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OS SALMOS NA DOUTRINA DO

CONHECIMENTO DE DEUS.
Uma análise dos usos dos salmos nas institutas a da prevalência
de seus comentários ao livro de salmos na construção da doutrina
do conhecimento de Deus e de nós mesmos.

por

Marcos Roberto Bugliani Ocanha

Trabalho apresentado em cumprimento aos


requerimentos da disciplina teologia pratica.
Professor Valdeci da Silva Santos do Centro
Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew
Jumper

São Paulo
Outubro de 2016
1. INTRODUÇÃO.

O coração e o pensamento teológico de Calvino estão presentes e nitidamente


expostos nos salmos. Isto é verificável pelos acurados e densos comentários feitos ao
livro, pela maneira dedicada e intensa como as expos dominicalmente em seu púlpito,
bem como pelos registros de seus versos como uma base solida e sustentadora para
construir e registrar de seu pensamento teológico como está nas Institutas da Religião
Cristã.
A ampla ignorancia a respeito da obra e da pessoa de Calvino associada a uma
notável unilateralidade na pesquisa concernente, foi a real calsadora de uma compreensão
distorcida do carater pastoral de Calvino, culminando numa imagem que o retrata como
o mais cruel de todos os reformadores. É preciso admitir-se que a imagem de Calvino
impunha admiração e respeito, no entanto, por si só não lhe assegurava o amor das
pessoas. Deste fato conclui-se que somente por meio de uma investigação acurada de suas
obras em especifico as concernentes ao livro de salmos, é que se pode conhece-lo melhor
e dirimir possiveis distorssões e corrigir sensuras a sua auteridade.
Os Salmos eram nas palavras de Calvino “uma anatomia de todos os sentimentos
da alma,” onde todas as emoções do coração do homem estão espelhadas. Por essa razão,
são estes instrumentos de interação e intervenção do Espirito Santo na alma deste ser
humano. De forma impressionante o livro de salmos se impõe sobre a vontade humana
moldando seu caráter. Tais considerações são ressaltados quando se observa o quanto o
livro de salmos se impôs e moldou o caráter e a espiritualidade de Calvino quando a este
foi exposto continuamente, vindo a se tornar o ponto de partida para a construção de sua
teologia de salmos, observada em seus comentários, sermões, e nas Institutas.
Os comentários sobre os salmos podem funcionar como um esboço sobre o qual
vários temas da teologia de Calvino abordados nas Institutas poderiam ser melhor
elaborados. Poder-se-ia mesmo afirmar que as institutas deveriam ser lidas a luz dos
comentários das Escrituras de Calvino e não de modo contrario. As intitutas devem ser
lidas à luz dos comentários e do pressuposto básico, de que formulações teológicas
positivas são tão prováveis de aparecer nos comentários como nas Institutas.
Pela perspectiva acima o tema do Conhecimento de Deus e do homem é tratado
de tal forma nos comentários de salmos aludidos neste topico das institutas que lança luz
sobre toda a teologia de Calvino, fazendo-nos considerar que não seja possivel uma clara
compreensão da pessoa e do pensamento teológico de Calvino sem que seja feita uma
correlação entre suas afirmações dogmaticas nas institutas e a teologia de salmos como
se encontrada nos comentários.
Essa pesquisa considerará a relação entre as afirmações teologicas da doutrina do
conhecimento de Deus e de nós mesmos como registrado nos capitulos I a IV da Institutas
da Religião Cristã e a teologia dos Salmos das referencias citadas por Calvino para
sustentar essa doutrina registrada em seus comentários ao livro.
2. O CARÁTER E OS HÁBITOS PESSOAIS DE CALVINO

Um sumário da visão geral de Lutéro sobre os salmos seria “Nos salmos ten-se
uma visão do coração dos fieis”. Não se poderia afirmar conclusivamente a mesma coisa
acerca dos corações dos teólogos. Contudo, observando-se intensidade com que Calvino
dedicou sua atenção a exposição dos Salmos pode-se concluir que seria injusto dizer isso
do grande reformador 1 . Dr. Herman J. Selderhuis; professor de História da Igreja na
Universidade Teológica Apeldoorn (Holanda) quanto a isso levanta a seguinte questão:
Seria possivel ver o coração de Calvino quando se lê seus comentários nos salmos?2 Esta
questão poderia ser um pouco mais aprofundadada. Seria possivel afirmar que Calvino
tinha coração? Nenhum outro reformador foi mais retratado como cruel do que Calvino;
o cruel tirano de Genebra.
Philip Schaff diz que Calvino tinha defeitos que estavam parcialmente à sombra
de suas virtudes. Ele era apaixonado, propenso à raiva, censura, impaciente contradição,
intolerante com romanistas e hereges, um tanto austero e sombrio, e não sem um traço de
vingança.
Calvino confessou numa carta a Bucer, e em seu leito de morte, que ele achou
difícil de domar "a fera da sua ira", e ele humildemente pediu perdão por sua fraqueza.
Ele agradeceu aos magistraddos por sua paciência com as muitas vezes que demonstrou
"veemência excessiva." Sua intolerância tinha origem na intensidade de suas convicções
e seu zelo pela verdade. Que infelizmente culminaram na tragédia de Servetos, que
deplorou e condenou, embora justificada pelas leis e a opinião pública na sua época.3
Certamente a imagem de Calvino foi propositadamente distorcida por seus
adversários, tal distorção foi simplesmente repetida por seus alunos que nunca leram
Calvino por si mesmos.4 Na verdade as imagens de um homem duro e sem coração foram
as imagens concebidas durante toda sua vida. Isto se deu, segundo pensa Dr. Herman J.
Selderhuis, pela ampla ignorancia a respeito da obra e da pessoa de Calvino e por causa
de uma notável unilateralidade na pesquisa sobre Calvino. 5 No que diz respeito a
ignorância, a evidência do caráter impiedoso de Calvino está localizado na parte que lhe
toca no caso contra Miguel Servetos. Afirma-se que Miguel Servetos foi queimado vivo
pelo reformador e que Calvino estabeleceu uma teocracia rigorosa em Genebra. Tudo isto

1
Herman J. Silderhuiz, Calvin's Theology of the Psalms, Baker Academic, Grand Rapids – MI. 2007 p.21
2
Ibid, p.21
3
Philip Scaff. Op. cit., v.8, p.38
4
Philip Schaff, history of the Christian Church p. 834
5
Ibid., id
deixa a nitida impressão que Calvino era alguém menos que humano. A respeito deste
assunto, Calvino, no prefácio da última edição das suas Institutas (1559), diz: " ...
Honestamente cônscio estou, e tenha os anjos por minhas testemunhas de que, desde
quando assumi o ofício docente na Igreja, nada me propus senão ser útil à Igreja,
ministrando o sincero ensino da piedade, contudo penso que ninguém há que de mais
calúnias seja atacado, mordido, lacerado".6 Certamente, essa é uma parte da historia de
Calvino que ainda não foi suficientemente desmitologisada.
Quanto à investigação unilateral, por muitos anos, a atenção especial foi dada
apenas a um livro; as Institutas, como se tudo de Calvino e cada faceta dele pudesse ser
encontrado nela. Do ponto de vista do Dr Silderhuiz, tal distorção é comparavel a um
turista que estima o valor de uma cidade por ter estudado o seu plano urbano. A critica
do Dr. Silderhuiz é amenizada pelo fato de que, os estudiosos da teologia de Calvino estão
devotando cada vez mais atenção aos sermões de Calvino, bem como as cartas e aos
comentários.7 Ainda assim, observa que o comentário sobre os Salmos de Calvino, ainda
não recebeu sua cota de atenção dos estudiosos, apesar de ser uma das obras bíblicas mais
freqüentemente traduzidas e amplamente publicadas de Calvino.
Deve-se admitir que esse tipo de carater, que impõe admiração e respeito, por si
só não garantia-lhe o carinho e amor das pessoas. Havia uma mania de censurar e
austeridade de Calvino e seu credo que repeliu muitos homens bons, mesmo entre os seus
contemporâneos. Calvino olhou mais para a santidade do que para o amor de Deus. Sua
piedade leva mais o carimbo do Antigo Testamento do que o do Novo. “Ele representa a
majestade e severidade da lei em vez da doçura e da beleza do Evangelho, a obediência
de um servo do Senhor, ao invés da alegria de uma criança de nosso Pai celestial.”8
qualificativamente, Calvino simpatizava-se com o espírito de Davi e Paulo, tanto quanto
com o espírito de Moisés e Elias, e teve o mais forte sentido da liberdade da salvação do

6
Institutas, p.43. Philip Schaff, entende que as palavras de Calvino neste prefácio dizem respeito Ele responde a essas calúnias em
uma carta a Christopher Piperin, 18 de outubro de 1555, a partir da qual ele cita o seguinte trecho (Opera, XV 825 sq.…) "Quando
ouço que estou em todos os lugares tão vilmente difamado, eu não tenho nervos de aço para não ser picado com a dor. Mas não serve
de consolo saber que você e muitos outros servos de Cristo e fiéis devotos de Deus se simpatizam comigo nas minhas lesões .... Por
que eu deveria preocupar as pessoas honestas com o meu zelo para vindicar a minha própria reputação? Será que existe uma maior
necessidade de que depois de ter implorado a sua indulgência, eu poossa colocar minha defesa diante deles. Mas as calúnias indecentes
com que os homens malignos pontilham me são muito infundadas e muito bobas para exigir qualquer trabalhou de refutação de minha
parte. Seus autores me taxam de imponente, e riem de mim, sendo demasiadmente e ansiosamente preocupado com minha pessoa.
Um exemplo dessas falsidades é aquela imensa soma de dinheiro que você menciona. Todo mundo sabe como frugalmente eu vivo
em minha própria casa. Todos veem que eu sou, sem qualquer preocupação com o valor de minhas roupas. É bem conhecido em todos
os lugares que o meu único irmão está longe de ser rico, e que o pouco que ele tem, ele adquiriu sem qualquer influência minha. Onde,
então, que tesouro escondido foi desenterrado? Mas eles dão abertamente que eu tenha roubado dos pobres. Bem, este custo também,
estes mais caluniosa de homens serão obrigados a confessar, foi falsamente levantado sem qualquer fundamento. Eu nunca tive a
manipulação de um centavo do dinheiro que as pessoas de caridade depositaram para os pobres. Opud, Philip Schaff, history of the
christian Church p. 838
7
Herman J. Silderhuiz, Calvin's Theology of the Psalms, Baker academic, Grand Rapids – MI. 2007 p.22
8
Philip Schaff, history of the Christian Church p. 835
evangelho.9 Além disso, por trás de seu semblante fechado, lá “batia um coração nobre,
amoroso e fiel, que atraiu e reteve a amizade de servos eminentes de Deus como Farel,
Viret, Beza, Bucer, Bullinger, Knox, e Melanchthon”10. Ele obteve o carinho devotado
dos melhores homens e a estima de todos, sem nunca tentar agradá-los." John Knox,
sentou-se a seus pés como um aluno humilde, e fez dele o maior homem depois dos
Apóstolos. Farel, na sua velhice, apressou-se a pé de Neuchatel a Genebra para despedir-
se de seu amigo doente, e desejava morrer em seu lugar. Beza, que viveu dezesseis anos
em termos de intimidade pessoal com ele, o venerava e amava como um pai. E mesmo
Melanchthon desejava descansar e morrer no seu seio. Sua correspondência mostra-o
familiarizado sob uma luz mais favorável, e é uma refutação suficiente de todas as
calúnias e difamações de seus inimigos.
Certamente, Calvino é um daqueles personagens que impõem respeito e
admiração ao invés de afeição, e impedem uma abordagem mais familiar, mas resulta em
ganhos em cima de um conhecimento mais estreitado. Quanto mais e melhor ele é
conhecido, mais ele é admirado e estimado. Levando-se em conta todos os seus defeitos,
ele deve ser considerado como um dos maiores e melhores homens a quem Deus levantou
na história do cristianismo.11

3. OS SALMOS E O CORAÇÃO DE CALVINO


Calvino escreveu que a bondade de Deus, bem como o incentivo para lhe
agradecer por sua benevolência nunca foram melhor expressos do que no livro de
Salmos. 12 Como dito anteriormente, para Calvino os Salmos eram “uma anatomia de
todos os sentimentos da alma,” onde segundo pensa Calvino todas as emoções do coração
do ser humano de que alguém tenha participado; alegria, raiva, tentações, estão ali
representadas como um espelho 13 Ele Calvino ainda os vê, os salmos, como um
instrumento das interações e intervenções do Espirito Santo na alma e na mente de seus
leitores. Em sua perspectiva “o Espírito Santo, aqui, extirpa da vida todas as tristezas, as
dores, os temores, as dúvidas, as expectativas, as preocupações, as perplexidades, enfim,
todas as emoções perturbadas com que a mente humana se agita.14 Calvino observa que

9
Ibid.
10
Ibid, p.35
11
Philip Schaff, history of the christian Church p. 834
12
Hermam J. Silderhuiz, Calvin's Theology of the Psalms, Baker Academis, Grand Rapids – MI. 2007 p.22
13
CALVINO, João. O livro dos salmos: vol. 1: salmos de 1 - 30. São Paulo: Paracletos, 1999 p.34
14
Ibid., 34
nos salmos os profetas põem em “descoberto todos os seus mais íntimos pensamentos e
afeições.” 15 Este exemplo, para Calvino, funciona como um elemento catalizador dos
salmos atraindo os leitores a uma auto reflexão com a finalidade de que nenhuma das
muitas debilidades a que estão sujeitos, e nenhum dos muitos vícios aos quais estão
atrelados, permaneça oculto.16 Calvino vê nesse processo de expurgo e purificação do
coração, tornando-o descoberto diante de Deus, uma vantagem única para o indivíduo de
ver-se livre da mais perniciosa das infecções, a hipocrisia!17
Calvino via os salmos como um guia para a genuína oração. A genuína e fervorosa
oração, diz ele, “provém antes de tudo, de um real senso de nossa necessidade, e, em
seguida, da fé nas promessas de Deus. ”18 Assim, através de uma atenta leitura dos salmos
os homens serão eficazmente despertados para a consciência de suas enfermidades, e, ao
mesmo tempo, instruídos a buscar o antídoto para sua cura.19 Sumariando esta forma de
pensar acerca dos salmos em relação a oração, Calvino diz tudo o que necessitamos como
encorajamento no processo de se buscar ao Senhor é ensinado no livro de salmos.20 Por
esta razão, como ele mesmo disse na dedicatória ao comentário do livro, não se
interromperia naquele momento para tratar de tópicos que seriam inevitavelmente
repetidos posteriormente, nem deteria seus leitores de prosseguirem em direção à própria
obra.21 Calvino julgou, no entanto, ser indispensável mostrar rapidamente que o livro de
Salmos faz do privilégio notório da oração, considerado por ele “desejável acima de todos
os demais,” pelo é franqueado o familiar acesso à presença de Deus, e também a
permissão e a concessão da liberdade ao homem de pôr a descoberto diante Deus aquelas
fraquezas que este homem teria vergonha de confessar diante dos demais homens.22
Ancorado a esse privilégio de acesso à presença de Deus pela oração, Calvino
substancia esse mesmo privilégio no contexto da adoração a Deus. Através dos salmos ,
diz ele, temos prescrito uma regra infalível que orienta sobre a maneira correta de oferecer
a Deus o sacrifício de louvor, o qual ele (Deus) declara ser a coisa mais preciosa aos seus
olhos e o mais agradável dos aromas. 23 Para Calvino não há outro livro onde as

15
Ibid, 34
16
Ibid,34
17
Ibid, id.
18
Ibid, p.35
19
Id. p.35
20
Id. p.35
21
Id. p.36
22
Id. p.36
23
Id. p.37
celebrações culticas de louvor e adoração a Deus sejam mais expressadas, seja a
liberalidade de Deus sem paralelo em favor de sua Igreja, seja de todas as suas obras.24
Neste mister Calvino enfatiza “não há outro livro em que somos mais perfeitamente
instruídos na correta maneira de louvar a Deus, ou em que somos mais poderosamente
estimulados à realização desse sacro exercício”25 do que o livro dos salmos.
Além disso, os salmos no entender de Calvino além de instruir o adorador através
de uma variedade de preceitos com o propósito de auxiliar na estruturação a vida e que
a mesma seja saturada de santidade, de piedade e de justiça, eles principalmente ensinam
na disciplina da obediência a vontade de Deus “levar a cruz”, por levar o adorador a
renunciar à liderança de suas próprias afeições e se submetemos inteiramente a Deus,
permitindo-lhe governar e dispor de sua vida segundo os desejo de sua vontade, de modo
que as aflições que são as mais amargas e mais severas à natureza humana se tornem
suaves, porquanto procedem dele.26
É impressionante ver um homem como Calvino, expondo como um livro como o
de salmos se impôs sobre a vontade humana moldando seu caráter. O que ocorreu a ele
justifica seu desejo de que o seu comentário no livro de salmos leve seus leitores a
entender que a diminuta medida de experiência que extraiu dos conflitos com os quais foi
exercitado pelo Senhor, o ajudaram não simplesmente em um grau ordinário, a aplicar ao
presente uso qualquer instrução que pudesse ser extraída dessas divinas comparações, e
em compreender mais facilmente o propósito de cada um dos escritores.27 Neste contexto,
o “levar a Cruz” ganha significado ao observar o coração macerado de Calvino na
comparação que faz de sua biografia com a de Davi. Que segundo ele o ajudaram a
compreender as queixas expressas por Davi, “das aflições íntimas que a Igreja teria que
suportar através daqueles que se dispuseram a ser seus membros, para que ele suportasse
as mesmas ou coisas similares por parte dos inimigos domésticos da Igreja”28
Visto, porém, que a condição de Davi era tal que, embora merecesse o bem por
parte de seu próprio povo, ele era, não obstante, amargamente odiado sem
causa por muitos, como ele mesmo se queixa no Salmo 69.4: “por isso tenho
que restituir o que não furtei” - o que me transmitia não pouca consolação, ao
ser injustamente atacado pelo ódio daqueles que deveriam me prestar
assistência e confortar-me, ao conformar-me ao exemplo de tão grande e tão
excelente personagem. Tal conhecimento e experiência me têm sido de grande

24
Id. p.37
25
Id, p.37,38
26
Id. P.38
27
Id. p.39
28
Id. p.37
valia, capacitando-me a entender os Salmos, de modo que, em minhas
meditações sobre eles, não perambulei, por assim dizer, por regiões ignotas.29

A partir de um ponto de vista político e eclesiástico, de um período de transição,


de intensa luta, trabalhando pacificamente na construção de uma vida eclesiástica
ordenada. Ele, Calvino expressou seu lema de vida em seu emblema pessoal: "Meu
coração eu vos dou, prontamente e com sinceridade". Certamene neste instante o
testemunho biografico de Davi como registrado nos salmos significativas sobre o coração
do reformador impulsionando-o na exposição dominical dos salmos por seis anos
initerruptos e na escrita de seu comentário dos salmos.

Ao ler os exemplos de sua fé, paciência, fervor, zelo e integridade, tal ato
arrancou de mim, inevitavelmente, incontáveis gemidos e suspiros, por ver que
estou mui longe de chegar-me a ele; não obstante, tendo sido de imenso
benefício poder eu olhar para ele como num espelho, tanto nos primórdios de
minha vocação como ao longo do curso de minha função, tanto que eu sei com
toda certeza que todos os inúmeros exemplos de sofrimento por que passou o
rei Davi me foram exibidos por Deus como um exemplo a ser imitado.30

Assim, temos uma rica fonte de conhecimento sobre a pessoa de Calvino, bem
como sobre sua espiritualidade em seu comentário sobre os Salmos, particularmente,
através de Davi, Calvino se faz conhecido para nós. A partir destes textos tipicamente
curtos é que Calvino fala primeiro e acima de tudo sobre o seu próprio coração. Apesar
de não se permitir ofuscar o proprio coração de Deus atraindo a atenção do leitor para o
seu proprio coração, a revelação do coração de Calvino neste comentário oferece um
retrato íntimo do reformador.
De fato muito se sabe sobre sua vida e obra, mas a pessoa por trás do reformador
é em grande parte desconhecida. Todavia, Calvino revela mais sobre si mesmo do que é
aparente à primeira vista. Precisamente sua afirmação de que ele não gosta de falar sobre
si mesmo mostra o caminho para estudar a biografia espiritual de Calvino.31
Possuidor de uma disposição um tanto rude e tímida, o que me levava sempre
a amar a solidão e o isolamento, passei, então, a buscar algum canto isolado
onde pudesse furtar-me da opinião pública; longe, porém, de poder realizar o
objetivo de meus sonhos, todos os meus retraimentos eram como que escolas
públicas. Em suma, enquanto meu único e grande objetivo era viver em
reclusão, sem ser conhecido, Deus me guiava através de crises e mudanças, de
modo a jamais me permitir descansar em lugar algum, até que, a despeito de
minha natural disposição, me transformasse em atenção pública.32

29
CALVINO, João. O livro dos salmos: vol. 1: salmos de 1 - 30. São Paulo: Paracletos, 1999 p.47
30
Id. p. 37
31
Hermam J. Silderhuiz 2007, 37
32
CALVINO, João. O livro dos salmos: vol. 1: salmos de 1 - 30. São Paulo: Paracletos, 1999 p.40
Em qualquer caso, a revelação do coração de Calvino no comentário de salmos
oferece um retrato íntimo do reformador. Não é de se admirar que se veja as experiencias
de vida de Calvino retratadas nos salmos. Tendo suportado tantas adversidades, oposições
e perdas, Calvin encontra nos salmos eventos comparáveis com sua própria experiência.
Porque Calvino vê essas experiencias a partir da perspectiva dos salmos, sua
interpretação, por vezes, reflete mais de sua própria experiência do que fatos históricos.
Tal interpretação implica um envolvimento subjetivo de Calvino na exposição dos textos
dos salmos. O interprete neste caso é mais do que alguém que simplesmente passa todo o
significado do texto. Portanto, ele não é o elo de união entre o texto e o leitor de sua
interpretação, mas envolvendo-se no contexto do texto, ele tenta passar o significado da
forma mais eficiente possível. Tal interpretação revela muito do expositor, assim quando
o leitor lucra com essa exposição, isso é devido a propria experiencia de Calvino, pois
esta é o ponto de partida de Calvino para a construção de sua teologia de salmos como
vista em seus comentários, em seus sermões, e nas “Institutas”.

4. CALVINO E SUA AFEIÇÃO PELOS SALMOS COMO DEMONSTRADO NAS


INTITUTAS E NOS COMENTÁRIOS AO LIVRO.

Os comentários sobre os salmos podem funcionar como um esboço sobre o qual


vários temas da teologia de Calvino abordados nas “Institutas" poderiam ser melhor
elaborados. Nesta perspectiva o tema do Conhecimento de Deus e do homem é tratado de
tal forma que ele lança luz sobre toda a teologia de Calvino.

4.1. O AFETO PELOS SALMOS


O juizo que se faz de que um comentário sobre um livro do Antigo Testamento dá
uma visão de que teologia de Calvino procede de seu entendimento sobre a unidade
pactual testamentária das Escrituras. Calvino sumaria o segundo livro das Institutas, em
que a Cristologia é particularmente tratada, com a seguinte epigrafe: “O conhecimento de
Deus o redentor em Cristo, conhecimento que foi revelado primeiramente aos pais sob a
lei, e depois também a nós no evangelho” de acordo com Calvino o Antigo e o Novo
Testamentos diferem em clareza e não na sua essência.
Desta compreensão afirma-se que seus comentários sobre o Antigo Testamento
sejam tão informativos sobre sua teologia como sua exegese do Novo Testamento.33

33
Silderhuiz, Herman J. op. cit. p.44 ·
Além disso, para Calvino o livro dos Salmos assume cada vez maior importância em seu
desenvolvimento teológico. Isto é facilmente observavel: Na primeira edição das
Institutas (1536) o Saltério é o livro bíblico menos citado, na última edição é citado mais
do que qualquer outro com a única exceção da epístola aos Romanos.34
Calvino considerava os Salmos como “Uma Anatomia de Todas as Partes da
Alma”. 35 A estima de Calvino pelo comentário de Salmos é tão considerável que ao
fundar a primeira de todas as igrejas reformadas francesas, em Estrasburgo, ele a dota de
uma liturgia e de uma coleção de salmos.36 Nas “Institutas” ele insistirá na utilidade do
canto denotando “pela literatura o costume de cantar na igreja, não só como evidência
muito antiga, mas também esteve em uso nos dias dos apóstolos, ” [...] Certamente que,
se por um lado o cântico se acomoda à gravidade que convém à vista de Deus e dos anjos,
se por outro concilia dignidade e graça aos atos sacros, é de muito valor para incitar os
ânimos ao verdadeiro zelo e ardor no ato de orar. Contudo, impõe-se diligentemente
guardar que os ouvidos não estejam mais atentos à melodia que a mente ao sentido
espiritual das palavras.37
Calvino entendia que “os salmos constituíam uma expressão muito apropriada da
fé reformada”, e que “tudo quanto nos serve de encorajamento, ao nos pormos a buscar a
Deus em oração, nos é ensinado neste livro. ”38 Desta forma, no Livro de Salmos tem-se
um guia seguro para a edificação da Igreja que pode cantá-lo sem correr o risco de proferir
heresias melodiosas. Para Calvino “não existe outro livro onde mais se expressem e
magnifiquem as celebrações divinas, seja da liberalidade de Deus sem paralelo em favor
de sua Igreja, seja de todas as suas obras. (...) Não há outro livro em que somos mais
perfeitamente instruídos na correta maneira de louvar a Deus, ou em que somos mais
poderosamente estimulados à realização desse sacro exercício. ”39

4.2. INSTITUTAS

34
Ibid. P.44
35
Ibid., p.33
36
Inst, v.II opud Calvino, na elaboração do que seria conhecido como Saltério Genebrino, traduziu alguns salmos [Sl 25,36,46,91 e
138], valendo-se efetivamente do talento do poeta francês Clément Marot (c. 1496-1544) – que conhecera em Ferrara em 1536 –, e
Théodore de Bèze (1519-1605) e, posteriormente recorreu ao precioso trabalho do compositor francês Loys Bourgeois (c.1510-c.
1560) – que adaptou as canções populares e antigos hinos latinos e, também, compôs outras músicas para a métrica dos salmos de
Marot – e Claude Goudimel (1510-1572), que morreu no massacre da noite de São Bartolomeu. O saltério iniciado por Calvino em
1539, dispunha de 19 salmos; sendo concluído por Bèze (c. 1562). Ele tornou-se “um dos livros mais importantes da reforma”, e um
protótipo dos hinários procedentes da Reforma, tendo um verdadeiro “dom de línguas”, sendo traduzido para o alemão, holandês,
italiano, espanhol, boêmio, polonês, latim, hebraico, malaio, tamis, inglês, etc., sendo usado por católicos, luteranos e outras
denominações.
37
Inst. III. 31,32. P.358,59
38
CALVINO, João. O Livro dos Salmos, Vol. 1, p. 34.
39
Ibid., p.35,36
A declaração de Calvino nas Institutas de que a Bíblia serve como as lentes que
um homem precisa para perceber a mão de Deus na criação é bem conhecido.
Exatamente como se dá com pessoas idosas, ou enfermas dos olhos, e tantos
quantos sofram de visão embaçada, se puseres diante delas mesmo um vistoso
volume, ainda que reconheçam ser algo escrito, contudo mal poderão ajuntar
duas palavras; ajudadas, porém, pela interposição de lentes, começarão a ler de
forma distinta. Assim a Escritura, coletando-nos na mente conhecimento de
Deus que de outra sorte seria confuso, dissipada a escuridão, nos mostra em
diáfana clareza o Deus verdadeiro.40

Da mesma forma deve ser mantido em mente que Calvino, ao comentar sobre os Salmos,
o faz sob a perspectiva das lentes de sua própria experiência.
Calvino escreveu e publicou o comentário sobre os Salmos perto do fim de sua
carreira (1557). Ele começou a pregar sobre os Salmos em 1552, e a escrever seu
comentário em 1553. Alguns anos antes, porém, foi que ele desenvolveu um grande
interesse nos Salmos, pois a partir de 1549 foi que ele pregou sobre os Salmos todo
domingo à tarde quase continuamente, terminando a série com o último Salmo em 1554.41
Mesmo depois muitas vezes ele pregou a partir deste livro nas tardes de domingo. Além
disso, durante esses anos, Calvino expôs os Salmos a cada semana nas congregações.
Consequentemente, uma vida inteira de estudos teológicos e discussão foi
integrado neste comentário. Porque os Salmos não possuem um peso igual ao de todo o
leque do espectro teológico, não seria de esperar encontrar material suficiente no
comentário que representasse toda a extensão da teologia de Calvino.42
O resultado do estudo do comentário sobre os Salmos é, como já foi mencionado,
que a teologia de Calvino não parece ser qualquer coisa exceto teo-logia,43 no sentido de
tratar e defender o caráter essencial do ser de Deus. Vendo que os Salmos em primeiro
lugar, trata a relação entre Deus e o homem, Calvino encontra nos Salmos estes elementos
centrais e essenciais para sua teologia. Na verdade, suas Institutas começam com a
declaração: “Quase toda a soma de nosso conhecimento, que de fato se deva julgar como
verdadeiro e sólido conhecimento, consta de duas partes: o conhecimento de Deus e o
conhecimento de nós mesmos.44 Neste sentido pode ser visto uma vital conexão entre o
conhecimento de Deus e o conhecimento do homem descrito no comentário sobre os
Salmos e nas Institutas. Neste sentido o comentário de Calvino sobre os Salmos é uma

40
Institutas V 1.6.1, p 77
41 T. H. L. Parker, Calvin's preaching; Westminster/J. Knox Press. 1992. p.150, opud Hermam J. Silderhuiz 2007, p. 24
42
Hermam J. Silderhuiz 2007, p.37
43
Ibid., p. 36
44
Institutas, p.45
elaboração prática dos suas Institutas. Tudo o que é sistematicamente definido nas
Institutas como doutrina bíblica adquire um caráter prático no comentário.45 Silderhuiz,
afirma que esse aspecto prático do comentário fica evidente quando Calvino aponta para
a questão do que este Deus sendo Deus significa realmente para o homem. Por um lado,
isso significa que a salvação do homem. Por causa de sua própria essência Deus é capaz
e opera a salvação por meio da justiça, guiando a história segundo o seu plano e
propósito,46garantindo a proteção da igreja no meio do caos. Por outro lado Deus também
faz com que o homem persevere na fé. Esta perseverança pode decorrer de aflição sobre
os próprios pecados que provocam a ira de Deus, a partir da incompreensibilidade e o
inescrutabilidade dos caminhos de Deus para o homem, ou da dificuldade da justiça
retributiva de Deus.

4.3. OS COMENTÁRIOS DE SALMOS


No comentário de salmos pode-se encontrar coração de Calvino o homem e o
coração de sua teologia.47 Assim como Calvino via os Salmos como um baú cheio com
todos os tipos de belos tesouros,48 pode-se também concluir que seu comentário sobre os
Salmos é um baú cheio com suas ideias, tanto em sua teologia como em sua biografia
espiritual.
A conplexidade e a vivacidade de Calvino é especialmente manifestada em seus
comentérios no livro de Salmos. A afeição de Calvino por este livro da Bíblia, é
claramente percebida em seus comentários e também pela sua aplicação nas “institutas”.
Os salmos tiveram, de forma pessoal, uma especial importância para Calvino. Ele
reconheceu muito de si mesmo em Davi, pois em tempos difíceis encontrava conforto e
força neste livro da Bíblia. Os Salmos era o único livro do Antigo Testamento a partir do
qual Calvino pregou aos domingos. Assim, os Salmos era a única exceção à sua prática
habitual de pregar a partir do Novo Testamento aos domingos enquanto o Antigo
Testamento foi reservado para a semana.
Nenhuma justiça seria feita à teologia dos Salmos de Calvino se ela fosse descrita
em vista de seus vários temas. Por exemplo, Calvino nunca falou sobre a igreja sem levar
em conta, o Senhor da igreja ou os membros da igreja. Calvino não falou sobre a criação

45
Hermam J. Silderhuiz, op. Cit. p. 38
46
Hermam J. Silderhuiz, op. Cit. p. 38
47
Id. 44
48
CALVINO, João. O Livro dos Salmos, Vol. 1, p. 32.
sem levar em consideração o próprio Criador ou aqueles que ele criou. Além disso,
Calvino não falou sobre a eleição aparte da discussão de Deus ou aparte da discussão do
crente. Em cada caso, a relação mútua entre Deus e o homem vem à tona repetidamente.
Calvino constantemente rejeita a ideia de um Deus estático. Em vez disso, Deus é
o Deus vivo, o Deus que faz história e que experimenta a história com o homem. Deus se
revela ao homem a partir da perspectiva de diferentes relacionamentos. Do mesmo modo
como um único e mesmo homem pode ser um empregado, um pai, um amigo, um colega
ou um vizinho de acordo com suas várias relações com cada pessoa, isto também se aplica
a Deus no que diz respeito às suas várias relações com o homem.49 Desta forma, a teologia
dos Salmos de Calvino é descrita para as diferentes relações de Deus com o homem. Por Commented [MRBO1]: Considerar como um subtítulo da
seção
esta perspectiva, em cada capítulo o ponto inicial é posto em Deus, e após o homem com
Commented [MRBo2R1]:
sua história é, inevitavelmente, a ocupação central da teologia de salmos de Calvino. Esta
percepção, é possivel ser observada no inicio das “Intitutas,” em que claramente Calvino
afirma que é impossível falar de Deus sem falar sobre o homem, assim como é impossível
falar sobre o homem sem se referir a Deus.
Quase toda a soma de nosso conhecimento, que de fato se deva julgar como
verdadeiro e sólido conhecimento, consta de duas partes: o conhecimento de
Deus e o conhecimento de nós mesmos. Como, porém, se entrelaçam com
muitos elos, não é fácil, entretanto, discernir qual deles precede ao outro, e ao
outro origina.50

A este respeito Calvino distingue, por uma questão de clareza, entre dois tipos de
nosso conhecimento de Deus: isto é, o conhecimento de Deus como Criador e de Deus
como Redentor.
...como conhecimento de Deus aquele em virtude do qual não apenas
concebemos que Deus existe, mas ainda apreendemos o que nos importa dele
conhecer, o que lhe é relevante à glória, enfim, o que é proveitoso saber a seu
respeito. [ ]... E aqui ainda não abordo essa modalidade de conhecimento pela
qual os homens, em si perdidos e malditos, apreendem a Deus como Redentor,
em Cristo, o Mediador.51 [ ] ..., Portanto, uma vez que o Senhor se mostra, em
primeiro lugar, tanto na estrutura do mundo, quanto no ensino geral da
Escritura, simplesmente como Criador, e então na face de Cristo [2Co 4.6]
como Redentor, daí emerge dele duplo conhecimento, de que se nos impõe
tratar agora do primeiro.52

No âmbito deste livro os títulos e arranjos dos capítulos não podem ser apreciados
em qualquer outra forma que não como uma ordo docendi, como um meio para leitura da
palavra de Deus como segue:

49
Ibid., 834
50
CALVINO, João. As Institutas: edição clássica. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. V.I, p.38
51
Ibid. p.41
52
Ibid., p.41
...preparar e instruir de tal modo os candidatos à sagrada teologia, para a leitura
da divina Palavra, que não só lhe tenham fácil acesso, mas ainda possam nesta
escalada avançar sem tropeços. Ora, estou ciente que a tal ponto abrangi, em
todas as suas partes, a suma da religião, e também em tal ordem a dispus, que,
se alguém a haja aprendido de forma correta, não será difícil ajuizá-lo não só
o que especialmente buscar na Escritura, mas ainda a que fim deva atribuir
tudo quanto nela se contém.53

Calvino quer fornecer aos estudantes de teologia um fácil acesso à leitura da


Sagrada Escritura, de modo que não será difícil para eles compreender a scopo para o
qual tudo na Escritura é dirigido. Esta instrução na doutrina cristã é em si mesma uma
hermenêutica, uma ajuda para a igreja afim de apreendem o significado das palavras que
nela estão escritas. Assim segue que quanto ao arranjo do conteúdo, Calvino tem em
mente que o projeto teológico das “Institutas” só terá êxito se todas as peças estiverem
em sintonia umas com as outras e discutidas em sua coerência mútua de forma que a
unidade interna das palavras bíblicas venham à luz. Como um teólogo biblico Calvino diz
reconhecer que forma das “Institutas da Religião Cristã” tão importante, porque a Palavra
pode ser ouvida quando ao conteúdo é dado forma no caminho certo.

Portanto, aplanado, por assim dizer, este caminho, se vier eu mais tarde a
publicar quaisquer exposições da Escritura, uma vez que não terei necessidade
de elaborar extensas discussões acerca de assuntos doutrinários e fazer longas
divagações em torno de lugares comuns, sempre com parcimônia as haverei de
condensar. 54

No proposito demonstrado pelo arranjo, nota-se o propósito de Calvino da


possibilidade de revisão do projeto mediante apreensão da verdade mediante a exposição
das Escrituras. Já em1539 quando da publicação da segunda edição das Institutas, revista
e atualizada e ampliada, Calvino denotou por meio de declaração, agora ampliada por
uma passagem, que ele insere na carta ao leitor em 1559, explicando a sua motivação para
isso
Por essa razão, aliviado será o leitor piedoso de grande aborrecimento e enfado,
se à Escritura se achega premunido do conhecimento da presente obra como
de um instrumento necessário. Uma vez, porém, o conteúdo deste tratado,
como em espelhos, em tantos comentários meus claramente se reflete, prefiro
declarar qual seja esse propósito mediante o próprio conteúdo, a proclamá-lo
em palavras.55

Isto quer significar que o trabalho de revisão das “Institutas” se seguiu de acordo
com a ordem pré-estabelecida de acordo com a ordem em que esta aparece nas escrituras
sendo ampliada mediante o trabalho exegérico e biblico teológico de calvino durante os

53
Institutas, op. Cit. P.35
54
Institutas, op. Cit., p.35
55
Ibid. p.36
vinte anos que se seguiram, até que ele pudesse apresentar o projeto em definitivo como
ele mesmo o qualifica: “Embora eu não me arrependa dos intensos esforços gastos, eu
nunca estive satisfeito até que o trabalho tivesse sido arranjado na ordem agora
estabelecida, que agora proponho para digeri-la. Agora que te dei tudo estou confiante de
que será aprovada."56
Portanto se pode depreender da importancia da exegese biblica aplicada nos
comentários para o desenvolvimento da teologia de Calvino nas “Institutas”. Poder-se-ia
mesmo afirmar que as institutas deveriam ser lidas a luz dos comentários das Escrituras
de Calvino e não de modo contrario, i.é, ler os comentários à luz das institutas. As intitutas
devem ser lidas à luz dos comentários e do pressuposto básico de Calvino, de que
formulações teológicas positivas são tão prováveis de aparecer nos comentários como nas
Institutas.

5. OS SALMOS E O CONHECIMENTO DE DEUS E DE SI MESMO.

Ao iniciar seu tratado doutrinario a respeito do conhecimento de Deus e de nós


mesmos Calvino assinala que a soma de todo conhecimento humano consta do
conhecimento de Deus e de nós mesmos.57 E que discernir qual destes precede o outro e
qual destes origina o outro é uma tarefa dificil. 58 Assim, Calvino argumenta afim de
esmiúçar este conceito. “Ninguem pode olhar para si mesmo sem voltar seu pensamento
a contemplação de Deus, pelo simples fato de que nossa existencia é de fato uma
subsistencia em Deus.”59 Esta condição de subsistencia em Deus compele o homem a
olhar para o alto com o propósito de rogar a Deus o que falta e aprender a humildade
mediante o despertar do temor do Senhor.60 Na consciencia de sua miséria, depravação e
corrupção, o homem pode reconhecer que em nenhum outro lugar, “senão no Senhor se
situa a verdadeira luz da sabedoria a sólida virtude, a plena abundância de tudo que é
bom, a pureza da justiça, e daí por seus próprios males instigados à consideração das

56
Proponho aqui uma tradução do texto das institutas em latim retirado do artigo: Ordo recte docendi postulat ... de F.H. Breukelman's
study of Calvin. P.7. “Etsi laboris tune impensi me non poenitebat: nunquam tarnen mihi satisfeci, donee in hunc ordinem qui nune
proponitur digestum fuit. Nune me dedisse eonfido quod vestro omnium iudicio probetur.” O texto da versão em português está como
segue “Se, porém, não deplorava o labor então despendido, contudo jamais me satisfiz até que ela veio a ser arranjada nesta ordem
que ora se propõe. Confio haver agora provido o que porventura aprove o julgamento de todos vós.”
57
Institutas, p.47
58
Ibid.,
59
Id,
60
Id,
excelências de Deus.” 61 Assim, sendo, pelo conhecimento de si mesmo o homem é
estimulado a buscar a Deus.
Se pelo conhecimento de si mesmo, do estado de ignorância, depravação e
corrupção a que fora lançado pelo primeiro homem é estimulado a buscar a Deus. De
outro lado deve estar ciente de que o “homem jamais chega ao puro conhecimento de si
mesmo até que haja antes contemplado a face de Deus”62, e a partir desta referência passe
a examinar-se a si mesmo. Todavia, em razão de uma visão distorcida de si mesmo, esse
homem se julga justo, e íntegro, e sábio, e santo, a menos que, em virtude de provas
evidentes, seja convencido de sua injustiça, indignidade, insipiência e depravação.
Calvino refletindo sobre este aspecto afirma que todo ser humano, por causa de
sua natureza está propenso à hipocrisia, por todo tempo que sua mente estiver confinada
aos limites da depravação humana, aquilo que é um pouco menos torpe a ele lhe sorri
como coisa da mais refinada pureza. 63 Nesse contexto, o convencimento de que tal
homem necessita só é possível se o homem refletir sobre si mesmo a partir do referencial
divino, “ponderar quem é ele, e quão completa a perfeição de sua justiça, sabedoria e
poder,”64 que segundo Calvino é “o único parâmetro pelo qual se deva aferir este juízo.”65
Conclui-se que o homem não é jamais tocado e afetado o suficiente pelo senso de sua
indignidade, senão depois de comparar-se com a majestade de Deus.

5.1. O HOMEM DIANTE DA MAJESTADE DE DEUS


Da constatação acima, de que o homem jamais será afetado suficientemente pelo
senso de sua indignidade a não ser comparando-se com a majestade de Deus. Dentre os
exemplos citados por Calvino, para fazer tal contundente afirmação observa-se os
seguintes textos: Jó 38.1–40.5, Gn 18.27, 1Rs 19.13, Sl 22.6. Entre estes, o ultimo citado
Salmo 22.6 é usado para denotar um homem que alcançou consternado o conhecimento
de tal indignidade comparando-se com a imagem de Deus, Salmo 22.6 é onde
encontramos mais claramente um homem assumindo essa realidade. Davi diz, “Mas eu
sou um verme, e não homem. ” Calvino observa aqui, que Davi não está murmurando
contra Deus por sentir-se tratado de forma não misericordiosa por Ele, mas sim, que ele
assume essa descrição de si mesmo com o intuito de “mais eficazmente induzir a Deus a

61
Id,
62
Id, p.48
63
Id, p.48
64
Id, p.48
65
Id. P.48
revelar-lhe misericórdia, que já não se considerava um ser humano. ” 66 Davi, está
declarando que sua condição era tão miserável, que ele lança mão da oração de
lamentação encorajado pela esperança de receber conforto. Tal esperança de conforto
repousa na certeza de que Deus “lhe estenderia a mão para salvá-lo”67deste estado de
aflição e desespero. Calvino conclui: “Portanto, sempre que nos sentirmos sucumbidos
sob o imenso peso das aflições, tiremos desse fato um argumento que nos encoraje a
esperar pelo livramento, em vez de nos precipitarmos no desespero. ” 68
Calvino propõe que tomando a provação sob a qual Davi foi colocado por Deus
sendo ele um servo tão eminente dele, a ponto de Davi não encontrar lugar entre os mais
desprezíveis dos homens. Aqueles homens que enfrentam as aflições de provação
semelhante, devem estes despertar suas lembranças com o exemplo do sofrimento
suportado pelo senhor Jesus (Is. 53.3), pois pelo fato de o Filho de Deus e ter suportado
ser reduzido tamanha homiliarão, “longe está de obscurecer, em algum aspecto, sua glória
celestial, ao contrário é como um espelho nítido do qual se nos reflete sua graça sem
paralelo. ”69
É possível verificar como nas conclusões de Calvino, de que a vida humana existe
em subsistência em Deus, e que tal conhecimento lhe serve de estimulo para buscar a
Deus, o quanto sua interpretação do salmo 22.6 serviu-lhe de conhecimento para a
construção deste tópico na doutrina do conhecimento de Deus. Calvino toma este
exemplo de Davi a fim de mostrar a realidade do estado de corrupção humana no
momento do manifesto público de sua necessidade de amparo na justiça e na graça divina,
como denotado no sofrimento morte e ressurreição de Jesus.
Ainda que se possa conhecer a si mesmo pelo conhecimento de Deus, Calvino de
forma realista afirma que este conhecimento é sufocado ou corrompido, pela ignorância
e pela depravação.70 Tal constatação se torna verificável pelo fato de que todos os seres
humanos se degeneram de seu verdadeiro conhecimento. Em consequência disto resulta
que no mundo não subsiste nenhuma piedade genuína.71
Para Calvino isto justifica dizer que os desventurados seres humanos não sobem
nada além de si mesmos, como seria esperado, antes o medem em conformidade com o

66
CALVINO, João. O Livro dos Salmos, Vol. 1, p. 480
67
Ibid. p.480
68
Id,
69
Id,
70
Institutas, p.57
71
Ibid.,
padrão de sua obtusidade carnal, e negligenciando a sólida investigação, movidos de
curiosidade, andam em volta de vãs especulações. Por isso não o apreendem como ele se
apresenta; ao contrário, o imaginam justamente como em sua temeridade o forjaram.72
Isto faz com que tudo o que fazem quanto a adoração a Deus, resulte em nada,
porquanto não estão adorando a Deus mesmo, mas, antes, em vez disso, adoram a fantasia
e sonho de seu coração como observado em Rm 1.22. Estes são cegos, porquanto, não
contentes com a sobriedade, fazem com que por si mesmos lhes sobrevenham trevas.

5.2. O CONHECIMENTO DE DEUS É SUFOCADO PELA IGNORÂNCIA, PELA


DEPRAVAÇÃO.
Neste contexto ao comentar o Sl 1.3 Calvino argumenta que em contraste a
condição de ignorância e obtusidade dos ímpios, os que temem a Deus são considerados
bem-aventurados; implicando isto, dizer que se encontram numa condição saudável.73

5.2.1. O homem bem-aventurado e os ímpios


Nas palavras do salmista há, segundo declara Calvino, um contraste implícito
entre o vigor de uma árvore plantada num local bem regado e a aparência decaída de outra
que, embora viceje por algum tempo, no entanto logo murcha em decorrência da aridez
do solo em que se acha plantada.74 Portanto, conclui Calvino, “é tão somente pela bênção
divina que alguém pode permanecer numa condição de prosperidade.”75 Em sua opinião,
uma interpretação correta deste verso expõe a intenção do autor em significar que os
filhos de Deus vicejam constantemente, e são sempre regados com as secretas influências
da graça divina, de modo que tudo quanto lhes suceda é proveitoso para sua salvação.
Enquanto que, os ímpios nada produzem que conduza a perfeição. Portanto a cegueira
espiritual e a consequente idolatria decorrente da incapacidade do ímpio de conhecer a
Deus trazem, sobre este, suas desventuras terrenas e eternas.

5.2.2. Desventurados; insensíveis e cegos.


Essa obtusidade leva os ímpios a pratica insolente e contumaz do pecado, fazendo
com que venha a repelir de si de forma furiosa toda lembrança de Deus. O que para tais,
lhes deve ser um tormento pois o senso da existência de Deus lhes é inato em seus íntimos.

72
Ibid.,
73
CALVINO, João. O Livro dos Salmos, Vol. 1, p. 480
74
Ibid., p.480
75
Id,
5.2.2.1. Desventurados
Tal constatação decorre de sua interpretação do que diz Davi nos salmos 14.1 e
53.1. Em seu texto nas institutas Calvino diz que a sandice dos ímpios, se torna mais
abominável, pelo fato de serem apresentados por Davi como que negando
terminantemente a existência de Deus. Estes não privam Deus de sua essência, mas o
despojam de seu juízo e providencia, e restringem sua atividade ao contexto geográfico
celestial. Por este comportamento, Deus entrega tais homens impunimente as suas
próprias imoralidades, visto que seu caráter profano, têm lançado destes todo o temor de
Deus e entregue tais homens à iniquidade, persuadidos de loucura, pois não há estupidez
mais brutal do que conscientemente ignorar a Deus.76
Calvino ao comentar a relação intima ente estes Salmos (14 e 53) nota que que os
acréscimos do Salmo 53.5 ao mesmo verso no salmo 14 sugere a dedução de que o castigo
divino viria subitamente sobre estes perversos, quando estes não estivessem pensando
nele; pois a “ali estando apavorados de pavor” é acrescentado: “onde nenhum temor
existe, ou: onde nenhum temor existia”. Calvino vê aqui que eles mesmos se tornam seus
próprios atormentadores e se agitavam com ansiedade mental mesmo quando não havia
razão externa para isso. Para ele o profeta, encoraja e nutre os fiéis com a prospectiva de
que os ímpios, quando acreditam estar livres de todo perigo, e se veem seguros celebrando
seus próprios triunfos, eles se sucumbirão por repentina destruição. Com isto, a seu ver,
o profeta demonstra como Deus protege os justos, livrando-os da morte, expulsando os
sitiadores da cidade, e pondo em liberdade seus habitantes. Neste caso, os justos devem,
argumenta Calvino, suportar a opressão, se quiserem ser protegidos e preservados pela
mão de Deus, ao tempo em que enfrentam os mais graves perigos.77 Os justos devem
então descansar nesta certeza de que um grande juízo é posto sobre as cabeças dos
perversos. Isto pelo fato de que Deus rejeitou os perversos e se opõe a eles
consequentemente todas as coisas lhes irão mal. Tornando-os desprezíveis; sujeitos a
desgraça, desonra, infâmia enquanto lutavam para engrandecer-se, por assim dizer, a
despeito de Deus.78
No comentário do Salmo 14.1 uma nota do editor chama atenção para o fato de
que há uma especulação quanto a tradução de Calvino da expressão “tem corrompido”.

76
CALVINO, João. O Livro dos Salmos, Vol. 1, p 270
77
Ibid, p. 284
78
Ibid, p. 284
Calvino faz aqui uma tradução literal do texto hebraico querendo significar que ele, o
néscio, tem subvertido toda a ordem, de tal modo que não mais se faça distinção alguma
entre o certo e o errado, e não têm consideração alguma pela honestidade, e nem sente
amor pela humanidade.79
Calvino entende que se deve seguir a interpretação do apóstolo Paulo que aplica
este salmo endereçando-o ao povo que estava sob o regime da lei (Rm 3.19). Porém,
mesmo que se não tivesse esse apontamento por parte do apóstolo, Calvino constata que
a estrutura do salmo revela nitidamente que Davi tinha em vista os tiranos e inimigos
domésticos dos fiéis, e não os estrangeiros. Ele observa que a prevalência da perversidade,
a semelhança do que ocorre no contexto da igreja, possivelmente uma referência ao seu
próprio contexto histórico, algo que ele qualifica como “uma tentação excessivamente
dolorosa”80 em que os bons e humildes são afligidos injustamente enquanto os perversos
dominam de acordo com suas aspirações malignas. Fato este desencorajador, levando a
necessidade de alento do exemplo dravídico, de que em meio as aflições que se vê no
contexto da igreja é possível sentir-se consolado com a certeza de que Deus a libertará de
todas elas.
Calvino tem convicção de que este salmo descreve o estado desordenado e
desolado de Judá introduzido por Saul quando começou sua devastação. Quanto a esta
certeza afirma “Então, como se a lembrança de Deus houvera sido extinta das mentes dos
homens, toda a piedade desvanecida, e com respeito à integridade ou retidão entre os
homens, havia apenas um resquício dela associada à piedade. ”81 Neste caso, a falta de
reconhecimento de Deus como Deus, leva a idolatria, e a idolatria os leva a punição pela
idolatria de seus próprios desejos, provocando uma mudança no seu comportamento e o
aprofundamento do estado de reprovação, rebelião e bestialidade.
No entender de Calvino segue-se que, quando os ímpios se permitem seguir suas
próprias inclinações, de forma tão obstinada e audaciosa como são aqui descritos, sem
qualquer senso de pudor, é uma evidência de que já lançaram de si todo e qualquer temor
de Deus. Portanto, como ele próprio o faz nas institutas, Davi estava correto ao declarar
que “aqueles que se entregam à liberdade para cometerem todas as modalidades de

79
Ibid, p.273
80
Ibid. p.270
81
Ibid. p.271
perversidade, na ilusória esperança de escaparem impunemente, estão a negar em seu
coração que Deus de fato existe. ”82

5.2.2.2. Insensíveis; cheios de si mesmos.


Quanto a esta punição de Deus aos ímpios observa-se também, no entendimento
de Calvino, que estes não só são entregues por Deus a satisfação de seus desejos e
concupiscências; a idolatria de seus próprios corações e assim se negam ao conhecimento
de Deus como também são deliberadamente impedidos por Deus de alcançarem tal
conhecimento. Deus, diz Calvino, “cobre-lhes de gordura o coração, de sorte que os
ímpios, depois de fecharem os olhos, vendo, não veem. ” 83 Sustenta esta posição de
Calvino entre outros os textos do salmo 17.10. A ARA 84 traduz assim este verso
“ Insensíveis, cerram o coração, falam com lábios insolentes; | 85 esta tradução difere
muito da sugerida por Calvino em seu comentário “eles se encerram em sua própria
gordura”. Uma tradução literal para este verso poderia ser “A gordura deles os fechou, a
boca deles, falavam com arrogância. ” Calvino entende que a palavra “gordura” denota o
“orgulho” com que viviam recheados e intumescidos, de tanta obesidade.86 Segundo ele
o termo é aplicado de forma metafórica bastante apropriada e expressiva, representando
seus corações empanturrados de orgulho, espelhando as pessoas corpulentas são afetadas
pela gordura em seu interior. Tais pessoas tornam-se não receptivas, e mesmo insensíveis,
tão cheias de si mesmas que são incapazes de receber algo que não seja resultante de si
mesmas.
Calvino expressa que Davi estava se queixando de que eram intumescidos por sua
saúde e seus prazeres, e consequentemente, os ímpios, quanto mais luxuriosamente se
veem empanzinados, mais se conduzem ultrajante e soberbamente.87 Se cercam os ímpios
de arrogância e presunção, e se fazerem completamente estranhos a todo senso de
humanidade. 88 Calvino entende que o salmista declara que isso é abundantemente
manifesto na linguagem dos ímpios. Sumariza Calvino dizendo que a intenção do salmista
é declarar que, interiormente, os ímpios, se empanturram de orgulho, e nem mesmo se
preocupam em ocultá-lo, claramente evidenciado à luz das palavras com que se

82
Ibid, p.74
83
CALVINO, João. O Livro dos Salmos, Vol. 1, p 284
84
Almeida Revista e Atualizada. (1993). (Sl 17.10). Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil.
85
Ibid.
86
Op. Cit. O livro de Salmos v.1 p. 285
87
Ibid.,
88
Id,
extravasam falando soberbamente com suas bocas amplamente abertas, cheias de
escárnio e desdém, a qual testifica da soberba que neles habita.

5.2.2.3. Cegos; sem temor do Senhor diante dos olhos


A partir de outro texto dos salmos citado nas institutas Calvino diz que Davi é o
melhor interprete de sua afirmação de que a impiedade a que os ímpios foram entregues
por Deus lhes torna cegos para o conhecimento de Deus. Calvino vê nas palavras de Davi
em Salmo 36.1, onde diz que “não há temor de Deus diante dos olhos dos seus olhos; e,
de igual modo, no salmo 10.11 “Deus, ... virou o rosto e não verá isto nunca. ”
Orgulhosamente se aplaudem em seus desmandos.89 Persuadindo-se os ímpios de que
Deus não os vê.
Em seu comentário sobre estes textos, Calvino sugere que Davi demonstra que a
impiedade presente no coração do perverso sugestiona suas ações, convencendo-o do
excesso de sua loucura, e o estimula a desvencilhar-se de todo o temor de Deus, e se
entregar à prática do pecado.90 Com isto entende o reformador que, quando os perversos
não são restringidos pelo temor de Deus de praticar o pecado, isso procede daquele
“secreto discurso que fazem a si próprios, cujo entendimento se revela tão depravado e
cego que, como bestas brutas, correm ao encontro de todo excesso de devassidão”.91
Portanto, no entender de Calvino o temor do Senhor funciona como uma formula
reguladora do comportamento na vida de todo ser humano. Desta forma, considerando
como ele mesmo afirma, que olhos são os guias e condutores do homem nesta vida, e por
sua influência os demais sentidos também são afetados.92 Afirmar que os homens têm o
temor de Deus diante de seus olhos significa dizer que ele regula suas vidas e lhes serve
de freio para restringir seus apetites e paixões.93 Assim, entende Calvino, que Davi, ao se
expressar negativamente quanto a presença do temor do Senhor diante dos olhos do
ímpio, indica que estes correm em direção a todo gênero de licencioso excesso, sem a
mínima consideração por Deus, porquanto a depravação de seus próprios corações os tem
feito completamente cegos.94

89
Institutas, p.58
90
CALVINO, João. O Livro dos Salmos, Vol. 1, p 285
91
Ibid, p.85
92
Id.,
93
Id.,
94
Id.,
Este entendimento aferido em seu comentário influencia o reformador nas
ponderações deste tópico nas institutas quando afirma que embora sejam os ímpios
compelidos a reconhecer um Deus, contudo esvaziam-no de sua glória, tentando privá-lo
de seu poder, ao fazerem para si ídolos inertes e inúteis.95 Assim, o que de fato afirmam
é uma negação de Deus. E por mais que lutem contra seus próprios sentimentos, realmente
almejam não só alijarem-se de Deus, como também o destronar de sua autoridade. E, uma
vez que não se deixam dominar por nenhum temor, se arremetem violentamente contra
Deus, cegados de furor e de irracionalidade.

5.3. IDOLATRIA

A superstição e a falta de temor de Deus no ser humano o conduz a


desconsideração de quanto à natureza da religião verdadeira. Pois pensam que basta
apenas somente alimentar um certo zelo, seja qual for sua natureza da religião por mais
falsa que possa ser. 96 Calvino diz que tais indivíduos “não levam em conta, que a
verdadeira religião deve ser conformada ao juízo de Deus como a uma norma perpétua e
não a juízo do ser humano. Pois enquanto Deus é imutável em seu ser que Deus, não
estando sujeito a conformações e mudanças sob a vontade humana mutável.
Obviamente que pela sua superstição e cegueira espiritual esse homem só se
subjugará àquilo que ele pode manipular ao sabor de sua própria vontade mutável. Assim,
se apegará quase que exclusivamente ás coisas que Deus testifica como não sendo de seu
interesse, incorrendo em zombaria, desdenhando de Deus. E àquelas que são do agrado
de Deus esse homem adotará um comportamento dissimulado.
Tais indivíduos cultuam seus próprios delírios, e adoram seus ritos inventados, diz
Calvino.97 Portanto, assim fazendo manifestam sua ignorância e cegueira espiritual pois
se assim não fosse seria uma forma de escarnio deliberado ao ser de Deus, passível de
juízo. E também, assim fazendo denotam, como afirma Calvino, que já anteriormente
haviam “moldado um Deus congruente com os absurdos de suas ridicularias. ”98
Neste ponto, é importante observar que não importa a quantidade de ídolos
concebidos por tais indivíduos visto que estão sempre incorrendo em algum tipo de

95
Id.,
96
Id, p.59
97
Id., p.53
98
Id.,
superstição, apostasia e idolatria. Tais indivíduos, por tal ignorância e depravação
carecem da ação graciosa e libertadora de Deus.

5.4. HIPOCRISIA
Os ímpios, portanto, jamais darão a Deus o devido reconhecimento a não ser que
sejam constrangidos e jamais buscarão a não ser que a despeito de sua resistência sejam
arrastados.99 E ainda, se impregnam de espontâneo temor decorrente da “reverencia a
divina majestade.”100 Se enchem apenas de um “temor servil e forçado que lhes arranca
o juízo de Deus, do qual sentem pavor, chegando a abominá-lo”.101 Essas afirmações de
Calvino são decorrentes de sua análise dos salmos 17.10ss e 36.1ss. Como já especificado
acima denota que o ímpio é incapaz de realizar e iniciar voluntariamente qualquer ação
em direção ao conhecimento de Deus devido seu estado de corrupção pelo pecado.
Cabe observar que toda ação humana que considere seu relacionamento com Deus
tem iniciativa em Deus. Seja constrangendo o ímpio a considera-lo, seja arrastando o
homem a sua presença para se dar a conhecer a eles, seja impondo a estes o temor que
voluntariamente não se prestam a ter. Tal condição, da imprescindibilidade do juízo de
Deus sobre os ímpios faz com que estes reajam de forma acirrada contra Deus,
demostrando uma sujeição falaciosa a majestade Divina e o exercício de uma aparente
religião. Tais praticas não são suficientes para conter seus verdadeiros desígnios fazendo-
os incorrer pelo acumulo de suas práticas pagãs viciadas na violação da lei do senhor
deleitando-se em seus vícios pecaminosos.
“Quanto a piedade difere desse confuso conhecimento de Deus”102 diz Calvino.
Contudo, “os hipócritas”... “insinuam que estão perto de Deus”.103porém, o que realmente
estão fazendo é fugir de sua presença, claramente demonstrando sua rebelião preferindo
sacrifícios réprobos risíveis de atos expiatórios a obediência diligente, santidade de vida
e integridade de coração.
Esse comportamento hipócrita do ímpio denota que não se pode erradicar
totalmente o senso gravado no coração humanos de que há uma Divindade. Mas que pela
corrupção este senso produz os piores resultados. Isto se evidencia pelo fato de que a
necessidade da divindade arranca a confissão de sua existência dos próprios réprobos.

99
Id., p.53
100
Id., p.53
101
Id.,
102
Id., 54
103
Id.,
Nisto se considera a hipocrisia que se averigua no ser humano em relação a Deus, ao
observar-se que diante de situações tranquilas escarnecem de Deus, porém, se lhes aperta
o desespero são estimulados a buscar a Deus por meio de preces superficiais,
desvendando que não são ignorantes de em seu conhecimento do ser Deus.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto mais e melhor se conhece as obras de Calvino tanto mais e melhor se
conhece o homem Calvino. É nítido e patente aos olhos dos leitores de Calvino ver que
ao tempo que expunha as Escrituras, em específico os salmos, Calvino também revelava
aspectos fundamentais de seu caráter. Os salmos lhe serviram como espelho da alma
como ele mesmo os definiu para seus leitores tanto de seus comentários quanto das
institutas.
Calvino durante a exposição de Salmos se identificou plenamente com Davi e fez
deste um tipo, sob o qual comparou biograficamente e o vivenciou em sua própria
filosofia de ministério. Impressiona ver Calvino descrevendo o valor e a poder dos salmos
de se impor sobre a vontade humana e moldar seu caráter. O estimulo a pratica da piedade;
arrependimento, confissão de pecados, oração, e adoração, denotaram a ele como uma
diminuta experiência com estes exercícios espirituais ajudam a aplicar ao presente uso
qualquer instrução que pudesse ser extraída dessas divinas comparações, e em
compreender mais facilmente o propósito de cada um dos escritores. Assim, Calvino se
faz conhecido para seus leitores em suas obras, principalmente as que evolvem a
exposição de salmos onde se tem uma rica fonte de conhecimento sobre a pessoa do
reformador.
Assim, considerando-se a unidade pactual das Escrituras subscritada por Calvino
afirma-se que se é possivel se constatar que um comentário sobre um livro do Antigo
Testamento dá uma visão de que teologia de Calvino procede de seu entendimento sobre
tal unidade pactual e testamentária das Escrituras. Certamente, seus comentários sobre o
Antigo Testamento são tão informativos de sua teologia como sua exegese do Novo
Testamento. Neste contexto “os salmos constituíam uma expressão muito apropriada da
fé reformada”, e tudo o que serve de encorajamento, para que os homens se ponham a
buscar a Deus em oração, é ensinado neste livro. Desta forma, no Livro de Salmos tem-
se um guia seguro para a edificação da Igreja.
A conexão entre o comentário dos Salmos e as institutas pode ser observada numa
vital conexão entre o conhecimento de Deus e o conhecimento do homem que ambos
descrevem. Neste sentido conclui-se que o comentário de Calvino sobre os Salmos é uma
elaboração prática das suas Institutas. Em que tudo o que é sistematicamente definido nas
Institutas como doutrina bíblica adquire um caráter prático no comentário de Salmos.
Consequentemente, é notória a afeição de Calvino por este livro da Bíblia, claramente e
vividamente evidenciada em seus comentários e também pela sua aplicação nas Institutas.
Conclui-se que as Institutas devem ser lidas à luz dos comentários e do pressuposto básico
de Calvino, de que formulações teológicas positivas são tão prováveis de aparecer nos
comentários como nas Institutas.
Para espressar esta constatação verifica-se a construção das formulações
teológicas acerca do conhecimento de Deus e de nós mesmos compreendida nas institutas
mediante o trabalho interpretativo de Calvino nos Salmos. A conclusão a que chega de
que o homem jamais será afetado suficientemente pelo senso de sua indignidade a não
ser comparando-se com a majestade de Deus, é extraído dentre outros textos citados da
experiência do salmista como manifesta em Salmo 22.6 em que descreve o homem que
alcançou consternado o conhecimento de tal indignidade comparando-se com a imagem
de Deus. Nas conclusões de Calvino, sua interpretação do salmo 22.6 serviu-lhe de
conhecimento para a construção deste tópico na doutrina do conhecimento de Deus. As
declarações de Davi serviram-lhe como uma demonstração da realidade do estado de
corrupção humana no momento do manifesto público de sua necessidade de amparo na
justiça e na graça divina, como denotado no sofrimento morte e ressurreição de Jesus.
Nas formulações teológicas conseguintes em que propõe que o conhecimento de
Deus é obliterado pela ignorância e depravação ele estabelece seu ponto inicial a partir
do capitulo de abertura do livro de salmos em que estabelece o foco temático de todo o
saltério; o bem-aventurado e os ímpios sob a ação soberana de Deus. Neste contexto
utilizando-se do Sl 1.3 Calvino argumenta que em contraste a condição de ignorância e
obtusidade dos ímpios, os que temem a Deus são considerados bem-aventurados.
No desenvolvimento da argumentação estabelece o estado de indignidade o ser
humano e sua carência de uma intervenção divina para que esse quadro de ignorância e
depravação lhe sejam retirados e possa ser elevado a uma condição de relacionamento
que lhe reestabeleça a condição de dignidade mediante a restauração da imagem de Deus.
O que lhe confere a condição necessária para o louvor a Deus como se observa nos
capítulos finais do saltério.
BIBLIOGRAFIA
SELDERHUIS, H. J. Calvin's theology of the Psalms. Grand Rapids: Baker
Academic, 2007. 304 p. (Texts and studies in reformation and post-reformation thought )
ISBN 0801031664
CALVINO, João. As Institutas: edição clássica. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã,
2006. 4 v. ISBN 8576220814
CALVINO, João. O livro dos salmos: vol. 1: salmos de 1 - 30. São Paulo:
Paracletos, 1999. 639 p.
CALVINO, João. O livro dos salmos: vol. 2: salmos de 31 - 68. São Paulo:
Paracletos, 1999. 679 p.
SCHAFF, P., & Schaff, D. S. History of the Christian church (Vol. 8, p. ii). New
York: Charles Scribner’s Sons. (1910)
SCHAFF, Philip. History of the Christian church. Grand Rapids: W. B.
Eerdmans, 1985-1986. 6 v.

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