Tema I
Crimes contra a dignidade sexual. Crimes contra a liberdade sexual. Estupro. 1) Considerações gerais:a)
Dignidade sexual e liberdade sexual. Conceitos. Definição e evolução histórica;b) Bem jurídico tutelado.
Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva;c) A Lei dos Crimes Hediondos e sua aplicação ao crime de
estupro. 2) Aspectos controvertidos. 3) Pena e ação penal.
Notas de Aula1
1. Estupro
O bem jurídico tutelado nos tipos penais dos crimes contra a dignidade sexual, antes
da reforma promovida pela Lei 12.015/09, eram os costumes, tanto que o título era
denominado dos crimes contra os costumes. Hoje, o fundamento mais alto desta tutela
penal é a dignidade da pessoa humana, o que empresta uma conformação constitucional a
estes delitos.
O crime de estupro é o mais claro dos exemplos desta concepção. Veja o artigo 213
do CP, na antiga e na nova redação:
“Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor
de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2º Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009).”
A prática de mais de uma conduta nucleares do tipo implica crime único, concurso
material, formal, ou crime continuado? A situação concreta poderá preencher uma ou outra
destas hipóteses. Vejamos.
Imagine-se que o agente realize conjunção carnal forçada, e todos os demais atos
libidinosos que consegue, em uma só oportunidade, em um só ato contínuo, um só iter.
Neste caso, defende a maior corrente, há crime único: há uma pluralidade de condutas
dedicadas a satisfazer a lascívia do agente. Note-se que, sendo assim, não há como se
configurar o concurso formal, portanto, eis que a elementar do tipo descritivo do artigo 70
do CP fica impossível de se preencher:
“Concurso formal
Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se
iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até
metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é
dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o
disposto no artigo anterior.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art.
69 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”
“Crime continuado
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade,
os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do
art. 70 e do art. 75 deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”
Agora, o agente comete os mesmos atos narrados acima, contra a mesma vítima,
mas em intervalos de tempo muito superiores – há concurso material, eis que está
preenchida a condição do artigo 69 do CP:
“Concurso material
Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de
liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de
reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
(...)”
O artigo 224 do CP estabelecia que se a vítima não fosse maior de catorze anos,
alienada ou débil mental, ou não pudesse, por qualquer causa, oferecer resistência, a
violência era presumida, e o crime de estupro seria cometido. Veja:
Este artigo foi revogado, mas não houve abolitio criminis desta conduta; de fato,
houve sua aglomeração em outros dispositivos, como o § 1º do artigo 213 do CP, e o artigo
217-A do CP (este último será abordado com detalhamento, adiante).
O § 1º do artigo 213 do CP estabelece que se da conduta resulta lesão corporal de
natureza grave ou se a vítima é menor de dezoito ou maior de catorze anos, a pena é de
reclusão, de oito a doze anos.
A partícula “ou”, aqui – menor de dezoito “ou” maior de catorze – deve ser lida,
agora sim, como “e”, mas por simples questão de lógica interpretativa, pois do contrário, se
fosse realmente alternativa, o dispositivo perderia sentido, pois todas as pessoas, de todas as
idades, serão ali abarcadas.
O estupro qualificado, outrora, na vigência do artigo 224 do CP, se definia pro três
critérios bem delimitados, o biológico, o fisiológico e o psicológico. O critério biológico é o
de idade, constatado de forma plana pela verificação da idade da vítima; o critério
psicológico é o que toma em conta a capacidade de discernimento da vítima; e o critério
fisiológico é aquele que verifica se a vítima tem capacidade efetiva de resistência ou não,
levando em conta seu estado físico, e não mental.
Hoje, estes critérios sofreram alteração com a reforma, porque a revogação do artigo
224 e a inclusão do § 1º ao artigo 213 dividiu as tipificações. Assim, na qualificadora do
crime de estupro, restou apenas um dos critérios, qual seja, o biológico, e com mudança da
faixa etária considerada: é qualificado o estupro contra vítima maior de catorze e menor de
dezoito anos. Vitimada pessoa menor de catorze anos, o crime é o do artigo 217-A –
estupro de vulnerável –, como dito, que será visto adiante, mas que precisa ser abordado
aqui, ao menos superficialmente:
O artigo 224 dizia ser violência presumida, na alínea “a”, quando a vítima não fosse
maior de catorze anos; hoje, o artigo 217-A determina que é estupro de vulnerável a prática
do crime contra pessoa menor de catorze anos, e o § 1º do artigo 213 estabelece que é
estupro qualificado aquele praticado contra maior de catorze anos e menor de dezoito.
Surge a seguinte pergunta: e se a vítima estiver com exatos catorze anos, qual é a
tipificação do agente ativo?
Se há violência ou grave ameaça, o crime é de estupro simples, na forma do caput
do artigo 213 do CP, e se o ato libidinoso for consentido, o fato é atípico. Assim o é porque
a interpretação literal é a que se impõe, e ante este erro legislativo o réu não pode ser
prejudicado por qualquer outra interpretação extensiva de sua punibilidade. Contudo, há
quem faça uma interpretação teleológica do dispositivo, pois de fato a mens legis não era
esta capitulação simples ou atipicidade, e sim a qualificadora ou o estupro de vulnerável –
havendo ainda que se definir em qual destas se enquadra o fato, o que também depende de
interpretação. A questão ainda não teve enfrentamento jurisprudencial.
O artigo 217-A do CP, como se vê, não é um crime novo, pois consiste na reunião
típica de fatos que eram considerados violência presumida, capitulada anteriormente na
combinação dos artigos 213 ou 214 com o artigo 224 do CP. Houve a continuidade
normativa típica, e não a criação de novo crime, tampouco abolitio criminis da conduta
anteriormente reprimida.
Veja que no caput do artigo 217-A se reproduziu o critério biológico de outrora – a
idade da vítima –, e no § 1º foram reproduzidos os critérios psicológico e fisiológico.
Todas as modalidades de estupro – simples, qualificado ou de vulnerável – são
crimes hediondos, sem qualquer dúvida, hoje. Veja o artigo 1º, V e VI, da Lei 8.072/90:
“Violação sexual mediante fraude (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém,
mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de
vontade da vítima: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica,
aplica-se também multa. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).”
Para uma corrente, a diferença deste tipo para o do crime tipificado no artigo 217-A,
quando se está diante de vítima sem possibilidade de resistência, é a presença do engodo da
vítima, neste artigo 215, enquanto no estupro de vulnerável a vítima é impossibilitada de
reagir. Parece, esta corrente, fazer uma leitura de que no artigo 215 há erro da vítima,
enquanto no 217-A não há erro, mas impossibilidade de outra conduta pela vítima – o que
gera problemática quando, no caso do erro, este for absoluto, invencível pela vítima do
artigo 215, aproximando o caso da impossibilidade de reação, tornando idênticas as
subsunções.
O mais correto, portanto, é falar em impossibilidade de reação, em maior ou menor
grau: no artigo 215, a impossibilidade de reação é relativa; no artigo 217-A, é absoluta.
3. Ação penal
Antes da reforma, a regra nestes crimes era a ação penal privada, com exceções
pontuais, na forma do artigo 225 do CP. Hoje, este artigo reformado alterou esta regra,
colocando a ação penal pública condicionada como regra, e excepcionalmente a pública
incondicionada. Veja:
“Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede
mediante queixa.
§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-
se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto,
tutor ou curador.
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende
de representação.”
“Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se
mediante ação penal pública condicionada à representação. (Redação dada pela Lei
nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública
incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).”
Os casos em que a ação era pública incondicionada – inciso II do artigo 225 antes
da reforma –, precisam, portanto, de colheita de representação, hoje, , inclusive naqueles
feitos que estão em curso. Por isso, surge questão: em qual prazo será colhida esta
representação, após a intimação da vítima pelo juiz para exará-lo?
Há três correntes: a primeira sustenta que deve ser imediata, mas não aponta critério
objetivo desta imediatidade. A segunda corrente faz analogia ao artigo 91 da Lei 9.099/95,
que quando previu a condicionante para os crimes de lesão estabeleceu trinta dias para
representação da vítima:
“Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura
da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para
oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência.”
A maior corrente, porém, sustenta que a representação deve seguir a regra geral,
ante a lacuna da lei, ou seja, o prazo de seis meses, do artigo 38 do CPP:
Nos casos em que era ação penal privada e passou a ser pública, o MP encampará os
processos em curso? Consistiria, esta dinâmica, em uma retroatividade em malefício do réu,
porque a ação pública é pior para o perseguido, eis que vige sob o manto da
indisponibilidade, enquanto a privada é disponível. Por isso, não seria técnico permitir, para
os processos em curso, a retroação, a conversão da ação penal privada em pública.
Casos Concretos
Questão 1
CAIO, em dias diversos e por três vezes, praticou relação sexual com a filha de sua
companheira, vindo, ainda, a manter com a ofendida, também por três vezes, atos
libidinosos diversos da conjunção carnal. A ofendida tinha comprovadamente 10 anos de
idade e nunca ofereceu qualquer resistência. O acusado foi flagrado por uma vizinha,
sendo a polícia chamada, ocorrendo a prisão em flagrante; ficou apurado, já na peça
flagrancial, que a mãe da criança tinha conhecimento do que vinha ocorrendo, nunca
tendo praticado qualquer conduta para evitar tais fatos. Pergunta-se:
a) Qual a correta capitulação para os fatos?
b) Os crimes praticados são considerados hediondos?
c) Caso haja o reconhecimento de crime continuado, qual percentual de aumento
seria adequado aplicar?
Resposta à Questão 1
a) Caio cometeu seis estupros de vulnerável, na forma do artigo 217-A do CP, por
seis vezes, em concurso material. Pode-se cogitar de continuidade delitiva, a
depender de estarem definidas as condições do artigo 71 do CP, sendo que crime
da mesma espécie é, para as Cortes superiores, aqueles do mesmo tipo penal, e
por isso seria possível neste caso.
b) Sim, é expressamente consignado no artigo 1º, VI, da Lei 8.072/90.
c) Como há a prática de seis condutas típicas, revelando crime continuado extenso,
entendo ser aplicável a maior exasperação, de dois terços.
Questão 2
Resposta à Questão 2
O argumento para o descabimento, antes, é que os crimes eram diversos, eis que em
tipos diversos, e o STF reputa crimes de mesma espécie apenas aqueles do mesmo tipo
penal. Com a reforma, as condutas reuniram-se no mesmo tipo penal, e por isso se permite
a continuidade. Contudo, é de se ressaltar que, a depender do caso, pode haver mesmo
crime único, e não continuidade, na atual conjuntura – o tipo é misto de conteúdo
alternativo.
Questão 3
Resposta à Questão 3
“Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º,
158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art.
223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e
parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o
limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das
hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.”
Crimes sexuais contra vulneráveis. Assédio sexual. 1) Considerações gerais:a) Definição e evolução
histórica. Conceito de vulnerável. Conceito de assédio sexual;b) Estupro de vulnerável, satisfação de lascívia
mediante presença de criança ou adolescente e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração
sexual de vulnerável;c) Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva;d) A Lei dos
Crimes Hediondos e sua aplicação aos crimes sexuais contra vulneráveis. 2) Aspectos controvertidos. 3)
Pena e ação penal.
Notas de Aula2
1. Assédio sexual
O verbo nuclear deste tipo deve ser observado com cautela. O legislador penal se
utiliza do verbo “constranger” em diversas oportunidades, e com diversos sentidos. Por
isso, é importante definir o exato alcance deste termo, aqui.
No estupro e no constrangimento ilegal, o sentido de constranger é obrigar, assim
como na extorsão. No artigo supra, o sentido não é de obrigar, mas sim de humilhar, de
vexar, de envergonhar.
O tipo em análise é um delito de intenção, com elemento subjetivo especial diverso
do dolo geral expresso no seu texto: é um tipo incongruente, que exige que o agente revele,
no cometimento do ato constrangedor, a especial finalidade de obter vantagem ou
favorecimento sexual.
2
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 14/6/2010.
Vale relembrar aqui a classificação dos delitos quanto à especial finalidade de agir:
pode o delito ser de intenção, quando esta especial finalidade vem expressa no tipo; ou de
tendência, quando este elemento subjetivo especial não é expresso, mas existe na forma
implícita.
Os delitos de intenção ainda podem se classificar como delitos de resultado cortado,
ou delitos mutilados de dois atos. O crime de quadrilha ou bando, por exemplo, é um delito
de intenção mutilado de dois atos porque o resultado que dele se espera depende
exclusivamente dos agentes para ser alcançado: praticarão crimes em quadrilha como e
quando quiserem. Veja:
“Quadrilha ou bando
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim
de cometer crimes:
Pena - reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)
Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.”
Assim, dois são os sujeitos ativos possíveis deste crime: aquele que tem
superioridade hierárquica sobre a vítima, e aquele que, ainda que em posição de igualdade,
ou mesmo em ocupação inferior nos quadros da organização, tem de alguma forma
ascendência sobre a vítima.
Surge outra questão polêmica quanto ao agente ativo deste crime: pode o professor
praticá-lo contra o aluno? Novamente, Rogério Greco entende que não, eis que não se está
diante de uma organização hierárquica, e seu critério é bastante adstrito a esta colocação de
superioridade efetiva. Contudo, a doutrina majoritária entende que pode, sim, o professor se
amoldar ao conceito de detentor de ascendência sobre o aluno, quando tiver poder de
aprovação ou reprovação, ou seja, quando dele depender a atribuição de grau ao aluno: esta
influência é ascendência, para quem entende este critério desta forma.
De uma ou de outra forma, é imperativo que os agentes, ativo e passivo, estejam
dentro da mesma estrutura organizacional, não podendo um cliente ser autor ou vítima de
um fornecedor, por exemplo.
Imaginemos um exemplo: o chefe convida a sua secretária para um jantar em sua
residência, com sua família. Lá chegando, ela vê que ele está sozinho, e ele passa a lhe
atirar cantadas das mais diversas. Não cedendo aos apelos, ela decide ir embora, e, neste
momento, ele a ataca e pratica com ela conjunção carnal forçada. Há o crime de estupro,
sem dúvida, mas antes há o assédio sexual, ou há crime único de estupro? E se há concurso,
é este concurso material ou continuidade delitiva?
Para a maior parte da doutrina, há concurso material destes crimes, porque a
conduta do assédio é perfeitamente destacável da conduta do estupro, e o assédio é crime
formal, como dito – já havia se consumado no constrangimento humilhante, sendo o
constrangimento violento para conjunção carnal outra conduta completamente dissociada.
Esta é a posição do STJ e do STF, diga-se.
Mas há ainda que se ressaltar que há quem entenda – a doutrina majoritária –, que
se trata de continuidade delitiva, porque crimes da mesma espécie não são necessariamente
crimes do mesmo tipo penal, e sim de mesma objetividade jurídica.
Suponha-se agora que uma secretária tenha filho doente, demandando altos gastos, e
que seu chefe saiba desta condição. Este superior assedia-a, dizendo que se não ceder-lhe a
conjunção carnal a demitirá. Ela, temendo não ter recursos para cuidar do filho, cede. Qual
o crime?
Há, neste caso, estupro praticado por meio de grave ameaça, qual seja, a morte de
seu filho. Sabedor desta circunstância, o chefe dela se vale para obter a conjunção – há
estupro. Se ela não ceder, diga-se, há tentativa de estupro. Se ela não estivesse nesta
condição peculiar, ou se o chefe disso não soubesse, o crime seria de assédio sexual.
Vale ressaltar que a grave ameaça deve ser identificada concretamente, em
parâmetros universais, e não pela sensibilidade pessoal da vítima. O fato ameaçado deve ser
de conhecimento do agente e não só deve a vítima, como qualquer pessoa, perceber ali uma
grave ameaça. Se o agente não intenta ameaçar, mas a vítima se sentir ameaçada, não por
isso há a configuração do estupro.
A oferta de vantagem em contrapartida ao favorecimento sexual não configura o
assédio sexual. Se o agente oferece vantagem na carreira – salarial, por exemplo –, em troca
da vantagem sexual, não há o crime: esta mera troca de favores afasta o sentido do verbo
constranger, nesse crime. É preciso que o constrangimento evidencie humilhação e temor
de prejuízo, e não a potencial vantagem em ceder ao assédio.
Nem toda cantada realizada pelo superior deve ser interpretada como assédio
sexual, porém. É preciso que haja um dolo especial de humilhação, e o limite de
caracterização de uma proposta sexual como assédio sexual ou não dependerá do nível de
afeição que se percebe naquele relacionamento: se o superior se envolve afetivamente, não
se pode entender que há o dolo de constranger. Se ele pretende um relacionamento
sentimental com a pessoa assediada, não há assédio sexual, mas mera proposta de
relacionamento amoroso.
Ademais, nem toda manifestação de tom sexual, mesmo sem este intento afetivo,
terá o dom de constranger alguém, como dito. Meros elogios, palavras de entonação
elogiosa no ambiente de trabalho, nem sempre são aptas a constranger, envergonhar a
pessoa.
O § 2º deste artigo 216-A do CP comina causa de aumento de pena ao assediador
quando a vítima for menor de dezoito anos. Note-se que qualquer idade abaixo de dezoito
pode ensejar esta causa de aumento, não sendo de se cogitar ser a vítima maior de catorze
anos porque somente desde então se tolera o trabalho regular, como aprendiz: não se pode
premiar aquele assediador que emprega pessoa menor de catorze anos irregularmente com a
alheação desta majorante. Se há empregado menor de catorze anos – irregular, portanto –, e
há assédio sexual, há o crime majorado por este § 2º.
Mas veja que há crime especial no ECA para este constrangimento praticado contra
pessoa menor de doze anos, contra criança, pelo que se a vítima for menor de doze anos
não se fala neste crime do artigo 216-A, mas sim no crime especial, do artigo 241-D do
ECA. Pelo ensejo, há que se fazer a distinção deste delito do artigo 216-A e o crime do
artigo 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente. Vejamos.
Se a vítima da proposta sexual for pessoa menor de doze anos de idade – idade
limite do conceito de criança, para o ECA –, prevalecerá este delito do artigo supra sobre a
conduta do artigo 216-A do CP: prevalece por regra de especialidade.
Assim, sendo a vítima menor de doze anos, prevalece o crime do artigo supra; de
doze anos completos até os dezoito incompletos, há o crime do artigo 216-A, § 2º, do CP;
de dezoito anos completos em diante, há o crime do caput do artigo 216-A.
Vale dizer que se a vítima criança ceder ao assédio, e houver a prática do ato
libidinoso, há o estupro de vulnerável, do artigo 217-A do CP, em concurso material com o
crime deste artigo 241-D do ECA, porque o assédio é crime formal. E não há que se
cogitar, aqui, de que o ato efetivo seja mero exaurimento, pós fato impunível, pela
severidade com que o legislador quis reprimir o estupro de vulnerável. Contudo, pode-se
pensar no inverso: pode-se cogitar que o assédio seja ante fato impunível ao estupro de
vulnerável, pois então prevaleceria a objetividade jurídica que o legislador pretende.
O cotejo entre o CP e o ECA, nos crimes sexuais, hoje é de difícil deglutição. É
preciso cuidado na análise deste diálogo normativo, pois a reforma operou sensíveis
alterações de concepção nesta seara. Vejamos.
“Art 1º Constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos
e multa de Cr$1.000,00 (mil cruzeiros) a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros),
corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela
praticando, infração penal ou induzindo-a a praticá-la.
“Estupro
Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave
ameaça:
Parágrafo único. Se a ofendida é menor de catorze anos: (Incluído pela Lei nº
8.069, de 1990)
Pena - reclusão de quatro a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)
(Revogado pela Lei n.º 9.281, de 4.6.1996)
Pena - reclusão, de três a oito anos.
Pena - reclusão, de seis a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de
25.7.1990).”
c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. (Revogado pela Lei nº
12.015, de 2009).”
“Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente: (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
11.829, de 2008).”
“Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo
ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829,
de 2008)
§ 1º A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o
material a que se refere o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar
às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241,
241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por: (Incluído pela Lei nº
11.829, de 2008)
I – agente público no exercício de suas funções; (Incluído pela Lei nº 11.829, de
2008)
II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades
institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos
crimes referidos neste parágrafo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou
serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material
relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder
Judiciário. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 3º As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material
ilícito referido. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008).”
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda,
disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou
armazena o material produzido na forma do caput deste artigo. (Incluído pela Lei
nº 11.829, de 2008).”
“Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art.
2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: (Incluído pela Lei nº 9.975, de
23.6.2000)
Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo
local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas
referidas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 9.975, de 23.6.2000)
§ 2º Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de
localização e de funcionamento do estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 9.975, de
23.6.2000).”
Com a reforma, deixa de existir a Lei 2.252/54, mas não há abolitio criminis, pois o
objeto de sua proteção, a corrupção de menor para a prática de ato infracional, sofre
continuidade típico-normativa para o artigo 244-B do ECA:
haverá beneficio para quem estava processado ou condenado por este delito cometido desta
forma, pois se somente agora é considerado este meio como crime, a nova lei não pode
retroagir, lex gravior. Vale mencionar que o artigo 241-A do ECA sofreu a mesma
interpretação, e esta prevaleceu – considerou-se que a nova norma, que prevê, ali,
“inclusive por meio de sistema de informática ou telemático”, era lex gravior e evidenciava
atipicidade anterior a sua vigência.
Ainda no âmbito do ECA, além desta corrupção para fins infracionais, há a
corrupção para fins sexuais, nos crimes enumerados nos artigos 241 a 241-C, supra –
excluído o crime do 241-D, já abordado assédio sexual especial. Todos os crimes envolvem
como sujeitos passivos crianças e adolescentes, o que evidencia uma falta de diálogo com o
CP: enquanto este codex tutela os menores de catorze anos como vulneráveis, o ECA se
dedica à proteção de qualquer pessoa menor de dezoito anos. O CP só tutela o menor de
dezoito anos no artigo 218-D, excepcionalmente; o ECA, tutela-os sempre, e
excepcionalmente só a criança, menor de doze anos, no comentado artigo 241-D.
Outra peculiaridade dos artigos do ECA é a presença das cenas de sexo explicito ou
pornográficas como objeto reprimível, outra evidência de falta de diálogo das fontes, entre
o ECA e o CP. Veja: na antiga redação do artigo 218 do CP havia as seguintes condutas:
Substituiu-se a previsão supra por outras três, nos novéis artigos 218, 218-A e 218-
B do CP, este transcrito acima:
“Corrupção de menores
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de
outrem: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
Parágrafo único. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Por fim, no ECA, o artigo 244-A, há pouco transcrito, foi revogado tacitamente pela
inclusão do artigo 218-B no CP, que acabou por englobar aquela conduta em si, de forma
muito mais abrangente, inclusive.
Quanto ao CP, a combinação dos artigos 213 e 224 desaparece, passando a viger,
para aquele fato, o artigo 217-A, o estupro de vulnerável, já transcrito.
Veja, então, que a reforma acabou por inserir uma outra categoria de lenocínio no
ordenamento, além da expressamente prevista como tal, no Capítulo V, dos artigos 227 a
230 do CP, que serão abordados adiante: previu também o lenocínio contra vulneráveis, nos
artigos 218 a 218-B do CP.
Traçado este panorama, há que se observar sempre este diálogo truncado entre o CP
e o ECA, a fim de identificar a correta tipificação de condutas casuísticas.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
“Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo
explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou
adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos
órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.
(Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008).”
“Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer
meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
(Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
11.829, de 2008)
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de
qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas
referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena. (Redação
dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: (Redação
dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la; (Redação
dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou
(Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o
terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou
de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu
consentimento. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008).”
“Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo
ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829,
de 2008)
§ 1º A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o
material a que se refere o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar
às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241,
241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por: (Incluído pela Lei nº
11.829, de 2008)
I – agente público no exercício de suas funções; (Incluído pela Lei nº 11.829, de
2008)
II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades
institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos
crimes referidos neste parágrafo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou
serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material
relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder
Judiciário. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 3º As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material
ilícito referido. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008).”
Questão 2
NATALINO, padre de uma igreja católica, convida por várias vezes NATÉRCIA,
linda jovem de 13 anos de idade, que freqüentava quase que diariamente a sua igreja, a
com ele praticar atos libidinosos diversos da conjunção carnal, o que não chega a ocorrer.
NATÉRCIA, que se sentiu efetiva e profundamente constrangida, pois, segundo ela,
alimentava em si enorme reverência e respeito em relação àquele líder religioso, propôs
ação penal privada comprovando os fatos alegados e imputando ao padre a prática de
assédio sexual (art. 216-A do CP).Em sua defesa, NATALINO nega os fatos e argumenta
que, ainda que tivesse solicitado os referidos favores sexuais, tudo não teria passado de
tentativa, pois nada houve entre os dois. Se fosse você o Juiz da causa, como decidiria?
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema III
Lenocínio e tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual. Ultraje ao pudor
público. 1) Considerações gerais:a) Definição e evolução histórica. Conceito de lenocínio e de tráfico de
pessoa;b) Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva;c) Tráfico internacional e
tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual;d) Do ultraje público ao pudor. 2) Aspectos
controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4) Pena e ação penal.
Notas de Aula3
1. Estupro de vulnerável
“Violação sexual mediante fraude (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém,
mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de
vontade da vítima: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica,
aplica-se também multa. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).”
Suponha-se que um homem embriaga uma mulher já com o escopo de com ela
praticar ato libidinoso: capitula-se o delito neste artigo supra, ou no artigo 217-A? A
resposta dependerá exatamente do alcance que se dê à expressão “impeça ou dificulte a
livre manifestação de vontade da vítima”, do artigo 215 supra, e do alcance do termo
“resistência”, do artigo 217-A. Se a vítima não pode oferecer resistência, há estupro de
vulnerável; se sua manifestação de vontade em consentir ou negar a prática do ato foi
viciada, há violação sexual mediante fraude. No exemplo dado, a casuística deixa mais
clara a diferença: se a embriaguez leva à inconsciência, há estupro; se leva à confusão
3
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 14/6/2010.
mental que a faça consentir algo que normalmente não consentiria, há a violação mediante
fraude.
Diferentemente do estupro comum, o estupro de vulnerável independe do emprego
de violência ou grave ameaça para se configurar. Seus sujeitos passivos, todos eles, são
estuprados mesmo se consentirem nos atos libidinosos – seu consentimento é
absolutamente inócuo.
Se o adolescente tem menos de catorze anos, está configurado o delito se alguém
com ele tiver relações sexuais. Na antiga redação do artigo 218 do CP, nem poder-se-ia
cogitar da subsunção de tal conduta a este tipo. Reveja o artigo revogado:
Repare então que, antes da reforma, praticar atos libidinosos com pessoa menor de
dezoito anos era crime, em regra, exceto quando a vítima já estivesse corrompida; hoje, a
regra é que não há crime nesta prática, mas se a vítima já estiver em situação de corrupção
sexual, há crime, como comina o § 2º, I, do artigo supra. Houve verdadeira inversão da
dinâmica.
Destarte, apenas se a pessoa menor de dezoito anos for prostituída ou sexualmente
explorada é que cometerá crime, deste artigo 218-B, a pessoa que com ela mantém relação
sexual. E mais: só cometerá este crime aquele que pratica o ato libidinoso com pessoa
menor de dezoito naquelas condições de corrupção, e em função delas. Por isso, o
namorado de uma pessoa menor de dezoito e maior de catorze anos não está cometendo
este crime, pois não é a intenção do legislador vedar a prática de tais atos a tais pessoas,
quando motivados por afeto e vontade própria – a mens é evitar a corrupção, e o namorado
não está se aproveitando ou fomentando tal atividade.
É de se salientar uma enorme incongruência legal, neste ponto. Como visto, a regra
é que praticar atos libidinosos com pessoa menor de dezoito e maior de catorze anos não
corrompida não é crime; contudo, fotografá-la nua é. Veja o artigo 240 do ECA:
“Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer
meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
(Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
11.829, de 2008)
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de
qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas
referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena. (Redação
dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: (Redação
dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la; (Redação
dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou
(Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o
terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou
de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu
consentimento. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008).”
“Estupro
Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave
ameaça:
Pena - reclusão, de seis a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de
25.7.1990).”
“Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º,
158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art.
223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e
parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o
Hoje, a mesma dinâmica fática – conjunção carnal forçada com violência ou grave
ameaça contra menor de catorze anos – leva a plana capitulação do novel artigo 217-A do
CP, sem combinação com o artigo 9º supra, que foi revogado por ser norma remetida que
perdeu a norma destino, qual seja, o artigo 224 do CP, que foi revogado. A subsunção pura
ao artigo 217-A, já transcrito, tem pena mínima de oito anos, o que leva à clara conclusão
de que o crime atual é mais benéfico ao réu nestas condições, e por isso é retroativo. A este
respeito, veja o que disse o STJ no informativo 409:
“Informativo nº 0409.
Período: 28 de setembro a 2 de outubro de 2009. Quinta Turma.
ESTUPRO. RETROATIVIDADE. LEI.
Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no art. 9º da
Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao
princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou
grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de
aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi revogada a majorante
prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua
aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior
reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do
CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se
mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato
anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave
ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar
mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. REsp 1.102.005-
SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29/9/2009.”
É claro que, no cotejo entre o crime simples dos revogados artigos 213 ou 214 do
CP, sem a causa majorante do artigo 9º da Lei 8.072/90, e o novel artigo 217-A, aplica-se a
lei da época, porque a pena era menor diante da pena do artigo atual – era de seis anos a
pena mínima, enquanto a atual é de oito. Veja esta assertiva no seguinte julgado do TJ/RJ:
revogado, pois na hipótese não teria ele aplicação, eis que, segundo jurisprudência
dominante, somente tinha incidência quando ocorria lesão de natureza grave ou
morte da ofendida, razão porque a pena fica acomodada em 7 anos de reclusão.
Rejeição da preliminar. Recurso parcialmente provido.”
2. Lenocínio
O artigo 218 está para o artigo 227 assim como o artigo 218-B está para o artigo
228, todos do CP. Hoje, há lenocínio nos capítulos II e V deste Título VI, variando em
relação à vítima, apenas. Revejamos os dispositivos, na ordem de cotejo, em tópicos
próprios.
“Corrupção de menores
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de
outrem: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
Parágrafo único. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).”
O artigo 218-A do CP é um crime de intenção, que exige que a prática tenha por
finalidade especial a satisfação de lascívia própria ou de outrem. A prática de ato libidinoso
na presença de pessoa menor de catorze anos não é crime se esta especial finalidade de agir
não estiver presente. Veja:
Assim, pode-se ter por exemplo de atipicidade nesta conduta aquela situação em
que a família – pais e filho menor de catorze anos – residem em uma casa de um só
cômodo, e os pais têm conjunção carnal na presença do filho: os pais não se regozijam na
presença do filho ao ato, não há a intenção em haver satisfação de lascívia por esta presença
– não há crime.
Como não há qualquer menção a esta prática perante pessoas maiores de catorze
anos, se há a libidinagem na presença de pessoa de idade superior a esta não há crime
algum.
“Casa de prostituição
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra
exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário
ou gerente: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.”
“Rufianismo
Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus
lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o
crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,
companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem
assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou
vigilância: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
12.015, de 2009)
§ 2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro
meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima: (Redação
dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à
violência.(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).”
Estes crimes são permanentes e de natureza habitual. Isto significa que se uma
pessoa mantém uma casa de prostituição, está incidindo no artigo 229 enquanto mantiver a
casa – é permanente –; e, segundo o conceito clássico de crime habitual, só se consuma o
crime quando há reiteração da prática, ou seja, na inauguração da casa de prostituição ainda
não há o crime.
Zaffaroni defende que a habitualidade é subjetiva, ou seja, não é preciso que haja a
reiteração: basta a tendência a praticar o crime habitualmente. Para ele, acertadamente, os
crime habitual é um crime de tendência, e por isso basta um só ato que revele esta intenção
implicitamente exigida no tipo que está consumado o delito – admitida tentativa, inclusive.
Há que se traçar a distinção entre esta conduta do artigo 229 do CP e a do artigo
218-B, no verbo “submeter”, quando porventura há mantença de casa de prostituição com
menores de dezoito anos. Incide, neste caso, o artigo 229 ou o artigo 218-B?
Manter a casa de prostituição com menores é submetê-las à prostituição. Por isso, o
dispositivo que prevalece, por especialidade, é o 218-B do CP, para quantas menores de
dezoito estejam sendo ali submetidas à prostituição. Havendo também prostitutas maiores
na mesma casa, há o concurso formal de crimes, pois na mesma situação – mantença da
casa de exploração – está cometendo dois crimes, o do artigo 218-B contra quantas forem
as prostitutas menores, e o do artigo 229, uma vês, de forma permanente.
A situação que revele condutas que se amoldem aos artigos 228, 229 e 230 ao
mesmo tempo tem sua capitulação exclusivamente no artigo 229: os demais são absorvidos.
Como exemplo, aquele que anuncia captação de prostitutas, mantendo casa de prostituição
e recolhe cinquenta por cento dos lucros das prostitutas: está no artigo 228, ao induzir as
prostitutas aos atos; está mantendo a casa, incidindo no artigo 229; e está tirando proveito
da prostituição alheia, sendo rufião. Contudo, o artigo 229 absorve todos os demais.
O artigo 218-B também prevalece sobre o artigo 230 do CP. Pode o agente fazer-se
sustentar por prostituta menor, incidindo no artigo 230, sem praticar qualquer conduta do
artigo 218-B, quando então é claro que só haverá o crime de rufianismo, mas se há
subsunção em ambos, prevalece o artigo 218-B. É o caso do namorado que, sem induzir em
nada a conduta de sua namorada a prostituir-se, por ela se faz sustentar.
Geraldo Prado entende que o crime de casa de prostituição só pode ser preenchido
se na casa ocorrer efetiva exploração sexual. Diz ele que se a prostituta preferir, claramente,
se prostituir na casa do que na rua, esta liberdade não lhe pode ser tolhida, e punir o
mantenedor da casa seria punir indiretamente a própria prostituta. É entendimento isolado,
mas parece reforçado pelo novel teor do artigo 229 do CP.
Agências virtuais de prostituição não podem ser consideradas enquadradas no crime
de casa de prostituição, mas podem ser configuradas a conduta do rufião, do artigo 230, ou
do proxeneta, do artigo 228 do CP.
“Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (Redação dada pela
Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que
nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída
de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa
traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-
la ou alojá-la. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2º A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
“Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (Redação dada pela Lei
nº 12.015, de 2009)
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território
nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração
sexual: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a
pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la,
transferi-la ou alojá-la. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2º A pena é aumentada da metade se: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,
companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu,
por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído
pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº
12.015, de 2009)
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se
também multa.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).”
A regra, ao contrário do que se pode colher da plana leitura do artigo 225 do CP, é
que a ação é pública incondicionada, porque a maior parte dos casos é nesta forma
perseguida, e não na forma pública condicionada à representação, como assenta o
dispositivo. Veja o artigo
“Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se
mediante ação penal pública condicionada à representação. (Redação dada pela Lei
nº 12.015, de 2009)
“Ato obsceno
Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
O artigo 233 não oferece maiores problemáticas, quando se está diante de ato
obsceno praticado em local público, sendo assim consideradas praias, ruas, praças, cinemas,
etc. O problema é quando se pratica o ato obsceno dentro de casa, mas com exposição ao
público: praticar ato obsceno com a janela aberta é conduta típica.
A conduta de urinar em público, tão falada na época de carnaval, só é ato obsceno se
o agente exibir, dolosamente, sua genitália. Se urina sem dolo de ofensa à moral, e
procurando cobrir suas partes pudendas, não há crime.
Também a conduta daquele que, em um local destinado a show erótico, exibe suas
parte íntimas, não é ato obsceno, porque simplesmente não há expectativa de proteção ao
pudor em local expressamente dedicado à exposição erótica.
Os crimes do artigo 234, no entanto, nas modalidades objeto obsceno ou espetáculo
obsceno, estão severamente prejudicados pela sua leitura constitucional. Não se pode
cogitar de crime quando se trata da compra, por exemplo, de um objeto sexual – o que, a
rigor, preencheria o caput do artigo. Da mesma forma, não se pode conceber que haja crime
na realização de um show erótico, com freqüência controlada. Todas estas condutas são
abonadas pelas liberdades individuais constitucionalmente garantidas – liberdade de
comércio, artística, de expressão, etc.
Há, porém, uma hipótese em que ainda é típica esta conduta: se o responsável por
uma loja que comercia objetos sexuais expuser seus itens ofensivos à moral geral na vitrine,
estará cometendo este delito do artigo 234, pois as pessoas que lá entram sabem do
conteúdo dos itens da loja, mas não aqueles transeuntes desavisados, que podem ser
ofendidos, então.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) O gerente pode ser sujeito ativo do delito, sem dúvida. Contudo, a doutrina
entende que o artigo 229 do CP só está preenchido se as prostitutas forem
consideradas funcionárias da casa: se há apenas freqüência da casa por pessoas
que se dedicam à prostituição, não há o crime.
b) Sim, pois é crime permanente.
Questão 2
JOÃO e JOSÉ foram denunciados pelo Ministério Público, como incursos nas
penas do art. 228 do Código Penal pelos seguintes fatos: os acusados são sócios de um
estabelecimento empresarial, cuja atividade se restringe à exploração de uma boate, com
apresentação de espetáculos eróticos, sendo que a freqüência é franqueada a qualquer
pessoa, entre as quais estão incluídas as prostitutas que bordejam pelo bairro de
Copacabana, intituladas de "garotas de programa" e que freqüentam o lugar com o
objetivo de angariar clientes, em cuja companhia se dirigem a locais diversos, para a
prática de relações sexuais. A defesa alega que, para o ingresso no referido
estabelecimento, é cobrada dos clientes uma consumação mínima e, apesar de saberem
que prostitutas freqüentam o local, não tiram nenhum proveito dessa atividade por elas
exercida. Decida a questão.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
a) Carlos não cometeu crime algum; Cosme, porém, está inserido no artigo 227 do
CP.
b) Estaria, então, inserto no artigo 227, § 1º, do CP.
c) Neste caso, estaria também inserida a conduta no § 1º do artigo 227 do CP.
d) Neste caso, se Cosme em nada aderiu à conduta, o dolo superveniente de
estupro em nada lhe comunica – há o desvio objetivo de conduta por parte de
Carlos que não importa a Cosme, o qual ainda seria mantido no artigo 227.
Tema IV
Crimes contra a família. Crimes contra o casamento. Crimes contra o estado de filiação. Crimes contra a
assistência familiar. Crimes contra o poder familiar. 1) Considerações gerais:a) Definição e evolução
histórica. b) Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva. c) Exame dos
principais delitos. 2) Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).3) Aspectos controvertidos. 4) Concurso de crimes.
5) Pena e ação penal.
Notas de Aula4
1.1. Bigamia
“Bigamia
Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada,
conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três
anos.
§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo
que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.”
Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido por quem é casado. Segundo
Pierangeli, sujeito passivo deste crime é o Estado e o outro cônjuge, do casamento
superveniente, se ele for enganado; se for complacente, apenas o Estado é a vítima do
crime. A tutela penal, aqui, visa a proteger a adequada formação da família pelo casamento.
O primeiro casamento do bígamo tem natureza jurídica de pressuposto do fato
ilícito, só podendo se falar em crime se há casamento anterior. E repare que é irrelevante se
o casamento anterior é nulo ou anulável: é pressuposto o casamento existente, e até que seja
efetivamente nulificado ou anulado, o crime persiste. Veja:
4
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 16/6/2010.
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do
adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau
inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de
homicídio contra o seu consorte.”
Além do artigo 1.521 do CC, há que se apontar aqui também para os artigos 1.517,
1.523, e 1.550, todos do CC:
“Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se
autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não
atingida a maioridade civil.
Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no
parágrafo único do art. 1.631.”
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos
bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou
sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou
curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam
aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo,
provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o
ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente
deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do
prazo.”
O crime do artigo 238 do CP deve ser lido em conjunto com o artigo 328 do mesmo
diploma:
“Simulação de casamento
São vítimas deste crime o consorte, os pais do consorte que eventualmente precisem
dar autorização para o casamento, e eventuais pessoas presentes à cerimônia.
Se quem celebra o casamento simulado é de fato autoridade hábil para tanto, o
casamento é verdadeiro, e não há crime.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) Caio, com relação ao filho, pratica crime de abandono material (parágrafo único),
com relação ao segundo casamento, pratica crime de bigamia – se a segunda esposa
souber que ele é casado, também pratica crime.
b) Os efeitos civis do artigo 92, II, não se aplicam porque o crime é punido com
detenção.
c) A prisão civil tem natureza diversa da penal. Aquela é meio de coerção para o
pagamento, decorre das relações civis. Esta decorre da prática do ilícito, não
havendo nem mesmo detração penal.
d) Eventual adultério seria absorvido pela bigamia, conforme jurisprudência
majoritária.
e) No processo de habilitação poderia haver o crime de falsidade ideológica de
documento público, que seria absorvido pelo crime de bigamia, para a posição
majoritária da jurisprudência.
f) Se o casamento anterior for anulado, inexiste a bigamia (artigo 235, § 2º, CP).
g) A conduta é atípica, só é típico dar parto alheio como próprio.
h) Incidiria no crime do artigo 242, a chamada “adoção à brasileira”, que pode ter o
perdão judicial do parágrafo único.
i) Praticaria o crime de entrega de filho a pessoa inidônea (artigo 245, 1º, CP).
j) A doutrina e a jurisprudência majoritárias consideram que existe o crime do artigo
247, III do CP, muito embora possa ser alegada a inexigibilidade de conduta diversa.
l) Pratica o crime de sonegação de incapaz (artigo 248, parte final, CP), porque
detém num primeiro momento, o filho, licitamente, e depois não entrega a quem
tem a guarda estabelecida judicialmente. Vale dizer que há opiniões no sentido de
que seria crime de desobediência de ordem judicial (artigo 359), porque se trata de
crime contra o poder familiar, que continua existindo.
Questão 2
Resposta à Questão 2
O agente solteiro também responde pelo delito, nos termos do § 1º do artigo 235 do
CP. Relativamente a Pedro, tendo sido induzido a erro de tipo escusável por Joana, verifica-
se a exclusão do dolo, tornando sua conduta atípica, caso em que só Joana responderá pelo
delito.
Questão 3
Relativamente aos crimes contra o estado de filiação, esclareça em que tipo penal
incorre o agente que:
a) dá parto alheio como próprio;
b) dá parto próprio como alheio;
c) substitui seu filho vivo pelo de terceira pessoa;
d) substitui seu filho natimorto por outro vivo;
e) não registra natimorto;
f) registra criança substituída;
g) altera a filiação em nascimento verdadeiro.
Resposta à Questão 3
d) Artigo 242, primeira figura, CP, conforme ensinamento de Carrara, pois haveria
“suposição de criança”, e não do parto ou da quarta figura, conforme Luis Régis
Prado;
e) Conduta atípica;
f) Artigo 242, segunda e quarta figuras, na forma do artigo 69 do CP;
g) Artigo 299, CP.
Tema V
Crimes contra a incolumidade pública I.1) Considerações gerais:a) Definição e evolução histórica. Bem
jurídico tutelado. Sujeitos do delito;b) Tipicidade objetiva e subjetiva dos artigos 250 a 259 do CP. 2)
Aspectos controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4) Pena e ação penal.
Notas de Aula5
Todos estes crimes, quer os previstos no CP, quer os apresentados em leis penais
extravagantes como o Estatuto do Desarmamento, o CTB e a Lei de Drogas, têm por
fundamento comum, por óbvio, o conceito de incolumidade pública. O legislador penal,
como regra, tipifica lesões a bens jurídicos mais relevantes à vida em sociedade, em função
da fragmentariedade do direito penal. Ocorre que à medida que a sociedade se torna cada
vez mais complexa, o legislador percebe que é necessária a previsão de tipificações que se
voltem a reprimir as condutas meramente perigosas, ainda que por enquanto não lesivas,
para estabelecer com isso uma melhor manutenção de um estado de segurança.
Por isso, os crimes contra a incolumidade pública partem de uma premissa que não
é apenas o bem jurídico individual lesionado que deve ser preservado, mas sim os bens
coletivamente considerados formadores do estado de segurança que se pretende manter.
Os crimes contra a incolumidade pública contemplam modalidade de bem jurídico
consistente em um estado de segurança que o legislador eleva à condição de bem jurídico
autônomo. A incolumidade pública tem como pressuposto que a conduta pode afetar um
número indeterminado de pessoas, e a ausência deste requisito pode deslocar a tipicidade
para outro crime.
Como exemplo, o crime de tráfico de drogas reprime a circulação da droga porque
esta é considerada uma conduta que mina o estado de segurança. O uso da droga, por seu
turno, não é crime – o usuário comete o crime por circular, portar a droga, e não por usá-la,
em si. O que periclita a incolumidade pública é o porte para uso próprio, e não o uso em si.
Sendo crimes de perigo, o que se diz é que o legislador opera, nestes tipos penais,
uma antecipação da barreira de proteção penal: ao invés de reprimir a lesão em si, o
legislador se antecipa e protege desde logo o bem jurídico do perigo a que se o pode expor.
Mesmo por isso, outro pressuposto destes delitos é a periclitação de um número
indeterminado de pessoas, porque o que se quer proteger é a coletividade – esta é sujeito
passivo do crime –, e não uma só pessoa ou um pequeno grupo. O CP trata-os como crimes
de perigo comum, e esta classificação em crime de perigo comum, ou de perigo coletivo,
traduz a idéia de que é preciso esta afetação de pessoas indeterminadas.
Os crimes de periclitação podem ser crimes de perigo concreto ou de perigo
abstrato. A expressão perigo comum em nada se confunde com esta classificação,
referindo-se somente à indeterminação dos afetados pela conduta, que é necessária para
configurar qualquer crime contra a incolumidade pública.
O próprio conceito de perigo deve ser elucidado, portanto. Manzini defende que
perigo é algo subjetivo, é um dado criado pelo homem, que inexiste no mundo fático; o que
existe, o que pode ser constatado empiricamente, é a lesão, e não o perigo de lesão. O
perigo é um juízo de probabilidade de lesão criado pelo homem. No entanto, esta visão não
prevalece, porque o que se entende é que perigo é de fato um dado da realidade, ou seja, a
probabilidade de dano é uma constatação empírica, fática – que demanda valoração
subjetiva, sim, mas sobre um dado da realidade fática. O CP adota esta teoria objetiva para
a caracterização do perigo, segundo a qual o perigo representa concretamente a
probabilidade de um dano.
5
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 16/6/2010.
para que a conduta seja penalmente relevante, pelo que a abstrata possibilidade de lesão,
não acarretando ofensividade, não poderia ser tipificada.
Para este autor, todos os crimes são inconstitucionais, portanto, eis que violam o
princípio da culpabilidade impondo ao homem a responsabilidade penal pelo simples fato
de a conduta estar prevista na lei e esta presumir perigo, que pode não existir – seria uma
forma de responsabilidade sem qualquer exposição do bem jurídico a perigo. O STF não
encampa esta tese, embora entenda que os crimes de perigo abstrato devam ser evitados no
moderno direito penal.
Sobre esta discussão, veja os precedentes abaixo:
O sujeito ativo nos crimes contra a incolumidade pública é qualquer pessoa; sujeito
passivo é sempre a coletividade. Vejamos estes crimes em espécie.
2. Incêndio
“Incêndio
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito
próprio ou alheio;
II - se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou
de cultura;
c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária ou aeródromo;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífico ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
Incêndio culposo
§ 2º - Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.”
Este crime é doloso ou culposo, e admite tanto o dolo direto quanto o dolo eventual
na modalidade do caput.
Segundo a doutrina, este crime pode ser cometido tanto por ação quanto por
omissão imprópria, quando a causa se imputar à não evitação do incêndio por um
garantidor – um bombeiro que deixa de acudir a um incêndio, por exemplo.
Problema surge é quando a doutrina defende que haja a possibilidade de que alguém
que não é garante seja imputado por omissão neste delito. Juarez Tavares dá exemplo dessa
dinâmica de responsabilidade por omissão mesmo quando não for garantidor na situação
em que o síndico de um prédio é acionado por alguém sobre uma pessoa estar presa no
elevador, e simplesmente não faz nada: este autor reputa que este síndico está cometendo
crime de sequestro por omissão. No crime de incêndio, poder-se-ia vislumbrar que alguém
que não deu causa ao incêndio – pois seria conduta comissiva – nada faça para não impedir
que o incêndio ocorra. É caso que causa estranheza, e embora a doutrina faça menção à
possibilidade de incêndio por omissão, fica realmente difícil vislumbrar hipótese diversa da
omissão imprópria dos garantidores, como os bombeiros.
Incêndio, por conceito, é o fogo de grande proporções e com potencial para expor a
perigo pessoas indeterminadas. Este crime é induvidosamente de perigo concreto, porque o
tipo traz como elementar a expressão “expondo a perigo”. O delito admite tentativa,
portanto, desde que haja o incêndio de grandes proporções, mas que o perigo concreto a
pessoas indeterminadas não chegue a ocorrer. Neste sentido, veja o julgado abaixo, do
TJ/RJ:
Para Mirabete, não há necessidade que o perigo venha do fogo em si, podendo
decorrer também do tumulto que o fogo provocar.
Quando o perigo for causado a pessoas determinadas – pessoas em uma casa, por
exemplo – não se aperfeiçoa o crime de incêndio, classificando-se o crime de periclitação
da vida, como o do artigo 132 do CP:
“Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer
outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
(...)
§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
(...)
Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro
V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo
ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver
indenização ou valor de seguro;
(...)”
Há três posições doutrinárias sobre tal distinção. Nelson Hungria admite concurso
entre estes crimes, pois o tão só fato de praticar o incêndio para obter a vantagem gera o
perigo comum, e se há também o resultado vantajoso contra o contrato de seguro, há o
crime de estelionato. Outra corrente defende que somente o crime de incêndio prevalece,
eis que mais grave, e é a majoritária. Uma terceira corrente, mais coerente, entende que
quando este incêndio gera perigo comum, e ainda há obtenção da vantagem, esta era
exatamente sua intenção; se não gera perigo comum, há apenas estelionato.
O inciso II, “b”, do § 1º do artigo 250 estabelece que é incêndio qualificado aquele
cometido em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou
de cultura. Se o edifício for militar, há crime especial no artigo 268 do CPM:
“Incêndio
Art. 268. Causar incêndio em lugar sujeito à administração militar, expondo a
perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a oito anos.
§ 1º A pena é agravada:
Agravação de pena
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária para si ou para
outrem;
II - se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou qualquer construção destinada a uso público ou a obra de
assistência social ou de cultura;
c) em navio, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária, rodoviária, aeródromo ou construção portuária;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífero ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
§ 2º Se culposo o incêndio:
Incêndio culposo
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.”
Se o ato envolve fogo em mata ou floresta, na forma do inciso II, “h”, do § 1º deste
artigo 250 do CP, mas não há perigo comum, o crime é o do artigo 41 da Lei 9.605/98:
O artigo 42 desta Lei de Crimes Ambientais é especial, mas se o fato ali praticado –
soltar balão – causar incêndio, o crime é o do CP:
“Art. 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar
incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou
qualquer tipo de assentamento humano:
Pena - detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.”
O incêndio culposo, do § 2º deste artigo 250 do CP, não sofre a incidência das
qualificadoras, não pela interpretação topográfica – por estar abaixo do § 1º –, mas sim pela
inexistência de escolha na modalidade culposa, pelo agente, do local em que o incêndio se
passa, escolha esta que é o que empresta maior reprovabilidade à conduta.
Quando do incêndio resulta morte, Hungria traça algumas hipóteses concretas para
identificar se incide a qualificadora ou não. Imagine-se que o agente incendeia um prédio e,
para se salvar do fogo, a vítima salta e morre. Neste caso, a morte está completamente
atrelada ao fogo, e por isso o nexo está perfeito – há o crime de incêndio qualificado pelo
resultado morte.
Outra hipótese é aquela em que o bombeiro, tentando apagar o incêndio, morre:
neste caso, Hungria defende que o incêndio não se qualifica jamais, porque o bombeiro é
quem se coloca na situação de perigo, e não o perigo lhe alcança por obra do incendiário. E
mais: fosse possível esta responsabilidade pela morte do bombeiro entrar na conta do
incendiário que causa incêndio culposo, ocorreria a mal quista situação em que a pessoa
que causa incêndio culposo não chamaria o socorro por medo de ter-se imputada por
qualquer dano sofrido pelo bombeiro, o que levaria a uma maior exposição a perigo,
deixando o fogo alcançar maiores proporções.
Terceira hipótese casuística levantada por Hungria é aquela em que a vítima do
incêndio consegue se salvar, mas volta ao prédio em chamas para salvar seu filho; o salva,
mas vem a morrer. Neste caso, Hungria entende que houve uma quebra do nexo causal
entre o incêndio e a morte, porque o retorno ao prédio foi uma providência diretamente
imputável à própria vítima.
Havendo mais de uma morte à conta do incêndio, a tipificação é em um só crime de
incêndio qualificado por resultado morte, segundo Mirabete, devendo o juiz considerar o
número de mortes apenas na quantificação da pena.
Casos Concretos
Questão 1
mudança de cela - colocou fogo em colchões de onde se encontrava reclusa com cerca de
20 outras mulheres, que se apresentavam descontentes em razão de castigo imposto, por
ter sido encontrado, em oportunidade anterior, certa quantidade de maconha, e ninguém
ter assumido a propriedade da droga. Está correta a classificação? Por quê?
Resposta à Questão 1
Não há perigo para pessoas indeterminadas, pelo que não há crime de incêndio. O
crime é de dano.
Veja o julgado do TJ/RJ:
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema VI
Crimes contra a incolumidade pública II. 1) Considerações gerais:a) Definição e evolução histórica. Bem
jurídico tutelado. Sujeitos do delito;b) Tipicidade objetiva e subjetiva dos artigos 260 a 266 do CP. 2)
Aspectos controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4) Pena e ação penal.
Notas de Aula6
1. Explosão
“Explosão
Art. 251 - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem,
mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de
substância de efeitos análogos:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
§ 1º - Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Aumento de pena
§ 2º - As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses
previstas no § 1º, I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas
enumeradas no nº II do mesmo parágrafo.
Modalidade culposa
§ 3º - No caso de culpa, se a explosão é de dinamite ou substância de efeitos
análogos, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos; nos demais
casos, é de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.”
Trata-se de crime de perigo concreto, e há uma peculiaridade neste tipo penal que é
a tentativa que o legislador operou de não permitir que este crime seja cometido na forma
tentada, porque na própria capitulação do caput fez constar como formas consumadas
aquelas condutas que seriam a forma tentada deste delito, ao prever que a simples
colocação ou o arremesso do explosivo já consuma o crime. Mesmo assim, porém, há quem
admita a tentativa na modalidade arremessar, eis que é possível o fracionamento desta
conduta e a sua interrupção por um agente externo.
O delito se caracteriza pela expansão de gases, oriunda de uma determinada
substância que provoca a difusão de grande quantidade de energia. Este delito se consuma
na exposição a perigo, pois é crime de perigo concreto.
Os artigos 20 da Lei 7.170/83 e 16, III, do Estatuto do Desarmamento (Lei
10.826/03) são tipos especiais em relação à explosão do CP:
(...)”
“Dano
Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Dano qualificado
Parágrafo único - Se o crime é cometido:
I - com violência à pessoa ou grave ameaça;
II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui
crime mais grave;
(...)”
Gás tóxico é o que pode matar por envenenamento, enquanto gás asfixiante é o que
pode matar por sufocação. A prova destas qualidades dos gazes é feita necessariamente por
meio de perícia técnica, na forma do artigo 158 do CPP:
Fumaça de veículos não é considerada gás tóxico, tampouco o vapor d’água. Nada
impede, porém, que o emprego destas substâncias possa revelar meio de cometimento de
outros delitos, como o próprio homicídio.
O artigo 54 da Lei 9.605/98 teria revogado o artigo supra do CP? Veja:
“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou
possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de
animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
§ 2º Se o crime:
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
Há três correntes sobre esta relação entre o artigo 252 do CP e o artigo 54 da Lei de
Crimes Ambientais. Para Edis Milaré, o artigo da lei extravagante revogou tacitamente o
crime do CP, porque engloba sua objetividade jurídica. Luis Régis Prado entende que o
crime ambiental revogou apenas parcialmente o artigo do CP, porque não engloba em si a
potencialidade periclitante do patrimônio, como o faz o artigo 252 do CP – que resta
vigente, portanto, quanto a esta elementar patrimonial, somente. Mas a posição que
prevalece é a de Nucci e Pierangeli, que defendem que a Lei 9.605/98 protege o meio
ambiente, ao passo que o artigo 252 do CP protege pessoas indeterminadas do perigo a que
se expõem, e por isso não se confundem – há dolo distinto em cada tipo, e cada um se
preenche com seu dolo específico, de periclitar meio ambiente ou pessoas indeterminadas.
O crime do artigo 253 do CP é tipo misto alternativo, e é de perigo abstrato, eis que
não há menção expressa ou implícita à efetiva causação do perigo como elementar.
“Inundação
“Perigo de inundação
Art. 255 - Remover, destruir ou inutilizar, em prédio próprio ou alheio, expondo a
perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, obstáculo natural ou
obra destinada a impedir inundação:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.”
Este crime é a própria tentativa do artigo 254 do CP, que foi eleita a crime
autônomo, segundo a doutrina. Ocorre que os meios elegidos pelo legislador para esta
tentativa, no artigo 255 supra, são restritos, pelo que a colocação de um obstáculo a fim de
causar inundação, meio este diferente daqueles arrolados no artigo 255, pode dar ensejo ao
crime do artigo 254 na forma tentada: se coloca um obstáculo a fim de causar inundação e
esta exposição a perigo não ocorre, não há o artigo 255 consumado – há o artigo 254
tentado.
Assim, em regra, o crime do artigo 255 do CP configura modalidade tentada do
artigo 254, quando a conduta for de remover, destruir ou inutilizar obstáculo; se a conduta
for de colocar obstáculo para provocar inundação, haverá tentativa do artigo 254 do CP.
5. Desabamento ou desmoronamento
“Desabamento ou desmoronamento
Art. 256 - Causar desabamento ou desmoronamento, expondo a perigo a vida, a
integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano.”
Este crime, no CP, só está em vigor para a modalidade culposa, eis que a
modalidade dolosa é traçada com especialidade na Lei 9.605/98, no artigo 61:
“Art. 61. Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à
agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.”
Casos Concretos
Questão 1
CAIO, morador da zona oeste do Rio de Janeiro, foi preso em flagrante quando
viajava sobre um vagão de trem. Que tipo foi realizado por CAIO?A solução se alteraria,
caso:
a) CAIO colocasse fogo no vagão, danificando-o parcialmente?
Resposta à Questão 1
A conduta é considerada atípica por não existir perigo comum. Nesse sentido:
a) Sim. Estará incurso nas penas do artigo 260, I, do CP, incidindo a circunstância
agravante do artigo 61, I, “d” do CP. O crime de incêndio (artigo 250, CP), que
também é de perigo concreto e comum, fica absorvido.
b) Estará incurso na figura qualificada do artigo 260, §1º, do CP.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Genifredo está incurso nas penas do artigo 264, parágrafo único, do CP, em cúmulo
formal com o artigo 163, parágrafo único, III, do CP, uma vez que, ao atingir Helesbino
com o arremesso de um tijolo, causou neste lesão corporal e ainda dano no ônibus. A lesão
referida neste dispositivo é culposa, logo não é graduada em leve, grave ou gravíssima.
Há quem defenda que o dano, aqui, é mero exaurimento, por se tratar de imputação
penal objetiva, pois o dolo não é de dano.
Tema VII
Crimes contra a incolumidade pública III. 1) Exame dos artigos 267 a 285 do CP: bem jurídico tutelado.
Sujeitos do Delito. Tipicidade objetiva e subjetiva. 2) Aspectos controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4)
Pena e ação penal. Crimes contra a Paz Pública. 1) Considerações gerais:a) Definição e evolução histórica.
Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito;b) Tipicidade objetiva e subjetiva dos crimes previstos nos artigos
286 a 288 do CP.2) Aspectos controvertidos.3) Concurso de crimes.4) Pena e ação penal.
Notas de Aula7
“Material rodante” é aquele que faz parte da efetiva atividade de transporte, ou seja,
a parte estrutural, como os trilhos, as rodas, engrenagens e maquinário do trem. As obras de
adorno dos vagões, por exemplo, não se encartam nesta elementar.
O crime deste artigo 260 supra é de perigo concreto, segundo a doutrina e a
jurisprudência, doloso, e se caracteriza, no caput, pela mera possibilidade de ocorrência de
desastre ferroviário. É admitida a tentativa quando, embora praticado o ato de perturbação,
o perigo que era possível não chega a ocorrer.
7
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 16/6/2010.
O “surfista ferroviário” não causa, pelo só fato de viajar no teto do trem, o perigo
comum que este crime demanda, pelo que a jurisprudência é assente em reputar atípica sua
conduta, que só causa perigo a si mesmo, a sua própria integridade física. Veja:
Quem subtrai cabos de cobre da via férrea, segundo a jurisprudência, não tem dolo
de perigo, e sim de subtração, devendo responder apenas pelo crime de furto. Veja:
“2003.050.03093 - APELACAO CRIMINAL - 1ª Ementa DES. CLAUDIO T.
OLIVEIRA - Julgamento: 27/04/2004 - PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL
FURTO FIOS ELETRICOS PERIGO DE DESASTRE FERROVIARIO DOLO
ESPECIFICO AUSENCIA DE COMPROVACAO FURTO E PERTURBAÇÃO
DE SERVIÇO DE ESTRADA DE FERRO – Subtração de cabos de sinalização -
Crime de subtração aceito pelas partes Conduta atípica por outro enfoque - Apelo
desprovido. Se o agente subtrai cabo de sinalização e as partes aceitam a
condenação por esse crime, o seu nítido desejo foi o de subtrair, certamente retirar
o cobre e conseguir dinheiro com a venda. Com essa subtração, o agente não
destruiu, danificou ou desarranjou, total ou parcialmente, linha férrea, material
rodante ou de tração, obra de arte ou instalação e assim, sob esse aspecto, sua
conduta teria sido atípica. Recurso improvido.”
Este crime é de perigo concreto, doloso, e que se caracteriza por ser um crime de
ação livre que coloca em risco a própria aeronave ou embarcação. O TRF da Segunda
Região, no entanto, tem entendido que se trata de crime de perigo abstrato, sem muita
coerência conceitual. Veja:
É “outro meio de transporte” qualquer um que não se enquadre nos tipos penais
anteriores, tais como lotações, táxis, e outros transportes públicos, regulares ou não (desde
que o perigo afete pessoas indeterminadas).
Assim como nos crimes anteriores, a punição da modalidade culposa só ocorre se o
sinistro ocorrer efetivamente.
“Forma qualificada
Art. 263 - Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de
desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art.
258.”
Imagine-se que não ocorra o desastre ou sinistro, mas ocorre a morte de alguém por
causa relacionada ao perigo – um passageiro infarta, por exemplo: neste caso não há
incidência da figura qualificada. O artigo 263, supra, só incide se há desastre ou sinistro;
para as demais hipóteses, deve ser analisada a lesão culposa e o homicídio culposo, em
confronto com a pena dos crimes de perigo.
No caso dos crimes dos artigos 260 e 261 do CP, a pena do crime de perigo é mais
alta do que o homicídio ou lesão culposos, devendo haver a absorção destes por aqueles,
por se considerar que os resultados são exaurimento. Nucci, isoladamente, defende que haja
concurso em caso de homicídio culposo.
No caso do artigo 262 do CP, a lesão culposa tem pena menor, e figura como
exaurimento, mas o homicídio tem pena maior, configurando concurso de crimes.
5. Arremesso de projétil
“Arremesso de projétil
Art. 264 - Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao
transporte público por terra, por água ou pelo ar:
Pena - detenção, de um a seis meses.
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal, a pena é de detenção, de 6
(seis) meses a 2 (dois) anos; se resulta morte, a pena é a do art. 121, § 3º,
aumentada de um terço.”
“Projétil” só pode ser considerado todo objeto contundente o suficiente para causar
dano. O projétil de arma de fogo é uma espécie de projétil, mas é punida de forma especial
no crime de disparo de arma de fogo, do artigo 15 do Estatuto do Desarmamento:
O veículo alvejado deve estar em movimento, pois se estiver parado não há esta
elementar prevista no caput. Note-se que o veículo que está parado em um engarrafamento
não está efetivamente parado: está juridicamente em movimento, pois está no curso da
prestação do serviço público de transporte.
Havendo causação de dano ao veículo, há divergências quanto à capitulação.
Arremessar, acertando ou não o veículo, já consuma o delito; atingindo o veículo e
causando dano, há quem entenda que há concurso entre dano e arremesso de projétil, mas
parece se tratar, este concurso, de um verdadeiro caso de concurso necessário de crimes,
revelando responsabilidade penal objetiva. Sendo assim, o dano seria exaurimento, eis que
ínsito à prática deste delito. O crime de dano, vale relembrar, só se perfaz na modalidade de
dolo direto, e não no dolo eventual.
Trata-se de crime de perigo abstrato, sendo incabível a tentativa, para a maior parte
da doutrina. Há quem admita-a, porém, no caso em que o agente inicia o movimento de
arremessar e é contido por outrem, antes que o se lhe escape das mãos.
“Incitação ao crime
Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.”
Hungria, sobre a posição de Delmanto, segundo o qual não responderá o agente pelo crime
que incitou.
A defesa da liberação da maconha em passeatas não é considerada incitação ao
crime, porque o uso em si não é crime – portar, deslocar a droga, é que é o crime. Defender
a licitude do tráfico, porém, seria a tipificação do artigo em tela, porque traficar é crime.
Divulgar e fomentar o plantio de maconha é modalidade deste crime, por óbvio.
É possível a incitação por dolo eventual, tanto como por dolo direto.
O crime de racismo pode ser especial em relação a este delito, na forma do artigo 20
da Lei 7.716/89:
Para o STJ, porém, o artigo supra encontra-se desdobrado na nova lei de drogas,
razão pela qual não se desclassifica quem fora capitulado neste delito para o artigo em
estudo, da incitação ao crime.
“Quadrilha ou bando
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim
de cometer crimes:
Pena - reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)
Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.”
“Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
(...)”
“Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
(...)”
A resposta é negativa. As condutas têm que ser praticadas lado a lado, de forma
convergente, as vontades se unindo para um mesmo propósito típico – o que não ocorre no
caso narrado acima, em que a coadunação se dá por dois agentes em cada delito, e não em
conluio único entre os quatro. È por esse raciocínio, por exemplo, que não se pode falar em
quadrilha entre os criminosos que incorrem no crime de rixa, pois não há adunação de
condutas.
O crime é formal, e por isso é irrelevante que não participem da cadeia delitiva
todos os associados para o crime. Como visto, ainda que o crime não seja cometido, ainda
há a quadrilha previamente consumada.
A prova do crime de quadrilha, em regra, é feita mesmo com a prova dos delitos
cometidos pelos quadrilheiros, mas isto não significa que seja necessário o cometimento
dos crimes para consumar a quadrilha. Hoje, é possível a prova da quadrilha mesmo que os
crimes não venham a ser cometidos ou consumados,
A absolvição de todos os crimes imputados aos quadrilheiros afasta a consumação
do crime de quadrilha. Veja o seguinte julgado do STF:
“Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código
Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando
ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a
dois terços.”
“Artigo 2
Terminologia
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas,
existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer
uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a
intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro
benefício material;
b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação
de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;
c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática
imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções
formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não
disponha de uma estrutura elaborada;
d) "Bens" - os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou
imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que
atestem a propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos;
O STF tem adotado este conceito apresentado neste artigo, mas Luiz Flávio Gomes
ainda defende que não existe esta conceituação em nosso sistema, porque não poderia um
decreto estabelecer matéria essencialmente penal.
Não existe crime de organização criminosa: a incidência do conceito apenas leva à
aplicabilidade, para os crimes cometidos por esta organização, do regime desta Lei
9.034/95. Repare, ainda, que a organização criminosa pode ser em número de três.
A objetividade jurídica dos crimes contra a saúde pública, por óbvio, é a saúde de
todos: é saúde pública o conjunto de condições saudáveis de vida de cada um e de todos os
membros da coletividade. É um bem transindividual. O bem jurídico saúde pública é uma
modalidade de incolumidade pública caracterizada pela preservação das condições de vida
de todos e de cada um dos membros da sociedade.
O legislador, nestes crimes, pune a mera probabilidade de ocorrência de
determinados resultados. Como regra, são crimes comuns, que tem por sujeito passivo a
coletividade. Veja o artigo 273 do CP, que é o mais emblemático destes delitos:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Está incurso nas penas do artigo 273 do CP, que é crime hediondo nos termos do
artigo 1º, VII-B, da Lei 8.072/90. O desemprego não pode ser utilizado como argumento
para a inexigibilidade de conduta diversa, pois no caso concreto Caio poderia sobreviver de
outras maneiras lícitas.
a) Sim. A hipótese está tipificada no artigo 273, §1º, do CP.
b) Tudo indica que Caio agiu com culpa ao adquirir o medicamento de pessoa
inidônea, estando incurso nas penas do artigo 273 §1º do CP. Pode-se argumentar a
existência de dolo eventual, o que desloca a tipicidade para o artigo 273, §1º do CP.
c) Estaria incurso nas penas do artigo 273, §1º-A, que equipara os cosméticos aos
medicamentos.
Mas veja que a doutrina aponta a violação do princípio da proporcionalidade nas
alterações feitas pela Lei 9.677/98 no art. 273, do CP. Trata-se de crime de perigo abstrato
(há posição em contrário) cuja tutela penal está voltada para a saúde pública, isto é, para a
incolumidade pública no que diz respeito à saúde de todos e de cada um dos membros da
coletividade, como assenta o STJ ao tratar do artigo 270 do CP:
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
“Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no
Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI,
Capítulo I):
(...)
II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela,
vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou
cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão,
de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
(...)”
“Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
10.763, de 12.11.2003)
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo
dever funcional.”
Tema VIII
Crimes contra a fé pública I. Moeda falsa. Falsidade de títulos e outros papéis públicos. 1) Considerações
gerais:a) Crimes previstos nos artigos 289 a 294, do Código Penal Brasileiro;b) Definição e evolução
histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva dos principais crimes
previstos nos capítulos. 2) Aspectos controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4) Pena e ação penal.
Notas de Aula8
Os crimes contra a fé pública, em regra, são meios para outros crimes. A rigor, a
expressão crime-meio não é correta quando o delito assim nomeado é, de fato, elementar do
outro delito, chamado crime-fim, porque se a falsidade integra a elementar do crime, há
crime complexo, e não crime-meio e crime-fim, porque há um só crime em análise – aquele
que em si contempla ambos. Por isso, é desnecessário se falar em absorção. De outro lado,
se a falsidade é o meio empregado para cometer delito que não a tem como elementar, aí
sim se fala corretamente na relação crime-meio e crime-fim, recaindo então a análise na
absorção ou não.
Este é o caso do falso e do estelionato, por exemplo: o falso é meio bem comum de
cometimento do estelionato, mas não participa de sua elementar. A súmula 17 do STJ é
fulcral neste tema:
Este enunciado, que se aplica a qualquer crime de falso, é bastante preciso, inclusive
no que tange ao emprego da expressão “em tese”, porque pode acontecer de a falsificação
ser tão grosseira que sequer o estelionato tentado pode ser constatado. Por exemplo, o uso
de um bilhete falso de loteria, em que há elementos identificadores, como o código de
barras, que impossibilitam completamente o recebimento do prêmio.
“Moeda Falsa
Art. 289 - Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda
de curso legal no país ou no estrangeiro:
Pena - reclusão, de três a doze anos, e multa.
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou
exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação
moeda falsa.
§ 2º - Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a
restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de
seis meses a dois anos, e multa.
§ 3º - É punido com reclusão, de três a quinze anos, e multa, o funcionário público
ou diretor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a
fabricação ou emissão:
I - de moeda com título ou peso inferior ao determinado em lei;
II - de papel-moeda em quantidade superior à autorizada.
§ 4º - Nas mesmas penas incorre quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação
não estava ainda autorizada.”
“Art. 43. Recusar-se a receber, pelo seu valor, moeda de curso legal no país:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.”
“Art. 44. Usar, como propaganda, de impresso ou objeto que pessoa inexperiente
ou rústica possa confundir com moeda:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.”
Não são falsidades, como se vê: no primeiro caso há a violação de regra do sistema
financeiro, que determina que a moeda de curso forçado não pode ser negada; e o segundo
é o mau uso de objetos que interfiram na fé pública, sem dolo de enganar, mas com
potencial, ainda que restrito, para tanto (só engana aos inexperientes ou rústicos, como ali
menciona).
O crime do caput trata-se de crime doloso, instantâneo, material, comum, de
concurso eventual, de forma livre, e comissivo.
Aquele que falsifica a moeda está incurso neste crime, mas aquele que lida com os
petrechos para a falsificação tem tipificação autônoma, no artigo 291 do CP:
Estes atos, que seriam preparatórios para o artigo 289, foram eleitos a tipo
autônomo pelo legislador. Caso o mesmo contexto fático, praticado pela mesma pessoa,
envolva ambos os tipos – o mesmo agente possui os petrechos e falsifica a moeda –, o
delito do artigo 289 absorve o do artigo 291, eis que crime-meio para este – os atos
executórios finais de falsificação absorvem os atos preparatórios que seriam
autonomamente típicos.
A contribuição para a falsidade, praticada por aquele terceiro que fornece os
petrechos para o falsário, poderia já ser enquadrada na própria tipificação do artigo 289 do
CP, como partícipe auxiliar material. Contudo, o legislador preferiu excepcionar a teoria
monista, fazendo a tipificação deste partícipe ser autônoma, porque sem esta dinâmica a
conduta daquele que lida com os petrechos, sem que haja a efetiva falsificação por
ninguém, sequer tentada, seria atípica.
Ainda sobre este artigo 291 do CP, vale dizer que é crime permanente nas
modalidades nucleares “possuir” ou “guardar”.
Aquele que, posteriormente à falsidade já consumada, e dela ciente, importa ou
exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda
falsa, incide no § 1º do artigo 289 do CP.
Já aquele que não sabia da falsificação, mas recebe a moeda falsa e, agora sabendo
da falsidade, a reinsere em circulação a fim de evitar seu prejuizo, estará incurso no § 2º
deste mesmo artigo. A pena é bem mais branda, mas ainda é reprovável sua conduta.
Aquele que recebe a moeda falsa já sabendo de sua falsidade, está incurso no § 1º, e não
nesta forma privilegiada do § 2º, que é extremamente privilegiada.
A questão está na boa ou má fé de quem recebe a moeda falsa. Se recebe de má fé,
responde como se falsário fosse; se recebe de boa fé, responde pelo § 2º; e se recebe de boa
fé e sequer guarda a moeda falsa, entregando-a à autoridade ou ao banco, é claramente
atípica sua conduta.
Aquele que pratica a conduta do caput, falsificando a moeda, e na seqüência comete
também as condutas do § 1º, responde apenas uma vez, por óbvio.
O § 3º do artigo 289 do CP é crime funcional, imputando aquele que tem o domínio
sobre a cunhagem ou introdução da moeda em circulação. O § 4º, idem, eis que quem tem,
acesso ao papel moeda ainda sem circulação é o funcionário público, em regra. Para esses
funcionários, não há a incidência da causa de aumento de pena do artigo 295 do CP, pois
configuraria bis in idem:
recolhido, ou nela tem fácil ingresso, em razão do cargo. (Vide Lei nº 7.209, de
11.7.1984).”
Há títulos que não podem ser emitidos ao portador, e se assim o forem, estará
preenchida a tipicidade deste artigo supra.
Este crime também é de falsidade material, mas com objeto diverso dos crimes de
moeda, pois alveja proteger outros tipos de papeis públicos.
No inciso I do caput está o crime de falsificação de selos tributários, que em nada se
confundem com os selos destinados à circulação de cartas pelo correio. Note-se que não se
trata de crime contra a ordem tributária, pois não se amolda a nenhuma conduta da Lei
8.137/90 – o crime é contra a fé pública.
O uso do selo tributário está capitulado no § 1º, II, do artigo supra.
O inciso III do caput deste artigo foi revogado pela Lei 6.538/78, porque esta lei
traz esta conduta especial no artigo 36:
O § 1º, I, deste artigo 293 do CP trata do uso dos documentos em questão. Havendo
falsidade e uso, há absorção daquela por este, ou se trata o uso de um pós fato impunível?
Predomina a segunda tese: é o falso que absorve o uso, e não o contrário.
No § 2º, há a supressão de elemento inutilizador do papel, com o fito de reinseri-los
em uso.
Há, também neste artigo 293 do CP, a mesma discussão sobre a súmula 17 do STJ,
em relação à absorção pelo crime de estelionato. É comum esta dinâmica na casuística em
que o contador recebe dinheiro de cliente para pagar tributos, falsifica guias, não recolhe os
tributos e embolsa o valor: neste caso, há estelionato contra o cliente, absorvido o falso.
Se quem comete exatamente esta mesma falsificação de guias é o próprio
contribuinte, com o fito de enganar o fisco, não se preenche esta tipicidade do CP: o crime
é especial, previsto no artigo 1º, III, da Lei 8.137/90, pois é crime contra a ordem tributária.
Veja:
O que a súmula 17 do STJ deixa claro é que o falso só persiste como tipo autônomo
quando tiver potencialidade lesiva extravasando o crime de estelionato, ou seja, deve haver
antinormatividade material no falsum, além da lesão material.
O artigo 294 do CP incrimina os petrechos de falsificação, e aqui se reprisam
exatamente as mesmas considerações feitas nos crimes de moeda falsa e petrechos de
falsificação de moeda.
“Petrechos de falsificação
Art. 294 - Fabricar, adquirir, fornecer, possuir ou guardar objeto especialmente
destinado à falsificação de qualquer dos papéis referidos no artigo anterior:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.”
Se não houvesse esta tipificação autônoma deste artigo, aquele que assim se
conduzisse estaria incorrendo, possivelmente, em conduta de falsificação de papeis, na
forma de partícipe material. Sendo ele o próprio falsificador, o crime de petrechos é
absorvido.
Casos Concretos
Questão 1
alegando que ele fora vítima de um flagrante preparado, o que tornara impossível a
consumação - se a consumação não ocorreu, ele participou de uma "simulação de
tentativa", de uma farsa, o que exclui a própria tipicidade da conduta. Assiste razão à
defesa? Justifique.
Resposta à Questão 1
Questão 2
TÍCIO foi contratado por CAIO para atuar como seu despachante junto à
JUCERJA deste Estado, de forma a que fossem registradas duas alterações no contrato
social e obtidas as respectivas certidões quanto a isto, importando na prática de quatro
atos junto àquela repartição pública. Para tanto, TÍCIO veio, sem o conhecimento de
CAIO, a adquirir com MÉVIO um equipamento de informática, sendo certo que solicitou a
este a produção, em um disquete em separado, de arquivos que possibilitassem imitar a
autenticação mecânica em guia de recolhimento de emolumentos, e assim foi feito. Nestas
condições, TÍCIO, utilizando-se do arquivo de programa que lhe havia sido preparado por
MÉVIO, falsificou em quatro guias de emolumentos junto à JUCERJA as autenticações
mecânicas correspondentes, embolsando para si o numerário que lhe havia sido destinado
para tanto por CAIO. TÍCIO foi preso em flagrante, no interior da sede daquela repartição
pública estadual, com os documentos contrafeitos, ocasião em que indicou a participação
de MÉVIO, nos limites já acima alinhados. Ambos foram denunciados, sendo o primeiro
por infração ao artigo 293, V, e o segundo no artigo 294, ambos do Código Penal, quanto
à falsidade, respondendo, ainda, TÍCIO, por estelionato, no que concerne ao numerário
que CAIO lhe havia destinado para aqueles pagamentos. Indaga-se:
a) A capitulação legal estaria correta, considerando-se, para tanto, o princípio da
e specialidade e da teoria monista?
b) Existe a prática pelos dois réus de outro crime que, embora não conste da
imputatio delicti, esteja perfeitamente descrito na imputatio facti? Em caso
positivo, como se deveria proceder em sede sentencial?
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema IX
Crimes contra a fé pública II. Falsidade documental. 1) Crimes previstos nos artigos 296 a 305 do CP
(aspectos relevantes):a) Sujeitos do delito; b) Tipicidade objetiva e subjetiva dos principais crimes previstos
nos capítulos. 2) Aspectos controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4) Pena e ação penal.
Notas de Aula9
9
Aula ministrada pelo professor Mendelssohn Kieling, em 18/6/2010.
A lei equipara a documentos públicos alguns documentos que, por natureza, são
particulares, como se vê no § 2º do artigo 297 supra.
A falsidade material, como visto, pode ser operada por contrafação ou alteração do
item falsificado. Há que se ter especial cautela quando a conduta for de alterar, porque pode
estar presente, na verdade, uma falsidade ideológica, e não material. Entenda: a falsidade é
ideológica quando é de conteúdo, o que ocorre, por exemplo, em documento que está
incompleto, em branco, carente de alguma complementação, sendo preciso que deles seja
feito constar algo, ou omitido algo, com o fim de criar algum efeito jurídico.
A contradição entre o que está constando do documento e o que deveria estar é o
que evidencia a falsidade ideológica – contraditio que é vinculada, por óbvio, ao poder de
fazer constar o elemento indevido no documento. Se o agente não conta com este poder de
declarar no documento, e o faz, a sua falsidade não é ideológica: é falsidade material,
porque está produzindo documento materialmente falso.
Veja um exemplo: investidor deixa cheque em branco com alguém, sem permissão
para preenchê-lo, com o intento de demonstrar a terceiros simbolicamente que fará um
determinado investimento. Em outra hipótese, imagine-se que o investidor deixa este
cheque em branco com alguém, com permissão para preencher em valor não superior a dez
mil reais. Se o possuidor do cheque preenche-o, suponha-se, em valor de vinte mil reais, a
tipificação será diferente em cada um dos casos narrados: na primeira hipótese, a falsidade
é material, porque preenche o verbo “alterar”, eis que o cheque era para permanecer em
branco; na segunda, a falsidade é ideológica, porque o cheque não era para permanecer em
branco, mas o valor constante não corresponde ao que deveria constar.
O § 3º do artigo 297 supra há crime de falso ideológico, mesmo que o artigo sedie,
em regra, falso material. Assim o é, por exemplo, quando o agente é competente para
declarar os dados que ali se falseiam, o que é uma das premissas da falsidade ideológica,
como se verá – ser competente para inscrever dados corretos, mas insere dados irreais.
Assim, a falsidade material não é só de documento pronto, materialmente
modificado; é também de documento incompleto, quando alterado. Pelo ensejo, passemos
ao crime de falsidade ideológica propriamente dito.
3. Falsidade ideológica
“Falsidade ideológica
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia
constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser
escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre
fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão
de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime
prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de
registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.”
dinheiro. O documento deve ser incompleto ou em branco para poder ter o conteúdo
determinado pelo falsário.
Segunda premissa baseia-se na contraditio entre a informação que deveria constar
realmente no título e o que está lá colocado pelo falsário. O documento, em si, é
verdadeiro; falso é o complemento ali lançado. Diploma de formação em curso
materialmente falso é documento falso, falsidade material; diploma real com dados falsos
lançados é falso ideológico.
Terceira premissa é que a consignação da informação falsa seja capaz de produzir
efeitos jurídicos, ou seja, que tenha relevo, por si só tendo capacidade de constituir um
novo status jurídico qualquer. Uma declaração falsa, mas que não tem, de per si, aptidão
para produzir qualquer efeito, não é falsidade ideológica.
Quarta premissa é que a falsidade deve ser sobre fato juridicamente relevante.
Declarações falsas sobre fatos irrelevantes não despertam a tipicidade do falsum.
Quinta e última premissa da falsidade ideológica é a capacidade para realizar a
declaração que se falseia: se o agente que declara falsamente é realmente quem deveria ter
declarado corretamente, há falso ideológico; se este falsário não é a pessoa que deveria ter
feito a declaração, mas o faz assim mesmo, e falsamente, é crime de falso material.
Este crime é próprio do tabelião, como dito, porque a falsidade é ideológica, ou seja,
só incide aqui quem tem competência para a prática do ato, e o faz com falsidade. Se
alguém falsifica tais atos, sem ser o tabelião, a falsidade é material, e não incidirá neste
dispositivo, mas no crime material que restar preenchido.
È crime próprio do médico: se quem emite o atestado falso não é apto para tanto –
não é médico – o crime passa a ser de falso material.
O odontólogo pode atestar, mas não está enquadrado neste artigo 302, que é
expressamente dedicado a médico, em sentido estrito. Assim, se o odontólogo atestar
falsamente, ainda será falso ideológico – é apto a atestar –, mas se subsumirá ao dispositivo
genérico, qual seja, o artigo 299 do CP. Ocorre que a pena deste artigo 299 é muito mais
severa, e com isso surge uma quebra de isonomia aberrante: o atestado falso emitido por
médico é muito mais brandamente reprimido do que o emitido por odontologista.
Por conta disso, há que se aplicar, ao odontólogo inserto no artigo 299 do CP, a pena
deste artigo 302. Veja que a tipificação é no artigo 299, mesmo; é apenas a pena deste, por
desproporção, que será descartada, aplicando-se a pena do artigo 302 supra também ao
odontologista.
FORMA ASSIMILADA
Parágrafo único - Incorre nas mesmas penas, quem, para fins de comércio, faz uso
de selo ou peça filatélica de valor para coleção, ilegalmente reproduzidos ou
alterados.”
9. Supressão de documento
“Supressão de documento
Art. 305 - Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em
prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia
dispor:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, se o documento é público, e reclusão,
de um a cinco anos, e multa, se o documento é particular.”
Aqui se enquadra, por exemplo, o contador que retém documentos de seu cliente,
com o fito de com isso exigir seus honorários, mesmo que sejam efetivamente devidos. Da
mesma forma se dá na dissolução societária, em que um sócio oculta consigo documentos
que deveria entregar aos demais.
O verbo destruir, aqui, pode encaminhar a tipificação a outros dispositivos, quais
sejam, os artigos 314, 337 e 356 do CP. Os quatro artigos são semelhantes, se diferenciando
apenas quanto à preponderância do bem jurídico que tutelam, em razão de quem detém o
objeto que é alvo da destruição, e quem é que destrói. Veja:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
embora como regra declarações escritas sejam aptas a provar seu conteúdo, a prova
testemunhal tem forma própria, oral; deste modo, sendo inviável a utilização das citadas
declarações como prova testemunhal, resta ausente a potencialidade lesiva do falso,
requisito necessário à sua tipicidade – o caso é de arquivamento.
Veja o seguinte julgado, constante do informativo 413 do STF:
Tema X
Crimes contra a fé pública III. Outras falsidades. 1) Crimes previstos nos arts. 306 a 311 do CP (aspectos
relevantes):a) Sujeitos do delito;b) Tipicidade objetiva e subjetiva. 2) Aspectos controvertidos. 3) Concurso
de crimes. 4) Pena e ação penal.
Notas de Aula10
10
Aula ministrada pelo professor Mendelssohn Kieling, em 21/6/2010.
Esta falsidade material, hoje, é bastante pouco factível. Sua plana leitura basta para
identificar os detalhes deste crime, dispensando quaisquer comentários.
2. Falsa identidade
“Falsa identidade
Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem,
em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento
de crime mais grave.”
Este delito, por seu turno, é bastante relevante. De início, veja que há uma
contravenção penal bastante semelhante, presente no artigo 68, parágrafo único, da Lei das
Contravenções Penais:
“Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas
as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se
O acusado não se defende de quem ele é, mas sim de fatos a si imputados. Não é
possível entender que haja imunidade à falsa identidade, portanto – mas a corrente persiste.
O artigo 308 do CP é também epigrafado como falsa identidade:
“Art. 308 - Usar, como próprio, passaporte, título de eleitor, caderneta de reservista
ou qualquer documento de identidade alheia ou ceder a outrem, para que dele se
utilize, documento dessa natureza, próprio ou de terceiro:
Pena - detenção, de quatro meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui
elemento de crime mais grave.”
“Art. 309. Votar ou tentar votar mais de uma vez, ou em lugar de outrem:
Pena - reclusão até três anos.”
Aquele que cede documento seu para que outrem use como próprio é também
prevista no artigo 308 do CP. Aquele que seria partícipe no crime do usuário do documento
foi eleito a autor, neste crime, o qual consubstancia uma rara hipótese de exceção à teoria
monista em que as condutas estão descritas no mesmo artigo: transformou-se a figura do
partícipe em autor, sem consignar sua conduta em outro tipo penal, como ocorre nas
exceções dualistas, normalmente.
Vale dizer que, quanto a este que cede, o crime é próprio, somente podendo praticá-
lo o titular do documento cedido.
O falso só se consuma se há potencialidade lesiva; se não há, é atípico, pois toda
mentira é um falso, mas nem todo falso é crime.
Tendo o delegado prendido o sujeito em flagrante, e mentido sobre seus dados
pessoais, sua qualificação, e o Estado ainda puder verificar se tais dados são corretos ou
não – uma mera confrontação da identidade datiloscópica, por exemplo –, não há
potencialidade lesiva na mentira, que é um falso, mas não é crime, portanto.
Supondo-se, em outro exemplo, que em uma blitz dedicada à captura de criminosos,
se o meliante se apresenta com dados falsos, e com isso consegue se evadir, não há crime,
pois o Estado, na figura dos policiais, poderia conferir a veracidade de tais informações
prestadas pelo sujeito – perdendo a relevância a conduta mentirosa, no caso.
O STF, por seu turno, entende que sempre haverá o crime de falso neste caso. O STJ
defende exatamente o oposto: jamais haverá crime de falso, aqui, por estar o sujeito
amparado pelo nemo tenetur se detegere, ínsito à ampla defesa. Veja julgados destas Cortes,
pela ordem:
O MP/RJ defende tese diferente: sendo o interrogatório ato bipartido, com uma
primeira parte exclusivamente servível à identificação e qualificação do acusado, nesta não
está amparado pelo direito de defesa – não pode mentir aqui, pois não está escorado no
postulado da não auto-incriminação; no TJ/RJ, acompanha-se a posição do STJ, com
fundamento somente no nemo tenetur se detegere.
Em síntese, portanto, é fundamental: estabelecer a premissa de que sem
potencialidade lesiva o fato é atípico, e que por isso se a verificação dos dados for possível,
não há tal lesividade na mentira; expor a posição das Cortes maiores, que é: sempre atípico,
para o STJ, por escora na não auto-incriminação, postulado da ampla defesa; sempre típico,
para o STF, porque não há o direito de mentir, cometendo crime de falso, sobre sua
identidade, eis que a defesa, em verdade, é da imputação é dos fatos criminosos, e somente
sobre isso o acusado pode mentir.
Na casuística, portanto, há que se expor as teses, e verificar se há potencialidade
lesiva por não haver modo de a autoridade verificar a veracidade da identificação proferida
pelo agente.
Este crime é de falsidade ideológica, e há certa correlação com o artigo 307 do CP,
com a diferença de se tratar de crime próprio de estrangeiro.
Trata-se de estrangeiro que tem alguma restrição para entrada no Brasil, e por isso
se vale de identidade falsa. Se se tratar de estrangeiro que fora expulso (não o extraditado
ou deportado), o seu reingresso é um crime autônomo, na forma do artigo 338 do CP, que
absorve este crime do artigo 309 do CP:
Sob a mesma epígrafe de fraude de lei sobre estrangeiro, há o crime do artigo 310
do CP:
Este crime foi nitidamente dirigido para incrementar a contenção da escalada dos
crimes de roubo e receptação de veículos automotores: incrimina-se, aqui, o carro dublê.
O artigo se vale de dois verbos – adulterar ou remarcar –, sendo que houve um lapso
legislador ao não consignar expressamente o verbo “raspar”, como o faz o artigo 16,
parágrafo único, IV, da Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento – ao expressamente
mencionar o termo “raspado”:
“Art. 115. O veículo será identificado externamente por meio de placas dianteira e
traseira, sendo esta lacrada em sua estrutura, obedecidas as especificações e
modelos estabelecidos pelo CONTRAN.
§ 1º Os caracteres das placas serão individualizados para cada veículo e o
acompanharão até a baixa do registro, sendo vedado seu reaproveitamento.
§ 2º As placas com as cores verde e amarela da Bandeira Nacional serão usadas
somente pelos veículos de representação pessoal do Presidente e do Vice-
Presidente da República, dos Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados, do Presidente e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos
Ministros de Estado, do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da
República.
§ 3º Os veículos de representação dos Presidentes dos Tribunais Federais, dos
Governadores, Prefeitos, Secretários Estaduais e Municipais, dos Presidentes das
Assembléias Legislativas, das Câmaras Municipais, dos Presidentes dos Tribunais
Estaduais e do Distrito Federal, e do respectivo chefe do Ministério Público e ainda
dos Oficiais Generais das Forças Armadas terão placas especiais, de acordo com os
modelos estabelecidos pelo CONTRAN.
§ 4º Os aparelhos automotores destinados a puxar ou arrastar maquinaria de
qualquer natureza ou a executar trabalhos agrícolas e de construção ou de
pavimentação são sujeitos, desde que lhes seja facultado transitar nas vias, ao
registro e licenciamento da repartição competente, devendo receber numeração
especial.
§ 5º O disposto neste artigo não se aplica aos veículos de uso bélico.
§ 6º Os veículos de duas ou três rodas são dispensados da placa dianteira.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Em sentido contrário:
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema XI
Crimes contra a Administração Pública I. Crimes praticados por funcionário público contra a administração
em geral (primeira parte).1) Considerações gerais:a) Definição e evolução histórica. Conceito de
Administração Pública. Bem jurídico tutelado;b) Conceito de funcionário público (art. 327 do CP).2) Crimes
previstos nos artigos 312 a 318 do Código Penal:a) Sujeitos do delito;b) Tipicidade objetiva e subjetiva. 3)
Aspectos controvertidos. 4) Concurso de crimes. 5) Pena e ação penal.
Notas de Aula11
11
Aula ministrada pelo professor Mendelssohn Kieling, em 21/6/2010.
“Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no
Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI,
Capítulo I):
I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a
guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente,
acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;
II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela,
vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou
cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão,
de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração
fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1
(um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
Mas veja que não é efeito automático, devendo ser motivado, na forma do parágrafo
único. No caso de condenação pelo crime de tortura, no entanto, a perda do cargo é, sim,
automática, como se vê no artigo 1º, § 5º, da Lei 9.455/97:
Na Lei 7.716/89, por fim, vem a última previsão de perda automática do cargo, nos
crimes resultantes de preconceito de raça ou cor:
“Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para
o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular
por prazo não superior a três meses.”
Outro efeito possível dos crimes funcionais é o que vem previsto no artigo 56,
remetendo ao artigo 47, I, ambos do CP: a interdição temporária de direitos. Veja:
Ressalte-se que estes efeitos não são penas, mas sim o que o próprio nomen juris
diz: são efeitos da condenação. Há um caso, porém, em que a perda do cargo é a própria
pena: trata-se do crime de abuso de autoridade, da Lei 4.898/65, no artigo 6º, § 3º, “c”:
“Funcionário público
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função
em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço
contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração
Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos
neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou
assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista,
empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei nº
6.799, de 1980)”
Na vigência da redação anterior desse artigo, houve muita discussão sobre o real
alcance do conceito, especialmente sobre a definição do funcionário público equiparado, do
§ 1º. Com a redação atual, a doutrina majoritária apregoa que se adotou a interpretação
extensiva deste conceito de funcionário público equiparado, porque o § 1º estabelece que
haja exigência de que o indivíduo exerça atividade típica da administração apenas nos casos
de terceirizados e conveniados ao Poder Público; para os demais, pessoas em exercício em
entidades paraestatais e na administração indireta, a equiparação é incondicionada.
Por fim, vale mencionar que a rigor, uma correlação é inegável: todos os crimes
funcionais são também tipicamente atos de improbidade. É discutível a ocorrência de bis in
idem, mas a correlação entre o fato típico penal e o tipo ímprobo existe.
Passemos, agora, ao estudo dos crimes em espécie.
2. Peculato
“Peculato
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro
bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou
desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse
do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em
proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a
qualidade de funcionário.
Peculato culposo
§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
§ 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença
irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena
imposta.”
Estes crimes estão inseridos aqui por serem contra a administração, mas em
absolutamente nada pertinem ao artigo 313 do CP, peculato-estelionato.
É preciso fazer distinção entre o crime do artigo 213-A supra e o do artigo 325, § 1º,
do CP:
O artigo supra é geral diante do artigo 3º, I, da Lei 8.137/90: se os livros extraviados
são da administração tributária, o crime é deste artigo abaixo:
“Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no
Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI,
Capítulo I):
I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a
guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente,
acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;
(...)”
Quando o particular detém o documento público de que não pode dispor, e o faz, o
crime é o do já visto artigo 305 do CP:
“Supressão de documento
Art. 305 - Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em
prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia
dispor:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, se o documento é público, e reclusão,
de um a cinco anos, e multa, se o documento é particular.”
No artigo 315, o crime imputa o agente que, dispondo da verba para determinada
despesa pública, realiza despesa diversa – ou seja, gasta o que pode, mas em coisa diversa
da legalmente imposta (desrespeitando a lei de diretrizes orçamentárias, por exemplo).
O crime do artigo 1º, III, do DL 201/67 é especial em relação ao artigo 315 do CP,
quando o agente é prefeito:
Este tipo penal do artigo 315 do CP não deve ser confundido com os crimes dos
artigos 359-A a 359-H do CP. Nestes, o agente contrai obrigações superiores ao erário de
que dispõe, em diversas modalidades – enquanto no artigo 315, como visto, há averba, mas
aplicada de forma ilegal. Pelo ensejo, vale a pena a simples leitura de todos os artigos
mencionados:
Art. 359-G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa
total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da
legislatura: (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000))
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 10.028, de
2000)”
Os crimes dos artigos 316 e 317 do CP são mais bem abordados em conjunto:
“Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da
função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
Excesso de exação
§ 1º - Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria
saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou
gravoso, que a lei não autoriza: (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de
27.12.1990)
§ 2º - Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu
indevidamente para recolher aos cofres públicos:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.”
“Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
10.763, de 12.11.2003)
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o
pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com
infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
Desde logo, aponte-se artigo especial em relação a estes supra, o 3º, II, da Lei
8.137/90:
“Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no
Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI,
Capítulo I):
(...)
“Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
10.763, de 12.11.2003)
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo
dever funcional.”
O que se passa é que se o agente exige ou solicita vantagem, não há condição lógica
de que o particular possa incidir nas condutas do artigo supra, não tendo como oferecer ou
prometer vantagem. Aquele que é exigido ou solicitado é também vítima do delito, se cede
à exigência ou solicitação criminosa.
Se o administrado oferecer uma contraproposta, porém, a situação se inverte. Se,
tendo sido dele exigido ou solicitado um valor, oferece outro menor, estará cometendo,
agora sim, a corrupção ativa.
O ato de ofício prometido pela vantagem não precisa ser predeterminado, podendo
ser um ato cuja definição ainda esteja por vir. Somente por isso é que é possível que o
agente cometa o crime antes mesmo de estar na função, como permitem os artigos 316 e
317 do CP.
Há uma controvérsia sobre a necessidade de que a vantagem seja econômica, pois
há autores que sustentam que pode ser até mesmo uma vantagem moral. Predomina, porém,
a necessidade de vantagem econômica. De qualquer forma, deve ser vantagem indevida.
O excesso de exação, previsto no § 1º do artigo 316, supra, é a cobrança de tributo
indevido, ou, mesmo que devido, cobrado de forma vexatória. Vale ressaltar que este crime
não é crime tributário, contra a ordem tributária, porque não prejudica o erário – ao
contrário, arrecada-se mais, até. Se o funcionário se apropria da diferença, estará incurso no
§ 2º deste dispositivo.
Os verbos receber ou aceitar vantagem são necessariamente correspondentes à
prática, por outrem, do artigo 333 do CP, pois sem promessa ou oferta não há o que receber
ou aceitar. Por isso, chama-se este crime do artigo 316 de delito de encontro bilateral, mas
note que a recíproca não é verdadeira: a oferta ou promessa, do artigo 333 do CP, se
consuma quer haja aceitação ou não.
O crime do artigo 317, § 2º, não se confunde com o do artigo 319 do CP:
“Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-
lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.”
A prevaricação tem móvel íntimo: o agente quer atuar desta forma por vontade
própria, e não por motivação dirigida por um terceiro, corruptor, como no caso do artigo
317.
O § 1º qualifica o artigo 317 do CP, e é chamado de concussão ou corrupção
imprópria, porque, em verdade, não prejudica efetivamente a administração, mas ainda
assim ofende-a na sua moralidade.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Não, pois o funcionário induziu Paulo em erro e, na hipótese prevista no artigo 313
do CP, o erro deve ocorrer espontaneamente, sendo fruto de uma representação mental que
não corresponde à realidade. Conforme ensina o Prof. Luiz Regis Prado, in “Curso de
Direito Penal Brasileiro”, vol. 4, pág. 349, 2ª Ed., RT: São Paulo, “trata-se de uma
contradição entre a verdade aparente e o fato”. Assim, o funcionário deve responder por
estelionato (artigo 171, caput, CP), pois é nesse dispositivo da Lei Penal que sua conduta
encontra tipicidade.
Questão 3
Resposta à Questão 3
A vantagem sendo devida, como era, não permite que haja o crime que foi
imputado. Por isso, o crime seria o de abuso de autoridade, na forma do artigo 3º, “a”, da
Lei 4.898/ 65:
O crime seria de exercício arbitrário das próprias razões, mas como o abuso de
autoridade é especial e mais grave, é estas a capitulação.
Tema XII
Crimes contra a Administração Pública II. Crimes praticados por funcionário público contra a
administração em geral (segunda parte).1) Crimes previstos nos artigos 319 a 326 do Código Penal. a)
Sujeitos do delito;b) Tipicidade objetiva e subjetiva. 2) Aspectos controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4)
Pena e ação penal.
Notas de Aula12
1. Prevaricação
“Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-
lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal:
12
Aula ministrada pelo professor Ricardo Ribeiro Martins, em 22/6/2010.
“Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
10.763, de 12.11.2003)
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o
pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com
infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
2. Condescendência criminosa
“Condescendência criminosa
Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado
que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não
levar o fato ao conhecimento da autoridade competente:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.”
Este crime nada mais é do que uma forma mais branda de prevaricação. Aqui, há
negativa de efetivação da prática de ato específico de ofício – o ato punitivo ou
comunicação de infração a quem deva punir – , e o sentimento pessoal também é
específico, qual seja, a indulgência, piedade, compaixão – sentimento este que reduz a
reprovabilidade desta prevaricação especial, perante a comum.
Repare que se deixar de agir como determina o artigo supra – deixa de punir ou
comunicar – mas a motivação não é a pura indulgência, o crime é de prevaricação comum.
Omissivo próprio, este crime não admite tentativa, pela unisubsistência da conduta.
A comunicação deve ser imediata, segundo as normas administrativistas, e por isso
qualquer demora injustificada em punir ou comunicar já pode consumar o crime em tela.
3. Advocacia administrativa
“Advocacia administrativa
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a
administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.”
“Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no
Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI,
Capítulo I):
(...)
III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração
fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1
(um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
4. Violência arbitrária
“Violência arbitrária
Art. 322 - Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à
violência.”
A doutrina em peso, quase unânime, entende que este artigo restou revogado pelo
artigo 3º, “i”, da Lei 4.898/65:
“HC 48083 / MG. HABEAS CORPUS. Relatora Ministra LAURITA VAZ. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 20/11/2007. Data da
Publicação/Fonte: DJe 07/04/2008
Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. ARTIGO 322 DO CÓDIGO PENAL.
CRIME DE VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA. EVENTUAL REVOGAÇÃO PELA
LEI N.º 4.898/65. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES DO STF.
1. O crime de violência arbitrária não foi revogado pelo disposto no artigo 3º,
alínea "i", da Lei de Abuso de Autoridade. Precedentes da Suprema Corte.
2. Ordem denegada.”
Voto: De início, cumpre asseverar que, ao contrário do contido na manifestação
ministerial, não há supressão de instância na presente hipótese. É que, tratando-se
de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido no julgamento de recurso de
apelação, ocorre o efeito devolutivo amplo, ou seja, é prescindível constar
expressamente no aresto a tese defendida na impetração.
Feita a ressalva, observa-se que o objeto da presente impetração diz respeito à
alegação de que, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias, têm se
manifestado pela completa absorção do tipo do artigo 322 do Código Penal, cuja
pena máxima é de três anos, pelo artigo 3º, alínea "i", da Lei de Abuso de
Autoridade, que tem o limite de seis meses de reclusão.
Tal alegação, contudo, não merece acolhida.
Com efeito, a violência arbitrária, tipificada no art. 322 do Código Penal ("Praticar
violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la"), é entendida como
aquela ilegalidade do funcionário público que, violando o Direito da
Administração Pública, age arbitrariamente, isto é, sem autorização de qualquer
norma legal que lhe justifique a conduta, contra o cidadão. E, por sua vez, não está
compreendida no "atentado à incolumidade física do indivíduo", previsto na alínea
i, do art. 3º, da Lei n. 4.898⁄65, norma referente ao abuso de autoridade ou
exercício arbitrário de poder, pela qual o funcionário, ao executar sua atividade,
excede-se no Poder Discricionário, que facultaria a escolha livre do método de
execução, ou desvia, ou foge da sua finalidade, descrita na norma legal que
autorizava o Ato Administrativo, ocorrendo aí uma lesão de direito que no campo
penal toma forma de abuso de poder ou exercício arbitrário de poder.
A corroborar tal entendimento, calha trazer à colação a lição apresentada por RUI
STOCCO, in verbis:
"(...) No que concerne à revogação do art. 322 do CP pela alínea ‘i' do art. 3º da Lei
4.898, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que tal não ocorreu, como se verá
adiante. (...) Há acirrada discussão jurisprudencial quanto a estar, ou não, revogado
o art. 322 do CP⁄40 pela Lei 4.898⁄65, art. 3º, ‘i'. Em lapidar voto vencedor, o Juiz
Roberto de Rezende Junqueira (Rec. 49.547, de S. Paulo, julgado em 27.9.73) traz
a lume os seguintes esclarecimentos que, em parte, transcrevemos: ‘Todo ato
administrativo, por princípio, é discricionário, por que a Administração Pública
deve manter-se nos princípios da legalidade, a fim de que o Estado, que tutela o
direito, não venha a ser o primeiro a desrespeitar as regras de que tem sob custódia.
‘O Poder Discricionário, que o justifica, caracteriza-se, ensina Pinto Ferreira (RDP
21⁄24), por uma certa margem de livre escolha entre as várias possíveis soluções ou
por um elenco de resoluções válidas, no limite da lei; neste caso o Código de
Processo Penal. ‘Desse modo dir-se-á que a atividade discricionária do funcionário
público somente é lícita quando há uma norma ou ordem legal que tenha criado
aquela possibilidade de escolha, sempre presente na execução das normas
administrativas, que sofrem as contingências acidentais decorrentes do momento,
das pessoas e das coisas. ‘Não obstante, casos há em que o funcionário, ao
executá-la, excede-se no Poder, ou desvia, ou foge da sua finalidade, ocorrendo aí
uma lesão de direito que no campo penal toma forma de abuso de poder. ‘Essa
figura, nessas condições, pressupõe em primeiro lugar a existência de norma legal
que autorizava o Ato Administrativo; em segundo, o Poder Discricionário, que
facultaria o funcionário a escolher livremente o método de execução e, finalmente,
a escolha que fez, consciente e voluntariamente, excedendo-se, desviando o poder
conferido ou a finalidade do ato. ‘O crime em apreço, outrora definido pelo art.
350 do CP, difere-se da ‘violência arbitrária' definida no mesmo estatuto legal, no
art. 322, porque neste último o funcionário público, violando o Direito da
Administração Pública, age arbitrariamente, isto é, sem autorização de qualquer
norma legal que lhe justificasse a conduta. ‘Nesta última hipótese o réu impõe a
sua vontade, desvinculada de qualquer forma lícita, para praticar violência no
exercício da função ou a pretexto de exercer. ‘O art. 350, acima citado, foi
inteiramente substituído pela Lei 4.898, permanecendo vigente e na sua própria
redação, o art. 322 do dito CP. ‘A jurisprudência, porque não distinguiu com
precisão o ato discricionário, que informa o primeiro, do ato arbitrário, que é o
fulcro do segundo, tem entendimento que essa nova lei também revogara o mesmo
Código na parte concernente ao crime de violência arbitrária. ‘O signatário desse
voto também se confundira a esse propósito, conforme se verifica do JUTACRIM
XIX⁄330 e 331; porém, não é tarde para rever a matéria, decidindo e concluindo de
acordo com o Supremo Tribunal Federal que, nos arestos constantes da RTJ
54⁄304, 56⁄131 e 62⁄266, conclui que o art. 322 do CP não foi revogado pela Lei
4.898⁄65. ‘Disse o Min. Oswaldo Trigueiro, no RE 73.914 de S. Paulo: ‘Não estou
convencido que tenha ocorrido esse fenômeno (o da revogação)' em abono ao que
já fora dito em outra oportunidade: ‘A legislação brasileira não confundiu os
crimes de violência arbitrária com os de abuso de poder; este está definido no
capítulo dos crimes contra a administração da justiça, enquanto que aquele se
encontra entre os delitos praticados por funcionário contra a Administração (RTJ
56⁄131)' (Cf. Juricrim - Franceschini 2⁄126-127). A argumentação do Supremo
Tribunal Federal é no sentido de que o art. 322 do CP não foi revogado pela Lei
4.898⁄65. Afirma que na legislação penal brasileira não se confundem os crimes de
violência arbitrária e de abuso de poder. O crime de abuso de poder está definido
no art. 350 do CP, no capítulo dos crimes contra a administração da justiça. O art.
322, que descreve a violência arbitrária, se encontra entre os delitos praticados por
funcionário público contra a Administração em geral, sendo que a violência deve
ser cometida no exercício de função ou a pretexto de exerce- la. Pode ser
constituída por vias de fato, lesões corporais ou homicídio. Ora, esse crime, punido
além da sanção, corresponde à violência (lesão corporal ou homicídio), com
detenção de seis meses a três anos, não absorvido pelo de abuso de autoridade
previsto na Lei 4.898, cuja pena detentiva é de dez dia a seis meses. Além disso, a
Lei nova não revogou expressamente o art. 322, com ele não é incompatível e nem
regulou exaustivamente o que ele dispunha. E os comentadores mais recentes do
Código Penal vigente não fazem referência à revogação da norma descritiva da
violência arbitrária. Esse entendimento do Supremo Tribunal Federal é minoritário
na jurisprudência estadual. Em S. Paulo, as seis Câmaras do Tribunal de Alçada
Criminal, embora haja divergência a respeito da questão do abuso de autoridade
com lesão corporal, entendem que o art. 322 do CP se encontra revogado pela Lei
4.898⁄65. (Cf. Revista Justitia - Jurisprudência, do Ministério Público de São
Paulo, vol. I⁄15, 1975). E. Magalhães Noronha, discorrendo sobre o delito de
de violência arbitrária não foi revogado pelo disposto no artigo 3º, alínea "i", da
Lei de Abuso de Autoridade. Confira-se:
"CRIME DE VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA. O ART. 322 DO CÓDIGO PENAL
NÃO FOI REVOGADO PELA LEI 4.898⁄65. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO." (RE n.º 73.914⁄SP, Rel. Min. OSWALDO TRIGUEIRO, 1ª Turma, DJ
de 11⁄08⁄1972.)
"HABEAS CORPUS. EMENDATIO LIBELLI. SÚMULA 453. ABUSO DE
AUTORIDADE. VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA. 1. A SÚMULA 453 REFERE-SE A
HIPÓTESE DE MUTATIO LIBELLI E NÃO A DE EMENDATIO LIBELLI. 2.
EVENTOS CONFIGURADORES DE ABUSO DE AUTORIDADE E DE
VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA QUE SE REVELAM DISTINTOS,
AUTORIZANDO A CONDENACÃO POR AMBOS OS DELITOS." (HC n.º
63.612⁄GO, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, 2ª Turma, DJ de 25⁄04⁄1986.)
"HABEAS-CORPUS - A DECRETAÇÃO DA EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE, PELA PRESCRIÇÃO, OU OUTRA CAUSA, NÃO SE
CONFUNDE COM O SIMPLES ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
POLICIAL, POR FALTA DE ELEMENTOS PARA A DENUNCIA. NAQUELA
HIPÓTESE O JUIZ OU O TRIBUNAL PODERÁ DECRETAR, OU NÃO A
PRESCRIÇÃO. A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME, DEPENDENTE DE
AMPLO EXAME DA PROVA, E INSUSCETÍVEL DE APRECIAÇÃO EM
HABEAS-CORPUS. NAO FOI ABSORVIDA A FIGURA DA VIOLÊNCIA
ARBITRÁRIA, DO ART. 322 DO CÓDIGO PENAL, PELO CRIME DE ABUSO
DE AUTORIDADE DA LEI 4.898, DE 9.12.1965." (HC n.º 47.837⁄GO, Rel. Min.
ELOY DA ROCHA, 2ª Turma, DJ de 18⁄09⁄1970.)
No mesmo sentido, aliás, é o parecer ministerial:
"[...] após a edição da Lei n.º 4.898⁄65 instaurou-se, inequivocamente, o conflito
aparente de normas, que à jurisprudência coube solucionar.
Hoje, quarenta anos após o advento da Lei Específica, persiste a controvérsia
quanto ao entendimento jurisprudencial no sentido de se saber se foi ou não
revogado pela Lei Nova, o artigo 322 do Código Penal.
A Lei n.º 4.898⁄65 define os crimes de abuso de autoridade, prevendo como ilícito
qualquer atentado à incolumidade física individual. diante desse diploma legal,
passou-se a questionar se ainda vige o art. 322, do Código Penal. Neste sentido
esclarece Júlio Fabrini Mirabete, em sua obra Código Penal Interpretado, Atlas,
2005, pág. 2384: 'Embora já se tenha decidido pela não-revogação do referido
dispositivo do estatuto básico, não mais tem sido ele aplicado por se entender que
prevalece agora a lei especial, tanto que não se tem mais notícias de processos com
fundamento no art. 322, mas sim com base na lei de abuso de autoridade.'
Dessa forma, a doutrina, de modo geral, afirma a revogação, a jurisprudência dos
tribunais na sua maioria, também. No entanto, remanesce incontestável, até este
momento, o posicionamento em contrário do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, a Lei n.º 4.898⁄95 foi criada com o objetivo de aumentar o campo de
incidência da repressão penal aos funcionários públicos que exercem suas
atribuições fora dos parâmetros da legalidade e não para criar condições de
impunidade." (fls. 41⁄42)
Ante o exposto, DENEGO A ORDEM.
É como voto.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora.”
5. Abandono de função
“Abandono de função
Art. 323 - Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
§ 1º - Se do fato resulta prejuízo público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 2º - Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.”
Vale mencionar que se quem pratica o ato for um funcionário público, mas em cargo
que lhe é completamente alheio, estará incurso no crime supra, eis que é, aqui, tratado
como um particular qualquer. Por exemplo, o promotor de justiça que se senta na cadeira do
juiz e profere sentença.
Uma ressalva que se deve fazer em relação a este crime do artigo 324 do CP (e que
vale também para o artigo 328, supra), é que se o agente tem a clara intenção de ajudar a
administração pública, não haverá o crime. Se produz o ato antes de poder fazê-lo, ou após
perder atribuição, mas com intenção de colaborar com a administração, estará ausente o
dolo de exercer ilegalmente a função pública.
O crime não precisa de efetivo dano para se consumar, bastando o risco de
desordenar a administração pública.
O funcionário público que tem ciência de dados sigilosos deve mantê-los assim, não
podendo revelá-los ou facilitar que sejam revelados.
O sigilo é determinado em lei, sendo incidente no crime, por exemplo, aqueles que
liberam questões de prova de concurso público. A rigor, poderia haver subsunção à
prevaricação, mas há o tipo específico acima, que prevalece.
Há ainda outras normas extravagantes que predominam, por serem ainda mais
específicas, como o artigo 94 da Lei 8.666/93; o artigo 10 da LC 105/ 01; os artigos 13, 14
e 21 da Lei 7.170/83; e o artigo 144 do CPM:
“Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei
Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um
a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo
de outras sanções cabíveis.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar
injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos
desta Lei Complementar.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Tema XIII
Crimes contra a Administração Pública III. Crimes praticados por particular contra a administração em
geral. 1) Crimes previstos nos artigos 328 a 337-D do CP. a) Sujeitos do delito;b) Tipicidades objetiva e
subjetiva. 2) Aspectos controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4) Pena e ação penal.
Notas de Aula13
funcionário público como autor o conceito é amplo (havendo quem entenda que é restrito
também no pólo ativo), no caso do crime praticado pelo particular, o conceito de
funcionário é restrito. Mas aqui, igualmente, há duas correntes, havendo quem defenda que
se aplica o § 1º do artigo 327 do CP também neste capítulo. A questão ainda é bastante
controvertida.
Veja o RE 107.813 e o HC 79.823 do STF:
“RE 107813 / RJ - RIO DE JANEIRO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator
Min. FRANCISCO REZEK. Julgamento: 14/03/1986. Órgão Julgador: Segunda
Turma. Publicação: DJ 11-04-1986.
Ementa: FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DIRIGENTE DE SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA. SUJEITO PASSIVO DE DELITO CONTRA A HONRA.
ALCANCE DO ART-327, PAR-1. DO CÓDIGO PENAL. E QUANDO MENOS
RAZOAVEL E ENTENDIMENTO DE QUE A EQUIPARAÇÃO ESTATUIDA
NO ART-327,PAR-1.DO CÓDIGO PENAL NÃO ALCANCA O SERVIDOR
SENAO QUANDO SUJEITO ATIVO DE DELITO. DISSIDIO DOUTRINARIO.
HIPÓTESE DE NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO EXTREMO.”
Como já se viu, pode o próprio funcionário público praticar este crime, desde que
usurpe a função pública de outro funcionário público, praticando ato de oficio de outro
funcionário, alheio a suas atribuições.
É crime comissivo plurisubsistente, podendo ser tentado.
Não há crime se o intento do agente, ao praticar o ato de oficio, o faz para ajudar a
administração pública. O dolo deve ser de perturbar a administração.
O parágrafo único do artigo 328 conflita com o estelionato, mas prevalece sobre o
artigo 171 por ser especial, e mais grave.
Os crimes dos artigos 329, 330 e 331 do CP são mais bem estudados em conjunto:
“Resistência
Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a
funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:
Pena - detenção, de dois meses a dois anos.
§ 1º - Se o ato, em razão da resistência, não se executa:
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 2º - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à
violência.”
“Desobediência
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”
“Desacato
Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.”
O crime do artigo 332 é bastante similar ao do artigo 357 do CP, mudando apenas o
tipo de agente público que é alvejado, e o capítulo em que se situa. Por isso, mesmo com
estas diferenças, ao tratar do tráfico de influência, pode-se reprisar as informações para o
crime de exploração de prestígio, com as devidas adaptações:
“Exploração de prestígio
Art. 357 - Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de
influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito,
tradutor, intérprete ou testemunha:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo único - As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega ou insinua
que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas
neste artigo.”
Se o estelionatário especial destes artigos alega para a vítima que a vantagem que
está pretendendo também favorecerá o próprio funcionário de quem provirá o ato, a pena é
mais alta, como se vê no parágrafo único de cada artigo.
As penas dos artigos supra são diferentes por um puro erro legislativo: na reforma
do artigo 332, se esqueceram de reformar também o artigo 357.
5. Corrupção ativa
“Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
10.763, de 12.11.2003)
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo
dever funcional.”
“Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
10.763, de 12.11.2003)
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o
pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com
infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
se admite. E, mais que isso, o legislador não colocou o verbo dar no crime em questão
propositalmente, porque esta conduta pode ser passiva na prática, como no caso em que
corresponde à solicitação iniciada pelo funcionário, e neste caso o particular não comete
mesmo o crime – a corrupção é ativa, do particular, tendo ele que ser o iniciador da
conduta.
Veja que no artigo 337-B do CP o legislador adotou postura diferente, fazendo dali
constar a conduta de dar expressamente. Assim, a maior prova da atipicidade do ato de dar
no artigo 333 é a previsão expressa de tal conduta no artigo 337-B:
Outra distinção está no momento da prática do ato que se quer que o funcionário
realize. Magalhães Noronha tem uma frase bastante elucidativa: a corrupção ativa é
“oferecer para que se faça, e não oferecer por que se fez”. Explique-se: se o particular não
promete ou oferece a vantagem antes do ato, para que o funcionário o efetue, mas sim após
a prática deste ato, não há corrupção ativa. A mera recompensa posterior ao ato, por
gratidão, não é crime, nem do particular nem do funcionário – recaindo este, porém, na lei
de improbidade.
O crime do artigo 337-B supriu uma lacuna legal que existia até então: a corrupção
de funcionário estrangeiro não era conduta típica para o particular, sendo que o funcionário
estrangeiro era punido pelas regras de seu próprio país. Hoje, a corrupção ativa de
funcionário público estrangeiro, nos moldes ali previstos – apenas em transação comercial
– é crime do particular, sendo a estrutura deste crime similar á da corrupção ativa comum.
Veja que se a corrupção é de funcionário público estrangeiro que nada tem a ver com
transações comerciais, não há crime do particular.
Há ainda que se mencionar a corrupção ativa especial do artigo 343 do CP, além da
do artigo 337-B, supra. Veja:
6. Contrabando ou descaminho
“Contrabando ou descaminho
Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o
pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo
de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 1º - Incorre na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 4.729, de
14.7.1965)
a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei; (Redação
dada pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho; (Redação
dada pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em
proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial,
mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou
importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no
território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; (Incluído
pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de
atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira,
desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que
sabe serem falsos. (Incluído pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
§ 2º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer
forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive
o exercido em residências. (Redação dada pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
§ 3º - A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é
praticado em transporte aéreo. (Incluído pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965).”
“HC 120586 / SP. HABEAS CORPUS. Relator Ministro NILSON NAVES. Órgão
Julgador - SEXTA TURMA. Data do Julgamento: 05/11/2009. Data da
Publicação/Fonte: DJe 17/05/2010.
Ementa: Contrabando (condenação). Bolsas e porta-maquiagens (marca
contrafeita). Território nacional (ingresso). Crime (consumação/tentativa). Pena-
base (cálculo). Habeas corpus (correção da pena).
1. Há vozes, e de bom tempo, por exemplo, a de Fragoso nas "Lições", segundo as
quais, "se a importação ou exportação se faz através da alfândega, o crime somente
estará consumado depois de ter sido a mercadoria liberada pelas autoridades ou
transposta a zona fiscal".
2. Assim, também não há falar em crime consumado se as mercadorias destinadas
aos pacientes foram, no caso, apreendidas no centro de triagem e remessas postais
internacionais dos correios.
O descaminho, por seu turno, é crime de natureza tributária, pois se trata justamente
de iludir a administração tributária na entrada ou saída de item que é permitido e tributado
na transação comercial. É um crime de sonegação fiscal, e por isso se submete à sistemática
dos crimes tributários, como se vê no HC 48.805 do STJ:
Repare que para ser crime, não basta o mero inadimplemento do tributo. É preciso o
engodo, a fraude ao fisco, para que haja repercussão penal – como indica o verbo “iludir”
do artigo em tela.
Há que se mencionar aqui o entendimento do STF, bastante estranho, que reputa que
o crime comporta bagatela, e mais, até a quantia de dez mil reais. O problema é que o
Estado não acha irrelevante esta quantia sonegada: ele quer obter este valor, mas apenas
não tem estrutura para cobrar tal quantia sem prejudicar a própria máquina. O STJ, mais
corretamente, entendia que a bagatela era até cem reais – quando o crédito fica extinto, e
não suspenso, como no caso dos dez mil; todavia, com o posicionamento do STF, o STJ
acabou por seguir a tese absurda da Suprema Corte, mudando seu entendimento – também
entende bagatelar o crime tributário até dez mil reais. Veja o julgado abaixo:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
EDILSON foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 334, caput,
do Código Penal. Contra a decisão que recebeu a denúncia, a defesa de EDILSON
impetrou habeas corpus, objetivando o trancamento da ação penal por falta de justa
causa, já que a tributação perfaz o valor de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) e a
conduta do paciente é amplamente aceita nos grandes centros urbanos. Argumento
reforçado, inclusive, pelo fato de o mesmo se achar desempregado, lutando por sua
sobrevivência. Também suscitou a questão de que o paciente já teria sofrido sanção
administrativa (apreensão do bem).Os autos foram conclusos. Você, na qualidade de juiz
da causa, como decidiria? A resposta deve ser fundamentada e as controvérsias devem ser
descompatibilizadas com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
a) A classificação empreendida pelo MP não está correta porque, neste caso, não se
configurou o crime autônomo de resistência, cujo bem jurídico vem a ser a própria
administração pública. Conquanto exista dissenso doutrinário e jurisprudencial a
respeito do tema, a nosso sentir, o melhor posicionamento é no sentido de
reconhecer-se que a resistência realizada foi cometida para possibilitar a
consumação do crime de roubo, não tendo havido, portanto, o crime autônomo
praticado contra o Estado. Além disso, igualmente, o roubo não se consumou, uma
vez que os ladrões não mantiveram sobre o objeto material do delito, uma posse
mansa e pacífica, ainda que transitória.
b) Se, ao contrário, a perseguição tivesse se iniciado posteriormente à consumação
do delito, aí sim haveria concurso material com crime de roubo circunstanciado.
c) Caso a perseguição tivesse sido empreendida por particulares, não haveria crime
de resistência, haja vista que o sujeito passivo principal é o Estado e, o secundário, é
o funcionário competente. No crime em exame, portanto, o particular somente
poderá ser sujeito passivo do crime se estiver auxiliando o funcionário competente
para executar uma ordem legal.
Tema XIV
Crimes contra a Administração Pública IV. Crimes contra a administração da justiça. 1) Crimes previstos
nos artigos 338 a 359 do CP. a) Sujeitos do delito;b) Tipicidade objetiva e subjetiva. 2) Aspectos
controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4) Pena e ação penal.
Notas de Aula14
3. Denunciação caluniosa
“Denunciação caluniosa
Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial,
instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:
(Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de
nome suposto.
§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.”
“Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente
público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o
denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.”
O artigo 19 supra ainda subsiste: seu enquadramento é especial apenas nos casos em
que o fato comunicado for exclusivamente ato de improbidade, ou seja, não for crime que
consubstancia improbidade. Sendo crime e improbidade, a tipicidade é a do artigo 339 do
CP; sendo a imputação falsa de um fato que se define unicamente como ato de
improbidade, e não crime, a capitulação do denunciante é no artigo 19, supra.
Por conta da previsão de investigações administrativas no artigo 339 do CP, a
representação caluniosa contra algum servidor público que leve à instauração de processo
administrativo consiste no crime de denunciação caluniosa.
Se em decorrência da denunciação caluniosa forem instaurados dois procedimentos
investigativos ou mais, há um só crime, pois o bem jurídico é a administração da justiça. A
pena será majorada, decerto, pelas consequências do delito, mas o crime é único.
A denunciação caluniosa absorve a calúnia praticada no mesmo contexto, pois trata-
se de um crime pluriofensivo, que já atinge a honra quando cometido, nestes moldes
caluniosos. Já a difamação e a injúria não seriam absorvidas, porque são modos diversos de
ataque ao bem jurídico e não são meios de execução da denunciação caluniosa. Há que se
atentar, porém, que se as ofensas à honra forem cometidas todas num mesmo ato, prevalece
a denunciação caluniosa somente.
Para que a denunciação seja considerada efetivamente caluniosa, é necessário que o
inquérito aberto em razão da denunciação tenha sido arquivado, ou não há esta relação de
prejudicialidade concreta? Aqui se observa novamente a controvérsia acerca da
consumação deste crime, com as quatro correntes já mencionadas mantendo suas posições.
Vejamos.
Hungria defende que mesmo que a existência de inquérito não seja fundamental
para consumar o delito, não existindo a prejudicialidade, é preciso que, se instaurado, seja
arquivado, para o fim de evitar contradições teratológicas, pois pode acontecer, por
exemplo, de haver a condenação por denunciação caluniosa, e o inquérito que esta originou
contra o caluniado findar depois, azoar ação penal, e haver condenação – absurdo dos
absurdos.
Mirabete entende que não há qualquer prejudicialidade, porque o crime de
denunciação pode ser provado por qualquer meio, e não apenas pela extinção do inquérito.
É posição estranha, pois ignora a ponderação de Hungria sobre as possíveis decisões
contraditórias que podem vir a ocorrer.
Capez defende que não é preciso o arquivamento, e que de fato podem haver
decisões contraditórias, mas mesmo assim não se pode reputar que haja prejudicialidade. É
posição igualmente estranha.
Pierangelli, por fim, entende que o inquérito pode prosseguir, pode haver denúncia,
mas não poderá haver sentença contra o denunciante até que haja a apuração da imputação
que ele fez ao supostamente caluniado.
O ideal, em relação à denunciação caluniosa, é aguardar o arquivamento do
inquérito ou a absolvição do acusado pelo denunciador, evitando assim que haja decisões
contraditórias.
Denúncia anônima pode ser meio para a prática do crime de denunciação caluniosa?
A resposta passa por saber se a denúncia anônima pode gerar instauração de procedimento
investigativo. O ministro Marco Aurélio entende que como a CRFB veda o anonimato, é
inadmissível a instauração de inquérito para apurar denúncia anônima, mas não é posição
razoável. Hungria defende que a autoridade pública não pode deixar de investigar qualquer
indício de crime, e por isso vai ser possível a instauração da investigação por este meio.
Todavia, como é um meio que dificulta a persecução do eventual caluniador, é mais
reprovável, e por isso há a causa de aumento de pena do § 1º deste artigo 339 do CP.
5. Auto-acusação falsa
“Auto-acusação falsa
Art. 341 - Acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por
outrem:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) Não. Caio não agiu com dolo, acreditava que as verbas teriam sido aplicadas
indevidamente. A questão visa colher argumentos sobre a boa-fé na comunicação de
fatos considerados ilícitos e a função da elementar do tipo “de que o sabe inocente”.
b) Sim, teria agido com dolo. Estaria incurso nas penas do artigo 339 do CP;
c) O promotor e outras autoridades podem ser autores do delito.
d) Debater a causa de aumento de pena do artigo 339, § 1º, do CP. A causa de
aumento é exigida em razão da maior dificuldade na apuração da denunciação
caluniosa.
e) A denunciação caluniosa foi praticada pelo advogado.
f) Falso testemunho com aumento de pena (artigo 342, § 2º, CP).
g) Mesma solução. Em ambos os casos quem prometeu o suborno responde pelo
artigo 343 do CP. Exceção dualista.
h) Trata-se do crime do artigo 344 do CP. O artigo 147 é subsidiário.
i) Patrocínio infiel, do artigo 355 do CP:
“Patrocínio infiel
Art. 355 - Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional,
prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.”
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema XV
Crimes contra a Administração Pública V. Crimes contra as finanças públicas. 1) Crimes previstos nos
artigos 359-A a 359-H do CP. a) Sujeitos do delito;b) Tipicidade objetiva e subjetiva. 2) Aspectos
controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4) Pena e ação penal.
Notas de Aula15
15
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 23/6/2010.
Na análise deste delito, elegemos apenas a testemunha como autora, pois tudo que
for dito em relação a esta serve para os demais agentes ativos ali nomeados – perito,
contador, tradutor ou intérprete.
A teoria que se adota, no nosso ordenamento, para definir o que seja o falso
testemunho é a subjetiva: é falso aquela declaração diversa do que o depoente percebeu, ou
seja, contrária ao que sabe, e não aquilo que é diferente do que efetivamente ocorreu, mas
que está na mente do depoente como se verdade fosse. Não é falso testemunho o
depoimento narrando fatos diversos dos realmente ocorridos, se a testemunha acredita no
que está dizendo.
O crime é de mão própria, não podendo ser cometido por ninguém que não o
próprio depoente, e pessoalmente.
O falso testemunho, mesmo em contendas de interesse eminentemente privado, é
crime que afeta a coletividade, pois que perturba a condução da justiça, o interesse público
na veracidade do depoimento.
Em relação ao sujeito ativo, o artigo 202 do CPP determina que todos podem ser
testemunhas, e os artigos 206 e 207 do mesmo diploma tratam das especificidades
referentes a proibidos ou suspeitos. Veja:
“Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério,
ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte
interessada, quiserem dar o seu testemunho.”
Se alguém proibido de depor vier a fazê-lo, comete o crime do artigo 154 do CP:
“Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade
do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu
estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é
parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer
delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as
circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.”
“Art. 208. Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e
deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se
refere o art. 206.”
Quando aquele de quem não se colhe compromisso vier a testemunhar por qualquer
motivo, ele poderá cometer o crime de falso testemunho, porque o fato de não precisar
prestar compromisso não lhe permite mentir em prejuízo da administração. O compromisso
não é elemento do crime de falso testemunho. Nucci, porém, defende que sem o
compromisso de dizer a verdade, o dever de veracidade não surge, e por isso não há como
quebrá-lo, incidindo na conduta do falso testemunho – mas é minoritário, porque o dever de
dizer a verdade existe para todos, eis que de todos é exigida a cooperação com a justiça,
não surgindo da prestação do compromisso, como defende Nucci.
Dessarte, para Pierangelli, STF e ETJ, se presta testemunho, como testemunha
fidedigna ou informante, e mente dolosamente, o crime existe, não se diferençando entre as
categorias de depoentes para tanto. O compromisso seria uma exortação moral, e não a
fonte da obrigação de dizer a verdade, a qual sempre existe para depoentes (exceto o
próprio réu, por óbvio, que pode mentir à vontade em sua defesa).
Vale dizer, porém, que há alguns julgados, no TJ/RS e TJ/SP, que acolhem a tese de
que os descompromissados não cometeriam o crime, mas são julgados esparsos. E veja um
julgado do STJ, recente, altamente controverso:
“Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
10.763, de 12.11.2003)
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo
dever funcional.”
Este crime atinge a administração da justiça porque ofende o monopólio estatal para
fornecer meios à busca de algumas pretensões.
A pretensão que o agente satisfaz arbitrariamente tem que ser efetivamente legítima,
não bastando que ele a julgue legítima: deve ser correta perante o ordenamento em si, e não
apenas para o próprio agente, por óbvio. Apenas aquilo que ele pode reclamar em juízo é
legítimo.
Este crime, de justiça com as próprias mãos, pode ser cometido por meio de
violência, grave ameaça ou mesmo fraude.
O momento consumativo deste delito, para Hungria, se dá na substituição da justiça
judiciária pela justiça própria, ou seja, na efetivação da pretensão. Luiz Régis Prado, por
sua vez, reputa que se consuma quando a violência, ameaça ou fraude é empregada – o que
não parece muito correto, porque o crime é fazer a justiça, efetivamente.
O crime do artigo 346 do CP, correlato ao antecedente, é apenas uma forma de
exercício arbitrário, para parte da doutrina. Hungria, porém, entende que este crime está
mais próximo do furto do que do exercício irregular de pretensão legítima. Veja:
“Art. 346 - Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em
poder de terceiro por determinação judicial ou convenção:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.”
4. Fraude processual
“Fraude processual
Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou
administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a
erro o juiz ou o perito:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.
Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal,
ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.”
É crime do artigo 347 do CP mudar uma cerca de lugar para ludibriar o juiz, ou
fazer uma cirurgia plástica em um criminoso para não ser identificado, etc.
Veja um julgado interessante do STJ sobre este delito:
Casos Concretos
Questão 1
MARIA GENECY foi prefeita da cidade de Itaocara entre 1997 e 2000 e, nesta
qualidade, contratou, em julho de 2000, operação de crédito para o Município,
descumprindo os limites estabelecidos em lei federal que materializou o comando de
limitação ao endividamento dos entes federativos em consonância com a Lei de
Responsabilidade Fiscal (Art. 1º e 30 da LC 101/2000). Por tal razão, o Parquet estadual
denunciou MARIA GENECY pelo crime do Art. 359-A § único, inciso I do CP. Ocorre que,
em 2005, o Presidente da República edita medida provisória autorizando a operação
contratada e determinando a retroatividade dos efeitos da MP a julho de 2000. Diante
desse quadro e da conversão em lei da MP, a ex-prefeita impetra habeas corpus no
TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pleiteando o trancamento da ação penal diante da extinção da
punibilidade. À luz dos preceitos correlatos à responsabilidade fiscal na gestão pública e
do direito penal, deve ser deferido o writ?
Resposta à Questão 1
O writ deve ser deferido, uma vez que o STF admite que medidas provisórias
veiculem matéria penal:
II. Medida provisória: conversão em lei após sucessivas reedições, com cláusula de
“convalidação” dos efeitos produzidos anteriormente: alcance por esta de normas
não reproduzidas a partir de uma das sucessivas reedições. III. MPr 1571-6/97, art.
7º, § 7º, reiterado na reedição subseqüente (MPr 1571-7, art. 7º, § 6º), mas não
reproduzido a partir da reedição seguinte (MPr 1571-8 /97): sua aplicação aos fatos
ocorridos na vigência das edições que o continham, por força da cláusula de
“convalidação” inserida na lei de conversão, com eficácia de decreto-legislativo.”
Além disso, em que pese normas financeiras não terem caráter retroativo, isto é, as
normas possuem um caráter temporal vinculado ao princípio da anualidade do orçamento,
no caso concreto houve retroativa expressa e tal dispositivo acaba por operar, forte no
princípio da retroatividade benéfica a extinção da punibilidade. Em precedente análogo o
STF arquivou IPL com base no entendimento acima apresentado:
“Art. 30. No prazo de noventa dias após a publicação desta Lei Complementar, o
Presidente da República submeterá ao:
I - Senado Federal: proposta de limites globais para o montante da dívida
consolidada da União, Estados e Municípios, cumprindo o que estabelece o inciso
VI do art. 52 da Constituição, bem como de limites e condições relativos aos
incisos VII, VIII e IX do mesmo artigo;
II - Congresso Nacional: projeto de lei que estabeleça limites para o montante da
dívida mobiliária federal a que se refere o inciso XIV do art. 48 da Constituição,
acompanhado da demonstração de sua adequação aos limites fixados para a dívida
consolidada da União, atendido o disposto no inciso I do § 1º deste artigo.
§ 1º As propostas referidas nos incisos I e II do caput e suas alterações conterão:
I - demonstração de que os limites e condições guardam coerência com as normas
estabelecidas nesta Lei Complementar e com os objetivos da política fiscal;
II - estimativas do impacto da aplicação dos limites a cada uma das três esferas de
governo;
III - razões de eventual proposição de limites diferenciados por esfera de governo;
IV - metodologia de apuração dos resultados primário e nominal.
§ 2º As propostas mencionadas nos incisos I e II do caput também poderão ser
apresentadas em termos de dívida líquida, evidenciando a forma e a metodologia
de sua apuração.
§ 3º Os limites de que tratam os incisos I e II do caput serão fixados em percentual
da receita corrente líquida para cada esfera de governo e aplicados igualmente a
todos os entes da Federação que a integrem, constituindo, para cada um deles,
limites máximos.”