BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Renilson Rosa Ribeiro (UFMT – Orientador)
Prof. Dr. Raquel Alvarenga Sena Venera (UNIVILLE – Examinador Externo)
Prof.ª Dr.ª Alexandra Lima da Silva (UFMT – Examinador Interno)
Prof.ª Dr.ª Cláudia Regina Bovo (UFMT/UFTM – Suplente)
FICHA CATALOGRÁFICA
ii
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Esta pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Etrúria: Laboratório de Estudos de Memória, Patrimônio e
Ensino de História, vinculado ao Departamento de História/ICHS/UFMT.
iii
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
iv
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
RESUMO
ABSTRACT
The present dissertation studies the heritage policies developed by the National Artistic and His-
torical Heritage Institute (IPHAN) in the state of Mato Grosso, in order to identify the disputes
and challenges imposed by the process of preservation, with a special emphasis on the city of
Cuiabá. The period of the study starts in the beginning of the 1960 decade until the end of the
first decade of the 21th century, having as the starting point the formation of a local preservation-
ist consciousness, with the firsts debates about the process of statutory protection for the “Centro
Historico” in the city of Cuiabá, and lasting until the establishment of the IPHAN Superintend-
ence in the state of Mato Grosso, in 2009, and the preservation actions launched by the Plano de
Aceleração do Crescimento (Grouth Acceleration Plan) aimed exclusively for civil engineering
works on Historical Cities – “PAC das Cidades Históricas”.
v
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
vi
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
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O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
AGRADECIMENTOS
Escrever uma dissertação de mestrado é sem dúvida uma experiência única, cheia de
desafios, mas também muito enriquecedora, transformamo-nos a cada nova descoberta da pesqui-
sa. Para os que partilharam comigo dessa trajetória que parecia interminável, meus sinceros agra-
decimentos.
Preliminarmente quero agradecer a Deus, por tudo!
Sou imensamente grata à Cuiabá que me recebeu de forma mui calorosa há quase
uma década.
Ao Renilson, meu orientador-amigo por dividir comigo suas experiências, me ensina-
do com grandeza e generosidade, por sua disponibilidade e leveza na condução de todo o proces-
so, fazendo com que cada etapa fosse cumprida com alegria e sucesso.
Aos meus pais por me apoiarem desde sempre com palavras de incentivo e estimulo
que beiram o exagero.
À minha irmã Maíra pela alegria que sua chegada trouxe à minha vida, pelo orgulho
que tenho em dividir com ela meus valores e origem.
Ao meu marido José Coriolano pelo apoio, paciência, cumplicidade e amor que me
dedicou nessa trajetória. Que sorte esse encontro!
À minha amiga Carolina, meu alter ego, agradeço por me conhecer e me entender
com um olhar.
À amiga Dirlene pela sinceridade genuína que brota de suas palavras, pela delícia de
dividir meus dias com você!
À minha amiga Michele pelo dom de me apontar sempre os melhores caminhos.
Ao primo e amigo Paulo Veriano por todo o incentivo!
Aos meus amigos do IPHAN em Mato Grosso, um agradecimento especial por com-
partilharem comigo o conhecimento, dúvidas e desalentos, mas também muitas vitórias nesta luta
pela preservação: Maria Elisa, Karina, Erikleton, Francisco, Mirella. A vocês registro as minhas
mais reais manifestações de respeito e admiração. Essa convivência me faz melhor.
viii
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
ix
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
SUMÁRIO
Agradecimentos.
Introdução –
CUIABÁ-PATRIMÔNIO, p. 02
Primeiro Capítulo –
CATEDRAL DO BOM JESUS DE CUIABÁ:
O MONUMENTO-MÁRTIR PARA UMA CULTURA DE PRESERVAÇÃO DO PATRI-
MÔNIO EDIFICADO NA CAPITAL DE MATO GROSSO, p. 21
Segundo Capítulo –
A INVENÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO DE CUIABÁ:
PROCESSO DE TOMBAMENTO, ESQUECIMENTOS E LITÍGIOS, p. 58
Terceiro Capítulo –
UMA CIDADE HISTÓRICA PARA O FUTURO:
OS LUGARES DE MEMÓRIA DE CUIABÁ, A GESTÃO E A EDUCAÇÃO PATRIMO-
NIAL, p. 90
Considerações Finais –
PATRIMÔNIO PARA QUEM?, p. 113
Fontes, p. 117
Referências, p. 118
x
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Figura 1 - Skyline do centro de Cuiabá, vista do morro do Seminário (MT). 1968. Fonte: IBGE
22
Figura 2 - Perímetro da área tombada e entorno de tombamento da cidade de Cuiabá. Fonte: IPHAN-MT
..................................................................................................................................................... 23
Figura 3 - Construção do Palácio novo Alencastro. Década de 1960. Fonte: MISC. ................. 25
Figura 4 - Praça Alencastro em 1968. Fonte: IBGE.................................................................... 27
Figura 5 - Antiga Catedral do Bom Jesus de Cuiabá, 1968. Durante a demolição. Fonte: IBGE30
Figura 6 - Demolição da Igreja Matriz de Cuiabá. 1968. Fonte: APMT..................................... 31
Figura 7 - Avenida Getúlio Vargas/Nova Igreja Matriz. Década de 1980. Fonte: MISC ........... 32
Figura 8 - Catedral Bom Jesus de Cuiabá. Fonte: MISC. ........................................................... 36
Figura 9 - Página inicial do Processo de Tombamento n. 553-T-57-A. Fonte: IPHAN-MT .... 388
Figura 10 - Notificação de tombamento contida Processo de Tombamento n. 553-T-57-A. Fonte: IPHAN-
MT ............................................................................................................................................... 40
Figura 11 - Esboço doa grupamento inicial da Vila Bom Jesus de Cuiabá. Processo de tombamento n.
1180-T-85. Fonte: IPHAN-MT ................................................................................................... 64
Figura 12 - Detalhamento da consolidação do aglomerado urbano. Processo de Tombamento n. 1180-T-
85. Fonte: IPHAN ....................................................................................................................... 64
Figura 13 - Plano da Villa do Cuyabà na Cap. ta do Matto Groço. Original manuscrito pertecente à Casa
Ìnsua, Castendo, Portugal. 1777. ............................................................................................... 688
Figura 14 - Planta do Cuyabá. Original do Arquivo Histórico do Exercito, Rio de Janeiro. ca. 1770-1780.
................................................................................................................................................... 699
Figura 15 - Plano do Cuyabá. Original do Arquivo Histórico do Itamarati, Rio de Janeiro. 1770-1775
................................................................................................................................................... 699
Figura 16 - Casarão Colonial situado à rua Pedro Celestino, no Centro Histórico de Cuiabá. Processo de
tombamento de Cuiabá n. 1880-T-85. Fonte: IPHAN ................................................................ 71
1
INTRODUÇÃO
CUIABÁ-PATRIMÔNIO
A memória é redundante:
repete os símbolos para que a cidade comece a existir.
Ítalo Calvino
1
O Serviço do Patrimônio Histórico nasce em 1937 a pedido do então ministro Gustavo Capanema, em 1946 passa a
se chamar Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, DPHAN. Em 1970 o DPHAN passa a se
chamar Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN. Em 1979 o IPHAN se divide em SPHAN
(órgão normativo) e Instituto Pró-Memória (órgão executivo), o FNpM. Em 1990 é extinto o SPHAN e o INpM,
sendo que ao mesmo tempo é criado o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural – IBPC. Em 1994 o IBPC passa a
se denominar Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
2
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Cabe resaltar que o contexto de criação do SPHAN teve origem na Semana de Arte
Moderna de 1922 sob conflitos intelectuais acerca da forma de representação do Patrimônio
Cultural Brasileiro. Mario de Andrade ao encaminhar sugestões ao anteprojeto para a criação do
SPHAN pontua claramente itens que se relacionam com Obra de Arte Patrimonial arqueológica;
Arte ameríndia; Arte popular, especificando de maneira detalhada as referidas artes
Arqueológicas e ameríndias e descrevendo atenciosamente Arte popular.4 Predominou a visão de
Rodrigo Melo Franco, que evidenciou o patrimônio material edificado em detrimento da cultura
popular.
Entre 1937 e 1988, a instituição mudou diversas vezes de nome e sigla, mas manteve
2
MARTINS, Ana Luiza. Uma construção permanente, in: PINKY, Carla Bassanezi e LUCA, Tânia Regina de
(orgs.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, p. 284-286. Cf. também RUBINO, Silvana. As fa-
chadas da história: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio-
nal. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 1995.
3
SILVA, Glaci Teresinha Braga da. A materialização da nação através do patrimônio: o papel do SPHAN no regi-
me estadonovista. Dissertação de Mestrado em História. Porto Alegre, Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, 2010, p. 58.
4
ANDRADE, Mário de. Anteprojeto para a criação do Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Revista
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, n. 30, 2002, p. 271.
3
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
em linhas gerais seu campo de atuação como responsável pela proteção do patrimônio histórico
nacional. Em síntese, preservou-se a política de tombamento e conservação, pautada na
concepção de patrimônio artístico nacional definida por Mário de Andrade e traduzida de forma
reducionista no artigo 1º do Decreto-lei n. 25:
5
Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937.
6
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, artigo 216.
7
CANCLINI, Néstor García. Patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. Revista do Patrimônio His-
tórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, n. 23, 1994, p. 95-96.
4
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Segundo Ana Luiza Martins, nesse período de cerca de meio século entre a fundação
do SPHAN e a promulgação da Constituição de 1988 – sem perder de dimensão as mudanças,
resistências e lutas na política de preservação no Brasil – percebeu-se a formação de uma nova
cultura e concepção sobre os agentes envolvidos no processo de tombamento e conservação do
patrimônio:
Esta emancipação do IPHAN Mato Grosso permite que os recursos a serem aplicados
no Estado sejam remetidos diretamente para Mato Grosso, sem ter que antes passar pelo crivo do
Estado de Goiás, fazendo valer a discricionariedade da Superintendência para alocação desses
recursos.12
Dentre as diversas ações desempenhadas pelo IPHAN no Estado de Mato Grosso,
entre 1960 e 2010, dedicaremos especial atenção ao processo de tombamento e às políticas de
preservação do Centro Histórico de Cuiabá (1987), bem como do processo de tombamento das
igrejas setecentistas da cidade, Igreja do Rosário e Capela de São Benedito, bem como da antiga
Catedral Bom Jesus de Cuiabá, demolida em 1968.
Antes de apresentar a estrutura, as fontes e marcos teóricos do presente estudo, faz-se
necessário apresentar um breve estado da arte do tema no contexto nacional e de Mato Grosso.
11
Superintendência Regional do IPHAN em Goiás – Instituto do Patrimônio histórico e Artístico Nacional. Home
Page:
http://portal.IPHAN.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=12748&sigla=Institucional&retorno=detalheInstitu
cional, acesso em 18 de fevereiro de 2014.
12
De acordo com o Decreto n. 6.844, de sete de maio 2009, “às Superintendências Estaduais compete a coordenação,
o planejamento, a operacionalização e a execução das ações do IPHAN, em âmbito estadual, bem como a supervisão
técnica e administrativa dos Escritórios Técnicos e de outros mecanismos de gestão localizados nas áreas de sua
jurisdição”.
6
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
13
TAMASO, Izabela. Em nome do patrimônio: representações e apropriações da cultura na cidade de Goiás. Tese de
Doutorado em Antropologia Social. Brasília, Universidade de Brasília, 2007, p. 1. Cf. também MONNET, Jérôme. O
álibi do patrimônio: crise da cidade, gestão urbana e nostalgia do passado. Revista Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Rio de Janeiro, n. 24, 1996, p. 220-228; PEIXOTO, Paulo. O patrimônio mundial como fundamento de
uma comunidade humana e como recurso das indústrias culturais urbanas. Oficinas do CES, 155 – op. cit.
14
TAMASO, Izabela. Em nome do patrimônio: representações e apropriações da cultura na cidade de Goiás – op.
cit., p. 6.
15
Idem, ibidem.
16
RUBINO, Silvana. As fachadas da história: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, 1937-1986 – op. cit.; GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os
discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; IPHAN, 1996; CAVALCANTI, Lauro. Mo-
dernistas na repartição. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; IPHAN, 2000; FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio
em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009; SILVA,
Glaci Teresinha Braga da. A materialização da nação através do patrimônio: o papel do SPHAN no regime estado-
novista – op. cit.
7
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
17
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil – op.
cit., p. 111.
8
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Nesse sentido, podemos dizer que, mesmo passadas sete décadas de sua
criação, o IPHAN ainda mantém a superioridade do passado sobre o pre-
sente nas políticas públicas relacionadas a tombamento, restauração e va-
lorização do patrimônio histórico nacional, tentando com isso “reconstitu-
ir esse fio partido da tradição [...] através de monumentos por meio dos
quais se pode estabelecer uma relação com o passado”. Ainda hoje o pa-
trimônio é utilizado como elemento pacificador, pois a conservação pa-
trimonial fornece a certeza de uma ordem e de uma organização do senti-
do do mundo e mantém a sociedade distante de conflitos relacionados ao
seu cotidiano.19
18
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil – op. cit., p. 256.
19
SILVA, Glaci Teresinha Braga da. A materialização da nação através do patrimônio: o papel do SPHAN no re-
gime estadonovista. Op. cit., p. 14-15.
9
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
abordaram o patrimônio histórico nos Estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Goiás.20
Em Imagens do passado: a instituição do patrimônio em São Paulo – 1969-1987,
Marly Rodrigues abordou as relações entre história, patrimônio e memória nos dezoito primeiros
anos de atuação do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico (CONDEPHAAT), órgão de governo cujo objetivo é instituir e preservar o patrimônio
no Estado de São Paulo. Sua pesquisa amparou-se em ampla pesquisa da documentação da
instituição, como atas de reunião do Conselho, processos de estudo de tombamento, coleções de
leis e decretos, relatórios de gestão, correspondências, entrevistas e imprensa.21
Na esteira do trabalho de Marly Rodrigues, Teresa Jussara Luporini analisou a
política cultural formulada e adotada pelo governo do Estado do Paraná, na gestão 1991-1994. A
educadora recortou a política setorial da área da cultura optando pelo exame das ações
desenvolvidas, no âmbito da preservação, que apontaram para a composição de um inventário de
bens culturais destinado a manter e consolidar a identidade cultural paranaense e, neste sentido,
criando "lugares da memória", conforme definiu Pierre Nora.22
No caso de Minas Gerais, os estudos têm dado destaque para a cidade histórica de
Ouro Preto. Caion Meneguello Natal, por exemplo, estudou o processo histórico de
patrimonialização dessa cidade, ocorrido entre a última década do século XIX e o momento de
seu tombamento na década de 1930.
Neste sentido, o autor procurou compreender a maneira como a antiga Vila Rica –
20
O universo de obras no âmbito regional/local é muito vasto, por isso elegemos os seguintes trabalhos como uma
amostragem: RODRIGUES, Marly. Imagens do passado: a instituição do patrimônio em São Paulo, 1969-1987. São
Paulo: Ed. UNESP, 2000; LUPORINI, Teresa Jussara. Lugares de memória no Estado do Paraná: demandas e polí-
ticas pela preservação do patrimônio cultural. Dissertação de Mestrado em Educação. Campinas: Universidade Esta-
dual de Campinas, 1997; NATAL, Caion Meneguello. Ouro Preto: a construção de uma cidade histórica, 1891-1933.
Dissertação de Mestrado em História. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2007; TAMASO, Izabela. Em
nome do patrimônio: representações e apropriações da cultura na cidade de Goiás – op. cit.
21
RODRIGUES, Marly. Imagens do passado: a instituição do patrimônio em São Paulo, 1969-1987 – op. cit. Cf.
também ARANTES NETO, Antonio Augusto. Paisagens paulistanas: transformações do espaço público. Campinas;
São Paulo: Ed. UNICAMP; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000; FRÚGOLI JUNIOR, Heitor. Centrali-
dade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo: EDUSP, 2000; JOSÉ, Beatriz Kara.
A instrumentalização da cultura em intervenções na área central de São Paulo (1975-2000). Dissertação de Mestra-
do em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, Universidade de São Paulo, 2004; GONÇALVES, Cristiane Souza.
Restauração arquitetônica: a experiência do SPHAN em São Paulo, 1937-1975. São Paulo: Annablume, 2005; ZA-
NIRATO, Silvia Helena. São Paulo: exercícios de esquecimento do passado. Estudos Avançados. São Paulo, v. 25, n.
71, 2011, p. 189-204.
22
LUPORINI, Teresa Jussara. Lugares de memória no Estado do Paraná: demandas e políticas pela preservação do
patrimônio cultural – op. cit. Cf. também KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. Os rituais do tombamento e a
escrita da História: bens tombados no Paraná entre 1938-1990. Curitiba: Ed. UFPR; Imprensa Oficial do Paraná,
2000.
10
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
cenário do episódio da Inconfidência Mineira – adquiriu seu status de histórica e quais foram os
fatores políticos e valores socioculturais em jogo na construção e definição de sua imagem de
monumento histórico e artístico nacional. Segundo Caion Natal, no início do século passado,
após perder sua condição de capital do Estado de Minas Gerais, Ouro Preto precisou se afirmar
no imaginário social como cidade histórica – em busca de uma nova identidade, tornando-se uma
referência importante à constituição da identidade e tradição brasileira.23
Na tese de doutorado em antropologia Em nome do patrimônio: representações e
apropriações da cultura na cidade de Goiás, Izabela Tamaso – a partir de pesquisa com fontes
documentais e da etnografia – tomou como tema de estudo o processo de patrimonialização da
cidade de Goiás, ao longo da segunda metade do século XX. Sua pesquisa adotou como ponto de
partida os primeiros tombamentos realizados pelo SPHAN na década de 1950 e findou-se no
momento de outorga do título de patrimônio mundial em 2001, pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Por intermédio de uma antropologia do sistema patrimonial da cidade de Goiás – que
assim como Ouro Preto perdeu sua condição de capital do Estado para Goiânia – a autora
abordou, por exemplo, “o debate cultural que tem efeito por meio das estratégias e táticas
acionadas pelos agentes do patrimônio e pelos moradores da cidade, no que tange aos
patrimônios privados, públicos e religiosos” e “às fronteiras e às exclusões operadas pelo
processo de patrimonialização, o qual colaborou sobremaneira para cisão da área urbana em
Centro Histórico e periferia”.24
A temática do patrimônio histórico em Mato Grosso constitui-se ainda num campo
vasto de possibilidades de estudo, existindo poucas referências que têm basicamente como foco
23
NATAL, Caion Meneguello. Ouro Preto: a construção de uma cidade histórica, 1891-1933 – op. cit. Cf. também
MENICONI, Evelyn Maria de Almeida. Monumento para quem? – a preservação do patrimônio nacional e o orde-
namento do espaço urbano de Ouro Preto (1937-1967). Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. Belo Horizon-
te, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2004; OLIVEIRA, Melissa R. da Silva. Gestão patrimonial em
Ouro Preto: alcances e limites das políticas públicas preservacionistas. Dissertação de Mestrado em Geografia.
Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 2005; SILVA, Glaci Teresinha Braga da. A materialização da nação
através do patrimônio: o papel do SPHAN no regime estadonovista – op. cit., capítulo III.
24
TAMASO, Izabela. Em nome do patrimônio: representações e apropriações da cultura na cidade de Goiás – op.
cit., p. IX. Cf. também GOMIDE, Cristina Helou. Centralismo político e tradição histórica: cidade de Goiás (1930-
1970). Dissertação de Mestrado em História. Goiânia, Universidade Federal de Goiás, 1999; CARNEIRO, Keley
Cristina. Cartografia de Goiás: patrimônio, festa e memória. Dissertação de Mestrado em História. Goiânia: Univer-
sidade Federal de Goiás, 2003; DELGADO, Andréa Ferreira. A invenção de Cora Coralina nas batalhas da memó-
ria. Tese de doutorado em História. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 2005; FRAGA, Ademar. Goiás,
patrimônio da humanidade: aproveitamento socialmente ou exclusão social? Dissertação de Mestrado em Sociologi-
a. Goiânia, Universidade Federal de Goiás, 2005.
11
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
25
FREIRE, Júlio De Lamonica. Cuiabá: nosso bem coletivo. Cuiabá: EdUFMT, 1992; BRANDÃO, Ludmila de
Lima. A Catedral e a Cidade: uma abordagem da educação como prática social. Cuiabá: EdUFMT, 1997; LACER-
DA, Leilla Borges de. Catedral do Senhor Bom Jesus de Cuiabá: um olhar sobre sua demolição. Cuiabá: KCM,
2005; CONTE, Claudio Quoos e FREIRE, Marcus Vinicius De Lamonica. Centro Histórico de Cuiabá: Patrimônio
do Brasil. Cuiabá: Entrelinhas, 2005; ARRUDA, Márcia Bomfim de. As engrenagens da cidade: centralidade e po-
der em Cuiabá na segunda metade do século XX. Cuiabá: EdUFMT; Carlini & Caniato, 2010.
26
CONTE, Claudio Quoos e FREIRE, Marcus Vinicius De Lamonica. Centro Histórico de Cuiabá: Patrimônio do
Brasil – op. cit., p. 25.
27
Idem, ibidem.
12
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Tomando como recorte 1968 e 1990, a autora desenvolveu três movimentos analíticos
de investigação do tema: 1) os impactos no âmbito da cultura do processo de modernização, a
natureza dos conflitos e as avarias no patrimônio cultural da cidade; 2) a emergência do
movimento citadino de vertente preservacionista como uma resposta aos impactos dessa
modernização da cidade; 3) a análise do processo de tombamento do Centro Histórico de Cuiabá,
“por compreendê-lo como ‘exemplar’, na medida em que permite a confrontação das mais
importantes questões que envolvem o processo de modernização conflitual e seus impactos sobre
a cultura”.29
Nesse sentido, o livro Cuiabá: nosso bem coletivo, de Julio de Lamonica Freire serve
de testemunho e fonte da atuação desse movimento citadino, abordado por Ludmila Brandão.
Essa coletânea de artigos publicados pelo arquiteto na imprensa local nos anos 1970 e 1980
evidencia as preocupações de representantes desse movimento em preservar o Centro Histórico e
a região do Porto. Seus textos perpassavam por questões de extrema relevância para o movimento
preservacionista que despontava, bem como apontava possibilidades de ação. O autor se
apresentava como ator do processo de preservação e não somente um mero analista de situação
em si.30
A dissertação de mestrado em história, transformada em livro, Catedral do Senhor
Bom Jesus de Cuiabá: um olhar sobre sua destruição, de Leilla Borges Lacerda, retomou a
temática da demolição da antiga Catedral por três perspectivas: 1) identificação do jogo de forças
28
BRANDÃO, Ludmila de Lima. A Catedral e a Cidade: uma abordagem da educação como prática social – op. cit.,
p. 29-30.
29
Idem, p. 31-32.
30
FREIRE, Júlio De Lamonica. Cuiabá: nosso bem coletivo – op. cit. Cf. também FREIRE, Julio de Lamonica. Por
uma poética popular da arquitetura – op. cit.
13
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
institucionais e não institucionais que resultou na sua destruição; 2) análise dos “porquês” da
edificação da Basílica no mesmo local ocupado pela velha Matriz desde o século XVIII; e, em
seguida; 3) compreensão das tramas da história da Catedral, acompanhando o papel
desempenhado por esta edificação religiosa na constituição dos ambientes urbanos que foram o
arraial, a vila e cidade de Cuiabá.
Em síntese, a autora enveredou-se pelas histórias da construção, afirmação e
destruição deste patrimônio religioso da cidade:
31
LACERDA, Leilla Borges de. Catedral do Senhor Bom Jesus de Cuiabá: um olhar sobre sua demolição – op. cit.,
p. 19.
14
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
o início de um maior índice de controle sobre o espaço urbano com políticas preservacionistas.32
Essa presença do poder público federal, por meio do IPHAN, a partir desse período se dará em
outros espaços do Estado como Vila Bela da Santíssima Trindade (1988) e Cáceres (2010). No
caso destas duas últimas cidades, os estudos ainda são muito poucos ou quase inexistentes.
No livro As engrenagens da cidade: centralidade e poder em Cuiabá na segunda
metade do século XX, Márcia Bomfim de Arruda trouxe novamente o processo de tombamento
do Centro Histórico de Cuiabá para o centro de sua análise fazendo uma reflexão sobre o
processo de modernização capitalista da cidade entre as décadas de 1960 e 1990. Com base na
consulta de discursos e opiniões publicadas na imprensa, a autora procurou entender o fenômeno
da descentralização de Cuiabá, lançando um olhar especial sobre de que maneira o tombamento
exerceu um controle dos lugares da cidade e, por consequência, da população. Neste sentido, ela
aprofundou seus estudos sobre as implicações do discurso jurídico e do ordenamento urbano no
processo de tombamento.
Ao longo do livro, Márcia Bomfim de Arruda analisou o processo de descentralização
de Cuiabá a partir de três eixos temáticos: 1) “a questão da modernização de Cuiabá e as
mudanças que ocorreram na materialidade da cidade”; 2) “Processo de tombamento do Centro,
das motivações apresentadas pelos técnicos envolvidos, os argumentos para fazer do Centro um
patrimônio” e; 3) “as práticas de controle da população e dos mecanismos que foram criados para
disciplinar os indivíduos”.33
Após analisarmos esses estudos sobre o patrimônio em Mato Grosso, podemos
evidenciar algumas considerações necessárias: 1) como já foi observada, a presença de poucos
estudos sobre a temática no Estado34; 2) a concentração das abordagens na experiência de Cuiabá,
mais especificamente do tombamento do seu Centro Histórico – o que demanda ainda muitos
estudos; 3) a necessidade de pensar a política patrimonial a partir da realidade de outras
32
Segundo Márcia Bomfim de Arruda, “o processo administrativo que validou juridicamente o tombamento foi aber-
to em 1985 e concluído em 1993, quando houve o registro do Livro Tombo”. ARRUDA, Márcia Bomfim de. As
engrenagens da cidade: centralidade e poder em Cuiabá na segunda metade do século XX – op. cit., p. 13.
33
Idem, p. 17-18.
34
Outro trabalho de extrema relevância que enfocou preservação do patrimônio cultural, desta vez sob a ótica dos
resultados obtidos através de políticas públicas, foi o de Waldson Luciano Corrêa Diniz. Na dissertação de Mestrado
em História Patrimônio Histórico de Corumbá: imagens e poder (1937-2003), o autor estudou as políticas públicas
implementadas na cidade, enfocando as ações do Monumenta – um programa estratégico do Ministério da Cultura
que atua na preservação patrimonial em consonância com o desenvolvimento econômico em cidades tombadas pelo
IPHAN. Cf. DINIZ, Waldson Luciano Corrêa. Patrimônio Histórico de Corumbá: imagens e poder (1937-2003) –
op. cit.
15
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
experiências em Mato Grosso, como os casos de Vila Bela da Santíssima Trindade e Cáceres 35; 4)
a importância de se estudar as articulações, negociações e conflitos existentes entre os agentes do
patrimônio (IPHAN, por exemplo), as autoridades públicas, os intelectuais e a população nos
debates sobre as políticas públicas de preservação no Estado e; 5) a comparação da realidade
local com experiências de tombamento e preservação do patrimônio em outros Estados/cidades
no país.
Neste sentido, a presente proposta de pesquisa apresenta-se, a partir de um diálogo
com esta bibliografia, como um aprofundamento da abordagem da temática do patrimônio
histórico em Mato Grosso, explorando aspectos relacionados às demandas e às políticas de
preservação na construção dos seus lugares de memórias.
35
A pesquisa sobre o patrimônio religioso de Mato Grosso, publicada recentemente pela historiadora e educadora
Simone Ribeiro Nolasco, por exemplo, lidando com as práticas de devoções no período colonial em Cuiabá, é singu-
lar para se pensar o patrimônio imaterial – uma temática ainda muito recente para a historiografia do patrimônio no
Brasil. Cf. NOLASCO, Simone Ribeiro. Patrimônio Cultural e Religioso. A Herança Portuguesa nas Devoções da
Cuiabá Colonial. Cuiabá: Entrelinhas; EdUFMT, 2010
16
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
36
LE GOFF, Jacques. História. In: História e Memória. 5. ed. Campinas: Ed. UNICAMP, 2003, p. 48.
37
Idem, p. 51.
17
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
38
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre representações e práticas. Lisboa: DIFEL, 1990, p. 13-28.
39
Idem, p. 18.
18
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
A partir das afirmações de Pierre Nora, analisamos os sentidos das demandas e políti-
cas de preservação do patrimônio histórico em Cuiabá que têm primado por criar e conservar os
seus “lugares de memória” transformados em “bens oficialmente protegidos, tangíveis e intangí-
veis, que participam da construção do pertencimento, das identidades e da continuidade da expe-
riência social” regional e nacional.41
Feitas as devidas apresentações do tema, eis a estrutura dos capítulos:
O primeiro capítulo prima por entender o momento em que as primeiras discussões
acerca da preservação se fizeram presentes na cidade de Cuiabá, de forma a contextualizar esse
momento histórico na conjunção nacional de ampliação das fronteiras e fortalecimento da
identidade brasileira.
No segundo capítulo é possível observar, dentro da política de preservação no Estado
de Mato Grosso, as disputas travadas após o tombamento do Centro Histórico de Cuiabá, se
consideramos o tombamento a primeira grande intervenção do governo federal na proteção do
patrimônio. Neste capítulo também se podem observar as disputas entre os entes públicos e o
entrave que significou o pedido de impugnação impetrado por moradores da área tombada. Aqui
ainda se discutem os conceitos de estética vigentes no ideal desses moradores e comerciantes do
Centro Histórico de Cuiabá.
O terceiro e último capítulo pauta-se na segunda grande intervenção pública federal
na cidade de Cuiabá, o “PAC Cidades Históricas”, projeto que redefine as diretrizes e políticas de
preservação para os próximos três anos. A partir das análises travadas nesta terceira parte,
também podemos identificar os atores responsáveis pela preservação do patrimônio cultural de
forma a buscarmos definições acerca de demandas de preservação que transcendem o restauro,
40
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n. 10, dez. 1993,
p. 13.
41
ARANTES, Antonio Augusto Arantes. Patrimônio cultural: desafios e perspectivas, in: Patrimônio imaterial:
política e instrumentos de identificação, documentação e salvaguarda. Brasília: UNESCO; IPHAN; MinC, 2008, p.
1.
19
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
mas que se definem por intermédio de uma política de preservação pautada prioritariamente na
educação patrimonial.
Fruto de dois anos de trabalho, compartilhados com o dia a dia dos fazeres e desafios
dos compromissos profissionais dentro do IPHAN em Mato Grosso como servidora de carreira,
esta dissertação traz nas suas linhas e entrelinhas as angústias, expectativas e esperanças acerca
de uma paixão: a preservação e a visibilidade do patrimônio material e imaterial que constitui os
encantos dessa cidade.
É um estudo que não deixa de ser uma reflexão na prática e uma justa homenagem ao
colega Claudio Quoos Conte, ex-superintendente do IPHAN Mato Grosso e um apaixonado pelas
questões do patrimônio, que nos deixou de uma forma tão inesperada e desconcertante. A história
que aqui se conta e compartilha é também dele – uma forma de manter viva e latente a memória
das suas lutas e ideais... Boa leitura!
20
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
CAPÍTULO 1
21
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Figura 1 - Skyline do centro de Cuiabá, vista do morro do Seminário (MT). 1968. Fonte: IBGE.
42
FREIRE, Júlio De Lamonica. Por uma poética popular da arquitetura. Cuiabá: EdUFMT, 1997, p. 18.
22
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
A mancha urbana a que se refere o autor constitui o que entendemos hoje por Centro
Histórico de Cuiabá, patrimônio do Brasil.
43
Idem, p. 27-54.
23
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
A derrubada da antiga Catedral do Bom Jesus de Cuiabá pode ser entendida como a
primeira grande cicatriz em nossa construção urbana do século XVIII, pois apesar da derrubada
do Palácio Alencastro ter acontecido em 1959, somente após 1968 com a demolição da igreja é
que se iniciam os grandes debates acerca da preservação. Tal evento aproxima-se das pondera-
ções feitas por Myrian dos Santos:
46
Idem, ibidem.
47
SANTOS. Myrian Sepúlveda dos Santos. Museu Imperial: a construção do Império pela República. In: ABREU,
Regina e CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e Patrimônio: Ensaios Contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003,
p. 129.
25
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
48
BRANDÃO, Ludmila de Lima. A Catedral e a Cidade: uma abordagem da educação como prática social. Cuiabá:
EdUFMT, 1997, p. 38.
49
FREIRE, Júlio De Lamonica. Por uma poética popular da arquitetura – op. cit., p. 127.
26
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Em sua análise, o autor segue dialogando com a historiadora e crítica de arte Aline
Figueiredo que afirma que a perda de alguns de nossos monumentos fez com a sociedade perdes-
se referências, o que, portanto, desestimulou a preservação.
De acordo com Ludmila Brandão,
50
BRANDÃO, Ludmila de Lima. A Catedral e a Cidade: uma abordagem da educação como prática social – op. cit.,
p. 92.
27
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Estava claro neste episódio que havia uma ligação emocional da cidade com a Cate-
dral demolida. Para José Lemes Galvão Junior,
51
Idem, p. 91.
52
GALVÃO JUNIOR, José Lemes. Patrimônio Cultural Urbano: preservação e desenvolvimento. Dissertação de
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. Brasília, Universidade de Brasília, 2001, p. 11.
28
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
A construção dessa paisagem era marcada por uma seleção que estabele-
cia o que deveria entrar e sair dela. A igreja Barroca e o Palácio dos Go-
vernadores foram demolidos, o coreto e o gasômetro foram conservados.
Se a questão fosse a simples destruição do passado, como gostam de dizer
os preservacionistas, por que se pouparia o gasômetro e o coreto? O que
significava essas escolhas?53
Na sua leitura, estava claro que a demolição da Catedral e do Palácio dos Governado-
res tinha como objetivo a demonstração do poder local:
blica somente a decisão quanto ao estilo arquitetônico que consolidaria o projeto de renovação
imposto de cima para baixo.
Figura 5 - Antiga Catedral do Bom Jesus de Cuiabá durante a demolição. 1968. Fonte: IBGE.
30
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
A luta pela demarcação de espaço era o que estava realmente em jogo, e nesta de-
monstração de força foi a arquitetura setecentista de Cuiabá impactada.
Para Pierre Bourdieu,
55
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 11.
31
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
O espaço do poder foi remodelado, mas permaneceu ostentando sua vocação de ori-
gem. Definida no marco inicial do centro urbano do Arraial/Vila do Senhor Bom Jesus, essa área
é denominada por Carlos Alberto Rosa como Quadrilátero da Matriz. Para o autor, esse espaço
era por excelência um lócus de representação do poder.57 Nos dias de hoje esse ambiente ainda
possui a mesma simbologia, representando o poder político municipal (Palácio) e o eclesiástico
por conter a nova Igreja Matriz.
Figura 7 - Avenida Getúlio Vargas/Nova Igreja Matriz. Década de 1980. Fonte: MISC.
56
FREIRE, Júlio De Lamonica. Por uma poética popular da arquitetura – op. cit., p. 121.
57
ROSA, Carlos Alberto. A Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (vida urbana em Mato Grosso no Século
XVIII: 1722-1808). Tese de Doutorado em História Social. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1996, p. 99.
32
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Diante das mudanças que estavam postas no coração da cidade, seria preciso preser-
var essa memória da Cuiabá antiga de forma a não termos nossa identidade usurpada: “memória é
um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é
uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angús-
tia”.59
A partir das afirmações de Pierre Nora, é possível entender as demandas das políticas
de preservação do patrimônio histórico em Mato Grosso, que tem primado por criar e conservar
“lugares de memória”.
Neste jogo de esquecer e lembrar, a memória como processo coletivo, resultado de
uma série de fatos que nos fazem selecionar determinados episódios, que nos faz eternizar uma
dor ou simplesmente esquecer, passa por processo de eleição dos recortes feitos pelos intelectu-
ais, jornalistas, inclusive a própria opinião pública que no caso de Cuiabá, diante da necessidade
de afirmar a identidade de cidade setecentista, não concordou passivamente com a perda destes
“espaços de memória”.60
58
SILVA, Agnaldo Fernandes da. O Seminário Episcopal da Conceição: usos e significações de um espaço de me-
mória (Cuiabá - Mato Grosso, séculos XIX e XX). Dissertação de Mestrado em História. Cuiabá, Universidade Fede-
ral de Mato Grosso, 2013, p. 18.
59
LE GOFF, Jaques. História Memória. 5. ed. Campinas: Ed. UNICAMP, 2003, p. 469.
60
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n. 10, dez. 1993,
p. 13.
33
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
O poder eclesiástico agiu com o apoio do Estado e o movimento social reagiu. Diante
da perda e das polêmicas, não tardou que a sociedade se reportasse ao órgão do governo federal
responsável pela preservação da memória arquitetônica, até porque o bem que havia sido destruí-
do tinha o exato perfil dos bens evidenciados pelo IPHAN em suas primeiras décadas de existên-
cia.
De acordo com Paula Porta,
61
FREIRE, Júlio De Lamonica. Por uma poética popular da arquitetura – op. cit., p. 127.
62
BRANDÃO, Ludmila de Lima. A Catedral e a Cidade: uma abordagem da educação como prática social – op. cit.,
p. 91.
63
CANCLINI, Néstor García. Patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, n. 23, 1994, p. 100.
64
PORTA, Paula. Políticas de preservação do Patrimônio cultural do Brasil: diretrizes, linhas de ação e resultados:
2000/2010. Brasília: IPHAN/Monumenta, 2012, p. 11.
34
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Um novo perfil à área central da cidade, exercendo forte pressão para alte-
rar, também, a fachada colonial da Catedral, como de fato aconteceu. A Ca-
tedral do Bom Jesus de Cuiabá perdeu sua torre em forma de meia laranja,
e ganhou duas, uma à esquerda e outra à direita, em formato piramidal. E-
las eram mais altas que a anterior. Essa reforma alterou completamente a
fachada da Catedral, e décadas mais tarde foi usada como argumento para
justificar o seu não tombamento, em razão da descaracterização do tem-
plo.66
O ideal de autenticidade presente nas ações do DPHAN teria seus fundamentos ques-
tionados nos dias de hoje. Para Néstor Canclini, mais importante que buscar autenticidade é sim
buscarmos o que de fato é culturalmente representativo:
65
Cf. LACERDA, Leilla Borges. Catedral do Senhor Bom Jesus de Cuiabá: um olhar sobre sua demolição – op. cit.
66
LACERDA, Leila Borges e JESUS, Nauk Maria. Igreja de Nossa Senhora do Rosário e Capela de São Benedito:
Um diálogo entre a História e a Arquitetura. Cuiabá: Entrelinhas, 2008, p. 131.
35
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
67
CANCLINI, Néstor García. Patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional – op. cit., p. 113.
36
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
68
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil – op. cit., p. 107.
69
Segundo Maria Cecília Londres Fonseca, ao analisar o conjunto de bens tombados, até o final de 1969 pelo órgão,
havia a predominância de edificações de arquitetura religiosa – sendo 368 dos 803 bens. FONSECA, Maria Cecília
Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil – op. cit., p. 113.
37
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Por entender pertinente a indicação feita por Edgard Jacinto da Silva, Rodrigo Melo
Franco de Andrade, responsável pelo DPHAN, hoje IPHAN, encaminhou em 14 de janeiro do
mesmo ano a notificação de n. 782, endereçada ao Senhor Arcebispo Dom Antônio Campelo
Aragão.70
Nesse documento, Rodrigo Melo Franco declarava ter a honra de levar ao conheci-
mento do reverendo a determinação da inscrição, no Livro Tombo das Belas Artes, as obras de
arte religiosas pertencentes à Arquidiocese, entre altares, imagens antigas e peças de prata da
Catedral Metropolitana do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, no Estado de Mato Grosso.
No pedido de anuência ao reverendo para este tombamento, solicitava que fosse acu-
sado o recebimento da notificação. Sem obter resposta, em 12 de março de 1957 houve uma nova
notificação nos mesmos termos, também sem resposta. Sem o consentimento do reverendo, ape-
sar de o Decreto-lei n. 25/1937 informar que:
70
DPHAN. Processo de Tombamento n. 553-T-57-A, p. 2.
38
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
71
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil – op. cit., p. 214.
72
Idem, p. 215.
39
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
1968, da demolição da velha Catedral de Cuiabá, construída em 1722, ao destacar que a Igreja
Católica era a instituição privada mais atingida pelas políticas de tombamento federal, somando
mais de 50% dos bens tombados, Márcia Chuva observa um aspecto identitário problemático – a
articulação de “valores cívicos e patrióticos a valores religiosos, como se estes fossem constituin-
te daqueles e vice-versa”, concedendo à Igreja papel primordial na construção da nação e na for-
mação do Estado.73
O representante da APINCO argumentou que a igreja estava tão sólida a ponto de re-
sistir ao efeito de repetidas explosões de dinamite, sendo, portanto, uma edificação que aparen-
temente não ameaçava ruir74.
O texto segue fazendo referência à perda, afirmando que a demolição causava pro-
funda tristeza a todos aqueles que se interessam pela preservação de bens históricos. No ofício
endereçado ao DPHAN, o secretário geral persistia em lamentar o quão penoso era verificar que
o órgão, que em outras ocasiões se mostrara tão zeloso na defesa de nosso passado, naquele mo-
mento permitira tal iniciativa.75 Neste documento, pede explicações em nome do povo brasileiro
e sugere que quando for inevitável derrubar um edifício histórico, deve ser feito um amplo e pré-
vio esclarecimento, e que se mostre ao público a mais absoluta necessidade da medida.
Em reportagem de O Estado de São Paulo que se encontrava anexa ao processo de
tombamento em epígrafe, o jornalista Pedro Rocha Jucá, correspondente em Cuiabá, relata deta-
lhes da demolição e comenta que a pendência dividiu a população mato-grossense: uma parte
comovida com o desfalque que houve na cidade com a demolição; outra parte alegando que a
tradicional igreja já não podia mais enfrentar a ação desagregadora do tempo.
Para Ludmila Brandão, o ritmo e a violência dessa “modernização conflitual” em
Cuiabá acabaram por
77
DPHAN. Processo de Tombamento n. 553-T-57-A, p. 7.
78
Cf. GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. A Lenda do Ouro Verde: política de colonização no Brasil contemporâ-
neo. Cuiabá: UNICEN; UNESCO, 2002; JOANONI NETO, Vitale. Fronteiras da crença: a ocupação do norte de
Mato Grosso após 1970. Cuiabá: EdUFMT, 2007.
79
D’ALESSIO, Márcia Mansor. Metamorfose do Patrimônio: o papel do historiador. Revista do Patrimônio Históri-
co e Artístico Nacional. Brasília, n. 34, 2012, p. 83.
42
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Mato Grosso como símbolo de conquistas territoriais está latente neste processo de preservação –
vide o culto à figura do bandeirante.80
Diante do acontecido, o arquiteto Edgar Jacinto da Silva, que em 1957 já havia pro-
posto dentro da DPHAN o tombamento dos altares, bem como da edificação da Igreja Nosso Se-
nhor Bom Jesus de Cuiabá, em 29 de outubro de 1968 reitera ao diretor do SPHAN a proposta de
indicação para que se efetivasse, desde logo, as medidas protetoras pleiteadas outrora para o con-
junto de altares, imagens antigas e alfaias das igrejas Catedral Metropolitana, e da Igreja de Nos-
sa Senhora do Rosário e Capela de São Benedito.
Segundo Edgar Jacinto, era preciso solicitar ao cura, na figura de Dom Orlando Cha-
ves, informações acerca das condições reais em que se encontravam essas peças, uma vez que
houve o seu desmantelamento, para que assim fosse possível deliberar sobre seu aproveitamento
de maneira adequada na nova edificação. Para o arquiteto era imprescindível que fossem verifi-
cadas as condições desses altares, pois haviam se passado muitos anos desde o inventário inicial,
datado de 1957.
Entre as medidas adotadas pelo DPHAN na defesa de seu papel de preservação está o
ofício que Renato Soeiro, diretor do DPHAN à época, no qual o diretor informava preliminar-
mente ao secretário da APINCO que não havia inscrição da Catedral do Bom Jesus no Livro
Tombo daquela Diretoria.
Nas palavras de Renato Soeiro81, não havia tal tombamento por lhe faltar, no âmbito
nacional, as características de valor excepcional que justificassem a medida, uma vez que em
1868 passou por grandes reformas que lhe desfiguraram gravemente sua antiga feição exterior.
Segue esclarecendo que o templo em causa data de 1755, construído para substituir a primitiva
igreja, coberta de palha, erigida em 1722. Por volta de 1955, verificou-se que a capela-mor havia
sido inteiramente destruída, descaracterizando assim, irreparavelmente, a construção original,
restando apenas suas respectivas obras de talha, conforme descrito abaixo:
80
Ao abordar a força da imagem do bandeirante no imaginário nacional e regional, Luiza Volpato observou que
“essa mítica está tão amplamente divulgada e tão profundamente enraizada que faz parte do senso comum e é tida e
aceita como correta e definitiva. Ela permeia praticamente toda a literatura sobre o assunto e dificulta a busca de uma
interpretação crítica do fenômeno bandeirantista”. VOLPATO, Luiza R. R. Entradas e bandeiras. 3. ed. São Paulo:
Global, 1985, p. 17.
81
Renato de Azevedo Duarte Soeiro trabalhou no Iphan por 41 anos, sendo 21 anos dedicados a Divisão de Conser-
vação e Restauro e os 12 últimos como Presidente da Instituição de 1967 a 1979. Sucedeu Rodrigo Melo Franco.
43
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
82
Idem, p. 9.
83
DPHAN. Processo de Tombamento n. 553-T-57-A, p. 9.
84
Rocha Miranda, arquiteto modernista, compôs a primeira equipe de defesa do patrimônio do Sphan, atuava na
identificação de bens que seriam indicados para o tombamento.
44
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Não há no processo aberto em 1957 nenhuma resposta ao pedido de que fosse averi-
guada a existência de edificações que pudessem ser destacadas em Cuiabá. Apenas em 1985 seria
dado início ao processo de tombamento do Centro Histórico da capital.
Diante do exposto, Renato Soeiro, diretor da instituição de preservação, assim o pro-
cede, encaminhando correspondência ao arquiteto Rocha Miranda solicitando que em sua visita a
Cuiabá não somente observasse a conservação dos antigos altares da recém-demolida Catedral,
mas também verificasse acerca da existência de sobrados antigos documentados por volta da dé-
cada de 1950, que parecessem dignos de tombamento. Pedia também que informasse, para este
fim, a localização dos imóveis, o nome e o endereço dos respectivos proprietários.
A inspeção de Rocha Miranda não se concretiza, ficando a cargo do arquiteto Edgar
Jacinto a visita indicada pelo SPHAN, seria esse, efetivamente o primeiro olhar do órgão para a
preservação da arquitetura de Cuiabá. Edgard Jacinto Silva alertava para a necessidade de conti-
nuar a instalação da rede de museus regionais, como outrora foi realizado em Goiás com a im-
plantação do Museu das Bandeiras. Pelo fato de Mato Grosso ter como marco evocador o movi-
mento das monções, seria, portanto, uma oportunidade de marcar no Estado tal fato histórico tão
preponderante na formação da identidade nacional. Eis a força do fantasma do bandeirante.85
Rocha Miranda, o arquiteto responsável por verificar se em Cuiabá ainda era oportu-
no o tombamento dos altares da demolida Catedral, no retorno da estadia em Mato Grosso, co-
municou ao DPHAN que a Igreja do Rosário e Capela de São Benedito em Cuiabá continuavam
exatamente na mesma forma.
Diante das informações obtidas através da visita, foi solicitado pelos técnicos que sem
mais obstáculos fosse prosseguida a inscrição da Igreja do Rosário e Capela de São Benedito no
Livro Tombo, para que não se corresse o risco de novamente se perder um importante bem, desta
vez sob o argumento de ser um dos últimos remanescentes da manifestação artística ocorrida nos
fins do século XVIII e que ainda fazia jus à preservação da alçada federal, até por ser essa uma
região carente de outros testemunhos da sua memória cultural.
A grande importância histórica neste tombamento pode ser observada em inúmeras
ilustrações iconográficas dos séculos XVIII e XIX, conforme a descrição de Claudio Quoos Con-
te e Marcus Vinicius De Lamonica:
85
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. A Lenda do Ouro Verde: política de colonização no Brasil contemporâneo
– op. cit., p. 50.
45
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Apesar de sua arquitetura muito alterada, o entendimento que estava sendo proposto
na retomada do tombamento visava à proteção da edificação como forma de garantir a preserva-
ção dos elementos contidos em seu interior, exatamente como proposto no início do pedido de
tombamento da Catedral, em 1957. Nas palavras de Edgard Jacinto da Silva, arquiteto responsá-
vel pela vistoria:
O interior da igreja não foi alterado, como descrito por Claudio Quoos Conte e Mar-
cus Vinicius De Lamonica, apesar das inúmeras modificações na fachada da edificação. A igreja
manteve, ao longo dos séculos, três altares que possuem talhas douradas sobre fundo a cores, um
altar-mor que
86
CONTE Claudio Quoos e FREIRE, Marcus Vinícius de Lamonica. Centro Histórico de Cuiabá: Patrimônio do
Brasil. Cuiabá: Entrelinhas, 2005, p. 33.
87
DPHAN. Processo de Tombamento n. 553-T-57-A, p. 13.
46
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Merece atenção especial pelo raro trono constituído por três lances super-
postos em forma bombeada, tendo no nicho central a imagem da padroei-
ra, Nossa Senhora do Rosário. Também no altar-mor, à esquerda, está a
imagem de São Vicente de Paulo e, à direita, a de São José (...). Possui
ainda tribunas bem mais simples, decoradas com tábuas recortadas e pin-
tadas. No corredor lateral esquerdo, localiza-se a Capela de São Benedito,
onde são depositados pelos fiéis os ex-votos em agradecimento à graça
alcançada.88
Cabe destacar que, apesar também de ter passado por inúmeras alterações,
Para dar sequência ao processo de tombamento que havia estagnado, a chefe da Seção
de Arte, Lígia Martins da Costa, em novembro de 1975, fez um parecer técnico descrevendo com
detalhes as características dos retábulos90, alfaias, imagens e lampadários, recomendando por fim
o tombamento de todos os bens móveis contidos na Igreja Nossa Senhora do Rosário e Capela de
São Benedito.
A autora do parecer indicava que o tombamento deveria ser proposto o quanto antes,
de forma a finalizar uma demanda de 1957 que não se formalizou por um lapso na notificação
encaminhada ao bispo.
Desta vez a correspondência do DPHAN retornou assinada pelo reverendo Dom Or-
lando Chaves, arcebispo metropolitano de Cuiabá, assim sendo, o trâmite foi concluído em janei-
ro de 1976 com a seguinte inscrição:
88
Idem, p. 33.
89
LACERDA, Leila Borges e JESUS, Nauk Maria. Igreja de Nossa senhora do Rosário e capela de São Benedito:
um diálogo entre a História e a Arquitetura – op. cit., p. 136.
90
A partir de agora será usado a palavra retábulo, por se tratarem de peças de estrutura ornamental de talha, concebi-
das para a área lateral da igreja. Altar refere-se ao local onde o sacerdote realiza os ritos religiosos, sendo, portanto o
termo mais adequado.
47
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
91
DPHAN. Processo de Tombamento n. 553-T-58-A, p. 18.
92
Idem, p. 72.
93
SILVA, Agnaldo Fernandes da. O Seminário Episcopal da Conceição: usos e significações de um espaço de me-
mória (Cuiabá - Mato Grosso, séculos XIX e XX) – op. cit., p. 265.
48
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Com o tombamento da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, incluindo todo o seu re-
cheio, metade do processo havia se findado. No entanto, com este tombamento, somente parte da
demanda inicial tinha sido cumprida, pois ainda não havia sido dado um desfecho para o tomba-
mento dos bens móveis presentes no interior da antiga Catedral.
Com o findar do tombamento da Igreja do Rosário, sem maiores explicações, o pro-
cesso de tombamento dos altares ficou parado por um considerável tempo e por ordem da chefe
de Divisão de Estudos e Acautelamentos do IPHAN. Em 1999, foi encaminhado um memorando
à coordenadora de Proteção deste Instituto, na intenção de retomar o processo de tombamento
sobrestado no âmbito desta Diretoria de Proteção.
Ao analisar a quantidade de processos de tombamento parados, que ainda estavam em
fase de estudos, Maria Cecília Londres Fonseca argumenta que a primeira conclusão a que se
pode chegar
94
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil – op. cit., p. 182.
95
DPHAN. Processo de Tombamento n. 553-T-57-A, p. 28.
49
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
mento dos altares da antiga Catedral Matriz de Cuiabá.96 Pablo Diener Ojeda afirmou em seu
parecer que, apesar de o estado de conservação destes bens estar ruim, acreditava ser possível
resgatar o conjunto, pois entendia ser possível a recuperação.
O historiador fez observações acerca da importância de belas artes destes retábulos,
defendendo-os como belíssimos representantes do Barroco brasileiro, com composição e talha de
muito boa qualidade:
O trabalho final, com os laudos referentes aos quatro retábulos da antiga Catedral,
trazia anexas as fichas descritivas e mais 22 fotografias e seus respectivos negativos. Não foram
encaminhadas as fichas correspondentes ao altar-mor, nem mesmo havia menção sobre ele no
material encaminhado. Este teria sido desmontado em primeiro lugar, quando da derrubada dos
fundos da Catedral e teria sido danificado completamente ao ser colocado em local inadequado.
Não existe no processo relatos sobre o paradeiro deste bem, no entanto, seu desaparecimento se
deu antes de o tombamento concretizar-se.
Na busca por salvaguardar obras de arte e ofícios tradicionais, produzidos no Brasil
até o fim do período monárquico, em 1965 é aprovada a Lei n. 4845/1965 que regulamenta até
hoje a saída de obra de arte do país:
Art.1º - Fica proibida a saída do País de quaisquer obras de arte e ofícios tradi-
cionais, produzidas no Brasil até o fim do período monárquico, abrangendo não
só pinturas, desenhos, esculturas, gravuras e elementos de arquitetura, como
também obra de talha, imaginária, ourivesaria, mobiliário e outras modalidades.
96
Idem, p. 32.
97
Idem, p. 51.
50
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Todavia, a legislação não proíbe a circulação nem a venda das obras de arte dentro do
Brasil, portanto a preservação dos bens coloniais pertencentes às igrejas históricas de Cuiabá es-
teve sempre à mercê do bom entendimento de preservação do patrimônio dos sacerdotes fiéis
depositários dos bens sacros da capital.
Adiante, com o projeto da retomada de processos de tombamentos sobrestados e com
a contratação dos serviços do historiador responsável por inventariar os remanescentes retábulos,
coube à museóloga Glaucia Côrtes de Abreu opinar acerca do tombamento. O parecer do Depar-
tamento de Proteção, o DEPROT, assinado por Abreu, foi favorável por entender a relevância.98
O parecer técnico lamenta as peças de prata e imagens religiosas que foram perdidas, pois cons-
tava no primeiro inventário, realizado na abertura do processo, ainda na década de 1950, descri-
ções de peças em prata e imagens sacras.
Não consta no processo documentação referente à construção dos retábulos, mas in-
formações bibliográficas99 arroladas no processo revelam que o mestre pintor e dourador João
Marcos Ferreira teria sido contratado para dourar o retábulo da Capela-Mor, pelos idos de 1781; e
que por volta de 1885 o artista Henrique Veiga Vale teria feito o redouramento dos retábulos,
mas a autora do parecer não explicita claramente as fontes.
Para a museóloga Glaucia Abreu, a situação dos retábulos, descontextualizados de
seu ambiente original e montados de forma incompleta, em decorrência do ambiente físico onde
se encontram, dificultaria a apreciação das qualidades artísticas, sugerindo assim que houvesse o
cotejamento das fotos antigas e atuais para possibilitar uma melhor avaliação de suas importantes
características. Segue descrevendo as características de cada altar.
Depois de relatar o estado de conservação dos altares, pontuou nas considerações fi-
nais que Mato Grosso foi uma das capitanias mais singulares do período colonial, em virtude de
sua localização geográfica e por suas minas de ouro, destacou ainda que a distância e o isolamen-
to sempre foram responsáveis pelas dificuldades ao desenvolvimento e que o ciclo do ouro mato-
grossense foi repleto de adversidades.
98
Idem, p. 58.
99
Idem, p. 74-75.
51
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
O coordenador técnico de proteção José Leme Galvão Junior, em seu despacho final
que deliberou por definitivo acerca do tombamento, fez questão de evidenciar que o tombamento
referia-se somente aos altares, não estando os bens inicialmente arrolados junto com os altares,
que já não constituíam parte do processo.100
O início do processo de tombamento fazia referência a inúmeros bens móveis, além
dos altares. O inventário inicial descrevia lampadários, imagens sacras, mas o despacho final sa-
lientava que o tombamento referia-se somente aos altares, até porque na década de 1990 já não
existiam mais esses bens móveis.
Ao longo dos anos, desde a demolição, a arte sacra pertencente à antiga Catedral foi
se perdendo. Nos relatos de José Claudino da Nóbrega, descritos por meio de uma publicação
intitulada Memórias de um Antiquário Viajante, é possível ter ciência do destino tomado por es-
sas peças.
Nesta publicação o autor revelou suas impressões acerca das transformações da pai-
sagem urbana da capital de Mato Grosso, enquanto relatava suas muitas aventuras entre idas e
vindas em busca de relíquias históricas do Estado.
Quando descreve sua quinta vinda a Cuiabá, vez na qual pôde observar a execução da
nova Catedral, o autor comentou a impressão que teve quando avistou as obras da nova igreja:
100
Idem, p. 80.
101
NÓBREGA, José Claudino da. Memórias de um Antiquário Viajante. Cuiabá: Instituto Histórico e Geográfico do
Estado de Mato Grosso, 2001 (Publicações Avulsas), p. 32.
102
Idem, p. 33-34.
52
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
53
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
A briga inicial para que o município parasse de emitir alvarás que permitissem a de-
molição/construção ou mesmo restauração em bens localizados na área tombada chegou à Justiça
Federal em julho de 1990. O juiz da Primeira Vara da Justiça Federal, Mário Figueiredo Ferreira
Mendes, concedeu liminar impetrada pelo Ministério Público contra o então prefeito de Cuiabá,
Frederico Campos, e o município. A partir desta data, a Prefeitura só poderia emitir alvará para
intervenções na área tombada se anteriormente o SPHAN desse sua anuência.104
A Prefeitura se defendeu, mas o fato que é nesta “queda de braço” a maior vítima foi
o patrimônio, pois mesmo após o tombamento da cidade edificações muito relevantes para o con-
junto foram demolidas, modificadas ou abandonadas.
Após inúmeras discussões e embates políticos foi preciso dar início ao processo de
tombamento do conjunto histórico de Cuiabá. Mas, por esse espaço ter passado por tantas perdas
nas últimas décadas, seria necessário uma interpretação bem específica das delimitações deste
perímetro. De acordo com Júlio De Lamonica,
103
SPHAN. Processo de Tombamento n. 1180-T-85, apenso II, p. 5.
104
Idem, p. 25.
105
FREIRE, Júlio De Lamonica. Por uma poética popular da arquitetura – op. cit., p. 132.
54
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Para o início do processo de tombamento da cidade de Cuiabá foi preciso muita sen-
sibilidade da equipe responsável pelo levantamento, de forma a entender essa dinâmica da cidade
diante da grandeza deste signo.
106
IPHAN. Carta de Washington 1986. Carta internacional para a salvaguarda das cidades históricas. Cartas Patri-
moniais. Caderno de documentos. Rio de Janeiro: IPHAN, 1995, citado por MOTTA, Lia. O patrimônio cultural
urbana à luz do diálogo entre história e arquitetura. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, n.
34, 2012, p. 260.
107
Idem, ibidem.
55
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
57
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
CAPÍTULO 2
59
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Define-se por meio do Decreto lei n. 25, de 1937, em seu artigo 18, que sem prévia
autorização do SPHAN não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe
impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandado
destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa.
Neste sentido, o entorno tem uma função bem definida: permitir a visualização do
bem tombado, de forma a manter a ambiência.
A partir desta limitação imposta em lei, o órgão define, no momento do tombamento,
uma área de entorno que seja capaz de amortizar os impactos à área tombada.
É sabido que nem todas as edificações da área tombada e da área de entorno possuem
relevância arquitetônica. No entanto, por ser um tombamento de espaço urbano, essas edificações
também têm a atenção do órgão de preservação do patrimônio.
Na abertura do processo de tombamento da cidade, Cuiabá constava na solicitação as
regiões do Centro, bem como se demonstrava preocupações com a região do Porto, uma vez que
eram espaços significativos para a história da localidade.
110
LIMA, M. Viana de. Brésil - Renovation et mise em valeur de Ouro Preto, in: MOTTA, Lia e THOMPSON,
Analucia. Entorno dos bens tombados. Programa de Especialização em Patrimônio do IPHAN. Brasília: IPHAN,
2007, p. 22.
111
AMORIM, Carlos e TAVARES, Bruno. Nota técnica n. 02/10 da Superintendência do IPHAN na Bahia. Salva-
dor, IPHAN-BA, 2010.
60
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Esse reafirmar de importância da região central da cidade pode ser percebido em dois
momentos da transformação de Cuiabá em patrimônio cultural nacional pelo SPHAN: a) na
escolha do Centro em detrimento do Porto como objeto tombado; e b) nos embates entre os
proprietários dos imóveis tombados e o SPHAN por meio de pedidos de impugnação.
61
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Os resultados dos trabalhos desta comissão, que já foram acima descritos, por
motivos políticos não foram acatados, voltando-se à estaca zero com os imóveis
centenários sendo ameaçados a cada dia que passa de completa devastação, pela
pressão dos grupos imobiliários.
Dentre as escolhas dos lugares de memória pela instituição, sem dúvida podemos
observar a presença de conceitos de estética, através das definições do que rememorar, visto que
o que ficou definido como uma identidade da nação era amparado no privilegiamento dos
monumentos local/nacional. No entanto, para Lia Motta,
112
MOTTA, Lia. O patrimônio cultural urbano à luz do diálogo entre história e arquitetura. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Brasília, n. 34, 2012, p. 260.
62
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
frente de trabalho, um conceito para a valorização dos sítios urbanos que rompa
com aqueles historicamente usados, com ênfase na estética e uniformidade
estilística dos imóveis.113
113
Idem, p. 261.
114
Cf. THOMPSON, Edward Palmer. A economia moral da multidão inglesa no século XVIII, in: Costumes em
comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 150-202.
63
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
do século XIX.
Figura 11 - Esboço doa grupamento inicial da Vila Bom Jesus de Cuiabá. Processo de tombamento
n. 1180-T-85. Fonte: IPHAN-MT
Ao núcleo urbano do Arraial de Cuiabá foi atribuído o título de Vila Real do Senhor
Bom Jesus de Cuiabá, em 1727. Nessa data, o poder metropolitano se instalou com terminais
burocráticos e arrecadadores, além do Senado da Câmara.
Cabe destacar que, no processo de escolha do que preservar ou não, está presente a
marca da estética como uniformidade – meio de constituição de uma ideologia dominante,
64
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
traduzida nas políticas públicas de patrimônio. O bem (a ser) tombado transforma-se em sujeito,
traduzindo a unidade e a integridade de uma obra de arte.
A noção de patrimônio cultural, atrelada ao projeto de Estado-nação burguês, serve
como chave de interpretação da realidade pretérita que se pretende transformar em monumento –
produzindo por intermédio da educação dos sentidos a necessidade e o desejo de pertencimento a
uma determinada identidade nacional. É algo particular, fruto de um projeto de uma elite branca e
católica que se quer hegemônica, mas precisa tornar-se universal.
As noções de cultura, que se agregam ao debate sobre o patrimônio histórico,
evidenciam a relevância deste conceito – conforme as palavras de Terry Eagleton – como
“categoria-chave para a análise e a compreensão da sociedade capitalista tardia”.115
Por intermédio da pedra e da cal das construções, no reconhecimento de suas marcas
do tempo, de uma identidade que se quer revelar ou não acerca de um determinado passado,
discursos foram produzidos para a constituição de uma unidade e integridade em meio aos
diferentes grupos da sociedade. Ao adotarem o discurso do “estético”, os agentes culturais
envolvidos com o processo de tombamento do Centro e Porto de Cuiabá elegeram a face antiga
do sujeito (a cidade) que deveria ser lembrada e preservada. Na cidade, transformada em corpo
vivo, eram identificadas as marcas do tempo, ou seja, do passado.116
Neste jogo de interesses, acerca de que memória que se desejava perpetuar, uma
leitura bastante interessante pode ser feita por intermédio de relatos de que na região hoje
tombada pelo IPHAN foi estabelecida a residência do primeiro governador e capitão-general
Rolim de Moura Tavares – uma casa situada no Largo da Mandioca, na região do espaço de
poder, no lado imediatamente oposto à região da Igreja Matriz.
A instalação do capitão-general nesta área da cidade estimulou o adensamento das
“ruas de cima e de baixo”, bem como a criação da “rua do meio”. A ligação com o Porto Geral
originariamente era feita pela “rua de baixo”.
O espaço urbano, de poder e produção, bem definido no eixo sul-norte do córrego da
Prainha, fez com que essa região se firmasse como o lócus do poder institucional e eclesiástico
115
EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993, p. 7.
116
Para Terry Eagleton, “a Estética nasceu como um discurso sobre o corpo. [...] A distinção que o termo ‘estética’
perfaz inicialmente, em meados do século XVIII, não é aquela entre ‘arte’ e ‘vida’, mas entre o material e o imateri-
al: entre coisas e pensamentos, sensações e ideias, entre o que está ligado a nossa vida como seres criados opondo-se
ao que leva uma espécie de existência sombria nos recessos da mente”. Idem, p. 17.
65
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
dentro da Vila.
Segundo a revista do SPHAN, por questões técnicas a proposta da regional do órgão
incluiu apenas a área central e seu entorno, contrariando expectativas de estudiosos da história da
cidade de Cuiabá, no entanto confirmando o propósito de se preservar o espaço das elites.
Para Elizabeth Madureira Siqueira, o Porto
Com o nome de Distrito de São Gonçalo Pedro 2°, o Porto foi espaço de residência de
antigos monçoeiros. Lugar de pensões e hotéis, mas também de “honradas” famílias que
ocuparam a avenida XV de Novembro.
De acordo com Júlio De Lamonica, conforme relato do viajante Hércules Florence,
117
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. Cuiabá: de Vila a Metrópole nascente. Cuiabá: Arquivo Público do Estado de
Mato Grosso, Entrelinhas, 2005, p. 155.
118
FREIRE, Júlio De Lamonica. Por uma poética popular da arquitetura. Cuiabá: EdUFMT, 1997, p. 19.
119
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. Cuiabá: de Vila a Metrópole nascente – op. cit., p. 172.
66
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
120
Idem, p. 166.
121
Cf. BRANDÃO, Ludmila de Lima. A Catedral e a Cidade: uma abordagem da educação como prática social.
Cuiabá: EdUFMT, 1997; LACERDA, Leilla Borges de. Catedral do Senhor Bom Jesus de Cuiabá: um olhar sobre
sua demolição. Cuiabá: KCM Editora, 2005.
122
A consciência preservacionista e, consequentemente, os primeiros trabalhos sobre a problemática do patrimônio
em Mato Grosso – especialmente em Cuiabá, segundo Claudio Quoos Conte e Marcus Vinicius De Lamonica Freire,
foi resultado do intenso processo de modernização da cidade a partir do final dos anos 1950, com a descaracterização
e as demolições de antigos prédios no que seria o Centro Histórico: “são demolidos o Palácio Alencastro, a Delegacia
Fiscal e casario vizinho, dando lugar ao novo Palácio, atual sede da Prefeitura de Cuiabá. Em 1968, é demolida a
antiga Catedral que, apesar de todas as reformas, ainda era a mesma igreja de 1740. Essa demolição constitui até hoje
um trauma na sociedade cuiabana e, sempre que se discute o assunto, acirradas polêmicas se levantam”. CONTE,
Claudio Quoos e FREIRE, Marcus Vinicius De Lamonica. Centro Histórico de Cuiabá: Patrimônio do Brasil.
Cuiabá: Entrelinhas, 2005, p. 25.
67
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Figura 13 - “Plano da Villa do Cuyabá na Cap. ta do Matto Groço”. Original manuscrito pertencente à
Casa Ínsua, Castendo, Portugal. 1777.
123
REIS, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do
Estado; FAPESP, 2000, p. 251-258.
68
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Figura 14 - Planta do Cuyabá. Original do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro. ca. 1770-1780.
Figura 15 - Plano do Cuyabá. Original do Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro [1770-1775].
69
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
original, refere-se a um espaço onde ainda é possível encontrar traçado e calhas originais de rua,
travessas e becos, homogeneidade predominante de escalas, maior densidade de espécimes
arquitetônicos expressivos, historicidade da área e de seus equipamentos.
Os casarios do Centro Histórico foram construídos em terra crua, conforme observam
Claudio Conte e Marcus De Lamonica:
124
CONTE Claudio Quoos e FREIRE, Marcus Vinícius De Lamonica. Centro Histórico de Cuiabá: Patrimônio do
Brasil – op. cit., p. 44.
70
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
O texto que embasou o tombamento do Centro Histórico observa ainda que as ruas
mais antigas da cidade estão localizadas na região central e que, portanto, marcam a história da
71
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
cidade colonial desde as edificações da elite até as pequeninas casas das camadas subalternas.
Apesar desta composição mista, é possível observar que há – no pano de fundo – a ênfase nos
lugares marcados pela elite econômica e política local/nacional.
De acordo com Márcia Bomfim de Arruda, o estudo histórico que respaldou o
perímetro do tombamento,
125
ARRUDA, Márcia Bomfim de. As engrenagens da cidade: centralidade e poder em Cuiabá na segunda metade do
século XX. Cuiabá: EdUFMT; Carlini & Caniato, 2010, p. 87.
72
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
126
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil – op. cit., p. 53.
127
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n. 10, dez.
1993, p. 13.
128
Idem, p. 7.
129
Cf. ARRUDA, Márcia Bomfim de. As engrenagens da cidade: centralidade e poder em Cuiabá na segunda meta-
de do século XX – op. cit., 2010.
130
De acordo com Sônia Regina Romancini, “devido aos problemas no trânsito do centro da cidade que dificultavam
o acesso das pessoas aos serviços públicos, a solução para este problema que afetava a administração estadual foi a
criação do Centro Político Administrativo (CPA), na Avenida. Historiador Rubens de Mendonça, conhecida popu-
larmente como a Avenida do CPA, na década de 1970, com a transferência dos órgãos públicos para esta área, e
73
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
preencher o esvaziamento deste espaço – planta originária da cidade – houve o processo de sua
transformação em monumento histórico de Cuiabá.
Essa migração do espaço de poder para a região do CPA encontra respaldo nas
palavras de Júlio De Lamonica:
Já a região do Porto, nas décadas de 1970 e 1980, continuava a todo vapor, suas
atividades de origem por lá permaneciam. O espaço urbano daquela região não estava com sua
história ameaçada, pois tanto sua vocação econômica inicial quanto sua ocupação urbana pouco
se alterara.
Apesar de toda a história que a região do Porto abriga, é possível argumentar que este
espaço tenha tido seu valor nacional contestado por ter uma representatividade especificamente
local. No entanto, a hipótese mais bem desenhada para a recusa vem do fato de ser um espaço
urbano essencialmente popular, pois nos idos da década de 1980, apesar da ampliação do
conceito de patrimônio com a introdução da produção dos esquecidos e excluídos pela história
tradicional, havia a permanência dentro das agências de preservação e conservação de uma visão
mantendo terrenos reservados para futuras construções. Desta forma ampliou-se o perímetro urbano, incluindo no-
vas áreas através do processo de descentralização”. Cf. ROMANCINI, Sônia Regina. Cuiabá: paisagens e espaços da
memória. Cuiabá: Cathedral Publicações, 2005. (Coleção Tibanaré, v. 6).
131
FREIRE, Júlio De Lamonica. Por uma poética popular da arquitetura – op. cit., p 145-146.
132
Idem, p. 153.
74
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
elitista da cultura.
Neste sentido, Maria Cecília Londres Fonseca observa que
Posturas elitistas como as descritas pela autora podem ter sido decisivas nas escolhas
de preservação apenas do Centro Histórico em detrimento da região do Porto na cidade de
Cuiabá. Tal hipótese se sustenta tendo em vista que as transformações nas políticas de patrimônio
no Brasil datam dos anos 1980, especificamente no contexto da Constituinte de 1988.
A Carta Magna, forjada no contexto democrático, trouxe sobre a questão uma nova
redação, ampliando a noção de patrimônio histórico e artístico para patrimônio cultural, conforme
seu artigo 216:
Essa mudança seria resultado das inovações das abordagens, temáticas e objetos no
campo da história, antropologia e arquitetura sobre a temática das lutas de minorias em busca de
reconhecimento político e social, de questionamento das narrativas oficiais de cunho elitista e
excludente e de imperativos nacionais que traziam para a agenda de discussão temáticas
relacionadas ao meio ambiente e às disputas identitárias que emergiam no mundo
contemporâneo.
Para Néstor Canclini, o patrimônio não inclui apenas herança de cada povo,
133
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil – op. cit., p. 70-71.
134
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, artigo 216.
75
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Nas sociedades modernas, pós-absolutistas, o poder está associado à estética por meio
da afetividade e do costume, e é vivido de maneira inconsciente, ou seja, naturalizado, e
desrespeitá-lo é desrespeitar a si.
135
CANCLINI, Néstor García. Patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, n. 23, 1994, p. 95-96.
136
EAGLETON, Terry. A ideologia da estética – op. cit., p. 22.
137
Idem, p. 21-22.
76
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
138
EAGLETON, Terry. A ideologia da estética – op. cit., p. 25.
139
SPHAN. Processo de Tombamento n. 1.180-T-85, volume I-A.
77
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Antônio de Carvalho
Para fundamentar sua demanda, os moradores alegavam que o item 1 do artigo 9°, do
Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937, afirma que “o Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, que seria necessária a notificação pessoal da autoridade por seu órgão
competente notificará o proprietário na anuir do tombamento”. Segundo os impetrantes, ficaria
78
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
implícito o fato.
Dentro das contrarrazões respondidas pela arquiteta Helena Mendes dos Santos e a
historiadora Márcia Regina Romeiro Chuva, há a argumentação de que o Decreto-lei n. 25, de
1937, não fixa a notificação como devendo ser realizada pessoalmente, o que não caracteriza
abuso de autoridade por parte do órgão responsável.
O pedido de impugnação parte também para o questionamento do mérito do
tombamento, alegando que a motivação do tombamento relacionada no Diário Oficial do Estado
de Mato Grosso, de 1º de outubro de 1987, observa o “valor histórico, arquitetônico e
paisagístico” como pré-condição para a efetivação do processo de tombamento.
Os moradores tentaram, entre muitos motivos, argumentar que não haveria um valor
arquitetônico nos seus respectivos imóveis, uma vez que os mesmos sofreram, de alguma
maneira, reforma de monta e construções recentes. Eles destacavam que mesmo um observador
desavisado e pouco afeito à apreciação da arquitetura colonial brasileira ou de qualquer outro
estilo se surpreenderia com o número diminuto de prédios com algum significado arquitetônico.
Nesse sentido, desafiam os órgãos competentes a encontrar um prédio de fachada ou interior
intacto na região tombada pelo SPHAN.
Os impetrantes lamentavam o tombamento num momento em que, devido ao intenso
comércio desenvolvido na região, os exemplares arquitetônicos mais significativos têm se
perdido para abrigar casas comerciais. Alegavam que a maioria dos imóveis do centro,
excetuando as igrejas, não teria valor arquitetônico nem para Cuiabá, e que, por mais elástico que
fosse o conceito de conjunto arquitetônico, não veem possibilidade de incluí-lo entre aqueles que
merecessem o interesse nacional. Dentre alguns itens apresentados para discutir o mérito do
tombamento do Centro Histórico de Cuiabá destaca-se:
26 - Diz a lenda que, dentro do sítio demarcado pelo Edital (que publicou o
perímetro do tombamento em Diário Oficial) acima referido, teriam tido lugar as
primeiras explorações de garimpo e edificações da vila de mineração que mais
tarde se chamaria Cuiabá, desconhecia a autora desta que tal fato seja tão
relevante a nível nacional para merecer edital de tombamento do SPHAN.
140
Idem, p. 173-174.
79
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
141
Idem, p. 174.
142
Idem, p. 176.
80
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
utilização.
O país vivia ao longo da segunda metade do século passado um período profícuo de
industrialização e o discurso do moderno estava presente na mídia e nos discursos políticos. A
opinião pública estava com os olhos voltados para a ideia de progresso como princípio e fim.
Nesse sentido, o progresso compreendido como o esteticamente desejado ficaria, sob a ótica
desses moradores, comprometido com o tombamento.
Portanto, quando Edward Thompson propõe uma melhor descrição do termo motim, é
possível entender também no pedido de impugnação do tombamento uma vontade declarada de
não ter seus hábitos alterados.
De acordo com o autor de Costumes em comum,
143
THOMPSON, Edward Palmer. A economia moral da multidão inglesa no século XVIII, in: Costumes em comum:
estudos sobre a cultura popular tradicional – op. cit., p. 152.
144
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil – op. cit., p. 141.
81
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
do homem, as autoras citam Marc Bloch para dizer que “a ignorância do passado
não se limita a prejudicar o conhecimento do presente, compromete no presente
a própria ação”145.
Helena Mendes dos Santos e Márcia Regina Romeiro Chuva seguiram afirmando
que, para avaliar a proposta de tombamento da cidade de Cuiabá, foram levadas em consideração
as relações sociais e as modalidades de suas mudanças ao longo do tempo, esclarecendo os
mecanismos e as formas de organização das sociedades.
Para tanto, diferenciaram História e fato histórico. O fato seria definido como
fenômeno material, produto de um acontecimento ou de um processo na vida social, localizado
no tempo e no espaço, cabendo ressaltar que nem todos os fatos são históricos; que o que os
diferencia é o tempo da história, que é, em essência, o tempo da mudança, em que um fato torna-
se histórico na medida em que produz consequências no processo social. Portanto, interessa à
História e também à preservação não o fato isolado, descritivo e estanque, mas todo o processo
gerado num tempo e espaço determinados, gerador de consequências e/ou mudanças.
A solicitação de impugnação do tombamento do Centro Histórico de Cuiabá mostra
de que forma a lei por si não representa mudanças, pois, nas palavras de Terry Eagleton, a melhor
forma da lei não deve estar gravada em tábuas de mármore ou bronze, mas no coração dos
cidadãos.
Sobre as leis do coração, o crítico literário apresenta as afirmações abaixo:
Leva à constituição real do Estado, adquire novos poderes a cada dia, quando
outras leis decaem ou desaparecem, restaura-na ou toma seu lugar; mantém um
povo nos caminhos que ele naturalmente deve seguir, e insensivelmente substitui
a autoridade pela força do hábito. Estou falando da moral ou do costume, e,
acima de tudo da opinião pública: um poder desconhecido para os pensadores
políticos, e do qual, no entanto, dependerá o sucesso de todos os outros
campos.146
145
SPHAN. Processo de Tombamento n. 1.180-T-85, v. I-A, p. 376.
146
EAGLETON, Terry. A ideologia da estética – op. cit., p. 22.
82
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
argumentação era uma forma de educar os sentidos e fazer a lei ganhar vida no corpo dos
indivíduos.
Para a referida equipe de agentes culturais do SPHAN, é a partir do conhecimento
desse processo que se daria a construção da história e da cultura de determinada sociedade. Seria,
desse modo, o conhecimento do passado tendo sentido a partir do momento em que o homem do
presente apropriava-se dele como elemento constitutivo de sua própria cultura.
Nessa perspectiva de análise, a constituição de um núcleo urbano poderia ser
encarada como um fato histórico, na medida em que se originaria de relações socioeconômicas e
culturais, e produz consequências.
Portanto, a paisagem urbana, testemunho material do processo de organização
socioespacial determinado historicamente, passou a constituir-se no próprio documento histórico,
cuja análise permitiria recuperar e extrair informações significativas da forma de organização
social, produzida no passado e apropriada pelo homem do presente.
As autoras destacaram que no fato específico de Cuiabá, a formação do núcleo
urbano foi entendida como fato histórico, porque produziu, entre outras consequências, o avanço
da América portuguesa sobre a espanhola, constituindo-se em um polo irradiador para ocupação
do interior e demarcação futura do território brasileiro. Dentro dessa conjuntura, os mecanismos
utilizados pelo homem português para a sua implantação no sítio cuiabano, por intermédio do
domínio da natureza e de seu agenciamento com base nos instrumentais disponíveis à época,
foram elementos fundamentais para o atendimento da formação cultural brasileira, inserindo-se
dessa forma no contexto mais geral da História do Brasil.
Conforme a contra argumentação, a formação cultural brasileira seria caracterizada
pela diversidade, gerada pelas diferentes soluções criadas pelo homem regional em função de
seus interesses culturais particulares, sendo todos esses elementos essenciais para a compreensão
da história do Brasil. Ao longo do texto, utilizaram a noção de cultura levando em conta as
complexas relações entre o que permaneceu e o que mudou, percebendo as continuidades
culturais entre os diferentes sistemas de valores existentes na sociedade moderna, representados
materialmente no espaço a ser preservado.
Esses dados, segundo as autoras, permitiriam identificar em Cuiabá sua “vinculação
com fatos memoráveis da história do Brasil”, como determina o Decreto-lei n. 25, de novembro
de 1937.
83
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Há uma espécie de “lei” atuando no juízo estético, mas uma lei inseparável do
caráter específico ou particular do objeto. Assim “a legitimidade sem uma lei”
de Kant é algo paralelo à “autoridade que não é autoridade”.148
2.5 “Para não dizer que não falei de flores”: a comunidade entre o material e o imaterial
147
Esse tipo de conflito entre proprietários e o SPHAN não era exclusividade de Cuiabá. Ele faz parte da própria
história das políticas de preservação no Brasil. Para Márcia Chuva, “os proprietários particulares de bens tombados,
de modo geral, interagiam, nas disputas travadas, em posição precária, visto que as negociações tendiam para o “inte-
resse público” se antagonizasse com os “interesses individuais”, tão perseguidos no universo de representações que
se constituíram sob a égide da unidade da nação (...). Essas representações concebiam o Estado como provedor dos
direitos da sociedade, cabendo a ele a responsabilidade pela proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional”.
CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimô-
nio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009, p. 305.
148
EAGLETON, Terry. A ideologia da estética – op. cit., p. 22.
84
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
149
FONSECA, Maria Cecília Londres Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de patrimônio cultural, in:
ABREU, Regina e CHAGAS, Mario (orgs.). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro:
DP&A, 2003, p. 56.
150
Para Márcia Bomfim de Arruda, a exclusão do Porto do tombamento teria relação com o fato de a região à época
oferecer condições para expansão econômica. Obviamente o critério arquitetônico foi utilizado para justificar a ex-
clusão da área do Porto. Na leitura da autora, “a preocupação (...) em não contrapor o tombamento ao crescimento da
cidade parece ter sido o critério definidor das dimensões da área tombada. Demonstrava que a questão da preserva-
ção estava estreitamente ligada à do desenvolvimento, que por sua vez estava ligado ao aprofundamento das relações
capitalistas. Mais ainda, que a preservação não devia se “contrapor” ao crescimento da cidade. Dessa afirmação po-
demos perceber que, se o Patrimônio fosse uma questão principal ele não seria visto como aquilo que se contrapõe ao
desenvolvimento. Ao contrário, não seria o crescimento da cidade que estaria se contrapondo ao patrimônio? Pode-
mos supor, então, que não era apenas o Patrimônio enquanto objeto a ser preservado que justificava as práticas de
preservação”. ARRUDA, Márcia Bomfim de. As engrenagens da cidade: centralidade e poder em Cuiabá na segunda
metade do século XX – op. cit., p. 90-91.
85
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
O mais sério é que essa política preservacionista, levada a cabo pelo então
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), desde sua
criação em 1937, deixou um saldo de bens imóveis tombados, referentes aos
setores dominantes da sociedade. Preservaram-se as igrejas barrocas, os fortes
militares, as casas-grandes e os sobrados coloniais. Esqueceram-se, no entanto,
as senzalas, os quilombos, as vilas operárias e os cortiços.
Essa política de preservação que norteou a prática do SPHAN e seus similares
nos estados e municípios objetivava passar aos habitantes do país a ideia de uma
memória unívoca e de um passado homogêneo e de uma História sem conflitos e
contradições sociais.151
Muito embora tenhamos perdido grandes bens culturais com a pouca preservação da
região do Porto, ainda hoje as ruas desta região possuem aspectos culturais latentes. Nesta área da
151
ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História, in: BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes (org.). O saber histó-
rico na sala de aula. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2005, p. 131.
86
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
cidade ainda resistem lojas de artigos religiosos, no entanto não se faz a lavagem do santo na
beira do rio Cuiabá. Não há acesso fácil ao rio.
Para Elizabeth Madureira Siqueira,
152
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. Cuiabá: de Vila a Metrópole nascente – op. cit., p. 176.
87
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
apropriação da lei dentro dos costumes e tradições associados a esse espaço urbano, a
importância de um trabalho de educação patrimonial e mobilização junto à opinião pública salta
aos olhos.
Romper com o ideal (e instaurar outro) estético de uma sociedade leva tempo, a
mudança de valores associados ao ideal de beleza aponta significativas dificuldades em função de
hábitos, devoções, sentimentos e afetos – nas palavras de Terry Eagleton, “o poder foi
estetizado”.153
Os desafios da preservação transcendem os discursos do bem a ser preservado, é
preciso pensar formas de conservação, pois a dinâmica da modernização faz suas exigências. É
necessário acomodar os conceitos de preservação, sem fechar os olhos aos desafios diários de
atribuição de sentido aos bens. A necessidade de dar uso aos espaços tombados – a importância
da apropriação dos lugares de memória pela comunidade envolvida – é hoje a maior preocupação
dos organismos públicos de preservação. Para Sônia Rabelo,
153
EAGLETON, Terry. A ideologia da estética – op. cit., p. 281.
154
RABELO, Sônia. O Estado na preservação dos bens culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009, p.
53.
88
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89
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
CAPÍTULO 3
90
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Pensar a atuação do governo federal em Cuiabá ao longo das quase três décadas que
se passaram desde o tombamento do Centro Histórico de Cuiabá requer entender um pouco mais
sobre a política de preservação do patrimônio cultural no Brasil. Para Paula Porta,
Sem dúvida a maior conquista no âmbito do patrimônio cultural nas últimas décadas
foi o Decreto n. 3.551/2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que
constituem patrimônio cultural brasileiro. Isso significou uma ampliação no conceito de patrimô-
nio acautelado pelo governo federal.
155
PORTA, Paula. Política de preservação do patrimônio cultural no Brasil: diretrizes, linhas de ação e resultados:
2000/2010. Brasília: IPHAN/Monumenta, 2012, p. 7.
156
Idem, p. 8.
91
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
157
Para saber mais sobre o patrimônio imaterial em Mato Grosso, cf. a pesquisa Inventário Documental do Patrimô-
nio Imaterial Mato-grossense, coordenada pela Prof.ª Dr.ª Izabela Maria Tamaso, entre 2009 e 2012, financiada pelo
IPHAN.
158
Cáceres é tombada pelo Iphan e é novo patrimônio cultural do Brasil. Olhar Direto. 09/12/2010. Link:
http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=146656 – Acesso em 18/03/2014.
92
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Apesar de ser uma ação que trabalhou com a ideia tanto de recuperação quanto de
conscientização da sociedade acerca do significado e a importância do patrimônio, Cuiabá não foi
contemplada nesta ação.
Dentro de outro macroprojeto, em 2010 iniciou-se na Superintendência do IPHAN
em Mato Grosso um trabalho de levantamento acerca das necessidades globais da cidade envol-
vendo não somente o seu patrimônio mas também questões urbanísticas, sociais e econômicas
para que por intermédio de um plano estratégico fosse possível desenvolver ações estruturantes
para os espaços históricos.
Em 2013, no dia 20 de agosto, foi anunciado pela presidenta Dilma Rousseff o “PAC
Cidades Históricas”, tendo a cidade de Cuiabá como uma das contempladas com 16 ações elen-
cadas no Diário Oficial da União.160
Cabe mencionar que a delimitação das ações que serão realizadas na capital de Mato
Grosso demandou um estudo complexo que se iniciou em 2010 com a contratação pelo IPHAN
de um profissional que fosse capaz de elaborar um Plano de Ação que possibilitasse um planeja-
mento integrado capaz de definir objetivos, ações e metas para orientar a atuação integrada do
poder público, em suas diferentes instâncias, setor privado e sociedade civil organizada.161
159
Monumenta. Portal do MinC. 26. 09. 2007. Link: http://www2.cultura.gov.br/site/2007/09/26/monumenta/ - A-
cesso em 18/03/2014.
160
Cf. PAC 2. Portal do IPHAN. 2013. Link: http://www.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=3702 – Acesso em
20/03/2014.
161
Cf. Plano de Ação para as Cidades Históricas: patrimônio cultural e desenvolvimento social (Construindo o
Sistema Nacional de Patrimônio Cultural). Portal do IPHAN. 2009. Link:
93
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
http://portal.IPHAN.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do;jsessionid=D4C5EE5FA6FAD066A8A3A9CAC8F74FD0?id=
1194 – Acesso em 20/03/2014.
162
Idem, ibidem.
163
Segundo Cláudia Loureiro e Luiz Amorim, “nas últimas décadas, os centros históricos das grandes cidades latino-
americanas vêm sofrendo um lento mas destrutivo processo de redução de investimentos. O cenário de abandono e
substituição de funções qualificadas por serviços de baixa especialização é evidente, bem como os seus efeitos na
imagem das cidades. O poder público vem investindo em projetos e políticas de requalificação destas áreas centrais
como uma estratégia de manutenção de sua identidade física, mas também como forma de participar do mercado
turístico internacional, opção adequada para motivar o retorno de investimentos privados. No entanto, a grande ex-
pectativa está no envolvimento do capital privado imobiliário para investir nas áreas centrais e no consequente rea-
quecimento da economia local”. LOUREIRO, Cláudia e AMORIM, Luiz. Vestindo a pele do cordeiro: requalifica-
ção versus gentrificação no Recife. Urbana. Campinas, v. 1, n. 1, 2006. Link:
http://www.ifch.unicamp.br/ciec/revista/artigos/artigo1.pdf. – Acesso em 20/03/2014.
94
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
A implantação do “PAC Cidades Históricas” em Cuiabá teve início com uma reunião
em Brasília, em fevereiro de 2012. A partir desta data ficou acordado entre IPHAN e Prefeitura
que a produção de projetos e termo de referência para a contratação de projetos ficaria a cargo do
poder municipal, cabendo ao IPHAN em Mato Grosso analisar esses projetos e termos de refe-
rência de forma a verificar se essas intervenções atendiam à normativa de preservação do Centro
Histórico de Cuiabá.
Uma vez aprovados os projetos de intervenção, ficaria a cargo da Prefeitura a contra-
tação das empresas responsáveis pelas obras de recuperação dos imóveis e áreas públicas.
Até o final de 2013 os projetos ainda não haviam sido aprovados, em uma clara de-
monstração da dificuldade de produzir projetos voltados às áreas de sensibilidade histórica. Os
diálogos constantes entre as duas instituições são parte indissociável para o sucesso desta ação,
no entanto, apesar de as partes se mostrarem interessadas, ainda não existe uma política clara de
estoque de projetos, ou seja, a iniciativa de produção de projetos somente ocorre a partir da dis-
ponibilização do recurso de investimento.
95
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
164
O conceito de Capacidade de Carga segundo CECI. Conservar: Olinda boas práticas no casario/Centro de Estu-
dos Avançados da Conservação Integrada; org. Juliana Barreto, Vera Milet. Olinda: CECI, 2010, p. 28.
165
Idem, p. 29. Refere-se aos limites que um ambiente ou uma edificação pode suportar em função da interação entre
as atividades humanas e a base física preexistente, sem perder suas características tipológicas e arquitetônicas essen-
ciais. Está relacionado com a volumetria, as características topográficas e o sistema construtivo. Por exemplo, recor-
rentemente as edificações identificadas como estereótipos não respeitam a capacidade de carga do imóvel ao ultra-
passar seu suporte físico. Outro exemplo é a substituição das técnicas construtivas tradicionais por técnicas contem-
porâneas que eliminam os registros históricos e, consequentemente, o espírito do lugar.
166
Cabe destacar, conforme Maria Cecília Londres Fonseca, que o patrimônio como objeto de uma política pública
não necessariamente significa uma ação coesa do Estado e dos diferentes entes federativos. Tal linha de raciocínio
96
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
pressupõe “um “Estado em ação”, distinto da imagem de um Estado uno, que se apresenta como identificado à na-
ção, de que garantiria a coesão. Nessa imagem – a do Estado como um organismo que regula os movimentos da
sociedade – Estado, nação e sociedade praticamente se fundem no imaginário social. A ideia de um “estado em ação”
implica, no entanto, a heterogeneidade, a luta de poder e o conflito de interesses, mesmo dentro da burocracia esta-
tal.” FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/IPHAN, 2009, p. 45-46.
167
Segundo Márcia Chuva, os enfrentamentos entre o órgão e os poderes municipais eram remetidos para mediação
das autoridades hierarquicamente superiores no quadro político federal e dos Estados. No contexto do Estado Novo,
por exemplo, diversas vezes “uma reação em cadeia era acionada na hierarquia político-administrativa (...), na qual
as municipalidades tinham bem pouca autonomia”. Para os prefeitos da época – o que no difere muito nos dias atuais
– o conflito com a instituição federal tinha como foco a percepção de que a política de preservação (tombamento)
esbarrava no desejo de “progresso e prosperidade” da cidade. CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da
memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janei-
ro: Ed. UFRJ, 2009, p. 298. No caso de Cuiabá, houve um processo de judicialização entre Prefeitura e União na
homologação do tombamento do Centro Histórico.
97
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Não foram raros os casos de autorização de demolição pela Prefeitura sem a devida
anuência do SPHAN:
Os litígios foram muitos durante a gestão de Frederico Campos, que foi até o último
dia de 1992. Apesar das tentativas do prefeito em barrar a homologação do tombamento definiti-
vo, em 4 de novembro de 1992, tal fato se efetivou com base no processo n. 1.180-T-85.169
A notícia repercutiu negativamente, tanto que o jornal O Estado de Mato Grosso de 8
de novembro de 1992 trouxe a seguinte notícia intitulada “Repercussões do tombamento”. Se-
gundo o folhetim, a homologação do tombamento do Centro Histórico de Cuiabá havia pegado a
cidade de surpresa. O prefeito Frederico Campos a considerou “um presente de grego” e transfe-
riu a solução do “problema” para o prefeito Dante de Oliveira, pois “graças a Deus estou sain-
do”.170
Dante de Oliveira – prefeito eleito para o próximo ano – defendeu a definição de uma
política de tombamento com a seguinte frase: “Ai de um povo se não tiver memória. Um povo
sem memória é um povo completamente perdido e desorientado”.171
Nesta mesma matéria, Maria Clara Migliaccio172, então diretora da 18ª sub-regional
do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC) – designação à época para o atual IPHAN –
apontou a importância da decisão por entender que o centro devia ser preservado por refletir a
história da cidade e a malha urbana não permitia verticalizações. De acordo com o jornal, a dire-
tora destacou ser necessária a compatibilização do novo com o histórico, do passado com o pre-
sente.173
168
Diário de Cuiabá. 14/08/1990, p. 10.
169
Diário Oficial da União. Seção I, 06/11/1992.
170
O Estado de Mato Grosso. 08/11/1992, capa do Caderno 2.
171
Idem, ibidem.
172
Servidora de carreira do órgão, atualmente lotada na Superintendência do IPHAN-DF. Tem como formação inici-
al a arquitetura. Doutora em arqueologia desde 2006. Esteve a frente das batalhas pelo tombamento do Centro Histó-
rico de Cuiabá e enfrentou todos os conflitos pela preservação deste espaço na década de 1990.
173
O Estado de Mato Grosso. 08/11/1992, capa do Caderno 2.
98
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
174
Idem, ibidem..
99
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Com o passar do tempo, aos poucos a Prefeitura foi se mostrando mais sensível à
causa do patrimônio. No final de 2003, por exemplo, foi aprovada a Lei Complementar n.
103/2003, de autoria do Executivo municipal, que regulamentou e delimitou as áreas de interesse
histórico da Capital, ou seja, o município reconheceu a importância de apontar o perímetro de
tombamento federal e entorno como Zona de Interesse Histórico.
Art. 42. Na Zona de Interesse Histórico 1 (ZIH 1) não será permitido o licencia-
mento de atividades e empreendimentos da categoria Alto Impacto.
175
Lei Complementar n. 103/2003.
100
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
176
Termo de Compromisso n. 01/2009.
177
Decreto n. 3551, de 4 de agosto de 2000.
101
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Art. 27. Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos de natureza
idêntica à dos mencionados no artigo anterior, deverão apresentar a respectiva
relação ao órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Na-
cional, sob pena de incidirem na multa de cincoenta por cento sôbre o valor dos
objetos vendidos.178
Art. 10. A permissão terá por título uma portaria do Ministro da Educação e Cul-
tura, que será transcrita em livro próprio da Diretoria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, e na qual ficarão estabelecidas as condições a serem obser-
vadas ao desenvolvimento das escavações e estudos.179
178
Decreto-Lei n. 25/1937.
179
Lei n. 3.924/1961, de 26 de julho de 1961.
102
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Para Rodrigo Melo Franco, esse era um o meio mais eficaz de assegurar a defesa do
patrimônio:
180
Depoimento de Rodrigo Melo Franco, citado por OLIVEIRA, Cléo Alves Pinto. Educação Patrimonial no I-
PHAN. Monografia de Especialização. Brasília, Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), 2011, p. 32.
181
Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos. Texto de Sônia Rampim Florêncio, Pedro Clerot, Juliana
Bezerra e Rodrigo Ramassote. Brasília: IPHAN/DAF/Cogedip/Ceduc, 2014, p. 6. Link:
http://www.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=4218 – Acesso em 20/03/2014.
103
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Partindo da ideia de que não há meios de se defender o patrimônio sem um duro pro-
cesso de educação, esta parte do capítulo trata da demanda de educação patrimonial que a cidade
de Cuiabá apresenta na atualidade – a despeito de todos os esforços realizados pela instituição
desde o final da década de 1980.
182
O Programa Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial n. 17/2007 e regulamentado pelo Decreto
7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para induzir a ampliação da jornada escolar e a
organização curricular na perspectiva da Educação Integral. Cf. Portal do MEC. Link: por-
tal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16690&Itemid=1115 – Acesso em 20/03/2014.
183
Educação Patrimonial: Programa Mais Educação. Brasília: IPHAN, s.d., p. 5. Link:
http://portal.IPHAN.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=3838 – Acesso em 20/03/2014.
184
Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos. Texto de Sônia Rampim Florêncio, Pedro Clerot, Juliana
Bezerra e Rodrigo Ramassote – op. cit., p. 21.
104
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
vivem nesse espaço, significa antes de tudo buscar ações de cunho prático, de forma articulada
com a comunidade, para atribuir sentido através do restabelecimento das funções sociais do Cen-
tro Histórico.
Na leitura de Maria Cecília Londres Fonseca, o tombamento não pode ser pensado
apenas no aspecto técnico ou jurídico e nem se pode confundir tombar como preservar. Ela con-
sidera o instituto do tombamento enquanto uma
Quando as ações do “PAC Cidades Históricas” foram pensadas para a cidade de Cui-
abá, muito além de devolver a beleza, a harmonia estética, o que se priorizou não foi só a possibi-
lidade de devolver à comunidade espaços de convívio como praças, mas também ocupar os pré-
dios públicos e de uso público com atividades de cunho social demandadas prioritariamente pela
comunidade que vivencia o Centro Histórico.
Para isso as ações apoiadas pelo “PAC Cidades Históricas” em Cuiabá têm o perfil de
atender à comunidade, pois se trata da requalificação de todos os espaços públicos ou de uso pú-
blico que pertencem à área tombada e mais um imóvel na área de entorno do tombamento que
quando recuperados significaram uma reocupação do Estado, pois os casarões foram programa-
dos para abrigar dispositivos como posto policial, creche e museus.
Apesar desta estratégia de sensibilização da comunidade, ainda é raro vermos ações
sistemáticas de educação patrimonial voltadas para o Centro Histórico. É possível verificar por
veio desta pesquisa que ações pontuais existiram desde quando se iniciaram as discussões sobre
tombamento provisório de Cuiabá.
Em análise ao arquivo do IPHAN em Mato Grosso, observou-se que a primeira ação
do SPHAN/Pró-Memória, com o intuito de sensibilizar a sociedade cuiabana, foi realizada em
novembro de 1985 conjuntamente com outras instituições públicas no sentido de oferecer um
191
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no
Brasil – op. cit., p. 181.
107
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
seminário sobre preservação de acervos documentais privados. Segundo o historiador Carlos Al-
berto Rosa, ao Diário de Cuiabá:
A notícia sobre esse seminário foi amplamente divulgada na mídia impressa, tendo
sido abordada no Jornal do Dia em 2 de novembro de 1985 e no O Estado de Mato Grosso dos
dias 2 e 3 de novembro.
No dia 10 de novembro, depois de finalizado o encontro, o Jornal do Dia tece os se-
guintes comentários em uma matéria intitulada “Para que o país não fique sem memória”:
192
Diário de Cuiabá, 30/11/1985.
193
Jornal do Dia, 10/11/1985, p. 171.
108
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Ter um Centro Histórico sustentável significa que o Estado, em suas três esferas, ofe-
reça condições de ocupação desses espaços, proporcionando segurança pública, linhas de crédito
específicas, capacitação para desenvolvimento de ações de economia que valorizem a preserva-
ção do patrimônio, mas também demanda um entendimento da sociedade civil da importância de
agregar a identidade cultural ao processo de desenvolvimento econômico a partir da revitalização
urbana194.
Ao encontro desta demanda, em 1º de junho de 2012 foi criada a Secretaria de Eco-
nomia Criativa, vinculada ao Ministério da Cultura. No ato de criação desta secretaria ficou esta-
belecido como uma das suas competências o fomento à identificação, criação e desenvolvimento
de polos, cidades e territórios criativos para gerar e potencializar novos empreendimentos, traba-
lho e renda nos setores criativos.
Segundo o Plano Nacional de Cultura, publicado em 2012, com metas para serem al-
cançadas até 2020:
Apesar de a expressão economia criativa extrapolar o conceito de cultura, uma das li-
nhas de atuação desta modalidade vincula-se a patrimônio material, por meio da valorização de
equipamentos culturais em áreas protegidas.
Transportando tal conceito à realidade do espaço territorial tombado em Cuiabá, é
possível que façamos uma análise acerca das potencialidades da região central no intuito de pen-
sarmos ações de economia criativa de forma a estruturar o comércio existente junto ao Centro
194
Engloba operações destinadas a relançar a vida econômica e social de uma parte da cidade em decadência. Esta
noção, próxima da reabilitação urbana, aplica-se a todas as zonas da cidade sem ou com identidade e características
marcadas.
195
Metas do Plano Nacional de Cultura. Brasília: MinC, 2012, p. 38-39.
109
O IPHAN e a invenção dos lugares de memória de Cuiabá...
Histórico de Cuiabá e permitir a introdução de atividades econômicas que dialoguem com a cul-
tura imaterial presente nas tradições da Grande Cuiabá.
Neste caso, especialmente investimentos desta ordem requerem uma análise sistêmica
e multidisciplinar, pois envolvem dimensões da arquitetura, economia, cultura popular. Requali-
ficação de espaços de interesse histórico, possíveis territórios criativos, quando pensados a partir
da Carta de Lisboa196, demanda que se pense nas pessoas envolvidas no processo de fortaleci-
mento do território:
Artigo 6º A melhoria das condições de vida exige uma atuação que não se
limita à função habitacional, mas, antes, deverá abranger igualmente o re-
forço das atividades culturais e sociais, bem como a dinamização das ati-
vidades econômicas, com relevo especial para o comércio e o artesanato
de proximidade.197
196
A Carta de Lisboa, entre outros objetivos, propõe o estabelecimento dos grandes princípios que deverão nortear
as intervenções, bem como dos caminhos para a sua aplicação dentro do conceito de preservação patrimônio cultural
das cidades, na vertente do edificado como do tecido social, que o habita e lhe assegura identidade.
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Carta de Lisboa sobre a reabilitação urbana integrada. 1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação Urbana. Lis-
boa, de 21 a 27 de outubro de 1995.
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198
Frase de Mário de Andrade citada por DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Hucitec;
Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977, p. 153-154.
199
AVIZ, Adilson José de. O patrimônio cultural do Morro do Amaral no imaginário dos jovens: tensões possíveis.
Dissertação de Mestrado em Patrimônio e Sociedade. Joinville, Universidade da Região de Joinville, 2013, p. 31-32.
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tos presentes nos lugares de memória. Tornar visível aquilo que a modernidade com sua veloci-
dade e apologia do eterno presente tornou invisível.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito deste trabalho consistiu em apresentar uma visão das políticas de preser-
vação no âmbito do IPHAN em Cuiabá, de forma que seja possível verificar em que momento se
deu a primeira aparição da instituição na capital de Mato Grosso, bem como de que maneira a
sociedade vem percebendo a sua presença.
O trabalho em tela priorizou fazer a leitura dos fatos por meio do olhar dos processos
de tombamento abertos dentro da instituição federal, no intuito de preservar os retábulos da anti-
ga Matriz e da Igreja do Rosário e Capela de São Benedito e também do Centro Histórico de Cui-
abá, incluindo todos os seus desdobramentos e litígios.
Dentro da política de preservação do patrimônio nacional pode ser percebido que na
cidade de Cuiabá o olhar para a preservação do patrimônio edificado se deu somente a partir da
demolição da antiga Matriz em 1968, muito embora o primeiro pedido de tombamento dos retá-
bulos da Igreja Matriz e Igreja do Rosário e Capela de São Benedito tenha acontecido em 1957.
Por meio dos processos e litígios verificados em matérias jornalísticas foi possível
observar que a transformação do espaço urbano no final da década de 1950 até final da década de
1960 foi decisiva para sensibilizar as instituições públicas vinculadas à preservação, bem como a
comunidade detentora do bem, procurando demonstrar a importância do patrimônio cultural edi-
ficado.
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Além das análises acerca das escolhas, era preciso examinar a origem das resistências
ao tombamento, visto que na cidade de Cuiabá as ações contrárias perduraram alguns anos após a
homologação do tombamento do Centro Histórico.
No momento em que se verifica que somente uma internalização da lei de tombamen-
to seria capaz de preservar o patrimônio histórico, em função de ser necessária a apropriação da
lei dentro dos costumes e tradições associados a esse espaço urbano, a importância de um traba-
lho focado na educação patrimonial e na mobilização junto à opinião pública salta aos olhos.
Romper com o ideal estético de uma sociedade leva tempo, a mudança de valores as-
sociados ao ideal de beleza aponta significativas dificuldades em função de hábitos, devoções,
sentimentos e de afetos, nas palavras de Terry Eagleton, “o poder foi estetizado”.
O terceiro capítulo deste trabalho abordou o olhar “sensível” do governo federal para
a preservação do patrimônio na cidade de Cuiabá, com ações desenvolvidas por meio do “PAC
Cidades Históricas”. O capítulo dedicou especial atenção às políticas de preservação aos lugares
já eleitos como patrimônio, de forma a discutir as perspectivas de preservação do patrimônio cul-
tural em Mato Grosso, tendo como ação emergencial e decisiva a educação patrimonial.
Entender o patrimônio cultural como um campo de inúmeros interesses que deman-
dam articulações entre diversas instituições e atores com a missão de maximizar as suas potencia-
lidades, recuperando o equilíbrio de representatividade – de forma a legitimar e socializar os bens
reconhecidos – é um desafio a ser superado, no momento histórico em que o IPHAN assume o
papel de mediar ações de preservação junto às instituições públicas e à sociedade civil.
No caso do Centro Histórico de Cuiabá, o estabelecimento de vínculo com outras ins-
tituições tem se formalizado ao longo das últimas duas décadas, favorecendo o processo de pre-
servação com o enriquecimento das discussões e ações de preservação por meio de políticas pú-
blicas oriundas de diferentes atores políticos.
Diante dos múltiplos desafios propostos para a preservação, este trabalho situa-se
principalmente na apropriação das referências locais como forma de superar os desafios da pre-
servação, pois as articulações serão sempre infinitas e as demandas intermináveis, competindo
aos responsáveis pela preservação um olhar mais apurado, de forma a verificar as soluções pro-
postas para os desafios que se apresentam.
Ressignificar, dessacralizar, tornar acessível e sustentável significa atribuir novos
sentidos aos mesmos valores históricos e arquitetônicos, pois diante de novas práticas sociais é
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Ora, é a memória dos habitantes que faz com que eles percebam, na fisio-
nomia da cidade, sua própria história de vida, suas experiências sociais e
lutas cotidianas. A memória é, pois, imprescindível na medida em que es-
clarece sobre o vínculo entre a sucessão de gerações e o tempo histórico
que as acompanha. Sem isso, a população urbana não tem condições de
compreender a história de sua cidade, como seu espaço urbano foi produ-
zido pelos homens através dos tempos, nem a origem do processo que a
caracterizou. Enfim, sem a memória não se pode situar na própria cidade,
pois perde-se o elo afetivo que propicia a relação habitante-cidade, im-
possibilitando ao morador de se reconhecer enquanto cidadão de direitos
e deveres e sujeito da história.
Essa perda de referenciais históricos, pautados na memória da cidade, nos
dá a estranha sensação de que somos “estrangeiros” em nossa própria ca-
sa. Sem a memória, não encontraremos mais os ícones, símbolos e lem-
branças que nos unem à cidade e, assim, nos sentiremos deslocados e con-
fusos.200
200
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