(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) RECORRENTE : COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL - CSN ADVOGADO : CARLOS EDUARDO ABREU MARTINS E OUTRO(S) RECORRIDO : PAULO CÉSAR DIAS ADVOGADO : FUEDE NAMEN CURY
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator):
Trata-se de ação indenizatória ajuizada PAULO CÉSAR
DIAS contra COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL - CSN, que busca o pagamento de indenização por danos morais, materiais e estéticos, em razão de alegado erro médico, provocado pelo atendimento incorreto no hospital da Ré, o que teria resultado em paraplegia de seus membros inferiores.
O douto magistrado de primeiro grau julgou improcedentes
os pedidos, fls. 362/365, ao fundamento de que "a doença do autor - mielopatia súbita sem história de trauma - infelizmente não tem tratamento conhecido e a evolução do caso seria a mesma, com , sem ou apesar da assistência médica (fls. 263). A cirurgia não foi a causa das sérias dificuldades que o autor enfrenta ." (fls. 364 - grifos no original).
Irresignado, Paulo César Dias interpôs recurso de apelação,
que foi parcialmente provido, pela E. Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em v. acórdão assim ementado:
"AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. (erro médico
e culpa da empregadora improvados). Internação com atraso de cinco dias e falta de exames mais sofisticados, que evitariam a indicação cirúrgica inócua. Dano moral mínimo, correspondente a 50 salários mínimos na data da r. sentença. Apelo provido em menor
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Superior Tribunal de Justiça parte" (fls. 392)
Inconformada, Companhia Siderúrgica Nacional interpôs o
presente Recurso Especial (fls. 426/448), com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas 'a' e 'c', da Constituição Federal, alegando, em suas razões, e em síntese, violação ao art. 159 do Código Civil de 1.916, por ausência de nexo de causalidade.
Aduz, ainda, que "admitir-se a indenização com fundamento
em uma 'questão humanitária' ou por 'pena', significaria julgar a causa com fundamento diverso do que foi pretendido na inicial, o que é vedado pelo art. 128 c/c 460 do CPC. " (fls. 436)
Por fim, pretende a redução do valor fixado a título de
indenização por danos morais, sustentando que o valor mostra-se excessivo. Colaciona arestos para configuração do dissídio jurisprudencial.
Contrarrazões do autor às fls. 472/476.
A Terceira Vice-Presidência do eg. Tribunal a quo
determinou seguimento ao apelo, conforme decisão às fls. 478/479.
É o breve relatório.
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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 685.929 - RJ (2004/0117969-5)
RELATOR : MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) RECORRENTE : COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL - CSN ADVOGADO : CARLOS EDUARDO ABREU MARTINS E OUTRO(S) RECORRIDO : PAULO CÉSAR DIAS ADVOGADO : FUEDE NAMEN CURY EMENTA
CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. CIRURGIA
PARA DESCOMPRESSÃO DA MEDULA. PARAPLEGIA DO AUTOR. NEXO CAUSAL. INEXISTÊNCIA. COMPROVAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 159 DO CC/1916. CONFIGURADA.
1. Não há como se deferir qualquer pretensão
indenizatória sem a comprovação, ao curso da instrução nas instâncias ordinárias, do nexo de causalidade entre a cirurgia e a paraplegia do Autor.
2. Viola o art. 159 do CC/1916, a decisão do Tribunal
de origem que entende rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar e, mesmo assim, condena a recorrente ao pagamento de indenização por danos morais como resposta humanitária mínima.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa
extensão, provido.
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Superior Tribunal de Justiça
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator):
Sustenta a ora recorrente violação ao art. 159, do Código
Civil de 1.916, aduzindo, em síntese, que " o acórdão recorrido, apesar de reconhecer expressamente que não houve erro médico ou sequer nexo causal entre a cirurgia a que foi submetido o Recorrido e a sua paraplegia , condenou a Recorrente ao pagamento de 50 (cinqüenta) salários mínimos de danos morais, sob o argumento de que tal indenização seria uma 'resposta humanitária mínima' (fls. 394). " (fls. 428 - grifos no original)
Afirma que não pode ser condenada ao pagamento de
indenização por danos morais, por piedade e que, para a configuração do dano moral, capaz de gerar direito à indenização, é necessário que sejam demonstrados (i) o nexo de causalidade e (ii) a conduta dolosa ou culposa daquele que se alega ter praticado o ato.
Requer seja julgado improcedente o pedido.
O eg Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu
provimento parcial à apelação do autor, sob os seguintes fundamentos:
"...
A) Examinamos toda a documentação dos autos, assim
como os argumentos do recurso, convencendo-nos do acerto da r. sentença do prudente e culto prolator, Dr. José Roberto Portugal Compasso. Imaginamos até uma nova perícia, mas esta não foi requerida e a idoneidade e coerência e seriedade do laudo oficial a desaconselham.
B) Em verdade, não houve culpa, por erro médico (perita
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Superior Tribunal de Justiça artis) dado que a compressão da medula e quadro crítico apresentado, explicara a cirurgia, que não agravara a doença delicada do Autor.
C) O laudo atestou e concluiu:
C.1) O A. apresentou mielopatia súbita, sem história
traumática (fls. 256);
C.2) Admite falhas de cuidados, porque o A. deveria ser
internado em 05.07.89, quando surgiu a doença e não cinco dias após (fls. 257);
C.3) Não houve nexo causal, nem erro médico. A cirurgia
visou 'emergentemente, para amenizar o sofrimento medular' (fls. 258);
C.4) A avaliação de doenças medulares exige MUITOS
EXAMES;
C.5) Tumores de medula, síndrome radicular e de
compressão da medula são um quadro da síndrome mielocompressiva pode confundi-las com mieliote (fls. 251);
C.6) A cirurgia descompressiva era alternativa médica (fls.
262). Caso de 'diagnósticos diferenciais' confundíveis (fls. 264);
C.7) A ressonância magnética seria vantajosa na época (fls.
270);
C.8) Com a tomografia computatorizada, não mostrando
lesão significativa, TALVEZ NÃO FOSSE REALIZADA A CIRURGIA (fls. 271);
C.9) A patologia do A. não tem tratamento, sendo
ininfluente a cirurgia. Esta não obteve o resultado esperado. (fls. 274)
D) CONCLUSÃO
D.1) Sem razão o A. quanto a erro de diagnóstico e nexo
entre a cirurgia emergencial e sua paraplegia , resta-nos, como resposta Documento: 8243815 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 9 Superior Tribunal de Justiça humanitária mínima, até mesmo pietatis causa, diante da perplexidade e indefinição científica, quanto à doença do A, entendemos e votamos pela reforma mínima , da brilhante sentença, apenas, para condenar a Ré (pela não internação e não submissão do A. a tomografia computadorizada, incontinente, ao se apresentar o postulando com quadro médico complexo e enganador), ao pagamento do dano moral mínimo do correspondente a 50 salários mínimos, na data da r. sentença, com juros legais da citação e correção do ajuizamento, compensadas as sucumbências afastável (sic), ante o melhor suporte científico-laboratorial." (fls. 393/394) (grifei)
Com razão a recorrida.
À luz do comando normativo inserto no art. 1.060 do Código
Civil de 1916, reproduzido no art. 403 do vigente códex, sobre nexo causal em matéria de responsabilidade civil – contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva – vigora, no direito brasileiro, o princípio da causalidade adequada, também denominado princípio do dano direto e imediato.
Segundo referido princípio ninguém pode ser
responsabilizado por aquilo a que não tiver dado causa (art. 159 do CC/1916 e art 927 do CC/2002) e somente se considera causa o evento que produziu direta e concretamente o resultado danoso (art. 1060 do CC/1916 e 403 do CC/2002).
Destarte, o direito, mesmo em se tratando de
responsabilidade objetiva, rejeita qualquer indenização, se incomprovado o nexo de causalidade entre o fato alegado e o dano, entendimento esse que se extrai da valoração jurídica da prova, consoante precedente de lavra do em. Ministro Luiz Fux, assim ementado:
"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.
PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PLEITO DE Documento: 8243815 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 9 Superior Tribunal de Justiça DANOS MATERIAIS E MORAIS. MORTE EM DECORRÊNCIA DE AÇÃO POLICIAL. TIRO DISPARADO CONTRA A VÍTIMA. INVASÃO DE DOMICÍLIO. CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO. ONUS PROBANDI DO ESTADO. CORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO MATERIAL. (...) 3. A situação descrita nos presentes autos não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte. Isto porque, não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de nova convicção acerca dos fatos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem de tese consubstanciada na Responsabilidade Civil do Estado, por danos materiais e morais, decorrente do falecimento de vítima, ocasionado por errôneo planejamento de ação policial, que impõe a inversão do onus probandi. 4. "O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. Não se quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial, viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas. Acontece que esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento; iv) do objeto da convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções; ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios Documento: 8243815 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 7 de 9 Superior Tribunal de Justiça presuntivo, probatório e decisório". (Luiz Guilherme Marinoni in "Reexame de prova diante dos recursos especial e extraordinário", publicado na Revista Genesis - de Direito Processual Civil, Curitiba-número 35, págs. 128/145) [...]"(REsp 737797 / RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 28/08/2006 p. 226). "
Na esteira desse raciocínio, posiciona-se a a doutrina pátria:
“mesmo na responsabilidade objetiva – não será
demais repetir –é indispensável o nexo causal. Esta é a regra universal, quase absoluta, só excepcionada nos raros casos em que a responsabilidade é fundada no risco integral, o que não ocorre no dispositivo em exame. Inexistindo relação de causa e efeito, ocorre a exoneração da responsabilidade. Indaga-se, então: quando o empresário poderá afastar seu dever de indenizar pelo fato do produto ou do serviço? Tal como no Código do Consumidor,a principal causa de exclusão da responsabilidade do empresário será a inexistência de defeito. Se o produto ou serviço não tem defeito não haverá relação de causalidade entre o dano e a atividade empresarial. O dano terá decorrido de outra causa não imputável ao fornecedor de serviço ou fabricante do produto. Mas se o defeito existir, e dele decorrer o dano, não poderá o empresário alegar a imprevisibilidade, nem a inevitabilidade, para se eximir do dever de indenizar. Teremos o chama fortuito interno, que não afasta a responsabilidade do empresário.” (Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil 7ª ed, Ed. Atlas, 2007, p.166/7).
A imputação de responsabilidade civil, portanto, supõe a
presença de dois elementos de fato, quais: a conduta do agente e o resultado danoso; e de um elemento lógico-normativo, o nexo causal (que é lógico, porque consiste num elo referencial, numa relação de pertencialidade, entre os elementos de fato; e é normativo, porque tem contornos e limites impostos
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Superior Tribunal de Justiça pelo sistema de direito, segundo o qual a responsabilidade civil só se estabelece em relação aos efeitos diretos e imediatos causados pela conduta do agente.
In casu, revela-se inequívoca a ausência de nexo causal
entre o ato praticado pela ora recorrente ( a realização da cirurgia) e o dano ocorrido (a paraplegia do ora recorrido), razão pela qual, não há de se falar em responsabilidade daquela pelos danos morais advindos do evento danoso.
Rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar,
não há falar-se em direito à percepção de indenização por danos morais, ainda que a condenação seja por questões humanitárias, uma vez que tal hipótese não está prevista na legislação pertinente.
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial
somente no que tange à violação ao art. 159 do Código Civil e, nessa extensão, dou-lhe provimento para julgar improcedente a ação, mas concedo ao recorrido, de ofício, a assistência judiciária na forma legal, ficando prejudicados os demais temas do apelo nobre.
É como voto.
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