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Filosofia da Ciência e Informação

http://revistaursula.com.br/blog/2018/04/03/o-que-filosofia-da-ciencia-pode-nos-ensinar-sobre-os-
problemas-da-informacao/

Relações possíveis

A pedido de um amigo me incumbi da missão de elaborar um texto relacionando a minha área de estudos
com um tema proposto para dar inicio a um debate sobre ele. A questão trabalhada seria os problemas da
informação nos nossos modelos de mídia e comunicações, e a minha área de especialização é a filosofia
da ciência. Não sei se a tarefa devia ser fácil ou difícil, mas é uma relação que eu pessoalmente nunca
tinha feito. Depois de refletir no assunto me coube aqui levantar quais são as contribuições que a tradição
da filosofia da ciência podem nos trazer para pensar os problemas da informação atual, as bolhas de
opiniões, as fake news, e a polarização social decorrente desses conflitos de informação.

A primeira observação que cabe fazer é que caberia no assunto levantar inspirações e influências, não
um estudo com uma aplicação direta e apropriada. A filosofia da ciência é um ramo específico da filosofia
que se propõe a fazer um discurso sobre a ciência, seja para elaborar críticas à metodologia científica e
ao discurso científico contemporâneo, seja para defender o projeto científico e elaborar mais bases
sólidas para esse discurso. Em todo caso é uma área da filosofia bem direcionada, e a primeira vista seria
um equívoco aplicar sem ressalvas as suas considerações a outros objetos que não o objeto que ela se
destina. E cabe então pensar aqui quais são as relações possíveis e porque seria uma aplicação
adequada.

Filosofia da ciência é um ramo de uma área maior da filosofia que chamamos de Epistemologia. Este
seria o estudo do conhecimento, seu funcionamento e suas possibilidades. Em nosso tempo,
provavelmente porque a ciência passou a ter grande destaque na nossa sociedade e se mostrar como a
forma de conhecimento com maior sucesso e maior prestígio, o ramo da epistemologia que se debruçou
sobre a ciência passou a crescer muito e a dominar o discurso da área (gerando até críticas da parte de
filósofos de que a epistemologia mais geral estaria sendo esquecida em favor dessa filosofia da ciência).
Por outro lado cabe dentro de uma epistemologia mais geral tratar sobre o assunto da informação e suas
problemáticas, já que são relações de conhecimento e de tipos específicos de conhecimento e de
relações que se convencionou tratar por “informação”. De fato, está se desenvolvendo um ramo da
filosofia chamado Filosofia da Informação, e eu não penso que seria nem um pouco polêmico categorizar
ele como um ramo da Epistemologia, tanto quanto a Filosofia da Ciência.
Porém de minha parte eu não tenho leitura o suficiente sobre esse ramo relativamente novo para me
arriscar a tratar dele com segurança, e por isso me atenho a minha área. Deixo para os amigos que
possuem mais leitura nesse ramo me complementarem e apontarem contribuições.

Lendo por cima, porém, alguma coisa sobre o tema me surpreendeu (ou nem tanto) que em alguns
artigos os autores se referem eles mesmos a bases de filosofia da ciência. E na verdade esse tipo de
procedimento não é pouco comum. Acontece que a filosofia da ciência em seu percurso sempre
aparentou como um ramo que direcionava um enfoque sobre a ciência, mas com pretensões de ser um
pouco mais. Esse discurso apareceu principalmente como um discurso que se debruçava sobre as ditas
ciências naturais para avaliar seus avanços e a segurança de seu conhecimento. Em específico boa parte
de uma primeira leva da filosofia da ciência parecia tecer avaliações sobre a Física e áreas próximas a
ela, sendo que isso se tornou até uma crítica recorrente na área, de que nosso ramo se dedicava muito a
física e ignorava as particularidades de outras áreas científicas. Isso não foi, no entanto, arbitrário. A física
se mostrou repetidamente uma área bastante sólida e causando forte impressão com sua ciência.
Duhem, eu seus textos muito pertinentes de filosofia da ciência, fazia antes de tudo um discurso sobre a
física (ele mesmo era um físico), mas não sem deixar escapar pretensões maiores, de que a física
matemática sendo a ciência mais aperfeiçoada e precisa era um modelo para as outras ciências (1),
esperando que esse modelo fosse seguido. Popper foi pessoalmente muito tocado pelo poderio teórico da
física no acontecimento histórico em que a teoria física de Einstein previa um fenômeno ainda não
observado anteriormente, e que foi confirmado no eclipse de 1929. Era muito poderoso um modelo de
conhecimento que tinha o que chamamos de “poder preditivo”, de tal forma conseguia apreender a
realidade (ao menos num discurso de realismo científico como o de Popper) que conseguiu prever dados
empíricos antes que eles ocorressem. Einstein previu que a gravidade de um objeto muito massivo
poderia curvar a trajetória da luz (que se supunha ser sempre reta) e no eclipse foi possível tirar fotos das
estrelas por trás do sol, cuja luz passava próxima a ele, e observar que suas posições estavam realmente
erradas, ou seja, a luz curvou sua trajetória ao se aproximar do Sol e chegou na câmera num ponto
diferente do que normalmente chegava no céu noturno (2).

O poder da física chocava, e hoje mais ainda o poder das ciências em geral, em especial os
desenvolvimentos biológicos e suas capacidades de intervenção tecnológica. Entretanto uma filosofia que
se detém na tarefa de abordar esses diferentes campos científicos acaba esbarrando em suas
particularidades, e antes de se unificar num discurso só sobre o conhecimento ela se fragmenta em
Filosofia da Física, Filosofia da Biologia, Filosofia da Química e mesmo Filosofia da Medicina, etc.

Ainda assim é recorrente que discursos inicialmente direcionados para as ciências específicas como o
discurso sobre a física do Duhem, ou o discurso sobre as ciências mais experimentais como o do Popper
(e ele tinha critérios bastante rígidos para determinar o que era ciência ou não, com seu conceito de
falseabilidade) (3) foram muitas vezes tomados como influência e generalizados como ferramentas para
ajudar a pensar outras formas de ciências, como as ciências humanas, ou mesmo conhecimento no geral.
Nesse espírito, reconhecendo o poderio do conhecimento científico e sua influência em outras formas de
conhecimento que eu levanto a seguir que tipo de ajuda para se pensar os problemas da informação esse
instrumental teórico pode nos fornecer.

Metodologia

Um problema recorrente promovido pela rapidez e multiplicidade das mídias atuais é a quantidade
massiva de informação e a perda da confiabilidade, a dificuldade do leigo, do usuário comum de ter
critérios para avaliar a veracidade da informação. Isso cria as famosas fake News, e ambientes de
polarização em que grupos escolhem por critérios inadequados quais informações são verdadeiras e
quais informações são falsas. Em geral esse critério (mesmo que implícito) é o da concordância ou não
da informação com crenças que esses grupos de indivíduos já tinham de antemão. Isso é o que alguns
teóricos e muitos discursos científicos atuais denunciam como o pecado do Viés de Confirmação. A
predisposição (que devemos evitar) de acolher conhecimento que nos é conveniente. Mesmo autores
clássicos sempre atentaram para problemas parecidos, muitas vezes com outros termos que hoje soariam
polêmicos em muitos meios (porém ainda de uso corrente em filosofia da ciência), como critérios
metodológicos de Neutralidade Cognitiva ou ideais que deveriam ser almejados pelo fazer científico como
a Imparcialidade. Diferente do que muitos acreditam hoje em dia, nunca se tratou de supor ingenuamente
que homens de ciência pudessem ser particularmente imparciais e neutros, mas de estabelecer
metodologias e critérios para que as pesquisas fossem realizadas de modo a não deixar as preferências
pessoais ou crenças anteriores influenciarem no resultado. E tudo bem, a filosofia da ciência com o tempo
estabeleceu críticas de que essa influência não era tão nula quanto se pensava (como vamos ver mais a
frente). Ainda assim a principal contribuição que conseguimos extrair inicialmente ao nos debruçarmos na
ciência em busca de inspirações pro problema da informação é que uma boa forma de lidar com o
conhecimento (em busca de uma confiabilidade) é estabelecer um método.

A ideia de um método científico está totalmente na alçada da filosofia da ciência. Nem é


novidade também que se busque metodologias para lidar com o problema da informação.
Existem recomendações, e mesmo guias ilustrados, asseverando metodologias para o leigo
lidar com o influxo de informação e avaliar ela. Checar fontes, buscar citação em mídia
tradicional, rejeitar sensacionalismos e clicar em notícias suspeitas invés de acolher pela
manchete, não pretendo aqui inventar a roda. O ponto que se poderia ressaltar é que isso não
foi suficientemente popularizado. Não entrou na cabeça do publico médio que uma
metodologia é a base imprescindível para o recebimento de informação. E aqui nós
poderíamos nos alongar nas buscas de soluções e de instituições para aplicar esse tipo de
método (como as agências de fact checking). Isso tudo seria necessário para modificar a
situação social atual da informação, em que a falta de confiabilidade gera disputas sobre o que
é fato e o que não é. E num cenário ideal as divergências deveriam ser sobre ideias e não sobre
fatos.

Fatos, dados, e fontes empíricas

Porém falar de fatos também não é um tema tão simples, e muito disso se deve a filosofia da ciência. Não
é algo surpreendente para a filosofia da ciência a crise de informação atual estar relacionada a disputas
sobre o que é um fato e o que não é. Isso porque no nosso ramo de estudos o fato não é algo colocado
de forma inequívoca como costuma ser para o leigo. Para entender isso, vai ser necessário adentrar um
pouco em alguns autores e debates da tradição da filosofia da ciência.

Quando pensamos em fatos e em informação, talvez pudéssemos representar num esquema simplista (e
aqui ressalto que não estou tratando de uma abordagem mais técnica como pode haver na filosofia da
informação) que nós imaginamos no geral que a coisa se dá do modo como represento na figura a seguir.
Os acontecimentos do mundo, sendo acolhidos por jornalistas, testemunhas ou câmeras, constituindo os
fatos. Esses agentes disseminam os fatos através de seus discursos e transmitem como informação. Uma
informação que confere com os fatos é verdadeira. Por outro lado outras informações que transitam nos
discursos não correspondem a nenhum fato e assim não falsas.
Esse modelo talvez não contraste muito com a noção de “fato” que alguns autores clássicos
estabeleceram. Em Hume temos a noção clássica da dicotomia entre Fato e Valor. Era importante
estabelecer que alguns discursos como o científico deveriam se estabelecer apenas sobre fatos, que
eram conseguidos empiricamente no mundo, e era inadequado derivar os fatos de valores ou vice versa.
Num empirismo clássico simplificado talvez pudéssemos colocar para comparar com nossa primeira figura
que os tipos de juízos adequados e inadequados ocorriam de tal modo:

Assim os fatos eram acolhidos como uma relação direta com o mundo (como comumente se pensa ser a
informação hoje) e o erro ou inadequação de um juízo ou informação seria decorrente de sua origem. A
relação entre o fato e o conhecimento é direta ou pelo menos mediada por procedimentos e métodos que
apenas assegurem essa relação simples.
Numa abordagem mais recente da filosofia da ciência a coisa já não funciona assim.

Ao se debruçar no conhecimento científico, físicos e filósofos começaram a perceber que a relação do


fato com a ciência talvez não fosse tão direta. Muitas vezes na história das ciências (e vocês vão notar
em meu texto que a filosofia da ciência conversa o tempo todo com a história da ciência) algo que se
pensava ser fato depois se descobre não ser. E conhecimento que antes era científico depois é
substituído por outra ciência. Em especial alguns autores olhando a forma como os experimentos
científicos se relacionavam com os fatos perceberam que essa relação não era direta, mas era mediada.

Duhem, entre os muitos avanços que trouxe para a filosofia da ciência, mostrou algumas limitações entre
as relações que as teorias científicas tem com os fatos (4). Ele defendia sim que a ciência (e em especial
a física) se relaciona com os dados empíricos e deriva deles. Não se trata de abandonar o papel empírico
da ciência. Porém ele apontou que num experimento científico a coleta de dados não é uma relação
direta, é uma interpretação dos fenômenos que pressupõe conhecimentos científicos anteriores. Um
físico, descreve Duhem, num laboratório faz testes numa maquina com um medidor. A aparelhagem
talvez pouco compreensível para um leigo expressa os resultados do teste num ponteiro com marcações
numéricas, ou em outra maquina nas oscilações de uma haste de metal que marca um papel. O que é o
fato? O dado empírico é um ponteiro que atinge determinado número, ou a oscilação da haste?
Certamente que não, isso tudo representa valores e fenômenos. Porém o leigo olhando a máquina, o que
compreenderia desses fenômenos além do ponteiro? O físico imaginado pelo Duhem recomenda ao leigo
que faça um curso da disciplina científica específica que lida com aquele assunto para que entenda o
fenômeno. E esse é o ponto importante que Duhem nos mostra: a possibilidade da observação científica,
de apurar os dados empíricos, de se relacionar com os fatos, depende de um conhecimento teórico
anterior que interprete aquele fenômeno.

E não só isso, apenas para montar o equipamento que permite uma experiência empírica, uma série de
conhecimentos teóricos anteriores são pressupostos para que se entenda o funcionamento da maquina,
como teorias científicas que expliquem ela e as coisas que ela mede. Além de uma série de
conhecimentos anteriores em que essas teorias se embasaram, como a matemática e lógica. Para um
exemplo mais simples, imaginemos um telescópio, que permite a obtenção de dados empíricos sobre as
estrelas e outros corpos celestes. Para aceitar o funcionamento do telescópio, e que ele nos mostra
imagens de coisas reais lá em cima, é preciso uma teoria sobre como funciona a Óptica, como a luz se
reflete e permite a visão, e porque as lentes do telescópio ampliam aquela imagem refletindo a luz de
maneiras específicas. E isso não é pouca coisa. Tanto que quando Galileu apontou pela primeira vez um
telescópio para os céus e divulgou suas observações (5), as primeiras críticas que ele recebeu eram de
que seu instrumento não era confiável e que não mostrava imagens reais.

Duhem e outros filósofos da ciência explicam que toda observação ocorre com uma Interpretação daquele
fato a partir de conhecimentos anteriores. Hanson vai mais além de assegura que não existe observação
pura, e que toda observação é simultaneamente uma interpretação (6) E eles não são os únicos a
fazerem críticas à crença de que a simples obtenção de fatos nos dariam um conhecimento direto. Popper
em sua obra nos mostra como elaborar teorias que correspondam aos fatos é simples e defende que o
que garante a força de uma teoria não são a quantidade de fatos que a confirmam, mas a possibilidade
de que novos fatos possam refutar ela, e a isso ele chamou de falseabilidade. Ele nos dá o exemplo de
que nós podemos observar na natureza dezenas de cisnes brancos. Nem por isso seria correto concluir
com base nesses fatos que “todos os cisnes são brancos”. E isso independente de vermos centenas ou
milhares de animais, da quantidade da repetição daquele fato. Isso não nos da um conhecimento
científico adequado sobre cisnes, simplesmente porque basta que observemos um único cisne negro para
que esse conhecimento seja falso. A função do cientista seria para Popper a de procurar testes que
mostrassem que sua teoria era falsa, pois apenas nessa ocasião é que os fatos seriam relevantes.
Popper critica severamente modelos de conhecimento que não são “falseáveis”, ou seja, que embora
correspondam a muitos fatos não abram possibilidade para que novos fatos o refutem. É possível inventar
qualquer teoria arbitrária com base em fatos reais (como a teoria de que todos os cisnes são brancos)
sem que essa teoria seja verdadeira.

Se voltarmos na história da ciência, podemos pensar em exemplos interessantes sobre como a relação
com os fatos dependia do conhecimento teórico anterior. Na ciência clássica e medieval ao se desenhar a
trajetória de um projétil arremessado para cima (e temos os registros em textos daquela época com esses
desenhos) se representava o projétil subindo em linha reta e depois caindo em linha reta. Isso soa
absurdo para um conhecimento atual que entende que uma trajetória do tipo ocorre num arco, fazendo
uma curva. A questão é: a pessoa que fez o desenho nunca viu uma trajetória acontecer de fato? O que a
levaria a desenhar daquele modo? Isso não era arbitrário. Tinha um motivo muito claro para desenharem
as trajetórias retas: a física de Aristóteles.

Na física aristotélica os movimentos não podiam ser compostos. Eram sempre movimentos uniformes
numa só direção. A bala do canhão primeiro subia numa diagonal reta e depois caí numa reta em direção
ao chão. O ponto é que esse movimento apesar de ser contrário ao fato era o que esperava a teoria. Será
que os manuais militares, bastante práticos, estariam se preocupando em agradar os filósofos ao
desenhar a trajetória aristotélica como faziam? Ou será exagero supor que a teoria já possuída de
antemão afetava de tal modo a interpretação dos fatos, que o desenhista realmente se forçava a enxergar
a trajetória real da bala daquele modo quando a via? Claro, todos podiam na praça pública ver o desenho
bem claro de uma trajetória em arco, realizado por uma fonte jorrando água pra cima. Provavelmente
Aristóteles diria que aquele erro da fonte se devia aos acidentes da matéria.

Além disso, durante a história da ciência, muitas vezes a mudança de teorias científicas não se devia a
descoberta de novos fatos. Numa visão ingênua da ciência, poder-se-ia supor que as teorias científicas se
desenvolvem e se modificam de acordo com a acumulação de novos dados empíricos, novos fatos sobre
suas áreas de estudo. Porém por muitas vezes foram as mudanças meramente teóricas que
determinaram a escolha de novos modos de entender os fatos e de se obter os dados. Nada exemplifica
melhor isso do que a revolução copernicana.

Durante toda a história do pensamento os homens comuns e os filósofos olhavam pra cima e viam o Sol
se mover nos céus, fazendo um movimento em torno da Terra. Isso era o fato. E era um fato óbvio, que
poderia ser conferido por qualquer um. Quando Copérnico propõe em sua obra clássica (7) mover o
observador, que a Terra é que esteja se movendo e carregando com ela quem observa, e causando a
impressão que o Sol se move, ele não estava com isso mudando os fatos e colhendo novos dados
empíricos. Os dados continuavam os mesmos, o fato era um só. Porém a mudança teórica corrigia
drasticamente a forma como entendemos esses fatos. E isso mesmo na contribuição de Galileu, que foi
importante para a queda do geocentrismo e popularizar a visão copernicana. É um erro comum achar que
os dados empíricos do telescópio foram o mais importante para a mudança de paradigma sobre os astros.
Eles foram importantes, claro, e ajudaram a conceder plausibilidade para uma visão da astronomia nova
que estava sendo proposta e que entrava em choque com a visão aristotélico-ptolomaica da tradição.
Porém o mais importante para essa contribuição foi a refutação teórica que Galileu fazia da física
aristotélica no seu Diálogo. E em sua obra Galileu deixa claro que pela sua teoria era impossível se
mostrar empiricamente que a Terra se movia de dentro dela (8) (isso só podia ser feito de modo indireto,
com uma teoria científica e não com fatos).

E como fica em vista dessa crítica da ideia de fatos a nossa compreensão da informação? Nossos
filósofos se referem a conhecimento científico, mas não é difícil ver como isso pode ser facilmente
aplicado na obtenção comum de informações. Dependendo dos conhecimentos anteriores de um
observador, de suas crenças e ideologias, uma mesma informação pode ser interpretada de maneira
drasticamente diferente. Suponha uma breve imagem gravada de forma amadora num celular, de um
policial fardado desferindo golpes de seu cassetete num jovem negro e mal vestido. O fato gravado é um
só, e ainda assim a forma como dois cidadãos diferentes compartilhariam a informação nas suas redes
sociais apresentaria diferenças drásticas. Um com um texto comemorando “É isso mesmo! Alguma coisa
errada o vagabundo ta fazendo pra apanhar. Pelo fim da impunidade.” Enquanto o outro se revoltaria “É
um absurdo, a polícia truculenta agride um jovem inocente sem motivo”. Ambos pretendem estar
embasados diretamente em fatos. E mais dos que isso, ambos acreditam com seus comentários estar
defendendo a justiça! Casos como esse não são pouco frequentes, pois as disputas políticas atuais quase
sempre se dão por choques de narrativas, raramente os dois lados da disputa concordam sobre os fatos,
e isso se dá porque os conhecimentos anteriores determinam a forma como eles interpretam os fatos.

Porém não estamos perdidos num relativismo em que não seja possível uma apuração de fatos. Com
todas as suas limitações expostas, ainda assim Duhem e Popper defendiam a validade da ciência. Com
os conhecimentos anteriores adequados era possível entender o medidor do aparelho do experimento
físico. Da mesma forma o acontecimento real do nosso policial agressor se deu de uma única e
determinada forma. Um terceiro cidadão mais interessado poderia procurar exaustivamente mais sobre o
fato, descobrir quem gravou as imagens, procurar testemunhas ou conseguir identificar o policial. Muitas
vezes o nosso fato ocorrido poderia muito bem se encaixar em tons de cinza, não ser algo tão simples e
que se adeque tanto a qualquer um dos dois discursos ideológicos. O policial do vídeo poderia estar de
fato capturando um bandido que acabava de agredir alguém e, entretanto, o rapaz poderia já ter se
rendido e não apresentado resistência, configurando a agressão do policial como um abuso de poder,
uma ilegalidade prevista em lei, tanto quando a que rapaz cometeu.

Sendo a interpretação dos fatos determinada por nossos conhecimentos e crenças anteriores, como
conseguir uma visão adequada sobre eles? Como conseguir uma informação que concorde fatos de
diversas posições do espectro e evite a polarização e a disputa de narrativas? A nossa figura da recepção
dos fatos e informações agora deve aparentar de uma forma desanimadora:
A resposta pode ser novamente a nossa resposta do começo: método. A virtude de reconhecer a forma
como nossas crenças podem enviesar os fatos é que se pode tomar um cuidado maior com a procura de
informações, para que isso não ocorra, ou que pelo menos diminua. Estipular a imparcialidade como um
ideal possível, ainda que se entenda que em suas redes de informações normais, atualmente, as pessoas
não sejam imparciais. Em nossa última figura podemos ver que cada grupo está fechado dentro de sua
bolha, com o seu conhecimento prévio e a parte dos fatos que sua ideologia permite acolher. De dentro
da sua bolha é impossível ter uma compreensão mais completa dos fatos, assim como Galileu apontava
com o conhecimento de sua época que de dentro da Terra era impossível perceber seu movimento. A
forma mais fácil de estourar a bolha é buscar informações de diversas fontes, diversificar e ver inclusive
quais são os “fatos” diferentes que estão sendo interpretados pelos opositores. Evitar ler as opiniões
apenas de quem concorda com suas posições e está na mesma ideologia, mas tentar conhecer a
ideologia dos outros, tentar compreender quais são os critérios que eles usam para interpretar os fatos.
Isso possibilita uma abertura para o diálogo, porque é muito mais fácil argumentar com alguém
entendendo as suas posições e as suas crenças, criticar de dentro da bolha dele. Atirar suas críticas de
longe, de dentro de sua bolha, não vai alcançar a bolha do outro, não importa se sua crítica fez trajetória
reta ou em arco, ela não alcança porque seus fatos não são reconhecidos enquanto tais.

Bolhas, câmeras de eco, e paradigmas

Então chegamos mais propriamente ao problema das bolhas sociais. Num vocabulário mais crítico sobre
a organização da informação nas redes sociais e nas novas mídias, se tornou de uso popular esse termo
de falar de “bolhas” de opinião. Mais raramente ouço o termo “câmaras de eco”. Acho ambos os termos
relevantes para se entender o fenômeno da informação. Pessoas se agrupam nas redes sociais
preferencialmente de acordo com suas ideologias, posições políticas e opiniões. Se tornou bastante
comum nas redes sociais atuais excluir e se afastar de pessoas que não tem as mesmas visões de
mundo. E aí não só as pessoas se fecham numa bolha com suas crenças e ideologias, mas também com
um convívio social de outras pessoas que concordam com essas crenças e ideologias e que reforçam as
mesmas opiniões. A metáfora da câmara de eco é interessante porque a situação gerada se assemelha a
uma câmara de eco acústica, em que o som fica rebatendo e se repetindo. Nas câmaras de eco
ideológicas as informações, visões de mundo, crenças, fontes sobre acontecimentos, etc, ficam se
repetindo dentro dos mesmos grupos, com as pessoas reproduzindo aquelas crenças. Isso é reforçado
pela forma como muitas mídias e redes sociais atuais funcionam, com algoritmo dos sites que controlam o
que vai ser exibido para os usuários, se baseando nas escolhas e preferências desse mesmo usuário. Um
jovem que se interessa por uma visão de mundo de esquerda iria deixar o seu algoritmo viciado e lhe
direcionando informações que coincidem com essa visão de mundo. Não apenas a sua interpretação dos
fatos estaria enviesada pela sua visão de mundo (como tratamos acima), mas mesmo o tipo de
informação que chega a ele estaria limitada por esse algoritmo que se baseia na mesma visão de mundo.
Somado a isso os amigos que ele escolhe compartilham de suas opiniões e a reforçam. Se ele e alguns
amigos se pronunciam que são “contra a atitude x”, e isso se torna uma tendência dessa visão de mundo,
mais e mais pessoas que pensam parecido com ele começam a repetir essa posição. Pois mais um
problema que se acumula nessa situação de reforço múltiplo é que as pessoas tentam adequar as suas
posições ao de seu grupo, para serem aceitas (afinal hoje em dia é normal até que excluam do convívio
quem pensa diferente) e isso se torna mais um padrão de reforço. Uma voz gritada na câmera de eco
será ouvida várias vezes, e relida nas redes sociais por quem gritou. Isso gera mais uma situação de
reforço para o nosso jovem esquerdista, porque ele agora vê que todos a sua volta, todas as informações
que lhe chegam e pessoas que ele considera sensatas (por concordarem com ele) repetem a mesma
opinião, fazendo com que essa posição pareça hegemônica ou dominante. Isso reforça a sua visão de
mundo como a única correta e a única correspondente aos fatos, e lhe trás a impressão que essa visão
de mundo veio de fora, como informação, quando é um eco que ele (e seu algoritmo) construiu
cuidadosamente ao redor de si.

A situação desse mapa de reforços, mostrando os reforços múltiplos que enviesam a informação,
parecem constituir um cenário assustador ao indivíduo sincero que queira diminuir o viés e conseguir
informações que ao menos busquem um ideal de imparcialidade. É uma tarefa difícil, um esforço pessoal
hercúleo. Não é uma predisposição natural que alguns grupos tenham (pois talvez seja comum pensar
que seu próprio grupo está mais próximo da verdade e que seja mais imparcial), mas é antes um esforço
ativo para buscar se esquivar dos vieses e reforços.

Outra perspectiva que trás uma visão de mundo desanimadora, e que pode se assemelhar com essa em
alguns aspectos é a visão desenvolvida por Thomas Kuhn em sua obra (9). Ele faz um estudo histórico
reconstituindo as revoluções na ciência, os momentos da história científica em que houveram grandes
pontes de viradas, mudanças decisivas nas teorias, como, por exemplo, a revolução copernicana. Ele
retrata as comunidades científicas a partir de uma abordagem social e tenta entender a forma como se
dão essas mudanças. O grande problema é que Kuhn enxerga que as teorias científicas numa ciência
normal estão tão fechadas em si mesmas e comprometidas a achar dados apenas que lhe favoreçam,
que elas não conseguem sequer conversar com teorias concorrentes. Kuhn estabelece a ideia de que
diferentes teorias científicas são Incomensuráveis, ou seja, que elas não podem ser comparadas
diretamente para tentar avaliar qual delas é melhor ou para pegar partes boas de uma ou de outra. Elas
são pacotes fechados e estão limitadas por relações de reforço e seus ambientes sociais (das sociedades
científicas) e esses pacotes fechados muitas vezes são escolhidos mais por uma posição de crenças do
que baseadas em dados ou fatos. Esse ambiente todo é chamado por Kuhn de Paradigma. Minha
intenção aqui é fazer uma comparação entre a ideia de paradigma do Kuhn e as câmaras de eco.
O tipo de ideia que Kuhn expôs fez com que ele não seja exatamente o autor mais popular entre os
teóricos que querem defender a ciência. Seu texto abriu muita margem para relativismo e para discursos
de que a ciência seria um fenômeno social arbitrário. De fato Kuhn chega a colocar que quando há troca
de teorias a escolha não é racional e que por vezes a teoria anterior para de ser defendida simplesmente
porque os cientistas mais velhos morrem. Apesar disso é importante acentuar que Kuhn nunca quis que
suas ideias resultassem numa visão relativista, ele se declarou publicamente contra o relativismo e contra
essa interpretação de sua obra. Mesmo assim a partir dela surgiram diversas correntes relativistas de
interpretação da ciência de um ponto de vista social.

É semelhante nas nossas câmaras de eco a forma como seu corpo se constituí num todo fechado e que
não tem ferramentas para se comunicar com outras câmaras de eco. Pois todas suas referências de base
de visão de mundo, conhecimentos que pressupõe para conversar, os fatos que aceitam como
verdadeiros, são restritos a essa câmara. Assim como no paradigma se poderia colocar que as câmaras
de eco são incomensuráveis. Isso significa inclusive que se pode levantar que seria impossível dentro de
uma dessas ideologias avaliar se ela é a verdadeira ou não, se você está do lado certo do debate político
ou não. Esse questionamento é difícil e é algo que poucos conseguem fazer para si mesmos.

E quando se parte do pressuposto que a ciência funciona desse modo, quando se aceita essa abordagem
social, não se tem uma resposta fácil ou uma forma de lidar com isso. Muitos teóricos rejeitam essa
abordagem e rejeitam o conceito de incomensurabilidade (pois existem visões concorrentes em filosofia
da ciência e bem embasadas que permitem uma interpretação diferente desse ambiente científico). Em
nossa abordagem aqui, em busca de ressaltar os problemas e buscar soluções, pode ser fecundo usar
esse conceito da incomensurabilidade como uma comparação, como uma forma de ajudar a pensar as
diferentes câmeras de eco, mas não o aceitar de forma absoluta, ou seja, não aceitar que comunicação
seja mesmo impossível e que não possamos pensar em soluções.

Soluções passam por formas de fazer os diferentes grupos se conversarem e conseguirem pensar fora
das câmeras de eco. Isso passa principalmente por reconhecer que esses mecanismos existem, que o
tipo de informação que recebemos chega por esses reforços. Disseminar a ideia de que devemos buscar
métodos de conseguir informações que escapem desse viés. Debater publicamente sobre as essas
limitações e entender como a busca de superar esse viés é um requisito para o debate público poder
ocorrer. Tentar fazer com que os dois lados do debate reconheçam seu viés e busquem fontes e fatos
que possam ser compartilhados por ambos os lados, e que assim possibilitem o debate. Perceber que
tipo de discurso, que tipo de notícia é meramente informação de “eco” e que não ajuda nada em melhorar
o debate público. Tentar ao máximo buscar avaliar se fatos e informações são verdadeiros ou não por
critérios que não tenham relação com eles concordarem com sua visão de mundo (é sempre importante
lembrar que os fatos são cruéis e que as vezes o mundo simplesmente não é o que gostaríamos que
fosse para se encaixar em nosso discurso). Buscar e valorizar iniciativas de checagem de fatos e preferir
como fontes de informação elas e não sites ideologicamente comprometidos com nossas bolhas. Criticar
abordagens que tendem a fechar as bolhas invés de favorecer um diálogo mais amplo. Principalmente
fazer um esforço individual constante para que pelo menos nós como indivíduos consigamos na medida
do possível escapar dessas armadilhas. Buscar se cercar de diversidade de ideias, buscar ao menos
individualmente ouvir as narrativas de diversos grupos diferentes, para saber que não estamos nos
fechando em um só. A ciência, ao tentar superar suas limitações e seus vieses, consegue um
conhecimento importante e poderoso. Talvez nós enquanto grupos sociais, se superarmos essas
limitações nos inspirando no modelo da ciência, conseguiremos também realizações importantes como as
dela.

(1) DUHEM, Pierre. Algumas reflexões sobre a teoria física In Ciência e Filosofia n 4 (1989)
(2) https://pt.wikipedia.org/wiki/Eclipse_solar_de_29_de_maio_de_1919
(3) Para mais sobre Popper talvez seria interessante para uma leitura inicial:
POPPER, Karl. Conjecturas e Refutações (1962)
Para uma leitura mais avançada:
POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Cientifica (1934)
(4) DUHEM, Pierre. Algumas reflexões acerca da física experimental In Ciência e Filosofia n 4 (1989)
(5) A obra clássica em que Galileu descreve as primeiras observações com o telescópio é o “Mensageiro
das Estrelas”:
GALILEI, Galileu. Sidereus Nuncius (1610)
Para uma abordagem histórica avaliando a obra de Galileu e seus problemas com os opositores na época
um artigo relevante e que sintetiza diversos pontos importantes:
MARICONDA, P R. O Diálogo de Galileu e a Condenação (2000)
(6) HANSON, N. R. Observação e interpretação. In: MORGENBESSER, S. (Org.). Filosofia da Ciência.
São Paulo: Cultrix, (1975)
(7) COPÉRNICO, N. De Revolutionibus Orbium Coelestium (1543)
(8) GALILEI, Galileu. Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo (1632)
(9) KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas (1962)

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Nossa questão passa a ser não “Qual o método?”, mas “Como divulgar os métodos?”. E isso não é uma
tarefa fácil.

Uma iniciativa admirável nesse sentido são as agências de Fact Checking. Órgãos que se esforçando
para avaliar notificas com uma metodologia, sem se comprometer com uma posição, mas rejeitando com
base em critérios sérios mesmo as fake news dos veículos e partidários que lhes são simpáticos. Mas no
geral são ainda iniciativas tímidas e que não foram popularizadas o suficiente.

Poderia ser papel da mídia tradicional se tornar a referência em metodologia. Seria um bom papel de
consolação a ser valorizado nelas, agora que ela caminha moribunda com a morte da mídia impressa.
Erguer cada jornal impresso tradicional como uma agência de fact cheking seria animador. O caso é que
parece que muito pouco é feito nesse sentido pela mídia tradicional. Não que nunca tenham apresentado
o tema, mas no cenário atual ele já deveria ser central e pelo menos ocupar o caderno inicial de suas
publicações.

Porém, antes de confiar apenas no serviço privado, não seria exagero, em vista dos danos que as falhas
da informação podem causar mesmo aos regimes democráticos, às escolhas de líderes e partidos, que
no melhor interesse da democracia uma sociedade moderna devesse considerar incentivos
governamentais para instituir e ampliar iniciativas de fact checking. Seria antes uma medida de proteção à
essas democracias e que seria condição de possibilidade para seu fortalecimento. Não é saudável nem
democrático que tudo na nossa política hoje se transforme em disputas de narrativas, em que um lado
apenas se apega a um discurso e outro a um discurso contrário, ambos decididos de que possuem a
informação verdadeira. A disputa política deve ser sobre ideias, nunca sobre fatos.

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