Anda di halaman 1dari 12

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Departamento de História

HUM 03050-A – História das Antigas Sociedades Africanas

Gustavo Pereira

O Ensino de História da África e os Jogos Digitais

INTRODUÇÃO

Em 09 de janeiro de 2003, foi decretada a lei 10.639/03, que torna


obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nos ensinos
fundamental e médio. Considerada uma grande conquista pelo movimento
negro, sua aplicação é, ainda hoje, motivo de controvérsias quanto à sua
forma, envolvendo os conteúdos e narrativas ensinados em sala de aula, bem
como aqueles presentes nos livros didáticos.

Em 2004, Anderson Ribeiro Oliva publicou artigo divulgando sua


pesquisa a respeito das representações da história da África e dos africanos
nos livros didáticos brasileiros e portugueses.1 O autor identifica, em seu artigo,
diversos pontos problemáticos: a transposição do Egito para fora da África,
estando atrelado mais ao mediterrâneo e ao Oriente Médio; a posição da África
como apêndice da história comercial europeia; o pouco número de páginas
dedicado à história da África em comparação com a história de outros
continentes, principalmente, a Europa; o descompasso com as pesquisas
historiográficas atuais, a referência ao continente africano somente a partir do

1
OLIVA, Anderson Ribeiro. O que as lições de história ensinam sobre a África? Reflexões
acerca das representações da história da África e dos africanos nos manuais escolares
brasileiros e portugueses. Revista Solta a Voz, v.20,n.2. pp. 197-214
tráfico de escravos para a América; o uso de conceitos adotados na história
ocidental para explicar o passado africano, entre outros.

Após o decreto da lei 10.639/03, a expectativa era de que esse quadro


se invertesse. De fato, surgiram alguns materiais que abordam a história da
África de forma inovadora em comparação com seus concorrentes. Entretanto,
ainda encontra-se uma grande quantidade de livros didáticos que continuam
tratando a história do negro e do continente africano de forma insatisfatória,
conforme aponta em estudo a pesquisadora Mírian C. M. Garrido. 2 Além dos
livros didáticos e do ambiente escolar, o movimento negro e a sociedade de
forma geral tem prestado cada vez mais atenção à representação da África,
dos africanos e de afrodescendentes em outras produções culturais. O
exemplo mais recente é o de uma novela no horário nobre da emissora mais
popular do país, que se passa no estado da Bahia - o estado que possui
proporcionalmente a maior população negra do país - e possui, entre 26 atores,
apenas 3 negros.3 Uma mídia que vem se tornando cada vez mais popular,
entretanto, é quase ignorada: os jogos digitais.

JOGOS DIGITAIS E HISTÓRIA

Os jogos digitais vêm, cada vez com maior frequência e intensidade,


sendo estudados na área da história. No Brasil, o campo que mais possui
trabalhos relacionando games e história é o de ensino. Em uma rápida busca
em portais como o de periódicos e o banco de teses e dissertações da CAPES,
bem como no mecanismo de buscas do Google Acadêmico utilizando
combinações de termos como "jogos digitais", "ensino", "história", "games",
etc., é possível encontrar dezenas de artigos, teses e dissertações sobre o
assunto.

2
GARRIDO, Míriam C. M. História que os livros didáticos contam depois do PNLD (2007-2011).
História e Perspectivas, vol. 54, Uberlândia, 2016. Pp. 239-268
3
TERTO, Amauri. 'Segundo Sol': A Bahia branca da novela é bem diferente da Bahia real, com
76% de negros. Huffpost Brasil, 30 de abril de 2018. Disponível em
<https://www.huffpostbrasil.com/2018/04/30/a-ausencia-de-atores-negros-em-segundo-sol-
novela-da-globo-ambientada-na-bahia_a_23424010/> Acesso em 11/07/2018.
Contrariando esses pesquisadores, Alexander R. Galloway, em seu livro
Gaming: Essays on Algorithmic Culture (2006)4, utiliza o jogo Civilization para
demonstrar que jogos digitais não podem ser utilizados para produzir narrativas
históricas. A crítica de Galloway baseia-se no fato de que games são
construídos através de algoritmos, ou seja, representam a informação através
de variáveis quantificáveis e, portanto, codificam a história em variáveis
matemáticas, não possuindo, deste modo, qualquer relação com uma
interpretação ideológica da história.

Ao argumento de Galloway, entretanto, pode ser contraposto o conceito


de "retórica digital", cunhado por Ian Bogost em seu livro "Persuasive Games:
The expressive Power of Videogames"5. Para Bogost, o meio digital possui
uma forma própria de retórica, construída a partir de suas características
específicas: ele é procedimental, ou seja, capaz de incorporar
comportamentos complexos e aleatórios regidos por regras (algoritmos),
participativo, pois permite que um usuário possa manipular e induzir
comportamentos através do conhecimento dessas regras, espacial, pois
permite a locomoção através dos espaços gerados no ambiente virtual, como
janelas, menus, ícones, etc. e enciclopédico, característica que expressa a
assombrosa ampliação da capacidade de armazenamento de dados
6
proporcionada pelo surgimento dos computadores.

Essas quatro características permitem a criação de argumentos no meio


digital através do que Bogost chama de retórica procedural. Esse tipo de
retórica consiste no uso de processos persuasivamente, ou seja, ao invés de
explicar de forma textual ou gráfica um determinado acontecimento/processo,
tal explicação se dá através do uso de outros processos. Dessa forma, um jogo
pode descrever a economia agrária característica da Idade Média através da
necessidade de construção de plantações para obtenção de comida, por
exemplo. O conceito de retórica procedural demonstra, portanto, que

4
GALLOWAY, Alexander. R.. Gaming. Essays on Algorithmic Culture. University of Minnesota
Press: Minnesota, 2006.
5
BOGOST, Ian. Persuasive Games: The expressive power of videogames. Massachusetts
Institute of Technology Press: Massachussets, 2007.
6
MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú
Cultural: Editora Unesp, 2003. p. 78-93
algoritmos são capazes de criar argumentos, descrever processos e, portanto,
servirem como instrumento de criação de narrativas.

Se está demonstrado que jogos digitais podem construir narrativas, é


preciso, agora, identificar que narrativas são essas e quais são as suas
características. Em artigo de dezembro de 2002, Jairo Lugo, Tony Sampson e
Merlyn Lossada analisam as características do mercado de jogos eletrônicos
na América Latina7. Segundo os autores, havia, na época um movimento
significativo de instalação de empresas de produção de hardwares como
computadores, consoles de videogames, cd's, cartuchos e outros acessórios
eletrônicos em países da América Latina, com especial destaque para países
da América Central e México. Tal movimento se dava, segundo os autores,
devido às facilidades encontradas nesses países, como mão de obra barata,
incentivos fiscais e isenção de impostos de exportação para o grande mercado
consumidor dos Estados Unidos devido a acordos comerciais como o NAFTA.

A instalação dessas empresas, entretanto, não disseminou nesses


países os novos produtos culturais por elas produzidos, nem fez com que
surgissem empresas desenvolvedoras de softwares. Além disso, essas
empresas geralmente funcionavam no modelo de maquilas, ou seja, as peças
eram trazidas de outros países periféricos, como aqueles do sudeste asiático, e
apenas o processo de montagem dos equipamentos era feito nas indústrias
instaladas na América Latina, de forma a se beneficiar da isenção ou das
baixas taxas de impostos de exportação para os Estados Unidos, principal
mercado consumidor desses produtos.

Segundo os autores, isso se dava devido à baixa penetração de


tecnologias de comunicação nos países da região, onde, por exemplo, em
países como Argentina, Brasil e México, apenas cerca de 5% da população
havia acesso a computadores pessoais em comparação com cerca de 50% nos
Estados Unidos.

7
LOSSADA, Merlyn; LUGO, Jairo; SAMPSON, Tony. Latin America's New Cultural Industries
still Play Old Games: From the Banana Republic to Donkey Kong. Game Studies, vol.2, nº2,
dez. de 2002.
A forma como a indústria eletrônica influencia os conflitos sociais na
África é ainda mais cruel. No Congo, por exemplo, ricas jazidas de minerais
como a columbita-tantalina, a cassiterita e o ouro, muito utilizados na
construção de equipamentos eletrônicos como celulares e computadores,
ensejam disputas envolvendo grupos armados divididos por rivalidades étnicas.
Esses minerais cruzam as fronteiras com Ruanda, Burundi e Uganda e
desaparecem através do contrabando.8

No ano de 2016, o Oriente Médio e a África foram responsáveis por 3,2


bilhões de dólares, 3,2% do faturamento da indústria no ano, sendo Turquia,
Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã são responsáveis por metade
desse valor. Líder no continente, a Nigéria foi responsável por 182 milhões de
dólares9. A pouca disseminação de tecnologias da informação – conforme a
mesma matéria da Folha de S. Paulo de onde foram tiradas as informações do
parágrafo anterior, na época de sua publicação, apenas 0,3% da população
congolesa possuía acesso à internet, por exemplo – causa o mesmo efeito que
na América Latina. Todo o mineral extraído, ilegalmente, é importante frisar,
tem como destino final os grandes mercados europeu, asiático e norte-
americano. A ausência de expressão do continente nesse mercado
impossibilita o surgimento de desenvolvedoras e produtoras de softwares e
jogos na região, de modo que a quase totalidade de conteúdo consumida vem
do ocidente, ou seja, proveniente de uma cultura exterior à África. O resultado
disso pode ser analisado através da quantidade de jogos que abordam
temáticas africanas e a forma como essa abordagem é feita.

Um exemplo desse tipo de análise é o artigo de Philip Penix-Tadsen, que


estuda as representações da América Latina em jogos digitais.10 O o autor
aponta o grande número de jogos digitais que representam a América Latina
através de uma reificação de estereótipos culturais negativos e do reforço de
uma cultura imperialista com relação à região.
8
FAGUNDES, Clara. Boom tecnológico financia guerra no Congo. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 16 de novembro de 2008. Disponível em
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1611200809.htm> Acesso em 11 /07/2018.
9
2016 Global Games Market Report: an overview of trends & insight". Disponível em:
<https://cdn2.hubspot.net/hubfs/700740/Reports/Newzoo_Free_2016_Global_Games_Market_
Report.pdf> Acesso em 11/07/2018.
10
PENIX-TADSEN, Phillip. Latin American Ludology: Why we Should Take Video Games
Seiously (and when we shouldn't). Latin American Research Review, vol.48, nº1, 2013.
Em sua análise, Penix-Tadsen classifica os jogos digitais que abordam
de alguma forma a região em três tipos: Contras, Tomb Raiders e Luchadores.
O primeiro tipo tem seu nome inspirado nos grupos rebeldes que eram
financiados e apoiados pelo governo dos Estados Unidos para enfrentar
governos de cunho socialista ao redor do globo. Como o próprio nome indica,
os jogos classificados nesse grupo são aqueles que representam a América
Latina e seus cidadãos como inimigos do "herói" estadunidense. Como
exemplo desse tipo de jogo, pode ser citado o game "Trópico", onde o jogador
assume o papel de ditador de uma ilha tropical e deve governá-la sempre com
atenção aos interesses estadunidenses como forma de evitar uma invasão pelo
país e, desta forma, a derrota no jogo. O segundo tipo, Tomb Raiders, inclui
jogos que se apropriam da cultura de países, povos e etnias latino-americanas
para criar panos de fundo para suas histórias, sem fornecer qualquer tipo de
profundidade a essas culturas. Um exemplo desse tipo é o jogo que dá nome
ao grupo, Tomb Raider. Nesse jogo, a personagem principal é uma arqueóloga
britânica que explora ruínas antigas e perigosas ao redor do mundo atrás de
artefatos antigos e valiosos. Nesse jogo, a cultura de outros países, geralmente
os periféricos, é representada apenas como algo antigo, místico e que deve ser
saqueado. Por fim, o terceiro tipo classificado por Penix-Tadsen é Luchadores,
que inclui os jogos que se dispõem a representar a cultura latino-americana de
maneira mais complexa e aprofundada. Como exemplo desse tipo, pode ser
citado o jogo "Lucha Libre AAA: Héroes del Ring", desenvolvido na América
Latina e representando a cultura mexicana de luta-livre.

Baseando-se na classificação desenvolvida por Penix-Tadsen, pode ser


desenvolvida uma classificação semelhante para os jogos que abordam a
África como temática. Evitarei, aqui, atribuir nomes ou categorias. Ao primeiro
grupo, o dos Contras, pode ser comparado um estilo de jogos que aborda o
continente africano sob a ótica da conquista, da exploração de riquezas e da
colonização. Um exemplo desse tipo de jogo é o Civilization V, jogo de
estratégia que apresenta ao jogador uma missão representando a partilha e
conquista da África por parte das potências europeias. Nesse cenário, o
jogador deve escolher uma dessas potências e efetuar a conquista do
continente.
Comparados aos jogos classificados como “Tomb Raiders” estão
aqueles que utilizam a África como cenário para suas narrativas sem levar em
conta suas populações, etnias, culturas etc. Os exemplos de jogos desse tipo
são os que mais abundam. Entre eles estão jogos de safári, onde o jogador
assume o papel de um caçador na savana, jogos sobre a Segunda Guerra
mundial, onde o continente africano é apenas um teatro para os conflitos entre
as potências europeias, entre outros.

Ao terceiro grupo, dos “Luchadores”, pode-se comparar aqueles jogos


que assim como estes fazem com a América Latina, se dispõem a representar
a cultura africana de maneira mais complexa e aprofundada. Esses jogos, entre
os que compõem os três grupos, são os mais raros de se encontrar. Como
exemplo, pode ser citado o jogo “Aurion: Legacy of the Kori-Odan”,
desenvolvido pela empresa camaronesa Kiro’o Games. O jogo se passa no
planeta Auriona, um lugar de fantasia onde a África não foi colonizada e
baseado em diversas culturas de suas culturas, apresentando como inimigos
diversos monstros de mitos africanos.

Captura de tela do jogo Aurion: Legacy of the Kori-Odan


JOGOS DIGITAIS E ENSINO DE HISTÓRIA

No ano de 2008, a pesquisadora Cristiani Bereta da Silva realizou um


projeto junto a alunos da Escola Básica Municipal Luiz Cândido da Luz, em
Florianópolis, no qual os alunos eram introduzidos à História da Idade Média
através do jogo Age of Empires II11. Neste jogo, o usuário pode reviver e/ou ter
contato com histórias de heróis como William Wallace, Joana D’arc, El Cid,
Gengis Khan, entre outros, ou assumir o controle de uma das civilizações
disponíveis no jogo e enfrentar até outras 7 em um mapa gerado
aleatoriamente. Cito, abaixo a descrição da atividade fornecida pela própria
Cristiani:

Para a realização das oficinas que envolviam especificamente o jogo,


optou-se em dividir os(as) estudantes em dois grupos de dez
componentes em razão do número de computadores disponíveis para
a instalação do jogo Age of Empire (apenas cinco), com exceção de
mais um computador conectado a um projetor multimídia, cuja função
era projetar para todos, num telão, as regras do jogo e possibilidades
estratégicas, em suas diferentes etapas. As atividades ocuparam os
dois períodos escolares: matutino e vespertino, em diferentes dias. A
realização dessas atividades envolveu identificação de imagens
referentes à Idade Média, produção de narrativas escritas sobre as
mesmas, aplicação de dois questionários e o próprio jogo, jogado em
12
dupla pelos(as) adolescentes .

Cristiane menciona que, mesmo provenientes, em sua grande maioria,


das camadas populares, apenas duas estudantes afirmaram nunca terem
jogado no computador, o que demonstra o potencial de inserção dessa mídia
mesmo entre as camadas mais populares da população.

Analisando as respostas dos alunos a respeito do tempo no qual se


passavam os acontecimentos, a autora percebe que a apropriação temporal
realizada pelos alunos não é necessariamente cronológica. Várias das
respostas indicam que, embora conscientes de que aqueles eventos
pertenciam ao passado, classificando-os como passado distante, “tempo dos

11
SILVA, Cristiani Bereta da. Jogos digitais e outras metanarrativas históricas na elaboração do
conhecimento histórico por adolescentes. Antíteses, vol.3, n.6, jul.-dez. de 2010, pp. 925-946
12
Ibid., p.932
avós” em contraposição a “hoje em dia”, “nosso tempo”, mas com dificuldades
em traçar relações entre esses diferentes tempos.13

Nas respostas elaboradas sobre os temas abordados, a autora nota que


os estudantes oferecem “uma sucessão de temas desarticulados acessando

sempre primeiro temas-alvo dos trabalhos em sala naquele momento”. Os


alunos, quando questionados sobre seus conhecimentos relacionados à Idade
Média, geralmente mencionam castelos, reis, cavaleiros e guerras, ou seja,
elementos presentes na cultura popular difundida em filmes, livros e jogos
digitais.

Ao serem questionados sobre o jogo, os alunos enfocam geralmente


uma dimensão evolutiva, onde “começa tudo sem nada, e as pessoas
começam a evoluir pra coisas novas”, através de avanços tecnológicos
expressos em respostas como “o barco que era a vela mudou para um barco
mais moderno, aí as coisas que tinham no passado viraram coisas que têm
agora no presente”. Essas afirmações, em contraste com aquelas a respeito da
temporalidade, demonstram uma certa noção de passagem de tempo, do
passado em direção ao presente de forma cronológica. Essas respostas
indicam, ainda, uma “noção de progresso de forma positivada”,conforme cita a
autora, em relação a um passado sem carros e computadores.14

Cristiani conclui seu texto afirmando que “os professores e professoras


de História sabem muito pouco ou quase nada sobre o que as crianças e os
adolescentes sabem sobre História” e que,

“Se de fato a História é uma maneira particular de pensar, e não


propriamente um conjunto de conhecimentos (BERGMANN,
1989/1990: 35), o papel do(a) professor(a) de História em sala de
aula possui desafios bem claros nesse sentido: interessar-se pelo que
efetivamente os seus alunos e alunas sabem e sobre os lugares que
eles e elas acessam essas informações que dizem saber, e, então,
trabalhar arduamente para ressignificar a História para além de
passados permanentes e imutáveis ou presentes velozes, contínuos
15
e confusos.”

13
Ibid., p.937
14
Ibid., p.940
15
Ibid., p.945
O jogo Age of Empires II recebeu, no ano de 2015, uma expansão
chamada “The African Kingdoms” que torna possível ao jogador explorar
histórias do passado africano como a epopeia de Sundjata, a conquista da
Península Ibérica por Tariq ibn Ziyad e a revolta de Yodit no reino de Axum.
Embora abra o leque de representações do passado para além do medievo
europeu, fazendo com que os estudantes e jogadores em geral entrem em
contato com histórias as quais não estão acostumados, a estrutura do jogo
torna esse contato problemático. Criado com enfoque em partidas onde dois ou
mais jogadores se enfrentam, o jogo possui uma padronização de unidades de
forma a balancear todas as civilizações e permitir uma partida justa entre
quaisquer delas. Dessa forma, como o jogo foi criado em 1999 e com a
temática estrita do período medieval europeu, as unidades representam
soldados de infantaria e cavaleiros europeus, aldeões brancos, monges
cristãos, navios europeus como galeões, entre outros. Ao lançar a expansão
“African Kingdoms”, os desenvolvedores alegaram que era inviável modificar as
características dessas unidades para as civilizações africana, embora existam
projetos independentes de jogadores que implementaram modificações no jogo
de forma a corrigir algumas dessas falhas.16

Apesar desses problemas, o jogo tem como ponto positivo a inserção de


elementos da cultura africana em suas narrativas, como é o caso das missões
da epopeia de Sundjata, narradas por Balla Fassekê, introduzindo aos
jogadores a figura do griot, por exemplo. O jogo ainda apresenta algumas
unidades únicas para cada civilização, como é o caso do arqueiro montado em
camelo para os berberes, o guerreiro armado com shotel, dos etíopes e,
curiosamente, as gbeto, também conhecidas como ahosi, guerreiras Fon que
formavam um dos regimentos militares do reino do Daomé, representando a
unidade única dos malineses.

CONCLUSÃO

Quais seriam as conclusões que os alunos do projeto da Cristiani


tirariam a respeito da história africana ao jogar Age of Empires? Não existem

16
Como é o caso da modificação “Recolored Villagers”, que modifica o tom de pele dos aldeões
das civilizações africanas para o negro: <
https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=546646257> Acesso em 12/07/2018.
estudos no Brasil e, até onde foi possível pesquisar, na literatura de língua
anglófona que abordem a questão das narrativas sobre a África em jogos
digitais. Esse tipo de estudo, entretanto, torna-se cada vez mais necessário. A
indústria dos jogos digitais já superou a da música e do cinema em faturamento
no mundo, alcançando quase 100 bilhões de dólares no ano de 2016, conforme
o estudo divulgado pela Newzoo mencionado anteriormente.

É preciso, por um lado, ter cuidado em adotar jogos eletrônicos como


materiais didáticos em sala de aula, uma vez que tratam-se de produtos
voltados para o mercado e dirigidos à cultura dos países que possuem o maior
número de potenciais consumidores, destacando-se, entre esses os Estados
Unidos, responsável por quase metade do faturamento mundial da indústria.
Por outro lado, conforme afirma Cristiani, é necessário que o professor se
interesse pelos meios onde seus alunos adquirem informações a respeito do
passado de modo que possa ensinar-lhes como tratar essas informações de
forma crítica.

David Harlan afirmou em 2007 que

"não é a história profissional que formatará a consciência histórica no


futuro, mas o ainda por ser definido relacionamento entre suas
estratégias altamente especializadas de representação e a livre
profusão de histórias populares que estão sendo espalhadas por
17
várias culturas nativas ao redor do mundo."

A perspectiva deste artigo, no entanto, é de que essa situação já acontece


agora e, portanto, é necessário que o historiador esteja atento para esse
movimento. Por fim, gostaria encerrar com uma citação de Ian Bogost que,
acredito, está de acordo com o que quis expressar aqui:

“apesar dos computadores que os hospedam, apesar dos mundos


futurísticos e ficcionais que eles frequentemente representam,
videogames não são expressões da máquina. Eles são expressões
do ser humano, e a lógica que norteia nossos jogos produz
argumentos sobre quem nós somos, como nosso mundo funciona e o
18
que nós queremos que ele se torne”.

17
Harlan, David. “Historical Fiction and academic history” In: Manifestos for History edited by Keith
Jenkins, Sue Morgan and Alun Munslow. Abingdon: Routledge, 2007. p. 108
18
BOGOST, Ian. Persuasive Games: The expressive power of videogames. Massachusetts Institute of
Technology Press: Massachussets, 2007. p.340
BIBLIOGRAFIA
BOGOST, Ian. Persuasive Games: The expressive power of videogames.
Massachusetts Institute of Technology Press: Massachussets, 2007

GALLOWAY, Alexander. R.. Gaming. Essays on Algorithmic Culture. University


of Minnesota Press: Minnesota, 2006

GARRIDO, Míriam C. M. História que os livros didáticos contam depois do


PNLD (2007-2011). História e Perspectivas, vol. 54, Uberlândia, 2016. Pp. 239-
268

HARLAN, David. “Historical Fiction and academic history” In: Manifestos for
History edited by Keith Jenkins, Sue Morgan and Alun Munslow. Abingdon:
Routledge, 2007. p.108-130

LOSSADA, Merlyn; LUGO, Jairo; SAMPSON, Tony. Latin America's New


Cultural Industries still Play Old Games: From the Banana Republic to Donkey
Kong. Game Studies, vol.2, nº2, dez. de 2002

MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço.


São Paulo: Itaú Cultural: Editora Unesp, 2003.

OLIVA, Anderson Ribeiro. O que as lições de história ensinam sobre a África?


Reflexões acerca das representações da história da África e dos africanos nos
manuais escolares brasileiros e portugueses. Revista Solta a Voz, v.20,n.2. pp.
197-214

PENIX-TADSEN, Phillip. Latin American Ludology: Why we Should Take Video


Games Seriously (and when we shouldn't). Latin American Research Review,
vol.48, nº1, 2013.
SILVA, Cristiani Bereta da. Jogos digitais e outras metanarrativas históricas na
elaboração do conhecimento histórico por adolescentes. Antíteses, vol.3, n.6,
jul.-dez. de 2010, pp. 925-946

Anda mungkin juga menyukai