Descartes
Filosofia
Mariana Cruz
Mesmo assumindo que tudo pode ser falso ou não passa de um sonho,
existem coisas que não podem ser colocadas em dúvida; são certas
qualidades presentes em tais imagens contidas no nosso pensamento,
características como figura, quantidade, grandeza, números, tempo e
espaço, isto é, os objetos da matemática. Coisas que são evidentes por sua
própria natureza não seriam abarcadas pela dúvida, como os princípios
lógicos. Nada que represente alguma coisa tem evidência, como o
conhecimento humano; entretanto, o que se põe como condição de
pensamento não se tem como questionar.
Ao considerar todo o mar de ilusão em que tal ente perverso tivesse nos
afundado, Descartes encontrou pelo menos uma verdade que não podia ser
distorcida: justamente o fato de que ele existe, pois, ao estar pensando em
algo, por mais equivocado que seja o conteúdo de tal pensamento, é
inegável que tal pensamento esteja sendo pensado por uma substância
pensante – no caso, ele próprio.
Tomando as duas ideias que tenho do sol, por exemplo – uma proveniente
dos meus sentidos, como sendo uma pequena bola amarela, e outra
proveniente da Astronomia – apesar de nenhuma das duas condizer
fielmente com o objeto, parece que a ideia colocada em mim pelas razões
da Astronomia é a mais próxima do sol real. Ideias como a de um Deus
soberano, eterno, perfeito, sumamente bom têm uma realidade maior que
as que são as representações que tenho das substâncias finitas, pois, uma
vez que somos efeitos de Deus, temos em nós marcas daquilo que nos
causou; afinal, como poderíamos não ser produzidos por coisa alguma, já
que, a partir do nada, nada pode ser gerado? Se eu existo, há que se ter em
mim alguma coisa pelo menos daquilo que é causa da minha existência e,
além disso, isso que é causa de mim deverá ter um grau de perfeição maior,
da mesma forma que um quadro não pode ser ele mesmo mais perfeito do
que aquilo que ele retrata.
Sendo assim, tenho como ideia clara e distinta aquela ideia que tenho de
mim mesmo: uma vez que é certo que penso e, já que penso, existo. As
ideias que compõem substâncias corporais como extensão, figura, lugar
estão contidas em mim na medida em que é por meio delas que as
substâncias corporais me aparecem. Incluindo aí a ideia de Deus – uma
vez que eu, sendo substância finita, não teria como conceber a ideia de
uma substância infinita, salvo se tal ideia tivesse sido colocada em mim por
alguém mais perfeito que eu.