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HISTÓRIA, MÚSICA E EDUCAÇÃO: AS CANÇÕES POPULARES NA SALA

DE AULA

Maria Amélia Garcia de Alencar1


Victor Creti Bruzadelli2
Vitor Hugo Abranche de Oliveira3

Foi em Diamantina, onde nasceu JK,


Que a princesa Leopoldina arresolveu se casar
Mas Chica da Silva tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa a se casar com Tiradentes

(Stanislaw Ponte Preta, Samba do crioulo doido)

RESUMO

O texto parte de uma reflexão sobre os novos paradigmas da História, com


ênfase na História Cultural, procurando relacionar as práticas docentes com os esforços
da pesquisa neste campo. Estabelecendo as relações entre História e Música, enfatiza o
uso da música popular como ferramenta didática e indica, através de exemplos práticos,
as possibilidades de utilização deste recurso por parte do professor.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de História, Música Popular e Metodologia de ensino.

A História é uma ciência paradigmática 4, em que, periodicamente há uma


sobreposição de escolas que divergem em vários pontos, desde opções teórico-
metodológicas até a escolha dos documentos que serão utilizados para elaborar sentido a
determinado objeto. Esta constante transformação tem imposto ao saber histórico uma
enorme crise epistemológica e o debate sobre a validade de seu conhecimento,
lembrando uma frase bastante difundida no meio acadêmico, a História foi posta à beira
da falésia.

1
Doutora em História. Docente da Faculdade de História da UFG (mameliaalencar@gmail.com).
2
Graduado em História pela UFG. Docente das redes pública e particular em Goiânia. Integrante da Rede
Goiana de Estudos da Performance (victor_creti@hotmail.com)
3
Mestrando em História pela UFG. (vitorabranche@hotmail.com)
4
Entendemos por paradigma “um modelo para a prática [científica] ‘normal’ da qual decorre uma
tradição de pesquisa” (BURKE, 2005, p. 68).
Um dos efeitos mais dramáticos da aceleração da integração mundial nos
últimos vinte anos foi a implosão do conjunto de certezas sobre as quais
repousavam as Ciências Sociais, incluindo-se nelas a História, em suas
tentativas de explicar as sociedades humanas atuais ou passadas. Talvez
nunca o passado, ou a memória sobre o passado, tenha se alterado tão
rapidamente (GUARINELLO, 2006, p. 227).

Isso se deve, sobretudo, à instituição do pensamento moderno que trará certa fluidez às
certezas em que as ciências humanas haviam se assentado durante os séculos XVIII e
XIX.
Como reflexo disso, em 1929 irá se operar uma “revolução” historiográfica na
França que imporá uma nova opção (ou uma nova determinação) para o pensamento
histórico, a Escola dos Annales. Essa nova escola irá rejeitar a ênfase dada somente nos
fatores políticos, diplomáticos e bélicos – ainda que estes continuem a ser estudados,
porém através de métodos mais “ecumênicos”, para utilizar o termo de Malerba (2009),
ou ecléticos, para utilizar o de Burke (2005, p. 68) – trabalhando de forma
interdisciplinar métodos e objetos de outras ciências humanas e sociais, a geografia, a
crítica literária, a psicologia, a musicologia, a sociologia e, principalmente, a
antropologia.
Dentro da Escola do Annales um fator de grande importância é a revolução
documental que ela irá operar. Os documentos mais clássicos que se referiam somente a
estratégias militares, cartas de chefes de Estado, biografias de grandes líderes (todos
escritos), entre outros, deixaram de ser as únicas fontes de saber histórico e passou-se a
dar ênfase a outros tipos de documentos, muitos deles não-verbais. As artes, a cultura
material, os costumes, as festas e etc., entraram para o rol de documentos e foram
analisados, quase sempre, segundo a perspectiva da longa duração histórica. Este fato
possibilitou que grupos sociais que não detinham o conhecimento da escrita verbal
pudessem também ser objetos de pesquisa de historiadores que os estudariam de forma
mais direta, ou seja, através de documentos produzidos por estes atores históricos, em
oposição aos documentos escritos/produzidos a respeito deles por indivíduos de outros
grupos.
Neste mesmo sentido, mais recentemente – no caso da América Latina, nas
décadas de 1980 e a seguinte, a partir da influência do pensamento historiográfico
produzido nos países “centrais” da Europa –, tem acontecido também no interior do
conjunto das ciências humanas um processo radical de antropologização do
conhecimento (baseado no paradigma da chamada “Nova” História Cultural ou terceira
geração dos Annales). Conceitos da ciência antropológica, como os de cultura, memória
e representação se tornam cada vez mais presentes em obras de historiadores,
alcançando o status de categorias analíticas básicas para se compreender qualquer
realidade histórica, já que, para estes historiadores, tudo é (ou possui) cultura e pode ser
representado. Novos métodos têm sido incorporados devido a esse contato, é o caso, por
exemplo, da História Oral que busca, através de entrevistas “descobrir” novos fatos
histográficos e novas possibilidades de dar sentido ao passado, sobretudo na dita
História recente. Se, por um lado, esse fator facilita o trabalho do estudioso em História
contemporânea, outros o dificultam, como a proximidade com o objeto. Esta
proximidade impõe, muitas vezes, menos clareza e objetividade, devido à grande
influência que as paixões ainda exercem no pesquisador, turvando a visão das relações
causais existentes entre os fatos em estudo. Além de, algumas vezes, os acontecimentos
podem não ter se concluído completamente, dificultando ainda mais a percepção do
“todo” histórico.
Mas o que há para nós de mais essencial tanto na revolução documental operada
pela Escola dos Annales quanto na aceitação da História Oral, dentre várias outras
formas de pesquisa como método válido entre os historiadores, é o fato de se dar voz e
ação a grupos humanos antes silenciados por outros paradigmas e métodos – a este
processo daremos o nome de cultural turn (ou virada cultural).
A partir da compreensão do mexicano Carlos Aguirre Rojas, o historiador
Jurandir Malerba atribui tal conquista da historiografia a um reflexo das revoluções
impostas pelo ano de 1968 (MALERBA, 2009, p. 107). Ou seja, uma revolução cultural
em escala global possibilitou o surgimento de um novo paradigma historiográfico – “a
Antropologia Histórica” ou “História Cultural”, como quer Malerba – no qual as
determinações ideológicas dos “revolucionários” foram incorporadas pelas ciências
humanas. A historiadora Sandra Pesavento compartilha tal idéia quanto à gênese da
História Cultural: para ela esta forma de encarar a ciência se estabeleceu “com a crise de
maio de 1968, com a guerra do Vietnã, a ascensão do feminismo, o surgimento da
[revista] New Left, em termos de cultura, ou mesmo a derrocada dos sonhos de paz do
mundo do pós-guerra” (PESAVENTO, 2003, p. 8). Por seu turno, Peter Burke avalia, de
maneira análoga, que o estabelecimento deste novo paradigma está diretamente
relacionado à nova percepção que se edificará a respeito daqueles que haviam sido
deixados de fora da História ou se tornado invisíveis para ela, dando ênfase nos estudos
pós-colonialistas e na ascensão do feminismo (BURKE, 2005, p. 64). Numa perspectiva
um pouco distinta, Francisco Falcon relaciona o surgimento da História Cultural
diretamente à “crise da modernidade” e à “crise da História” 5, ambas reflexo de um
problema ainda maior: a “crise da razão iluminista”. Se a razão estava em crise, fica
inviabilizada uma visão racional da História, tal quais os moldes positivistas do século
XIX (FALCON, 2002, p. 17-19).
É necessário, porém, enfatizar que a estruturação desta nova “escola
historiográfica” se dará no final da década de 1960 (POMIAN, 1998; MALERBA,
2009; PESAVENTO, 2003) na Europa, sobretudo na França, e somente será importada
para a América Latina nos anos 1980 e 1990. Entretanto uma História de caráter
culturalista já pode ser identificada no Brasil (e em outras partes do mundo)
anteriormente a 1968, como é o caso da obra Visões do Paraíso, do historiador Sérgio
Buarque de Hollanda, lançado em 1958, ainda que de forma isolada e sem formar uma
“escola historiográfica”.
Esta História Cultural, segundo Malerba, pode ser entendida também como o
cruzamento do marxismo com o pós-estruturalismo, “procurando resgatar aqueles
grupos marginalizados na história da América Latina” (MALERBA, 2009, p. 99) e,
conseqüentemente, do Brasil. Na contramão do que é normalmente compreendido pelos
historiadores, Malerba vê a produção historiográfica da terceira geração dos Annales
como um momento de entrecruzamento de duas tradições distintas da historiografia. Se
a História Cultural busca analisar os fatos a partir da interrelação entre marxismo e pós-
estruturalismo, isso se torna perceptível quando notamos a fragmentação e o
descentramento dos grupos sociais e das identidades individuais, característica do pós-
estruturalismo e a relevância que as minorias e os grupos excluídos, atributo de alguns
marxismos, terão neste recente paradigma. Falcon acredita que outra escola
historiográfica deve reivindicar sua parcela na estruturação dos problemas da História
Cultural, a História Social, já que, para ele, quando “se fala nas novas temáticas –

5
A crise em que a história é despejada, na pós-modernidade, segundo Falcon, se dá devido à “crise do
‘real’ como referente da própria historiografia ou, em outras palavras, a crise da relação entre a história-
disciplina e a História-matéria, relação esta que sempre se constituiu, ao longo de toda a trajetória da
historiografia ocidental, desde suas origens, na própria condição de existência da história como forma de
conhecimento” (FALCON, 2002, p. 25-26). Esta chamada “crise do real” pode ser explicada pela
centralidade que o conceito de representação alcançará durante o pós-guerra, já que a “realidade” presente
nos documentos históricos passa a ser questionada/problematizada pelos historiadores, influenciados
pelos antropólogos como Levis-Strauss e Geertz, e pela perspectivação da verdade, encarando-a mais
como diversas interpretações do passado (FALCON, 2002, p. 30).
cultura popular, cotidiano, gênero, corpo etc. – no fundo é ainda a problemática
sociocultural que está presente” (FALCON, 2002, p. 14).
No entanto, a historiadora afirma que esta nova escola não representou uma
ruptura drástica em relação às antigas, já que “foi dentro da vertente neomarxista inglesa
e da História francesa dos Annales que veio o impulso de renovação” que resultaria na
História Cultural (PESAVENTO, 2003, p. 9-10). Ela ainda afirma que a ênfase dada em
Histórias relacionadas a vida e cotidiano de gente simples, das “classes subalternas”,
para utilizar o termo gramsciano, é uma derivação de “uma história social renovada”
(PESAVENTO, 2003, p. 56).
A aceitação deste paradigma no Brasil parece-nos estar diretamente relacionada
a dois fatores distintos: à nossa colonização intelectual, por um lado, e ao movimento de
redemocratização e ao surgimento de novos partidos políticos no final da década de
1970 e seguinte, por outro. Devido à colonização intelectual, grande parte dos
historiadores do nosso país (e da América Latina em geral) passam a aceitar, de forma
quase sempre passiva, a produção teórico-metodológica de países centrais da Europa.
Neste sentido, percebe-se a presença, entre nossos historiadores, do pensamento do pós-
modernismo. Se, nos países centrais, a História Econômica já havia perdido força
devido aos principais problemas de ordem financeira já terem sido resolvidos após a
década de 1970 – em função do grande montante de divisas investidas nestes países com
a instauração do Plano Marshall, no momento imediatamente posterior à segunda guerra
–, na América Latina estes problemas continuam a assolar a intelligentsia do continente.
Na contramão de tal processo, os historiadores daqui se vinculam às mesmas pautas de
discussão dos estadunidenses e europeus. Para os historiadores pós-modernos, o
indivíduo vê-se fragmentado, constituindo-se de identidades híbridas e, muitas vezes,
paradoxais, possibilitando ao historiador o desvendamento de uma multiplicidade de
saberes e práticas sociais. Daí justifica-se a emergência de estudos que se centram na
discussão de gênero, artes populares, cotidiano, sexualidade, vida privada, entre outros
exemplos. No Brasil, ao movimento de redemocratização e ao surgimento de novos
partidos, deve ser atribuída a ênfase que se dará à compreensão dos grupos minoritários
e subalternos, como aponta Malerba (2009, p. 109), numa tentativa de incluir na
História do país aqueles que até então eram excluídos.
Neste cenário, ainda no “início dos anos 80, o processo de redemocratização e a
vitória da oposição em alguns estados levaram ao atendimento de uma reivindicação de
professores e associações científicas e as Secretarias Estaduais de Educação puseram
fim em Estudos Sociais [– disciplina que entremeava conteúdos de História e Geografia
com pinceladas de outras ciências sociais –], propiciando o retorno de História e
Geografia como disciplinas autônomas” (ABUD, 2007, p. 112). Ou seja, a década de
1980 será de essencial importância para se compreender o pensamento sobre a História
no Brasil, primeiramente por causa de uma radical mudança no paradigma
epistemológico no qual ela se sustentava – o início do império da História cultural, no
âmbito acadêmico – e o seu retorno às salas de aula como disciplina independente.
Com o retorno às salas de aula, a disciplina História vê-se totalmente
ressignificada, alcançando um novo status e um novo papel social, não só no nível
escolar, mas também no ambiente acadêmico. Esta conjunta transformação nos dois
âmbitos se deve ao próprio processo histórico de instituição desta disciplina no Brasil, já
que a relação entre a “História acadêmica” e a “História escolar” é indissociável no
nosso país.
Seu estabelecimento como disciplina escolar se dá na primeira metade do século
XIX com a criação do Imperial Colégio Pedro II. Neste mesmo momento, surgia,
paralelamente, a História acadêmica brasileira com a estruturação do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro. Ambas as instituições começaram a funcionar em 1838, com o
objetivo de auxiliar na construção da identidade da nação que germinava e buscando
incentivar a consolidação do Estado Nacional brasileiro. Neste sentido, “se o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro cuidava de estabelecer os paradigmas para a
construção da História Brasileira, o colégio [Pedro II] tratava de transformá-los em
programas de ensino” (ABUD, 2007, p. 108).
Talvez seja por esta configuração histórica, a inseparável relação entre a História
escolar e a acadêmica, que a idéia de transposição didática tenha alcançado grande
centralidade na discussão a respeito da História nas salas de aulas de Ensino Básico. O
conceito de transposição didática

designa o processo de transformação científica, didática social, que afeta os


objetivos de conhecimento até a sua tradução no campo escolar. Ele permite
pensar a transformação de um saber dito científico em um saber a ensinar, tal
qual aparece nos programas, nos manuais, na palavra do professor,
considerados não somente científicos (INPR apud SCHIMIDT, 1997, p. 58).

Ou seja, segundo Schimidt (1997), Fonseca (2004), Abud (2007) e Paim (2004),
entende-se que o conhecimento ensinado nas escolas é apenas uma simplificação
daquele produzido nas universidades. Como atesta, por exemplo, o PNLD (Programa
Nacional do Livro Didático) que busca analisar a qualidade dos livros didáticos
produzidos no Brasil, recomendando ou não a compra destes pelo Governo Federal.
Esta avaliação dos livros didáticos de história se referencia nos saberes produzidos na
academia (BEZERRA; LUCA, 2006, p. 32). Como se pode perceber, a idéia de
transposição didática ganha força entre os avaliadores deste programa.

Esta idéia se apóia numa concepção que vê o conhecimento escolar como


uma versão simplificada do conhecimento científico e considera que sua
didática tem como objeto realizar de forma adequada essa simplificação, para
que a história produzida pela comunidade científica possa ser assimilada
pelos estudantes em diferentes níveis (ABUD, 2007, p. 108).

Entretanto, tal visão a respeito da relação entre saber escolar e acadêmico não
nos parece adequada. Nesta perspectiva, “À academia cabe a produção do conhecimento
e à escola, o ensino, a transmissão. Esta visão está calcada na divisão racional do
trabalho adotada no sistema fabril, pela qual alguns pensam, planejam, elaboram,
traçam metas, e os demais executam o que foi pensado”, cabendo ao professor, apenas,
a aplicação dos modelos e currículos já erigidos (PAIM, 2004, p. 159). Assim, o
professor seria apenas um mediador do conhecimento acadêmico, como aponta Fonseca
(2004, p. 149). Acreditamos que deve ser reivindicado aos espaços escolares o status de
também produtor de saber, um saber distinto do universitário, como nos apontam
Gonçalves (2006) e Abud (2007). Faz-se necessário que se perceba que o conhecimento
escolar não pode ser encarado somente como uma simplificação dos conteúdos
provenientes da academia. O saber histórico na sala de aula é distinto do acadêmico
porque leva em conta “os documentos legais, a formação de professores, a produção de
materiais didáticos, todos os componentes assentados no contexto em que se desenvolve
a prática escolar” (ABUD, 2007, p. 108) – fatores estes formadores da cultura escolar –,
além da grande influência da produção historiográfica, fazendo surgir um conhecimento
distinto do acadêmico e específico, já que é destinado a um outro “público” em
particular. Esta distinção se deve também à chamada epistemologia da prática, ou seja,
ao ser ensinada a ciência adquire um novo conjunto de referenciais e se transforma
numa ciência bastante distinta do conhecimento considerado primeiro. É a partir da
fricção daqueles distintos termos – cultura escolar, saber acadêmico e epistemologia da
prática – que se estabelece a “História escolar”, ou seja, a disciplina História que é
ensinada nas Escolas Básicas, indo muito além da simplificação do conhecimento
acadêmico através da transposição didática.
Como se pode perceber, o conhecimento acadêmico também terá um papel
central na edificação deste campo de saber específico, já que é também a partir do
primeiro, o saber universitário, que se estrutura o segundo, o saber escolar. Desta forma,
outro problema se apresenta: se a História é uma ciência paradigmática, como
supracitado, sendo constantes as transformações em suas bases epistemológicas, o
ensino desta disciplina em escolas de Ensino Básico se vê bastante dificultado. Faz-se
necessário, portanto, que a educação em História também esteja em constante
transformação, como revela Theodoro (2005). Na maioria dos livros didáticos, aponta-
nos a historiadora Ana Teresa Marques Gonçalves – membro de cinco comissões
avaliadoras do PNLD –, a quantidade de discrepâncias entre o avanço do saber
acadêmico e o reproduzido nestes manuais é gigantesca. Segundo ela, muitos conteúdos
estão defasados em relação aos saberes acadêmicos e na maioria dos casos isso se dá no
momento de constituição destes porque, ao serem produzidos, buscam idéias nos
manuais mais antigos, fazendo com que as desatualizações se repitam constantemente,
devido às cópias e às repetições (GONÇALVES, 2006, p. 143). Portanto, nem a
transposição didática tem conseguido se efetuar.
Ao professor cabe também o papel de mediador entre estes dois universos, a
academia (e seus historiadores) e a escola (e seu corpo discente). Tal função deve ser
encarada por estes profissionais como algo central em seu ofício. O educador de
História, portanto, deve estar em constante contato com a academia, seja em cursos de
formação continuada e complementar, seja em eventos acadêmicos, como congressos,
simpósios, colóquios e etc. É claro que tais contatos não o dispensam de um processo de
investigação e preparação para cada aula ministrada, buscando na historiografia novas
compreensões e interpretações do passado. Desta forma as transformações
historiográficas poderão ser acompanhadas dentro das salas de aula.
Quando se trata do paradigma da História Cultural, este diálogo entre escola e
academia se torna ainda mais interessante. Os temas abordados por esta escola
historiográfica despertam mais interesse no alunado, que se reconhece nos hábitos
daqueles homens (transposição de elementos da História da cultura, por exemplo) e no
cotidiano dos indivíduos de antanho (transposição de elementos da História da vida
privada), entre outros. Se objetivamos que a ciência História faça sentido para os nossos
alunos, esta é uma grande estratégia de abordagem, porque a partir da aproximação do
horizonte de conhecimento e de vida dos nossos alunos ao dos “personagens históricos”
– categoria esta que se vê bastante transformada dentro da “Nova” História Cultural,
como apontado anteriormente –, o discente sentirá que faz parte de toda uma longa
aventura humana que se intitula História. Esta questão relativa às identidades é tão
central no discurso da História Cultural que, para Pomian, o principal objetivo deste
paradigma é estudar “as obras com seus autores individuais ou coletivos e os
comportamentos dos grupos humanos a que pertencem, que definem o caráter específico
desses grupos, todos contribuindo para criar o seu sentimento de identidade” (POMIAN,
1998, p. 71).
Entretanto, esta questão das identidades deve ser problematizada no discurso do
professor de História. Quando olhamos para passado humano não devemos procurar
somente o que é semelhante ou constitutivo do hoje; na verdade, devem ser levadas em
conta as rupturas e as próprias distinções entre o passado e o presente. Cabe ao
historiador e ao professor de História, destarte, um esforço na construção da alteridade,
numa busca de compreender o outro, o distinto do homem do presente, e, desta forma,
definir o “eu”, já que a História, segundo Pesavento é a ciência que busca enxergar o
outro (PESAVENTO, 2003, p. 59). A relação alteridade-identidade é, portanto, uma das
principais problematizações da nossa ciência, sobretudo no âmbito escolar. Para nós,
compreender o outro (ou apenas perceber as distinções entre nós e o outro) é
compreender a nós mesmos, ou seja, as identidades são sempre relacionais. A História,
desta forma, não deve ser vista a partir de uma compreensão em que se busca apenas
localizar as semelhanças entre o hoje e o ontem, mas de perceber suas distinções
procedendo a um olhar sem preconceitos sobre o outro, questão essencial para se bem
viver no mundo contemporâneo, onde indivíduos das mais diferentes culturas e etnias
coabitam o mesmo espaço graças ao poderoso processo de globalização.
Gostaríamos, entretanto, de constatar que, apesar de a “Nova” História Cultural
já estar imperando no Brasil desde a década de 1980, transformando-se em paradigma
fundamental da historiografia brasileira nos últimos 20 anos, a maioria dos professores
de Ensino Básico ainda dedicam a maior parte de suas aulas a temas e explicações da
História Econômica ou ainda mesmo de temáticas do pensamento metódico positivista,
o que vai na contramão de aproximar o sujeito de investigação – neste caso, o aluno –
do objeto – também neste caso, a própria historiografia. Isso se dá pela forma como são
produzidos os manuais didáticos, como apontado acima, e a função que estes
alcançaram no interior da prática docente. Os livros didáticos e paradidáticos deviam
ser, em tese, apenas materiais de apoio ao professor, mas na prática docente tem se
transformado no receptáculo do saber, tornando aquilo que lá está fixado em saber
inquestionável.
Porém, para que o professor possa proceder de forma satisfatória na sala de aula,
amparando-se nas propostas da terceira geração dos Annales, é preciso que ele
compreenda tanto a escola historiográfica em que se apóia quanto os mecanismo e
técnicas de pesquisa disponíveis segundo aquele paradigma. A partir destas
compreensões uma questão surgirá: Como trazer as conquistas da História Cultural para
a sala de aula, levando em conta toda a cultura escolar? Uma resposta definitiva para
esta indagação parece-nos bastante improvável, porém esta deve ser uma das indagações
que permeiam a prática docente, para que se possa, dessa forma, tornar nosso ofício
mais eficiente porque mais prazeroso.
Além de ser considerado essencial, o conhecimento deve ser pensado como algo
passível de trazer prazer ao aluno. A partir disso, acreditamos que deve ser levado em
conta o aspecto lúdico do processo de ensino-aprendizagem, transformando o momento
de ensino num momento onde a sisudez dos livros didáticos e dos conhecimentos
edificados sejam minimizadas, tornando-se principal, o próprio processo investigativo e
criativo. O processo investigativo, feito através da problematização de documentos –
dentro da História Cultural são os mais diversos, como diários pessoais, artes em geral,
representações pictográficas, cultura material e imaterial, dentre vários outros – ou da
crítica historiográfica, pode dar ao aluno a visão da epistemologia histórica como algo
em processo, como um saber em constante construção, o que o levaria a crer que pode
se tornar constituidor deste saber. Desta maneira, os documentos podem ser pensados
como evidência. O

conceito de evidência ‘encoraja o uso de vários tipos de materiais que o


passado deixou para trás, a fazer e a responder a questões que visam
interrogar e avaliar fontes em relação a investigações particulares e no
contexto da sociedade que as produziu’ (ABUD apud ASHBY, 2005, p. 312).
A produção cultural, que se expressa por meio de diferentes
linguagens, transforma-se em evidência quando, de material original, isto é,
de produção não-intencional para finalidades pedagógicas, passa a ser um
instrumento para o desenvolvimento de conceitos na aula de história (ABUD,
2005, p. 312).

Depois de tal investigação a produção do saber pode ser expressa de diversas


formas: das mais clássicas – escrita de textos ou produção de painéis – às mais
inovadoras, como produção de filmes curtas-metragens ou de objetos de arte, entre
outros.
Neste sentido, faz-se necessário que as técnicas de pesquisa da História Cultural
e dos tipos de documentos sejam compreendidas pelo professor para que os absurdos
conceituais encontrados nos manuais didáticos, como revela Gonçalves (2006), não se
repitam nas salas de aula do Ensino Básico. Para tanto, o professor tem que perceber
que seu ofício exige um esforço de constante formação, reformulação e transformação.
Assim deve proceder o professor que objetiva utilizar a música popular em salas
de aula. Compreendemos, em consonância com Kátia Abud (2005), a música popular
como registro da vida cotidiana. Para ela, a música popular, por registrar representações
sociais, possibilita a compreensão histórica. Esta autora, seguindo Jean Peyrot,
estabelece que as linguagens só podem ser efetivadas no processo de ensino quando se
relacionam com os esquemas e conceitos individuais dos alunos. “De forma mais ampla,
pensando-se no uso da música, pode-se concordar com as palavras de José Geraldo
Vinci de Moraes, quando afirma que ‘é bem provável que as canções possam esclarecer
muitas coisas na História Contemporânea que às vezes se supõem mortas ou perdidas na
memória coletiva’” (CHAVES, 2006, p. 111). Assim, estas novas formas de proceder
em sala de aula auxiliam na construção do conhecimento histórico através de quatro
efeitos sociais: a transmissão da memória coletiva; a formação da capacidade de
julgamento, de crítica e de tolerância; a análise de situações, e a formação da
consciência política como instrumento de coesão social. Por fim, ela entende que a
formação dessa consciência histórica relaciona-se imediatamente com a vida humana
prática (ABUD, 2005).
Quando utilizamos o documento-canção em sala de aula, objetivamos auxiliar “o
aluno a construir o conhecimento histórico a partir de documentos diferenciados dos
costumeiramente presentes nas salas aulas e, por isso, sua utilização está relacionada a
propostas alternativas de organização de conteúdos” (ABUD, 2005, p. 315). Além disso,
também o elegemos por percebermos que do “ponto de vista da sociologia, não há mais
como contestar que as diferentes mídias eletrônicas assumem um papel cada vez mais
importante no processo de socialização” (BELLONI, 2002, p. 118) e a música é um dos
momentos em que estamos mais próximos das mídias eletrônicas, já que ela é, na
atualidade, veiculada através de meios deste tipo. A canção é, portanto, mais um dos
inúmeros documentos (disponível em uma nova mídia) que foram apropriados pelo
historiador e pelo educador em História. A partir dela há um esforço de compreensão do
passado humano e o desvendamento de sociabilidades e sensibilidades, de formas de
pensar e visões de mundo, entre outros, de outros tempos e espaços, temas que quase
sempre se tornam prazerosos aos alunos. Além disso, a “forte presença da música na
vida dos jovens [...], aponta para a necessidade de que ela, além de outras expressões
culturais que compõem o universo desses alunos, seja tomada como pontos de
referência para o trabalho escolar” (CHAVES, 2006, p. 117). Entretanto, tal qual outros
documentos, é necessário se atentar para o fato de que as músicas “são representações,
não se constituem num discurso neutro, mas identificam o modo como, em diferentes
lugares e em diferentes tempos, uma determinada realidade social é pensada e
construída” (ABUD, 2005, p. 312).
O estudo do documento-canção, como apontado acima, apresenta peculiaridades
que precisam ser conhecidas por parte do docente que o utiliza como ferramenta
pedagógica. A principal dessas especificidades é a dupla característica de uma canção.
Uma música popular quase sempre apresenta, ao mesmo tempo, no mínimo duas
linguagens complementares e indissociáveis: elementos propriamente sonoro-musicais
(instrumentação, interpretação vocal, intensidade das notas, entre outros) e elementos
verbais – a letra. De fato encontraremos inúmeros trabalhos historiográficos onde a
predominância é dada à letra das músicas, deixando a parte sonora em segundo plano,
isto quando é tratada. Entretanto, compreendemos com Tatit (2002), que a parte sonora
e a parte escrita complementam-se e não podem ser analisadas em separado, já que estes
dois elementos comentam-se durante o percurso de muitas canções. A instrumentação, o
compasso, o ritmo, a melodia, o andamento e as notas reforçam ou amenizam as
representações expressas na letra de acordo com o objetivo dos cancionistas 6 envolvidas
na produção de determinado produto musical. “Portanto, mesmo que durante a análise,
para efeito didático e comunicativo, tenhamos que separar estas duas instâncias, não
podemos esquecer de pensá-las em conjunto e complemento” (NAPOLITANO, 2005, p.
97, grifo do autor).
Todavia, somente a constatação destes dois elementos não abarca a grande
complexidade deste objeto multifacetado e polifônico, tornando nossa pesquisa (e o
processo de ensino) bastante reducionista. O termo canção nos remete a outros
elementos da construção da própria música popular, que vão dos cancionistas à difusão
musical, das ideologias inseridas tanto no processo de criação quanto àquelas inseridas
no processo de escuta musical, dos paradigmas de formação individual do compositor à

6
“O compositor traz sempre um projeto geral de dicção que será aprimorado ou modificado pelo cantor e,
normalmente, modalizado e explicitado pelo arranjador. Todos são, nesse sentido, cancionistas” (Tatit,
2002, p. 11).
política de cultura de massas e indústria cultural, da performance cênico-musical e
interpretativa aos meios técnicos de produção, gravação e difusão do artefato artístico.
Eleger algum destes aspectos em detrimento dos outros é empobrecer a complexa
dimensão estética das canções populares e, desta forma, não perceber toda a
historicidade à qual ela está exposta e da qual é produtora. Muitos trabalhos produzidos
anteriormente a 1980 traziam a análise das músicas somente a partir da letra,
esquecendo-se, principalmente, dos aspectos musicais propriamente ditos. Desta forma,
a pesquisa esvaziava-se de sentido já que muitas das rupturas no processo de produção
de canções estão ligadas a aspectos sonoros. É essencial ratificar que existe um conjunto
de possibilidades metodológicas que conduzem à pesquisa em História e música, alguns
deles bastantes divergentes entre si, entretanto, todos buscam valorizar esse caráter
múltiplo do objeto-canção.

Entendemos que, para que o documento-canção adquira sua


importância real, é necessário encontrar quais desses fatores influenciam de
forma mais significante na canção. Por exemplo, se uma canção se torna
famosa e relevante por carregar lingüístico e musicalmente um discurso
nacionalista, entenderíamos que a composição e a difusão estariam
carregadas de ideologia nacionalista. Mas principalmente entenderíamos que
‘tornar-se famosa’ implica na recepção de um público influenciado por uma
postura também nacionalista. Portanto, o que molda a relevância da canção
[...] são as propriedades relevantes que circundam a canção, mas que se
mostram dentro dela mesma. Cabe ao historiador [e por que não ao docente
em história?] problematizar as propriedade que compõem e circundam cada
canção (OLIVEIRA, 2009, p. 178-179).

Esta postura apontada por Oliveira é encontrada nos textos de Marcos


Napolitano, um dos principais estudiosos do documento-canção na contemporaneidade
brasileira. A esta opção metodológica daremos o nome de conjunturalismo ou
contextualismo. Para este historiador, ao trabalharmos com músicas populares,
precisamos analisá-las tanto internamente (letra e música) quanto externamente
(ambiente de produção e difusão, processo de comercialização, tipo de mídias utilizadas
para gravar e propagandear a canção, entre outros). Para este autor, “a história da
música popular no século XX revela um rico processo de luta e conflito ideológico”
(NAPOLITANO, 2005, p. 18) transformando-se, a canção, ao longo do tempo em “uma
espécie de repertório da memória coletiva” (NAPOLITANO, 2007, p. 5). Ou seja, a
canção não pode ser pensada sem que se estabeleçam as diversas relações que a
compõem, porque poderemos, dessa forma, estar correndo o risco de reduzi-la a algo
muito menos múltiplo do que ela é, minimizando suas propriedades de documento
histórico.
Acreditamos também que é importante ressaltar os pressupostos teóricos de um
dos precursores do estudo da música popular, Theodor W. Adorno. Este sociólogo
alemão pode ser considerado o pai dos estudos sobre música popular, ainda que,
ironicamente, a veja de forma bastante negativa. Ele “vislumbrava a música popular
como a realização mais perfeita da ideologia do capitalismo monopolista: indústria
travestida em arte” (NAPOLITANO, 2005, p. 21). Estes serão, inclusive, dois dos
pontos nodais do estudo da canção no mundo todo: a cultura de massas e a indústria
cultural. Com uma visão um tanto aristocrática e romântica da arte, dividindo-a em
superior (erudita) e inferior (folclórica), Adorno vê a canção popular como algo que
deturpa tanto a qualidade artística da primeira quanto a autenticidade da segunda,
domesticando-a (ADORNO, 1986, p. 92-93). Para Adorno, o termo indústria cultural
diz, basicamente, respeito a duas coisas: a inserção das tecnologias no processo de
“fabricação” da música (técnicas de gravação, gestão financeira, maneiras de
distribuição), bem como, e mais importante, a organização da produção cultural
segundo a lógica do capital e do lucro. Ou seja, a indústria cultural seria a responsável
por ordenar o mercado de canções segundo uma ótica financeira, dando mais
centralidade ao valor de troca de uma obra, minimizando seu valor de uso. Para que a
venda de canções se torne mais eficaz, a indústria cultural se utiliza das técnicas mais
avançadas de organização da indústria, como a divisão do trabalho, a racionalização e a
inserção de tecnologias na produção e, sobretudo, um poderoso esquema de marketing e
distribuição do produto.
Segundo Adorno, este cenário de construção artística leva, no limite, à
estandardização da música, diminuindo a parcela de criação individual do artista – ainda
que ela exista –, tornando a arte algo esvaziado de sentido e dos demais aspectos
subjetivos relacionados à produção artística. Outra categoria que se veria abalada pela
inserção do termo indústria cultural seria a idéia de gosto musical. Com as escolhas
predeterminadas pela indústria cultural e com um eficaz mecanismo de marketing, as
escolhas por parte do público seriam preestabelecidas pela indústria cultural, impedindo
a possibilidade de acesso ao grande público de quaisquer conteúdos que lhe sejam
externos7 (ADORNO, 1986). Assim, não haveria mais a possibilidade de escolha e,
7
Com a popularização dos computadores domésticos, técnicas e programas de gravação e produção
musical se tornaram acessíveis a um contingente maior de artistas que puderam produzir suas canções e
distribuí-las de maneira independente. Isso ganhou ainda mais fôlego com a internet que facilitou o
portanto, não haveria a possível construção de um gosto musical individual, sendo este
apenas um reflexo das pressões exercidas pela indústria cultural.

A indústria cultural tem o seu suporte ideológico no fato de que ela


se exime cuidadosamente de tirar todas as conseqüências de suas técnicas
extra-artísticas da produção de bens materiais, sem se preocupar com a
determinação que a objetividade dessas técnicas implica para a forma intra-
artística, mas também sem respeitar a lei formal da autonomia estética. Daí
resulta a mistura, tão essencial para a fisionomia da indústria cultural, de
streamlining, de precisão e de nitidez fotográfica de um lado, e de resíduos
individualistas, de atmosfera, de romantismo forjado e já racionalizado, de
outro (ADORNO, 1986, p. 95).

É verdade que a postura que Adorno adota é bastante radical, mas ela será
decisiva para a formação dos estudos em música popular, tornando-se referencial
teórico obrigatório para as pesquisas posteriores. Adotamos, porém, a visão de Alfredo
Bosi, um leitor de Adorno, que subdivide “as culturas brasileiras” em quatro: 1) a
cultura universitária (que Adorno chama de erudita), aquela que é de caráter
acadêmico; 2) a cultura popular (denominada por Adorno de folclórica), que surge
espontaneamente por em meio a população; 3) a cultura criadora individualizada,
àquela produzida por “intelectuais que não vivem dentro da Universidade, e que,
agrupados ou não, formariam, para quem olha de fora, um sistema cultural alto,
independente dos motivos ideológicos particulares que animam este ou aquele escritor,
este ou aquele artista” (BOSI, 1993, p. 309, grifo do autor) e, por fim; 4) a cultura de
massas (a indústria cultural adorniana), com uma íntima imbricação com os sistemas de
produção e mercado de bens de consumo. Como se pode perceber, Bosi acrescenta uma
nova categoria analítica que nos permite estudar a música popular a partir de parâmetros
novos, não tão pessimistas quanto os de Adorno e nem isentos da força modificadora da
indústria cultural. É bem verdade que todos os autores citados apresentam juízos de
valor quanto ao objeto de estudo, postura que evitamos.
Para fins didáticos, compreendemos as canções em três conjuntos distintos que
serão analisados em separado:

trabalho de dispersão de canções pela rede mundial de computadores. No entanto, devemos lembrar que
estas teorizações foram feitas no início do século XX, portanto historicamente bem distantes da era da
informática. Todavia a idéia de indústria cultural ainda é bastante útil, por que, apesar da democratização
da produção musical, sua força junto ao mercado e a mídia é enorme, impossibilitando a ascensão da
maioria dessas produções. Outra questão que ainda deve ser mencionada é a emergência de algumas
gravadoras ditas “independentes”, assim denominadas por não pertencerem às grandes multinacionais da
música. É verdade que algumas dessas grandes gravadoras mantêm selos de produção de músicas
consideradas “independentes” dentre seus produtos. Desta forma, percebe-se que o poderio
mercadológico e, em certa medida, ideológico da indústria cultural se vê pouco modificado com estes
abalos.
1. Canções que ilustram um determinado passado ao qual não o autor não
pertence:
Estas canções são aquelas em que o próprio compositor busca aventurar-se pelo
mundo da História, transformando suas composições em textos com pretensões
historiográficas, ainda que seja para comentar sua própria época. Os mais famosos
exemplos seriam Mulheres de Atenas, de Chico Buarque e Augusto Boal, e Rosa de
Hiroshima, Gerson Conrad e Vinícius de Moraes, que falam, respectivamente, do
cotidiano feminino na polis grega de Atenas e do ataque dos EUA, utilizando-se de
bombas atômicas, às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki no fim da Segunda
Guerra Mundial. Muitos poderiam ser os exemplos deste grupo de canções: Zumbi,
Jorge Ben; Pindorama, Paulo Tatit e Sandra Peres; Alexandre, Caetano Veloso, entre
outras.
Quando estas canções são analisadas, é preciso que se tenha em mente que elas
são representações de um outro tempo não vivenciado pelo autor (portanto não podem
ser tomadas como detentoras de uma verdade histórica) e, por serem canções com
pretensões artísticas predefinidas, nem como uma produção historiográfica. Estas
músicas devem ser problematizadas como um filme histórico, por exemplo, percebendo-
se suas aproximações e suas distinções com a produção historiográfica e com o saber
que se pretender construir junto aos discentes. Esse grupo de canções pode ainda ser
utilizado para que o professor/pesquisador tenha contato com a concepção de passado
formulada em determinado tempo e, assim, expandir o horizonte de compreensão dos
alunos a respeito do momento em estudo.
Outra questão que deve ser sempre lembrada quando utilizamos estas canções
como ferramenta pedagógica é que os compositores patrocinam uma visão particular e
individual da História através das suas composições. Elegem heróis e vilões, fatos
relevantes e irrelevantes que mereçam narração, relações causais predeterminadas e etc.
Tal visão historiográfica deve ser também problematizada pelos docentes e discentes,
para que os alunos possam perceber o projeto e o objetivo da utilização do passado por
parte dos cancionistas no seu processo de criação artística, evidenciando, assim, as
várias possibilidades de compreensão dos fatos históricos.

***
2. Canções que têm evidente relação com o tempo em que foram
produzidas:
Antes de mais nada, é necessário afirmar que estas apresentam uma relação
evidente com seu tempo, ou seja, o compositor “comenta” de forma proposital e
consciente o seu próprio tempo. Ele utiliza-se, no processo composicional, de elementos
de seu cotidiano com o objetivo de torná-lo exposto aos receptores daquele objeto de
arte. O caso mais explícito seriam os das músicas de protesto do fim da década de 1960,
como é o caso de Apesar de Você, também de Chico Buarque, que se referencia ao
momento de contração radical da ditadura militar brasileira representada pelo AI-5.
Outros exemplos: Laura Bush tem um senhor problema (Fred Zero Quatro), da banda
Mundo Livre S/A, que comenta a era Bush; Podres Poderes (Caetano Veloso), a respeito
da abertura política dos anos 1980; Recenseamento (Assis Valente), que explicita a
repressão policial à malandragem e à vadiagem, durante o Estado Novo; Seu Getúlio
vem (André Silva), uma marcha exaltação ao presidente considerado “pai dos pobres”,
entre outras.
Estas canções revelam, quase sempre, posições políticas em relação a
determinado fato. Por isso aconselhamos o docente a utilizar-se de canções ou outros
documentos que se contrapõem à visão de mudo exposta por elas, possibilitando que o
aluno possa perceber várias percepções e compreensões de um mesmo fato,
relativizando visões, opiniões e julgamentos, estimulando assim seu poder de crítica e
análise dos fatos históricos.
Faz-se necessário ratificar que estas canções, assim como as anteriores, também
patrocinam uma visão de História que deve ser problematizada da mesma maneira que
as anteriores.
É claro que esta subdivisão não se aplicará de forma clara a todas as músicas
com que nos depararmos; como já expresso anteriormente, ela é apenas e caráter
didático. Algumas músicas transitam entre estes dois grupos, o que nos leva a
compreendê-las e estudá-las através da conjunção de esforços citados nestes dois
tópicos. É o caso de Palmares 1999 (Alexandre Carlo), da banda de reggae Natiruts;
como já fica expresso em seu título, a música fala de dois tempos distintos. A canção faz
um paralelo entre a História e a memória dos negros e a forma como elas são contadas
pelos historiadores e lembrada pela população. Referencia-se a Zumbi dos Palmares e a
apropriação dele pelos produtores de arte contemporâneos, numa espécie de História
comparada.
***

3. Canções que a relação com o seu tempo de produção está expressa de


forma menos evidente:
Em sua grande maioria, as canções expressam, ainda que de forma indiciária, as
diversas vinculações com o tempo em que foram produzidas. A visão de mundo do
compositor, os mecanismos de seleção do que deve ou não ser gravado e executado sob
o controle dos poderes políticos (sobretudo quando se trabalha com músicas elaboradas
durante regimes de exceção, nos quais há, geralmente, uma forte presença da censura)
e/ou econômicos (principalmente a partir do estabelecimento da indústria cultural), a
História das diferentes técnicas de produção e gravação musical, as sensibilidades e
sociabilidades de determinada população-ouvinte, as concepções estéticas dos artistas
envolvidos na feitura do produto musical, a construção de determinadas tradições –
musicais ou não –, as relações de poder intrínsecas a qualquer relação de produção e
consumo de arte, entre outros fatores, podem ser percebidos através de quase todas as
músicas (desta forma, elencar, aqui qualquer tipo de exemplo seria uma atitude vazia, já
que uma infinidade de canções pertencem a este terceiro grupo). Neste caso, esses
fatores são expressos de forma inconsciente ou, no limite, de maneira pouco consciente,
como atesta Abud: “Não se pode pensar que todas as referências sejam propositais. O
autor e suas canções estavam inseridos em um determinado contexto que influenciava e
aparecia consciente ou inconscientemente em sua obra” (2005, p. 315).
Se essas canções propagam tais concepções e “fatos históricos” de modo
indiciário, os estudiosos e professores que buscarem compreender tais músicas deverão
agir de acordo com isso. Ao encararmos um documento-canção como fonte de saber
histórico, devemos procurar compreender não somente o que está exposto à primeira
vista, mas sim um conjunto de informações que estão submersas atrás do aparente.
Dessa forma, o historiador deve postar-se tal qual um detetive na decifração de um
crime, analisando as evidências e os detalhes que conformam a sua “cena do crime”.
Neste caso, o pesquisador/professor “deve exercitar o seu olhar para os traços
secundários, para os detalhes, para os elementos que, sob um olhar menos arguto e
perspicaz, passariam desapercebidos” (PESAVENTO, 2003, p. 64). Para isso, o
conhecimento dos elementos formadores da canção (andamento, performance vocal,
instrumentação e etc.), do contexto do momento de produção da canção e,
especificamente, do mercado musical daquele período em estudo é essencial, como
aponta Napolitano (2005).
Outra forma importante de se chegar às realidades históricas através de canções
é a interdisciplinaridade, palavra tão difundida nos círculos acadêmicos e tão pouco
colocada em prática em todos os âmbitos do saber escolar. No campo da História
Cultural, este é um tema recorrente, já que desde seu princípio, o estudo da cultura se
mostrou inter ou multidisciplinar. Para alguns teóricos, este se apresenta como a única
alternativa possível para os estudos de História Cultural, dentre eles destacamos
Pesavento (2003, p. 108) e Falcon, que chega a afirmar que a interdisciplinaridade é a
essência de e qualquer trabalho em História Cultural (2002, p. 63). Segundo este autor,
o “cultural é o lugar de encontro de diversos campos teóricos e de setorializações muito
particulares que correspondem às diferentes ciências humanas, sendo impossível tudo
reduzir a um fator ou a um conceito ou modelo. O campo cultural, segundo Kristeva,
revela-se de fato pela transtextualidade do humano” (FALCON, 202, p. 64). Ele ainda
nos revela que o termo interdisciplinar não significa a “supressão das disciplinas
especializadas, mas, sim, na necessidade de pensar suas variadas articulações, suas
interpretações inclusive” (FALCON, 2002, p. 80), ou seja, o estudo de um objeto
cultural pressupõe a relação entre diversas ciências, ainda que estas estejam ordenadas
sob a tutela e uma outra, no nosso caso a História.
A canção é um objeto interdisciplinar em si, isso se deve ao fato de que “uma
canção, estruturalmente, opera com séries de linguagens (música, poesia) e implica em
séries informativas (sociológicas, históricas, biográficas, estéticas) que podem escapar à
área de competência de um profissional especializado” (NAPOLITANO, 2005, p. 96).
Entretanto, é necessário ressaltar que uma canção vai muito mais além destes fatores
elencados, constituindo-se num artefato cultural bastante complexo e reflexo de uma
sociedade que a gerou através de um indivíduo específico, o compositor. Assim sendo, a
História de um povo e a História do próprio compositor pode auxiliar-nos na
compreensão deste objeto artístico, assim como o estilo musical em que foi produzido
(contando com a instrumentação específica do gênero em questão, a performance vocal
que normalmente lhe é atribuída, entre outros – ou seja, a própria tradição musical) e as
necessidades de novas formas de expressão e inovação por parte do músico. É devido a
esse conjunto de questões, que fogem à alçada do saber historiográfico, que o
pesquisador em História através dos documentos musicais, não pode contar somente
com os métodos provenientes de sua área de saber.
Não queremos aqui desencorajar o professor que gostaria de utilizar canções em
sala de aula, e que, no entanto, não tem nem o conhecimento propriamente musical e
nem a possibilidade de estabelecer diálogos interdisciplinares. Para que o pesquisador-
professor possa trabalhar com esse corpus documental é necessário somente, num
primeiro momento, a insistência numa escuta repetida, minuciosa e atenta da música
analisada, com o apoio da leitura da letra. Através de sua audição, o professor-
pesquisador pode perceber as analogias (ou não) entre a parte sonora, o elemento escrito
e as informações performáticas (interpretação vocal e instrumental, entre outros),
compreendendo a mensagem musical de maneira mais completa.
Num esforço didático – afinal estamos falando de ensino de História –,
utilizaremos o recurso do exemplo para facilitar a compreensão. Escolhemos três
canções: Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré; O calhambeque
(Road hog), versão de Erasmo Carlos para a música de John D. Loudermilk e Gwen
Loudermilk; e, por fim, Dois mil e um (2.001), de Tom Zé e Rita Lee. Este exemplo é
fruto de uma experiência de ensino sobre o período da Ditadura Militar Brasileira
(1964-1985), empreendida por um dos autores, Victor Creti Bruzadelli, junto aos alunos
da turma I-1 do 9º ano do ensino fundamental da Escola Municipal Dalísia E. M. Doles,
em Goiânia, durante o mês de outubro de 2009. Com tal metodologia objetivava-se
levar o aluno a compreender como as obras produzidas naquele período refletiam os
vários ideários políticos e estéticos que estavam em jogo durante o processo de
modernização autoritária conduzido pelos governos militares, além de levá-los a
perceber a possibilidade de se utilizar a canção para se compreender o passado, entre
outros.
Estas canções foram todas produzidas e/ou gravadas durante o regime militar
brasileiro (1964-1985), sendo portanto representativas desse período. Sua
representatividade – e daí a escolha dessas três canções especificamente – cresce ainda
mais quando percebemos que cada uma delas faz parte de um dos “movimentos” 8

8
Entendemos que a idéia de movimento musical pode não abranger todas as pluralidades e divergências,
no interior desses grupos de músicos, quanto ao objeto artístico que produziam e a função atribuída aos
artefatos produzidos por eles, mas ainda assim utilizaremos o termo a fim de facilitar a compreensão e a
discussão sobre o período.
musicais que disputavam espaço junto à mídia e ao público na cena musical 9 do final da
década de 1960.
No final desta década, a cena musical, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, era,
grosso modo, divida entre dois grupos musicais: os músicos de protesto e os integrantes
da Jovem Guarda. Do lado dos músicos de protesto temos nomes como Sérgio Ricardo,
Carlos Lyra, Edu Lobo, Geraldo Vandré, entre outros. Estes músicos se apoiavam na
ideologia dos CPC’s (Centros Populares de Cultura) da UNE e, portanto, produziam
uma arte de caráter político de esquerda. Apesar do grande prestígio junto aos
estudantes universitários – alargado pelo grande sucesso destes nos festivais – a
penetração destas canções junto à maioria da população era bastante reduzida. Segundo
Renato Ortiz, isso se dava devido à concepção artística dos integrantes do CPC, de que
“fora da arte política não há arte popular”. Tal postura fez com que o CPC e,
conseqüentemente, os músicos de protesto não somente empobrecessem a dimensão
estética como também distanciassem o autor dos interesses populares, uma vez que todo
aspecto não imediatamente político era eliminado (ORTIZ apud SOUSA, 2002, p. 19).
Essas músicas buscavam, no mínimo, levar o público à reflexão e, no limite, fazer a
população postar-se de forma hostil ao governo instituído pela força, daí também ser
conhecida como música engajada. Objetivavam ainda fazer música tipicamente
brasileira – ainda que fosse possível encontrar “músicas de protesto” em toda a América
Latina nesse período, bem como em outras regiões do globo – rejeitando qualquer
influência explícita de músicas estrangeiras, sobretudo as veiculadas pela grande
indústria cultural mundial.
Já as músicas da Jovem Guarda diferenciavam-se de forma radical das anteriores.
Devido à influência explícita do grupo inglês The Beatles, esse “movimento” também
era conhecido como Iê-iê-iê. Vinculavam-se ao rock e às baladas pop, produzindo um
som facilmente comercializável junto à grande maioria da população, fator comprovado
pelo índice médio de 29,3 % da audiência do programa Jovem Guarda, chegando a 90%
no eixo Rio-São Paulo, no fim da década de 1960 (NAPOLITANO, 2007, p. 95).
Embaladas por instrumentos elétricos como a guitarra e o contra-baixo, essas canções
9
Utilizaremos aqui, para se referir ao contexto musical da década de 1960 o conceito de cena musical.
Segundo Marcos Napolitano, esse conceito foi elaborado em 1990 e pode ser definido como “espaço
cultural no qual um leque de práticas musicais coexistem, interagem umas com as outras dentro de uma
variedade de processos de diferenciação, de acordo com uma ampla variedade de trajetórias e influências”
(Negus apud. Napolitano, 2005, p. 30-31). Esse conceito visa criar uma alternativa para se pensar o
consumo a partir da teoria das subculturas, desligando os processos de produção artística do âmbito social
do artista e vinculando à construção eclética do próprio produtor de arte.
buscavam divertir o público, sem necessariamente levá-lo a reflexões e práxis políticas.
Louvavam a modernização10 e o crescimento econômico que se antevia para o Brasil
durante a gestão dos militares. Tais posturas faziam com que Roberto e Erasmo Carlos,
além de Wanderléia – principais representantes da Jovem Guarda –, fossem chamados
de músicos alienados, numa referência explícita ao vocabulário marxista, por parte dos
músicos de protesto. “É claro que essas definições segundo grupos rígidos de artistas
(ou CPC, ou Jovem Guarda) nem sempre eram tão bem delimitadas, havia artistas que
não se encaixavam em nenhuma dessas definições prévias, ou transitavam entre elas”
(BRUZADELLI; RIOS, 2008, p. 136).
Percebendo as amarras estéticas e polítco-ideológicas impostas pela canção de
protesto e a impossibilidade de se fazer uma arte “original” dentro dos parâmetros da
Jovem Guarda, alguns músicos (destacando-se Gilberto Gil e Caetano Veloso)
organizam-se na constituição de um novo ideário para a canção popular no Brasil:
nascia, então, a Tropicália. Este “movimento” surgia como uma terceira via para o
impasse entre politização, inovação estética e popularização da música em terras
brasileiras. O principal referencial teórico destes músicos é a antropofagia oswaldiana:
para eles a arte brasileira deveria mesclar-se aos aspectos exógenos – macumba
misturava-se com quadrinhos, folclore com música pop, moda de viola com rock,
concretismo com cubismo e dadaísmo, entre outros. Segundo o projeto estético
tropicalista, buscava-se inserir a música brasileira no circuito da modernidade. Não uma
modernidade idealizada, que antevia o progresso ilimitado do Brasil, mas aquela que
coabita com os arcaísmos culturais brasileiros. Essa relação entre moderno e arcaico se
processa, na estética tropicalista, através da justaposição desses termos opostos;
evidenciando a convivência desses dois âmbitos da vida cultural brasileira devido ao
desenvolvimento desigual do capitalismo periférico. A arte tropicalista, assim como a da
Jovem Guarda e, em certa medida, a de Protesto, inseria-se na indústria cultural,
alargando, entretanto, seu alcance e buscando inserir uma mensagem contestadora e
contracultural nas dobras do próprio sistema11. Entretanto, em sua maioria, as canções
tropicalistas também não alcançaram grande sucesso junto ao grande público, devido,
10
Segundo Marshall Berman, viver num ambiente moderno é viver num ambiente que nos promete uma
transformação que “ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo que somos” (Berman,
1986, 15), ou seja, cair num turbilhão de descaracterização da cultura nacional. Mas ainda assim, para
estes, tal ambiente proporcionaria desenvolvimento econômico e social, além de, dialeticamente, integrar
a arte produzida no Brasil no contexto mundial.
11
A simples admissão desta possibilidade já nos afasta das percepções de Adorno que concebe a
indústria cultural exclusivamente orientada segundo o princípio de sua comercialização e não segundo seu
próprio conteúdo e sua figuração adequada (Adorno, 1986, p. 93-94).
possivelmente, a uma sonoridade à qual o público não estava acostumado e ao grande
hermetismo de suas letras.
É essencial perceber que é a partir da interação entre estes “movimentos” estéticos
que o conceito de MPB irá se edificar no final da década de 1960 e início da seguinte. A
construção desta nova forma de se produzir música no Brasil não se construiu,
obviamente, sem a tutela e a organização da indústria fonográfica e televisiva e da
crítica especializada. A importância da MPB pode ser dilatada quando percebemos,
juntamente com Napolitano (2007), que ela foi produzida e estabelecida como nossa
última grande tradição musical.
A partir do conhecimento do contexto de produção e gravação das canções, bem
como de seus contextos político e ideológico, o professor-pesquisador poderá utilizar o
documento musical como uma ferramenta que irá auxiliá-lo no processo de ensino-
aprendizagem. No caso destas três canções especificamente, sugerimos que o professor
divida o quadro em três partes, uma relacionada a cada uma das canções, e a partir daí
ouça com a turma cada uma das canções. Ao fim de cada uma delas, o professor poderá
pedir aos alunos que apontem as características que mais lhes chamaram a atenção, bem
como os aspectos que as distinguem das outras, anotando todos os apontamentos nas
seções que lhe são atribuídas no quadro. Posteriormente, uma nova escuta coletiva
deverá ser efetuada, porém com o acompanhamento da leitura da parte verbal da
canção. Novamente deverão ser anotados os novos apontamentos que eventualmente
surgirão. A partir das anotações no quadro, o trabalho do professor será apenas o de
trazer as informações que possam explicar tais distinções. Neste momento, o
conhecimento acerca do período será de essencial importância para o bom
encaminhamento da aula.
Esta técnica de uso de canções na sala de aula não é a única possível, mas é uma
das maneiras de utilizar o documento-canção de forma mais complexa no ambiente
escolar. Agindo desta forma, o professor-pesquisador irá problematizar, juntamente com
o corpo discente, o documento musical, afastando-se de uma perspectiva que o vê
apenas como uma ilustração do período em estudo, postura muito comum nos manuais
que se utilizam das canções.

***
Além dos documentos musicais propriamente ditos, existem outras fontes de saber
histórico relacionados à canção. Outras mídias estão relacionadas ao universo musical e
podem se transformar em documento histórico e ferramenta didática. Dentre elas
destacamos os videoclipes e os encartes de CD’s e LP’s. Para a análise destas mídias, a
interdisciplinaridade deve novamente ser utilizada.
Quando utilizamos uma imagem ou um filme em aulas de História, devemos,
assim como fazemos com a música, problematizá-los. Para que possamos fazê-los, faz-
se necessário, novamente, o conhecimento dos métodos específicos de estudo destas
áreas do conhecimento histórico. Conhecer, portanto, técnicas de pesquisa relacionadas
ao estudo de imagens e do cinema será de essencial importância para o professor que
pretende utilizar-se tanto dos videoclipes musicais quanto dos encartes de discos. Assim
como as canções, estas outras mídias necessitam de um trabalho hermenêutico distinto
dos demais tipos de documentos. Uma hermenêutica que saiba relacionar os conteúdos
imagéticos, contextuais e musicais presentes nestes novos objetos historiográficos e
didáticos.
Videoclipes são uma boa alternativa ao professor que pretende utilizar-se de
artefatos cinematográficos, mas que é impedido pela longa duração da maioria dos
filmes. Por ser uma linguagem diretamente relacionada à música, eles quase sempre tem
a mesma duração que a canção para a qual foram feitos, ou seja, seu tempo é em média
de três minutos. O videoclipe da música Do the evolution, da banda Pear Jam, por
exemplo, pode ser utilizado para se pensar o processo modernizador e a conseqüente
destruição do meio ambiente, além de citar temas como a guerra do Vietnã e outros.
Obviamente este videoclipe deve vir legendado, para que os alunos possam
compreendê-lo, e isto pode ser encontrado em sites especializados em vídeos, como o
You Tube. Apesar do grande poder das imagens no processo de ensino-aprendizagem, o
fator musical também deve ser levado em conta, tal qual evidenciamos anteriormente.
Este poder das imagens pode ser utilizado também através do uso de encarte de discos
como ferramenta pedagógica. A capa do LP Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band
(Anexo 1), dos The Beatles, por exemplo, pode ser utilizada para se compreender o
universo da indústria cultural e sua gênese no século XX, bem como o mercado de
símbolos e a emergência da vanguarda da pop’art, como fica perceptível na imagem.
A música, assim como suas outras figurações, é uma ferramenta bastante útil nas
salas de aula. Porém exige um esforço maior do docente, que precisará empenhar-se nas
duas faces da prática docente: no âmbito do saber específico, neste caso a relação entre
História e música, e na esfera do saber pedagógico, o “saber ensinar” – saberes
complementares e indissociáveis no interior desta profissão. Percebemos assim que um
professor de História nunca irá se formar, mas que ele sempre estará em processo de
formação, já que tanto a prática docente quanto a ciência pedagógica e a História,
também estão em constante transformação e reformulação de seus saberes.
Porventura, se o professor utilizar o documento-canção em sala de aula sem
problematizá-lo, de forma acrítica, pode ocorrer que esta ferramenta, que tanto poderia
auxiliar o docente, se transforme em um complicador a mais para a compreensão do
aluno a respeito de nossa disciplina. Portanto, se os procedimentos de pesquisa e as
práticas de ensino não forem adequados ao conteúdo que será ministrado e ao nível de
compreensão dos discentes, podemos transformar a nossa disciplina em Samba do
Crioulo Doido, tal qual expresso em nossa epígrafe.

ANEXO 1 (Imagens)

Capa do Disco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles (1967)
Disponível em: <http://elpodcastdelogan.files.wordpress.com/2009/03/sargent-pepper.jpg>. Acesso em 09 jan. 2010.
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