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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA DE MARIA CATARINA (OCUPA CÂNDIDO)

Laércio: 18 de agosto, segundo dia de gravação, take um, com Maria Catarina, da
Cândido Duarte na Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Laércio: Catarina, me conta aí: primeiro eu queria saber quando foi que tu entrasse na
Cândido, se tem gente da tua família já lá, como é que foi tua entrado, quando tempo tu
estudava na Cândida, esquece a Ocupação.

Catarina: Aham.

Laércio: É tua relação com a Cândido.

Catarina: Eu entrei na Cândido em 2014, por um erro de percurso, porque eu ia entrar


numa escola técnica e errei na inscrição, e acabei vindo pra Cândido porque tinha uns
amigos meus que já estudavam na Cândido e eu acabei ficando por eles também, porque
já é mais proximidade. Estudei entre 2014 e 2016, terminei em 2016 o terceiro ano.

Laércio: Tu tem alg... Antes, tinha algum familiar teu, alguém da tua família?

Catarina: Não, nada, não conhecia nada nada nada da escola. Nem conhecia a escola,
conhecia uma outra que tem na praça da Várzea, mas essa aqui Apipucos nunca tinha
ouvido nem falar.

Laércio: Tu moras aonde e como é tu vinha pra escola, como que era?

Catarina: Eu moro na UR-Várzea, então eu de manhã ou eu vinha pra escola a base de


carona ou eu vinha, pegava dois ônibus pra chegar até aqui. Acordava bem cedo assim,
pra chegar aqui bem bem cedo.

Laércio: Tu gostava da escola, antes da ocupação me diz, como era tua convivência lá,
tem muitos amigos, gostava, vocês saiam?

Laércio: Opa, desculpa desculpa desculpa.

*pausa por erro técnico*

Laércio: Como era teu dia a dia na escola, tu curtia?

Catarina: Sim, quando a gente entrou, logo no primeiro ano, assim eu nunca nunca nunca
me arrependi de ter entrado na escola. Assim, logo de primeira. A gente tinha um quadro
de professores muito muito muito bons, excelentes na verdade. Então isso foi me
conquistando a ficar na escola né. E aí teve o primeiro ano todinho, no segundo ano eu
passei pro intercâmbio e... passei tipo acho que metade do ano fora da escola porque
estava no intercâmbio.

Laércio: Como é o intercâmbio, tu fazia intercâmbio aonde?

Catarina: Eu fazia o intercâmbio pela Secretaria de Educação, que é o Programa Ganhe o


Mundo, e fui pro Chile, passei 4 meses e 11 dias.

Laércio: Como é que foi essa experiência no Chile?

Catarina: Foi sensacional, assim, foi ótimo. Foi uma experiência que nunca nunca nunca
eu ia ter a oportunidade de ter, de passar, mas foi excelente. É uma nova cultura, uma
nova descoberta, então tudo tudo é novo, tudo novo.

Laércio: Tu ficou em que escola?

Catarina: Eu fiquei no Liceu Politécnico de Lallai, que era a cidade que eu morava.

Laércio: Tinham outros alunos da Cândido também?

Catarina: Não, da Cândido no ano que eu passei pro intercâmbio, 2015, só quem passou
pro espanhol, pra língua espanhola fui eu. Aí só foi eu que viajei.

Laércio: Bom, vamos entrar na ocupação.

Catarina: É risos

Laércio: Aí tu vai ajudar a gente a ver, a gente precisa ver as coisas acontecendo lá. Ajuda
a gente como se fosse um filme, a gente tenta entender.

Laércio: A cândido foi a primeira escola

Catarina: Da região metropolitana

Laércio: Da região metropolitana a entrar no ocupação. Se não me engano na noite de 7


de novembro.

Catarina: Não, dia 7 de novembro, às 07:30 da manhã, a gente ocupou a Cândido Duarte.

Laércio: Me conta o seguinte: primeiro, se era a primeira, não tinha outra experiência em
escola aqui, as que tinham era nas universidades.

Catarina: Sim.

Laércio: Como é que vocês; você, teus amigos que tavam próximos tomaram a decisão de
ocupar. Da onde veio a ideia de ocupar, com quem vocês conversavam antes, se vocês
tinham entrado nas outras ocupações. A federal já tinha ocupado, as universidades
estavam ocupadas, talvez a administração lá da UFPE e tal. Vocês tinham essa
experiência. Da onde veio essa coisa, se as ocupações de São Paulo vocês viram pela
televisão ou no Youtube, sei lá.

Catarina: Uhum.

Laércio: Como é que veio a ideia de ocupar? Primeiro isso, depois que tu me contasse o
dia; acordei, cheguei na escola falei com fulano, beltrano, mas primeiro da onde veio.

Catarina: Certo, como foi né!??

Catarina: A gente é... se criou um grupo de pessoas, todo mundo, a escola inteira já tava
todo mundo meio tenso com a PEC, com a questão da Reforma do Ensino Médio. E a
gente precisava de uma saída pra sei lá, fazer alguma coisa pra sair daquilo dali. E aí a
gente começou a saber que tava tendo ocupações, no Brasil inteiro né, Recife - PE ainda
não tinha ocupado; não tinha escola ocupada, tinha universidade. E aí se juntou um
grupo, um certo dia se juntou um grupo com as pessoas mais assim, que tinha
conhecimento de luta, essas coisas pra formar alguma coisa pra a gente fazer alguma
coisa. De início era um protesto, um ato, alguma coisa que fosse. E aí deram a ideia da
ocupação, "ah, porque a Federal tá ocupada", "vamos ver... o que é uma ocupação?",
"como é que a gente pode fazer uma ocupação dentro de uma escola?". E aí é... a gente
foi se juntando, se juntando, "mas vamos ocupar não, vamos começar por um ato, por
alguma coisa, porque ocupar nunca escola que a gente não tem total controle, vai ser
muita gente, as pessoas não vão se responsabilizar por tudo e tal. E aí se teve duas
reuniões e ficou nessa coisa "não, a gente não vai ocupar agora, e vamos só ficar nessa
questão de organizar um ato ou fazer alguma coisa pra... pra... fazer contra a PEC e a
Reforma. Certo, acabou o assunto, a gente foi, cada um seguiu sua vida. Quando foi do
dia 6 pro dia 7 começou um 'zunzunzun'. A gente já tinha grupo né, que a gente vinha se
falando como é que ia ter a mobilização. E aí os meninos fizeram "não, mas a gente pode
ocupar". E a gente "ocupa", "não ocupa", "ocupa", "não ocupa"; acabou que, isso já era
noite, todo mundo, enfim, eu fui dormir. Quando foi no outro dia de manhã, que eu
acordei, todo mundo "não, porque eu fui pra escola...", que num sei quê. Nesse dia eu
tinha chegado atrasada, tava bem atrasada, aí ligaram pra mim: "olha, vem pra escola que
a gente ocupou". Eu fiz "meu Deus do céu, como é minha gente, ocupou a escola?" "foi,
vem pra cá agora, que a gente ocupou, tá tendo reunião aqui, a gestora já chamou a GRE
e tal, Secretaria, e a gente já tá aqui. E eu fui, eu corri pra ir pra escola. Quando cheguei
lá, já tinham colocado cartaz, já tinha colocado faixa, pano preto na frente, eu fiz "minha
gente, tudo isso já?!". A gente foi muito rápido, eles tavam colocando enquanto elas/eles
tavam tentando negociar e quando fizeram assim "a gente vai ocupar agora", já tava tudo
pronto, esquematizado. E aí, na mesma hor... acho que em questão de minutos, de
minutos assim, a Secretaria de Educação chegou; porque de início, a gestão chegou e fez
assim "não, eu apoio a ocupação de vocês" e quando a gente fez assim "não, a gente vai
ocupar!", ela recuou total e chamou a Secretaria de Educação. E aí começou toda a
história né... E chegou lá acho que uns 5 gestores da GRE, eles tentaram fazer uma
reunião à portas fechadas e escola inteira tava pra fora da e não deixaram, a gente foi pra
secretaria da escola, gritou muito, bateu muito. Nesse período de loucura, as chaves da
escola ficavam nessa secretaria, numa portinha que tinha assim, então nessa loucura a
gente 'enrolou' eles e conseguiu pegar todas as chaves que tinham na sala, e ficaram com
a gente. Nessa loucura toda a gente conseguiu, de pouquinho em pouquinho, 'enrolando',
'enrolando', cada um foi pegando e passado de mão em mão, e conseguiu pegar todas as
chaves. E quando a gente viu que a gente tava sobre controle da escola, que as chaves
tavam com a gente, a gente já podia abrir cadeado, fechar, a gente fez "agora é a hora de
vocês irem embora", então quando foi, acho que deu umas 9h da manhã, 10h, a gente fez
"agora vocês têm que ir embora, a gente não quer vocês mais aqui dentro" "não, mas a
escola..." "não, a escola agora é nossa, a gente ocupou a escola, a escola é nossa, e vocês
não têm direito de estar mais aqui dentro". E aí eles resistiram muito, acho que até meio-
dia, mais ou menos, do dia 7, foi muita luta contra a Secretaria de Educação. Mas eles
viram que não tinha como eles saírem dali, eles saíram com medo pensando que a gente
ia fazer alguma coisa com eles, e eles saíram e a gestora ficou lá dentro da escola. A gente
fez "não, a gente só vai continuar o movimento quando ela for embora". E ficou, e ela ia
pra sala dela, ligava pras pessoas, ela já tava acuada já, não tinha pra onde correr, e ela tá
tava bem desesperada, aí ela cedeu e saiu. E daí começou que, antes disso, dela sair, de se
retirar, já estava sendo planejado uma autorização, que já tinha sido conversada também,
pra que os alunos pudessem ficar na escola, pudessem estar ali na escola autorizados
pelos pais; e alguns deles já tinham trazido porque a gente já tinha conversado antes, bem
antes, sobre essa autorização, e outros tavam recebendo na hora pra levarem pra casa. E
aí começou, assim que ela saiu da escola, que a ocupação começou em si, aí os
telefonemas chegaram dos pais dizendo que "venham pra casa agora, que eu soube que,
acabei de saber que você na escola tá quebrando tudo aí", que num sei quê, "a gestora
acabou de me ligar". Já nem era mais a gestora que tava ligando, já era os gerentes das
Regionais, da Secretaria, ligando pras mães e pros pais dizendo que os alunos, os filhos
deles tavam destruindo a escola, acabando mesmo com a escola. E muitos alunos nessa
hora, assim, muitos pais chegaram também, chegaram muitos pais atrás dos alunos
dizendo que iam pegar eles e levar eles pra casa. Só que, quando eles chegavam lá, eles
viam que não tava acontecendo nada. E tava um aparato lá da Secretaria de Educação do
lado de fora, ligando pra pessoas e tal, mas até então não tiveram mais sucesso; não
conseguiram mais entrar, a gente não deixou mais entrar. E a partir daí começou a
organização dentro da escola né. A gente começou a dividir quem ia pra segurança, quem
ia pra alimentação, quem ia ficar com cada coisa, com a questão de oficina, e aí começou.
A gente se equipou. Dormitório, a gente organizou dormitório, que foi as salas, a gente
pegou as salas e fez dormitório. Cozinha a gente não tinha, ela não liberou, a gente não
tinha a chave de nada; a gente tinha as chaves das salas em si, mas da cozinha a gente não
tinha. E já foi muito complicado a questão da cozinha. E a gente, no primeiro dia a gente
não tinha o que fazer. Então a gente correu pra vizinhança da escola pra pedir pão, pra
pedir alguma comida pra ficar pelo menos a noite ali. E foi conseguindo panela prato,
com a vizinhança, por enquanto a gente não conseguia o resto das coisas. E aí do dia 7 a
gente deixou quase tudo encaminhado; a gente fez limpeza na escola no primeiro dia,
limpou banheiro, limpou escola, limpou tudo. Isso ainda tava o aparato da Secretaria de
Educação o dia todo, assim, tentando entrar, tentando saber o que a gente queria. A gente
"não, a gente tá aqui, tá todo mundo bem". Eles queriam saber quantas pessoas tinham
dentro da escola, queriam saber muita coisa. A gente "não, nenhuma informação vai sair
daqui". E aí acabou o dia 7 com tudo organizado, as equipes e tal. Dormiram, no primeiro
dia, acho que dormiram entre 15 e 20 pessoas na escola né. Os outros foram pra casa, mas
moravam perto, e vinham lá de noite ou, se não, só vinham no outro dia. E aí a gente foi
pra casa, todo mundo pra casa, todo mundo já pensando no outro dia, como é que ia ser,
onde é que a gente ia arrumar alguma coisa pra fazer de cozinha né, porque não tinha, e aí
a gente chega no dia 8, de manhã. Quando a gente pisa assim na porta da escola, tem
uma... pausa como é que se diz...?

Laércio: Viatura?

Catarina: Um paredão, vamos dizer assim, de polícia. Acho que tinha uns 9 policiais em
pé no portão da escola.

*pausa por erro técnico seguido pela retomada do vídeo*

Produção técnica: Pronto

Catarina: Pronto, no dia 8, quando a gente chegou na escola, tinha poucas pessoas na
frente, mas a gente só pediu pra entrar. Eu não tinha nem entrado assim no portão e
disseram "olha, a gente não tá podendo entrar", e a gente "oxente", fora isso a gente já
tinha recebido um alerta de madrugada que tinha policiais, alguém tava lá na frente, os
meninos não quiseram sair com medo, mas que eles achavam que eram policiais que
tavam lá na frente fazendo roda. E aí, quando a gente chegou de manhã, no dia 8, tinha
uma parede de policiais, tinha uns nove policiais na frente da escola dizendo assim "quem
tá dentro não sai, e quem tá fora não entra". Os professores que tavam chegando foram
impedidos de entrar na escola, a PM tava lá e ele disse "aqui ninguém entra". E aí a gente
fez "como assim não pode entrar? quem chamou vocês aqui?", aí o capitão foi bem
grosso, ele fez "não interessa quem chamou a gente aqui, a gente tá aqui pra cumprir o
nosso papel, e é não deixar ninguém entrar nem deixar ninguém sair". Os alunos lá dentro
tavam apavorados, pensando que já tavam presos, alguma coisa do tipo. E a gente fez
"não, quem chamou vocês aqui? a gente só vai sair daqui até vocês dizerem quem
chamou vocês aqui", "não, não interessa". E aí foi chegando gente, e se acumulando do
lado de fora da escola. Chegando muita gente, os alunos tavam chegando normalmente,
acumulando do lado de fora da escola, e nada deles deixarem a gente entrar, não
deixavam, não deixavam, não deixavam. A gestora chegou, e quando a gestora chegou,
assim, foi todo mundo em cima dela "por que a polícia tá aqui?", "não, por um mandato
de segurança, a gente chamou a polícia aqui", "tá, então foi vocês que chamaram? pois
podem tirar eles", "não, mas eles não vão sair não". E aí a gente tentou entrar, e aí a
polícia fez "não, só quem vai entrar é ela" - a gestora, no caso. E aí ela entrou e ficou lá
dentro com o pessoal da Secretaria de Educação. E todo mundo do lado de fora, muito
revoltado, já era, já tava fazendo um sol muito quente, e isso começou era 7 horas da
manhã. Um sol muito quente já e começou a chegar muita gente, muita, muita gente. E
eles tavam vendo que a gente queria entrar, a gente iria entrar de qualquer forma. E a
gente fez "então bora conversar", a gente chamou os policiais pra conversar. "Quem foi
que chamou vocês aqui", aí ele se acalmou mais e falou "não, a gente foi chamado pela
direção da escola, porque a gente veio conter, eles ligaram pra gente dizendo que tinham
alunos queriam bader... quebrar a escola, destruir a escola, e a gente tá aqui pra tomar
conta", a gente fez "sim, mas como o Sr. pode ver, não tem ninguém quebrando a escola,
aqui não tem ninguém quebrando a escola", aí ele fez "é, eu também queria entender
porque a gente tá aqui", eu fiz "a gente também não tá entendendo porque vocês tão
aqui". E com isso, como eles tavam vendo que tinha muita gente querendo entrar, eles
chamaram reforços, e com esses reforços, somou oito viaturas dentro do pavilhão da
escola, dentro do estacionamento. E aí foi uma coisa absurda, porque foi chamada polícia
militar pra estudante. E aí começou uma coisa muito louca da gente "não a gente vai pra
rua, a gente tá na rua já e a gente vai ficar aqui, e a gente vai gritar, fazer alguma coisa,
alguém precisa ver", e a gente começou a chamar os meios de comunicação, chamou a
Folha, chamou o Diário, chamou o Jornal do Commércio, pra ver o absurdo que tava ali.
Aí começou a vir os parlamentares, chegou um parlamentar e tentou articular com eles,
que foi quando; quando o parlamentar chegou, foi quando eles começaram a ceder mais.
E aí eles disseram que precisavam de cinco representantes pra ir lá dentro e conversar
com a Secretaria de Educação. E ai escolheu, foi eu e mais cinco pessoas corrige mais
quatro pessoas entramos e foi falar com a Secretaria de Educação. Aí a gente fez, a
primeira coisa que a gente, isso já eram 10h da manhã eu acho, quando a gente chegou, a
gente fez "a gente só vai falar, resolver alguma coisa quando os meninos entrarem.
porque já tá sol, a gente tava sentando no chão, correndo risco, porque é bem numa via de
trânsito, e a gente só vai sair daqui quando...." pausa "a gente só vai conversar com
alguém aqui quando os meninos entrarem", "não, mas eles não vão entrar", "então,
pronto, não tem conversa", "não, mas a gente dá comida pra vocês aqui, vocês almoçam
aqui...", "a gente só vai comer se o pessoal do lado de fora comer, se eles não comerem, a
gente também não quer". E aí eles começaram a articular; isso ó, tempo, tempo e tempo,
nada da gente resolver, e eles tentavam conversar, "por que vocês tão aqui?", e chegava
mais gente da Secretaria de Educação, a gente "a gente não vai conversar, já tá decidido
que a gente não vai conversar." E o tempo ia passando, já era 11:30 da manhã, e a gente
tava nessa picuinha de quem vai conversar, de quem não vai, e quem entra, quem não sai;
e a polícia lá. Quando foi, acho que 11:40, não... mais, meio-dia, já tava chegando em
uma hora da tarde, a gente fez "se a polícia for embora, a gente conversa". Aí as gestoras
conversaram entre si e disseram "tá bom, a gente vai pedir pra eles irem embora". Aí
quando foi uma e quarenta, mais ou menos, da tarde, a polícia se retirou. E aí já tinha
muita gente na frente da escola, tinha pessoal de movimento, tinha pessoal de
universidade - Rural, Federal -, todas já tavam lá na frente da escola; tinha muita muita
muita gente. E aí a polícia foi embora e a gente entrou na escola né, os alunos foram
liberados para entrar. E a partir daí, do dia 8, começou uma série de reuniões com a
Secretaria de Educação; a gente teve a primeira, a gente fez "ó, a gente não quer mais
papo. a gente já deu as nossas ideias pra vocês, a gente já disse porque a gente tá aqui"
*pausa*

Laércio: Espera só um pouquinho que eu vou te explicar duas coisas: qual era as
reivindicações de vocês? É que tu falasse que tinha a MP, tinha a Reforma do Ensino
Médio, e também as questões que eram da escola mesmo.

Catarina: Sim sim.

Laércio: Dentro dessas duas coisas, qual eram as reivindicações de vocês?

Catarina: As nossas reivindicações era justamente... a gente já tava meio balançado com a
questão da MP e da PEC, da PEC 5... De primeiro foi só contra a PEC 55, depois veio a
questão reforma do ensino médio, que a gente fez "isso é um absurdo, isso vai atingir
diretamente a gente, a gente precisa fazer uma coisa". E foi quando começou as
articulações dos movimentos, de ato, essas coisas. Quando a gente começou a ver que,
com isso, a gente podia melhorar a escola em questão, fisicamente da escola, a gente fez
"não, a gente pode fazer algo a mais do que a PEC e a Reforma, porque é uma coisa, um
ato nacional, e a gente pode fazer uma coisa nossa, a gente pode melhorar uma coisa da
gente. Então bora também pedir o que a gente precisa, assim, que é de lei que o estado dê,
é essencial". Então na escola a gente não tem, a gente não tinha nem bebedouro de
qualidade, a gente tinha um bebedouro que dava choque, a gente não tem uma quadra -
que tá no... contrato, no contrato de uma escola integral, de dar, de ter uma quadra, todas
as escolas; a gente tinha era mais de dez anos que existia o projeto integral, a gente não
tem quadra, a gente não tinha quadra. Então a gente, a escola assim tinha muros que se a
gente balançasse caia realmente, os alunos andavam e transitavam facilmente pra dentro e
fora da escola porque não tinha muro assim que, assim, que dividisse. Então não só
alunos, mas pessoas podiam entrar na escola e fazer alguma coisa. Então assim, não, a
gente fez "não, essa escola precisa de muita coisa... que é de obrigação deles, então a
gente pode pedir". Então a gente entrou, fez, criou uma pauta de reivindicação, "a gente
quer isso isso e isso", e mostrou "ó, aqui tá a reivindicação da gente, a gente tá ocupando
por causa disso e, principalmente, pela PEC e pela MP, e eles fizeram "não, mas a PEC e
a MP é uma coisa que não está no nosso âmbito", "está no nosso âmbito sim, porque se
elas fores aprovadas vão atingir a gente, a gente que vai sentir na pele; então a gente tá
lutando por elas sim também, contra elas sim!". Então eles tentaram no mesmo dia
desocupar, dizer que era um movimento ilegítimo, que a gente só tava ali porque tinham
pessoas que tavam apoiando, então a gente fez "não, a gente não tá levantando a bandeira
de movimento social nenhum, a UNE não tá na frente, não tem UESPE, não tem UBES,
não tem nada. até esse pessoal a gente tá botando eles pra fora da escola, porque a gente
não quer o movimento deles. Nem quer que eles tomem a frente, nem quer que eles
mostre como é. A gente vai ter o movimento de ocupação nosso, os alunos secundaristas
vão ser os líderes das ocupações, as pessoas, os protagonistas da ocupação; então vai ser
a gente. A gente não quer ninguém; ninguém, ninguém, ninguém. E aí...

Laércio: Me explica uma coisa erro técnico Me explica uma coisa: como é que era o dia a
dia de vocês? Eu sei que lá foi uma das escolas mais ativas, que teve seminário, ações,
manifestações culturais, vocês tem muito essas coisas. Como é que vocês se organizaram
com isso, como é que vocês tomavam decisões também, as assembleias; vocês ficaram
quase dois meses né?

Catarina: Sim, 47 dias

Laércio: Foi uma das últimas, então foram quase dois meses de convivência ali dentro.
Como era isso? Duas coisas: primeiro, como é que vocês se organizavam entre vocês,
quem vai fazer faxina, quem vai fazer segurança, se tinha questão de gênero aí né, "as
meninas fazem isso" ou é "todo mundo faz tudo", como é que vocês dividiam isso, e
como é que foi a discussão. Quer dizer, muita gente que a gente tem conversado diz assim
" foi, na ocupação, foi o momento que eu mais aprendi. que eu mais aprendi com relação
com a educação, com a escola, foi nessa ocupação. Queria que tu explicasse um
pouquinho como é que tu via tudo isso.

Catarina: Ah, depois que a gente conseguiu acalmar os ânimos da Secretaria de


Educação, que elas viram que não tinha mais o que fazer, a gente começou a prosseguir
com a ocupação. A gente já tinha separado as esquipes: segurança, mídia, é.. pessoal que,
é, realmente, segurança, mídia, essas coisas. E aí a gente criou uma equipe de pessoas que
iam atrás de coisas, de oficinas, aulas públicas com professores universitários. Os nossos
professores não saíram da escola, eles disseram "não, a gente vai ficar, a gente vai dar
todo o apoio que vocês quiserem. se for porque..." eles diziam a eles que isso não era
aula, os professores disseram "não, se vocês quiseram, a gente pode ter aula com ata, com
tudo, comprovando que a gente deu a aula, agora uma aula totalmente diferente, a gente
pode fazer aula no campo, aula em qualquer lugar". Então os professores tavam dentro da
escola, então eles davam essas aulas pra gente também; a gente tinha aula de biologia no
campo da escola. E e isso foi todo um processo de construção dentro da escola.

*erro técnico*

Produção: Pronto
Laércio: Luz, segundo dia de gravação, Maria Catarina. Vamos continuar, Catarina,
vamos acalmando as coisas, aí vocês começaram a organizar os encontros, os seminários,
as coisas. Conta como é que foi.

Catarina: Sim, a gente se dividiu em equipes né,de quem ia fazer o que, de quem ia cuidar
da limpeza, quem ia cuidar da cozinha, quem ia atrás de oficinas, que era o pessoal da
mídia, comunicação, quem ia ficar na segurança. E aí a gente tinha os professores dentro
da escola da gente, que eles não, a gente não teve nenhum movimento 'desocupa', então
todo mundo apoiou a ocupação

Catarina: Sim, a gente se dividiu em equipes né,de quem ia fazer o que, de quem ia cuidar
da limpeza, quem ia cuidar da cozinha, quem ia atrás de oficinas, que era o pessoal da
mídia, comunicação, quem ia ficar na segurança. E aí a gente tinha os professores dentro
da escola da gente, que eles não, a gente não teve nenhum movimento 'desocupa', então
todo mundo apoiou realmente a ocupação. Então a gente tinha, assim, um aparato muito
grande, os professores disseram "se vocês quiserem aula, a gente dá aula. é aula
diferenciada? a gente vai pra campo, vai pra laboratório... a gente faz uma aula diferente".
E aí a gente começou, fez um calendário, montou um calendário de que aulas a gente
queria, aí começou a vir pessoas pra colaborar com a ocupação, que a gente postou
dizendo que a gente queria ajuda. Então, começou a chegar gente dizendo que podia dar
aula, "eu posso dar aula, eu posso trazer um palestrante, eu posso trazer meus alunos da
universidade pra ter aula aqui com vocês", e aí foi quando a gente começou a montar
"hoje a gente vai ter oficina disso, hoje vai ter oficina daquilo", que eram professores de
universidades, alunos de universidade, que vinham e davam a aula pra gente de
determinado assunto. Então a gente teve aula de muita coisa, não só das matérias que a
gente tinha que ter, mas a gente teve aula de coisas que a gente nunca ia ver na vida,
então realmente, a ocupação foi, a gente aprendeu na ocupação mais do que a gente
aprende na sala de aula. Enquanto a gente vê cadeira, quadro, professor, a gente via
alunos de salas misturadas com o mesmo conhecimento, então tinha alunos de primeiro
ano com alunos de terceiro, tendo a mesma coisa, tinham a mesma informação, detinham
o mesmo conhecimento. Então foi um momento de aprendizado total.

Laércio: Tu acha que esse experiência na ocupação foi um momento diferen...


politicamente, assim, consciência política, discutir as questões da escola, vocês fizeram
isso mais do que foi feito em todos os...

Catarina: Com certeza, assim, escola da gente, a Cândido, ela já era meio que uma
referência em questão de política e, principalmente, de gênero. A gente criou um núcleo
de gênero dentro da escola pra combater justamente essa questão, de não, a gente não ter
pessoas que queriam dividir entre menino e menina, dividir "ah, porque eu sei mais, eu
sou mais privilegiado em fazer isso". Não, a gente tinha professores, que eram
conscientizadores da gente, que sempre botaram na cabeça da gente que todo mundo era
igual ali. Então a gente já tinha essa cabeça, a gente entrou na ocupação já com essa
cabeça. Então a gente não tinha essa coisa de "ah, menina vai pra cozinha, e menino não
vai", não, todo mundo fazia tudo. A gente nunca teve segurança, a gente, desde o início, a
gente sempre procurou misturar tanto segurança, quanto cozinha, quanto limpeza. A gente
sempre procurou misturar tudo, tudo, menino com menina, pra dormir, quem ia dormir,
quem não ia, quem ia fazer ronda, quem ia ficar acordado, quem não; tudo tinha um
menino e uma menina, a gente nunca teve essa questão não, até porque a gente já tinha
uma consciência de que isso não leva nada a canto nenhum.

Laércio: Essa… Explica um pouquinho essa rede de solidariedade, você falou que tinha
os professores, tinha o pessoal, advogados também que foram dar apoio. Como é que,
como é que montou isso, como é que foi… Explica essa rede de solidariedade.

Catarina: É, a ocupa... como a gente foi a primeira escola da Região Metropolitana a


ocupar, era uma novidade pra todo mundo, então era uma novidade pra cidade inteira,
então todos os olhos foram focados ali na escola, então meio que, quando a gente ocupou,
a gente começou a pedir ajuda, a gente precisa de ajuda em alimento, a gente precisa de
ajuda em material de limpeza. Então todo mundo se voltou "não, a gente vai ajudar". E
chegava doação freneticamente, era toda hora, todo instante. A partir do momento que a
gente ocupou, já tinha gente doando. Então veio gente de muitos lugares, de muitos
movimentos sociais, de muitas universidades, professores, alunos, muita gente chegou lá
pra doar, e aí ia conhecendo a ocupação e dizia: “ah, eu posso contribuir com isso, eu
posso trazer tal palestra pra dar pra vocês”. E aí, com isso, a gente ia criando uma agenda
com muitas coisas, a gente não tinha um momento livre, a gente não tava ali
vagabundando como diziam que a gente tava fazendo, a gente tinha o que fazer ali
dentro. E, principalmente, a gente tinha que conscientizar os próprios amigos da gente no
que a gente sabia. Tinha gente ali dentro que não sabia nem porque tava ali, tava ali
porque não tinha aula, era bom, então tava ali, e não, a gente tinha que mostrar a eles que
eles também podiam ser ativos dentro do movimento, que eles eram o movimento. Então
a gente começou todo um processo e acabou todo mundo disse “não, eu tenho um papel,
a escola é minha, então eu vou zelar pelo que é meu”, então todo mundo, a gente limpava
a escolas todo os dias, a gente fazia tudo todos os dias, porque era uma coisa nossa.

Laércio: Me explica isso agora, da MP e o Ensino Médio, quer dizer, como é que vocês
discutiam isso, especialmente, o que é que na MP ia mexer com vocês, que ela dava um
corte de gastos, ela limitava, cortava gastos, limitando-os né. E a MP…

Catarina: PEC.

Laércio: Explica como é que vocês discutiam como é que isso ia afetar vocês.

Catarina: Quando, assim, antes da gente ocupar, nas discussões de sala de aula, os
professores trouxeram pra gente que existia uma PEC que cortava gastos públicos, e
como assim cortava gastos públicos? A gente começou a saber que, em 20 anos, o
governo ia congelar os gastos em saúde, educação, emprego, essas coisas, por 20 anos. A
gente falou “como assim?”. E a gente fez “não, isso vai atingir a gente totalmente, como
assim a gente vai ser cortado o ensino público, e a iniciativa privada vai tomar conta de
tudo durante 20 anos. A gente não vai ter dinheiro pra nada durante 20 anos. Então é
saúde privatizada, escola privatizada, tudo privatizado. Então como é que a gente... A
gente aqui não vai existir mais”. Então, pronto, o desespero começou daí, da PEC. Então
quando a gente, a gente “não, a gente tem que fazer alguma coisa, né possível que a gente
não possa fazer nada”. E depois de um tempo surgiu a MP, que era a Reforma do Ensino
Médio, dizendo que a gente ia perder matérias de Filosofia, de Sociologia, pra ter um
currículo totalmente técnico, e… que a gente poderia escolher uma coisa que... a gente
não tem direito de escolha, eles iam impor que a gente tivesse ensino técnico, e iam cortar
as matérias que a gente podia ir além da sala de aula, as matérias que a gente podia
pensar. Então a gente fez “não, minha gente, isso é um absurdo, fora, a gente vai ter 20
anos de congelamento de gastos, ainda vai ter redução do nosso pensamento”, vamos
dizer assim, porque as matérias que iam ser cortadas eram justamente as matérias que
faziam a gente ir além, a gente ter o conhecimento que a gente pode deter, de que a gente
pode ter o poder. A gente fez “não, né possível não, a gente tem que fazer alguma coisa,
tem que fazer alguma coisa, e aí quando foi, quando a gente começou a saber que
existiam ocupações no Brasil todo contra isso, porque não podia acontecer de ter essa MP
na rede pública, porque não ia atingir só os alunos da rede pública, ia atingir as
universidades que também são públicas. Então a gente “não, a gente precisa fazer alguma
coisa”, e aí foi quando a gente resolveu ocupar, pela PEC, pela MP, e pela escola em si.

Laércio: Depois dessa experiência toda, a gente tá quase um ano depois, como é que tu
avalia é… primeiro me dá um relato assim, tu ainda frequenta a Cândido?

Catarina: Sim sim sim sim.

Laércio: Como é que tá a escola hoje, como é que tu… duas coisas, veja, uma do ponto
de vista físico, das demandas que vocês tinham, do abandono né; mas especialmente, do
ponto de vista político, o que é que ficou, na tua opinião, pra estudantada, pros meninos
que tão lá, o que é que ficou da ocupação, qual a tua sensação em relação a isso?

*erro técnico*

Catarina: É… um ano depois de ocupado né, que a gente ocupou, a gente desocupou por
reintegração de posse, porque a gente em momento nenhum ia desocupar a escola. E a
gente desocupou com uma bela fala de “vocês não ganharam nada”. Em momento algum
a gente repetiu essa fala, porque o que a gente construiu dentro da ocupação da Cândido
Duarte não foi uma coisa de “ah, a gente ganhou uma quadra”, a gente não ganhou uma
quadra, a gente não ganhou um laboratório. A gente ganhou conhecimento, a gente
ganhou pessoas perto da gente, e a gente sabia que pessoas que a gente tinha como “oh,
meu deus, eu nunca vou falar com fulano, porque ele é um professor de universidade”. A
gente tinha os professores ali com a gente, tinha amigos professores. A gente…
principalmente, é... uma consciências política, todos os alunos que participaram da
ocupação não saíram de lá sem saber que eles podem participar ativamente do seu país,
de qualquer decisão que tem dentro do seu país. Então eles podem sim querer reivindicar,
eles podem ocupar lugar, se eles quiserem, pra reivindicar sim. Eles sabem o que é uma
ocupação, eles saíram dali com a revolta de que eles precisavam mudar aquela situação.
Então a gente não saiu sem nada da ocupação, a ocupação trouxe consciência política pra
todo mundo, assim, todo mundo. Trouxe conhecimento, trouxe tudo; tudo tudo tudo
assim. Amizades que ninguém tinha com ninguém, era todo mundo no seu mundo, se
juntou todo mundo de uma forma que… até hoje tem pessoas que tão juntos pela
ocupação, porque conviveram na ocupação e viram que não eram pessoas de outro
mundo. Tavam todo mundo junto por uma causa só, e é o que sempre tem que ser. Hoje
em dia, assim, eu tô indo na escola, eu não estudo mais lá, mas eu vou lá saber como é
que tá… da ocupação a gente ganhou um bebedouro, que a gente pediu e eles deram, e
um muro - metade de um muro na verdade. Então, é… agora na troca de gestor, esse
gestor que tá atualmente ele é ótimo, ele tá procurando saber o que aconteceu, o que que
ele precisa melhorar dentro da escola, ele tá realmente procurando saber, e a escola
realmente tá se reerguendo. Mas principalmente os alunos que tão ali dentro da escola,
eles sabem porque eles tão ali, eles sabem porque a escola foi ocupada, e eles sabem que
eles podem fazer isso a qualquer momento que ele quiser. Então os alunos da EREM
Professor Cândido Duarte têm uma consciência política de que eles podem tudo.

Laércio: Você saiu da… você saiu da… Você saiu da escola e entrou na universidade. Eu
queria que tu contasse um pouquinho dessa experiência de estar entrando agora na Rural,
a Rural que tem um papel muito importante na ocupação. Até porque tem um convênio né
entra as duas universidades. Como é tua experiência agora entrando na universidade que
deu, o corpo aqui da universidade, que deu tanta ajuda, tanto apoio.

Catarina: Sim, a gente tinha o apoio total da Universidade Rural, porque era perto, era a
mais próxima, então a gente vinha procurar ajuda aqui sempre. Então, a gente, já existia
um convênio com a Rural, de pibidianos, de alunos que iam lá dar aula a gente, então eles
conheciam a gente, eles sabiam da realidade, e por um período, eles tavam lá com a gente
pra saber o que a gente queria, o que a gente precisava e por que a gente tava ali. E
diziam “ó, é melhor vocês irem por aqui”, iam mediando, eles não tomaram a frente do
movimento, mas eles mostravam o que acontecia na universidade e o que podia refletir lá
na escola. Então, tipo assim, a universidade tem um papel totalmente ativo dentro da
nossa ocupação. E saindo da Cândido e vindo pra instituição que tanto ajudou a gente é a
continuação de um processo político, de tipo, eu saí da minha escola por um… pra ir pra
um âmbito de pessoas que tão comigo. Então é uma coisa maravilhosa, assim, é a
continuação de uma vida toda.

Laércio: Qual foi a reação de vocês, você contou isso naquele encontro que a gente teve
lá, quando teve a ocupação da Nilo, que você encontrou o ensino fundamental, quando
vocês souberam daquilo, o que aconteceu com vocês?

Catarina: Sim, a gente tava num dia normal de ocupação, sempre muito corrido, com
muita gente na escola, e chegou, assim, na gente, alguém que tava na rua - a gente sempre
tava na rua, procurando alimento, procurando qualquer coisa, ajudando as outras
ocupações -, e chegou, fez "ó, tem uma escola ali na Estrada do Arraial que ocupou e é..."
a gente fez "sério, ocupou?, "a Nilo Pereira", a gente pensou que era uma escola estadual;
"mas eles são crianças", a gente "oi?", "é nivel... é escola de educação fundamental". A
gente fez "não, minha gente, né possível não... como assim a gente tem uma escola de
ensino fundamental ocupada?", "eles entraram no movimento, eles viram o movimento e
eles precisam que a gente vá lá agora porque eles ocuparam", a gente enlouqueceu, assim,
a gente fez "meu deus, são crianças". E a gente foi lá, a gente correu lá, quando a gente
chegou lá tinham crianças de 10 anos, assim, de 9 nove anos ocupado, gritando palavras
de ordem. A gente fez "minha gente do céu, a gente não pode desocupar nunca, assim, vai
ficar eternamente as ocupações só pelo relato desses meninos, só porque esses meninos
tão aqui". E a gente levou alimento pra eles, a gente conversou com eles, eram crianças,
pirralhinhos pequenininhos assim correndo, querendo saber o que era PEC, o que era MP,
o que era num sei quê. A gente fez "meu deus, nem a gente que tava no ensino médio
sabia, como é que a gente ia passar pra eles, são crianças...". Então foi todo um processo,
a gente ia lá, a gente dizia... o que a gente podia fazer pela Nilo a gente fez. E eles
ocuparam a Nilo por muito tempo, a gente desocupou e a Nilo continuou ocupado. A
gente fez "meu deus do céu, eles tão mais resistentes do que a gente", porque eles tinham
Conselho Tutelar, eles tinham pais, eles tinham mães contra eles e eles tavam lá dizendo
"a gente vai ocupar". Então foi uma coisa que a gente fez "meu deus do céu, realmente, a
gente pode contar com o apoio de todo mundo, de todo mundo, a gente pode dar
consciência política a todo mundo, até as crianças de 10 anos que tinham no Nilo
Pereira". Então foi assim, foi surreal quando a gente descobriu, realmente, que Nilo
Pereira tinha ocupado. Foi uma coisa assim, tipo, um orgulho na verdade né, de ter
começado, ter dado o ponta pé, que que eles também tavam entrando, e assim, todo
mundo ficou maravilhado... foi uma descoberta pra todo mundo.

Laércio: A última pra gente encerrar. Me conta como é que foi, de modo geral, a relação
com as famílias, das mães, dos pais, com vocês da ocupação.

Catarina: Assim, nos primeiros dias de ocupação, na minha casa mesmo, eu disse "não,
eu vou participar da ocupação", a única restrição que eu tinha na minha casa de participar
da ocupação era "você não vai dormir lá", "tá, tá bom, vou aceitar essa restrição", então
eu ia, passava o dia todo na ocupa... meu pai era totalmente contra movimento social,
assim, ele não queria que eu fosse pra... eu sempre tinha, eu tinha muito medo de protesto
por causa dele, que ele dizia que as pessoas iam apanhar da polícia, num sei que, e que
não era lugar de gente estar andando em protesto. E eu sempre tinha muito medo. Quando
a gente ocupou, a gente precisou fazer os protestos, então dentro de uma dinâmica de
protestos, de atos, a gente fez "não, minha gente, isso aqui é uma coisa totalmente... é
ótimo, é uma coisa maravilhosa, a gente precisa fazer isso sempre". E aí quando eu e meu
pai viu que ele não podia mais me segurar em relação a atos e protestos, ele fez "é,
realmente, pode ir, vá". Aí eu ia pra ato, ia pra protesto, ia pra tudo que era lugar. Então a
relação da minha casa virou, é ocupação, é ato, "pode ir", mas essa questão de "não, não
durma na ocupação" e tal. Muitos pais tiveram, assim, a mesma reação, de tipo assim,
eles iam na ocupação, os pais frequentaram a ocupação, e diziam "realmente, vocês não
tão aqui pra nada, vocês não tão aqui por nada, vocês fazem alguma coisa aqui, vocês
passam o dia aqui, mas é fazendo algo, é em prol de algo; então eu não vou proibir meu
filho de vir, eu quero que meu filho lute pelo futuro dele, e pelo futuro dos filhos dele,
dos netos dele", então vou deixar ele aqui. Então os pais viam, viam como tava e tal,
viam que não tinha nenhum perigo, deixavam os filhos tranquilamente lá. Então pra
muitas famílias, pra muitos alunos, as famílias deles mudaram totalmente, hoje eles saem
mais, eles participam mais de atos, de protestos, porque eles viram que realmente não
tinha perigo, não tinha. Eles tavam ali pra lutar por um direito que era tanto deles
próprios, quanto das famílias deles, então... foi um ganho pra todo mundo.

Soraia: A questão que o pessoal falava que a Cândido era a cabeça das outras ocupações

Catarina: É, como a gente foi a primeira escola da Região Metropolitana a ocupar, meio
que, a Secretaria de Educação e a sociedade, Recife em si, dizia que a gente era a cabeça
do movimento e que, se a gente caísse, as outras iam cair também. Então a gente tinha
essa carga em cima da gente de estar sempre bombardeado e dizer que "se a gente
derrubar a Cândido, a gente derruba as ocupações", e não foi isso que aconteceu. A gente
começou, os alunos realmente de outras escolas iam na Cândido pra saber como a gente
tava agindo, e eles chegavam na escola deles e faziam melhor que a gente, cada escola ia
ocupando de uma forma acima da gente, a frente da gente. Então, acabou que, a gente
tinha um movimento de ocupações em Recife que toda escola tinha seu protagonismo,
sua forma de ocupar, suas reivindicações, tinha as reivindicações que todo mundo tinha -
que era a PEC e a MP -, mas cada uma criou as suas discussões internas, "minha escola
precisa disso, minha escola precisa disso, minha escola precisa disso". Então a gente
tinha uma pauta única com várias pautas separadas porque eles criaram também
consciência que "eu posso mudar a minha realidade", então acabou que a gente começou
o movimento, mas ele foi prolongado por muita gente, muita, muita gente. Então a gente
tinha a estabilidade de ser a escola que ocupou pela primeira vez, a primeira escola a ser
ocupada, mas também as outras escolas receberam esse título de "eu ocupei a minha
escola" por melhoria na educação do meu país". Acho que foi isso.

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