Resumo
Diante das dificuldades envolvidas nas atuais práticas de educação ambiental, ações
concretas de construção de alternativas societárias sustentáveis podem ajudar a pensar
novos caminhos. As ecovilas são comunidades que realizam diversas práticas voltadas à
sustentabilidade e procuram influenciar a sociedade através de ações de cunho
educativo, como a promoção de visitas, cursos, palestras, workshops, conferências,
programas de estágio, além do engajamento em projetos institucionais. Dessa forma,
apesar de algumas limitações decorrentes das contradições existentes na sociedade, as
ações das ecovilas vêm gerando uma certa difusão de ideias e práticas alternativas que
encerram um forte caráter crítico em relação à cultura capitalista dominante,
subvertendo alguns de seus aspectos. Especialmente relevante é o fato de que essas
comunidades tratam a sustentabilidade em suas múltiplas dimensões, e estas de maneira
interdependente – perspectiva que pode trazer importantes contribuições para o
desenvolvimento de uma educação ambiental mais crítica e engajada.
Abstract
Face to the difficulties involved in the actual practices of environmental education,
concrete actions on the construction of sustainable societal alternatives may help to
think new paths. Ecovillages are communities which carry out many practices towards
sustainability and aim to influence society through actions with an educational character,
like the promotion of visits, courses, lectures, workshops, conferences and internships, and
also the engagement in institutional projects. Therefore, despite some limitations due to the
existent contradictions of society, ecovillages’ actions have been generating a certain
diffusion of alternative ideas and practices which enclose a strong critical character
about the dominant capitalist culture, subverting some of its aspects. Specially relevant is
the fact that these communities treat sustainability in its multiple dimensions, and in an
interdependent manner – perspective that may bring important contributions for the
development of a more critic and engaged environmental education.
Introdução
Diante da severa crise ecológica e social contemporânea relacionada ao modelo
civilizatório capitalista, questões relativas à sustentabilidade tornaram-se ubíquas nos
discursos públicos e pessoais, incluindo-se aí o reconhecimento da necessidade, cada
vez mais urgente, de uma educação ambiental universalista enquanto direito e eficaz na
realização de seus objetivos. Mas de que sustentabilidade e que educação ambiental
tanto se está falando? Pois a noção de “sustentabilidade”, frequentemente utilizada
como sinônimo de “desenvolvimento sustentável” (SARTORI; LATRÔNICO;
Objetivo e Metodologia
O objetivo deste ensaio foi analisar, a partir da literatura existente
(majoritariamente internacional), a natureza e o potencial educativo das ações das
ecovilas em sua busca por sustentabilidade. Para isso, foram levantados, principalmente
no portal de periódicos da CAPES, os artigos científicos (publicados até julho de 2015)
que utilizavam o termo “ecovila” no título ou no resumo (busca feita em português,
1
Livremente traduzido de “An ecovillage is an intentional or traditional community using local
participatory processes to holistically integrate ecological, economic, social, and cultural dimensions of
sustainability in order to regenerate social and natural environments.”
2
É importante ressaltar que está implícita aqui uma distinção bem clara entre dois grandes tipos de
ecovilas, correspondentes à principal divisão socioeconômica e política mundial: as comunidades
intencionais são tipicamente pequenas e representam as chamadas “ecovilas do norte global”; e as
comunidades tradicionais são tipicamente redes de vilas e vilarejos que representam as chamadas
“ecovilas do sul global” (DAWSON, 2013). Exemplos dessas redes de comunidades do sul global incluem
Sarvodaya, no Sri Lanka, com 15 mil comunidades rurais, e Colufifa, no oeste africano (principalmente
Senegal), com 350 comunidades (LITFIN, 2014). Vale notar que tal divisão não reflete necessariamente a
localização geográfica: muitas ecovilas existentes em países do sul global têm, na verdade, padrão de
ecovilas do norte global.
3
Note-se que as referências bibliográficas contidas no presente trabalho não refletem a totalidade dos
trabalhos levantados, devido à limitação de tamanho.
4
Ver nota de rodapé 2.
5
Por exemplo, o conjunto de práticas chamado Technakarto, de Damanhur (Itália), o método de Fórum
social, desenvolvido por Zegg (Alemanha) e Tamera (Portugal), e a Comunicação Não Violenta (CNV),
desenvolvida pelo psicólogo Marshall Rosenberg e utilizada em muitas ecovilas.
6
Parece existir certa imprecisão associada ao conceito de “consenso”: por vezes ele é entendido como
sinônimo de “consentimento”, por vezes como algo distinto. Quando entendidos como processos
distintos, o consentimento constitui um método um pouco mais simples, que exige menos
aprofundamento das discussões.
7
Para minimizar os problemas de dominância nos processos de consenso, por exemplo, existem
estratégias diversas relacionadas à estrutura dos encontros (p. ex., tempo ou número de contribuições
limitado por pessoa, sistema de cartas, mediação por facilitador imparcial, etc.) (SARGISSON, 2004).
8
Um exemplo interessante de como a sustentabilidade ecológica depende da sustentabilidade social é o
de Masdar City (Emirados Árabes Unidos), que, apesar das melhores práticas em sustentabilidade
ambiental (não gera lixo, não utiliza carros e é neutra em emissões de carbono), falhou em muitos
âmbitos por ter desconsiderado as necessidades sociais das pessoas (Woodcraft et al., 2012).
9
Nas ecovilas do sul global o cenário é bem diferente, já que estas se concentram essencialmente na
luta contra a pobreza (LITFIN, 2014). Nelas, os líderes locais buscam fundamentalmente retomar o
controle sobre seus recursos culturais, ecológicos e econômicos (DAWSON, 2013), através, por exemplo,
da reapropriação de meios de produção a partir do trabalho coletivo feminino (BURKE; ARJONA, 2013).
Referências bibliográficas
BOSSY, S. The utopias of political consumerism: The search of alternatives to mass
consumption. J. Consum. Cult., v. 14, n. 2, p. 179-198, 2014.
BOYER, R. W. H. Grassroots innovation for urban sustainability: comparing the
diffusion pathways of three ecovillage projects. Environment & Planning A, v. 47, n. 2,
p. 320-337, 2015.
BROMBIN, A. Faces of sustainability, in Italian Ecovillages. Food as “contact zone”.
International Journal of Consumer Studies, 2015.
BURKE, B. J.; ARJONA, B. Creating Alternative Political Ecologies through the
Construction of Ecovillages and Ecovillagers in Colombia. In: LOCKYER, J. e
VETETO, J. R. (Ed.). Environmental Anthropology Engaging Ecotopia: Bioregionalism,
Permaculture, and Ecovillages. Nova Iorque: Berghahn Books, 2013. p.235-250.
CHITEWERE, T. Equity in Sustainable Communities: Exploring Tools from
Environmental Justice and Political Ecology. Natural Resources Journal, v. 50, n. 2, p.
315-339, 2010.
CHRISTIAN, D. L. Creating a Life Together: Practical Tools to Grow Ecovillages and
Intentional Communities. Canadá: New Society Publishers, 2003. 272.
CUNNINGHAM, P. A. Exploring the efficacy of consensus-based decision-making: A
pilot study of the Cloughjordan Ecovillage, Ireland. International Journal of Housing
Markets and Analysis, v. 7, n. 2, p. 233-253, 2014..
DAWSON, J. Ecovillages: New Frontiers for Sustainability: Green Books. 12: 96 p.
2015.
DAWSON, J. From Islands to Networks - The History and Future of the Ecovillage
Movement. In: LOCKYER, J. e VETETO, J. R. (Ed.). Environmental Anthropology
Engaging Ecotopia: Bioregionalism, Permaculture, and Ecovillages. New York /
Oxford: Berghahn Books, 2013. p.217-234. (Studies in environmental anthropology
and ethnobiology).