Com toda a descendência de infiéis dos deuses do céu, com minha ninhada que
encontra uma rica chafurda numa confusão de multiespécies, eu quero fazer um barulho
crítico e alegre sobre tais problemas. Eu quero permanecer no problema, e o único meio que
conheço de fazer isso é numa alegria generativa, num terror e num pensamento coletivo.
Meu primeiro demônio familiar nessa tarefa será a aranha Pimoa cthulhu, que vive
sob escombros (stumbs) nas florestas Redwood, nos condados de Sonoma e de Mendocino,
perto da onde eu vivo na Califórnia Norte-central. Ninguém vive em todo lugar; todo mundo
vive em algum lugar. Nada é conectado a tudo; tudo está conectado a algo. Essa aranha está
num lugar, tem um lugar e ainda é nomeada por intrigantes viajantes de qualquer lugar. Essa
aranha vai me auxiliar com retorno, raízes e rotas. O aracnídeo com oito pernas tentaculares
que eu apelo para obter seu nome genérico da língua das pessoas de Goshute, em Utah, e seu
nome específico obtenho pelos habitantes das profundidades, das entidades abissais
e elementais, é chamada de chtônicos. Os poderes chtônicos da Terra infundem seus tecidos
em todo local, apesar de seus esforços civilizadores dos agentes dos deuses do céu para
astralizar e configurar o chefe Singletons e seus comitês mansos de múltiplos ou semi-deuses,
o Único e o Muitos. Fazendo uma pequena mudança no discurso taxonômico dos biólogos,
de cthulhu para cthulhu, com a renomeada Pimoa chthulu eu proponho um nome para
um local qualquer (elsewhere) e um momento qualquer (elsewhen) que era, continua sendo e
pode ainda ser: Chthuluceno. Eu lembro que tentacle vem do latim tentaculum, que significa
“apalpador” e tentare, que significa “sentir” e “tentar”; e eu sei que minha aranha pernuda tem
muitos aliados armados. Uma miríade de tentáculos será preciso para dizer a história
do Chthuluceno.
Os tentaculares não são figuras desincorporadas; eles são cnidários, aranhas, seres com
dedos como os humanos e os guaxinins, lulas, águas-vivas, extravagâncias neurais, entidades
fibrosas, seres flagelados, tranças de miofibrilas, emaranhados de micróbios e fungos
feltrados e emaranhados, tentadores, raízes inchadas, chegando e escalando os coletados. O
tentacular também é redes, suas criaturas, dentro e fora das nuvens. Tentacularidade é sobre
vida vivida ao longo das linhas – e tal riqueza de linhas – não em pontos, nem em esferas. “Os
habitantes do mundo, criaturas de todo tipo, humanas e não humanas, são viajantes”; gerações
são como “uma série de trilhos entrelaçados”.
Stengers, como Bruno Latour, evoca o nome de Gaia na forma que James Lovelock e
Lynn Margulis fizeram, nomeando acoplamentos complexos não lineares entre processos que
compõem e sustentam subsistemas entrelaçados, mas não aditivos como parcialmente coesos
com o sistema todo. Nessa hipótese, Gaia é autopoiética – auto-formada, mantendo
limites, contigentes, dinâmicos e estáveis sob algumas condições, mas não em outras. Gaia
não é reduzida a uma soma de suas partes, mas atinge finitas coerências sistêmicas na face das
perturbações com parâmetros que são eles mesmos responsáveis por processos sistêmicos
dinâmicos. Gaia não pode e não se importa com intenções humanas ou de outros seres
biológicos, ou com seus desejos e necessidades, mas põe em questão nossa vasta existência,
nós que temos provocado sua mutação brutal que ameaça ambas, vidas humanas e não
humanas presentes e futuras. Gaia não é uma lista de questões esperando por políticas
racionais. Gaia é um evento intrusivo que desfaz o pensamento usual. “Ela é o que
especificamente questiona os contos e os refrãos da história moderna. Há apenas um mistério
real em jogo: é a pergunta que nós, ou seja, aqueles que pertencem a essa história, podemos
criar assim que lidarmos com as consequências do que provocamos”.
Antropoceno
Deste modo, tempo foi passado para voltar diretamente para a coisa tempo-espaço-
global chamada Antropoceno. O termo parece ter sido inventado no começo dos anos 80 pelo
ecologista Eugene Stoermer, da Universidade de Michigan, um expert em diatomáceas
de agua doce. Ele introduziu o termo para referir a crescentes evidências para os efeitos
transformativos das atividades humanas na Terra. O nome Antropoceno faz uma aparição
dramática nos discursos sobre globalização dos anos 2000 quando no prêmio Nobel Holandês
– o vencedor, o químico atmosférico Paul Crutzen, juntou a Stormer para propor mostrar que
as atividades humanas vem sendo de tal tipo e obtendo tal magnitude que recebe o mérito do
uso de novos termos geológicos para uma nova época, substituindo a Holoceno, que data
desde o fim da última era de gelo, ou do fim da Pleistoceno, por volta de doze mil anos atrás.
Mudanças antropogênicas sinalizadas, nos meados do século XVIII, pelo motor a vapor e pela
mudança planetária do uso explosivo de carvão eram evidentes no ar, nas águas e nas pedras.
As evidências eram tantas que a acidificação e o aquecimento dos oceanos estão rapidamente
decompondo ecossistemas de recifes de corais, resultando em grandes esqueletos,
fantasmagóricos, branqueados e mortos (ou morrendo) de corais. Que um sistema simbiótico
– coral, com suas associações de fabricação mundial aquática de cnidários e zooxantelas e
com várias outras criaturas também – indica que tal transformação global irá voltar na nossa
história.
Todavia, por agora, perceba a compra do Antropoceno, obtida nos discursos científicos
e populares e no contexto de urgentes esforços ubíquos de encontrar formas de falar sobre, de
teorizar, de modelar e de administrar a Grande Coisa chamada globalização. O modelo de
mudança climática é um poderoso loop de pareceres que causa mudança de estado nos
sistemas de política e nos discursos ecológicos. Este Paul Crutzen ganhou o prêmio Nobel e é
um químico atmosférico importante. Até 2008, muitos cientistas pelo mundo tinham adotado
o ainda não oficial, mas o crescente e indispensável termo; e uma miríade de projetos de
pesquisa, performances, instalações e conferências em Letras, Ciências Sociais e
Humanidades encontraram o termo obrigatório em suas nomeações e pensamentos, não
menos importante para enfrentar ambas: aceleração da extinção das taxas biológicas através
de mundo e imiseração de múltiplas espécies, incluindo a humana, ao longo da extensão do
planeta. Os seres humanos da queima de combustível fóssil parecem ter a intenção de
produzir em maior quantidade e em menor tempo novos combustíveis fósseis. Eles serão
interpretados nos estratos das pedras na terra e sob às águas por geólogos num futuro
próximo, se já não está sendo. Talvez ao invés de florestas de fogo, o ícone
do Antropoceno deveria ser o Homem em Chamas!
Capitaloceno
Mas, pelo menos uma coisa está clara. Não importa o quanto ele pretende ser pego
pelo genérico universal masculino e o quanto ele apenas olha pra cima, o Antropos não fez a
extração de gás (fracking thing) e ele não deveria nomeá-la época amorosa de dupla-morte.
Afinal, o Antropos não é o Homem em chamas. Todavia, porque a palavra já está bem
impregnada e parece menos controverso para muitos jogadores comparada a Capitaloceno, eu
sei que continuaremos precisando do termo “Antropoceno”. Eu também vou usar, mas com
moderação; o que e quem o Antropoceno coleta em sua reformulada sacola de rede pode
provar ser potente por viver nas ruínas e na modesta recuperação da terra.
Ainda assim, se tivéssemos apenas uma palavra para esses momentos SF, com certeza
seria Capitaloceno.
A Espécie Homem não moldou as condições para a Terceira Era do Carbono ou para a
Era Nuclear. A história da Espécie Homem como o agente do Antropoceno é uma quase
risível reprise da grande humanização fálica e da Aventura modernizante, onde homens, feito
sob a imagem de um deus perdido, assume superpoderes na sua sagrada e secular subida
apenas para dar fim à sua trágica detumescência, de novo. Autopoiético, o homem auto
construído desce de novo, dessa vez num trágico sistema falho, transformando
ecossistemas biodiversos em desertos de tapetes viscosos e águas-vivas que ferroam. O
determinismo tecnológico também não produziu a Terceira Era do Carbono. O Carvão e a
máquina a vapor não determinaram a história e, além disso, os dados estão todos errados, não
porque tem que se voltar à última era do gelo, mas porque tem que pelo menos incluir o
grande mercado e a mundialização dos commodities dos longos séculos XVI e XVII, dessa
atual era, mesmo se nós pensarmos (erroneamente) que podemos permanecer Euro-centrados
em pensar sobre transformações da “globalização” moldando o Capitaloceno. Alguém precisa
dizer das redes de açúcar, de metais preciosos, de plantantions, de genocídio e escravidão
indígena, das suas inovações de trabalho e realocações e recomposições de criaturas e
coisas, limpando ambos, trabalhadores humanos e não humanos, de todos os tipos. A
infecciosa revolução industrial da Inglaterra foi de grande importância, todavia foi apenas
uma jogadora na transformação planetária, historicamente situada e nova a suficiente,
chamada de relações mundiais. A realocação das pessoas, das plantas e dos animais; os
nivelamentos das vastas florestas; e a violenta mineração precede a máquina a vapor,
entretanto isso não é uma torção de mãos [ato de quem possui posição de poder inferior
mudar a situação] sobre a traição do Antropos, ou da Espécie Homem ou do Homem
Caçador.
Estou alinhada com a feminista ambientalista Eileen Crist quando ela escreve contra
os gerenciais, tecnocráticos, mercado-lucro obcecados, modernos e humano-
excepcionalistas compromissos comerciais como de costume do tal discurso do Antropoceno.
Esse discurso não é apenas errado de mente e coração por si mesmo; ele também solapa nossa
capacidade de imaginar e de se importar com outros mundos, esses que existem hoje
precariamente (incluindo aqueles chamados de selvagens, por toda a história contaminada de
racismo colonialista) e com aqueles que precisamos trazer para se tornarem aliados às outras
criaturas para uma ainda possível recuperação de passados, presentes e futuros. “A profunda
persistência da escassez e o sofrimento são presságio para toda vida, é um artefato
do excepcionalismo humano em todo nível.” Ao invés de uma humanidade com maior
integridade com a terra “convidar a prioridade do nosso passo pra trás e da diminuição de
limitações bem-vindas dos nossos números, economias e habitats pelo bem de uma maior e
mais inclusiva liberdade e qualidade de vida”.
Chthuluceno
Em muitas encarnações pelo mundo, a da deusa abelha com asas é muito antiga, e ela
é muito necessária agora. A face górgona e as fechaduras de serpente
de Potnia Theron/Melissa a tangem com um tipo diverso de forças terrestres chtônicas que
viajam ricamente no espaço-tempo. A palavra grega Górgon é traduzida como terrível,
todavia isso seria uma astralização, uma audição patriarcal de história muito mais horríveis e
decretos de generação, destruição, tenacidade e contínua finitude
terrena. Potnia Theron/Melissa/Medusa dá uma profunda renovação e isso golpeia as
figurações humanistas modernas (incluindo tecnohumanistas), que olham para o futuro e para
o céu. Recorde que o chthonions grego significa "da, na, sob a Terra e as águas" - uma rica
confusão para SF, fato científico, ficção científica, feminismo especulativo e fabulação
especulativa. Os chthônicos são precisamente não-deuses dos céus, uma não-fundação para o
Olimpo, não são amigos do Antropoceno e do Capitaloceno e, definitivamente, não estão
terminados. Os terrestres podem se comover, assim como podem agir.
Por causa das deidades do Olimpo terem identificado elas como uma inimiga
particularmente perigosa para a sucessão e autoridade dos deuses do céu, a Medusa mortal é
especialmente interessante para meus esforços para propor o Chthuluceno como uma narrativa
grande o suficiente no saco de redes [netbag], para permanecer com o problema da nossa
época. Eu ressignifico e torço as narrativas, porém não mais do que os Gregos faziam. O herói
Perseu foi despachado para matar Medusa; e com a ajuda de Athena, filha favorita e nascida
da cabeça de Zeus, corta a cabeça da górgona e da para sua cúmplice, essa virgem deusa da
sabedoria e da guerra. Pondo a cabeça cortada da Medusa frente a frente a seu escudo,
o Aegis, Athena, como de costume, trai o terrestre; não esperaríamos algo melhor de uma
mente infantil e sem-mãe. Mas uma boa nova vem desse assassinato de aluguel: do corpo
morto de Medusa surge o cavalo alado, Pégaso. Feministas têm uma amizade especial com
cavalos. Quem diz que essas narrativas não continuam nos afetando materialmente? E do
sangue derramado da cabeça cortada de Medusa surgiram corais pétreos das águas ocidentais,
Medusa é atualmente lembrada nos nomes taxonômicos dos Gorgonians, corais como leques
do mar e chicotes do mar [sea fan and sea whip], compostos simbiontes de cnidários e de
algas fotossintéticas, chamadas zooxantelas.
Móvel, com vários braços predadores e pulsante através e acima dos recifes de corais,
polvos são chamados de aranhas do mar. Então, Pimoa chthulhu e Octopus cyanea se
encontram nas histórias cheias de teia do Chthuluceno.
Todas essas narrativas são um atrativo para propor o Chthuluceno como uma
necessária terceira história, um terceiro saco de redes [netbag] para a coleta do que é crucial
para o processo, para permanecer no problema. Os chthônicos não estão confinados num
passado apagado. Eles estão zumbindo, ferroando, sugando enxames e os seres humanos não
estão numa pilha composta separada. Somos humus, não Homo, nem Antropos; somos adubo,
não pós-humanos. Como sufixo, a palavra kainos, "-ceno", sinaliza novo, recentemente feito,
nova época desse presente espesso. Para renovar o poder biodiverso da terra, há o
trabalho simpoiético e o jogo do Chthuluceno. Especificamente, ao contrário
do Antropoceno e do Capitaloceno, o Chthuluceno é feito de processos narrativos
de multiespécies e de práticas de se-tornar-com que permanecem em jogo, em tempos
precários, onde o mundo não tenha terminado e o céu não tenha caído - ainda. Nós estamos
em cena uns para os outros. Diferente dos dramas dos discursos do Antropoceno e
do Capitaloceno, seres humanos não são os únicos importantes no Chthuluceno, com todos os
outros seres hábeis de simplesmente reagir. A ordem é re-tricotar: seres humanos são com e da
Terra e os poderes bióticos e abióticos da Terra são a história principal.
No entanto as ações situadas dos seres humanos importam. Isso importa na forma
como vivemos e morremos, lançando nossa própria sorte, ao invés da do outro. Isso não
importa apenas para os seres humanos, mas, também, para todas as muitas criaturas do "taxa"
[across taxa] que sujeitamos à exterminações, à extinções, a genocídios e às perspectivas de
não-futuros. Gostando ou não, nós somos personagem de um jogo de cama de gato
[string game] de se preocupar com e por mundo precários, onde produzimos
mais precaridade com a queima de combustível fóssil, por homens que geram, o mais rápido
possível, mais fósseis numa orgia do Antropoceno e do Capitaloceno. Diversos jogadores
humanos e não-humanos são necessários em cada fibra dos tecidos do urgentemente
necessário Chthuluceno. Os atores principais não estão restritos aos jogadores muito grandes
nas histórias muito grandes do Capitalismo e do Antropos, que são aqueles que solicitam
estranhos pânicos apocalípticos e até mesmo desengatam denúncias estranhíssimas ao invés
de se preocuparem com práticas de pensamento, amor, raiva e cuidado.
Todavia os corais e os líquens simbiontes também nos levam ricamente para os tecidos
guardados e grossos presentes no Chthuluceno, onde permanece possível - malmente – jogar
muito melhor o jogo SF, numa não arrogante colaboração com todos no meio. Todos somos
líquens; então podemos ser raspadas das pedras pelas Fúrias, quem continua a entrar em
erupção para se vingar de quem comete crimes contra a Terra. Alternativamente, podemos nos
juntar com as transformações metabólicas entre rochas e criaturas para viver e morrer bem.
"Você percebe" Irá falar o fitolinguista para o crítico de estética, "que [um dia] eles não
puderam ler berinjelas?" E eles irão sorrir diante nossa ignorância, como se fossem pegar suas
mochilas e caminhar para ler as novas letras decifradas dos líques da face norte
do Pike's Peak. Permeando esse processo, importa-me retornar a questão que começou esse
texto. O que ocorre quando o excepcionalismo humano e o individualismo utilitarista
da economia política clássica se tornam impensáveis: não hábil para se pensar com. Por que é
isso que a época nomeada de Antropos impôs a si mesma no momento em que saberes e
compreensões práticos sobre e com simbiogênesis e simpoiéticos estão selvagem e
maravilhosamente disponíveis e generativas em todas humuscidade, incluindo artes,
literaturas, ciências e políticas não-coloniais? E se os feitos dolorosos do Antropoceno e as
não-mundializações do Capitaloceno são os últimos suspiros dos deuses do céu, aqueles que
não garantem um futuro acabado ou fim de jogo? Importa quais pensamentos pensam
pensamentos.
PRECISAMOS PENSAR!!!