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VANESSA LINKE SALVIO

Paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de Diamantina -MG

Texto de dissertação de mestrado desenvolvido


junto ao programa de pós-graduação em Geografia
do Instituto de Geociências da UFMG para
obtenção do título de mestre, sob orientação do
Professor Doutor Allaoua Saadi.

Belo Horizonte
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Maio de 2008

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Foto: Assis Horta

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“o meu marco tem rosto de pessoa / tem ruínas de ruas e cidades
tem muralhas, pirâmides e restos / de culturas, demônios, divindades
(...)
construí o meu marco gigantesco / num planalto cercado por montanhas
precipícios gelados e falésias / projetando no ar formas estranhas”

o marco marciano
Lenine.

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Àquele que me acompanha, e me leva, por entre as Serras e caminhos outros:
Andrei

A meus pais, minha querida avó, meus irmãos e aos meus


pequenos filhos, Bruno e Victor. A todos estes, que mesmo sem
entender o meu trabalho, apoiaram minha caminhada e
compartilharam das dúvidas, angústias, alegrias, e que, sobretudo,
souberam compreender a minha ausência.

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A muitas pessoas devo agradecer.
Mais uma vez agradeço em primeiro lugar ao grande amigo Marcelino Morais que, uma
vez mais, inspirou-me e deu a este trabalho o ânimo e empolgação iniciais. Por todas as
idéias e grandes incentivos, agradeço a este amigo.
Ao James, Zé Newton, Poliana Valente e Claudão pelas caminhadas e questionamentos
pela Serra do Espinhaço, que formularam as primeiras reflexões que originaram esta
pesquisa. E à Astreia que lutou para que tais caminhadas acontecessem.
Ao amigo e professor André Prous pelo abrigo no Setor de Arqueologia dado a mim e
às minhas idéias.
Ao CNPq, FAPEMIG e Missão Arqueológica Franco-Brasileira por permitirem a
realização deste trabalho.
Agradeço às muitas companhias em campo da equipe do Setor de Arqueologia da
UFMG: à Camila Jácome, Lílian Panachuk, Filipe Amorelli, Alexandre “Mafaim”,
Wagner Gomes, Adriano Carvalho, Juliana (Jujuzinha), Lilian Regina, Deborah Duarte,
Luiza Campera, Letícia Moura, Márcio Leo “Comandante”, Lucas Bueno, Juliana
Machado e Gustavo Neves. Todos eles contribuíram, em muito, para esta pesquisa.
Agradeço aos muitos moradores da Serra, especialmente ao Alex Mendes, Avan, Dona
Neide e Seu Zé, Seu Zé Borges, Seu Antônio Kyuichi Yamaguchi, e família, e à
comunidade de Galheiros por nos receberem nas suas Serras e por nos acompanharem
por elas.
À Dani Piusana pelas acolhidas, pelas „aulas‟, pelas conversas e companhia.
Ao meu companheiro de campo, Ângelo Pessoa, por todos os apoios, mãos e ombros
dados a mim durante todos os anos de trabalho juntos por Diamantina. Por ouvir minhas
reclamações, por dividir a alegria de encontrar um sítio, pelas muitas chuvas apanhadas,
pelos muitos arranhões, pelos lindos desenhos, pelos ensinamentos, e sobretudo, pelas
muitas e muitas conversas que tivemos. Certamente, o resultado dessas muitas
conversas aparece neste trabalho.
Às amigas Patrícia Mara e Gisele Barbosa por dividirem o „tempo do mestrado‟ ao meu
lado. Ao Philippe por todos os nortes dados. Ao Rogério Tobias pela amizade, apoio e
momentos de reflexão.
Ao Allaoua pela orientação e apoio constantes. Pelas muitas conversas e acertos. Pelo
cuidado e atenção. Agradeço ao meu mestre por todos os ensinamentos.
À Ro pelo constante carinhoso cuidado.
À Maria Paula pela atenção e paciência.
Aos meus filhos pela paciência, carinho e amor incondicionais. Por garantirem meus
momentos de descanso.
Ao Andrei, por fim, por existir em minha vida, acompanhando-me em toda a trajetória,
com sua amizade e carinho. Obrigada a ele pela companhia, pelas muitas conversas,
reflexões, colos, risos, cinemas, letras. Agradeço por segurar minha mão e me levar
pelas Serras mostrando possibilidades e vivendo comigo as paixões. A ele por me
acompanhar em toda a trajetória desta pesquisa, tornando-a possível em toda
caminhada.

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INTRODUÇÃO – Intenções na paisagem

A Serra do Espinhaço exibe uma profusão de cores ao nascer e por do sol que,
sendo diferentes em cada um destes, geram a sensação de se estar em distintos lugares
mesmo que em só um se permaneça. E caminhar pela Serra é descobrir nela jardins
“artisticamente plantados” - como diriam Martius e Spix1 -, mesmo que com plantas que
parecem ser “raquíticas e enfezadas” – como diria Burton2. É ver cintilar nascentes e
regatos, é sentir o perfume fugaz das plantas que aparecem assim só para que a
curiosidade seja ainda mais despertada. Caminhar pela Serra é descobrir nichos, é
observar as cores, que quando se acham cinzas, num repente inundam-se de amarelos,
vermelhos, brancos e violetas das plantas, das rochas, dos solos. E é ainda ver a gente de
pele queimada, de falar cantado, de sorrir tímido e que antes de dar qualquer informação
o convida para entrar. Possível ainda ver na Serra, em amontoado ou espalhado, o
testemunho de que ali há muito é lugar dessas e de outras gentes, que coloriram,
mudaram, transformaram e construíram a paisagem da Serra do Espinhaço.
É este cenário, com suas mais diversas paisagens, que tem sido ao longo já de
alguns séculos foco de olhares, também diversos, para algumas e muitas de suas
componentes, sejam elas geológicas, geomorfológicas, históricas, arquitetônicas e
culturais, entre as muitas ainda enumeráveis.
Compreendidos na porção meridional da Serra do Espinhaço, o município de
Diamantina e seus vizinhos, que outrora integraram o antigo Distrito Diamantino,
abrigam inúmeras paisagens. Paisagens que trazem em si percepções de suas
componentes, que adquiriram novas e diferentes atribuições de significado ao longo de
diferentes tempos históricos.
O ouro e mais tarde os diamantes, estes últimos encontrados nos conglomerados
– como os de Sopa – ou nos leitos dos rios de todo o antigo Distrito Diamantino,
incentivaram a ocupação de toda a região no período colonial, se estendendo até o
Império.

1
SPIX e MARTIUS, 1981
2
BURTON, 1977
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Porém, o que seria chamado de Distrito Diamantino, antes mesmo de haver
demarcações da Coroa Portuguesa, de surgirem vilas com eiras e beiras, já havia
recebido em suas cristas e vales pegadas de pessoas e grupos humanos que perceberam,
atribuíram significado e alteraram a paisagem da Serra do Espinhaço na pré-história.
A região do antigo Distrito Diamantino, localizado na porção meridional da
Serra do Espinhaço (Veja mapa em anexo), área de interesse deste trabalho, apresenta
formas de relevo calcadas sobre densas redes de fraturas e cisalhamento, resultantes de
uma evolução geológica-geomorfológica estreitamente controlada por fatores
litológicos e estruturais peculiares (SAADI, 1995; DOSSIN et al, 1990). Essa configuração
morfoestrutural favoreceu a formação de numerosos abrigos nos afloramentos
quartzíticos, os quais guardam numerosos testemunhos de uma rica ocupação pré-
histórica, destacando-se aqueles abrigos cujas paredes foram cuidadosamente coloridas
por grafismos rupestres. Tais pinturas, por serem visualmente interventoras da
paisagem, transformando paredes rochosas em painéis e/ ou conjuntos de painéis
construídos por intencionalidades culturais, se colocam como objeto privilegiado de
análise, juntamente com o meio onde estas se inserem.
Apesar do grande número de abrigos oferecidos pelas condições geológicas e
geomorfológicas da Serra, nem todos esses tiveram suas superfícies rochosas utilizadas
como espaço gráfico. Há na Serra inúmeros abrigos rochosos sem vestígios rupestres,
muitos dos quais localizados próximos e entremeando abrigos contendo aqueles
vestígios. Conquanto, é possível pensar em uma escolha dos abrigos ocupados.
Neste sentido, é objeto deste trabalho a paisagem cultural da pré-história da
região de Diamantina, cujos marcos-testemunhos são as pinturas rupestres. Para tanto,
tem-se por objetivo analisar as paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de
Diamantina, correlacionando os aspectos naturais e culturais dos sítios, a fim de se
chegar a um padrão de inserção destes na paisagem, assim como um padrão para as suas
características, que denotem uma escolha dos abrigos grafados por parte dos autores das
pinturas rupestres.
Dois pontos norteiam a idéia de que os abrigos, que hoje se configuram como
sítios arqueológicos de pintura rupestre, foram outrora lugares eleitos para a realização
de atividades cotidianas e/ou ritualísticas cujos vestígios permaneceram através dos
tempos.

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O primeiro deles é considerar que os autores desses vestígios fizerem parte de
um, ou vários, grupos culturais. É a noção de cultura, portanto, que justifica pensar em
escolha por parte dos autores das pinturas encontradas na Serra, uma vez que é ela a
responsável pela maneira como atividades cotidianas e raras não sejam realizadas de
maneira meramente orgânica. A cultura configura-se, pois, como um contexto em que
estão contidos acontecimentos que não ocorrem de maneira arbitrária ou casual
(RIBEIRO, 2003). Segundo Geertz (1978),
a cultura corresponde a um padrão de significados transmitidos
historicamente, incorporando os símbolos, um sistema de
concepções herdadas expressas em formas simbólicas, por meio
das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu
conhecimento e suas atividades em relação à vida.

Estes padrões e os sistemas de concepções podem ser expressos em atividades


que envolvam questões técnicas do fazer cotidiano, questões envolvendo o mítico e o
imaginário, e em dimensões outras, como nas narrativas, na maneira de compreender os
recursos e o ambiente.
É com base nessa noção de „cultura‟, que o estudo dos locais em que os sítios
rupestres se inserem se torna possível, assumindo a hipótese que os locais pintados
foram resultado de escolhas culturais para a realização de atividades igualmente
culturais. Independentemente de terem sido vinculadas a atividades xamânicas, de
magia simpática, ou puramente funcionais (no sentido de Malinowski,1975), acredita-se
que as pinturas foram postas em locais que se julgavam apropriados e adequados, por
razões várias – por nós ainda desconhecidas.
O segundo ponto se relaciona às observações empíricas. Pesquisas arqueológicas
realizadas na Região de Diamantina3 identificaram, aproximadamente, sessenta sítios
rupestres, a maioria deles parecendo estar colocada em pontos da paisagem muito
semelhantes.
Esta maneira semelhante em que os sítios se inserem na paisagem, que pode ser
chamada de recorrente, parece não estar vinculada a uma falta de abrigos
potencialmente grafáveis situados em condições ambientais diferentes. É possível então
pensar que a escolha dos abrigos pode ter sido relacionada a aspectos naturais da

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As pesquisas arqueológicas na região de Diamantina se iniciaram em 2003, com um projeto de Iniciação
Científica do Centro Universitário Newton Paiva, e continuam ainda hoje com um projeto do Setor de
Arqueologia da UFMG, coordenado pelo Prof. André Prous e financiado pela Missão Arqueológica
Francesa do Brasil e pela FAPEMIG.
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paisagem, como drenagem, posição topográfica, orientação geográfica... Tais aspectos
podem ter recebido significações simbólicas que influenciaram na escolha do lugar onde
realizar atividades de pintura, ou atividades ligadas às pinturas.
Não atingir os significados dados ao lugar ou às pinturas é uma limitação
inerente ao trabalho, mas é possível perceber uma organização espacial, caso ela
realmente exista, que é refletida na apropriação, uso e modelamento da paisagem.
Identificar a organização e estruturação do espaço produzido pela ocupação “pintora” da
pré-história pode ocorrer a partir de estudos e análises que envolvam a caracterização
dos sítios rupestres. Tais análises podem auxiliar na identificação de elementos macro e
micro da paisagem que aparecem associados aos abrigos grafados, e que podem indicar
o estabelecimento de normas e padrões para a ocupação de abrigos.
Quando se fala em paisagem é preciso considerar que paisagem aqui é tratada
como uma dada porção perceptível a um observador, onde se inscreve uma combinação
de fatos visíveis e invisíveis e interações as quais, num dado momento, não percebemos
senão o resultado global (TRICART, 1982). A paisagem é ainda entendia como o
resultado da combinação de elementos naturais e de intervenções humanas nesses
elementos (DOLFFUS, 1971), sendo passível, outrossim, de ser tratada como uma
construção. Construção esta que é efetivada por questões de cunho histórico-culturais
estruturadas por relações sociais, simbólicas, econômicas, políticas, míticas, afetivas...,
que alteram a maneira como as feições naturais são percebidas e apropriadas pela ação
humana.
Por ser objeto desta dissertação as paisagens culturais da região de Diamantina,
considera-se válido discutir a maneira como a „paisagem‟, enquanto conceito e objeto
de análise, foi entendida pela ciência geográfica, e como esta foi relacionada
frequentemente à noção de cultura. Deste modo, far-se-á no capítulo primeiro uma
apresentação e uma discussão de como foi a „paisagem‟ tratada por alguns dos teóricos,
formuladores e críticos da Geografia, e será apresentado como a Arqueologia também
considerou e considera a paisagem vinculada ao registro de atividades humanas do
passado.
No segundo capítulo pretende-se discutir a abordagem teórico-metodológica do
trabalho: a arqueologia da paisagem, alguns de seus preceitos e métodos. Serão
apresentados os critérios - variáveis ambientais e culturais - selecionados para a análise

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dos sítios de pintura rupestre e do ambiente em que estes se inserem, que caracterizam a
abordagem selecionada para esta pesquisa.
No terceiro capítulo serão apresentadas as muitas dimensões da paisagem da
área de estudo. As suas feições naturais serão primeiramente focadas e caracterizadas.
Em um segundo momento serão apresentados os elementos que constituem o
incremento cultural da pré-história à paisagem da Serra: os sítios arqueológicos e seus
vestígios.
Em função de serem as pinturas rupestres as intervenções na paisagem aqui
analisadas, as discussões que elas congregam e as apresentações necessárias serão feitas
no quarto capítulo. Neste sentido, serão discutidos conceitos próprios da análise dos
vestígios gráficos - como a aplicabilidade das filiações culturais atribuídas às figuras ou
a conjuntos de figuras pintadas, e o que são os “estilos” definidos pelo trabalho
arqueológico. Serão também apresentadas as características dos grafismos presentes na
Serra, as tradições culturais, os estilos e os elementos de crono-estilística.
No quinto capítulo, será apresentada a caracterização dos sítios, segundo os
critérios selecionados e que serão apresentados e discutidos ulteriormente neste texto.
No capítulo sexto serão apresentados os resultados das análises das paisagens
dos sítios de pintura rupestre e algumas interpretações que estes resultados favorecerem.
No capítulo derradeiro os resultados serão discutidos, assim como serão
apresentadas algumas reflexões incitadas por eles.
Por conter princípios baseados na ciência geográfica e também na ciência
arqueológica, esta pesquisa se insere em uma atmosfera interdisciplinar uma vez que
aborda, e discute, questões teóricas e métodos essencialmente geográficos e
arqueológicos. À Geografia são reservados as questões e métodos no que diz respeito à
leitura e interpretação da paisagem e à análise que busca caracterizar e situar
espacialmente os sítios em relação a atributos outros que complementam a paisagem. À
Arqueologia são associadas as discussões e princípios que consideram o homem pré-
histórico e os grupos pré-históricos como construtores culturais da paisagem, cujos
testemunhos de sua concepção e construção - vestígios arqueológicos4 - são peças para
re-inventar, interpretar e entender a paisagem como uma artefato cultural.

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Toma-se aqui a Arqueologia como uma área da Antropologia, como é considerada nas Américas, ao
contrário da Europa, em que a Arqueologia é vinculada a História.
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CAP 1: Caminhos da Paisagem – reflexões teóricas,
conceitos e abordagens

A paisagem há muito é objeto de estudo de diferentes disciplinas e não menos


variadas correntes teóricas. Deste modo, recebeu ao longo de muitos anos diferentes
conceitos, que se voltavam a atender necessidades específicas das mais variadas
ciências, como de suas variações teóricas e também metodológicas, por sua vez
influenciadas por fatos e exigências histórico-culturais (MORAES, 2001). Tais fatos e as
derivadas adequações de significado ao objeto – paisagem – deixaram possibilidades
inúmeras de definição e discussão do mesmo, lançando a necessidade de discussão inter
e transdisciplinar.
Na Geografia o conceito de paisagem perpassou tempos históricos e
necessidades filosóficas e sociais, não passando, portanto, incólume, livre de quimeras e
querelas.
O conceito de paisagem passou pela influência do pensamento naturalista do séc.
XIX, em que o (re)conhecimento, descrição e classificação se tornavam método
primeiro no estudo da paisagem - de onde surgiram correntes teóricas e escolas que
valorizavam o determinismo ou o possibilismo. Incitado pela revolução industrial e a
lógica capitalista, o conceito viveu a influência do materialismo histórico. E chega aos
dias de hoje como algo fluido, no sentido de não ser único, acabado e rígido, e não
necessariamente obedecendo à lógica de uma única escola ou corrente teórica
específica.

1.1 - A paisagem no pensamento e práticas geográficas

Não foi recentemente, proveniente de discussões modernas da ciência


geográfica, que o termo paisagem apareceu configurando os arcabouços de definição da
ciência e de seu objeto.
O termo “paisagem” recebeu significados variados ao longo de vários séculos.
Por muitos filósofos e artistas a paisagem foi alocada no âmbito do lugar de
contemplação. Ainda na Antiguidade Clássica, Heródoto e Estrabão realizaram estudos
descrevendo exaustivamente os mundos naturais e sociais dos caminhos que

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percorreram, e dizendo ser esta prática uma descrição da paisagem, necessária ao
reconhecimento da Geografia do mundo conhecido (ANDRADE, 1992; MORAIS, 2001).
Porém foi no séc. XIX que a Geografia, no momento de sua sistematização,
definiu ser a paisagem um de seus objetos de estudo. E por mais que hoje a Ciência
Geográfica, representada por alguma corrente teórica específica, discuta a paisagem
como sendo ou não objeto da Geografia, fato é que ela, a paisagem, ainda tem lugar de
destaque nas discussões. A Ciência Geográfica, ora vista como uma ciência da natureza,
ora vista como uma ciência humana, construiu ao longo dos séculos XIX e XX um forte
arcabouço teórico, em que pode ser visto, ou percebido, o lugar que a paisagem teve em
diferentes correntes teóricas, e como esta foi discutida e abordada (MORAIS, 2001;
CORRÊA, 1997).
No início do século XIX Alexander von Humboldt, naturalista e influenciado
por esta prática cada vez mais comum entre os intelectuais e artistas europeus,
considerou a Geografia enquanto uma ciência de síntese da paisagem. Esta deveria ser
descrita e representada. O observador seria capaz de apreender todos os elementos da
paisagem, registrá-los e representá-los.
Evidentemente carregada dos pensamentos e concepções positivistas do séc.
XIX, essa prática estava intrinsecamente ligada ainda à prática empírica das ciências
naturais, e a paisagem era, portanto, entendida como as feições morfológicas,
fitofisionômicas, topográficas, hídricas e geológicas nas quais o homem atuava. Não era
nesta época o homem elemento constituinte e importante na paisagem, esse era apenas
concebido como um coadjuvante em meio à natureza (DIENER & COSTA, 1999/2002;
BELUZZO, 1995; MORAIS, 2001).
Na segunda metade do século XIX surgia, com Ratzel, na Alemanha uma
concepção da Ciência Geográfica que incluiria o homem no estudo da geografia. A esta
concepção teórica chamou-se Antropogeografia. Ratzel definiu o objeto da Geografia
como o estudo da influência que as condições naturais exerciam sobre o homem. Esta
concepção estava fortemente relacionada aos pensamentos deterministas e
evolucionistas em franca expansão na época, e para ele o espaço no qual o homem
habitava não era entendido como sendo paisagem, mas sim território. Para Ratzel, o
território representaria as condições de trabalho e existência de uma sociedade. A perda
de território seria a prova de decadência da mesma. Enquanto que o progresso
implicaria na necessidade de aumentar e expandir seu território. Estas idéias iam de

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encontro às aspirações imperialistas européias da época, e acabavam por justificar e
incentivar as conquistas e dominações territoriais. A paisagem na Antropogeografia de
Ratzel continuava a ser o ambiente natural, mas agora este ambiente incluía o homem, e
todas suas reações e acontecimentos relacionados a ele eram também naturalizados
(CLAVAL, 1977; CORRÊA,1997; SEEMANN, 2003).
Em oposição à teoria de Ratzel, ainda no século XIX, a teoria de Vidal de La
Blache concebia o homem como hóspede antigo de vários pontos da superfície do
planeta, que em cada lugar se adaptou ao meio que o envolvia, criando, no
relacionamento constante com a natureza, um acervo de técnicas, hábitos, usos e
costumes, que lhe permitiram utilizar os recursos disponíveis. A este conjunto de
técnicas e costumes, construído e passado socialmente, Vidal denominou “gênero de
vida”.
A geografia humana foi entendida como uma geografia de paisagem, sendo uma
concepção de relação entre homem e natureza e não de uma relação entre homens. A
geografia vidaliana se preocupou com agrupamentos, não sociedades, falou de técnicas
e instrumentos não de processo de produção. Para ele o que interessaria à análise seria o
resultado da ação humana na paisagem. Vidal de La Blache admitiu que o homem sofre
sim influência do meio, mas que tudo é uma questão de contingência. Assim, o homem
conseguiria sobreviver e evoluir, não determinado pelo meio, mas à medida que ele
dominasse e transformasse a natureza (possibilismo5). A concepção de paisagem La
Blache de paisagem admitia que havia sim uma influência que o meio exercia sobre o
homem, mas que o sucesso do homem neste meio estaria relacionado à maneira e à
medida que o homem conseguisse dominar e administrar o ambiente, ou seja, a
paisagem e o homem se relacionavam em um caráter funcionalista (CORRÊA, 1997;
MORAIS, 2003).
No século XX, várias correntes teóricas surgiram, algumas com novas
abordagens e que buscavam romper com as teorias ditas “tradicionais”, enquanto outras
apenas buscavam complementar as antigas abordagens com conceitos revistos e
métodos novos.
As correntes teóricas da Geografia, na verdade, dificilmente conseguiram
romper completamente com as escolas ou correntes antecessoras. Embora seja clara

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O termo possibilismo, não foi utilizado por La Blache, mas sim por Lucien Febvre, importante
historiador da Ecole des Annales.
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uma possível crítica das escolas ditas modernas a suas antecessoras, a verdade é que as
novas escolas ou concepções teóricas que foram surgindo não romperam
definitivamente com as antigas premissas, não propondo métodos e teorias que fossem
absolutamente inovadoras e originais.
A Geografia Teorética/Pragmática, surgida no Brasil no decênio de 60/70, mas
com um sólido percurso já estabelecido na Europa, também conhecida como “Nova
Geografia”, é considerada, por muitos, uma geografia neopositivista ( TILEY, 2001;
CORRÊA, 1997). Os seus métodos de análise fazem uso de modelos matemáticos e
criação de padrões e modelos (estatística), os quais seriam representações das estruturas
fundamentais da organização da paisagem. Nesta “Nova Geografia”, a paisagem passa a
ser entendida como algo resultante da integração entre os aspectos físicos da paisagem e
o uso que o homem faz deste espaço, mas ainda com um permanente viés positivista e
também com traços ora marcados pelo determinismo, ora pelo possibilismo.
A Geografia da Percepção surge concomitante à Geografia Teorética, porém
com objetivos muito distintos. Enquanto a Nova Geografia faz uso de modelos
estatísticos para definições e estudos de áreas dentro de uma “análise regional” pautada
principalmente em aptidões econômicas e fluxos migratórios, a Geografia da Percepção
busca entender como os homens se apropriam do espaço por eles vivenciado, como se
dá sua consciência em relação ao meio que os encerra, como percebem e como reagem
frente às condições e aos elementos da natureza ambiente, e como este processo se
reflete na ação sobre o espaço. Assim, a Geografia da Percepção estaria preocupada
com uma valorização subjetiva do território, em que as idiossincrasias individuais, e não
coletivas, são valorizadas na avaliação. A paisagem aí passa a ser entendida como algo
que contemple a percepção e a ação de atores subjetivos no meio que os contém
(TUAN,1983; MACIEL, 2001) .
A chamada Geografia Crítica (SANTOS, 1986; CORRÊA, 1997; MORAIS, 1987)
surgida na década de 80, nasce em resposta à Nova Geografia, e diz ser o espaço, e não
a paisagem, o objeto desta ciência. Porém, a crítica não é somente a uma corrente
teórica precedente, mas à ordem constituída. Esta linha teórica, de influência marxista, é
considerada como uma “Geografia da Denúncia”, pois encara o embate dos problemas
de cunho social, que são resultantes de uma perversa lógica inerente ao sistema
econômico dominante. Diante desta concepção, não seria a paisagem o objeto da
Geografia, mas sim o espaço e a maneira como ele se constitui ou é constituído. Neste

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sentido, o espaço representa o lugar onde o homem se estabelece e estabelece suas
atividades, e só existe se cumprir funções sociais que façam sentido dentro da lógica
político-econômica na qual vivemos. Para os “geógrafos críticos” a paisagem não pode
ser tomada como objeto da geografia, pois ela não cumpre uma função social hoje. Ela
foi um espaço e não mais se constitui como tal (SANTOS, 2002).
Embora as correntes teóricas da Ciência Geográfica tenham surgido, na maioria
das vezes, em função de contingências e contextos históricos, nem sempre uma única
corrente ou proposta de métodos e técnicas surgiu em contextos específicos. Algumas
vezes, sobretudo na segunda metade do século XX, em que vários países propuseram
abordagens para a Geografia, mais de uma proposição teórico-metodológica surgiu em
lugares diferentes. Embora a ciência geográfica tenha representantes importantes que
marcaram novos pensamentos e maneiras de compreender a Geografia e seu objeto, a
verdade é que é possível encontrar idéias muito semelhantes nascendo e sendo
construídas em locais diferentes. Isso pode, claro, ser explicado por uma inspiração
comum, como por exemplo, autores, que serviram de referência para pesquisadores de
todo mundo.
A partir do segundo quartel do século XX, surgiram importantes abordagens que
definiram uma sofisticada abordagem metodológica de compreensão morfológica da
paisagem, para além da proposta por La Blache, seja valorizando mais aspectos da
“Geografia Física” ou da “Geografia Humana”, mas sempre tendo a natureza, ou o meio
natural, e o homem como fazendo parte de um sistema integrado (BERTRAND, 1978;
MACIEL, 2001, CLAVAL, 1999). Estas concepções foram em muito influenciadas pelas
abordagens ecológicas – ecologia da paisagem – de Hatter e Passarge.
Nos Estados Unidos, Carl Sauer fundou a Escola de Berkeley e propôs a
chamada Geografia Cultural, que só consegue destaque no Brasil a partir do final da
década de 80 e que, há trinta anos, já estava sendo desenvolvida e trabalhada na Europa,
sobretudo na Alemanha e França.
Carl Sauer propôs o estudo das paisagens culturais, defendendo ser de
competência da Geografia a “análise das formas que a cultura de um povo cria, na
organização de seu meio” (MORAIS, 2001:86). Suas análises focavam principalmente as
intervenções do homem sobre a fauna e a flora. Dialogando estreitamente com a
Antropologia Americana, a Geografia Cultural proposta por Sauer considera o homem
enquanto sujeito modificador do espaço, delimitador de territórios, capaz de alterar,

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manipular o meio ambiente, tudo isso através de um contexto que é cultural e histórico.
Em 1925, em sua obra entitulada The Morfology of Landscape, ele definiu a paisagem
como o conjunto das formas naturais e culturais associadas. Para ele a paisagem seria o
resultado, ao longo do tempo, de um agente – a cultura – sobre o quadro natural. Sauer
propôs que a paisagem deve ser entendida em sua totalidade, pois os objetos, elementos,
da paisagem existem inter-relacionados, e que a realidade não seria expressa no estudo
isolado dos elementos que compõem a paisagem (SAUER, 1998).
A Geografia Cultural de Sauer recebeu inúmeras críticas e reformulações ao
longo do século XX e é justamente a inserção de um novo conceito de cultura que
garantiu um significativo aumento de estudos das paisagens culturais.
Em termos metodológicos, após longos períodos de reformulação, a Geografia
Cultural propõe que a paisagem deve ser lida e interpretada (hermenêutica), neste
sentido a prática descritiva da paisagem é substituída por uma que é interpretativa. A
paisagem é considerada como o lugar e o produto em que as relações entre homens e
entre homem/meio ocorrem. Sendo assim o objeto da Geografia. Nesta abordagem as
paisagens:

falam dos homens que as modelam e que as habitam atualmente, e


daqueles que lhes precederam, informam sobre as necessidades e os
sonhos de hoje, e sobre aqueles de um passado muitas vezes difícil de
datar (CLAVAL, 2001:15).

1.2 - Cultura – a concepção de um conceito nos estudos de paisagem

A Geografia há muito associou a cultura à paisagem. Foi desde Ratzel que se


pode dizer que a cultura exercia importante papel na capacidade adaptativa do homem
ao meio. Seria através de suas técnicas que ele seria mais ou menos bem sucedido no
processo de adaptação. Deste modo interessava a Ratzel analisar através das técnicas
dos povos o quanto eles estavam bem adaptados ao meio. Para ele as técnicas mais
rudimentares seriam indicadoras de povos menos evoluídos e adaptados. O domínio de
técnicas seria, portanto, a chave para o processo adaptativo, e este domínio estaria
vinculado à noção de cultura, que se vincula aos meios de aproveitamento do ambiente
(CLAVAL, 2001). A cultura na Antropogeografia de Ratzel seria analisada sob os
aspectos materiais, como um conjunto de artefatos utilizados pelos homens em sua
relação com o espaço. O modo como as técnicas foram desenvolvidas e apreendidas não
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configuravam objeto de questionamentos para Ratzel, uma vez que as técnicas eram
difundidas quase que organicamente entre os povos (difusionismo).
A noção de cultura aplicada por Ratzel era aquela em voga na época. Não havia
um conceito de cultura efetivamente discutido pela Antropologia. Essa era vista como
um conjunto de atributos, os quais estavam estreitamente relacionados ao
evolucionismo. A idéia chave do pensamento antropológico da época é a idéia de
evolução. As diferentes culturas eram então classificadas e explicadas numa única
grande linha evolutiva de toda a humanidade, para o enquadramento das culturas dentro
desta linha evolutiva, os atributos tecnológicos tinham prioridade (MORGAN, 1973;
LARAIA, 2003; TRIGGER, 2004).
Outros geógrafos alemães, contemporâneos a Ratzel, fizeram uso da cultura
como explicativa de fenômenos culturais e também como chave para a análise de
algumas questões essencialmente geográficas.
Otto Schlüter, desde 1880, havia se especializado no estudo dos
estabelecimentos humanos, e considerava ser a paisagem modelada tanto pelas forças da
natureza, quanto pela ação humana. Seriam objeto da Geografia as transformações que o
homem impõe à natureza – desmatamentos, edificações, queimadas, processos
erosivos... Todas estas modificações estariam sendo mediadas pelas necessidades
humanas, que por sua vez seriam orientadas pela cultura. Trabalhos semelhantes foram
desenvolvidos por outros geógrafos como Eduard Hahn (1856-1928), August Meitzen
(1822-1910), em que o interesse de análise da paisagem cultural ficava limitado aos
aspectos materiais da cultura, que indicariam o domínio de técnicas necessárias à
melhor adaptação (CLAVAL, 2001). Tais análises, contudo, negligenciam os processos
relacionados à dimensão sutil e simbólica das técnicas, como os sistemas de valores e
aquisição de práticas. Quanto às questões de transmissão das técnicas, a explicação era
construída também através do difusionismo.
Na concepção de Vidal de La Blache a cultura é algo a ser compreendido através
dos instrumentos que as sociedades utilizam e das paisagens que modelam. O
diferencial da noção de cultura e conseqüente análise de paisagem se dão em função de
compreender as técnicas e os resultados da ação do homem no meio natural como
componentes de gêneros de vida (CLAVAL, 1987). Estes estariam vinculados à maneira
como os homens organizam seu tempo e seu espaço na realização de atividades
cotidianas de sobrevivência e lazer. O modo como as técnicas de domínio do meio

19
natural e de organização do tempo eram passados era ainda explicado através da
difusão, contudo a relação do homem com o meio não era explicada por questões
adaptativas, mas sim funcionalistas.
O caráter funcionalista das explicações das relações que se davam entre
homem/natureza ia de encontro com formulações históricas e antropológicas da Europa
- e Estados Unidos - do século XX. O histórico-culturalismo toma determinadas regiões
como objeto a fim de tentar classificar os diferentes modos de vida que existiram ali ao
longo do tempo. Estabelece-se uma sucessão de modos de vida, que são definidos a
partir das diferenças na cultura material (TRIGGER, 2004; RENFREW & BAHN, 1993).
Na França, alunos de Vidal de La Blache e outros pesquisadores, vindos
sobretudo da História, realizaram importantes trabalhos que valorizavam o
entendimento das paisagens agrárias francesas, acrescentando às formulações de La
Blache abordagens que se voltaram para a reconstrução da história dos lugares, para a
etnografia e estudos folclóricos, nos quais componentes sociais e ideológicos da cultura
foram mais valorizados (BRUNHES, 1948; DEFFONTAINE, 1945).
A escola de Berkeley, fundada por Sauer, inaugurou o estudo de paisagem nos
Estados Unidos. A ênfase dada por Sauer no estudo da paisagem cultural, seguindo o
que vinha sendo feito na França e Alemanha, era em relação às tecnologias. Apesar de
dar atenção à cultura não material (crenças, sistemas sociais...), a verdade é que a
Geografia Cultural proposta por Sauer focava seus estudos nas formas visíveis da
paisagem.
Para ele, a cultura era considerada como um conjunto de práticas
compartilhadas, comuns a um grupo humano em particular, que foram apreendidas
através das gerações. A cultura parecia ser algo que funcionava através das pessoas a
fim de alcançar objetivos pouco conscientes. Os fatos ligados à cultura eram
considerados como uma natureza superior imposta aos homens (DUNCAN, 1980 apud.
CLAVAL, 2001). A este entendimento de cultura os críticos da Geografia Cultural
proposta por Sauer chamavam “determinismo cultural” (COSGROVE, 2004).
A noção de cultura como algo exterior às sociedades e grupos humanos persistiu
ainda por um período considerável ao longo dos novecentos.
Na década de setenta do século passado é que o estudo da paisagem passa a
considerar a cultura como algo que não funciona simplesmente através dos seres

20
humanos, ao contrário, é através das ações humanas que ela é constantemente
reproduzida e mantida (COSGROVE, 2004).
As abordagens da “Geografia da Percepção” foram as que mais contribuíram
para discutir a paisagem no nível do subjetivo e do simbólico. Contudo, consideravam
idiossincrasias individuais, percebidas por métodos que envolviam a psicologia, e não
extrapolavam a análise para grupos de indivíduos que compartilhassem o mesmo
universo cultural. Sendo assim, a análise cultural da paisagem ficava reduzida à análise
individual da paisagem.
Embora a questão fenomenológica da paisagem tenha sido abordada pela ciência
geográfica desde o século XIX, em menor ou maior escala, com menor ou maior
clareza, a verdade é que foi superficialmente encarada por não considerar a cultura
como um fenômeno em que atuam complexos sistemas simbólicos e sociais.
A Geografia claramente dialoga com a Antropologia desde Ratzel. É desta
última cátedra que os conceitos de cultura foram apropriados para compor os estudos de
paisagem cultural. Se de alguma maneira existiu uma fragilidade deste conceito é
porque, em certa medida, este ainda estava sendo trabalhado e discutido por aquela
ciência, que, como na Geografia, possui diversas escolas com objetivos e premissas um
tanto diferentes, que tem na cultura e nos processos que a envolvem e a constituem seu
objeto.
Mas a Geografia, de todo modo, insistiu em um conceito de cultura que
valorizava o caráter adaptativo de grupos humanos, enquanto já se falava da cultura
como uma lógica organizativa do pensamento que estrutura as ações e as relações
sociais (LEROI-GOURHAN, 1984; LEVÍ-STRAUSS, 1991), ou como um conjunto de
concepções simbólicas (GEERTZ, 1978). Ao mesmo tempo em que insistiu também em
ignorar as questões culturais das sociedades modernas, quando analisando os processos
de produção e re-produção dos sistemas político e econômico atuais – o caso da
chamada Geografia Crítica.
Foi na década de 80, sobretudo, que uma geografia interessada na maneira como
as paisagens são apropriadas, concebidas e modificadas por grupos culturais passa a
compreender a cultura de acordo com as escolas modernas de Antropologia:
estruturalismo e hermenêutica.
Embora se veja ao longo do percurso feito pela ciência geográfica uma constante
(re)apropriação do que se entende por paisagem e cultura, e também de como analisa a

21
primeira, a verdade é que as novas concepções teóricas nunca se sobrepuseram às
anteriores de modo a extingui-las. As concepções e métodos propostos por La Blache
não deixaram de existir, serem aplicados e terem importância na ciência geográfica, em
função do surgimento, por exemplo, da escola de Berkeley fundada por Sauer. Muito
pelo contrário, é possível encontrar na geografia cultural proposta por este, muito das
teorias de Vidal de La Blache. O mesmo pode-se dizer das abordagens evolucionistas.
Elas continuam existindo e tendo importante papel nos estudos das relações existentes
entre homem e natureza. As correntes teóricas, assim sendo, não são estanques ou
substituíveis, sendo possível colocá-las em diálogo constante e direto, adequando-as a
um determinado objeto. Desta maneira, a subdivisão em correntes teóricas ou escolas é
na verdade uma tentativa didática de ilustrar preocupações de determinados contextos
históricos, que acabam por inovar, com diferentes abordagens e conceitos, a ciência
geográfica, e todo o pensamento científico de determinada época ou século.

1.3 – Paisagens naturais e vestígios: a compreensão das relações de


apropriação do homem e seu meio na perspectiva da Arqueologia

Semelhante à trajetória realizada pela Geografia na construção do conceito de


paisagem, relacionando-o ao conceito de cultura, o pensamento arqueológico passou por
inúmeras mudanças, também influenciadas por contextos históricos e sociais. Estas
mudanças, que admitiam inclusões de novos pensamentos, manutenção e também
abandono de antigas concepções, refletem na maneira como a relação homem x
ambiente é, e foi, entendida pela Arqueologia, e na maneira como lidar e analisar esta
relação.
O surgimento da Arqueologia está vinculado a práticas de colecionadores e de
„curiosos‟, estando amplamente restrita – durante os séculos XVII e XVIII – às coleções
pessoais de nobres e aventureiros, chamados de antiquariaristas. Somente a partir do
século XIX que se esboça (ou começa a se esboçar) um conjunto de técnicas que passa a
tratar os objetos arqueológicos com mais critério e também como algo que congregava
informações sobre populações pretéritas, dignas e passíveis de serem estudadas. A partir
deste momento a Arqueologia passa a fazer uso de métodos, técnicas e de corpus
teórico de diferentes ciências, na época, em constante formulação.
Neste período a Arqueologia passa sistematicamente a tentar entender os
artefatos em sua condição estratigráfica, e ainda a caracterizá-los de forma sistemática,
de modo a identificar diferenças marcantes naqueles que indicassem diferenças culturais
22
entre as populações e grupos que os produziram, buscando, ainda, correlacionar as
características dos artefatos, que seriam indicativos de populações mais ou menos
evoluídas e/ou adaptadas, ao meio ambiente, criando modelos que dessem conta de
explicar a diversidade cultural em função do meio natural. Diversas abordagens, com
semelhanças e distinções existentes entre si basearam-se ora em teorias evolucionistas,
ora se basearam questões adaptativas, nas quais o evolucionismo não predominava,
porém todas acreditando que o homem se relaciona com o meio natural a partir de suas
técnicas, de modo que as sociedades tenderiam a se suceder à medida que as técnicas,
cada vez mais sofisticadas, necessárias para sobreviver ao ambiente fossem apreendidas.
O resultado disto, como dito alhures, seria uma sucessão de sociedades, identificadas a
partir das diferenças expressas na cultura material: artefatos/vestígios arqueológicos.
Preocupadas com as técnicas com as quais os homens se adaptam ao meio
natural, as abordagens inseridas, no então chamado Difusionismo, para o trato dos
vestígios arqueológicos em muito se assemelham com as teorias propostas por Ratzel,
que além de geógrafo era etnógrafo.
Às concepções de Ratzel ficam reservadas as semelhanças no que se refere o
caráter intrinsecamente determinista da época. Assim como propunha Ratzel, algumas
das práticas e pensamentos arqueológicos criam na difusão do conhecimento técnico e
não na possibilidade da invenção e apreensão de técnicas semelhantes ou iguais por
distintos grupos humanos que não fossem historicamente vinculados, defendendo
também a idéia de que os ambientes influenciariam, ou melhor, determinariam a cultura
das sociedades humanas.
Somente no século passado, sobretudo na segunda metade, que novas
abordagens surgiram, desfocando das seqüências de artefatos e das características
adaptativas que estes congregariam, para valorar os processos pelos quais os grupos
humanos gerem o ambiente, de modo a melhor se adaptarem. Nestas novas abordagens
inseridas na chamada Nova Arqueologia, ou Arqueologia Processual, os estudos dos
sítios e dos artefatos faziam uso de concepções sistêmicas. Estas - relacionadas, em
certa medida, às teorias dos Geosistemas, considerando, quando possível todas as
„facetas‟ou layers da paisagem geográfica - passam a se interessar pela recriação de
paleo-ambientes associados aos vestígios arqueológicos, e, sobretudo, pelos processos
de formação dos sítios, elaboração de modelos interpretativos sobre mobilidade, sistema

23
de assentamento, variabilidade intra-sítio e organização tecnológica (BUTZER, 1984;
DIAS, 2003).
Em um movimento de críticas às propostas anteriores viu-se surgir algumas
novas abordagens teóricas e metodológicas que objetivavam análises preocupadas não
mais com os processos que envolvem as questões práticas da produção da cultura
material, e sim com questões que envolvem a fenomenologia, como percepção,
cognição, e que envolvem a construção social do espaço. Algumas destas abordagens
começaram a focar suas análises na paisagem enquanto um texto que deve ser lido e
interpretado através dos seus signos, utilizando-se da hermenêutica (TILLEY, 1991), e
outras passaram a se preocupar com as questões mais voltadas para as relações sociais
entre os grupos culturais produtores dos vestígios arqueológicos, que estariam de
alguma maneira expressas na distribuição espacial dos vestígios na paisagem
(ZARANKIN, 2002; ZARANKIN & NIRO, 2006; HABER, 2006).
As diferentes concepções teóricas apresentadas brevemente acima foram assim
organizadas seguindo uma visão anglo-saxônica, contudo, houve, e ainda há, diferentes
arqueólogos em distintos países e continentes que usaram abordagens distintas das aqui
apresentadas. Entre estas se encontra o chamado estruturalismo. Originado na França, e
incitado, sobretudo, na Arqueologia, por Leroi-Gourhan o estruturalismo propõe que há
uma lógica que estrutura a cultura, e que é visível nas manifestações desta, incluindo a
cultura material e a maneira como esta se distribui pela paisagem.
Todas as abordagens apresentadas consideravam, de uma maneira ou outra, a
paisagem como uma importante fonte de informações, quando não objeto de
compreensão da pré-história. Porém o significado dado aos elementos de paisagens
foram diferentemente valorizados e tratados ao longo da maturação do pensamento
arqueológico. Criaram-se diferentes métodos e modelos que foram aplicados em
diferentes realidades ambientais e arqueológicas, todavia algumas concepções foram
apenas individualmente tratadas, em função de especificidades de alguns objetos de
pesquisa e seus contextos. Isto quer dizer que algumas premissas e formas de se
entender o registro arqueológico e seu contexto ambiental, relacionado aos contextos
culturais que os produziram, perduraram e perduram, a menos que se tenham
informações dentro de um específico contexto de pesquisa que permitam refutar,
contestar ou inovar tais premissas.

24
Uma destas premissas tem a ver com a maneira como se entende os modos de
vida dos caçadores-coletores. As diferentes pesquisas mostraram que os grupos
caçadores-coletores são caracterizados por um sistema de mobilidade intenso
relacionado a um sistema de explotação dos recursos ambientais. Os grupos caçadores-
coletores têm grandes áreas como seu território6, as quais ocupam de forma não
permanente, mas sim de maneira sazonal e cíclica. Esta sazonalidade estaria vinculada à
disponibilidade de recursos, que em outras áreas e em determinadas épocas se
escasseariam, seja pela própria explotação dos recursos, seja por questões relacionadas
às dinâmicas ambientais. Deste modo, considera-se que os grupos caçadores–coletores
detinham na pré-história um grande conhecimento dos recursos disponíveis e
distribuídos em seus territórios. Certamente muitas das atividades realizadas por estes
grupos mantinham um estreito viés com aspectos e elementos ambientais, e com o
conhecimento de suas espacializações ao longo dos territórios. Estas relações poderiam
estar vinculadas tanto às atividades preocupadas com a economia material dos grupos,
mas também com uma economia simbólica, como hoje se vê nos trabalhos etnográficos
realizados entre os grupos caçadores-coletores contemporâneos (INGOLD, 2000;
WIESSNER, 1982).
Para os grupos horticultores há também o consenso de que o modo de vida
destes grupos era, e ainda é marcado por uma mobilidade restrita. Esta não mobilidade,
chamada por alguns de sedentarismo, não suprime o conhecimento que estes povos
guardavam do seu meio (FAUSTO, 2001; NEUMANN, 2007). É notório que os espaços
nos quais tais grupos viveram na pré-história foram amplamente conhecidos, manejados
e mapeados, também em função de suas atividades econômicas e simbólicas.
As relações existentes entre o substrato natural da paisagem e a cultura podem
ser vistas em diversas categorias de vestígio arqueológico como restos faunísticos,
depósitos vegetais e também na indústria lítica, e em diversos tipos de sítio que foram
utilizados para funções muito específicas como a caça, a limpeza da caça, a explotação
de matéria prima. No registro rupestre, contudo, a relação com os recursos ambientais
não pode ser atribuída a questões de subsitência e de economia material. Ë sabido que
alguns grafismos se relacionam à magia simpática, mas é sabido que alguns outros,
atribuíveis a outros grupos, se relacionam ao mapeamento de trilhas e narrativas míticas.
Sabe-se, portanto, de uma grande diversidade no que diz respeito às relações entre arte

6
Para saber mais ver Binford 1983.
25
rupestre e outros aspectos das culturas. Esta diversidade deve servir de advertência para
que não assumamos funções e significados para a prática de grafar em contextos
culturais que desconhecemos quase inteiramente. Sendo assim, acredita-se que o
relacionamento entre arte rupestre e paisagem se faz primeiramente no sentido da
percepção, eleição, organização do espaço nos quais se realizaram atividades gráficas,
ou que foram responsáveis pela produção dos grafismos. As questões de subsitência não
são, portanto, a chave de compreensão e interpretação dos grafismos e das relações
estabelecidas entres eles e a paisagem.

1.4 – A paisagem e a cultura: relações de percepção e apropriação

Uma mudança no modo de compreender a cultura e a maneira como ela age no


meio natural prevê também uma mudança no entendimento do que é a paisagem.
Os estudos mais recentes, que desenvolvem uma abordagem, digamos,
“renovada” dos estudos de paisagem, a entendem não somente como meio em que
vivem e atuam os homens, mas também como produto da ação humana (KNAPP &
ASHMORE, 1999).
A paisagem, ou paisagens, enquanto produto, são originadas a partir das
experiências humanas que podem ser orientadas por questões de naturezas diversas, seja
por relações de produção ou por significações que evolvem o afetivo e o simbólico, ou
seja, que envolvem as questões do mundo concreto além do subjetivo e ideológico
(HOLZER, 1998; ISNARD, 1982).
A paisagem, enquanto o lugar de atuação de grupos culturais, é constituída por
elementos naturais e também por aqueles que foram, outrora, construídos pela ação
humana, e que freqüentemente são tomados ou percebidos como estimuladores de uma
nova ocupação dos espaços, ou como parte importante da história das pessoas e dos
lugares (ISNARDIS, 1997; BUENO, 2005; ZARANKIN, 2005). As paisagens culturais se
sobrepõem, são reconstruídas e (re)significadas, o que as torna dinâmicas e inacabadas.
A paisagem, portanto,

é uma forma escultural anônima construída pela ação humana, nunca


completa, e constantemente sendo incrementada, e a relação entre
pessoas e ela é uma dialética constante e um processo de estruturação:
a paisagem é tanto meio para e resultado de ações e histórias
anteriores de ações. Paisagens são experenciadas na prática, em
atividades concretas (TILLEY, 1994:23)

26
Independentemente das mudanças que tenha havido no entendimento da cultura
e das paisagens culturais, a influência que o homem recebe, e recebeu, do meio é
inegável. Os grupos humanos sempre receberam influências do meio natural, ao mesmo
tempo em que sempre o utilizaram e dele se apropriaram, modificando-o, alterando-o,
exercendo sobre ele influências. Neste sentido, como nas demais abordagens das
paisagens culturais, o que continua sendo interesse nos estudos de paisagem é a relação
do homem com o seu sítio.

(...) este contato do homem e de seu domicílio, mutante, tal como se


exprime através da paisagem cultural, é nosso campo de estudo.
Concerne a nós a importância que tem o sítio para o homem, e também
as transformações que este impõe ao sítio. Em síntese, tratamos das
inter-relações do grupo, ou das culturas, com o sítio, tal como se
exprime através das diversas paisagens da Terra (SAUER, 1974).7

E da mesma forma como em abordagens do início do século XX, esta relação


continua sendo analisada através das marcas que os grupos humanos impõem ao meio
ambiente que os encerra.
O que difere as abordagens contemporâneas daquelas anteriormente formuladas
é aquilo que são considerados os “incentivos”, ou motivações, que agem ou estão
embutidos nos grupos humanos.
Em novas propostas de estudo da paisagem, não é a necessidade de “dominar” e
se adaptar ao meio que age estruturando as ações e comportamentos humanos. São
aspectos culturais, que abarcam não somente as relações de sobrevivência, mas também
os fenômenos de percepção e atribuição de significados aos lugares.

As intervenções que um povo promove sobre as feições naturais de


uma determinada localidade (...) encontram-se estreita e
insofismavelmente associadas à percepção dessas feições e à
atribuição de significados culturais a elas (ISNARDIS, 2004:15).

E é a atribuição de significados que torna as paisagens culturais (COSGROVE,


2004). Revelar os significados culturais da paisagem, segundo Cosgrove,

exige uma habilidade imaginativa de entrar no mundo dos outros de


maneira auto-consciente e, então, re-presentar essa paisagem num
nível que seus significados possam ser expostos e refletidos
(COSGROVE, 2004).

7
in: Claval 2001:30
27
Para compreender a marca de apropriações do espaço e a possível atribuição de
significado, é necessário compreender o espaço/ paisagem em relação com os outros
atributos – elementos – da paisagem. Portanto, os métodos desenvolvidos anteriormente
para estudo e compreensão da paisagem se tornam fundamentais.

Os objetos que existem juntos na paisagem existem em inter-relacão,


Nós afirmamos que eles constituem uma realidade como um todo que
não é expressa por uma consideração das partes componentes
separadamente (...) (SAUER, 1998).

Uma vez que a paisagem é composta por redes complexas de significados, é


importante que se considere as paisagens como formadas por signos. Cada elemento da
paisagem (rio, árvore, pico, mata, nascente, igreja, praça...) deve ser entendido como um
possível signo. Ou seja, como algo que tem em si um significado e um significante, em
que o significante é o suporte material que sustenta o significado, este por sua vez é o
sentido, a idéia mental que corresponde ao signo (SAUSSURE, 1991). O signo é assim
considerado quando o significante é reconhecido como algo que tem em si um
significado que é partilhado por comunidades afins. O que quer dizer que, para um
signo assim ser, este deve ter seus elementos constituintes reconhecidos por
comunidades que partilham algo de seu repertório, ou tenham repertórios culturais
comuns, como a língua, a religião, o trabalho (SAUSURRE, 1991; ECO, 1994).
A paisagem deve ser compreendida, portanto, como um conjunto de signos, que
devem ser identificados e interpretados. Como a proposta de entendimento dos signos,
assim como sua conceituação, surgiu na lingüística (SAUSSURRE, 1991; ECO, 1994,
BARTHES, 1964), sua aplicabilidade, apesar de extremadamente útil e possível, no
estudo de paisagens culturais, exige uma certa reflexão e adequação.
Segundo Tilley (1991), o significado da palavra „cavalo‟ não significa animal de
quatro patas, mas uma representação mental dele.

O signo, deste modo, somente ganha sentido diacriticamente, a partir


de um sistema de linguagem no qual cavalo só é cavalo porque não é
vaca, rato ou cachorro e vice versa. Então o sentido só existe na
diferença e é sempre relacional. Signos isolados não podem existir,
porque eles não têm sentido8 (p.21).

8
Tradução da autora.
28
Em relação à paisagem, o que chamamos por casa, pasto, mata, rio, etc.só
ganham o sentido que têm, porque sabemos diferenciar cada uma destas coisas. E por
mais que nós chamemos o rio de „rio‟, e os povos de língua inglesa o chamem de
„river‟, o fato é que as duas palavras, por mais diferentes que sejam, designam a mesma
representação mental, contudo elas não carregam o significado que o rio tem para cada
um dos povos. Isto quer dizer que, se queremos chegar a interpretar as paisagens
culturais e seus respectivos significados, não adianta que identifiquemos os elementos
separadamente, e fora de seu contexto, afinal o signos são fundamentados nas tradições
culturais que os identificam e lhes atribuem valor, afetando seus usos (TILLEY, 1991).
As propostas de análise, reflexões metodológicas, considerando as paisagens
enquanto conjuntos de signos, serão abordadas com maior profundidade no segundo
capítulo. Por hora, basta mencionar que considerar as paisagens como conjuntos de
signos nos permite ainda considerar a paisagem conjunto de textos, que devem ser lidos
e interpretados. O papel do leitor – aqui pesquisador - se resume na difícil tarefa de
identificar palavras, orações e textos, identificar suas estruturas e ainda re-descobrir
seus significados.

CAP 2: Arqueologia da Paisagem: uma abordagem


teórica e metodológica

Considerando a paisagem enquanto uma „construção‟ humana, em que se


relacionam questões do ambiente natural e do ambiente social, se desenvolve uma
vertente da Arqueologia interessada em entender a maneira como as paisagens se
conformam. Surge a Arqueologia da Paisagem, cujo objetivo está em estudar

um tipo específico do produto humano (a paisagem), que usa uma


dada realidade (o espaço físico) para criar uma nova realidade (o
espaço social: humanizado, econômico, agrário, habitacional, político,
territorial, etc.) por meio da aplicação de uma ordenação imaginada
(espaço simbólico: na qual [sic] é sentido, percebido, pensado, etc).
Esta concepção supõe que a dimensão simbólica forma uma parte
essencial da paisagem social e que, portanto, é um entendimento
integral que deve ser levado em conta (CRIADO, 1997 apud
AMENOMORI, 2005:14-15)

A Arqueologia da Paisagem considera as intervenções humanas como


construtoras da paisagem; a partir dos vestígios deixados por estas intervenções –
29
construções, gravuras, pinturas, fogueiras, sepultamentos - e de suas relações com os
aspectos naturais do lugar em que estão pode-se dizer sobre a maneira como os povos
ou grupos que intervieram na paisagem lidavam com o meio (UCKO & LAYTON, 1999;
SANTOS, PARCERO & CRIADO, 1997; KNAPP & ASHMORE, 1999). Isso, claro,
considerando que a maneira como as pessoas interagem com o ambiente é mediada pela
projeção de suas culturas (HYDER, 2004).
E ainda se pode inferir sobre a relação entre grupos culturais, pois intervenções
humanas na paisagem acontecem mediadas também por relações sociais das mais
diversas naturezas, que podem ser vistas ou interpretadas se se considerar que os
elementos “construídos” na paisagem podem também ser elementos “construtores”,
motivando novas relações e novas intervenções no espaço (ISNARDIS, 1997; BENEŠ &
ZVELEBIL, 1999; ISNARDIS, 2004; BUENO, 2005).
Esta abordagem, já bastante difundida entre os arqueólogos da Europa e demais
continentes, é ainda bem tímida no Brasil, sendo poucos os trabalhos em Arqueologia
que consideraram as questões ambientais para análise das ocupações pré-contato como
elementos que podiam estar intimamente relacionados a escolhas culturais, e não
somente à dinâmica ambiental (sedimentação, erosão, mudanças climáticas) ou
possibilidades econômicas e de subsistência. Entre estes encontra-se o trabalho de
Gaspar (2000) sobre os sambaquis, em que estes são analisados sob a perspectiva da
monumentalidade construída e intencional, e também como sistemas de sítios
interligados. Outro trabalho importante é o de Isnardis (2004) que considera a
localização geográfica dos sítios de pintura rupestre do vale do Rio Peruaçu – Alto-
médio São Francisco – como elemento para se entender a dispersão das diversas
manifestações culturais, explícitas nas pinturas e gravuras deixadas nos abrigos do
cânion do Rio Peruaçu, e as relações existentes entre elas. Outros trabalhos como o de
Plenz (2003), Bueno (2005), Zarankin (2005), Amenomori (2005) e Ribeiro (2006)
também tomam para análise aspectos físicos da paisagem e suas atribuições e possíveis
significados culturais.
Contudo, uma análise pormenorizada - lembrando que os trabalhos acima
citados foram realizados por antropólogos e historiadores, com exceção do trabalho de
Amenomori (2005) - das possíveis relações entre os sítios arqueológicos e o quadro
físico e biótico da paisagem, a partir de uma perspectiva da Geografia, pode em muito
trazer novas contribuições para o entendimento do uso, construção e ocupação do

30
espaço pelos povos pré-coloniais, agregando, assim, novos valores e abordagens
interpretativas para a arqueologia brasileira.
Os sítios de arte rupestre são excelentes materiais para o estabelecimento de uma
relação entre os vestígios gráficos neles contidos e suas próprias características naturais.
Isso porque as pinturas ou gravuras são fixadas na paisagem. Ao contrário de outros
tipos de vestígios, os “artefatos móveis”, que podem ser deixados em locais que sirvam
apenas para descarte e que nada tenham a ver com os locais de suas realizações ou com
os locais em que se realizam atividades com eles, as pinturas estão exatamente nos
locais em que foram feitas (CHIPPINDALE & NASH, 2004).
Considerando que os grafismos

com que grupos ocupam locais dentro do seu território são expressões
culturais, não apenas na dimensão obviamente cultural da expressão
gráfica, mas também na dimensão da relação desses grupos com a
paisagem natural (ISNARDIS, 2004:15-16)

tomar os sítios contendo vestígios de atividades gráficas, ou de atividades cujo um dos


produtos são os grafismos, como objeto de análise parece ser uma profícua maneira de
se entender uma dinâmica cultural de escolhas e usos da paisagem; da construção da
paisagem.
Para conseguir entender esta dinâmica a partir de uma percepção de padrões de
inserção dos sítios de pintura rupestre da região de Diamantina (objetivo deste trabalho),
conta-se com a aplicação de métodos desenvolvidos não só para esta pesquisa em si,
mas também estratégias metodológicas desenvolvidas no âmbito de projetos abrigados
no Setor de Arqueologia da UFMG, com os quais esta dissertação de mestrado dialoga
estreitamente.
As análises realizadas baseiam-se em observações que consideram a região em
que os sítios rupestres estão inseridos e o próprio sítio. Usando, portanto, de
informações de macro (a região da Serra do Espinhaço em que os sítios estão inseridos),
meso (o entorno dos sítios) e micro escala (o próprio sítio).

2.1 – Procedimentos e métodos

Buscando analisar as paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de


Diamantina lançou-se mão de um conjunto de procedimentos metodológicos que
abarcam desde a revisão bibliográfica até a interpretação dos dados obtidos na pesquisa.

31
O conjunto de procedimentos pode ser observado no fluxograma (Figura 1).

ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA

ANÁLISE DA
PAISAGEM
PAISAGEM

PRÉ-HISTÓRIA ANÁLISE
ARQUEOLOGIA ARQUEOLÓGICA

DOCUMENTAÇÃO LEITURA DA
S/REGIÃO PROSPECÇÃO/ PAISAGEM
IDENTIFICAÇÃO REGIONAL ANÁLISE
SÍTIOS PINTADOS AEROFOTO-
GRAMÉTRICA
LEITURA DAS
PAISAGENS
INTERPRETAÇÃO DOS SÍTIOS
PINTURAS

ELABORAÇÃO/PREENCHIMENTO
DE FICHAS TABULAÇÃO DOS
CONSTRUÇAÕ DO BANCO DE DADOS

IDENTIFICAÇÃO DE PADRÕES
DE PINTURA DE SÍTIOS
E RELAÇÃO COM CRITÉRIOS
PAISAGÍSTICOS LOCAIS

CARACTERIZAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE ESCOLHA


PARA INSERÇÃO PAISAGÍSTICA DOS SÍTIOS
LEITURA RAZOÁVEL DO PROCESSO
CULTURAL DE USO DOS SÍTIOS

Figura 1: Fluxograma de procedimentos e métodos


A pesquisa bibliográfica buscou reunir informações (dados secundários) sobre a
paisagem da Serra do Espinhaço e sobre a Pré-História regional, a fim de auxiliar na
análise da paisagem dos sítios rupestres.
Esta análise dividiu-se na leitura dos aspectos naturais da paisagem e dos
aspectos culturais da mesma.
Em um primeiro momento a análise das paisagens naturais envolveu
procedimentos de fotointerpretação, com objetivo de se conhecer e reunir mais dados
sobre a paisagem regional e sobre os ambientes nos quais os sítios são inseridos,
enquanto que foram aplicados, para o conhecimento e entendimento dos aspectos
culturais – pré-históricos - da paisagem, métodos de prospecção e identificação de
sítios, bem como de registro e documentação dos grafismos neles contidos.
Em um segundo momento tanto os aspectos naturais e culturais da paisagem dos
sítios foram tratados em um único procedimento que consistiu na elaboração e
preenchimento de uma ficha de sítio, elaborada com critérios selecionados a fim de
caracterizar os sítios com um nível de detalhamento não alcançado na foto-intepretação.
32
Elaborou-se então um banco de dados com as informações obtidas através da ficha, no
qual se realizou o cruzamento dos dados e o tratamento estatístico dos mesmos, a fim de
identificar a existência de padrões de escolha para os sítios de pintura e suas relações
com aspectos paisagísticos locais, que possam ser interpretados como um processo de
construção cultural da paisagem, em que há uma relação íntima com o ambiente.
Em função de ter sido aplicado um conjunto de procedimentos, cuja combinação
de alguns e a criação de outros é proposição desta pesquisa, tais procedimentos serão
apresentados de forma mais detalhada a seguir.

2.2 - Prospecções e área de trabalho

Quando, em 2004, o Setor de Arqueologia da UFMG iniciou as pesquisas na


região de Diamantina, resolveu-se realizar as prospecções de sítios em abrigo a partir de
uma área em que aquele projeto que deu início aos primeiros levantamentos
sistemáticos, Diamantina Rupestre, encontrou o maior número de sítios. Foi delimitado
um eixo sobre o qual caminharam equipes, procurando em todos os afloramentos
rochosos sítios de pintura em abrigos. Nesta prospecção foram encontrados 18 sítios
(Figura 2).
Em incursões posteriores foram encontrados em áreas próximas (Comunidade
Galheiros, e nas proximidades do Batatal) mais três sítios. E em outras incursões foram
encontrados três sítios na Serra do Pasmar, próximo a Barão de Guaicuí, um sítio no
vale da Olaria, dois próximos à BR 367 e um na Serra Redonda no caminho para São
João da Chapada, todos no município de Diamantina, em áreas paralelas ao eixo
sistematicamente prospectado pelas equipes do Setor de Arqueologia, ou próximas de
sua borda leste. Estes sítios foram identificados a partir de informação oral e em função
da curiosidade da Equipe, sempre atenta a afloramentos potenciais, que acabaram
guiando a identificação de novos sítios.
Sendo assim, em uma faixa relativamente restrita, conseguiu-se identificar um
número de 34 sítios, com quantidade significativa de grafismos rupestres atribuíveis a
diferentes unidades estilísticas.
Além das áreas apresentadas, foram prospectadas de forma não intensiva
baseada, sobretudo, na informação oral, pequenas áreas nos municípios de Gouveia,

33
Serro e Datas. No município do Serro foram encontrados seis sítios, no de Gouveia
outros três e no de Datas um.
Sendo indubitável o potencial arqueológico da região (com outros 11 sítios de
pintura conhecidos, identificados por outros pesquisadores na região, além dos 44
identificados pelas pesquisas do Setor, vide mapa, em anexo), escolheu-se trabalhar com
uma área amostral, que inclui o eixo intensamente prospectado, ou seja, a área sobre a
qual se tem um „controle‟ maior das ocorrências.
É preciso aqui considerar que o eixo intensamente prospectado assim o foi em
função com proximidade com a estrada (MG 220), que facilitou o acesso aos
afloramentos. É fato que a estrada nada tem a ver com um padrão de inserção dos sítios,
contudo a estrada está localizada no divisor de águas, assim como uma boa parte dos
sítios encontrados. Deste modo, com objetivo de controlar um possível viés da amostra,
decidiu-se realizar prospecções em duas áreas paralelas àquele eixo sistematicamente
prospectado: uma delas consiste no baixo curso do rio Begônia, no encontro deste com
o médio curso do Maçangana e na foz deste no rio Pardo Grande; e a outra consiste nos
afloramentos que compõem a Serra do Pasmar, área na qual já se conheciam dois sítios.
A primeira delas foi selecionada por corresponder a um ambiente distinto daquele que
comporta o eixo sistematicamente prospectado: as faces dos extensos afloramentos que
limitam os vales dos rios supracitados, cujas planícies apresentam-se maiores do que as
que já haviam sido percorridas, mesmo que brevemente, na área de trabalho. A segunda
área, Serra do Pasmar, ao contrário da anterior, foi escolhida em função de sua
similaridade com a área de trabalho. Nestas prospecções foram encontrados mais onze
sítios de pintura rupestre, sendo dois na área dos vales e nove na Serra do Pasmar.

34
Figura 2: Mapa de área prospectada em Diamantina com sítios encontrados

2.3 - A produção dos dados

Quando da realização do Diamantina Rupestre, começou-se aventar uma


possibilidade de haver uma recorrência na inserção dos sítios encontrados nos trabalhos
de prospecção do referido projeto (LINKE et al, 2006). Contudo o número de sítios
trabalhados pelo projeto constituía-se de uma pequena amostra (apenas doze sítios). À
medida que novas prospecções foram realizadas pelo Setor de Arqueologia da UFMG
pode-se observar que parecia sim haver uma recorrência nas características dos sítios
pintados com a paisagem em que estes estavam inseridos, mas que esta inserção era
predominante, e não única. A maioria dos sítios estava, aparentemente, situada em
locais de fácil acesso, no terço inferior do afloramento, e voltados para áreas de campo,
mas foram encontrados sítios em áreas diferentes: terço médio e superior dos
afloramentos, cujo acesso fazia-se por meio de escaladas e subidas de rampas íngremes.
Todas estas suspeitas, na verdade, vinham daquilo que dá início à maior parte
das pesquisas: intuição, baseada no mais puro empirismo. Era necessário que fossem,
portanto, aplicados métodos de análise das paisagens dos sítios em uma amostra

35
adequada (que era garantida pelo número de sítios então identificados) para verificar a
existência de um padrão de escolhas dos sítios de pintura em abrigo.
Com este objetivo, este trabalho construiu uma metodologia de análise das
paisagens dos sítios baseada em um elenco de atributos/critérios selecionados para
caracterizar os sítios de pintura e seu entorno.
Estes critérios foram organizados em uma „ficha‟, que por sua vez foi aplicada,
em campo, aos sítios localizados dentro da área de trabalho. Faz-se uma ressalva de que
o universo aqui investigado constitui-se dos abrigos que apresentam hoje vestígios
gráficos, é possível que outros abrigos não tenham conservado as pinturas que neles
foram realizadas.
Os critérios utilizados foram selecionados a fim de contemplar características da
morfologia dos sítios (tamanho, tipo de piso...), elementos naturais presentes no entorno
dos sítios (campo, drenagem, aspectos da vegetação...) e as pinturas rupestres (conjuntos
estilísticos, temática presente e predominante), e podem ser vistos na “Ficha de Sítio”,
em anexo.
Antes de se construir a ficha, foi realizada a foto-interpretação (DNPM/CPRM,
1979 escala 1:25.000, vôo UAg 1100 151, 44) da área intensamente prospectada. Foi a
partir da análise desta que se chegou à necessidade de se construir um modo de
trabalhar na escala dos sítios, pois a fotografia aérea permite uma visão em uma escala
pequena demais para que sejam trabalhadas particularidades destes. Contudo a foto-
interpretação foi de suma importância para se construir uma percepção de conjunto da
área estudada.
As fichas foram então tabuladas em laboratório para a formulação de um banco
de dados, que auxiliou na análise e interpretação dos dados, possibilitando o cruzamento
de variáveis. Porém, no momento da tabulação percebeu-se que os critérios
selecionados precisavam ser melhorados e corrigidos. Deste modo, foram criados novos
critérios, assim como critérios antes criados foram reformulados. O preenchimento
destes foi realizado a partir de fotografias, croquis e anotações de campo.

2 .3 a - Coleta das informações dos aspectos naturais da paisagem

36
A aplicação das fichas criadas exigiu a ida em quase todos os sítios identificados
na área de trabalho9, momento em que se realizou o registro fotográfico, os croquis dos
sítios e a verificação da foto-interpretação, agregando nesta elementos não presentes, ou
modificados, ou não identificados que acrescesse informações na análise das paisagens
dos sítios.
Os seguintes critérios foram utilizados para análise:
- Bacia Hidrográfica: neste item foi assinalado a qual bacia os sítios pertencem
(no caso, São Francisco ou Jequitinhonha). Este critério foi selecionado pensando haver
uma distribuição de temas e/ou unidades estilísticas segundo as grandes bacias
hidrográficas.
- Distância da drenagem mais próxima: neste caso optou-se por considerar
qualquer drenagem, seja ela intermitente ou perene. Esta escolha se deu em função da
impossibilidade de acompanhar a dinâmica das drenagens, uma vez que não se tem
prazo - e nem justificativa - para realizar seu monitoramento. A distância da drenagem
foi selecionada enquanto um critério de análise, pensando que pode ser que as
atividades que produziram os grafismos rupestres pudessem estar relacionadas aos
cursos d´água de alguma maneira, seja para facilitar a obtenção de aglutinante ou
solvente para as misturas das tintas, seja por fins simbólicos. E mesmo que a Serra do
Espinhaço seja abundantemente rica em drenagens foi possível encontrar abrigos em
locais distantes (mais de 300 m) de cursos d´água (e todos os vistos não continham
vestígio de pintura rupestre). A distância do sítio à drenagem foi medida com auxilio de
um receptor GPS e agrupada em classes.
- Posição da drenagem: este critério teve por objetivo verificar se havia uma
recorrência entre a inserção do abrigo e a posição da drenagem em relação a este. Para
saber a posição relativa foram utilizados os seguintes valores da variável: em frente, ao
lado, no abrigo, atrás.
- Ainda quanto à drenagem, foi selecionado como critério a presença ou ausência
de nascentes e de trechos encachoeirados.
- Foram selecionadas para critério as características da vegetação predominante
no entorno e no entorno imediato aos sítios. É sabido que a vegetação da Serra do
Espinhaço sofreu uma série de transformações ao longo dos séculos, sobretudo em

9
Foram aplicadas as fichas em 30 dos sítios identificados, três deles não foram alvo de análise em função
de contratempos na organização do inventário dos sítios identificados pelas diversas equipes responsáveis
37
função da ação antrópica. Mas, diante da dificuldade de se trabalhar com uma paleo-
vegetação da área de trabalho, decidiu-se considerar a vegetação presente e disponível
hoje na serra. Acreditando-se que, embora um tanto alterada, a vegetação da área de
trabalho não deveria ser muito diferente da que se encontra ainda hoje
(predominantemente campo rupestre, com aspectos outros do Bioma Cerrado
influenciados por questões litológicas, topográficas e de umidade), exceto por sua
distribuição e densidade, que poderiam ter sido diferentes no passado. Pensar assim
pareceu válido uma vez que foram encontrados, em escavações de sítio da região,
fragmentos de espécies vegetais compatíveis com a vegetação que hoje ainda se
encontra na serra, em um pacote sedimentar datado do período de 690 a 1240 BP 10.
Estes fragmentos correspondem a frutos, cascas e flores de espécies típicas do Bioma
Cerrado. Neste critério selecionado, a vegetação predominante de entorno certamente
deveria ser a de campo rupestre, pois está associada aos afloramentos rochosos.
Contudo, embora isso pareça óbvio, decidiu-se manter o critério, em função de se ter
um grande número de sítios cuja vegetação predominante no entorno é de campo limpo,
pois este se apresenta na área em grandes extensões. As áreas que hoje aparecem como
campo limpo poderiam muito bem corresponder a antigas áreas de cerrado que sofreram
intensiva degradação. Escolheu-se este critério mesmo sabendo não ser possível analisar
todas estas áreas de modo a imaginar como estas seriam, contudo acreditou-se ser
possível, a partir da observação de espécies hoje presentes e a partir de sobreposição de
mapas de localização (topográfico) com o mapa geológico, aventar a possibilidade
destas áreas terem sido no passado fitofisionomicamente diferentes. Contudo, adianta-se
aqui, que à medida que foi-se tabulando as fichas de campo foi verificado a ineficiência
deste critério, uma vez que quase todos os aspectos do Cerrado, com exceção das
veredas e dos cerradões, compõem a paisagem de entorno dos sítios. Decidiu-se manter
este critério apenas para caracterizar a paisagem tal como ela se mostra hoje a um
observador.
- A análise considerou aspectos naturais da paisagem situados em frente aos
sítios e no seu entorno. Estes, observados e anotados em campo, abarcam as
características das áreas planas cuja vegetação hoje é composta por campo limpo - este
está sendo classificado como amplo (maior que 100m x 100m), restrito (de 30x 30 a

pela prospecção.
10
Beta 199502 e 199504
38
100 x 100) e confinado (até 30 x 30) -, presença de afloramentos, drenagem (podendo
não ser a mais próxima), campo encharcado (em função dos inúmeros trabalhos
realizados nos sítios, que exigiram a travessia das áreas de campo em diferentes
períodos do ano, é possível analisar este critério), blocos desabados, vale encaixado e
lajedo.
- Outro critério para análise é o compartimento geológico. Este critério tem por
objetivo verificar se há uma recorrência da presença de sítios em determinadas
formações geológicas da Serra do Espinhaço. Não que os autores dos grafismos sabiam
distinguir entre a formação x ou y, mas pode ser que os tais autores estivessem
procurando abrigos com suportes homogêneos, lisos e sem manchas, que estariam
disponíveis em maior abundância em determinadas áreas com litologia específica. Além
do mais, determinadas formações litológicas, em função de suas características, podem
ser passíveis de favorecer abrigos cujas características estavam sendo buscadas pelos
autores dos grafismos rupestres.
- A posição topográfica também foi considerada, sendo inserida de duas
maneiras: a posição do sítio no afloramento e na vertente. Os valores da variável são
terço inferior, médio e superior do afloramento, e os mesmos considerando a posição
dos sítios na vertente. Decidiu-se separar as vertentes e os afloramentos, porque pareceu
importante dar destaque para a posição do sítio no afloramento, que por vezes parece
monumental.
- A fim de contemplar as características dos abrigos analizaram-se o tamanho do
abrigo (altura, comprimento e profundidade, agrupados em classes), a regularidade do
piso (regular e plano, escalonado, superfície inclinada, plano com muitos blocos e
desnível abrupto), o piso em si (sedimentar, rochoso, blocos e sedimentar com blocos),
além do tamanho da área com piso sedimentar (< ou > que 6m2, essa categoria com
estes valores foi criada em função de haver a possibilidade da produção dos grafismos
rupestres está relacionada com atividades outras que exigiriam piso sedimentar, como
enterramentos, por exemplo). Ainda visando caracterizar o abrigo, este foi descrito
quanto à sua morfologia - em afloramento ou em blocos desabados -, e se há presença
de ressaltos e/ou patamares. As medidas dos sítios foram descritas conforme as classes
criadas (ver em anexo), uma vez que, mais importante do que precisão métrica é a
possibilidade de comparar categorias de tamanho.

39
- A orientação, ou melhor, a exposição do abrigo também foi contemplada na
análise. Por mais que os abrigos da Serra tendam a seguir a orientação desta, ou seja
E/W, estando quase que sempre voltados para NW, é possível encontrar abrigos
expostos para outras direções.
- A visibilidade do abrigo, se este é visto facilmente de longe, em todas as
direções ou não, também consta um critério de análise, embora sua avaliação seja
puramente qualitativa, e é feita considerando o quão o abrigo é visível a partir de
diferentes pontos na paisagem (drenagem, extremidade oposta do campo no qual o
afloramento se insere, outros afloramentos...).
- A visibilidade que se tem a partir do abrigo foi analisada e para tanto se
criaram valores de classificação; assim, a visibilidade dos sítios pode ser restrita , em
que se vê até 100 m, boa, em que a vista alcança de 100 m a 1 km, e ótima, em que se
tem mais de 1 km de alcance da visão. Estas classificações são válidas para se analisar
visibilidade lateral (de qualquer um dos lados do abrigo) e frontal.
- O acesso ao sítio também se constitui enquanto uma variável de análise,
podendo ser através do campo, por vertente inclinada, através de vertente inclinada com
blocos, vertente inclinada com blocos e sedimentos, vertente muito inclinada, e vertente
muito inclinada com a presença de blocos e com presença de blocos e sedimentos.
- Os sítios também foram classificados quanto às características dos suportes
utilizados no abrigo. Deste modo foram analisados quanto ao tamanho (restrito, menos
que 1m2 disponível; pequeno, de 1 a 3 m2; médio, de 3 a 9m2 e amplo, maior que 9 m2)
e morfologia (parede, teto ou bloco). E também quanto à qualidade, neste caso foi
analisada a qualidade do suporte mais intensamente pintado e daquele que é
predominante. Estes foram classificados em ruim, bom e ótimo, a partir da regularidade,
presença de manchas e rugosidades. Quanto mais homogêneo, liso e regular melhor é o
suporte. É claro que este critério é classificado segundo o que hoje se pensa ser um bom
ou um mal suporte, contudo, considera-se que a observação de características como a
rugosidade e regularidade são úteis, em certa medida, para que um suporte “bom”ou
“ruim” não seja assim caracterizado somente a partir de impressões absolutamente
subjetivas.

2.3 b- Coleta dos dados dos grafismos rupestres


O trabalho de análise dos vestígios rupestres inclui uma série de procedimentos a
fim de caracterizar e classificar os grafismos em grandes grupos criados pelos
40
arqueólogos (unidades estilísticas11). Realiza-se o registro das figuras através de fotos e
croquis. É importante que isto seja feito para que se comece a traçar uma „intimidade‟
com as figuras e com o sítio. O registro das fotos é um importante procedimento, pois
permite que se „volte‟ aos sítios e a determinadas figuras e painéis sempre que
necessário. Os croquis são importantes, pois para sua realização é necessária uma
observação cuidadosa das figuras para registrar seus aspectos gráficos e suas
sobreposições.
Utiliza-se também o calque ou decalque, técnica já empregada desde a década de
1970 pela Missão Arqueológica Franco-brasileira e pelo Setor de Arqueologia da
UFMG (PROUS, 1996/97), para se ter uma documentação mais detalhada das figuras e
painéis. Esta técnica consiste em copiar as figuras em um plástico que é posto sobre
elas, de modo a registrar mais informação do que a fotografia ou o croquis é capaz de
fornecer. A partir desta técnica faz-se um precioso exercício de se colocar na posição
em que possivelmente as pinturas foram feitas, reproduzir os gestos, sentir as
irregularidades e outras características do suporte (Prancha 1). Através do calque, além
de se conseguir informações sobre sobreposições das figuras, cores das tintas que as
produziram, se consegue se aproximar do modo em que elas foram feitas de uma
maneira que nenhuma outra técnica de registro dos grafismos permite.
Depois que as figuras são copiadas em plástico, assim como anotações
necessárias (características do suporte, elementos de sobreposição, cor das tintas,
aspectos de degradação das pinturas...), em laboratório os calques são digitalizados,
possibilitando uma redução dos painéis para que sejam sistematicamente analisados
(embora as análises das figuras comecem a ser feitas na realização dos calques, assim
como as descobertas e interpretações, sendo continuadas no momento da digitalização).
Obviamente o calque não substitui o registro fotográfico ou os croquis. As
técnicas se complementam e servem, muitas das vezes, a etapas do trabalho de análise
distintas.
Na região de Diamantina já foram realizados trabalhos de calque em oito sítios
de pintura. A escolha dos sítios a serem calcados foi feita em função do número de
informações que um sítio pode fornecer. Assim alguns dos sítios mais intensamente

11
A maneira como estas unidades de análise são definidas serão melhor discutidas no capítulo quarto.
41
pintados, com maior informação de cronologia relativa e variações estilísticas foram
calcados12.

Prancha 1: Técnicas de reprodução das figuras rupestres

12
Infelizmente lidamos com a realidade de se ter que fazer escolhas. Em função da restrita verba para
pesquisa, e também do tempo que se tem para realizá-la torna-se impossível o registro em calque de todo
o sítio e de todos os sítios. Lidamos portanto com uma seleção amostral dos sítios e dos painéis dentro
destes.
42
A digitalização destes sítios foi de fundamental importância para o delineamento
das unidades estilísticas na região. Apesar de não serem todos os sítios calcados, o
emprego desta técnica em sítios com muita informação permite o reconhecimento de
diferenças e semelhanças entre figuras, somadas às relações de justaposição e
sobreposição, que ajudam a definir os diferentes conjuntos gráficos. Esta „intimidade‟
que se vai criando com os conjuntos e com os sítios permite o reconhecimento de estilos
em outros sítios, assim como das relações cronológicas entre esses, corroborando um
quadro crono-estilístico regional.
A análise dos grafismos rupestres para esta pesquisa consistiu na identificação, a
partir das técnicas descritas e do preenchimento da ficha criada, das unidades estilísticas
presentes em cada um dos sítios identificados13, na análise da expressividade numérica
das figuras nos sítios, nas temáticas presentes e naquela que é dominante, e na
distribuição das figuras e dos painéis. As figuras podem estar isoladas, em conjunto, em
sobreposição e esparsas. E os painéis poderão estar concentrados em uma parede, ao
longo de todo sítio, espalhados ou descontínuos, podendo também não haver formação
de painel ou apenas um único. Os valores da variável que visa analisar a distribuição
das figuras não são excludentes, ao contrário daqueles criados a fim de analisar a
distribuição dos painéis.
Importante dizer que, embora não componha a lista de variáveis, a presença de
abrigos „pintáveis‟, e não pintados, próximos aos sítios, foi registrada e suas
características observadas. A caracterização sistemática dos abrigos não pintados seria
um procedimento metodológico útil. Contudo, a Serra do Espinhaço possui um infinito
número de abrigos, e aplicar fichas de análise em todos eles exigiria um projeto
infinitamente maior do que uma dissertação de mestrado. Em função disso foram
observados, em campo, somente os abrigos localizados próximos aos sítios
identificados, sendo estes descritos de maneira sumária, observando-se sobretudo
características do abrigo como tamanho, características do suporte, posição topográfica
e acesso – critérios que pareciam ter importância no processo de ocupação dos abrigos
desde o início da pesquisa.

13
A presente realidade de pesquisa não permite classificar todos os grafismos nas unidades estilísticas
identificadas, lida-se, portanto, com aquelas cuja classificação é possível.
43
2.4 - O tratamento dos dados

As informações coletadas nas fichas foram em laboratório tabuladas e


organizadas de acordo com as classes criadas, a partir dos próprios dados. Criou-se
então, utilizando-se do aplicativo Microsoft Access, um banco de dados em que os
critérios foram inseridos juntamente com as classes criadas para cada um dos sítios.
A organização dos critérios em um banco de dados permitiu o cruzamento das
variáveis e o tratamento estatístico dos dados. Foram analisadas a freqüência simples de
cada uma das variáveis e a freqüência do cruzamento de até quatro variáveis (formato
permitido pelo programa), bem como a moda em algumas variáveis (nas variáveis
contínuas e em algumas variáveis discretas, como acesso aos sítios). Para isso foram
utilizados os recursos do Access 2000 denominados “consulta simples” e “consulta de
referência cruzada”.
Os cruzamentos foram realizados relacionando a unidade estilística presente nos
sítios com critérios que caracterizam os sítios e a paisagem natural do entorno.

2.5 – A maneira como se interpreta

A interpretação da paisagem se faz tomando seus elementos enquanto um


conjunto de signos, estes, como dito alhures, entendidos enquanto algo que tem em si
um significado e um significante, que são reconhecidos e partilhados por determinados
grupos culturais.
Tomar os elementos da paisagem enquanto signos permite uma leitura das
paisagens que se assemelha às propostas metodológicas lançadas pela hermenêutica. A
hermenêutica, contudo, pressupõe o entendimento do significado do texto através desta
leitura, limitação pujante quando se pretende tratar de „textos‟ que se configuram
enquanto paisagens construídas na pré-história, incitadas por realidades radicalmente
diacrônicas às de leitores contemporâneos. O fato de não ser tarefa fácil chegar a um
significado para o conjunto de significantes que compõem a paisagem, no caso das
paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de Diamantina, não exclui a
possibilidade de se entender a paisagem como um conjunto de signos. Isto porque é
possível abrir mão dos significados inerentes a determinados significantes e trabalhar
com a organização dos signos na paisagem. Deste modo, utiliza-se da noção de estrutura
da paisagem. Ou seja, pretende-se trabalhar o „texto‟ não alcançando seu significado,
mas na maneira como este foi composto, estruturado. De maneira prática, isto quer dizer
44
que não se pretende dizer o que o rio significa, mas sim entender a relação que o rio
estabelece com outros elementos da paisagem, do texto. O entendimento da estrutura
possibilita não significar e interpretar um signo, mas é possível tentar significar a
organização de vários signos, como algo que passa pela cognição, percepção e
gerenciamento dos recursos.
Buscou-se, portanto, o entendimento da organização dos signos que a paisagem
congrega, interpretando-a. Fez-se uma busca de diálogo constante entre duas correntes
teóricas, aqui tratados sob a ótica de Richard Rorty (1994) e de Umberto Eco (1994), a
fim de melhor selecionar a maneira como as paisagens dos sítios de pintura rupestre da
região de Diamantina deveriam ser interpretadas
Para Umberto Eco a interpretação deve ser feita a partir de elementos que são
internos ao texto, elementos que estão disponíveis apenas na obra que se pretende
interpretar. Considerar elementos que são externos ao texto implica em não interpretá-
lo, mas sim em „usá-lo‟. Eco diz que como a interpretação só acontece com os
elementos internos que compõem determinada obra, serão esses os elementos a definir a
interpretação. E é inclusive a maneira como os sinais são compostos dentro do texto que
permitirá uma maior variedade de interpretações, obedecendo, contudo, a uma
“coerência” própria do texto. A utilização de elementos que são externos a esta
composição permite o que Eco chama de „superinterpretação‟, e comprometeria uma
interpretação consistente. Aplicada à paisagem isto quer dizer que a possibilidade de
interpretá-la está limitada aos elementos que a constituem.
Em contraposição a Umberto Eco, Richard Rorty (1994) argumenta que uma
obra é passível de várias leituras, que não são limitadas à sua composição aparente. A
interpretação acontece de acordo com a trajetória feita pelo leitor, de acordo inclusive,
com o objetivo a que a interpretação se presta. Tanto o objetivo, como a trajetória, são
elementos “do outro”, do leitor, portanto, seriam, para Eco, externos ao texto. Todavia,
para Rorty não há um limite claro entre o que é externo e o que é interno à obra, pois as
leituras são feitas por indivíduos leitores, os quais carregam sua própria carga literária
capaz de auxiliá-los a fazer as associações que acham coerentes e, conseqüentemente,
sua própria interpretação, estimulada pelos elementos que compõem determinados
textos, fotografias, quadros, enfim por qualquer meio de linguagem, e não determinada
por eles. Tomando a paisagem enquanto texto, a concepção de Rorty permite que essa

45
seja interpretada a partir de sua composição aparente, mas também a partir do
conhecimento (outros textos e antigas interpretações) que se tem desta composição.
Deste modo, a interpretação dos dados se fez não apenas a partir de seus signos,
mas também a partir do conhecimento que se tem sobre tais signos, em acordo com as
possibilidades interpretativas defendidas por Richard Rorty. Todavia, certos cuidados
foram tomados no momento de interpretar as paisagens dos sítios, de modo que as
associações e atribuições aos signos fossem feitas a respeitarem o contexto da produção
das paisagens dos sítios de pintura. Ou seja, as paisagens embora vistas hoje e
interpretadas por um pesquisador - coberto por suas próprias intencionalidades - foram
vividas e modificadas em uma estrutura cultural cujos valores se distinguem dos valores
do pesquisador que se coloca enquanto observador de tais paisagens. Sendo assim,
determinadas atribuições de significados, ou a falta delas, tiveram o cuidado de não se
tornarem leituras absolutamente etnocêntricas. Tomou-se o cuidado de não utilizar
tendências que não pertenceram, e não pertencem, ao contexto de produção e construção
de um texto específico: as paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de
Diamantina, na pré-história.

46
CAP 4: Cores na paisagem - as pinturas rupestres da
região de Diamantina

Antes de apresentar as pinturas rupestres da região de Diamantina


caracterizando-as, é importante que se faça uma discussão a respeito de alguns
conceitos comumente empregados pelos arqueólogos, e que podem ser úteis no
momento de se lidar com os grafismos rupestres da região de Diamantina.
Como dito alhures, os arqueólogos freqüentemente reúnem os vestígios
arqueológicos em tradições arqueológicas. Há um delineamento de critérios a serem
utilizados para criação e atribuição de grafismos rupestres a estas tradições. Desta forma
é considerada a temática - se refere ao tema grafado -, aspectos gráficos - tipo de tinta,
técnica utilizada (picoteamento, raspagem, pintura...)-, associações e relações entre
figuras, escolha de suportes dentro dos sítios, escolha dos sítios (os dois últimos apenas
recentemente têm sido considerados como pertencentes ou integrando o corpus das
tradições ou estilos [ISNARDIS, 2004; RIBEIRO, 2006]), além da dispersão ao longo de
uma área geográfica e de uma permanência ao longo do tempo observada pelas relações
de sobreposição entre as figuras (PESSIS, 1988; PROUS, 1992; GASPAR, 2003).
Utilizado primeiramente na arte rupestre por Valentin Calderón para definir

o conjunto de características que se refletem em diferentes sítios


associados de maneira similar, atribuindo cada uma delas ao complexo
cultural de grupos étnicos diferentes que transmitiam e difundiam,
gradualmente modificadas através do tempo e do espaço (apud.
MARTIN, 1999:240),

o termo tradição estava intrinsecamente ligado à necessidade de se estabelecer


horizontes cronológicos atribuíveis a populações pré-históricas mais ou menos
adaptadas ao meio e evoluídas - pensamento este que se aproximava das teorias
evolucionistas ou neo-evolucionistas em voga na época.
Por mais que os estudos de Calderón em arte rupestre não tenham tido muita
repercussão ou continuidade (RIBEIRO, 2006), fato é que o termo tradição empregado
por ele como foi, continua ainda hoje sendo utilizado, mesmo que com algumas
pequenas ressalvas.

47
Mesmo que tenha havido uma importante mudança ou inovação teórica na
Arqueologia responsável pelo incremento de abordagens não baseadas em concepções
evolutivas, o termo tradição continua vinculado à idéia de grupos étnicos. Assim, é
possível encontrar trabalhos que associem a autoria de determinado grupo de figuras,
atribuíveis a determinada tradição arqueológica, a grupos étnicos (PESSIS, 2003
GUIDON, 1991). Resumidamente isto quer dizer que figuras semelhantes, dispostas ao
longo do espaço e do tempo, teriam sido realizadas por povos pertencentes a um mesmo
grupo étnico. Definitivamente, tal concepção não tem condições de ser levada adiante,
afinal, se tomarmos como exemplo nossa sociedade ocidental contemporânea,
acharemos representações visuais (arquitetura, iconografia...) absolutamente
semelhantes entre si, que foram produzidas por grupos étnicos diferentes. Por exemplo,
é possível encontrar um crucifixo em moradias tanto no Brasil como na Espanha, mas
não se pode dizer que brasileiros e espanhóis pertencem a um mesmo grupo étnico. O
que se pode dizer é que brasileiros e espanhóis compartilham de um mesmo repertório
religioso responsável pela produção de uma cultura material semelhante.
Deste modo, pode-se dizer que as semelhanças entre figuras são denotativas de
um partilhamento de repertórios, e o contrário, que diferentes repertórios produzem
distintas expressões dos mesmos, obviamente.
Deve ser ressaltado, contudo, que as diferenças em determinadas expressões
culturais não serão absolutas quando extrapoladas para outras instâncias do modo de
vida. As pessoas podem partilhar determinados aspectos de suas culturas e outros não,
que irão influenciar o modo como a cultura material se apresenta. De maneira aplicada
aos grafismos rupestres, isto quer dizer que pessoas que priorizam grafar, em uma
mesma região, figuras zoomorfas não têm necessariamente modos de vida
absolutamente diferentes daquelas que desenham prioritariamente figuras
antropomorfas. Elas podem inclusive pertencer a uma mesma etnia e a uma mesma
população, mas terem diferentes posições dentro do grupo social.
As incongruências quanto às tradições arqueológicas não se limitam à definição
de autores étnicos, elas também se relacionam à aplicabilidade e funcionalidade das
categorizações (PROUS, 1999; CONSENS & SEDA, 1990).
Uma destas aplicabilidades seria a já descrita possibilidade de se estabelecer
horizontes cronológicos.

48
Uma outra possibilidade de análise, da qual este trabalho se apropria14, é que
para os arqueólogos não interessados em uma interpretação imediata dos significados
das pinturas, as categorizações servem como um exercício para a organização dos dados
contidos nos conjuntos gráficos. Em uma abordagem estruturalista - em que as tradições
arqueológicas seriam vistas como conjuntos de recorrências que expressam as normas
pelas quais agem as culturas ou grupos culturais, e que orientam a produção da cultura
material (RIBEIRO, 2006) -, o entendimento de como os grafismos estão organizados e
compostos, quanto a sua temática e aspectos gráficos e tecnológicos, são
imprescindíveis para que haja uma posterior interpretação.

Como se tivéssemos que estudar primeiro a gramática de uma língua


desconhecida, antes de tentar entender o sentido das palavras que
compõem seu vocabulário. Trata-se do estudo das relações e da
estrutura, depois virá o estudo do conteúdo simbólico (PROUS,
1977:57).

A escola ou abordagem, melhor dizendo, estruturalista utiliza as classificações


dos grafismos a fim de tentar chegar à lógica mental /cultural através da qual os homens
realizam suas tarefas. Neste sentido, existiria, a princípio, uma lógica pertinente a cada
grupo cultural - não necessariamente étnico ou racial - que poderia ser “decifrada” a
partir da maneira como os vestígios materiais são produzidos.
As diferenças e similitudes entre conjuntos gráficos seriam indicativas de uma
afinidade cultural existente ou ausente. Assim, em acordo com Isnardis (2004), é
possível que haja uma expressiva afinidade cultural entre grupos autores de uma mesma
tradição, e uma igualmente expressiva diferença no repertório cultural ligado aos
grafismos rupestres entre grupos humanos autores de figuras atribuídas a tradições
distintas.
Realizar o estudo dos grafismos tentando reconhecer, através de seus aspectos
visíveis, uma gramática e uma estrutura lógica - trabalho que muitas vezes parece ter
fim na descrição por si mesma - possibilita ainda o entendimento de processos culturais,
como mudanças, inovações e permanências (TORRENCE & VAN DER LEEUW, 1989;
SHENNAN, 1989), que se expressam na maneira como grafar. Neste sentido é possível,
através da percepção de mudanças em certas características dos conjuntos gráficos de

14
Há abordagens variadas para o estudo da arte rupestre dentro das categorizações e filiações culturais
existentes, seguindo orientações teóricas específicas, como a hermenêutica, contudo elas não serão aqui
abordadas. Optou-se em discutir neste trabalho as concepções que esta pesquisa se baseia.
49
determinadas tradições, cogitar alterações e/ou inserção de novos elementos nos
repertórios culturais dos grupos autores dos grafismos15.
As tradições seriam as categorias mais abrangentes, em que há certa
permanência de traços distintivos, sobretudo temático, em territórios amplos (PROUS,
1992). Contudo, percebe-se que há freqüentemente uma certa variação da forma como
determinadas tradições aparecem em regiões menores, ou mesmo variações que
ocorrem de certas tradições em uma mesma região. Estas variações são freqüentemente
chamadas de estilos, e quando refletem particularidades significativas das manifestações
culturais em certas regiões podem ser chamadas de fáceis ou variedades, segundo Prous
(1998) e Guidon (1991), respectivamente.
O estilo, assim como a tradição, é definido a partir da eleição de critérios, a
partir das semelhanças e das diferenças entre figuras, no caso, que são atribuíveis a uma
mesma tradição.
Segundo Ribeiro16 (2006), o estilo se refere a um “modo de fazer” que incorpora
padrões e seqüências espaciais e temporais e função. Do mesmo modo como a tradição,
o estilo congrega um entendimento normativo do fazer, que é composto por uma
estrutura. O que faz com que haja estilos diferentes na expressão gráfica é que as regras
gerais são praticadas de modos diferentes e ligadas a um contexto específico pelo grupo
cultural que as realiza.
Ainda em acordo com Ribeiro (op. cit) o estilo possui um componente

ativo e criativo por estar envolvido nas estratégias sociais de criação


de relações e ideologias de fixação de significados segundo os critérios
estabelecidos (p.39).

Contudo é importante considerar que a criatividade aí considerada se relaciona


intimamente com o contexto cultural em que a pessoa que a realiza ou a possui está
inserida. Isto quer dizer, por exemplo, que numa comunidade ceramista uma inovação
na decoração de uma vasilha cerâmica, resultante de criatividade, não será
absolutamente diferente do que se está acostumado a fazer. Se a decoração tradicional é
composta por padrão na disposição de traços geométricos, dificilmente a inovação
criativa se dará com a troca de desenhos geométricos por uma flor. Isto por que

15
Este pensamento só é possível se considerarmos que alterações nos modos de pintar não expressam o
acaso, ou idiossincrasias individuais.
16
De acordo com Hodder (1990).
50
desenhar uma flor é algo que não faz sentido para as pessoas que compõem o grupo
cultural no qual a ceramista se insere. Uma flor não é o que as outras pessoas do grupo
esperam que ela faça, o que deve estar em uma vasilha, ou o que as pessoas irão
valorizar. Assim sendo, o ato de criatividade da decoradora não irá ser reproduzido de
modo que o estilo empregado seja reconhecido como pertencente a uma estrutura, com
critérios pré-estabelecidos. Mais uma vez não serão as variações resultantes de
idiossincrasias individuais que irão formar o conjunto de critérios utilizados no
reconhecimento ou delineamento de estilos. Mas aquelas em que é possível visualizar
um padrão e seqüências espaciais e/ou temporais.
No caso dos conjuntos gráficos de Diamantina e municípios vizinhos, os
critérios selecionados para a identificação - ou claro, para a categorização - dos estilos
foram selecionados a partir da observação empírica das figuras. Os critérios que estão
sendo utilizados são: primeiramente uma coerência temática, tecnológica e
comportamental que defina um conjunto de figuras atribuíveis a uma determinada
tradição, e que apresentem variações significativas (semelhanças e diferenças) no tempo
e no espaço que justifiquem a criação de categorias menores - os estilos. A partir daí,
são observadas características gráficas das figuras, que se relacionam sobretudo à
maneira como determinado tema é realizado. Variações na composição das figuras,
como mais ou menos detalhes anatômicos, que tornam as figuras mais ou menos
naturalistas, tamanho das figuras, tipo de preenchimento, tipo de contorno, cores
utilizadas são critérios gráficos que são analisados a fim de se encontrar semelhanças e
diferenças dentro de uma determinada tradição, que possam permitir subdivisões em
conjuntos estilísticos. É preciso considerar o tipo de tinta ou pigmento com as quais as
figuras foram produzidas e os aspectos naturais que possam tê-las alterado ao longo dos
anos em exposição (pátinas, fungos, descamamentos). Ainda são considerados aspectos
como o “comportamento das figuras”. São eles: relação entre diferentes figuras no sítio
e no painel, o que leva a discutir escolha preferencial de suportes grafáveis de
determinados conjuntos. Por exemplo, é possível observar que determinadas figuras,
feitas de determinadas maneiras, foram postas preferencialmente em determinados tipos
de suporte no sítio, perto ou longe de outras figuras e outros conjuntos. Interessa
observar também as relações de sobreposição entre conjuntos gráficos, que ajudem a
definir uma evolução ou mudança estilística no tempo. Deste modo são analisados

51
“momentos” de realização do registro gráfico. Estas análises recebem o nome de crono-
estilíticas.
A crono-estilística17 permite, em uma escala regional menos ampla do que
aquela que define a tradição, traçar um quadro de variabilidades normativas dentro de
uma lógica contextual mais ampla. É possível, e útil, que se tracem variações nos
conjuntos gráficos no tempo e no espaço, que nos permitam entender processos
culturais regionais que possam ser contrastados com aqueles relacionados a uma escala
maior. Se entendermos, por exemplo, a maneira como as figuras de uma tradição x se
comportam em uma dada área, e suas diferenças e semelhanças em relação a conjuntos
atribuíveis à mesma tradição x em outras áreas, podemos começar a discutir questões
que envolvam a noção de territórios culturais. Ao mesmo tempo em que é esboçado um
quadro com elementos ricos em detalhes que possibilite que cheguemos ao padrão de
comportamento de determinado(s) grupo(s) cultural(is) em escala regional.
Contudo é preciso lembrar que as unidades estilísticas18 foram criadas por
pesquisadores. Os autores das figuras não decidiram que iam fazer uma figura da
Tradição Agreste, estilo tal, por exemplo. Os pesquisadores é que selecionaram
critérios, a partir de suas observações - e intuições - que definiram as tradições.

O fato de diversificarmos as observações não significa nem que


conseguiremos sempre perceber o que seria o mais significativo para
os homens do passado, nem que nossas classificações sequer levarão
em conta o que era considerado essencial para os homens do passado.
Com efeito, as categorias “estilísticas” que criamos privilegiam
sempre alguns critérios em relação a outros, e somos nós que os
escolhemos. Apenas podemos esperar que haja superposição entre as
nossas categorias e algumas das que eram vividas então (PROUS,
1999:259)

As categorias criadas devem ser encaradas e valorizadas enquanto instrumento


de análise, enquanto estas forem úteis para problemas formulados. Assim,

Não deixaremos de manipular “unidades estilísticas” criadas pelos


arqueólogos (arqueofatos) para as necessidades da pesquisa de nossa
época e que expressam a visão que nós temos dos vestígios. Nossas
“unidades descritivas” podem, portanto, mudar, sem que a realidade

17
Esta é construída analisando as sobreposições entre as figuras, utilizando suas características
estilísticas, as tintas com que foram produzidas e as intempéries e processos biológicos que podem ter
atuado sobre elas.
18
Entende-se por unidade estilística todas as categorias utilizadas no estudo da arte rupestre: tradições,
estilos, variedade, fáceis... (ISNARDIS, 2004)
52
que refletem sejam ilusória. Desta forma, conciliamos a consciência
que temos da nossa subjetividade com nossa exigência como
pesquisador de que não estejamos elaborando um discurso vazio sobre
nós mesmo, a partir do pretexto de um Outro inventado (idem,
ibidem).

Para a região de Diamantina, e para atender ao objetivo deste trabalho,


considera-se útil a utilização de categorias classificatórias para as pinturas rupestres,
uma vez que pode ter havido diferentes escolhas para os abrigos nos quais grafar por
parte dos atores das diferentes unidades estilísticas presentes na região.

4.1 - Os grafismos rupestres de Diamantina e municípios vizinhos

Tradição Planalto
Na região de Diamantina os grafismos rupestres, presentes em diversos abrigos
espalhados pela Serra do Espinhaço, são majoritariamente atribuíveis à Tradição
Planalto. Esta é caracterizada por, conforme explicado no capítulo segundo, figuras
monocrômicas, dentre as quais se prioriza o desenho de figuras zoomorfas, sobretudo
cervídeos.
A Tradição Planalto aparece em todos os sítios até agora identificados e detém o
maior número de figuras presentes nos sítios. Contudo é possível perceber que há
conjuntos de estilos diferentes na região, totalizando cinco conjuntos alguns em relação
de cronologia relativa19, outros não.
O primeiro conjunto, e mais antigo, é caracterizado por figuras zoomorfas, quase
que exclusivamente cervídeos e peixes, em vermelho ou amarelo, sendo a última mais
freqüente. As figuras são realizadas com poucos traços, possuindo muitas das vezes
somente o contorno do corpo. Quando não, o preenchimento é feito com poucas linhas
horizontais e paralelas entre si (Figura 5). É perceptível uma valorização de
determinados detalhes anatômicos representados (joelhos dos cervídeos), e a ausência
total de rigor na representação de outros, como orelhas.
Embora os resultados das análises sejam ainda preliminares, parece que este
conjunto está restrito a suportes amplos e lisos (embora apareça em um dos sítios uma
figura atribuível a este momento colocada em um nicho de um bloco desabado).

19
Chama-se de cronologia relativa a possibilidade de construir um quadro temporal a partir das relações
de palimpsesto.
53
Quanto à expressividade numérica deste conjunto nos sítios, os autores que o
produziram não lotaram os sítios com suas figuras. É comum que em um sítio com
centenas de figuras, as que possam ser atribuíveis a este conjunto se resumam a algumas
poucas unidades.

54
Figura 5: Grafismos atribuíveis ao primeiro conjunto estilístico
da Tradição Planalto - Diamantina

O segundo conjunto estilístico é representado por figuras zoomorfas de


tamanhos variados, podendo medir desde cerca de vinte centímetros até dois metros.
Este conjunto é caracterizado por uma certa „fluidez‟, nos termos de Isnardis et al
(2006), na composição das figuras. Atribuíveis a este conjunto aparecem grafismos que
podem ser reconhecidos como cervídeos, peixes, tatus, aves e outros pequenos
quadrúpedes. Todos eles podendo estar ou não acompanhados de pequenas figuras
antropomorfas. Este conjunto apresenta grande fluidez nas representações de detalhes
anatômicos das figuras, sendo que as figuras grandes, mormente cervídeos, possuem
sempre detalhamento de joelhos, orelhas, postura, proporção dos membros - estes
detalhes não aparecem todos em uma única figura, mas sempre aparecem ao menos dois
deles associados. As figuras menores muitas das vezes apresentam-se de maneira
bastante simplificada (Prancha 6, p 68).
Contudo, há uma característica, que até agora aprece exclusiva deste momento,
quanto à composição gráfica das figuras, que nos permite reunir, a princípio, figuras tão
distintas (grandes com detalhes e pequenas sem detalhes) a este mesmo conjunto. Trata-
se de uma flexibilidade em compor o contorno e o preenchimento dos animais. O
contorno, nestas figuras, não é composto por uma única linha que circunda o
preenchimento (as figuras deste momento são preenchidas com traços, ou pontos, sendo
que os traços muitas das vezes são compostos de forma ritmada [Figura 6]). É comum
ver o traço do contorno virar preenchimento, e vice-versa. Do mesmo modo em que é

55
comum ver que as pernas não são compostas de traços que começam ou terminam no
contorno do corpo, mas que saem de traços utilizados antes como preenchimento. Ainda
neste repertório gráfico é possível ver traços que engrossam o dorso ou pescoço do
animal, parecendo ter sido feitos ser para que a proporção do volume do corpo seja
“concertada”, ou se torne mais agradável (harmônica) aos olhos do autor ou de um
observador (Prancha 6, p 68).

Figura 6: Preenchimentos de figuras atribuíveis ao segundo conjunto Planalto

Este conjunto é visualmente dominante nos sítios, mesmo que não o seja em
número de figuras, mas em função da visibilidade que elas têm no sítio. As figuras
grandes de cervídeos foram postas em local de grande visibilidade nos sítios, ocupando
grandes suportes, ou suportes com visibilidade privilegiada. As figuras menores as
acompanham, ou são colocadas em locais mais discretos (vê-se aí uma escolha e um
comportamento diferenciado para a „exposição‟ de figuras diferentes dentro do mesmo
estilo20). Os grafismos deste momento chamam muita atenção por estarem muitas vezes
postas em intensa sobreposição em um mesmo painel, neste caso, a atenção é tomada
por um grande emaranhado em que explodem cores e formas variadas. Importante aqui
lembrar que as sobreposições entre figuras não ocorrem somente entre aquelas de

20
Poderia-se dividir ainda mais a Tradição Planalto em Diamantina, transformando as duas maneiras de
representar as figuras deste segundo conjunto em estilos distintos, contudo elas parecem
cronologicamente sincrônicas, e com “normas” parecidas, além das tintas com as quais foram produzidas
serem iguais.

56
conjuntos estilísticos diferenciados21, mas entre figuras de um mesmo conjunto (por
vezes com tintas que sugerem terem sido produzidas em um mesmo momento), como se
as figuras fossem concebidas já em sobreposição.

21
Dentre as características típicas da Tradição Planalto, inclui-se as intensas sobreposições entre figuras
nos painéis. Muitas das vezes as sobreposições são tão intensas que dificultam a visibilidade de figuras
isoladas. O painel, nestes casos, parece uma grande mancha na qual é possível identificar poucas formas.
É preciso, nestes casos, uma entrega total do olhar do observador para a obra, para que o caos se esvaeça.
57
Prancha 5: Aspectos gráficos do segundo conjunto estilístico da Tradição Planalto

O terceiro conjunto estilístico é composto por figuras de aproximadamente 50


cm, representando somente figuras zoomorfas que parecem corresponder a quadrúpedes
vários. Estas, diferentemente do segundo conjunto, apresentam-se bastante rígidas
58
quanto à composição dos traços; o contorno do corpo aparece com uma única linha
simples, e o preenchimento das figuras é composto de traços justapostos (raramente
aparecem pontos). Não há uma valorização extrema de detalhes anatômicos, o que
garante ao conjunto pouco naturalismo (Figura 7).
As figuras nos sítios são pouco numerosas e ocupam quase sempre pequenos
blocos, nichos ou paredes isoladas no sítio. São raras as sobreposições delas a conjuntos
anteriores, embora presentes.

Figura 7: Aspectos gráficos do terceiro conjunto estilístico da


Tradição Planalto

O quarto conjunto planalto é representado por figuras pretas (Figura 8), e que
parecem também representações zoomorfas com maior naturalismo, em menor grau do
que o segundo conjunto estilístico apresentado alhures. Infelizmente as figuras são
pouco numerosas nos sítios, e não aparecem em todos os identificados. Isto, com
certeza, dificulta um melhor delineamento deste conjunto. Quanto à temática recorrente
aparecem os cervídeos, as aves e outros quadrúpedes. As figuras atribuíveis a este
conjunto quando aparecem em sobreposição a outros, parecem ser mais recentes no
quadro crono-estilístico regional (que será apresentado em síntese ainda neste capítulo).

59
Figura 8: Figuras atribuíveis ao quarto conjunto estilístico regional da
Tradição Planalto

O quinto conjunto estilístico da Tradição Planalto na região de Diamantina é


representado por pequenas figuras zoomorfas (quase que exclusivamente cervídeos), de
pequenas dimensões e completamente preenchidos (chapados/silhueta). Sua presença
parece ainda tímida na região, restrita a poucos sítios e a poucas figuras nos quais
aparece. Quanto à preferência dos suportes estes parecem preferir suportes amplos,
quanto ao tamanho ou morfologia e que não tenham sido intensamente pintados pelos
conjuntos que o precederam, sendo poucos casos, apenas dois, em que as figuras deste
encontram-se em relação de sobreposição.

Figura 9: Exemplos de figuras do quinto conjunto estilístico da Tradição Planalto

60
Tradição Nordeste
A Tradição Nordeste foi definida no Piauí e é caracterizada principalmente por
figurações zoomorfas, fitomorfas e antropomorfas, sendo estas últimas bastante
peculiares à tradição. As figuras são facilmente identificáveis por se apresentarem em
conjuntos que sugerem cenas, como se representassem caça, sexo e dança (MARTIN,
1999). Além de apresentarem detalhes (da representação do sexo, enfeites) não comuns
a outras unidades estilísticas.
Em Diamantina a Tradição Nordeste é pouco expressiva, estando reduzida a
poucos sítios e poucas figuras - todas elas representações antropomorfas isoladas, em
que o sexo (falo ou vulva) é representado, ou em pares, sugerindo cenas de sexo (Figura
10).

Figura 10: Figuras atribuíveis à Tradição Nordeste em Diamantina

Em função das poucas figuras atribuíveis a Tradição Nordeste, o delineamento


desta unidade estilística em Diamantina é um tanto difícil e preliminar.
61
Os autores desta tradição não parecem ter sido exigentes quanto à escolha do
suporte grafável. As figuras aparecem em suportes baixos, altos, embora sempre
amplos, homogêneos ou não. Só ainda não foram identificadas figuras em blocos
desabados. O que parece ter influenciado a escolha do painel onde as figuras desta
tradição foram postas é o fato deste apresentar porções ainda não grafadas.

Tradição Agreste
Definida do Nordeste do Brasil, Tradição Agreste é caracterizada por grafismos
de grande tamanho, sobretudo figuras antropomorfas, que aparecem isolados. Estas
figuras podem atingir até um metro de altura e possuem aspecto grosseiro. São difíceis
as atribuições de figuras zoomorfas a esta Tradição, mas observa-se que fazem parte da
temática os lagartos e algumas figuras incompletas e grandes (PESSIS, 1992).
Em Diamantina a Tradição Agreste, assim como a Nordeste, aparece de maneira
muito tímida. As figuras claramente pertencentes a esta unidade estilística são
antropomorfas de grande tamanho, às vezes sozinhas, às vezes acompanhadas de outras
figuras semelhantes (Figura 11).
As figuras desta tradição aparecem freqüentemente em painéis que ainda não
haviam sido pintados, mas há casos de sobreposição que garantem a construção de uma
crono-estilística deste em relação a outros conjuntos. Além de preferirem locais isolados
nos sítios, estas costumam localizar-se em paredes com suportes regulares e não muito
restritos.
Há algumas figuras zoomorfas grandes e bastante grosseiras, que aparecem por
vezes circundando painéis intensamente pintados, que são passíveis de serem atribuídas
a Tradição Agreste, contudo ainda não se tem informação suficiente para confirmar a
atribuição.

62
Figura 11: Figuras antropomorfas atribuíveis à Tradição Agreste
Complexo Montalvânia
Esta unidade estilística foi definida no norte de Minas Gerais, na região de
Montalvânia e Vale do Rio Peruaçu. Caracterizadas por comportarem em seu repertório
temático figuras antropomorfas, bio-antropomorfas22, biomorfas, zoomorfas (menos
freqüentemente), objetos (figuras que sugerem armas e outros instrumentos), “pés” e
figuras geométricas pouco sofisticadas (pontos, bastonetes...), as figuras montalvânia
podem aparecer nas técnicas de pintura ou gravura. As figuras antropomorfas podem
aparecer em morfologias distintas, com ou sem detalhes anatômicos, e com postura
variada, por vezes sugerindo movimento (RIBEIRO & ISNARDIS, 1996/97).
Em Diamantina e municípios vizinhos o Complexo Montalvânia aparece
somente como pinturas. Entre os temas preferenciais estão os bio-antropomorfos,
antropomorfos e os geométricos (Figura. 12; Prancha 7 na p. 74).
Esta unidade estilística é a mais freqüente nos sítios depois da Tradição Planalto.
Os suportes nos quais aparece são variados, podendo ser pequenos blocos, paredes
amplas, pequenos tetos. Enfim, parece não haver uma preferência nos suportes. Embora
as figuras do Complexo Montalvânia apareçam com freqüência em relação de
sobreposição com as demais categorias, é também freqüente que haja nos sítios painéis
exclusivamente „montalvânicos‟, nos quais as figuras desta unidade formam pequenos
conjuntos justapostos - muitas vezes estes estão dispostos em pequenos nichos dos
suportes.

22
Expressão usada para designar aquelas figuras muito esquematizadas, mas que sugerem ser
representações antropomorfas.
63
Figura 12: Exemplos da temática do Complexo Montalvânia na região de Diamantina

64
Prancha 7: Figuras do Complexo Montalvânia na região de Diamantina.

65
Um quadro crono-estilítico regional
Não raro em Diamantina, e municípios de entorno, é ver painéis intensamente
sobrepostos, nos quais se observa uma seqüência de figuras que o compôs ao longo do
tempo. Contudo há também figuras, pertencentes a unidades estilísticas distintas que
não se relacionam umas com as outras em relação de palimpsesto.
As pesquisas até agora permitiram uma construção, ainda preliminar, de uma
crono-estilística regional, que pode ser vista no Quadro 1.
O primeiro conjunto estilístico da Tradição Planalto corresponde ao mais antigo
conjunto de figuras rupestres da região. Seus autores inauguraram a região com poucas
figuras em sítios que posteriormente seriam intensamente pintados pelos autores dos
conjuntos seguintes.
O segundo momento de pintura corresponde ao segundo conjunto estilístico da
Tradição Planalto. Este aparece em intensas sobreposições entre as figuras de seu
próprio conjunto e também sobre as figuras anteriormente colocadas nos paredões dos
abrigos.
O terceiro momento corresponde ao também terceiro conjunto da Tradição
Planalto. Apesar deste conjunto evitar sobreposições com outros conjuntos, é possível
encontrar elementos de diacronia -embora escassos-, que permitem colocá-lo nesta
posição dentro da seqüência.
O quarto momento corresponde ao quarto conjunto estilístico da Tradição
Planalto. Este momento, encontra-se em relação de sobreposição com todos os
anteriores conjuntos da Tradição Planalto.
O quinto conjunto estilístico da Tradição Planalto apresenta relação de diacronia
apenas com os segundo e terceiro momentos Planalto, podendo ser portanto
contemporâneo ao quarto conjunto estilístico, ou mais recente.
Os conjuntos mais recentes correspondem à Tradição Agreste e Complexo
Montalvânia. Ambos apresentam relações de sobreposição seguras quanto ao primeiro e
segundo conjuntos planalto -, e não apresentam elementos de diacronia entre si. Apenas
a Tradição Agreste apresenta relação com o quarto momento da Tradição Planalto.
Por não apresentar relação de diacronia com nenhum dos demais conjuntos, não
é possível traçar uma cronologia relativa para as manifestações da Tradição Nordeste na
região, podendo esta ser intermediária, mais antiga ou mais recente.

66
O delineamento de conjuntos estilísticos tem uma finalidade para este trabalho,
que ultrapassa a mera identificação e caracterização dos mesmos. Pensando que há uma
possível escolha dos abrigos grafados, é legítimo considerar que grupos culturais
autores de distintos conjuntos possam ter critérios distintos para a escolha dos locais nos
quais os grafar. Esta escolha pode inclusive se relacionar com a presença de figuras
postas anteriormente nos abrigos, que motivariam uma nova ocupação. Neste sentido,
além de uma identificação dos conjuntos, é necessária uma abordagem diacrônica, que
possibilite uma análise entre “interações” de figuras, que possam denotar interações
entre autores, ou entre autores e simplesmente figuras.

As linhas contínuas representam as sobreposições claras entre os conjuntos; o que está acima da linha
é mais recente do que está em baixo; as linhas em zig-zag indicam que não há uma relação clara
entre os conjuntos.

Quadro 1: Crono-estilística da região de Diamantina.

67
CAP 5: Os sítios arqueológicos

A fim de se entender os processos de formação da paisagem arqueológica da


região de Diamantina, a partir de padrões de inserção dos sítios de pintura rupestre, é
preciso conhecer os sítios, suas características naturais e culturais.
Serão aqui caracterizados23 os sítios nos quais foi aplicada a ficha de sítios com
os critérios selecionados, e que estão localizados dentro da área de trabalho; se incluem
então os sítios localizados no eixo sistematicamente prospectado pelo Setor de
Arqueologia da UFMG e aqueles localizados a partir de levantamentos oportunísticos
na Serra do Pasmar (Lapas Caminho da Serra I e II e Lapa do Pasmar), Serra Redonda
(estrada que liga Guinda a São João da Chapada), Serra do Galheiro (Lapas do Galheiro
Norte e Sul) e próximo ao Batatal (Lapa do Defunto).

Lapa Casa de Pedra


Visto facilmente de longe, o sítio é localizado na área de topo que divide as
águas que correm para o Jequitinhonha e São Francisco. Localizado na micro-bacia do
Córrego das Pedras, na área de sua cabeceira, o sítio possui acesso por uma rampa de
sedimentos e blocos, que leva a um grande painel com dezenas de pinturas superpostas,
transformando o que antes era somente uma „parede‟ rochosa em uma explosão de
manchas e formas vermelhas.
A lapa constitui um abrigo sob rocha localizado no terço superior do
afloramento, e possui 20 metros de comprimento, quatro de profundidade, quatro
metros e meio de altura. O piso do abrigo é regular e plano com sedimentos e blocos,
contudo a área sedimentar é predominante e possui dimensão superior a 6m2 contínuos
(Prancha 8).
Os aspectos naturais da paisagem em frente ao abrigo são: a drenagem, que se
localiza a 50 metros do abrigo, uma área de campo limpo bastante restrita e
afloramentos. A vegetação predominante no entorno é o campo rupestre, embora haja
pequenas manchas de campo sujo, e uma extensa área de campo limpo (Prancha 8).

68
O sítio tem sua exposição para NW e dele tem-se boa visibilidade tanto lateral
quanto frontal, contudo a visibilidade lateral é maior - possibilitando uma visão de uma
área superior a 1km - enquanto a frontal possibilita uma visão de 100m a 1km.
Estando localizado em afloramento de quartzito da Formação Galho do Miguel,
os suportes disponíveis no sítio apresentam-se homogêneos, com poucas manchas ou
escorrimentos, assim como também se apresentam os suportes abundantemente
pintados.
O número de figuras24 no sítio é bastante grande, estando entre 60 a 120. Entre
as figuras identificáveis - o sítio apresenta intensas sobreposições em seus painéis o que
dificulta a visualização de figuras isoladas, se encontram somente figuras atribuíveis ao
primeiro e segundo momento da Tradição Planalto. A temática parece ser
predominantemente de cervídeos, em grande parte „flechados‟, mas com presença de
outros quadrúpedes.

23
As caracterizações serão feitas a partir dos dados disponíveis nas fichas e a partir de observações
outras que não foram transformadas em critérios. A tabela gerada no software Acces com as informações
das fichas pode ser vista em anexo.
24
Dificilmente é possível contabilizar o número total de figuras de um sítio, a menos que este tenha sido
pouco ocupado. Em função disto trabalhar-se-á com as classes criadas para a caracterização, que por sua
vez foi estimada por aproximação, em muitos dos casos.
69
Prancha 8: Aspectos da paisagem da Lapa Casa de Pedra

70
Lapa Casa de Pedra Abrigo Norte
Situado a não mais de 250 metros do sítio descrito anteriormente, o sítio Lapa
Casa de Pedra Abrigo Norte, facilmente avistado, é localizado nas cabeceiras do córrego
das Pedras. A distância do abrigo à drenagem, localizado à sua frente, é de 50 metros.
Estando no terço superior do afloramento, para se chegar ao sítio, cujas medidas
correspondem a oito metros de comprimento, três de profundidade e dois metros e meio
de altura, é preciso galgar uma rampa inclinada com alguns blocos desabados.
O piso do abrigo apresenta-se regular e plano, sendo sedimentar com presença
de blocos. A área sedimentar apresenta-se um tanto restrita, em função também das
diminutas dimensões do próprio abrigo (Prancha 9).
O sítio tem sua exposição voltada para NW, e a visibilidade proporcionada é
classificada como boa (em que podem ser vistos elementos situados até 1km) para a
frontal, e como ótima para lateral, uma vez que se enxergam elementos da paisagem
distes mais de 1km.
Os elementos que compõem a paisagem em frente ao abrigo são afloramentos, o
córrego das Pedras e uma pequena área de campo limpo. A vegetação predominante do
entorno é a de campo rupestre associada aos lajedos e afloramentos dispostos em frente
e no entorno do sítio. É possível observar ainda pequenas áreas de campo sujo.
O sítio é localizado em um afloramento cuja geologia corresponde à Formação
Galho do Miguel. Em função disto, seus suportes apresentam-se bastante homogêneos e
sem rugosidades. Vêem-se, contudo, algumas marcas de escorrimento. Em seu suporte
pintado, um teto amplo, há poucas figuras, entorno de quinze, atribuíveis aos terceiro e
segundo conjuntos da Tradição Planalto, colocadas em conjunto e em sobreposição ao
longo de todo o suporte disponível (Prancha 9). As temáticas presentes correspondem a
cervídeos, peixes e outros quadrúpedes, entre estes um lagarto, além de figuras
geométricas. Entre as temáticas presentes aquela que predomina é a representativa de
cervídeos.

71
Prancha 9: Lapa Casa de Pedra Abrigo Norte

72
Lapa dos Veadinhos
A Lapa dos Veadinhos é, até o momento, o único sítio conhecido fora das
formações do Supergrupo Espinhaço. É localizado em afloramento de xisto da
Formação Barão do Guaicuí pertencente ao Grupo Costa Sena, que por sua vez integra o
Supergrupo Rio Paraúna, de acordo com Fogaça (1997). Em função desta litologia os
suportes apresentam-se bastante rugosos e manchados.
Situado no alto-médio curso do córrego da Olaria, que corre a 150 metros ao
lado do abrigo, o sítio localiza-se no terço médio da vertente e no sopé do afloramento,
o que garante seu acesso pelo campo, sem desníveis abruptos ou rampas com blocos que
precisam ser vencidos para se chegar à área abrigada.. Suas dimensões são modestas,
possuindo nove metros de comprimento, quatro de profundidade - sendo que esta é
válida somente para uma pequena parte do abrigo, que possui majoritariamente três
metros de profundidade - e três metros de altura. O piso do sítio apresenta-se
sedimentar, plano e regular e sua entrada é voltada para norte.
De uma maneira geral, a área em que o sítio se localiza apresenta-se bastante
diversa de outras áreas da serra com presença de vestígios pré-históricos. O relevo se
torna mais suave com poucos afloramentos monumentais e com vertentes mais
arredondadas. A vegetação, por sua vez, apresenta-se predominantemente de campo
sujo, com áreas de cerrado stricto-sensu em todo o entorno e também manchas de
cerradão, provavelmente localizadas em áreas em que ocorrem diques de rochas
metabásicas25-ou em local cujo solo e umidade proporcionaram o desenvolvimento de
vegetação arbórea mais densa e de maior porte, com cobertura de dossel - (Pr. 10, p 84),
além do típico campo rupestre associado às áreas de afloramento rochoso e da mata
ciliar que acompanha o córrego da Olaria. Em frente ao abrigo tem-se uma ampla área
de campo sujo, com vegetação arbórea pouco freqüente e pouco desenvolvida, ao passo
que em seu entorno aparecem pequenas manchas de outros tipos de vegetação. Em
função da ótima visibilidade, tanto frontal, quanto lateral, é possível ver todos estes
aspectos da vegetação a partir do próprio abrigo, assim como os outros afloramentos
situados na vertente na margem direita do córrego da Olaria - o sítio se encontra na
margem esquerda.

25
No mapeamento realizado no Projeto Espinhaço em escala 1:100 000 não aparecem diques na área em
questão, contudo é válida verificação da área a fim de correlacionar os aspectos da vegetação com
aspectos outros da paisagem natural.
73
O sítio, quanto a seus vestígios rupestres não recebeu ocupação intensa havendo
apenas um pouco mais de meia dúzia de figuras representadas. Todas as pinturas são de
cervídeos atribuíveis à Tradição Planalto, ao seu primeiro e segundo conjuntos
estilísticos, distribuídos ao longo de uma parede, formando um único painel com figuras
sobrepostas e justapostas.

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Prancha 10: Aspectos da paisagem da Lapa dos Veadinhos

75
Lapa do Mirante do Pasmar
O sítio denominado Lapa do Mirante do Pasmar constitui-se um abrigo em
afloramento e sua entrada é orientada para NW. Situa-se no terço médio da vertente e na
micro-bacia do córrego do Pasmar, cujas águas pertencem à bacia do São Francisco.
Suas dimensões não são nada modestas, estando na média dos maiores abrigos pintados,
com 40m de comprimento, três de profundidade e seis de altura (Prancha11, p 86).
Contudo, ao contrário dos outros grandes abrigos com presença de grafismos rupestres,
este apresenta poucas figuras, apenas três, sendo todas bastante pequenas e não
figurativas -geométricos -, o que impossibilita a atribuição a alguma unidade estilística.
Estas estão distribuídas em um único painel em uma parede ampla, sem relação de
palimpsesto. O piso do abrigo caracteriza-se por ser sedimentar e inclinado, com
presença de muitos blocos desabados e presença de ressaltos e patamares suaves.
A vegetação predominante no entorno é a de campo limpo, contudo, a área em
que o sítio se insere apresenta vegetação bastante diversificada, em função de aspectos
topográficos e litológicos. Assim, têm-se aspectos fitofisionômicos de campo rupestre,
campo limpo, campo sujo e cerrado stricto sensu.
O sítio é situado no terço médio de um afloramento de quartzito da Formação
Galho do Miguel, o que lhe garante suportes homogêneos, e para se ter acesso ao abrigo
é preciso subir uma rampa inclinada com blocos desabados. Dele vêem-se diversos
elementos naturais da paisagem de entorno. A visibilidade frontal é um tanto restrita
(vê-se até 100m), possibilitando que se veja apenas outro afloramento e alguns blocos,
uma pequena área de campo limpo encharcável por onde corre, a 50metros do abrigo,
um pequeno afluente do Córrego do Pasmar, que tem nos arredores sua nascente. A
visibilidade lateral, por outro lado, possibilita uma ampla visão (em que se vê mais de 1
km, sem obstáculos significativos). Em função desta é possível visualizar uma extensa
área de campo limpo, muitas vezes encharcado, algumas drenagens, afloramentos e
blocos desabados, e áreas cuja vegetação é de campo sujo e cerrado stricto sensu
(certamente associadas a áreas de diques de rochas metabásicas).

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Prancha 11: Aspectos da paisagem da Lapa Mirante do Pasmar

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Lapa de Moisés Leste
Este sítio é situado em um grande afloramento da Formação Galho do Miguel,
em seu terço médio, voltado para NW. Em relação à vertente o abrigo é localizado no
terço médio desta, a 50 metros de uma pequena nascente de um córrego localizado ao
lado, pertencente à micro bacia do córrego do Pasmar, que por sua vez pertence à bacia
do São Francisco (Prancha 12).
O sítio, enquanto abrigo, tem proporções bem modestas, e embora se estenda por
dez metros de comprimento, a profundidade da área abrigada, com apenas dois metros,
é um tanto restrita, quase que abrigando somente os suportes pintados. O piso do abrigo
é rochoso, regular e plano, com presença de blocos desabados. Contudo há um desnível
abrupto que interrompe a área abrigada, que conjuntamente com a restrita área do
abrigo, nos faz pensar que este teve pouca ocupação, utilização, pré-histórica, para além
das pinturas (Prancha 12).
Para se ter acesso ao abrigo, que é visto facilmente de longe, é preciso caminhar
por uma rampa com sedimentos e alguns blocos desabados. A visibilidade deste é
bastante ampla tanto frontal quanto lateral, permitindo que se veja ao longe.
A vegetação predominante no entorno é a de campo limpo, em função da grande
extensão da área de entorno em que este predomina, podendo ser em alguns pontos
encharcado. Há no entorno do sítio áreas mais extensas de cerrado stricto sensu, e outras
menores de campo sujo, além do campo rupestre.
Apesar das modestas dimensões do sítio e de seu pequeno número de figuras,
aproximadamente doze, este possui grande expressividade em função de sua
visibilidade e em função da visibilidade das figuras representadas. Há no sítio um
conjunto de figuras, as únicas, atribuíveis ao segundo conjunto estilístico da Tradição
Planalto, aparentemente realizadas com a mesma tinta. Este fato leva a pensar na
construção dos painéis em um só momento, a menos que houvesse uma receita para a
fabricação das tintas, o que parece pouco provável em função da variabilidade nas cores
e texturas das tintas utilizadas pelos autores deste momento visíveis nas pinturas de
outros sítios. Tendo sido feitas, ou não, em um mesmo momento, esteticamente falando,
o conjunto de figuras representam o mais belo e naturalista até agora visto na região de
Diamantina (Prancha 12). Há predominantemente cervídeos pintados, alguns com
tamanho superior a um metro, embora haja também aves e pequenos quadrúpedes. As
figuras estão distribuídas em conjuntos ao longo de uma ampla parede vertical, que

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conforma o abrigo. Às vezes há uma combinação de animais diferentes formando pares,
como por exemplo uma ave e um quadrúpede, outras há o pareamento de dois
cervídeos, cujos detalhes anatômicos sugerem um casal, em que o cervídeo macho exibe
galhadas e a fêmea não. Há também combinação entre figuras que sugerem a
representação de „família‟, em que são vistos um cervídeo macho, uma fêmea e um
outro cervídeo de menores proporções, sugerindo ser um filhote (Prancha 12).

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Prancha 12: Lapa de Moisés Leste

80
Lapa de Moisés
O sítio é localizado na micro-bacia do córrego do Pasmar, distante apenas cem
metros do sítio Lapa de Moisés Leste. A drenagem mais próxima corresponde à
cabeceira de um afluente do córrego citado, localizada a 100 metros em frente ao
abrigo.
A vegetação predominante no entorno é caracterizada como de campo limpo,
relacionado à extensa área plana localizada em frente e no entorno da lapa, que por
vezes torna-se encharcada - há nestas áreas extensos e espessos pacotes de turfeiras.
Mas apesar deste predomínio do campo limpo, há aspectos outros do Bioma Cerrado
como o campo sujo, o cerrado stricto sensu e o campo rupestre associado aos grandes
afloramentos, blocos e lajedos, tanto na área de entorno como em frente ao abrigo. As
manchas de cerrado stricto sensu presentes no entorno estão situadas em áreas cuja
litologia corresponde a rochas metabásicas.
Outros elementos compõem a paisagem natural da área em que o sítio de insere.
São eles outros afloramentos, diversas nascentes de pequenas drenagens e algumas áreas
pelas quais de estendem lajedos.
O abrigo é situado no terço médio da vertente e também do afloramento, possui
trinta metros de comprimento, cinco de profundidade e quatro de altura. É facilmente
visto de longe e seu piso apresenta-se escalonado e sedimentar com blocos, contudo
possui uma grande área plana, com mais de 6m2 contínuos, em que predomina o piso
sedimentar (Prancha 13, p. 92).
O acesso ao abrigo é feito por uma rampa íngreme, sedimentar, com presença de
muitos blocos desabados de grandes dimensões, os quais é preciso saltar e escalar para
se chegar ao sítio. Deste tem-se boa visibilidade frontal, em que se enxergam facilmente
afloramentos posicionados a mais de 1km, enquanto a visibilidade lateral é um tanto
restrita, sendo possível visualizar somente até 100 metros, pois o próprio afloramento
em que o sítio se localiza impede que a vista alcance mais longe.
A Lapa de Moisés, que tem sua exposição orientada para NW, é localizada na
área em que predomina a Formação Galho do Miguel. Sua litologia garante suportes
muito homogêneos, em função do alto grau de recristalização do quartzito. Em alguns
lugares o suporte apresenta maiores rugosidades e escalonamentos, mas a qualidade do

81
suporte é predominantemente excelente, assim como a qualidade do suporte mais
intensamente pintado.
O sítio possui suportes das mais variadas morfologias, contudo só foram
pintadas as paredes amplas e pequenas e alguns tetos médios, muito quebradiços,
formando pequenos degraus.
Há no sítio mais de cem figuras representadas, sem sua maioria sobrepostas, mas
também em conjuntos justapostos, atribuíveis à Tradição Planalto, primeiro, segundo e
quarto momentos, e ao Complexo Montalvânia - o número de figuras atribuíveis a este
último é bem mais modesto.
Entre as temáticas presentes nos sítios estão freqüentes os peixes, aves, tatus,
outros quadrúpedes, os geométricos e os cervídeos, ficando para os últimos a
predominância.
A Lapa de Moisés é entre aquelas que foram mais intensamente pintadas, tanto
em número de figuras quanto em sobreposições, tendo sido pintada em toda sua
extensão. Os painéis foram construídos, a maioria, com sobreposições intensas entre as
figuras ao longo do tempo. É possível notar que há painéis mais intensamente
reocupados que outros, o que levou a questionar se há uma morfologia e posição
privilegiada desses dentro do abrigo. Embora não haja categorias que contemplem
caracterizações deste tipo, estas são informações que estão sendo observadas.

82
Prancha 13: aspectos da paisagem da lapa de Moisés

83
Lapa do Peixe Gordo
A lapa do Peixe Gordo constitui-se em um abrigo em bloco desabado, e tem sua
entrada exposta para nordeste. Suas dimensões são bem modestas, com oito metros de
comprimento, quatro de profundidade e três metros e meio de altura. Possui piso
sedimentar com alguns blocos caídos e topograficamente apresenta-se plano. A
superfície sedimentar mede aproximadamente 6m2 contínuos, concentrados junto à base
da parede.
O bloco, cuja queda produziu o abrigo, é localizado em uma superfície plana, no
terço superior da vertente. O acesso se dá pela área plana, e não é preciso nenhum
esforço para se chegar ao sítio.
Dele a visibilidade é ampla, tanto frontal quanto lateral. Vêem-se vários dos
elementos que compõem a paisagem em seu entorno, como afloramentos cobertos por
campo rupestre, áreas de cerrado stricto sensu e de campo limpo, blocos desabados e
lajedos. Há no entorno do abrigo algumas nascentes, sendo que a mais próxima se
encontra a oitenta metros a norte - uma nascente de um afluente do córrego do Pasmar.
Nas superfícies planas de entorno a vegetação é de campo limpo, com algumas
pequenas manchas de campo sujo. A vegetação predominante no entorno, contudo, é
de cerrado stricto sensu (Prancha 14). Em frente ao abrigo aparecem lajedos, drenagens,
afloramentos, áreas de campo limpo encharcado, campo sujo e cerrado sentido restrito.
O sítio é litologicamente instalado em quartzitos da Formação Galho do Miguel,
mas os tetos e blocos disponíveis como suporte apresentam algumas manchas e
rugosidades. O abrigo recebeu, em seu teto amplo e em blocos pequenos e restritos, em
torno de 30 figuras ao todo, que podem ser atribuídas ao primeiro momento da Tradição
Planalto e ao Complexo Montalvânia. Entre as temáticas presentes, que incluem
cervídeos, antropomorfos e geométricos, os peixes são predominantes. As figuras se
encontram em sobreposição, ou isoladas distribuídas em painéis espalhados por todo o
sítio de maneira descontínua.

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Prancha 14: Lapa do Peixe Gordo

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Lapa do Peixe Lascado
O sítio é localizado no terço médio da vertente no sopé de um afloramento e seu
acesso é feito pela superfície plana. A vegetação predominante no entorno é de campo
limpo, associado à extensa área plana que rodeia o sítio. Há outros aspectos
vegetacionais relacionados com elementos de entorno do sítio: o cerrado stricto sensu, o
campo rupestre adaptado às fendas dos afloramentos rochosos e solos pouco
desenvolvidos; e o campo sujo em áreas restritas.
Em frente ao abrigo podem ser vistos aspectos vegetacionais de campo rupestre
e campo limpo. Há também em seu entorno, algumas drenagens e afloramentos. A
drenagem mais próxima está situada em frente ao abrigo, a 60 metros, e corresponde ao
alto-curso de um afluente do córrego do Pasmar. Este afluente corre em um vale
encaixado, com desníveis abruptos e possui trechos encachoeirados.
A Lapa do Peixe Lascado, vista facilmente de longe, possui sua entrada voltada
para Noroeste, como a maior parte dos abrigos da serra. Seu piso é sedimentar,
inclinado, com presença de blocos desabados em todo ele, que acabam por gerar
degraus e patamares. A área sedimentar do abrigo é um tanto restrita, sendo inferior a
seis metros quadrados contínuos.
A visibilidade do abrigo foi classificada como ampla tanto frontal como
lateralmente, podendo-se em ambas avistar a paisagem por mais de 1 km. Contudo é
preciso que ressalvas sejam feitas. O abrigo possui no limite de sua área abrigada
grandes blocos inclinados que impedem a visibilidade de fora do abrigo. Para se
enxergar a paisagem, da maneira como ela foi classificada, é preciso chegar na entrada
do abrigo ou subir nos blocos desabados.
O abrigo possui área de 90 m2 (30 m x 3 m) e atura de oito metros. Ao contrário
dos abrigos de tamanho semelhante, este possui poucas pinturas, menos de dez,
espalhadas nos primeiros quinze metros do abrigo, em áreas cujo suporte apresentam
qualidade inferior àquele que é predominante no sítio. A lapa possui suportes lisos e
homogêneos em toda a área abrigada, contudo o suporte mais abundantemente pintado
oferece bastantes rugosidades, manchas e desplaquetamentos. Os suportes pintados,
distribuídos de forma descontínua no sítio, se configuram como: parede ampla, parede
pequena e teto restrito. As pinturas podem ser atribuídas à Tradição Planalto, primeiro e
segundo conjuntos estilísticos, e ao Complexo Montalvânia, sendo que a este último fica

86
reservada somente uma pequena figura antropomorfa. A temática Planalto presente no
sítio resume-se a cervídeos e peixes, sendo os peixes mais representados.
Prancha 15: paisagem da lapa do peixe lascado

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Lapa do João Rosa
O sítio é localizado no sopé de afloramento cuja litologia corresponde à
Formação Galho Miguel, no terço superior da vertente. A drenagem mais próxima se
localizada a 190 metros de distância, a leste do abrigo, e corresponde ao médio curso de
um afluente do córrego do Pasmar, que possui trechos encachoeirados, próximos ao
abrigo.
A vegetação do entorno é predominantemente de campo limpo associado à
ampla superfície plana. Há vegetação de campo rupestre desenvolvida sobre extensos
lajedos e afloramentos e algumas manchas de campo sujo e cerrado stricto sensu.
O abrigo, facilmente avistado na paisagem, possui 17 metros de comprimento,
três de profundidade e dez de altura. O piso é inclinado com blocos desabados, mas há
superfície sedimentar no abrigo, embora restrita. O acesso para se chegar ao abrigo não
apresenta nenhuma dificuldade, uma vez que este é feito pela extensa área plana em
frente ao abrigo.
A Lapa do João Rosa tem sua abertura exposta para norte e dela tem-se ótima
visibilidade tanto frontal quanto lateral. É possível avistar elementos da paisagem
situados a mais de 1km do abrigo.
O suporte do abrigo apresenta excelente qualidade, sendo predominantemente
sem manchas e rugosidades, contudo há partes deste com algumas heterogeneidades na
cor e textura, apresentando por vezes descamações. O suporte mais abundantemente
pintado possui algumas manchas, degraus e rugosidades. Os suportes pintados,
distribuídos ao longo de todo sítio, morfologicamente constituem-se de tetos pequenos e
restritos e paredes amplas, ocupados por aproximadamente trinta e cinco figuras.
A temática predominante no sítio é de cervídeos, seguida por pequenos
quadrúpedes e por geométricos, todas estes atribuíveis à Tradição Planalto, seus
segundo ou terceiro momentos, com exceção dos geométricos que são atribuíveis ao
Complexo Montalvânia. Aparece no sítio ainda, uma figura antropomorfa atribuída à
Tradição Nordeste.

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Prancha 16: lapa do joão rosa

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Lapa da Onça
O abrigo localiza-se no terço médio da vertente e no terço inferior de um
pequeno afloramento de quartzito da Formação Galho do Miguel. O abrigo possui cinco
metros de comprimento, três de profundidade e dois de altura. O piso do abrigo é plano,
sedimentar com blocos, sendo a área sedimentar bastante restrita.
Para se ter acesso ao abrigo é preciso caminhar em uma área pouco íngreme da
vertente, cuja vegetação corresponde ao campo rupestre, assim como aquela que é
predominante no entorno do abrigo. Do abrigo, cuja visibilidade tanto frontal quanto
lateral é classificada como ótima, apenas dificultada por algumas espécies arbóreas de
porte mais elevado, vêem-se afloramentos, pequenas drenagens e a drenagem do rio
Pardo Pequeno situada a cem metros a leste. Em alguns trechos próximos ao abrigo o
rio Pardo Pequeno exibe pequenas cachoeiras.
A lapa tem sua entrada orientada para noroeste. Nela, vêem-se aproximadamente
dez figuras, todas atribuíveis à Tradição Planalto, primeiro e segundo momentos. A
temática predominante é de cervídeos, mas aparecem tatus, pequenos quadrúpedes e
uma figura que parece ser representação de uma onça.
O suporte da lapa, predominantemente, possui rugosidades e manchas, sendo
que este foi totalmente ocupado por figuras distribuídas ao longo de toda sua superfície,
sem relação de palimpsesto.

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Prncha 17: onça

91
Lapa da Turma
A Lapa da Turma é localizada há cem metros de um pequeno afluente do rio
Pardo Pequeno, localizado em frente à lapa, no terço médio da vertente e do
afloramento.
A lapa tem sua entrada orientada para norte, e a vegetação predominante no
entorno é de campo rupestre, embora haja em frente ao abrigo manchas de campo sujo,
uma pequena capoeira, e uma ampla área de campo limpo no entorno, não imediato.
No entorno do abrigo outros elementos complementam a paisagem, como
afloramentos e drenagens.
O sítio tem grandes dimensões quando comparado às médias regionais, com
trinta metros de comprimento, vinte e três de profundidade e quatro de altura. O piso da
lapa é regular e plano, com superfície sedimentar. Há no sítio ressaltos e patamares, que
criam diferentes compartimentos, dos quais tem-se boa visibilidade lateral, em que se
pode ver mais de 1km, que compensa a restrita visibilidade que se tem frontalmente a
partir do abrigo.
O acesso ao sítio é feito através de uma rampa inclinada com blocos desabados.
Há no sítio uma variedade de suportes pintados quanto a suas morfologias.
Vêem-se ao longo de todo sítio tetos amplos, paredes médias, paredes pequenas e
blocos médios que receberam, juntos, em torno de 50 figuras. A rocha do abrigo,
embora litologicamente pertencente à Formação Galho do Miguel, possui rugosidades e
manchas e apresenta-se bastante áspera e um pouco friável. Esta característica se
mantém naqueles suportes predominantemente ocupados.
As unidades estilísticas identificadas no sítio foram: o primeiro, segundo e
terceiro conjuntos da Tradição Planalto; Tradição Nordeste e Complexo Montalvânia.
Os temas representados são os cervídeos, tatus, peixes, antropomorfos em cenas de sexo
e geométricos. As mais presentes no sítio são as representações de cervídeos. As figuras
encontram-se isoladas, em conjuntos e em sobreposição, em painéis dispostos ao longo
de todo sítio.

92
Prncha 18: lapa da tuma

93
Lapa do Galheiro Abrigo sul
Localizada no terço médio de um afloramento quartzítico no terço superior da
vertente e avistada facilmente de longe, a Lapa do Galheiro Abrigo Sul apresenta
aproximadamente 30 figuras, sobretudo geométricos da unidade estilística denominada
Complexo Montalvânia. Aparecem, contudo, alguns cervídeos, peixes e outros
quadrúpedes atribuíveis ao primeiro momento da Tradição Planalto e também ao quinto.
As figuras estão dispostas em conjuntos formando painéis que se encontram espalhados
por todo o sítio. As figuras estão postas em suportes que apresentam algumas manchas e
rugosidades, cujas morfologias são: teto amplo, parede média, parede pequena, bloco
pequenos e bloco restrito.
O acesso à lapa é dado por uma rampa com blocos desabados e com sedimento
solto. O piso do abrigo, que possui 15 metros de comprimento, quatro de profundidade e
2,3 metros de altura, apresenta-se regular e plano com restrita superfície sedimentar e
blocos desabados.
O sítio tem sua exposição para noroeste e sua visibilidade frontal é ruim, uma
vez que se avista apenas cem metros à frente. A visibilidade lateral, ao contrário, é
bastante ampla.
O sítio é localizado a trinta metros de uma pequena drenagem, próximo à sua
nascente, de um afluente do córrego Taquaral, pertencente à bacia do Rio São
Francisco. A vegetação predominante no entorno do sítio é de campo limpo associado à
extensa área plana encharcável ali presente. Em frente ao sítio há feições
fitofisionômicas de campo rupestre associadas a afloramentos. No entorno há algumas
espécies arbóreas típicas do cerrado, contudo não há formação de dossel e elas estão
dispostas, embora em uma mesma área, de maneira esparsa. Há algumas manchas,
ainda, de campo sujo.
Em frente ao sítio há uma pequena área plana, na qual corre a drenagem, e cuja
vegetação apresenta-se como campo limpo. No entorno aparecem outras drenagens e
afloramentos que complementam a paisagem da área em que o sítio se insere.

94
Prancha 19: lapa do galheiro abrigo sul

95
Lapa do Galheiro Abrigo Norte
Localizada a aproximadamente 50 metros do sítio anterior, a Lapa do Galheiro
Abrigo Norte também se encontra no terço médio de um afloramento no terço superior
da vertente. O acesso à lapa é conseguido através de uma rampa com blocos desabados
e com sedimento solto. O piso do abrigo apresenta-se escalonado, formando patamares,
com superfície sedimentar com área superior a 6 m2. A Lapa possui 20 metros de
comprimento, 6 de profundidade e 4 metros de altura, e é facilmente avistada de longe.
A exposição do abrigo é voltada para oeste e sua visibilidade frontal e lateral é
bastante ampla, permitindo que se avistem elementos da paisagem sem grandes
obstáculos ou áreas de sombra por mais de 1km.
O sítio é localizado a 35 metros da área de cabeceira de um pequeno tributário
do córrego Taquaral, pertencente à bacia do Rio São Francisco. Assim como na Lapa do
Galheiro Abrigo Sul, a vegetação predominante no entorno do sítio é de campo limpo
associado à superfície plana. Em frente ao sítio aparece o campo rupestre associado a
afloramentos, e uma restrita superfície plana com vegetação de campo limpo associado.
No entorno há algumas espécies típicas do cerrado, dispostas de maneira esparsa em
uma pequena área. È possível também encontrar manchas de campo sujo espalhadas
sobre a extensa superfície plana, sobretudo em áreas não encharcadas.
O sítio possui mais de 120 figuras representadas dispostas em conjuntos, e em
sobreposição, formando painéis ao longo de todo sítio. Litologicamente o sítio é
inserido em afloramento da Formação Galho Miguel, o que lhe garante suportes, a
princípio, de qualidade sem grandes heterogeneidades. Deste modo, os suportes
disponíveis possuem poucas rugosidades e algumas manchas. O suporte mais
intensamente ocupado não possui nenhuma mancha, descamações ou rugosidades.
Quanto à morfologia dos suportes utilizados estes se apresentam como tetos
amplos e restritos, paredes amplas e pequenas e blocos pequenos e restritos.
As figuras que aparecem são predominantemente cervídeos, com presença de
outros quadrúpedes, peixes e aves, além de geométricos e antropomorfos. As unidades
estilísticas às quais as figuras são atribuídas são a Tradição Planalto, primeiro e segundo
momentos, e o Complexo Montalvânia.

96
Prancha 20 aspectos da paisagem da lapa do galheiro abrigo norte

97
Lapa do Voador Sul
O abrigo localiza-se no terço superior da vertente e do afloramento quartzítico e
é facilmente visto de longe. O abrigo possui treze metros de comprimento, quatro de
profundidade e dois de altura. O piso do abrigo é rochoso e plano.
O acesso ao abrigo é feito por uma rampa com sedimento e blocos desabados,
cuja vegetação corresponde ao campo rupestre, assim como aquela que é predominante
no entorno do abrigo. Do abrigo, cuja visibilidade frontal é bastante restrita, enquanto a
lateral é classificada como ótima, vêem-se afloramentos, o vale encaixado por onde
corre o alto curso de um afluente do Rio Batatal, que em alguns trechos exibe pequenas
quedas, e ao longe vêem-se outras áreas com extensas superfícies planas, drenagens e
afloramentos. No entorno da lapa há algumas drenagens e áreas encharcáveis e aspectos
de campo sujo, quanto à vegetação.
A lapa tem sua entrada orientada para noroeste. Nela, têm-se aproximadamente
20 figuras, dispostas em conjuntos ou isoladas, atribuíveis ao primeiro e ao segundo
momentos da Tradição Planalto e à Tradição Agreste. A temática predominante é de
cervídeos, mas aparecem antropomorfos Agreste.
O suporte da lapa, predominantemente, não possui rugosidades ou manchas,
assim como aqueles que receberam pinturas. Estes morfologicamente são constituídos
por parede média e teto amplo.

98
Prancha 21: lapa do Voador sul

99
Lapa do Voador Central
O sítio, que possui aproximadamente sete figuras, é localizado no terço superior
de um afloramento na alta vertente. Possui boa visibilidade frontal e ótima lateral, que
possibilitam a observação de vários elementos da paisagem no entorno e em frente ao
abrigo. Em frente ao abrigo é possível visualizar afloramentos recobertos por vegetação
do tipo campo rupestre e uma drenagem com trechos encachoeirados que corre em um
vale encaixado diste 50 metros do sítio e que tem sua nascente nas proximidades. No
entorno são visíveis afloramentos com presença de espécies de campo rupestre,
superfícies planas recobertas por campo limpo e blocos desabados. Embora não vistos
do abrigo, há em áreas próximas ao sítio enclaves de campo sujo, algumas drenagens
com as regiões de seu entorno encharcáveis.
O abrigo, facilmente visto de longe, é acessado através de uma rampa muito
inclinada com sedimentos e blocos soltos. Suas dimensões são: trinta metros de
comprimento, quatro de profundidade e quatro de altura. O piso é regular e plano, com
superfície sedimentar superior a 6m2 com blocos desabados. A parede do abrigo, em
função do acamamento da rocha, favorece pequenos patamares.
Com sua exposição para noroeste, o abrigo cuja litologia se enquadra na
Formação Galho Miguel, possui suporte muito irregular, quebradiço e manchado. Sua
má qualidade pode se dever em função do acamamento das camadas estratigráficas da
rocha finas e horizontalizadas com leve mergulho para oeste. Sendo desta maneira as
finas camadas desplaquetam facilmente de forma irregular produzindo suportes bastante
irregulares. Ainda, algumas das superfícies da rocha apresentam marcas da deposição
sedimentar, “ondas”, o que torna o suporte rugoso.
As figuras estão espalhadas de forma descontínua no sítio, assim como os
painéis, dispostos em pequenos tetos cujos suportes não apresentam qualidade superior
ao predominante.
As figuras parecem ser representações de cervídeos, que são predominantes no
sítio, peixes e tatus, atribuíveis aos três primeiros conjuntos estilísticos da Tradição
Planalto.

100
Pancha 22: aspectos da paisagem da lapa do voador central

101
Lapa do Voador Norte
Visto facilmente de longe, o sítio é localizado na área de topo do afloramento e
da vertente. Localizado na micro-bacia do Córrego Batatal, na área de cabeceira de um
pequeno afluente, o sítio possui acesso por uma rampa muito inclinada de sedimentos e
blocos (Prancha 23).
A lapa constitui um abrigo sobre rocha e possui 25 metros de comprimento, seis
de profundidade e três metros de altura. O piso é plano com muitos blocos, o que acaba
proporcionando a formação de patamares, e uma restrita área sedimentar, menor que 3
m2 .
Os suportes disponíveis no sítio apresentam-se homogêneos, com poucas
manchas ou escorrimentos, assim como também se apresenta o suporte abundantemente
pintado. Contudo, em função da intensa exposição dos painéis ao sol, estes se
encontram extremamente patinados. Morfologicamente os suportes pintados são: teto
amplo, parede ampla e bloco pequeno.
O número de figuras é maior que 120. O sítio apresenta intensas sobreposições
de seus painéis, mas também há painéis conformados por figuras justapostas sem
sobreposição. Entre os grafismos identificáveis há figuras atribuíveis a todos os
conjuntos estilísticos até agora delineados para a Tradição Planalto, e figuras do
Complexo Montalvânia (Prancha 23).
A temática parece ser predominantemente de cervídeos, mas aparecem tatus,
peixes, aves, figuras geométricas e antropomorfas.
O sítio tem sua exposição para NW e dele tem-se boa visibilidade tanto lateral
quanto frontal, contudo a visibilidade lateral é maior - possibilitando uma visão de uma
área superior há 1km - enquanto a frontal possibilita uma visão de 100m a 1km.
Os aspectos naturais da paisagem em frente ao abrigo são: a drenagem, que se
localiza a 80 metros do abrigo, em um vale encaixado e afloramentos recobertos por
campo rupestre. A vegetação predominante no entorno é o campo rupestre, embora haja
pequenas manchas de campo sujo, e haja, também, a cem metros do sítio uma pequena
área plana com vegetação de campo limpo (Prancha 23).

102
Prancha 23: Lapa do Voador Norte

103
Lapa da Ciranda
A Lapa da Ciranda tem sua entrada exposta para nordeste. Suas dimensões são
22 metros de comprimento, cinco de profundidade e três metros de altura. Possui piso
plano e rochoso.
É localizada no terço superior da vertente e do afloramento. O acesso se dá por
uma rampa inclinada com blocos, depois que se atravessa uma área plana encharcável
por onde corre uma pequena drenagem e cuja vegetação é de campo limpo.
Dele a visibilidade lateral é ampla enquanto a frontal é restrita. Vêem-se vários
dos elementos que compõem a paisagem em seu entorno, como afloramentos cobertos
por campo rupestre, pequenas áreas de campo limpo e campo sujo e blocos desabados.
Há no entorno do abrigo algumas nascentes e drenagens, sendo que a mais próxima está
dez metros a diante do abrigo. Em frente ao abrigo aparecem drenagens, afloramentos,
áreas de campo limpo encharcado e campo sujo. A vegetação predominante é de campo
rupestre.
O sítio é litologicamente inserido em afloramento da Formação Galho do Miguel
e os suportes disponíveis e utilizados apresentam-se homogêneos, sem manchas ou
rugosidades. Recebeu em seu teto amplo e parede pequena cerca de 25 figuras ao todo,
que podem ser atribuíveis aos primeiro, segundo, terceiro e quinto momento da
Tradição Planalto, e ao Complexo Montalvânia. As temáticas presentes são cervídeos,
que predominam, tatus, antropomorfos e aves. As figuras se encontram em
sobreposição, em conjunto ou isoladas, distribuídas em painéis espalhados por todo o
sítio de maneira descontínua.

104
Prancha 24: paisagem da lapa da ciranda

105
Lapa da Escada
O abrigo, facilmente avistado na paisagem, possui doze metros de comprimento,
dez de profundidade e 1, 80metros de altura. O piso é regular e plano, com ampla
superfície sedimentar com blocos desabados.
O sítio é localizado no terço superior de afloramento da Formação Galho
Miguel, no terço superior da vertente Para se chegar ao abrigo é preciso subir uma
rampa muito inclinada de piso rochoso.
A drenagem mais próxima está localizada a 300 metros de distância, a leste do
abrigo, e corresponde à cabeceira de um afluente do Pardo Pequeno.
A vegetação do entorno é predominantemente de campo rupestre associado aos
afloramentos. Há vegetação de campo limpo, desenvolvida em uma extensa área plana à
frente do abrigo, e também pequenas manchas de capoeira. No entorno vêem-se
majoritariamente pequenas áreas planas circundadas por grandes afloramentos cobertos
por vegetação de campo rupestre.
A Lapa da Escada tem sua abertura exposta para nordeste e dela tem-se ótima
visibilidade, sendo possível avistar elementos da paisagem situados a mais de 1km do
abrigo.
O suporte do abrigo apresenta excelente qualidade sendo predominantemente
sem manchas e rugosidades, contudo há partes deste com algumas heterogeneidades na
cor e textura, apresentando por vezes descamações. O único suporte utilizado, uma
parede média, possui algumas manchas e rugosidades.
A única temática do sítio é a representação de cervídeos, postos em conjuntos.
São apenas quatro figuras sendo todas elas atribuíveis ao terceiro momento da Tradição
Planalto.

106
Prancha 25: lapa da escada

107
Lapa da Varas
O sítio localiza-se em um afloramento, em seu terço médio, e no terço médio da
vertente, de uma área cujas águas correm para o São Francisco. Para se chegar ao abrigo
é preciso subir uma rampa muito inclinada com sedimentos e bloco soltos.
Do abrigo, facilmente avistado na paisagem, tem-se boa visibilidade, embora
apenas a visibilidade lateral seja classificada como ótima - vê-se mais de 1 km -,
enquanto da frontal avista-se até 1 km. Os elementos que complementam a paisagem
são afloramentos com vegetação de campo rupestre os cobrindo, drenagens - sendo a
mais próxima situada a 160 metros em frente ao abrigo -, uma pequena capoeira, blocos
desabados, todos estes situados em frente ao abrigo. No entorno os elementos presentes
são: uma área plana, parcialmente encharcável, com vegetação de campo limpo
associada, drenagens e afloramentos cobertos com campo rupestre.
O sítio, que tem sua exposição orientada para norte, situa-se inserido em área
geologicamente mapeada como sendo da Formação Galho Miguel, e tem 25 metros,
cinco metros e sete metros, de comprimento, profundidade e altura respectivamente. O
piso do abrigo é formado por inúmeros blocos de dimensões variadas, e sua superfície é
inclinada, todos estes elementos conformando ressaltos e patamares.
A presença dos vestígios culturais que interessam a este trabalho é modesta, uma
vez que só há três figuras no sítio. Todas elas são atribuíveis à Tradição Planalto, a seu
terceiro e quinto conjuntos estilísticos. As figuras parecem ser representações de peixe,
cervídeo e um pequeno roedor, não havendo, portanto, uma temática predominante. As
figuras estão colocadas isoladas ao longo de uma parede ampla sem escorrimentos e
rugosidades, e não há formação de painéis.

108
Prancha 26: lapa das varas

109
Lapa da Vargem
O sítio, localizado no sopé de um afloramento da Formação Galho Miguel e no
terço médio da vertente, na micro-bacia do Córrego das Varas, do qual dista 160 metros
a norte, possui em torno de trinta figuras. Estas são representações de cervídeos,
pequenos quadrúpedes, que são predominantes no sítio, antropomorfos e geométricos,
entre outras figuras de forma não identificável. As pinturas são atribuíveis à Tradição
Planalto, seus primeiro, segundo e terceiro conjuntos estilísticos, à Tradição Agreste, à
Tradição Nordeste e ao Complexo Montalvânia.
As figuras estão em sobreposição ou em conjunto formando painéis que se
localizam espalhados, mas descontinuamente, por todo o sítio em tetos amplos, médios
e restritos e em paredes amplas e médias. Os suportes ocupados, assim como o resto do
sítio, possuem muita rugosidade e desplaquetamentos que deixam os suportes com
muitos degraus.
O sítio possui vinte metros de comprimento, quatro e meio de profundidade e
quatro de altura, e o acesso a ele é feito sem qualquer obstáculo pela área plana
localizada em seu entorno. O piso, regular e plano, é sedimentar com presença de
blocos, sendo que a superfície sedimentar é superior a 6m2. Há no abrigo um grande
bloco desabado, em sua porção leste, que serve de piso para se alcançar a parede mais
intensamente pintada, formando uma patamar.
É possível avistar do sítio até 1 km frontalmente e mais de 1km lateralmente,
contudo a vegetação predominante no entorno apresenta-se como sendo cerrado stricto
sensu, com exemplares típicos como Pequi e Barbatimão, o que dificulta a visibilidade.
Em frente ao abrigo há uma pequena área plana, cuja vegetação apresenta-se
hoje como sendo de campo-limpo, pequenas drenagens, afloramentos com espécies de
vegetação de campo rupestre desenvolvidas sobre sua superfície e por entre suas fendas
e alguns blocos. Há ainda em frente ao abrigo feições fitofisionômicas de cerrado e de
campo sujo.
No entorno do sítio há também afloramentos, drenagens, blocos desabados, e as
feições vegetacionais já citadas.

110
Prancha 27: paisagem da lapa da Vargem

111
Lapa do Boi
O sítio é localizado na baixa vertente e no sopé de um grande afloramento da
Formação Galho Miguel. O acesso ao sítio é feito pela extensa área plana localizada em
frente e no entorno do abrigo.
A Lapa do Boi é o sítio mais intensamente pintado daqueles que foram
identificados. Há centenas de figuras, postas em conjuntos ou em sobreposição, em
painéis espalhados por todo o sítio. Os suportes ocupados, cuja qualidade não se
distingue da predominante no abrigo, apresenta alguns escorrimentos e pouca
rugosidade. Morfologicamente foram ocupados tetos amplos, paredes amplas e um
bloco de tamanho mediano.
Há no sítio figuras pertencentes aos três primeiros conjuntos estilísticos da
Tradição Planalto, à Tradição Agreste e ao Complexo Montalvânia. A temática
predominante se refere às representações de cervídeos, embora apareçam figuras de
peixes, outros quadrúpedes, antropomorfos, armas, geométricos e biomorfos. É possível
que haja figuras atribuíveis a outros conjuntos, porém, em função das intensas
sobreposições, que por vezes tornam os painéis caóticos, estas não tenham sido
identificadas para serem então atribuídas às unidades estilísticas até agora identificadas
como presentes na região.
O abrigo tem sua exposição orientada para oeste, possui 50 metros de
comprimento, dez de profundidade, e cinco metros de altura. O piso do sítio é
majoritariamente plano e regular, com extensa área sedimentar e com alguns blocos
desabados. Embora a maior parte do sítio possua o piso como agora descrito, na parte
mais meridional do abrigo tem-se acesso a um patamar, que se encontra mais alto no
afloramento, o qual é acessado por uma rampa íngreme com blocos desabados e possui
piso rochoso. Em todos os patamares do sítio, inclusive na área da rampa, estão
presentes pinturas rupestres. Em função desta particularidade do sítio, este será
entendido como tendo seu piso sedimentar e plano no momento da realização dos
cruzamentos das variáveis selecionadas para análises dos sítios, contudo as diferenças
do piso serão consideradas de forma qualitativa no momento de se analisar as
distribuições das pinturas rupestres.
O abrigo possibilita ampla visibilidade lateral e frontal permitindo que se aviste
mais de 1 km em todas as direções.

112
A Lapa do Boi está distante 160 metros a leste da calha de um pequeno afluente
do córrego Lapa da Doida, pertencente à bacia do Rio São Francisco. Há no entorno
pequenas nascentes, e trechos encachoeirados da pequena drenagem.
A vegetação predominante no entorno é de campo limpo associado à extensa
área plana encharcável, por vezes com inclinação suave. Os elementos que compõem a
paisagem são afloramentos recobertos com vegetação de campo rupestre, drenagens,
extensas áreas planas, pequenos resquícios de uma antiga mata ciliar, que exibe árvores
esparsas e por vezes juntas ao longo do pequeno córrego, manchas de cerrado e campo
sujo. Estes elementos aparecem com freqüência em frente ao abrigo e no seu entorno.

113
Prancha 28: paisagem da lapa do boi

114
Lapa do Boi Leste
Situada a cem metros do sítio Lapa do Boi, a Lapa do Boi Leste é facilmente
avistada. É localizada a 130 metros de um afluente do córrego Lapa da Doida, que tem
no seu entorno nascentes e trechos encachoeirados.
Localiza-se no terço inferior do afloramento quartzítico e da vertente, e para se
chegar ao abrigo, cujas medidas correspondem a oitenta metros de comprimento, três de
profundidade e aproximadamente cinco de altura, basta caminhar ela área plana
localizada em frente ao abrigo.
O piso do abrigo é constituído por uma superfície rochosa, inclinada com
grandes blocos. O sítio tem sua exposição voltada para oeste, e a visibilidade
proporcionada é classificada como ruim (em que podem ser vistos elementos situados
até 100) para a frontal, e como ótima para lateral, uma vez que se enxerga elementos da
paisagem distes mais de 1 km.
Os elementos que compõem a paisagem em frente ao abrigo são afloramentos
com campo rupestre associado, drenagens e uma extensa área plana, por vezes
suavemente inclinada, coberta por vegetação de campo limpo. A vegetação
predominante do entorno é a de campo rupestre associada aos lajedos e afloramentos
dispostos em frente e no entorno do sítio. É possível observar ainda pequenas áreas de
campo sujo.
O sítio é localizado em um afloramento cuja geologia corresponde à Formação
Galho do Miguel. Seus suportes embora se apresentem bastante homogêneos e sem
rugosidades, possui intensos desplaquetamentos. Não se sabe se na pré-história já
apresentava esta característica, mas fato é que, hoje, é possível ver em todo sítio
pedaços caídos da parede, por vezes com restos de pinturas. Esta característica dos
suportes, tal qual se apresentam hoje, pode ter feito desaparecer muitas figuras
rupestres, o que nos impossibilita, mais do que em qualquer outro sítio, de analisar quais
unidades estilísticas “escolheram” o sítio. Sendo assim, lidamos somente com as figuras
legíveis no sítio, o que pode se constituir como um viés que pode comprometer a
análise, mas esta é uma questão, infelizmente, incontornável.
Os seus suportes pintados constituem-se em amplas paredes, ocupadas, no
conjunto, com aproximadamente 100 figuras, atribuíveis ao segundo conjunto da
Tradição Planalto, à Tradição Agreste e ao Complexo Montalvânia. As figuras estão

115
dispostas em conjunto ou em sobreposição em painéis espalhados de forma descontínua
por todo o sítio.
As temáticas presentes correspondem a cervídeos, peixes, aves, outros
quadrúpedes, geométricos e antropomorfos, sendo as representações de cervídeos
predominantes.

116
rancha 29: Aspectos da paisagem da Lapa do boi leste

117
Pedra do Boi
Constitui uma pequena parede abrigada localizada na baixa vertente, no sopé de
um bloco desabado. A área abrigada possui cinco metros de comprimento, um de
profundidade e três de altura. Está a trinta metros da nascente de um afluente do córrego
Lapa da doida, situada em frente ao sítio.
A vegetação no entorno é predominantemente de campo limpo associado à
ampla área plana, por vezes encharcada, localizada no entorno.
Os elementos que complementam a paisagem no entorno do abrigo são
afloramentos igualmente quatzíticos, blocos desabados, drenagens, áreas de campo
limpo e campo sujo e campo rupestre.
O suporte ocupado constitui uma parede média, muito rugosa, com intensos
escorrimentos e precipitação de sílica. Há apenas 3 figuras postas em conjunto, todas do
terceiro momento da Tradição Planalto e representativas de cervídeos.
O pequeno abrigo, visto facilmente de longe, tem sua abertura orientada para
oeste, e sua visibilidade frontal é restrita enquanto a lateral é ampla. Seu piso é regular e
plano, com restrita área com sedimentos e blocos desabados.

118
Prncha 30 Pedra do boi e os aspectos de sua paisagem

119
Lapa do Caboclo
A Lapa do Caboclo é situada a 200 metros do córrego Pé-de-Moleque,
localizado no vale em frente ao afloramento onde o sítio se insere. No entorno do sítio
há nascentes de seus afluentes e trechos encachoeirados.
O sítio é localizado no terço médio do afloramento e da vertente e para se ter
acesso a ele é preciso galgar o afloramento que se apresenta em patamares (afloramento
escalonado).
A vegetação predominante no entorno é de campo rupestre, embora haja na
frente do abrigo uma densa capoeira e no entorno áreas de campo sujo. É provável que
existissem outros tipos de vegetação, como cerrado ou campo limpo, em ampla área
plana que hoje é utilizada para agricultura.
O sítio é localizado, segundo o Mapeamento Geológico do Projeto Espinhaço, na
Formação Santa Rita do Supergrupo Espinhaço, contudo, as características observáveis
em campo da rocha do abrigo, como alta presença de mica e alta xistosidade, indicam a
possibilidade deste abrigo estar inserido em afloramento da Formação Córrego dos
Borges. Suas dimensões correspondem a 40 metros de comprimento, 30 de
profundidade e 15 metros de altura. O piso do abrigo é regular, sedimentar com blocos
desabados, e a superfície sedimentar é maior que 6m2 contínuos.
Há no abrigo ressaltos, patamares e diferentes espaços compartimentados, que
tiveram seus diferentes suportes utilizados para guardar centenas de figuras, postas
isoladas, em conjunto e em sobreposição, em suportes conformados como tetos amplos,
pequenos e restritos, paredes médias e amplas, além de blocos pequenos e restritos. Os
suportes disponíveis e também os ocupados apresentam rugosidades e manchas,
contudo aquele que foi abundantemente pintado apresenta-se homogêneo, sem manchas
ou rugosidades. Há conformação de painéis em todo o sítio.
As figuras pintadas são atribuíveis à Tradição Planalto, Tradição Agreste e
Complexo Montalvânia. Aparecem todos os conjuntos da Tradição Planalto, com
exceção do quinto. A temática predominante é de cervídeos, mas aparecem peixes,
antropomorfos, aves, tatus e outros quadrúpedes.
A visibilidade frontal do sítio, que tem sua abertura orientada para oeste, quando
analisada dos altos patamares que o sítio possui, é extremamente boa, permitindo que
elementos localizados a mais de 1 km do abrigo sejam avistados. A visibilidade lateral,
contudo é extremamente restrita em função da própria morfologia do abrigo.

120
Parancha 31: lapa do caboclo

121
Lapa Pé-de-Moleque
Constitui-se em um abrigo em afloramento, facilmente visto de longe. Possui sua
entrada exposta para oeste. Suas dimensões são vinte metros de comprimento, três de
profundidade e aproximadamente dez de altura. Possui piso sedimentar com muitos
blocos caídos e topograficamente apresenta-se plano. A superfície sedimentar é restrita,
medindo menos de 6 m2 contínuos, concentrados junto à base da parede.
O acesso se dá pela área plana e não é preciso nenhum esforço para se chegar ao
sítio.
Dele a visibilidade é ampla, tanto frontal quanto lateral. Vêem-se vários dos
elementos que compõem a paisagem em seu entorno, como afloramentos cobertos por
campo rupestre, áreas de resquícios de mata ciliar e de campo limpo, blocos desabados e
lajedos, algumas drenagens, sendo que a mais próxima - córrego Pé de Moleque - está a
oitenta metros em frente, vertentes com aclives suaves, hoje utilizadas para agricultura,
e poucas manchas de campo sujo. Em frente ao abrigo aparecem lajedos, drenagens,
afloramentos.
O sítio é litologicamente inserido em afloramento da Formação Santa Rita. O
suporte, uma única parede ampla, apresenta manchas, rugosidades. Recebeu nesta 60
figuras ao todo, que podem ser atribuíveis ao primeiro, segundo e terceiro momentos da
Tradição Planalto, e ao Complexo Montalvânia. Entre os temas presentes incluem
cervídeos, peixes e geométricos, os últimos são predominantes. As figuras se encontram
em sobreposição, ou isoladas distribuídas em painéis ao longo de todo o sítio.

122
Prancha 32: lapa do pé de moleque

123
Lapa do Defunto
A Lapa do Defunto constitui um abrigo no sopé de um afloramento localizada
no terço médio da vertente. A área abrigada possui dez metros de comprimento, dez de
profundidade e três de altura. Está a cento e trinta metros do Córrego Catumbi, que se
localiza ao lado do abrigo, que está inserido, geologicamente na Formação Córrego dos
Borges. O piso apresenta-se regular e plano e sua superfície é sedimentar com blocos
desabados. A superfície sedimentar é ampla, possuindo área superior a 6 m2 contínuos.
A vegetação no entorno é predominantemente de campo limpo associado à
ampla área plana circundante. Os elementos que complementam a paisagem no entorno
do abrigo são afloramentos e lajedos cobertos com vegetação de campo rupestre, blocos
desabados, drenagens, áreas de campo limpo e campo sujo e alguns enclaves de cerrado
stricto sensu.
Os suportes ocupados são paredes médias, pequenas e restritas, pouco rugosas,
mas com muitas manchas.
Há no sítio cerca de 100 figuras postas em conjuntos, isoladas e em
sobreposição, algumas destas atribuíveis ao segundo momento da Tradição Planalto. Há
algumas figurações, sobretudo geométricas - predominantes no sítio -, de difícil
atribuição a alguma das unidades estilísticas identificadas para a região. As temáticas
presentes no sítio, além das figurações geométricas, são os cervídeos e outros
quadrúpedes. Há painéis ao longo de todo o sítio.
O abrigo tem sua exposição voltada para sudeste e é facilmente visto de longe.
Sua visibilidade frontal e lateral é classificada como ampla. Seu piso é regular e plano,
com restrita área com sedimentos e blocos desabados. Tem-se acesso ao sítio a partir da
área ampla e plana localizada em frente ao abrigo.

124
Prancha 33: lapa do defunto

125
Lapa da Chica
A Lapa da Chica é situada em um abrigo localizado em um monumental
afloramento da Formação Galho Miguel. É localizada no sopé do afloramento, no terço
superior da vertente. Há no abrigo uma nascente de um pequeno afluente do córrego da
Felizarda.
A vegetação predominante no entorno é de campo limpo, que serve de cobertura
para a extensa área plana localizada em frente ao abrigo. Os elementos da paisagem que
aparecem em frente ao abrigo são afloramentos com vegetação típica desenvolvida entre
as fendas e sobre as rochas, drenagens, e a área plana, em alguns pontos encharcada em
função de pequenas drenagens. No entorno se encontram afloramentos, drenagens, áreas
de campo limpo e blocos desabados.
O sítio, facilmente visto de longe, possui oitenta metros de comprimento, quinze
de profundidade e vinte de altura. O piso é plano com muitos blocos, e a superfície
sedimentar do piso possui área superior a 6 m2 contínuos. Os blocos desabados
possibilitam, e possibilitaram, acesso a áreas mais altas do sítio, formando patamares,
que foram utilizados também como áreas de se pintar.
O acesso ao sítio é conseguido através da extensa área plana situada diante dele,
sem obstáculos a vencer. A lapa tem sua abertura orientada para leste, e dela tem-se
ampla visibilidade dos elementos de entorno.
Há no sítio aproximadamente100 figuras distribuídas em painéis localizados ao
longo de todo o sítio. Os painéis estão em tetos amplos, tetos pequenos e restritos,
paredes amplas e pequenas. Os suportes apresentam heterogeneidades, rugosidades e
muitas manchas, além de serem quebradiços. O suporte predominantemente pintado
apresenta-se mais homogêneo, contudo localiza-se em uma parede pela qual escorre
constantemente água vinda de uma grande diáclase.
As figuras são atribuíveis ao Complexo Montalvânia, à Tradição Nordeste e à
Tradição Planalto, ao seus primeiro, segundo, terceiro e quinto conjuntos estilísticos. A
temática predominante é de cervídeos, embora apareçam aves, peixes, outros
quadrúpedes, antropomorfos e geométricos. As figuras encontram-se em conjunto ou
em sobreposição.

126
Prancha 34: lapa da chica e sua paisagem

127
Caminho da Serra I
O sítio é localizado no terço inferior do afloramento da Formação Galho Miguel
e no terço superior da vertente. Possui 80 metros de comprimento, quatro de
profundidade e vinte de altura. Sua exposição é orientada para oeste, e dele se tem
ampla visibilidade lateral, enquanto frontalmente avista-se até 1 km. O piso do sítio é
regular e plano e possui extensa área sedimentar com blocos desabados
O acesso ao sítio é feito através da superfície plana situada em seu entorno.
A vegetação predominante no entorno é de campo rupestre. Os elementos
presentes em frente ao sítio são afloramentos recobertos por vegetação de campo
rupestre, uma pequena drenagem, cuja nascente se encontra no abrigo, uma pequena
capoeira, blocos desabados e uma ampla superfície plana com vegetação de campo
limpo. No entorno estes mesmos elementos complementam a paisagem.
Há no sítio cerca de 80 figuras atribuíveis aos quatro primeiros conjuntos
estilísticos da Tradição Planalto e ao Complexo Montalvânia. Aparecem representações
de cervídeos, peixes e outros quadrúpedes, além de figuras antropomorfas. As figuras
estão distribuídas em conjunto ou em sobreposição, em painéis ao longo de todo o sítio,
todos em paredes amplas, cuja qualidade é classificada como boa, em função de poucas
rugosidades e manchas. Hoje, os suportes encontram em franco processo de
desplaquetamento, levando consigo as pinturas rupestres.

128
Prancha 35: aspectos da paisagem da lapa do caminho da Serra I

129
Caminho da Serra II
A Lapa do Caminho da Serra II está a 50 metros do sítio descrito acima. Deste
modo os elementos que compõe a paisagem do entorno do sítio são os mesmos.
O sítio é localizado no terço médio do afloramento quarzíticos, e no terço
superior da vertente, seu acesso é feito através de uma rampa com sedimento e blocos
desabados. Possui 50 metros de comprimento, oito de profundidade e 30 de altura. Seu
piso é inclinado com sedimento e blocos, sendo a superfície sedimentar ampla. Em
função de sua superfície ser inclinada com blocos há formação de patamares.
Sua exposição é orientada para sudeste e a visibilidade lateral á ampla, enquanto
a frontal permite avistar somente até 1 km à frente.
Há no sítio aproximadamente 70 figuras atribuíveis aos quatro primeiros
momentos da Tradição Planalto e também ao Complexo Montalvânia. As
representações são de peixes, aves, lagartos, cervídeos, sendo estes predominantes,
outros quadrúpedes, antropomorfos, armas e geométricos. As figuras estão em conjunto
ou em sobreposição, em painéis dispostos ao longo de todo o sítio.
Os suportes pintados não possuem rugosidades, embora apresentem algumas
manchas. Morfologicamente correspondem a paredes amplas e pequenas e a blocos
médios e pequenos.

130
Prancha 36: a lapa do caminho da Serra II

131
Lapa do Pasmar
Constitui-se em um abrigo em grande afloramento, facilmente visto de longe.
Possui sua entrada exposta para norte. Suas dimensões são modestas com sete metros de
comprimento, quatro de profundidade e aproximadamente cinco de altura. O piso da
lapa é sedimentar com muitos blocos caídos e topograficamente apresenta-se plano. A
superfície sedimentar é bastante restrita, medindo menos de 6 m2 contínuos. O acesso ao
sítio se dá através de uma rampa com sedimentos e blocos.
Da lapa a visibilidade é ampla, tanto frontal quanto lateral. Vêem-se vários dos
elementos que compõem a paisagem em seu entorno, como afloramentos cobertos por
campo rupestre, áreas de campo limpo, drenagens, sendo que a mais próxima, o Córrego
do Pasmar, está a trinta metros em frente, correndo por uma pequena área plana
encharcável com cobertura de gramíneas e herbáceas.
O sítio é litologicamente inserido em afloramento da Formação Galho do
Miguel. Os suportes, tetos médios, paredes amplas e médias e um bloco amplo,
apresentam poucas manchas ou rugosidades.
Há no sítio mais ou menos 25 figuras, atribuíveis ao segundo e terceiro
momentos da Tradição Planalto e ao Complexo Montalvânia. Há figurações de
cervídeos, peixes, tatus, antropomorfos e geométricos. Entre essas os cervídeos são
predominantes. As figuras se encontram em sobreposição, ou em conjunto, distribuídas
em painéis ao longo de todo o sítio.

132
Prancha 37: Aspectos da paisagem da lapa do pasmar

133
CAP 6: Paisagens dos sítios – sítios da paisagem

Os sítios da área trabalhada, de um modo geral, apresentam características


comuns no que diz respeito aos atributos que os caracterizam em micro e em macro
escala, ou seja, naqueles atributos que caracterizam o abrigo e naqueles que
caracterizam o ambiente em que este se insere. As análises que serão apresentadas a
seguir, assim como suas interpretações, dizem respeito às recorrências e possíveis
padrões reconhecidos para inserção geral dos sítios na paisagem e para as características
gerais dos abrigos ocupados. Os resultados apresentados contemplam apenas os
cruzamentos e informações dos critérios que demonstraram um padrão, aqueles critérios
em que não foi possível observar tendências denotativas de escolhas não serão
apresentados em sua totalidade.
Em um primeiro momento este capítulo tratará destas recorrências gerais, sem
abarcar os processos de escolha envolvendo cada unidade estilística. Os possíveis
padrões observados para cada uma das tradições e seus momentos estilísticos serão
apresentados e tratados em um segundo momento, ainda neste capítulo.
O partilhamento de atributos entre os sítios e a paisagem na qual estes se
inserem se faz mais forte quando o olhar se volta para as características da paisagem
natural no entorno dos sítios. Algumas destas convergências, obviamente, se dão em
função das feições predominantes e comuns no Planalto Meridional da Serra do
Espinhaço. A vegetação predominante no entorno dos sítios ser sempre de campo
rupestre combinada com vários aspectos fitofisionômicos do Cerrado que aparecem
compondo a paisagem do sítio, a presença unânime de afloramentos e blocos desabados
no entorno dos sítios, assim como a existência de grandes lajedos são explicadas pelas
características naturais da Serra do Espinhaço. As análises dos dados, a leitura das
paisagens dos sítios, demonstraram que estas características dificilmente seriam
dribladas ou negadas pelos autores das pinturas rupestres e ocupantes dos abrigos da
Serra através de escolhas culturalmente orientadas. Parece que o fato destas
características estarem presentes em todos os sítios caracterizados não advém de
escolhas culturais, mas sim de uma forte influência ambiental.

134
Se por um lado algumas características naturais tornam-se onipresentes nas
paisagens dos sítios em função da maneira como certas feições e elementos são
impostos pela Serra do Espinhaço, por outro lado algumas feições parecem ter sido
selecionadas para comporem as paisagens dos sítios de pintura rupestre da região de
Diamantina.
Nos 30 sítios analisados, 25 deles apresentam-se inseridos em ambientes em que
as áreas planas cobertas hoje por vegetação de campo marcam a paisagem. Em 17 dos
sítios as áreas planas em frente ao abrigo são extensas e, quando não o são, certamente
estas áreas aparecem no entorno imediato (Prancha 38, na página seguinte).
Esta recorrência não parece ser uma contingência das áreas oferecidas com
disponibilidade de abrigo, nem um problema com a amostra trabalhada. Dentro dos
eixos e áreas prospectadas foram encontrados abrigos não pintados em pequenas „baías‟
e „currais de pedra`, assim como em áreas voltadas para vales encaixados as quais não
eram compostas por tais feições planas, e das quais não se viam superfícies amplas e
aplainadas. Neste caso, parece sim haver um processo que envolveu a percepção e a
escolha de se pintar em abrigos que mantivessem proximidade com áreas de campo.
Embora ainda fuja ao controle uma significação coesa para as escolhas dos
autores das pinturas rupestres, algumas possibilidades podem ser aventadas, lembrando
que não passam de possibilidades interpretativas. Essa aparente escolha pode se
relacionar com questões várias de intencionalidade. Os autores dos grafismos da serra
podem ter preferido abrigos inseridos nestas áreas em função das pinturas terem sido
realizadas em locais em que outras atividades ocorriam, para as quais os campos
faziam-se importantes – como por exemplo áreas de acampamento em que as atividades
domésticas aconteciam, ou o uso dos abrigos e áreas próximas como locais de espera de
caça em que a área plana e extensa se fazia importante à medida que favorece ampla
visibilidade. A escolha de abrigos relacionados às áreas planas podiam ainda ter
envolvimento com significações simbólicas atribuídas às áreas planas. Estas
significações, entretanto, e as possibilidades de interpretá-las fazem-se mais difíceis de
serem atingidas. Uma outra possibilidade de relação que as análises favorecem é entre a
presença das áreas planas e a visibilidade do abrigo, ou seja, com o quão a área abrigada
é vista de longe.

135
Prancha 38: Áreas de campo que compõem a paisagem dos sítios vistas a partir dos
abrigos pintados

Do total de sítios analisados 25 apresentam-se visíveis. Esta visibilidade, sem


dúvida, é em parte propiciada pela localização dos abrigos em maciços os quais se
inserem nas amplas áreas planas. Sendo assim, a presença de áreas planas teria
136
relevância no processo de escolha dos abrigos a serem grafados também na medida em
que possibilitam a visibilidade dos abrigos, o que poderia objetivar alcançar possíveis
observadores (ou interlocutores). Ou seja, a intenção de se grafar em abrigos facilmente
observáveis a longas distâncias poderia ter sido deixar „textos‟ em locais em que
possíveis observadores e/ou interlocutores os avistassem facilmente, seja com fim em
novas intervenções, seja a fim de marcação de territórios ou de atributos e recursos
específicos – incluindo aí o próprio abrigo. Em todos os casos, acredita-se, que a
visibilidade se relaciona com a criação de marcos paisagísticos.
A presença de áreas planas no entorno dos abrigos, sobretudo aquelas
localizadas à frente destes, pode ainda se relacionar com um outro critério analisado: o
acesso ao sítio. A análise deste critério demonstrou que aproximadamente 43% dos
sítios possuem acesso pelo campo, aproximadamente 28% possuem acesso através de
rampas com sedimentos e blocos, em torno de 14% dos sítios têm o seu acesso através
de rampas inclinadas com blocos, 3% através de rampa muito inclinada, 10% rampa
muito inclinada com sedimentos e blocos e outros 3% através de afloramentos
escalonados (Gráfico 2). Há uma porcentagem expressiva de abrigos cujo acesso se dá
através das áreas planas, embora esta mesma porcentagem não seja indicadora de um
padrão rígido de escolha. Mas se considerarmos que os acessos conseguidos através de
rampas inclinadas com blocos e através de afloramento escalonado se configuram como
acessos de pouca dificuldade, por não serem neles necessários galgar grandes
obstáculos, obtêm-se uma porcentagem de aproximadamente 64% dos abrigos cujo
acesso se dá de maneira relativamente fácil.

afloramento escalonado

campo

rampa com sedimento e


blocos
rampa inclinada com
blocos
rampa muito inclinada

rampa muito inclinada


com sedimentos e blocos

Gráfico 1: Porcentagem de sítios segundo o acesso

137
Se a “facilidade” dos acessos aos abrigos contou para os seus ocupantes no
momento da escolha dos abrigos nos quais grafar, como parece, a presença de áreas
planas em frente aos abrigos pode, ao menos em parte, ser justificada. Vale dizer, que a
facilidade de acesso aos abrigos parece sim ter sido um elemento importante de escolha,
pois nas áreas prospectadas os abrigos situados em locais de acesso difícil (em que era
preciso galgar blocos, subir por rampas muito íngremes e acidentadas) não receberam
intervenção de pinturas em seus potenciais suportes. Por vezes foram encontrados, nas
prospecções, abrigos sem intervenções situados em locais cujos acessos se davam por
tais condições, que apresentavam características semelhantes àqueles que foram objeto
de grafismos em situações de acesso facilitado. Ao mesmo tempo, observou-se que os
sítios cujo acesso se faz por meios em que é preciso vencer mais obstáculos, configuram
os únicos abrigos de uma dada área que partilhavam de alguns atributos com outros
também pintados na região (tais atributos serão discutidos a diante), que os colocavam
na condição de grafáveis.
Analisando uma possível relação entre a presença de áreas planas e o acesso ao
sítio, pode-se inserir um outro critério de caracterização dos sítios e suas paisagens que
é a posição do sítio no afloramento. Dos 30 sítios analisados13 deles situam-se no terço
inferior do afloramento e 10 deles no terço médio. Apenas sete sítios têm sua
localização no terço superior do afloramento. Todos os sítios situados no terço inferior
dos afloramentos possuem acesso pelo campo. Dos sítios localizados no terço médio do
afloramento um possui acesso através de afloramento escalonado, seis por rampa com
sedimentos e blocos, dois através de rampa inclinada com blocos e um através de rampa
muito inclinada. Dos sete sítios localizados no terço superior, dois possuem acesso por
rampa com sedimento, dois por rampa inclinada com blocos, um por rampa muito
inclinada e dois por rampa muito inclinada com sedimentos e blocos. Nota-se, portanto,
que há uma preferência por sítios com acesso sem grandes obstáculos, uma vez que
mesmo nos sítios localizados nos terços médios e superiores do afloramento os acessos
a esses se fazem sem grandes dificuldades (de 17 sítios nestas condições topográficas,
11 deles possuem acesso através de afloramentos escalonados, rampas com sedimentos
e blocos ou rampa inclinada).

138
12
Posição no
10
afloramento
8
1/3 inferior
6 1/3 médio
1/3 superior
4 z

0
campo afloramento rampa c/ rampa inclin rampa rampa
escalonado sedim e c/ blocos muito muito inclin
blocos inclinada c/ sedim e
blocos

Gráfico 2: Relação entre o posicionamento dos sítios nos afloramentos e os acessos aos
sítios

Extrapolando a análise para os outros sítios identificados na região é possível


observar que a lógica é mantida. Dos outros 35 sítios conhecidos que não compõem a
amostra em que foram aplicados os métodos de leitura da paisagem de forma
sistemática, 18 se localizam no terço inferior do afloramento e possuem acesso pelo
campo e 14 deles no terço médio em que o acesso se faz por rampa com sedimentos e
blocos ou rampa inclinada com blocos e sedimentos. Desses 35 sítios, apenas 3
localizam-se no terço superior do afloramento e possuem acesso por rampa inclinada
com sedimentos e blocos e rampa muito inclinada. De todos os 35 sítios, ao menos 32
são facilmente localizados de longe.
Pode-se, portanto, concluir que há uma relevante relação entre a presença de
sítios em áreas planas em que se conjugam a presença de campo, o acesso, a posição
topográfica e o quão o abrigo é visível na paisagem. Esta relação é denotativa de claras
percepções e escolhas culturais, onde a presença de áreas planas pode se relacionar às
questões práticas, como o uso e função atribuídos a elas como proposto alhures, e a
questões simbólicas sem que uma ou outra significação do que essas áreas
representaram para os autores dos grafismos precisem ser excludentes.
As análises dos cruzamentos das variáveis e o tratamento estatístico das mesmas
possibilitaram perceber que os sítios são preferencialmente situados nos terços
superiores e médios das vertentes, evidenciando uma possível recusa em se ocupar
abrigos situados nos terços inferiores das vertentes, próximos aos vales ou margeando
as áreas de vale. Dos 30 sítios analisados, apenas três situam-se nos afloramentos que

139
limitam as planícies por onde percorrem os cursos d‟água. Nota-se que não se trata de
uma recusa em se ocupar abrigos próximos a cursos d‟água, mas que parece se tratar de
uma recusa por se pintar nas áreas mais baixas por onde correm tais cursos, enquanto se
busca ocupar abrigos próximos às cabeceiras e nascentes das drenagens. Esta é uma
interpretação possível, uma vez que há 14 sítios localizados nos terços superiores das
vertentes e 13 nos terços médios, ao mesmo tempo em que se tem 21 sítios localizados a
uma distância de não mais que 115 metros de uma drenagem, e que se tem 20 sítios em
que as nascentes da drenagem mais próxima localizam-se no entorno imediato a eles (as
variadas inserções topográficas dos sítios podem ser vistas na Figura 13).

Figura 13: Diferentes inserções dos sítios segundo a posição topográfica

O fato de haver um número elevado de sítios no terço médio e superior das


vertentes não se relaciona à condição topográfica da área de amostra. A princípio

140
pensou-se nesta hipótese, e como dito no capítulo 2, foram realizadas novas prospecções
a fim de verificar um possível problema na amostra. Sendo assim foram realizadas
prospecções a partir de caminhamentos sistemáticos em afloramentos em áreas de vale e
em áreas de cabeceiras de cursos d‟água. Os resultados obtidos na última prospecção
confirmaram a tendência a uma recusa por sítios localizados nos terços inferiores das
vertentes, uma vez que nas áreas de vale foi encontrado apenas um sítio, enquanto
perfizeram um total de 10 sítios localizados nas áreas de topo. Uma explicação ou
suposição do porquê de uma preferência ou recusa por áreas de vale não se faz fácil. A
explicação pode estar em um lugar que não é possível atingir. Suposições podem, e
devem, ser feitas à medida em que se tenha mais elementos que se possa relacionar ao
fato. No momento, não se dispõem destes elementos, para que a interpretação se faça
consistente.
A distância da drenagem parece ser um outro importante critério no momento da
escolha do abrigo, assim como a presença de nascentes. Dos 30 sítios analisados têm-se
sete sítios situados entre 0-35m de distância da drenagem, nove em que a distância está
entre 36-70m, quatro entre 71-115m, quatro entre 116-150, 2 possuem a drenagem mais
próxima localizada entre 151-185, mais dois em a distância está entre 186-220 e um em
que a drenagem é localizada a uma distância maior de 220m (o gráfico de freqüência
simples pode ser visto a seguir).

>220
186-220
0-35
151-185

116-150

71-115 36-70

Gráfico 3: Freqüência simples de sítios segundo as distâncias


dos abrigos às drenagens, organizadas em classes

141
Observando o gráfico é possível verificar o quão significativa é a quantidade de
sítios do total que se situam em abrigos cuja distância da drenagem mais próxima está
entre 0 e 35 metros e entre 36 e 70 metros. Considerando que a classe 71-115 não
caracteriza uma distância longa, tem-se, juntando as três primeiras classes, cerca de
70% dos sítios localizados bem próximos a drenagens.
É fato que o Planalto Meridional da Serra do Espinhaço, por constituir-se de um
grande divisor de águas de três grandes bacias hidrográficas, possui centenas de dezenas
de pequenos cursos d‟água, nascentes, córregos, regatos... Se somente a proximidade
com cursos d‟água não for suficiente para se definir uma tendência ou um padrão nas
escolhas dos abrigos, o fato de haver poucos abrigos pintados distantes da drenagem,
mesmo havendo disponibilidade de áreas abrigadas nestas condições, corrobora para se
pensar que houve uma tendência em não ocupar locais distantes da drenagem.
A escolha em se pintar em áreas abrigadas que mantém proximidade com a
drenagem pode se relacionar com a possibilidade dos abrigos pintados terem tido
funções outras para além de abrigar os grafismos, como por exemplo, áreas de
acampamento temporário, em que a água serviria para dessedentação, ou como auxiliar
na limpeza do couro de animais caçados26, ou ainda como ponto importante para espera
de caça. Indícios que poderiam confrontar essas hipóteses podem estar disponíveis em
sub-superfície, nos pacotes sedimentares dos abrigos, contudo muitos dos abrigos não
foram sondados ou escavados, e os que foram não possibilitam a relação direta, nem
indireta, dos vestígios encontrados com as pinturas. Uma outra hipótese passível de ser
aplicada na relação distância do sítio com drenagem diz respeito à própria prática
gráfica: a produção das tintas. É possível que junto ao pigmento e a um eventual
aglutinante oleoso a água desempenhasse um importante papel na confecção da tinta. Se
os autores não andassem com uma quantidade de tinta a tira colo, é possível que a
fabricação dessas ocorresse próximo ao local de uso. E ainda a proximidade com a água
pode ser explicada pelas percepções e concepções que os autores dos grafismos
poderiam ter dos cursos d‟água que ultrapassassem questões práticas e econômicas. Não
se pode descartar que os significados atribuídos aos temas gráficos se relacionavam
diretamente com a água, ou que a prática gráfica deveria ocorrer, preferencialmente,
próximo às drenagens.

26
Alguns caçadores deixam o animal caçado submerso por algumas horas para que o inchaço promovido
pelo encharcamento, facilite a remoção do couro do animal.
142
Além da proximidade da água com abrigos ocupados, as análises apontam para
uma outra possível tendência relacionada à drenagem. Há na amostra 21 sítios cuja
drenagem mais próxima se encontra à frente dos abrigos. E nos outros restantes, em que
a drenagem está localizada ao lado (em seis casos) ou no próprio abrigo (apenas um
caso), há outras drenagens, compondo a paisagem do entorno, situadas em frente ao
sítio. A tendência das drenagens estarem situadas em frente ao abrigo pode indicar um
padrão no processo de escolha, mas pode também indicar uma imposição estrutural da
Serra: as drenagens podem ser orientadas por falhas e fraturas dispostas de modo a
favorecer um paralelismo com as faces dos afloramentos, nas quais estão as áreas
abrigadas. Se isto de fato ocorre, e se ocorre com freqüência, pode-se pensar que os
pintores da serra não estavam buscando abrigos em que a posição da drenagem em
relação a eles se dava de modo diferenciado.
Uma outra relação estabelecida com a drenagem é a presença de nascentes em
aproximadamente 66% dos sítios. A presença das nascentes pode estar vinculada não
necessariamente à escolha de locais em que a nascente da drenagem mais próxima ao
sítio esteja presente, mas sim ao fato dos sítios estarem majoritariamente localizados
nos terços médios e superiores das vertentes. Deste modo, lida-se com uma questão
ainda sem resposta: os sítios estão nos terços superiores e médios da vertente em busca
de nascentes, ou a proximidade com as nascentes se dá em função da escolha em se
ocupar abrigos localizados nos terços médios e superiores das vertentes?
Ainda relacionado às feições, ou características, da paisagem de entorno dos
sítios, mas também relacionado às características que envolvem a escala do sítio, tem-se
um outro critério de análise cujo tratamento estatístico favoreceu a evidenciação de uma
tendência. Uma porcentagem de aproximadamente 33% dos sítios tem sua exposição
orientada para NW, e cerca de 23% tem sua exposição orientada para W. O restante dos
sítios (os 44% faltantes) tem exposições voltadas para SE, NE, N e E, sendo a
participação de 3, 4, 5 e1 sítio respectivamente. A tendência em se ocupar abrigos cuja
exposição se dá para oeste ou para noroeste, na verdade, pode se relacionar à oferta de
abrigos que a Serra dispõe. Uma vez que a os movimentos tectônicos que configuraram
o orógeno da Serra do Espinhaço exerceram uma força de leste para oeste, os abrigos da
serra formados pela combinação desta força e pelas características litológicas da própria
Serra tendem a obedecer esta orientação, mantendo sua exposição para oeste ou para
noroeste. Neste caso, portanto, pode-se inferir que a ocupação dos abrigos se deu

143
aproveitando o que as características ambientais favoreceram. Ao mesmo tampo, há
uma porcentagem também significativa do total de sítios (44%) de ocupação de abrigos
cuja exposição se dá de maneira diversa. Esta porcentagem, combinada àquela que é
predominante, indica uma não preocupação em se ocupar abrigos de exposição
especifica.
Em se tratando das características das paisagens do sítio stricto sensu, ou seja, o
próprio abrigo, algumas características podem ser interpretadas como resultado de
processos culturais que envolveram a percepção e a escolha.
Analisando as dimensões dos abrigos pintados, é possível realizar algumas
interpretações. Observando a tabela (tabela 1) de distribuição dos abrigos entre as
classes criadas para classificá-los quanto ao comprimento, é possível observar que uma
grande parte dos abrigos possui entre 16 e 20 metros de comprimento. Contudo, se
agruparmos as classes em três conjuntos que classificariam os abrigos em „pequenos‟,
„médios‟ e grandes, a distribuição dos abrigos entre as classes mostra-se equilibrada
(vide gráfico 4).

classes (comp.
1-5 6-10 11-15 16-20 21-25 26-30 36-40 46-50 76-80
em metros)
sítios por classe 1 6 3 6 3 4 2 2 3

Tabela 1: Distribuição dos abrigos entre as classes que os caracterizam quanto ao


comprimento

Classes
agrupadas
1-15
16-30
36-80

Gráfico 4: Distribuição dos sítios em classes quanto ao comprimento


144
A distribuição equilibrada entre os agrupamentos de classes evidencia uma não
recorrência da presença de sítios em abrigos de comprimentos específicos. Contudo,
considerando que há apenas um sítio cujo comprimento está entre 1 e 5 metros, e
nenhum abrigo menor que um metro, embora eles estejam disponíveis na Serra, pode-se
dizer que há um recusa de áreas abrigadas cujo comprimento seja muito restrito.
O mesmo pode-se dizer quanto a altura e profundidade dos abrigos.
A maioria dos sítios (17) possui profundidade entre 1 e 4 metros, que
corresponde à menor classe criada para caracterizar este atributo. A segunda maior
concentração de sítios está na classe 5-8, com uma participação de seis sítios. As outras
classes criadas - 9-12,13-16,21-24 e 29-32 – possuem três sítios, a primeira, e um sítio,
todas as restantes. É fato que a Serra não favorece a presença de abrigos muito
profundos, assim como não oferecem abrigos muito extensos, deste modo, a
concentração de sítios que possuem entre 1 e 4 metros de profundidade parece
corresponder à disponibilidade de abrigos. Contudo, não há áreas abrigadas, com
vestígios rupestres, com profundidade menor que um metro, lembrando ainda, que
apenas um sítio possui esta profundidade.
Quanto à altura, como pode ser observado no gráfico 5, há uma concentração de
sítios nas duas primeiras classes. Todavia, esta concentração parece estar ligada a uma
oferta de abrigos na serra que dificilmente ultrapassam 5 metros de altura. Mas se as
análises não favorecem que se diga sobre um padrão de escolhas de sítios com alturas
específicas, elas favorecem que se diga que havia uma altura mínima necessária para a
escolha dos abrigos a serem grafados. Embora haja uma concentração expressiva de
sítios na classe que vai de 0 a 3 metros, todos estes sítios possuem entre dois e três
metros de altura.

145
14

12

número de sítios
10

0
0-3 4-6 7-9 10-12 13-15 16-18 19-21 28-30
altura (m)

Gráfico 5: Freqüência de sítios por classes de altura

As análises das dimensões dos sítios demonstram, portanto, que, embora


possivelmente não houvesse uma busca por abrigos com dimensões específicas, se
buscava abrigos com dimensões mínimas. Em todo o Planalto Meridional da Serra do
Espinhaço é possível encontrar blocos e pequenas paredes abrigadas, assim como
pequenas áreas abrigadas com dimensões diminutas, sendo que nenhuma destas guarda
vestígios gráficos pré-históricos. Na região de Diamantina parece que houve uma
seleção em utilizar mais do que paredes abrigadas para se grafar, parece que foram
escolhidas áreas capazes de abrigar mais do que as pinturas.
Em relação às características próprias dos abrigos, têm-se outros dois critérios
que demonstraram tendências: as características do piso e a superfície sedimentar.
Dos 30 sítios analisados, 17 deles possuem piso regular e plano, 6 plano com
muitos blocos, 4 superfície inclinada com blocos, 2 superfície inclinada e 2 piso
escalonado.
Parece ter havido uma escolha por abrigos cujo piso apresentava-se plano e
regular (com poucos blocos ou com ausência deles) [Gráfico 6] . Embora, haja uma
participação significativa de abrigos com piso não regular ou não plano, é possível
observar que a segunda classe com maior participação de sítios está nos pisos com
superfície plana com muitos blocos. Deste modo, pode-se inferir que embora a
superfície regular tenha sido um critério importante na escolha dos sítios, a planura do
piso parece ter sido mais importante, uma vez que a participação de sítios cujo piso é
inclinado é de apenas 26,67%. A possível preferência em se ocupar abrigos de piso
plano, e também regular, pode estar ligada, mais uma vez, à capacidade do abrigo em
146
abrigar atividades outras, ou acampamentos temporários, ou ainda com a própria
atividade gráfica – pisos mais regulares e planos, certamente favorecem melhor
locomoção e acesso aos painéis.

regular e plano

plano com muitos blocos

superfície inclinada com


blocos
superficie inclinada

escalonado

Gráfico 6: Porcentagem de sítios segundo características do piso

Quanto à superfície sedimentar, as tendências não são tão marcantes. Há 15


sítios com superfície sedimentar maior ou igual a 6m2 contínuos, 10 sítios com
superfície sedimentar menor que 6 m2 contínuos e apenas 5 sítios com piso totalmente
rochoso, sem superfície sedimentar. Se a porcentagem de sítio com superfície
sedimentar „ampla‟ não se destaca daquela que representa a participação de sítios com
superfície sedimentar „restrita‟, o baixo número de sítios com piso totalmente rochoso é
bastante expressivo. Se não houve uma busca por sítios cuja área sedimentar atendesse a
um tamanho específico (lembrando que a classificação da área como menor ou maior do
que seis metros quadrados partiu não dos autores pré-históricos, mas da necessidade de
classificá-la para a pesquisa), parece ter havido uma preferência em não ocupar os sítios
com piso apenas rochoso. Esta interpretação se faz possível mediada também pela
presença de abrigos com piso rochoso, cujas outras características atenderiam aos
possíveis critérios estabelecidos e apresentados, que não contém vestígios gráficos em
seus potenciais suportes rochosos.
Ainda em relação às características próprias dos abrigos, verifica-se um padrão
que diz respeito à visibilidade que se tem do entorno a partir dos abrigos. Todos os
sítios, sem nenhuma exceção, possuem boa visibilidade. Deles, seja frontalmente e/ou
lateralmente, avista-se uma distância superior a 1 km, muitas vezes perdendo-se a visão
no ponto de fuga da perspectiva. Esta condição proporcionada aos abrigos não se
147
relaciona diretamente com o fato de estarem em grande número voltados para o campo,
ou próximo às áreas de campo, tampouco por serem vistos facilmente de longe. Há
várias áreas abrigadas, sem grafismos, que possuem tais condições de inserção e que
não proporcionam uma visibilidade tal qual do entorno. Esta condição parece ter sido
buscada pelos autores dos grafismos, por motivos que podem, mais uma vez, se
relacionar com pontos preferenciais de caça, ou ainda a fim de garantir a segurança –
uma vez que é possível avistar e controlar o ambiente a partir do abrigo em função da
grande visibilidade que se tem dele – de quem estivesse ocupando os abrigos. O fato é
que estas opções corroboram para se pensar que os abrigos utilizados com fim na arte
rupestre eram também utilizados para outros fins, não excluindo, obviamente, a
possibilidade da ampla visibilidade conseguida a partir dos abrigos estar intimamente
relacionada com as atividades gráficas ou com aquelas cujo produto, ou um dos
produtos, foram os grafismos.
As análises, como se pode observar, permitiram vislumbrar uma série de
características das quais muitos abrigos compartilham. A presença de áreas aplainadas,
o tipo de acesso ao sítio, a relação com a drenagem, a localização topográfica -
considerando tanto a vertente como o afloramento -, a visibilidade do sítio, as
dimensões do abrigo, as características do piso e a visibilidade que se tem do entorno a
partir dos sítios são critérios nos quais se pode observar uma tendência e/ou um padrão
para os sítios analisados.
Contudo, nem todos os abrigos possuem grafismos atribuídos a todas as
unidades estilísticas identificadas na Serra. Alguns sítios possuem apenas uma,
enquanto outros abrigam mais de três delas em seus suportes. Procurar, pois, um padrão
geral para os sítios quanto às suas inserções e características físicas não resolve as
questões que se tem para a ocupação da Serra pelos autores dos grafismos.
Foram realizados cruzamentos das variáveis que caracterizam os sítios e o meio
onde estes se inserem com as unidades estilísticas presentes em cada um dos sítios.
Estes cruzamentos permitiram perceber pequenas tendências e variações que podem
indicar preferências das unidades estilísticas.
Os diferentes grupos culturais autores das distintas unidades estilísticas
definitivamente não pintaram nos mesmos locais por ausência de abrigos para grafar.
Como dito alhures há abrigos grafáveis por toda a serra, inclusive bem próximo
daqueles que tiveram suas paredes e blocos e tetos utilizados como suporte. Parece que

148
as motivações perpassaram as características puramente naturais da paisagem e as
características culturais da paisagem, os grafismos rupestres já existentes nas paredes.
Embora pareça que as impressões culturais da paisagem tenham interferido mais na
escolha, uma vez que há abrigos com características morfológicas semelhantes em
ambientes igualmente semelhantes, as características ambientais onde determinados
grupos deixaram seus grafismos fazem-se importantes.

6.1 - Os sítios e o primeiro momento da Tradição Planalto

Há 18 sítios dos trinta analisados que possuem grafismos rupestres atribuíveis ao


primeiro momento da Tradição Planalto, correspondente ao primeiro momento de
pinturas nos sítios da Serra.
Foi possível observar, a partir das análises dos cruzamentos dos dados, que as
características dos sítios com o primeiro momento, convergiram suas tendências para
aquelas observadas para os sítios de uma maneira geral. Observando o Quadro 2, na
página seguinte, é possível observar as tendências que denotam prováveis critérios de
escolha para o uso de abrigos para se grafar. Assim como o padrão geral dos sítios, o
primeiro momento parece ter escolhido sítios cujo acesso preferencialmente se dá pelo
campo, e através de rampas com sedimentos e blocos – acessos, como antes discutido,
que se caracterizam pela ausência de muitos obstáculos a serem vencidos.
Também parece terem sido alvo de maior importância nos processos de escolha
dos abrigos aqueles localizados em afloramentos inseridos em amplas áreas aplainadas -
o que certamente se relaciona ao fato de 13 dos 18 sítios serem facilmente vistos de
longe - e próximos às drenagens (Gráfico 7). As drenagens mais próximas aos sítios são
mormente localizadas, no caso dos abrigos ocupados pelo primeiro momento, à frente
deles (14 de 18). Esta última consideração, embora a tendência observada seja
expressiva, pode não denotar processos de escolhas, em que o fato da posição da
drenagem mais próxima em relação ao abrigo tenha sido considerada um importante
critério a ser observado pelos autores dos grafismos do primeiro momento. A condição
predominante observada, como dito anteriormente, pode corresponder, na verdade, a
uma forte característica do padrão de drenagem da Serra.

149
Considerando a presença de nascentes, as análises dos dados possibilitaram
observar uma tendência diversa daquela encontrada para todos os sítios sem considerar
as unidades estilísticas: enquanto havia uma freqüência simples de 20 sítios em 30 com
nascentes próximas nas análises gerais de sítios, considerando a presença do primeiro
momento, tem-se uma freqüência simples de 15 em 18, uma porcentagem de 88%.
Parece, portanto, haver uma escolha mais marcada por abrigos localizados próximos às
nascentes.
Quanto à localização topográfica, os autores do primeiro momento da Tradição
Planalto parecem ter preferido os sítios localizados nos terços médios e superiores das
vertentes.

campo

rampa com sedimentos e


blocos
acesso

rampa muito inclin. com


sed. e blocos
rampa inclinada com
blocos

afloramento escalonado

campo amplo
aplainada (campo)
relações com área

campo restrito

sem campo

campo confinado

1/3 inferior
afloramento
posição no

1/3 médio

1/3 superior

1/3 superior
posição na
vertente

1/3 médio

1/3 inferior

150
O quadro tem por objetivo mostrar a freqüência simples de sítios distribuídos em cada uma das classes de
cada critério utilizado para caracterizar alguns atributos das paisagens dos sítios. Cada pequeno retângulo
corresponde a um sítio presente na classe. As cores, de intensa a pálida, indicam visualmente a intensidade da
participação de sítios, sendo mais intensa, quanto maior for o número de sítios dentro da classe.

Quadro 2: Freqüência simples de sítios em classes que caracterizam alguns atributos das
paisagens dos sítios ocupados pelo primeiro momento.

>220m
distância da drenagem

116-220m

0-115m

0 2 4 6 8 10 12 14 16
número de sítios

Gráfico 7: Quantidade de sítios com primeiro momento presentes


em cada classe que caracteriza a distância da drenagem

Dos 18 sítios com primeiro momento da Tradição Planalto nove deles


apresentam piso plano e regular, cinco apresentam piso plano com muitos blocos, dois
possuem piso escalonado, um superfície inclinada e um último possui superfície
inclinada com blocos. O número de sítios cujo piso apresenta-se regular e plano é
expressivo, assim como é expressivo se se considerar que há 14 sítios cujo piso é plano,
sendo regular ou não. A tendência observada aqui é a mesma que foi observada para os
sítios de uma maneira geral.
Considerando a superfície sedimentar, há 12 sítios em que esta é superior a 6m2,
cinco em que é menor que 6m2 e apenas um sítio em que a superfície sedimentar é
ausente, sendo o piso totalmente rochoso. Se havia um padrão observado para os sítios
em conjunto, observando aqueles que contém o primeiro momento, o padrão torna-se
mais acentuado.
Quanto às dimensões dos abrigos, não parece haver nenhuma tendência que
denote escolhas dos autores dos grafismos por áreas abrigadas com tamanhos
151
específicos dentro das classes criadas. As concentrações observadas remetem àquelas
interpretações feitas para os abrigos quando analisados em conjunto não considerando
unidades estilísticas específicas: não foram ocupadas áreas abrigadas com dimensões
restritas, capazes de abrigar apenas potenciais suportes.
Analisando os abrigos ocupados pelo primeiro momento vê-se que houve uma
procura por suportes médios (de 3 a 9 m2) e amplos (superiores a 9m2), homogêneos,
sem rugosidades e manchas e de grande visibilidade nos quais, ou em alguns dos quais
disponíveis em cada sítio, foram deixados os grafismos atribuíveis a este conjunto
estilístico. Contudo não foi possível estabelecer associações com o tipo de suporte
ocupado e as temáticas presentes, assim como não foi possível observar nenhuma
recorrência que pudesse remeter a uma relação do que foi pintado com características do
abrigo ocupado. Não foram percebidos, portanto, temas que estivessem associados a
abrigos cujo tamanho, morfologia e/ou inserção no ambiente fossem específicos. O fato
de não se ter percebido tais padrões ou recorrências não quer dizer que elas não existam.
Estas recorrências podem se relacionar a critérios que na análise, que essa pesquisa
propõe, não foram contemplados, nem percebidos.
As análises dos possíveis padrões existentes nas características das paisagens
dos sítios nos quais há a presença de grafismos do primeiro momento da Tradição
Planalto mostraram que há uma convergência entre algumas tendências observadas para
o conjunto de sítios e as observadas para este conjunto estilístico específico. Esta
convergência, óbvio, não é resultado de mera coincidência, e merece algumas
considerações.
Há 18 sítios do total presente na área trabalhada que guardam em seus blocos,
tetos e paredes expressões gráficas atribuíveis a um primeiro momento de ocupação de
pintura nos abrigos da região de Diamantina. Esse número de sítios corresponde a 60%
do total identificado, isso quer dizer que fatalmente possíveis padrões encontrados para
este conjunto específico da Tradição Planalto iriam influenciar padrões existentes para
as paisagens dos sítios como um todo. Contudo, se as outras unidades estilísticas que
ocuparam os abrigos tivessem escolhido abrigos para se grafar, cujas características
fugissem ao padrão encontrado para o primeiro momento da Tradição Planalto, o padrão
geral encontrado não convergiria tão drasticamente para aquele específico do conjunto
estilístico responsável por dar início ao processo de transformar as superfícies rochosas
dos abrigos em suportes para grafismos. Como os sítios inaugurados pelo primeiro

152
momento foram reocupados posteriormente (apenas dois não o foram), por grafismos
atribuíveis a outras unidades estilísticas, pode-se inferir que em alguns aspectos seus
autores partilharam alguns critérios no processo de escolha dos espaços a serem
grafados, mesmo que as significações dadas a estes critérios não sejam correspondentes.
Pode-se também inferir, como já apontado, que os sucessores do primeiro conjunto
estilístico estivessem procurando grafar em locais anteriormente ocupados. Embora esta
pareça ser uma inferência plausível para alguns conjuntos estilísticos, para outros nem
tanto, uma vez que o primeiro momento da Tradição Planalto não foi o único a
inaugurar abrigos.

6.2 - Os sítios e o segundo momento da Tradição Planalto

O segundo momento estilístico da Tradição Planalto detém o maior número de


sítios ocupados. Seus autores foram responsáveis pela re-ocupação de dezesseis sítios
inaugurados pelo momento anterior, e pela inauguração de outros oito abrigos que até
então não haviam recebido figurações rupestres em seus suportes rochosos.
Não foi possível perceber nenhuma característica que os dois sítios ocupados
pelo primeiro momento e não re-ocupado pelo segundo apresentam para justificar essa
não re-ocupação. O fato dos autores dos grafismos atribuídos ao segundo momento
estilístico da Tradição Planalto não terem pintado nestes dois sítios pode ter se devido a
algumas causas e questões: falta de oportunidade, falta de atributos e presença de outros
que podem ter sido valorizados ou desvalorizados que não foram contemplados nesta
pesquisa, e ainda, por não ter sido objetivo dos autores do segundo momento “caçar” os
abrigos já pintados para pintar.
Foi observado, como pode ser visto na Prancha 39 da página seguinte, que o
segundo momento da Tradição Planalto expandiu o número de sítios sem alterar o
padrão observado para os sítios ocupados pelo primeiro conjunto estilístico. Os autores
do segundo conjunto estilístico da Tradição Planalto pintaram na maioria dos abrigos
que já haviam sido pintados por seus antecessores, e inauguraram outros sítios com
características paisagísticas semelhantes àqueles já antes inaugurados.
Deste modo, pode-se dizer que o segundo momento, mais do que partilhar os
abrigos com o conjunto estilístico anterior, partilharam também os critérios de escolha
para utilizar os abrigos para atividades cujo resultado foram os grafismos.

153
Alguns critérios, contudo, apesar de terem o padrão mantido, apresentam mais
desvios, que denotam uma menor rigidez ou uma maior flexibilidade. Esse é o caso do
piso sedimentar dos abrigos ocupados pelo segundo momento. Se o primeiro momento
aparece em apenas um sítio com piso totalmente rochoso, o segundo momento aparece
em quatro. Da mesma forma o segundo conjunto estilístico da Tradição Planalto está
presente em sete sítios com superfície sedimentar restrita, e em doze com superfície
sedimentar ampla. Apesar de ser significativo o número de sítios cuja superfície
sedimentar apresenta-se ampla, a diferença entre a freqüência de sítios por classe é
diminuída.
Quanto às características dos suportes ocupados por esta unidade estilística, estes
são preferencialmente amplos e sem rugosidades e manchas. Contudo, o segundo
momento, ao contrário do primeiro, não realizou seus grafismos exclusivamente em
suportes assim caracterizados. Esta unidade estilística compõe painéis em suportes
pequenos e por vezes com muitas rugosidades e manchas. Talvez isso seja justificado
por um comportamento muito mais interessado em ocupar mais intensivamente os
suportes disponíveis nos sítios, combinado com a disponibilidade de suportes. O
segundo momento detém um número de figuras por sítio infinitamente maior do que
aquele que o antecedeu. Enquanto é possível, e freqüente, encontrar sítios em que os
autores do primeiro conjunto estilístico da Tradição Planalto realizaram apenas uma
figura em um amplo suporte homogêneo, é possível encontrar nos mesmos sítios uma
dezena de figuras atribuíveis ao segundo momento ocupando suportes com
características variadas.

154
Prancha 39: Gráficos de padrões observados para o segundo momento da Tradição Planalto, e as relações entre este e o momento que o
antecedeu

155
Não foram observadas temáticas exclusivas em sítios com características
específicas, todavia as aves realizadas por este momento da Tradição Planalto aparecem
em sítios localizados, sobretudo, nos terços médios e superiores dos afloramentos, e nos
sítios costumam ocupar suportes altos, ou estarem no alto dos suportes.

6.3 - Os sítios e o terceiro momento da Tradição Planalto

O terceiro conjunto estilístico da Tradição Planalto aparece em 17 dos 30 sítios


identificados. Destes 17 ele reocupou 14 sítios em que aparece o primeiro e/ou o
segundo momento, inaugurando outros 3 abrigos.
Considerando alguns critérios da paisagem natural do entorno dos sítios, os
abrigos em que este momento aparece mantiveram os padrões observados para os
momentos anteriores. Os critérios em que se observaram as mesmas tendências são:
acesso, características da área aplainada na qual se insere o afloramento que guarda o
abrigo ocupado, posição na vertente, as dimensões dos abrigos (embora este momento
seja exclusivo no menor abrigo com pinturas da Serra – sítio Pedra do Boi) e
regularidade do piso.
Outros critérios como distância da drenagem, presença de nascentes nas
proximidades imediatas do sítio e posicionamento no afloramento, quando analisados,
demonstraram pequenas alterações nos padrões antes observados.
Os sítios em que aparece este conjunto estilístico em sua maioria estão situados
próximos de uma drenagem (onze sítios estão entre 0 e 35 metros de distância de uma
drenagem). Embora o valor que corresponde à porcentagem de sítios situados a mais de
115 metros seja somente de 35% do total de sítios em que aparece o conjunto, é possível
observar que, quando comparado aos momentos anteriores, este ocupou
proporcionalmente mais abrigos situados a mais de 115 metros da drenagem mais
próxima. Esta mudança no padrão pode se relacionar, de fato, a um menor interesse pela
drenagem ou uma percepção e uma significação distintas. O fato de se ter ainda uma
grande proporção de sítios em que este momento apareça situados próximo a drenagens,
pode ser explicado não pela busca de áreas abrigadas com drenagens próximas, mas
pela procura de grafar em abrigos que já apresentavam grafismos. Este pensamento é
corroborado se se considerar que dos três sítios onde este momento foi inaugurador dos
suportes, apenas um é localizado bem próximo da drenagem, os outros dois são

156
posicionados a mais de 115 metros de alguma. O mesmo pode-se dizer da presença de
nascentes. Do total de sítios em que configura o terceiro conjunto da Tradição Planalto,
nove deles se situam próximos a nascentes, e oito não possuem nascentes relacionadas à
drenagem mais próxima dos sítios.
Considerando o posicionamento dos sítios nos afloramentos, vê-se que os
autores do terceiro momento da Tradição Planalto, apesar de ocuparem mais sítios
localizados no terço inferior do afloramento, ocuparam também sítios nos terços médio
e superior, em que a proporção de sítios localizados nestas três condições topográficas
são mais bem distribuídas.

14

12

10

8
6 1/3 superior
1/3 médio
4 1/3 inferior
2
0
primeiro
segundo
momento terceiro
momento total de
planalto momento
planalto sítios
planalto
trabalhados

Gráfico 8: Posicionamento dos sítios com presença de diferentes conjuntos


estilísticos da Tradição Planalto nos afloramentos

Embora seja possível dizer que o terceiro momento mantém, mesmo com
pequenas variações, o padrão geral observado, as análises dos sítios demonstraram que
este padrão, para esse momento, sofre variações importantes.
O terceiro conjunto estilístico inaugurou sítios com características de inserção e
morfológicas que se distinguem dos anteriores. Isso pode ser observado tanto na área
em que os sítios foram sistematicamente analisados, quanto em outras áreas em que
foram realizadas prospecções. Em outras áreas prospectadas, com características que se
diferenciam em termos paisagísticos gerais da área aqui trabalhada, os únicos sítios
encontrados possuem apenas figurações atribuídas ao terceiro momento. Não há
próximo aos sítios, nem em frente a eles, áreas aplainadas com vegetação de campo,
157
deles têm-se ampla visibilidade apenas lateralmente, não há nascentes próximas. Estes
sítios trouxeram para as análises informações que permitem pensar que os autores do
terceiro conjunto estilístico da Tradição Planalto, além de ocuparem os sítios já
ocupados procuraram outros locais para se grafar com características distintas. Cabe
ressaltar que esses sítios, encontrados fora da área em que os sítios foram
sistematicamente analisados, são os únicos localizados voltados para os vales de
córregos e rios cujo curso apresenta-se mais caudaloso, e cujos vales são bastante
amplos. Ao contrário dos momentos anteriores da Tradição Planalto, que têm seus sítios
voltados, sobretudo, para amplas áreas planas, os autores do terceiro momento
ocuparam, mesmo que de maneira discreta, abrigos voltados para drenagens mais
caudalosas e que foram „recusados‟ pelos seus antecessores.
Os suportes ocupados nos sítios variam de amplos a restritos, e não parece que
tenha havido uma busca por abrigos que apresentassem suportes com características
específicas. Tampouco parece que exista uma relação entre as características dos sítios e
as temáticas representadas.

6.4 - Os sítios e o quarto momento da Tradição Planalto

O quarto conjunto estilístico da Tradição Planalto aparece em apenas cinco sítios


dos 30 identificados na região. Em função do pouco número de sítios não é possível
encontrar um padrão baseado nos cruzamentos estatísticos. O que será aqui apresentado
são algumas tendências observadas, que podem ser indicativas de processos de escolhas.
Os sítios ocupados pelo quarto conjunto da Tradição Planalto estão situados em
quatro casos nos terços médio e superior dos afloramentos, o que quer dizer, que ao
contrário do padrão observado para as unidades estilísticas anteriores a este momento,
os abrigos localizados no terço inferior dos afloramentos não foram priorizados.
Este momento estilístico só se faz presente em sítios com presença de grafismos
atribuídos a algumas das unidades estilísticas anteriores. Isto quer dizer que seus autores
não pintaram em nenhum abrigo que antes já não havia sido ocupado por grafismos,
contudo só ocuparam os sítios mais amplos em termos de dimensões – só aparece este
momento nos abrigos cujo comprimento vai de 21 a 80 metros.
Uma outra possível tendência observada diz respeito a um elemento de
classificação dos sítios que até a análise do quarto momento não havia apresentado

158
nenhuma tendência. Há vários sítios (15 do total identificado) que possuem ressaltos e
patamares, dos cinco sítios com a presença deste momento quatro deles possuem esses
ressaltos, onde aparecessem os amplos suportes nos quais estão os grafismos desta
unidade estilística. Este possível comportamento pode se relacionar a uma preferência
em posicionar seus grafismos em locais, no sítio, que fossem mais altos do que o
restante.

6.5 - Os sítios e o quinto momento da Tradição Planalto

Assim como o quarto conjunto, o quinto conjunto da Tradição Planalto aparece


em poucos sítios, apenas cinco, e em função disto a identificação de possíveis padrões
para a ocupação dos abrigos não pode ser realizada. Em quase todos os critérios de
análise os sítios aparecem bem distribuídos entre as classes, o que poderia indicar uma
não preferência por abrigos com características paisagísticas específicas, e sim uma
preferência por se ocupar alguns abrigos já antes ocupados, uma vez que este momento
não inaugura nenhum sítio. Os critérios que concentram uma maior freqüência de sítios
ou que apresentam desvios significantes são a relação dos sítios com áreas aplainadas
localizadas diante destes, o acesso ao sítio e a posição no afloramento. Do total de sítios
com este conjunto estilístico apenas 20% possui campo amplo à frente do abrigo, apenas
40% dos sítios possui acesso “fácil” e somente 20% situa-se no terço inferior do
afloramento. Contudo estas afirmações são pouco seguras, já que o número de sítios é
bastante restrito dentro da amostra, e também por que sempre se deve ter em mente que
os critérios escolhidos para análise pode não ter contemplado os critérios que foram
importantes para os autores dos grafismos.
Considerando os suportes, esta unidades estilísticas parece preferir aqueles mais
amplos e tembém homogêneos.

6.6 - Os sítios e o Complexo Montalvânia

Do total de sítios identificados dentro da área de trabalhado, 19 possuem figuras


atribuíveis ao Complexo Montalvânia.
Os abrigos em que aparece essa unidade estilística não possuem dimensões
específicas, estando a freqüência de sítios bem distribuída por entre as classes que
caracterizam tanto comprimento, quanto altura, quanto profundidade. Os pisos são na
159
maioria das vezes (em 12 sítios) planos, e com superfície sedimentar ampla (18 dos 19).
O acesso, que parece ter sido preferencial, é aquele que é conseguido sem grandes
obstáculos, através do campo (11 de 19). Os sítios em que esta unidade estilística
aparece estão na maioria das vezes em afloramentos inseridos em amplas áreas
aplainadas - 13 de 19 sítios possuem em frente a eles amplas áreas planas recobertas por
vegetação de campo limpo. Os abrigos são situados em maioria do terço inferior e
médio dos afloramentos – há apenas um sítio localizado no terço superior – e no terço
médio e superior das vertentes. Os sítios localizam-se próximos às drenagens (13 sítios
estão a menos de 115 metros de uma drenagem) com nascentes também localizadas
próximas.
Os resultados das análises dos cruzamentos favorecem dizer que os autores do
Complexo Montalvânia mantiveram o padrão observado para os sítios de uma maneira
geral, ocupando os abrigos que já continham grafismos rupestres e não inaugurando
nenhum abrigo. Nenhum cruzamento realizado demonstrou tendências divergentes
daquelas observadas para os dois primeiros conjuntos estilísticos da Tradição Planalto.
A manutenção dos padrões observados pode se relacionar não ao fato dos autores do
Complexo Montalvânia compartilharem a percepção de elementos e critérios
relacionados aos abrigos ocupados com os autores dos grafismos atribuídos a Tradição
Planalto, mas sim a uma percepção e significação dos abrigos ocupados que resulta na
re-ocupação destes. É possível pensar desta forma uma vez que não há sítios de pintura
apenas com o Complexo Montalvânia. Se eles estivessem buscando abrigos com
elementos paisagísticos, não culturais, semelhantes àqueles que parecem ter sido
buscados pelos autores da Tradição Planalto, facilmente eles seriam encontrados sem
nenhuma intervenção gráfica, inclusive bem próximos aos que já haviam sido
anteriormente utilizados como suporte para arte rupestre. Desta maneira, é possível
dizer que os elementos fundamentais das paisagens dos sítios que parece ter
influenciado na escolha de abrigos a serem ocupados pelo Complexo Montalvânia são
os grafismos já existentes.
Mas se para a escolha dos abrigos foi a presença de grafismos preexistentes que
influenciou, para a escolha dos suportes ocupados dentro dos sítios foi a ausência de
pinturas que parece ter influenciado. Embora seja possível encontrar relações de
diacronia entre os grafismos atribuíveis ao Complexo Montalvânia e grafismos da
Tradição Planalto, parece que os autores do Complexo Montalvânia buscaram ocupar,

160
preferencialmente, dentro dos sítios suportes não utilizados. Em vários dos sítios há
painéis em que só aparecem figuras atribuíveis a esta unidade estilística. Mormente são
painéis que se configuram como nichos, e não estão situados em locais de maior
visibilidade dentro do sítio, nem tem os seus suportes homogêneos e sem rugosidades e
manchas. Este comportamento é semelhante àquele observado em outras regiões de
Minas Gerais, como por exemplo, no vale do Rio Peruaçu e na região de Montalvânia
(ISNARDIS, 2004; RIBEIRO, 2006).

6.7 - Os sítios e a Tradição Agreste

A Tradição Agreste se faz presente em apenas cinco sítios do total identificado.


Em função deste pouco número de sítios, não é possível dizer sobre um padrão
de escolha de sítios para esta unidade estilística. Assim como foi feito para os últimos
momentos da Tradição Planalto, serão aqui apresentadas as tendências observadas nas
análises, não querendo dizer que estas tendências se configurem enquanto padrões de
escolha.
Embora os grafismos atribuíveis a esta unidade estilística só apareçam em sítios
já ocupados, nem todas as características destes sítios se enquadram dentro dos padrões
observados. Isto pode significar que, embora os autores dos grafismos da Tradição
Agreste estivessem à procura de outros grafismos, ou só pintassem em abrigos já
ocupados, existiam outras percepções sobre os elementos ambientais naturais que eram
tomados como importantes no momento de se escolher em quais abrigos grafar. Estas
são apenas possibilidades aventadas em tendências observadas em uma amostra restrita.
Para que estas possibilidades sejam mais bem discutidas é preciso que outros sítios
sejam encontrados e analisados.
Em relação à presença de áreas aplainadas em frente ao abrigo a tendência
observada para os sítios que apresentam em seus suportes a Tradição Agreste é a
mesma: na grande parte dos sítios há amplas áreas aplainadas localizadas diante deles, e
pelas quais se tem acesso aos sítios. Os sítios que não possuem o acesso pelo campo, o
acesso é feito sem grandes dificuldades, seja por rampa ou por afloramento escalonado.
Um resultado que parece ter uma tendência diversa daquela observada para as
unidades estilística anteriores é a que se refere à distância dos sítios à drenagem mais
próxima. Dos cinco sítios com Tradição Agreste quatro deles são situados a mais de 115
metros de distância da drenagem mais próxima.
161
Uma outra tendência é a dos grafismos pertencentes a esta unidade estilística
configurarem apenas os suportes de sítios com mais de 10 metros de comprimento,
embora abrigos menores sejam mais abundantes na Serra. Esta tendência pode indicar
uma preferência por sítios cuja medida mínima difere da exigida pelos autores das
unidades estilísticas até agora apresentadas.
Dos sítios em que aparecem figurações atribuíveis a Tradição Agreste quatro
deles possuem piso plano. Assim como quatro abrigos com esta unidade estilística
apresentam ressaltos e patamares, diante dos quais estão os grafismos Agreste e de
onde, no abrigo, tem-se maior visibilidade da paisagem de entorno. Os suportes
ocupados pela tradição nos sítios apresentam-se sempre amplos e predominantemente
homogêneos.
As análises evidenciaram tendências que, embora sejam relativas a uma
freqüência baixa de sítios com presença de figurações agreste dentro da amostra total,
podem indicar sim processos de percepção e eleição de critérios que um abrigo deveria
ter para que se grafasse. Esses critérios parecem ter sido: os grafismos, o tamanho da
área abrigada, em termos de comprimento, a presença de ressaltos e patamares, o
tamanho dos suportes disponíveis, a planura no piso, o acesso facilitado e a distância da
drenagem. Dos cinco abrigos, apenas um não reúne todas estas características. A
presença de todos estes critérios reunidos em quase todos os sítios pode ser interpretada
como uma maior „rigidez‟ no processo de eleição dos locais grafados, e pode, de certa
forma, justificar a pouca freqüência de sítios com Tradição Agreste, uma vez que não há
muitos abrigos que reúnam todas estas características. A baixa freqüência de sítios com
esta tradição pode se justificar por uma menor relevância por atividades geradoras dos
vestígios gráficos, bem como por uma menor freqüência em sua realização, ou por uma
menor permanência dos seus autores na serra, ou ainda, a baixa freqüência pode se
relacionar à amostra trabalhada. Pode ser que os autores da Tradição Agreste tenham
realizado pinturas em outros sítios e de maneira abundante em outras áreas da Serra em
que não foram realizadas prospecções.

6.8 - Os sítios e Tradição Nordeste

A Tradição Nordeste aparece em apenas quatro sítios da área trabalhada. Talvez


em função da presença absolutamente restrita dentro do total de sítios identificados, não
tenha sido possível observar padrões e tendências que se mostrassem relevantes nas
162
análises, com exceção da exposição do abrigo. Não é possível dizer nem que o padrão
geral foi mantido, uma vez que os sítios com Tradição Nordeste aparecem bem
distribuídos entre as classes dos critérios estabelecidos para caracterizar os sítios. Em
um primeiro momento, desconsiderando a baixa freqüência de sítios com esta unidade
estilística, seria possível dizer que seus autores não buscavam nenhuma característica
específica nos abrigos, que a falta de padrão que seria o padrão.
Se não há como notar características gerais dos abrigos em função da restrita
participação da Tradição Nordeste no total de sítios, não é possível também relacionar a
presença de grafismos Nordeste ao fato dos sítios já apresentarem grafismos atribuíveis
a outras unidades estilísticas. Como apresentado alhures, os grafismos da Tradição
Nordeste não aparecem em relação de sobreposição com nenhum conjunto estilístico, o
que dificulta dizer se eles foram, ou não, inauguradores dos sítios em que aparecem. Em
outras regiões de Minas Gerais em que aparecem grafismos atribuíveis à Tradição
Nordeste, estes se apresentam sempre mais recentes nas análises de cronologias
relativas (PROUS & JUNQUEIRA, 1995; RIBEIRO & ISNARDIS, 1996/97; ISNARDIS,
2004). No Planalto Cárstico de Lagoa Santa, inclusive, a Tradição Nordeste é sempre
posterior aos grafismos atribuídos à Tradição Planalto (PROUS, 1992; PROUS &
JUNQUEIRA, 1995), dado que configura elementos que permitem se pensar que a mesma
relação cronológica ocorreria na região de Diamantina. Se assim de fato for, é possível
então considerar que a presença de grafismos consistiu em um elemento motivador para
a realização de novas pinturas.
Quanto à exposição do abrigo, nenhum dos sítios em que aparece a Tradição
Nordeste possui sua exposição voltada para W ou NW, que corresponde à orientação
predominante da Serra e dos abrigos, com vestígios ou não. Os sítios em que aparecem
grafismos nordestes possuem exposição para leste, norte e nordeste. Embora o número
de sítios seja restrito, o fato dos grafismos pertencentes a Tradição Nordeste só
aparecerem em abrigos cuja a exposição se difere da maioria dos abrigos pode significar
a eleição de um importante critério na escolha dos abrigos nos quais pintar. Como
encontrar abrigos com orientação diversa ao padrão não é muito freqüente, a possível
preferência pode justificar a pouca freqüência de sítios com Tradição Nordeste.
Dentro dos sítios os grafismos aparecem em amplos suportes e naqueles cuja
superfície apresenta-se homogênea, sem manchas e rugosidades.

163
Cap 7: Discussões e reflexos na paisagem

As análises realizadas na pesquisa demonstraram que de fato pode-se pensar em


um padrão de inserção dos sítios na paisagem e das paisagens dos sítios, que denote
processos de escolhas culturais dos autores dos grafismos rupestres da região de
Diamantina. Neste sentido o objetivo desta pesquisa foi alcançado.
Foi possível observar padrões gerais para os sítios, que parecem ter sido
implementados pelos autores do primeiro e segundo conjuntos da Tradição Planalto, e
que as unidades estilísticas que ocuparam os sítios posteriormente mantiveram, embora
tenha sido possível observar tendências dentro de cada uma estas unidades, que possam
denotar seleções de critérios paisagísticos importantes no momento da seleção dos
abrigos a serem ocupados (Vide quadro de síntese, na p 173).
No que se refere à paisagem do entorno dos sítios pode-se pensar que houve uma
maior convergência entre os critérios que parecem ter sido importantes no momento de
se utilizar um abrigo para atividades gráficas e as unidades estilísticas. Observando o
quadro pode-se perceber que os conjuntos estilísticos da Tradição Planalto mantiveram
o padrão de inserção dos sítios, segundo alguns critérios, ao longo do tempo. Ao passo
que se percebe também que à medida que as unidades estilísticas da Tradição Planalto
foram se sucedendo alguns critérios foram flexibilizados, abandonados e retomados.
Pode-se portanto pensar que os fatores de mudanças históricas e culturais ocorridos
dentro da tradição não se refletiram somente na expressão gráfica, mas também na
percepção e atribuição de valor aos critérios relacionados ao lugar onde os grafismos
eram realizados. Se pensarmos no comportamento das unidades estilísticas exteriores à
Tradição Planalto percebe-se que alguns critérios e padrões foram igualmente
compartilhados, enquanto outros guardam particularidades internas a cada Tradição.
Analisando as características internas aos sítios, pode-se observar que estes
enquanto mantém características e padrões mais marcados quanto às paisagens de
entorno, mantém variações significativas dos critérios que os caracterizam
internamente. O critério compartilhado por todas unidades estilísticas é a presença de
grafismos nos suportes rochosos dos abrigos, a exceção do primeiro conjunto planalto,
que inaugura a serra e da Tradição Nordeste, com a qual os grafismos não estabelecem
relação de cronologia. Os outros critérios, embora recorrentes, mostram variações
164
internas significantes que permite refletir sobre uma menor valoração dos elementos
paisagísticos internos aos sítios em relação àqueles que marcam as paisagens nas quais
os sítios se inserem.
conj
estilíst primeiro segundo terceiro quarto quinto complexo
tradição tradição
atributo momento momento momento momento momento montal-
agreste nordeste
dos sítios planalto planalto planalto planalto planalto vânia

visibilidade ampla
100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
a partir do abrigo

terço superior e
94% 92% 88% 100% 100% 89% 60% 100%
médio da vertente

presença de
campo amplo em 56% 58% 59% 80% 20% 68% 60% 50%
frente ao sítio

acesso ''fácil" 83% 79% 59% 80% 40% 89% 100% 75%

terço inferior do
44% 46% 41% 20% 20% 58% 60% 75%
afloramento

de 0 a 115 metros
78% 71% 65% 80% 80% 68% 20% 50%
da drenagem

visibilidade de
72% 83% 76% 60% 100% 68% 80% 50%
longe

presença de
83% 67% 53% 80% 40% 68% 80% 25%
nascentes

conj
primeiro segundo terceiro quarto quinto complexo
estilíst tradição tradição
atributo momento momento momento momento momento montal-
agreste nordeste
dos sítios planalto planalto planalto planalto planalto vânia
presença de
grafismos - 67% 82% 100% 100% 100% 100% ?
anteriores
piso plano
(regular ou 78% 75% 82% 60% 80% 63% 80% 75%
não)
preferência por
suportes
amplos*
superfície
sedimentar >/= 67% 54% 47% 60% 20% 58% 60% 75%
6m2
abrigos
voltados para 67% 58% 47% 80% 40% 56% 80% 0%
W e NW
preferência por
suportes
homogêneos*
presença de
ressaltos e 51% 54% 53% 80% 60% 73% 80% 75%
patamares

Os quadros representam a freqüência de sítios por classe em que foi verificado um padrão. As
cores variam conforme a maior ou menor freqüência de sitio (laranja =freqüência alta; amarela =
freqüência média; amarelo claro = freqüência baixa; branco = ausência). O primeiro quadro diz
respeito aos padrões e tendências observadas para as características de entorno e inserção dos
sítios. O segundo quadro se refere às características internas aos sítios ocupados.
* características avaliadas apenas qualitativamente.
165
Quadros 3 e 4: Padrões observados para as características das paisagens dos sítios da
região de Diamantina

166
Mas, embora haja um padrão predominante para os sítios ocupados por cada
uma das unidades estilísticas presentes na região de Diamantina, não se pode dizer que
este padrão é resultado de escolhas ou recusas absolutas. Não parece que tenha havido
elementos paisagísticos ou paisagens que tenham sido absoltamente negadas. Mesmo
que não seja predominante os sítios, por exemplo, que contenham o segundo conjunto
estilístico da Tradição Planalto situados nos sopés dos afloramentos que limitam os
vales, eles existem. Isto quer dizer que o padrão geral dos sítios ou aqueles encontrados
para as unidades estilísticas presentes não parece se referir a uma seleção rígida de
critérios, mas a uma preferência que é administrada, talvez, por fatores históricos e
culturais ou por questões de agenciamento.
Dentro das preferências mais marcantes, vê-se que os autores dos grafismos da
Serra preferiram ocupar abrigos situados em paisagens marcadas por grandes áreas
aplainadas ou com amplas superfícies planas, nas quais os afloramentos monumentais e
densamente fraturados se inserem. E nestas áreas, parece ter havido uma preferência em
manter uma paisagem já construída por intervenções gráficas, reconstruindo-a e
(re)significando-a - no caso das unidades estilísticas que sucederam o primeiro e o
segundo momentos da Tradição Planalto -, o que resultou na manutenção dos padrões.
Esta manutenção do padrão pode advir somente do fato dos autores das unidades
estilísticas estarem buscando realizar grafismos em locais em que já haviam antes
servido para abrigar atividades gráficas. Esta busca não tem que se ter relacionado,
necessariamente, a um reconhecimento dos grafismos existentes e nem a um
partilhamento do que significou grafar nas paredes dos abrigos. Pode ser que, na pré-
história, pintar em locais grafados fizesse parte de regras de conduta apreendidas e
passadas socialmente para os indivíduos de um grupo cultural ou social. Os grafismos
podiam ter exercido no passado, por razões várias e passíveis de várias suposições, o
papel de marcas na paisagem que indicavam onde determinadas atividades, inclusive as
que geravam novos grafismos, deveriam ocorrer, por causas e justificativas que podem
ter variado ao longo dos anos e em função das distintas gentes e culturas que passaram e
perceberam os sítios, suas paisagens e suas pinturas.
Pintar em locais que já haviam sido pintados pode também denotar apenas uma
atitude que foi gerada pela mera presença de grafismos pré-existentes. Os autores dos
grafismos, que utilizavam a Serra como passagem, ou como local para obtenção de
recursos, viram os grafismos e se sentiram motivados a realizar novas pinturas. Essa

167
possibilidade, assim como qualquer outra, não é uma resposta pronta e final. O lugar
que os grafismos rupestres tinham no cotidiano ou nas práticas culturais de seus autores
não é claro para os arqueólogos, não sendo tarefa fácil justificar qual papel a prática
gráfica desempenhava nos grupos culturais que os realizaram. As manifestações
gráficas de diversas tradições culturais convergirem para locais semelhantes e para os
mesmo abrigos não parece ser resultado de relações meramente orgânicas – em sentido
estrito - ou casuais. A realização de grafismos exige instrumentos, ferramentas e
preparações que, mesmo que não venham acompanhadas de manifestações outras que
não somente a atividade gráfica, demandam um certo investimento, tanto de tempo
quanto de trabalho. Isto quer dizer que para a realização dos grafismos há envolvidas
outras atividades e percepções que são estruturadas e pensadas dentro de uma lógica
social. Pintar, por mais simples que fosse na Pré-História, fazia parte de um sistema de
ações que envolveu a percepção, a significação e a realização dos grafismos, que por
sua vez envolveu também sistemas culturais manifestos na preparação das tintas, nos
gestos, nos suportes escolhidos, nas temáticas...
Deste modo, a realização dos grafismos pode ser entendida como uma ação
social, nos termos weberianos, na medida em que a ação, no caso grafar, envolve uma
atribuição de significado por parte daquele que age e é orientada pela expectativa das
ações dos outros indivíduos. Esta expectativa envolve normas culturais, padrões de
conduta e trama de relações sociais. E assim sendo, considerar que os autores dos
grafismos rupestres realizaram seus grafismos por mero acaso é desconsiderar a
existência do pensamento humano, e mais ainda é desconsiderar todo o conjunto de
regras e normas sociais que interferem neste pensamento e nas ações que são resultado
deste. Pintar, assim como caçar, construir ferramentas e sepultar seus parentes, envolve
uma concepção mental do que essas coisas significam, de como devem ser feitas antes
delas serem realizadas. E mesmo quando a realização de todas essas coisas torna-se
automatizada todas as regras que as estruturam continuam a existir e se expressar nos
seus resultados.
Embora não seja possível descartar nenhuma possibilidade que justifique a
presença de diversas unidades estilísticas nos mesmos abrigos, no caso dos sítios de
Diamantina é possível pensar que os grafismos exerceram um importante lugar na
escolha dos abrigos ocupados, no caso dos três primeiros momentos da Tradição
Planalto. Nos sítios em que aparecem estes três momentos, ou ao menos dois deles, é

168
possível perceber que não apenas o sítio foi reocupado, mas também seus painéis.
Diferentes figuras dos distintos conjuntos aparecem justapostas e sobrepostas, por vezes
de forma intensa, formando painéis que, à primeira vista, parecem ser absolutamente
caóticos. Olhando atentamente os painéis é possível observar que estes foram
construídos diacronicamente, e que figuras realizadas posteriormente tiveram atributos
gráficos daquelas que já se encontravam nos suportes aproveitados para serem
compostas. Por vezes vêem-se figuras incrementadas e modificadas por outras figuras
que foram postas posteriormente nos painéis, outras vezes figuras de momentos
distintos são postas encaixadas umas às outras de forma absolutamente ordenada de
modo a aproveitar o espaço pictórico e a construir um painel que seja igualmente
ordenado (ilustrações destas interações podem ser vistas em anexo) (ISNARDIS, LINKE
& PROUS, 2006; LINKE & ISNARDIS, 2007; ISNARDIS &LINKE, 2007).
O reaproveitamento ou a re-ocupação dos sítios pode ser vista, portanto, na
construção diacrônica dos painéis, de uma forma absolutamente intencional, e que pode
ser interpretada como resultado de um diálogo, não entre indivíduos fisicamente
presentes, mas entre expressões culturais. Nos painéis em que se percebem estas
interações entre os conjuntos pode-se dizer que significantes foram reconhecidos e
aproveitados, não necessariamente seus significados. O reconhecimento e o uso e
interferência dos significantes pode sim expressar um reconhecimento e uma interação
para além dos próprios grafismos.
A re-ocupação dos locais grafados pode também ser observado de uma outra
maneira: os suportes mais intensamente pintados nos sítios, assim o foram por diversas
unidades estilísticas, onde houve um sofisticado jogo de inteirações entre as figuras e
onde também outros grafismos simplesmente foram colocados de forma a se justapor ou
sobrepor aos outros. Estes painéis com intensas sobreposições, nos sítios, estão
localizados em local privilegiado. Chegando-se aos sítios, são estes os painéis cuja
localização permite uma observação imediata, e estando-se no local em que estes
painéis se situam tem-se uma visão privilegiada do entorno dos sítios. Além de
partilharem o mesmo local de pintura, o sítio, as unidades estilísticas presentes nele
partilharam também o local no sítio em que é possível observar e ter seus grafismos
observados. Embora os grafismos estejam em local privilegiado de observação, não
estão nos locais mais altos dos sítios e nem nos suportes altos dos sítios disponíveis.
Não se vê nos sítios de Diamantina, como por exemplo é possível encontrar no Vale do

169
Rio Peruaçu, grafismos em locais em que é preciso mais do que o corpo para alcançar
os suportes ou observar de perto os grafismos realizados. A visibilidade buscada em
Diamantina não é aquela visibilidade quase que monumentalizada, mas sim uma
visibilidade ao alcance dos olhos e do corpo. Esta pode ser somente uma questão prática
e de uma possível desimportância dos suportes difíceis de serem alcançados, mas pode-
se também pensar na possibilidade das figuras terem sido concebidas para um suposto
observador.
Se as análises permitem pensar numa manutenção do padrão e tendências das
características dos sítios ocupados em função dos grafismos, ou seja, de uma paisagem
já „construída‟, é possível fazer o raciocínio que inclua as características naturais da
paisagem nos processos que resultam na convergêcia das unidades estilísticas. As
unidades estilísticas podem convergir nos abrigos, ou em alguns deles, em função de
uma percepção do ambiente e eleição de alguns critérios que se assemelham, e também
em função de grafismos pré-existentes. Mesmo para aquelas unidades estilísticas em
que não é possível, em função da baixa freqüência no total de sítios, encontrar um
padrão para os sítios ocupados, não há nada que não permita pensar que houve critérios
importantes no momento em que se estabeleceu um tal abrigo para se realizar os
grafismos, que ultrapassassem somente a presença de pinturas. Isto quer dizer que é
possível pensar que tanto as características naturais quanto culturais das paisagens dos
sítios podem ter recebido igual valoração por parte dos autores dos grafismos.
Na medida em que os critérios da paisagem natural passam a ser em certa
medida semelhantes e importantes na escolha dos locais nos quais os vestígios gráficos
foram deixados, é possível questionar se os grupos culturais autores dos distintos
grafismos atribuíveis às unidades estilísticas presentes na Serra guardam afinidades
culturais.
Essas afinidades são visíveis nos grafismos apenas nos momentos planalto,
como discutido no quarto capítulo, mas para as unidades estilísticas cuja expressão
gráfica se difere tanto em temática, como em comportamento gráfico, não é possível
falar que essas afinidades sejam visíveis no repertório gráfico. Todavia, o fato de
afinidades culturais não serem expressas nos grafismos não quer dizer que elas não
existam. Há vários exemplos etnográficos em que é possível encontrar semelhanças
culturais, expressões de afinidades históricas, em distintas etnias cuja cultura material é
em grande medida diferente. Esse é um caso por exemplo entre os Araweté e os Asurini

170
do Xingu. A cultura material produzida por cada um destes grupos apresenta distinções
fortes enquanto que a língua e outros aspectos da cultura (mitologia, organização social)
mostram-se semelhantes (SILVA, 2000; CASTRO, 1992). No Alto-Xingu, em
contrapartida, é possível encontrar grupos étnicos marcadamente distintos, em que esta
distinção é vista no idioma, nas mitologias e outras concepções ideológicas, e quando se
observa a cultura material encontra-se um acentuada semelhança denotativa de
afinidades construídas por uma rede de relações e alianças inter-étnicas
(HECKENBERGER, 2001).
Logo, não se pode excluir a possibilidade das distintas unidades estilísticas
encontradas na Serra terem sido produzidas por grupos culturais que guardam
afinidades históricas entre si, e que a expressão desta afinidade tenha lugar na re-
ocupação dos abrigos para atividades gráficas. A manutenção dos padrões encontrados
para as características das paisagens dos sítios, bem como os desvios e mudanças nestes
padrões, podem ser resultados de mudanças histórico-culturais ao longo do tempo em
que a Serra foi lugar de uso, bem como resultado de agenciamento e manejo do lugar de
vivência.
Inúmeras são as possibilidades de interpretação para os resultados encontrados
na análise, e estas interpretações ganharão consistência à medida em que as pesquisas
continuarem. É possível extrapolar a metodologia aqui empregada para o restante dos
sítios conhecidos e também para novas áreas na Serra em que as pesquisas
arqueológicas continuam27. Uma possibilidade é empregar a metodologia aqui
encontrada para outras categorias de sítio, com outras categorias de vestígio, de modo
que os cruzamentos sejam feitos também entre as categorias de vestígios encontradas,
de modo que se permita encontrar recorrências entre a presença de vestígios nos
mesmos locais com características paisagísticas semelhantes e igualmente recorrentes,
que por sua vez permita correlacionar demais elementos do registro arqueológico aos
grafismos rupestres. O emprego da metodologia aqui desenvolvida e a utilização dos
resultados obtidos nesta pesquisa de mestrado podem vir a contribuir para que se chegue
a um entendimento da organização espacial dos sítios e por conseguinte da maneira
como os diferentes grupos culturais que ocuparam a serra perceberam e geriram o

27
Há um novo projeto em andamento no Setor de Arqueologia em que novas áreas do Planalto
Meridional da Serra do Espinhaço serão trabalhadas.
171
espaço. Assim esta pesquisa contribui para o entendimento inicial do uso e ocupação
das paisagens da Serra.

172
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