo 110 do CC – se a manifestação subsiste, salvo se a
reserva mental for conhecida, sendo esta conhecida, não mais subsiste. Por isso, o negócio
seria inexistente, e não nulo, pois não há manifestação de vontade (carente de elemento de
existência, inexiste o negócio).
Bom exemplo seria o do casamento. Um dos consortes, estrangeiro, se casa com a
reserva mental de evitar uma deportação. Se o outro não sabe desta reserva, o casamento é
válido; se sabe, aproxima-se da simulação, pois há o casamento com motivação diversa da
expressa. Neste caso, a doutrina majoritária entende nulo, pois o efeito do vício deve ser
alvo do mesmo tratamento, em qualquer seara, mas há corrente menor que, interpretando o
artigo 110 do CC, entende que o caso é de inexistência, pois dali se depreende que a
vontade não existe (“não subsiste”). De qualquer forma, na prática, será declarada a
nulidade, pois esta, como visto, é a solução para casos de nulidade ou inexistência.
Há ainda que se abordar o silêncio como elemento da vontade. A ausência de
manifestação positiva ou negativa pode ser interpretada como manifestação de vontade?
Veja o que dispõe o artigo 111 do CC:
“Artigo 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não
a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a
declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”
“Artigo 85. Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao
sentido literal da linguagem.”
“Artigo 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a
quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos
onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em
lei.”
Todavia, grande parte da doutrina entende que não se trata, este caso, de um
contrato gratuito, e sim de um ato jurídico. Se assim o for, o fundamento de uma ação
indenizatória será a responsabilidade aquiliana, e não contratual, e assim sendo, os artigos
186 e 927 do CC prevêem que haja apenas culpa, e não dolo – pelo quê a responsabilidade
seria mais provável, posta a inexigibilidade de dolo.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Ato jurídico stricto sensu é aquele que, voluntário, tem seus efeitos previstos na lei.
Negócio jurídico é o ato que, também voluntário, tem seus efeitos previstos pelas partes –
nunca contra a lei, contudo.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
O que deve fazer o Julgador ao se deparar com uma ação em que a pretensão, de
caráter indenizatório, tem como causa de pedir um contrato celebrado por um alienado
mental, cuja interdição já foi decretada, sem que, contudo, estivesse devidamente
representado?
Resposta à Questão 3
Tema XII
Negócio Jurídico II: Elementos naturais e acidentais. Condição: conceito, elementos, espécies e efeitos.
Condição voluntária e condição legal. Termo: conceito, elementos, espécies e efeitos. Prazos; Encargo:
conceito e suas aplicações práticas nos negócios jurídicos inter vivos e causa mortis. Distinção entre encargo
e condição. Efeitos.
Notas de Aula
pelos elementos sem os quais o negócio não pode se concretizar, quais sejam, os agentes, o
objeto, a forma e a vontade.
No plano da validade, verificam-se as condições para que os elementos de
existência sejam considerados conformes com o ordenamento jurídico. Assim, liga-se ao
agente a qualidade de capaz e legítimo; ao objeto as qualidades de lícito, possível, e
determinado ou determinável; à forma, a qualidade de prescrita ou não defesa em lei; e à
vontade a qualidade de livre e de boa-fé. Havendo os elementos de validade, e não havendo
os requisitos negativos do artigo 166 do CC, o negócio será válido.
No plano da eficácia é que se inserem os elementos que serão estudados neste
tópico, a condição, o termo e o encargo: são os elementos acidentais do negócio jurídico.
De forma geral, ter eficácia é produzir efeitos, e para tanto o negócio jurídico não se
vincula, necessariamente, à existência e à validade: negócios há que, inválidos ou mesmo
legalmente inexistentes, produzem efeitos. Neste plano, há duas regras a serem observadas:
o negócio jurídico válido produz efeitos, em regra, ou seja, tem eficácia; e, a contrário
senso, o negócio jurídico inválido é ineficaz.
É importante se constatar que os efeitos que se nega ao negócio ineficaz são os
efeitos jurídicos, pois geralmente, havendo ou não eficácia jurídica, efeitos fáticos,
naturalísticos, são produzidos: a compra e venda do incapaz sem representação é ineficaz
juridicamente, mas pode ter efeitos oriundos da tradição eventualmente realizada.
Como dito, pode ocorrer de haver negócios jurídicos inválidos que sejam
juridicamente eficazes. Um exemplo: o casamento nulo produzirá efeitos para o cônjuge de
boa-fé e para os filhos. A nulidade relativa, que se suscitada, leva à invalidade, da mesma
forma pode ser convalidada, e o negócio será juridicamente eficaz.
Outrossim, pode acontecer justamente o contrário: pode haver negócio jurídico
válido e ineficaz. Isto ocorre quando, presentes os elementos de validade, há também os
citados elementos acidentais, que afastam a eficácia do negócio jurídico, por algum motivo.
O CC de 1916 denominava os negócios jurídicos sujeitos a condição, termo ou
encargo de negócios modais, pois escapavam à regra para se demonstrarem modalidades
diferenciadas de negócio. Os negócios não sujeitos a elementos acessórios eram
considerados puros. Hoje, a nomenclatura modal ainda é utilizada, mas apenas para a
modalidade de negócio jurídico sujeito a encargo; aqueles sujeitos aos demais elementos
acidentais são chamados impuros
Considerações feitas, vejamos os elementos acidentais do negócio jurídico,
incidentes sobre a eficácia.
1.1. Condição
“Artigo 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem
pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que
privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma
das partes.”
O artigo 124 do CC apresenta uma exceção que privilegia a lógica: se a condição for
impossível, e for suspensiva, o negócio é nulo, pois jamais poderá produzir efeitos, vez que
a condição jamais poderá se implementar; mas se a condição impossível for resolutiva,
significa que o negócio jamais deixará de produzir efeitos, e por isso apenas se considera
não escrita tal condição, o negócio produzindo os efeitos regularmente.
1.2. Termo
Quanto aos feriados, em que esse haver diversas correntes para sua conceituação, a
que prevalece é a de que só se considera feriado aquele dia previsto em lei como tal,
aplicando-se por extensão ao domingo, pois é o dia de repouso semanal
constitucionalmente previsto.
1.2.1. Termo Certo e Incerto
O termo certo é aquele em que se sabe da sua ocorrência futura, e também se sabe
exatamente quando será esta ocorrência – uma data, por exemplo. O termo incerto, por sua
vez, apresenta certeza quanto a sua ocorrência, mas incerteza quanto ao momento em que
se passará – a morte, por exemplo.
1.3. Encargo
“Artigo 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo
quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como
condição suspensiva.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
O direito se extingue. Qualquer que seja o efeito sujeito à condição resolutiva, será
extinto quando do seu implemento, pois é exatamente este o efeito da resolução. A questão
intrincada, neste aspecto, é a que diz respeito à retroação da resolução do negócio: em
regra, retroagirá a resolução ao início da existência do negócio, mas, dependendo dos
efeitos produzidos durante a vigência, não há como se estornar tais resultados fáticos. Por
isso, os efeitos jurídicos serão também extintos, mas os efeitos fáticos que não puderem ser
resolvidos, serão mantidos, preservados em prol da segurança jurídica.
Nos contratos de trato continuado se tem um bom exemplo da mantença de efeitos:
suponha-se uma locação de imóvel residencial condicionada ao evento de formatura: se o
locatário se formar, está resolvida a locação, retroagindo ao início, mas os alugueres pagos
não serão devolvidos, pois são efeitos fáticos do contrato, que devem ser mantidos.
Retorna-se à condição de ausência de contrato, mas os efeitos fáticos do curso da eficácia
são mantidos (até mesmo a indenização de benfeitorias, por exemplo).
Questão 2
João transfere, via doação pura, direito de propriedade sobre imóvel para Pedro,
sendo certo que 02 (dois) anos após, este atenta contra a vida daquele, sem que, contudo
venha a falecer, motivo pelo qual João propõe ação com fulcro no artigo 557, I, do Código
Civil. Entretanto, durante o referido lapso temporal, Pedro alienou o imóvel para Celso.
Aplica-se "in casu," o disposto no artigo 128 do Código Civil? Justifique.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
“Artigo 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por
inexecução do encargo.”
Tema XIII
Negócio Jurídico III: Dos defeitos do negócio jurídico. Teorias da vontade, da declaração, da
responsabilidade e da confiança. Erro-vício: Conceito, requisitos e espécie. Coação: Conceitos, requisitos e
espécies. Dolo: Conceito, requisitos e espécies.
Notas de Aula
Como já se viu, um dos elementos do negócio jurídico é a vontade, que deve ser
livre e de boa-fé. A vontade é livre quando não sofre influências alheias na sua formação.
1.1. Erro
O artigo 138 do CC ainda apresenta outro requisito para configurar o erro: além de
ser substancial, deve a sua percepção ser captável pelo homem médio, ou não se reconhece
o erro.
As hipóteses em que se considera substancial o erro são praticamente exauridas no
artigo 139 do CC. O inciso I deste artigo merece comentários no que tange as qualidades
essenciais do objeto: veja que a qualidade é considerada essencial, causadora de erro,
quando não se presta ao negócio jurídico que se pactuou, e não em relação à sua imanência
ao objeto. Explique-se: não é erro quando não há determinada qualidade no objeto, que
deveria ser ordinariamente presente; neste caso, há o vício redibitório, defeito oculto da
própria coisa. O erro quanto às qualidades ocorre quando, inadvertidamente, o declarante
manifesta sua vontade crendo haver determinada qualidade no bem, mas esta não existe
naquele bem ordinariamente, não é a ele imanente. Como exemplo, querendo comprar um
cavalo mangalarga, o agente compra um quarto-de-milha, sendo que o mangalarga era
necessário para padrões de procriação. A qualidade que se achava inerente – ser mangalarga
– não atende à vontade do agente, pelo quê há erro – não havendo qualquer defeito no
objeto, porém. Se o cavalo fosse mesmo um mangalarga, mas estivesse com doença
incurável, seria caso de vício redibitório, e não erro quanto às qualidades essenciais.
O inciso III estabelece o erro de direito, pondo fim a grande discussão que havia na
vigência do antigo CC de 1916, sobre o cabimento ou não do erro de direito: é alegável,
mas não pode implicar em negação de vigência à lei. por exemplo, compra e venda
internacional, é feita sob determinada alíquota, mas há alteração na alíquota anterior à
pactuação do contrato, majorando-a em muito. Se o comprador, em erro, alegá-lo, poderá
anular o contrato, mas jamais poderá requerer que este contrato tenha vigência com a
alíquota anterior, pois estaria requerendo a criação de ordenamento particular para si,
negando vigência à lei tributária.
No artigo 140, o CC prevê o erro quanto ao motivo, ou quanto à pressuposição:
Assim, é irrelevante, para esta corrente, que o erro seja inevitável para se configurar.
1.2. Dolo
entende que, por emanações da boa-fé objetiva, todo e qualquer negócio deve ser feito sob
um dever de conduzir-se zelosamente em prol da satisfação dos envolvidos, por todos que
guardem pertinência com o negócio.
Entenda: os deveres anexos advindos da boa-fé objetiva demandam que o sejam
prestadas as informações relevantes; que haja lealdade entre os contratantes; e que haja a
cooperação para o bom andamento do negócio. Por isso, mesmo sem a malícia, se há a
quebra de um desses deveres anexos, e com isso a parte oposta se prejudica, incorrendo em
erro induzido por aquela quebra, se configura o dolo – mesmo sem a malícia, repita-se. Por
isso, cria-se uma figura curiosa: o dolo, vício da vontade, configurado por culpa do indutor
– negligência quanto aos deveres da boa-fé objetiva. É tese interessante.
Veja que, prestada uma informação errada, por exemplo, há dolo, claramente; se a
arte deixa de prestar informação essencial, também há dolo; mas se a parte deixa de
comunicar a informação essencial por descuido, há culpa, sendo que para a corrente
clássica seria, quando muito erro; para esta corrente inédita, se configura o vício do dolo,
por descumprimento dos deveres anexos da boa-fé objetiva.
Elucubrações à parte, o CC parece estar com a maioria, pois o artigo 147 consigna o
termo “intencional”:
“Artigo 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das
partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui
omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.”
O dolo pode ser essencial, substancial, ou acessório, acidental. O erro acidental não
tem, como visto, quaisquer efeitos jurídicos; o dolo acidental, por sua vez, produz:
“Artigo 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a
parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso
contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as
perdas e danos da parte a quem ludibriou.”
1.3. Coação
- A ameaça de um mal atual ou iminente, tendo o ato sido praticado apenas com a
finalidade de afastar a ameaça.
- Seja um mal grave, do ponto de vista subjetivo, pois a coação tem que ser
suficiente para gerar fundado temor no agente, valendo-se para a análise da
gravidade as condições pessoais do vitimado:
O simples temor reverencial não configura coação. Por isso, a figura do pai
para o filho, do pastor da igreja para o devoto, etc, não configuram, de per si,
coação (salvo se há maior ameaça do que a simples relação de obediência).
- O mal deve ser injusto, pois não se verifica coação na ameaça de se tomar alguma
providência lícita, justa, de direito. Por exemplo, a ameaça de um processo judicial
não é uma ameaça de mal injusto – é exercício normal de um direito.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XIV
Negócio Jurídico IV: Defeitos. Fraudes contra credores: conceito, requisitos na alienação gratuita e onerosa
e efeitos. Lesão e Estado de Perigo: Conceito, requisitos, efeitos e diferenças entre figuras jurídicas
semelhantes.
Notas de Aula
preservação do patrimônio do devedor, pois é sobre este que incidirá a pretensão satisfativa
do credor.
Assim, em que pese a regra ser a livre disposição dos bens pelo proprietário, há
alguns limites a esta disponibilidade, justamente em atenção à preservação dos direitos
alheios garantidos pelo patrimônio de uma pessoa. Por isso, desde quando o devedor se
revele insolvente, ou em vias de insolvência, a lei arma o credor de mecanismos
preventivos de seu crédito, limitando a disposição de bens pelo devedor.
As hipóteses pelas quais o devedor pode reduzir seu patrimônio são a alienação de
bens, onerosa ou gratuita; a remissão de dívidas, pois se o devedor perdoa dívidas, seu
patrimônio deixará de ter acréscimo, o que poderá prejudicar o credor; o oferecimento de
garantias pelo devedor, de dívidas outras, pois a constituição de garantia sobre um bem
limita aos demais credores o acesso sobre o produto daquele bem; o pagamento antecipado
de dívidas ainda não vencidas a outros credores, pois controverte a sistemática de
pagamentos, a ordem de pagamentos, se evidenciada a insolvência.
Uma vez que o devedor esteja em insolvência, há a formação do concurso de
credores, havendo ordem a ser respeitada no pagamento dos créditos. Qualquer
desvirtuamento desta ordem, que vá impedir que credores que deveriam receber o façam, é
fraude contra credores.
Os elementos da fraude contra credores são dois, de acordo com a doutrina:
Sendo oneroso, se exige que o negócio seja feito havendo clara potencialidade de
haver ciência da insolvência do devedor por parte de seu adquirente. Isto porque a potencial
ciência da insolvência denota que a aquisição foi feita no mínimo de forma imprudente,
fazendo presumir que o adquirente não merece a proteção suplantadora da proteção que
merece o credor, salvo se restar comprovado que não havia como saber da insolvência do
alienante.
Assim fica claro que a desconstituição de um negócio gratuito por fraude contra
credores é muito mais facilmente feita do que de um negócio oneroso.
Na verdade, o modo como a fraude contra credores foi tratada no novo CC é
bastante criticado pela doutrina, pois poderia ter sido adotada metodologia mais moderna.
Ao invés de ser causa de anulação do negócio jurídico, outros ordenamentos a tratam como
elemento negativo da eficácia do negócio – no que se aproximaria da fraude à execução.
Seria, de fato, mais interessante que o negócio fosse considerado ineficaz perante o credor,
ao invés de anular o negócio.
Pelo ensejo, vale salientar a diferença entre fraude contra credores e fraude à
execução. A fraude conta credores não demanda que haja um processo judicial contra o
devedor para que seja verificada, bastando a mera constatação da insolvência deste; na
fraude à execução, é necessário que haja o curso de um processo contra o devedor, durante
o qual se perfaz o negócio em fraude. A fraude contra credores pode ser constatada a
qualquer tempo, por meio de ação própria; a fraude à execução é matéria argüida no curso
do processo, pelo autor contra réu, devedor. E, como dito, a fraude à execução não acarreta
nulidade do negócio, mas sim ineficácia perante o credor, que pode assim, por exemplo,
desconsiderar a venda e penhorar o imóvel objeto da fraude.
A ação que intenta reconhecimento da fraude contra credores é a revocatória, ou
pauliana. Os primeiro requisito para esta ação, então, é a existência de um crédito de
natureza quirografária (pois o credor com garantia real não está sujeito aos efeitos da
fraude, vez que o bem é dedicado a seu crédito). Contudo, pode haver parte excedente à
garantia real, e por esta parte o credor é quirografário, e, conseqüentemente, legitimado à
pauliana. E, sempre, somente os credores que já o eram à época em que a insolvência se
instalou têm legitimidade para a revocatória (§ 2° do artigo 158 do CC).
Segundo requisito é a insolvência do devedor, como visto, já anterior, ou alcançada
com a realização daquele negócio. O ônus da prova é invertido: quem deverá provas
solvência é o réu. Ademais, a insolvência deve perdurar por todo o processo: se porventura,
no curso, o devedor se tornar solvente, há perda superveniente do interesse de agir.
Há, como requisito especial para os negócios onerosos, a potencial ciência do
adquirente da situação de insolvência do alienante, a ser comprovada pelo autor da
pauliana, e presumida em alguns casos (adquirente é parente próximo, por exemplo).
Um aspecto a ser comentado é o da configuração do crédito: o que é considerado
crédito, a fim de instrumentalizar a pretensão revocatória? Há créditos que são claramente
constatados, como de títulos, de sentenças condenatórias, etc, mas há necessidade de
liquidez ou de exigibilidade do crédito para a propositura da ação pauliana? A doutrina
entende que não: mesmo o título não vencido é fundamento para a fraude contra credores
merecer anulação. O crédito tem que ser constituído anteriormente à insolvência, mas não
precisa ser líquido e exigível antes desta.
Vejamos outro caso: um contrato seria considerado um crédito para fins de
configuração de fraude contra credores? Por exemplo, um contrato de obra imobiliária: se o
credor da obra paga o preço, e percebe que a obra não será executada por estar se
desenhando a insolvência daquele empreiteiro, será este contrato uma dívida a fundamentar
a pauliana, em relação às alienações que aquele empreiteiro está realizando com terceiros?
Para esta situação, pare da doutrina entende que, mesmo o crédito não estando claramente
configurado, este é apto a configurar a dívida, podendo o credor ajuizar a pauliana em
relação aos atos de alienação do seu devedor (posição de Humberto Teodoro Jr.).
Pode ocorrer a situação em que se dão alienações sucessivas: o terceiro, que adquire
o bem do devedor insolvente de outrem, aliena o bem para um quarto indivíduo. Neste
caso, ainda será cabível a revocatória, nos termos do artigo 161 do CC, se estiver presente a
má-fé9:
“Artigo 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o
devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada
fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.”
“Súmula 195, STJ: Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude
contra credores.”
Esta súmula significa que a fraude contra credores não pode se prestar como matéria
de defesa dos embargos de terceiros. Veja: um imóvel é vendido em fraude contra credores,
mas o adquirente não o registra. Um credor executa o alienante desta venda, e penhora o
bem, que ainda está em seu nome. O adquirente, que tem na verdade a propriedade do
9
O terceiro de boa-fé não é nunca prejudicado, à exceção da venda a non domino, que será vista em outro
estudo.
“Artigo 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o
preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em
juízo, com a citação de todos os interessados.
Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar
o preço que lhes corresponda ao valor real.”
Na lesão e no estado de perigo, o que ocorre é uma situação que coloca o agente sob
premente necessidade de conseguir um determinado bem da vida, fazendo com que este
manifeste sua vontade de modo que, fosse a situação um estado de normalidade, não o
faria. Afora o caso da inexperiência que acarreta a manifestação de vontade em negócio
demasiado oneroso, o que se dá é a situação de necessidade.
A diferença primordial entre a lesão e o estado de perigo é que na primeira se dá a
necessidade em relação a perigo físico, enquanto o perigo da lesão é relativo a danos
patrimoniais. Vejamos os artigos referentes:
“Artigo 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta.
§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao
tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento
suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”
qualquer prestação por parte daquele que alegou estado de perigo, tendo se locupletado
indevidamente. Assim, até mesmo a corrente que entende não ser possível o salvamento do
negócio pela suplementação analógica à da lesão, entende ser cabível uma ação de
locupletamento ilícito pela parte que prestou o auxílio ao que estava em estado de perigo11.
Quanto à lesão, é seu elemento objetivo a desproporção manifesta entre as
prestações recíprocas, capaz de gerar um lucro incompatível com a normal comutatividade
o contrato. Requisito de ordem subjetiva é a inexperiência ou premente necessidade em que
se encontre o declarante – não há plenas condições psicológicas daquele que pactua por
inexperiência, e não há livre vontade, mesmo sabendo da desproporção, daquele que pactua
por premente necessidade.
Na lesão, ao contrário do estado de perigo, não de exige o dolo de aproveitamento
por parte daquele que se beneficia com a desproporção. É desnecessário que haja o dolo,
sendo exigido apenas a desproporção em concreto, objetivamente aferida, ou o perigo, pois
é cediço que aquele que recebe a prestação majorada tem ciência da desproporção – e isto
basta para que seja anulável o negócio. Também de forma a diferenciar-se do estado de
perigo, como já abordado, o negócio pode ser mantido, se aquele que se beneficia da
desproporção oferece suplementação, ou equilibra as prestações de alguma forma,
diminuindo o preço, em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos. Esta
proposta deve ser feita em sede de contestação da ação anulatória, sendo possível mesmo a
consignação em pagamento da quantia suplementar, se for o caso.
A lesão tem sede natural em contratos comutativos, enquanto o estado de perigo
pode ocorrer mesmo em atos unilaterais, como na promessa de recompensa; a lesão é
objetiva, como visto, independendo da percepção do dolo do contratante que se beneficia,
enquanto o estado de perigo é subjetivo, dependendo da ciência do perigo pelo beneficiário;
a lesão pode ocorrer da inexperiência, elemento ausente no estado de perigo; e a lesão
admite suplementação, expressamente, enquanto no estado de perigo (e só para parte da
doutrina) o cabimento é por analogia.
A Lei 1.521/51, dos crimes contra a economia popular, no seu artigo 4°, “b”, prevê
que a lesão é também um ilícito penal, além de ser causa anulatória do negócio,
consubstanciada na usura pecuniária:
“Artigo 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se
considerando:
(...)
b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade,
inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto
do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil
cruzeiros.”
Por esta previsão, por ser um ilícito penal, os civilistas sentiam-se compelidos a
entender que é imperiosa a sua classificação como ilícito civil, mesmo antes de existir
qualquer disciplina sobre a lesão no codex cível. O CDC, em 1990, solucionou esta
carência de regulamentação, estabelecendo no artigo 51 que:
11
O cabimento desta ação é outro argumento para a aplicação por analogia da redução proporcional, ao invés
da anulação, pois é até mesmo uma medida de economia processual.
“Artigo 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato,
de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a
natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias
peculiares ao caso.
§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto
quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo
a qualquer das partes.
(...)”
Veja que, então, surgiu a disciplina civil da lesão, que se consolidou para todo
direito privado, em 2002, com a previsão do artigo 157 do CC, já transcrito12.
O estado de perigo tem por exemplo mais clássico aquele em que, a pessoa se
afogando, promete ao barqueiro toda sua fortuna caso o salve; ou o doente que,
desesperado, promete ao médico quantia fabulosa para que este o salve; os pais que,
buscando amealhar recursos para pagar o resgate do filho seqüestrado, vendem bens por
preço muito inferior ao de mercado, etc. Exemplo de lesão é aquele em que o agente
celebra mútuo a taxas de juros altíssimas, a fim de haver o dinheiro por alguma necessidade
premente, de ordem patrimonial.
Casos Concretos
Questão 1
Caio aliena bem imóvel a Tício, em negócio que vem a ter decretada sua anulação
por fraude contra credores. Transitada em julgado a sentença, Júlio, credor, promove a
penhora do bem, levando-o à hasta pública. Realizada a primeira praça, sem licitante,
Tício deposita em juízo o preço da avaliação, mais as despesas processuais, pleiteando a
subsistência do negócio realizado com Caio. Como Juiz, como você resolveria a questão?
Resposta à Questão 1
12
Na verdade, como o projeto do CC é de 1975, estas previsões já existiam muito antes do CDC, que teve
apenas o mérito de copiá-las e trazê-las mais cedo ao ordenamento.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
João de Souza propôs, perante o Juízo da 15ª Vara Cível da Comarca da Capital,
ação de reparação de danos, pelo procedimento sumário, em face de Transportes Zona Sul
Ltda, postulando indenização por danos materiais e morais, em decorrência de
atropelamento por ônibus de propriedade da empresa ré, no qual o autor sofreu
amputação da perna direita.
Em contestação, o réu argüiu preliminar de extinção do processo sem julgamento
do mérito, fulcrada no artigo 267, VI, do CPC. Sustenta que, a fim de compor o conflito, as
partes transigiram, efetuando a empresa o pagamento ao autor da importância de R$
5.000,00, compreensiva de todos os danos por ele sofridos, direta ou indiretamente, em
conseqüência do acidente, dando o autor plena quitação para nada mais reclamar, a
qualquer tempo, em Juízo ou fora dele, pelo quê requer seja decretada a carência da ação
em face da transação havida entre as partes.
Em réplica, o autor alega ter sido firmada a transação somente cinco dias após o
acidente e, como pessoa humilde que é, não tinha condições de avaliar o seu conteúdo.
Aduz que, pelo seu valor irrisório, só pode valer como quitação até o valor que
efetivamente foi pago ao autor.
Decida a respeito, fundamentadamente.
Resposta à Questão 3
Tema XV
Negócio Jurídico V: Ineficácia em sentido amplo. Inexistência, Invalidade e Ineficácia em sentido estrito.
Causas de nulidade e anulabilidade. Aproveitamento do negócio jurídico. Conversão do negócio nulo.
Notas de Aula
13
Item 1 e subitens retirados de estudo do Prof. Nelson Rosenvald.
- Não revestir a forma prescrita em lei; for preterida alguma solenidade que a lei
considere essencial para sua validade: assim a exigência, para certos atos, da
presença de testemunhas (artigos 1.864, II; 1.868, I; 1.876, §1º, CC); ou de
autorização judicial (artigo 1.748, CC) para a realização do negócio; artigo 108, CC.
- Tiver por objeto fraudar lei imperativa: o negócio in fraudem legis é o que foge da
incidência da norma jurídica ou das obrigações legais, sendo realizado sob forma
diferenciada. A nulidade por fraude é objetiva, não estando atrelada à intenção de
burlar o mandamento legal. Havendo contrariedade à lei, pouco interessa se o
declarante tinha, ou não, o propósito fraudatório. É o exemplo da doação feita à
concubina pelo homem casado e da fixação de cláusula penal (multa) em valor
superior ao do contrato (negócio principal), pois o artigo 412 do CC proíbe que o
valor da cláusula penal exceda o da obrigação principal.
Como se trata de vício não convalidável, o negócio jurídico nulo não é suscetível de
confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (artigo 169, CC). A nulidade também
é considerada imprescritível por parte significativa da doutrina, devendo ser proposta uma
ação declaratória de nulidade que segue, regra geral, o rito ordinário. Para outros, a ação
declaratória de nulidade de fato seria imprescritível, mas a desconstituição dos efeitos do
ato jurídico nulo se sujeita ao prazo prescricional máximo (dez anos) do artigo 205: “Em
síntese: a imprescritibilidade dirige-se, apenas, à declaração de nulidade absoluta do ato,
não atingindo as eventuais pretensões condenatórias correspondentes” (Pablo Stolze).
Há entendimento diverso, defendendo a inexistência de direitos patrimoniais
imprescritíveis, pelo quê se aplicaria à declaração de nulidade o prazo prescricional geral de
dez anos do artigo 205 (Caio Mário).
A nulidade de qualquer negócio será reconhecida através de decisão judicial
meramente declaratória (limitando-se o magistrado a afirmar que não se produziu qualquer
efeito, sendo desnecessário desconstituir qualquer situação) e, por conseguinte,
imprescritível, produzindo efeitos ex tunc. Possui também efeitos contra todos, erga omnes,
diante da emergência da ordem pública.
O ato jurídico nulo pode surtir efeitos quanto a terceiros de boa-fé (por exemplo, o
casamento putativo).
relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e
fraude contra credores”.
preço é um elemento específico, ligado ao objeto vendido, mas diverso deste. Os elementos
acidentais, como já visto, são a condição, o termo e o encargo, e estes afetam o plano da
eficácia.
Os requisitos gerais de validade são aquilo que dá a roupagem aos elementos, como
a capacidade, em relação às partes, a licitude em relação ao objeto, e a liberdade em relação
à vontade. Há também requisitos específicos, como na compra e venda de imóvel locado: a
preempção, que deve ser dada ao locatário, é um requisito específico de validade deste
negócio, tal como no assentimento dos demais descendentes, na compra e venda de
ascendente para descendente.
Assim, para existir, o negócio precisa dos elementos estruturais, as partes, o objeto,
a forma e a vontade, e dos elementos específicos que porventura existam; mas para ser
válido, depende da presença dos requisitos gerais, quais sejam, os atributos dos elementos,
e específicos, como o assentimento dos descendentes, no exemplo dado.
O plano da eficácia, por sua vez, diz respeito à produção de efeitos. Em regra, o
negócio existente e válido é eficaz, mas se for sua eficácia subordinada a algum elemento
acidental, será eficaz se preenchido este elemento, nos moldes previstos. Assim, se há
condição suspensiva, por exemplo, o ato é existente e válido, mas é ineficaz enquanto não
se implementar a condição.
A invalidade, então, é gênero, do qual são espécies a nulidade e a anulabilidade, de
acordo com a gravidade do vício. A gradação da gravidade é uma escolha legislativa, pelo
quê o ato é nulo ou anulável sempre de acordo com a lei. A lógica adotada, em regra, é que
os vícios sujeitos à nulidade violam preceitos de ordem pública, enquanto aqueles que
sujeitam o ato à anulabilidade violam preceitos de ordem privada. Pode-se dizer, com isso,
que a nulidade traduz vício mais grave que o da anulabilidade.
É fato que a causa da nulidade ou anulabilidade é verificada no momento da
celebração do negócio, ou da declaração da vontade. Os efeitos da nulidade e da
anulabilidade só diferem até o momento em que se opera a invalidação do negócio; após a
efetiva invalidação, por nulidade ou anulabilidade, o fato é que se desconstitui o ato
anulado.
Para a verificação da nulidade, não se exige a comprovação de qualquer prejuízo. O
ato é inválido pela infringência à norma de ordem pública, objetivamente, e não se aplica,
como em processo, o princípio pas de nullitè sans grief.
A nulidade demanda declaração judicial para operar a desconstituição do negócio.
Todavia, não precisa de um processo específico de anulação, podendo ser incidental a outro
rito, e até mesmo de ofício. Já a anulabilidade demanda ação específica de anulação,
mesmo que ação declaratória incidental, não podendo ser declarada incidentalmente. Veja
que a nulidade reconhecida integra a fundamentação da sentença, não fazendo, portanto,
coisa julgada: para que a nulidade seja alcançada pela coisa julgada, deve haver sua
inclusão no dispositivo, e para tanto, aí sim, é necessária ação anulatória, mesmo para a
nulidade – ação que pode ser incidental, ou oriunda do direito de ação, como na
reconvenção, ou no pedido contraposto, mas nunca em sede de contestação (posição
controvertida por pequena pare da doutrina, porém).
“Artigo 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por
qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer
do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo
permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.”
O negócio nulo não é suscetível de convalescimento, pois como a norma que ofende
é de ordem pública, não há como sanar a nulidade. A nulidade também não é sujeita à
prescrição, pois a sua produção de efeitos é por declaração, e as ações declaratórias não são
prescritíveis. O que pode ser prescrito, porém, é o efeito patrimonial eventualmente
existente, proveniente da nulidade. O ato anulável, por sua vez, convalesce pela sanação do
vício, pela confirmação do ato, ou mesmo pelo decurso do tempo, sendo sujeito assim à
prescrição.
Os efeitos da declaração de nulidade são ex tunc, retroagindo à data da feitura do
ato. A anulabilidade, por sua vez, permitiria a produção de efeitos até a data da anulação.
Estas afirmações, clássicas, não mais correspondem ao entendimento majoritário da
matéria. Isto porque o ato nulo produz, sim, efeitos, em muitos casos. Os efeitos da
anulabilidade são ex nunc, a partir do trânsito em julgado (mas com efeitos da anulação
desde a prolação a sentença).
2.1. Conversão
Embora o negócio nulo não possa se convalidar, ou ser confirmado, poderá ser
convertido. A conversão é a alteração da própria natureza do ato, em atenção à intenção das
partes na manutenção do ato, desde que haja os requisitos de validade para cumprir a
perfeição o negócio em que se converterá o que era nulo.
Veja um exemplo: a compra e venda de imóvel, que exigia escritura pública, foi
feita em instrumento particular. É negócio nulo por vício da forma. Se as partes quiserem
aproveitar o negócio, poder-se-á converter tal negócio para uma promessa de compra e
venda, que não exige forma de escritura pública. Veja que não está sendo convalidado o ato,
pois para a compra e venda do imóvel é imperativa a forma pública, mas como todos os
requisitos da promessa estão presentes, será feita a conversão, se assim quiserem os
contratantes.
Nulidade Anulabilidade
Infringência a preceito de ordem pública Infringência a preceito de ordem privada
(interesses coletivos) (interesses particulares)
Não precisa de ação específica para seu Necessidade de ação específica para seu
reconhecimento reconhecimento
Casos Concretos
Questão 1
pública. Argumenta ainda que o contrato verbal é nulo de pleno direito, e, nessas
circunstâncias, não pode produzir qualquer efeito, não havendo cabimento, portanto, para
a cobrança, sendo que a autora foi imprudente em prestar o serviço sem a formalização da
relação jurídica. Como Juiz, como você resolveria a questão?
Resposta à Questão 1
De fato, há formalidade a ser seguida, posto que a lei impôs a forma escrita para a
celebração daquele negócio jurídico, pelo quê há a nulidade do negócio. A forma, quando
prevista, se descumprida, afeta o plano da validade do negócio jurídico, e este é o caso: o
negócio é nulo.
Todavia, o serviço foi prestado. A assertiva de que o ato nulo não produz efeitos não
é correta, pos a equidade nas relações jurídicas impõe que a municipalidade não se valha da
sua própria torpeza, e locuplete-se ilicitamente à conta da autora. Por isso, há de ser cabível
a cobrança do título – o cheque deve ser pago. Vide REsp 545.471-PR.
Questão 2
MARIA, passando por difícil situação financeira, contrata empréstimo com JOÃO,
no valor de R$ 10.000,00, a ser pago através de vinte parcelas mensais de R$ 1.000,00,
tendo sido emitidas as respectivas notas promissórias. Três meses após, MARIA ingressa
em Juízo pleiteando o reconhecimento de nulidade do contrato de mútuo, ao argumento de
que houve infringência ao Decreto nº 22.626/33, requerendo ainda que seja declarada a
inexistência de qualquer débito.
JOÃO contesta o feito sustentando que não mais está em vigor o indigitado decreto,
devendo ser respeitado o que restou contratado, aduzindo ainda que MARIA agiu de má-fé,
pois desde a celebração do mútuo já tencionava não cumprir o contrato. Como Juiz, qual a
solução que você daria à questão?
Resposta à Questão 2
É clara a violação das normas atinentes pelos juros impostos por João. Como pessoa
natural, não entidade financeira, a taxa de juros limítrofe é a de 1% ao mês, pelo quê está
claramente configurada a nulidade, in casu, tendo João se valido da necessidade em que se
via Maria. O negócio é nulo por infringência a norma de ordem pública. Entretanto, o
negócio não será simplesmente desconstituído, e sim reduzido ao patamar de correção e
equilíbrio nas prestações, na forma do artigo 157, § 2°, do CC. Vide apelação cível
2004.001.1264-6.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XVI
Negócio Jurídico VI: Invalidade. Negócio simulado e dissimulado. Simulação. Conceito, requisitos e efeitos.
Simulação objetiva e subjetiva. Simulação absoluta e relativa. Simulação maliciosa e inocente. Diferença
entre simulação e fraude à lei.
Notas de Aula
1. Simulação
“Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a
reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha
conhecimento.”
Assim, havendo ciência da reserva mental que se presta a dissimular o negócio, este
será nulo, como se simulação fosse.
Mesmo que o legislador não tenha conceituado a simulação, ao menos tentou
exaurir as hipóteses em que esta pode ocorrer, no § 1° do artigo 167 do CC. Mesmo não
sendo rol exaustivo, é praticamente exauriente das possibilidades fáticas de simulação:
“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou,
se válido for na substância e na forma.
§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais
realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do
negócio jurídico simulado.”
Ocorre que na maior parte das vezes a prova testemunhal é a única de que dispõe o
prejudicado pela simulação, especialmente pelo fato de que o negócio simulado, em regra, é
formalmente perfeito. Não sendo esta prova exclusivamente testemunhal admissível, pelo
valor do negócio ser superior ao ali previsto, será impossível a produção de provas, gerando
a improcedência da ação, e, na casuística, favorecendo aqueles que simularam o negócio.
Por isso, a jurisprudência vem admitindo que, exclusivamente nas alegações de simulação,
a prova exclusivamente testemunhal poderá ser admitida.
No inciso I do artigo 167, § 1°, do CC, está a simulação quanto às pessoas
envolvidas, fazendo constar no negócio pessoa que, em verdade, nada tem a ver com a
relação, apenas estando ali para afastar a figura do real envolvido. É o famigerado
“laranja”, o “testa-de-ferro”.
O inciso II é o mais abrangente, que acaba por açambarcar a maior parte das
simulações realizadas na prática. É a simulação referente a elementos do negócio, fazendo
constar informações não condizentes com a realidade. Como exemplo, em uma compra e
venda, faz-se constar preço menor do que o realmente pago, a fim de se burlar a tributação
ali incidente.
O inciso III também merece algumas explicações. A data que se apõe, a fim de
simular o negócio, é a de constituição da obrigação, e não a eventual pós-datação para a
exigibilidade da obrigação, como se faz nos cheques “pré-datados”. Por isso, estes cheques
não são simulação, são mera modalidade negocial em que se posterga a data de pagamento,
nada mais. A data de constituição é a do negócio, nada havendo de simulacro nessa pós-
datação.
Veja que é possível haver a simulação também em negócios unilaterais. Nada
impede que possa o declarante manifestar vontade simulada, fazendo constar, como
exemplo, em uma promessa de recompensa, um valor diverso do realmente contemplado ao
evento que será premiado, também a fim de burlar a tributação.
A simulação pode ser maliciosa ou inocente. É maliciosa, odiosa, aquela que visa a
prejudicar alguém, frustrar algum direito alheio. A inocente não tem este escopo de frustrar
nenhum direito, prejudicar ninguém.
Exemplo mais comum de simulação inocente seria o do pai que, desejando agilizar
a obtenção dos seus bens pelos filhos, quando de sua morte, realiza em vida doações para
estes, sem desrespeitar a partilha legítima devida a cada um. Veja que o escopo desta
simulação é até mesmo louvável, qual seja, evitar o processo sucessório que atravancaria o
Judiciário, não prejudicando ninguém – mas é simulação, pois não espelha a realidade, qual
seja, de que os bens estão ainda sob domínio do pai.
A maliciosa, por sua vez, é a mais comum, infelizmente, servindo justamente como
meio de prejudicar terceiros ou a sociedade. Exemplo claro é o da doação à concubina, em
que se simula compra e venda, a fim de frustrar a vedação.
Surge uma questão: no antigo CC de 1916, o artigo 103 dizia que a simulação
inocente não era defeito, não se nulificando o negócio. Veja:
“Art. 103. A simulação não se considerará defeito em qualquer dos casos do artigo
antecedente, quando não houver intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar
disposição de lei.”
praticado, se este for essencial e formalmente válido; se o negócio real, que foi oculto pela
dissimulação, for inválido, aí então se nulifica toda a relação.
No exemplo da compra e veda dissimulando a doação, se esta doação for válida,
nada impede que seja mantida, desconsiderando-se a roupagem de compra e venda. O CJF,
no enunciado 293, assim se posicionou:
“Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo
outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida
a sociedade conjugal.”
O novel codex civilista não repetiu a vedação expressa. Por isso, surgiram três
posições na doutrina a disputar o tema: a primeira entende que vige, irrestrita, a regra de
que o torpe não pode se valer da própria torpeza; a segunda defende que é possível a
alegação, desde que se trate de simulação inocente – posição do STJ; e a terceira entende
que não há qualquer óbice à alegação de um contra o outro – posição do CJF, pelo quê
emitiu o enunciado 294:
“Enunciado 294, CJF – Arts. 167 e 168. Sendo a simulação uma causa de nulidade
do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra a outra.”
O artigo 166, VI, do CC, estabelece esta nova figura, a nulidade por fraude a lei
imperativa. Veja:
Esta previsão poderia se confundir com a simulação, confusão que é, de fato, feita
por parte da doutrina. Todavia, não é a melhor interpretação. A simulação espelha
declaração de vontade que não é a real, ou seja, faz a vontade aparentar algo que não foi
realmente o que se realizou. Na fraude à lei, a vontade não é simulada: o que se manifesta é
exatamente o que ocorre, mas o que está sendo realizado é contrário à lei imperativa sobre
o assunto. Não há qualquer finalidade na prática do negócio, senão a fraude à lei.
Vejamos um exemplo: empresa quer importar maquinário, sendo que não tem,esta
empresa, qualquer benefício quanto ao imposto de importação. A fim de burlar a tributação,
esta empresa solicita a uma empresa conhecida, que tem o benefício, realize a importação, e
posteriormente lhe revenda o bem. Veja que não houve simulação – realmente a empresa
que importou efetuou a compra e venda internacional –, mas o negócio teve por fim
unicamente a fraude à lei imperativa da tributação, pois o bem importado não servia em
nada à empresa que o importou. Há nulidade, com base no artigo 166, VII, do CC, e não
simulação.
Casos Concretos
Questão 1
Mário, casado, celebra contrato de compra e venda com sua amante, falsificando a
assinatura de sua esposa para o fim de obtenção da outorga uxória, contrato este simulado
para encobrir na verdade doação à concubina, vedada pelo artigo 550 do Código Civil.
Com o término do concubinato, referido imóvel vem a ser alienado a Tício, que não sabia
Resposta à Questão 1
O que se passou aqui foi a dissimulação, simulação relativa, da doação pela compra
e venda. Assim sendo, segundo o artigo 167 do CC, somente subsistirá o evento
obscurecido, a doação, se este for válido, em sua essência e forma. Ocorre que a doação à
concubina é vedada expressamente no artigo 550 do CC.
A compra e venda, por óbvio, é nula, vez que é simulação, mas o negócio
dissimulado in casu, a doação, não é nula, e sim anulável. Por isso, se se entender que,
mesmo sob simulação, continua sendo anulável a doação, esta será sujeita ao prazo
decadencial de dois anos, contados do fim da sociedade conjugal. Por isso, a maior corrente
entende que a doação dissimulada à concubina não pode se manter, sendo também nula.
Resolvido isso, a análise se dedica à situação do terceiro de boa-fé. A boa-fé não se
pode punir. Por isso, em que pese a simulação, o bem não poderá retornar ao patrimônio
para se incluir na sobrepartilha; será, entretanto, o alienante, o ex-marido, obrigado pela
indenização à cônjuge no valor do imóvel que lhe incumbiria na partilha, mas a seqüela não
mais se opera.
Questão 2
No mérito nega a simulação ao argumento que não houve prova alguma de ardil ou
de expediente astucioso, nem tampouco intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar
disposição de lei.
Discorra acerca da pretensão da autora, tanto das preliminares como da matéria
alegada no mérito da contestação.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
É certo que, ao conferir o mandato, o mandante não estabeleceu que este pudesse
alienar para si mesmo, como o fez por via transversa. Assim, a alienação é sem efeito,
retornando o bem ao patrimônio do mandante. Veja:
“Artigo 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio
jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar
consigo mesmo.
Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o
negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido
subestabelecidos.”
Tema XVII
Ato ilícito em sentido subjetivo e em sentido objetivo. Cláusulas gerais. Abuso de Direito. Teorias
conceituais. Natureza jurídica e elementos. Efeitos. Excludentes da ilicitude: Estado de Necessidade.
Legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal e o respectivo reflexo no Dever de indenizar.
Notas de Aula
1. Ato Ilícito
Esta cláusula geral convive em plena harmonia com outra cláusula geral, vigente
para as atividades que representem risco costumeiro, que é a da responsabilidade objetiva
genérica, do artigo 927, parágrafo único, do CC:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
1.1. Culpa
A responsabilidade civil vem sofrendo uma releitura no novo CC. O centro das
atenções do instituto, hoje, é a vítima: o objetivo é sempre se restabelecer a posição da
vítima ao que de melhor justiça. Por isso é que há a já mencionada visão unitária da
responsabilidade civil, com a coexistência de suas duas fontes, culpa e risco, cada qual
correspondente a uma cláusula geral, respectivamente, nos artigos 186 e 927, parágrafo
único, do CC. Não há primazia de uma forma de responsabilidade sobre outra – coexistem
perfeitamente. É verdade que, na prática, muitas hipóteses são dadas à responsabilidade
objetiva, mas ainda há grande parte de responsabilidade civil objetiva, pelo quê é falsa a
afirmação de que a responsabilidade subjetiva perdeu importância no Brasil.
No Brasil, hoje há um movimento de “repersonalização” do direito, termo este de
Luiz Edson Fachin. Este é o movimento que o direito privado passa a sofrer, rediscutindo-
se os valores que o sistema colocou no centro e na periferia. O direito dedica-se hoje muito
mais a proteger a pessoa concreta, e não um ser abstrato, ideal, em tese. A cláusula geral da
dignidade da pessoa humana, como base de todos os valores existenciais, é a maior
reverberação desta dinâmica personalizante – e o dano moral, avilte aos direitos da
personalidade14, é a maior conseqüência já admitida do direito repersonalizado.
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.”
“Resp. 239.557, 2.5.2000 (concepção que daria origem à súmula 308 do STJ)
Promessa de compra e venda. Embargos de terceiros. Hipoteca. SFH. A garantia
hipotecária do financiamento concedido pelo SFH para a construção de imóveis
não atinge o terceiro adquirente da unidade”.
Veja que se criou, ali, uma exceção à oponibilidade erga omnes e à seqüela dos
direitos reais de garantia, por se entender que, neste caso, se trata de abuso de direito do
financiador, que sabe da implicação que terá sobre o mutuário, que em nada concorreu para
a inadimplência do incorporador.
O artigo 1.228 do CC, no § 2°, no entanto, se apresenta incongruente com a
orientação objetiva do abuso de direito. Veja:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
habitualidade na prática da conduta arriscada. Só que esta interpretação é criativa: a lei não
fala em “atividade econômica”, mas somente em “atividade”.
Uma segunda corrente, moderna, e ainda minoritária, entende que como a lei não
restringe expressamente à atividade econômica, não se pode limitar a responsabilização
objetiva do risco a estas atividades, sob pena de se restringir onde a lei não o fez. Deve ser
feita, então, uma leitura ontológica do dispositivo, pela qual toda atividade, de qualquer
natureza, que envolva a criação reiterada de um risco, será objetivamente responsabilizada.
A diferença é a aplicação, para esta segunda corrente, da teoria do risco criado, e não do
risco proveito, adotada pela primeira corrente. O CDC adota esta tese, do risco criado,
unindo-se a esta corrente. São desta tese Caio Mário e José Acir Lessa Giordani
A tese da segunda corrente foi recentemente acolhida em caso de acidente de
trânsito, na apelação cível 2007.001.38201, da 12ª CC do TJ/RJ, relatada pelo Des. Siro
Darlan. Neste caso, se tratava de um motociclista não profissional que, por sua reiterada
conduta arriscada no trânsito, veio a atropelar pessoa – imputou-se-lhe a responsabilidade
objetiva, com fulcro na teoria do risco criado, amparada na segunda tese (e, doravante,
amparando-a como precedente jurisprudencial relevante).
2. Excludentes da Ilicitude
mais relevante naquele momento. No exemplo, seria mais relevante a vida do motorista ou
o muro? É óbvio que pende para a vida. Todavia, o estado de necessidade não afasta o
dever de indenizar, mesmo tornando lícita a conduta. Veja:
“Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188,
não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que
sofreram.”
“Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de
terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância
que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se
causou o dano (art. 188, inciso I).”
perigo posto por outrem, vem a causar o choque com terceiro. Nesse caso, ele
responde, com direito de regresso contra o culpado.”
Ocorre que esta quebra do nexo causal poderia, ainda, ser interpretada como a
simples ausência de conduta pelo motorista que teve o veículo abalroado e atirado contra a
vítima. Como se sabe, a conduta demanda voluntariedade, um agir, comissivo ou omissivo,
e neste caso o que foi abalroado simplesmente não agiu – pode-se dizer, “foi agido”. Por
isso, ou não há conduta a ser analisada, ou se entender que há, o fato a ser imputado é do
terceiro que abalroou.
Aqui vale a menção às teorias da identificação da causalidade, do nexo causal. A
teoria das equivalência dos antecedentes, conditio sine qua non, que significa que toda
causa que se apresente relacionada com o resultado danoso é causa. Esta teoria, entretanto,
tem cedido espaço para a causalidade adequada, que consiste na seleção, dentre as causas
que se apresentam, daquela que mais se adequa à ocorrência do resultado. Hoje, Gustavo
Tepedino defende ainda uma outra teoria, da causalidade direta e imediata, que diz
encontrar fundo legal no artigo 403 do CC:
“Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só
incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato,
sem prejuízo do disposto na lei processual.”
Este instituto não conta com um conceito legal, tomando-se por empréstimo a
definição do Direito Penal: é o rechaço a uma agressão a si perpetrada, de forma moderada
e proporcional ao ataque. Seus requisitos, segundo Carlos Roberto Gonçalves e Sérgio
Cavalieri, são: a agressão injusta, ou seja, contrária ao direito, por parte de outrem; que a
ameaça de dano seja atual ou iminente; que a reação seja proporcional à agressão.
Embora quem pratique o ato danoso em estado de necessidade seja obrigado a
reparar o dano causado, o mesmo não ocorre na legítima defesa, nem no exercício regular
de direito ou no estrito cumprimento de dever legal.
Há algumas situações que, mesmo suscitando semelhanças, não se confundem com
a legítima defesa, como o erro na execução (aberratio ictus): se, por engano ou erro de
pontaria, terceira pessoa (ou algo de valor) for atingida, por aquele que está se defendendo
legitimamente de uma agressão, o agente, que se defendia, deve reparar o dano, mas terá
ação regressiva contra o agressor, que o levou a efetivar aquele dano.
A legítima defesa putativa igualmente não isenta o autor da obrigação de indenizar.
Mesmo excluindo a ilicitude, ainda há dever de indenizar. Segundo Stolze e Pamplona, esta
não exclui a ilicitude da conduta, embora interfira na culpabilidade penal.
Ocorre, porém, que o estrito cumprimento do dever legal não está sob a égide
textual do artigo 188 do CC. Por isso, o que se defende é que se apliquem analogicamente
as mesmas regras do estado de necessidade, mas não quanto à responsabilidade em
indenizar, que não existirá.
Uma vez que o direito detido por seu titular seja exercido em respeito a todos os
limites a que se submeta, como à boa-fé, à função social, e os próprios limites intrínsecos
de cada direito, o dano dali causado não pode ser imputado. Há um princípio geral que
dispõe que “quem usa direito seu não causa prejuízo a ninguém”, que aqui se aplica à
perfeição.
A jurisprudência, entretanto, tem se debatido na análise de alguns eventos que
envolvem as chamadas ofendículas, ou ofensáculas, que são aquelas prevenções que
potencialmente geram danos (cacos de vidro no muro, cerca eletrificada). Veja que só serão,
estes meios de defesa, exercício regular de direito se seu uso for moderado, e se há
advertência sobre seu uso, a fim de que outros se precavejam de sofrer danos por estes
causados.
A respeito do exercício regular do direit, vide o seguinte julgado do STJ:
“Age em exercício regular de direito o banco que se recusa a pagar cheque com
irregularidade no endosso, não se podendo imputar à instituição financeira, pela
devolução de cheque com esse vício. STJ, REsp. 304.192-SP.”
Casos Concretos
Questão 1
Nelson eleva o muro de sua propriedade residencial, situada em bairro nobre o Rio
de Janeiro, de 15 metros para 30 metros sem que haja nenhuma necessidade prática para
tanto, sob a alegação de que, sendo dono do respectivo imóvel, pode fazê-lo sem restrições.
Ademais, a elevação antes mencionada não fere nenhuma Lei Municipal. Ocorre que, na
hipótese em questão, tal elevação produziu a eliminação da luz solar sobre a piscina do
seu vizinho, Rezende, seu antigo desafeto.
Indaga-se:
A obra realizada por Nelson representa ato ilícito em sentido subjetivo? De
qualquer modo tem Rezende pretensão cabível à restituição da situação anterior?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Mévio encontrava-se na calçada quando Tício teve seu carro abalroado por Mário,
o que fez com que o veículo de Tício fosse projetado sobre a calçada, ferindo Mévio. Mário
evadiu-se do local. Mévio ingressa com ação indenizatória em face de Tício, informando
corretamente a dinâmica do acidente, aduzindo que não houve como encontrar Mário para
que este também ocupasse o pólo passivo da ação. Sustenta a responsabilidade de Tício
pelo fato de ser o proprietário da coisa que causou o dano, havendo a possibilidade de este
se ressarcir frente a Mário.
Resposta à Questão 3
Tema XVIII
Notas de Aula
1. Prescrição
“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor.”
Esta orientação só vale para o CC. Nos demais diplomas legais, os prazos que não
são identificados devem ter sua natureza revelada pelo intérprete.
Outra questão que deve ser desde logo enfrentada é a que diz respeito ao
fundamento da prescrição. Antes do CC, o direito privado era tratado pelas Ordenações, e lá
havia regra expressa que estabelecia que a prescrição era uma punição ao credor inerte.
Esta idéia, ilógica na raiz (pois resguarda o inadimplente e impõe punição ao credor que
apenas se quedou inerte).
O fundamento, hoje, é muito mais coerente: a prescrição é um meio de garantir a
estabilidade nas relações jurídicas, e, em última análise, a segurança jurídica. Se a
pretensão não se extinguisse com o tempo, estariam eternizadas as potenciais lides, os
potenciais conflitos por direitos violados.
A prescrição permite, durante o prazo previsto em lei, o surgimento de uma lide, que
existe em estado potencial durante tal prazo. Com a consumação da prescrição, não se pune
o credor: apenas se garante a estabilização da relação jurídica. Gustavo Tepedino, no
entanto, defende que há, de fato, um caráter de punição na prescrição, reprovando-se a
conduta daquele credor que quedou-se inerte com a perda do poder de pretender tal crédito.
Ainda outra questão a ser discutida é a nomenclatura prescrição aquisitiva, que se
utiliza comumente para designar a usucapião. O legislador jamais se utiliza desse termo, e
mais, diz que a prescrição é assunto da parte geral, enquanto a usucapião é da parte especial
do CC. Em alguns ordenamentos, como o francês e o argentino, o legislador regula a
prescrição genericamente, e dentro do tema trata das duas modalidades, o que seria anda
mais um argumento contra a nomenclatura ser aplicável no Brasil.
Há ainda mais um argumento: o artigo 1.244 do CC estabelece que:
A segunda corrente, defendida por Caio Mário, defende que a prescrição é a perda
do próprio direito subjetivo. Esta teoria é adotada no direito italiano, mas até mesmo por lá
é refutada por parte da doutrina. Assim fosse, e a própria estrutura do direito subjetivo, do
débito e da responsabilidade, ficaria comprometida, por esta corrente. Veja: se a prescrição
extingue o direito subjetivo, a renúncia à prescrição, feita pelo devedor, teria o poder de
ressuscitar tal direito, o que se demonstra irascível. A outra crítica que se faz é que, se for o
pagamento da dívida prescrita realizado de forma espontânea, em tese, este pagamento seria
indevido, já que o credor não mais tem direito subjetivo ao crédito – estando autorizada,
como conseqüência, a repetição de indébito. Ocorre que o artigo 882 do CC veda a
repetição, neste caso, reconhecendo, portanto, que ainda subsiste o direito subjetivo de
crédito relativo à dívida prescrita:
“Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou
cumprir obrigação judicialmente inexigível.”
Para a terceira corrente, teoria alemã, adotada pelo CC de 2002, a prescrição gera a
perda da pretensão ou exigibilidade do direito subjetivo pela inércia do seu titular, dentro
do prazo pré-estabelecido em lei, cujo termo inicial ocorre com a lesão ao direito subjetivo.
Mas deve haver uma explicação mais profunda deste conceito: o que é perder a
pretensão? Segundo Barbosa Moreira, Gustavo Tepedino, Pontes de Miranda, etc, a perda
da pretensão não é um efeito automático da prescrição. O que se cria com a prescrição é
uma exceção, no sentido de defesa, do devedor perante o credor, que o devedor passa a
poder opor ao credor, paralisando a eficácia da pretensão. A prescrição cria o direito de
extinguir a pretensão (pelo quê alguns chegam a dizer que ela própria, prescrição, é um
direito potestativo).
Os civilistas, por conta da adoção da teoria moderna pelo CC, da perda da
pretensão, têm criticado a prescrição de ofício, introduzida pela Lei 11.280/06, porque esta
defesa é uma faculdade do devedor, que envolve um direito disponível deste, não havendo
qualquer razão para a substituição, pelo juiz, da vontade do interessado, verificando-a ex
officio. A justificativa, para esta Lei 11.280, consiste no princípio processual da celeridade,
mas isso vem em detrimento de toda a lógica do instituto.
Os processualistas têm defendido que deve, o juiz, respeitar o contraditório antes de
pronunciar a prescrição, até porque pode haver uma causa suspensiva, interruptiva ou
obstativa da prescrição que ele desconhece, e só pelo contraditório ficará exposta. Além
disso, a prescrição de ofício faria impossível a possibilidade de renúncia à prescrição, caso
o réu não fosse ouvido.
2. Decadência
A decadência consiste na perda do próprio direito potestativo, pelo seu não exercício
dentro de um prazo estabelecido em lei – decadência legal –, ou previsto pela vontade das
partes – decadência convencional –, tendo por termo inicial o próprio momento em que
nasce o direito potestativo.
Veja que há a diferença inicial clara entre esta e a prescrição: aqui, não há qualquer
lesão a determinar o início do prazo, tendo este o dies a quo exatamente no nascimento do
próprio direito potestativo. Na prescrição, o prazo começa a correr da data em que houve a
lesão ao direito subjetivo.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
“Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-
se-á:
(...)
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a
interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.”
Entretanto, será a partir do termo judicial que foi praticado que se reiniciará o curso
do prazo prescricional, e não do ato da parte. Quando o autor, intimado pessoalmente de
decisão, fica inerte pelo tempo prescricional, até o momento da sentença, se a sentença for
anterior ao fim do prazo, o processo é extinto sem resolução do mérito, por inércia do autor;
se é posterior ao fim do prazo, a extinção é com resolução do mérito, calcada na prescrição.
O pressuposto da prescrição é o binômio inércia e tempo, podendo a inércia ocorrer
antes de se provocar a jurisdição, não-exercício da pretensão, ou incidentalmente, pela
paralisação do processo, que é o abandono da pretensão pelo seu titular. A lógica é que, se
no curso do processo, se queda inerte, incidentalmente estará o autor abrindo mão de sua
pretensão – configurando a exceção da prescrição a favor do réu (REsp 670.299, 855.264, e
853.371, e apelação cível 2005.001.5228-2, TJ/RJ).
No artigo 40 da LEP, há previsão expressa da prescrição intercorrente, que será
também pronunciada de ofício.
Questão 2
Resposta à Questão 2
que se detinha. Decorrido o prazo decadencial, não pode mais o titular do direito
potestativo exercê-lo.
A prescrição é um instituto de direito privado, pois somente se impõe contra
os que sejam obrigados pelo direito subjetivo (o que ficou controvertido após a
prescrição de ofício, hoje prevista). A decadência, ao contrário, é instituto de direito
público, vez que não se limita a um obrigado direto pelo direito, mas sim ao próprio
titular, e só a ele: o exercício do direito potestativo depende somente de seu titular,
mas produz efeitos sobre todos os que estejam sob seu raio de afecção – por isso o
interesse na decadência é público.
c) A anuência a ser prestada no ato deve observar a mesma forma exigida para o
negócio principal, de acordo com o artigo 220 do CC:
“Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato,
provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio
instrumento.”
d) Anulável, por expressa menção legal no artigo 496 do CC, e porque pode
desinteressar aos herdeiros a impugnação do negócio.
e) Veja que há justo título, boa-fé e posse mansa, e, em tese, estando comprovados
os requisitos, esta posse é ad usucapionem, podendo haver a aquisição. Contudo, in
casu, simplesmente não correu o prazo aquisitivo, que é de cinco anos – não há
usucapião.
Repare que, entre pai e filho menor, há uma causa suspensiva ou impeditiva
do curso da prescrição, do artigo 197, II do CC, termo que se aplica à usucapião, na
forma do artigo 1.244 do CC. Assim, se for filho menor, não corre o prazo, mas esta
consideração não é relevante no caso.
Tema XIX
Prescrição e Decadência II: Prazos de prescrição no Código Civil. Contagem do prazo da prescrição
iniciada sob o império do Código de 16. Decadência. Conceito e diferenças em relação à prescrição quanto à
essência e eficácia.
Notas de Aula
- O prazo de prescrição admite renúncia, que pode ser expressa ou tácita, conforme
o artigo 191 do CC:
“Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo
feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a
renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a
prescrição.”
“Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte
a quem aproveita.”
- O prazo prescricional pode ser suspenso, interrompido ou obstado, nas hipóteses dos
artigos 197, 198 199 e 202 do CC; a decadência não se interrompe nem se suspende,
havendo duas exceções: o CDC, no artigo 26, § 2°, estabelece que a decadência se
interrompe em suas hipóteses:
E o CC, no artigo 208, que remete ao artigo 198, I, estabelece que a decadência não
corre contra o absolutamente incapaz:
“Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.”
“Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;
(...)”
Casos Concretos
Questão 1
Tércio ajuizou ação de execução de alugueres em face de Tício, tendo por objeto o
período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2001, quando ocorreu a desocupação do
imóvel. A ação foi ajuizada em 05 de janeiro de 2004. Citado, Tício interpôs exceção de
pré-executividade suscitando a prescrição da pretensão, ao argumento de que o prazo
prescricional em tela é de três anos, consoante o disposto no artigo 206, §3º, inciso I, do
CC. Você, como juiz, acolheria ou não a prescrição? Qual o fundamento?
Resposta à Questão 1
anos, sendo que o prazo prescricional, à época, era de cinco anos, consoante o artigo 178 do
antigo CC:
Como se passou menos da metade, o prazo que deve ser contado é o atualmente
previsto, mesmo reduzido (pois é de três anos), conforme impõe o artigo 2.028 do CC atual:
“Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e
se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do
tempo estabelecido na lei revogada.”
Ademais, o STJ já decidiu, e é posição pacífica, que o prazo novo deve ser contado
desde a entrada em vigor do CC de 2002, 11/1/2003, e não da data da ocorrência do fato
violador do direito subjetivo. In casu, o prazo termina em 11/1/2006. Como o ajuizamento
da execução foi antes da prescrição, o prazo se interrompeu, segundo o artigo 202, I, do
CC, e por isso a alegação de prescrição não deve ser acolhida.
Questão 2
Francisco da Silva efetuou, na Nacional Seguros S/A, o seguro do seu veículo que,
no mês seguinte, foi furtado em frente a sua residência e, tendo postulado o pagamento na
seguradora, não logrou êxito.
Dessa forma, promoveu ação ordinária em face da empresa, pleiteando a sua
condenação no valor correspondente ao preço de mercado do veículo, juros, sucumbência,
além de verba indenizatória correspondente ao aluguel de automóvel similar ao de sua
propriedade, desde o furto até o efetivo pagamento.
Em sua defesa, argüiu a seguradora preliminar prescricional, sob a alegação de ter
sido a ação proposta dois anos e meio após o termo inicial do prazo prescricional, não
sendo aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor. No mérito, aduz haver
descumprimento de condição contratual a ensejar a improcedência do pedido.
Decida a questão da prescrição, dando os fundamentos de fato e de direito
aplicáveis à espécie, analisando-os sob à égide do CDC e do novo Código Civil.
Resposta à Questão 2
“Artigo 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados
por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se
a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”
Questão 3
Tício foi atropelado em janeiro de 1990 por coletivo de Transportes Ômega Ltda.,
tendo ingressado com ação de indenização por perdas e danos em janeiro de 2004. Em
sede de contestação, suscitou a ré preliminar de mérito - prescrição - sob duplo
fundamento a) ação, tendo sido ajuizada na vigência do Novo Código Civil, obedeceria ao
disposto no artigo 206, §3º, inciso V, do CC; b) quando muito, aplicar-se-ia o prazo
estabelecido no artigo 27 da Lei nº 8078/90, estando irremediavelmente prescrito o direito
de ação. Decida a questão.
Resposta à Questão 3